Resumo de Filosofia
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ANTONIO GRAMSCI
Sem sombras de dúvidas, Antonio Gramsci é um pensador político de destaque na contemporaneidade pela plasticidade oferecida pela sua teoria no que se refere à conquista política das classes subalternas. Diferente dos idealizadores de uma revolução impreterível, como Marx e Lênin, Gramsci é capaz de propor um processo de transformação radical sem recair no totalitarismo político.
1. O CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL
É inegável o poder das influências de Karl Marx e Lênin no pensamento político de Antonio Gramsci. É evidente que para a transformação social ele concebe como Marx as origens materiais das classes, a divisão de classes e o papel revolucionário que a consciência de classe poderia impulsionar. A hegemonia da classe burguesa também é determinante nos escritos gramsciaanos, certos que tem origem nas reflexões de Marx e Engels.
Percebe como Marx e Engels a predominância de ideologias, valores e normas burguesas, mantendo as classes subjugadas as medidas burguesas. Rapidamente a partir das influências marxistas em Gramsci definir a sociedade civil como um complexo de ideologias. Tais relações complexas e ideológicas transportam consigo a visão de mundo, a cultura e demais elementos que são constitutivos da sociedade civil.
Para formular suas reflexões acerca da sociedade civil analisa o norte e o sul da Itália de seu tempo. O norte aparece como ícone do desenvolvimento, o sul, como exemplo plastificado da carência do desenvolvimento. Gramsci parte do chão da fábrica, da realidade material, histórica de sua época e supera Marx, quebrando a ortodoxia marxista da revolução e tomada do Estado de classe trabalhadora, percebendo a luta na sociedade civil para o controle do Estado, deste modo, destaca o papel da hegemonia. Na sociedade é que ocorre a luta política pelo controle do Estado. Diferentes hegemonias em choque marcam o desenho da luta política.
Diferente de Lênin, Gramsci pensa a classe trabalhadora como protagonista do desenvolvimento da consciência de classe. Lênin não imaginara tanto a respeito da classe trabalhadora e Marx certamente tenha percebido, mas carecia ainda a desalienação que era calcada pelos meios e modos de produção da sociedade burguesa. Gramsci pensa ser o Estado o responsável por manter os trabalhadores alienados da consciência de classe, ou melhor, de sua autoconsciência, reproduzindo a reprodução das relações de produção. O Estado não reprime somente, mas é o pivô de disseminação/reprodução da hegemonia da classe burguesa.
A noção de sociedade civil e de Estado se tornam mais claras a partir do momento que as classificamos e percebemos as suas diferenças. A tabela abaixo organiza pensadores com diferentes concepções do que possa significar a sociedade civil.
TEÓRICOS CONCEPÇÃO DE SOCIEDADE CIVIL
DIFERENÇAS ENTRE AS CONCEPÇÕES
JOHN LOCKE Espaço de ordem sobre o estado de natureza;
Embasam o governo pela ordem que a sociedade
civil pressupõe pela
Governo da vontade coletiva, ou seja, o próprio
Estado.
existência de leis, da cultura.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
G. W. HEGEL
Denominava a sociedade civil a sociedade pré-
política, aquela que seria anterior ao estado social,
ou seja, o estado de natureza;
Reino da dissipação da miséria e da corrupção
física e ética;Devia ser governada pela capacidade superior que
era o Estado.
Oposto a concepção dos naturalistas;
O Estado é a encarnação da ideia.
KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS
Espaço dialético das relações de classe;
Antítese dialética em relação ao Estado;
A sociedade civil domina o Estado;
Estrutura, relações de produção.
Para Marx, Engels e Gramsci a sociedade civil
é fator chave do desenvolvimento
capitalista;
ANTONIO GRAMSCI
Organização dos indivíduos além das
relações familiares, na produção, num espaço coletivo organizado por
leis.
Importa-se com o estado material que reflete as
condições de classe e a hegemonia dominante;
Preocupa-se com o espaço de relações e
determinado pela produção, pelas leis e pela
hegemonia burguesa.
2. A HEGEMONIA E O ESTADO
Nas reflexões políticas de Gramsci o conceito de hegemonia é fundamental. Gramsci possui sua originalidade em termos teóricos, quando se trata da abordagem hegemônica capitalista, nas reflexões marxistas do domínio burguês. A tese fundamental para a compreensão das reflexões gramscianas sobre a hegemonia é: como a classe dominante (burguesia), ou seja, conquistou o consentimento das classes subalternas, subjugadas (trabalhadores) e entende como as últimas classes conseguiram derrubar a primeira e propor uma nova ordem mundial.
A tese de estudo da hegemonia parte das reflexões marxistas de forma invertida, ou seja, Norberto Bobbio argumenta que Gramsci inverte a teoria marxista, ampliando-a através de 02 tópicos, a saber:
1. É dada extrema importância ao poder das superestruturas ideológicas sobre os aspectos econômicos que fora fundamental para Marx;
2. Percebe a autoridade da sociedade civil (pelo consenso) sobre a sociedade política (relativa à força).
O que é determinante para Marx, os fatores econômicos determinando os aspectos históricos, Gramsci percebe de outra forma, a saber: a superestrutura representa aspectos ativos e positivos no desenvolvimento histórico. Portanto, contrário a Marx. Quem representa a força material dominante, também reflete as ideias dominantes.
Gramsci afirma que não é possível nem pela lógica de produção se explicar o consentimento ativo entre as classes em domínio. O poder de consciência e a ideologia podem ser marcos fundamentais para a explicação do consentimento entre as classes. Deste modo, além do poder econômico existe a consciência e a ideologia. Assim, a ideologia perpassa todo o tecido social.
Para se compreender a hegemonia no sentido gramsciano, é necessário seguir os significados abaixo:
Conceito Definição
HEGEMONIA
1. Exercício de uma parte da classe dominante, ou seja, a liderança, sendo
líder moral, intelectual, a fração dirigente. Simboliza um micro poder na
sociedade.
2. É o exercício da relação entre a classe dominante e a classe dominada; é a imposição da visão dominante de
mundo como medida universal, configurando os anseios, valores e
necessidades dos grupos em domínio e subordinados. Ela não possui uma força
coesiva e sim coerciva.
A hegemonia somente torna-se efetiva e torna-se expansiva através da existência de uma classe. A predominância da hegemonia depende de quem planeja e organiza, ou seja, de quem contribui para a sua construção para devidamente ser uma visão de mundo coerciva sobre os dominados. Assim, o Estado é um campo de controle da burguesia que mantem a sua hegemonia sobre seus empregados que representam a classe no Estado.
Algumas diferenças são evidentes e perceptíveis em relação à abordagem marxista-leninista e as reflexões gramscianas. Em tese, Gramsci está preocupado com os elementos ético-políticos que
cumprem sua função na história. Assim sendo, a revolução pensada por Marx, concreta no comunismo e para Lênin a tomada do Estado pela revolução armada. Em todos os casos, Marx, Lênin, Croce e Gramsci sentem a necessidade da criação de uma nova história.
O homem histórico produtor de significados e de novas visões de mundo, a hegemonia, a contra hegemonia, os intelectuais são possibilidades de transformação radical da hegemonia.
Gramsci não produziu uma ampla teoria do Estado, mas diferiu de Marx e Lênin em suas concepções. Para ele o Estado é a fusão da sociedade política com a sociedade civil, controlando a sociedade civil. Assim pode-se entender o Estado e seu papel hegemônico com a classe dominante. Isso pode ser melhor explicado pela tabela abaixo:
Oposições Definições
ESTADO/SOCIEDADE CIVILForça hegemônica/Força coesiva; um é
extensão do outro.
HEGEMONIA/SOCIEDADE CIVILVisão de mundo da classe dominante
imposta sobre os trabalhadores;
O Estado e a sociedade civil representam uma união ampla, sendo uma unidade maior. Define-se Estado como complexo de atividades teórico-práticas em que a classe dominante se mantem e busca o consentimento de quem é dominado. A significação dada pelos subalternos qualifica a existência do estado como expressão de dominação.
E a contra hegemonia, como pode ser produzida? Gramsci aponta: a partir da sociedade civil, pois o poder que detém o poder está acima da sociedade civil, ou seja, reside nos aspectos jurídicos. A tese de Gramsci sobre à contra hegemonia reside na produção de outra visão de mundo. Já a classe burguesa está em movimento constante, podendo absorver toda a sociedade civil. Todo o Estado passa por esta transformação e assim torna-se um educador. Deste modo, o Estado com seu aparelho ideológico fortíssimo e a burguesia, estando hegemonicamente em crise, o Estado pode ser pivô de vitória. Pelo contrário, quando inexiste a contra hegemonia, inexiste a consciência de classe, a posição de classe para o desenvolvimento de uma sociedade sem exploração. Por conseguinte, tanto da esquerda como da direita é necessário o Estado para imporem seus modelos.
Na abordagem gramsciana da hegemonia, controlar o Estado é fazer que haja controle da hegemonia. Gramsci atribui importância inestimável a consciência do homem. Ela é colocada no seio da filosofia da práxis. Controlar a consciência é estabelecer um espaço de luta política. Deste modo, crenças, valores, a cultura, a visão de mundo, por Gramsci são entendidas como condições materiais da existência humana.
O Estado entendido como educador, passa a ser o portador da criação de uma nova civilização. Gramsci percebe que para a hegemonia das classes subalternas se elevarem em consciência e materialidade, deverão usar o Estado e o seu poder hegemônico. Caso contrário, quando os trabalhadores não possuem o controle da consciência e da visão de mundo, são reprimidos pela ignorância e dominados.
Um novo Estado pode existir se houver a exclusão das classes dominantes, da hegemonia que os torna dominantes e de seus tentáculos que comandam e influenciam as instituições econômicas e políticas. As massas se fazendo presentes no espaço político torna-se o primeiro passo para a conquista da autonomia, resultando num Estado ampliado.
A contra hegemonia derruba a hegemonia. Tal processo evidencia que as condições políticas, sociais e institucionais irão mudar, assim erigindo a luta política. Ouse já, a luta política não tem nenhuma
semelhança com a luta armada, reside num aspecto passivo, decapitando todos os potenciais revolucionários do adversário.
3. O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO RADICAL
Gramsci propõe três respostas para concretizar seus interesses. Seguem eles no quando abaixo:
Interesse Definição
A CRISE DA HEGEMONIA;
A velha hegemonia está morrendo e a nova ainda não existe, em paráfrase a Karl Marx;
Instala-se quando a burguesia não consegue dar respostas a uma crise;
Incapacidade de se organizar diante da crise;
O estado passa a ser importante diante da crise, mas não a solução;
A crise na hegemonia representa a existência direta da contra hegemonia.
A GUERRA DE POSIÇÃO/GUERRA DE MOVIMENTO;
A tomada do Estado nos moldes revolucionários Leninistas não significa que
a hegemonia proletária exista;Pode ser o governo e não deter o
governo;É contra o totalitarismo de governo;A guerra de posição circunscreve 04
elementos, a saber:1. Cada país necessita de um
conhecimento acurado;
2. Sitiar o Estado pela contra hegemonia, expressão da massa
trabalhadora, assim surge uma nova cultura e uma nova visão de mundo; luta ideológica pela consciência de
classe; tomado o poder, surge à base para um novo Estado, a partir da
hegemonia proletária;
3. A consciência de classe como marco fundamental para a união da classe
trabalhadora para o processo de
transformação; vários são os níveis de consciência coletiva, a saber: 3.1
Consciência e a identificação profissional (inexistente até então); 3.2 Consciência de solidariedade para com os interesses da classe; 3.3 O indivíduo torna-se consciente e entendedor que
os interesses corporativos transcendem passam a abraçar todos os grupos que outrora eram subordinados, podendo
ser base para a criação de uma contra ideologia, libertadora da posição de dominação; 3.4 Desenvolvimento
ideológico a educação como meio de desenvolvimento da consciência, da visão de mundo da classe proletária.
PAPEL DOS INTELECTUAIS.
Gramsci vê a possibilidade de cada proletário ser um intelectual
Cada classe produz os seus intelectuais organicamente e estes auxiliam na
produção da hegemonia daquele grupo; são próprios para as condições
vigentes;Intelectuais das classes subordinadas são atacados para a confirmação e o
consentimento da classe dominante ser reconhecida como classe dominante,
assim não fazendo mais parte da classe de origem;
Os intelectuais são os elementos pensantes das classes, promovendo a
organização da classe social;O papel primordial do intelectual na classe é influenciar as pessoas com suas reflexões e ideias, tanto para a dominação como para a consciência
que transcende os interesses de classe.
CONCLUSÃO
Apesar de Gramsci não ter editado intelectualmente um teoria do Estado, apresenta uma visão mais ampla em relação à teoria marxista desenvolvida por Karl Marx. Rejeita o marxismo ortodoxo e é entendido como um pensador otimista, diferente de Marx.
Gramsci tornou-se licenciado para poder oferecer aporte teórico para o entendimento das sociedades industriais avançadas, pela percepção e ênfase dada as influencias da superestrutura nas formas intelectuais, culturais e relativas às visões de mundo.
A revolução ou a significativa mudança de hegemonia seria possível através da mudança da visão de mundo da classe trabalhadora. A desconsideração da condição de explorados passa a erigir uma nova visão de mundo.
O poder da burguesia na dominação da classe trabalhadora não brota somente do Estado enquanto um macro poder. Parte também da hegemonia. Isso Gramsci percebe, diferentemente de Marx e Lênin. Nestes moldes pode-se afirmar que Gramsci se distância das influencias marxistas e envereda com características próprias e relativa maturidade intelectual.
A dominação ocorre pela aceitação de crenças, valores, padrões de condutas e formas de organizar a vida em sociedade, persuadidos pela classe dominante, compartilhando valores sociais, a cultura, a religião com a classe dominante. Percebeu a importante tarefa que os intelectuais desempenhavam nos grupos dominantes, sendo possível entender que também a classe trabalhadora poderia possuir seus intelectuais orgânicos para a efetivação da revolução.
Partidos revolucionários e a fidelidade dos intelectuais a classe e a visão de mundo em pauta, seriam o lastro necessário para uma nova proposta política. Acreditava na consciência de classe e na produção intelectual e consciente da classe trabalhadora, ou seja, a capacidade de criação de uma hegemonia de classe.
A hegemonia capitalista para Gramsci é fundamental para explicação do domínio burguês e também para a derrocada do capitalismo, hoje entendido como capitalismo tardio.
Para a existência da revolução a consciência de classe passa a ser uma ferramenta fundamental para o proletariado superar a hegemonia burguesa. A ausência da mesma, mantem a burguesia como classe e mantenedora da hegemonia dominante.
Habermas e a Política: uma introdução
Desde os anos cinqüenta o filósofo alemão Jürgen Habermas se envolvera com a relação entre a
vida estudantil e o mundo da política. Os estudantes reconheciam o filósofo como um participante
da esquerda e um dos membros da Escola de Frankfurt, e esperavam seu apoio ao processo de
radicalização que levariam a cabo de forma progressiva durante os anos setenta. No entanto,
Habermas se posicionou de forma vigorosa contra a radicalização e acusou os estudantes de
praticarem um “fascismo de esquerda”. A principal razão alegada pelo filósofo foi o caráter
democrático das instituições políticas alemãs e o elevado grau de desenvolvimento econômico da
Alemanha Ocidental, que retiraria qualquer legitimidade a uma eventual revolução.
A partir deste momento, Habermas se afastou cada vez mais de uma perspectiva de esquerda
orientada para uma revolução que levasse ao socialismo, participando da crítica ao chamado
“socialismo real” existente na época e enfatizando a possibilidade de transformações sociais a partir
da formação de novos consensos. Seguindo a linha iluminista, o filósofo alemão orientará sua
perspectiva pela idéia de uma emancipação humana através do uso da racionalidade, qualificando
tal expectativa a partir da afirmação de um “projeto da modernidade” que deveria ser plenamente
cumprido. O filósofo indicará os avanços sociais da era moderna e apostará na possibilidade de uma
realização deste projeto.
Em “Mudança Estrutural da Esfera Pública” (1962), seu primeiro livro, Habermas parece acreditar
que uma sociedade socialista, na qual os bens e a produção fossem socializados, poderia recriar as
condições para uma esfera pública mais capaz de intervir nos poderes políticos. Mas o autoritarismo
dos regimes socialistas (e sua decadência a partir dos anos setenta e oitenta) interditou esta via.
Além disso, o filósofo alemão se tornou descrente da possibilidade de uma sociedade socialista ser
suficientemente produtiva para atender as necessidades de suas populações.
A partir dos anos setenta, Habermas reorientará seus esforços no sentido da social-democracia. Sem
deixar de lado os problemas e limitações (ou, como diria o autor, “patologias”) do capitalismo
industrial e sem abdicar de um posicionamento crítico, Habermas tentará formular um conjunto de
princípios que deveriam nortear as relações entre as instituições políticas do Estado, as práticas
econômicas do capitalismo e a Sociedade Civil composta pelas demais instituições e formas de
organização dos membros da sociedade. Esses princípios terão como base filosófica a idéia de uma
razão comunicativa orientada para o entendimento mútuo dos participantes da vida social.
Glossário: “Social-Democracia” é o nome dado à orientação dos partidos políticos que pretendem
reformar o capitalismo, tornando-o mais apto a lidar com os conflitos e diferenças de interesse na
sociedade. Os partidos que seguem esta orientação constituem uma esquerda moderada, sem
pretensões revolucionárias, e que aspira a transformações sociais sem abrir mão do modelo de
produção capitalista.
Para Habermas, a filosofia na Modernidade – incluindo o Esclarecimento – se equivocou ao
considerar a racionalidade humana como uma espécie de propriedade dos indivíduos. O autor,
seguindo toda uma reorganização na filosofia que ocorreu no século XX e que mostrou como a
linguagem é central no conhecimento, nas práticas e nas normas que estruturam a convivência
humana (a chamada “virada linguística”), dirá que a razão deve ser observada a partir dos processos
nos quais os seres humanos se comunicam. Afinal, ao conversar com alguém, tanto espero quanto
uso certas convenções (em relação a aquilo que digo, se digo de forma correta, se sou autêntico no
que estou dizendo), que são perfeitamente racionais e podem ser expostas. Este modelo de
racionalidade é chamado por Habermas de “razão comunicativa” e está em jogo sempre que
indivíduos em comunicação persigam algum tipo de consenso. A aposta de Habermas é a seguinte:
se a razão comunicativa fosse disseminada por toda uma sociedade como uma espécie de ideal
assumido por todos (um ideal normativo) quando se comunicassem ou agissem em conjunto, o
resultado seria uma transformação na qual as sociedades seriam mais capazes de controlar os
poderes político e econômico. Afinal, uma racionalidade consensual, partilhada, determinaria os
sentidos da produção e da política. Essa proposta adquire sentido se entendemos que ela pretende
ser uma espécie de “terapia”. Mas, qual é a doença que se pretende curar aqui?
O desaparecimento dos regimes monárquicos e surgimento das democracias durante os séculos XIX
e XX ocasionou um novo modelo de sociedade em termos políticos e econômicos, e cujo valor
central é a autonomia. Politicamente, as decisões dos governantes não são um resultado de suas
vontades, mas passam pelo crivo das leis e reconhecem a supremacia do interesse coletivo (como
está escrito em nossa Constituição: “todo poder emana do povo”). Este modelo é chamado de
“Estado Democrático de Direito”. Do ponto de vista econômico, a produção passa a ser conduzida
por empresas capitalistas voltadas para o lucro, e que reconhecem as leis promulgadas em cada
Estado.
No entanto, no decorrer da história uma série de acontecimentos distorceu este modelo, que se
tornou mais um ideal do que uma realidade. Do ponto de vista político, as ações e decisões tomadas
pelo Estado se tornaram dependentes das chamadas burocracias e tecnocracias. As burocracias são
estruturas estáveis utilizadas pelo Estado para que esse possa intervir na vida social. Burocratas que
atuam a partir de conhecimentos especializados serão chamados de tecnocratas. Se por exemplo um
país tem um grande número de analfabetos, situação que cria toda uma série de entraves para seu
desenvolvimento, os tecnocratas farão a escolha das melhores atitudes a serem tomadas para
reverter esta deficiência da população, e os burocratas conduzirão os esforços nesse sentido
(formação de professores, localização dos não-alfabetizados, criação de métodos e propostas para o
ensino, etc). Ora, na medida em que o Estado se efetiva por meio da ação destas estruturas
burocráticas, essas passam a exercer um poder real que atinge a todos. Assim, as decisões cruciais
tomadas pelos governantes e pelas tecnocracias se tornaram cada vez mais secretas, diminuindo o
poder real da população.
Do ponto de vista econômico, surgiram as corporações multinacionais. Estas são empresas
gigantescas que atuam em inúmeros países e que dispõem de enormes recursos materiais. Estas
corporações frequentemente tomam decisões que afetam os interesses coletivos de forma negativa,
ao explorar de forma indevida os recursos naturais, degradar o meio ambiente, prejudicar as
condições de vida da população, criar cartéis e monopólios, entre outros exemplos. Mas o poder do
qual dispõem as grandes empresas é tão grande, e sua área de atuação é tão vasta, que suas decisões
parecem incontroláveis por parte das populações.
A autonomia dos sistemas político e econômico se torna ainda mais problemática em relação ao
interesse das populações se nos lembramos que estes sistemas dispõem de amplos recursos para
divulgarem seus próprios pontos de vista, através dos meios de comunicação. Os meios de
comunicação serão utilizados como forma de justificar, muitas vezes de maneira enganosa, as ações
das empresas e dos governos.
É esta, em linhas gerais, a “doença” das sociedades contemporâneas: a obscuridade ou falta de
transparências das instituições políticas e das grandes empresas. Mas qual seria a terapia que
poderia levar a uma cura, segundo Habermas?
Se a política e a economia se converteram em um grande sistema, existe uma contrapartida social
deste: o “mundo da vida”. Este é composto pelo conjunto das pessoas que não participam
diretamente das decisões políticas e econômicas. Ou seja, falamos daqueles que se educam,
perseguem seus objetivos de vida, se informam, se relacionam, se expressam, e vivem em conjunto
cotidianamente. O mundo da vida se organiza em uma série de associações: famílias, grêmios
estudantis, agremiações esportivas, sindicatos, associações de moradores de bairros, grupos de
profissionais, tribos urbanas, redes de relacionamento social, amigos que compartilham hobbies,
clubes, associações de todos os tipos e com maior ou menor duração. São organizações instáveis,
frágeis, e que mudam de acordo com as transformações sociais e o surgimento de novos interesses,
gostos e desejos.
Esses grupos, mesmo com interesses diferentes, compartilham uma mesma linguagem – a
linguagem cotidiana, não especializada -, e esta força a todos os seus participantes a tomar em
consideração as mesmas regras para expressar seus pontos de vista e argumentos. Isso permite a
formação de opiniões consensuais e de vontades coletivas, a partir de processos sociais nos quais a
comunicação entre os indivíduos garante a formação de uma opinião pública. Ora, estes grupos
informais se comunicam por sua vez com esferas mais organizadas da vida social e política –
partidos, universidades, meios de comunicação – que levam estas opiniões formadas na sociedade
para o centro dos processos decisórios realizados em assembléias e parlamentos. O resultado é a
formulação de novas leis, que atenderão os interesses mais legítimos e que terão de ser considerados
pelos governantes e pelo poder econômico. Este modelo é chamado pelo autor de “democracia
deliberativa”.
Um ponto importante aqui: Habermas acha que este modelo é melhor do que o de uma democracia
na qual ocorresse uma participação direta. O filósofo alemão aposta todas as fichas em um modelo
de democracia no qual cada parte desempenha o papel que deve desempenhar: os poderes políticos
devem reconhecer a opinião pública em suas ações, mas a sociedade não deve querer assumir
funções políticas, dado que estas são melhor realizadas por especialistas. O risco de uma
democracia direta é a “tirania da maioria”; ou seja, uma maioria desinformada poderia colocar em
risco os direitos e o valor de minorias, impedindo sua participação plena na vida social.