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193 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA Resistência ao cisalhamento de dois solos coluvionares lateríticos através de ensaios de: compressão diametral e cisalhamento direto Moraes Silva, T. R. COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Nunes, A. L. L. S. COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Lacerda, W. A.. COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Resumo: Solos coluvionares abrangem grande parte do território brasileiro, aparecendo com freqüência em situações de instabilidade de taludes. Apesar disso, pouco se sabe sobre as características e propriedades geotécnicas destes solos que, por se encontrarem geralmente em superfície, podem apresentar-se como lateríticos. O pouco conhecimento do comportamento de resistência de solos coluvionares lateríticos pode acarretar a adoção de parâmetros não representativos. Em função disto, este trabalho apresenta um estudo do comportamento de dois solos coluvionares lateríticos objetivando a determinação das envoltórias de resistências destes materiais. Os solos, provenientes da região de Bananal (SP), foram caracterizados por meio de ensaios físicos, químicos e mineralógicos. A envoltória de resistência foi obtida através de resultados de ensaios de cisalhamento direto na condição submersa, executados com tensões normais variando de 12,5 a 100 kPa, associados aos resultados de resistência à tração indireta (compressão diametral ou ensaio brasileiro). Os resultados indicaram envoltórias de resistência não lineares para os níveis de tensão ensaiados e valores não desprezíveis de resistência à tração, sugerindo valores significativos de “coesão verdadeira” para os solos coluvionares estudados. Abstract: colluvium soils reach a great part of brazilian territory, appearing frequently in situations of slope stability. However, the characteristics and properties of these soils, that can be lateritic soils, are not entirely known. The little knowledge of the behaviour of lateritic colluvium may cause an adoption of not representative parameters. This paper shows a study of the behaviour of two lateritic colluvium soils, aiming the determination of their Mohr envelopes. The soils, deriving from Bananal (SP), were characterized through physical, chemical and mineralogical tests. Mohr envelopes were obtained using the data of Brazilian test and of direct shear, with normal stresses varying between 12,5 and 100 kPa, both in submerse condition. The results indicated nonlinear Mohr envelopes for the used normal stresses, and values of tension strenght not negligible, suggesting significant values of true cohesion for the studied soils.

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Resistência ao cisalhamento de dois solos coluvionareslateríticos através de ensaios de: compressão diametrale cisalhamento direto

Moraes Silva, T. R.COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Nunes, A. L. L. S.COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Lacerda, W. A..COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Resumo: Solos coluvionares abrangem grande parte do território brasileiro, aparecendo comfreqüência em situações de instabilidade de taludes. Apesar disso, pouco se sabe sobre ascaracterísticas e propriedades geotécnicas destes solos que, por se encontrarem geralmente emsuperfície, podem apresentar-se como lateríticos. O pouco conhecimento do comportamento deresistência de solos coluvionares lateríticos pode acarretar a adoção de parâmetros nãorepresentativos. Em função disto, este trabalho apresenta um estudo do comportamento de doissolos coluvionares lateríticos objetivando a determinação das envoltórias de resistências destesmateriais. Os solos, provenientes da região de Bananal (SP), foram caracterizados por meio deensaios físicos, químicos e mineralógicos. A envoltória de resistência foi obtida através de resultadosde ensaios de cisalhamento direto na condição submersa, executados com tensões normais variandode 12,5 a 100 kPa, associados aos resultados de resistência à tração indireta (compressão diametralou ensaio brasileiro). Os resultados indicaram envoltórias de resistência não lineares para osníveis de tensão ensaiados e valores não desprezíveis de resistência à tração, sugerindo valoressignificativos de “coesão verdadeira” para os solos coluvionares estudados.

Abstract: colluvium soils reach a great part of brazilian territory, appearing frequently in situationsof slope stability. However, the characteristics and properties of these soils, that can be lateriticsoils, are not entirely known. The little knowledge of the behaviour of lateritic colluvium may causean adoption of not representative parameters. This paper shows a study of the behaviour of twolateritic colluvium soils, aiming the determination of their Mohr envelopes. The soils, deriving fromBananal (SP), were characterized through physical, chemical and mineralogical tests. Mohr envelopeswere obtained using the data of Brazilian test and of direct shear, with normal stresses varyingbetween 12,5 and 100 kPa, both in submerse condition. The results indicated nonlinear Mohrenvelopes for the used normal stresses, and values of tension strenght not negligible, suggestingsignificant values of true cohesion for the studied soils.

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1.INTRODUÇÃO

Em muitos países, extensos depósitos decolúvios existem em conjunção com materiaisresiduais, particularmente como leques coluviaisnos pés dos taludes. No Brasil, cerca de 70%do território é recoberto por depósitos decolúvios quaternários permeáveis assentes so-bre paleosuperfícies de erosão (PENTEADO,1978).

Genericamente, colúvio e coluvião caracte-rizam depósitos de solos predominantementeoriginados pela ação da gravidade (NBR 6502,1995). Esses depósitos são conhecidos tambémpor rampa de colúvio (BIGARELLA &MOUSINHO, 1965; MOREIRA & PIRES NETO,1998), solo coluvial, solo coluvionar e estãopresentes em diversas áreas do conhecimentocomo geologia, geomorfologia, agronomia,pedologia e engenharia. Apesar desses termosserem considerados sinônimos, muitas vezessão empregados com sentido específico, levan-do, inclusive, à criação de novos termos, comocolúvio-alúvio, colúvio-elúvio e tálus. Essa cri-ação generalizada de termos, que são utilizadosde forma ora específica ora abrangente, resultaem falta de consenso quanto à nomenclatura.

Ressalta-se que o termo colúvio, por defini-ção, é genérico e engloba um vasto leque demateriais com características normalmente mui-to distintas. BRAND (1982) ao definir colúviocomenta que este pode ser derivado de qual-quer rocha e composto desde material grossei-ro com predominância de blocos até materialfino. Mesmo no caso da definição de LACERDA& SANDRONI (1985), que consideram colúviocomo sendo “um depósito composto por blo-cos e/ou grãos de qualquer dimensão, trans-portados, principalmente, por gravidade e acu-mulados no sopé ou à pequena distância detaludes mais íngremes ou escarpas rochosas”,a abrangência é nítida. Dessa forma, neste tra-balho é empregado o termo solo coluvionar

como sinônimo de colúvio no seu sentido ge-nérico.

Como conseqüência imediata da definiçãosupramencionada, é de se esperar que existauma grande diversidade de características parasolos coluvionares que podem apresentar as-pecto heterogêneo ou homogêneo, conter ounão blocos de rocha, estar depositados tantono sopé quanto ao longo da encosta, preen-cher ou não vales e ser resultado de movimen-tações antigas ou recentes. LACERDA &SANDRONI (1985) já apontavam implicitamen-te esse aspecto ao ressaltarem que os soloscoluvionares englobam os tálus, as massasescorregadas, os detritos de avalanches e suasmisturas. Exemplos dessa diversidade podemser vistos em estudos realizados ao longo dasencostas da Serra de Cubatão (WOLLE, 1988;RODRIGUES 1992), onde é possível encontrarsolos coluvionares de características bastantedistintas: enquanto os solos coluvionares de-positados nos sopés das encostas tendem aser espessos, heterogêneos (com blocos derocha) e de declividade suave, os soloscoluvionares depositados nas encostas tendema ser menos espessos, mais homogêneos (semblocos de rocha) e de declividade mais acentu-ada. Mais recentemente, LACERDA (2002) apre-sentou possibilidades de formação, em valesfechados, de solos coluvionares diferentes emfunção do tipo de movimento de massa originá-rio. Nesse estudo pode-se observar a possibili-dade de formação tanto de solo coluvionar com-posto de massa desagregada quanto de solocoluvionar composto de massa “intacta”.

Esta diversidade de características implicana ausência de uma tendência única de propri-edades geotécnicas que englobe todos os so-los coluvionares em seu sentido genérico. Istopode ser verificado na literatura, onde estudosmostram comportamentos diversos quanto àpermeabilidade, ao adensamento e ao colapso.Porém, considerando-se apenas um grupo es-

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pecífico de solos coluvionares com determina-das características peculiares, é possível obteruma tendência de comportamento. Partindo des-sa premissa, procurou-se, neste trabalho, apri-morar o conhecimento do comportamento desolos coluvionares lateríticos, no que diz respei-to aos parâmetros de resistência, através da de-terminação das envoltórias curvas de dois solosda região de Bananal (SP) caracterizados prelimi-narmente por MORAES SILVA et al. (2002) e porFONSECA et al. (2002). Para tanto, foram realiza-dos ensaios de cisalhamento direto para tensõesde 12,5, 25, 50 e 100 kPa e ensaio de resistência àtração por compressão diametral em discos, am-bos em condição submersa.

2. SOLOS COLUVIONARES LATERÍTICOS

Os solos coluvionares que ocorrem em zonastropicais, assim como os solos residuais, po-dem sofrer ação de processos pedogenéticosem decorrência da laterização (lixiviação de sílicae bases e acumulação de óxidos e hidróxidos desesquióxidos), sendo denominados delateríticos (VARGAS, 1985). A identificação demateriais lateríticos, de acordo com GIDIGASU(1976), pode ser feita baseada em característicade endurecimento e em propriedades químicas.O endurecimento é uma característica comum amateriais lateríticos que são facilmente corta-dos em seu estado natural de umidade, masapresentam grande resistência ao corte quan-do ressecados. As propriedades químicas maisrelevantes são as relações sílica-alumina (k

i) e

sílica-sesquióxidos (kr) e a capacidade de troca

catiônica (CTC) que procuram identificar, prin-cipalmente, os tipos de argilo-minerais equantificar os óxidos e hidróxidos de ferro e dealumínio. Em relação ao fator k

r, JOACHIN &

KANDIAH (1941) em GIDIGASU (1976) defini-ram três classes de solo: lateritas verdadeiras(< 1,33); solos lateríticos (entre 1,33 e 2) e solosnão lateríticos (> 2).

Considerando as propriedades químicas e agranulometria, BARATA (1981) define sololaterítico como sendo “um material terroso, comgranulometria de solo (na concepção de enge-nheiro), contendo grãos laterizados (pequenasconcreções lateríticas) e/ou apresentando umafração argilosa com relação k

r inferior a dois,

além de, mas não necessariamente, grãosquartzosos ou de outro mineral”. O Comitê deSolos Tropicais da Associação Internacional deMecânica dos Solos e Engenharia de Funda-ções (ISSMFE) define solo laterítico como aque-le que pertence aos horizontes A e B de perfisbem drenados, formado sob atuação de climatropical úmido com fração argila constituídaessencialmente de argilominerais do grupo dascaulinitas e de óxidos e hidróxidos de ferro e/oualumínio, o que confere à estrutura poros e agre-gações altamente estáveis (NOGAMI, 1985).Existe, ainda, para fins rodoviários, a propostade NOGAMI & VILLIBOR (1982) que classificao solo em laterítico ou não laterítico em funçãode características mecânicas e não pedológicas.

A principal importância da identificação dossolos lateríticos incide no fato destes apresen-tarem comportamento geotécnico peculiar emfunção da existência de cimentação, decorrentedo processo de laterização. Dentre outras con-seqüências, a cimentação pode conferir aossolos lateríticos parcela extra de resistência,principalmente para baixas tensões normais,interferindo na forma da envoltória de resistên-cia que pode ser determinada a partir de ensai-os triaxiais ou de ensaios de cisalhamento dire-to.

O ensaio de cisalhamento direto é o métodomais usual para se determinar os parâmetros deresistência de solos em função da sua simplici-dade, principalmente em problemas de encos-tas. O critério normalmente utilizado é o de Mohr-Coulomb que considera uma envoltória retilíneapara determinar o intercepto coesivo e o ângu-lo de atrito. Todavia, os dados experimentais

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em muitos casos demonstram que a correlaçãolinear não é a mais indicada. Com isso, outrasformas de correlações, como as bi-lineares e ascurvilíneas (ajustadas por função de potência),têm sido apontadas na literatura.

Em geral, os ajustes com funções bi-linea-res e funções de potência, baseados apenas emensaios de resistência ao cisalhamento, aparen-temente apresentam resultados satisfatórios.Porém, como a envoltória não considera valo-res para tensão normal “negativa” (tensão detração), o intercepto coesivo é determinado porextrapolação e pode apresentar-se muito variá-vel em função do tipo de correlação adotado(nulo no caso de função de potência e depen-dente da faixa de tensões normais ensaiadas nocaso da função bi-linear). A determinação maisprecisa do intercepto coesivo pode ser funda-mental no entendimento do comportamento desolos coluvionares lateríticos que mantêm a in-tegridade estrutural quando submetidos à sub-mersão livre e apresentam resistência à tração.

Ensaios de tração são comumente utiliza-dos em concretos, rochas e pavimentos e po-dem determinar a resistência à tração de formadireta e/ou indireta. Dentre os ensaios existen-tes, o ensaio de tração por compressão diametralde disco, conhecido internacionalmente como“Brazilian Test” (Ensaio Brasileiro), é um dosmais utilizados em rochas e parece ser o maisfactível em solos, principalmente, por utilizaramostras de pequenas dimensões (similares asde ensaios de cisalhamento direto). O ensaiobrasileiro consiste na aplicação de carga decompressão uniformemente distribuída ao lon-go da geratriz da amostra com conseqüentegeração de estado de tensões biaxiais, formadopor tensão de tração e tensão de compressão,na região do plano que contém a carga aplicada(CARNEIRO & BARCELLOS, 1953). De acordocom a teoria da elasticidade e com o critério deruptura de Griffith (JAEGER & COOK, 1979), aruptura se inicia no centro do disco onde ten-

são máxima de tração é considerada equivalen-te à resistência à tração determinada pelo en-saio de tração uniaxial e a tensão de compres-são apresenta valor igual a três vezes o valordesta tensão de tração.

De posse do valor da resistência à tração, épossível determinar a envoltória curva no pla-no τ-σ por ajuste de função matemática queconsidere o valor da tração. Neste trabalho,adotou-se, a função não-linear que considera ovalor de tração (modificada de BAKER, 2004)descrita na Equação 1.

Eq. 1

Onde:t: tração em kPa;n e A: parâmetros adimensionais.

3. METODOLOGIA

As amostras foram coletadas de dois soloscoluvionares, denominados 1 e 2, existentes nalocalidade Bom Jardim, área estudada porAVELAR & COELHO NETTO (1992), situadapróximo ao centro da cidade de Bananal no esta-do de São Paulo. Para os ensaios de caracteriza-ção física, química e mineralógica foram coletadasamostras deformadas e para os ensaios mecâni-cos foram coletadas amostras indeformadas emblocos cúbicos de aresta igual a 30 cm.

Os ensaios físicos compreenderam a deter-minação da granulometria, limites de Atterberg,densidade real dos grãos e classificação MCT,segundo as normas NBR 7181/84, NBR6459/84,NBR7180/84, ME093/94, ME 228/94, ME 256/94e ME 258/94.

Os ensaios químicos foram realizados deacordo com a metodologia proposta emEMBRAPA (1997) e consistiram da determina-ção da capacidade de troca catiônica (CTC), darelação molecular sílica-alumina (k

i = SiO

2/Al

2O

3)

e da relação molecular sílica-sesquióxidos (kr =

SiO2/Al

2O

3+Fe

2O

3).

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A identificação dos minerais e argilo-mine-rais presentes no solo foi realizada por meio dedifrações de raios-X (DRX) da fração total e dafração argila em amostras preparadas conformemetodologia descrita em EMBRAPA (1997). Osensaios foram conduzidos em difratômetroRigaku, modelo miniflex, operando a 30 kV, 15mA, 0,05o/min e ângulos 2θ entre 3o e 60o. A aná-lise da fração areia foi efetuada por meio de lupa.

Os ensaios de cisalhamento direto foramrealizados em equipamento de cisalhamento di-reto com aquisição automática a partir de cor-pos-de-prova obtidos por cravação de moldesmetálicos de 6 cm x 6 cm nas amostrasindeformadas dos colúvios. Os corpos-de-pro-va foram submersos em água destilada por cer-ca de 18 horas antes da aplicação da tensãonormal e o cisalhamento foi iniciado após a es-tabilização dos deslocamentos verticais. As ten-sões escolhidas para ensaio foram de 12,5, 25,50 e 100 kPa e a velocidade utilizada foi de 0,056mm/min.

O ensaio de resistência à tração por com-pressão diametral em disco (Ensaio Brasileiroem Disco) foi realizado em prensa Ronald Top(capacidade de 1 tonelada) e com mordentescurvos de dimensões padronizadas pela ISRM(1981). Os discos de solo foram moldados comdiâmetro (D) próximo a 54 mm e espessura (t)próxima a 27 mm (D/2). A carga e o deslocamen-to do equipamento foram medidos ao longo doensaio, respectivamente, por meio de célula decarga de capacidade de 100 kgf e transdutorelétrico da Wykeham Farrance HS50/3893. Avelocidade de ensaio adotada foi de 0,054 mm/min, próxima à utilizada no ensaio decisalhamento direto. Os ensaios foram condu-zidos com amostras imersas em água destiladapor 18 horas e a carga de fratura primária foiidentificada por pico de carga na curva cargaversus deslocamento e por análise visual daamostra durante o ensaio. A resistência à tra-ção pode ser calculada através da Equação 2.

Eq. 2

Onde:P: Carga de fratura primária em N;D: diâmetro em cm;t: espessura em cm

Quanto às envoltórias de resistência, optou-se pela determinação utilizando função linear (y= a.x + b) e função exponencial (y = a.xn) para asenvoltórias obtidas apenas com o resultado dosensaios de cisalhamento direto, sem considerara resistência à tração, e a função proposta (Equa-ção 1) para a envoltória obtida com os resulta-dos do cisalhamento direto e do ensaio brasilei-ro, considerando a resistência à tração.

4. RESULTADOS E ANÁLISES

Os resultados de caracterização física, químicae mineralógica para os dois solos coluvionaressão apresentados na Tabela 1. De forma geral,constata-se que os solos apresentam: (i) fraçãoargila superior a 50% (argila arenosa com silte);(ii) valores de k

r inferiores a 2; (iii) caulinita como

argilo mineral predominante, verificado pordifração de raios-X e pela baixa capacidade detroca catiônica (CTC); (iv) quartzo como mine-ral predominante em todas as frações do solo,constatado por DRX e por análise com lupa; (v)densidade real dos grãos superior a esperadapara solos compostos por quatzo e caulinita,provavelmente em função da presença de óxi-dos de ferro e alumínio; (iv) classificação comolaterítico argiloso pela metodologia MCT. Alémdisso, os solos apresentaram resistência aocorte, formação de grumos retidos na peneirade malha 2 mm, têm aspecto poroso e coloraçãoavermelhada. Com base nesses resultados e nasdefinições apresentadas no item 2, confirma-se acaracterística laterítica identificada em campo.

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Tabela 1: Resumo das características físicas,químicas e mineralógicas

Nota: Q = quartzo, K = caulinita e LG’ = laterítico

argiloso

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidosdos ensaios de resistência ao cisalhamento re-alizados nos dois solos. As envoltórias obti-das, apenas com os ensaios de cisalhamentodireto, através de função linear (y = a.x + b) sãoapresentadas na Figura 1 e através de funçãoexponencial (y = a.xn) na Figura 2. Os parâmetrosde forma para as envoltórias das Figuras 1 e 2são mostrados na Tabela 3. Analisando asenvoltórias para o solo coluvionar 1, verifica-se que o intercepto coesivo é de 17 kPa para afunção linear e zero para a função exponencial.No caso do solo coluvionar 2, o interceptocoesivo é de 28 kPa para a função linear e nulopara a função exponencial. Ressalta-se que oscoeficientes de correlação das funções linear eexponencial são iguais a, respectivamente, 95%e 98% para o solo coluvionar 1 e de 93% e 97%para o solo coluvionar 2.

Tabela 2: Resultados dos ensaios de resistên-cia ao cisalhamento

(a)

(b)

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Os valores médios de resistência à traçãoencontrados para os solos coluvionares 1 e 2(total de 6 ensaios), com amostras na condiçãosubmersa, foram de 4,4 kPa e 7,1 kPa, respecti-vamente. A Figura 3 mostra as curvas típicas deforça versus deslocamento para os solos en-saiados, onde se observa a força máxima refe-rente ao desenvolvimento da fratura primáriaque ocorreu em todos os ensaios para tempoinferior a 8 minutos.

(a)

(b)

Figura 3: Curvas típicas força versus deslocamento

para (a) solo coluvionar 1 e (b) solo coluvionar 2

Figura 1: Envoltória linear do (a) solo coluvionar1 e (b) solo coluvionar 2

(a)

(a)

Figura 2: Envoltória exponencial do (a) solo coluvionar1 e (b) solo coluvionar 2

Tabela 3: Parâmetros de forma para asenvoltórias com ensaios de cisalhamento direto

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As envoltórias curvas para os solos coluvio-nares 1 e 2, considerando a Equação 1 e os resul-tados dos ensaios de cisalhamento e de tração,são mostradas na Figura 4. Os parâmetros dedefinição das envoltórias da Figura 4 constamda Tabela 4. Os coeficientes de correlação en-contrados foram de 97% para o solo coluvionar1 e de 94% para o solo coluvionar 2. Analisando-se as envoltórias, verifica-se que os valores deintercepto coesivo para os solos 1 e 2 são 11 kPae 20 kPa, respectivamente.

(a)

(b)

Figura 4: Envoltória curva considerando a tração do(a) solo coluvionar 1 e (b) solo coluvionar 2

Tabela 4: Parâmetros de definição dasenvoltórias curvas

A Figura 5 apresenta todas as envoltóriasobtidas para os solos coluvionares 1 e 2 com esem a consideração da resistência à tração. Per-cebe-se claramente que o intercepto coesivona envoltória curva, considerando a tração,ocorre para um valor entre os obtidos pelasenvoltórias ajustadas por função linear eexponencial sem considerar a resistência à tra-ção. Dentre as três envoltórias, a envoltória li-near é a que apresenta menor ajuste. Compa-rando apenas as envoltórias não lineares, veri-fica-se que a diferença aparece de forma maispronunciada para níveis baixos de tensão nor-mal (inferior a 30 kPa) e que na envoltória queconsidera a tração, o intercepto coesivo é sig-nificativo ao contrário da outra envoltória, ondeo intercepto coesivo é nulo.

(a)

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(b)

Figura 5: Envoltórias para os solos coluvionares(a) 1 e (b) 2.

Para exemplificar a influência da determina-ção dos parâmetros de resistência a partir dastrês envoltórias apresentadas, é analisada avariação do fator de segurança (F.S.) com a pro-fundidade (z) em um talude hipotético, consi-derando condição de talude infinito com fluxoparalelo à superfície do terreno (Figura 6), deacordo com a Equação 3 proposta porSKEMPTON & DeLORY (1957).

Figura 6: Esquema de talude infinito (SKEMPTON &

DELORY, 1957).

Eq. 3

Onde:c’: intercepto coesivo do solo;φ’: ângulo de atrito do solo;γ: peso específico do solo;γ

w: peso específico da água;

z: profundidade da superfície de ruptura;m: razão entre o nível freático e a profundidadeda superfície de ruptura;α: inclinação do talude.

A análise foi feita para um talude de inclina-ção (α) de 400 com nível d’água coincidentecom o terreno (m = 1), considerando osparâmetros de resistência determinados em cadaenvoltória para os dois solos coluvionares. Osparâmetros de resistência, obtidos dasenvoltórias da Figura 5 pelo critério de Mohr-Coulomb para a faixa de 10 a 20 kPa, coerentecom as profundidades escolhidas (1,5 a 3,5metros), podem ser vistos na Tabela 5.

Tabela 5: Parâmetros de resistência dasenvoltórias dos dois solos coluvionares paratensões normais de 10 a 20 kPa.

As curvas que relacionam o F.S. com a pro-fundidade podem ser vistos na Figura 7. Obser-va-se que a utilização de parâmetros de resis-tência obtidos das envoltórias linear e curva,sem considerar a tração, resulta, respectivamen-te, nos maiores e menores F. S. para o talude

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estudado na faixa de tensões normais entre 10 e20 kPa. Comparando-se os valores de F.S. cal-culados para os parâmetros da envoltória cur-va que considera a resistência à tração com osF. S. obtidos pelos parâmetros das outrasenvoltórias, pode se dizer que: (i) para o solocoluvionar A, a utilização dos parâmetros daenvoltória curva sem consideração da traçãosubestimou os valores de F.S e (ii) para o solocoluvionar B, a utilização dos parâmetros daenvoltória linear superestimou os valores de F.S.

(a)

(b)

Figura 7: Variação do fator de segurança (F.S.) com aprofundidade considerando os parâmetros de resistên-cia na faixa de 10 a 20 kPa determinados pelas trêsenvoltórias de resistência para os solos coluvionares

(a) 1 e (b) 2.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados de caracterização físi-ca, química e mineralógica e nas observaçõesde campo, os solos coluvionares estudadospodem ser considerados lateríticos, do pontode vista geotécnico, indicando existência decimentação.

Os resultados dos ensaios de resistência aocisalhamento mostram que, de forma geral, aaproximação por envoltória não-linear é maisindicada que a linear para os níveis de tensãoutilizados (até 100 kPa). Como os valores deresistência à tração determinados pelo EnsaioBrasileiro não são desprezíveis e sugerem valo-res significativos de “coesão verdadeira”, aenvoltória não-linear utilizando a equação pro-posta (que considera a resistência à tração)parece ser a mais adequada para os soloscoluvionares lateríticos estudados.

A análise para o talude hipotético mostrou ainfluência dos parâmetros de resistência deter-minados a partir dos tipos de envoltória na es-tabilidade de talude para os solos coluvionareslateríticos estudados.

A envoltória não-linear que considera a re-sistência à tração parece ser adequada para adeterminação da “coesão verdadeira” dos so-los coluvionares lateríticos. Estudos similaresa estes foram realizados com outros soloscoluvionares lateríticos (MORAES SILVA, 2005).

Em problemas reais de estabilidade de talu-des em encostas íngremes, a espessura envol-vida raramente ultrapassa 3 a 4 metros. Nestescasos, a interpretação correta da envoltória, nafaixa de tensões de campo correspondentes aestas espessuras, assume importância decisi-va. Em depósitos coluvionares na parte baixada encosta, com inclinações menores que 20o, aexperiência brasileira tem mostrado que a su-perfície de escorregamento situa-se entre 8 e 20metros. A envoltória curva também deve seravaliada nesta gama de tensões. Ressalta-se,

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ainda, que as envoltórias são válidas para “no-vas” superfícies de cisalhamento da massacoluvionar, pois para superfícies pré-existentesdeve-se considerar a condição de resistênciaresidual.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio recebido no La-boratório de Geotecnia da COPPE/UFRJ, ondefoi realizada a pesquisa, em especial à bolsistade iniciação científica Mary Ellen Albuquerquepelo auxílio na execução dos ensaios. Agrade-cem também ao CNPq e ao projeto PRONEX 14/97 pelo apoio financeiro à pesquisa.

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