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O Estado Juiz

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades PblicasO Estado Juiz

Mestrado em Direito Cincias Jurdico Administrativas

Direito Administrativo

Responsabilidade Civil Extracontratual Do Estado e demais Entidades Pblicas

O Estado Juiz

Cludia CostaN Aluno: 200903074

minha Me e ao Pedrinho,

Direito, Poder, Justia e Processo: Julgando os que nos Julgam!J.J. Calmon de Passosndice

Agradecimentos5Resumo7Abstract81 - Resenha Histrica92 - Ratio Legis do Artigo 22 da Constituio da Repblica Portuguesa133 Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exerccio da Funo Jurisdicional183.1 Notas Introdutrias183.2 Responsabilidade Civil do Estado ao Abrigo da Funo Jurisdicional por m Administrao da Justia203.2.1 Pressupostos243.3 Responsabilidade Civil do Estado ao Abrigo da Funo Jurisdicional por Erro Judicirio263.3.1 - Pressupostos283.4 A Irresponsabilidade dos Juzes32Eplogo35Bibliografia37

Agradecimentos

Neste espao reservam-se algumas, mas sentidas palavras, de reconhecido agradecimento queles que de alguma forma contriburam para a realizao da presente exposio.Ao Professor Doutor Lus Filipe Colao Antunes pelas linhas orientadoras e propostas de temas para as exposies, que esto com certeza na base da escolha do tema que encabea a minha exposio.Ao Carlos pela preciosa ajuda quanto s questes a abordar, assim como pelo facto de estar sempre disponvel em facultar elementos de consulta para possveis solues s ditas questes. Aos Advogados da Santos, Maia, Marques & Moreira, Sociedade de Advogados, R.L, um muito obrigado pelo carinho, pela pacincia, pela prontido, nesta nova etapa da minha vida enquanto Advogada Estagiria. Angelina pela pacincia na trabalhosa formatao do trabalho, uma vez que ndices Automticos no esto sobre a alada dos meus domnios. Mas acima de tudo por ser a minha companheira de guerra nesta luta diria por ser uma pessoa melhor, por ser uma profissional melhor. Por acreditar comigo que vamos vencer!Ao Jetine pela perseverana, pelo carinho, pela compreenso, mas acima de tudo pelo amor! Por me proporcionar uma relao estvel que me permite dedicar de alma e corao a esta minha grande paixo que o direito.Ao Diogo, o meu irmo, por ser a nica pessoa que consegue arrancar-me um sorriso at nos momentos mais escuros desta caminhada. A ele um obrigada especial, por fazer de mim uma pessoa melhor.Por fim, mas sem dvida o mais importante agradecimento de todos, minha Me e ao Pedrinho por se mostrarem sempre disponveis em ouvir os desabafos, as lamrias, as conquitas, pelo amor com que o fazem sem nunca demostrarem cansao relativamente ao seu papel enquanto pais. Por criarem condies para que eu conseguisse chegar aqui, e qui muito mais longe! Obrigada por acreditarem em mim.

Resumo Ao longo da minha pouca experincia como aluna de mestrado em direito e como advogada estagiria, tenho-me deparado com algumas situaes que demandavam a aplicao do Regime da Responsabilidade Civil Extra Contratual do Estado e Entidades Pblicas.Num dos casos que trabalhei sobre os atrasos na justia portuguesa, o meu interesse sobre o regime foi crescendo cada vez mais, pelo que decidi que seria este o mbito do meu estudo ao longo do meu percurso enquanto mestranda.Este regime advm do preceito Constitucional constante do Artigo 22, que responsabiliza o Estado e demais Entidades Pblicas pela prtica de factos ilcitos, sendo que no plano infra-constitucional se encontra regulado no Decreto de Lei n 67/2007 de 31 de Dezembro.Este regime visa responsabilizar os Estado pelos danos causados ao cidado ao abrigo das funes administrativa, jurisdicional e legislativa. Uma vez que a anlise deste tema no se ir esgotar com esta exposio, optei pela funo Jurisdicional como alvo mais restritivo de anlise.Claro que no poderei iniciar esta exposio sem reservar algumas palavras resenha histrica deste regime, assim como no poderei no desenhar algumas linhas quanto s demais funes abrangidas pelo regime em questo.Mais informo que a presente exposio no ser redigida ao abrigo do Novo Acordo Ortogrfico.

Palavras Chave: Responsabilidade Extra Contratual; Funo Jurisdicional; Funo Administrativa; Funo Legislativa; Estado; Entidades Pblicas; Culpa; Factos Ilcitos; Cidados.

Abstract

Trough my little experience as masters degree student law and as a trainee lawyer, I have faced some situations that required the application of the Legal Regime of Extra - Contractual Liability of the State and Public Entities.In one case I Worked about delays in the portuguese justice, my intereste on this legal regime was growing more and more, so I dicided that this would be the scope of my study along my journey as a masters degree student.This legal regime stems from the constitutional provision contained in Article 22, which blames the State and other public entities by the practice of unlawful acts , and is regulated by Decree Law No. 67/2007 of 31 December on the infra- constitutional level .This regime seeks to blame the State for damage caused to citizens under the administrative, judicial and legislative functions .Since the analysis of this topic will not be exhausted with this recital, I opted as restrictive analysis the liability under the judicial function.Clear is that I can not start without reserve a few words to the historical review of the legal system in question, and I must draw some lines about the other functions within the regime.More inform you that this exposure will not be drafted under the new Orthographic Agreement

Key Words: Extra Contractual Liability; Judrisdictional Function; Administrative Function; Legislative Function; State; Public Entities; Guilt; Unlawful acts; Citizens.

1 - Resenha HistricaAinda que os cidados depositem nas mos do poder, o governo da maioria das situaes que contendem com as suas vidas, o que certo que nem sempre os poderes pblicos foram responsabilizados pelos actos por si praticados em desconformidade com a lei, lesando dessa forma os cidados.Durante um longo perodo vigorou entre ns o princpio da irresponsabilidade do Estado, sendo certo que a mudana de paradigma que conduziu responsabilizao do Estado recente, tendo ocorrido em alguns Estados apenas no Sculo XX.Ao contrrio do que se esperaria aps a derrota do Estado Absolutista e do Direito Divino do Monarca, no foi implementada nas novas legislaes dos Estados Liberais e de Direito a responsabilizao dos poderes pblicos.As Constituies Monrquicas apenas previam a responsabilizao dos funcionrios ou agentes do Estado. O Cdigo de Seabra previa expressamente a irresponsabilidade do Estado e dos seus agentes[footnoteRef:1], excepto nos casos de prtica de ilcito, caso em que poderiam ser responsabilizados a ttulo pessoal. Nos trabalhos preparatrios do Cdigo de Civil de 1966, exteriorizou-se a inteno de criar uma legislao que abarcasse toda a matria da responsabilidade civil extracontratual do Estado, no entanto acabou por se ficar pela responsabilizao pelos danos provocados ao abrigo da actividade de gesto privada! no seguimento dessa falha que surge o Decreto de lei n 48051, de 21 de Novembro de 1967 que continha o registo da responsabilidade extra contratual do Estado e demais pessoas colectivas pblicas no domnio dos actos de gesto pblica[footnoteRef:2]. Tratava-se pois de um regime de responsabilidade civil extra contratual baseada na estrutura da responsabilidade aquiliana. [1: Artigo 2399 do Cdigo de Seabra Os empregados pblicos de qualquer ordem (), no so responsveis pelas perdas e danos que, causem no desempenho das obrigaes que lhes so impostos pela lei, excepto se excederem ou no cumprirem, de algum modo, as disposies da mesma lei.Artigo 2400 do Cdigo de Seabra Se os dictos empregados, excedendo as suas atribuies legaes, praticarem actos, de que resultem para outrem perdas e danos, sero responsveis do mesmo modo que os simples cidados.Artigo 2401 do Cdigo de Seabra Os Juzes sero irresponsveis nos seus julgamentos, excepto nos casos, em que, por via dos recursos competentes, as sentenas forem anuladas ou reformadas por sua ilegalidade, e se deixar expressamente aos lesados direito salvo para haverem perdas e danos, ou se os mesmos juzes forem mulctados ou condenados nas custas, em conformidade do cdigo de processo.] [2: Artigo 2 n 1 do Decreto Lei n48051 de 21 de Novembro de 1967 O Estado e demais pessoas colectivas pblicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposies legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilcitos culposamente praticados pelos respectivos rgos ou agentes administrativos no exerccio das suas funes e por causa desse exerccio.]

Ainda que tenha dado um passo em frente no mbito da responsabilizao do Estado e Pessoas Colectivas Pblicas (abandonando a ideia de irresponsabilidade do Estado patente no Cdigo de Seabra, responsabilizando apenas pessoalmente os empregados pblicos como simples cidados), a verdade que este regime apenas se referia funo Administrativa deixando de parte as funes Jurisdicional e Legislativa.O poder poltico crescia cada vez mais, e no havia forma de culpabilizar o legislador por uma m prtica legislativa susceptvel de causar danos aos cidados. O mesmo se poder dizer de um Juiz, cujos actos tambm so susceptveis de causar danos nos cidados alvo das suas decises. O regime carecia de uma responsabilizao semelhante constante da lei civil.S com a Constituio de 1976 se rompeu definitivamente com esta ideia de irresponsabilidade dos poderes pblicos, ao prever expressamente no Artigo 22, o princpio da responsabilidade civil extracontratual das entidades pblicas.

Artigo 22 Responsabilidade das Entidades PblicasO Estado e as demais Entidades Pblicas so civilmente responsveis, em forma solidria com os titulares dos seus rgos, funcionrios ou agentes, por aces ou omisses praticadas no exerccio das suas funes e por causa desse exerccio, de que resulte violao dos direitos, liberdades e garantias ou prejuzo para outrem.

Relativamente ao regime actual da responsabilidade civil extra-contratual, antes que este conhecesse a sua vigncia, foi alvo de um grande perodo de (des) aprovaes, caducidades e veto.Na tentativa de reformar a matria legislativa neste campo, a 13 de Julho de 2001 foi apresentada a primeira proposta de lei, aprovada na generalidade, mas no na especialidade, uma vez que a demisso do Governo levou sua caducidade.[footnoteRef:3] Um projecto de lei datado de 16 de Outubro de 2002, conheceu o mesmo destino da proposta de lei anterior. Em 6 de Maio de 2003, nova proposta de lei aprovada na generalidade, mas que no chegou ao debate na especialidade, uma repetida demisso do governo conduziu sua caducidade. Quando uma nova proposta de lei foi aprovada quer da generalidade quer na especialidade, o Presidente da Repblica vetou-a[footnoteRef:4], levantando questes de oportunidade poltica uma vez que, na sua perspectiva, com esta lei estaria a dar-se uma mudana de paradigma no mbito deste regime e que conduziria a um aumento das despesas do Estado. [3: Artigo 167 n6 da Constituio da Repblica Portuguesa] [4: Artigo 136 da Constituio da Repblica Portuguesa]

No poderia, nunca, partilhar desta opinio uma vez que o mbito de interveno dos poderes pblicos crescia cada vez mais, os direitos dos cidados estavam cada vez mais merc dos mesmos, conduzindo a uma maior susceptibilidade de serem violados. Ainda que exista a mxima dura lex sed lex, a verdade que as condutas ilcitas no ceio dos poderes pblicos violadoras dos direitos dos cidados so uma realidade, e a insuficincia de um regime que responsabilizasse devidamente o Estado e as Entidades Pblicas (e no apenas os seus agentes de forma pessoal) estaria a conduzir a situaes de manifesta injustia.Felizmente o diploma veio, mais tarde, a ser promulgado! Deixou-se de responsabilizar exclusivamente a funo administrativa, passando o mbito de aplicao do regime, a funo legislativa e jurisdicional.Nas palavras do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo data dos trabalhos preparatrios da reforma, Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serrra, No intuito de, uma vez mais, dar sequncia aos comandos constitucionais, o legislador ordinrio, por via da actual reforma, pretende concretizar o preceito do artigo 22 da nossa Lei Fundamental, nos termos do qual a responsabilidade civil extracontratual do Estado comporta do dever de indemnizar por prejuzos decorrentes de aces ou omisses praticadas no exerccio das suas funes.[footnoteRef:5] [5: Ministrio da Justia (Gabinete de Poltica Legislativa e Planeamento), A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado Trabalhos Preparatrios da Reforma, Coimbra Editora, 2002 pag.36 ]

2 - Ratio Legis do Artigo 22 da Constituio da Repblica PortuguesaEfectivamente a reforma de constitucional de 1976 foi um grande marco naquilo que era o regime da (ir) responsabilidade do Estado e demais entidades pblicas.Ainda assim a natureza jurdica e mbito de aplicao do Artigo 22 da CRP deu lugar a divergncias doutrinais, sendo que a doutrina maioritria considera que a disposio constitucional contida no Artigo 22 da Constituio da Repblica Portuguesa na verdade um direito fundamental anlogo aos Direitos Liberdades e Garantias.Rui Medeiros adopta esta posio, argumentando que este regime se trata de um direito-garantia, que atribui aos particulares um direito fundamental de estrutura subjectiva, com suficiente determinabilidade constitucional, garantidor de reparao dos danos causados aos seus direitos, liberdades e garantias pelos poderes pblicos.[footnoteRef:6] [6: Medeiros, Rui Comentrio ao Regime da Responsabilidade Civil Extra Contratual do Estado, pag. 40 ]

Ainda que partilhe da linha de argumentao oferecida pela Autor, penso que mais do que dar uma garantia aos cidados de reparao dos danos provocados pelo Estado e demais Entidades Pblicas, este preceito constitucional procurou responsabilizar efectivamente o Estado e as Entidades Pblicas a esse nvel. No se trata de discordar da funo de garantia que esta disposio veio trazer aos cidados! Sem dvida que estes vm os seus direitos mais acautelados em funo desta novidade introduzida pela reforma. No entanto, considero que esta reforma visou quebrar com a ideia de que o Estado e as Entidades Pblicas, enfim, os poderes pblicos no seriam responsabilizados por eventuais danos que causassem aos cidados. Alis estabelecer, como princpio, a responsabilidade do Estado e demais Entidades Pblicas significa conferir dignidade constitucional a um princpio concretizador do Estado de Direito superando definitivamente os regimes que durante muito tempo consagravam a irresponsabilidade civil dos actos do poder pblico. [footnoteRef:7] [7: Canotilho, Gomes J.J. e Moreira, Vital Constituio da Repblica Anotada Vol. I, pag. 426]

Uma comparao com regimes anteriores ser elucidativa quanto inteno do legislador constitucional. A Constituio de 1822 previa no seu Artigo 14 o seguinte Todos os empregados pblicos sero estritamente responsveis pelos casos de ofcio e abusos do poder, na conformidade da Constituio e da Lei. [footnoteRef:8] Sendo certo que as Constituies de 1911 e de 1933 deixaram inclusive de referir a responsabilidade individual dos empregados pblicos. [8: Neste sentido seguiram-se a Carta Constitucional de 1827 e a Constituio de 1838]

A consagrao constante Artigo 22 da Constituio da Repblica Portuguesa, na verdade, mais do que conferir uma garantia ao cidado (mais uma vez se bisa que no nego que essa funo subjaz ao preceituado constitucional) foi uma radicao peremptria do princpio da responsabilidade directa do Estado.[footnoteRef:9] [9: Canotilho, Gomes J.J. e Moreira, Vital Constituio da Repblica Anotada Vol. I, pag. 427]

Relativamente ao mbito de aplicao do regime, em funo da previso constitucional, muitos se questionaram se o legislador apenas tinha a inteno de abranger a funo administrativa, ou se seria sua inteno abranger no s a funo administrativa mas tambm a funo legislativa e jurisdicional.Durante os trabalhos preparatrios da reforma muitas questes se levantaram nesse sentido, desde logo a incluso da funo legislativa como mbito de aplicao da norma. A doutrina minoritria, que defendia a no abrangncia da funo legislativa pelo novo regime, ofereceu a sua argumentao com base no direito comparado, uma vez que a maioria dos ordenamentos jurdicos europeus no o previa, e como tal ns tambm no o deveramos fazer. Entendo que se trata de um argumento redutor da nossa viso enquanto juristas. Enquanto este pensamento no mudar, Portugal nunca ser inovador e pioneiro nas solues jurdicas. Limitamo-nos, como sempre, a copiar os demais ordenamentos jurdicos europeus, dando como adquirido de que as suas solues so as mais acertadas.Nas palavras do Professor Freitas do Amaral, No h nada que nos obrigue a esperar pelos outros para avanar com determinado progresso no Estado de Direito. Tambm no sculo passado fomos os pioneiros a abolir a pena de morte e no tivemos de esperar que generalidade dos pases europeus o fizessem para o podermos fazer ns.[footnoteRef:10] [10: Freitas do Amaral in Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado Trabalhos Preparatrios da Reforma, Ministrio da Justia, Gabinete de Poltica Legislativa e Planeamento pag. 47]

Ainda que a norma constitucional no especifique a que funes do Estado se quer referir, este faz referncia as aces e omisses praticadas no exerccio das suas funes e por causa delas. Ora, o Estado no tem a seu cargo apenas a funo administrativa, pelo que a norma ao dizer suas funes confere abertura suficiente para que estejam abrangidas tambm a funo legislativa e jurisdicional. Alis no faria de todo sentido exclu-las do mbito de aplicao da norma. Desde logo porque est implcito na ideia de Estado de Direito que o Estado tem de zelar pelos direitos dos cidados, e proceder ao reparo de eventuais danos que estes possam sofrer por aces ou omisses dos titulares dos seus rgos, independentemente de o rgo ser administrativo, judicial ou legislativo. Todos integram o conceito de poderes pblicos, assim como integram as funes do Estado e, consequentemente, integram o mbito de previso da norma constitucional. data dos trabalhos preparatrios da reforma que deu origem Lei n 67/2007, levantou-se a discusso de o regime abranger no s a responsabilidade civil extracontratual, mas tambm a responsabilidade civil contratual. Neste sentido manifestou-se o Professor Freitas do Amaral, Portanto, a minha sugesto, a pista que aponto aqui era a de que tornando este diploma ainda mais completo do que partida se pensa que ele poder vir a ser, houvesse no mnimo uma disposio, um preceito que dissesse qualquer coisa do tipo que se aplica responsabilidade do Estado por violao de contratos administrativos o disposto no Cdigo Civil sobre o no cumprimento das obrigaes contratuais, com as necessrias adaptaes, e deixaramos doutrina e jurisprudncia o encargo de comear a desbravar quais so essas adaptaes que se justificam.[footnoteRef:11] [11: Freitas do Amaral in Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado Trabalhos Preparatrios da Reforma, Ministrio da Justia, Gabinete de Poltica Legislativa e Planeamento pag.44]

Numa posio contrria o Professor Fausto de Quadros considerou que o regime da responsabilidade civil contratual do Estado deveria estar inserto numa Lei dos Contratos Pblicos. Efectivamente a relao contratual contm especificidades que no se adequam ao regime constante da Lei n67/2007, pelo que reclamavam uma disciplina especfica. Acontece que em 2008 foi aprovado o Cdigo dos Contratos Pblicos pelo Decreto de Lei n18/2008. No entanto, e ainda que se pudesse ler no prembulo do dito Decreto de Lei No que concerne ao ttulo i da parte iii do Cdigo (Contratos administrativos em geral), a primeira nota vai para a preocupao de preservao do quid specificum dos contratos administrativos, perceptvel atravs dos seguintes aspectos: (i) recorrente apelo aos imperativos de interesse pblico (por exemplo, na modificao e resoluo contratuais); (ii) manuteno de importantes poderes do contraente pblico durante a fase de execuo do contrato administrativo; (iii) criao de figuras como a da partilha de benefcios; (iv) criao de regras especiais para as situaes de incumprimento do contraente pblico; (v) introduo de normas que versam, directa ou indirectamente, a repartio de risco entre as partes contratantes., a verdade que mesmo o Cdigo dos Contratos Pblicos remete no seu Artigo 325 n4 para as disposies do Cdigo Civil em caso de incumprimento.[footnoteRef:12] [12: Artigo 325 n 4 do Cdigo dos Contratos Pblicos, O disposto nos nmeros anteriores no prejudica a aplicao pelo contraente pblico sanes previstas no contrato para o caso de incumprimento pelo co contraente, por facto que lhe seja imputvel, nem a aplicao das disposies relativas obrigao de indemnizao por mora e incumprimento definitivo previstas no Cdigo Civil. (sublinhado nosso)]

Cabe uma ltima palavra quanto questo do regime da Lei n67/2007 abranger os danos causados tanto por actos de gesto privada como por actos de gesto pblica. Relativamente a esta questo no me irei alongar em demasia, limitando-me a referir as posies doutrinais relativamente mesma, uma vez que pretendo debruar-me sobre esta questo num outro patamar de investigao. A doutrina tem definido actos de gesto pblica aqueles que so regulados por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse pblico, discipline o seu exerccio ou organize os meios necessrios para esse efeito.[footnoteRef:13] Acabando os danos provocados fora da circunferncia da definio acima sugerida (actos de gesto privada) a ser regulados pelas normas de Direito Civil e consequentemente a serem julgados nos tribunais judiciais. [13: Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo II pag.1222 ]

Aparentemente a questo estaria esclarecida! Todavia, a previso constitucional constante do Artigo 22 e as alteraes ao contencioso administrativo introduzidas em 2004 [footnoteRef:14], que determinaram que os conflitos sobre responsabilidade pelo exerccio da funo administrativa, sem distinguir, so da competncia dos Tribunais Administrativos, sendo, portanto, da jurisdio administrativas litgios que tenham por objecto toda a responsabilidade de entes pblicos independentemente da natureza da actividade danosa, fizeram com que esta distino voltasse novamente a ser alvo de discusso, mas desta vez sobre a sua abrangncia pelo novo regime. E se considerarmos o silncio do preceito constitucional e a previso do Artigo 4 n1 alneas g), h) e i) do ETAF, seriamos obrigados a considerar que o actual regime abrange a responsabilidade por danos provocados tanto por actos de gesto privada como de gesto pblica (doutrina minoritria). No entanto, a jurisprudncia e doutrina maioritria tm-se manifestado em sentido oposto. Oferecendo como argumento o facto do Artigo 1 n2 da Lei 67/2007 fazer corresponder funo administrativa as aces e omisses adoptadas no exerccio de prerrogativas de poder pblico ou reguladas por disposies ou princpios de direito administrativo, pelo que, nesse sentido, o regime seria apenas aplicvel aos actos de gesto pblica.[footnoteRef:15] [14: Artigo 4 n1 alneas g), h) e i) do ETAF] [15: O Tribunal de Conflitos pronunciou-se no mesmo sentido no seu Acrdo de 5/03/2013 Processo n 09/12 www.dgsi.pt]

3 Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exerccio da Funo Jurisdicional 3.1 Notas IntrodutriasO Artigo 1 da Lei n67/2007 estabelece qual o mbito de aplicao do regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Entidades Pblicas. Sendo que o n1 abrange as trs funes a cargo do Estado (Administrativa, Legislativa e Jurisdicional) e os n 3 e 4 os titulares de rgos, funcionrios e agentes pblicos, assim como, os demais trabalhadores ao servio das entidades abrangidas. O novo regime aprovado em 2007, alm de abranger no s a funo administrativa, passou a prever uma responsabilidade solidria entre o Estado e os seus agentes. No que concerne funo jurisdicional, passou a prever-se a possibilidade de responsabilizar pessoalmente os magistrados, no s nos casos previstos anteriormente na Constituio, mas tambm nos casos de atrasos na justia e de erro grosseiro e manifesto. Nos casos dos atrasos na justia e uma vez que contende com a administrao da justia, no fundo com a actividade administrativa, esta est submetida s disposies constantes da responsabilidade por danos causados ao abrigo da funo administrativa, enquanto a responsabilidade por danos causado ao abrigo da funo jurisdicional por erro grosseiro e manifesto est sujeito a disposies especiais.As aces de responsabilidade pelo exerccio da funo jurisdicional so, nos termos no Artigo 4 n1 do ETAF da competncia dos Tribunais Administrativos e Fiscais, assim como as aces de regresso que lhes podero corresponder. No entanto, caso o erro judicirio seja cometido por tribunais pertencentes a outras jurisdies, sero essas mesmas competentes tanto para decidir das causas de responsabilidade pelo exerccio da funo jurisdicional, como para decidir das eventuais aces de regresso. Ressalva-se, desde j, de que a presente exposio no dirigida s questes que se prendem com o regime especial aplicvel aos casos de sentena penal condenatria injusta e de privao injustificada da liberdade, assim como s questes que se prendem com o regime especial da aco de indemnizao contra magistrados, prevista e regulada nos Artigos 967 a 977 do Cdigo de Processo Civil.Relativamente aos danos decorrentes da Administrao da Justia (Artigo12 Lei 67/2007), resume-se simplesmente possibilidade concedida aos cidados que pagam, e caro, pela justia terem o direito de exigir do Estado que este funcione razoavelmente. Se tal no acontecer, os particulares podem, e devem, exigir do Estado uma indemnizao pelos danos que lhe foram causados pelo funcionamento deficiente. Uma coisa certa, independentemente de ter faltado um Juiz, de haver falta de funcionrios, ou se o Juiz no foi diligente naquele processo, ou se o funcionrio da secretaria se esqueceu daquele processo no fundo de uma pilha de tantos outros processos, o Estado sempre ser responsvel pela m organizao do sistema judicirio.[footnoteRef:16] [16: Pires de Lima , Consideraes Acerca do Direito Justia em Prazo Razovel]

Questo mais delicada a do regime especial do erro judicirio. Supostamente os ordenamentos jurdicos dispe de um mecanismo especfico cujo objectivo a tentativa de correco das decises das instncias inferiores, na eventualidade de as suas decises estarem erradas. So pois os Recursos. Da que o regime da Responsabilidade Civil do Estado ao abrigo da funo jurisdicional por erro judicirio, tenha uma formulao restritiva, pelo que so somente susceptveis de desencadear responsabilidade para o Estado as decises judiciais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciao dos respectivos pressupostos de facto.[footnoteRef:17] Mais restritivo se torna o efeito til desta responsabilidade, uma vez que a lei exige como pressuposto, que a deciso em causa haja sido revogada pelo tribunal competente. [17: Artigo 13 n1 da Lei n67/2007]

Em suma, o Regime na parte em que se refere funo jurisdicional, faz uma distino implcita, entre actos jurisdicionais stricto sensu entendidos como as decises que ditam o direito com eficcia de caso julgado; e factos ocorridos no mbito da realizao da funo jurisdicional, que incluem os primeiros, mas tambm os actos e omisses materialmente administrativas.

3.2 Responsabilidade Civil do Estado ao Abrigo da Funo Jurisdicional por m Administrao da Justia

Um dos maiores cancros do nosso sistema judicial so os atrasos na justia. Inclusive Portugal tem um grande historial quanto a condenaes devido morosidade na sua justia, tendo sido j Ru no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pelo menos 127 vezes, das quais apenas 4 vezes foi absolvido. Um dos principais corolrios do direito a uma tutela jurisdicional efectiva consiste no direito obteno de uma deciso num processo judicial em prazo razovel. Em funo desta ideologia, o Artigo 6 da Conveno Europeia dos Direitos do Homem passou a prever um direito expresso do cidado europeu a um processo equitativo e em prazo razovel. Reza o n1 do dito Artigo que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razovel por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidir, quer sobre a determinao dos seus direitos e obrigaes de carcter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusao em matria penal dirigida contra ela (sublinhado nosso). S por influncia do direto comunitrio que o nosso direito interno, com a reviso constitucional de 1997, passou a prever no Artigo 20 n4 que Todos tm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de deciso em prazo razovel e mediante processo equitativo (sublinhado nosso), deixando, ento, de persistir dvidas quanto necessidade de se apurar a dimenso temporal de um processo judicial, para se efectivar um direito de acesso aos tribunais por parte dos cidados de forma a defenderem os seus direitos.Importa resguardar que, o conceito de prazo razovel no pode ser confundido com o conceito de prazo legalmente fixado para a prtica de um acto processual, sob pena de considerarmos como fonte de anormal funcionamento da justia todo e qualquer atraso ou incumprimento de prazos processuais pelas partes ou pelos tribunais.Para que se consiga apurar se houve ou no violao do direito a uma deciso em prazo razovel, sempre se ter de proceder a uma avaliao casustica, ou seja, o conceito indeterminado de prazo razovel apenas ser preenchido na circunscrio do caso concreto, e sempre numa perspectiva global, implicando outros critrios que no apenas o respeito, ou no, dos prazos processuais olhando durao efectiva, e no segundo um mtodo analtico, centrado no cmputo dos prazos legalmente fixados e sua eventual ultrapassagem.[footnoteRef:18] [18: Lus Fbrica in Comentrio ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Pblicas, pag. 332]

Esses critrios so-nos, em bom rigor, oferecidos pela jurisprudncia do Tribunal Europeu Direitos do Homem, cujo contributo tem sido essencial para que os Tribunais dos Estados Membros tenham abertura suficiente para julgar da morosidade das prprias decises, com a imparcialidade que lhes exigida enquanto rgo independente. Infelizmente, alm de no cumprir com as exigncias de uma administrao da justia em prazo razovel, o sistema judicial Portugus no dispe de um recurso til e eficaz para indemnizar as vtimas da demora na justia.Ora, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para que se consiga, em concreto, apurar se o prazo razovel foi ou no respeitado dever-se- ter em conta a complexidade do litgio, a conduta do autor, a conduta das autoridades competentes e a relevncia da causa para o interessado.[footnoteRef:19] Sendo certo que se tem de ter como ponto de partida a data de entrada do processo em tribunal e, como ponto de chegada, a data em que se verificou todos o trminus do mesmo, pelo que devem ser contabilizadas, para esse efeito, todas as instncias de recurso e, ainda, a fase executiva. [19: Deciso de 25/09/2012, Novo e Siva contra Portugal, Processo n 319/08]

Quanto complexidade da causa, esta no dever ser tida em conta se no tiver relevncia tendo em conta a fase ou acto processual gerador do atraso. Veja-se o exemplo em que o Tribunal demora dois anos a proceder citao do Ru para que este possa intervir no processo, pelo simples facto de o processo ter tido o azar de cair atrs da secretria do oficial de Justia. At porque a maioria dos atrasos, e com o devido respeito, prende-se essencialmente com a no diligncia por parte dos agentes que integram a mquina judicial do Estado. Numa visita secretaria de um Tribunal Judicial, cuja identidade no se mostra essencial uma vez que padecem todos do mesmo mal, assustou-me o facto de ver processos em todos os metros quadrados da sala em que fosse possvel formar uma pilha! Na minha perspectiva, e salvo melhor opinio, no me parece que seja a complexidade da causa que esteja na ordem dos atrasos na administrao da justia, quer no sistema judicial portugus em particular, quer nos sistemas judiciais europeus em geral.Relativamente ao comportamento das partes, cumpre fazer referncia a duas questes. Uma primeira prende-se com os expedientes dilatrios de prazos processuais que tendem a ser utilizados pelos mandatrios para comprar tempo na causa, em ordem de encontrar uma easy way out no desfecho do precesso judicial. E sempre que assim seja, a dilao in futurum da lide deve ser imputada s partes pelo que no lhes assistir qualquer indemnizao a este ttulo. Uma segunda questo prende-se com o facto de o regime da Lei n 67/2007 no que toca prescrio do direito de aco nestes casos, remeter para o regime do Artigo 498 do Cdigo Civil que prev para efeitos de prescrio do direito o prazo de 3 anos a contar do conhecimento por parte do lesado da susceptibilidade de poder vir a ser indemnizado pelo seu dano. Diga-se, a talhe de foice, que no posso manifestar concordncia com o momento que deve ser tido em conta para incio da contagem de prazo, nos casos da responsabilidade do Estado ao abrigo da funo jurisdicional por atrasos na administrao na justia. Pelo que nestes casos, o prazo para efeitos de prescrio do direito deve comear a correr a partir do trnsito em julgado da deciso que tardou em chegar, porque s assim se poder apurar com toda a certeza se foi ou no violado o direito a uma deciso em prazo razovel. Acresce que, e por muito que os magistrados do Ministrio Pblico em representao do Estado Portugus nas aces de responsabilidade nestes termos tenham esta tendncia, e na eventualidade de se considerar que o momento para a contagem do prazo para efeitos da prescrio do direito de aco do cidado seja o momento que o lesado tomou conhecimento de que poderia vir a ser indemnizado pelo seu dano, no podem as tentativas por parte do lesado em promover o andamento do processo, como por exemplo as queixas ao Procurador Geral da Repblica, ser consideradas como o momento a que se refere o regime do Artigo 498 do Cdigo Civil para que se inicie a contagem do prazo, at porque regra geral estas so infrutferas, mantendo o lesado na eterna espera pela deciso.[footnoteRef:20] [20: Nesse sentido Pires de Lima, Consideraes Acerca do Direito Justia em Prazo Razovel]

Quanto actauo das autoridades competentes, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no tem credibilizado os argumentos dos Estados Membros para justificar as delongas processuais, como as doenas temporrias do pessoal e a falta de recursos e meios do Tribunal, o volume do trabalho e a complexidade da estrutura judiciria, porquanto foi o prprio Estado que por fora da ratificao da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, se comprometeu a organizar o seu sistema judicirio de forma a dar cumprimento aos ditames que so a estrutura da Conveno. Finalmente no que concerne ao objecto e finalidade do processo, este prende-se sobretudo com a importncia que a deciso tem para as partes envolvidas na lide. O atraso na deciso judicial para alm do prazo peticionado como necessrio para evitar uma leso irreparvel poder inutilizar o processo judicial, o que desvirtua o princpio constitucional da tutela jurisdicional efectiva concretizando uma inutilidade do recurso via judicial para proteco de interesses e direitos legalmente protegidos.Aqui chegados, uma questo de maior interesse se coloca! Haver a possibilidade de encontrarmos uma durao mdia da resoluo dos litgios? Bem, no entendimento da Jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, parece que sim. Apontando 3 anos para a durao na 1 instncia, e 4 a 6 anos para a durao global da lide. No parece demasiado presunosa a tentativa de achar um prazo mdio? Ento vejamos, se depois de percorridos todos os critrios acima descritos, se considerar que um processo que durou 3 anos e meio a ser resolvido excedeu o prazo razovel, em que medida se ir ter ou no em conta o prazo mdio avanado pela Jurisprudncia? Claro que se denota, igualmente, um tanto de presuno da minha parte, visto que a resoluo de um processo em trs anos e meio, ser no mnimo utpico nos tempos que correm. Ainda assim, o Estado no tem o direito de reclamar um prazo mdio para demorar os processos nos seus Tribunais: tem que responder em cada caso com a maior brevidade possvel em prazo razovel petio concreta de cada cidado. Os tribunais julgam em nome do povo: no em nome do Estado.[footnoteRef:21] [21: Pires de Lima, Consideraes Acerca do Direito Justia em Prazo Razovel]

3.2.1 Pressupostos

A anlise deste regime no estaria completa se no se reservassem algumas palavras para os pressupostos de aplicao do mesmo.O facto que constitui a base de fundamentao da Responsabilidade Civil, tanto poder concretizar-se numa aco como numa omisso. Reza o Artigo 9 da Lei n 67/2007, que tanto as aces como as omisses adoptadas no exerccio da funo jurisdicional e por causa desse exerccio so geradoras de Responsabilidade Civil Extracontratual dos titulares de rgos, funcionrios e agentes pblicos. Sendo ilcita a aco, ou a falta dela, que viole o dever de administrao do servio de justia, mais concretamente os Artigos 20 da Constituio da Repblica Portuguesa e o Artigo 6 da Conveno Europeia dos Direitos do Homem. O facto ser, em regra, um acto ou uma omisso do Estado na administrao da justia, que ser ilcito sempre que viole o prazo razovel, nisto se espraia a sua ilicitude. [footnoteRef:22] [22: Ricardo Pedro, Contributo para o Estudo da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Violao do Direito a Uma Deciso em Prazo Razovel ou Sem Dilaes Indevidas, pag.99]

Relativamente culpa do agente, convm sublinhar a dificuldade, nestes casos, de apurar em concreto quem o agente, funcionrio, titular do rgo que praticou ou omitiu o acto gerador da responsabilidade. Pelo que o regime constante da Lei n 67/2007 alm de prever a culpa individual do agente (da que existam as aces de Regresso), prev uma ideia de culpa colectiva, ou seja, a culpa do Estado enquanto instituio a quem incumbe a organizao do aparelho judicial, que tanto poder ser responsabilizado por ter praticado ou omitido o acto com inteno (dolo), ou ento por no ter sido diligente o suficiente e, como consequncia, praticou um acto que no deveria, ou omitiu um acto que deveria ter praticado (negligncia). Alm disto, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades pblicas, prev expressamente uma presuno de culpa leve (Artigo 10 n2[footnoteRef:23]) sem prejuzo de o lesado poder vir a provar o dolo. Cabendo ao Estado o nus de provar que no houve culpa na conduta do agente. [23: Artigo 10 n 2 Sem prejuzo da demonstrao de dolo ou culpa grave, presume -se a existncia de culpa leve na prtica de actos jurdicos ilcitos.]

No que concerne ao dano, o regime prev que sero indemnizveis os danos patrimoniais, e na medida do possvel, compensados os danos no patrimoniais, desde que os demais requisitos estejam preenchidos. A Jurisprudncia tem acolhido o entendimento da Jurisprudncia Europeia relativamente prova do dano no patrimonial, devendo o regime da Lei n67/2007 ser aplicado em conformidade com a Conveno Europeia dos Direitos do Homem e a Jurisprudncia Europeia. No existe qualquer nus probatrio relativamente ao mesmo, existindo sim um dever do juiz de conhecer e considerarque o mesmo existe. Alis, o mesmo deve presumir-se existente por se considerar consequncia normal da violao da durao do prazo razovel do processo. Trata-se de uma presuno slida, ainda que elidvel, que em alguns casos no produz seno um dano mnimo, ou mesmo nenhum dano, sendo que, ento o Juiz nacional dever justificar a sua deciso, motivando-a suficientemente.[footnoteRef:24] [24: Acrdos do TEDH, 10 de Junho de 2008, caso Martins Castro e Alves Correia de Castro C. Portugal]

Finalmente, quanto ao nexo de causalidade o regime implicitamente refere-o nos Artigos 7 n1 e 8 n1 ao referire que so indemnizveis os danos que resultem de factos ilcitos e culposos. Sendo certo que, semelhana do que acontece no regime do Artigo 563 do Cdigo Civil, acolhe-se a teoria da causalidade adequada em ordem de se verificar se aquele dano causa directa, possvel, provvel de determinada aco, ou a falta dela, por parte do agente, funcionrio, titular de rgo a quem caiba a administrao da justia.

3.3 Responsabilidade Civil do Estado ao Abrigo da Funo Jurisdicional por Erro Judicirio

Cumpre antes de mais esclarecer quais os actos jurisdicionais abrangidos pelo regime contido no Artigo 13 da Lei n67/2007. Enquanto o regime estudado supra (3.2), se refere a actos praticados ao abrigo da funo jurisdicional, ou seja, praticados pelos funcionrios que trabalham, conjuntamente com os juzes, nos Tribunais Portugueses, actos que no fundo correspondem Administrao da Justia; o regime agora abordado, abrange nica e exclusivamente os actos materialmente jurisdicionais, ou seja, emanados com a funo inequvoca de resolver um litigio de interesses entre sujeitos, no fundo correspondem s decises proferidas pelos Juzes no mbito de um litigio. Se o acto no for materialmente jurisdicional poder, eventualmente, ser gerador de responsabilidade civil ao abrigo do Artigo 12 da Lei n67/2007, ou caso o seja poder, desde que cumpridos os pressupostos, ser gerador de responsabilidade civil ao abrigo do Artigo 13 da Lei n67/2007. Este ltimo refere-se a uma responsabilidade por erro judicirio, isto , um erro derivado de decises jurisdicionais causadoras de danos e que a lei tipifica como decises manifestamente inconstitucionais ou ilegais, ou como decises injustificadas por erro grosseiro na apreciao dos respectivos pressupostos de facto.[footnoteRef:25] Sendo certo que ficam ressalvados os regimes especiais aplicados aos casos de sentenas penais condenatrias injustas e de privao injustificada da liberdade, cuja anlise no se cumpre aqui fazer. Certo , tambm, que no foi feita ressalva ao regime especial da aco de indeminizao contra os magistrados prevista no Cdigo de Processo Civil, quando deveria ter sido feita. [25: Artigo 13 n1 da Lei n67/2007]

Ao contrrio do que acontece com o regime do Artigo 12, nos casos de aco de responsabilidade por erro judicirio, esta tem de ser proposta apenas e s contra o Estado, no existindo a possibilidade de esta ser proposta directamente contra o Juiz que proferiu a deciso lesiva. O que poder ou no seguir-se aps esta aco, ser o direito do Regresso a favor do Estado, mas apenas em alguns casos como ser analisado infra.Ainda que a lei o preveja, acontece que uma corrente jurisprudencial e doutrinal, tem-se manifestado contra a responsabilidade por erro judicirio. Os dois argumentos maioritrios cingem-se ao respeito pelo caso julgado e independncia dos Tribunais, cujo desrespeito conduziria violao dos valores que constituem o Estado de Direito. Segundo esta corrente, maioritariamente processualista, o facto de uma deciso judicial, ainda que ilcita, poder ser geradora de responsabilidade contra o Estado, levaria a que o Juiz, a quem incumbe a funo de dizer o que diz a lei, se resguardasse de proferir uma deciso no mbito de determinado litigio. Funo a que est obrigado (constitucional e legalmente), a de proferir uma deciso, ainda que lhe suscite dvidas quanto interpretao dos factos e aplicao do Direito. No entanto, e ainda que partilhe da viso de que um Juiz sempre ter de cumprir a sua funo independemente do que, a Lei n67/2007 consagra o princpio da irresponsabilidade dos Juzes (analisado infra)! O lesado, em ordem de obter uma indemnizao por erro judicirio, sempre ter de propor a aco contra o Estado e no contra o Juiz que proferiu a deciso. Apenas na eventualidade de Juiz ser responsabilizado pessoalmente pela sua deciso, ainda que ilegal, que poderia ser posta em causa a sua imparcialidade, da que o regime seja cauteloso. No obstante, o facto de um Juiz ter de ser imparcial e ser independente, s deveria fazer com que fosse prudente na tomada das suas decises, ou seja, na interpretao e aplicao da lei e na interpretao dos pressupostos de facto, o que conduziria, na eventualidade de ocorrer um erro, que esse fosse considerado como inerente actividade que tem necessariamente de desempenhar. Apenas se o erro ultrapassar um patamar tido como admissvel, que os danos decorrentes desse erro podero ser indemnizveis, porque o juiz, ao errar grosseiramente, de forma crassa ou palmar em funo daquele padro estandardizado, excedeu a liberdade que lhe estava permitida para passar do seu estado originrio de incerteza para a certeza que as partes buscam no processo em curso.[footnoteRef:26]Acresce que, se a responsabilidade por erro judicirio colocasse em causa a independncia dos Juzes, esta iria sentir-se no s no mbito das relaes externas com o lesado, mas tambm no mbito das relaes internas com o Estado, o que excluiria o Direito de Regresso, ainda que este s se verifique em determinadas situaes. [26: Elizabeth Fernandez, Responsabilidade do Estado por erro judicirio: perplexidades e interrogaes, Cadernos de Justia Administrativa, n 88, Julho Agosto 2011]

Relativamente ao respeito pelo caso julgado, e nesse sentido que a lei prev como pressuposto para que se d o dever de indemnizar por parte do Estado a revogao da deciso danosa, tambm uma correcta interpretao da sua relevncia numa aco de responsabilidade civil ao abrigo da funo jurisdicional por erro judicirio, faz com que seja falvel. Antes de mais porque existem situaes em que o caso julgado cai, nomeadamente nos casos em declarada a inconstitucionalidade e o Tribunal Constitucional os inclua nos efeitos dessa declarao, e ainda nos casos em que se prevejam recursos de reviso de sentena. Mas o contra-argumento que me parece o mais acertado como forma de retaliao ao respeito pelo caso julgado, o facto de a sentena danosa apenas ser apreciada no mbito da aco de indemnizao como um mero facto gerador de responsabilidade, ou seja, o Juiz que ir apreciar a causa no ir tocar nos efeitos que a sentena produziu, ainda que ela seja, no fundo, ilegal. O Juiz do processo indemnizatrio no vai rever a sentena para a confirmar ou revogar, mas apreci-la sob uma perspectiva especfica a sua relevncia como fonte de um dever de indemnizar e com um objectivo especfico reconhecer o correspondente direito indemnizatrio.[footnoteRef:27] [27: Lus Fbrica, Comentrio ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Pblicas, pag 347]

3.3.1 - Pressupostos

Esto reunidos no Artigo 13 da Lei n67/2007 os pressupostos especficos da aco de indemnizao por erro judicirio. O n1 refere-se ao erro judicirio derivado de decises jurisdicionais causadoras de danos e qua lei tipifica como decises manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciao dos respectivos pressupostos de facto. Pode-se referir a ttulo de exemplo como decises jurisdicionais manifestamente ilegais, aquelas que se fundam na aplicao de uma lei revogada, sem que haja qualquer questo de sucesso de leis no tempo, ou ento, o conhecimento na deciso de questes no solicitadas pelas partes e que no so de conhecimento oficioso. J quanto a decises jurisdicionais manifestamente inconstitucionais, ofereo de exemplo aquelas que aplicam normas declaradas inconstitucionais, mas tambm aquelas que afrontam directamente os direitos fundamentais constantes da Lei Constitucional. No entanto, a lei no prev s um erro fundado em questes de direito, mas tambm um erro grosseiro na apreciao dos pressupostos de facto que levaram a que o Juiz naquela lide tomasse aquela deciso. Por exemplo, numa aco de condenao, em que o Autor procura a condenao do Ru ao pagamento da quantia de 30.000,00 parte de uma divida de 50.000,00 (20.000,00 j tinham sido pagos), e o Juiz condena o Ru ao pagamento da quantia de 30.000,00 deduzindo-lhe os 20.000,00 j pagos! Ora, esta deciso faria com que o Autor incorresse num prejuzo igual ao que j fora pago pelo Ru. Lus Fbrica oferece como definio de erro grosseiro aquele que conduz a uma deciso no justificada em face dos seus pressupostos de facto efectivamente existentes por se verificar entre a realidade fctica e a apreciao do julgador uma desconformidade claramente inaceitvel em face dos padres de diligncia, ponderao, razoabilidade e prudncia exigveis a um juiz mdio.[footnoteRef:28] [28: Lus Fbrica, Comentrio ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Pblicas, pag 355]

Quanto ao papel da culpa, relativamente ao regime da aco de responsabilidade civil do Estado por erro judicirio, apenas releva na medida em que ser determinante quanto possibilidade de o Estado exercer sobre o Magistrado que proferiu a deciso danosa o direito de regresso, porquanto s existir essa possibilidade se o Magistrado que proferiu a deciso danosa tiver actuado com dolo ou culpa grave (a culpa leve, como j se viu presume-se) nos termos do Artigo 14 n1 da Lei n67/2007.Finalmente no que concerne ao ltimo, e polmico, pressuposto o Artigo 13 n2 da Lei n67/2007 que exige a revogao da sentena danosa, cumpre proceder-se a uma anlise mais criteriosa, por levantar questes controversas quanto sua aplicao prtica. Tem sido entendido pela doutrina como um pressuposto processual de admissibilidade especfico para este tipo de aco, fazendo com o Juiz se exclua de conhecer de mrito, caso a sentena danosa no tenha sido previamente revogada pelas instncias de recurso. Pelo que uma deciso pode ser ilegal, por ser manifestamente ilegal ou inconstitucional ou por incorrer num erro grosseiro na interpretao das circunstncias de facto, mas pode, ao mesmo tempo, ser licita na medida em que no foi revogada pela jurisdio competente. Segundo este pressuposto, o lesado tem o direito a ser indemnizado pelos danos causados por determinada deciso, no pelo facto de ela ser ilegal, mas por ser ilcita! Tal como j foi referido em supra (3.3), o argumento que se oferece para que se justifique este pressuposto o respeito pelo caso julgado, que como j vimos pode ser facilmente falvel, se for de lhe conferir uma correcta interpretao. At porque, e como entende Elizabeth Fernandez, este entendimento leva a que o caso julgado transforme decises manifestamente erradas, em decises certas.[footnoteRef:29] [29: Elizabeth Fernandez, Responsabilidade do Estado por erro judicirio: perplexidades e interrogaes, Cadernos de Justia Administrativa, n 88, Julho Agosto 2011]

Alis, os efeitos que se pretendem obter com a aco de responsabilidade civil por erro judicirio, no so os mesmos que se obteriam com a revogao da sentena danosa. E a sim, seria de admitir que no se aceitasse uma aco de responsabilidade civil por erro judicirio que obtesse o mesmo resultado que uma aco de recurso que culminasse com a revogao da sentena (situao anloga prevista no Artigo 38 do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos[footnoteRef:30]). Deste modo, desde que a aco de responsabilidade fosse no sentido de obter nica e exclusivamente o efeito indemnizatrio, e no os efeitos que se obteria com a revogao da sentena danosa, no haveria qualquer desrespeito pelo caso julgado. No entanto, a estaramos a falar de uma responsabilidade civil ao abrigo da funo jurisdicional por factos lcitos, uma vez que uma sentena transitada em julgado licita, ainda que ilegal. [30: Artigo 38 n2 do CPTA Sem prejuzo do disposto no nmero anterior, a aco administrativa comum no pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulao do acto inimpugnvel.]

Todavia, a verdadeira controvrsia do pressuposto exigido no n2 do Artigo 13 da Lei n67/2007, o facto de este estar em contradio com preceitos Constitucionais e Comunitrios. Pe, desde logo, em causa o Princpio da Igualdade constante dos Artigos 13 da Constituio da Repblica Portuguesa e Artigo 20 da Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia, uma vez que esta imposio leva a que o lesado no consiga reunir os pressupostos necessrios, ainda que em termos materiais tenha direito a uma indemnizao pelos danos causados pela deciso, pois a deciso no pode ser alvo de recurso, conduzindo a situaes de manifesta injustia, porquanto duas decises materialmente idnticas podem gerar ou no o dever de indemnizar por erro judicirio consoante o valor da causa ou o tribunal que as tenha proferido.[footnoteRef:31] [31: Lus Fbrica, Comentrio ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Pblicas, pag 359]

Acresce que, e ainda que a deciso admita recurso, o mesmo erro pode ser confirmado pelas instncias superiores. E ento o que fazer quando assim se sucede? No caso acima referenciado sobre o erro grosseiro na interpretao das circunstncias de facto, Autor e Ru tinham celebrado um contrato de empreitada no valor de 50.000,00, sendo certo que o Ru apenas tinha pago ao Autor a quantia de 20.000,00. De forma a exigir o pagamento da divida, o Autor props uma aco de condenao contra o Ru para que este fosse condenado no pagamento dos 30.000,00 que ainda estavam por liquidar, sendo to s esse o pedido do Autor. Ora, o Tribunal de 1 Instncia condenou efectivamente o Ru ao pagamento dos 30.000,00, no entanto deveria ser deduzido a esse montante os 20.000,00! O Autor recorreu para a Relao, que veio a confirmar a deciso do Tribunal de 1 Instncia dando a justificao de que no poderia o Autor ser pago duas vezes pelo mesmo servio! O Autor recorre para o Supremo que vem negar a revista por no estarem cumpridos os pressupostos para a admissibilidade do Recurso, nomeadamente o facto de ter havido uma dupla conforme. Poder esta factualidade ser considerada um erro grosseiro? Bem, eu penso que sim. At porque a soluo no exigia um clculo mental de extrema dificuldade. Se o contrato valia 50.000,00 e foram pagos 20.000,00, ficariam em divida 30.000,00, e nunca o Autor iria receber duas vezes pelo mesmo trabalho, mas to s aquilo a que tinha direito em funo do contrato celebrado com a contra parte. Aqui chegados, a deciso no foi revogada pelas instncias superiores, com a agravante de que o erro grosseiro foi confirmado, e o lesado incorreu num prejuzo de 20.000,00. E uma vez que no foi revogada a sentena, no estava cumprido o pressuposto do n2 do Artigo 13 da Lei n67/2007, ficou vedada ao lesado a possibilidade de recorrer ao Tribunal de forma a ser ressarcido nos danos que a aquela sentena lhe causou. Penso que, e salvo melhor opinio, o lesado que nestas situaes se v impedido, injustificadamente, de recorrer a Tribunal v-lhe negado o direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva, previsto no Artigo 20 da Constituio da Repblica Portuguesa, Artigo 20 da Conveno Europeia dos Direitos do Homem e Artigo 47 da Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia. Pelo que, o pressuposto do n 2 do Artigo 13 da Lei n67/2007 no deve ser tido em conta, enquanto pressuposto de admissibilidade de aco de responsabilidade civil contra o Estado por erro judicirio, na medido em que no vingam os argumentos do respeito pelo caso julgado como j se demonstrou, e na medida em que esta exigncia, na minha opinio, viola expressamente o Princpio da Igualdade e da Tutela Jurisdicional Efectiva.3.4 A Irresponsabilidade dos Juzes

Last but not the least, no ceio do regime da Responsabilidade Civil Extracontratual e demais Entidades Pblicas, o legislador optou pela cautela e, ainda que se tenha quebrado com a ideia da Irresponsabilidade do Estado, consagrou no Artigo 14 da Lei n67/2007 o princpio da Irresponsabilidade Directa dos Magistrados Judiciais e do Ministrio Pblico pelos danos decorrentes dos actos que tenham praticado ao abrigo das suas funes. [footnoteRef:32] [32: Sem prejuzo da sua responsabilidade criminal, caso em que o lesado poder exigir directamente ao juiz uma indemnizao por danos que tenham resultado da conduta criminosa (pedido de indemnizao cvel no mbito do processo penal).]

Os Magistrados Judiciais e do Ministrio Pblico apenas sero responsabilizados indirectamente no mbito de uma aco de regresso a favor do Estado, e no caso do acto (no criminoso) gerador de responsabilidade ter sido praticado com dolo ou culpa grave. Esta Irresponsabilidade tem previso constitucional (Artigo 216 n2 da Constituio da Repblica Portuguesa), pelo que uma eventual responsabilizao pessoal teria de ter um carcter excepcional, assim como, teria de ser objecto de previso legal.No entanto este regime e os fundamentos que lhe subjazem no de todo consensuais e unnimes. Mais uma vez a questo da independncia dos juzes a base da fundamentao dos defensores do regime da irresponsabilidade pessoal dos Magistrados, quem tem por objectivo preservar a sua funo enquanto rgo imparcial cuja funo dizer o que diz a lei. Um Juiz s estaria apto a prosseguir com a sua funo, com a imparcialidade e independncia que lhe exigida, se no fosse alvo da constante ameaa de um possvel pedido indemnizatrio, pelo que esta Irresponsabilidade no pode ser entendida como um privilgio do juiz enquanto pessoa individual e concreta, mas como um apangio da sua funo enquanto Magistrado. Mas ento que dizer de outras funes que exigem um igual exerccio de imparcialidade? No deixam, pois, os agentes de serem responsabilizados pelos danos que provoquem no exerccio das suas funes. Ser legtimo um regime de Irresponsabilidade pessoal dos Magistrados quando estes, na maior parte das lides, tem entre mos srios litgios que em muito contendem com direitos fundamentais das partes? Direitos que podero vir a ser gravemente violados em funo das ms decises que vemos serem proferidas todos os dias pelos Magistrados. Qual a diferena entre um Fiscal das Finanas (exerce uma funo fiscalizadora susceptvel de sofrer presses que podero colocar em causa a prossecuo imparcial do interesse pblico) que numa atitude negligente lesa o contribuinte em 20.000,00 e um Juiz que numa errada e descuidada apreciao dos pressupostos de facto lesa uma das partes em 20.000,00? De facto, um juiz, apesar da especificidade e importncia da sua actividade, no deixa de ser um trabalhador como qualquer outro, a quem no ser de pedir uma actuao superior que seria de exigir de outro cidado comum o bom pai de famlia colocando na situao concreta em que se encontra o magistrado. Portanto, o cuidado e o esforo postos no exerccio de funes pelo juiz no devem ser diferentes daqueles que fazem com que se considere que uma noutro qualquer ramo de actividade diligente.[footnoteRef:33] [33: Lusa Neto, A (IR) Responsabilidade dos Juzes, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto]

Ainda relativamente presso que o Magistrado possa sentir com a constante ameaa de uma aco indemnizatria, o mesmo se poder quanto a uma possvel aco de regresso contra si por parte do Estado. Alis, esta obrigatria nos termos do Artigo 6 da Lei n67/2007, pelo que se o Magistrado praticou com dolo ou culpa grave algum acto gerador de responsabilidade para o Estado, ento certamente ser alvo de uma aco de regresso por parte deste. Portanto, no meu entendimento, o Magistrado tanto sofreria uma presso com uma possvel responsabilidade pessoal no mbito de uma aco de responsabilidade civil extracontratual ao abrigo da funo jurisdicional, como poder sofre-la, no mbito das relaes internas, ao ser demandando pelo Estado numa aco de Regresso. Nestes termos, no vingam os argumentos avanados para uma Irresponsabilidade Pessoal por parte dos Magistrados Judiciais e do Ministrio Pblico.Ao abrigo do regime constante do Artigo 14 da Lei n67/2007, para que o Magistrado possa ser responsabilizado no ceio das relaes internas, este ter de ter actuado com dolo ou culpa grave. Alguma doutrina tem avanado com a ideia de que quando uma deciso for manifestamente ilegal ou inconstitucional, ou fundada numa errada apreciao dos pressupostos de facto, ser indubitavelmente acompanhada de uma especial gravidade da culpa do Magistrado. No ser de todo concebvel que uma deciso ilegal ou inconstitucional, ou que se tenha baseado numa errada apreciao dos pressupostos de facto advenha de um comportamento no culposo por parte do Magistrado. O regime aqui em crise prev, ainda, que o rgo competente para exercer o direito de regresso o rgo competente para o exerccio do poder disciplinar (Conselho Superior de Magistratura ou Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, consoante a jurisdio a que pertence o juiz; o Conselho dos Julgados de Paz, no caso dos juzes de paz; e o Conselho Superior do Ministrio Pblico, no caso nos Magistrados do Ministrio Pblico[footnoteRef:34]). Autores como Carlos Cadilha, entendem que este exerccio cai no mbito do poder discricionrio do rgo que exerce o poder disciplinar, cabendo-lhe apreciar os pressupostos da culpa do agente e s na eventualidade de estarem verificados que ser exercido o Direito de Regresso. No partilho desta linha de pensamento, antes de mais porque o prprio regime da Lei n67/2007 no seu Artigo 6[footnoteRef:35] prev a obrigatoriedade das aces de regresso nestes casos. Com a agravante de que a ser assim, a apreciao dos pressupostos da culpa do agente deixaria de estar na mo dos Tribunais, que o rgo com competncia para o efeito, para passar a estar nas mos do rgo com competncia disciplinar em relao aos Tribunais. [34: Lus Fbrica, Comentrio ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Pblicas, pag 370] [35: Artigo 6 da Lei n67/2007 n 1 O exerccio do direito de regresso, nos casos em que este se encontre previsto na presente lei, obrigatrio, sem prejuzo do procedimento disciplinar a que haja lugar (sublinhado nosso)]

Eplogo

O gosto por esta temtica deu-se quando, no mbito do estgio profissional enquanto advogada estagiria, me foi dada a possibilidade de elaborar a resposta a uma contestao por parte do Ministrio Pblico, enquanto representante do Estado Portugus, numa aco de responsabilidade civil extracontratual do Estado ao abrigo da funo jurisdicional em funo da morosidade da justia. Toda a pesquisa que fiz, em ordem de pedir a to aclamada JUSTIA, colocou-me em confronto com este regime e com todas a questes doutrinais que tanto tem suscitado.Como j expliquei supra (resumo), esta temtica ser alvo do meu estudo e da minha pesquisa enquanto Mestranda, e para tal propus-me nesta primeira etapa a abordar os traos da responsabilidade civil extracontratual do Estado ao abrigo da funo jurisdicional e as principais questes dogmticas e, essencialmente, prticas que levanta.Aps a minha exposio, posso concluir que neste captulo em concreto do regime aqui em questo, sero de identificar como as principais dificuldades, o facto de a Jurisprudncia Europeia defender cada vez mais que o Estado pode reclamar um prazo mdio para a resoluo dos litgios nos Tribunais, o que poder conduzir a uma ambiguidade do Regime por no se conseguir saber ao certo qual prazo mdio que deve ser atendido nestes casos, com a agravante de que tem de ser conjugados com tosos os outros pressupostos. Alm de que, tem-se entendido que o Estado no tem o direito de reclamar para si um prazo mdio para a resoluo de litgios, tendo sempre de os resolver com prontido e com a maior brevidade possvel; a questo da remisso que o regime faz para o Artigo 498 do Cdigo Civil quanto ao prazo para a prescrio do Direito, na minha opinio deveria ter previso prpria, e no caso especifico da morosidade na administrao da justia deveria ter a previso expressa de que o prazo apenas se inicia com o trnsito em julgado da deciso, pelos motivos j mencionados; Mas na minha opinio, o caso mais delicado com que me deparei prende-se com o pressuposto da revogao da sentena danosa nos casos de responsabilidade civil extracontratual ao abrigo da funo jurisdicional por erro judicirio. Por todas as implicaes prticas que j foram mencionadas e que aqui no cumpre repetir. Ainda assim penso, e salvo melhor opinio, que deveria ser dada mais ateno a esta questo uma vez que, entra em coliso com direitos com previso constitucional e comunitria, podendo inclusive levar a situaes de manifesta injustia. Caso se proceda a uma ponderao dos que estar em causa com este pressuposto de revogao prvia da sentena, ser de dar primazia ao Princpio da Igualdade e ao Princpio da Tutela Jurisdicional Efectiva que so seriamente colocados em xeque com esta opo do legislador. Aqui chegados, fica o sentimento de tarefa cumprida mas com a conscincia de que muito h para fazer e para dizer no mbito desta temtica, porque ainda que se tenha dado um grande passo com a Lei n67/2007 que passou a prever expressamente a funo jurisdicional e legislativa como geradoras de responsabilidade civil, muitas questes ficaram aqum daquilo que seria esperado com estas novas previses.

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