Resenha - Skate e Skatistas - Contemporâneos - Skate e... · ainda que existam tanto estilos de...
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Skate um breve panorama da prtica no Brasil, Argentina e Chile
Skateboarding a brief view of skate practicing in Brasil, Argentina and Chile
Mnica Bento1 BRANDO, Leonardo; HONORATO, Tony (Org). Skate & skatistas questes contemporneas. Londrina: UEL, 2012. 248 p. O livro
Skate & Skatistas Questes contemporneas, lanado em 2012 pela editora
da Universidade Estadual de Londrina, traa um panorama da histria e da prtica do
skate no Brasil e traz um breve panorama da situao na Argentina e no Chile. Os
organizadores do livro, Leonardo Brando e Tony Honorato, so bem sucedidos na
construo de um breve, porm claro e abrangente, painel da prtica.
O skate est presente h mais de 50 anos no pas, mas continua precisando se
reafirmar com prtica vlida a todo o momento. Os esteretipos que acompanham a
atividade/o esporte podem ter atrasado seu pleno desenvolvimento, mas iniciativas
como a dos organizadores do livro e de cada autor em particular, que decidiram
aprofundar-se no assunto, ajudam a consolidar a legitimidade dos estudos de uma
prtica que conquista adeptos que no tm medo de enfrentar obstculos, fsicos e
"sociais", e sentir a liberdade de "deslizar pelo cho e pelos ares".
interessante notar que, apesar da assimilao da atividade pelo mercado e pela
mdia, os skatistas continuam enfrentando certo preconceito na sociedade. Resiste no
imaginrio popular uma associao preconceituosa com o "estilo de vida" dos skatistas,
ainda que existam tanto estilos de vida quanto so o nmero de praticantes.
Foto Skate 1
Surgido a partir do surfe, o skate se desenvolveu de maneira independente, com estilos e manobras que ajudaram a
criar uma identidade prpria, ainda que mltipla, para a prtica.
1 Jornalista graduada em Comunicao Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Viosa, email:
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O Surfe de Asfalto
O primeiro artigo, de autoria de Leonardo Brando, recorre a publicaes
jornalsticas, notadamente revistas, como arquivo histrico para investigar como se
deu a introduo da prtica do skate no Brasil a partir da dcada de 1970. O autor busca
embasamento em campos de conhecimento diversos (como a Educao Fsica, a Moda,
a Histria e a Sociologia) para tratar do incio do skate no pas.
A principal fonte utilizada so as matrias da revista Gerao Pop, publicada
pela editora Abril de 1972 a 1979, uma das primeiras a trazer notcias sobre a prtica do
skate no pas e que funcionava tambm como um espao para veiculao de certos
ideais de consumo, de produtos e de um estilo de vida jovem. As primeiras matrias
sobre skate remetiam ao surfe e ao lazer; somente a partir da segunda metade dos anos
1970 comeam a aparecer referncias prtica como um esporte e s competies.
De certa forma, o skate surge no Brasil como uma atividade de lazer envolvida
em um contexto que lhe deu uma funo mais profunda na sociedade, ainda que essa
funo s tenha ficado clara com o distanciamento histrico. Brando (2012, p 17)
explica:
Vistos como um misto de lazer e aventura numa poca marcada por um maior controle social, tais atividades ofereciam aos seus praticantes uma alternativa para manifestar excitaes em pblico ainda que de maneira moderada e um certo antdoto para as tenses resultantes do esforo contnuo de autocontrole e restries sociais.
Atividade tipicamente urbana, no Brasil ela se desenvolveu principalmente no
Rio de Janeiro e em So Paulo. Pelo que se pode notar, a cobertura da imprensa teve um
papel importante na legitimao da prtica, fazendo com que ela deixasse de ser vista
apenas como uma brincadeira e mostrando quem eram as pessoas que a praticavam.
O artigo tambm aborda o rpido florescer da atividade na dcada de 1970 e o
surgimento das primeiras pistas, reflexo do crescimento do skate no Brasil. O autor
levanta a questo da mercantilizao do skate, que aconteceu rapidamente e foi um
dos fatores responsveis pela rpida considerao da prtica como esporte (questo
discutida de modo aprofundado no artigo de Billy Graeff). Ele tambm recorre a Pierre
Bourdieu para identificar aspectos que denotam a transformao da prtica em atividade
esportiva (como o surgimento de marcas de roupas e acessrios, patrocnios, cobertura
contnua da mdia e formao de associaes), a partir da percepo de certos elementos
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e comportamentos ligados ao skate em determinado momento histrico.
O espao do skatista - Skatistas, escola e poder e Todos juntos e misturados
O uso do espao fsico para a prtica de skate fonte de tenses, com a
apropriao do espao urbano sendo vista como uma ruptura da ordem esperada e os
equipamentos urbanos sendo usados para funes bastante diversas das suas originais.
Tony Honorato, autor do artigo Skatistas, escola e poder, destaca que o
ambiente escolar agrega crianas e jovens vindos de situaes diferentes, ao mesmo
tempo em que reproduz as diferenas sociais do ambiente externo. Os skatistas
encontram no confronto com a autoridade, representada pelos adultos responsveis da
escola, uma maneira de se definirem como praticantes, de se diferenciarem do restante
dos frequentadores daquele espao. Para analisar as relaes de poder vividas dentro da
escola, o autor faz uma reflexo sobre o que o poder e como ele se caracteriza no
espao escolar. Atravs do depoimento de alunos skatistas de escolas de Piracicaba (So
Paulo) tem-se exemplos dos confrontos que surgem e tambm casos em que a escola
tenta abraar a prtica como modo de envolver seus praticantes. O autor conclui que a
todo o momento h um reequilbrio das foras que coexistem neste espao e que ora
tendem para um lado (a autoridade), ora para outro (os skatistas).
Porm, apesar de estarem unidos pela prtica (e talvez at por um mesmo gosto
por desafiar o que est estabelecido), os skatistas no formam um grupo coeso e nico,
mas renem-se sob esse nome diferentes subgrupos, cada um com caractersticas
particulares. das relaes entre esses grupos menores que trata o artigo Todos juntos
e misturados: sociabilidade no pedao skatista, de Giancarlo Machado.
O autor se detm sobre a anlise de prticas e comportamentos comuns aos
participantes dos campeonatos da modalidade street skate, chamados de streeteiros. Ele
observa trs tipos de vnculos nos campeonatos: vnculos entre aqueles [skatistas] que
se conhecem (as relaes entre os praticantes que esto se reencontrando); vnculos
entre aqueles que se conhecem virtualmente (entre os skatistas que j estabeleceram
uma relao via internet e esto trazendo-a para a vida real) e vnculos entre aqueles
que passam a se conhecer no prprio campeonato (skatistas que tomam conhecimento
da existncia uns dos outros pela primeira vez naquela situao). Todos estes vnculos
que so criados, retomados e/ou fortalecidos reforam a percepo de que os
campeonatos desempenham uma importante funo social na vida do skatista que deseja
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ser (re)conhecido pelos patrocinadores ou pelo pblico e tambm por seus pares.
Tambm esto identificadas no artigo outras formas de sociabilidade, como a
que se estabelece atravs da categoria dos competidores, pelo gosto musical ou atravs
do gnero (a presena de mulheres nas competies , em geral, muito menor que a dos
homens). O autor faz questo de apontar que nenhum dos subgrupos imutvel e
exclusivo, ou seja, h um movimento constante entre os membros, que circulam por
vrios subgrupos ao longo do campeonato.
Foto Skate 2
As competies de skate, principalmente devido aos patrocnios e exposio na mdia, passaram a atrair
espectadores alm dos praticantes.
Domando o corpo - As Dimenses do Risco
O artigo de Maurcio Bacic Olic, As dimenses do risco: ou como o skatista se
torna um agrimensor do seu prprio corpo, aborda um dos aspectos mais elementares
da prtica do skate: a questo corporal. Ao decidir iniciar a prtica, o futuro skatista
assume os riscos advindos da exposio que o corpo sofre; para desenvolver tcnicas e
habilidades preciso empurrar os limites conhecidos pelo corpo a fim de descobrir
maneiras de lev-lo a outro patamar. Quando os limites ficam para trs, segundo o autor,
marcado o momento em que o praticante se insere de vez no universo do skate, e, de
certa forma, assume este estilo de vida; quando o prazer decorrente das manobras supera
o medo, o desejo por reviver aquelas sensaes impulsiona o skatista.
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Olic cita ainda as diferenas entre os skatistas que buscam radicalizar
(extrapolar os limites sem pensar tanto nas consequncias), ao mais comum entre os
menos experientes, e aqueles que tendem a se preservar, adotar o que o autor chama de
economia do movimento a fim de evitar danos ao corpo, comportamento mais comum
entre os praticantes mais velhos, chamados de old schools.
O artigo mostra que no existe um nico andar de skate, mas vrias maneiras
de faz-lo, cada um desenvolvendo o estilo que melhor se adqua a seus gostos e aos
limites de cada corpo (e uma deficincia fsica por si s no impedimento para um
atleta do skate; ele vai apenas criar uma nova maneira de andar, sob medida para seu
corpo, por exemplo). Para Olic (2012, p. 94),
diferentes tcnicas corporais indicam, portanto, como o jovem, na medida em que comea a andar de skate, passa a produzir no somente manobras, mas uma esttica de gestos e movimentos que carregam consigo marcas da pluralidade e da fluidez existente no estilo de vida skatista
O skatista, por natureza, deve procurar contornar a dificuldade do corpo para
atingir o prazer. Sua relao com o medo seria um dos diferenciais entre os praticantes
que sucedem daqueles que desistem. Mas deve-se notar que cada skatista o juiz de
seu corpo, ele quem julga seus prprios limites, e no h nada de errado em reconhec-
lo e adotar uma prtica adequada a eles.
Skate e o seu design grfico - uma breve anlise
Se as primeiras pranchas de skate foram adaptaes feitas a partir das pranchas
de surfe, hoje o mercado de pranchas extremamente variado e profissional, com
opes para todos os gostos. O artigo de Tiago Cambar Aguiar mostra como o
desenvolvimento do design no skate acompanhou os momentos histricos da prtica e
como o contexto em que o skate era praticado determinou as caractersticas singulares
de seu design grfico (AGUIAR, 2012, p. 123). Uma das origens do costume de
decorar o skate vem da Califrnia, com um grupo conhecido com Z-boys, que andava
de skate nas piscinas vazias de casas do estado nos anos 1970. Esse comportamento
intransigente ajudou a criar uma aura em torno dos praticantes de pessoas sem medo
de enfrentar o que estava estabelecido e que no queriam se adequar ao que a sociedade
esperava. Essa imagem acompanha o skate at hoje o se reflete no mercado que se criou
em torno da prtica.
O artigo traz um panorama da decorao das pranchas: no incio, a produo era
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quase artesanal, com as ilustraes feitas sob medida para cada skatista. A produo
se profissionalizou j no final dos anos 1970, com a fabricao em srie de pranchas
com certo design grfico; a tendncia de decorao foi apropriada pelo mercado a partir
dos anos 1980, mesma poca em que surgiram os pro models, modelos de pranchas
assinados por skatistas profissionais e famosos que fizeram bastante sucesso. Nos anos
90 a prtica voltou um pouco marginalidade e as pranchas tambm refletiram o
esprito de sub cultura adotado por parte dos praticantes, com ilustraes e referncias
a armas, drogas e uma postura sarcstica em relao a quem era de fora.
As empresas produtoras se adaptaram para atender a este pblico, sem deixar de
fora quem no se identifica com esse modo de vida. Hoje, pode-se dizer que o design
plural, como as origens e vontades dos praticantes, mas nico porque reflete o prazer
que todos vivenciam no mesmo esporte.
O Skate Feminino no Brasil
Foto 3 - O skate feminino ainda encontra barreiras para se consolidar como
prtica legtima de garotas, mas as praticantes se mostram sem medos para
conquistar seu espao.
interessante notar que o artigo sobre as mulheres
no skate o nico de autoria feminina, assinado por Mrcia
Luiza Machado Figueira e Silvana Vilodre Goellner. Em sua
pesquisa, elas apontam que a maioria da informao sobre o
skate feminino no Brasil foi produzida pelas prprias
garotas praticantes, que tiveram uma atitude protagonista,
usaram dos meios disponveis e se beneficiaram da internet
para se fazer ver. O primeiro site dedicado ao tema, Skate
para Meninas, e o Blog Unidas pelo Carinho, surgiram em
2002; antes, as skatistas apareciam basicamente no Ranking de Skate Feminino, cuja
classificao permitia a atletas competir em um campeonato internacional nos Estados
Unidos. A experincia dessas atletas fora do pas impulsionou a criao da Associao
Brasileira de Skate Feminino, em agosto de 2002.
Atravs do artigo percebe-se que elas correram atrs e tiveram que batalhar
espao na mdia e o reconhecimento da sociedade. A consolidao do skate feminino no
Brasil marcada por uma conscincia das aes: nada vem naturalmente, tudo (e foi
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desde o incio) consequncia do esforo das meninas praticantes.
O que , o que ... Skate?
Definir o skate dentro do universo dos esportes no tarefa fcil, mas Billy
Graeff se prope a analisar algumas caractersticas da prtica e discutir como elas se
apresentam em relao organizao de outros esportes. O autor introduz o conceito de
fazer o corre, que a expresso do skatista como um ser ativo, agindo
individualmente de modo a se garantir no esporte. O processo de esportivizao do
skate, com o estabelecimento associaes, regras e competies oficiais, ganha espao,
mas, segundo o autor, a maior parte dos praticantes no considera isso o mais
importante.
O skate no visto como um meio de ascenso social e, como esporte, tem
muitas particularidades, por exemplo, um skatista pode ser reconhecido sem ganhar
competies, apenas aparecendo em revistas e criando um estilo que se destaca. Isso
tem a ver com a atitude de independncia de quem procura o skate, desinteressado em
adequar-se ao que esperam dele, a seguir regras, entre outras razes. A mdia se
apropriou do skate, a prtica se burocratizou, mas os skatistas mantm o esprito de
liberdade to caracterstico. O autor retoma a origem do conceito de esporte como o
entendemos hoje, como uma maneira de controlar impulsos, de definir um ambiente e
momento para liberar a agressividade; pela natureza do skate, ele se adapta a essas
questes de maneira muito peculiar. Para a maioria dos praticantes, o skate um estilo
de vida, mais que um jeito de ganhar a vida (ainda que isso no seja condenvel).
O skate sul-americano - La lgica interna del skate e El skate uma practica
deportiva de tranversalidad sociocultural em los jvenes chilenos
Dois artigos em lngua espanhola trazem estudos sobre o skate desenvolvidos na
Argentina (La lgica interna del skate, de Jorge Ricardo Saravi) e no Chile (El skate
uma practica deportiva de tranversalidad sociocultural em los jvenes chilenos, de
Miguel Cornejo, Gamal Cerda e Alejandro Villalobos). Em razo do idioma, no
aprofundaremos os comentrios sobre tais artigos, mas importante salientar que a
incluso de pesquisas feitas em outros pases, geograficamente prximos, mas
culturalmente bastante diversos do Brasil, enriquece o livro e ajuda a ampliar os
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conhecimentos do leitor sobre as diferentes configuraes assumidas pela prtica.
Concluso
Os nove artigos reunidos no livro abordam desde a chegada da atividade no pas,
na dcada de 1960, oriunda dos surfistas da Califrnia, passando pelas particularidades
da prtica, o que a caracteriza como esporte e o que a distancia dessa denominao, a
presena das mulheres no meio historicamente dominado pelos homens, o
desenvolvimento de um "mercado" que atende s necessidades materiais da prtica, as
relaes de poder que se originam da ocupao e uso de determinados espaos, as
relaes sociais que se formam entre os praticantes, entre outros pontos.
Ao final, tem-se um painel amplo, que aponta em vrias direes com possibilidades de
aprofundar pesquisas e iniciar reflexes acerca de uma prtica que, ainda recente, j
ocupa um espao legtimo dentre as opes de lazer no Brasil e em outros pases.
Fontes das imagens
1 - http://contenti1.espn.com.br/image/wide/622_0cae9c9c-1723-318d-b0b8-5f53cac60108.jpg 2 - http://www.redbull.com.br/cs/RedBull/RBImages/000/000/29/613/photo610x343a/Pedro%20Barros.jpg 3 http://divaskateras.com/wp-content/gallery/fotossp/thumbs/thumbs_184082_1701768243924_1829518791_1109480_1727783_n.jpg
Recebido em agosto de 2012. Aprovado em novembro de 2012.