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Resistências lésbicas à ditadura militar no Brasil: imprensa, ativismo e a redemocratização JULIA ALEKSANDRA MARTUCCI KUMPERA* RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar algumas relações entre impressa homossexual, abertura política no Brasil e a militância do Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), a partir de matérias publicadas nos jornais Lampião da Esquina e Chanacomchana. O texto está estruturado a partir de três eixos norteadores: 1) imprensa homossexual, ativismo político e formação de redes; 2) resistência lésbica à ditadura, redemocratização e luta por direitos; 3) ativismo lésbico, a Assembleia Constituinte e o regime da heterossexualidade. Baseando-me nos estudos feministas e na bibliografia crítica sobre o tema, busco visibilizar as histórias de resistência de lésbicas e gays contra a ditadura militar. Palavras-chave: lésbicas; ditadura militar; imprensa homossexual. Introdução Cheryl Clarke afirmou, no final dos anos 1980, que ser lésbica em uma cultura misógina, racista, capitalista e homofóbica é um ato de resistência (CLARKE, 1988: 99). Uma declaração ainda extremamente atual e pertinente, sobretudo no Brasil, país internacionalmente conhecido como o que mais assassina lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. 1 A existência das lésbicas desafia um dos pilares centrais do patriarcado: a heterossexualidade, aqui entendida como um regime político baseado na naturalização da diferença sexual, cujo objetivo é a manutenção da dominação das mulheres e sua apropriação individual e coletiva para usufruto masculino (WITTIG, 2006 [1992]: 26-27). Por sua irreverência, rebeldia e potencialidade política, as lésbicas têm sido sistematicamente marginalizadas e invisibilizadas patologizadas pela medicina, apagadas das narrativas históricas e expulsas dos movimentos sociais. No entanto, ao menos desde * Mestranda do Programa de Pós Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP) e bolsista CAPES. 1 A estimativa é de uma morte a cada 19 horas, segundo dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia. O relatório está disponível em: https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio-2081.pdf.

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Resistências lésbicas à ditadura militar no Brasil: imprensa, ativismo e a

redemocratização

JULIA ALEKSANDRA MARTUCCI KUMPERA*

RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar algumas relações entre impressa

homossexual, abertura política no Brasil e a militância do Grupo de Ação Lésbica Feminista

(GALF), a partir de matérias publicadas nos jornais Lampião da Esquina e Chanacomchana.

O texto está estruturado a partir de três eixos norteadores: 1) imprensa homossexual, ativismo

político e formação de redes; 2) resistência lésbica à ditadura, redemocratização e luta por

direitos; 3) ativismo lésbico, a Assembleia Constituinte e o regime da heterossexualidade.

Baseando-me nos estudos feministas e na bibliografia crítica sobre o tema, busco visibilizar as

histórias de resistência de lésbicas e gays contra a ditadura militar.

Palavras-chave: lésbicas; ditadura militar; imprensa homossexual.

Introdução

Cheryl Clarke afirmou, no final dos anos 1980, que ser lésbica em uma cultura

misógina, racista, capitalista e homofóbica é um ato de resistência (CLARKE, 1988: 99). Uma

declaração ainda extremamente atual e pertinente, sobretudo no Brasil, país

internacionalmente conhecido como o que mais assassina lésbicas, gays, bissexuais, travestis

e transexuais.1 A existência das lésbicas desafia um dos pilares centrais do patriarcado: a

heterossexualidade, aqui entendida como um regime político baseado na naturalização da

diferença sexual, cujo objetivo é a manutenção da dominação das mulheres e sua apropriação

individual e coletiva para usufruto masculino (WITTIG, 2006 [1992]: 26-27).

Por sua irreverência, rebeldia e potencialidade política, as lésbicas têm sido

sistematicamente marginalizadas e invisibilizadas – patologizadas pela medicina, apagadas

das narrativas históricas e expulsas dos movimentos sociais. No entanto, ao menos desde

* Mestranda do Programa de Pós Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP) e bolsista CAPES. 1 A estimativa é de uma morte a cada 19 horas, segundo dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia. O relatório

está disponível em: https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio-2081.pdf.

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meados da década de 1970, existe um movimento organizado que busca fazer frente a essa

situação, por meio da mobilização política, produção artístico-cultural e publicações

acadêmicas e independentes, entre muitas outras maneiras que as lésbicas encontraram para

dar corpo aos seus pensamentos, desejos e utopias.

Portanto, escrever uma narrativa histórica que recupere memórias, trajetórias e

ativismos das lésbicas constitui uma tarefa árdua, porém muito necessária, a meu ver. No caso

do Brasil, remontamos a fins da década de 1970, no período da abertura democrática, quando

a ditadura cívico-militar já não resistia às pressões da sociedade civil organizada2, que regia

com inconformismo à repressão, à censura e ao conservadorismo recrudescido daqueles anos.

Neste ínterim surgiriam o Somos – Grupo de Afirmação Homossexual e posteriormente o

GALF – Grupo de Ação Lésbica Feminista, em minha opinião as principais organizações do

movimento homossexual brasileiro naquele período.3

Considerando estas reflexões, pretendo analisar, no marco da imprensa alternativa do

período, algumas matérias publicadas no Chanacomchana, boletim produzido pelo GALF

entre 1981 e 1987. Também analisarei o Lampião da Esquina, jornal editado por um grupo de

intelectuais gays (com certo vínculo com o Somos) ente 1978 e 1981, por conter alguns textos

que fazem referência às lésbicas. O presente artigo, enquanto um primeiro resultado das

minhas pesquisas iniciais do mestrado, tem como objetivo convidar à reflexão sobre as

histórias lésbicas invisibilizadas, mais do que apresentar uma análise exaustiva e com

conclusões fechadas. Assim, está estruturado a partir de três eixos norteadores: 1) imprensa

homossexual, ativismo político e formação de redes; 2) resistência lésbica à ditadura,

redemocratização e luta por direitos; 3) ativismo lésbico, a Assembleia Constituinte e o

regime da heterossexualidade. Espero que estas reflexões possam contribuir para uma análise

crítica do presente, frente a uma conjuntura de avanço de políticas conservadoras e

neoliberais, que cada vez mais retiram direitos conquistados com muita luta.

1. Imprensa homossexual, ativismo político e a formação de redes

2 Refiro-me, de maneira ampla, aos partidos políticos de esquerda, aos sindicatos, às organizações de direitos

humanos e aos movimentos negro, feminista e homossexual, denominados “novos movimentos sociais”. 3 Como em diversos países da América Latina (México, Argentina, entre outros), no Brasil as lésbicas

organizaram-se, em um primeiro momento, dentro dos grupos homossexuais mistos, e posteriormente

constituíram grupos autônomos e exclusivamente lésbicos (MOGROVEJO, 2000).

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Uma das consequências do golpe militar de 1964 foi a censura contra os meios de

comunicação, alinhada à pressão econômica a órgãos que não aderiram ao regime. Emissoras

de tevê, revistas e jornais foram fechados, seus equipamentos e materiais apreendidos, ao

passo em que jornalistas de esquerda foram duramente perseguidos. É nesse contexto em que

nasceu a imprensa alternativa, ou imprensa “nanica”, que representou uma oposição à

ditadura e a possibilidade da existência de vozes dissidentes. As publicações da imprensa

alternativa geralmente eram em formato tabloide, com matérias que iam da sátira contra o

regime à análise política profunda. Segundo Bernardo Kucinski (2001:5), entre 1964 e 1980,

chegaram a existir aproximadamente 150 periódicos.

As publicações da imprensa homossexual e feminista devem ser analisadas dentro

desse cenário mais amplo. Ao lado do Chanacomchana e do Lampião, importantes jornais

como o Nós Mulheres e o Brasil Mulher se somaram às estratégias dos novos movimentos

sociais para promover a circulação de ideias, a articulação política e o fortalecimento dos

grupos durante o período.

Segundo Edward MacRae, o Lampião constituiu um importante veículo que trouxe à

tona a temática da homossexualidade, abordando uma série de temas como a “saída do

armário”, os espaços de sociabilidade, a natureza da homossexualidade, entre outros. Também

houve espaço de discussão para assuntos relacionados à lesbianidade, ao feminismo, ao

movimento negro e ao ecologismo, ainda que de maneira minoritária (MACRAE, 1990: 74-

75). O Lampião foi marcado por um enfoque informativo e politizado da homossexualidade,

ao mesmo tempo em que incorporou a linguagem popular do meio homossexual, alternando

entre a crítica e o deboche (FACCHINI & SIMÕES, 2008: 87-88).

Vale lembrar que as lésbicas que integravam o Somos criaram em junho de 1979 um

subgrupo denominado Lésbico-Feminista (LF), a partir do esforço conjunto com outras

mulheres para produzir os textos sobre lesbianidade e espaços de sociabilidade lésbica em São

Paulo que eram publicados no Lampião. A constituição de um grupo autônomo e exclusivo de

lésbicas se deu no ano seguinte, em 1980, motivada pelas hierarquias existentes dentro grupo,

a pouca atenção dada às demandas das lésbicas e a misoginia dos gays (MACRAE, ano: 107)

– o que implicou em uma aproximação com o feminismo que não esteve isenta de tensões e

conflitos (SOARES & COSTA, 2011/2012).

Na primeira matéria que as lésbicas publicaram no Lampião, em maio de 1979,

intitulada “Nós também estamos aí”, elas protestaram veementemente contra o apagamento da

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existência lésbica. Afirmaram que “estavam atrasadas”, não só porque o jornal já existia há

um ano, mas porque “sempre abdicamos de existir”:

Nós estamos atrasadas porque temos medo, receio, cagaço mesmo de viver o

que somos. Porque não construímos o espaço do nosso viver. Porque vivemos na

clandestinidade. Nós estamos atrasadas, mas não queremos fazer isso virar um mea

culpa, um muro de lamentações.

Sabemos e conhecemos a existência da repressão. E não falamos apenas

daquela do camburão, do cessetete, da bomba de gás. Falamos daquela que está

presente nas nossas relações na família, no emprego, com os amigos, na escola.

Falamos da repressão que, pelos mais variados mecanismos – meio de comunicação,

educação, religião, etc. –, nos diz o que somos ou devemos ser, querer, desejar, na

tentativa de nos amoldar. Diz o que é natural, normal, certo, justo e bom para nós

mulheres. (LAMPIÃO, 1979: 7)

Ou seja, o “atraso” das lésbicas devia-se à repressão que se expressava tanto no

autoritarismo da ditadura militar, quanto nas práticas sociais e culturais reforçadas pela

heterossexualidade compulsória, que delimita os lugares designados às mulheres dentro dos

limites estabelecidos pelo patriarcado (RICH, 2012 [1980]: 23-34). Nega-se, assim, a

existência lésbica por meio do tabu da homossexualidade feminina, do reforço ao casamento e

da presunção de que todas as mulheres são heterossexuais. As lésbicas são forçadas a negar

sua existência nos âmbitos público e privado, tanto no trabalho como na família, devendo

desempenhar um papel feminino, de “mulher de verdade” (Idem: 28).

No decorrer da década de 1980, as militantes do GALF, já com o seu próprio jornal,

investiram contra o estigma que recaía sobre as lésbicas propondo novos sentidos para a

lesbianidade, afastados de concepções patologizantes que as consideravam anormais,

desviantes ou perversas. Na edição número 5 do Chanacomchana (1984), em matéria

intitulada “Ser ou não ser homossexual, eis a questão?”, as ativistas argumentaram que ser

lésbica constituía um ato político de contestação da naturalização da heterossexualidade,

aliada à busca do prazer e da autonomia das mulheres:

Colocar-se enquanto lésbica tem mais a ver, num primeiro instante, com a busca de

uma vida de maior prazer, integridade, alegria e sem mentiras e auto-punição. Além

disso, num segundo instante, é uma declaração política não só porque desmistifica a

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crença na ‘naturalidade’ das relações heterossexuais institucionais (casamento, lar,

reprodução, etc...) como também porque cria novas propostas de independência

feminina. A experiências lésbica, tão particularmente ‘feminina’ quanto a

maternidade, é umas poucas formas concretas de poder e autonomia acessíveis às

mulheres. (CHANACOMCHANA, 1984: 4)

A historiadora Patricia Lessa traz importantes reflexões sobre o contexto de produção

dos boletins Chanacomchana. Em consonância com as condições de produção da época, estas

publicações mobilizaram uma linguagem da transgressão e da libertação, na busca pela

produção de novos sentidos para a lesbianidade, afastados do estigma e da exclusão, ao passo

em que se exprimia uma vontade de mudança e diálogo com a sociedade. Neste sentido, os

textos transitam entre o amor, a ironia, o humor e a revolta, criando um universo semântico

próprio (LESSA, 2007: 123-126).

A periodicidade do Chanacomchana foi instável, entre trimestral e quadrimestral, com

uma tiragem de cerca de 200 exemplares, que eram enviados para diversas capitais do país

(CARDOSO, 2004: 99). As ativistas do GALF também distribuíam os jornais em bares da

capital paulista frequentado por lésbicas. Elizabeth Cardoso (Idem: 97) considera que a

publicação poderia ser considerada um ícone rebelde, que fazia uma contraposição ao

discurso da igualdade entre homens e mulheres.4

Finalmente, o Chanacomchana teve como objetivo criar um espaço de articulação

entre lésbicas, onde elas poderiam contar experiências pessoais, ter acesso à informação

crítica e também conhecerem outras lésbicas. Na primeira edição, o GALF definiu o que

pretendia com o boletim:

O BOLETIM CHANACOMCHANA é um espaço criado por mulheres lésbicas para

mulheres lésbicas e todas as pessoas que queiram debater, conversar e se divertir

conosco. Queremos que ele seja um veículo de informação, discussão, humor,

namoro, poesia e sonho para todas que o fizerem e para quem for lê-lo também.

(CHANACOMCHANA, 1980: 2)

4 Vale mencionar que Elizabeth Cardoso analisa o Chanacomchana como parte constituinte da 2ª geração da

imprensa feminista, que na década de 1980 voltou-se complemente para as questões de gênero. Efetivamente, o

boletim encontra-se no cruzamento entre a imprensa homossexual e feminista, ora enfatizando a

“homossexualidade feminina”, ora o feminismo lésbico. Optei, para fins analíticos, situá-lo ao lado da imprensa

homossexual a fim de enfatizar a atuação política de lésbicas e gays durante o período.

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Havia uma seção de publicação das cartas das leitoras, que contavam suas

experiências pessoais e mencionavam o jornal como um meio importante de combate à

solidão e de afirmação da própria sexualidade. Além disso, o boletim foi um veículo por meio

do qual o GALF conseguiu articular-se com outros grupos lésbico-feministas

latinoamericanos, recebendo cartas e materiais de leitura que compuseram sua biblioteca. São

recorrentes as menções ao Serviço de Informação Lésbica Internacional (ILIS), organização

lésbica europeia, à Associação Lésbica e Gay Internacional (ILGA) e aos Encontros Lésbico-

Feministas da América Latina. Assim, o Chanacomchana foi uma ferramenta para a discussão

de ideias, o fortalecimento de vínculos entre pessoas e a criação de redes de ativismo.

2. Resistência lésbica à ditadura, redemocratização e luta por direitos

A perseguição policial contra gays, lésbicas e travestis foi constante durante a

ditadura. As polícias civis e militares se estruturaram em diversas operações, com o respaldo

da Secretaria de Segurança Pública, realizando prisões preventivas, recomendando a

contravenção de vadiagem para combater a homossexualidade e organizando rondas de

policiamento ostensivo em regiões frequentadas pela população LGBT. Em São Paulo, o

delegado José Wilson Richetti comandou diversas rondas cujo objetivo era “limpar a cidade”.

A Operação Cidade, anunciada em 22 de maio de 1980, apesar de ter durado somente 24

horas, teve como resultado 172 pessoas presas. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE,

2014: 14-17).

Essas iniciativas autoritárias e repressivas geraram a indignação do movimento

homossexual, que se expressou nas páginas de seus jornais. Na edição de julho de 1980, o

Lampião denunciava a “guerra santa” promovida por Richetti. Denuncia-se a escalada de

efetivos policiais e de camburões circulando pelo centro de São Paulo, a plena luz do dia ou

de madrugada. Também se enfatiza a atitude exibicionista do delegado, que exprimia

abertamente suas motivações moralistas e homofóbicas (LAMPIÃO DA ESQUINA, 1980:

18).

Em outra edição, de fevereiro de 1980, uma matéria no Lampião abordou o tema das

prisões cautelares, que poderiam ser utilizadas como instrumento de perseguição e

encarceramento da população LGBT. Analisa-se como a questão estava sendo debatida entre

deputados, secretários de segurança pública e policiais, inclinados à legalização das prisões

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cautelares – ela já estava sendo amplamente utilizada, a novidade era sua institucionalização.

Ressalta-se o perigo que essa medida representava para as populações vulneráveis:

A prisão por “suspeita” atinge diretamente aos homossexuais e outra minorias, como

os negros, por exemplo. Por avaliação subjetiva, poderá ser preso não apenas

qualquer viado, como qualquer negro, qualquer pobre ou qualquer indivíduo que não

consiga provar vínculo empregatício. Ué, mas isso já não acontece? Acontece – mas é

ilegal. E se for legalizado, perderemos então qualquer possibilidade de luta

(LAMPIÃO DA ESQUINA, 1980: 18).

Diante dessa situação, os movimentos homossexual, feminista e negro realizaram uma

campanha contra Richetti. Por um lado, convocou-se um ato público contra a violência

policial para o dia 13 de junho de 1980. Reunidos diante do Teatro Municipal, os grupos

caminharam até o Largo do Arouche, protestando contra as batidas de Richetti, a prisão de

travestis e o racismo. Na matéria do Lampião de fevereiro de 1980, mencionada

anteriormente, critica-se a falta de adesão da esquerda à manifestação. “Talvez os chamados

setores democráticos não tenham achado a causa suficientemente nobre”, escreveu o ativista

homossexual João Silvério Trevisan (LAMPIÃO DA ESQUINA, 1980: 18). Pode-se entrever

uma crítica à pouca abertura dos setores progressistas às demandas dos gays e das lésbicas,

pois ainda consideravam a homossexualidade um “desvio burguês”.

Por outro lado, parlamentares oposicionistas, ao lado de militantes feministas e

estudantes, chamaram a atenção da imprensa para a situação e, por meio do Conselho

Parlamentar de Defesa dos Direitos Humanos (CPDDH), o delegado Richetti foi convocado a

comparecer na Assembleia Legislativa para prestar esclarecimento. Por conta de uma série de

irregularidades durante a sessão e a falta de quorum ao final, não foi possível fazer nenhum

encaminhamento (MACRAE, 1990: 225-229). De acordo com Edward MacRae:

Infelizmente os deputados compareceram muito mal preparados para os debates.

Além dos oposicionistas, havia um numeroso grupo do PDS que, embora minoritário

na CPDDH, fez o possível para amenizar o interrogatório do delegado. Houve alguns

incidentes como quando foram retiradas dos anais da reunião, as falas de Ruth

Escobar e de Darcy Penteado. O deputado Geraldo Siqueira havia proposto uma

moção de censura ao delegado e uma proposta de que ele fosse processado

administrativamente e penalmente, mas quando chegou a hora da votação da moção

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a maioria dos deputados, inclusive Geraldo Siqueira, haviam deixado o recinto, o que

impediu seu encaminhamento. (MACRAE: 1990: 229)

A campanha contra a violência policial e a manifestação de 13 de junho constituem

marcos históricos para o movimento homossexual da época, pois foi a primeira vez em que

gays e lésbicas tomaram as ruas para denunciar publicamente a repressão e reivindicar seus

direitos. Apesar da importância do ato político, havia uma descrença na melhoria da situação

de perseguição em que se encontravam. No Lampião podemos observar como o peso do

estigma atrelado à homossexualidade agia contrariamente à força reivindicativa do

movimento:

Nada indica que a repressão vai arrefecer depois disso. Apesar de prometer punição

para as arbitrariedades dos policiais, o secretário de segurança pública adverte que

“não será esse o pretexto de que poderão valer-se aqueles que infringem as leis, ou

atentam contra a moral e os bons costumes, para voltar a constranger a sociedade

com seus desvios de comportamento”. (LAMPIÃO DA ESQUINA, 1980:18)

O suspiro de alívio durou pouco. Em 15 de novembro de 1980, as lésbicas se tornaram

alvos específicos da perseguição de Richetti. Com a “Operação Sapatão”, o foco da vez foram

os principais bares frequentados pelas lésbicas: Ferro’s, Cachação, Último Tango e Canapé.

Ainda que estivessem portando documentados regulares, 200 lésbicas foram detidas com o

argumento de que “é tudo sapatão”. Uma nota na edição número 31 do Lampião denuncia que

as lésbicas tiveram que pagar os policiais para serem liberadas (LAMPIÃO DA ESQUINA,

1980: 16), vítimas da extorsão e corrupção da polícia, legitimada pela lesbofobia

institucionalizada.5

A repressão, contudo, não era oriunda somente do Estado e das forças policiais. Como

mencionado anteriormente, o GALF comercializava o Chanacomchana nos bares

frequentados por lésbicas, dentre os quais havia o Ferro’s. Em 23 de julho de 1983, as

militantes foram hostilizadas pelos donos do bar, o segurança e o porteiro, que tentaram

expulsá-las por meio de agressões físicas – a tensa situação já durava meses, mas havia

chegado ao extremo. Como acertadamente notou Luana Olvieira (2017:13), as lésbicas

5 Há poucos documentos históricos disponíveis sobre a “Operação Sapatão”. Até o momento, encontrei somente

a pequena nota publicada no Lampião e uma notícia escrita pelo jornalista Omar Cupini Júnior, que pode ser lida

em: https://memoriamhb.blogspot.com/2009/04/operacao-sapatao-richetti-15-nov-1980.html.

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sempre frequentaram o bar, mas a lesbofobia se escancarou quando elas interviram

politicamente no espaço, o que demonstra os estreitos limites da tolerância com a

lesbianidade, “aceita” somente quando se trata de simples clientes/consumidoras.

Em resposta ao ocorrido, as militantes do GALF organizaram a primeira manifestação

política lésbica do Brasil em 19 de agosto de 1983. Segundo o relato de Vanda no

Chanacomchana, com o apoio de feministas heterossexuais e militantes gays, as lésbicas

conseguiram entrar no bar, apesar da tentativa do porteiro de não permiti-lo. Rosely Roth,

uma das integrantes do GALF, subiu em uma mesa para denunciar as agressões físicas e

exigiu que o dono se explicasse diante da imprensa. Finalmente, ele se comprometeu a

permitir a venda dos boletins no interior do bar (CHANACOMCHANA, 1983: 1-3).6

A partir das ações políticas analisadas acima, observa-se que o processo de abertura

política no Brasil não foi linear, nem isento de ambiguidades. Em meio aos avanços que

representaram a greve dos metalúrgicos do ABC, as mobilizações dos novos movimentos

sociais, o surgimento da imprensa alternativa e a campanha pelas “Diretas Já”, para citar

apenas alguns exemplos, a repressão policial contra gays e lésbicas emerge como um capítulo

estranho dessa história. Pouco comentado pela historiografia, esses eventos parecem destoar

das narrativas que enfatizam o otimismo pelas transformações que se anunciavam com a

abertura democrática. Talvez esse otimismo não tenha contagiado tanto as lésbicas e os gays,

que continuavam sendo perseguidos pelo Estado, pela Igreja e pela sociedade moralista,

fundamentados no regime político da heterossexualidade.

3. Ativismo lésbico, a Assembleia Constituinte e o regime da heterossexualidade

O GALF também buscou intervir nos debates nacionais suscitados pela formação da

Assembleia Constituinte e a elaboração na nova Constituição. As militantes consideravam que

o contexto nacional dava a oportunidade de discutir as demandas de lésbicas e gays como

assuntos públicos. Na edição de número 9 do Chanacomchana, Suely Roth analisou as

constituições que o Brasil já teve, o impacto da campanha pelas “Diretas Já” e os limites do

6 Em 2003, Luiza Granado e Neusa Maria de Jesus, ativistas da Rede Um Outro Olhar e da Associação da Parada

do Orgulho LGBT, propuseram o dia 19 de agosto com Dia do Orgulho Lésbico. Segundo Miriam Martinho, foi

em homenagem à Rosely Roth, uma das protagonistas da manifestação em 1983. Em 2008, a Assembleia

Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o projeto que instituiu oficialmente a data. Conferir o folheto

elaborado por Miriam Martinho, disponível em: http://www.umoutroolhar.com.br/2017/08/19-de-agosto-

primeira-manifestacao-lesbiana-contra-discriminacao-no-brasil.html

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processo de conformação da Constituinte. O GALF propunha que os grupos homossexuais

promovessem debates e buscassem o apoio de advogados a fim de elaborarem propostas para

a Constituição em defesa dos homossexuais (CHANACOMCHANA, 1985-86: 19).

Na edição seguinte, de número 10, a proposta aparece melhor formulada. Em conjunto

com o Grupo Gay da Bahia e o Triângulo Rosa (Rio de Janeiro), o GALF defendeu a inserção

no artigo 153 da Constituição a frase “contra a discriminação por preferência ou orientação

sexual” (CHANACOMCHANA, 1986: 14). Graças à campanha promovida por esses grupos,

por primeira vez os temas referentes à homossexualidade foram debatidos no Congresso

Nacional. Apesar da proposta não ter sido aprovada, tratou-se de um acontecimento inédito de

grande importância no momento (FACCHINI & SIMÕES, 2009: 122-123).

Nesta mesma edição, Rosely analisou o impacto das normas jurídicas na vida

cotidiana de gays e lésbicas. Ainda que não houvesse leis que se referissem diretamente à

homossexualidade, diversos artigos do Código Penal poderiam servir para criminalizá-la ou

recusar determinados direitos. Por exemplo, em relação ao estupro, para a lei vigente este se

dava apenas mediante a “conjunção carnal” (a penetração), excluindo outras formas de

violência sexual, consideradas apenas “atos libidinosos”. Para Rosely, a lei possuía um

fundamento patriarcal, pois:

A lei do estupro, na minha opinião visa proteger e assegurar a paternidade,

defendendo os direitos de um homem em relação aos abusos de outros sobre a sua

propriedade: a mulher. Só assim, se explica o por quê da formulação de uma lei que

não leva em conta outras formas de abusos sexuais (...). Ao não se pensar na

possibilidade dos homens virem a ser estuprados, o direito demonstra ter bastante

convicção na eficácia dos papeis de homem e mulher que condicionam os primeiros a

serem opressivos, violentos e a identificarem as mulheres como objetos, mercadorias

disponíveis, cuja função principal é lhes servir. (CHANACOMCHANA, 1986: 11-12)

De acordo com Ochy Curiel (2013), antropóloga dominicana que analisou a

Constituição de 1991 da Colômbia, as normas jurídicas de uma nação tem como base

fundamental o regime da heterossexualidade. Retomando o pensamento de Monique Wittig, a

autora argumenta que a ideologia da diferença sexual naturaliza as categorias de homem e

mulher ao mesmo tempo como diferentes e complementares, o que se plasma em instituições

como a família e o matrimônio. O ordenamento jurídico tem como pressuposto não explícito a

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heterossexualidade, que constituiu o seu eixo estruturante, a partir do qual as leis são

formuladas.

Sugiro que, dentro desta perspectiva, pode-se observar que o Código Penal vigente no

final da década de 1980, por exemplo, previa o crime de estupro dentro de normas

heterossexuais. Outro exemplo é o crime de “atentado ao pudor mediante fraude”, também

mencionado por Rosely, que ocorria ao induzir-se uma “mulher honesta” a praticar atos

libidinosos (CHANACOMCHANA, 1986:11). Considerando a moralidade vigente na

sociedade brasileira, uma lésbica dificilmente seria considerada uma “mulher honesta”,

somente uma mulher heterossexual, provavelmente casada e com filhos.

Rosely sintetizou a importância de se levar adiante os debates sobre a não

discriminação contra a homossexualidade no contexto da Constituinte:

Acredito que o processo de luta, em vista da aprovação na Constituição, é

enriquecedor, pois será uma oportunidade de discutirmos a questão da sexualidade

com vários setores da sociedade brasileira (...) levantando pontos como: a) A nossa

questão não é privada, pra ficar só entre as 4 paredes do quarto, mas é pública,

porque nos afeta em todos os lugares (...) b) As vivências homossexuais questionam a

ditadura heterossexual enquanto única possibilidade de ser ter prazer e enquanto

único estilo de vida válido (...) c) Uma sociedade verdadeiramente democrática não

pode comportar nenhuma espécie de violência aos direitos humanos

(CHANACOMCHANA, 1986: 15).

Considerações finais

Procurei, ao longo deste texto, esboçar algumas conexões entre o movimento

homossexual, a resistência à ditadura e a luta por direitos políticos, a partir de debates

existentes nos jornais Lampião da Esquina e Chanacomchana. Assim, com ênfase no GALF,

busquei dar visibilidade a histórias de ativismo lésbico de combate à lesbofobia, à repressão

policial e crítico ao regime da heterossexualidade, considerando alguns momentos-chave da

década de 1980.

Page 12: Resistências lésbicas à ditadura militar no Brasil ... · Uma das consequências do golpe militar de 1964 foi a censura contra os meios de comunicação, alinhada à pressão econômica

O movimento homossexual, como um todo, contribuiu com o processo de abertura

democrática no Brasil enfrentando um dos pilares fundamentais da ditadura militar, a

repressão. As “operações de limpeza” do delegado Richetti, a exemplo da “Operação

Sapatão”, evidenciaram que os ventos democráticos ainda não haviam alcançado lésbicas,

gays e travestis. Ao contrário, demonstram como a redemocratização foi um processo

contraditório, com avanços e retrocessos, com disputas pela definição dos jogos políticos.

Talvez o GALF possa ser considerado um dos grupos mais duradouros da história do

movimento lésbico no Brasil. Ao longo da década de 1980, foi responsável foi trazer à tona

debates sobre a lesbianidade a partir de uma perspectiva feminista, ao mesmo tempo em que

estabeleceu redes de articulação (ativismo, amizade, paquera) entre lésbicas e conseguiu

incidir nos debates nacionais mais amplos sobre a democracia, a participação política e a nova

Constituição.

Pretendi evidenciar como a militância lésbica durante a ditadura militar foi irreverente

e contestatória, desde as publicações no Chanacomchana até as manifestações públicas. Além

disso, tentei mostrar que o grupo não se focou somente nas suas “questões específicas”

enquanto lésbicas, na afirmação de uma identidade, mas esteve constantemente em busca de

intervir na sociedade, questionar o autoritarismo e o regime da heterossexualidade. Neste

sentido, retomando as reflexões de Cheryl Clarke (1988: 104), “todas as pessoas que batalham

para transformar o caráter das relações nesta cultura tem algo a aprender com as lésbicas”.

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