Resenha Teoria Critica DH Herrera Flores

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  • 7/23/2019 Resenha Teoria Critica DH Herrera Flores

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    Revista Direitos Humanos e Democracia

    REVISTA DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA Editora Uniju ano 2 n. 3 jan./jun. 2014 ISSN 2317-5389Programa de Ps-Graduao Stricto Sensuem Direito da Unijuhttps://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia

    Resenha da Obra Teoria Crtcados Direitos Humanos: os Direitos

    Humanos Como Produtos Culturais,de Joaqun Herrera Flores

    Giancarlo Montagner Copelli

    Bacharel em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa

    Catarina Unisul. Aluno do Mestrado em Direitos Huma-

    nos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do

    Rio Grande do Sul Uniju. Bolsista Uniju/Fidene. gian-

    [email protected].

    A obra busca uma reflexo crtica que torne visveis os problemas

    que apresentam as teorias tradicionais dos direitos, desestabilizandocrenas j estabelecidas, como a origem cultural dos Direitos Humanos,

    segundo Flores (2009), bem como transforme as relaes sociais como

    mnimo para que sejam exercidos os direitos reconhecidos em muitas

    cartas de Direitos Humanos, entre elas, a Declarao Universal dos Direi-

    tos Humanos de 1948.

    Nesse sentido, o ncleo central da discusso, contida em TeoriaCrtica dos Direitos Humanos: os Direitos Humanos como produtos cultu-

    rais, apontar os ditos Direitos Humanos como produtos culturais, com

    origens histricas que resultam de processos reativos dos seres humanos,

    ao longo do tempo, ante a outros seres humanos, natureza e, tambm,

    entre si. A partir dessa desconstruo, Flores, ao refutar uma definio

    etnocntrica ou, como ele mesmo reporta, eurocntrica, visa a definir

    p. 270-275

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    RESENHA DA OBRA TEORIA CRTICA DOS DIREITOS HUMANOS: OS DIREITOS HUMANOS COMOPRODUTOS CULTURAIS, DE JOAQUN HERRERA FLORES

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    tais direitos como a prtica de processos sociais, econmicos, polticos

    e normativos, que permitam tanto a abertura quanto a consolidao de

    espaos de luta pela dignidade.

    importante destacar quais os motivos que levam o autor a buscarrefutar a ideia de universalidade dos Direitos Humanos e tomar, ao menos

    em um primeiro momento, um posicionamento relativista: para Herrera

    Flores, as culturas hegemnicas tentaram fechar-se sobre si, apresentando

    o outrocomo o incivilizado. Por consequncia, o incivilizado, o brbaro,

    para manter a terminologia utilizada pelo autor, pode ser colonizado pelo

    grupo que se autointitula civilizado. Desse modo, partir do pressuposto de

    que os Direitos Humanos so produtos culturais, portanto, uma maneira,ento, de enxergar o diferente, o outro, de maneira diversa, ou seja, no

    mais como o brbaro, como o incivilizado e, consequentemente, passvel

    de colonizar, mas, sim, simplesmente como o diferente ou, ainda, como

    aquele que, no decorrer da prpria Histria, procurou caminhos diferentes

    para buscar os elementos que considera essenciais para atingir as prprias

    concepes de dignidade humana.As concluses, ou melhor, os pontos de partida do autor, que ante-

    riormente antecipamos, entretanto, so o produto de um discurso filos-

    fico denso e consistente, que inicia sua investigao visando desconstru-

    o do conceito de Direitos Humanos como valores e juzos universais a

    partir da seguinte questo: So os Direitos Humanos um produto cultural

    surgido num contexto especfico de relaes ou um produto natural que

    levamos inscrito em nossa histria gentica?

    Como bem adianta o autor, a proposta da obra volta-se para a con-

    textualizao dos Direitos Humanos em relao primeira parte da per-

    gunta, ou seja, um produto cultural surgido em um contexto concreto e

    preciso de relaes que comeam a expandir-se em todo o globo desde

    o sculo 15 at esses incertos incios do sculo 21 sob o nome de moder-

    nidade ocidental capitalista.

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    GIANCARLO MONTAGNER COPELLI

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    Evidentemente, tal ponto de vista no se trata de uma concepo

    fechada, que delimita os Direitos Humanos apenas como instrumentos que

    serviram a interesses expansionistas, principiados no sculo 15, voltando-

    -se acumulao de capital. Afinal, como bem observa o autor espanhol, osditos Direitos Humanos foram, em certos momentos e em determinadas

    circunstncias, tanto fontes legitimadoras de novos sistemas de relao

    social (como o capitalismo) quanto instrumentos voltados a mobilizaes

    populares contra a hegemonia das relaes que o prprio capital imps.

    Exatamente por essa construo, que ora coloca os Direitos Humanos

    como ferramenta de colonizao, ora como instrumento de libertao, queHerrera Flores prope observ-los como um produto cultural, ou seja, algo

    que pode se prestar a reaes polticas, econmicas, sociais e jurdicas,

    de acordo com dado momento ou circunstncia, mas preservando, em si,

    os caminhos que cada formao social constri cultural e historicamente

    para buscar a dignidade.

    A esse entendimento, por consequncia, associa-se a ideia de que,portanto, os Direitos Humanos no podem ser percebidos como um fen-

    meno natural, como um jusnaturalismo, um dado externo, acabado, meta-

    fsico e transcendente em relao existncia humana, mas, sim, como

    um produto cultural; acima de tudo um marco cultural que nos permita

    perceber nos Direitos Humanos um caminho para a dignidade.

    Nesse sentido, podemos entender esse marco cultural como um ins-trumento caracterizado pelas pautas culturais (que explicam, interpretam

    e intervm no mundo) prprias a cada formao social, encaminhando as

    aes humanas rumo dignidade. Ou seja, h modos plurais, multiformes,

    de se entender e atuar no mundo, este considerado como o que pode ser

    situado entre o dficit de sentido que subjaz nos processos naturais e o

    excesso de sentido contido nas propostas metafsicas e transcendentais.

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    Assim, a par tir desta caracterizao, no apenas do que seja o

    mundo, mas, tambm, do que representa o marco cultural dos Direitos

    Humanos, o universalno contm os ditos direitos, mas, sim, a ideia de

    dignidade humana. Em outras palavras, na dignidade que h um ncleocomum e universal, capaz de propiciar o dilogo entre as diferentes formas

    de existir.

    Assim, diante dessa construo, o autor avana concluindo que

    cada formao social pode tanto potencializar quanto, tambm, obstacu-

    lizar determinadas atitudes e/ou aptides rumo dignidade. Para uns,

    conforme o autor, as atitudes e as aptides tero mais relao com o

    respeito e a reproduo da comunidade, para outros, potencializaro aconcepo do ser humano. Por fim, para outros ainda, o mais importante

    ser o desdobramento dessas mesmas atitudes e aptides que possam

    ser concretizadas em direitos positivados. Nesse sentido, emprestando

    a lio do professor Boaventura de Sousa Santos, Herrera Flores afirma

    que necessria uma interpretao das lutas pela dignidade que implique

    atitudes e aptides que atravessem as diferentes formas de reagir, agir,intervir e ser no mundo.

    A partir desse entendimento, Herrera Flores prope, para viabili-

    zar as mltiplas possibilidades de se buscar a dignidade, a construo de

    espaos de encontro entre as formas de ao nas quais todos possam fazer

    valer suas propostas e diferenas. Nesse sentido, ele projeta o que chama

    deseis decises iniciais:

    Pensar pensar de outro modo:conforme Herrera Flores, o ato

    de pensar, no que se refere aos Direitos Humanos, significa criar novos

    modelos e, por meio desses, deixar as diferenas s claras, sobretudo no

    que se refere s ordens hegemnicas. Isso, contudo, no significa repudiar

    o mundo como ele dado, mas, sim, adotar uma postura crtica em rela-

    o ao que dado e que determina o funcionamento de todo o processo

    cultural.

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    Da negatividade dialtica afirmao ontolgica e axiolgica:como

    a proposta de Herrera Flores propor a possibilidade de dilogo entre as

    diferentes maneiras de se chegar ao conceito de dignidade (que tambm

    varivel), no se trata de negar todos os pressupostos tericos e prti-cos das formas tradicionais, mas, sim, de abandonar a dialtica negativa

    (a mtua negao dos termos de uma relao determinada). De outra

    banda, essa premissa prope a valorizao de dialticas positivas, ou seja,

    daqueles dilogos que rompem os obstculos que separam os diferentes.

    Pensar as lutas pela dignidade humana significa problematizar a

    realidade: aqui, como nas propostas anteriores, parte-se da ideia de que

    preciso, ao pensar no outro e pensar no outro de forma crtica , pro-blematizar a realidade que nos cerca. Deste ato decorre, segundo o autor,

    a abertura de possibilidades para novos conceitos, categorias e formas

    alternativas de ao nomundo, e no domundo.

    Da utopia s heterotopias: neste tpico, Herrera Flores deixa claro

    que no se trata de, ao perseguir as decises anteriormente descritas,

    buscar o inatingvel, o transcendente, a utopia que impossvel de sealcanar, mas, sim, de buscar algo que novo e, acima de tudo, possvel. A

    ideia de Herrera Flores , citando tanto a Utopiade Thomas Moore quanto

    as Crnicas Marcianasde Ray Bradbury, libertar o pensamento das jaulas

    transcendentais e imutveis que sempre subjazem aos totalitarismos de

    qualquer trao ou cor.

    A indignao diante do intolervel deve nos induzir ao encontro posi-tivo e afirmativo de vontades crticas:para o autor, a fora de uma teoria

    crtica no consiste em ser uma espcie de teoria geral que abarque tudo

    (se assim fosse, haveria uma generalizao e, consequentemente, a pre-

    tenso de que pudesse ser aplicada a tudo e a todos). Nesta premissa,

    Herrera Flores, emprestando os ensinamentos do terico Max Horkhei-

    mer, da Escola de Frankfurt, pontua que o critrio de verdade de uma

    teoria social reside na sua potencialidade na hora de facilitar a aumentar

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    nossa indignao diante do que ocorre ao nosso redor, e tambm destaca

    a capacidade de criar novos marcos de composio dos fenmenos. Em

    outras palavras, o que o autor prope que prestemos mais ateno ao

    nosso redor, aos nossos modos de existncia, ao nosso tempo.Nem tudo vale o mesmo:nesta ltima proposta, Herrera Flores

    resume a ideia inicial de que os Direitos Humanos so produtos culturais

    e, portanto, no podem ser universais, dado que existem muitas formas

    diferentes de se buscar a dignidade.

    Por fim, Herrera Flores conclui que o processo de sua teoria crtica

    no pode ser observado como um fim em si, mas como uma teoria que,pelo que postula, busca abrir os necessrios caminhos para que os Direi-

    tos Humanos, enfim, possam ser efetivados. Sua teoria crtica, como ele

    salienta, so caminhos culturais, contextuais e conceituais para se chegar

    a atitudes e aptides de empoderamento mtuo e de espaos de encontro.

    REFERNCIA

    FLORES, Joaqun Herrera. Teoria Crtica dos Direitos Humanos: os Direitos

    Humanos como produtos culturais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.

    Recebido em: 17/9/2013

    Aceito em: 30/9/2013