Resíduos Sólidos Urbanos- Impactos Socioambientais
-
Upload
adrielle-castilho -
Category
Documents
-
view
227 -
download
0
description
Transcript of Resíduos Sólidos Urbanos- Impactos Socioambientais
-
AR
TIG
O A
RT
IC
LE
1503
1 Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de
Medicina, Universidade de
So Paulo. Av. Dr. Arnaldo
455. 01246-903 So Paulo
Resduos slidos urbanos: impactos socioambientaise perspectiva de manejo sustentvel com incluso social
Solid urban waste: socio-environmental impactsand prospects for sustainable management with social inclusion
Resumo Com a Rio+20 retoma-se a discusso deestratgias para conciliar desenvolvimento com
proteo dos ecossistemas. Um tema apenas tan-
genciado nessas discusses o gerenciamento dos
resduos slidos urbanos. Diante da instituciona-
lizao da Poltica Nacional de Resduos Slidos,
busca-se contribuir para esse debate, bem como
apontar caminhos para o enfrentamento dessa
questo, privilegiando a incluso social. Para isso,
foram utilizados documentos e informaes sobre
a gesto de resduos slidos, e a literatura cientfi-
ca especializada. Observa-se que o inadequado ge-
renciamento dos resduos slidos gera impactos
imediatos no ambiente e na sade, assim como
contribui para mudanas climticas. Consideran-
do as limitaes das opes de destinao final
para os resduos, imprescindvel minimizar as
quantidades produzidas por meio da reduo, reu-
tilizao e reciclagem. Nesse contexto, destaca-se
o papel dos catadores, que vm realizando um tra-
balho de grande importncia ambiental. Dadas
as fragilidades desse segmento populacional, pre-
ciso delinear polticas pblicas que tornem a ati-
vidade de catao mais digna e com menos riscos
e que, ao mesmo tempo, garantam renda, para
assim caminhar rumo a um desenvolvimento mais
saudvel, justo e sustentvel.
Palavras-chave Resduos slidos, Impactos sa-
de, Impactos ambientais, Reciclagem, Catadores,
Incluso social
Abstract Strategies to reconcile development with
the protection of ecosystems will yet again be dis-
cussed at the forthcoming Rio +20 Summit. The
management of solid urban waste is an issue which
has barely been touched upon in such discussions.
Given the institutionalization of the National
Solid Waste Policy, this paper seeks to contribute
to this debate and to single out alternatives to
tackle this issue with an emphasis on social in-
clusion. For this purpose, specialized scientific lit-
erature was consulted as well as information on
solid waste management. It is clearly seen that
inadequate management of solid waste has im-
mediate impacts on the environment and health,
and contributes to climate change. Considering
the limitations of the current options for waste
disposal, it is essential to minimize the quantities
produced by reducing, reusing and recycling. In
this context, the role of independent waste gath-
erers who have been conducting work of great
environmental importance is highlighted. Given
the vulnerabilities of this population, it is neces-
sary to devise public policies to ensure that waste
gathering is a more respected and less risky activ-
ity that guarantees an income, so as to move to-
wards more healthy, equitable and sustainable
development.
Key words Solid waste, Health impacts, Envi-
ronmental impacts, Recycling, Waste collectors,
Social inclusion
Nelson Gouveia 1
-
1504G
ou
veia
N
Introduo
O debate sobre questes ambientais ganhou gran-
de visibilidade aps a Conferncia das Naes
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Rio-92, quando a discusso sobre os impactos
do desenvolvimento nos ecossistemas e na sade
da populao se popularizou e conquistou cora-
es e mentes. Desde ento so buscados meca-
nismos que atenuem a presso que o conjunto da
sociedade exerce sobre o ambiente de modo a
minimizar as alteraes no sistema climtico pla-
netrio, e assim garantir a sobrevivncia da vida
no planeta. Agora, com a realizao da Rio+20,
mais uma vez discutem-se estratgias para conci-
liar o desenvolvimento com a conservao e a
proteo de nossos ecossistemas.
Diversas propostas para o enfrentamento das
alteraes no clima vm sendo debatidas nessas
e em outras conferncias similares1. O estabeleci-
mento de metas para a emisso dos gases de efei-
to estufa (GEE), a criao dos Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo (MDL) e a consequente
criao de um mercado de carbono so exem-
plos de propostas que buscam ao menos tentar
mitigar as mudanas climticas j em curso, por
meio de estratgias econmicas.
Um tema de menor destaque nessa discus-
so, e apenas tangenciado com a implantao
dos MDL no Brasil, o gerenciamento dos res-
duos slidos urbanos. Embora, em termos glo-
bais, a queima de combustveis fsseis (na pro-
duo de energia, nos processos industriais e nos
transportes) seja a principal fonte de GEE, res-
ponsveis pelas alteraes no clima, os resduos
slidos tm um papel importante nesse cenrio,
uma vez que tambm contribuem para a emis-
so desses gases2. O gerenciamento inadequado
dos resduos slidos urbanos gera diretamente
outros impactos importantes, tanto ambientais
quanto na sade da populao. Considerando-
se a tendncia de crescimento do problema, os
resduos slidos vm ganhando destaque como
um grave problema ambiental contemporneo3.
Nesse contexto, busca-se contribuir para a
reflexo sobre o impacto da gesto adequada dos
resduos slidos no meio ambiente, bem como
discutir caminhos para o enfrentamento dessa
questo, privilegiando ao mesmo tempo a inclu-
so social. Essa proposta est em consonncia
com um dos temas centrais da Rio+20, que a
busca do desenvolvimento sustentvel com er-
radicao da pobreza. Para tanto, foram utiliza-
dos documentos e informaes sobre a gesto
de resduos slidos disponveis em diferentes fon-
tes, assim como consulta na literatura cientfica
especializada nessa rea.
O impacto ambiental
O desenvolvimento econmico, o crescimen-
to populacional, a urbanizao e a revoluo tec-
nolgica vm sendo acompanhados por altera-
es no estilo de vida e nos modos de produo
e consumo da populao. Como decorrncia di-
reta desses processos, vem ocorrendo um au-
mento na produo de resduos slidos, tanto
em quantidade como em diversidade, principal-
mente nos grandes centros urbanos. Alm do
acrscimo na quantidade, os resduos produzi-
dos atualmente passaram a abrigar em sua com-
posio elementos sintticos e perigosos aos ecos-
sistemas e sade humana, em virtude das no-
vas tecnologias incorporadas ao cotidiano4,5.
Diariamente, so coletadas no Brasil entre
180 e 250 mil toneladas de resduos slidos urba-
nos6,7. A impreciso nessa estimativa se deve a
diferentes metodologias empregadas nos levan-
tamentos realizados e s dificuldades inerentes a
essa avaliao. Observa-se ainda que a produ-
o de resduos est em franca ascenso, com
crescimento estimado em 7% ao ano, valor bas-
tante superior ao 1% anual observado para o
crescimento da populao urbana no pas recen-
temente6-10. Apesar das grandes diferenas regio-
nais, a produo de resduos tem crescido em
todas as regies e estados brasileiros. A gerao
mdia de resduos slidos urbanos prxima de
1 Kg por habitante/dia no pas, padro j similar
ao de alguns pases da Unio Europeia11. Entre as
populaes urbanas mais afluentes o padro de
consumo se equipara ao dos cidados norte-
americanos, reconhecidamente os maiores pro-
dutores per capita de resduos slidos urbanos7,12.
Entretanto, boa parte dos resduos produzi-
dos atualmente no possui destinao sanitria e
ambientalmente adequada. Embora tenha havi-
do progresso nos ltimos vinte anos, os resduos
ainda so depositados em vazadouros a cu aber-
to, os chamados lixes, em mais da metade dos
municpios brasileiros (Tabela 1). O percentual
de municpios que utilizam aterros controlados,
onde os resduos so apenas cobertos por terra,
manteve-se praticamente inalterado entre 2000 e
2008, e houve aumento na destinao para os ater-
ros sanitrios, que utilizam tecnologia especfica
de modo a minimizar os impactos ambientais e
os danos ou riscos sade humana.
Essa situao relativamente melhor quan-
do so analisadas as quantidades dirias de res-
-
1505C
incia &
Sa
de C
oletiva, 1
7(6
):1503-1
510, 2
012
duos coletados (Figura 1). Entre 2000 e 2008,
aumentou significativamente a participao dos
aterros sanitrios e houve pequena diminuio
da disposio de resduos em lixes. Isso se deve
ao fato de um grande percentual desses resduos
ser produzido em apenas alguns grandes centros
urbanos, os quais contam geralmente com lo-
cais adequados para disposio final6. Outras
destinaes para os resduos slidos urbanos,
como a compostagem, incinerao e reciclagem,
tiveram pequenas variaes nesse perodo.
Iniciativas para a reduo da quantidade de
material descartado em aterros, como a coleta
seletiva para posterior reciclagem, ainda cami-
nham lentamente. Em 1989 identificou-se a exis-
tncia de 58 municpios com programas de cole-
ta seletiva de lixo no Brasil. Esse nmero cresceu
para 451 municpios em 2000, e para 994 em 2008,
em um universo de 5.564 municpios6-9.
O manejo adequado dos resduos uma im-
portante estratgia de preservao do meio am-
biente, assim como de promoo e proteo da
sade. Uma vez acondicionados em aterros, os
resduos slidos podem comprometer a quali-
dade do solo, da gua e do ar, por serem fontes
de compostos orgnicos volteis, pesticidas, sol-
ventes e metais pesados, entre outros13. A decom-
posio da matria orgnica presente no lixo re-
sulta na formao de um lquido de cor escura, o
chorume, que pode contaminar o solo e as guas
superficiais ou subterrneas pela contaminao
do lenol fretico. Pode ocorrer tambm a for-
mao de gases txicos, asfixiantes e explosivos
que se acumulam no subsolo ou so lanados na
atmosfera14. Os locais de armazenamento e de
disposio final tornam-se ambientes propcios
Figura 1. Quantidade diria (%) de resduos slidos, domiciliares e/ou pblicos, coletados e/ou recebidos,
por unidade de destino final dos resduos slidos coletados e/ou recebidos, Brasil 2000 e 2008.
Fonte: IBGE6,9
Aterro
controlado
Aterro
sanitrio
Lixo Outros
3.1
17.6
64.6
15.7
2008
Aterro
controlado
Aterro
sanitrio
Lixo Outros
5.5
21.2
36.237.0
2000
Ano
1989
2000
2008
Tabela 1. Destino final dos resduos slidos, por
unidades de destino dos resduos, Brasil - 1989/2008.
Vazadouro
a cu aberto
88,2
72,3
50,8
Aterro
controlado
9,6
22,3
22,5
Aterro
sanitrio
1,1
17,3
27,7
Fonte: IBGE6,8,9
Destino final (%)
-
1506G
ou
veia
N
para a proliferao de vetores e de outros agen-
tes transmissores de doenas. Pode haver tam-
bm a emisso de partculas e outros poluentes
atmosfricos, diretamente pela queima de lixo ao
ar livre ou pela incinerao de dejetos sem o uso
de equipamentos de controle adequados. De
modo geral, os impactos dessa degradao es-
tendem-se para alm das reas de disposio fi-
nal dos resduos, afetando toda a populao.
Alm desses impactos mais imediatos no
ambiente, a disposio de resduos slidos pode
contribuir de maneira significativa com o pro-
cesso de mudanas climticas. A decomposio
anaerbica da matria orgnica presente nos re-
sduos gera grandes quantidades de GEE, princi-
palmente o metano (CH4), segundo gs em im-
portncia dentre os considerados responsveis
pelo aquecimento global15. O potencial de emis-
so de metano aumenta com a melhora das con-
dies de controle dos aterros e da profundidade
dos lixes16.
Iniciativas para captao do metano gerado
em aterros sanitrios e sua utilizao na gerao
de energia vm sendo implantados no mbito
dos projetos de MDL como instrumentos de
mitigao de gases de efeito estufa17. Entretanto,
somente 36 aterros vm desenvolvendo projetos
dessa natureza, em um universo de cerca de 1.500
no Brasil9,17.
Segundo o ltimo levantamento feito pelo
Painel Intergovernamental de Mudanas Clim-
ticas (IPCC na sigla em ingls), a disposio de
resduos no solo e o tratamento de efluentes so
responsveis por cerca de 3% das emisses glo-
bais de GEE2. No panorama nacional, observa-
se que a contribuio dos resduos slidos nas
emisses de GEE situa-se em patamar semelhan-
te, com participao de cerca de 2% no total das
emisses. Porm, as variaes percentuais acu-
muladas no perodo 1990-2005 mostram que as
emisses desse setor cresceram a uma taxa de
77%, ou seja, maior do que o crescimento do PIB
brasileiro no mesmo perodo16.
Entretanto, importante salientar que o per-
fil das emisses brasileiras de GEE muito espe-
cial, influenciado pela matriz energtica excepci-
onalmente limpa e pela grande contribuio das
mudanas no uso do solo, em especial pelo des-
florestamento e pelas atividades do agroneg-
cio16. No nvel local, a contribuio dos resduos
adquire grande importncia. Por exemplo, inven-
trio realizado no municpio de So Paulo d
conta de que 23,5% das emisses de GEE so
provenientes da produo de resduos urbanos18.
Os impactos na sade
Os vrios impactos ambientais decorrentes
das diferentes formas de disposio de resduos
slidos oferecem tambm riscos importantes
sade humana. Sua disposio no solo, em lixes
ou aterros, por exemplo, constitui uma impor-
tante fonte de exposio humana a vrias subs-
tncias txicas. As principais rotas de exposio a
esses contaminantes so a disperso do solo e do
ar contaminado19, a lixiviao e a percolagem do
chorume20. O ltimo pode ocorrer no apenas
enquanto o lixo ou o aterro est em funciona-
mento, mas tambm depois de sua desativao,
uma vez que os produtos orgnicos continuam a
degradar. Estudos tm indicado que reas prxi-
mas a aterros apresentam nveis elevados de com-
postos orgnicos e metais pesados21, e que popu-
laes residentes nas proximidades desses locais
apresentam nveis elevados desses compostos no
sangue22. Assim, esses depsitos de resduos sli-
dos constituem em potenciais fontes de exposi-
o para populaes, tendo sido relatado riscos
aumentados para diversos tipos de cncer23-25,
anomalias congnitas26,27, baixo peso ao nascer28,
abortos e mortes neonatais29 nessas e em popula-
es vizinhas a esses locais.
Apesar de pouco utilizada no Brasil, a incine-
rao de resduos tambm traz riscos sade
uma vez que produz quantidades variadas de
substncias txicas, como gases, partculas, me-
tais pesados, compostos orgnicos, dioxinas e
furanos emitidos na atmosfera3. A contamina-
o de populaes residentes em reas prximas
a incineradores se d diretamente (pela inalao
de ar contaminado) ou indiretamente (por meio
do consumo de gua ou alimentos contamina-
dos, ou contato drmico com solo contamina-
do)30. Vrios estudos apontam que a exposio
da populao emisso de incineradores est
associada a um risco aumentado de alguns tipos
de cncer31,32, assim como de desfechos indeseja-
dos da gravidez, incluindo baixo peso ao nascer e
anomalias congnitas30,33.
H ainda os riscos sade para os profissio-
nais mais diretamente envolvidos no manejo dos
resduos, como o caso do pessoal operacional
do setor, o qual, em sua maioria, no conta com
medidas mnimas de preveno e segurana ocu-
pacional. Por exemplo, mesmo a compostagem
sendo uma destinao ambientalmente mais cor-
reta do que a disposio no solo, ela pode gerar
impactos sade dos trabalhadores desse setor,
como alteraes na funo pulmonar e contami-
nao bacteriolgica do sistema respiratrio34-36.
-
1507C
incia &
Sa
de C
oletiva, 1
7(6
):1503-1
510, 2
012
A situao se torna mais crtica para indiv-
duos que trabalham e vivem da recuperao de
materiais do lixo, especialmente os catadores de
materiais reciclveis, os quais realizam seu tra-
balho em condies muito insalubres, geralmente
sem equipamentos de proteo, resultando em
alta probabilidade de adquirir doenas. Alguns
problemas relacionados ao trabalho de recicla-
gem incluem a exposio a metais e substncias
qumicas, a agentes infecciosos como o vrus da
hepatite B, doenas respiratrias, osteomuscu-
lares e leses por acidentes4,37.
O papel dos catadores nesse cenrio
Os catadores de materiais reciclveis podem
ser considerados os grandes protagonistas da
indstria de reciclagem no pas. Eles detm posi-
o fundamental na gesto de resduos slidos
no Brasil, medida que sua prpria existncia
indica a dificuldade de incluir no gerenciamento
desse sistema as atividades de catao, principal-
mente por problemas de escala de produo
combinados a dificuldades logsticas38. Esse gru-
po de trabalhadores vem atuando de maneira
informal ou organizada em cooperativas e, mes-
mo antes da definio de polticas pblicas claras
para a gesto de resduos no pas, vem realizan-
do um trabalho de grande importncia ambien-
tal; contribuindo significativamente para o re-
torno de diferentes materiais para o ciclo produ-
tivo; gerando economia de energia e de matria-
prima, e evitando que diversos materiais sejam
destinados a aterros.
A reutilizao de resduos slidos como insu-
mo nos processos produtivos gera benefcios di-
retos, tanto na reduo da poluio ambiental
causada pelos aterros e depsitos de lixo como
em benefcios indiretos relacionados conserva-
o de energia. Em ambas as situaes h poten-
cial de diminuio nas emisses de gases respon-
sveis pelo aquecimento global. Estima-se que,
em um cenrio ideal de reciclagem, teria sido
possvel evitar a emisso de 18 a 28 milhes de
toneladas de dixido de carbono no Brasil, no
perodo de 2000 a 200715. Portanto, a reciclagem
de resduos slidos urbanos representa uma im-
portante forma de atenuar os impactos dos ga-
ses de efeito estufa, contribuindo em direo a
um desenvolvimento mais sustentvel.
Todavia, o pas ainda apresenta percentuais
relativamente baixos de reciclagem. Segundo es-
timativas para 2006, foram gerados cerca de 50
milhes de toneladas de resduos slidos urba-
nos, dos quais somente 18% da frao seca (me-
tais, papeis, plsticos e vidros) foram devidamen-
te reciclados12. Por tipo de material, observa-se
que apenas o alumnio atinge taxas de reciclagem
prximas de 100%. Para outros materiais como
plsticos e vidros, o percentual ainda est em tor-
no de 40% do que produzido39.
Para melhorar esses ndices, preciso incen-
tivo coleta seletiva com adequada separao
dos diversos materiais, tanto no momento da
gerao do resduo nesse caso pela populao
devidamente informada para desempenhar esse
papel quanto nas centrais de triagem. Nesse
aspecto, ressalta-se novamente o papel que os
catadores de matrias reciclveis vm desempe-
nhando nessa cadeia produtiva.
No h levantamentos precisos sobre o n-
mero de catadores existentes atualmente, mas
algumas previses apontam para mais de um
milho de trabalhadores espalhados por vrias
cidades brasileiras. Na Figura 2, visualiza-se o
crescimento na ltima dcada do nmero de ca-
tadores no Brasil.
Vale destacar que, desde 2002, a atividade de
catador foi reconhecida como categoria profis-
sional, registrada na Classificao Brasileira de
Ocupao (CBO), sob n 5192-05 como Cata-
dor de Material Reciclvel. Essa nova categoria
de trabalhadores exerce a funo de coletar, trans-
portar, triar, prensar, armazenar e negociar esses
materiais para serem reutilizados38. Todavia, para
uma adequada insero desses profissionais no
sistema de gerenciamento de resduos slidos,
preciso assegurar tanto os aspectos de direito ao
trabalho e renda como avaliar as condies de
sade e os riscos aos quais esto expostos.
Manejo sustentvel com incluso social
O presente artigo buscou desvelar os diver-
sos impactos associados ao inadequado gerenci-
amento dos resduos slidos urbanos, tanto os
impactos imediatos ao ambiente e a sade da
populao como aqueles mais a longo prazo
devidos s alteraes climticas decorrentes das
emisses de gases de efeito estufa. A diversidade
de substncias potencialmente txicas presentes
no lixo urbano, as evidncias de contaminao
do solo e gua subterrnea, e os efeitos j relaci-
onados a essa exposio em populaes vizinhas
a essas reas, assim como o potencial de gerao
de GEE, devem ser considerados no planejamen-
to e execuo de polticas de gerenciamento de
resduos.
Nesse sentido, pode-se concluir que preciso
caminhar em direo a uma gesto dos resduos
-
1508G
ou
veia
N
slidos que busque a eliminao de seus impac-
tos negativos no ambiente e na sade da popula-
o. Para tanto, j possvel contar com um
marco legal, uma vez que foi sancionada a Polti-
ca Nacional de Resduos Slidos (PNRS) em 2010,
com diretrizes para o planejamento e a gesto
dos resduos no pas, tais como a obrigatorieda-
de da preparao de planos municipais de geren-
ciamento de resduos, o estabelecimento de pra-
zos para a erradicao dos lixes e a implantao
da coleta seletiva40.
Contudo, o manejo de resduos ainda enfren-
ta srias limitaes, mesmo utilizando tecnologi-
as apropriadas, particularmente em relao
destinao para aterros sanitrios e incinera-
o. A disposio no solo, mesmo que em ater-
ros sanitrios com captao de gases e efluentes
esbarra no esgotamento de reas fsicas apropri-
adas para esse fim17, principalmente nos grandes
centros urbanos, implicando no deslocamento
desses resduos para longas distncias, com os
consequentes transtornos associados ao trans-
porte (poluio, acidentes, etc). Alm disso, deve
ser considerado o potencial esgotamento dos ser-
vios ecossistmicos necessrios para degradar
todo o resduo depositado41.
A incinerao, uma das opes para o geren-
ciamento de resduos, vem crescendo em muitos
pases, principalmente em projetos com recupe-
rao energtica para produo de eletricidade3.
Contudo, a segurana da populao do entorno
em relao aos efluentes lanados ao ar depende
de avaliao das tecnologias empregadas, sendo
necessrio manter o monitoramento de suas emis-
ses e dos possveis efeitos detectados na sade42.
Dessa forma, torna-se imprescindvel buscar mi-
nimizar a quantidade de resduos que necessitam
de destinao adequada, seguindo a lgica dos
trs R: reduo, reutilizao e reciclagem.
A reduo e a reutilizao, seja essa ltima
diretamente ou atravs dos processos de com-
postagem e reciclagem, podem ser incentivadas
por meio de aes educativas que visem a atitu-
des de consumo mais consciente por parte da
populao. No obstante as foras do mercado
que nos impelem a consumir inconsequentemen-
te, importante atuar tambm em direo a no-
vos padres de consumo. Estes, por sua vez, e
novamente por meio das foras do mercado,
podem levar a novas formas de produo ambi-
entalmente sustentveis, podendo ser realizada
com menor queima de combustveis fsseis, prin-
cipal vilo quando se refere s mudanas clim-
ticas globais.
A reciclagem, como j colocado, precisa ser
impulsionada com a implantao da coleta sele-
tiva e triagem dos resduos. Levando em conta as
deficincias em infraestrutura para a realizao
desse trabalho em grande parte dos municpios
brasileiros, deve-se atentar para a PNRS, que
prope a destinao de recursos financeiros para
os municpios realizarem trabalho de integrao
e capacitao de catadores de reciclveis, incenti-
vando a criao e o desenvolvimento de coope-
rativas ou de outras formas de associao43. Onde
j existe uma cadeia informal de reciclagem com-
Figura 2. Evoluo do nmero de catadores (autnomos e cooperativados) no Brasil.
Fonte: CEMPRE43
1999 2001 2004 2006 2009
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
-
1509C
incia &
Sa
de C
oletiva, 1
7(6
):1503-1
510, 2
012
posta por esses catadores, deve-se incorporar os
seus servios nos planos de gesto de resduos
slidos dos municpios.
Entretanto, preciso considerar o contexto
j institucionalizado de vulnerabilidade, precari-
edade e fragilidade das condies de trabalho dos
catadores38. Assim, diante da emergente institu-
cionalizao da PNRS, e de modo a no repro-
duzir o efeito perverso da excluso e da explora-
o desse segmento de trabalhadores, impor-
tante que se delineiem polticas pblicas que arti-
culem aspectos sociais (sade, segurana do tra-
balho, autogesto, cidadania, incluso entre ou-
tras), econmicos (gerao de renda, reduo de
custos, mercado entre outros) e tcnico-ambi-
entais (qualidade, eficincia entre outras). O ob-
jetivo deve ser tornar a atividade de catao mais
digna e com menos riscos e, ao mesmo tempo,
garantir a gerao de renda e riqueza, fazendo a
incluso social desse segmento importante de tra-
balhadores, vitais para a mitigao de nossas
pegadas ecolgicas.
Concluso
As decises que envolvem o gerenciamento de
resduos slidos urbanos so fundamentalmen-
te decises sobre sade pblica e requerem, por-
tanto, a integrao entre polticas econmicas,
sociais e ambientais. O complexo desafio para as
grandes cidades na gesto de resduos slidos
neste incio de sculo pode ser enfrentado pela
formulao de polticas pblicas que objetivem
eliminar os riscos sade e ao ambiente, que
colaborem na mitigao das mudanas climti-
cas relacionadas ao humana e, ao mesmo
tempo, garantam a incluso social efetiva de par-
celas significativas da populao. Assim, cami-
nharemos rumo a um desenvolvimento mais
saudvel, em uma perspectiva socialmente justa,
ambientalmente sustentvel, sanitariamente cor-
reta e economicamente solidria.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).
Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico, PNSB -2000.
Rio de Janeiro: IBGE; 2002.
Associao Brasileira de Empresas de Limpeza P-
blica e Resduos Especiais (Abrelpe). Panorama de
Resduos Slidos no Brasil- 2009. So Paulo: Abrel-
pe; 2009.
European Environment Agency (EEA). Better man-
agement of municipal waste will reduce greenhouse
gas emissions. European Environment Agency, Brief-
ing 1. Copenhagen: EEA; 2008.
Nalini JE. O mercado de reciclagem de lixo no Brasil:
entraves ao desenvolvimento [dissertao]. So
Paulo; Pontifcia Universidade Catlica; 2008.
Giusti L. A review of waste management practices
and their impact on human health. Waste Manag
2009; 29(8): 2227-2239.
Gouveia N, Prado RR. Riscos sade em reas
prximas a aterros de resduos slidos urbanos.
Rev Saude Publica 2010; 44(5):859-866.
Pereira AS, Oliveira LB, Reis MM. Emisses de CO2
Evitadas e Outros Benefcios Econmicos e Ambien-
tais Trazidos pela Conservao de Energia Decor-
rente da Reciclagem de Resduos Slidos no Brasil.
In: Anais do III Encontro Nacional da Sociedade Brasi-
leira de Economia Ecolgica; 1999; Recife [CD-ROM].
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
Referncias
Viola E. O regime internacional de mudanas cli-
mticas e o Brasil. RBCS 2002; 17(50):25-46.
Intergovernmental Panel on Climate Change
(IPCC). Climate Change 2007: Synthesis Report. Core
Writing Team, Pachauri RK, Reisinger A, editors.
Geneva: IPCC; 2007.
World Health Organization (WHO). Population
health and waste management: scientific data and
policy options. Report of a WHO workshop Rome,
Italy, 29-30 March 2007. Copenhagen: WHO Re-
gional Office for Europe; 2007.
Ferreira JA, Anjos LA. Aspectos de sade coletiva e
ocupacional associados gesto dos resduos sli-
dos municipais. Cad Saude Publica 2001; 17(3):689-
696.
Velloso MP. Processo de Trabalho da Coleta de Lixo
Domiciliar na Cidade do Rio de Janeiro: Percepo e
Vivncia dos Trabalhadores [dissertao]. Rio de
Janeiro: Fiocruz; 1995.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).
Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico, PNSB -2008.
Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
Associao Brasileira de Empresas de Limpeza P-
blica e Resduos Especiais (Abrelpe). Panorama de
Resduos Slidos no Brasil- 2010. So Paulo: Abrel-
pe; 2010.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).
Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico, PNSB -1991.
Rio de Janeiro: IBGE; 1992.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
-
1510G
ou
veia
N
Brasil. Ministrio de Cincia e Tecnologia. Inven-
trio Brasileiro das emisses e remoes antrpicas de
gases de efeito estufa Informaes Gerais e Valores
Preliminares. Braslia: Ministrio de Cincia e Tec-
nologia; 2009.
Jacobi P, Besen GR. Gesto de resduos slidos em
So Paulo: desafios da sustentabilidade. Estudos
Avanados 2011; 25(71):135-158.
Prefeitura do Municpio de So Paulo. Inventrio
de emisses de gases de efeito estufa do Municpio de
So Paulo Sntese. So Paulo: Prefeitura do Muni-
cpio de So Paulo; 2005.
Ward RS, Williams GM, Hills CC. Changes in ma-
jor and trace components of landfill gas during
subsurface migration. Waste Manage Res. 1996;
14(3):243261.
El-Fadel M, Findikakis AN, Leckie JO. Modelling
Leachate Generation and Transport in Solid Waste
Landfills: Environ Technol. 1997; 18(7):669-686
Sissino CLS, Moreira JC. Avaliao da contamina-
o e poluio ambiental na rea de influncia do
aterro controlado do Morro do Cu, Niteri, Bra-
sil. Cad Saude Publica 1996; 12(4):515-523.
Santos Filho E, Souza E, Silva R, Barreto HHC,
Inomata ONK, Lemes VRR, Kussumi TA, Rocha
SOB. Grau de exposio a praguicidas organoclo-
rados em moradores de aterro a cu aberto. Rev
Saude Publica 2003; 37(4):515-522.
Goldberg MS, Homnsi AL, Goulet L, Riberdy H.
Incidence of cancer among persons living near a
municipal solid waste landfill site in Montreal,
Quebec. Arch Environ Health. 1995; 50(6):416-424.
Goldberg MS. Risks of developing cancer relative
to living near a municipal solid waste landfill site in
Montreal, Quebec, Canada. Arch Environ Health.
1999; 54(4):291-296.
Pukkala E, Pnk A. Increased incidence of cancer
and asthma in houses built on a former dump area.
Environ Health Perspect 2001; 109(11):1121-1125.
Palmer SR, Dunstan FDJ, Fielder H, Fone DL, Higgs
G, Senior ML. Risk of congenital anomalies after
the opening of landfill sites. Environ Health Pesp.
2005; 113(10):1362-1365.
Elliot P, Richardson S, Abellan JJ, Thomsom A,
Hoogh C, Jarup L, Briggs DJ. Geographic density of
landfill sites and risk of congenital anomalies in
England. Occup Environ Med. 2009; 66(2):81-89.
Elliot P, Briggs D, Morris S, Hoogh C, Hurt C, Jensen
TK, Maitland I, Richardson S, Wakefield J, Jarup L.
Risk of adverse birth outcomes in populations living
near landfill sites. BMJ. 2001; 323(7322):363-368.
Dummer TJB. Adverse pregnant outcomes near
landfill sites in Cumbria, Northwest, England, 1950-
93. Arch of Environ Health 2003; 58(11):692-698
Franchini M, Rial M, Buiatti E, Bianchi F. Health
effects of exporuse to waste incinerator emissions:
a review of epidemiological studies. Ann 1st Super
Sanit. 2004; 40(1):101-115
Viel JF, Daniau C, Goria S, Fabre P, Crouy-Chanel
P, Sauleau EA, Empereur-Bissonnet P. Risk for non
Hodgkins lymphoma in the vicinity of French mu-
nicipal solid waste incinerators. Environ Health.
2008; 7:51-59.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
Elliott P, Shaddick G, Kleinschmidt I, Jolley D, Walls
P, Beresford J, Grundy C. Cancer incidence near
municipal solid waste incinerators in Great Britain.
Br J Cancer 1996; 73(5):702-710.
Cordier S, Chevrier C, Robert-Gnansia E, Lorente
C, Brula P, Hours M. Risk of congenital anomalies
in the vicinity of municipal solid waste incinera-
tors. Occup Environ Med. 2004; 61(1):8-15.
Athanasiou M, Makrynos G, Dounias G. Respira-
tory health of municipal solid waste workers. Occup
Med 2010; 60(8):618623.
Wouters IM, Hilhorst SKM, Kleppe P, Doekes G,
Douwes J, Peretz C, Heederik D. Upper airway in-
flammation and respiratory symptoms in domestic
waste collectors. Occup Environ Med 2002; 59(2):
106-112.
Krajewski JA, Tarkowski S, Cyprowski M, Szarapin-
ska-Kwaszewska J, Dudkiewicz B. Occupational ex-
posure to organic dust associeted with mucipal waste
collection and manegement. Int J Occup Med Envi-
ron Health 2002; 15(3):289-301.
Sisinno CL, Oliveira RM. Residuos Slidos, ambien-
te e sade: uma viso muldisciplinar. Rio de Janei-
ro: Ed. Fiocruz; 2000.
Gonalves-Dias SLF. Catadores: uma perspectiva de
sua insero no campo da indstria de reciclagem
[tese]. So Paulo: Universidade de So Paulo; 2009.
Pinto-Coelho RM. Reciclagem e Desenvolvimento
Sustentvel. Belo Horizonte, 2009. [acessado 2012
abr 4]. Disponvel em: http://ecologia.icb.ufmg.br/
~rpcoelho/Livro_Reciclagem/website/index.htm
Brasil. Lei n 12.305 de 02 de Agosto de 2010. Institui
a Poltica Nacional de Resduos Slidos; altera a Lei
no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e d outras
providncias. Dirio Oficial da Unio 2010; 3 ago. [aces-
sado 2011 dez 15]. Disponvel em: http://www.
mncr.org.br/box_2/instrumentos-juridicos/leis-e-
decretos-federais/Lei%20%2012.305-2010%20Politica
%20de%20Residuos%20Solidos.pdf/view
Holzman DC. Accounting for natures benefits. The
dollar value of ecosystem services. Environ Health
Perspect 2012; 120:153-157
Gouveia N, Prado RR. Anlise espacial dos riscos
sade associados incinerao de resduos sli-
dos: avaliao preliminar. Rev Bras Epidemiol 2010;
13(1):3-10.
Compromisso empresarial para a reciclagem (CEM-
PRE). Poltica Nacional de Resduos Slidos: a lei na
prtica. So Paulo: CEMPRE; 2011. [acessado 2011
dez 15]. Disponvel em: http://www.cempre.org.br/
download/pnrs_leinapratica.pdf
Artigo apresentado em 17/04/2012
Verso final aprovada em 26/04/2012
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.