Resumo Cap. 06 Richardson

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A PESQUISA QUALITATIVA CRTICA E VLIDA.1 Roberto Jarry Richardson David Wainwright http://jarry.sites.uol.com.br/pesquisaqualitativa.htm Freqentemente, a pesquisa qualitativa tem sido vista com desconfiana por investigadores das cincias exatas e da natureza. Por um lado tais metodologias apresentam um vnculo importante com preocupaes caractersticas do pensamento crtico e de ideologias progressistas. Por outro lado, podem ser questionadas em termos de validade e confiabilidade, particularmente, quando comparadas com metodologias utilizadas pela pesquisa quantitativa. Durante os ltimos 10 anos, a situao da pesquisa qualitativa, mudou consideravelmente, adquiriu mais respeitabilidade. Mas, essa aceitao foi alcanada a um custo, requereu, seno a capitulao completa para critrios quantitativos de confiabilidade e validez, pelo menos uma tendncia para aplic-los. Esse compromisso aumentou a aceitabilidade da pesquisa qualitativa, mas, debilitou o vnculo entre o processo tcnico de coleo de dados etnogrficos e sua base nas cincias sociais. Uma conseqncia desse "cisma" foi afastar a metodologia do seu contedo crtico talvez se supe que a pesquisa qualitativa possa ser vlida ou possa ser crtica, mas no ambas ao mesmo tempo. 7. 1 O que pesquisa qualitativa? A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreenso detalhada dos significados e caractersticas situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da produo de medidas quantitativas de caractersticas ou comportamentos. Essa preocupao por revelar as convices subjetivas comum da etnografia. observao participante, pesquisa-ao, e os vrios outros tipos de pesquisa qualitativa. Para muitos pesquisadores qualitativos as convices subjetivas das pessoas tm primazia explicativa sobre o conhecimento terico do investigador. A definio de pesquisa qualitativa coloca diversos problemas e limitaes do ponto de vista da pesquisa social. Primeiro, poucas tentativas so feitas para colocar as concepes e condutas das pessoas entrevistadas em um contexto histrico ou estrutural. Considera-se suficiente descrever formas diferentes de conscincia sem tentar explicar como e por que elas se desenvolveram.1

Extrado de Richardson, Roberto (Org). Pesquisa Social. Captulo 6. So Paulo: Ed. Atlas, 3a Ed. 1999.

Isso conduz a um segundo problema - a tendncia para adotar uma atitude no crtica das concepes e conscincia dos entrevistados, sem considerar o seu desenvolvimento epistemolgico. Superficialmente, tal aproximao parece ser o eptome de uma sociologia livre de valor; em lugar de analisar a vida dos outros, o pesquisador se torna um reprter imparcial que permite aos entrevistados expressar a prpria definio da situao. Contudo, a relutncia em enfrentar os processos pelos quais as diferentes formas de conscincia so social e historicamente construdas, junto com a ausncia de qualquer avaliao do status epistemolgico e potencial emancipatrio de um conjunto de crenas, significa pouco mais que uma legitimao passiva da ideologia dominante. Em lugar de ser um meio para desenvolver uma conscincia crtica em relao opresso ideolgica, a teoria social conceituada como uma parte inevitvel da ideologia dominante - algo a ser resistido - em lugar de uma base para a atividade emancipatria. Em resumo, acredita-se que o pesquisador tem tudo para aprender das pessoas que entrevista, mas que a teoria social crtica no pode ter nenhum papel na emancipao delas. luz de tais crticas uma nova gerao de etngrafos (Hammersley,1992) tentou sintetizar o enfoque tradicional dos significados e definies dos sujeitos de um fenmeno social com a compreenso obtida ao fazer a crtica social. No obstante Hammersley & Atkinson (1983:234) tentem distanciar-se da etnografia crtica, reconhecem o valor dessa aproximao: "... no temos como desconhecer a validade dos resultados da compreenso participante: so uma fonte crucial de conhecimento, pois derivam da experincia do mundo social. Mas, no esto imunes avaliao nem explicao. Devem ser tratados da mesma maneira que os resultados cientficos sociais. Porm, a sntese entre a etnografia e a pesquisa social crtica instvel , necessita de um conceito de validade diferente daquele adotado pela pesquisa quantitativa tradicional ou pelo empirismo positivista.

7.2 O que pesquisa social crtica? A investigao crtica variada e flexvel, e s assume uma forma especfica quando aplicada ao estudo de um fenmeno particular. Mesmo assim, a aproximao crtica tem vrios elementos essenciais, e a inteno resumi-los para chegar a uma melhor compreenso do fenmeno. Na parte central de uma metodologia genuinamente crtica, encontra-se a lgica dialtica. A aplicao da lgica dialtica permite-nos reconhecer a especificidade histrica e a construo social dos fenmenos existentes, para que ns possamos agir conscientemente para transformao e satisfao de nossas necessidades. A lgica dialtica revelada por Marx e Engels refletiu a tcnica inconscientemente utilizada por outros cientistas. Por exemplo, Darwin, revelou um mundo orgnico em um estado constante de fluxo onde pequenas mudanas quantitativas conduziram com o passar do tempo transformao qualitativa de uma espcie para outra. A nossa preocupao de dar nomes fixos a coisas que mudam constantemente uma questo de praticidade em lugar de preciso - damos nomes s coisas para entend-las e poder us-las na satisfao de nossas necessidades. A fixao de significados implcitos no ato de nomear no poder seguir o ritme do mundo em constante mudana. Isto nos conduz a revisar continuamente nosso conhecimento do mundo. Nesse sentido o conhecimento est sempre historicamente especificado. Isto no implica a adoo de uma epistemologia relativista, porque em qualquer determinado momento algumas reivindicaes de verdade estejam mais adequadas que outras. A lgica dialtica permite-nos escolher entre reivindicaes de verdade alternativas, sem perder a viso de sua especificidade histrica e sua transitoriedade. A adoo da lgica dialtica tem uma srie de conseqncias metodolgicas para a pesquisa social crtica. Primeiro, essencial estudar o desenvolvimento histrico de um fenmeno para revelar mudanas na sua conceitualizao atravs do tempo. O propsito de estudar um fenmeno atravs do tempo no de apenas registrar mudanas em sua aparncia ou essncia, mas revelar a natureza da relao entre a aparncia e a essncia do fenmeno. J mencionamos que a produo de conhecimento envolve a abstrao do mundo material para o mundo terico para poder informar melhor sobre nossa atividade prtica. A aproximao dialtica problematiza esta relao entre realidade objetiva e nossas tentativas para represent-la no conhecimento. Parte do problema reside no fato de que a realidade objetiva est em estado de fluxo permanente, e

nossas tentativas de capt-la por categorizao ou definio, com o passar do tempo, ficam obsoletas ou inadequadas. Configura-se uma difcil relao entre um processo (a realidade) e sua representao (um estado). Assim, o objetivo de estudar um fenmeno atravs do tempo , revelar a especificidade histrica de sua aparncia e essncia e verificar at que ponto construdo socialmente. A relao entre essncia e aparncia no s problemtica porque as formas dos fenmenos ficam obsoletas em face s constantes mudanas no mundo material, mas tambm porque as categorias historicamente especficas pelas quais ns captamos o mundo material, tem uma dimenso poltica que permite a grupos poderosos exercer dominao sobre grupos menos poderosos. Portanto, o segundo elemento da crtica social a "desconstruo" de categorias e fenmenos. Isto no implica na necessidade de descrio detalhada dos contedos materiais de determinada categoria, mas uma tentativa para revelar at que ponto a existncia de uma categoria depende de uma srie de relaes com outros fenmenos na totalidade social e econmica. A anlise crtica das categorias tem efeitos importantes. Primeiro, troca a nfase explicativa das prprias categorias para as relaes sociais que lhes servem de base. Isto faz que as categorias assim derivadas sejam mais duradouras. Por exemplo: uma definio no crtica da categoria "classe trabalhadora" poderia produzir uma lista de ocupaes, faixas de renda, ou caractersticas culturais, tais como, escolaridade ou estilos de vida. Pelo contrrio, uma aproximao crtica tentaria localizar a categoria em uma srie de relaes sociais e econmicas. Assim, se a classe trabalhadora definida em termos de determinadas ocupaes ou atributos culturais, o termo tende a ficar obsoleto medida que muda o mercado de trabalho e surgem novos padres culturais. Alm disso, freqentemente se diz que a classe trabalhadora tem diminudo como resultado da reestruturao da industria manufatureira. Porm, se a categoria fosse definida em termos da relao entre capital e trabalho, perduraria, embora seu contedo demogrfico possa mudar com o passar do tempo. Um segundo efeito da "desconstruo" a descoberta da essncia de um fenmeno localizando suas condies de existncia em um conjunto especfico de relaes sociais e econmicas. Isto tambm revela fatores polticos que no podem ser captados na aparncia do fenmeno. O exemplo clssico a crtica de Marx s formas da economia poltica burguesa (Marx, 1983) que revelou relaes essencialmente exploradoras e coercitivas, que existem trs a aparente liberdade e eqidade na produo de um bem.

Em resumo embora a diversidade da pesquisa social crtica e seu constante desenvolvimento, podemos destacar as seguintes caractersticas: - A aplicao da lgica dialtica que v o mundo material e social em um estado constante de movimento. - O estudo diacrnico dos fenmenos que revela sua especificidade histrica. - A crtica ou desconstruo das formas dos fenmenos existentes e de categorias analticas que, ao procurar uma anlise mais profunda que as aparncias disponveis ao senso comum, ajuda a revelar relaes sociais e econmicas essenciais para a existncia de um fenmeno. - A exposio de estruturas opressivas ocultas. - Orientao praxiolgica na qual o conhecimento considerado algo inseparvel da atividade prtica consciente.

A pergunta, porm, sobre a validade dessa aproximao ainda permanece. 7.3 A pesquisa qualitativa pode ser crtica? A chave para tratar a relao entre observao e crtica social est na reconceitualizao do conceito de validade em termos de uma prtica reflexiva. Isto , uma compreenso consciente do investigador do processo de pesquisa (Hammersley e Atkinson,1983), ou mais especificamente, a uma aproximao questionadora do testemunho dos informantes ( p. ex., esto me contando o que eu quero ouvir?), e ao desenvolvimento do esquema terico (p. ex., estou vendo o que quero ver?). O propsito da reflexo no produzir um relato objetivo ou no valorativa do fenmeno, a pesquisa qualitativa deste tipo no oferece resultados padronizados, como Janet Ward-Schofield (1993:202) sugere... "no corao da aproximao qualitativa est o suposto que dita pesquisa est influenciada pelos atributos

individuais do investigador e suas perspectivas. A meta no produzir um conjunto unificado de resultados que um outro investigador meticuloso teria produzido, na mesma situao ou estudando os mesmos assuntos. O objetivo produzir uma descrio coerente e iluminadora de uma situao baseada no estudo consistente e detalhado dessa situao". Assim, a reflexo no um meio de demonstrar a validez da pesquisa para uma audincia, mas uma estratgia pessoal pela qual o pesquisador pode administrar a oscilao analtica entre a observao e a teoria que considera vlida. Evidentemente, isto ser um antema ao positivismo. Mas realmente to diferente do processo de validade da pesquisa quantitativa? A amostragem aleatria e os testes estatsticos, aparentam mostrar clareza sobre a transparncia da validade, no entanto tais tcnicas no esto imunes manipulao de pesquisadores sem escrpulos. De fato, a validez de um determinado resultado de pesquisa, quantitativo ou qualitativo, depende em ltima instncia na confiana no pesquisador. A procura da validade aplica-se em cada etapa do processo de pesquisa, iniciando no projeto e terminando nas concluses do relatrio. Em continuao apresentamos algumas recomendaes, particularmente, aplicadas pesquisa participante, observao participante e entrevistas em profundidade, exemplos principais da pesquisa qualitativa.

Seleo e familiarizao com o local de pesquisa. A escolha de um local adequado de pesquisa e a familiaridade do pesquisador com os membros do grupo so aspectos fundamentais da pesquisa qualitativa. WardSchofield (1993) analisou as conseqncias que a escolha do local tem na validez e generalizao dos resultados, sugere que ambas podem ser otimizadas escolhendo um local "tpico" ou realizando uma pesquisa em mais de um local. Existem, porm, diversos problemas com qualquer das opes; primeiro, como podemos determinar o que um local tpico sem pelos menos conhecer superficialmente os "outros" locais? Segundo, considerando que a maioria dos estudos qualitativos so realizados por pesquisadores individuais ou pequenos grupos, vivel estudar diversos locais com

a profundidade requerida pela pesquisa qualitativa? Terceiro, como fica a familiaridade de um pesquisador na escolha de um local "tpico" que no conhece? Segundo diversos autores, no se devem relacionar os critrios de confiabilidade da pesquisa qualitativa com aqueles da pesquisa quantitativa, particularmente em referncia representatividade dos entrevistados de uma populao mais abrangente. Indubitavelmente, se aceitamos a necessidade da representatividade do local de estudo, a pesquisa qualitativa sempre aparecer como a relao pobre dos mtodos quantitativos onde possa se aplicar amostragens aleatrias. Pelo contrrio, o investigador qualitativo est mais preocupado com a validez das informaes coletadas, isto , se os dados expressam autenticamente a viso do entrevistado, com interferncia mnima do processo de pesquisa. Esse o critrio de validez (i. e, a capacidade de ter acesso s autnticas opinies dos entrevistados) que orienta a escolha de um local, no, a meta pouco realista da representatividade. Portanto, o processo de escolha deve ser acompanhado por uma reflexo que inclui consideraes tais como: facilidade de comunicao com os entrevistados, adequao dos meios de registro das informaes, e crucialmente, a existncia de alguma caracterstica do local que possa influenciar negativamente as opinies de um entrevistado, por exemplo, a proximidade do empregador ou cnjuge. Na medida que o contexto da pesquisa qualitativa muito varivel, no possvel prescrever de antemo as caractersticas de um local ideal. Mais um motivo, para a reflexo constante do pesquisador. Relaes com os entrevistados. Uma vez decidido o local da pesquisa, o pesquisador deve entrar em contato com os possveis entrevistados. O carter dessa relao varia, por exemplo, de um contato relativamente breve de uma entrevista em profundidade, a uma observao participante que pode implicar em uma relao mais estreita entre entrevistado e entrevistador que pode durar alguns meses. O critrio quantitativo de validade no pode ser utilizado neste aspecto da pesquisa qualitativa. No entanto, o pesquisador deve evitar influenciar os entrevistados de alguma maneira que possa distorcer seus comportamentos ou declaraes, a necessidade de fazer um relatrio com informaes mais sensveis ou delicadas, implicam que o grau de "objetividade" associado aos relatrios quantitativos no vivel nem desejvel. A proximidade com o fenmeno em estudo pode ser considerada uma vantagem, por exemplo, autoras feministas (Stanley, 1990) tm chegado a sugerir que a experincia pessoal pode ser uma fonte vital de determinadas informaes que completem o processo de pesquisa. Nigel Fielding (1993:158) coloca vantagens e desvantagens: "O pesquisador participa para obter informaes detalhadas, no para proporcionar mais um membro ao grupo. O pesquisador deve manter certo distanciamento para poder obter informaes e interpret-las. Mas, existe um problema mais importante e no

enfatizado na leitura especializada, o fato de 'no se aproximar o suficiente' e se faa um relatrio superficial que aparentemente proporcione plausibilidade a uma anlise qual o pesquisador est obviamente comprometido". A administrao do relacionamento com os entrevistados um aspecto importante da validade da pesquisa qualitativa, mas no pode ser prescrito como um procedimento especfico, e sua adequao ou eficincia no ser imediatamente clara para uma terceira pessoa. O esforo feito pelo pesquisador para estabelecer resultados vlidos pode aparecer no relatrio, mas a validade ser um processo que, em ltimo caso, depender da confiana.

Coleta de Informaes. Os pesquisadores qualitativos tm disposio diversos tcnicas de coleta de informaes, incluindo a observao participante e no participante, grupos de discusso e entrevistas em profundidade. Cada uma dessas tcnicas pode apresentar alguns problemas de validez, por exemplo, os observadores participantes podem ter dificuldade de tomar anotaes adequadas. Mas, existem tcnicas para enfrentar essas dificuldades. Do mesmo modo que no caso da escolha do local de pesquisa e as relaes com os entrevistados, o problema reside mais em demonstrar validade que em logr-la. Como foi colocado anteriormente, uma dificuldade maior surge na tentativa de reconciliar a aproximao "com os ps no cho" da pesquisa qualitativa com a perspectiva histrica e estrutural da pesquisa social crtica. Por exemplo, para muitos etngrafos, a entrevista em profundidade deveria ser absolutamente aberta, no mximo com alguns tpicos a serem discutidos, mas sem nenhuma pergunta preconcebida, pois isso implicaria a imposio do ponto de vista do pesquisador em vez de permitir aos entrevistados estruturar a pesquisa. Assim, Sue Jones (1985:46 afirma que os esquemas das entrevistas preconcebidas so inaceitveis... "...os entrevistadores j tm estabelecido, em detalhe, aquilo que relevante e significativo para os entrevistados em relao ao tema da pesquisa; fazendo isso tm estruturado previamente a direo da pesquisa com seu prprio marco de referncia permitindo pouco tempo e espao para que os entrevistados elaborem seus prprios marcos".

Isso pode ser uma aproximao vlida para a etnografia tradicional, ou quando a entrevista o primeiro contato do entrevistador com o entrevistado. A etnografia crtica pode incluir uma entrevista mais dirigida, com perguntas especficas derivadas de uma crtica social mais abrangente. Particularmente, isso pode acontecer quando uma observao participante detalhada tem revelado aspectos importantes que merecem ser examinados com maior profundidade. Em geral, os etngrafos crticos no gostam de fazer perguntas dirigidas, preferem deixar que os entrevistados expressem livre e totalmente seus pontos de vista.O escopo e as caractersticas da pesquisa, porm, so estabelecidos pelo pesquisador, com uma aproximao dialtica, que permite que o referido pesquisador se movimente entre o ponto de vista do entrevistado (e.g. saindo do esquema da entrevista para aprofundar uma linha de pesquisa interessante), e as orientaes tericas oferecidas pela anlise histrica e estrutural. Essa postura permite que os construtos e categorias utilizadas pelo entrevistado sejam desconstrudos durante a entrevista. Possivelmente, a validade dessa tendncia de estruturar a pesquisa do acordo com temas que surgem na crtica social ser mais criticada por etngrafos tradicionais que por pesquisadores quantitativos que esto relativamente obrigados a iniciar a coleta de informaes com esquemas preconcebidos. Para o etngrafo crtico a validez depende da capacidade de penetrar as aparncias superficiais do cotidiano para revelar at que ponto esto constitudas por ideologias ou discursos. Assim, em lugar de comear o processo de coleta de informaes com uma "cabea em branco", o pesquisador crtico possui uma variedade de orientaes produto da crtica social. Anlise das Informaes. Nigel Fielding (1993, p.163) resumiu no seguinte modelo uma orientao comum na anlise da dados etnogrficos:

Transcrio das anotaes obtidas na coleta de dados

Procura de categorias e pautas (temas)

Destaque e seleo dos dados

Elaborao esquema de anlise

(re-seqencia) Harvey (1990) chama de "empilhamento" o mesmo processo ; os dados etnogrficos so , primeiramente, lidos na "vertical", usualmente em ordem cronolgica, para identificar temas e relaes comuns que sero posteriormente codificados. Aps dessa primeira etapa, os dados so recortados e reorganizados em "pilhas" que refletem tpicos chaves. Existem softwares que facilitam esse processo, mas o "cortar e colar" de um processador de texto cumpre a tarefa. Os dados reorganizados so lidos novamente, para elaborar um argumento seqencial,

interessante escolher, das anotaes, algumas opinies ilustrativas para incluir no relatrio. Harvey tambm afirma que a etnografia crtica difere das formas tradicionais de anlise de dados qualitativos no momento que incorpora a crtica das relaes sociais estruturao dos tpicos de pesquisa. Assim, a anlise final no resulta exclusivamente dos dados etnogrficos mas de um "ir e vir" entre esse dados e a crtica social. De acordo com Sue Jones, isso leva para alm dos conceitos e crenas dos entrevistados: "Sei que no posso ser totalmente emptica com os participantes da pesquisa. Tambm estou consciente que em alguns pontos colocarei a minha compreenso dos seus conceitos 'concretos' aqueles que utilizam para organizar, interpretar e construir seu mundo - no meu marco referencial diferente daquele que eles possuem. Mas tentarei deixar claro por que eu fao isso e assegurar que este segundo nvel de significados mantm ligaes com as elaboraes dos entrevistados". (Jones, 1985, p. 56-57) A identificao dos tpicos e a seleo de citaes ilustrativas, tambm levantam aspectos importantes de validez na pesquisa qualitativa. David Silverman destaca: "As diversas formas de etnografia, atravs das quais tenta-se descrever processos sociais, compartilham um nico defeito. O leitor crtico est forado a ponderar se o pesquisador escolheu apenas esses fragmentos de informaes que apoiam seus argumentos". (Silverman, 1985, p.140) A soluo preferida de Silverman para esse problema a incluso, no relatrio, de procedimentos de contagem simples, por exemplo, identificar o nmero de pessoas que fizeram referncia a um tpico especfico. Mas, isso faz surgir um questionamento j colocado, quantas pessoas devem se referir a um tpico para ser considerado significativo. Alm disso, em um pequeno estudo quantitativo improvvel que um ponto de vista compartilhado pela maioria dos entrevistados, possa ser considerado representativo dos pontos de vista de umas populao mais abrangente. De fato, a aplicao de critrios quantitativos de validade a dados qualitativos inadequada. Os fundamentos da entrevista em profundidade descansam na convico de que as pessoas envolvidas em um fenmeno tm pontos de vista ou opinies que s podem ser descobertas atravs da pesquisa qualitativa.

Portanto, o que importa a qualidade das informaes, no o nmero de entrevistados que compartilha a informao. Isso foi a idia de Hammersley (na citao referida anteriormente) quando afirma que os dados etnogrficos devem ser tratados da mesma maneira que os resultados cientficos sociais - quando fazemos referncia ao trabalho de um determinado cientista social, o fazemos pela sua importncia explicativa, e no porque represente um ponto de vista comum. A mesma lgica se aplica aos dados qualitativos. Ao fazer referncia validade na pesquisa qualitativa, Mays e Pope (1995), recomendam que os pesquisadores passem seus dados etnogrficos a investigadores independentes para ver se chegam mesma anlise. Isto tambm inadequado. Como selecionamos o pesquisador alternativo? Quantos deveramos consultar antes de concluir pela validez da anlise? O erro da proposta reside na aplicao de critrios quantitativos de validade a dados qualitativos. Dois estatsticos que apliquem o mesmo teste de confiabilidade aos mesmos dados quantitativos, seguramente chegaro ao mesmo resultado. muito improvvel, porm, que dois pesquisadores qualitativos produzam a mesma leitura de um mesmo sujeito, pelos mesmos motivos que um grupo de alunos que l o mesmo texto, dificilmente produz a mesma redao. De acordo com o que j foi colocado, o pesquisador pode influenciar a validade da anlise etnogrfica; quando assume no trabalho uma perspectiva reflexiva, o problema reside em demonstrar para leitor essa validade. O pesquisador quantitativo pode ter maneiras mais convincentes para mostrar a validade, tais como, a amostragem aleatria e a estatstica inferencial, ainda nesse caso, existe a necessidade de convencer ao leitor sobre a integridade do leitor. Esse o grande desafio da pesquisa qualitativa. Alm disso, o pesquisador qualitativo pode se esforar em mostrar validade da anlise, proporcionando uma descrio detalhada do caso estudado, incluindo dados etnogrficos suficientes, que permita uma leitura alternativa. Preparao do relatrio. Em muitos trabalhos sobre o processo de pesquisa, o relatrio tem merecido pouca ateno, ou considerado uma atividade independente da anlise dos dados. Hammersley e Atkinson (1983) insistem que o relatrio faz parte inseparvel do processo analtico, a sua estrutura pode influenciar o tipo de anlise, ou pelo menos, a compreenso do leitor. Os referidos autores identificam quatro tipos de relatrios: 1.- A histria natural - o relatrio reflete, atravs do tempo, as diferentes etapas do processo de pesquisa. 2.- A cronologia - tambm temporal, mas reflete o desenvolvimento ou percurso do fenmeno em estudo, em lugar do processo de pesquisa. 3.- O enfoque expansivo e retrativo - a anlise se movimenta entre a observao de um acontecimento especfico e as consideraes estruturais e tericas mais amplas.

4.- O enfoque que separa narrativa de anlise - os dados etnogrficos so apresentados em primeiro lugar separados das implicaes tericas. A "histria natural" e uma aproximao bastante comum, particularmente quando se apresentam resultados quantitativos, mas no se ajusta a uma pesquisa qualitativa. De fato, pode levar a uma forma de desonestidade, dando a impresso que a pesquisa seguiu um esquema rgido de leitura prvia, elaborao de hipteses, plano de pesquisa, coleta de dados, anlises e discusso dos resultados. O processo da pesquisa qualitativo no est to estruturado. A reviso da literatura fundamental, mas a determinao dos textos relevantes que devem ser incorporados no relatrio ou publicao, se faz aparente quando o processo de pesquisa est terminando. fundamental que a reviso da literatura seja feita durante todo o processo de pesquisa, pois a observao etnogrfica faz surgir novos tpicos de anlise. Conseqentemente, tal como demonstrado pela discusso anterior, a seqncia hiptese - coleta de dados - anlise de dados, no linear. O processo de pesquisa qualitativa apresenta caractersticas dialticas. Os outros tipos de relatrios so mais relevantes , mas devem ser considerados como aspectos do processo, no como tipos diferentes. Embora a organizao ou publicao de um relatrio no pode por si mesmo conferir validade, pode tornar mais transparente para o leitor o processo de pesquisa e permitir uma melhor avaliao. fundamental utilizar o relatrio para ilustrar a oscilao que surge entre o micro e macro anlise, quando se combinam as metodologias da etnografia e da pesquisa social crtica. A observao detalhada do testemunho dos sujeitos deve ser analisada luz de consideraes estruturais e histricas mais amplas. Generalizao. Uma questo importante que deve ser abordada antes de concluir esta discusso metodolgica a possibilidade de generalizar para outras situaes os resultados de uma pesquisa etnogrfica crtica. Nos trabalhos quantitativos, a generalizao est determinada pela amostragem aleatria e a estatstica inferencial, mas essas tcnicas no so relevantes na pesquisa qualitativa. Em muitos aspectos, o modo de conceituar generalizao nos estudos quantitativos estranho etnografia e pesquisa social crtica. Para o etngrafo muito mais importante conhecer em profundidade as atitudes, crenas e comportamento das pessoas; supe-se que uma determinada viso do mundo est relacionada a um contexto especfico, e que a generalizao para outras situaes ser extremamente limitada. Assim, a pesquisa social crtica baseia-se no suposto que a sociedade est em movimento constante, que o mundo social, e nossa compreenso dele, esto mudando constantemente, limitando o valor da generalizao. Embora a etnografia e a pesquisa social crtica possam questionar os supostos positivistas e quantitativos da generalizao, ambas as aproximaes procuram chegar a resultados que tenham relevncia alm do contexto imediato de uma determinada pesquisa. Ainda que se evitem formular leis do comportamento humano, freqentemente o pesquisador espera que os resultados de sua pesquisa

permitam compreender o comportamento dos outros, mesmo que a capacidade explicativa esteja limitada no tempo e no espao. Janet Ward-Schofield (1993) tem sugerido que essa reivindicao exige reconceituao da generalizao em termos apropriados para a pesquisa qualitativa. A autora, prefere termos como, "ajuste", "comparabilidade", "tradutibilidade", que retratem o processo de descrio detalhada do contedo e contexto da pesquisa, de tal maneira que possa ser generalizado a exemplos semelhantes. O uso de uma descrio detalhada ajuda na generalizao dos estudos qualitativos, porm essa generalizao no depende apenas de uma descrio minuciosa do fenmeno, mas do desvelamento das relaes sociais subjacentes. Por exemplo, uma pesquisa qualitativa pode revelar que o "poder dos pacientes hospitalares" o resultado de um conjunto de relaes especficas entre o Estado, os profissionais da rea de sade e seus pacientes, e que essas relaes so condio de existncia desse "poder dos pacientes".

Tambm pode-se concluir que essas relaes restringem o potencial emancipatrio do poder dos pacientes, e que essa restrio aplicar-se- sempre que existam essas pre-condies. Ir alm dessas condies significaria ir alm do que foi reconhecido como poder do paciente. A conceituao de um fenmeno em termos de suas condies de existncia e as relaes sociais que o caracterizam, uma base mais slida de generalizao que a simples descrio de aparncias imediatas. Por exemplo, o nmero de pessoas envolvidas em um movimento reivindicativo dos pacientes pode mudar, como tambm os profissionais da sade, a localizao geogrfica, suas metas e objetivos, mas se as condies de existncia e as relaes sociais que caracterizam o fenmeno permanecem invariveis, pode-se concluir que o potencial emancipatrio do movimento ser extremamente limitado. Do mesmo modo, um movimento reivindicatrio pode manter a sua aparncia externa, em termos de participantes, localizao geogrfica, etc. , e se transformar em um fenmeno totalmente diferente ( com um grau diferente de potencial emancipatrio), se mudam as relaes sociais subjacentes. Em qualquer dos casos referidos, a definio do fenmeno em termos de relaes sociais revela se a generalizao ou no vlida. Concluses. Na ltima dcada, a pesquisa qualitativa tem aumentado seu respeito nas cincias sociais. Essa legitimidade, porm, foi comprada ao preo de incorporar critrios positivistas de validade e generalizao. Esse compromisso abriu uma brecha importante entre as tcnicas etnogrficas de coleta de dados e suas origens no pensamento fenomenolgico e estruturalista. Conseqncia importante da transformao da pesquisa qualitativa em mais uma arma do arsenal positivista foi a perda do seu potencial crtico. Em lugar de ser um meio utilizado por pesquisadores e entrevistados para juntos viajar juntos da experincia diria a uma compreenso

crtica da formao do discurso e o exerccio do poder, a pesquisa qualitativa est transformando-se em um mecanismo de sobrevivncia; um instrumento para medir a subordinao ao discurso oficial, em vez de confront-lo. A referida transformao da pesquisa qualitativa legitimada pela falsa crena que os critrios positivistas de validade conferem uma autenticidade aos resultados da pesquisa que imediatamente visualizada por uma terceira pessoa. No entanto, os testes mais poderosos de validade disponvel ao pesquisador quantitativo, tais como, a amostragem aleatria e a estatstica inferencial, no esto imunes manipulao por pesquisadores desonestos. Em vez de ser um marco de autenticidade, as tcnicas utilizadas para procurar validade so um meio de evitar o risco da auto-decepo. Ainda que as tcnicas podem ser relatadas, a sua aceitao implica um certo grau de confiana na integridade do pesquisador. Isso no significa que os resultados da pesquisa deveriam ser imediatamente aceitos; o nus cai no pesquisador que deve convencer sua audincia que os resultados so vlidos. A perspectiva mais adequada para um leitor de uma pesquisa, deveria ser o que Gramsci (citado por Buci-Glucksmann, 1980:41) afirmava: "pessimismo da inteligncia, otimismo da vontade". Isto se aplica tanto para a pesquisa quantitativa, quanto para a pesquisa qualitativa.

A importao de critrios positivistas de validade para ser aplicados na pesquisa qualitativa, no apenas injustificada do ponto de vista cientfico, mas tambm inadequada para o tipo de conhecimento produzido por essa perspectiva. O objetivo fundamental da pesquisa qualitativa no reside na produo de opinies representativas e objetivamente mensurveis das opinies de um grupo, est no aprofundamento da compreenso de um fenmeno social por meio de entrevistas em profundidade e anlises qualitativas da conscincia articulada dos atores envolvidos no fenmeno. As anotaes de campo e a transcrio de entrevistas so lidas pelo pesquisador como se fosse um texto acadmico, procura de novas formas de compreender um determinado fenmeno. Os critrios positivistas de validade so absolutamente inadequados para esse processo, suas imposies reduzem a etnografia posio de uma "relao pobre" com a pesquisa quantitativa - um meio menos vlido de obter informaes sensveis. Para terminar, no presente texto colocaram-se argumentos que justificam a reconceituao da generalizao e validade na pesquisa qualitativa, com base na rejeio dos critrios positivistas, em prol das "luzes" oferecidas pela crtica social. Desse ponto de vista, a validade pode ser analisada em termos da administrao reflexiva da relao entre as opinies dos entrevistados e um processo mais abrangente de anlise histrica e estrutural. Essa uma combinao complexa que exige um trabalho cuidadoso em cada etapa do processo de pesquisa. Proporciona, porm, uma oportunidade nica de ir alm das aparncias superficiais do dia a dia. Tambm, permite fazer uma anlise terica dos fenmenos sociais baseada no

cotidiano das pessoas e em uma aproximao crtica das categorias e formas como se configura essa experincia diria. Referncias Bibliogrficas BUCI-GLUCKSMANN, C. Gramsci e o Estado. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1980. FIELDING, N. Ethnography. In: GILBERT, N. (Org.) Researching social life. Londres : Sage, 1993. HAMMERSLEY, M. Whats wrong with ethnography. Londres : Routledge, 1992. HAMMERSLEY, M. & ATKINSON, P. Ethnography: Principles in practice. Londres : Tavistock, 1983. HARVEY, L. Critical social research. Londres : Unwin Hyman, 1990. JONES, S. The analysis of depth interviews. In: WALKER, R. (Org.) Applied qualitative research . Aldershot (Hants.) : Gower, 1985. MARX, K. O capital. So Paulo : Nova Cultural, 1985. (Os Economistas, v. 1.) (original publicado em 1887). MAYS, N. & POPE, C. Rigour and qualitative research. British Medical Journal, 331, 1995. STANLEY, L. Feminist praxis. Londres, Routledge, 1990. SILVERMAN, D. Qualitative methodology and sociology. Aldershot (Hants.) : Gower, 1985.