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RESERVA FLORESTAL LEGAL E A OBRIGAÇÃO DE REFLORESTAR Edson Luiz Peters 1 Antes do Código Florestal de 1934 imperava o regime do Código Civil de 1916, que permitia ao proprietário da terra suprimir a vegetação e as florestas, sem qualquer limitação, para extrair seus subprodutos e explorar a terra. A partir do Código Florestal as florestas passam a ser tratadas como bens de interesse nacional e são, por assim dizer, excluídas da livre disposição do dono da terra, que já não pode suprimi-las na integralidade, devendo reservar ¼ da vegetação existente. Assim nascia a Reserva Florestal Legal. Com a entrada em vigor do Novo Código Florestal Brasileiro, em 1965, foi reafirmado o instituto e os limites máximos de exploração foram fixados por região geográfica. Mais recentemente, com a Lei da Política Agrícola de 1991 e a Reforma da Codificação Florestal de 2001, foi instituída uma obrigação adicional: de restauração vegetal da área destinada a Reserva Legal Florestal. Palavras chaves: Código Florestal. Reserva Legal Florestal. Obrigação de Reflorestar. 1. INTRODUÇÃO É lamentável, por todos os aspectos, que fosse necessário fazer leis para lembrar ao homem o seu dever de respeito à Natureza. Isto deveria estar na consciência e no Espírito de cada um. Mas a ganância, a existência de fortes e fracos, que faz da liberdade uma escravidão, a infinitude das satisfações humanas em contraste com a finitude dos recursos naturais obrigou a humanidade a conviver com regras. 1 Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná; Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná; Especialista em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná; Professor de Direito Ambiental em diversas instituições, em cursos de graduação e pós-graduação em direito; autor do Manual de Direito Ambiental, 2ª ed., Juruá, Curitiba, 2000 e de outras obras e artigos científicos dedicados ao estudo do Direito Ambiental.

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RESERVA FLORESTAL LEGAL

E A OBRIGAÇÃO DE REFLORESTAR

Edson Luiz Peters1

Antes do Código Florestal de 1934 imperava o regime do Código Civil de 1916, que permitia ao proprietário da terra suprimir a vegetação e as florestas, sem qualquer limitação, para extrair seus subprodutos e explorar a terra. A partir do Código Florestal as florestas passam a ser tratadas como bens de interesse nacional e são, por assim dizer, excluídas da livre disposição do dono da terra, que já não pode suprimi-las na integralidade, devendo reservar ¼ da vegetação existente. Assim nascia a Reserva Florestal Legal. Com a entrada em vigor do Novo Código Florestal Brasileiro, em 1965, foi reafirmado o instituto e os limites máximos de exploração foram fixados por região geográfica. Mais recentemente, com a Lei da Política Agrícola de 1991 e a Reforma da Codificação Florestal de 2001, foi instituída uma obrigação adicional: de restauração vegetal da área destinada a Reserva Legal Florestal. Palavras chaves: Código Florestal. Reserva Legal Florestal. Obrigação de Reflorestar.

1. INTRODUÇÃO

É lamentável, por todos os aspectos, que fosse necessário fazer leis para

lembrar ao homem o seu dever de respeito à Natureza. Isto deveria estar na

consciência e no Espírito de cada um. Mas a ganância, a existência de fortes e

fracos, que faz da liberdade uma escravidão, a infinitude das satisfações humanas

em contraste com a finitude dos recursos naturais obrigou a humanidade a conviver

com regras.

1 Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná; Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná; Especialista em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná; Professor de Direito Ambiental em diversas instituições, em cursos de graduação e pós-graduação em direito; autor do Manual de Direito Ambiental, 2ª ed., Juruá, Curitiba, 2000 e de outras obras e artigos científicos dedicados ao estudo do Direito Ambiental.

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O assunto em foco não é nenhuma novidade. Desde que o Brasil foi

“descoberto” pelos portugueses, em 1500, há mais de quinhentos anos, já existiam

leis em Portugal e em outras partes do mundo para preservar florestas, disciplinar o

corte de árvores, inclusive com penas graves para quem desobedecesse, como por

exemplo pena de morte para quem provocasse incêndio doloso em floresta.

Não obstante as referidas leis, diz-se que a primeira atitude dos

portugueses que aqui chegaram, acompanhados de religiosos católicos, foi cortar

uma árvore para levantar uma cruz, para celebrar a 1ª Missa no novo mundo, onde

hoje se localiza Santa Cruz de Cabrália, no Estado da Bahia. As riquezas naturais

brasileiras despertaram o espírito colonizador dos portugueses, com destaque para a

exuberância da mata atlântica, donde passou-se a extrair o pau-brasil e outras

madeiras, dando início ao primeiro ciclo de exploração econômica e nome ao nosso

País.

Durante o período colonial (1500 a 1822) as leis portuguesas, que se

aplicavam no Brasil, sempre se ocuparam e trataram das florestas, apresentando

maiores ou menores restrições, regulando o corte, o comércio etc. As florestas

sempre foram consideradas de interesse da Coroa.

No período imperial (1822 a 1889), apesar da Independência e da

Constituição Brasileira de 1824 (a 1ª da História do Brasil), continuavam em vigor

as Ordenações Portuguesas enquanto a nova nação se organizava política e

juridicamente, o que demorou quase cem anos, pois somente em 1917, quando o

Brasil já era República, entraria em vigor o 1º Código Civil Brasileiro, revogando as

Ordenações Filipinas.

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2. CONCEITO DE RESERVA LEGAL FLORESTAL

Reserva Legal Florestal pode ser conceituada previamente como sendo

uma parte percentual de cada imóvel rural que a legislação impõe que permaneça

com a cobertura vegetal nativa ou não, para servir de reserva de mata, e que deve ser

demarcada e indicada na Matrícula imobiliária existente no Cartório de Registro

competente.

Nasceu com o objetivo de ser um estoque de madeira e outros derivados

florestais, de maneira a prevenir o risco da extinção ou supressão completa de

matéria prima vegetal no país. Uma espécie de estoque regulador.

Tal conceito primitivo evolui no decorrer do tempo e passou a ter outras

funções: conservação e reabilitação dos processos ecológicos, conservação da

biodiversidade, abrigo e proteção à fauna e flora nativas.

O Código Florestal de 1965 definiu a Reserva Legal como sendo uma

parcela ou percentual, variável de 20 a 50% conforme a Região em que se localize,

de cobertura florestal de cada propriedade rural privada que não pode ser suprimida,

usando a seguinte redação:

Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2° e 3° desta lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições: [...] [...]

A Medida Provisória nº 2166-67, de 24 de agosto de 2001, reconceituou

Reserva Legal como sendo:

Art. 1º [...] [...] III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;

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3. O CÓDIGO CIVIL DE 1916 E OS DIREITOS ILIMITADOS DO DONO DA TERRA

O Código Civil Brasileiro de 1916 cuida da propriedade a partir do Art.

524 até o Art. 673, que correspondem ao título II, do Livro II da Parte Especial do

Código. Primeiramente disciplina a propriedade em geral, para depois bipartir-se em

propriedade imóvel e móvel, para em seguida regular o condomínio, e, finalmente, a

propriedade resolúvel e a propriedade literária, artística e científica.

No Art. 524 da Codificação Civil Brasileira o direito de propriedade

aparece nitidamente como estrutura de poder, com disciplinamento do conteúdo

econômico, quando se trata do uso, bem como do conteúdo jurídico, quando se trata

das ações colocadas a favor do proprietário para defender-se de eventual ataque ou

reaver o objeto de quem quer que passe a possuir indevidamente.

O Código Civil Brasileiro não conceituou exatamente propriedade, mas

define o conteúdo do direito do proprietário, isto é, o direito de usar, gozar e dispor

dos bens, e de reavê-los do poder de quem os possua injustamente (Art. 524, do

C.C.B.).

Basta a análise deste artigo para se concluir qual a concepção de

propriedade embutida na primeira codificação civil brasileira, ou seja, de um

superdireito que torna seu titular "Todo Poderoso". É a concepção liberal de

propriedade, não com o rigor de absolutismo do Código Civil Francês de 1804, mas

com exagerada dose de individualismo e de exclusividade.

Vejamos como o titular do domínio aparece como dono da natureza na

sistemática adotada pelo Código Civil Brasileiro. Para tal concepção, a propriedade

do solo é abrangente de tudo que nele se encontre, por toda a profundidade e toda a

altura, alcançando as riquezas minerais, a flora e a fauna, as águas, as nascentes e

tudo o mais que possa conter.

A apropriação individual das riquezas naturais é perfeitamente aceita e

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admissível, como se a natureza, e tudo que nela está contido, pudesse ser parcelada e

dividida entre alguns em detrimento de todos os demais, chegando o Código Civil

Brasileiro a atribuir propriedade para as águas, ilhas, animais, florestas, minas etc.

Destarte, é o velho conceito clássico de propriedade como poder absoluto

de um indivíduo que quase tudo pode fazer, inclusive destruir, que serve de base ao

tratamento da matéria.

Para melhor compreensão, é interessante recordar que o Código Civil

Brasileiro de 1916 é marcado pelo patrimonialismo e individualismo, nitidamente em

matéria de propriedade do solo, prevendo um conteúdo e extensão quase ilimitados,

conforme se pode aferir da redação do Art. 526, abaixo transcrito:

Art. 526. A propriedade do solo abrange a do que lhe está superior e inferior em toda a altura e toda a profundidade, úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, o proprietário opor-se a trabalhos que sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse algum em impedi-los.

Por outras palavras, até onde o proprietário tivesse algum interesse,

entrando no subsolo ou subindo para o espaço aéreo, estava protegido (interesse

juridicamente tutelado) em seu sagrado direito de propriedade.

E não era só isso. O direito do proprietário alcançava todas as águas

(superficiais ou subterrâneas) contidas no solo e subsolo, todos os rios, correntes

d'água, córregos, ilhas situadas na área do terreno, frutos, árvores e florestas,

tesouros, lagos, vales e montanhas, cavernas, e tudo mais que se possa imaginar, que

eram tidos como acessórios da propriedade imobiliária, podendo o dono usar e gozar

da forma que lhe aprouvesse, individual e exclusivamente, e até destruir se assim o

desejasse.

Era o proprietário, o senhor de tudo, quem decidia o destino de todas as

coisas, repleto de direitos e sem obrigações, com a única limitação de não dever

prejudicar os vizinhos. Para o Código Civil, a propriedade não obriga a nada, não

tem função alguma; pelo contrário, representa um conjunto de direitos/poderes que

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se contrapõe erga omnes, devendo todos respeitar obrigatoriamente tal direito de um

titular.

A terra era o objeto do direito de propriedade por excelência, numa clara

política de incentivo à ocupação e à exploração dos recursos naturais, com

valorização do cultivo e da expansão da agricultura, tendo como palavra de ordem

desmatar.

Enquanto a mão-de-obra era garantida pelo trabalho escravo, o papel

valorizado para o homem branco era conquistar, abrir picadas, ser o colonizador das

novas terras, que logo passavam a pertencer a um dos poderosos da época em troca

de algum favor prestado à Coroa.

No sistema deste primeiro Código Civil Brasileiro estava o proprietário

legitimado a explorar de forma total a área possuída, podendo, inclusive, desmatar

sem limites, pois a vegetação e principalmente as florestas eram fatores impeditivos

da exploração econômica do solo.

4. A INSTITUIÇÃO DA RESERVA LEGAL FLORESTAL NO BRASIL

Instituído pelo Decreto-lei n.o 23.793, de 23 de janeiro de 1934, o então

Código Florestal Brasileiro instituiu as denominadas florestas protetoras (atualmente

designadas florestas de preservação permanente), onde não se permite o corte raso, e

que são aquelas localizadas em pontos do terreno com frágil equilíbrio ambiental, como

é o caso de margens de cursos d'água, entornos de nascentes, topos de morro e outras.

O chamado Código de 34, em seu art. 23, com clareza e precisão dizia que o

proprietário de terras cobertas de matas não poderia abater mais de ¾ da vegetação

existente, instituindo assim a Reserva Legal Florestal no Brasil. Deveria manter,

portanto, uma cobertura obrigatória de 25%, conforme registra PEREZ

MAGALHÃES2, em parcela da área determinada pela autoridade competente. 2 MAGALHÃES, Juraci Perez. Comentários ao Código Florestal. Brasília – Senado Federal, 1980, p. 79

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Vejamos a redação usada pelo velho Código Florestal: Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24 e 51. § 1º [...] § 2º. Antes de iniciar a derrubada, com a antecedência mínima de 30 dias, o proprietário dará ciência de sua intenção à autoridade competente, a fim de que esta determine a parte das matas que será conservada.

Foi a partir do referido diploma que passamos a tratar as florestas como

bens de interesse nacional, destacados do conteúdo do direito de propriedade, e não

só o direito do proprietário deixou de abranger as florestas existentes no solo

adquirido, como, ao contrário do Código Civil, estabeleceram-se obrigações

florestais para o dono da terra.

De objeto do direito de propriedade, as florestas passaram a constituir

obrigação de todo proprietário de terras, que a partir de então se torna responsável

pela manutenção, preservação, conservação e reflorestamento. É sem dúvida uma

profunda alteração jurídica.

O diploma em comento classificou as várias espécies de florestas por um

critério de localização geográfica e isto foi de grande importância por traçar uma

espécie de zoneamento florestal no país, disciplinando a destinação do solo e o tipo

de atividade permitida ou não ao proprietário rural principalmente.

Em suma, a partir do Código Florestal de 1934, ao proprietário não

pertencem as florestas que cobrem o solo, e, portanto, não lhe é dado o direito

irrestrito de destruí-las, desmatando a área total, mas pelo contrário, está obrigado a

preservá-las, até mesmo contra atos de terceiros, em razão da função ambiental da

propriedade, que aos poucos se reconhece e se consagra.

Vejamos em seguida como o novo Código Floresta, editado em 1965,

disciplinou a matéria.

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5. O NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO E A REAFIRMAÇÃO DA RESERVA LEGAL FLORESTAL

O denominado novo Código Florestal brasileiro – Lei 4771, de 15 de

setembro de 1965 – ao entrar em vigor reafirmou o instituto da Reserva Florestal

Legal, dispondo expressamente nos artigos 16 e 44, a seguir transcritos:

Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2° e 3° desta lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições: a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente; b) nas regiões citadas na letra anterior, nas áreas já desbravadas e previamente delimitadas pela autoridade competente, ficam proibidas as derrubadas de florestas primitivas, quando feitas para ocupação do solo com cultura e pastagens, permitindo-se, nesses casos, apenas a extração de árvores para produção de madeira. Nas áreas ainda incultas, sujeitas a formas de desbravamento, as derrubadas de florestas primitivas, nos trabalhos de instalação de novas propriedades agrícolas, só serão toleradas até o máximo de 30% da área da propriedade; Art. 44. Na região Norte e na parte Norte da região Centro-Oeste enquanto não for estabelecido o decreto de que trata o artigo 15, a exploração a corte raso só é permissível desde que permaneça com cobertura arbórea, pelo menos 50% da área de cada propriedade. (negritamos)

Como se pode observar, o novo Código adotou metodologia fundada em

critérios geográficos, atribuindo limites espaciais na exploração das propriedades

rurais conforme a região geográfica de localização, e não de acordo com a tipologia

vegetal, no que recebeu críticas.3

Além de reafirmar, o Código Florestal de 1965, com a redação dada pela

Lei 7803/89, estabeleceu a obrigatoriedade de averbação à margem da inscrição de

matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração

de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de

desmembramento da área.

3 Inclusive de Juraci Perez MAGALHÃES, que apresenta o seguinte comentário: “[...] Em matéria de cobertura florestal, o Código jamais deveria ter usado a divisão que usou. [...] Devia, também, ter levado em conta o tipo de vegetação existente no Brasil e não a divisão territorial. “ op. citada, pp. 74/75.

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6. O NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE REFLORESTAR A RESERVA LEGAL

Ainda que a Reserva Legal tenha sido instituída no 1º Código Florestal do

Brasil, no ano de 1934, a obrigação do proprietário era negativa, isto é, de reservar

uma parcela da área total da propriedade com cobertura florestal, não podendo nesta

parte realizar o corte raso, não estava obrigado o dono da terra a recompor a mata,

isto é, a reflorestar a Reserva Legal. Deveria, isto sim, se omitir de explorar a

parcela reservada.

Ainda que o simples abandono da parte reservada pudesse implicar na

regeneração natural e conseqüentemente na formação de nova floresta onde não

existisse a cobertura, a realidade constatada nas últimas décadas do século passado

apontava para a ausência parcial ou total de floresta em grande número de

propriedade rurais no Brasil, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste.

A partir desta constatação notória e já no ambiente jurídico da nova

Constituição Brasileira de 1988, que dedicou especial tratamento ao meio ambiente

e ao equilíbrio ecológico, elevando-o a direito fundamental à sadia qualidade de

vida, ao lado da consagração da função social da propriedade, positivou-se a

obrigação de reflorestar (restaurar) a parcela reservada das áreas sob domínio

privado.

No campo infraconstitucional foi editada primeiramente a Lei nº 8171, de

17 de janeiro de 1991 , chamada "LEI DA POLÍTICA AGRÍCOLA", estabelecendo

no artigo 99 a obrigação do proprietário rural de recompor em sua propriedade a

Reserva Florestal Legal, prevista na Lei nº. 4.771/65, num prazo de trinta anos, ou

seja, pelo menos um trinta avos a cada ano.

Vejamos a redação do artigo em foco: Art. 99. A partir do ano seguinte ao da promulgação desta Lei, obriga-se o proprietário rural, quando for o caso, a recompor em sua propriedade a Reserva Florestal Legal, prevista na Lei 4771, de 15 de setembro de 1965, com a nova redação dada pela Lei

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7.803, de 18 de julho de 1989, mediante o plantio, em cada ano, de pelo menos 1/30 (um trinta avos) da área total para complementar a referida Reserva Florestal Legal – RFL.

Não obstante o comando legal contido na Lei 8171/91, houve resistência

no cumprimento da obrigação de recompor as áreas destinadas a Reserva Florestal,

até mesmo pelo fato de muitas propriedades não contarem tal reserva de mata. Além

do mais se argumentava que o Código Florestal já estava superado pelo tempo e

necessitava de uma revisão profunda. Neste sentido várias idéias e projetos foram

lançados e debatidos em âmbito nacional.

Dentre estas diversas e intensas iniciativas de reforma do Código Florestal

verificadas nos últimos anos, o Governo editou a Medida Provisória 2166/014 com o

propósito de reformular a legislação florestal no país, que por sua vez foi sendo

reeditada por dezena de vezes, e acabou ganhando perenidade em razão da Emenda

Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, que estabeleceu no art. 2º que as

medidas provisórias editadas antes desta data continuarão em vigor até que outra

medida provisória as revogue explicitamente ou até que o Congresso Nacional

delibere sobre a matéria de forma definitiva.

Com isto, a M.P. 2166 ganhou perenidade na Ordem Jurídica Nacional, e o

Código Florestal de 1965 vige com a nova redação dada pela mesma, inclusive em

se tratando do assunto em comento: Reserva Florestal Legal.

Num primeiro momento, importa dizer que houve alteração importante no

que diz respeito à configuração legal da Reserva Florestal, com a nova redação dada

ao art. 16, que assim restou expresso:

Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

4 Antes foram editadas as seguintes Medidas Provisórias: 1736/98, 1885/99, 1956/99 e 2080/01.

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II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo; III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

Também foi acrescentado ao Código Florestal o conceito jurídico de

Reserva Florestal Legal, cuja redação é a seguinte:

Art. 1º [...] § 1º [...] § 2º [...] I – [...] II – [...] III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;

E, por fim, vale ressaltar que neste novo contexto político-jurídico o

proprietário ou possuidor de imóvel rural que não contenha área de floresta ou outra

forma de vegetação nativa nos percentuais mínimos estabelecidos no art. 16 está

obrigado a recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada

três anos, de no mínimo 1/10 (um décimo) da área total necessária à sua

complementação, nos termos do art. 44, inciso I, do Código Florestal, com a redação

determinada pela M.P. 2166-67/2001, a seguir transcrito:

Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente: I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente;

Com esta previsão legal, foi reafirmada a obrigação de restaurar ou

reflorestar a área destinada a Reserva Legal ou de complementar a parte faltante,

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reiterando-se o dever imposto pelo art. 99 da Lei 8171/91, que embora se possa

entender revogado5 com a redação dada ao Código Florestal pela M.P. 2166/01, teve

plena vigência e eficácia de janeiro de 1991 a agosto de 2001.

Nesta linha de pensamento, os proprietários rurais têm mais vinte anos

para recompor a Reserva Legal, ou seja, o prazo de trinta anos antes estabelecido na

Lei da Política Agrícola (Lei 8171/91) a contar daquele ano, na proporção de 1/30

avos por ano, do qual fluiu 10 anos até a incorporação da M.P. 2166/01 e mais 20

anos na proporção de 1/10 a cada três anos, terminando em janeiro de 2021.

Em nosso entender, não é possível desprezar o tempo de vigência da Lei

8171/91 e passar a contar do zero a partir da Medida Provisória 2166/01, levando a

uma prorrogação absurda de mais dez anos para restaurar a vegetação nas áreas

delimitadas como Reserva Legal.

Quanto à localização e delimitação da Reserva Legal Florestal dentro da

propriedade o art. 16, § 4º, com a redação dada pela M.P. 2166/2001, estabeleceu

que deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante

convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição devidamente

habilitada, devendo ser considerados, no processo de aprovação, a função social da

propriedade, e os seguintes critérios e instrumentos, quando houver:

I - o plano de bacia hidrográfica;

II - o plano diretor municipal;

III - o zoneamento ecológico-econômico;

IV - outras categorias de zoneamento ambiental; e

V - a proximidade com outra Reserva Legal, Área de Preservação

Permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida.

5 Luís Carlos Silva de MORAES, in Código Florestal Comentado, Ed. Atlas, São Paulo – 2000, pág. 94, afirma que o art. 99 da Lei 8.171/99 foi revogado pelo art. 7º da Medida Provisória 1.885/99-40.

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Não obstante o dever da autoridade na aprovação da área indicada para a

Reserva Legal, a obrigação de iniciar o procedimento para delimitação, medição e

averbação é do proprietário da terra, que enquanto não tomar providências para

recompor ou completar a reserva estará em mora, podendo ser autuado

administrativamente e responsabilizado judicialmente.

Diferente é o pensamento de MORAES6, que entende ser “necessária a

delimitação prévia pela autoridade competente”, não estando o proprietário

“obrigado a iniciar esponte propria o procedimento de delimitação, ...”

7. ALTERNATIVAS À RECOMPOSIÇÃO DA RESERVA LEGAL

A nova redação do art. 44 do Código Florestal Brasileiro admite que o

dono ou possuidor da terra possa, ao invés de recompor a Reserva Legal plantando,

adote as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:

I - conduzir a regeneração natural da reserva legal;

II - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância

ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e

esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios

estabelecidos em regulamento.

Nos termos do § 3o do artigo em comento, a regeneração natural só pode

ser adotada com autorização do órgão ambiental estadual competente, quando sua

viabilidade for comprovada por laudo técnico, podendo ser exigido o isolamento da

área.

Em se tratando de compensação por outra área a regra é que esta deve se 6 Op. citada, pág. 96.

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localizar na mesma microbacia. Não sendo absolutamente possível, o § 4o do art. 44

admite que o órgão ambiental estadual competente aplique o critério de maior

proximidade possível entre a propriedade desprovida de reserva legal e a área

escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo

Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, e

respeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III do referido artigo.

Em todos os casos, o projeto de compensação deverá ser submetido à

aprovação pelo órgão ambiental estadual competente, e pode ser implementada

mediante o arrendamento de área sob regime de servidão florestal ou reserva legal,

ou aquisição de Cotas de Reserva Florestal, disciplinadas pelo art. 44-B.

Finalmente, cabe lembrar que o proprietário rural poderá ser desonerado,

pelo período de trinta anos da obrigação de reflorestar, mediante a doação, ao órgão

ambiental competente, de área localizada no interior de Parque Nacional ou

Estadual, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva Biológica ou Estação

Ecológica pendente de regularização fundiária, respeitados os critérios previstos no

inciso III do art. 44.

8. POSSIBILIDADE DE COMPUTAR ÁREAS DE

PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO CÁLCULO DO PERCENTUAL EXIGÍVEL DE RESERVA LEGAL FLORESTAL

Conforme nova redação do Código Florestal Brasileiro, dada pela

Medida Provisória nº 2166-67-2001, que acrescentou o § 6º ao art. 16, as áreas cobertas com vegetação nativa contidas nas de preservação permanente podem ser computadas no cálculo do percentual de reserva legal, respeitados alguns requisitos e critérios que passamos a examinar.

Examinemos a redação atual do § 6º do art. 16: § 6o Será admitido, pelo órgão ambiental competente, o cômputo das áreas relativas à vegetação nativa existente em área de preservação permanente no cálculo do percentual de reserva legal, desde que não

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implique em conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo, e quando a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e reserva legal exceder a: I - oitenta por cento da propriedade rural localizada na Amazônia Legal; II - cinqüenta por cento da propriedade rural localizada nas demais regiões do País; e III - vinte e cinco por cento da pequena propriedade definida pelas alíneas "b" e "c" do inciso I do § 2o do art. 1o.

8.1 – Requisitos para permitir o cômputo da APP Não é, ao contrário do que possa parecer, automática e genérica a

possibilidade legal de computar-se áreas de preservação permanente no cálculo do percentual da chamada Reserva Florestal Legal. Alguns requisitos estão expressos na legislação reformada e devem ser considerados pelos Órgão Ambientais e outras instituições encarregadas da proteção do meio ambiente.

1º Requisito legal: enquadramento do imóvel no conceito de pequena propriedade rural, nos termos do art. 1º, § 2º, do Código Florestal Brasileiro, com a redação dada pela MP 2166-2001

A definição de pequena propriedade varia de região para região do território brasileiro, conforme previsão atual do art. 1º, § 2º da Lei 4771/65, assim expresso:

Art. 1º [ ...] § 1º [...] § 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por: I - pequena propriedade rural ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do proprietário ou posseiro e de sua família, admitida a ajuda eventual de terceiro e cuja renda bruta seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de atividade agroflorestal ou do extrativismo, cuja área não supere: a) cento e cinqüenta hectares se localizada nos Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e nas regiões situadas ao norte do paralelo 13o S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44o W, do Estado do Maranhão ou no Pantanal mato-grossense ou sul-mato-grossense; b) cinqüenta hectares, se localizada no polígono das secas ou a leste do Meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão; e c) trinta hectares, se localizada em qualquer outra região do País; Evidenciam-se dois aspectos para a caracterização da pequena

propriedade na Região Sul do Brasil: exploração familiar e dimensão física da área. É essencial que se trate de exploração familiar, admitida a ajuda

eventual de terceiros, e, simultaneamente, que seja igual ou menor a trinta hectares.

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2º Requisito legal: quando a somatória das áreas nativas contidas na preservação permanente mais a reserva legal ultrapassar 25% (vinte e cinco por cento) da pequena propriedade, nos termos do art. 16, § 6º, III, da Lei 4771/65 – Código Florestal Brasileiro

Este requisito não é apenas matemático, mas também técnico-qualitativo, ou seja, não se toma em consideração apenas a área quadrada considerada por lei como de permanente preservação, mas apenas a parte coberta por vegetação nativa, assim constatada pelo Órgão Ambiental.

3º Requisito legal: manifestação de vontade do proprietário e admissão pelo Órgão Ambiental, nos termos do § 6º do atual art. 16 do Código Florestal

Este na verdade é o primeiro requisito lógico-jurídico, pois tudo parte da iniciativa do proprietário, que evidentemente não está obrigado a exercitar o favor legal extraordinário de compensar a vegetação nativa com a exigência da reserva legal florestal.

Também importante frisar que a exceção legal não pode ser usada para autorizar a

redução da área destinada a reserva legal e nem para abrir novas áreas para agricultura ou outro uso alternativo do solo, cabendo ao Órgão Ambiental investigar caso a caso os pedidos de contagem e inclusão de áreas de mata no cálculo do percentual da reserva legal.

Em conclusão deste tópico se pode deduzir:

1. A aplicação da compensação admitida excepcionalmente pelo

legislador para não inviabilizar economicamente a pequena propriedade rural familiar é uma faculdade que pode ser invocada pelo proprietário e depende sempre de análise de admissão pelo Órgão Ambiental;

2. Não se pode generalizar afirmando que em todas as pequenas propriedades rurais familiares o percentual máximo exigido é de 25%, já somadas as áreas de preservação permanente, pois é obrigatória a verificação caso a caso;

3. É perfeitamente exigível um percentual maior de 25% para uma pequena propriedade, como resultado final das áreas de preservação permanente e reserva legal, pois o percentual de 25% é ponto de partida e não de chegada;

4. Não é admissível a invocação do favor legal para converter áreas florestadas para outros usos alternativos do solo, tais como agricultura e pecuária;

5. A pequena propriedade deve estar claramente caracterizada, seja do ponto de vista da exploração familiar, seja quanto à dimensão constante na matrícula no Registro de Imóveis, com o cuidado de averiguar se não se trata de uma única propriedade com diversas matrículas, bem como de evitar a subdivisão com o propósito de caracterização forçada e fraudulenta de pequena propriedade;

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6. Somente são computáveis as áreas com vegetação e não necessariamente toda a área quadrada considerada legalmente de preservação permanente, pois do contrário estar-se-ia admitindo uma reserva florestal sem vegetação, o que seria um disparate jurídico e técnico;

7. Por fim, não se pode interpretar o favor legal excepcional como um redutor das áreas de preservação permanente, pois estas não estão à disposição do proprietário e nem dos Órgãos Ambientais, pois estas decorrem de norma cogente e se destinam a proteger as águas e a estabilidade geológica essencial ao equilíbrio ecológico, essencial à saudável qualidade de vida, conforme consagração constitucional.

9. O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A CONFIGURAÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA

Na mesma linha está o Novo Código Civil Brasileiro7, resultado de antigo

projeto aprovado no ano de 1998 pelo Senado Federal Brasileiro, e que tramitou

desde 1975, quando o então presidente da República, Ernesto Geisel, remeteu a

Mensagem n.o 160 ao Congresso Nacional, submetendo à apreciação o projeto de lei

instituindo o Código Civil, em substituição ao Diploma de 1916, e que depois de

tramitar durante anos na Câmara dos Deputados, foi finalmente convertido na Lei

10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Em matéria de propriedade, o Novo Código Civil, num primeiro momento,

mantém a redação do Art. 524 do Código Civil em vigor, ou seja:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-

la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

7O Novo Código Civil, que tramitou durante décadas no Congresso Nacional Brasileiro, procurou

acolher os modelos jurídicos validamente elaborados pela Jurisprudência construtiva de nossos tribunais, bem como levou em consideração as valiosas contribuições anteriores em matéria legislativa, tais como os Anteprojetos de Código de Obrigações, de 1941 e 1965, este revisto pela douta Comissão constituída pelos ilustres juristas Orosimbo Nonato, Presidente, Caio Mário da Silva Pereira, Relator-Geral, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes, Theophilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros; e o Anteprojeto de Código Civil, de 1963, de autoria do Prof. Orlando Gomes, conforme está registrado nas letras "g" e "m" da Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justiça – Armando Falcão - e do Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil – Prof. Miguel Reale. (Juarez de Oliveira e Antônio Cláudio da Costa Machado – Novo Código Civil – Projeto aprovado pelo Senado Federal acompanhado de Notas Remissivas aos Textos do Código Civil de 1916, ao Código Comercial e Legislação Especial, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1998, XXVIII a XXX)

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Nenhuma novidade representa o caput do artigo transcrito, pois mantém a

propriedade como estrutura de poder econômico (usar, gozar e dispor) e atribui o

poder jurídico de reivindicar a coisa das mãos de quem quer que a detenha

injustamente (seqüela).

A inovação aparece no § 1º do artigo transcrito quando nitidamente são

feitos a conexão e o condicionamento do exercício da propriedade com a

preservação do ambiente natural e cultural, com a seguinte redação:

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Não há paralelo entre esta previsão e a legislação até então vigente, e,

muito embora não esteja escrito que a propriedade obriga a um dever positivo de

preservação e recuperação do meio ambiente, está implícito, com a tradução da

função social da propriedade, elevada a princípio constitucional norteador e garantia

fundamental pela Carta Constitucional de 1988.

Nesta linha de raciocínio e interpretação é possível afirmar-se a existência

de uma função ambiental da propriedade no Novo Código Civil em vigor desde

janeiro de 2003.

10. CONCLUSÕES

Depois de muita polêmica sobre a chamada "LEI AGRÍCOLA",

principalmente com relação ao artigo 99, o qual estabelece a obrigação do

proprietário rural de recompor em sua propriedade a Reserva Florestal Legal,

prevista na Lei nº. 4.771/65, num prazo de trinta anos, ou seja, pelo menos um trinta

avos a cada ano, temos uma nova previsão legal derivada da M.P. 2166/2001

estabelecendo a obrigação de recompor 1/10 a cada três anos a contar agora de 2001.

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De tudo quanto foi dito, são possíveis as seguintes conclusões:

1) que a obrigação legal do proprietário rural de manter reserva de floresta

existe desde a entrada em vigor do velho Código Florestal de 1934, que já

estabelecia que nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais

de três quartas partes da vegetação existente em sua propriedade ou, em outras

palavras, criava uma Reserva genérica de 25%;

2) o novo Código Florestal Brasileiro, de 1965, reafirmou a

obrigatoriedade da Reserva Florestal Legal em percentuais distintos variáveis de 20

a 50% para cada região geográfica do país;

3) a Lei 8171/91 institui nova obrigação para os donos da terra, isto é, de

recompor a R.F.L., num prazo máximo de 30 anos (1/30 avos por ano) para aquelas

propriedades desprovidas de cobertura florestal; a partir de então não basta reservar

parcela da área, mas é imperativo plantar onde não houver cobertura florestal;

4) a reforma legislativa operada no ano de 2001 alterou o tratamento da

Reserva Florestal Legal, re-ratificando a obrigação de reservar e recompor as

parcelas de reserva em cada propriedade rural do território brasileiro, restabelecendo

o prazo de trinta anos (1/10 a cada três anos);

5) as normas jurídicas que estabelecem a obrigação de recompor são

cogentes, imperativas, e referida obrigação segue a sorte do imóvel, sendo

irrelevante se o proprietário atual foi ou não responsável pela supressão da reserva

(trata-se de obrigação propter rem);

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6) a responsabilidade pela recomposição não é do Poder Público e sim do

atual proprietário, não interessando se foi ele quem desmatou ou não. Não cabe o

argumento de que quando comprou já estava desmatado (que já não existia a reserva

legal); também não procede a alegação de prescrição, pois se trata de obrigação

permanente e imprescritível;

8) em outras palavras, por força da Legislação Florestal reformada, o

proprietário rural tem obrigação de reflorestar independente de qualquer autuação

fiscal, de qualquer provocação de autoridade. Deve reflorestar simplesmente porque

a Lei determina;

9) nada impede, no entanto, que em caso de omissão do proprietário em

reflorestar, o Ministério Público ou qualquer Associação Ambientalista legalmente

constituída acione o Poder Judiciário a qualquer momento, que neste caso pode

condenar o proprietário rural a recompor o percentual faltante e em atraso de uma só

vez ;

10) de qualquer maneira, inexistindo a reserva legal obrigatória, prevista

expressamente no artigo 16 da Lei nº. 4771/65, existe interesse social na

recomposição da mesma, sendo inadmissível falar-se em carência da ação, isto é,

que seria indispensável esperar trinta anos para depois exigir a completa

recomposição;

11) a qualquer momento o proprietário rural pode sofrer uma autuação

fiscal, ou uma ação do Ministério Público ou da autoridade administrativa para

recompor a reserva legal de uma só vez, bastando que exista real necessidade e

conveniência na medida, não cabendo ao dono da terra alegar que tem trinta anos

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para reflorestar, pois tal argumento não procede, conforme conclusão já exposta;

12) em caso de inexistir a Reserva Legal Florestal deverá a autoridade

ambiental indicar a localização da mesma dentro da propriedade, tendo em vista os

atributos ecológicos da área, devendo o proprietário providenciar a averbação na

matrícula do imóvel junto ao Ofício de Registro de Imóveis competente, a fim de

poder gozar da isenção tributária correspondente (Imposto Territorial Rural – ITR) e

participar de linhas de financiamento e crédito rural.

Finalmente resta frisar que a Lei quer equilibrar a racional exploração

econômica da terra com a preservação dos recursos naturais, sem o que a raça

humana não sobreviverá neste planeta.

A reserva florestal legal, como o próprio nome diz, significa segundo os

dicionários o ato ou efeito de reservar, de assegurar a conservação das espécies

animais e vegetais.

É a contrapartida que a nossa geração deve dar às futuras, para que a vida

continue.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Federal nº 3.071 – 1º de janeiro de 1916 – Código Civil.

BRASIL. Lei Federal nº 4.771 – 15 de setembro de 1965 – Institui o Novo

Código Florestal.

BRASIL. Lei Federal nº 8.171 – 17 de janeiro de 1991 – Dispõe sobre a Política

Agrícola.

MAGALHÃES, Juraci Perez. Comentários ao Código Florestal. Brasília :

Senado Federal, 1980.

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MORAES, Luís Carlos Silva de. Código Florestal Comentado. São Paulo :

Atlas, 2000.

PETERS, Edson Luiz & TARSO, Paulo de Tarso de Lara. Legislação

Ambiental Federal. 3ª Ed. rev. atual. Curitiba : Juruá, 2004.