Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS E GESTÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA MARCELO BARBOZA DO NASCIMENTO REABILITAÇÃO SOCIAL DE PRESOS: REALIDADES E UTOPIAS VITÓRIA 2011

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS E GESTÃO EM

SEGURANÇA PÚBLICA

MARCELO BARBOZA DO NASCIMENTO

REABILITAÇÃO SOCIAL DE PRESOS:

REALIDADES E UTOPIAS

VITÓRIA

2011

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MARCELO BARBOZA DO NASCIMENTO

REABILITAÇÃO SOCIAL DE PRESOS:

REALIDADES E UTOPIAS

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Política e Gestão em Segurança Pública do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Segurança Pública. Orientadora: Professora Ingrid Dias Barreto.

VITÓRIA

2011

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N588 Nascimento, Marcelo Barboza.

Reabilitação social de presos: realidades e utopias / Marcelo Barboza do Nascimento. – 2011.

49 f.

Orientadora: Ingrid Dias Barreto

Monografia (Especialização) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.

1. Sistema Prisional. 2. Pena Privativa de Liberdade. 3. Ressocialização de Presos. I. Universidade Federal do Espírito Santo.

CDU 343

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MARCELO BARBOZA DO NASCIMENTO

REABILITAÇÃO SOCIAL DE PRESOS:

REALIDADES E UTOPIAS

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Política e Gestão em Segurança Pública do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Segurança Pública.

Aprovada em 20 de outubro de 2011.

COMISSÃO EXAMINADORA

Profª. Ingrid Dias Barreto Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora

Profª. Adriana Ilha

Universidade Federal do Espírito Santo

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À minha noiva Thamara, motivo do meu empenho e

dedicação, por ser minha amiga e companheira em todos

os momentos.

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“As necessidades do corpo são a justa medida do que cada um

de nós deve possuir. Exemplo: o pé só exige um sapato à sua

medida. Se assim considerares as coisas, respeitarás em tudo

quanto faças as devidas proporções. Se ultrapassares estas

proporções, serás, por tal maneira de agir, necessariamente

desregrado como se um precipício te seduzisse. O sapato é

exemplo ainda deste estado de coisas: se fores para além do

que o teu pé necessita, não tardará muito que anseies por um

sapato dourado, por um sapato de púrpura depois, finalmente

por um sapato bordado. Uma vez que se menospreze a justa

medida, deixa de haver qualquer limite que justos torne os

nossos propósitos.“

Epicteto. Filósofo Romano

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RESUMO

Para entender a atual função reabilitadora da pena privativa de liberdade, trabalha todo um referencial teórico acerca do tema das prisões incluindo seus precursores e seus defensores. Relata o período histórico em que a pena privativa de liberdade começa a ser adotada. Discorre sobre as teorias dos principais entusiasta da reforma penal do século XVIII passando pelas principais Escolas Penais. Busca responder aos objetivos propostos para o presente trabalho através de uma pesquisa bibliográfica de cunho exploratório. Assim, entende que as argumentações que envolvem o caráter reabilitador da pena privativa de liberdade é uma fundamentação recente e que não tem respaldo empírico satisfatório. Isso porque a função principal da pena privativa de liberdade desde os seus primórdios foi e continua sendo seu caráter intimidador e limitativo. Propõe os mutirões do judiciário como uma ação que contribuiria para diminuir o inchaço penitenciário, pois, como constata ao longo do trabalho, mais de 37% dos encarcerados são prisioneiros provisórios. Assim, a diminuição da população presa iria facilitar a consecução de finalidade ressocializadora. Entende que o problema da criminalidade é um problema social e por isso, precisa do envolvimento da sociedade como um todo para ser solucionado ou mesmo amenizado.

Palavras-chave: Sistema Prisional. Pena Privativa de Liberdade. Ressocialização de Presos.

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ABSTRACT

To understand the current rehabilitative function of custodial sentence, makes a historical survey about the arrest. It addresses the mains theoretical and his arguments about the theme, approaching their precursors and their supporters. Reports the historical period in which the deprivation of liberty beginning to be adopted. Discusses the major theories of penal reform of the eighteenth century through the main criminal Schools. Search meet to the objectives proposed for this work through a literature survey of exploratory. Thus, understand that the arguments involving the rehabilitative nature of deprivation of liberty is a recent idea and has no empirical support satisfactory. This is because the main function of deprivation of freedom since its inception has been and continues to being his character the intimidation and limitation. Proposes solutions that would help to reduce the bloating in the prison, as a way to facilitate the achievement of purpose to resocialize, through the joint efforts of the judiciary, because more than 37% of prisoners are incarcerated provisional. Considers that the problem of crime is a social problem and therefore needs the involvement of society as a whole to be solved or even alleviated.

Key words: Penitentiary System. Custodial sentence. Rehabilitation of prisoners.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................... 9

2 A PENA DE PRISÃO NO TEMPO ............................................ 12

3 OS TEÓRICOS E A PENA DE PRISÃO ................................... 18

3.1 ESCOLA PENAL CLÁSSICA ..................................................... 20

3.2 ESCOLA PENAL POSITIVA....................................................... 22

3.3 A FUNÇÃO RESSOCIALIZATIVA DA PENA ............................ 24

4 A REALIDADE DA PRISÃO NO BRASIL ................................. 28

5 OS NÚMEROS DO CÁRCERE NO BRASIL ............................ 33

6 A UTOPIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DA PENA

PRIVATIVA DE LIBERDADE ....................................................

38

6.1 ALGUMAS SOLUÇÕES PROPOSTAS ..................................... 42

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................... 45

8 REFERÊNCIAS ......................................................................... 48

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1 INTRODUÇÃO

As situações calamitosas do sistema carcerário no Brasil tem sido tema recorrente

na imprensa nacional e internacional. São denúncias de violência, maus tratos e

abusos contra a população carcerária. Nesse contexto, ganha repercussão as

discussões sobre a pena privativa de liberdade e uma de suas funções mais

perseguidas, a reabilitação do detento.

Diante dessa expectativa, delineamos o objetivo geral do presente trabalho em

analisar, do ponto de vista teórico e prático, as possibilidades ressocializativas da

pena privativa de liberdade ao longo da sua estruturação histórica e as iniciativas

voltadas para esse propósito no atual Sistema Penal Brasileiro.

Para atingir tal intento nos propusemos a pesquisar os teóricos da função

ressocializativa da pena privativa de liberdade e também analisar, com base nos

argumentos defendidos ou criticados por esses teóricos, os programas

governamentais desenvolvidos com o objetivo de reabilitar presos.

Assim, este trabalho consiste em um estudo monográfico, necessário para a

conclusão do Curso de Especialização em Políticas e Gestão em Segurança

Pública. A definição da temática a ser tratada no projeto é fruto de muita

preocupação face às questões que envolvem a Segurança Pública no Brasil no que

se refere ao Sistema Prisional.

Os debates nos meios de comunicação sobre as políticas de segurança pública

focadas na repressão bem como o projeto de solução do problema prisional

baseado na construção de novos presídios trouxeram inquietação e motivou a busca

por um maior aprofundamento sobre as questões inerentes à pena privativa de

liberdade tratadas e desenvolvidas ao longo desse trabalho.

A leitura de textos sobre o assunto bem como entrevistas de governantes acerca do

tema aguçaram sobremaneira o interesse e motivaram a presente pesquisa. Dessa

forma, esse trabalho desenvolve-se com o intuito de, tornando-me mais embasado

das questões que envolvem o tema, ter a possibilidade de argumentar sobre fatores

relevantes nessa discussão e assim propor possíveis alternativas para a

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superlotação das penitenciárias brasileiras e para aclamado fracasso na função

ressocializadora desses espaços.

É fato que o aumento dos índices de violência atinge escalas preocupantes. Isso faz

com que o assunto Segurança Pública seja pauta marcante em jornais impressos e

televisivos. Nesse contexto, um dos temas recorrentes são rebeliões em presídios e

a exibição do estado em que se encontram os encarcerados no Brasil.

Cresce no senso comum uma proposição que dá conta da falência do sistema

penitenciário brasileiro que é visto como uma “escola do crime” indo ao encontro de

seu caráter secundário, o de ser ressocializativo. Digo secundário, pois o primário

continua sendo a punição pelo ato cometido.

Diante desse cenário quais são as reais possibilidades de ressocialização de

presos? Essa é uma pergunta que precisa de respostas. Respostas essas que se

revelam ao longo do trabalho através da contribuição dos autores e estudiosos do

assunto aqui referenciados.

Para iniciar um debate nesse sentido faz-se mister identificar e compreender as

determinantes e condicionantes que ditam os padrões da estrutura carcerária

brasileira. Entender o perfil daqueles à que essas estruturas destinam-se e de

acordo com esses dados interpretar a sua real eficácia.

Faz-se também relevante um estudo dos indicadores educacionais, bem como dos

projetos e das verbas destinadas a esse segmento nos últimos anos para podermos

compreender todo esse sistema que, para uma grande parcela da população,

incluindo governantes, é uma das soluções para o problema da violência no Brasil.

Buscamos um entendimento mais aprofundado nessas questões à luz dos principais

teóricos envolvidos com essa temática para contribuir com o avanço da pesquisa no

contexto teórico e prático. Ressaltamos aqui que o pouco interesse dado ao tema

pelos acadêmicos, fato constatado pelo pouco número de artigos acadêmicos

encontrados sobre o assunto, também motiva esse trabalho de maneira que possa

aumentar o interesse e voltar à atenção de pesquisadores para o caso da prisão,

principalmente quanto ao assunto ressocialização.

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Frente ao que foi exposto e levando em conta o objetivo geral referido podemos

classificar a pesquisa na categoria das denominadas pesquisas exploratórias. Os

objetivos específicos, de outra parte, concorrem para delineamentos técnicos nos

moldes de uma pesquisa bibliográfica, segundo as etapas sugeridas por Gil (2002).

A metodologia utilizada constituiu a base para o levantamento, coleta e análise de

fontes de informação relevantes à pesquisa de modo que as considerações finais

acerca do assunto focadas nos objetivos possam servir de embasamento para

pesquisas futuras.

Selecionamos artigos e teses de livre acesso nas bases de dados do portal CAPES,

publicados em língua portuguesa. Também, recuperamos materiais impressos

disponíveis na Biblioteca Central da UFES e, como nos demais documentos

recuperados foram feitas leituras seguidas de resumos e fichamentos para

construção do referencial que embasa teoricamente as discussões propostas nas

seções seguintes.

Os procedimentos de busca com vistas à seleção dos artigos foram realizados

mediante a atribuição de palavras-chave de acordo com as seguintes estratégias de

busca, basicamente: Ressocialização de detentos; Ressocialização de presos;

Reintegração de detentos; Reintegração de presos; Reabilitação de detentos;

Reabilitação de presos; Reeducação de detentos; Reeducação de presos; Educação

[and] prisional; Presídio; Penitenciária; Sistema [and] Prisional.

A pesquisa realizada com o objetivo de identificar artigos referentes à temática

Ressocialização de presos na base de dados do portal CAPES e na Biblioteca

Central da UFES resultou no levantamento de nove artigos publicados no período de

2000 a 2010 e sete livros publicados entre 1965 e 2010.

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2 A PENA DE PRISÃO NO TEMPO

As fontes históricas de que dispomos para entender o passado da humanidade nos

dizem que a prisão acompanha a história da vida do homem em sociedade. Desde

as sociedades mais primitivas a encontramos perpassando as relações entre os

homens.

A história das prisões atravessa os tempos. Mas para demarcar nosso trabalho

começaremos do período conhecido como Antiguidade. Desde aquele tempo

pessoas já eram mantidas em cárcere. Entretanto, o motivo desse ato sofreu

alterações ao longo dos séculos.

Apesar de haver vestígios de idéias referentes à pena de privação da liberdade

considerada como sanção penal nos escritos de Platão a prisão não foi exercida

com essa finalidade naquela época. (GARRIDO GUZMAN, apud BITENCOURT,

1993, p. 14).

Na Idade Antiga a prisão (masmorras e câmaras de tortura) era um local de custódia

onde o indivíduo aguardava a sua sentença. Egito, Grécia, Pérsia e Babilônia

utilizaram a prisão para escravos, inadimplentes com os impostos do poder instituído

e prisioneiros de guerra. “Durante vários séculos a prisão serviu de depósito –

contenção e custódia – da pessoa física do réu, que esperava, geralmente em

condições subumanas, a celebração de sua execução.” (BITENCOURT, 1993, p.

14).

Na Idade Média não há mudanças significativas quanto às sanções criminais. A

privação de liberdade continua tendo finalidade custodial. Para Tomas Y Valiente

(apud BITENCOURT, 1993, p. 17): “[...] a lei penal dos tempos medievais tinha como

verdadeiro objetivo provocar o medo coletivo.”

Nesse mesmo sentido argumenta Neuman (apud BITENCOURT, 1993, p. 17):

Não importava a pessoa do réu, sua sorte, a forma em que ficavam encarcerados. Loucos, delinqüentes de toda ordem, mulheres, velhos e crianças esperam, espremidos entre si em horrendos encarceramentos subterrâneos, ou em calabouços de palácios e fortalezas, o suplício e a morte.

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Por conseguinte, esses locais não dispunham de uma arquitetura específica nem

havia alguma forma de regulamentação dessas prisões. Eram utilizados calabouços,

ruínas de castelos entre outros. A prisão não era concebida como pena e sim

custódia, ou seja, apenas um local onde se aguardava até saber qual era sua pena

(castigos corporais ou a morte) e cumpri-la.

Não obstante, é importante ressaltar algumas características dessa época que

acarretariam mudanças significativas na história das prisões. Estamos falando do

surgimento da prisão de Estado e da prisão eclesiástica.

Na prisão de Estado da Idade Média somente eram recolhidos os inimigos do poder

real ou do poder senhorial acusados de traição e os adversários políticos dos

governantes. (GARRIDO GUZMAN, apud BITENCOURT, 1993, p. 18). Essas

prisões apresentavam duas modalidades distintas, a saber: a prisão-custódia e a

prisão eclesiástica.

A prisão-custódia era o lugar onde o réu esperava a execução da verdadeira pena

aplicada ou ainda poderia ficar detido temporária ou perpetuamente. Isto porque se

recebesse o perdão real seria libertado. (GARCIA VALDÉS, apud BITENCOURT,

1993, p. 18).

Na prisão eclesiástica, por sua vez, ficavam detidos os Clérigos rebeldes. Nesta

modalidade de prisão o internamento tinha um sentido de penitência e meditação

como uma forma de atender às idéias de caridade, redenção e fraternidade que

eram bases ideológicas da Igreja. (GARRIDO GUZMAN, apud BITENCOURT, 1993,

p. 18).

No processo de evolução das teorias sobre as penas, “o pensamento cristão, com

algumas diferenças entre o protestantismo e o catolicismo, proporcionou, tanto no

aspecto material como no ideológico, bom fundamento à pena privativa de

liberdade.” (GARCIA VALDÉS, apud BITENCOURT, 1993, p. 20). “A igreja já

conhecia, antes que fosse aplicada na sociedade civil, uma instituição que continha

certos pontos que serviriam para justificar e inspirar a prisão moderna.”

(BITENCOURT, 1993, p. 20).

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Segundo Garrido Guzman (apud BITENCOURT, 1993, p. 21):

De toda a Idade Média, caracterizada por um sistema punitivo desumano e ineficaz, só poderia destacar-se a influência penitencial canônica, que deixou como seqüela positiva o isolamento celular, o arrependimento e a correção do delinqüente, assim como outras idéias voltadas a procura da reabilitação do recluso. Ainda que estas noções não tenham sido incorporadas ao direito secular, constituem um antecedente indiscutível da prisão moderna.

No curso da história a Idade Moderna foi o período em que as prisões, denominadas

de casas de trabalho, são estabelecidas, na Europa, como institutos para abrigar os

indivíduos que cometem os delitos considerados crime. Durante os séculos XVI e

XVII, a pobreza que se estendeu por toda a Europa devido aos distúrbios religiosos,

a crise das formas feudais de vida e da economia agrícola, entre outros fatores,

ocasionou o enorme aumento da criminalidade (HENTING, apud BITENCOURT,

1993).

“Contra os deserdados da fortuna que delinqüem cotidianamente para subsistir

experimentam-se todo tipo de reações penais, mas todas falham.” (BITENCOURT,

1993, p. 23). Dessa forma, não era mais viável aplicar a pena de morte a tanta

gente, “eram demasiados para serem todos enforcados [...]” (BITENCOURT, 1993,

p. 23).

No bojo dessas reações penais foi que na segunda metade do século XVI “iniciou-se

um movimento de grande transcendência no desenvolvimento das penas privativas

de liberdade, na criação e construção de prisões organizadas para a correção dos

apenados.” (GARRIDO GUZMAN, apud BITENCOURT, 1993, p. 24).

Contudo, é relevante ressaltar que essas instituições eram destinadas ao tratamento

da pequena delinqüência cabendo aos condenados por delitos considerados mais

graves as penas como o exílio, açoites, pelourinho. Acreditavam de uma forma geral

que o controle do crime ainda estava assentado na aplicação de penas corporais e

capitais. (SELLIN, apud, BITENCOURT, 1993, p. 25).

Ainda assim, mesmo não sendo o lugar de destino da maioria dos delinqüentes,

consoante afirma Bitencourt (1993, p. 25): “não se pode negar, que as casas de

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trabalho ou de correção, embora destinadas a uma pequena delinqüência, já

assinalam o surgimento da pena privativa de liberdade moderna.”

Durante quase dois séculos o que se viu foi uma estruturação para que a privação

da liberdade fosse a pena por excelência. Isso porque, de maneira geral, “até fins do

século XVIII a prisão serviu somente aos fins de contenção e guarda de réus para

preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados.”

(BITENCOURT, 1993, p. 14). É o que afirma Sá (1996, p. 64) quando diz que:

Mesmo existindo experiências anteriores, onde se aplicava a pena de prisão, inclusive em muitos mosteiros medievais, foi somente a partir do século XVIII e início do XIX, com a instituição da pena privativa de liberdade, que a prisão (casas de trabalho e cadeias), construída com a finalidade de disciplinar setores constituídos por rebeldes, vadios e malfeitores, erigiu-se, também, em espaço punitivo.

Conforme pudemos observar, os relatos históricos mostram-nos uma realidade de

desordem social bastante perturbadora. “No ano de 1556 os pobres formavam

quase a quarta parte da população.” (BITENCOURT, 1993, p. 23). “Tinha que se

enfrentar verdadeiros exércitos de vagabundos e mendigos. [...] Era preciso

defender-se desse perigo social [...]” (HENTING, apud BITENCOURT, 1993, p. 23).

Assim podemos perceber os sentimentos que orientaram a idéia ou a necessidade

da pena de prisão. O contexto de miséria que vivia a Europa via no espaço da

prisão um lugar ideal para controlar a delinqüência que crescia na sociedade da

época. Reclusos em determinado espaço os desafortunados não poderiam mais

investir contra as posses da nobreza e atentar contra a paz social.

A pena de prisão nasce com um objetivo de conter a massa de pobres que se

espalhava pela Europa do século XVI, ou seja, o controle social dos pobres. Aqueles

que não aceitavam a condição que a nova elite social lhes impunha, ‘a pobreza’,

eram o alvo das políticas penais daquela época. “Estas vítimas da escassez,

subsistiam das esmolas, do roubo e assassinatos.” (BITENCOURT, 1993, p. 23).

Surgem, então, outros problemas na administração dessa nova política penal. Como

manter presos, ociosamente e alimentados uma quantidade tão grande de pessoas

seria custoso começou-se a pensar em maneiras de tornar a prisão viável. O

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pensamento burguês que plantava suas raízes nas relações sociais desde a Idade

Média encontrou nesse contexto um espaço para estruturar-se de maneira mais

sólida.

A valoração do trabalho apoiado nos ideários cristãos foi forte aliado da ideologia

burguesa, e essa sinergia é presente no imaginário coletivo da sociedade até os dias

atuais. Sobre esse fato Sá (1996, p. 26) nos informa que:

Refletindo sobre os fundamentos da ascese protestante, Weber encontrou algo específico. Tal especificidade situa-se em sua ‘sanção psicológica’. Esta converte o trabalho em vocação, em meio excelente, quando não o único, de atingir a certeza da graça divina.

Essa tal especificidade é o que vai fundamentar toda uma reviravolta ideológica nos

séculos seguintes. Todo um aparato institucional vai articular-se em torno de uma

mesma ideologia: o trabalho salva. Esse era o sustentáculo das prisões inglesas

que, a partir da segunda metade do século XVI ganharam relevância no tratamento

dos delinqüentes.

“O sistema orientava-se pela convicção [...] de que o trabalho e a férrea disciplina

são um meio indiscutível para a reforma do recluso.” (BITENCOURT, 1993, p. 24). O

sucesso desse empreendimento foi exuberante como relata Melossi & Pavarini

(apud BITENCOURT, 1993, p. 24, grifo do autor): “esta experiência deve ter

alcançado notável êxito, já que em pouco tempo surgiram em vários lugares da

Inglaterra houses of correction ou bridwells, tal como eram denominadas,

indistintamente.”

Durante os séculos XVII e XVIII o que se viu foi uma maciça intensificação desse

tipo de instituição onde a farta mão-de-obra era utilizada. “O desenvolvimento e

auge das casas de trabalho terminam por estabelecer uma prova evidente sobre as

íntimas relações que existem, ao menos em suas origens, entre a prisão e a

utilização da mão de obra do recluso.” (BITENCOURT, 1993, p. 25). Para Ouverney

(2010, p. 460):

É nesse contexto de disciplinarização e “adestramento” requerido pelo capitalismo industrial que podemos entender o conceito de prisão como um aparelho disciplinar exaustivo. Ou seja, uma instituição total que deve cuidar de forma intermitente (até a “cura”) de todos os aspectos da vida do

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indivíduo: seu treinamento físico, sua aptidão para o trabalho, seu comportamento cotidiano, sua atitude moral, suas disposições; um poder quase total sobre a vida, atitudes e até mesmo pensamento dos indivíduos.

“A difusão da pena privativa de liberdade e a conseqüente proliferação das prisões

fazem surgir, simultaneamente, políticas e práticas penais para reeducar vadios,

infratores e delinqüentes.” (SÁ, 1996, p. 27). No capítulo seguinte veremos os

principais entusiastas dessas políticas penais.

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3 OS TEÓRICOS E A PENA DE PRISÃO

Para compreendermos a situação atual da pena de prisão e o seu potencial

ressocializativo precisamos delinear os caminhos de sua conceituação teórica até

chegarmos ao nosso sistema vigente. O modelo penal que hoje impera em nossa

sociedade é fruto de um longo processo dialético entre as teorias, os paradigmas e

as relações sociais, bem como das transformações das relações de produção e

conseqüentemente, das reações de poder.

No tocante a literatura, existe divergência entre os autores sobre as causas que

explicam o surgimento das primeiras instituições de reclusão, bem como de suas

finalidades. São mencionadas como finalidades a reforma dos delinqüentes por meio

do trabalho, da disciplina e do ensino religioso, a prevenção geral, pois pretendia

desestimular outros da vadiagem e ociosidade bem como conseguir autofinanciar-se

e alcançar vantagem econômica através das atividades desenvolvidas pelos

detentos (BITENCOURT, 1993).

Segundo Thompson (1980, p. 6): “[...] ao menos no plano racional, o preso é

colocado na penitenciária com vistas a ser punido, intimidado e, principalmente,

reformado.” Entretanto o mesmo autor reforça a contradição de tal idéia, uma vez

que segundo Bernard Shaw (apud THOMPSON, 1980, p. 6): “para punir um homem

retribuitivamente é preciso injuriá-lo. Para reformá-lo, é preciso melhorá-lo. E os

homens não são melhoráveis através de injúrias.”

No que diz respeito às causas do surgimento dessas instituições, Melossi & Pavarini

(apud BITENCOURT, 1993, p. 29) ressaltam que: ”a criação desta nova e original

forma de segregação punitiva responde mais a uma exigência relacionada ao

desenvolvimento geral da sociedade capitalista que à genialidade individual de

algum reformador.”

Para esses autores:

A origem da prisão não se explica pela existência de um propósito mais ou menos humanitário e idealista, mas pela necessidade que existia de possuir um instrumento que permitisse, não tanto a reforma ou a reabilitação do delinqüente, mas a sua submissão ao regime dominante (capitalismo) (MELOSSI & PAVARINI, apud BITENCOURT, 1993, p. 30, grifo do autor).

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Já Modona (apud BITENCOURT, 1993, p. 32) entende que:

A explicação para uma reconstrução da função global das instituições segregatórias no longo período de sua gestação, entre o século XVI e o século XVIII, provavelmente está em uma perspectiva que considere também outros componentes certamente contraditórios e menos racionais, que voltaremos a encontrar nas atuais instituições prisionais e que englobam um amplo leque de movimentações, às vezes claramente mistificatórias, às vezes reais, e que vão desde as exigências da defesa social até o mito da recuperação e reeducação do delinqüente, desde o castigo punitivo em si até os modelos utópicos de microcosmos disciplinatórios perfeitos.

No mesmo sentido Bitencourt (1993, p. 33) argumenta que:

[...] resulta insuficiente a afirmação de que a prisão e seu afã de reforma são simples reflexos do modo de produção capitalista, [...] também seria ingênuo pensar que a pena privativa de liberdade surge só porque a pena de morte estava em crise ou porque se queria criar uma pena que se ajustasse melhor a um processo geral de humanização ou, ainda, que pudesse conseguir a recuperação do criminoso.

Pontuar uma ou outra causa para o surgimento da pena privativa de liberdade seria

demasiado ingênuo. Ela surge como resultado de um conjunto de relações e de

experiências vividas pelos seres humanos ao longo da história. É o que nos diz

Foucault (2004, p. 193): “a forma geral de uma aparelhagem para tornar os

indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a

instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência.”

No contexto teórico da pena de prisão e todo o aparato político-institucional para a

elaboração de políticas penais e a estruturação do direito penal, muitos pensadores

foram relevantes. Assim, de acordo com os fundamentos basilares em suas teorias

esses estudiosos são distribuídos em escolas distintas. Todavia não há um

consenso sobre a quantidade de escolas existentes durante esse processo bem

como da classificação desses estudiosos em tais escolas.

Da mesma forma é sabido que esses movimentos não se estruturaram de maneira

linear, mas que num processo dialético de construção de conhecimentos, os

conceitos e teorias elaborados por esses pensadores foram sofrendo influências

simultâneas no alvorecer das ciências penais.

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Sá (1996) refere-se a duas escolas predominantemente: a Escola Clássica e a

Escola Positiva argumentando que são as mais relevantes quanto à definição de

crime e pena, humanização das prisões e teleologia das penalidades. Aragão (1977)

faz um estudo comparativo do assunto diferenciando três escolas: a Clássica, a

Antropológica e a Crítica.

Faz-se importante aqui uma definição sobre o que seja uma Escola Penal. Para isso

utilizaremos os dizeres de Firmo (1967, p. 77) para quem “[...] as escolas penais são

corpos de doutrinas mais ou menos coerentes sobre os problemas em relação ao

fenômeno do crime e, em particular, sobre os fundamentos e objetos do sistema

penal”.

Feito isso, tomaremos para estudo nesse trabalho as escolas que são

preponderantes e mais representativas na fundamentação da política penal

brasileira: a escola penal clássica e a escola penal positiva. Nos conhecimentos

produzidos por essas escolas é que se fundamentam as legislações penais ainda

vigentes (SÁ, 1996).

3.1 ESCOLA PENAL CLÁSSICA

Em meados do século XVIII a legislação criminal na Europa passa por uma crise de

legitimidade. “As leis em vigor inspiravam-se em idéias e procedimentos de

excessiva crueldade, prodigalizando os castigos corporais e a pena capital.”

(BITENCOURT, 1993, p. 37).

O sistema penal vigente é atacado e questionado por correntes iluministas e

humanitárias. “[...] os filósofos, moralistas e juristas, dedicam suas obras a censurar

abertamente a legislação penal vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e

enaltecendo os princípios da dignidade do homem.” (GARRIDO GUZMAN, apud

BITENCOURT, 1993, p. 37).

Denominou-se escola penal clássica o movimento intelectual que ganhou corpo com

a obra Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764 pelo penalista italiano César

Beccaria (1738-1794). “Considera-se que os postulados formulados por Beccaria

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marcam o início definitivo da Escola Clássica de Criminologia, bem como o da

Escola Clássica de Direito Penal.” (SAINZ CANTERO, apud BITENCOURT, 1993, p.

38).

Estruturados sobre o discurso da liberdade os pensadores e juristas dessa escola

fazem sérias críticas à forma feudal de punir. O fundamento principal desse

movimento está na reforma do sistema punitivo através da humanização das penas.

Dentre os princípios da Escola Clássica destacaremos aqui o método, o fundamento

da imputabilidade e a pena como um mal e como um meio de tutela jurídica.

Baseados em conceitos racionalistas, “no método está presente o primado da razão

contra a tradição, portanto, a marca do Iluminismo francês: a razão como ser e valor

humano supremo.” (SÁ, 1996, p. 84). Seguindo o mesmo raciocínio:

Se cada indivíduo é dotado de capacidade e poder para discernir e decidir é, também, moralmente responsável, isto é, pode responder pelo que faz, pelo que lhe é atribuído e pelo que deseja. (SÁ, 1996, p. 85).

As idéias do contratualismo de Rousseau também influenciaram os pensadores

dessa escola, uma vez que, o conceito de utilidade é um divisor de águas para

definir a racionalidade ou irracionalidade de um ato. Assim:

O fundamento da imputabilidade baseia-se no livre-arbítrio e na culpabilidade moral, isto é, na capacidade de discernimento e livre escolha e na culpabilidade a que respondem as pessoas livres e iguais. (SÁ, 1996, p. 85).

Essa idéia de contrato entre os homens iguais faz do delito um rompimento do

contrato que precisa ser reparado.

Se o homem é dotado de discernimento, livre-arbítrio e responsabilidade moral, o delito significa a expressão do uso indevido da liberdade, ao mesmo tempo que provoca rompimento de vínculos contratuais estabelecidos entre indivíduos livres e iguais, vivendo em sociedade. (SÁ, 1996, p. 85).

Dessa forma, a pena é uma proteção jurídica que tem dois fins mais expressivos.

Apesar de ser um mal, tem a função de restituir a ordem social ferida, sendo esse

seu caráter retributivo donde se espera a proporcionalidade entre o castigo imposto

e o dano causado. Também se espera que a confinação do agressor em

Page 23: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

determinado espaço físico durante certo período de tempo possa dissuadir

apenados e possíveis futuros infratores (SÁ, 1996).

Bitencourt (1997) sinaliza as contribuições da Escola Penal Clássica como sendo o

estabelecimento do exame analítico do crime em seus vários componentes; a visão

da pena como medida repressiva, aflitiva e pessoal; limitação do Direito Penal e a

preocupação com a soberania da lei e com o arbítrio estatal.

Constatamos que as mudanças aqui implementadas são fundamentadas na

liberdade individual e na liberdade de escolha. O transgressor da norma social é um

ser livre e consciente e só sendo assim pode ser culpável ou responsabilizado por

determinada conduta. A pena é baseada no dano causado, função de retribuição,

não sendo voltada ao indivíduo e sua recuperação.

Vemos também implícito no novo ordenamento jurídico as mudanças nas relações

de poder que predominavam no modo de produção feudal e as que estão sendo

inseridas pelo modo burguês de pensar e produzir. A noção de liberdade e de

contrato social como base da sociedade burguesa.

3.2 ESCOLA PENAL POSITIVA

No final do século XVIII um movimento intelectual de oposição às idéias da Escola

Clássica ganha visibilidade na Europa. É a Escola Penal Positiva que “teve como

referência inicial Cesar Lombroso (1836-1909), médico italiano, com a publicação de

sua obra O Homem Delinqüente [...]” (SÁ, 1996, p. 87, grifo do autor).

Enquanto para os clássicos a razão e o livre-arbítrio são as ferramentas para os

indivíduos discernirem entre o certo e o errado e, portanto, são as bases de sua

teoria penal, para os positivistas esses fatores não são os mais relevantes. Para

esses, o enfoque racionalista e jusnaturalista não seriam os mais apropriados para

se estudar o crime.

“Para os cultores da postura desenvolvida pela escola positiva o agente criminoso

não responde pelos atos de ação ou omissão com os quais agride a sociedade.”

Page 24: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

(SÁ, 1996, p. 88). Para os teóricos dessa escola o criminoso é um ser doente.

“Doente em decorrência de atavismos que lhe afetam a vontade e o discernimento,

em suma a lucidez racional.” (SÁ, 1996, p. 88).

Através do método empírico os estudiosos pretendiam estudar as causas do delito.

Dessa forma, o objeto de seus estudos passou a ser o homem criminoso. Eles

acreditavam que o homem delinqüente estava predeterminado a praticar delitos, não

sendo sua conduta resultado do livre arbítrio como postulavam os clássicos. “De

acordo com a, escola penal positiva, [sic] o comportamento criminoso é

impulsionado por várias determinações.” (SÁ, 1996, p. 88).

A ação do criminoso sofria assim influências biológicas, psicológicas e sociológicas

podendo um desses fatores ser mais relevante que os outros. Assim, a ação

criminosa não era resultante da escolha ou, como diziam os clássicos, do livre

arbítrio, mas conseqüência de causas naturais superiores a vontade do homem.

Outra diferença bastante significativa entre as duas escolas é quanto os objetivos da

pena.

Para a escola clássica a pena tinha como objetivos a punição do criminoso, sua correção, retribuição à sociedade pelo mal que lhe foi causado e a segurança social. Para a escola penal positiva a função da pena, essencialmente, consiste na cura do criminoso e na defesa da sociedade. (SÁ, 1996, p. 88).

Várias foram as contribuições deixadas pelos teóricos positivistas quanto à

humanização da pena privativa de liberdade. Dentre elas Sá (1996, p. 89) destaca a

pena como meio de cura e de defesa social, a classificação dos criminosos

conforme a idade, o delito, a ocasionalidade ou habitualidade da atividade delituosa.

Ainda segundo Sá (1996, p. 89) as classificações acima citadas, juntamente com a

contribuição das ciências médicas e humanas incentivaram:

[...] a edificação de internatos ou prisões, distintas para homens e mulheres, a separação dos internos de conformidade com a reincidência e primariedade, os tipos de delitos ou artigos do Código Penal infringidos, o cuidado especial com o menor infrator e com o doente mental infrator ou não.

Page 25: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Até o momento traçando um panorama da evolução na humanização da pena

privativa de liberdade não encontramos idéias quanto à ressocialização ou

reinserção social do detento. A teoria dos positivos fala em cura, em doença, mas

não em ressocialização como pudemos observar. Nos itens seguintes tentaremos

expor quando começa essa tendência como objetivo da pena.

3.3 A FUNÇÃO RESSOCIALIZATIVA DA PENA

O instituto da pena, ao longo de sua história, cumpriu funções distintas. Essas

funções estavam intrinsecamente ligadas ao modelo sócio-econômico e a forma de

Estado vigente. Segundo Bitencourt (1993, p. 100), no Estado Absolutista: “a idéia

que então se tinha da pena era a de ser um castigo com o qual se expiava o mal

(pecado) cometido.” Assim, a pena era infringida a quem agia contra o soberano e

que, ao mesmo tempo, como se acreditava, agia contra o próprio Deus.

Com a consolidação do Estado Burguês baseado na teoria do Contrato Social o

fundamento da pena sofre drástica mudança. O Estado deixa de ser conceituado

como representação de uma vinculação entre o soberano e Deus e passa a ser

entendido como a expressão soberana do povo. Dessa forma:

A pena passa então, a ser concebida como a retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão divina é substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens. (BUSTOS RAMIREZ; HORMAZABAL MALAREE, apud, BITENCOURT, 1993, p. 101).

Nesse esquema retribucionista a função da pena é realizar a justiça. Assim a pena é

a conseqüência do delito praticado e um fim em si mesma. Kant e Hegel são os

teóricos mais expressivos das teses retribucionistas da pena. Esse pensamento

sofreu várias críticas, entre elas destaco a de Mir Puig (apud, BITENCOURT, 1993,

p. 114) para quem: “a realização da Justiça é uma função praticamente incompatível

com aquela atribuída ao Direito Penal, que consiste em castigar, parcialmente, os

ataques que tenham por objetivo os bens jurídicos protegidos pela ordem legal.”

Page 26: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Com base nas críticas a essa teoria, outras formas de conceber a pena são

apresentadas. Estamos falando das teorias preventivas da pena que se dividem em

prevenção geral e prevenção especial. Para os pensadores dessa linha a “[...]

necessidade da pena não se baseia na idéia de realizar justiça, mas na função, já

referida, de inibir, tanto quanto possível, a prática de novos fatos delitivos.”

(BITENCOURT, 1993, p. 115).

Vários são os defensores de uma teoria preventiva geral da pena. Entre os mais

importantes destacam-se Bentham, Beccaria, Filangieri, Schopenhauer e

Feuerbach. (BITENCOURT, 1993, p. 115). De maneira geral, a pena seria uma

forma de admoestar a coletividade a ajustarem seus comportamentos às normas

jurídicas.

Assim, a pena funcionaria intimidando e ao mesmo tempo contribuindo para moldar

a consciência jurídica dos cidadãos racionais para que respeitassem a lei. “Para a

teoria da prevenção geral, a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de

motivação para não cometer delitos.” (BITENCOURT, 1993, p. 117).

Muitas são as criticas a essas funções da pena uma vez que, para seu sucesso o

poder racional do homem (discernir entre o certo e o errado) é fundamental,

entretanto, sabemos que sua demonstração é impossível devido as variáveis

molduras de caráter encontradas na sociedade. Da mesma forma, sobre esse ponto

de vista teórico está desconsiderado “[...] um aspecto importante da psicologia do

delinqüente: sua confiança em não ser descoberto.” (BITENCOURT, 1993, p. 118).

Igualmente, apesar de ser inegável que a ameaça da pena sirva para conter as

investidas de uns cidadãos sobre os bens jurídicos dos outros, o temor pretendido

pela pena sobre o delinqüente não é suficiente para impedi-lo de cometer o delito

haja vista os criminosos contumazes que encontramos na sociedade, pois, a

despeito da iminência da pena, cometem seus delitos.

Outro fator relevante nessa comparação é que, conforme Mir Puig (apud,

BITENCOURT, 1993, p. 121):

Page 27: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

A teoria da prevenção especial procura evitar a prática do delito, mas, ao contrário da prevenção geral, dirige-se exclusivamente ao delinqüente em particular, objetivando que este não volta a delinqüir.

Segundo Bitencourt (1993, p 124), a prevenção especial “[...] não busca a

intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas

aquele indivíduo que já delinqüiu para fazer com que não volte a transgredir as

normas jurídico-penais.”

Nesse ponto temos uma conceituação teórica da função ressocializadora da pena

através da agregação de uma funcionalidade social evitando a punição quando

desnecessária e trabalhando para evitar a reincidência. Esses pensadores

entendem que:

[...] o delinqüente é um sujeito perigoso ou diferente do sujeito normal, por isso, deve ser tratado de acordo com sua periculosidade. Evidente que o castigo e a intimidação não têm sentido. O que se pretende, portanto, é corrigir, ressocializar ou inocuizar. (BUSTOS RAMIREZ, apud, BITENCOURT, 1993, p. 125).

A partir dessa definição muitos ordenamentos jurídicos adotaram em seus textos

constitucionais medidas entendidas como ressocializadoras. Uma nova forma de

entender a pena passa a ser discutida nos textos dos penalistas e, apesar de sua

aceitação, não deixa de sofrer críticas.

Alguns pensadores apontam os problemas envolvendo a finalidade bem como a

dificuldade de colocar tal empreitada em prática. Partindo das idéias de Durkheim,

Munhoz Conde (apud, BITENCOURT, 1993, p. 128): “[...] afirma que a criminalidade

é apenas mais um dos componentes da sociedade sã e que é a própria sociedade

que a cria e a define.”

A partir desse argumento o autor questiona até que ponto seria legítimo exigir-se a

ressocialização do delinqüente. Assim, se o sujeito delinqüente é produto da

sociedade, seria a sociedade que deveria mudar, pois a forma em que estão

estruturadas as relações sociais que dariam margem para que os comportamentos

tidos como não desejáveis acontecessem. (MUNHOZ CONDE, apud, BITENCOURT,

1993, p. 128).

Page 28: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Como pudemos ver, muitas foram as críticas e as dificuldades encontradas quando

se tentou teorizar acerca da função ressocializadora da pena privativa de liberdade.

Essas dificuldades são ratificadas nos projetos que tentaram dar vida a essas

aspirações teóricas como veremos no decorrer do trabalho.

Passando da teoria para a prática, as normas penais na atualidade orientam uma

série de medidas que devem ser tomadas no decorrer de um processo penal. Desde

a detenção do sujeito, passando pelo julgamento e até após o cumprimento da pena.

Dos mecanismos desse processo nos ateremos à instituição prisão, destino desse

indivíduo quando o processo resulta em condenação, ou seja, quando é configurado

o crime por parte do indivíduo.

No capítulo seguinte veremos um pouco da história da função da prisão no Brasil e

como a legislação atual trata a questão das medidas ressocializativas nas Prisões

Brasileiras.

Page 29: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

4 A REALIDADE DA PRISÃO NO BRASIL

Muitas mudanças ocorreram na organização social nos últimos dois séculos tanto na

esfera sócio-econômica como na política. A organização social brasileira que no

Século XIX era de base escravista e agrária durante o Século XX passou a ser,

predominantemente, democrático-neoliberal e urbana. O “fim” da escravidão ao final

do Século XIX foi um motor propulsor de diversas transformações nas relações

sociais principalmente no ordenamento penal e nas concepções sobre a

criminalidade.

No Século XIX, no Brasil, toda a lógica de criminalização estava pautada nas

diferenças de estatuto jurídico e condição social dos indivíduos (KOERNER, 2006, p.

238). Assim, tínhamos todo um aparato prisional/punitivo que se fazia indiferente às

condutas e julgava os atores tratando desigualmente os desiguais. Nessa lógica os

negros e mestiços, escravos, libertos ou livres pobres eram acomodados nos piores

locais e recebiam as piores penas se comparados aos homens livres com

propriedade ou prestígio local e funcionários.

[...] desde o período da industrialização, no século XIX, a prisão das classes ditas “perigosas” se faz sentir. A elite dirigente e defensora dos ideais democráticos utiliza a pena de prisão para exercer o controle social em momentos de grandes conflitos econômicos (COMBESSIE, 2001, apud REGO, 2004, p. 228, grifo do autor).

Do mesmo modo, a atuação da polícia era o controle social daquela massa que

emergia no seio da sociedade. Através da arbitrariedade e da legitimidade estatal da

violência sob a acusação de vadiagem os negros que circulavam nas ruas após o

toque de recolher eram detidos (KOERNER, 2006, p. 219).

Durante o Século XX, notamos que avanços foram registrados. A abolição da

escravatura fez emergir no universo das leis uma série de mudanças no tratamento

dada pelo judiciário aos negros e pobres. A relação de poder entre o senhor dono de

terras branco e escravo negro foi aos poucos se dissolvendo nas relações sociais do

modo de produção capitalista burguês.

A segregação racial explícita do Século XIX deu lugar a uma política de limpeza

social que polariza a aplicação e cumprimento das leis entre o privilégio e

Page 30: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

impunidade dos ricos e o encarceramento em massa dos pobres no Século XX. Não

por coincidência a maioria dos pobres é negra e parda (IBGE, 2011). Segundo

Wacquant (2007, p. 207):

[...] os estabelecimentos brasileiros de detenção são ocupados predominantemente por negros e mulatos: em meados dos anos oitenta, sete em cada dez internos nas cadeias e prisões do Rio de Janeiro eram negros ou pardos, aproximadamente o dobro da proporção dessas duas categorias afro-brasileiras na população da cidade.

Ao longo dos anos, vários foram os projetos legislativos que procuravam dar ao

preso condições ideais de vida no interior do cárcere. Desde a Cidade Penitenciária

do Rio de Janeiro até as Colônias de Defesa Social, vivemos de utopias que não

obtiveram êxito.

Os trabalhos desenvolvidos em âmbito internacional incentivaram, mesmo que

tardiamente, após duas ditaduras, um processo voltado para o tratamento do

indivíduo condenado à pena privativa de liberdade.

Para Miotto (1992, p. 177, 178) nos “[...] últimos anos do séc. XIX, primeiros do séc.

XX, começaram as preocupações com os direitos dos condenados. [...] O preso,

condenado, começava a deixar de ser mero indivíduo, sujeito passivo do tratamento,

para começar a ser visto como pessoa.” Como resultado desse movimento temos

aprovadas em 1955 as Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos.

No Brasil, é basicamente no final do Século XX, durante o período de

redemocratização, que muitas leis são elaboradas com o objetivo de dar uma

atenção maior à figura do detento. Entre elas temos a Lei Nº 7.210, de 11 de julho

de 1984, nominada de Lei de Execuções Penais. Daremos total ênfase a esta lei no

nosso trabalho por tratar-se de estar, atualmente, em vigor.

A citada lei, em seu artigo 1º, versa sobre um de seus objetivos, e o de mais

interesse nesse trabalho. Assim: “a execução penal tem por objetivo [...]

proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do

internado.” (BRASIL, 1984, p. 1). Por isso, seu estudo nesse trabalho faz-se

fundamental para delinearmos como o Estado trabalha, ao menos na teoria, essa

questão tão delicada.

Page 31: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Para atingir tal objetivo o legislador enumerou uma série de assistências como

sendo dever do Estado de forma a orientar o retorno do preso à convivência em

sociedade. Dessa forma, o detento tem direito à assistência material (alimentação,

vestuário e instalações), assistência à saúde (atendimento médico, farmacêutico e

odontológico, assistência jurídica, assistência educacional (instrução escolar e a

formação profissional), assistência social e assistência religiosa (BRASIL, 1984, p.

2).

Segundo o ordenamento jurídico penal de acordo com a pena distribui-se o

condenado em diferentes estabelecimentos penais. Conforme a Lei n° 7.210 de 11

de julho de 1984, são estabelecimentos penais:

• A Penitenciária: destinada ao condenado à pena de reclusão em regime fechado;

• A Colônia Agrícola, Industrial ou similar: destinada ao cumprimento de pena em regime semi-aberto;

• A Casa de Albergado: destinada ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto e da pena de limitação de fim de semana;

• O Centro de Observação: onde serão realizados exames gerais e o criminológico;

• O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: destinado aos inimputáveis e semi-imputáveis;

• A Cadeia Pública: destinada ao recolhimento dos presos provisórios.

A referida lei, em seu artigo 88 diz ainda que:

O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. [...] São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana.

Texto perfeito, entretanto, a realidade dos estabelecimentos é bem diversa de

redigida no documento. Passados quase trinta anos após a sanção da referida lei a

situação do detento no Brasil é alarmante. Muitos dos problemas estruturais no

sistema carcerário são semelhantes aos do século passado. As condições da CCRJ

do Século XIX são, em muitos locais, análogas às das casas de detenção e

delegacias atuais. “E neste depósito, as mínimas condições de atendimento ao

encarcerado são negadas, o cheiro das instalações é fétido, a educação e

Page 32: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

profissionalização adequadas ao mercado pura ficção [...]” (VERONESE, 1997, p.

31).

As reportagens da mídia impressa e televisiva denunciando os desrespeitos aos

direitos dos presos são constantes. São relatos que refletem o grau de

desumanidade a que estes indivíduos estão expostos. Nessas condições como se

pode esperar que esses cidadãos tenham condições de ser reinseridos ao convívio

social?

Os espetáculos de horror que acontecem nas prisões brasileiras e que volta e meia são trazidos à tona, ora pela mídia, ora pelas denúncias de grupos defensores dos direitos humanos, são, também, reveladores da deslegitimação do sistema penal, uma vez que este não consegue cumprir as funções declaradas em seu discurso, as quais são reproduzidas para justificar a sua existência e perpetuação (VERONESE, 1997, p. 34).

A condição dos detentos no cárcere apresenta contornos de saúde pública, conforme aponta Assis (2007, p. 75):

A superlotação das celas, sua precariedade e insalubridade tornam as prisões um ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. [...] As mais comuns são as doenças do aparelho respiratório, como tuberculose e pneumonia. Também é alto o índice de hepatite e de doenças venéreas em geral, a AIDS por excelência. Conforme pesquisa realizada nas prisões, estima-se que aproximadamente 20% dos presos brasileiros sejam portadores do HIV.

Todo esse perverso sistema descrito anteriormente está na contramão da legislação

vigente que orienta o tratamento dado aos encarcerados no Brasil. Pensar a

ressocialização diante desse contexto é tarefa impossível. Do mesmo modo, as

estatísticas não são animadoras. O problema do encarceramento em massa e da

incapacidade do Estado Capitalista diante do fenômeno social chamado crime faz da

prisão o destino de milhões de brasileiros.

E nessa sociedade intramuros as regras não são as mesmas da sociedade livre. É o

que afirma Mapelli Caffarena (apud, BITENCOURT, 1993, p 130): “[...] não se pode

pretender, em hipótese alguma, reeducar ou ressocializar, uma pessoa para a

liberdade em condições de não liberdade, constituindo-se em um verdadeiro

paradoxo.”

Page 33: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Analisaremos a seguir os números que corroboram os argumentos da

impossibilidade de ressocialização na atual configuração penitenciária no Brasil.

Esses números também confirmam os argumentos daqueles que, como Foucalt,

classificam-na como um instrumento de repressão social.

Page 34: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

5 OS NÚMEROS DO CÁRCERE NO BRASIL

Para entendermos a situação atual do sistema penitenciário brasileiro faz-se

necessário um estudo dos números divulgados pelo Ministério da Justiça. São

informações que devidamente apreciadas nos dão a real dimensão do problema que

enfrentamos. Foram divulgados no último ano no site do Ministério da Justiça os

formulários com os dados atualizados até junho de 2010 sobre o sistema prisional

brasileiro.

São informações que retratam situações discriminatórias, uma vez que, prevalecem

variáveis de sexo, idade, cor da pele e nível escolar que traçam o perfil do cliente

das penitenciárias no Brasil. São homens jovens, de cor parda/negra e com baixo

nível de instrução escolar, como veremos a seguir.

A população carcerária segundo o formulário é de 494.237 presos, um índice de

258,11 para cada grupo de 100.000 habitantes. Um índice alto se comparar-mos

com o Japão que tem 58 indivíduos presos, a França que tem 102, a Alemanha que

tem 85, a Austrália com 133, o Canadá com 117, a Grã-Bretanha com 152 e o

México 200. (ICPS, 2010; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010).

Todavia, ainda estamos longe de sermos os campeões nesse quesito. Bem na

liderança encontramos o país da Estátua da Liberdade, que contradição, os EUA

com taxa de 743 presos por 100.000 habitantes, seguido da Rússia com 559. (ICPS,

2010).

A situação numérica dos presos no Brasil é alarmante. O número de vagas é de

299.587 abrigando nos 1.795 estabelecimentos penais um excedente de 194.650

presos. A atual política do Ministério da Justiça aponta como solução a construção

de mais presídios.

Por conseguinte, considerando que um presídio moderno comporta um número

médio de 500 presos, seria necessário a construção de 400 novas instituições. Sem

falar no número de mandados de prisão esperando cumprimentos que ultrapassam

a casa dos 150 mil. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010).

Page 35: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Chega ser provocante essa constatação de que o custo de uma unidade prisional

gira em torno de 20 milhões de reais. Assim, para resolver, segundo a política do

Governo, o problema da superlotação nos presídios brasileiros seria necessário em

torno de oito bilhões de reais.

Tais números revelam a ineficácia do sistema e das políticas voltadas à redução das

taxas de incidência do crime da política penal adotada no país. Na contramão da

lógica penal, os empenhos são percebidos através de “demandas por mais ações

punitivas por parte do governo, por meio da aprovação de leis de sentenças mais

duras.” (MIRANDA, 2009, p. 229).

Entendemos que tais políticas devem ser fundamentadas em pesquisas, e que o

critério para estabelecer-se a prisão de um indivíduo seja mais rígido. A prisão deve

ser a exceção e não a regra.

Ainda segundo os dados do Sistema Prisional Brasileiro (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA,

2010): dos 494.237 presos mantidos no Brasil, 457.641 (92,6%) são homens e

36.596 (7,4%) mulheres. Esses dados reforçam a idéia de que prisão é lugar para

homens, ou seja, que os homens estão mais propensos a entrarem em conflito com

a lei. Das quase 200 mil vagas excedentes no Sistema Brasileiro, 175.828 estão nos

estabelecimentos destinados aos homens e 18.822 às mulheres.

Esse é um dado interessante, pois, apesar do Censo de 2010 relatar que existem

mais mulheres que homens no Brasil (95,9 homens para cada 100 mulheres),

aqueles continuam sendo maioria nas unidades prisionais. (IBGE, 2011).

A maioria dos presos é de jovens de 18 a 29 anos, sendo 54,54% do total dos

presos classificados. A faixa etária de 30 a 45 anos representa 31,97% dos

detentos. Apenas 13,49% dos presos têm idade superior a 45 anos. De acordo com

os números a população carcerária brasileira é, essencialmente, constituída de

jovens. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010)

Esse fato tende a mudar com o tempo uma vez que dos presos com sentença

condenatória 52,07% foram condenados a penas superiores a oito anos. Desses,

Page 36: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

18,69% foram condenados a mais de quinze anos na prisão. São pessoas que

envelhecerão na prisão.

Quanto ao grau de instrução, 26.266 são analfabetos e 51.488 apenas

alfabetizados. Os com Ensino Fundamental Incompleto são 186.163 e completo

66.203. Esses dados são importantes e nos revelam que dos 440.864 presos

classificados pelo grau de instrução 330.120 não cursaram sequer o Ensino médio,

ou seja, 74,88%. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010)

Diante disso, fica evidente a relação entre o grau de instrução e as chances de

tornar-se cliente do sistema prisional, pois, quanto maior o grau de instrução do

indivíduo menor as chances de cometer crimes e parar na prisão. Essa afirmação

obtém mais força quando verificamos que do total dos detentos 0,42% possuem

curso superior enquanto na população brasileira esse número passa de 10%

atualmente. (IBGE, 2011).

Observando as condenações por crimes cometidos/tentados verificamos que a

maioria refere-se aos crimes contra o Patrimônio e Entorpecentes com um

percentual de 75,02%. Os condenados por cometer crimes contra a vida (homicídio,

seqüestro e cárcere privado) somam algo em torno de 12,00%.

Esses dados corroboram a assertiva de Veronese (1997, p. 31):

Acontece é que, historicamente, todo o sistema penal tem sido direcionado para reprimir lesões microcriminais, ou seja, o aparato jurídico-conceitual tem por modelo o crime isolado, episódico, de preferência os contra o patrimônio, e não as lesões macrocriminais, como os crimes ambientais, os de sonegação fiscal, os que atentam contra o sistema financeiro [...].

A quantidade de presos por cor da pele/etnia também se mostra relevante. Dos

440.864 detentos referenciados 40,53% são classificados como pardos 34,81%

brancos e 15,82% negros. Fazendo uma comparação com a sociedade extramuros

verificamos que, segundo a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

(IBGE, 2011) 48,20% da população brasileira consideram-se brancos, 44,20%

pardos e 6,90% negros.

Através de um rápido exame com base na lógica da proporcionalidade poderemos

observar que a população negra nas prisões é quase três vezes superior aos que se

declararam negros na sociedade livre, enquanto que, na população branca ocorre o

Page 37: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

contrário. Várias são as respostas para essa situação, mas a mais coerente é a

exposta por Sá (1996, p. 150):

Percebe-se que, se de um lado nega-se, por razões científicas já suficientemente expressas, a existência de fatores genéticos do crime no ser humano branco, preto, mulato ou de qualquer procedência racial ou étnica, de outro constata-se que, por questões históricas e políticas, aliadas a outras, também no Brasil a negritude e a pobreza são determinações suficientes para sensibilizar a vigilância policial e desencadear sua ação, sobre segmentos subalternos onde os ingredientes cor e pobreza estejam presentes.

O número de servidores públicos na ativa que atuam diretamente no Sistema

Penitenciário é de 85.756. Os Agentes Penitenciários são a maioria computando um

total de 60.272 servidores. Nesse grupo encontramos além dos Agentes,

advogados, dentistas, pedagogos, psicólogos, enfermeiros, médicos, etc.

(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010)

Um dos indicadores mais importantes é referente à ocupação dos detentos.

Segundos alguns pesquisadores um dos maiores obstáculos à ressocialização do

preso é o ócio vivido na prisão. Sá (1996, p. 176) raciocina que:

Se admitirmos que um dos critérios para distinguir os “homens de bem” dos “homens criminosos” seja a dedicação ao trabalho ou a posse de rendas e que as pessoas, ao passarem pela prisão, transformar-se-ão em cidadãos honestos, porque aprenderão a trabalhar e sairão com posse de certa renda decorrente de pecúlio, estaremos muito enganados por várias razões.

Assim, esse argumento é um equívoco, pois a realidade da prisão é um retrato da

ociosidade. A prisão como depósito e guarda de presos que é atualmente faz desse

comportamento uma regra. “A ociosidade, ao ser constituída e instituída como valor,

tornou-se um componente estrutural da cultura delinqüente, desenvolvida no mundo

prisional.” (SÁ,1996, p. 185).

Essa afirmação ganha respaldo quando constatamos que apenas 22% dos detentos

estão envolvidos em Programas de Laborterapia, 4% em trabalho externo e 18% em

trabalho interno. Da mesma forma, apenas 10% dos detentos estão envolvidos em

alguma atividade educacional. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010)

Page 38: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Os números da situação de reincidência não foram tabulados pelos formulários do

Departamento Penitenciário Nacional. Entretanto, “estatísticas mundiais sobre o

problema da reincidência criminal indicam que esta fica em torno de 60%, quando da

condenação à pena privativa de liberdade [...]”. (VERONESE, 1997, p. 40).

Apesar de não termos no Brasil estatísticas exatas sobre esse fator, “[...] é

inquestionável que a delinqüência não diminuiu [...]” (BITENCOURT, 1993, p. 148).

A esse alto índice de reincidência costuma-se atribuir o fracasso da pena privativa

de liberdade que não é capaz de reabilitar o delinqüente.

A exposição desses números não nos é encorajadora quanto ao futuro do sistema

penitenciário no Brasil. Isso porque as medidas governamentais têm acontecido, os

investimentos estão na casa dos bilhões. Em sete anos multiplicaram-se dez vezes

os investimentos em segurança pública. No ano de 2010 foram investidos mais de

3,5 bilhões de reais na segurança pública, mas todo esse investimento ainda não

surtiu o efeito desejado.

Talvez seja a hora de dar um novo rumo às políticas de gestão na área de

segurança pública. Tudo o que se tem feito repete os erros do passado. Não temos

como esperar resultados diferentes de ações idênticas. É como nos orienta

Maquiavel: “se os tempos mudam e os comportamentos não se alteram, então será

a ruína”.

Page 39: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

6 A UTOPIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE

LIBERDADE

Como pudemos observar no tópico 3.3, a ressocialização como um dos objetivos da

pena privativa de liberdade é uma questão recente na história das prisões. Talvez

por isso, temos poucos dados empíricos de sua possibilidade e existe uma forte

reflexão teórica sobre sua impossibilidade.

Bitencourt (1993, p. 69) considera que:

Os regimes penitenciários contêm sempre uma estranha união de funções antitéticas: por um lado devem servir como instrumento para impor ordem e segurança e, por outro, devem propiciar a reabilitação do delinqüente.

Ainda nessa mesma direção “o sistema penitenciário, apesar de todos os esforços

para convertê-lo em um instrumento de ressocialização, não pode deixar de cumprir

o papel de eficaz instrumento de controle e dominação.” (BITENCOURT, 1993, p.

70).

Segundo essa lógica a punição e o tratamento deveriam ser vistos como partes

componentes de um processo, fato esse que se revela incoerente uma vez que tais

metas são conceitualmente conflitantes. Como salienta Thompson (1980, p. 6):

“punir é castigar, fazer sofrer. A intimidação, a ser obtida pelo castigo, demanda que

este seja apto a causar terror. Ora, tais condições são reconhecidamente

impeditivas de levar ao sucesso uma ação pedagógica.”

Do mesmo modo, para Miranda (2009, p. 215):

Estas duas forma de se exercer o controle social de indivíduos criminosos, entretanto, compreendem dois pólos opostos, onde a punição se relaciona, enquanto conseqüência, à incapacitação; e a reabilitação, se apresenta relacionada à redução da incidência e reincidência das ações criminosas [...].

Mais ainda sobre essa contradição, Bitencourt (1993, p. 74) diz que:

O problema do poder e da dominação está sempre presente quando se analisa o objetivo reabilitador da pena privativa de liberdade. Admitindo-se que o sistema prisional dá prioridade ao exercício do poder e a imposição

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de determinada ideologia, não é possível aceitá-lo, mesmo em sua expressão mais liberal, como um instrumento de reforma e de reabilitação.

Além dessas questões existem muitas outras que fazem do caráter ressocializador

da pena privativa de liberdade uma ingênua utopia. Esses fatores dizem respeito ao

fato de a prisão ser fundada em comportamentos e regras que não fazem parte da

vida de uma sociedade normal.

Como exemplo, podemos citar o regime de controle total sobre a vida do recluso, a

especificidade da população entre-muros, a ruptura de direitos, etc. Assim, sendo a

prisão uma instituição total não estaria voltada para construir nos indivíduos sobre

sua guarda características que os habilitassem a uma vida plena na sociedade

extramuros.

Dessa forma “o indivíduo, inserido em uma instituição total, se ajusta ao ambiente

anormal da instituição ao invés de se ajustar à realidade social mais ampla.”

(MIRANDA, 2009, P. 219, grifo da autora). Para Goffman (apud, SÁ, 1996, p. 43):

“[...] ao entrar na prisão, o prisioneiro está determinado a reelaborar os elementos de

expressão do ‘eu’, cujo resultado será a construção de nova identidade.”

Essa nova identidade é moldada com o intuito de afeiçoar o internado ao universo

prisional e não como forma de dar subsídios à construção da cidadania, de um

sujeito capaz de respeitar os direitos e cumprir com seus deveres.

Goffman (apud, SÁ, 1966, p. 55) define uma instituição total “como um local de

residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação

semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de

tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada.”

Nesse mesmo sentido temos a prisionização, categoria formulada por Clemmer

(apud VERONESE, 1997, p. 33): “referindo-se ao processo de adaptação pela qual

passa o indivíduo ao adentrar as prisões, uma vez que adotará um específico estilo

de vida, um modo de pensar, de agir, enfim, ‘da cultura geral da penitenciária’”.

Page 41: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

A esse processo Bitencourt (1993, p. 181) nomina de socialização na cultura

delinqüente e conceitua como sendo o conjunto de elementos culturais eleitos,

firmados e confirmados como valores para a população prisional. Levando-se em

consideração que os valores intramuros são totalmente distintos dos valores na

sociedade livre podemos concluir que “[...] adaptação à prisão implica em

desadaptação à vida livre.” (THOMPSON, 1980, p. 14).

Outro grande entrave encontra-se não na estrutura prisional, mas nas condições

sociais e econômicas vividas cotidianamente por aqueles que são alvo das políticas

penais. Para pensar esse assunto Cervini (apud VERONESE, 1997, p. 34) contribui

com duas importantes indagações:

Como e para que ressocializar alguém que por razões conjunturais de desemprego, grave crise econômica e etc., comete um delito contra a propriedade, enquanto tais razões de desocupação e crise econômicas continuam existindo? Como ressocializar para o respeito à vida um delinqüente violento, sem criticar ao mesmo tempo uma sociedade que continuamente reproduz a violência através dos meios de comunicação e desencadeia uma agressão brutal (guerras, violação de direitos humanos) contra grupos mais fracos ou marginais, entre os quais provavelmente se encontra o delinqüente?

Segundo Bitencourt (1993, p. 66):

Se não se corrige o meio social é inútil prodigalizar cuidados aos presos que, assim que saem de sua prisão, devem encontrar novamente as mesmas condições que determinaram seu delito e que uma previsão social eficaz não eliminou [...].

Todo o contexto social contribui para o insucesso da ressocialização. Na maioria dos

casos o egresso do sistema prisional já é um indivíduo marginalizado com pouca

instrução formal e baixa qualificação profissional como pudemos observar no

capítulo 5. Como afirma Sá (1996, p. 180):

Vencido o processo de socialização para o convívio na “sociedade dos cativos”, regida por específico “Código de Conduta” e tendo a ociosidade como valor social, o preso, se alcançar o privilégio de continuar vivo, atingirá um dia o estágio de ex-prisioneiro.

Page 42: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Junte-se a esses elementos o fato de carregar o estigma de ex-presidiário e teremos

uma receita perfeita para a reincidência. Se antes de receber tal alcunha esse

sujeito já encontrava dificuldades de inserir-se no mercado formal de trabalho, agora

essa tarefa torna-se quase impossível.

Marcado com o estigma de ex-presidiário, mesmo com profissão definida, experiência com emprego formal, situação familiar regular e condição financeira razoável, o ex-detento, na vida livre, necessitará de apoio de um pistolão. Se não existir ou não surgir, o egresso não terá outra alternativa a não ser a continuidade da prática delinqüente. (SÁ, 1966, p. 180).

Embora se fale na missão ressocializadora da pena, a própria sociedade pressiona para que a realidade penitenciária seja somente um meio de isolamento, onde as possibilidades de conseguir uma autêntica reintegração social são praticamente inexistentes. (BITENCOURT, 1993, p. 90).

Segundo Bitencourt (1993, p. 75), por esse motivo:

[...] a tentativa de humanizar a pena, assim como o propósito de converter o sistema penitenciário em um instrumento reabilitador sempre encontrou duas grandes dificuldades: de um lado, o cidadão comum mantém uma atitude vingativa e punitiva a respeito da pena privativa de liberdade e, de outro lado, as autoridades públicas, por pragmatismo e oportunismo (geralmente com intenções demagógicas e eleitoreiras), não se atrevem a contradizer esse sentimento vingativo.

Para Scandelai e Cardoso (2006):

Uma grande parte da sociedade civil brasileira não tem uma idéia nítida sobre a pena de morte, muitos que se posicionam favoráveis a essa ação, acreditam que com ela a criminalidade diminuiria de maneira significativa. Os mesmos defendem a idéia que a ressocialização é possível, só que não sabem exatamente por onde deve ser iniciado o processo. Os indivíduos têm opiniões pré-formadas sobre esses assuntos, onde é notado [sic] grande influência da mídia e do Estado, no conhecimento transmitido, ou falta dele.

Outros problemas são apontados como decorrentes da incapacidade de

ressocialização do sistema penitenciário. Para Assis (2007, p. 77):

A comprovação de que a pena privativa de liberdade não se revelou como remédio eficaz para ressocializar o homem preso está no elevado índice de reincidência dos criminosos oriundos do sistema carcerário.

As pesquisas apontam que o índice de reincidência aumentou nos últimos anos no

Brasil. Isso não pode surpreender quem tem um conhecimento um pouco mais

amplo da situação brasileira no que diz respeito à desigualdade social, à crise do

Page 43: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

emprego assalariado, ao descaso das autoridades com a maioria da população

carente e marginalizada e que é vítima de um sistema social perverso e que se

reflete nas instituições sociais.

6.1 ALGUMAS SOLUÇÕES PROPOSTAS

Diante do atual cenário da falência quanto à ressocialização na prisão brasileira,

muitos esforços e iniciativas têm surgido. O Ministério da Justiça lançou um edital no

ano de 2010 que estabelece os critérios para a concessão de financiamentos de

projetos, ações ou atividades que visem modernizar e aprimorar o Sistema

Penitenciário Nacional. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010).

Entretanto, avaliamos essas iniciativas como ações paliativas que vão tentar

remediar o problema, estarão atuando apenas na “ponta do iceberg”. São

basicamente voltados à educação e formação profissional dos detentos e egressos,

além da tentativa de melhoria na assistência à saúde e assistência judiciária.

É interessante salientar que a falta desses incentivos na vida pregressa dos sujeitos

são, muitas vezes, entendidas pelos estudiosos como condicionantes e até

determinantes da situação de delinqüência na qual se encontram. Dessa forma, o

que está se tentando fazer não oferece o menor respaldo prático, visto os milhões

de brasileiros que carecem desses amparos.

Do mesmo modo, a situação em que se encontram os presos no Brasil é uma clara

referência ao descaso que a sociedade e os governantes têm para com eles. Os

movimentos que temos presenciado atualmente são reflexos das pressões,

principalmente dos órgãos internacionais, sobre o Estado Brasileiro.

Saindo das elucubrações do governo, temos ainda incipientes propostas da

sociedade civil e de ONGs que procuram atuar na complicada questão da reinserção

social dos egressos do Sistema Prisional. São trabalhos em número insuficiente

para atender ao aglomerado prisional, mas algumas propostas são interessantes e,

apesar de seu caráter imediatista, são iniciativas válidas.

Page 44: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Essas ações vão ao encontro do que saliente Miranda (2009, p. 230): “o fenômeno

do crime não é algo que se dá de forma isolada do contexto social ao qual se insere.

Sendo assim, a resposta a ele também demanda envolvimento do campo social e

dos vários setores nele envolvidos.”

Nesse meio encontramos alguns movimentos que tem cogitado e proposto idéias

que caminham para a privatização dos presídios brasileiros como a única solução

para os problemas enfrentados. Sobre esse assunto traremos as contribuições de

Magaldi Neto (apud, VERONESE, 1997, p. 38):

No plano jurídico-político, a forma privada de administração dos presídios suscita dúvidas quanto à sua constitucionalidade. Subtrair a liberdade de alguém, nas modernas democracias ocidentais, é a maior penalidade que o Estado pode impor a seus súditos. Nesse contexto, fica difícil, senão impossível, imaginar que parte deste imenso poder possa ser delegado aos particulares. Prisão não é serviço público, como a limpeza urbana, o transporte de massa e outros serviços que o Estado transfere à iniciativa privada, por meio de concessão ou permissão. A prisão, tal qual a Justiça, é uma idéia, um atributo da soberania estatal – indelegável, portanto.

Colocando à parte essas soluções fantásticas e de cunho apelativo

sensacionalístico, devemos apelar para a razão e entender que “a reabilitação

consiste em um conjunto de propostas, que abrangem as teorias criminológicas e,

em especial, a conciliação delas com os atores sociais e políticos, mídia, e

trabalhadores do sistema criminal.” (MIRANDA, 2009, p. 230).

Frente ao atual desafio de encontrar meios eficazes de conduzir os condenados à

condição de cidadão temos encontrados estudos e práticas que projetam o trabalho

e a educação como meios de satisfazer esses anseios sociais. Podemos citar

algumas dessas iniciativas como o Projeto Começar de Novo do Conselho Nacional

de Justiça.

Este projeto articula-se com um conjunto de ações, coordenadas em âmbito

nacional, voltadas à sensibilização dos órgãos públicos e da sociedade civil quanto à

necessidade de se promover cursos de capacitação profissional aos detentos.

Também acena com propostas de acesso ao trabalho por parte dos presos e

egressos do sistema penitenciário com vistas a diminuir os índices de reincidência e

promover a cidadania.

Page 45: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

Quanto à educação temos em destaque o que tem sido desenvolvido pela FUNAP

(Fundação Professor Manoel Pedro Pimentel), que através do Programa do Preso

desenvolve ações educativas – ensino fundamental e médio, e profissionalizante

durante o período de reclusão.

O agravante é que esses programas que deveriam complementar-se, apesar de

incipientes, não têm obtido êxito. Basta observar-mos o número de detentos

envolvidos com atividades de laborterapia e educação no sistema prisional

brasileiro. Como visto nos capítulos anteriores apenas 22% estão envolvidos em

laborterapia e 10% em atividades educacionais.

Pior ainda se comparar-mos com os anos anteriores à implantação dos projetos

como em 2008 quando 21,58% dos 393.488 mil detentos estavam envolvidos em

laborterapia e 9,09% em atividades educacionais. Estes números demonstram que

não houve um aumento significativo após a instauração dos projetos. (MINISTÉRIO

DA JUSTIÇA, 2010)

Em entrevista à revista Época em Fevereiro de 2011, Luciano Losekann,

coordenador do projeto afirmou que apenas 15% das vagas conseguidas pelo

Projeto Começar de Novo haviam sido preenchidas. Segundo ele, o grande entrave

seria a falta de qualificação dos detentos. Qualificação essa que deveria ser inserida

através da FUNAP.

Diante do exposto fica confortável concluir que o contexto não é favorável para os

que apostam no caráter ressocializativo da pena privativa de liberdade. No cenário

que demarcamos, pensar a ressocialização é missão complicada. O sistema

penitenciário brasileiro está hipertrofiado, e a sua suposta capacidade de promover a

reabilitação dos presos cada vez mais relegada às práticas inócuas que

apresentamos anteriormente.

Page 46: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitos são os argumentos expostos que nos traz a fácil conclusão que a reabilitação

social dos detentos no Sistema Penitenciário Brasileiro é uma utopia. A reincidência,

apesar do pouco estudo sobre o assunto é um dos fatores mais agravantes desse

insucesso. Do mesmo modo, a realidade nos espaços prisionais não dá alguma

perspectiva de melhora em curto prazo.

Argumento recorrente nos teóricos pesquisados é a existência de uma Sociedade do

Cárcere que tem elementos culturais próprios e distintos da sociedade livre. Esse

argumento, por si só, impossibilita qualquer movimento que procure trabalhar uma

ressocialização, uma vez que, o Estado instituído que decretou que os indivíduos

que ali estão não tem condições de ocupar os mesmos espaços dos cidadãos livres

apenas os mantém isolados. Não consegue, como os principais teóricos da pena

privativa de liberdade apregoam, disciplinar os corpos e as mentes dos detentos no

intuito de tornar-lhes sujeitos respeitadores do ordenamento jurídico.

Essa incapacidade dá-se, em certa medida, pelo grande número de presos no

Brasil: somos o terceiro país no mundo em números de presos. Administrar quase

500 mil pessoas confinadas em situações como as quais descrevemos ao longo do

texto é um tarefa dificílima. Diminuir o número de encarcerados seria uma

alternativa altamente positiva e que não demandaria tantos recursos como a

construção de novas unidades prisionais.

Em um passado recente presenciamos iniciativas que poderiam hoje dar conta

dessa façanha. Os mutirões do judiciário mostraram-se uma alternativa eficiente

para resolver esse problema. Como exposto anteriormente 37% dos indivíduos

encarcerados são presos provisórios, ou seja, estão à espera de julgamento.

Do mesmo modo, outros 25,50% estão presos por roubo e furto. Se o Sistema

Judiciário tivesse interesse em determinar outros tipos de penas, as nominadas

penas alternativas, não estaríamos enfrentando o caos penitenciário atual. Essas

seriam ações mais relevantes do que muitas das que têm sido estimuladas pelo

poder público e pela sociedade civil organizada. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010).

Page 47: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

A prisão deve ser a exceção, não a regra. É o que nos orienta Miranda (2009, p.

228):

[...] a prisão, visto todas as suas ações e práticas atuais, seja destinada a presos de grande periculosidade, aos quais se esgotaram todas as possibilidades e expectativas profissionais e legais de reinserção social, cabendo-lhes o último recurso: a segregação.

Igualmente, o pragmatismo e oportunismo dos governantes fazem com que

propostas sérias não tenham a devida atenção e investimentos ficando em

desvantagem dos projetos que tem maior apelo demagógico e eleitoreiro. É preciso

fazer com que “[...] os programas reabilitativos, devidamente implementados, sejam

também, devidamente avaliados; o que se contrapõe à grande parte da realidade

atual: programas empobrecidos de carga teórica e produção acadêmica [...]”.

(MIRANDA, 2009, p. 224).

Verificamos que, apesar das mudanças na letra da lei e na estrutura do Estado, o

acesso à justiça e a garantia de direitos prescritos na Constituição da República

Federativa do Brasil ainda são privilégios de uns poucos. O caráter violento e a

propensão à desordem ainda está ligado à condição social e a cor dos indivíduos.

Nesse sentido, Claude Faugeron (apud COMBESSIE, 2001, apud REGO, 2004, p. 229):

[...] identifica que a prisão vem servindo a diferentes lógicas sociais. Ele ressalta principalmente três tipos: o encarceramento com o sentido de neutralização, ou seja, que busca afastar do convívio social o indivíduo verdadeiramente perigoso para a sociedade; o encarceramento no sentido de diferenciação social ou ressocialização, aquele que tem por finalidade proporcionar na cadeia uma formação adequada para que o criminoso possa ser reabilitado a voltar à sociedade; e, por fim, o encarceramento de autoridade, o que visa afirmar uma relação de poder.

No Brasil,

[...] a repressão estatal dirige-se, justamente, para as classes pobres – os marginalizados sociais – que passam a receber, também, o estigma de criminoso, de bandido. Tal processo desencadeou um “inchaço” nas prisões, que ficaram lotadas, exclusivamente, de pobres, tornando o sistema penitenciário totalmente inoperante em termos de possibilitar um processo de reinserção do apenado ao corpo social, servindo, unicamente, como depósito dos indesejáveis sociais (VERONESE, 1997, p 31).

Page 48: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

O cenário carcerário no Brasil reflete um judiciário, uma polícia e em suma, uma

sociedade que não pauta seus juízos na conduta, mas nas condições sócio-étnicas

e econômicas dos indivíduos. As práticas punitivas modificaram-se. O suplício dos

corpos não é mais exposto em praça pública como no Século XVI. Não há mais

açoites e penas de morte. Entretanto, a situação do encarcerado no Brasil ainda

apresenta contornos de tortura.

Essa constatação nos traz à mente a função da prisão em seus primórdios, ou seja,

centros de reclusão da pobreza e da criminalidade. Dessa forma, ela busca atender

primordialmente à prevenção geral – intimidação e limitação. Seu público é

predominantemente composto de pessoas de baixa renda, que moram em bairros

periféricos que vivem à margem do sistema econômico e educacional.

Do mesmo modo, a ressocialização, para concretizar-se carece de um processo de

comunicação e interação entre o indivíduo desviante e a sociedade. Pertinente faz-

se o comentário de Muñoz Conde (apud, BITENCOURT, 1993, p. 140):

Não se pode ressocializar o delinqüente sem colocar em dúvida, ao mesmo tempo, o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo. Caso contrário, estaríamos admitindo (equivocadamente) que a ordem social é perfeita, o que, no mínimo, é discutível.

Talvez esse seja o grande responsável pelo fato de o sistema prisional ser vítima do

descaso das elites políticas e econômicas. Isso porque para a maioria da sociedade

extramuros, a prisão cumpre sua função. Manter à distância aqueles indivíduos

indesejados e não domesticados. Aqueles não conformados às condições de vida

tão desiguais que a sociedade capitalista expõe à nossa vista com suas lentes da

globalização. Mas isso é tema para uma nova monografia. Espero que o esforço

empreendido aqui possa inspirar outros estudiosos para esse tema tão importante

na construção de um Estado que se espera Democrático de Direito.

Page 49: Ressocialização de Presos_ Realidades e Utopias

8 REFERÊNCIAS

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