Responsabilidade do Estado pelos danos causados por seus...
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UniFMU
Curso de Direito
Responsabilidade do Estado pelos danos causados
por seus agentes no âmbito do Poder Executivo.
MARIA CAROLINA ALVAREZ MATEOS
RA: 441.737-6
Turma: 3109-D
Telefone: 4191-3700
E-mail: [email protected]
SÃO PAULO
2004
1
UniFMU
Curso de Direito
Responsabilidade do Estado pelos danos causados
por seus agentes no âmbito do Poder Executivo.
MARIA CAROLINA ALVAREZ MATEOS
Monografia apresentada à Banca
examinadora do Centro Universitário
das Faculdades metropolitanas Unidas,
como exigência parcial para a obtenção
do título de Bacharel em Direito, sob a
orientação do Professor Antonio Rulli
Junior.
SÃO PAULO
2004
2
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador: ________________________
Professor Argüidor: _________________________
Professor Argüidor: _________________________
3
Este trabalho dedico:
a meus queridos pais que sempre me
apoiaram em todas realizações,
incentivando e fazendo acreditar
que nada é impossível quando e
lutamos para nossos sonhos se
realizarem.
4
Meus Agradecimentos:
para todos os professores da UniFMU,
que contribuíram para minha formação.
Agradeço em especial ao meu orientador
Prof. Antonio Rulli Junior que sempre
foi muito atencioso com seus alunos e,
ainda, agradeço meu irmão Mauricio,
que por seus conhecimentos na área, me
auxiliou na pesquisa, a meu namorado
Mauricio, por sua paciência e
compreensão, bem como à Carol, Lucy,
Marcela e Rosangela pelo
companheirismo e amizade.
5
SINOPSE
A presente monografia trata de um dos campos que
indiscutivelmente apresentou maior evolução jurídica, qual seja, da
responsabilidade civil, em especial da Responsabilidade Civil do Estado, no
que diz respeito ao Poder Executivo.
Para ajustar-se à evolução ocorrida nessa área, o novo Código
Civil, embora tenha mantido a responsabilidade subjetiva como regra, optou
pela responsabilidade objetiva, consagrada no parágrafo único do artigo 927 e
no artigo 931 e, ainda, no artigo 43, que trata especificamente das pessoas
jurídicas de direito público interno.
No entanto, a responsabilidade objetiva já era prevista desde a
Constituição Federal de 1946. Atualmente, nossa Carta Magna dispõe sobre o
tema no § 6° do artigo 37.
A evolução do conceito de responsabilidade civil da pessoa
jurídica de direito público vai desde a total irresponsabilidade do Estado pelo
dano causado ao particular, até a responsabilidade objetiva e independente de
culpa, consignada no texto constitucional brasileiro.
Assim, o estudo do tema gira em torno do dever de indenizar
do Estado, a fim de garantir à vítima a reparação de seus prejuízos causados
por agentes daquele, fundamentando-se na teoria do risco administrativo.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................08
1. NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 . Conceito.............................................................................................10
1.2 . Distinções entre Responsabilidade Subjetiva e Objetiva..............11
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
2.1. Conceito..............................................................................................15
2.2. Evolução Histórica............................................................................16
2.2.1. A irresponsabilidade do Estado........................................................16
2.2.2. As teorias civilistas...........................................................................17
2.2.3. As teorias publicistas........................................................................19
2.2.3.1. Teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa.................20
2.2.3.2. A teoria do risco administrativo ...................................................21
2.2.3.3. A teoria do risco integral...............................................................25
2.3. Pressupostos da Responsabilidade Objetiva do Estado.................25
2.3.1. Do nexo causal.................................................................................30
2.3.2. Do dano............................................................................................36
2.3.3. Do Agente Público...........................................................................38
2.4. A responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro......................42
7
2.4.1.Código Civil Brasileiro.....................................................................42
2.4.2. Constituição Federal do Brasil.........................................................44
2.4.3. A responsabilidade do Estado pelos atos omissivos de seus agentes
....................................................................................................................46
2.4.4. Excludentes da responsabilidade do Estado.....................................50
2.4.5. A responsabilidade do Agente Público............................................55
2.4.6. A ação indenizatória.........................................................................56
3. CONCLUSÃO.....................................................................................64
4. ANEXOS..............................................................................................67
5. BIBLIOGRAFIA...............................................................................109
8
INTRODUÇÃO
É inegável que a Responsabilidade Civil despertou enorme
interesse no âmbito jurídico, no entanto é relativamente recente seu estudo no
Brasil.
Analisando o Código Civil brasileiro de 1916 é possível
verificar que à época de sua promulgação não fora dado a devida atenção à
matéria, não havendo capítulo especial para a separação dos dispositivos
legais sobre o tema. Com o advento do Código Civil de 2002, verificou-se
uma melhor sistematização, dando-se maior importância ao estudo do tema no
Título IX – Da Responsabilidade Civil, arts. 927 a 954.
O fundamento original da responsabilidade era
exclusivamente subjetivo, fundado no conceito de culpa. No curso da
História, a noção clássica de culpa foi sofrendo constantes alterações em sua
aplicação.
Os tribunais foram percebendo que a noção estrita de culpa,
se aplicada com rigor, deixaria inúmeras situações de prejuízo sem
ressarcimento, visto que muitas vezes a prova da culpa dificultaria e até
mesmo impediria que a vítima tivesse seu dano ressarcido.
É o caso da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de
direito público pelos danos causados por seus agentes, que atualmente adota a
responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco de sua atividade.
9
A responsabilidade civil do Estado vem tratada no artigo 37,
§ 6° da Constituição Federal de 1988, que estabelece a responsabilidade das
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de
serviços público por delegação, pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra os
responsáveis diretos, no caso de dolo ou culpa.
Este trabalho irá analisar os principais aspectos da
responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito público, pelos atos
praticados por seus agentes no âmbito do Poder Executivo, os pressupostos
para caracterização do dever de indenizar do Estado previsto pelo novo
Código Civil e pela Carta Magna, bem como a posição doutrinária e
jurisprudencial.
A escolha por restringir o estudo ao Poder Executivo se deu
em razão da extensão do tema e, apesar dos conceitos básicos, guardam
algumas peculiaridades quando se trata de Poder Judiciário e Poder
Legislativo.
10
1. NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1. Conceito
Primeiramente, para melhor compreensão do tema, necessário
se faz conceituar a responsabilidade civil.
A ordem jurídica estabelece deveres para que seja possível
conviver pacificamente em sociedade. Estes deveres podem ser positivos, tais
como de dar ou de fazer, ou, ainda, negativos, como de não fazer. Esses
deveres a todos atingem indistintamente.
Como bem coloca o ilustre professor Sergio Cavalieri Filho1:
“Entende-se por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa,
imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não
se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de
uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos
indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar
obrigações”.
Desta forma, descumprir os deveres jurídicos configura
ilícito, que na maioria das vezes acarreta dano para outrem, gerando, assim, o
dever de reparar o dano causado.
1 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.23.
11
Conforme nos ensina Savatier2, responsabilidade civil
consiste na “obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar prejuízo
causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela
dependem”.
Podemos dizer, portanto, que a responsabilidade civil integra
o direito das obrigações, uma vez que o autor do ato ilícito deve indenizar a
vítima pelos prejuízos causados.
1.2. Distinções entre Responsabilidade Subjetiva e Objetiva
A responsabilidade subjetiva ou clássica funda-se
essencialmente na teoria da culpa. Adotada pelo Código Civil de 1916, tem
como elemento indispensável o fator culpa em sentido amplo, que abrange o
dolo e a culpa em sentido estrito.
Nas explicações de Rogério Marrone de Castro Sampaio3:
“(...) Assim, para que se reconheça a obrigação de indenizar não basta
apenas que o dano advenha de um comportamento humano, pois é
preciso um comportamento humano qualificado pelo elemento
subjetivo culpa, ou seja, é necessário que o autor da conduta a tenha
praticado com a intenção deliberada de causar um prejuízo (dolo), ou,
2 Savatier. Apud RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 19. ed. v. 4. São Paulo:Saraiva, 2002. p. 06.
3 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: Responsabilidade Civil.. 3. ed. São Paulo: Atlas,2003. p. 26.
12
ao menos, que esse comportamento reflita a violação de um dever de
cuidado (culpa em sentido estrito)”.
O artigo 159 do Código Civil revogado previa a obrigação de
reparar o dano apenas quando verificasse a “ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência” do agente.
Conforme mencionado acima, o fundamento original da
responsabilidade era exclusivamente subjetivo, sendo este adotado pela
maioria dos ordenamentos jurídicos do passado. Porém, no curso da História,
o conceito clássico de culpa foi sendo atenuado, traduzindo-se nas
“presunções de culpa”, ou seja, mantendo a idéia da responsabilidade
subjetiva, porque essencial o elemento culpa, esta passa a ser presumida pela
lei em determinadas situações, invertendo-se assim o ônus da prova. Neste
caso, a vítima não precisaria provar que o autor do dano agiu com culpa em
sentido amplo, mas sim este deverá provar que não houve culpa ou dolo.
Verificou-se que a aplicação rigorosa da noção de culpa traria
injustiças, deixando inúmeras situações de prejuízo sem ressarcimento.
No final do século XIX, surgem as primeiras manifestações
acerca da teoria objetiva ou teoria do risco. Tal teoria é explicada pelo fato de
que, quem cria um risco em razão de sua atividade deve suportar o prejuízo
que sua conduta acarreta, mesmo porque essa atividade de risco lhe
proporciona um benefício. Cuida-se do denominado risco-proveito.
13
Há também a teoria do risco-profissional, que decorre da
atividade laborativa e a teoria do risco excepcional decorrente de atividade
que acarreta excepcional risco como é o caso da exploração de energia
nuclear.
Todas essas teorias decorrem da mesma idéia, ou seja,
permitir a reparação do dano quando a prova da culpa é inviável para a
vítima, optando a lei por dispensá-la.
Adotando-se a responsabilidade objetiva não há que se provar
nada mais além do fato danoso e do nexo causal.
O novo Código Civil não rompeu com a responsabilidade
subjetiva. Esta ainda é a regra, pois apenas em situações especiais será
aplicada a responsabilidade objetiva.
Nas lições de Rogério Marrone de Castro Sampaio4:
“Duas, portanto, são as hipóteses em que se admite a responsabilidade
civil objetiva. A primeira delas depende de expressa previsão legal
nesse sentido, situação já consagrada em nosso ordenamento jurídico,
mesmo antes da vigência do Código Civil de 2002. A segunda, que
retrata significativa inovação trazida pelo novo diploma legal, decorre
da valoração do caso concreto a ser feita pelo magistrado. Isto é
independentemente de haver previsão legal, se atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano, dado sua natureza e importância,
expõe pessoas a risco de prejuízos, gerando situação de perigo, está o
4 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Op. cit. p. 29.
14
magistrado autorizado a adotar, na hipótese, a responsabilidade civil
independente de culpa. Tal novidade representa importante
instrumento conferido pelo legislador para a obtenção de soluções
justas, em respeito aos novos paradigmas em que se alicerça o Direito
Civil Moderno”.
15
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
2.1. Conceito
Nas palavras de Yussef Said Cahali5, “Entende-se a
responsabilidade civil do Estado como sendo a obrigação legal, que lhe é
imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades”.
Alguns autores utilizam a palavra ressarcimento e não
indenização, sustentando que a primeira se refere à reparação de danos
causados por atos ilícitos e a segunda abrange a reparação devida em
decorrência de atividade legítima do Poder Público, como, por exemplo, nos
casos de desapropriação.
No entanto, a maioria da doutrina não distinguiu as duas
expressões, sendo utilizadas indiferentemente. Desta forma, durante o
desenvolver deste trabalho serão utilizadas as duas expressões sem distinção.
Ainda, na explicação de Yussef Said Cahali6:
“(...) a Administração Pública só pode realizar as atividades que lhe
são próprias através de agentes ou órgãos vivos (funcionários e
servidores), de tal modo que a ação da Administração Pública, como
ação do Estado, se traduz em atos de seus funcionários”.
5 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1996.p. 9.
6 CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 12.
16
Portanto, a atividade do Estado é exercida por seres humanos,
seus agentes, através dos quais é efetivada a vontade dos Poderes Políticos
(União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios).
2.2. Evolução Histórica
A seguir, serão analisadas cada uma das fases percorridas na
História, com as diferentes possibilidades de responsabilização do Estado.
2.2.1. A irresponsabilidade do Estado
A responsabilidade do Estado está entre os casos de
responsabilidade objetiva prevista por nossa legislação.
No entanto, nem sempre foi assim. Para chegar ao estágio
atual houve uma grande evolução, e podemos dizer que o Direito Francês teve
considerável importância para esta evolução.
No regime absolutista não existia a menor possibilidade de
algum particular agir em juízo contra o Estado, posto que o monarca, o rei,
príncipe ou detentor do poder soberano era o próprio Direito, não havendo a
separação dos poderes.
A responsabilidade do Estado aparece no momento em que se
concebe ao Judiciário como verdadeiro Poder, distinto e independente da
pessoa do soberano.
17
Podemos dizer que o reconhecimento da responsabilidade do
Estado teve por marco relevante o famoso aresto Blanco, do Tribunal de
Conflitos da França, proferido em 1° de fevereiro de 1873, o qual, apesar de
sustentar que a responsabilidade do Estado não é absoluta, foi reconhecido
como um princípio aplicável mesmo à falta da lei. A ação foi proposta pelo
pai de uma menor, colhida em Bordeaux por um trem da Companhia Nacional
de Manufatura de Fumo em face da Prefeitura do Departamento de Gironda,
sob o fundamento de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos
que seus agentes causem a terceiros.
Pode-se afirmar que a doutrina que defendia a
irresponsabilidade estatal está totalmente superada, visto que os dois únicos
países que a sustentavam até metade do século XIX, passaram a admitir a
responsabilidade da Administração Pública. São eles Inglaterra e Estados
Unidos da América.
2.2.2. As teorias civilistas
Sendo superada a teoria da irresponsabilidade, passou-se a
admitir a teoria da responsabilidade do Estado, apoiando-se na teoria civilista
da culpa.
18
Primeiramente, distinguiu-se para fins de responsabilidade, os
atos de império e os atos de gestão. Na explicação de Maria Sylvia Zanella di
Pietro7:
“Atos de império seriam os praticados pela Administração com todas
as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e
coercitivamente ao particular independentemente de autorização
judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito
comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes;
atos de gestão seriam praticados pela Administração em situação de
igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento
do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não
difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos
o direito comum”.
Esta divisão sofreu grande oposição em razão da
impossibilidade de dividir-se a personalidade do Estado.
Abandonada a distinção entre atos de império e de gestão,
ainda assim a teotia civilista continuou a ser sustentada por alguns autores,
admitindo a responsabilidade do Estado desde que comprovada a culpa do
agente estatal.
Desta forma, admitiu-se a responsabilização da
Administração Pública, fundada na culpa do funcionário, ou melhor, agente
público com base na teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva.
7DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 410.
19
No entanto, a partir desta teoria, a vítima deveria alegar e
provar a culpa do agente estatal causador do dano.
Com efeito, nas palavras de Juary C. Silva8, “Ante essa teoria,
não é fácil para a vítima obter judicialmente a indenização, já que a prova da
culpa de uma pessoa jurídica apresenta de regra dificuldades, máxime em se
tratando do estado”.
Portanto, admitir a aplicação da responsabilidade subjetiva,
equiparando o Estado, com todo se poder e privilégios administrativo, ao
particular, seria permitir que o particular permanecesse sem a reparação de
seus prejuízos.
2.2.3. As teorias publicistas
A teoria civilista da culpa passou por uma fase de transição e,
a partir de então, surgiram as teorias publicistas da responsabilidade do
Estado: a teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e a teoria do
risco, desdobrada em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral.
Verifica-se, então, que a doutrina de responsabilidade civil do
Estado evoluiu do conceito de irresponsabilidade para o da responsabilidade
sem culpa, ou seja, responsabilidade objetiva.
20
2.2.3.1. Teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa
Evoluiu-se da culpa individual do agente estatal para a culpa
anônima ou impessoal.
Desvinculou-se a responsabilidade da Administração da idéia
de culpa do funcionário, passando se a falar em culpa do serviço público.
De um lado estava a culpa individual do agente, pela qual ele
mesmo respondia, e, de outro, a culpa anônima do serviço público.
A culpa do serviço ou a faute du service ocorre quando o
serviço não funciona, funciona mal ou funciona atrasado. Conforme explica
Rui Stoco9, “(...) por ela não se indaga da culpa do agente administrativo, mas
apenas da falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da
obrigação de indenizar o dano causado a terceiro”.
Desta forma, para responsabilizar o agente estatal basta que
seja constatado, nas palavras de Sergio Cavalieri Filho10, “(...) um mau
agenciador geral, anônimo, impessoal, na defeituosa condução do serviço, à
qual o dano possa ser imputado”.
Segue na explicação o ilustre Professor11:
8 SILVA, Juarcy C. Responsabilidade do Estado por atos judiciários e legislativo. São Paulo: Saraiva, 1985.p. 81.9 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e a sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 3.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997. p. 372.
10 CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit. p. 238.
11 Ibid. p. 238.
21
“Alguns autores não fazem distinções entre culpa anônima e a
responsabilidade objetiva, chegando, mesmo, a afirmar que são a
mesma coisa. Estamos, neste ponto, com o professor Oswaldo Aranha
Bandeira de Mello, ao advertir que a responsabilidade por falta de
serviço, falha do serviço ou culpa do serviço, seja qual for a tradução
que se dê à fórmula francesa faute du service, não é, de modo algum,
modalidade de responsabilidade objetiva, mas subjetiva, porque
baseada na culpa do serviço diluída na sua organização, assumindo
feição anônima ou impessoal”.
Nas palavras do mestre Celso Antonio Bandeira de Mello12:
“É muito provável que a causa deste equívoco, isto é, da suposição de
que a responsabilidade pela faute du service seja responsabilidade
objetiva, deva-se a uma defeituosa tradução da palavra faute. Seu
significado corrente em Francês é o de culpa. Todavia, no Brasil, como
de resto em alguns outros países, foi inadequadamente traduzida como
‘falta’ (ausência), o que traz ao espírito a idéia de algo objetivo”.
2.2.3.2 . A teoria do risco administrativo
Pela teoria do risco administrativo, a qual serve de
fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, surge a obrigação de
indenizar apenas pelo fato de ocorrer dano ao particular por ato da
12 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros,1997. p. 616.
22
Administração. Portanto não há que se provar a culpa dos agentes estatais ou
mau funcionamento do serviço público.
Em suma, na lição do sempre lembrado e saudoso Hely Lopes
Meirelles13, “na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na
teoria do risco administrativo exige-se apenas o fato do serviço. Naquela, a
culpa é presumida; nesta é indeferida do fato lesivo da administração”.
Pode-se concluir que aplicando tal teoria o Estado deverá
suportar o ônus da sua atividade, independente da existência de culpa de seus
agentes.
É o que afirma o sábio Sergio Cavalieri Filho14:
“(...) a teoria do risco administrativo importa atribuir ao Estado a
responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa.
(...) É a forma democrática de repartir o ônus e encargos sociais por
todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração
Pública”.
No mesmo sentido ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro15:
“Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos
sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal
repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns
membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre
um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio
13 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 61114 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 239.
15 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p.412.
23
que necessariamente deve haver entre os encargos socais; para
restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado,
utilizando recursos do erário público”.
É, também, o que se conclui da decisão proferida pelo Egrégio Tribunal
de Justiça de São Paulo:
“EMENTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E
MORAIS. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL QUE FOI
ATROPELADO POR VEÍCULO DA MUNICIPALIDADE.
AUSÊNCIA DE PROVA DE DOENÇA EPILÉTICA QUE
ACOMETIA O DE CUJUS, EMBORA HAJA CONFIRMAÇÃO
DE TESTEMUNHOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
ESTADO SOB A MODALIDADE DO RISCO
ADMINISTRATIVO. ARTIGO 37, PARÁGRAFO 6° DA CF/88.
PRINCÍPIO OBJETIVO DA RESPONSABILIDADE SEM
CULPA PELA ATUAÇÃO LESIVA DOS AGENTES PÚBLICOS
E SEUS DELEGADOS, ASSEGURANDO O DIREITO DE
REGRESSO. IN CASU, PRESENTES OS PRESSUPOSTOS
CARACTERIZADORES DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR,
EM ESPECIAL O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A AÇÃO
DO AGENTE DA RÉ, PREFEITURA MUNICIPAL, E O
REFERIDO DANO. DANOS MATERIAL E MORAL
CARACTERIZADOS. TODAVIA, O DANO MATERIAL DEVE
SER PAGO DE FORMA DISCIPLINADA E O DANO MORAL
COMPORTA REDUÇÀO PARA 100 (CEM) SALÁRIOS
MÍNIMOS PARA CADA AUTORA. RECURSO
24
PARCIALMENTE PROVIDO” (TJSP - 9ª Câmara de Direito
Público; Apelação Cível nº 136.841-5/3-00; Rel. Dês.
Antonio Rulli; j. 21/11/2003; v.u.).
Embora a teoria do risco administrativo dispense a culpa,
poderá o Estado afastar sua responsabilidade quando não comprovado o nexo
causal, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo
de terceiro.
Sergio Cavalieri Filho16, sob indagação, apresentando
resposta para a mesma, ensina que:
“(...) se não há responsabilidade sem violação de dever jurídico e o
risco, por si só, não configura nenhuma violação, qual seria o dever
jurídico da Administração cujo descumprimento ensejará o dever de
indenizar? É a incolumidade de todos os administrados. O Estado tem
o dever de exercer sua atividade administrativa, mesmo quando
perigosa ou arriscada, com absoluta segurança, de modo a não causar
dano a ninguém. Está vinculado, portanto, a um dever de
incolumidade, cuja violação enseja o dever de indenizar
independentemente de culpa”.
Esta teoria não se confunde com a teoria do risco integral,
embora alguns autores não façam distinção, visto que se não existe relação de
causa entre o ato do agente estatal e o dano causado ao particular, não há que
se falar em responsabilidade objetiva do Estado.
16 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 240.
25
2.2.3.3. A teoria do risco integral
A teoria do risco integral é modalidade extremada da
doutrina, não logrando êxito em nosso sistema jurídico em razão de sua
radicalidade.
De acordo com esta teoria, a Administração estaria obrigada a
indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força
maior ou fato de terceiro, ou seja, não haveria excludente de sua
responsabilidade.
Se admitida a teoria do risco integral o Estado estaria
obrigado a indenizar qualquer dano suportado por particular, independente de
ter ocorrido em razão de atos de sua atividade.
Alguns autores admitem sua aplicabilidade, entendendo ter
sido a teoria do risco integral agasalhada pela atual Carta Magna. Porém, são
contestados pela maioria da doutrina.
2.3. Pressupostos da Responsabilidade Objetiva do Estado
Como visto anteriormente, na responsabilidade objetiva,
diferentemente da responsabilidade subjetiva, não há necessidade de ser
26
provada a culpa ou dolo do agente causador do dano. Para a configuração
basta a mera relação causal entre o comportamento e o dano.
Ensina Celso Antonio17, “Responsabilidade objetiva é a
obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento
lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de
outrem”.
Ainda, titulada como responsabilidade patrimonial
extracontratual do Estado, na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello18:
“(...) entende-se a obrigação que lhe incumbe de reparar
economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de
outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos
unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou
jurídico”.
Desta forma, entende-se que o ato lícito também poderá gerar
a responsabilidade do Estado.
Pela teoria do risco administrativo, como visto anteriormente,
a qual foi adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, o dano sofrido pelo
particular é visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço
público, não importando se tal funcionamento foi bom ou mau. O que
interessa é apenas a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente
público.
17 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 617.18 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 606.
27
Quando o ato for lícito fundamentar-se-á a responsabilidade
estatal pela repartição equânime dos ônus provenientes de atos ou efeitos
lesivos. No entanto, quando ilícitos o fundamento para a reparação do dano
será o “princípio da legalidade”, consagrado pela atual Constituição.
Conforme observa o saudoso Caio Mário19:
“(...) o que se tem de verificar é a existência de um dano sofrido em
conseqüência do funcionamento do serviço público. Não se cogita da
culpa do agente, ou da culpa do próprio serviço; não se indaga se
houve um mau funcionamento da atividade administrativa. Proclama-
se em verdade a presunção iuris et de iure de culpa. (...) Por outro
lado, a administração não pode escapar provando a ‘não-culpa’ ”.
E, conforme cita Rui Stoco20:
“Leciona George Vedel que ‘o dano causado pela Administração ao
particular é uma espécie de encargo público que não deve recair sobre
uma só pessoa, mas que deve ser repartido por todos, o que se faz pela
indenização da vítima, cujo ônus definitivo, por via do imposto, cabe
aos contribuintes’ ” .
Podemos confirmar tais entendimentos, verificando
a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a qual
segue:
19 SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Responsabilidade Civil: de acordo com a Constituição de 1988. 9. ed.Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 132.
20 George Vedel. Apud STOCO, Rui. Op. cit. p. 377.
28
“EMENTA. INDENIZAÇAO. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. ACIDENTE DE TRANSITO CAUSADO POR
VIATURA POLICIAL TRAFEGANDO EM SITUAÇAO DE
“EMERGÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA DA SIRENE ESTAR
ACIONADA QUE NÃO A AFASTA. SITUAÇAO DE RISCO
SOCIAL CRIADA QUE HÁ DE SER PARTILHADA PELA
SOCIEDADE REPRESENTADA, NO CASO PELO ESTADO.
CULPA DO CONDUTOR DA VIATURA NÃO
CARACTERIZADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
APELO PROVIDO EM PARTE.
(...) Viatura de polícia que, para atender uma situação de emergência,
com a sirene ligada, cruza farol vermelho e acaba por abalroar veículo
de particular. Hipótese em que se cria uma situação de perigo coletivo,
cujo dano daí decorrente deve ser partilhado pela sociedade.
Reparação devida pelo Estado em face da teoria do risco social, na
qual se assenta a responsabilidade objetiva, acolhida pelo art. 37, § 6º,
da CF. Nos casos em que para atender uma emergência cria-se uma
situação de perigo coletivo, como na hipótese em que uma viatura de
polícia, com a sirene ligada, cruza o farol vermelho e acaba por
abalroar veículo de particular, o dano daí decorrente deve ser
partilhado pela sociedade, em face da teoria do risco social, na qual se
assenta a responsabilidade objetiva do Estado, acolhida no direito
pátrio pelo art. 37, § 6º, da CF” (TJSP - 9ª Câmara de Direito Público;
AC nº 071.333-5/2-00-SP; Rel. Des. Rui Cascaldi; j. 9/8/2000; v.u.).
29
Ainda, a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal,
citada por Alexandre Issa Kimura21, deixa claro os requisitos para a
responsabilização objetiva da pessoa jurídica de direito público:
“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos
documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946,
confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do
Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado
causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o
princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder
Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à
vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou
patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos
agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os
elementos que compõem a estrutura e o delineiam o perfil da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a
alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus dammi e
o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente
público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a
agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido
em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da ilicitude, ou
não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de
causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99
– RTJ 99/1155 – RTJ 131/417). O princípio da responsabilidade
objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o
21 KIMURA, Alexandre Issa. Constituição Federal de 1988: apontamentos doutrinários e jurisprudenciais. 1.
30
abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade
civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de
situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou
evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima”.
Cumpre esclarecer que a responsabilidade do Estado não se confunde
com a obrigação, a cargo do Poder Público, de indenizar os
particulares nos casos em que a ordem jurídica lhe conferir o poder de
sacrificar certos interesses privados em razão da superveniência de
interesses públicos, convertendo-os em sua correspondente expressão
patrimonial. É o que ocorre, por exemplo, nos casos de
desapropriação.
Utilizando as palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello22 para
melhor compreensão, “a situação é inteiramente distinta dos casos em
que a lei autoriza a desapropriar, destruir, preventivamente certos bens
etc. Com efeito: aqui a norma autorizadora legitima um
comportamento cujo alcance não é outro senão sacrificar o direito a ser
atingido. Na situação dantes mencionada (nivelamento de rua), a
norma autorizadora não tem em vista qualquer sacrifício de direito. O
direito de alguém é atingido, é transgredido, como seqüela de uma
atividade legítima que tinha em mira satisfazer outro interesse
jurídico”.
2.3.1. Do nexo causal
ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 152-153.
31
Não basta que o particular tenha sofrido um dano, nem que o
agente estatal tenha conduta lícita ou ilícita. É preciso, portanto, que o ato do
agente estatal seja causa do evento danoso.
O nexo causal é exigido expressamente no artigo 186 do
Código Civil o qual dispõe:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”.
Nas palavras do mestre Carlos Roberto Gonçalves23, “o dano
só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo
causal entre ele e seu autor”.
É necessário que o ato do agente estatal seja a causa do dano,
ou seja, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado deste ato.
Não havendo nexo de causalidade não correrá a
responsabilidade estatal.
“A relação causal, portanto, estabelece o vínculo entre um
determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com
base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a
causa do dano. Determina se o resultado surge como conseqüência
natural da voluntária conduta do agente”. 24
22 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 608.23 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 520.
24 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 66.
32
Independente de se aplicar a responsabilidade objetiva ou a
subjetiva o nexo de causalidade é indispensável.
Apesar de parecer simples, a questão é mais complicada do
que realmente parece.
Quando o resultado ocorrer de um fato simples não haverá
dificuldade em verificar o nexo causal, pois este se apresenta de maneira
direta entre o fato e o dano. Tornará complexa a questão quando houver uma
cadeia de condições, com várias circunstâncias concorrendo para o evento
danoso, chamada de causalidade múltipla. A dificuldade estará, então, em
verificar qual a causa que realmente gerou o dano.
Algumas teorias surgiram para tentar solucionar o problema.
A primeira delas, a teoria da equivalência dos antecedentes,
ou equivalência das condições sustentava que qualquer circunstância que
tenha concorrido para a produção do dano é uma causa, sendo que suprimida
uma delas o dano não ocorreria. No entanto, tal teoria foi desconsiderada pela
doutrina e pela jurisprudência visto que sua aplicação conduziria a resultados
absurdos, como por exemplo, na hipótese de um homicídio,
responsabilizando-se desde o autor dos disparos, bem como o fabricante da
arma de fogo, o fornecedor da matéria prima e assim por diante.
A segunda teoria é a que verifica a causa que efetivamente
produziu o dano, a teoria da causalidade adequada, ou seja, a causa do dano
é aquela que foi mais adequada a produzir concretamente o resultado. Esta
33
teoria é defendida por estudiosos do mais alto escalão como Aguiar Dias,
Sergio Cavalieri Filho, Caio Mario Pereira da Silva.
Verifica-se a utilização desta teoria no julgado relatado a
seguir pelo Supremo Tribunal Federal, visto que o dano causado por
presidiários fugitivos, se deu em razão do descuido de polícias, que eram
responsáveis pela vigil6ancia dos mesmos:
“EMENTA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
INDENIZAÇÃO . FUGA DE PRESO. ATRIBUÍDA À INCURIA
DA GUARDA QUE O ACOMPANHAVA AO CONSULTÓRIO
ODONTOLÓGICO FORA DA PRISÃO. PREORDENADA AO
ASSASSÍNIO DE DESAFETOS A QUEM ATRIBUIA A SUA
CONDENAÇÃO, NA BUSCA DOS QUAIS, NO
ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL DE QUE FORA
EMPREGADO, VEIO A MATAR O VIGIA, MARIDO E PAI
DOS AUTORES: INDENIZAÇÃO DEFERIDA SEM OFENSA
DO ARTIGO37, § 6° DA CONSTITUIÇÃO.
(...) Se a fuga do presidiário, atribuída à incúria dos policiais
responsáveis pela guarda e vigilância do detento ao acompanhá-lo a
consultório dentário fora da prisão, e os homicídios por ele praticados
não foram ocasionais, mas resultantes de predisposição do fugitivo,
movido por sentimento de vingança, resultando da evasão a prática dos
delitos, é dever do Estado indenizar a família de uma das vítimas, em
face da responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo”
34
(STF - 1ª T.; RE nº 136.247-2-RJ; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; j.
20/6/2000; v.u.).
Há ainda uma terceira teoria, dos chamados danos diretos e
imediatos, denominada teoria da interrupção do nexo causal ou teoria da
relação causal imediata, que para Carlos Roberto Gonçalves25 “seria o
desejável meio-termo, mais razoável”. Tal teoria sustentada por autores como
Agostinho Alvim e o já citado Carlos Roberto Gonçalves, fundamenta-se no
artigo 403 do Código Civil o qual diz:
“Ainda que a inexecução resulte do dolo do devedor, as
perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por
efeito dela direto e imediato”.
No entanto, não é possível considerar a expressão “efeito
direto e imediato” ao pé da letra, como se fosse a causa cronologicamente
mais, ligada ao fato, mas sim como aquela que foi mais determinante, pois a
causa temporalmente mais próxima pode não ser a mais determinante, caso
que deverá ser desconsiderada por se tratar de simples concausa.
Portanto, a título exemplificativo, se a causa mais próxima
fosse um fato natural, seria rompido o nexo causal, e, como excludente da
responsabilidade, os danos suportados pela vítima não seriam ressarcidos.
É o que demonstra o entendimento de nossos Tribunais,
verificado nas decisões que seguem:
25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 523.
35
“EMENTA. RESPONSABILIDADE CIVIL -
DESMORONAMENTO DE ENCOSTA - CAUSA ADEQUADA –
INOCORRÊNCIA DE FORÇA MAIOR.
(...) O fato de ser o desmoronamento ocorrido durante a realização de
obras de terraplanagem e apenas no local onde havia movimentação de
terras evidencia que as chuvas, embora torrenciais, não foram a causa
determinante do evento, mormente quando já eram previstas na região,
tanto assim que o engenheiro responsável pelas obras advertiu a apelante
dos riscos meses antes do acidente. Quando o evento, além de previsível,
era evitável mediante emprego de técnica adequada, não há que se falar
em caso fortuito ou de força maior, mas sim em culpa”(AP. CIVEL
TJRJ 1347/94).
No mesmo sentido:
“EMENTA. PERDAS E DANOS RESULTATES DE ENCHENTES
– TRANSBORDAMENTO DE RIO DE DOMÍNIO ESTATAL.
(...) Comprovados o prejuízo causado em razão de transbordamento de
rio de domínio estadual e a omissão do Estado em ampliar a capacidade
de vazão, bem como a negligência da Municipalidade em promover a
captação de águas pluviais, reconhece-se a responsabilidade solidária
desses dois entes, que devem arcar com a indenização
independentemente da demonstração de culpa ou dolo de qualquer
agente público (RT, 636:79, 607:55, 530-70; RJTJSP, 69:103, 101:145 –
entendendo que a instalação dos autores na Zona crítica de inundação
não libera a Municipalidade da obrigação de indenizar, RJTJSP, 62:92 e
96; RTJ, 70:704)”.
36
Conforme denota-se das palavras sábias de Sergio Cavalieri
Filho26, pode-se concluir que:
“(...) não obstante as teorias existentes sobre o nexo causal e tudo
quanto já se escreveu sobre o tema, o problema da causalidade, como
ressaltamos, não encontra solução numa fórmula simples e unitária,
válida para todos os casos. Na minha experiência de magistrado tenho
constatado que este é um ponto onde se registra o maior número de
divergências entre os julgadores de todos os graus. E assim é porque
esta ou aquela teoria fornece apenas um rumo a seguir, posto que a
solução do caso concreto sempre exige do julgador alta dose de bom
senso prático e da justa relação das coisas; em suma, é imprescindível
um juízo de adequação, a ser realizado com base na lógica do
razoável”.
2.3.2. Do dano
Sem a ocorrência do dano não se pode falar em
responsabilidade civil.
Por dano entende-se a subtração ou diminuição de um bem
jurídico, qualquer que seja a sua natureza, patrimonial ou moral, como o dano
à honra, imagem, liberdade etc.
Na concepção clássica, dano é a diminuição do patrimônio.
Alguns autores preferem conceituá-lo como diminuição ou subtração de um
26 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 72.
37
bem jurídico para abranger não só o patrimônio, mas também outros bens
como a honra, a saúde, a vida, os quais devem ser protegidos.
Indenizar, na definição de Silvio Rodrigues27:
“(...) significa ressarcir o prejuízo, ou seja, tornar indene a vítima
cobrindo todo o dano por ela experimentado. Esta é a obrigação
imposta ao autor do ato ilícito, em favor da vítima. O art. 402 do
Código Civil determina que as perdas e danos devidos ao credor
abrangem não só o dano emergente como também o lucro cessante; ou
seja, tudo aquilo que a vítima efetivamente perdeu, assim, como tudo o
que ela deixou razoavelmente de ganhar”.
No entanto, nem sempre será possível devolver à vítima o
mesmo estado em que se encontrava antes do ato que gerou o dano. Desta
forma, ainda nas palavras de Silvio Rodrigues28, “nessa hipótese há que se
recorrer a uma situação postiça, representada pelo pagamento de uma
indenização em dinheiro. É um remédio que nem sempre ideal, mas o único
de que se pode lançar mão”.
É o caso do dano moral, que fora previsto apenas em 1988,
com a promulgação da Constituição Federal e agora pelo Código Civil de
2002, apesar de a tempo ter sido objeto de discussão doutrinária e aceitação
pelos Tribunais.
27 RODRIGUES, Silvio. Op. cit. p. 185.
28 Ibid. p. 186.
38
Bem conceitua o dano moral Rogério Marrone de Castro
Sampaio29:
“Em suma, configura-se o dano moral indenizável quando alguém, em
razão de prática de um ato ilícito suporta uma dor ou constrangimento,
ainda que sem repercussão em seu patrimônio. Isto é, objetivamente, do
ato ilícito não se vislumbra diminuição do patrimônio da vítima. Nem
poderia ser possibilitada a restauração da situação anterior. Diante disso,
assume a indenização, de ordem pecuniária, a finalidade de compensar
ou atenuar a dor ou constrangimento suportado”.
2.3.3. Do Agente Público
Primeiramente, faz-se necessário conceituar a palavra agente,
a qual substituiu funcionários, com a Constituição Federal de 1988.
O saudoso e grande mestre Hely Lopes Meirelles30 traz o
conceito de agentes públicos, qual seja:
“São todas as pessoas físicas, incumbidas definitiva ou transitoriamente,
do exercício de alguma função estatal. Os agentes normalmente
desempenham funções do órgão, distribuídas entre os cargos de que são
titulares, mas excepcionalmente podem exercer funções sem cargo. A
regra é a atribuição de funções múltiplas e genéricas ao órgão, as quais
são repartidas especificamente entre os cargos, ou individualmente entre
os agentes de função sem cargo. Em qualquer hipótese, porém, o cargo
29 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Op. cit. p. 101.
39
ou a função pertence ao Estado, e não ao agente que exerce, razão pela
qual o Estado pode suprimir ou alterar cargos e funções sem nenhuma
ofensa aos direitos de seus titulares, como podem desaparecer os
titulares sem extinção dos cargos e funções”.
Agentes públicos abrangem todos os sujeitos que servem o
Poder Público em qualquer de suas esferas, incluindo-se neste conceito desde
os agentes das mais altas autoridades até os mais modestos trabalhadores que
atuam pelo aparelho estatal.
Portanto, é imprescindível para a caracterização da
responsabilidade estatal que o ato causador do dano advenha da ação ou
omissão de um agente público, ainda que exerça cargo de maneira transitória
ou não remunerada.
A grande dificuldade está em verificar exatamente a relação
que deve existir entre a conduta do agente e o serviço público, ou seja, a
necessidade ou não do ato ser praticado durante o serviço e, ainda, se o
simples fato de praticar o ato em razão da qualidade de agente público já basta
para caracterizar a responsabilidade da Administração Pública.
Nos ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho31:
“(...)De acordo com a essência de vários julgados o mínimo necessário
para determinar a responsabilidade do Estado é que o cargo tenha
influído como causa ocasional do ato, ou que a condição de
funcionário tenha sido a oportunidade para a prática do ato ilícito”.
30 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 69-70.
40
Desta forma, podemos concluir que, quando a condição de
agente estatal contribuir de alguma maneira para a prática de um ato que
cause dano à terceiro responderá o Estado objetivamente, ainda que tal
contribuição seja apenas a oportunidade para o comportamento do agente.
Seguindo este entendimento, o eminente Ministro Carlos
Velloso, em decisão proferida no Recurso Extraordinário n° 160.401 – SP, se
posiciona a respeito da questão:
“ EMENTA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. C.F. art. 37, § 6º.
(...) I. Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da
corporação: incidência da responsabilidade objetiva do Estado, mesmo
porque, não obstante fora do serviço, foi na condição de policial-
militar que o soldado foi corrigir as pessoas. O que deve ficar
assentado é que o preceito inscrito no art. 37, § 6°, da Constituição
Federal não exige que o agente público tenha agido no exercício de
suas funções, mas na qualidade de agente público. II. R.E. não
conhecido” (STF. RE n° 160.401-8/SP. 2ª Turma. Relator Ministro
Carlos Velloso, v.u., publicado no D.J. em 20/04/1999).
É, ainda, o que se conclui da decisão proferida pela mesma
Corte a seguir relatada:
“EMENTA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. POLICIAL
CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR ATO ILÍCITO
31 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 244.
41
PRATICADO PELO AGENTE PÚBLICO NO EXERCÍCIO DAS
SUAS FUNÇÕES. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
(...) 1. A Constituição Federal responsabiliza as pessoas jurídicas de
direito público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, não sendo exigível que o servidor tenha agido no
exercício das suas funções. 2. Dano causado por policial.
Responsabilidade objetiva do Estado em face da presunção de
segurança que o agente proporciona ao cidadão, a qual não é elidida
pela alegação de que este agiu com abuso no exercício das suas
funções. Ao contrário, a responsabilidade da Administração Pública é
agravada em razão do risco assumido pela má seleção do servidor.
Recurso extraordinário não conhecido” (STF. RE n° 135.310-4/SP. 2ª
Turma. Relator Ministro Maurício Corrêa, v.u., publicado no D.J. em
27/02/1998).
E, conforme o entendimento do Ministro Mauricio Corrêa,
extraído de seu voto no referido acórdão:
“Descabe ao Estado eximir-se da responsabilidade de suportar o ônus
da indenização pelo dano assim causado, sob a alegativa de que não se
encontrava o servidor em período de serviço, como se fosse possível
isolar a sua condição policial, quando foi essa mesma invocada pelo
agente ao intervir no distúrbio no recinto em que momentaneamente se
encontrava, e ainda que assim não tivesse dito, a sua ação seria
suficiente, como foi, para que assim ficasse, de logo, demonstrado o
papel policial, ainda que falho” (STF. RE n° 135.310-4/SP. 2ª Turma.
42
Relator Ministro Maurício Corrêa, v.u., publicado no D.J. em
27/02/1998).
2.4. A responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro
Podemos dizer que o Brasil nunca chegou a adotar a teoria da
irresponsabilidade do Estado, visto que até mesmo na fase do Império, sua
Constituição (1824) já previa a responsabilidade dos funcionários públicos
por seus atos e embora não houvesse expressa disposição, entendia-se haver
solidariedade do Estado em relação aos atos de seus agentes.
Todavia, a responsabilidade do Estado era subjetiva, havendo
necessidade de se provar a culpa civil.
2.4.1. Código Civil Brasileiro
O primeiro dispositivo a tratar especificamente da matéria foi
o art. 15 do Código Civil de 1916, que rezava:
“As pessoas de Direito Público são civilmente responsáveis
por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, procedendo de modo contrário ao Direito ou faltando a dever
prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”.
43
Atualmente é pacífico o entendimento do sentido amplo do
vocábulo representante, que é aquele que no momento exercia uma atribuição
ligada a sua atividade. No entanto, muita controvérsia surgiu em razão da
redação deste artigo.
As expressões “procedendo de modo contrário ao Direito ou
faltando a dever prescrito por lei” levam à idéia de culpa do agente estatal.
Desta forma, a maioria da doutrina entendeu ter sido
consagrada pelo legislador a teoria da culpa.
Porém, foi a partir deste dispositivo legal que os estudiosos
do Direito começaram a elaborar teses a fim de chegar à responsabilidade
objetiva do Estado e pode-se citar alguns importantes nomes, como Rui
Barbosa, Pedro Lessa, Amaro Cavalcante, Orozimbo Nonato e outros.
Apesar da responsabilidade objetiva do Estado ter sido
acolhida pelas Cartas Constitucionais, começando pela de 1946, havia
necessidade de sua regulamentação no Código Civil Brasileiro, tanto que o
atual código tem previsão expressa no parágrafo único do artigo 927 e no
artigo 931.
Também há previsão no artigo 43 do atual Código Civil, o
qual dispõe:
“As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem
44
danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano,
se houver, por parte destes culpa ou dolo”.
2.4.2. Constituição Federal do Brasil
A primeira previsão expressa da responsabilidade da pessoa
jurídica de Direito Público veio com a Constituição Federal de 1946, em seu
artigo 194, o qual dizia:
“As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são
civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa
qualidade, causem a terceiros”.
As Constituições de 1967 e de 1969 mantiveram a mesma
redação em seus artigos 105 e 107, respectivamente.
Desta forma, a responsabilidade do Estado começou a ser
fundamentada pela teoria do risco administrativo.
Finalmente a atual Constituição Federal, promulgada em
1988, disciplinou a matéria no § 6°, artigo 37, dando nova redação ao mesmo,
conforme segue:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
45
Primeiramente, grande alteração foi a utilização do termo
agente, o qual é muito mais apropriado que funcionário ou representantes,
pois nas palavras de Sergio Cavalieri Filho32 conclui-se que tal modificação
“deixa claro que a responsabilidade do Estado subsistirá ainda que se trate de
ato praticado por servidor contratado, funcionário de fato ou temporário,
qualquer que seja a forma de sua escolha ou investidura”.
Podemos acrescentar, ainda, que entende-se por Estado
qualquer de suas ordens, seja ela a União, Estados-membros, Distrito Federal
e Municípios e, ainda, qualquer de seus poderes, Executivo, Legislativo e
Judiciário.
Fica claro, também, que o legislador utilizou a teoria do risco
administrativo com a expressão seus agentes, nessa qualidade, visto que
deverá haver relação de causa e efeito entre a atividade do Estado e o dano, e
não a teoria o risco integral.
Portanto, o Estado não responderá pelos danos causados por
seus agentes que não estejam no exercício de sua função ou agindo em razão
dela. Não responderá, ainda, quando o dano decorrer de fato exclusivo da
vítima, caso fortuito ou força maior e fato de terceiro.
Permite-se a atenuação da responsabilidade estatal quando
outras causas contribuírem para o resultado como no caso de culpa da vítima.
32 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 244.
46
Há quem sustente não ser admissível a culpa concorrente,
porém na verdade se trata de concorrência de causas e não culpa.
Por fim, a palavra terceiros se refere àqueles que não
possuem qualquer vínculo com o Estado, sendo uma responsabilidade
extracontratual, pois nos casos de responsabilidade contratual não será
utilizado o artigo 37, § 6° da Constituição, e sim as regras contidas no
contrato.
2.4.3. A responsabilidade do Estado pelos atos omissivos de seus agentes
Parte doutrina difere a responsabilidade do Estado por atos
comissivos e atos omissivos de seus agentes que causem danos a terceiros.
Desta forma, nesse entendimento, quando o dano for causado
por omissão a responsabilidade da Administração será subjetiva e não
objetiva, como ocorre quando o ato danoso for comissivo.
É o que se verifica do entendimento de Celso Antonio
Bandeira de Mello33:
“(...) quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do
Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou
ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade
subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser
33 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 624.
47
ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo
caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido
responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao
efeito lesivo”.
E, ainda, nas respeitadas palavras do autor34 mencionado:
“A responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre
responsabilidade por ato ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é
necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita
do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente
de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado
propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).
Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade
subjetiva”.
No entanto, a outro entendimento de que a responsabilidade a
que alude o artigo 37, § 6°, da Constituição Federal, engloba não só a conduta
comissiva como também a conduta omissiva.
Desta forma pensa o insigne Sergio Cavalieri Filho, e sustenta
que é preciso distinguir omissão genérica de omissão específica.
Para facilitar a distinção das duas omissões utilizamos os
exemplos dados pelo autor35 citado e podemos dizer que:
“(...) quando um motorista embriagado atropela e mata pedestre que
estava na beira da estrada, a Administração não poderá ser
responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem
34 Ibid. p. 624
48
condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão
genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma
patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma
razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão especifica
que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado.
Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado”.
A jurisprudência entende ser omissão específica do Estado
quando a inércia administrativa é a causa direta e imediata do não-
impedimento do evento.
A teoria do risco administrativo, consagrada pelo atual texto
constitucional brasileiro, responsabiliza objetivamente o Poder Público pelos
danos causados pelos agentes públicos, não fazendo distinção entre atos
comissivos e omissivos.
O mesmo entende Hely Lopes Meirelles36, conforme denota-
se de seus ensinamento:
“Nessa substituição da responsabilidade individual do servidor pela
responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco da sua
ação ou omissão, é que se assenta a teoria da responsabilidade sem
culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço, porque esta falta
está, precisamente, na área dos riscos assumidos pela Administração
para a consecução de seus fins”.
35 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 248.36 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 615.
49
E, ainda37:
“Incide a responsabilidade civil objetiva quando a Administração
Pública assume o compromisso de velar pela integridade física da
pessoa e esta vem a sofrer um dano decorrente da omissão do agente
público naquela vigilância. Assim, alunos da rede oficial de ensino ou
pessoas internadas em hospitais públicos, caso sofram algum dano
quando estejam sob a guarda imediata do Poder Público, têm direito à
indenização, salvo se ficar comprovada a ocorrência de alguma causa
excludente daquela responsabilidade estatal”.
É o que o que afirma a jurisprudência do colendo Supremo
Tribunal Federal, conforme se verifica a seguir:
“EMENTA. RESPONSABILIDADE DO ESTADO - NATUREZA
- ANIMAIS EM VIA PÚBLICA - COLISÃO.
(...) A responsabilidade do Estado (gênero), prevista no § 6º do artigo
37 da Constituição Federal, é objetiva. O dolo e a culpa nele previstos
dizem respeito à ação de regresso. Responde o Município pelos danos
causados a terceiro em virtude da insuficiência de serviço de
fiscalização visando à retirada, de vias urbanas, de animais” (STF. RE
n° 180.602-8/SP. 2ª Turma. Ministro Relator Marco Aurélio, v.u.,
publicado no D.J. em 16/04/1999).
No entanto, isso não significa que em qualquer caso o Estado
deva responder objetivamente pelos danos causados em razão da ação ou
omissão de seus agentes. Se faz necessário o preenchimento dos requisitos
37MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 616.
50
para reconhecimento desta responsabilidade, quais sejam dano, nexo de
causalidade, qualidade de agente público do causador do dano, bem como não
ser caso de excludente de responsabilidade, conforme se verá mais adiante.
No que pese os respeitosos posicionamentos da doutrina, fico
com o entendimento mencionado logo acima, de que, ainda nos casos de
danos causados por atos omissivos do agente público, a responsabilidade da
pessoa jurídica de direito público deve ser objetiva.
2.4.4. Excludentes da responsabilidade do Estado
Os autores mencionam como excludentes da responsabilidade
objetiva do Estado a força maior, o caso fortuito, bem como a culpa exclusiva
da vítima e fato de terceiro.
Afirma Rui Stoco38 que “só se exime o Estado se não foi o
autor da lesão que lhe foi imputada, ou se a situação de risco atribuída a ele
inexistiu ou foi irrelevante ou sem relevo decisivo para a eclosão do dano”.
Via de regra, a força maior, por sua inevitabilidade,
acontecimento natural irresistível, exime a responsabilidade da
Administração, como por exemplo, enchentes ocasionadas por chuvas
torrenciais, inundações, desabamentos etc. Isso se dá porque tais eventos não
são causados por agentes do Estado e sim por fenômenos da Natureza.
51
E, nas palavras do mestre Sergio Cavalieri Filho39:
“(...) Trata-se de fatos estranhos à atividade administrativa, em relação
aos quais não guarda nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não
lhes é aplicável o princípio constitucional que consagra a
responsabilidade objetiva do Estado. Lembre-se que a nossa
Constituição não adotou a teoria do risco integral”.
Entretanto, o Estado poderá ser responsabilizado por esses
danos se comprovada sua omissão ou atuação deficiente, concorrendo desta
forma para a ocorrência do dano.
Entende-se que nestes casos, a responsabilidade do Estado
será determinada pela teoria da culpa anônima ou falta do serviço, conforme
se verifica da lição de Hely Lopes Meirelles40:
“Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova
da culpa da Administração nos casos de depredação por multidões e de
enchentes e vendavais que, superando os serviços públicos existentes,
causam danos aos particulares”.
Prossegue adiante41:
“Nestas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se
comprovar a culpa da Administração. E na exigência do elemento
subjetivo culpa não há qualquer afronta ao princípio objetivo da
responsabilidade sem culpa, estabelecido no artigo 37, § 6°, da
38 STOCO, Rui. Op. cit. p. 382.
39 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 257.40 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 616.
41 Ibid. p. 617-617.
52
Constituição Federal, porque o dispositivo constitucional só abrange a
atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e
os fatos da Natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos”.
Sendo o caso fortuito um acidente decorrente de causa
desconhecida, falta anônima, mas, em alguns casos previsível, diferentemente
do que sucede na força maior, inexiste a possibilidade exoneratória, visto que
sua responsabilidade é fundada no risco de sua atividade, não sendo possível
elidir o nexo entre o comportamento defeituoso do Estado e o dano
produzido.
A culpa da vítima não pode ser considerada excludente da
responsabilidade estatal quando se verifica ato do Estado concorrente para o
dano. No entanto, é de se invocar a irresponsabilidade do Estado quando a
culpa for exclusiva da vítima, não tendo a Administração concorrido de forma
alguma para o evento danoso.
Conforme bem esclarece Celso Antonio Bandeira de Mello42:
“a culpa do lesado – freqüentemente invocada para elidi-la – não é, em
si mesma, causa excludente. Quando, em casos de acidente de
automóveis, demonstra-se que a culpa não foi do Estado, mas do
motorista do veículo particular que conduzia imprudentemente, parece
que se traz a tona demonstrativo convincente de que a culpa da vítima
deve ser causa bastante para elidir a responsabilidade estatal. Trata-se
de um equívoco. Deveras, o que se haverá demonstrado, nesta
42 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 634.
53
hipótese, é que o causador do dano foi a suposta vítima, e não o
Estado. Então, o que haverá faltado para instaurar-se a
responsabilidade é o nexo causal. Isto parece com nitidez se nos
servimos de um exemplo extremo. Figure-se que um veículo militar
esteja estacionado e sobre ele se precipite um automóvel particular,
sofrendo avarias unicamente este último. Sem os dois veículos não
haveria a colisão e os danos não se teriam produzido. Contudo, é de
evidencia solar que o veículo do Estado não causou o dano. Não se
deveu a ele a produção do evento lesivo. Ou seja: inexistiu a relação
causal que ensejaria responsabilidade do Estado”.
Nas palavras de Rui Stoco43,confirmando o exposto acima, “a
culpa do lesado não é relevante por ser culpa, mas se-lo-á unicamente da
medida em que através dela se pode ressaltar a inexistência de
comportamento estatal produtor do dano”.
Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal
verifica-se:
“EMENTA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO.
C.F., art. 37, § 6º.
(...) I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito
público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de
43 STOCO, Ruy. Op. cit. p. 383.
54
serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco
administrativo, é abrandada ou excluída pela culpa da vítima. II. - No
caso, o acórdão recorrido, com base na prova, que não se reexamina
em sede de recurso extraordinário, concluiu pela culpa exclusiva da
vítima. III. - Agravo não provido” (STF – RE n° 234.010-2/ RJ. 2ª
Turma. Relator Ministro Carlos Velloso, v.u., publicado no D.J. em
23/08/2002).
Da mesma forma, não pode o Estado ser responsabilizado por
atos de terceiros que causem danos aos administrados, como, por exemplo,
atos predatórios de terceiros, tais como saques em estabelecimentos
comerciais, assaltos em via pública etc. Esta excludente será aplicada como
regra, salvo se de alguma forma o Estado concorreu para o evento danoso, por
meio de atos de seus agentes.
Segue Celso Antonio Bandeira de Mello44 na explicação:
“Ademais, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio,
cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante
qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via
pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local
público, o lesado poderia sempre argüir que o serviço não funcionou.
A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses o Estado
estaria erigido em segurador universal. Razoável que responda pela
lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos
assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a
44 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 626.
55
tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção de providências cautelares.
Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente
se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam
entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações,
sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de
providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de
injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na
negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de
responsabilidade pública”.
2.4.5. A responsabilidade do Agente Público
Os agentes estatais que causarem danos a terceiros no
exercício de suas atividades funcionais ou em razão delas responderão
civilmente mediante a comprovação do dolo ou culpa, em ação regressiva
proposta pela pessoa jurídica de Direito Público a qual o mesmo serve (União,
Estados-membros, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações
públicas).
O Estado, portanto, poderá acionar regressivamente seus
agentes, em ação autônoma, quando em razão do ato deste teve de indenizar a
vítima, com base na responsabilidade objetiva, nos termo do artigo 37, § 6° da
Constituição Federal.
56
A responsabilidade civil do agente público não exclui
eventual pena na esfera administrativa ou penal, que deverá ser apurada em
sua respectiva área.
2.4.6. A ação indenizatória
Se a demanda proposta pela vítima se funda em culpa ou dolo
do agente estatal, poderá integrar no pólo passivo da ação tanto o agente
público como a Fazenda Pública do âmbito da atuação de seu funcionário.
No entanto, se a ação for fundada na responsabilidade
objetiva do Estado, sem a necessidade de comprovação de culpa do
funcionário, a vítima deverá propor a ação em face da entidade pública
responsável, não sendo possível o a inclusão do servidor na demanda.
Há grande discussão no que diz respeito à possibilidade de
denunciação à lide ao agente público. Parte da doutrina entende que a ação de
indenização com base na responsabilidade civil do Estado não comporta
denunciação da lide ao servidor, devendo a Administração Pública propor
ação de regresso, demonstrando-se a culpa o u dolo do mesmo.
Observa Yussef Said Cahali45 que:
“(...) a denunciação do servidor implica necessariamente confissão da
responsabilidade civil do Estado pela entidade denunciante, que se
57
resolve no reconhecimento afirmado de dolo ou culpa do funcionário,
como fundamento da denunciação; exaurida nesses termo a lide
principal, restaria Estado simplesmente adimplir a obrigação
ressarcitória, mostrando-se imoral, contraditório e despropositado
pretender servir-se do mesmo processo, em juízo sucessivo, aquilo que
já deveria ter pago na composição do dano sofrido pelo prejudicado; se
a própria Administração Pública admite e postula o reconhecimento
judicial de uma pretensa culpa de seu agente, e desde que só com
aquele pagamento da indenização efetivamente realizado se legitima a
pretensão fazendária regressiva contra o servidor culpado, resta-lhe
apenas cumprir a obrigação indenizatória, para só então exercer a ação
direta de regresso para o respectivo reembolso”.
No entanto o autor supramencionado entende que deve se
admitir a denunciação da lide quando o Estado admitir que seu agente agiu
com dolo ou culpa, aplicando-se a regra do artigo 70, III, do Código de
Processo Civil, tendo em vista o sentido de obrigatoriedade da denunciação
àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, em ação regressiva, a
indenizar o prejuízo do que perder a demanda.
Vicente Greco Filho46 sustenta, entretanto, que:
“A solução se encontra em admitir, apenas a denunciação da lide nos
casos de ação de garantia, não admitindo para os casos de simples ação
de regresso, i.e., a figura só será admissível quando, por força de lei ou
45 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1996.p. 188.46 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 144.
58
do contrato, o denunciado for obrigado a garantir o resultado da
demanda, ou seja, a perda da primeira ação, ‘automaticamente’, gera a
responsabilidade do garante. Em outras palavras, não é permitida, na
denunciação, a intromissão de fundamento jurídico novo, ausente na
demanda originária, que não seja responsabilidade direta decorrente de
lei e do contrato”.
Nessa linha de raciocínio a corrente contrária entende que a
admissão da denunciação violaria a economia processual e a celeridade da
justiça, visto que existe a possibilidade da ação de regresso, o que torna muito
mais simples a solução da lide.
Embora também houvesse divergência da jurisprudência,
conforme se verifica na obra de Carlos Alberto Gonçalves47:
“O Superior Tribunal de Justiça consolidou a sua jurisprudência no
sentido de se permitir a denunciação da lide pelo Estado ao seu
funcionário (ressalvadas as ações de procedimento sumário, que não a
admitem), sem estar obrigado, para tanto, a confessar a ação,
afirmando que tal direito lhe é assegurado pelos artigos 37, § 6°, da
Constituição Federal, e 70, III, do Código de Processo Civil, bem
como pelo princípio processual da eventualidade”.
É o que se verifica nas seguintes decisões proferidas pelo
referido Tribunal Superior:
“EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ARTIGO 70,
47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 195.
59
III, DO CPC. DIREITO REGRESSIVO (ARTIGO 37, PAR-6, DA
C.F.). HIPOTESE DE CABIMENTO.
(...) I - Acionado o Estado para indenizar o dano causado por
funcionários dos seus quadros, estará este obrigado a responder via
ação regressiva, pelo prejuízo provocado, se configurado dolo ou culpa
(artigo 37, § 6° da Constituição Federal).
II- É admissível a denunciação à lide, na hipótese prevista no artigo
70, inciso III, do CPC, quando o listisdenunciado estiver obrigado, por
lei ou contrato, a indenizar o litisdenunciante, em ação regressiva.
Precedentes.
III- Recurso Provido, sem discrepância” (STJ, REsp n° 37215-SP. 1ª
Turma. Relator Ministro Demócrito Reinaldo, v.u., publicado no D.J.
em 25/04/1994).
No mesmo sentido:
“EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
INDENIZAÇÃO.RESPONSABILIDADE CIVIL.
DENUNCIAÇÃO À LIDE DO MOTORISTA DA VIATURA
ABALROADA. DESNECESSIDADE, EM FACE DOS
PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE
PROCESSUAIS. PRECEDENTES. AÇÃO REGRESSIVA
GARANTIDA.
(...) 1. Ação movida no intuito de reivindicar da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos - ECT - indenização por acidente de trânsito
provocado por viatura da recorrente. 2. O juiz de primeiro grau
indeferiu o denunciamento à lide do motorista do veículo abalroado. 3.
60
A responsabilidade pelos atos por eles praticados quando em serviço
ativo – o que jamais foi negado pela ECT – é imputada ao Poder
Público do qual são agentes, dado o princípio da despersonalização
dos atos administrativos. Tem-se, pois, por incabível a denunciação à
lide, uma vez que, sendo a responsabilidade da União objetiva,
independe da aferição de existência de culpa ou não, por parte de seus
agentes. 4. A jurisprudência desta Corte Superior tem enveredado pela
esteira de que "embora cabível e até mesmo recomendável a
denunciação à lide de servidor público causador de dano decorrente de
acidente de veículo, uma vez indeferido tal pedido, injustificável se
torna, em sede de recurso especial, a anulação do processo para
conversão do rito sumário em ordinário e admissão da denunciação,
em atenção aos princípios da economia e celeridade processuais"
(REsp nº 197374/MG, Rel. Min. Garcia Vieira), além de que "em
nome da celeridade e da economia processual, admite-se e se
recomenda que o servidor público, causador do acidente, integre,
desde logo, a relação processual. Entretanto, o indeferimento da
denunciação da lide não justifica a anulação do processo" (REsp nº
165411/ES, Rel. Min. Garcia Vieira) e, por fim, que "os princípios da
economia e da celeridade podem justificar a não anulação parcial do
processo onde indevidamente não se admitiu denunciação da lide
(CPC, art. 70, III), ressalvado ao denunciante postular seus eventuais
interesses na via autônoma." (REsp nº 11599/RJ, Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira). 5. Recurso improvido” (STJ - REsp n° 226.093 –
61
RJ. 1ª Turma. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, maioria
de votos, publicado no D.J. em 25/06/2001).
Para finalizar, é preciso citar um caso de repercussão nacional,
qual seja da Escola de Educação Infantil Base.
Icushiro Simada, Maria Aparecida Shimada e Mauricio
Monteiro Alvarenga, donos da Escola de Educação Infantil Base, entraram
com ação de indenização por danos morais e materiais em face as Fazenda do
Estado de São Paulo.
Os autores foram acusados por duas mães de alunos de terem
praticado o crime de estupro e atentado violento ao pudor, sendo vítima os
filhos das mesmas, bem como outros alunos da escola.
O caso foi amplamente divulgado pelos jornais e emissoras de
televisão, visto que as declarações do delegado Edélcio Lemos levavam à
conclusão de que haviam provas suficientes da materialidade e autoria dos
crimes.
No entanto, o delegado mencionado foi afastado do caso
quando a polícia de São Paulo percebeu que as acusações não procediam. O
delegado que assumiu as investigações requereu o arquivamento do inquérito
por verificar que não existiam indícios do crime.
A imprensa, tomando conhecimento das declarações
prematuras do delegado Edélcio e verificando que realmente não ocorrera os
fatos narrados pelas mães dos alunos, publicou várias matérias a fim de
62
reconhecer a precipitação do referido delegado, o qual foi intitulado de
“exibicionista”.
A ação tramitou na 5ª Vara da Fazenda Pública do Estado de
São Paulo e foi julgada procedente em parte, reconhecendo a responsabilidade
objetiva do Estado, condenando a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a
indenizar os autores pelos danos materiais e morais. Nos mesmos autos houve
denunciação à lide do Delegado Edélcio Lemos, a qual também foi julgada
procedente para condenar o denunciado a pagar à ré as importâncias por ela
pagas aos autores.
Em sede de apelação, negou-se provimento ao apelo do
Estado e deu-se provimento ao recurso dos autores para elevar o valor da
verba devida a título de danos morais.
Merecem ser transcritos alguns trechos da decisão proferida
pelo Desembargador Pinheiro Franco, relator do Acórdão n° 044.122-5/7
(anexo 1):
“(...) Aplica-se, portanto, a responsabilidade comum, apurável nos
termos da legislação ordinária e, em especial, do artigo 37, parágrafo,
da Constituição Federal, parte legítima a Fazenda para responder aos
termos da demanda, inocorrente a decadência argüida, específica dos
casos relativos à Lei de Imprensa”.
(...) Não se pode, em momento algum, imputar ã autoridade policial,
Delegado de polícia Edélcio lemos, dolo com relação ao que se
sujeitaram os autores, mas, da mesma forma, é incontestável o fato de
63
que a autoridade, ciente da fragilidade das provas que tinha em mãos,
agiu com culpa, nas modalidades de imprudência e imperícia, ao se
manifestar reiteradamente junto a representantes da imprensa que
atuavam de forma sensacionalista, passando a tais jornalistas a
informação oficial de que o crime ocorrerá, e de que tinha provas da
materialidade do delito, estando em curso os trabalhos policiais
necessários ao esclarecimento da autoria e da participação de cada um
na trama criminosa, o que em breve viabilizaria a prisão dos
criminosos”.
“(...) impossível negar, portanto, ter sido a postura da autoridade
policial, ao confirmar ‘oficialmente’para a imprensa sensacionalista a
comprovação da materialidade dos crimes, fator determinante para que
o caso Escola Base adquirisse as proporções que tão rapidamente
alcançou (...)”.
Por tais fundamentos, podemos verificar que independente da
função do agente público, se este causar danos a terceiros em razão de sua
função o Estado será responsabilizado por estes danos.
64
3. CONCLUSÃO
Durante a elaboração desse trabalho verificou-se o grande
desenvolvimento da responsabilidade civil no Direito pátrio e, em especial, a
responsabilidade das pessoas jurídicas de Direito Público, também
denominada Administração Pública ou simplesmente Estado.
Apesar de utilizar por diversas vezes a expressão
Responsabilidade do Estado, limitei esta pesquisa à responsabilidade das
pessoas jurídicas de Direito Público, não analisando o tema no que diz
respeito às pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviços
públicos, nem mesmo os aspectos referentes ao Poder Judiciário e Poder
Legislativo, haja vista a abrangência do tema, o que faria necessário pesquisas
especificas sobre os mesmos.
Não procurei esgotar o tema, mesmo porque seria impossível
em uma simples monografia de conclusão de curso. No entanto, procurei
esclarecer os principais pontos que se faziam necessários para compreensão
do tema.
Foi possível verificar que as civilizações antigas já
estabeleciam normas de reparação de danos causados à terceiros, até mesmo a
responsabilidade do Estado em determinados casos. No entanto, prevalecia a
irresponsabilidade do Estado pelos atos danosos praticados por seus agentes.
65
A evolução das sociedades resultou na atual concepção de
que o Estado responderá objetivamente pelos danos causados por seus
agentes, não havendo necessidade de se comprovar a culpa ou dolo dos
mesmos.
A responsabilidade objetiva da administração foi
recepcionada pela primeira vez na Constituição Federal de 1946. As
Constituições posteriores mantiveram o dispositivo e, em 1988, com a
promulgação da atual Carta Magna, a responsabilidade objetiva do Estado é
consagrada pelo artigo 37, § 6°. O Código Civil de 2002 passou a prever a
responsabilidade objetiva da Administração Pública em seus artigos 43, 927,
parágrafo único e 931.
A teoria adotada para justificar a responsabilidade objetiva
estatal foi a do risco administrativo, em razão do Estado ter que suportar os
riscos provenientes de sua atividade.
Desta forma, sendo pessoa jurídica de direito público o
Estado será responsabilizado civilmente pelos prejuízos ocasionados por seus
agentes.
Para configurar a efetiva obrigação deverá se provar apenas o
nexo causal entre o ato comissivo ou omissivo e o dano.
Apesar da mencionada divergência verificada na doutrina
quanto aos atos omissivos dos agentes públicos, o posicionamento pessoal foi
por seguir os autores que não consideram tal distinção aplicável ao nosso
66
sistema jurídico, embora a corrente contrária seja de grande expressão na
doutrina.
A responsabilidade objetiva do ente estatal não é adotada em
todas as situações, pois comporta exceções, conforme já verificadas
anteriormente, devendo estar presentes os pressupostos para a sua
caracterização, bem como não se tratar de uma das excludentes da
responsabilidade.
Por todo exposto, é de se concluir que a responsabilidade
subjetiva do Estado não foi de todo excluída na nossa ordem jurídica. A regra
é a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo,
sempre que o dano for causado por agentes do Estado, nessa qualidade
causam danos a terceiros, havendo relação direta de causa e efeito entre a
atividade administrativa e o dano. Será adotada a responsabilidade subjetiva
nos casos examinados no decorrer deste trabalho – fatos de terceiro,
fenômenos da Natureza etc - fundamentando-se na culpa anônima ou falta de
serviço, seja porque o serviço público não funcionou, seja porque funcionou
mal ou funcionou tardiamente.
Portanto, não havendo previsão de responsabilidade objetiva
ou não estando esta configurada, aplicar-se-á a regra geral da
responsabilidade subjetiva.
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4. ANEXOS
Anexo 1: Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo n°
44.122-5/7.
Anexo 2: Acórdão do Superior Tribunal de Justiça n°
3151779/RESP.
68
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