RESISTÊNCIA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE JOVENS … · 3 Estatuto de Promoção da Igualdade Racial...

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RESISTÊNCIA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE JOVENS NEGROS NO SÉCULO XXI Juliano Gonçalves Pereira 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Etinicorraciais do NEAB- CEFET/RJ Bolsista da Capes Resumo: As análises apresentadas neste texto buscam refletir sobre a trajetória política da Juventude Negra brasileira no século XXI. Tomando como ponto de partida o I Encontro Nacional de Juventude Negra/ENJUNE - realizado em Lauro de Freitas/BA em 2007, e considerando como um marco histórico da organização deste grupo juvenil, este artigo busca responder como este público tem sido tematizado nas políticas públicas contemporânea. Para isso propõe a intersecção dos índices de violência, uso e abuso de drogas e homicídio com os esforços da Secretaria Nacional de Juventude/SNJ juntamente com o Conselho Nacional de Juventude/CONJUVE para resolver a equação que apresenta a Juventude Negra como a mais vulnerável na sociedade. Partimos da hipótese que a cor da pele é determinante para os tratamentos sociais, e nessa dinâmica, a trajetória política da Juventude Negra se mostra promissora, desenvolvida sob resistências étnicas, em busca de acesso aos direitos. Palavras Chave: Juventude Negra, Juventude, Políticas Públicas, Políticas Afirmativas The analyzes presented in this paper seek to reflect on the political trajectory of the Brazilian Black Youth in the XXI century. Taking as its starting point the First National Youth Black / ENJUNE - held in Lauro de Freitas / BA in 2007 and considered as a milestone in the organization of this youth group, this article seeks to answer as this audience has been thematized in public policy contemporary. For this propose the intersection of the levels of violence, drug use and abuse and murder with the efforts of the National Youth / SNJ with the National Youth Council / CONJUVE to solve the equation that shows the Black Youth as the most vulnerable in society. We start from the hypothesis that skin color is crucial to social treatments, and this dynamic, the political trajectory of Black Youth shows promise, developed under ethnic resistance, seeking access to rights. Keywords: Black Youth, Youth, Public Policy, Policy Statements “Os exploradores dos Negros não vão ter descanso enquanto toda nossa nação negro africana não for definitivamente livre” (Abdias do Nascimento, Serra da Barriga 1983). 1 Rua Tarira, 45, Apt: 102. Vicente de Carvalho; Rio de Janeiro/Brasil. Email: [email protected]

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RESISTÊNCIA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE JOVENS NEGROS

NO SÉCULO XXI

Juliano Gonçalves Pereira1

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Etinicorraciais do NEAB-

CEFET/RJ

Bolsista da Capes

Resumo:

As análises apresentadas neste texto buscam refletir sobre a trajetória política da

Juventude Negra brasileira no século XXI. Tomando como ponto de partida o I

Encontro Nacional de Juventude Negra/ENJUNE - realizado em Lauro de

Freitas/BA em 2007, e considerando como um marco histórico da organização deste

grupo juvenil, este artigo busca responder como este público tem sido tematizado

nas políticas públicas contemporânea. Para isso propõe a intersecção dos índices de

violência, uso e abuso de drogas e homicídio com os esforços da Secretaria

Nacional de Juventude/SNJ juntamente com o Conselho Nacional de

Juventude/CONJUVE para resolver a equação que apresenta a Juventude Negra

como a mais vulnerável na sociedade. Partimos da hipótese que a cor da pele é

determinante para os tratamentos sociais, e nessa dinâmica, a trajetória política da

Juventude Negra se mostra promissora, desenvolvida sob resistências étnicas, em

busca de acesso aos direitos.

Palavras Chave: Juventude Negra, Juventude, Políticas Públicas, Políticas

Afirmativas

The analyzes presented in this paper seek to reflect on the political trajectory of the

Brazilian Black Youth in the XXI century. Taking as its starting point the First

National Youth Black / ENJUNE - held in Lauro de Freitas / BA in 2007 and

considered as a milestone in the organization of this youth group, this article seeks

to answer as this audience has been thematized in public policy contemporary. For

this propose the intersection of the levels of violence, drug use and abuse and

murder with the efforts of the National Youth / SNJ with the National Youth

Council / CONJUVE to solve the equation that shows the Black Youth as the most

vulnerable in society. We start from the hypothesis that skin color is crucial to

social treatments, and this dynamic, the political trajectory of Black Youth shows

promise, developed under ethnic resistance, seeking access to rights.

Keywords: Black Youth, Youth, Public Policy, Policy Statements

“Os exploradores dos Negros não vão ter descanso

enquanto toda nossa nação negro africana não for

definitivamente livre”(Abdias do Nascimento, Serra da

Barriga 1983).

1 Rua Tarira, 45, Apt: 102. Vicente de Carvalho; Rio de Janeiro/Brasil.

Email: [email protected]

A frase citada na epígrafe acima revela em partes, o dilema das trajetórias de

lutas que vivem ativistas pela promoção da igualdade racial2 no Brasil. Quando

identificamos o lugar social que a população negra3 ocupa neste país um paradoxo se

instaura. Por um lado, a sensibilidade em torno das temáticas raciais são expressas, por

meio das políticas públicas afirmativas, como a aprovação recente da

constitucionalidade das cotas pelo Supremo Tribunal Federal, por outro o Relatório

Anual das Desigualdades Raciais revela crescente às distancias entre negros e brancos

no Brasil.

Abdias do Nascimento como muitos dedicou parte de sua vida à luta pela

promoção da igualdade racial no Brasil, construindo vias que possibilitam hoje, análises

mais profundas que envolvem justiça, liberdade e direitos a questão racial. Em sua

trajetória perceberemos um legado de análises que possibilitam outras conjunturas e

formas diferenciadas de pensar a população negra no Brasil, como a exemplo, a

trajetória política da Juventude Negra.

O século XXI é emblemático para as experiências de políticas afirmativas4 neste

país. Estas têm possibilitado a inclusão de jovens negros no ensino superior, bem como

projetado espaços que favorecem a organização deste segmento, para disputa por acesso

aos direitos. A estruturação da Secretaria Nacional da Juventude/SNJ e do Conselho

Nacional de Juventude/CONJUVE, ambos datados de 2005, é também fundamental

para compreensão do processo de organização da Juventude Negra.

Tomando como ponto de partida o I Encontro Nacional de Juventude

Negra/ENJUNE - realizado em Lauro de Freitas/BA em 2007, considerando como

2 Do ponto de vista biológico não existem raças humanas; há apenas uma raça, a humana. No entanto, do

ponto de vista social e político é possível (e necessário) reconhecer a existência do racismo enquanto

atitude. Assim, só há sentido em usar o termo raça em uma sociedade racializada, ou seja, que define a

trajetória social dos indivíduos em razão da sua aparência. Segundo Munanga (2006), o conceito de raça,

tal qual empregado hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois, como todas

as ideologias ele esconde algo não proclamado: a relação de poder e de dominação. A raça, sempre

apresentada como categoria biológica, naturalizada é de fato uma categoria etno-semântica. De outro

modo, o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas

relações de poder que a governam. Os conceitos de negro, branco, mestiço não significam a mesma coisa

nos Estados Unidos, no Brasil, na África do Sul, na Inglaterra etc. Por isto, o conteúdo dessas palavras é

etno-semântico, político-ideológico e não biológico (p. 27). 3 Estatuto de Promoção da Igualdade Racial que conceitua Art. 1⁰, Parágrafo Único, inciso IV população

negra: é o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça,

usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga

(Estatuto da Igualdade Racial). 4 Políticas Afirmativas se constituem em mecanismos de diminuição de desigualdades historicamente

construídas ou destinam-se a prevenir que novas desigualdades se estabeleçam no tecido social, tendo por

base condições de gênero, raça, orientação sexual, participação política, religiosa e desenvolvimento

econômico e social.

um marco histórico da organização deste grupo juvenil percebe um movimento em

torno da garantia dos direitos da Juventude Negra. Buscaremos neste estudo

responder como este público tem sido tematizado nos espaços de juventude5 entre

2007 e 2012.

Toda ação gera reação

A aprovação da constitucionalidade das cotas raciais em abril deste ano

apresentou-se contraditória as rasas comemorações, em partes seguidas por protestos,

que ocorre no mês de maio, em detrimento da abolição da escravidão. Os discursos

longos e, as justificativas dos ministros do Supremo Tribunal Federal respaldam o que o

Movimento Negro vem lutando e apresentando há décadas para os governantes neste

país. As justificativas em favor das cotas feita pelos ministros do STF é um terreno fértil

para pensarmos o ideal para a população brasileira. Abdias do Nascimento, porém, já

pontuava a necessidade de ações afirmativas, bem como justificavam a importância

delas em Quilombismo.

Também constam no Relatório Final do ENJUNE, algumas maneiras que a

Juventude Negra julga como fundamentais, para a inclusão destes jovens na sociedade,

bem como sua responsabilidade no desenvolvimento deste país. A sensibilidade em

torno das cotas raciais incita perguntarmos se já é chegada à hora de um projeto político

que respeite o multiculturalismo6 e a diversidade da sociedade brasileira? Bem, se de

um lado parece que sim, de outro veremos que não.

A cultura de privilégios e exclusividades que marcam a fundação deste país

e, consequentemente escamoteia a problemática racial, em que pese a Juventude Negra,

esbarra na constitucionalidade conferida ao sistema de cotas no ensino superior, postura

que fragmenta a tradição do pensamento que insistente em depositar a problemática

social no Brasil no discurso de classe. As cotas forçam para além da inclusão de

pessoas, a inclusão de pensamentos, e tendo comprovado o bom desempenho destas

5 A Organização das Nações Unidas – ONU define como juventude a faixa etária que vai dos 15 aos 24

anos. Já a Organização Ibero-Americana de Juventude considera Juventude como as pessoas de faixa

etária de 15 aos 30 anos. No Brasil, a Constituição Federal reconhece a categoria “juventude” (Ementa

65) a partir do conceito apropriado pelo Conselho Nacional de Juventude – CONJUVE, que considera

juventude como segmento que vai dos 15 aos 29 anos (BRASIL, 2007). Neste estudo seguiremos este

último conceito de juventude. 6 O termo multicultural representa neste sentido, a formação de uma nação que se estrutura a partir da

diversidade. Segundo Reis (2010) “O multiculturalismo, existe a convivência em um país, região ou local

de diferentes culturas e tradições. Há uma mescla de culturas, de visões de vida e valores. O

multiculturalismo é pluralista, como já se pode observar, pois aceita diversos pensamentos sobre o mesmo

tema, abolido o pensamento único. Há o diálogo entre culturas diversas para convivência pacífica e com

resultados positivos a ambas”.

políticas, já é perceptível o momento de pensar a sociedade brasileira por um viés étnico

racial.

O trânsito da Juventude Negra brasileira no Século XXI, diz muito sobre

como tem sido a realidade vivida por este segmento no Brasil. Após o I ENJUNE,

várias campanhas foram às ruas e chegaram a 2008 sendo a proposta 01 da I

Conferência Nacional de Políticas Públicas para a Juventude/CNPPJ. O texto revela

o “reconhecimento e aplicação, pelo poder público, transformando em políticas

públicas de juventude as resoluções I ENJUNE, priorizando as mesmas como

diretrizes étnico/raciais de/para/com as juventudes” (PRIORIDADES DA I CNPPJ,

2009).

A I CNPPJ foi um espaço importante para as ações de juventude no

Brasil e Juventude Negra conseguiu sair vitoriosa deste processo com a prioridade

01. Os altos índices de homicídios sobre este segmento, possibilitaram campanhas

que denunciassem às mortes evitáveis. Os números levam a um quadro de

genocídio. Esta proposta provocou no ano de 2009 a estruturação do Grupo de

Trabalho Juventude Negra e Políticas Públicas no âmbito do CONJUVE. Apesar

dos esforços, pouco se viu ser desenvolvido frete a prioridade 01 da I CNPPJ nos

anos seguintes.

A falta de uma orientação e de uma ação prática por parte da Secretaria

Nacional de Juventude corresponde, induz a existência de uma problemática dentro das

Políticas Públicas de Juventude /PPJ, que traduz uma postura histórica na política que

pretere a população negra. As PPJ do século XXI, tem novamente reproduzido os

equívocos históricos com seu silênciamento, quando o que está em jogo é a garantia dos

diretos da Juventude Negra.

Dayrell e Gomes (2008) mostram que uma das mais arraigadas imagens

presentes no imaginário brasileiro é o de ver a juventude na sua condição de

transitoriedade, segundo a qual o jovem é um “vir a ser”, tendo, no futuro, na

passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. Ressaltam que a

juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação. De

um lado há um caráter universal, dado pelas transformações do indivíduo numa

determinada faixa etária, de outro, há diferentes construções históricas e sociais

relacionadas a esse tempo/ciclo da vida. Quando chamamos atenção a Juventude

Negra nesta análise, a mesma recolhe estereótipos que tem dificultado a

compreensão de suas especificidades.

Este segmento, recolhem estereótipos e visões preconceituosas e

negativas que denunciam a tradição do pensamento social brasileiro que identifica

na Juventude Negra o ideal de suspeitos, desqualificando para o mercado de

trabalho. Reúne ainda sobre esta juventude os impactos de fenômenos sociais

contemporâneos como o aumento de homicídios como já diagnosticados nas leituras

governamentais que justificam políticas públicas de combate ao uso abusivo de

drogas, violência e desemprego7.

Dayrel e Gomes (2008) pontuam que se considerarmos outras variáveis,

como cor da pele para analisarmos a sociedade brasileira em especial as juventudes,

verifica-se um quadro muito intenso de desigualdades entre os jovens. Os principais

programas sociais no Brasil que tem como foco a juventude, como Projovem,

Pronasci entre outros, embora não identificam a juventude negra como foco central

de suas ações são destinados a jovens que possui rentabilidade per capta inferior ao

julgado dignos de sobrevivência pelo governo, neste caso > que 70,00 reais, que

vivem em locais que não contem infra-estrutura, geralmente periferias, possuem

famílias desestruturadas.

Ao observarmos os legados da escravidão perceberemos na formação

das favelas, em especial no Rio de Janeiro, uma forte associação entre periferia e a

questão racial. Neste sentido os jovens assistidos por estes programas sociais são

em sua maioria negros, porém a condição racial não é levada em consideração. Tal

condição justifica a letra da canção Esmola, interpretada pela banda mineira Skank,

onde traz entre as características dos que precisam de esmola “o preto pobre”. Ver -

se na canção uma associação possível entre a pausterização e a condição racial no

Brasil.

Barros (2008, p. 135), na pesquisa “Filtragem Racial: a cor na seleção de

suspeito” reflete sobre a violência com enfoque racial, que segundo o autor nem

sempre é percebida. Utilizando dados do Centro Internacional de Investigação e

7 Ver“Mapa da Violência – Anatomia dos Homicídios no Brasil 2011 encomendada pelo Ministério da

Justiça ao Instituto Sangari, no período de 2002 a 2008”, realizada pelo professor Waiselfisz (2010)

revela que o número de vítimas brancas caiu de 18.852 para 14.650 o que representa uma significativa

diferença negativa, da ordem de 22,3%. Já entre os negros, o número de vítimas de homicídio aumentou

de 26.915 para 32.349, o que equivale a um crescimento de 20,2%, mostra o crescimento da distância já

evidenciada desde 2002, crescendo mais ainda e de forma drástica, firmando as evidências do Movimento

Negro brasileiro. Conclui o estudo que em 2002, morriam proporcionalmente 45,8% mais negros do que

brancos. Em 2005, esse indicador sobe mais ainda indo para 77,8%. E, em 2008, o índice atinge 127,6%.

Nota-se, por esses dados, que, para cada branco assassinado em 2008, morreram, proporcionalmente,

mais de 02 (dois) negros nas mesmas circunstâncias.

Informação para a Paz – CIIIP, mostra que muitas vezes a violência está mascarada

por rotinas e práticas assimiladas pela cultura, sem a devida reflexão. A visibilidade

da violência é “o grau de transparência com que uma sociedade torna mais ou

menos visível suas violências” (CIIIP, 2002, p. 26). O autor ainda ressalta que o

racismo sofre adaptações, muda de estratégia, conforme as circunstâncias, dando a

entender que está ultrapassado e moribundo. Entretanto, continua tão vivo quanto

antes e muito mais perigoso, pois essa aparente invisibilidade permite que se

instalem e produzam seus efeitos sem serem percebidos.

Esses tipos racismos miméticos, que se confundem com o meio,

assumindo discursos politicamente corretos e caminha ombro a ombro com suas

vítimas, deve ser erradicado das práticas institucionais, em especial das l igadas à

segurança pública e acesso à justiça. Sampaio (2003) considera o racismo

institucional8 um fato social existente no Brasil que dificulta a compreensão das

pessoas na sociedade, recaindo como um estigma visível, que promove identidades

incorporadas e geografias sociais lesando, sobretudo, a juventude negra. É engano

pensar que um ato, para ser considerado racista, tenha que ter ocorrido de forma

intencional. Ainda hoje pela falta de formação e informação muitas agentes de

segurança pública agem de forma racista, e produz violência a jovens negros. Essa

realidade precisa ser mudada.

No documentário “Meninos do Tráfico”, MV Bill reflete sobre os

estereótipos que formam os jovens negros moradores de morros e favelas do Rio de

Janeiro. A forma violenta que os julgamentos sociais negativos recaem sobre estes

jovens os formam “Soldados do Morro” tema do rap descrito cantor supracitado,

favorecendo a moldagem da mentalidade destes jovens de tal forma que os fazem

perder a condição de sujeitos de direitos, em especial pelo tratamento que recebem

por policiais ao subir o morro.

Tais ações fortalecem as palavras de Dayrel e Gomes ao apresentarem

que a juventude é vista como problema, ganhando visibilidade quando associada ao

crescimento alarmante dos índices de violência, ao consumo e tráfico de drogas ou

8 O fracasso coletivo de uma organização para prover um serviço apropriado e profissional para as

pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos,

atitudes e comportamentos que totalizam em discriminação por preconceito involuntário, ignorância,

negligência e estereotipagem racista, que causa desvantagem a pessoas de minoria étnica (SAMPAIO,

RACISMO INSTITUCIONAL: desenvolvimento social e políticas públicas de caráter afirmativo no

Brasil, 2003).

mesmo à expansão da AIDS e da gravidez precoce, entre outros. Ainda segundo

os/as autores ao conceber o jovem de uma maneira reducionista, vendo-o apenas

sob a ótica do problema, as ações em prol da juventude passam a ser focadas na

busca de superação do suposto “problema” e, nesse sentido, voltam-se somente para

os setores juvenis considerados pela sociedade, pela escola e pela mídia como “em

situação de risco”.

Tais características que agridem muitas vezes de forma direta os direitos

humanos de jovens negros levou a necessidade de releitura e reflexões sobre a

constituinte brasileira de 1988, conhecida como constituição cidadã que assegura no

artigo 5⁰ que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Art. 5⁰;

CONSTITUIÇÃO, 1988). Porém como os índices sociais mostram na prática, a

garantia de direitos no Brasil, seguem caminhos diferentes ao se tratar de negros e

jovens. A condição dos jovens negros, em especial os que tiveram a experiência de

passar por medidas sócio-educativas, ou cumpriram pena por algum tipo de delito

dificilmente se enquadra no artigo supracitado como iguais. Estes com muita

dificuldade conhecerão a risca o que este direito constitucional reza para si.

Nesse sentido ver-se na arena social um fato histórico que muito importa

para a política de juventude que se fundamenta no “I Encontro Nacional da Juventude

Negra – ENJUNE”, realizado em Lauro de Freitas/BA em julho de 2007. Na ocasião, a

juventude negra presente representando os estados brasileiros, protagonizou uma das

grandes ações de juventude das Américas rumo a garantia dos direitos constitucionais

que reuniu delegados/as de quase todos os estados brasileiros, depois das prévias

estaduais. Tal esforço negligenciado pela mídia conseguiu estruturar a plataforma

política deste segmento, compilada no documento intitulado “Relatório Final do

ENJUNE” publicado em 2008, que em 2008 na I Conferência Nacional de Juventude

foi aprovada como proposta 01 da conferência.

Um dos encaminhamentos principais deste encontro ressalta a necessidade

de manter uma articulação nacional ativa que pudesse apresentar as demandas deste

segmento aos órgãos responsáveis em busca da garantia dos direitos sociais e

constitucionais muitas vezes negados a este segmento. O Fórum Nacional de Juventude

Negra – FONAJUNE, que tinha como propósito reunir um ano posterior ao ENJUNE

jovens negros para pensar o que havia se avançado desde o encontro em Lauro de

Freitas. Em junho de 2008 na cidade de Guarujá/SP, ocorreu a Plenária Nacional

FONAJUNE, onde foram retiradas as prioridades deste segmento, entre as muitas

compiladas no Relatório Final do II ENJUNE, ficou nítido a necessidade de se manter a

luta histórica em favor do direito a vida. A denúncia do extermínio da Juventude Negra

se tornou a bandeira principal desta juventude e compreendida pelas demais juventudes

na I CNPPJ.

A Campanha Nacional Contra o Extermínio da Juventude Negra ganhou

fôlego, e pelo uso da internet chegou na I Conferencia Nacional de Políticas Públicas

para Juventude /CNPPJ, ocorrida em Brasília no final de 2008. O Relatório Final do I

ENJUNE foi aprovado como proposta número 01 desta conferência Reforça o

documento que os/as negros/as são os/as principais vítimas da violência urbana e alvos

prediletos de homicidas e de excessos policiais como corrobora o estudo Mapa da

Violência 2011, por isso uma ação emergente é preciso. Na ocasião da II Conferência de

Juventude, ocorrida em dezembro de 2011, a política afirmativa intitulada Plano

Nacional Contra o Extermínio de Jovens Negros, aprovado pelo Fórum de Cidadania e

Direitos Humanos, em tramitação no Governo Federal foi pontuado como prioridade

para as próximas ações governamentais.

Waiselfisz (2011) revela que o número de vítimas jovens brancas caiu

de 18.852 para 14.650, o que representa uma significativa diferença negativa, da

ordem de 22,3%. Já entre os jovens negros, o número de vítimas de homicídio

aumentou de 26.915 para 32.349, o que equivale a um crescimento de 20,2%,

mostra o crescimento da distancia já evidenciada desde 2002, crescendo mais ainda

e de forma drástica, firmando as evidências do Movimento Negro brasileiro.

Conclui o estudo que em 2002, morriam proporcionalmente 45,8% mais negros do

que brancos. Em 2005, esse indicador sobe mais ainda indo para 77,8%. E, em

2008, o índice atinge 127,6%. Nota-se, por esses dados, que, para cada branco

assassinado em 2008, morreram, proporcionalmente, mais de 02 (dois) negros nas

mesmas circunstâncias.

Dayrel e Gomes cita pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada) sobre “desigualdade racial no Brasil; evolução das

condições de vida na década de 90” e revelam dados importantes sobre a situação

étnico/racial da juventude brasileira e seu processo de escolarização. Esse estudo

atesta a existência de uma grande desigualdade racial entre jovens negros e brancos

na educação. Segundo o estudo a escolaridade média de um jovem negro com 25

anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma

idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. Dentre os estudantes que vivem situações de

exclusão social (famílias que vivem com até ½ salário mínimo), 69,2% são negros e

pardos. A PNAD de 2007 nos mostra que, no grupo de 15 a 17 anos de idade, o

percentual de adolescentes negros que concluíram o ensino fundamental e

freqüentam o ensino médio foi de 20%, enquanto entre os brancos essa taxa foi de

28,1%.

Tais evidências só confirmam o que o Movimento Negro brasileiro ao

longo de sua existência vem denunciando por meio de suas ações. A Juventude

Negra não diferente tem buscado se colocar na sociedade brasileira de forma

propositiva e protagonista. Tais ações marcam uma trajetória que precisa ser

identificada e registrada. A busca pela garantia dos direitos constitucionais é

corroborada nos encaminhamentos dos principais espaços de exercício da

democracia participativa, onde a temática Juventude Negra tem aparecido de forma

evidente fortalecendo as palavras de Abdias do Nascimento na epígrafe deste texto.

As ações desenvolvidas e que têm chamado atenção à Juventude Negra,

tem possibilitado formas diferenciadas de pensar a sociedade brasileira e a

participação social, revelando lugares e realidades que fogem a regra hegemônica

imposta. As políticas de ações afirmativas, resultado de lutas históricas dos

movimentos sociais, neste momento compreendida como constitucional para o STF

diz muito.

Nascimento (2002) denuncia que o Estado brasileiro tem sido o lugar

da cristalização política-social dos interesses exclusivos de um segmento elitista,

cuja aspiração é atingir o status ário-europeu em estética racial, em padrão de

cultura e civilização. Ressalta a importância do negro na constituição desta nação

como sendo o próprio corpo e a alma deste país, denunciando que africanos e seus

descendentes nunca foram tratados como iguais pelos brancos, além de manterem a

exclusividade do poder, do bem-estar e da renda nacional (NASCIMENTO, 2008,

p. 262).

Não por acaso encontramos em diversos pontos do Quilombismo a

necessária importância do negro reconhecer o seu protagonismo na história do

Brasil e na condução da sua emancipação social, econômica e política,

desvinculadas das orientações racistas. Para tanto, Nascimento (2002) afirma que,

O negro já compreendeu que terá de derrotar todos os componentes do

sistema ou estrutura vigente, inclusive a sua intelligentsia responsável

pela cobertura ideológica da opressão através da teorização científica ,

seja de sua inferioridade biossocial, da miscigenação sutilmente

compulsória ou do “mito” da democracia racial. Essa intelligentsia,

aliada a mentores europeus e norte-americanos, fabricou uma ciência

histórica ou humana que ajudou na desumanização dos africanos e seus

descendentes para servir os interesses dos opressores eurocentristas.

Uma ciência histórica que não serve à historia do povo de que trata está

negando-se a si mesma. Trata-se de uma presunção cientificista e não de

uma ciência histórica verdadeira (NASCIMENTO, 2002, p.270).

Ainda em o Quilombismo, Abdias marcará como necessidade primordial

a ocupação, pelo negro, dos espaços de poder. Para isso, propõe objetivamente a

presença do negro em cargos de alta cúpula do Governo, citando nominalmente os

seguintes: Conselho Federal de Educação, Conselho Federal de Cultura, Conselho

de Segurança Nacional, Tribunal de Contas, Forças Armadas, Superior Tribunal

Federal, Superior Tribunal Eleitoral, Superior Tribunal Militar, Superior Tribunal

do Trabalho, e Senado Federal. Além desses sugere ainda cargos nas embaixadas

(como diplomatas) e nas casas legislativas de todas as esferas públicas. Observamos

então que a proposta presente no Quilombismo vai muito além das cotas raciais na

Educação.

Aliás, em se tratando do tema educação, o estado Quilombista propõe

uma educação gratuita e abertas a todos, onde a História da África, das

culturas, das civilizações e das artes africanas terão um lugar eminente

nos currículos escolares (NASCIMENTO, 2008, p. 289). Fora a questão

curricular, propõe ainda a criação de uma Universidade Afro-brasileira.

Importa considerar o que traz Jurema Werneck (2003) ao citar Liv

Sovik,

Colocar a justiça racial na mira, para brancos assim como para negros,

pode fazer parte de uma abertura para o mundo, pois para brancos como

para negros, tomar posição antirracista pode contribuir para os prazeres

da vida. Além disso, o reconhecimento pelos brancos antirracistas de que

estamos distantes da dor causada pelo racismo tem um custo: o de não

sermos líderes, mas coadjuvantes (...) O fato de nossas vidas não serem

cercadas pela discriminação racial significa que tampouco temos um

lugar garantido na condução da luta pela justiça racial (WERNECK apud

SOVIK, 2003, p. 47-48).

Reforça pensar e, dizer que o tempo da inocência já passou. Aquilo que

não se via ou não se dizia ou se fingia não ver/dizer está dito: racismo. E é hora de

passar adiante. Este, por muito tempo foi o país pautado pelo mito da democracia

racial. Um país condenado ao futuro segundo as teorias eugênicas. E um futuro

necessariamente de cachos loiros (WERNECK, 2003, p. 40). Discutir políticas de

ações afirmativas como as cotas no âmbito acadêmico, é também colocar em

questão a tradição do pensamento social brasileiro, não só a função social da

universidade pública, mas também a forma de pensar e problematizar toda a

estrutura ideológica, política e cultural que sustenta a educação superior do país.

A luta continua.

A Juventude Negra brasileira ainda enfrenta problemas estruturais herdados

do período escravocrata que contribuem para dificultar as ações desenvolvidas em

prol de garantia dos direitos salvos em constituição. As ações protagonistas deste

segmento desenvolvidas de forma corajosa são realizadas em território nacional

desde o momento em que o primeiro negro escravizado enfrentou o regime

escravocrata e fugiu da repressão.

A trajetória da Juventude Negra neste século XXI tem possibilitado

teorizações e análises que traem para o centro dos discursos este segmento. A

aprovação da constitucionalidade das cotas raciais no sistema educacional brasileiro

é uma ação importante, porém não se pode negar e reconhecer que muitos foram os

debates e ações realizados contra o racismo, e suas engenharias perversas e mesmo

com todos os esforços grupos anti-racistas continuam se organizando. Não à toa, o

mesmo Estado hoje é sensível às cotas raciais e assim ao ingresso de jovens negros

no ensino superior, é o mesmo que mantém tratamento diferenciado quando

tratamos do sistema segurança pública. Podemos com a constitucionalidade das

cotas considerar que pessoas negras e brancas, que se encontravam submersas nas

teorias da democracia racial, podem perceber que outras vozes, com novas teorias,

pesquisas e argumentos redefinem os pensamentos ao problematizar as tradições.

Os estudos realizados sobre a participação política da juventude brasileira

apontam, para o fato de que a Juventude Negra organizada em movimentos juvenis

e grupos culturais têm sido nos últimos anos, um dos principais agentes nesse

repensar e nesse alargamento da concepção de movimento. Desse modo, o que a

Juventude Negra brasileira tem feito hoje é a continuidade dessa luta bem como o

acréscimo de novas ferramentas e formas de resistência que tem conseguido mesmo

com dificuldades, dissolver paradigmas e estabelecer novas fronteiras e formas de

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