Resenha Pessimismo Sentimental Sahlins

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Resenha O “Pessimismo Sentimental” e a Experiência Etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção Em “O “Pessimismo Sentimental” e a Experiência Etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção”, Marshall Sahlins (1997) responde às críticas feitas contra a ideia de “cultura” como o objeto principal da antropologia ou preocupação fundamental de todas as ciências humanas. Identifica tal “cultura” como a “organização da experiência e da ação humanas por meios simbólicos” (p. 41), ressaltando a importância dos valores e significados manifestos nas pessoas, relações e coisas que não são determinados por propriedades biológicas ou físicas; “cultura” seria, portanto, aquilo que é singular aos seres humanos. As críticas que responde são de dois tipos: as primeiras dizem respeito às “suspeitas morais levantadas contra a noção de cultura por uma certa política interpretativa, normalmente apoiada em uma historiografia do tipo ‘pecado original’” (p. 42); já as críticas do segundo tipo tratam da “continuidade e sistematicidade das culturas estudadas pela antropologia”. (p. 42) Mais especificamente, contrapõe-se às críticas que reduzem a cultura a demarcação de fronteiras. Tal crítica coloca “que as formas e normas culturais são prescritivas e não concedem espaço algum à ação intencional humana”. (p. 42) Isso

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ResenhaO Pessimismo Sentimental e a Experincia Etnogrfica: por que a cultura no um objeto em via de extino

Em O Pessimismo Sentimental e a Experincia Etnogrfica: por que a cultura no um objeto em via de extino, Marshall Sahlins (1997) responde s crticas feitas contra a ideia de cultura como o objeto principal da antropologia ou preocupao fundamental de todas as cincias humanas. Identifica tal cultura como a organizao da experincia e da ao humanas por meios simblicos (p. 41), ressaltando a importncia dos valores e significados manifestos nas pessoas, relaes e coisas que no so determinados por propriedades biolgicas ou fsicas; cultura seria, portanto, aquilo que singular aos seres humanos.As crticas que responde so de dois tipos: as primeiras dizem respeito s suspeitas morais levantadas contra a noo de cultura por uma certa poltica interpretativa, normalmente apoiada em uma historiografia do tipo pecado original (p. 42); j as crticas do segundo tipo tratam da continuidade e sistematicidade das culturas estudadas pela antropologia. (p. 42) Mais especificamente, contrape-se s crticas que reduzem a cultura a demarcao de fronteiras. Tal crtica coloca que as formas e normas culturais so prescritivas e no concedem espao algum ao intencional humana. (p. 42) Isso significaria que qualquer povo que tenha sofrido as consequncias da colonizao ocidental ou que seja racialmente discriminado, quando homogeneamente identificado com certa cultura, seria marcado em sua servido pelo pensamento hegemnico. Da tambm decorre as crticas que veem no conceito de cultura o tropo ideolgico do colonialismo, j que ele controlaria intelectualmente atravs do encarceramento dos povos perifricos como sujeitados por e separados do ocidente progressista. Segundo Sahlins, essa seria uma viso bastante reducionista de cultura, pois a coloca como tendo uma finalidade especfica a demarcao da diferena conectando tal viso ao fato de ter origens impuras, j que fortemente ligada ao colonialismo e ao capitalismo. Deixa-se de fora, assim, as instituies sociais, modos de produo, valores dos objetos, categorizaes da natureza e o resto as ontologias, epistemologias, mitologias, teologias, escatologias, sociologias, polticas e economias. (p. 44)O corolrio dessa crtica relaciona essa poltica de discriminao s origens do conceito de cultura, j que teria sido criado em meio s relaes de produo da Europa Ocidental, carregando o que Robert Young chama de os estigmas do capitalismo, repetindo e manifestando os conflitos estruturais do sistema de classes que a produziu. (YOUNG, 1995, p. 53 apud SAHLINS, 1997, p. 44) Quando no do capitalismo, suas origens remontam ao colonialismo, tendo como finalidade tambm a diferenciao e dominao. Seu contra-argumento se desenvolve com base no desenvolvimento histrico do conceito antropolgico de cultura, ligando-o s suas origens alems, no qual Iohann Gottfried von Herder colocou os termos da relao entre imperialismo e antropologia de maneira bem diferente daqueles considerados pela crtica. Sahlins aponta para o fato de que a reflexo sobre a diferena nessa noo de cultura se opunha misso colonizadora, aparecendo como a anttese de um projeto colonialista de estabilizao, uma vez que os povos a utilizam no apenas marcar sua identidade, como para retomar o controle do prprio destino. (SAHLINS, 1997, p. 46) Dessa forma, tais intelectuais alemes se opuseram s ideias iluministas de civilizao universal. Enquanto essa ltima est ligada a uma ideia de progresso universal da razo que culminaria na civilizao ocidental, kultur teria apenas variedades (e no graus), caracterizando formas especficas de vida, sendo intrinsecamente plural. Tal noo de cultura tambm se colocou criticamente em relao ao individualismo utilitarista do Iluminismo, negando sua universalidade. Herder enfatizava o ser humano como ser social e valorizava a linguagem e a viso de mundo que traz consigo como principal unificador dos grupos, independentemente da formao de um Estado, uma imposio artificial e externa. Tambm tal concepo contesta o racionalismo universal conjugado de uma epistemologia sensualista dos iluministas, trazendo a perspectiva na qual a razo se entrelaa com o sentimento e est presa imaginao (SAHLINS, 1997, p. 48) e na qual h diferentes vises de mundo, sem divises entre acerto e erro.Aps afirmar que tal viso de cultura foi fundamental para a antropologia norte-americana, principalmente associada ao grupo de Franz Boas e seus alunos e alunas, Sahlins traz as diferentes maneiras que as antropologias ocidentais tm utilizado o conceito, a fim de desconstruir as objees ao sentido essencialista e totalizante do termo. Pontua que as antropologias britnica e francesa, por exemplo, tiveram pouca aproximao com a cultura enquanto objeto da antropologia at pouco tempo e, justamente agora que parece ter se espalhado a ponto de se tornar dominante, sente como se o sentido norte-americano de cultura comeasse a se desfazer. Adiciona que as principais crticas realizadas recentemente referentes tendncia da disciplina a supervalorizar a ordem e a perceber a cultura como objetivada, reificada, superorgnica, essencializada, estereotipada, primordial, homognea, lgica, coesa, fechada, excessivamente determinista e sistemtica (SAHLINS, 1997, p. 49), - j vm sendo feitas em conjunto com o conceito de cultura h muito tempo.O autor identifica tal desencanto como expresso da perda do objeto, lendo-as como novas verses da nostalgia antropolgica do primitivo evanescente. (SAHLINS, 1997, p. 50) Relembrando que desde sua origem, a antropologia tem sido um esforo de salvamento, j que h sempre uma obsesso pelo declnio da cultura indgena e pela perda de suas memrias, Sahlins constata que hoje, entretanto, como se o quase-objeto da antropologia houvesse desmoronado inteiramente, vtima do sistema mundial capitalista. (SAHLINS, 1997, p. 50) o pessimismo sentimental (GREENBLATT, 1991, p. 152 apud SAHLINS, 1997, p. 51): a vida dos outros povos do planeta desmoronando em vises globais da hegemonia ocidental (SAHLINS, 1997, p. 51) Sahlins bastante crtico a essa viso, afirmando que decorrente da teoria do desalento que, nos anos 50 e 60, acreditava que o processo de modernizao daria fim, via deculturao ou aculturao, s instituies, valores e conscincia cultural dos povos aborgenes j que os costumes tradicionais seriam obstculos ao desenvolvimento. O autor ento coloca que, ainda que o complemento antropolgico teoria do desalento fosse uma preocupao com o Outro, quando negam qualquer autonomia cultural a esses povos, as antropologias do sistema mundial acabam por se assemelhar ao colonialismo que tanto criticam. Isso porque ao colocarem que as sociedades indgenas modernas haviam sido construdas exclusivamente pelo imperialismo, colocavam-nas em uma relao de absoluta submisso. Sahlins, diferentemente, defende que, pelo menos os povos que sobreviveram fisicamente ao assdio colonialista, esto elaborando culturalmente o que lhes foi impingido e tentam incorporar sistema mundial a uma ordem ainda mais abrangente: seu prprio sistema de mundo. (SAHLINS, 1997, p. 52)Como alternativa a esse pessimismo sentimental, Sahlins apresenta como tarefa da antropologia a indigenizao da modernidade e a continuidade da experincia etnogrfica. Para o autor, no o caso de um otimismo sentimental, j que os povos sobreviventes so uma pequena parte das ordens socioculturais existentes no sculo XV e as formas de violncia foram diversas, mas h a necessidade de uma reflexo sobre a complexidade desses sofrimentos, sobretudo no caso daquelas sociedades que souberam extrair, de uma sorte madrasta, suas presentes condies de existncia. (SAHLINS, 1997, p. 53) Como contraposio, ele evoca os movimentos de intensificao cultural, mostrados por Richard Salisbury como o aparentemente paradoxal enriquecimento da cultura tradicional que algumas vezes acompanha a integrao das sociedades indgenas economia global. (SAHLINS, 1997, p. 53) Nesse sentido, Sahlins d vrios exemplos de estudos etnogrficos que demonstram a variedade de respostas locais frente hegemonia econmica do Ocidente, pontuando que elas so muitas vezes invisibilizadas pelo pessimismo sentimental em uma aculturao universal. (SAHLINS, 1997, p. 54) O autor argumenta tambm que no Ocidente igualmente houve grupos como os escravos africanos na Amrica ou a classe operria inglesa no incio da Revoluo Industrial, que tambm foram bastante dependentes, mas nem por isso as pessoas negariam que tivessem construdo suas contraculturas. Sugere ento que uma maneira de lidar com essa constatao (de que os outros povos no so facilmente deculturados): reconhecer o desenvolvimento simultneo de uma integrao global e de uma diferenciao local. (BRIGHT e GEYER, 1987 apud SAHLINS, 1997, p. 57) Nesse sentido, Sahlins entende que justamente o processo de aculturao que leva os povos locais a se distinguirem do modo que o fazem, o que mostra que a homogeneidade e a heterogeneidade andam juntas. Dessa forma, o autor pontua que a crtica ps-modernista da etnografia pertinente em algum sentido, porm o que deve resultar dela no o fim da cultura, mas sim a constatao que o termo assumiu uma variedade de novas configuraes, e que nela agora cabe uma poro de coisas que escapam ao nosso sempre demasiado lento entendimento. (SAHLINS, 1997, p. 58)Para complementar seu argumento, Sahlins trata de trs trabalhos etnogrficos especficos a fim de demonstrar, em outra escala, como se d a intensificao cultural. O primeiro trabalho de Rena Lederman, que d uma viso ampliada do divelopman (desenvolvimento na lngua local, modificando seu significado), mostrando o modo como os Mendi conseguem infundir seus prprios significados a objetos estrangeiros. (SAHLINS, 1997, p. 60) No incio, a antroploga se sentiu tentada a entender o uso de objetos europeus pelos Mendi como um indicativo de que estivessem j atrelados aos significados e relaes advindas dessas mercadorias, comprometendo assim suas formas tradicionais de existncia. Contudo, em um segundo momento, veio a perceber que elas intensificavam as estruturas Mendi de sociabilidade e suas concepes de existncia humana. Isso porque, a partir de uma maior quantia de dinheiro, conchas de madreprola, porcos e bens estrangeiros, puderam expandir suas trocas entre parentes e aumentar de maneira indita os cerimoniais clnicos. Resta evidente, assim, que ainda o sistema cultural local que estrutura o modo que esse povo categoriza os novos objetos e modos de agir a que foram apresentados nos ltimos anos. Sahlins ressalta, entretanto, que isso no significa dizer que no h mudanas, mas que elas se adaptam ao esquema estrutural existente. Isso significa dizer que ainda que os bens fossem europeus, no o eram as necessidades e as intenes, que eram guiadas por diferentes concepes. Por fim, comenta dois pontos que tratam da historicidade dos esquemas culturais tradicionais: o primeiro relativo ao aumento da intensidade e do alcance da reciprocidade em pequena escala e da troca cerimonial em larga escala, indo em direo contrria s presses dos governos coloniais e ps-coloniais; o segundo ponto diz respeito ao fato de que tal developman no se tratar de algo novo, j que, como coloca Sahlins, a tradio no era mais esttica no passado do que agora (SAHLINS, 1997, p. 64) e a habilidade de inovao e renovao uma qualidade intrnseca de tal sistema.O segundo trabalho que Sahlins comenta de Epeli Hauofa, que estudou o desenvolvimento econmico em Tonga, desafiando as concepes neocolonialistas que viam as sociedades do Pacfico como condenadas ao subdesenvolvimento devido ao seu isolamento e s suas mltiplas carncias (SAHLINS, 1997, p. 103) Nascido na Nova Guin, filho de pais tonganeses e professor de uma universidade que atende a doze pases insulares do Pacfico, Hauofa passou, em dado momento, a lamentar a insistncia dos intelectuais locais em dar continuidade a linguagens da economia e cincia poltica em detrimento de suas tradies culturais. Esse autor, contrapondo-se a uma viso de dependncia total desses pases por serem pequenos, pobres, isolados, dentre outros problemas, mostrou como as inclinaes habituais das pessoas conseguem solapar os mais variados esquemas de desenvolvimento de inspirao estrangeira (Hauofa, 1979, p. 4-5, 8, 119 apud Sahlins, 1997, p. 106) Demonstra que as pessoas comuns, ao contrrio dos intelectuais, no se veem em uma dependncia de classe, mas sim como o povo da terra, diferenciando-se dos estrangeiros e chefes governantes. Diferentemente do discurso europeu, que os coloca como isolados, ele coloca que o mar o lar do povo, assim como o era para os ancestrais, que viviam em associaes de ilhas ligadas e no separadas pelo mar. Os povos do Pacfico teriam, inclusive, retomado o controle tradicional do espao ocenico aps a segunda guerra, com novos meios, objetivos e escala. Contudo, ainda que a emigrao seja bastante intensa, Hauofa coloca que, no importa onde estejam, eles esto conseguindo recursos, emprego e propriedades, expandindo assim as redes de parentesco nas quais circulam a si mesmos, parentes, histrias e objetos, ampliando assim seu mundo. As trocas continuam sendo bilaterais, dando continuidade a um sistema de prestaes totais que d valores sociais s transaes. Nesse contexto, o dinheiro apenas a parte material de uma circulao maior e mais inclusiva. Sahlins coloca:No se trata aqui apenas de saudade. Enquanto indivduos, famlias e comunidades de ultramar, os emigrantes so parte de uma sociedade transcultural dispersa, mas centrada na terra natal e unida por uma contnua circulao de pessoas, idias, objetos e dinheiro. Deslocando-se entre plos culturais estrangeiros e indgenas, adaptando-se queles enquanto mantm seu compromisso com estes, os tonganeses, samoanos e diversos outros povos como eles tm sido capazes de criar as novas formaes que estamos chamando aqui de sociedades transculturais. (SAHLINS, 1997, p. 110)

Acrescenta ainda que desde o sculo XIX, so diversas as culturas translocais que esto se desenvolvendo pelo Terceiro Mundo, com uma narrativa diferente daquela que os coloca como encarcerados pelo imperialismo. Tal constatao leva desconstruo do dogma da anttese histrica entre aldeia e cidade, j que se percebe assim que h populaes translocais que conseguem habitar os dois mundos, unindo-os em uma totalidade sociocultural. dessa forma que se mostra que a modernizao no a nica alternativa, sendo a indigenizao da modernidade se d paralelamente, no campo e na cidade. A partir da, Sahlins prope algumas generalizaes, colocando que a estrutura assimtrica de duas maneiras opostas: primeiramente que, considerada como uma totalidade, a sociedade translocal est centrada em suas comunidades indgenas e orientada para elas (SAHLINS, 1997, p. 115), fazendo com que o fluxo de bens materiais favorea os que ficam na aldeia, com a ordem indgena englobando a moderna. A importncia desse centramento na terra natal importante, para Sahlins, na medida em que contrape uma ideia de desterritorializao. Seria justamente por ser o lugar de origem que permanece como foco de vrias relaes culturais. Por outro lado, a assimetria complementar diz respeito s vantagens da cidade as quais as pessoas querem levar at a aldeia. Os objetos e experincias do mundo externo so incorporados nas comunidades como poderes culturais, alm do que festas e rituais tradicionais so subsidiados pelos rendimentos de pessoas que esto no exterior, sendo assim dependente de tais pessoas. Tal prestgio da esfera estrangeira, no entanto, no adveio do colonialismo, j que tal englobamento cultural no uma novidade, e as sociedades no ocidentais no eram to limitadas e autocontidas como se supe.O ltimo trabalho que Sahlins evoca para complementar seu argumento o de Terence Turner, autor que coloca a cultura como o meio pelo qual um povo define e produz a si mesmo enquanto entidade social em relao sua situao histrica em transformao. (Turner, 1987, p. 6 apud Sahlins, 1997, p. 122) Tambm um autor que advoga em favor da capacidade de agncia histrica dos povos indgenas frente ao sistema mundial capitalista. Essa viso seria uma tentativa de manter os povos indgenas refns de sua histria que levaria a priv-los da histria. Em sua trajetria, Turner acompanhou os indgenas Kayap em momentos diferentes. Em 1962, relata t-los visto viver em uma vida dupla, na qual sua existncia tradicional existia apenas nos limites traados pelas exigncias ocidentais. Dessa forma, sem conseguir objetivar sua cultura e conferir-lhe um valor instrumental, os Kayap tampouco podiam fazer de sua identidade tnica uma afirmao de autonomia. (SAHLINS, 1997, p. 124) Contudo, ao voltar a campo em 1985, Turner passou a ouvir a palavra cultura com frequncia, associada a novas relaes estabelecidas com outros povos indgenas, com a sociedade nacional e com o sistema internacional, e tinham conscincia de que suas tcnicas de subsistncia, dieta alimentar, cerimnias, instituies e acervos sobre saberes e costumes faziam parte de sua cultura e eram necessrias vida como a entendiam. Sahlins coloca que isso no significa nenhuma volta a uma suposta cultura primordial, mas perceberam que sua reproduo depende do entendimento dos meios e do controle das foras de sua transformao histrica. nesse sentido que se coloca que na luta contra o sistema hegemnico, a continuidade das culturas indgenas consiste nos modos especficos pelos quais elas se transformam. (SAHLINS, 1997, p. 126) Durante esses 25 anos de intervalo entre os dois trabalhos de campo, os Kayap assumiram o controle de todos os focos institucionais e tecnolgicos de dependncia em relao sociedade brasileira existentes dentro de sua comunidade e territrio. (Turner, 1993, p. 5 apud Sahlins, 1997, p. 127) Sahlins ento argumenta que essa uma expresso local de um fenmeno muito mais generalizado, caracterstico do fim do sculo XX. Vrios povos objetivaram sua cultura, transformando-a em objeto de guerra de vida ou morte. Isso se deu, segundo Sahlins, como uma resposta s foras nacionais e globais que ameaavam seus modos tradicionais de existncia. O autor tambm argumenta contra a aparente contradio que significaria o fato de os maiores defensores da cultura tradicional sejam estudiosos da ordem mundial ocidental. Defende que justamente por sua posio, so os mediadores ideais. Citando Fredrik Barth (1969, p. 34), coloca que o fato de tais formas de existncia e objetivao da cultura serem polticas no retira o carter tnico; so maneiras diversas de se relevar as diferenas culturais. Para Sahlins, essa autoconscincia cultural um aspecto da prpria ordem capitalista, mas a resposta indgena no pretende retornar a uma condio pr colonial. Segundo ele, a volta s origens est acoplada a um desejo de manter e expandir o acesso s inovaes tcnicas, mdicas e demais benefcios materiais do sistema mundial. (SAHLINS, 1997, p. 133) Isso significa dizer que esto dispostos a englobar a ordem global dentro de suas ordens cosmolgicas. Para Sahlins, isso significa que estamos diante uma nova organizao mundial da cultura e de novos modos de produo histrica. Essa, que ele chama de Cultura Mundia da(s) cultura(s) seria mais uma organizao da diversidade que pura replicao da uniformidade. desse intercmbio entre o local e o global que se faz a histria cultural, j que se percebe que os povos indgenas no so apenas vtimas, mas tambm capazes de agncia histrica. Ainda, evoca Franz Boas para tratar da tradio que implcita a qualquer inveno de tradio. Como o autor coloca referenciando Boas, a defesa da tradio implica alguma conscincia; a conscincia da tradio implica alguma inveno; a inveno da tradio implica alguma tradio. (SAHLINS, 1997, p. 136) Concluindo, o autor defende ento que a antropologia est to bem quanto sempre esteve, e que foi o prprio desenvolvimento de uma Cultura Mundial da(s) cultura(s), que acabou com a antiga noo de cultura para a disciplina (sistemas limitados, coerentes e sui generis), que levou a um pnico acerca da possibilidade do conceito.