Resumo de Penal

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www.ResumosConcursos.hpg.com.br Apostila: Direito Penal – por Guilherme Tocha

Apostila de Direito Penal

Assunto:

APOSTILA DE

DIREITO PENAL

Autor:

GUILHERME TOCHA

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SUMÁRIO 1º MÓDULO INFRAÇÃO PENAL 2º MÓDULO SUJEITO ATIVO E OBJETO 3º MÓDULO ANTIJURIDICIDADE 4º MÓDULO LEI PENAL NO TEMPO 5º MÓDULO CONCURSO DE PESSOAS 6º MÓDULO ERRO 7º MÓDULO CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

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1º Módulo

INFRAÇÃO PENAL 1. Espécies de Infrações Penais; 2. Conceito de Crime; 3. Elementos do Crime. Seção I Espécies de Infrações Penais Constitui “infração” ou “ilícito” todo comportamento humano que infringe, viola, transgride, ofendendo ou ao menos ameaçando, um bem jurídico, e como tal protegido por norma jurídica. Quando a norma violada é de Direito Civil, estamos diante de um ilícito civil. Sua conseqüência jurídica (sanção) é de natureza civil, pois. Quando a norma jurídica violada é de Direito Administrativo, estamos diante de uma infração administrativa, que em geral implicará a inflição de uma sanção de idêntica natureza. Por final, quando é a norma penal que é violada, lesando ou ameaçando o sujeito ativo um bem jurídico por ela tutelado, dir-se-á que o comportamento humano em apreço constitui uma infração ou um ilícito penal, cuja conseqüência (“castigo jurídico”) há de ser uma sanção penal. As infrações penais são divididas no Brasil em: crimes ou delitos, de um lado; e contravenções penais (ou simplesmente contravenções), de outro. A sanção penal pode ser uma pena (aos imputáveis e ocasionalmente aos semi-imputáveis) ou uma medida de segurança (aos inimputáveis e ocasionalmente aos semi-imputáveis). Não há uma distinção essencial entre os crimes e as contravenções, senão apenas de cunho formal, de molde que o que hoje é crime poderá ser contravenção amanhã; e vice-versa, o que hoje é contravenção poderá passar posteriormente a configurar um delito. Do ponto de vista da gravidade, os crimes são muito mais graves que as contravenções, daí ensejando penas muito mais severas que as penas das contravenções. A propósito, a única distinção entre crimes e contravenções é de natureza puramente formal, e não substancial. Consoante o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (LICP):

a) aos crimes ou delitos a lei impõe pena privativa de liberdade de reclusão ou de detenção, e a pena de multa jamais é cominada isoladamente (ou esta não existe, ou se existe estará cominada alternativa ou cumulativamente á pena privativa de liberdade);

b) às contravenções penais, em seu turno, impõe-se a prisão simples, e a multa poderá ser cominada isoladamente.

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Seção II Conceito de Crime Crime é todo fato típico e antijurídico praticado por sujeito culpável. Assim, pela análise do conceito de crime, atingimos a consciência de seus três elementos, a saber: a tipicidade, a antijuridicidade (ou ilicitude) e a culpabilidade. A tipicidade e a antijuridicidade recaem sobre o comportamento do sujeito (daí falar-se em “fato típico e antijurídico”). A culpabilidade é um requisito que recai sobre o autor daquele comportamento (donde se falar em “sujeito culpável”). A ausência de qualquer dos requisitos opera em não se poder falar em crime. Seção III Elementos do Crime1 1. Tipicidade; 2. Antijuridicidade ou Ilicitude; 3. Culpabilidade. O que afinal haveria em comum entre uma violação de sigilo profissional (art. 151 do CP), um estupro (art. 213 do CP) e uma falsidade de documento público (art. 297 do CP)? Aparentemente, nada; absolutamente nada tem uma coisa a ver com a outra. Mas isso não é verdade! Com efeito, entre os três fatos existe um forte ponto em comum: todos são crimes. E como para haver crime faz-se sempre mister o concurso imprescindível da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade, chega-se à conclusão de que aqueles três fatos, para serem criminosos, terão de ser típicos, antijurídicos e perpetrados por quem seja culpável. Ausente qualquer um daqueles elementos, não há crime. 1. Tipicidade: Em primeiro lugar e antes de tudo, lembremos o que diz o princípio da legalidade, o “carro-chefe” do Direito Penal: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF/88, art. 5º, XXXIX; CP, art. 1º).

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1 OBS: A punibilidade não é elemento do crime, mas apenas uma conseqüência sua que pode, ou não pode, subsistir no caso concreto, sem que com isso desapareça o crime. Se X, culpável, mata Y sem estar acobertado por uma justificante, teremos um crime. A punibilidade também subsiste. Mas poderá ela eventualmente desaparecer. Imagine-se que X haja morrido durante o curso do processo criminal a que estava respondendo. A morte do agente é causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, I, do CP. A punibilidade é extinta, mas nem por isso apaga a existência do homicídio de X. Logo, reitere-se: a punibilidade é apenas uma normal conseqüência do crime, não algo que faça parte deste, tanto que poderá desaparecer a punibilidade, não desaparecendo jamais o crime.

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Em resumo: todo crime e toda pena têm de estar forçosamente, e antes de tudo, previstos em uma lei em sentido estrito, formal (isto é, norma jurídica que haja passado regularmente pelo processo legislativo perante o Congresso Nacional). Assim, temos que o fato criminoso é, sobretudo, um fato previsto em lei. À esta previsão legal dá-se o nome de tipicidade. Típico é o comportamento humano (ação ou omissão humana) que possui tipicidade, isto é, uma relação de adequação com um tipo penal incriminador (norma penal incriminadora). Sinteticamente, criminoso é, antes, um fato previsto, enquadrado, enfim, definido em alguma norma penal incriminadora. O que não estiver enquadrado em qualquer norma penal incriminadora jamais pode ser delituoso. Ex.: A mata B; C, desejando livrar-se de seu filho ainda no ventre, intencionalmente ingere substância abortiva; D subtrai de E várias jóias e dinheiro; F esmurreia o rosto de G; H, sem o consentimento da mulher I, violenta-a sexualmente, praticando conjunção carnal. Todos estes fatos são típicos, pois que previstos, enquadrados, “encaixados perfeitamente” em normas penais — respectivamente, nos arts. 121, 124, 155, 129 e 213, todos do CP. Por exclusão, atípico é um fato destituído de tipicidade, isto é, é um comportamento não previsto em qualquer norma penal incriminadora. Se o juiz vier a incriminar um fato atípico, sua decisão é nula, pois então estará afrontando letalmente o princípio da legalidade (se não há lei que defina o comportamento em alguma norma, como se falar em crime?). Exs.: escovar os dentes; namorar; escrever uma carta; subtrair uma coisa alheia móvel apenas como fugaz empréstimo, sem a intenção de apossamento definitivo. Tudo o que não está previsto em norma penal incriminadora são fatos atípicos para o Direito Penal, embora possam eventualmente configurar ilícito de outra natureza (ex.: o dano culposo não é típico diante do Direito Penal, mas é um ilícito civil, como na conduta de quem, imprudentemente — e portanto sem intenção alguma —, colide seu automóvel contra o de outrem, causando prejuízo). Há hipóteses que surgem para excluir a própria tipicidade, como o são:

a) Princípio da Insignificância; b) Erro de Tipo Essencial (art. 20, caput, do Código Penal); c) Costumes (desuetudo), mas este posicionamento é bastante polêmico.

2. Antijuridicidade ou Ilicitude: Não basta que o fato — para ser criminoso — seja típico, fazendo-se necessário, outrossim, o segundo elemento de toda infração penal: a antijuridicidade ou ilicitude. Esta é a relação de contrariedade entre o fato típico e o Direito.

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Pois bem: muitas vezes estamos diante de fatos inquestionavelmente típicos, porém lícitos, legais, acobertados pelo próprio Direito Penal. Por exemplo, digamos que A mate B, ou que X provoque abortamento consentido na mulher Y. Estes fatos são típicos, ou seja, estão por acaso enquadrados em alguma norma penal incriminadora? Sim, nos arts. 121 e 126 do CP, respectivamente. Mas será que seguramente estes fatos típicos serão também antijurídicos? Depende. Imagine-se que A tenha agido em legítima defesa, e que X tivesse que fazer o que fez para salvar a vida de Y, prestes a perecer, incorrendo, assim, em estado de necessidade. Em tais hipóteses estamos diante de comportamentos permitidos pelo Direito Penal, e tanto é assim que determina, no art. 23, I e II do CP, que o estado de necessidade e a legítima defesa excluem a antijuridicidade.

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Ora, excluindo-se a ilicitude, ausente fica o segundo elemento de todo e qualquer delito. A legítima defesa e o estado de necessidade (assim como o estrito cumprimento de um dever legal, o exercício regular de um direito e o consentimento do ofendido), portanto, implicam a não-incriminação do fato típico. Toda vez, portanto, que o fato típico for proibido pelo Direito, será também antijurídico, ilícito (o “fato típico e antijurídico” também é denominado de “injusto penal”). E, do contrário, quando o Direito Penal facultar (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito e consentimento do ofendido) ou mesmo obrigar (estrito cumprimento de um dever legal) um determinado comportamento, uma certa ação ou omissão do sujeito, este não estará incorrendo numa infração penal, por ausência de ilicitude. Como o Direito Penal poderia incriminar aquilo que permite? As causas de exclusão da antijuridicidade ou da ilicitude (também chamadas de “justificantes”) serão vistas oportune tempore, e são, de acordo com o art. 23 do CP, estas:

a) estado de necessidade (causa legal – arts. 23, I, e 24, do Código Penal); b) legítima defesa (causa legal – arts. 23, II, e 25, do Código Penal); c) estrito cumprimento de um dever legal (causa legal – art. 23, III, 1ª parte, do Código

Penal); d) exercício regular de um direito (causa legal – art. 23, III, in fine, do Código Penal); e) consentimento do ofendido (causa supralegal, isto é, inexistente na lei penal, mas

acatada pela doutrina e pela jurisprudência). 3. Culpabilidade: Não basta que o fato do autor seja típico e antijurídico (é insuficiente um injusto penal), sendo igualmente indispensável que ele próprio, o autor, seja culpável, ou seja, detentor de culpabilidade. Culpabilidade é um requisito que, ao contrário dos dois primeiros (tipicidade e antijuridicidade), não recai sobre o comportamento, sobre o fato (não existe “fato culpável” ou “comportamento culpável”, muito embora seja muito comum os autores escreverem dessa forma), e sim sobre o autor, o sujeito do injusto penal. Culpabilidade é um juízo de reprovação, pelo Direito, em vistas de o autor não ter realizado, nas circunstâncias em que se encontrava, o comportamento esperado e exigido pela ordem jurídica, quando plenamente possível fazê-lo. Ou seja: no caso concreto, o autor detinha o pleno entendimento do caráter ilícito do fato e podia, ainda, determinar-se acordo com esse entendimento; acresça-se que atingiu ou podia perfeitamente atingir a consciência da ilicitude do seu comportamento; e, por fim, era-lhe cabível, porque lhe era possível e exigido pelo Direito, agir em conformidade ao Direito, não contrariamente a ele. Vejam-se os menores de 18 anos: são penalmente inimputáveis, nos termos dos arts. 228 da CF/88, 27 do CP e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A imputabilidade penal é um dos elementos da culpabilidade; faltando um dos elementos da culpabilidade, esta não subsiste; insubsistindo a culpabilidade, inexiste o terceiro e derradeiro requisito de todo e qualquer crime, desaparecendo este. O sujeito inimputável, então, é aquele que não tem imputabilidade penal; não a possuindo, é inculpável, por lhe estar ausente o requisito da culpabilidade (o Direito não pode censurar a conduta dos inimputáveis, por pior que seja a conduta); não possuindo culpabilidade, o fato típico e antijurídico não é criminoso, visto que, ao menos pelo Direito, não pode ser censurado, nem reprimido com uma pena.

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Os elementos da culpabilidade são:

a) Imputabilidade Penal; b) Consciência Potencial da Antijuridicidade; c) Exigibilidade de Conduta Conforme ao Direito.

A ausência de qualquer desses elementos supra ocasiona a incensurabilidade jurídico-penal sobre o autor do injusto penal, ou seja, a sua inculpabilidade, e, destarte, a inexistência de crime. As causas de exclusão da culpabilidade (também ora denominadas de causas de exculpação) são essas:

a) Inimputabilidade Penal (causa legal – arts. 26 a 28 do Código Penal); b) Erro de Proibição Invencível (causa legal – art. 21, caput, 2ª parte, do Código Penal); c) Coação Moral Irresistível (causa legal – art. 22, 1ª parte, do Código Penal); d) Obediência Hierárquica (causa legal – art. 22, 2ª parte, do Código Penal); e) Inexigibilidade de Conduta Conforme ao Direito (causa supralegal, isto é, inexistente na

lei penal, mas plenamente acatada pela doutrina e assegurada pela jurisprudência).

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2º Módulo

SUJEITO ATIVO DO CRIME 1. Generalidades; 2. Terminologia; 3. Crimes Monossubjetivos & Crimes Plurissubjetivos; 4. Crimes de Mão Própria. Seção I Generalidades Sujeito ativo é quem pratica o fato descrito na norma penal incriminadora. É, em resumo, aquele que comete uma infração penal (criminoso). Não existe crime sem sujeito ativo. Em primeiro lugar, os seres inanimados, como os objetos, os animais, os cadáveres, enfim, todos os entres sem vida ou com vida sendo irracionais não podem ser sujeitos ativos de qualquer crime. Com relação à possibilidade de pessoas jurídicas poderem ou não delinqüir, o assunto é bastante controverso, alguns entendendo que pessoas jurídicas podem ser sujeitos ativos de crime (teoria da realidade), e outros (doutrina prevalente) compreendem que as pessoas jurídicas, por não terem vontade própria, também não podem realizar condutas típicas, outrossim sendo destituídas de imputabilidade penal e, em conclusão, de capacidade para delinqüir (teoria da ficção). O certo é que, apesar de a doutrina majoritária não admitir que pessoas jurídicas possam delinqüir, a ordem jurídica brasileira, com respaldo nos arts. 173, § 5º, e 225, § 3º, ambos da Carta Magna, aceita que pessoas jurídicas possam delinqüir nos seguintes casos:

a) Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98); b) Crimes contra o Sistema Financeiro (Lei n.º 7.492/86); c) Crimes contra a Ordem Econômica (Lei n.º 8.176/91) d) Crimes contra a Ordem Tributária (Lei n.º 8.137/90); e) Crimes contra a Economia Popular (Lei n.º 1.521/51).

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Podendo ser sujeitos ativos nos delitos acima, resta insofismável que podem as pessoas jurídicas, quanto a eles, ser caluniadas. Ou seja, se digo falsamente que uma determinada pessoa jurídica deixa dolosamente de, injustificadamente, conferir a seus empregados direitos assegurados por legislação trabalhista, não cometo calúnia contra a pessoa jurídica, pois que ela não pode ser sujeito ativo do crime do art. 203 do CP. Já se digo falsamente que certa pessoa jurídica costuma despejar poluentes nas águas do rio Tietê, cometo calúnia (art. 138 do CP), pois pessoas jurídicas podem cometer crimes ambientais, e com relação à falsa imputação de crime ambiental a alguém, quem quer que seja — pessoa física ou mesmo jurídica —, respondo por calúnia.

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Em segundo lugar, exigem os tipos penais de algumas infrações que o sujeito ativo apresente certa condição especial (capacidade penal especial) para figurar como tal:

• ser mulher, nos crimes de auto-aborto ou consentimento no aborto (art. 124 do CP) e infanticídio (art. 123);

• funcionário público, nos crimes de peculato (art. 312), concussão (art. 316, caput), corrupção passiva (art. 317), entre outros;

• ser homem, nos crimes de estupro (art. 213), posse sexual mediante fraude (art. 215) e sedução (art. 217);

• ser médico, dentista ou farmacêutico, no crime de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica, na modalidade do excesso nos limites da profissão ou arte (art. 282, caput, 2ª parte);

• ser médico, no crime de falsidade de atestado médico (art. 302); • ser advogado, nos crimes de patrocínio infiel (art. 355, caput) e tergiversação (art. 355,

parágrafo único); etc. Os crimes que só podem ser perpetrados por uma certa categoria ou classe de pessoas chamam-se “próprios”. Seção II Terminologia O Código Penal e o Código de Processo Penal empregam várias denominações para expressar o sujeito ativo do delito. No Direito Penal é mais usual a expressão “agente”. Agente de um crime é o próprio criminoso. Na fase do inquérito policial, recebe o sujeito ativo a denominação de “indiciado”. Durante o processo criminal, recebe o nome de “acusado”, “denunciado” (a partir do momento em que o Ministério Público faz a denúncia) ou “réu” (quando na fase de julgamento). Usam-se também as expressões “acusado” e “réu”. No caso de ação penal privada, usa-se mais correntemente a palavra “querelado”, pois contra ele se manifesta o querelante, titular da propositura daquela, através da queixa-crime. O que já sofreu sentença condenatória é chamado “sentenciado”, “condenado”, “preso”, “recluso” ou “detento”. Do ponto de vista biopsíquico, recebe o nome de “criminoso” ou “delinqüente” (ambos muito usados).

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Seção III Crimes Monossubjetivos & Plurissubjetivos 1. Crimes Monossubjetivos: São aqueles delitos que podem ser praticados por uma única pessoa sozinha, sem a necessidade de interferência de terceiros. Não se está dizendo que os crimes monossubjetivos só possam ser praticados por uma única pessoa, mas que uma única pessoa sozinha pode cometê-los. Exemplos: o homicídio (art. 121), pois que é um delito o qual pode ser perpetrado por uma única pessoa; o estupro (art. 213), em vista de que, como ocorre com maior freqüência, é por apenas por um único sujeito ativo que a liberdade sexual de uma mulher é violada; e o furto (art. 155 do CP) cometido por um único autor apenas. 2. Crimes Plurissubjetivos: Ao lado dos crimes monossubjetivos há os plurissubjetivos (pluri: vários; subjetivos: sujeitos ativos), que são aqueles que só podem ser praticados por duas ou mais pessoas — pouco importando se uma, algumas ou mesmo todas sejam inimputáveis, haja vista que a inculpabilidade não impede o enquadramento do fato do sujeito à norma penal, nem desconstitui o caráter ilícito desse fato. É o caso do delito de quadrilha ou bando, comumente chamado de formação de quadrilha (art. 288 do CP), em que o tipo só é realizado perfeitamente com o concurso mínimo de quatro pessoas: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes” (destacamos). Outros crimes de concurso necessário são a rixa (art. 137 do CP), a paralisação de trabalho seguida, seguida de violência ou perturbação da ordem (art. 200 do CP) e o motim de presos (art. 354 do CP). Seção IV Crimes de Mão Própria A par dos crimes próprios, há os de mão própria, também chamados crimes de atuação pessoal ou de conduta infungível. Crimes de mão própria são os que somente podem ser praticados pelo autor em pessoa, ou seja, ninguém pode cometê-los no lugar de outrem. Podemos citar entre esses delitos o falso testemunho ou perjúrio (art. 342 do CP): Se A diz a B para este testemunhá-lo em seu lugar, B, assim fazendo, responderá por perjúrio, e A, apenas, por induzimento ou instigação a perjúrio, em virtude de que, sendo de mão própria, o crime em questão só admite a autoria executória, nunca intelectual. Com efeito, os crimes de mão própria, como é o caso do estupro (art. 213 do CP), só admitem a autoria executória. Executor é aquela pessoa que, diretamente, pratica o delito, ao contrário de outros. Opostamente aos crimes de mão própria, temos os demais, que admitem, ao lado do executor, também a figura da autoria denominada “intelectual”, nos quais alguém (mandante) pede ou manda outrem (executor) que cometa um crime em seu lugar.

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No homicídio, e. g., é perfeitamente possível que haja um mandante que paga certa soma em dinheiro ao executor do crime (homicídio mercenário — art. 121, § 2º, I, do CP). Então, é indubitável que temos dois autores, o mandante (autor intelectual) e o executor (autor direto). No crime de estupro (art. 213), entretanto, ninguém pode mandar outrem praticá-lo em seu lugar, ou melhor, pode até mandar que este assim o faça, mas apenas o executor será considerado autor do delito, devendo o mandante responder pelo delito apenas a título de induzimento ou de instigação (o que, na sistemática do Código Penal, é tratado como “participação de menor importância” – art. 29, § 1º).

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SUJEITO PASSIVO DO CRIME 1. Generalidades; 2. Terminologia; 3. (In)capacidade Penal para Figurar como Sujeito Passivo. Seção I Generalidades Sujeito passivo é, regra geral, o titular do bem jurídico lesado (ofendido) ou posto em perigo de lesão (ameaçado) pela conduta criminosa do sujeito ativo. É, portanto, a pessoa (física ou jurídica) cuja titularidade sobre o bem jurídico é de alguma forma transgredida pela conduta típica e antijurídica do sujeito ativo. Não existe crime sem sujeito passivo (vítima). Saber quem é o sujeito passivo do crime é analisar as seguintes perguntas: 1ª) Qual é o bem jurídico afetado ou turbado pelo comportamento do sujeito ativo? 2ª) Após, indaga-se: Quem é o titular desse bem jurídico? Destarte, dado um crime, indaga-se qual seja o bem ou objeto jurídico tutelado pela norma penal que o tutela. Após, atenta-se para quem seja o titular desse bem jurídico: é este titular que será o sujeito passivo do delito. Por exemplo, no crime de homicídio (art. 121) o bem jurídico tutelado pela norma é a vida de uma pessoa, logo, o sujeito passivo é o titular dessa vida, ou seja, uma pessoa física; no crime de auto-aborto (art. 124, 1ª parte) o objeto ou bem jurídico protegido é a vida do nascituro (ovo, embrião ou feto), logo, o sujeito passivo desse crime é o nascituro; no delito de estupro (art. 213), por sua vez, o objeto jurídico salvaguardado pelo Direito é a liberdade sexual da mulher, e portanto é essa o sujeito passivo do crime; no crime de incêndio (art. 250), é a incolumidade pública o bem jurídico que se protege, sendo a coletividade o seu titular, e conseqüentemente o seu sujeito passivo; os crimes contra a administração pública, descritos no Título XI do CP (art. 312 e ss.), ofendem sempre o Estado, seja de maneira única ou ao menos imediata, do que se infere que é o Estado o ou um dos sujeitos passivos desses crimes. Os crimes praticados contra entidade sem personificação jurídica (isto é, o sujeito passivo nem é pessoa física, nem pessoa jurídica, como a família e a coletividade) são denominados de vagos. Exemplo: os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos (ex.: vilipêndio a cadáver), os crimes contra a família (exs.: bigamia e abandono material), os crimes contra a incolumidade pública (exs.: incêndio, explosão, desmoronamento e desabamento) e os crimes contra a paz pública (ex.: quadrilha ou bando).

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Com relação ao nascituro, apesar de ainda não adquirir personalidade jurídica, é consenso comum na doutrina, na jurisprudência e na própria lei que pode ser sujeito passivo de abortamento (arts. 124 a 127 do CP), visto que seus direitos são resguardados desde a concepção (como o direito à vida). Seção II Terminologia O sujeito passivo possui outros dois sinônimos: vítima e ofendido, podendo ambos ser usados tanto no direito material quanto no processual (seja na fase de inquérito policial, seja durante o transcurso do processo penal) e também do ponto de vista biopsíquico (se bem que, aqui, vítima é mais utilizada que ofendido). Nas ações penais privadas é mais tecnicamente correto e freqüente a palavra querelante, pois é este que possui legitimidade de propô-la, através da queixa-crime. Seção III (In)capacidade Penal para Figurar como Sujeito Passivo Todo e qualquer ser humano vivo (conceito mais amplo que o de pessoa física) possui ao menos capacidade penal geral para figurar como sujeito passivo dos crimes. Assim, qualquer ser humano vivo pode ser, em princípio, sujeito passivo de quaisquer crimes. Idem as pessoas jurídicas, tanto as de direito privado bem como as de direito público: conquanto não possuam capacidade penal para delinqüirem (societas dellinquere non potest) — salvo hipóteses excepcionais (vide item “Sujeito Ativo do Crime”, supra) —, não deixam de ser sujeitos passivos de alguns crimes, como nos crimes contra a Administração Pública, dos quais o Estado, pessoa jurídica de direito público, é sempre vítima. Nos crimes contra a honra contra pessoa jurídica, as regras são as seguintes: 1ª) Não podem ser vítimas de injúria (isso é pacífico na doutrina e na jurisprudência); 2ª) Podem perfeitamente serem difamadas (isso é pacífico na doutrina e na jurisprudência); 3ª) Com relação à calúnia, já vimos no item “Sujeito Ativo do Crime”, não existe consenso na

doutrina, sendo que a maioria acredita que as pessoas jurídicas, por não poderem delinqüir, por via de conseqüência também não podem ser caluniadas; mas a legislação penal brasileira admite que as pessoas jurídicas possam cometer crimes contra o sistema financeiro, contra a ordem tributária, contra a ordem tributária, contra o meio ambiente e contra a economia popular, logo, quanto a estes crimes (e só estes crimes!) podem ser as pessoas jurídicas caluniadas.

No entanto, posto que a capacidade penal para figurar como sujeito passivo de condutas delituosas em geral tenha um âmbito bastante largo, é de se ver que nem tudo pode sê-lo, como é o caso dos seres inanimados (seres destituídos de vida) — como os objetos, a matéria bruta etc. —, os seres irracionais — mesmo naquelas condutas nas quais a lei penal parece pressupor, p. ex., os animais como sujeitos passivos, na verdade eles, e quaisquer outros seres vivos irracionais, como as plantas e vegetais em geral, são meros objetos materiais desses fatos (sujeito passivo, nesses casos, é a coletividade) — e os cadáveres.

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No que diz com os cadáveres, observe-se que não são vítimas sequer nos crimes contra o respeito aos mortos — impedimento ou perturbação de cerimônia funerária (art. 209), violação de sepultura (art. 210), destruição, subtração ou ocultação de cadáver (art. 211) ou vilipêndio a cadáver (art. 212). Sujeitos passivos são a coletividade, a família e demais entes queridos do falecido, não o próprio cadáver, que fica na posição de objeto material desses delitos.

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OBJETOS DO DELITO 1. Generalidades; 2. Espécies. Seção I Generalidades Objeto do delito é aquilo contra que se dirige a conduta humana que o constitui. Para que seja determinado, é necessário que se verifique ao que o comportamento humano visa. Seção II Espécies 1. Objeto Jurídico; 2. Objeto Material. O estudo da teoria jurídica do crime comporta não apenas uma, mas duas espécies de objetos do delito: o jurídico e o material. 1. Objeto Jurídico: Objeto jurídico do crime, “também denominado objeto de proteção”2, é o bem ou interesse que a norma penal tutela. É o valor social, estatal ou individual reputado relevante pelo Direito (penal ou extrapenal), tornando-o bem jurídico, que se constitui em tudo o que é capaz de satisfazer as necessidades do homem, como a vida, a integridade física, a honra, o patrimônio etc. Nos crimes contra a vida o bem jurídico é a vida; no de lesões corporais, a integridade física e a saúde; nos crimes patrimoniais, o patrimônio é sempre lesado ou ameaçado; nos crimes contra a Administração Pública, esta é o bem jurídico; no crime de tráfico de entorpecentes, bem jurídico afetado é a saúde pública. Não existe crime sem que um bem jurídico (objeto jurídico) haja sido lesado ou ao menos ameaçado pelo comportamento do sujeito ativo. 2. Objeto Material: Objeto material, “também chamado objeto da ação”3 (destacamos), é o ser humano ou a pessoa física, ou a coisa (material ou imaterial, mas que não se confunde com um valor)4, sobre que recai a conduta do sujeito ativo, como o homem vivo no homicídio, a coisa alheia no furto e o documento na falsificação. 2 LUNA, Estrutura Jurídica do Crime, p. 35, § 2º. 3 Idem, p. 35, § 2º.

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4 “No conceito de coisa, compreendem-se certos fenômenos imateriais, como a energia elétrica, a qual pode ser objeto de furto, bem como coisas materiais que dão corpo a uma idéia, como o documento” (Ibidem, p. 35, § 4º).

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O objeto material distingue-se facilmente do jurídico. Este figura sempre um valor jurídico, uma abstração (social ou juridicamente criada) tutelada pelo Direito; o objeto material constitui sempre algo “táctil”, “palpável”, dotado de materialidade física. O objeto jurídico é um ente abstrato (um interesse, um valor, enfim, uma idealidade); o material, concreto (algo materialmente perceptível pelos sentidos, notadamente o tato)5. Não raro, o objeto material coincide com o sujeito passivo do crime: nesse caso, ambos são a mesma coisa ou pessoa. Exemplos: no homicídio, a pessoa física (“alguém”) é o sujeito passivo e o objeto material do crime; o mesmo se diga para a rixa (rixantes), o seqüestro e cárcere privado (“alguém”), a extorsão mediante seqüestro (o seqüestrado) e o estupro (“mulher”), entre outros. Em muitos casos, porém, o objeto material e o sujeito passivo distinguem-se nitidamente. No furto (art. 155 do CP), no dano (art. 163 do CP) e na apropriação indébita (art. 168 do CP), a coisa (res) é o objeto material, os titulares de direito de propriedade, os seus sujeitos passivos. A ausência ou a impropriedade absoluta do objeto material, nos crimes que o possuem, faz surgir a figura do crime impossível ou quase-crime (art. 17 do CP). Portanto, vindo o sujeito, desejoso de matar seu desafeto, a disparar vários tiros contra este, e depois se averiguando por meio de perícia que a “vítima” já se encontrara morta antes mesmo da conduta do agente, não há o que se falar em crime de homicídio e sim em crime impossível, porquanto lhe faltou o objeto material (homem vivo). Outrossim, saibamos que, embora raros, alguns crimes não possuem objeto material, quer dizer, dado um fato típico e antijurídico, que ameaça ou ofende um objeto jurídico, a conduta do sujeito ativo não recai sobre qualquer pessoa ou coisa, e mesmo assim subsiste o crime. Como exemplos, citem-se os crimes de quadrilha ou bando (art. 288 do CP — “associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”), de ato obsceno (art. 233 do CP — “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”) e de falso testemunho (art. 342 do CP — “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, autor ou intérprete em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”).

5 Vejamos o magistério de EVERARDO DA CUNHA LUNA (op. cit., p. 35, § 3º) a respeito dessa distinção proposta:

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“O objeto material é um dado positivo a ser tratado pelo direito; o objeto jurídico depende de uma valoração de ordem jurídica, de um juízo, situando-se no plano normativo. Enquanto o objeto material surge do mundo dos fatos, para ser considerado normativamente, o objeto jurídico é o próprio tratamento normativo de fatos positivos. No crime de furto, objeto material é a coisa alheia móvel, sobre a qual incide a ação de furtar; objeto jurídico, a propriedade, aquela faculdade, protegida pelo direito, que se viola pelo crime.”

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3º Módulo

ANTIJURIDICIDADE Generalidades Como já foi examinado na apostila “Infração Penal”, antijuridicidade — o segundo elemento da estrutura jurídica do crime — vem a ser a relação de contrariedade entre o comportamento humano (ação ou omissão) e a ordem jurídica. O ordenamento jurídico determina que os cidadãos não realizem figuras típicas, isto é, não concretizem aquilo que está definido abstratamente pela norma (“matar alguém”, “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, “vender substância entorpecente” etc.). Com a prática do comportamento, analisa-se se ele é contrário ao Direito Penal, pois nem sempre aquilo que é típico é necessariamente antijurídico. De fato, se digo que X mata Y isso só vem a significar tão-somente que a conduta de X está enquadrada, “encaixada” — ou seja, que é típica — diante do art. 121 do CP. Mas a tipicidade não diz que o fato seja necessariamente antijurídico, mas apenas que ele é presumivelmente antijurídico, presunção esta que “cai por terra” tão logo se comprove que o sujeito agiu acobertado por alguma das causas de exclusão da ilicitude. Assim, todo fato típico é presumivelmente antijurídico, mas tal presunção insubsiste diante da prova da presença de uma justificante. Logo, pode-se afirmar com acerto que todo e qualquer fato típico não acobertado por causa de exclusão da antijuridicidade é também antijurídico, ilícito, contrário ao Direito; e se estiver acobertado por uma justificante, é jurídico, lícito, conforme ao Direito. Ao fato que, além de típico, é também antijurídico, dá-se a denominação de injusto penal. Injusto penal não é um fato exclusivamente típico; nem um fato exclusivamente ilícito; é, a um só tempo, um fato típico e antijurídico. Assim como a tipicidade, a antijuridicidade é um elemento que recai sobre o fato, não sobre o autor do fato. Antijuridicidade é sinônima de ilicitude: fato antijurídico é fato ilícito, e vice-versa. Causas de Exclusão da Antijuridicidade Causas de exclusão da antijuridicidade, também chamadas de causas de exclusão da ilicitude ou simplesmente justificantes são hipóteses, admitidas pelo Direito Penal, em que o comportamento típico do sujeito não é ilícito: apesar de este ter realizado uma ação ou uma omissão que se enquadra perfeitamente em um tipo penal.

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Tal conduta, na hipótese concreta na qual ele se encontra, é destituída de contrariedade ao Direito, ou seja, o Direito Penal diz “tais e quais condutas não devem ser realizadas (condutas típicas), mas em certos casos (justificantes) reconheço a legitimidade e a premência de quem as realiza, não sendo proibidas”. Nas justificantes, o Direito Penal ora faculta o sujeito a praticar condutas típicas (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de um direito e consentimento do ofendido), ora obriga a realização de uma conduta que, para as demais pessoas, é ilícita (estrito cumprimento de um dever legal), mas que para aqueles sujeitos obrigados só pode ser lícita (de fato, o Direito Penal não pode obrigar uma coisa e logo depois dizer que o sujeito cometeu um injusto penal, o que denotaria das duas, uma: arbitrariedade irracional ou “esquizofrenia jurídica”). As justificantes são divididas em duas classes: 1ª) Causas Legais de Exclusão da Ilicitude, porque previstas expressamente na lei penal, quais sejam:

• Estado de Necessidade (arts. 23, I, c/c 24 do CP); • Legítima Defesa (arts. 23, II, c/c 25 do CP); • Estrito Cumprimento de Dever Legal (art. 23, III, 1ª parte, do CP); • Exercício Regular de Direito (art. 23, III, in fine, do CP).

2ª) Causa Supralegal de Exclusão da Ilicitude, porque não prevista em lei alguma, mas admitida plenamente pela doutrina e pela jurisprudência. No Brasil, esta causa é apenas uma: o consentimento do ofendido. Comecemos pelas causas legais (itens 1 até 4). Após, trataremos do consentimento do ofendido (item 5). 1. Estado de Necessidade: O estado de necessidade está previsto nos arts. 23, I, e 24, do CP, in verbis:

“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; (...)

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.”

Nesses termos, podemos assim pormenorizar os requisitos do estado de necessidade, sem um dos quais não subsistirá a justificante em apreço:

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Perigo Atual: O perigo é qualquer situação, ataque ou estado que coloque em risco um bem jurídico qualquer, podendo eventualmente fazê-lo perecer.

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Esse perigo pode ter como causa: fenômeno ou calamidade natural (tempestades, maremotos, terremotos, tornados, ventanias, enchentes, incêndios, explosões, desabamentos, desmoronamentos, precipitações naturais, pressões vulcânicas etc.), ataque de animal (veremos que às vezes a reação a um ataque de um animal consistirá em legítima defesa), acidentes ou sua ameaça (naufrágio, iminência de queda de aeronave ou de afundamento de embarcação, acidentes de trânsito, explosões, incêndios, desmoronamentos e desabamentos acidentais etc.) ou mesmo conduta humana (ação ou omissão, dolosa ou culposa, que coloque em risco bem jurídico). As causas do perigo, no estado de necessidade, são muito mais amplas, como se vê, que as causas que justificam a legítima defesa, que são apenas agressões injustas atuais ou iminentes. O perigo precisa ser atual ou iminente (embora o dispositivo legal não trate a respeito da iminência do perigo, mas é porque a atualidade de um perigo representa a iminência de um dano). O perigo já cessado, já afastado, ou o que ainda acontecerá no futuro, não justificam o estado de necessidade. Assim, p. ex., se após um naufrágio existe apenas uma tábua de salvação, qualquer dos tripulantes poderá matar os demais para com ela ficar e se salvar. Outro exemplo: se a embarcação, durante uma tempestade ou em vista de estar com o casco rompido, entra em pique (começa a afundar aos poucos), qualquer dos tripulantes poderá matar quem quer que seja para ficar com a única bóia de salvação. Quando o perigo já tiver sido afastado, não há mais necessidade de se ofender bem jurídico algum, sob pena de estar-se diante de um excesso, o que implica existência de crime (art. 23, parágrafo único, do CP). Não Provocação Dolosa do Perigo: O perigo que ameaça o bem jurídico não pode ter sido causado dolosamente por aquele que invoca o estado de necessidade. Do contrário, o Direito Penal estaria acobertando a malícia, senão vejamos: no mesmo exemplo da embarcação, digamos que um dos tripulantes tivesse acionado, intencionalmente, uma bomba na casa de máquinas. Rompido o casco do navio, só resta aos tripulante uma única bóia salva-vidas, e aquele que causou dolosamente a explosão vem a matar todos os demais tripulantes para com a bóia se safar. Não pode este o locupletar-se do estado de necessidade, devendo responder pelas mortes causadas. E se o perigo foi causado culposamente (por imprudência, por negligência ou por imperícia) pelo sujeito? Poderá ele invocar o estado de necessidade em seu favor? Antigamente, a doutrina costumava se posicionar negativamente, defendendo que, quem quer que cause um perigo, por dolo ou por culpa, não poderá invocar o estado de necessidade. Mas atualmente a doutrina e a jurisprudência são pacíficas em afirmar que a provocação culposa não desfavorece o sujeito, podendo ele invocar o estado de necessidade. Assim, p. ex., se o sujeito, naquela embarcação, estivesse consertando a aparelhagem elétrica da casa de máquinas, e daí causasse descuidadamente um curto circuito que logo se transforma em chamas, causando uma grande explosão, fazendo romper o casco da embarcação, poderia o sujeito, invocando estado de necessidade, matar os demais tripulantes para com a única bóis salva-vidas ficar e se salvar.

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Ameaça a Bem Jurídico Próprio ou Alheio: O perigo tem de pôr em risco bem jurídico próprio (isto é, da titularidade da própria pessoa que age em estado de necessidade) ou alheio (quando a pessoa age em estado de necessidade, não para salvaguardar um bem jurídico próprio, mas pertencente a outrem).

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Assim, tanto posso matar alguém para safar-me de um perigo à minha própria vida, quanto posso não estar correndo risco de vida, e decidir matar A para salvar a vida de B. Observe-se que não é apenas a vida que pode estar em jogo, correndo risco de perecer: qualquer bem jurídico é capaz de estar sendo ameaçado por um perigo, como a liberdade, a integridade física, a saúde, a honra, o patrimônio, a paz pública, a incolumidade pública, a administração pública, a fé pública etc. Inexigibilidade de Sacrifício do Bem Jurídico Ameaçado: O estado de necessidade envolve sempre ao menos dois bens jurídicos em jogo, sendo que o Estado, no caso concreto, não consegue a todos tutelar. Assim, para o Estado, é melhor que ao menos um dos bens jurídicos subsista que todos perecerem. Difere da legítima defesa porque nesta apenas a pessoa do injustamente agredido é que pode reagir, com necessidade e moderação, contra o bem jurídico de seu ofensor, e este não pode atingir o bem jurídico do agredido. No estado de necessidade todas as pessoas envolvidas estão escusadas de agir ou de se omitir para salvaguardar algum bem jurídico. O requisito da inexigibilidade de sacrifício do bem jurídico ameaçado quer dizer o seguinte: o perito atual, como sabemos, põe em sério risco algum bem jurídico. Assim, pode invocar estado de necessidade quem deseje tutelar tal bem ameaçado (que não precisa ser necessariamente próprio, consoante já vimos), ofendendo outro bem jurídico. Todavia, se para tutelar meu bem eu preciso ofender outro, ao menos se reclama que o bem que eu tutelo seja de igual ou superior importância valorativa para o Direito Penal (ex.: mato alguém para salvar minha própria vida; danifico algo para tutelar minha saúde). Não se pode, portanto, exigir do sujeito que age para proteger um bem que deixe perecer em detrimento do outro. Assim, p. ex., se num estado de necessidade as vidas de A e B estão em jogo, não se pode exigir que A deixe sacrificar-se por B, ou que B deixe sacrificar-se por A: ambos podem agir, não tendo a obrigação de deixar que seu bem pereça. Agora, se eu, p. ex., mato alguém para proteger um veículo meu, mesmo numa real situação de perigo atual, não posso invocar o estado de necessidade, porquanto a ordem jurídica exige que, nas circunstâncias em que me encontro, deixo perecer meu bem (patrimônio) em detrimento da de outrem (ex.: vida). Em síntese, toda vez que se sacrifica um bem jurídico de igual ou menor importância que o tutelado, tenho o requisito da inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado; se ofendo bem jurídico de maior importância que aquele que desejo proteger, tal requisito deixa de subsistir, não podendo o agente, portanto, alegar o estado de necessidade, havendo tipicidade e ilicitude (injusto penal, enfim). Contudo, o art. 24, § 2º, do CP, ao menos permite que “embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços”. Ou seja, a ausência do requisito de que estamos aqui tratando não exclui a antijuridicidade, havendo o delito (ressalvada a possibilidade de inculpabilidade do sujeito ativo do injusto penal), mas reduz a pena do sujeito, de 1/3 a 2/3.

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Após o afastamento do perigo, não há mais necessidade alguma de ofender-se o bem jurídico, sob pena de haver crime, não ficando, portanto, ausente a ilicitude. Inevitabilidade do Comportamento do Sujeito: Além de todos os requisitos já expostos, faz-se mister, outrossim, que no caso concreto no qual o sujeito se encontra não tenha havido outra alternativa, senão a de lesar o bem que lesou para tutelar um outro, próprio ou alheio. Por exemplo, se naquele exemplo que nós tínhamos tratado acerca da embarcação o sujeito, que já se encontra num bote salva-vidas, matasse toda a tripulação que desejava tomar da única bóia, não poderá invocar o estado de necessidade. Ora, se ele já estava salvo, para que matar o restante da tripulação? Só seria justificável seu comportamento caso a tripulação viesse toda para tomar seu bote (desde que neste só coubesse uma pessoa, digamos), ou se ele matasse alguns tripulantes para que outros pudessem tomar do bote (ex.: no bote cabem três pessoas, e o agente, já dentro dele, mata toda a tripulação menos dois tripulantes, para que estes pudessem ser favorecidos – estado de necessidade de terceiro). Suponham-se várias pessoas presas numa caverna, e depois de vários dias não houvesse mais mantimento algum, começando já as pessoas a sentirem-se mal, pois estão literalmente morrendo de fome. Num caso de extrema necessidade, é cabível matar alguns das pessoas para comer-lhe a carne (canibalismo). Todavia, imagine-se que no local houvesse várias plantas e vegetais comestíveis. Há, portanto, outra alternativa que não a morte de um ser humano; logo, não cabe o estado de necessidade real. Assim, toda vez que não houver outra alternativa (p. ex., “matar ou morrer”), haverá, a par dos demais requisitos, estado de necessidade real; havendo outra maneira de salvaguardar o direito próprio ou alheio que não ofendendo o bem jurídico que ofendeu (i. e., havendo outra saída menos drástica), não subsiste o estado de necessidade real. Inexistência de Dever Legal de Enfrentar o Perigo: O art. 24, § 1º, determina expressamente que quem tem o dever legal de enfrentar o perigo não pode invocar o estado de necessidade, pois é de sua atribuição, de seu trabalho, de sua atividade, enfim, enfrentar perigos. Assim, em tese resta incabível um bombeiro não enfrentar um incêndio, alegando estado de necessidade, “por medo do fogo”: incêndios são o dia a dia de bombeiros, sendo de todo injustificável tal tese. O mesmo se diga para policiais (civis, federais e militares), para membros das Forças Armadas, para médicos (não podem, p. ex., deixar de cuidar de um paciente alegando que este sofre de doença infecto-contagiosa, tendo meios de enfrentá-la), capitães de navio (a lei exige que sejam os últimos a abandonarem a embarcação), entre tantos outros. Logo, só pode invocar estado de necessidade quem não detinha, na ocasião, dele oriundo de lei de enfrentar o perigo que se lhe apresentou. Perceba-se que o art. 24, § 1º, do CP, fala em dever legal. Assim, podem invocar estado de necessidade quem detinha simplesmente dever contratual.

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Elemento Subjetivo: A par de todos os requisitos acima apontados — todos objetivos, diga-se en passant — é preciso um último requisito: que o sujeito saiba que se encontra em uma situação de perigo atual, e que compreendesse, ainda que numa reflexão sucinta, todos os demais requisitos objetivos.

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Assim, digamos que uma embarcação esteja afundando, e que nela houvesse apenas uma única bóia, correndo todos os tripulantes perigo de vida (cujo sacrifício é, evidentemente, inexigível), não havendo outra alternativa senão a de perecerem todos com exceção de um dos tripulantes. Imagine-se que nenhum deles tem o dever de enfrentar o perigo. Suponha-se que um dos tripulantes, durante o desespero pelo qual todos os demais passam, estivesse dormindo, e até então não tivesse a mínima compreensão do que estava ocorrendo. Ele, ainda insciente de tudo, deseja matar os tripulantes, vai ao encontro de todos eles e os mata. Após é que toma conhecimento que se não abandonar a embarcação, morre. Então, pega da única bóia e escapa da morte. Ora, todos os requisitos objetivos estão em voga, mas... falta ao sujeito ativo, no momento de seus assassinatos, o elemento subjetivo (nem sequer sabia que havia um perigo atual à sua vida); logo, não se lhe exclui qualquer antijuridicidade, havendo cometido crimes de homicídio. 2. Legítima Defesa: Outra causa excludente de ilicitude é a legítima defesa, prevista nos arts. 23, II, e 25, do CP, verbis:

“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

(...) II - em legítima defesa;

(...)

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

Agressão Injusta, Atual ou Iminente: Enquanto que no estado de necessidade o perigo pode ser causado por qualquer fato, humano ou não — exs.: fenômeno natural (tempestades, furacões, terremotos, ventanias, etc.), animal, caso fortuito, força maior, acidentes ou ação humana —, na legítima defesa o que justifica a reação do agredido é apenas uma única e só causa: agressão humana. Impossível, portanto, em tese, falar-se em legítima defesa para escapar de um incêndio, de um desmoronamento, de um naufrágio, de um acidente, da morte iminente pela fome etc., porque tais são causas não-humanas, e como tais justificam o estado de necessidade, não a legítima defesa. O ataque de um animal é, em geral, causa justificadora de estado de necessidade, não de legítima defesa. Porém, se o animal for usado por alguém como arma (ex.: A açula seu cão raivoso para atacar B), a vítima que mata o animal age em legítima defesa, porque o animal foi um meio para uma agressão humana, e não uma causa sem propulsão humana (ex.: ataque de um leão contra turista que se encontrava na selva africana). A agressão humana (exs.: alvejar projéteis em alguém, esfaquear, subtrair uma coisa, apontar uma arma de fogo, bater em alguém com um instrumento etc.) tem de ser atual ou, pelo menos, iminente. Atual é a agressão que está ocorrendo no instante em que a reação é desenvolvida (exs.: atirar, bater, ameaçar com uma arma apontada etc.).

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Iminente é a agressão que está prestes a acontecer (exs.: a pessoa está indo à cozinha para pegar a faca com a qual irá matar a vítima; o sujeito está colocando a mão na cintura para pegar de sua arma de fogo etc.). Não justificam a legítima defesa a agressão passada, pretérita (ex.: A apanhou do patrão no trabalho, vai à sua casa, conta tudo ao marido, e este vai ao encontro do patrão da esposa para, tomando satisfações, socar-lhe o rosto; a mulher, horas após ser estuprada, pega seu revólver e, indo ao encontro de seu malfeitor, descarrega a arma à queima-roupa) e a futura (ex.: A ameaça B de matá-lo no dia seguinte, e, na data marcada, B se antecipa e, indo ao encontro de A, mata-o). Tanto na reação à agressão pretérita quanto na reação à agressão futura teremos crime. Agressão a Bem Jurídico Próprio ou Alheio: Tudo aquilo que foi dito, no estado de necessidade, acerca do bem jurídico (item 1.3), pode e deve ser aplicado na legítima defesa. Daí poder-se falar em legítima defesa própria (A mata B, que desejava matá-lo por vingança) ou em legítima defesa alheia ou de terceiro (ex.: A mata B, que estava a matar C), tutelando-se o mais variado número de bens jurídicos. Acrescente-se, todavia, que na legítima defesa nada obsta a que o agredido possa reagir ofendendo bem jurídico de maior relevância que o que ele deseja tutelar — ao contrário do estado de necessidade, em que o bem afetado pelo sujeito não pode ser de maior relevância que o ameaçado pelo perigo. Exemplo: A deseja roubar B com arma de fogo, e este reage, matando o ladrão. Não há, in casu, crime de homicídio, pois B agiu em legítima defesa, mesmo em se observando que o bem ofendido pela reação (vida) é de maior relevância que o bem agredido (patrimônio). Evidentemente que haverá casos em que não pode ser alegada a legítima defesa, como no exemplo da pessoa que alveja menor por este estar a subtrair frutas de um pomar. Repulsa com os Meios Necessários e com Moderação: A legítima defesa, em si considerada, é uma reação/repulsa a uma agressão humana, atual ou iminente, a direito do agredido ou de outrem. É exatamente o requisito da “necessidade e moderação” que causa mais problemas nos julgamentos, muitas vezes de dificílima solução, pois em estando ausente todos os requisitos da legítima defesa, mas ausente a necessidade do meio empregado no caso concreto, ou ausente a moderação do meio necessário, ausente estará a legítima defesa, falando-se, aí, em excesso, e como em todo e qualquer excesso, haverá crime. A repulsa, isto é, a reação, a resposta do agredido ao agressor, tem de se dar com os “meios necessários”. Isso significa dizer que, em havendo mais de um meio a ser utilizado pelo agredido, deverá este, sempre que possível, utilizar o meio menos gravoso, isto é, o menos lesivo ao agressor. Exemplo: A deseja bater na cara de B, e este, intimidado, possuindo em mãos uma faca e um revólver, usa este, matando o agressor. Não se fala, em tese, em legítima defesa, pois o meio não foi necessário, isto é, entre os instrumentos disponíveis no momento da reação, o agredido utilizou o mais gravoso. Evidentemente que se a vítima possui um único meio para se defender, não poderá reagir de outra forma senão com o que possui no momento. Exemplo: A quer assaltar B, e este está de posse, apenas, de uma bomba caseira, a qual joga contra seu ofensor, matando-o.

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Às vezes, mesmo havendo disponibilidade de mais de um meio, o menos lesivo nem sempre será o mais eficiente para debelar a agressão, de molde que, em tal caso, desde que com moderação, poderá a vítima usar do meio mais gravoso ao agressor. Exemplo: A, sujeito jovem e muito forte, deseja matar B, pessoa franzina e de idade, sendo que este, de posse de uma faca e de um revólver, utiliza este. Toda vez que ficar constatado que o meio empregado era, diante de cada caso concreto, desnecessário, terá havido excesso punível (art. 23, parágrafo único, do CP). Mas não basta a utilização do meio necessário, isto é, o só fato de ter o agredido ter se utilizado do meio menos lesivo não significa, por si mesmo, que agiu em legítima defesa. Precisa-se, ainda, averiguar se o meio necessário foi usado “moderadamente”, isto é, se a repulsa da vítima foi realizada nos limites da suficiência de debelação da agressão. Vejamos este exemplo: A, ladrão, tenta roubar B, mas este reage, atirando uma vez contra A, que tomba ferido e sem oferecer qualquer perigo de ataque. Então B, logo que A cai, chega próximo ao delinqüente e alveja outros tiros. No início houve legítima defesa, mas após, quando já fora de perigo a vítima, esta veio a cometer crime de homicídio, pois não usou de moderação. A imoderação também pode ser constatada ainda durante a reação, como na hipótese de B ter alvejado todos os projéteis da arma ainda quando o ladrão nem sequer havia caído no chão. Se, por medo ou susto, a vítima repudia o agressor com imoderação, não haverá exclusão da ilicitude (pois não se fala em legítima defesa), mas da culpabilidade, pela inexigibilidade de outra conduta. A imoderação opera em excesso punível, delituoso, portanto (art. 23, parágrafo único, do CP). Elemento Subjetivo: Animus Defendendi: Não bastam os requisitos acima relacionados, todos objetivos, para que o sujeito seja beneficiado pela legítima defesa. Faz-se premente o elemento subjetivo da justificante, qual seja, o conhecimento, pelo sujeito, de que age em legítima defesa. Pode até parecer estranho que possa haver um caso em que realmente existe agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, e tenha havido necessidade e moderação do meio empregado e mesmo assim não haja legítima defesa. Vejamos o seguinte caso: A, desafeto de B, pega de sua arma decidido a matá-lo durante a madrugada. Vai ao encontro de B e, vendo-o deitado num matagal se mexendo, atira uma única vez contra a cabeça de B, matando-o. Ficou posteriormente constatado que, naquele exato momento da intervenção de A, B estava estuprando uma criança de 12 anos, fato este totalmente desconhecido por A. Não se pode falar, aí, em ausência de qualquer requisito objetivo. Todavia, lembremos que A foi ao encontro de B para matá-lo por outro motivo que não para salvar a criança — aliás, diga-se de passagem, A nem sabia da existência daquela criança naquele local no momento em que alvejou B. Logo, na ausência de elemento subjetivo, não prospera a tese de legítima defesa. 3. Estrito Cumprimento de Dever Legal:

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O Código Penal brasileiro, muito apesar de prever o estrito cumprimento de dever legal como justificante, não delineia seus elementos, como o fez com o estado de necessidade e com a legítima defesa, simplesmente dispondo que:

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“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

(...) III - em estrito cumprimento de dever legal (...).”

No estado de necessidade, na legítima defesa e no exercício regular de direito, o Direito Penal nada impõe, senão tão-somente faculta, a quem quer que se encontre em qualquer uma daquelas situações, que aja para tutelar direito próprio ou de outrem. O sujeito, então, age se quiser, pois pode preferir sofrer o prejuízo, pode preferir que seja causada a ofensa a ter de evitá-la. No estrito cumprimento de dever legal por outro lado, inexiste um direito a ser tutelado, daí de pronto afastamos a subsistência de mera faculdade para agir. Em verdade, fala-se em verdadeira obrigação de agir: o Direito objetivo, mediante uma lei (penal ou, como sói ocorrer na larga maioria dos casos, extrapenal), determina em que casos determinadas pessoas não só podem como devem praticar condutas típicas. O sujeito não tem escolha, mas apenas uma imposição legal a ser satisfeita. Exemplos: a conduta de privar a locomoção de alguém é típica diante do art. 148 do CP (seqüestro e cárcere privado), mas não é antijurídica quando perpetrada por policial preenchendo as formalidades legais, até porque a lei determina-lhe que assim proceda, sob pena de responder por crime de prevaricação; a conduta de matar alguém, nos países que admitem a pena de morte, não é antijurídica para o carrasco, pois este tem a obrigação legal de matar; o soldado tem o dever legal de matar o inimigo. Como o CP fala apenas em dever legal, o simples dever contratual não obriga o sujeito, podendo ele deixar de cumpri-lo, ao menos na esfera do Direito Penal (nada impede efeitos civis). A justificante de que estamos tratando exige que tudo se dê no estrito cumprimento do dever legal. Assim, se o sujeito exorbita naquilo que a lhe impõe, isto é, vai além do que a lei determina, cometerá excesso punível, que é criminoso. Ex.: O policial, após prender, algemar e pôr sobre o solo, de costas, o delinqüente, alveja-lhe um tiro na cabeça. Há um crime de homicídio, não uma excludente de ilicitude. O mesmo se dá com a conduta omissiva da autoridade policial que, após receber ordem de soltura, injustificadamente não liberta a pessoa, tendo havido, aí, crime de cárcere privado. Como nas demais excludentes, faz-se necessário o elemento subjetivo, qual seja, o conhecimento de que age em nome de uma determinação legal. 4. Exercício Regular de Direito: O Código Penal brasileiro, muito apesar de prever o exercício regular de direito como justificante, não delineia seus elementos, como o fez com o estado de necessidade e com a legítima defesa, simplesmente dispondo que:

“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

(...)

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III – (...) no exercício regular de direito.”

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Aqui, como no estado de necessidade e na legítima defesa, o sujeito tem a faculdade de agir ou de se omitir, podendo exercitar seu direito subjetivo, ou não. O exercício regular de direito se dá quando o Direito objetivo concede a alguém, em certas hipóteses, o direito de praticar certa conduta típica que, para as demais pessoas sem tal direito, também são antijurídicas. Geralmente este direito subjetivo é criado pelos ramos extrapenais do Direito. Exemplos: os pais podem castigar (ainda que fisicamente), com moderação, seus filhos, como lhes faculta o Direito Civil; a mulher que tenha sido vítima de estupro, daí ocasionando uma gravidez, tem o direito de abortar, diante do que dispõe o art. 128, II, do CP (e, por analogia in bonam partem, tal direito também é concedido quando a gravidez é resultante de atentado violento ao pudor); o Direito Civil concede ao proprietário do imóvel turbado ou esbulhado o desforço imediato, com violência moderada, para reaver a posse do imóvel; a violência esportiva praticada em alguns esportes em que ela é parte sua intrínseca, ou eventualmente pode ser praticada, também é hipótese de exercício regular de direito; a possibilidade de qualquer do povo prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Se a pessoa abusa de seu direito é porque não o exercitou “regularmente”, e então não teremos mais que o excesso da excludente do exercício regular de direito e, pois, haverá lugar para se falar em delito. Exemplo: o Direito Civil concede aos cônjuges o direito de manter relações sexuais um com o outro, mas o marido não pode forçar a mulher a manter conjunção carnal, sob pena de responder por estupro (art. 213 do CP). Outro exemplo: os pais não podem querer corrigir fisicamente com muita severidade seus filhos, sob pena de responderem por maus-tratos (art. 136 do CP). Como nas demais excludentes, faz-se necessário o elemento subjetivo, qual seja, o conhecimento de que age em nome de um direito subjetivo conferido pela ordem jurídica. 5. Consentimento do Ofendido: Tal é causa supralegal de exclusão da antijuridicidade, isto é, causa que exclui a ilicitude, mas que não se encontra prevista em lei (o consentimento do ofendido não reside no rol traçado pelo art. 23 do CP), sendo todavia amplamente admitida pela doutrina e pela jurisprudência. Às vezes o consentimento do ofendido vem a excluir a própria tipicidade, e isso ocorre quando o dissentimento da vítima (ou seja, seu não-consentimento) é elementar do tipo penal. Assim, p. ex., na violação de domicílio (art. 150 do CP), o crime subsiste quando o sujeito vem a “entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências” (destacamos). Ora, se com o dissentimento da vítima temos o fato típico, se alguém consente/permite que alguém entre em sua casa, ficará ausente um dos elementos do tipo penal do art. 150 do CP, e portanto o fato é atípico, isto é, não guarda tipicidade alguma com a norma penal. Outras vezes, o consentimento do ofendido só vem mesmo a excluir a ilicitude, ou seja, o fato permanece típico, mas lícito. Como o próprio nome vem a indicar, dá-se a excludente em apreço quando alguém, o “ofendido” (vítima de uma ofensa a bem jurídico seu), consente, isto é, permite que bem jurídico seu seja lesado, ofendido.

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É preciso que, antes de mais nada, o dissentimento da vítima não seja parte integrante do tipo penal, pois do contrário o seu consentimento afasta a tipicidade da conduta do sujeito ativo. O consentimento do ofendido que opera a exclusão da antijuridicidade necessita de dois elementos simultâneos, a saber: Consentimento Válido do Ofendido: Consentimento é assentimento, permissão, isto é, o titular de um bem jurídico deixa, voluntariamente, livre de qualquer vício de vontade (coação, erro, dolo, simulação ou fraude), que outrem venha a ofender bem jurídico seu. Exemplo: A, por solidariedade, permite que B tome de alguns de seus objetos e vá embora; X permite que Y destrua seu automóvel. Se o consentimento for dado por pessoa incapaz, ou for obtido mediante coação, erro, dolo, simulação ou fraude, não terá havido consentimento válido, e portanto o comportamento do sujeito ativo não estará isento de juízo de antijuridicidade. Disponibilidade do Bem Jurídico: Não basta o consentimento, ainda que válido: o objeto jurídico afetado tem de ser disponível (ex.: patrimônio, integridade física quando a lesão sofrida for leve, honra, liberdade), senão haverá crime. Exemplos: alguém permite que outrem danifique seu relógio; alguém permite que outrem o injurie; alguém permite que outrem o dê um tapa na cara; A permite que B o tranque dentro de caso por algumas horas. Destarte, não poderá alegar exclusão da ilicitude com a argüição de ter havido válido consentimento do ofendido aquele que matou a vítima a pedido desta, pois a vida é indisponível, devendo o agente responder por homicídio, que, a depender das circunstâncias, poderá ser privilegiado, como ocorre na eutanásia (art. 121, § 1º, 2ª figura, do CP), mas não terá deixado de haver crime. Consentimento válido para afetação a bem jurídico indisponível (exs.: vida, integridade física e saúde nas lesões graves, fé pública, paz pública, saúde pública) não causa exclusão da ilicitude.

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4º Módulo

LEI PENAL NO TEMPO (arts. 1º a 4º do Código Penal) Princípio da Legalidade Antigamente existia muita arbitrariedade e muitos desmandos na previsão de crime e cominação (previsão) de penas. Os monarcas, os reis e governantes em geral, durante quase toda a história da humanidade, faziam e desfaziam o que queriam e ao seu bel-prazer: era criminoso o comportamento que assim fosse reconhecido pelos governantes, e eram previstas penas crudelíssimas, às vezes sem fundamento, só por motivos mesquinhos de vingança e perseguição. Também eram punidas pessoas pela prática de condutas que só mais tarde eram tratadas como ilícitos penais: as leis podiam retroagir (isto é, alcançarem os fatos humanos ocorridos antes mesmo de entrarem em vigor) para prejudicar o réu! Com os ideais iluministas vieram os clamores por liberdade, igualdade e fraternidade, enfim, vieram os chamados por justiça, democracia e respeito aos mínimos valores que norteiam a dignidade humana. Fez-se surgir, então, já no século XIX, a necessidade de se evitarem aqueles arbítrios e desmandos de outrora. O mais eficiente meio veio através de um princípio, hoje mundialmente difundido, denominado de princípio da legalidade. Ninguém aprende Direito Penal se não souber exatamente o que quer dizer este princípio, alçado ao nível constitucional como princípio e garantia fundamental do ser humano na maioria dos países democráticos (a CF/88 prevê o princípio da legalidade em seu art. 5º, XXXIX). O princípio é tão importante que se torna a “porta de entrada” — o primeiro artigo — de quase todos os Códigos Penais mundiais. Segundo o princípio, nullum crimen, nulla pœna sine prævia lege, ou: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.” Disso resultam as seguintes conclusões: Reserva Legal: Apenas a lei, e somente ela, pode definir infrações penais (crimes e contravenções penais) e cominar as respectivas sanções penais (penas e medidas de segurança). Todas as demais regras jurídicas que estejam hierarquicamente abaixo das leis (exemplos: decretos, medidas provisórias, resoluções, portarias, posturas, atos normativos etc.) jamais podem prever infrações ou sanções penais. Se o contrário ocorrer, terá havido afronta letal ao princípio da legalidade, e como ele é direito e garantia fundamental da pessoa humana, a regra jurídica que previu a infração ou cominou a sanção é absolutamente inconstitucional.

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Apenas podem prever infrações e sanções penais as leis em sentido formal ou estrito — isto é, que hajam passado pelo válido e regular processo legislativo perante o Congresso Nacional. As Medidas Provisórias (MP’s) são “leis em sentido material”, isto é, são regras jurídicas com força de lei, mas, por serem justamente atos emanados privativamente do Presidente da República, sem portanto passarem pelo crivo do Congresso Nacional, são destituídas da formalidade essencial a qualquer lei penal, e portanto não são leis em sentido formal. Não sendo leis em sentido formal, não podem prever crimes ou cominar sanções penais. E se isso acontecer? Então estaremos diante de um MP francamente inconstitucional! Anterioridade da Lei Penal: Não basta que um crime ou uma pena estejam previstos em lei formal. Isso porque poderia acontecer — como de fato acontecia até o advento da Revolução Francesa — de um governante editar uma lei penal e... fazê-la retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de ela entrar em vigor, fatos estes que não eram considerados contrários ao Direito. Não basta que haja lei: a lei tem que ser anterior à ocorrência do fato, e não posterior! Se hoje um fato não está previsto em qualquer lei como crime (exemplo: vender certa mercadoria), e amanhã surge lei penal que descreve a venda daquela mercadoria como crime, não pode esta lei retroagir para alcançar todas as vendas ocorridas até a entrada em vigor da lei em apreço. Por que não? Porque tem que haver, lembremos, “lei anterior” que defina o crime e “prévia” cominação legal: nenhuma lei posterior ao fato pode alcançá-lo para prejudicar o réu, apenas para favorecê-lo. Em 2000, surgiu a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, que previa crimes e cominava penas a Prefeitos que tivessem contraído grandes dívidas, entre outras condutas perniciosas à coletividade. Veja-se que os crimes e as penas foram formulados através de uma lei formal, em sentido estrito, pois foi aprovada pelo Congresso Nacional. Muitos Prefeitos ficaram realmente desesperados, pois o Governo Federal havia dito que poderiam ser presos os Prefeitos que tivessem, até o advento da lei, cometido qualquer daquelas condutas criminosas, condutas estas que até então não eram criminosas. Foi que então atentaram ao óbvio: ora, como é que a Lei de Responsabilidade Fiscal poderia incriminar fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor? Onde estaria a anterioridade da lei penal? Daí porque os fatos ocorridos até a entrada em vigor da citada lei não podem ser tidos como criminosos, mas tão-somente aqueles comportamentos praticados quando já em vigor a lei. Assim, pelo princípio da anterioridade da lei penal, o que passou, passou, não podendo a lei penal prejudicar quem quer que seja pelo que fez ou deixou de fazer no passado. Tema bastante interessante referente ao princípio da legalidade é o da analogia. Analogia, como se sabe, é comparação. Dados dois fatos muito semelhantes, X e Y, em que o primeiro não é tratado por qualquer norma penal, e o segundo o é, pode o magistrado aplicar a norma ao fato X, só porque é muito parecido com Y? Depende: se for para prejudicar o réu (analogia in malam partem), é proibida, pois então o juiz estaria violando o princípio da legalidade; se for para beneficiar o réu (analogia in bonam parte), é permitida, por razões de eqüidade, justiça e política criminal.

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Vejamos alguns exemplos: a) Analogia in malam partem: Existe uma agravante no Código Penal que é a de crime praticado contra cônjuge (art. 61, II, e). Digamos que alguém pratique um delito contra o convivente (o companheiro da união estável). “Cônjuge” e “convivente” são conceitos muito próximos, muito parecidos, donde se questiona: sobre aquele sujeito que praticou o crime contra o convivente recairá a agravante do art. 61, II, e, do CP? Vejamos. Agravante é algo que, como o próprio nome indica, agrava, piora, prejudica ainda mais a situação do réu. Não existe na lei penal brasileira agravante pelo fato de o sujeito ativo do crime ser convivente da vítima. Logo, por mais parecidas que sejam as expressões “cônjuge” e “convivente”, não pode o art. 61, II, e, do Código Penal, ser aplicado àquele sujeito, pois do contrário ele seria prejudicado. Toda comparação prejudicial ao réu (o réu é sempre o referencial, o paradigma, o ponto de referência em toda analogia jurídico-penal) é proscrita. b) Analogia in bonam partem: Esta aqui existe para beneficiar, e não existem obstáculos para a sua aplicação, desde que, é claro, o fato não previsto pelo Direito e comparado ao fato previsto pelo Direito seja realmente muito semelhante a este, e razões de política criminal e de eqüidade autorizem a aplicação da norma benéfica. O art. 128, II, do CP, diz que é permitido o aborto praticado por médico quando a gravidez é resultante de estupro. A norma trata exclusivamente do estupro. E o que é estupro? É o crime previsto no art. 213 do CP, que ocorre quando um homem constrange uma mulher, mediante violência ou grave ameaça, à prática de conjunção carnal. E o que é conjunção carnal? É a introdução, completa ou incompleta, do pênis do homem na vagina da mulher, ou seja, é o coito exclusivamente vagínico. Então, pela leitura do art. 128, II, do CP, apenas quando a gravidez é resultante de sexo vagínico não consentido pela vítima é que haveria permissão legal para o aborto. E se, digamos, a mulher engravida, não por conta de conjunção carnal dissentida, mas por conta de outra espécie de relação sexual? É cientificamente comprovado que muitas mulheres podem perfeitamente vir a engravidar em decorrência de coito vestibular ou vulvar, em que o pênis não é introduzido na vagina, mas é apenas friccionado de encontro aos lábios vaginais. Assim, se a mulher fosse forçada à prática de coito vulvar estaríamos diante de atentado violento ao pudor (art. 214 do CP), podendo advir gravidez. Em suma: se a mulher engravida em decorrência de atentado violento ao pudor, poderá ter direito ao aborto legal? Pela literalidade do art. 128, II, do CP, não. Porém, por razões de eqüidade (justiça no caso concreto), e em vistas de que o estupro e o atentado violento ao pudor são delitos muito semelhantes (mesmo meio empregado – constrangimento ilegal; mesma possível conseqüência – gravidez; e até mesmas penas – reclusão de 6 a 10 anos), aplica-se a norma do fato previsto (gravidez resultante de estupro) para o não previsto (gravidez resultante de atentado violento ao pudor). A comparação realizada para beneficiar o réu é, enfim, permitida. Início & Fim da Eficácia Temporal da Lei Penal A lei penal, como toda e qualquer lei, não é eterna e nem imutável: sua eficácia possui um início e um fim, e é entre estes dois extremos temporais que ela impera, obrigando os seus destinatários a fazerem o que ela manda e a não fazerem o que ela proíbe. Qual seria, então, o início da eficácia da lei penal e, seguindo o mesmo raciocínio, qual seria o momento em que ela deixa de ter força, tornando-se “letra morta”?

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A eficácia da lei penal tem início desde o momento em que ela entra em vigor (ou em vigência) e termina quando ela é revogada, revogação esta que se dá quando outra lei surge para revogá-la expressamente, ou para dispor inteiramente sobre o mesmo assunto. Princípios que Regem a Lei Penal no Tempo Com relação à aplicação da lei penal no tempo, existe uma regra geral: uma lei penal rege todas as infrações penais cometidas durante a sua vigência, não alcançando os crimes ou contravenções ocorridos antes de sua entrada em vigor (a lei penal é, em regra, irretroativa) ou depois de sua revogação (a lei penal, geralmente, não possui ultra-atividade). A este princípio geral dá-se o nome de “tempus regit actum”. Pode ocorrer, porém, que um crime iniciado sob vigência de uma lei tenha seu momento consumativo sob a de outra; que o sujeito pratique uma conduta punível sob a vigência de uma, devendo a sentença condenatória ser proferida sob a de outra; que comine pena mais severa ou benéfica em relação à primeira; que durante a execução da pena surja lei nova, regulando o mesmo fato e determinando sanctio juris mais benévola. Como resolver a situação? Qual a lei a ser aplicada: a do tempo da prática do fato ou a posterior? Surgem, pois, um conflito de leis penais no tempo, e a necessidade de princípios para solucioná-lo6. Como decorrência do princípio nullum crimen, nulla pœna sine prævia lege, há uma regra que domina o conflito de leis penais no tempo, que é o da irretroatividade da lei penal: a lei penal não pode retroagir para alcançar situações que, antes de sua vigência, eram consideradas lícitas ou de qualquer outra forma menos censurável ao agente, apesar de eventualmente imorais, anti-sociais etc. Este princípio da irretroatividade, porém, só impera quanto às leis penais mais severas que as precedentes, pois se surgir uma lei penal mais benéfica que a anterior, retroage, alcançando as condutas criminosas e contravencionais praticadas antes de sua eficácia. Em assim sendo, defluem dessa matéria dois outros princípios, quais sejam:

a) o da irretroatividade da lei mais severa (lex gravior); e b) o da retroatividade da lei mais benigna (lex mitior).

Observe-se que tais princípios não são meras conjecturas criadas pelo Direito Penal, mas sim princípios declarados pela própria Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5º, inciso XL, prescreve o seguinte:

“Art. 5º. (...) (...) XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”

A lei penal posterior e mais benéfica que a anterior deve sempre produzir efeitos retroativos. Nem mesmo a sentença condenatória transitada em julgado (sentença penal irrecorrível, ou seja, aquela contra a qual não cabe mais qualquer recurso) é obstáculo à aplicação da lei mais benéfica. Se a lei penal posterior, porém, for mais prejudicial ao réu que a anterior, jamais deverá retroagir.

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6 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 20ª ed., 1995, vol. 1, p. 62, § 1º.

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A compreensão de se uma lei é mais benéfica / favorável / benigna, ou mais maléfica / severa / desfavorável, deve ser feita de acordo com a posição do réu, ou seja: é mais favorável a lei que (mais) beneficiar o réu, e mais desfavorável quando o prejudicar (ainda mais). Várias são as formas de uma lei beneficiar o réu. Citemos só alguns exemplos:

a) Descriminalizando um comportamento antes criminoso; b) Reduzindo a pena; c) Criando atenuante ou minorante; d) Revogando agravante ou majorante.

Várias, em seu turno, são as formas de uma lei desfavorecer o réu. Citemos só alguns exemplos:

a) Incriminando comportamento antes não-criminoso; b) Aumentando a pena; c) Revogando atenuante ou minorante; d) Criando agravante ou majorante.

Exemplos: a) Uma lei “A” prevê para um crime uma pena de 2 a 4 anos. O crime é cometido durante a

vigência da lei “A”. Após, já quando transitada em julgado a sentença penal condenatória (sentença condenatória irrecorrível), surge uma lei “B”, prevendo para o mesmo crime uma pena de 1 a 2 anos. Ora, a primeira coisa que se deve fazer é perguntar: Qual, entre as duas leis, é a mais benéfica? Evidentemente que a segunda, e então ela terá retroatividade, alcançando aquele fato, mesmo se sabendo que ele foi cometido antes mesmo de a lei nova, lei “B”, entrar em vigor.

b) Uma lei “X” prevê para um delito uma causa de redução de pena. O sujeito ativo, então,

pratica o crime incorrendo na minorante. No decorrer do processo, surge lei “Y”, revogando aquela causa de redução de pena. Mais uma vez, a pergunta: Qual, entre ambas as leis, é a mais benévola ao réu? É a primeira, que prevê causa de redução de pena, logo, a segunda, lei “Y”, é mais prejudicial, e como tal não poderá retroagir.

É também possível que uma lei penal possa produzir efeitos após ter cessada a sua vigência, pela revogação, inobstante a regra geral em contrário. A isto dá-se o nome de princípio da ultra-atividade da lei penal. Entretanto, assim como ocorre com o princípio da retroatividade da lei mais benigna, uma lei penal só possui eficácia além do tempo de sua vigência (ultra-atividade) somente se ela for mais benigna que a lei posterior, ou seja, quando se tratar de lex mitior.

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No caso de lex gravior (lei mais severa), esta não tem ultra-atividade, ou seja, muito obstante o fato haja sido praticado durante a sua vigência, em entrando em vigor outra, mais benévola, esta deverá ser aplicada, não podendo nem devendo a lei antiga, mais severa, lançar seus efeitos sobre o fato após ter sido revogada.

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Exemplos: a) Uma lei “A” prevê uma certa atenuante. O sujeito comete um crime incorrendo nesta

atenuante. No decorrer do processo, surge lei “B”, revogando a atenuante em questão. Qual a lei mais benévola? A lei “A”, claro, e portanto esta é ultra-ativa, isto é, como o fato foi praticado durante a vigência de lei mais benéfica, é esta, e não outra, que deve incidir, mesmo depois de já ter perdido vigência para outra lei, mais severa. A lei mais benéfica perece, mas seus efeitos subsistem!

b) Uma lei “X” prevê uma majorante. O sujeito pratica o crime incorrendo na majorante. Então,

quando já transitada em julgado a sentença penal condenatória, surge lei “Y”, revogando a causa de aumento de pena. Qual a lei mais benéfica?

c) É a lei posterior, “Y”, e então ela retroage; ao mesmo tempo, “X” não tem ultra-atividade, daí

não podendo mais subsistir o efeito da majorante. Em síntese, os princípios que regem a lei penal nos conflitos no tempo são esses: 1) Lei Penal Mais Favorável (Lex Mitior): São de duas espécies — abolitio criminis e novatio

legis in mellius. a) Princípio da Retroatividade: A lei penal alcança situações existentes antes mesmo de

ela entrar em vigor. A lei penal mais benéfica tem uma visão que alcança o passado anterior ao seu surgimento.

b) Princípio da Ultra-atividade: A lei penal regerá o fato cometido durante a sua vigência, mesmo após ela perder sua eficácia para lei mais severa. A lei penal mais benéfica tem uma visão que alcança os fatos praticados durante a sua vigência, ainda que depois de ela perder vigência.

2) Lei Penal Mais Desfavorável (Lex Gravior): São de duas espécies — novatio legis

incriminadora e novatio legis in pejus. a) Princípio da Irretroatividade: A lei penal não alcança situações existentes antes de

ela entrar em vigor. O que passou antes de seu surgimento, passou. b) Princípio da Não-ultra-atividade: A lei penal não continuará a reger o fato cometido

durante a sua vigência quando é substituída por lei nova, mais benigna. Hipóteses de Conflitos Temporais Entre Leis Penais Ante o exposto supra, chega-se à conclusão de que é comum que duas leis penais entrem em conflito intertemporal, conflito este que pode se apresentar de quatro formas distintas, a saber: a) A lei nova descriminaliza fatos anteriormente considerados ilícitos penais, expurgando do

sistema jurídico-penal normas penais incriminadoras (abolitio criminis);

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b) A lei nova incrimina fatos antes considerados penalmente lícitos, criando normas incriminadoras (novatio legis incriminadora);

c) A lei nova não vem a criar nem suprimir norma alguma, apenas modificando o regime anterior,

desfavorecendo a situação do sujeito (novatio legis in pejus); d) A lei nova não vem a criar nem a suprimir norma alguma, limitando-se a modificar o regime

anterior, beneficiando a situação do sujeito (novatio legis in mellius). Para resolver esses conflitos, o Código Penal prescreve em seu art. 2º que:

Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Portanto, a abolitio criminis e a novatio legis in mellius são lex mitior, e como tais regidas pelos princípios da retroatividade e ultra-atividade. Nem a coisa julgada material é óbice para a retroatividade (art. 2º, parágrafo único, do Código Penal). A novatio legis incriminadora e a novatio legis in pejus são lex gravior, e como tais regidas pelos princípios da irretroatividade e não-ultra-atividade. Competência para Aplicação da Lei Penal Mais Benéfica Se a lei nova mais benigna (lex mitior), nas hipóteses do art. 2º, caput (abolitio criminis) e seu parágrafo único (novatio legis in mellius), do Código Penal, surge antes de o juiz proferir a sentença, o caso não oferece dificuldade, cabendo a ele mesmo fazer, na sua decisão, a adequação penal (art. 61, caput, do CPP). Quando, entretanto, a sentença condenatória já transitou em julgado, a competência para a aplicação da lei mais benéfica é do juiz de primeiro grau da vara de execuções penais, nos termos do que determina a Súmula 611 do STF:

“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções penais a aplicação da lei mais benigna.”

O art. 66, I e II, da Lei de Execução Penal, a LEP (Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984), por sua vez, reza, in litteris:

Art. 66. Compete ao juiz da execução: I – aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado; II – declarar extinta a punibilidade.”

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Não é, conseqüentemente, competência do Tribunal a aplicação da lei mais benévola nem quando no momento da sentença, nem quando esta já transitara em julgado. Eficácia Temporal das Leis Temporárias & Excepcionais 1. Generalidades: Leis penais temporárias são aquelas cuja cláusula de vigência ou de revogação determina a data exata de cessação de sua vigência. Leis excepcionais, por sua vez, são aquelas cuja cláusula de vigência/de revogação não determina em que data será revogada a lei, mas condiciona a sua eficácia à subsistência de condições extraordinárias, e que por isso mesmo não se sabe durante quanto tempo durarão, como nos casos de calamidade pública, guerras, revoluções, cataclismos, epidemias, estado de sítio, estado de defesa, urgências de ordem higiênica, de saúde, econômica, política, social etc. Exemplo de lei temporária: uma lei penal possui cláusula de revogação, determinando que os efeitos da lei (vigência) só terão eficácia até o dia 11 de março de 2002. Exemplo de lei excepcional: um lei excepcional, X, possui uma cláusula que prescreve que a sua vigência estará condicionada à duração de uma determinada revolução ou calamidade pública. Assim, enquanto perdurar a revolução/calamidade pública, vigerá a lei X, e somente quando aquela findar é que esta será revogada. Após a vigência da lei temporária ou excepcional, a lei que lhe é anterior volta a ter eficácia. Exemplo: uma lei A possui eficácia até que aparece uma lei temporária/excepcional B, que lhe toma o lugar e veda a sua vigência. Após o transcurso do tempo de vigência da lei B, i. e., logo depois da data de revogação dela, se temporária, ou da expiração do período no qual decorrera a circunstância ou causa extraordinária, se excepcional, a lei A volta a ter plena eficácia. Vê-se, portanto, que a lei anterior à temporária/excepcional, na verdade, tem sua eficácia suspensa por esta, não revogada. A única lei revogada, de fato, é a temporária/excepcional (auto-revogação). 2. Ultra-atividade das Leis Temporárias & Excepcionais: As leis temporárias e excepcionais não derrogam o princípio de reserva legal, pois não se aplicam a fatos ocorridos antes de sua vigência, se mais severas. Isto significa que estas leis, quando têm cunho de “lex gravior”, leis mais prejudiciais ao réu, obedecem ao princípio da irretroatividade da lei penal; porém, ainda que mais benéficas (“lex mitior”), não retroagem aos fatos cometidos antes de sua entrada em vigor. Ademais, sempre, ultra-ativas, i. e., alcançam os fatos cometidos sob sua vigência, mesmo após serem revogadas, não importando que a “lei posterior” (que, como vimos no item anterior, nada mais é que a mesma lei que vigorava antes da entrada em vigor da lei temporária/excepcional) regule-os de forma mais branda.

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Em resumo, não importa que uma lei posterior a uma temporária ou excepcional seja em relação a esta última mais benéfica: a prejudicialidade da lei temporária ou excepcional alcança os fatos

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praticados durante a sua vigência, ainda que, posteriormente, nova ordem jurídica, mais benévola, instaure-se. As leis temporárias e as excepcionais, portanto, regem-se por dois princípios: a) Princípio da Irretroatividade: Este princípio é o mesmo que se aplica às leis penais mais

severas, conforme vimos. b) Princípio da Ultra-atividade: Este princípio é o mesmo que se aplica às leis penais mais

benignas, conforme vimos. É exatamente isso o que o art. 3º do Código Penal manda ser seguido:

Art. 3º. A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência.

A expressão “decorrido o período de sua duração” se refere à lei temporária; e a “cessadas as circunstâncias que a determinaram”, à excepcional. Embora auto-revogadas, aplicam-se aos fatos ocorridos “durante a sua vigência”. Exemplo: Durante uma guerra, é posta em vigor uma lei excepcional que determina a pena capital para quem cometer certo fato durante o período bélico, fato que era antes tido como lícito pela “lei anterior”. Um indivíduo, então, pratica este fato no transcorrer do processo beligerante, mas pouco tempo depois a guerra termina, sem que o indivíduo sequer fosse julgado, e a “lei anterior”, antes com sua eficácia suspensa, passa mais uma vez a vigorar. Pergunta-se, então: o indivíduo pode ser condenado, mesmo já passando a revigorar a “lei anterior”, mais benéfica? Sim, pois “a lei excepcional”, “embora” “cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência”. É portanto sempre ultra-ativa, nada importando se mais severa que a “lei posterior” (que, repise-se, é a mesma “lei anterior”, só que com a sua eficácia suspensa). Eficácia Temporal das Normas Penais em Branco 1. Generalidades: Normas penais em branco são as de definição típica incompleta, ou genérica, que é suprida por outra norma, legal ou infralegal, que lhe complementa, especifica e delimita o sentido ou conteúdo. Dessa forma, e a par do que expusemos a respeito dos princípios e das hipóteses que regulam a lei penal no tempo, pergunta-se: Se a norma complementar for ulteriormente modificada, passando a melhorar ou favorecer a situação do sujeito, deve retroagir? Noutras palavras: Se o conteúdo da norma penal em branco (norma complementar) passar a ser outro, mais benéfico para o réu, ele retroage, a fim de dirimir, amenizar, mitigar as conseqüências penais, processuais penais ou executórias a incidir sobre o réu?

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Exemplo: A vende mercadoria por preço superior ao tabelado, praticando crime contra a economia popular. No transcorrer do processo uma nova tabela aumenta o preço da mercadoria, elevando o seu custo além do recebido por ele. Suponha-se que a tabela tivesse fixado o preço de R$ 100,00 pelo produto, tendo cobrado R$ 150,00 por ele, e a nova tabela o elevasse a R$ 200,00. Modificado o complemento da norma penal em branco, de molde a favorecer o vendedor processado, deve a norma retroagir nos termos do princípio da abolitio criminis? A nova tabela constante de portaria não estaria deixando de considerar crime o fato praticado pelo agente? Observa-se que, em face do novo complemento, vender a referida mercadoria por R$ 150,00 não constitui crime7. Basta ver se os complementos sucessivos têm, ou não, caráter de temporariedade ou de excepcionalidade: se tiverem, o complemento antigo, durante o qual foi cometido o fato, terá ultra-atividade, pouco importando que seja o complemento mais prejudicial ao réu que o segundo. Este é o caso das tabelas de preços. Se não tiverem os complementos sido elaborados em situação de anormalidade, o complemento novo mais benéfico retroage. É o caso das portarias do Ministério da saúde que elencam as substâncias entorpecentes e as que determinam dependência física ou psíquica. Tais portarias são periodicamente avaliadas, sem necessidade de situação de emergência/anormalidade. Logo, o complemento posterior, quando mais brando, retroagirá para beneficiar o réu. Exemplo: suponhamos que hoje o agente haja vendido maconha, cujo princípio ativo é o THC, atualmente considerado substância entorpecente pelo Ministério da Saúde. Digamos que transite em julgado a sentença que o condenou por tráfico de entorpecentes (art. 12, caput, da Lei n.º 6.368/76), e no decorrer da execução da pena surja nova portaria do Ministério da Saúde, excluindo o THC de seu rol exaustivo. Esta portaria retroagirá? Sim, porque em face dela o art. 12, caput, da Lei n.º 6.368/76, não mais alcança aquele agente (ora condenado), devendo ser liberado do estabelecimento penal onde se encontra cumprindo pena. Tempo do Crime 1. Generalidades: Decerto, a fixação do tempo em que se tem como praticado a infração penal tem relevância jurídica não somente para fixar a lei que o vai reger, mas também para fixar a imputabilidade do sujeito, as elementares de natureza subjetiva, circunstâncias judiciais e legais, qualificadoras, prescrição, anistia, competência para julgamento, entre outros institutos em Direito Penal e Direito Processual Penal. Como bem se nota, a par da problemática acerca dos conflitos intertemporais entre leis penais, existe uma outra, de igual importância: a de se saber em que momento se entende que ocorreu um crime,

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7 Idem, p. 87, § 4º. Alteramos a moeda corrente do exemplo original (Cruzeiro) para o Real.

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ou melhor dizendo, qual o tempo a ser considerado, o da conduta do agente, ou o de seu resultado naturalístico. Vejamos alguns problemas que poderão surgir na prática: 1º) José, de 17 anos de idade, com a clara intenção de matar João, desfere-lhe golpes de faca e, vendo a sua vítima tombar inconsciente, foge. Contudo, João, ainda vivo, é levado a um hospital, vindo a morrer no dia ou poucos dias após José ter atingido a maioridade penal (18 anos de idade). Sabendo-se que a menoridade penal é causa absoluta de inimputabilidade, que elide a culpabilidade, pressuposto da aplicação da pena, mas que com 18 anos de idade ao sujeito são imputadas todas as conseqüências penais e processuais penais, pergunta-se: José sofrerá a sanção de internação, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo período máximo não poderá exceder a 3 anos (art. 121, § 3º, do ECA), caso se leve em conta o tempo da sua ação, ou a pena do homicídio (6 a 20 anos de reclusão, se simples; 12 a 30 anos, se qualificado), definida no CP, se considerado o momento em que ocorreu o resultado (morte da vítima)? 2º) Pedro emprega meio fraudulento tendente a obter indevida vantagem econômica de uma empresa de seguros, vindo a obtê-la de fato somente semanas depois. Suponhamos que seu ardil tenha sido realizado quando a pena do crime de estelionato (art. 171 do CP) ainda era de 1 a 5 anos de reclusão, e multa, e pouco antes do momento consumativo do delito, que ocorrera com a produção do resultado almejado, já tivesse entrado em vigor lei mais severa, punindo os estelionatários com pena de reclusão, de 2 a 6 anos, e multa. Que lei há de se aplicar ante o caso: a que regia o estelionato à época da conduta de Pedro, se se levar em consideração que é no momento da conduta que se dá o tempus commissi delicti, ou a lei nova, caso se diga que este último é o do resultado? 2. Tempo do Crime (“Tempus Commissi Delicti”) 2.1. Noções Preliminares: A indagação que tem de ser solucionada, portanto, é: em que momento o Direito Penal brasileiro reputa ter sido praticado um ilícito penal material:

a) no da conduta? b) no do resultado? c) “tanto faz”, ou seja, na conduta e no resultado?

Em termos mais precisos e técnicos: em que ponto do iter criminis de uma infração penal material se dá o denominado tempus (commissi) delicti? Para tentar responder a esse questionamento é que surgiram três teorias a respeito: a da atividade, a do resultado e a mista (ou da ubiqüidade). 2.2. Teorias a Respeito do Tempo do Crime 2.2.1. Teoria da Atividade ou da Conduta: Consoante a teoria da atividade, considera-se tempus commissi delicti o momento da prática da conduta, positiva (ação) ou negativa (omissão), ainda que outro seja o momento do resultado.

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Nesse caso, conseqüentemente, é de se ter como inimputável, para todos os efeitos (penais, processuais penais e executórios) o agente que, antes da sua conduta típica, era ainda inimputável, mesmo que o resultado só tenha se verificado quando ela já havia cessado. Mutatis mutandis, é de se aplicar a lei vigente ao tempo da prática da conduta, ainda que o resultado tenha se produzido somente quando já vigorava outra lei, que dispunha acerca do mesmo fato, porém de forma mais severa que aquela8 (evidentemente que, ao contrário, caso a lei posterior seja mais benéfica que a vigorante ao tempo da conduta, retroagirá — princípio da retroatividade da lei mais benévola - art. 5º, XL, da CF/88). 2.2.2. Teoria do Resultado, do Evento ou do Efeito: Segundo a teoria do resultado (igualmente denominada teoria do evento, ou do efeito), considera-se tempus delicti o momento da produção do resultado. No mesmo sentido, e. g., dada uma conduta praticada sob a vigência de uma lei X, e o resultado, verificado quando já vigorava lei nova, Y, acerca do mesmo fato, é de se aplicar esta última, pouco importando se mais benéfica ou mais severa que a anterior, pois, se o tempo do crime é considerado em termos do tempo da produção do resultado, conflito intertemporal algum haverá entre as duas leis penais: o crime é entendido como cometido ao tempo da lei nova. 2.2.3. Teoria Mista ou da Ubiqüidade: Para a teoria mista, tempus delicti tanto é considerado como o do momento da ação ou da omissão penalmente relevante como o do resultado naturalístico produzido, indiferentemente. 2.3. A Teoria Adotada Pelo Código Penal Brasileiro: O Código Penal brasileiro, seguindo recomendação da Comissão Redatora do Código Penal Tipo para a América Latina (art. 7º), adotou a teoria da atividade, como nos esclarece o seu art. 4º, verbis:

“Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”

Afirma ANTÔNIO JOSÉ FABRÍCIO LEIRIA: “É exatamente no instante da ação que a inteligência que pensa e a vontade que quer se manifestam no mundo exterior, tornando-se relevantes ao direito. É neste momento da ação ou omissão que se objetiva o querer do agente e, portanto, revela-se a sua rebeldia ao comando da lei. Logo, aqui é que se deve situar o tempus delicti.”9 Responde as duas perguntas alhures formuladas: José será considerado inimputável, pois esta era a sua condição ao tempo da conduta; e Pedro será sancionado de acordo com a pena vigente ao tempo de seu ardil (1 a 5 anos de reclusão).

8 No lançar d’olhos à teoria da atividade nos casos de conduta e resultado verificados sob o império de leis distintas, sendo a última mais severa que a antiga, enxerga-se muita semelhança com o princípio da ultra-atividade da lei mais benévola, porquanto se aplica a lei/norma regente ao tempo da conduta, ainda que outro seja o momento do resultado.

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9 LEIRIA apud SILVA FRANCO, Alberto, STOCO, Rui, SILVA JÚNIOR, José, NINNO, Wilson, FELTRIN, Sebastião Oscar, BETANHO, Luiz Carlos, ROCHA GUASTINI, Vicente Celso da. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1, tomo I: Parte Geral, 6ª ed., 1997, p. 97.

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5º Módulo

CONCURSO DE PESSOAS 1. Generalidades: O concurso de pessoas é instituto legislado no art. 29 até 31 do Código Penal, ipsi litteris:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.”

1.1 Conceito: O concurso de pessoas é instituto jurídico-penal que estuda a concorrência (participação em sentido amplo) de uma pluralidade de pessoas para a prática de um crime. Não se quer dizer, com isso, que o concurso de pessoas apenas se preocupe com a co-autoria, sendo que esta se rege como espécie daquele. Veja-se, a propósito, que poderemos falar em concurso de pessoas envolvendo apenas um único autor de um delito e um único partícipe, razão para a qual é incorreto fazer identificação com o estudo que estaremos fazendo daqui para frente com a co-autoria. Como o que será abordado são o conceito e as diversas formas de manifestação delituosa do concurso de pessoas, é claro que sempre trataremos de um número plúrimo de sujeitos que, por meio de co-autoria e/ou participação stricto sensu, hajam de alguma forma contribuído para a perpetração de um delito. 1.2 Concursos Eventual & Necessário: Entre as várias classificações de crimes está aquela que os divide em duas grandes classes: crimes de concurso eventual e crimes de concurso necessário. Os crimes de concurso eventual são aqueles que admitem ser cometidos por um único autor. Daí a adjetivação de “eventual” para o concurso de pessoas, pois tanto podem ser praticados por um único autor quanto por duas ou mais. Ou seja: os crimes de concurso eventual são aqueles cujos tipos penais não exigem um número mínimo de autores.

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A larga maioria dos crimes definidos no CP (exs.: crimes contra a vida, crimes contra o patrimônio, crimes sexuais, crimes contra a fé pública, a maioria dos crimes contra a administração pública) são de concurso eventual. Já os crimes de concurso necessário, como o próprio nome vem a indicar, são aqueles cujos tipos penais exigem que sejam praticados somente quando atingido um número mínimo de autores. Nunca, portanto, dispensam uma pluralidade de autores para o delito. Exemplos: rixa (art. 137 do CP), que só pode ser cometida por no mínimo 3 pessoas; quadrilha ou bando (art. 288 do CP), que só pode ser cometido por, minimamente, quatro pessoas. 2. Teorias do Concurso de Pessoas Várias teorias se apresentaram ao longo da dogmática penal para oferecer subsídios ao aplicador da lei penal no sentido de este vir a saber quando, como e por quais razões existe, ou inexiste, concurso de pessoas. 2.1. Teoria Pluralista: Esta teoria diz que a concorrência de uma pluralidade de pessoas leva a uma pluralidade de crimes, respondendo cada uma por um delito. Quando duas ou mais pessoas concorrem, num mesmo contexto, para a perpetração de um delito, na verdade, segundo tal teoria, estão todas cometendo, cada qual, um delito. Assim, por exemplo, se A, B e C, armados, reúnem-se para praticarem um assalto a um banco (art. 157, § 2º, I e II, do CP), para a teoria pluralista haverá um roubo para A, um roubo para B e um roubo para C. A teoria pluralista foi acatada, no Brasil, apenas como exceção. Alguns casos podem ser citados:

• quando uma mulher, sabendo-se grávida mas não desejando a criança, procura um médico para abortar, e este, com o consentimento dela, pratica-lhe abortamento, tem-se que a gestante responde pelo art. 124 do CP, e o médico, pelo art. 126 do CP; quando um particular oferece propina a um funcionário público e este a aceita, o particular responde por corrupção ativa (art. 333 do CP), e o agente público, por corrupção passiva (art. 317 do CP).

Observe-se que quando a teoria pluralista incide, nunca se fala em co-autoria, mas em crimes distintos para as pessoas envolvidas. Nunca se poderá falar, p. ex., que o particular é co-autor do agente público em corrupção passiva, nem que este é co-autor daquele na corrupção ativa. 2.2 Teoria Dualista Esta teoria, que não foi adotada no Brasil nem como regra nem como exceção, diz que haverá, no concurso de pessoas, um crime para os co-autores e um outro crime para os partícipes. Por exemplo, se X, Y e Z instigam A, B e C a praticarem um homicídio (art. 121 do CP) e estes executam o crime, a teoria dualista diz que teremos um crime de homicídio para os co-autores (A, B e C) e um crime de homicídio aos partícipes (X, Y e Z).

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2.3 Teoria Monista Esta é a teoria-regra no Brasil: de ordinário, falar-se-á em um único delito compartilhado para todos os que, por meio de co-autoria ou de participação stricto sensu, hajam para ele contribuído. No exemplo logo acima, haverá um único delito de homicídio, sendo que X, Y e Z são os partícipes e A, B e C, co-autores. Se Alfa e Beta subtraem, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, haverá um único furto qualificado (art. 155, § 4º, IV, do CP), e não dois (como o diria a teoria pluralista). 3. Autoria & Co-autoria (art. 29, caput, do CP) Inexiste diferença ontológica entre autor e co-autor. O prefixo “co-” é apenas um indicador de que o delito foi perpetrado por dois ou mais autores. Co-autores são, portanto, autores de um crime. Toda vez que duas ou mais pessoas realizam o verbo contido no tipo penal fala-se em co-autoria. A co-autoria pode ocorrer quando todos os envolvidos realizam a totalidade do tipo penal (e então a questão da verificação da co-autoria fica demasiadamente fácil), ou quando existe repartição de tarefas. No primeiro caso, tome-se o exemplo de A, B, C e D que dão uma surra em X, cada qual realizando chutes e pontapés na vítima: cada qual realizou, na íntegra, o tipo penal do art. 129 do CP (isso, se o crime não constituir tortura – Lei n.º 9.455/97). Pode-se falar em repartição de tarefas quando, por exemplo, A B e C, desejosos de perpetrarem um furto numa residência, determinam que A ficará do lado de fora da casa como vigia; B arrombará a porta de entrada e C é quem entrará na casa e subtraíra os pertences. Todos são co-autores de furto qualificado (art. 155, § 4º, IV, do CP). 4. Participação (art. 29, § 1º, do CP) 4.1 Conceito Fala-se em participação stricto sensu, ou de menor importância, quando, sem realizar o verbo contido no tipo penal, o sujeito presta um colaboração ao autor ou aos co-autores no sentido de lhes idealizar, encorajar ou facilitar a prática do crime. Como a contribuição do partícipe é de menor importância, diz o CP, em seu art. 29, § 1º, que a pena dele é reduzida de 1/6 a 1/3. 4.2. Teorias da Acessoriedade A participação é sempre um instituo que depende da autoria/co-autoria. Com efeito, se é certo que pode haver autoria ou co-autoria sem participação, não menos verdadeiro é que não é possível a participação sem a autoria/co-autoria. Quem induz, induz alguém (autor/co-autor) a fazer alguma coisa; quem instiga, instiga alguém (autor/co-autor) a fazer alguma coisa a fazer alguma coisa; quem auxilia, auxilia alguém (autor/co-autor) a fazer alguma coisa a fazer alguma coisa. Daí porque a participação é sempre acessória. Teorias surgiram, então, para explicarem quando existe, ou não, a participação.

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4.2.1 Teoria da Acessoriedade Mínima Para esta teoria, para se falar em partícipe, basta que o comportamento do autor/co-autor seja típico. Essa teoria é absurda, e não foi adotada pelo legislador penal brasileiro, haja vista que, por exemplo, se A instiga B a reagir em legítima defesa contra C, que desejava matar B, e este lesa C, ter-se-á que B, por ter agido em legítima defesa, não responde por crime algum, por exclusão da ilicitude do fato, e A responde a título de partícipe de crime de homicídio, porque o comportamento de B, apesar de lícito, é típico. 4.2.2. Teoria da Acessoriedade Limitada Esta é a teoria adotada no Brasil. Diz que para se falar em participação em sentido estrito, basta que o comportamento principal (fato do autor/co-autor) seja típico e antijurídico, sendo insuficiente a tipicidade tão-somente, e supérflua a análise da culpabilidade do autor/co-autor. No exemplo de cima, A não é partícipe de crime de homicídio porque o comportamento de B é lícito. No exemplo dado abaixo, A não só responsabilidade penal como é autor mediato (e não mero partícipe) do roubo. 4.2.3. Teoria da Acessoriedade Máxima Diz que somente é partícipe aquele que induz, instiga ou auxilia um sujeito culpável à prática de um fato típico e antijurídico. Não foi a teoria adotada no Brasil. Veja-se que, por exemplo, segundo tal teoria, se A, maior imputável, instiga B, menor de 16 anos, à prática de um roubo, A não seria partícipe, muito menos co-autor, porque B é inculpável. 4.3. Espécies 4.3.1. Participação Moral: Dá-se de suas formas: Induzimento: O partícipe, aqui, cria na mente do autor a idéia delituosa. Instigação: O partícipe, aqui, não cria na mente do autor a idéia delituosa (visto que ele já a

tinha), mas o encoraja a levar a acabo tal idéia, incentiva-o. 4.3.2. Participação Material Dá-se na forma de auxílio. Sem que realize a conduta descrita no verbo do tipo penal, o partícipe presta uma ajuda material, como emprestando ou dando a arma ou o instrumento para o cometimento do delito; ensinando-o a atirar. 4.3.3. Cooperação Dolosamente Distinta (art. 29, § 2º, do CP) Um dos requisitos essenciais para o surgimento de co-autoria na prática de crimes é o chamado liame subjetivo que une os comparsas. Significa dizer que somente é considerado autor de um delito aquele que haja consciente e voluntariamente aderido à intenção de outra pessoas para a prática de uma conduta delituosa.

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Vamos supor um exemplo: A e B armam um plano para furtarem objetos de uma rica residência. Fica combinado entre ambos que A fica no lado de fora da casa, vigiando a presença de alguma pessoa, enquanto que B invadirá o domicílio e de lá subtrairá objetos, dinheiro, jóias e alguns eletrodomésticos, sem violência nem grave ameaça contra pessoa. B, então, já dentro da casa, enquanto subtraía alguns objetos, é surpreendido pela filha do proprietário, e decide estuprá-la. Após, A e B fogem da residência com o produto do delito patrimonial. Dias após, são presos pela polícia. No exemplo acima formulado, fica evidente que A e B respondem por furto consumado, em co-autoria, porque ambos pactuaram em cometerem um o comportamento delineado tipicamente no art. 155 do CP. Todavia, no que tange ao estupro (art. 213 do CP), fica a pergunta: por acaso A desejou este crime, permitindo e consentindo a que B o cometesse? A resposta é invariavelmente negativa, pois em nenhum momento A compactuou um crime sexual, restringindo seu desiderato criminoso exclusivamente ao crime patrimonial. Logo, A não pode ser sequer partícipe do estupro cometido por B. É nisso que consiste a cooperação dolosamente distinta: alguém somente responde em co-autoria pelo crime a que compactuou, não ao crime ou aos crimes cujo cometimento não entraram na esfera de sua vontade. Com respeito a isso, diz o art. 29, § 2º, do CP, que se aquele que se liga subjetivamente à prática de certo delito (e não de todos os crimes praticados pelos demais comparsas, sem a sua vontade) não tinha sequer elementos de previsão do crime mais grave (no caso acima formulado, se A não tinha como prever que B iria estuprar a filha do proprietário da residência), somente responde pelo crime a que aderiu com sua consciência e vontade (no caso aventado, pelo furto qualificado pelo concurso de pessoas – art. 155, § 4º, IV, do CP). Se, contudo — continua o art. 29, § 2º, do CP —, o sujeito tinha como ao menos prever o crime mais grave praticado pelo comparsa (no caso, estupro), continua respondendo pelo crime menos grave, só que agora sua pena é aumentada da metade. No exemplo formulado acima, portanto, pelas duas regras estabelecidas pelo art. 29, § 2º, do CP, tem-se que: Se A não tinha como prever o estupro praticado por B, sua pena será a do art. 155, § 4º, IV, do CP (2 a 8 anos de reclusão, e multa, sem qualquer aumento); Se A, a despeito de não desejar, tivesse como prever o crime mais grave de seu comparsa B (digamos, A sabia que B é sujeito muito agressivo, que tem compulsão por crimes sexuais, ou que já foi condenado por crime sexual, ou é um pervertido sexual, no sentido psiquiátrico da expressão), a pena de A continua sendo a mesma do furto qualificado (continua inexistindo concurso de pessoas para a prática do estupro!), só que aumentada de metade. 4.3.4. Comunicabilidade de Elementares (art. 30 do CP) Este instituto é um dos mais notáveis no campo do concurso de pessoas, e um dos que mais costumam ser exigidos em provas de concursos públicos. Portanto, toda atenção é pouco para o art. 30 do CP! Diz o dispositivo que as circunstâncias de caráter pessoal do agente não se comunicam aos que com ele praticam a conduta criminosa, mas as elementares de caráter pessoal comunicam-se a estes.

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Circunstâncias são dados acidentais, que não fazem parte do tipo penal, servindo, tão-somente, para atenuar ou agravar a pena, ou para majorá-la ou minorá-la, e a inexistência de um circunstância não implica atipicidade. Por exemplo, a circunstância agravante de o crime ser contra o próprio ascendente do agente (art. 61, II, e, 1ª figura, do CP). Logo, se eu e um amigo desejamos matar roubar (art. 157 do CP) meu próprio pai, a agravante de caráter pessoal recai sobre mim, mas não sobre meu amigo, porque circunstância de caráter pessoal, diz o art. 30 do CP, não se comunica, ou seja, não se estende aos demais que colaboram na conduta criminosa. Elementares são as informações trazidas implícita ou explicitamente no corpo do tipo penal, e são tão essenciais que a inexistência de uma delas acarreta atipicidade do fato. Se de caráter pessoal, comunica-se a elementar aos que colaboram com aquele que ostenta aquela elementar. Por exemplo, o crime de peculato (art. 312 do CP). O tipo penal diz que somente pode ser cometido por quem é funcionário público. Funcionário público é, portanto, uma elementar (porque faz parte do tipo penal do art. 312 do CP) de caráter pessoal do agente (é uma elementar que recai sobre o sujeito ativo do peculato). Pelo art. 30 do CP, quem quer que, mesmo não sendo funcionário público, colabora com o agente-funcionário na realização do tipo penal, responde também por peculato. O mesmo raciocínio existe para a prática do estupro (art. 213 do CP): uma mulher pode ser co-autora de crime de estupro, pois a elementar de caráter pessoal do delito (ser o agente homem) estende-se a ela. O art. 30 do CP, enfim, permite que pessoas estranhas ao tipo penal possam ser co-autoras do crime que ele descreve. 5. Impunibilidade (art. 31 do CP) A regra do art. 31 do CP pode ser assim traduzida: toda vez que um crime não chegar, sequer, a ser tentado (ficando, no máximo, no plano da fase meramente preparatória), não existe co-autoria nem participação stricto sensu. Ora, se o crime não chega sequer a ser tentado, não houve fato sequer típico. Logo, todos que concorreram para ele não são co-autores de delito algum (se A e B concorrem para uma conduta atípica, não são co-autores de crime porque, obviamente, crime nenhum houve) e, pela adoção da teoria da acessoriedade limitada, não existe participação stricto sensu. Exemplo: A manda B matar C de emboscada. B, escondido atrás de uma árvore, ao ver C, desiste de cometer o crime, não tendo sequer atacado C. Conclui-se que o fato de B é atípico — porque o fato ficou na fase meramente preparatória — e, portanto, é atípico também ao mandante, A. 6. Formas Especiais de Autoria 6.1. Autoria Intelectual

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Autor intelectual é aquele que promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes, sem, contudo, executar materialmente a conduta descrita no tipo penal. Autor intelectual é quem, por exemplo, contrata o pistoleiro para matar seu desafeto.

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6.2. Autoria Mediata Autor mediato (“pessoa por trás”) é aquele que, tendo o domínio final do fato, utiliza-se de terceiro interposto (autor imediato) como instrumento de seus desígnios delituosos, sendo que este terceiro age sem tipicidade, sem antijuridicidade ou sem culpabilidade. Exemplo 1: A e B estão caçando numa floresta, quando então enxergam um arbusto se mexendo vertiginosamente. A vê que atrás do arbusto encontra-se C, e diz a B para este alvejar um tiro em direção a C, dizendo-lhe que se trata de um animal bravio pronto para atacá-los. B, induzido em erro — pois pensava sinceramente tratar-se de um animal —, atira e mata C. Em tal caso, B agiu com erro de tipo essencial que, se escusável, exclui o dolo, sendo portanto atípico o comportamento de B. Contudo, haja vista A ter tido o domínio final do fato, ele responderá pelo homicídio perpetrado por B. Exemplo 2: A e B travam um feroz briga corporal, sendo em seguida apartados por populares. A vai ao encontro de X, diz-lhe o ocorrido, e X lhe diz, falsamente, que B o havia contado que iria matar A no dia seguinte. A, então, prepara-se o diz seguinte. X, então, vai ao encontro de B e lhe diz, também falsamente, que A houvera falado que mataria B por causa da briga. B, então, prepara-se para o diz seguinte. A e B se encontram e este puxa de sua arma para matar seu desafeto, sendo que A é ainda mais rápido e desfere-lhe um tiro, matando B. A agiu em legítima defesa, sendo portanto lícito seu comportamento, sendo que X, por ter confabulado tudo, responde pela morte de B. Exemplo 3: A coage moralmente B com uma arma de fogo, para o fim de este cometer um roubo. B age sem culpabilidade. Exemplo 4: A pede a um inimputável para matar X. O inimputável age sem culpabilidade. 6.3. Autoria Colateral Em toda autoria colateral o que ocorre é a ausência do liame subjetivo que existe no concurso de pessoas, não havendo, portanto, co-autoria na autoria colateral. Esta é uma coincidência, na qual duas ou mais pessoas, desejando perpetrar um delito, não têm cada qual consciência da presença da outra. Exemplo: A e B desejam matar X e, sem que um soubesse sequer da existência do outro, colocam-se em emboscada, para, esperando a presença de X, matá-lo. A e B disparam suas armas de fogo, e X morre. Fica constatado que o projétil letal foi disparado da arma de B. Este responde por homicídio doloso qualificado consumado e A, por tentativa de homicídio qualificado. 6.4. Autoria Incerta

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Toda autoria incerta é uma autoria colateral, mas a recíproca não é verdadeira. Dá-se a autoria incerta quando, na autoria colateral, não se sabe a quem atribuir o resultado ilícito. No exemplo dado logo acima, se apesar de todas as perícias não ficar constatado quem realmente matou X, A e B responderão por tentativa de homicídio qualificado. É melhor favorecer o verdadeiro culpado pela morte que prejudicar o verdadeiro inocente.

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6º Módulo

ERRO DE TIPO & ERRO DE PROIBIÇÃO (arts. 20 e 21 do Código Penal) 1. Conceito Erro é a falsa percepção de uma realidade (que pode ser fática ou jurídica). Ou seja, é a discrepância entre o que o sujeito imagina e aquilo que realmente é ou existe. O sujeito acha (equivocadamente) que uma coisa existe, mas não existe; ou que uma coisa não existe, mas existe. O erro pode ser de duas espécies: de tipo ou de proibição. 2. Erro de Tipo É a falsa percepção da realidade fática. O sujeito acredita falsamente na inexistência de um dado da realidade, dado este que existe. O erro de tipo é subdividido em essencial e acidental. 2.1. Erro de Tipo Essencial (art. 20, caput, do CP) É o que recai sobre uma elementar do tipo penal, ou seja, ele crê na inexistência de uma elementar que na verdade existe. Exemplo: ele pensa que, na caça, está atirando num animal, quando na verdade está atirando e matando um ser humano. Quer dizer, o sujeito, aqui, pensa inexistente a elementar “alguém” do homicídio (art. 121 do CP), mas que na realidade fática tal elementar existe. O erro de tipo essencial SEMPRE exclui o dolo, o que nos faz concluir que o pior que pode ocorrer com o sujeito é responder a título de crime culposo. O erro de tipo essencial, por sua vez, subdivide-se em escusável e inescusável. 2.1.1. Erro de Tipo Essencial Escusável, Invencível, Inculpável, Inevitável: Exclui a culpa. Ou seja, como o erro de tipo essencial, pelo só fato de ser essencial, exclui o dolo, e o inevitável ainda exclui a culpa, o sujeito não responderá por crime algum, por ausência de elemento subjetivo. Logo, a absolvição é certa (desde que comprovado o erro de tipo essencial inevitável, evidentemente). 2.1.2. Erro de Tipo Essencial Inescusável, Vencível, Culpável, Evitável:

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Não exclui a culpa, devendo o sujeito responder por crime culposo, se previsto em lei. No exemplo retro citado do animal, se ficar comprovado que, apesar do erro de tipo essencial, o sujeito, com um pouco mais de atenção e prudência, teria atingido a consciência de que se tratava de um ser

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humano, responderá por homicídio culposo. E se ao crime não for prevista a modalidade culposa? Exemplifiquemos com o delito de furto (art. 155 do CP): o sujeito subtrai, para si, coisa que pensa ser própria, mas é alheia. Em tal caso, não haverá tipicidade alguma (porque, ainda que se comprove a inescusabilidade do erro de tipo essencial no furto, não haverá crime algum, porque não existe furto culposo no Brasil) e portanto, em tal caso, os efeitos práticos serão os mesmos dos efeitos do erro de tipo essencial escusável: absolvição por todo e qualquer crime. Nada mais evidente: reconhecer um crime culposo quanto inexiste previsão típica para a culpa stricto sensu é afrontar literalmente o princípio da legalidade. 2.2. Erro de Tipo Acidental Este erro não exclui o dolo, nem a culpa. Ou seja, não favorece o sujeito. O erro de tipo acidental pode ser das seguintes espécies: 2.2.1. Error in Persona (art. 20, § 3º, do CP): O sujeito pensa estar atingindo uma pessoa, quando na verdade outra é a pessoa quem ele atinge. Há erro quanto à identidade da vítima. O sujeito responde como se tivesse acertado a pessoa contra quem deseja ter atingido desde o início de sua conduta. Exemplo: o sujeito quer matar o pai com arma de fogo, atira num vulto que passava por perto pensando ser seu pai, mas atinge e mata um estranho. Responde como se tivesse matado o seu próprio pai, e então sofrerá a agravante genérica do art. 61, II, e, 1ª figura, do CP (crime contra o ascendente). Outro exemplo: o sujeito quer matar uma pessoa que não é seu parente, mira num vulto e atinge e mata seu irmão. Não responderá pela agravante genérica de crime contra o irmão (art. 61, II, e, 3ª figura, do CP), pois sofrerá as conseqüências de como se tivesse matado aquela pessoa que desejava matar, não seu irmão. 2.2.2. Aberratio Ictus (art. 73 do CP): É um erro na execução da conduta (grosso modo, erro de mira, de pontaria). O sujeito quer atingir uma pessoa, mira nela (não há erro de identidade!), porém erra a pontaria, matando terceiro que passava por perto. A solução jurídica é a mesmíssima da do error in persona. São institutos distintos com a mesma solução jurídica (tanto, que o art. 73 do CP faz expressão alusão ao art. 20, § 3º, no tocante à solução jurídica). 2.2.3. Aberratio Delicti/Criminis (art. 74 do CP):

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Também se trata de erro na execução do crime. Todavia, a aberratio ictus envolve tão-somente “pessoas” (vide o art. 73 do CP), enquanto a aberratio delicti envolve sempre ao menos uma “coisa”. Em tal caso, o sujeito responderá em concurso formal próprio, aplicando-se a regra do art. 70, caput, do CP - o juiz aplica a pena para cada crime, depois rejeita as menores penas e, por fim, com a pena mais alta, eleva-a de 1/3 à metade. Exemplo: O sujeito quer lesar uma pessoa com uma pedra, mas a vítima se esquiva a tempo, vindo o sujeito a atingir e quebrar um jarro. Como inexiste dano culposo, o sujeito só responde por tentativa de lesão corporal. Outro exemplo: ele atinge a pessoa e quebra o jarro. Responde por lesão corporal consumada apenas. Outro exemplo: quer o sujeito atingir apenas o jarro, mas não o atinge, mas sim uma pessoa, que fica gravemente ferida. Responde por tentativa de dano em concurso formal próprio com lesão corporal culposa. Outro exemplo: quer atingir o jarro, atinge-o (quebrando-o) e ainda lesa uma pessoa. Responde por dano consumado em concurso formal próprio com lesão corporal culposa.

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3. Erro de Proibição (art. 21 do CP) É o que recai sobre a ilicitude do fato. O sujeito acredita numa realidade jurídica que inexiste, ou seja, supõe, equivocadamente, que sua conduta é permitida/lícita, quando na verdade é proibida/ilícita. É importante frisar que o erro de proibição, qualquer que seja a sua modalidade, não exclui o dolo quando o sujeito tem vontade de realizar as elementares do tipo penal, como se pode à primeira vista supor: o injusto penal é doloso toda vez que o sujeito quer o resultado antijurídico, embora labore em erro de proibição. O erro de proibição ⎯ assim como sói ocorrer com o erro de tipo essencial ⎯ pode ser escusável ou inescusável. 3.1. Erro de Proibição Escusável, Inevitável, Invencível, Inculpável (art. 21, caput, 1ª parte): Aqui o sujeito incorre em erro sobre o qual outra pessoa, ainda que cautelosa, também teria incorrido. Em tal hipótese, não apenas o sujeito não atingiu a consciência da ilicitude do fato, como igualmente outra pessoa, no caso concreto, de acordo com as circunstâncias, teria também acreditado que aquele comportamento seria lícito. O erro de proibição escusável exclui o segundo elemento da culpabilidade (a potencial consciência da ilicitude), isentando o réu de qualquer sanção penal. 3.2. Erro de Proibição Inescusável, Evitável, Vencível, Culpável (art. 21, caput, e par. único): O sujeito, no caso concreto, acreditou ser lícita sua conduta, mas outra pessoa, no lugar dele, teria atingido a consciência da ilicitude de seu atuar/omitir. Em tal caso, não se exclui a culpabilidade (como no erro de proibição escusável), mas também não se pune “normalmente” o agente: sua culpabilidade é diminuída, e então ele responderá por crime doloso com pena reduzida de 1/6 a 1/3. 3.3. Classificações Costuma-se classificar o erro de proibição em três: 3.3.1. Erro de Proibição Direto: É a hipótese mais comum. O sujeito acredita que seu comportamento não se encontra enquadrado em qualquer tipo penal incriminador. Observe-se que não se trata de ignorantia legis ⎯ como se poderia em princípio supor ⎯, mas o sujeito, conhecendo mal as figuras típicas, crê que sua conduta não está enquadrada em qualquer uma delas. Exemplo: o sujeito semi-analfabeto há anos vende mercadorias descaminhadas sem nunca ter sido importunado pelo Poder Público, até que um dia é preso. Cabe alegação de erro de proibição direto. Após, deverá ser analisada a (in)escusabilidade do erro. 3.3.2. Erro Mandamental

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É a espécie de erro de proibição que rege os injustos penais omissivos. O sujeito acredita que não está vinculado a prestar uma determinada ação, quando na verdade está obrigado a agir. Exemplo: o sujeito encontra uma pessoa, na rua, gravemente ferida e precisando muito de socorro, e pensa “não conheço esta pessoa, não devo qualquer cuidado a ela, tenho mais o que fazer”, e então omite o

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socorro. Pensa, portanto, não ser proibida a sua abstenção, quando na verdade não sabe que seu comportamento se enquadra perfeitamente à norma do art. 135 do CP. Mais uma vez será mister averiguar se o erro, in casu, é escusável ou não. 3.3.3. Erro de Proibição Indireto O sujeito entende bem a norma penal, sabe que, p. ex., “lesar corporalmente alguém” é proibido, mas crê que, na situação diante da qual ele se encontra, seu comportamento encontra-se plenamente justificado. Em outros termos, ele acha que seu comportamento está acobertado por causa de exclusão da ilicitude. Exemplo: o sertanejo de poucas luzes e educação rígida e machista, ao flagrar sua mulher mantendo relações sexuais com o amante, dá nela uma surra. Ele pensa assim: “eu sei que bater nas pessoas é errado [e portanto não labora o agente em erro de proibição direto], mas creio, sinceramente, que o Direito me resguarda a honra nesta hipótese na qual me encontro, e portanto posso agir em legítima defesa, dando uma surra na minha esposa adúltera!”. Dever-se-á, após, passar à análise da excusabilidade ou não do erro de proibição indireto. 4. Descriminantes Putativas (art. 20, § 1º, do CP) Questão que suscita polêmicas avassaladoras diz respeito às descriminantes putativas, isto é, situações nas quais o sujeito supõe, equivocadamente, situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Ou seja, o sujeito acredita estarem preenchidos todos os requisitos de uma descriminante (causa de justificação). “Descriminante” = causa de justificação (causa excludente de ilicitude); “putativa” = imaginário, suposto (pensar que algo existe, mas inexiste). A pergunta crucial é: trata-se de erro de tipo essencial ou de erro de proibição indireto? Se formos nos limitar à posição topográfica das descriminantes putativas, veremos que ela se encontra dentro da regulamentação do erro de tipo (art. 20, § 1º, do CP). Porém a questão é muito mais complexa. Duas teorias tentam apontar a natureza jurídica das descriminantes putativas: teoria extremada da culpabilidade & teoria limitada da culpabilidade. Seja qual for a teoria adotada, no entanto, nunca se poderá falar em ausência do dolo: o agente sempre age com dolo de matar, de lesar etc. 4.1. Teoria Extremada da Culpabilidade Para esta teoria, defendida pelos primeiros finalistas (Welzel, entre eles), todas as hipóteses de descriminantes putativas serão, sempre e necessariamente, de erro de proibição indireto. Não há espaço para se falar em erro de tipo. Não é a teoria adotada pelo CP brasileiro. 4.2. Teoria Limitada da Culpabilidade:

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É a teoria adotada pelo CP brasileiro. Para esta teoria a descriminante putativa ora pode configurar erro de proibição indireto... ora erro de tipo permissivo! Tudo irá depender do caso concreto.

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Se no caso o sujeito supõe situação de fato justificante (isto é, imagina estarem presentes todos os requisitos do estado de necessidade, ou da legítima defesa etc.), a hipótese é de erro de tipo permissivo, isto é, erro que recai sobre o tipo penal permissivo. Exemplo: A atira em B, seu desafeto, pensando que este, ao bruscamente colocar a mão na cintura, iria tomar de uma arma de fogo para matar A, quando na verdade B só queria pegar um lenço. Ora, A achou que o primeiro requisito da legítima defesa (agressão injusta, atual ou iminente), cuja definição se encontra no tipo penal permissivo do art. 25 do CP, estava presente, quando na verdade não estava. Ocorre legítima defesa putativa, e no caso o agente laborou em erro de tipo permissivo. Outro exemplo: o agente age em legítima defesa contra um ladrão que estava o assaltando, derrubando o agressor ao solo. Pensa o defensor do ataque, todavia, que a norma penal permissiva lhe garante o direito de continuar batendo no delinqüente até a polícia chegar, pois ele estaria o tempo todo acobertado pelo art. 25 do CP. No caso, não se fala em erro de tipo permissivo nesta legítima defesa putativa, mas em erro de proibição indireto. Também no que diz respeito ao erro de tipo permissivo será preciso analisar, diante de caso, a escusabilidade ou não. Se o erro de tipo permissivo for escusável, seus efeitos serão os do art. 20, § 1º, 1ª parte, do CP: o erro de tipo permissivo escusável isenta o réu de pena (exatamente como ocorre no erro de proibição escusável!). Já o erro de tipo permissivo inescusável não isenta o réu de pena, mas faz com que o agente sofra a imposição de pena pelo crime cometido como se ele fosse culposo. Observe-se que não estamos dizendo que o agente laborou com culpa stricto sensu, pois nas descriminantes putativas (lembremos de novo!) não se fala em ausência de dolo. O que estamos dizendo é, apenas, que o agente, apesar de reconhecidamente ter matado, lesado etc. dolosamente, sofrerá imposição de pena como se seu crime tivesse sido culposo. Sintetizando:

no erro de tipo permissivo inescusável há um crime doloso com a inflição de pena por crime culposo correlato. Vamos supor o caso da legítima defesa putativa por erro de tipo permissivo inescusável: o agente agiu com dolo, mas sua pena não será a de 6 a 20 anos, nem a de 12 a 30 anos (respectivamente, penas do homicídio doloso simples e qualificado), e sim de 1 a 3 anos de detenção (pena do homicídio culposo – art. 121, § 3º, do CP). E se ao injusto penal cometido pelo sujeito não houver previsão de culpa stricto sensu?

Em tal hipótese, a solução será a mesma que é conferida ao erro de tipo essencial inescusável sem previsão de modalidade culposa para o comportamento. Vimos, no item 2.1.2., retro, que se o sujeito incorre em erro de tipo essencial inescusável, mas não existe previsão de crime culposo (exemplo: subtração de coisa alheia móvel em que o sujeito incorre em erro de tipo essencial inescusável), o sujeito terá de ser absolvido. Diga-se o mesmo para o erro de tipo permissivo inescusável: como o próprio art. 20, § 1º, in fine, do CP, fala que “não há isenção de pena se o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo” (destacamos), não há qualquer responsabilidade criminal na ausência de previsão típica culposa.

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Assim sendo, por exemplo, se eu vou prender uma pessoa em flagrante delito, indo em sua perseguição, e, ao virar a esquina, prendo e conduzo à Delegacia de Polícia pessoa diversa da que

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estava na situação de flagrância, agi no exercício regular de direito putativo por erro de tipo permissivo. Se se provar que tal erro foi escusável, estarei isento de pena; e se ficar provada a inescusabilidade de meu erro, mesmo assim serei inteiramente absolvido, pois, por não existir seqüestro culposo ⎯ e como a pena por crime culposo só se impõe se houver previsão de modalidade culposa, por evidente ⎯, estarei isento de pena. Erro de Tipo Essencial (art. 20, caput): Sempre exclui o dolo. Acidental (arts. 20, § 3º, 73 e 74): Nunca exclui o dolo. Escusável: Exclui também a culpa. O sujeito terá de ser absolvido.

Inescusável: Não exclui a culpa (mas o sujeito só responde por crime culposo se prevista tipicamente a modalidade culposa para seu comportamento; se não, será absolvido ).

Error in Persona (art. 20, § 3º): Erro sobre a identidade de uma pessoa: o agente supõe ser uma pessoa, mas se trata de outra (responde como se tivesse atingido quem desejava atingir).

Aberratio Ictus (art. 73): Erro na execução do comportamento envolvendo bens jurídicos pessoais, atingindo pessoa diversa da pretendida (a solução jurídica é a mesma da do erro sobre a pessoa).

Aberratio Criminis (art. 74): Também é resultado diverso do pretendido (erro na execução), mas envolvendo bens jurídicos não-pessoais.

Erro de Proibição (art. 21 do CP): Recai sobre a ilicitude do fato: o sujeito acha que seu comportamento é permitido, quando na verdade é vedado em lei. Se escusável, exclui a culpabilidade e isenta de pena; se inescusável, reduz a culpabilidade e reduz a pena de 1/6 a 1/3. Direto: O sujeito conhece tal mal a norma penal ao ponto de achar que seu comportamento simplesmente nela não se enquadra.

Indireto: Diz respeito ao fato de o sujeito achar (ainda) estar acobertado por uma justificante, mas na verdade não está.

Mandamental: É o erro de proibição que recai sobre os injustos penais omissivos. O sujeito acha permitida sua omissão, mas é proibida.

Descriminantes Putativas

Teoria Limitada da Culpabilidade Teoria Extremada da Culpabilidade: Sempre são caso de erro de proibição indireto. Se escusável, isenta de pena; se inescusável, reduz a pena de 1/6 a 1/3.

Erro de Proibição Indireto (art. 21): Se escusável, isenta de pena; se inescusável, reduz a pena de 1/6 a 1/3.

Erro de Tipo Permissivo (art. 20, § 1º): Se escusável, isenta de pena; se inescusável, aplica-se a mesma regra do erro de tipo essencial inescusável.

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7º Módulo

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (Lei n.º 8.137/90) 1. Generalidades As Leis ns. 4.729/65 & 8.137/90: Os crimes contra a ordem tributária foram inicialmente tipificados na Lei n.º 4.729/65, que, na verdade, cuidava apenas dos crimes de “sonegação fiscal”. A lei era muito concisa, suas penas eram muito brandas, possuía falhas técnicas e deixava de tipificar condutas que ofendiam frontalmente os interesses do Estado com relação à arrecadação de tributos. Daí, em 27 dezembro de 1990, foi promulgada a Lei n.° 8.137, mais ampla, mais severa que sua antecessora, mais perfeita, enfim. Esta lei passou a tratar de toda a matéria da anterior e de mais alguns outros institutos e disposições não previstos pela precedente. Em sendo assim, que a nova lei passou a tratar da matéria da anterior, é de se inferir pela revogação da última (lembremos que, nos termos da LICC, uma lei pode ser revogada expressamente por outra lei, ou tacitamente, quando a lei nova conflitua com a primeira ou mesmo passa a dispor sobre toda a sua matéria da antiga). A revogação, todavia, não foi total, permanecendo da Lei n.º 4.729/65, ainda, o art. 5º, que dava nova redação aos §§ 1º e 2º do art. 334 do Código Penal. A revogação operada deu-se, pois, por derrogação. Até hoje permanece em pleno vigor a Lei n.º 8.137/90, e é nesta lei onde se encontram todas as disposições referentes aos denominados “crimes contra a ordem tributária”. Existem, porém, críticas com relação à nova lei, sendo uma das mais marcantes o fato de ela prever, por exemplo, os chamados “crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo”, pois, segundo se acredita, os “crimes contra a ordem tributária” e os “crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo” têm naturezas bem distintas, não havendo porque tratá-los numa mesma lei. Donde resulta que iremos passar a estudar, nessa oportunidade, apenas os primeiros. A Lei n.º 8.137/90 & o Código Penal: Nas diversas condutas delituosas previstas na legislação acerca dos crimes contra a ordem tributária vislumbram-se, na verdade e de fato, modalidades especiais em referência aos crimes de concussão, corrupção passiva, falso, apropriação indébita, estelionato, uso de documento falso e supressão de documento, todos previstos, respectivamente, nos arts. 316, 317, 297 e 299, 168, 171, 304 e 305, do Código Penal. Logo, quando qualquer desses delitos tem repercussão na seara tributária, é de se aplicar o disposto na Lei n.º 8.137/90, e não o que prescrevem os artigos do diploma repressivo, dado o princípio da especialidade: quando uma conduta resta definida em mais de uma disposição legal, sendo uma mais específica que a outra, prevalece sempre a primeira. Como a Lei n.º 8.137/90 é legislação especial, seus mandamentos imperativos são os que prevalecem sobre as disposições legais do Código Penal.

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2. Sujeitos dos Delitos 2.1 Sujeito Ativo Nos arts. 1º e 2º, como se tratam de crimes contra a ordem tributária, e o tributo é lançado sobre a pessoa do contribuinte, apenas este é que pode ser sujeito ativo desses delitos, tratando-se, pois, de ordinário, de crimes próprios10. No art. 3º, como bem assinala expressamente o nome da Seção II (“Dos Crimes Praticados por Funcionários Públicos”), têm-se os crimes que só podem ser cometidos por funcionários públicos. São, portanto, também próprios. 2.1.1. Exceções Nos incisos III e V do art. 2º da lei encontram-se as exceções do que dissemos acima a respeito do contribuinte. Em tais dispositivos os crimes podem ser praticados por qualquer pessoa, logo, são comuns. 2.1.2. Pessoas Jurídicas Grande discussão gira em volta da problemática da existência, ou não, de responsabilidade criminal por parte das pessoas jurídicas. Alguns autores costumam defender que existe responsabilidade criminal desses entes. Na verdade, não há como se falar em responsabilidade criminal das pessoas jurídicas. Elas podem ser sancionadas civil ou administrativamente, não criminalmente, responsabilidade esta que recai apenas sobre os dirigentes, diretores, gerentes, administradores, etc., da pessoa jurídica, e mesmo assim nem todos eles serão responsabilizados. Só os quem, dolosamente, tiverem de alguma forma contribuído para a prática de crime contra a ordem tributária (do contrário, estar-se-ia legitimando aquilo que o Direito Penal moderno repudia, a responsabilidade objetiva). 2.2 Sujeito Passivo Sujeito passivo ou vítima é o titular do bem jurídico violado ou posto em perigo de ofensa pela conduta delituosa. A vítima dos crimes contra a ordem tributária é o Estado, pois é justamente ele que, representado pela Fazenda Pública, é ofendido em seus interesses na arrecadação tributária.

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10 Crimes próprios são aqueles que, em oposição aos crimes comuns, não podem ser praticados por qualquer pessoa, mas apenas por pessoas específicas, isto é, pessoas que possuem uma característica natural ou jurídica que as distingue das demais. Por exemplo, o homicídio é crime comum, pois pode ser perpetrado por qualquer pessoa, não exigindo o tipo penal do art. 121 do CP qualquer condição especial por parte do agente (este pode ser cometido por homem, mulher, pai, mãe, particular, advogado, médico, comerciante etc.). Já o crime de estupro, por exemplo, não pode ser praticado por qualquer pessoa. O art. 213 do CP fala em “constranger mulher à conjunção carnal...”. Ora, se bem que qualquer pessoa pode constranger uma mulher, só o homem pode ter com ela conjunção carnal, que é a introductio penis in vaginam. Conseqüentemente, somente o homem, e apenas o homem, pode ser sujeito ativo do delito de estupro. Portanto, o crime é próprio.

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3. Objeto Jurídico Objeto ou bem jurídico é o valor reputado relevante pelo Direito e que é transgredido ou ameaçado pela ação ou omissão do agente. Os objetos jurídicos tutelados pelas normas que tratam dos crimes contra a ordem tributária são, em síntese, dois: a fé e a administração públicas, no que tange aos interesses estatais ligados à arrecadação e recolhimento dos tributos devidos à Fazenda Pública, visando à fiel execução da política tributária do Estado. 4. Objeto Material Objeto material é a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta do sujeito ativo. 4.1. Imediato Segundo o magistério de Rui Stoco, o objeto material imediato dos crimes contra a ordem tributária (finalidade alcançada materialmente com uma das condutas típicas) é a supressão ou redução de tributo, contribuição de melhoria ou qualquer acessório. As contribuições previdenciárias não são alcançadas pela Lei n.º 8.137/90. 4.2. Mediato O objeto material mediato (meio usado pelo agente para a prática de crime) irá naturalmente variar de acordo com o crime. No art. 1º, I, p. ex., o objeto material mediato é uma informação; no inciso II do mesmo artigo, o documento ou livro fiscal; no inciso III, nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento relativo à operação tributária; no art. 2º, III, o objeto material mediato é uma percentagem; etc. 5. Crimes Contra a Ordem Tributária São quase todos materiais11, exigindo a produção do resultado, que é a supressão ou a redução do tributo, contribuição social ou acessório devido à Fazenda Pública. Em não ocorrendo tal resultado, o

11 Consoante a teoria naturalista do resultado, os delitos podem ser materiais, formais ou de mera conduta. Crimes materiais são aqueles cujos tipos penais prevêem conduta e resultado, necessitando da produção deste para se consumarem (o resultado não só é previsto, explícita ou implicitamente pelo tipo penal, como também é conditio sine qua non da consumação do crime). Exemplos: crimes contra a vida (homicídio, participação em suicídio, infanticídio e abortamento, respectivamente, arts. 121, 122, 123 e 124, 125, 126 e 127, todos do CP), furto (art. 155 do CP), roubo (art. 157 do CP), dano (art. 163 do CP) e estelionato (art. 171 do CP).

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Crimes formais são os que têm tipo penal prevendo a conduta e o resultado, talqualmente ocorre nos crimes materiais. A diferença reside em que enquanto nos crimes materiais a consumação depende necessariamente da produção do resultado, nos formais a consumação se dá independentemente da produção do resultado. Isto é, nos delitos formais, a consumação já se perfectibiliza a partir do momento mesmo da conduta, constituindo o resultado, quando muito, em mero exaurimento do delito, ora circunstância judicial agravante, ora circunstância legal de aumento de pena ou qualificadora. Exemplos: crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria,

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crime deverá ser, salvo no caso de tentativa, o da legislação codificada. As condutas descritas nos diversos incisos dos arts. 1º, 2º e 3º, da Lei n.º 8.137/90, são meios de que o agente se utiliza para chegar a um fim ilícito, que é a supressão ou redução do tributo, contribuição social ou acessório devido. 5.1. Dos Crimes em Espécie Art. 1º da Lei n.º 8.137/90: Com exceção do parágrafo único, todos os delitos descritos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90 são materiais:

Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.”

Inciso I: “Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.” É espécie de falsidade ideológica (art. 299 do CP): O art. 1º, I, promana delito especial de falsidade ideológica (art. 299 do CP)12. A distinção entre um e outro tipo penal está, justamente, na finalidade

respectivamente, arts. 138, 139 e 140 do CP), extorsão (art. 158 do CP), rapto (arts. 219 e 220 do CP) e desacato (art. 331 do CP). Crimes de mera conduta, em seu turno, são aqueles de tipo penal que prevê apenas a conduta, não fazendo menção, sequer implícita, a um resultado. São os delitos que a teoria naturalista diz não terem resultado, porque eles não implicam uma modificação no mundo exterior. Exemplos: violação de domicílio (art. 150 do CP), crimes contra a liberdade sexual (estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude, respectivamente, arts. 213, 214, 215 e 216, todos do CP) e crimes omissivos puros (exs.: omissão de socorro – art. 135 do CP, abandono material – art. 244 do CP e falsidade ideológica na conduta de “omitir” – art. 299, 1ª parte, do CP). 12 Código Penal, art. 299:

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do agente, que é a supressão ou redução de tributo/contribuição social ou qualquer outro acessório. Sem essa finalidade, o crime é o do art. 299 do CP, ou de outra legislação. Dolos Genérico & Específico Exigem-se, para a configuração do delito, tanto o dolo genérico (vontade livre e consciente de omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias) quanto o dolo específico (vontade dirigida à supressão ou redução do tributo etc.), sob pena de haver desclassificação para outro delito (art. 299 do CP, por exemplo)13. Consumação & Tentativa A consumação se dá quando ocorre o resultado perquerido pelo agente, ou seja, quando e porque houve supressão (ausência absoluta de pagamento) ou redução do tributo, contribuição social ou de qualquer outro acessório (não se deslembre de que, em sendo material o delito, exige-se a produção do resultado para ele se consumar). A tentativa se dá quando, não obstante a omissão da declaração, ou da prestação da falsa declaração, o agente não logra em seu intuito criminoso, que é aquela supressão ou redução. Confronto com o art. 2º, I Se se for dar um lançar d’olhos no art. 2º, I, da Lei, ver-se-á que ele e o art. 1º, I, têm muita semelhança, já que ambos são modalidades especiais de falsidade ideológica. Como, porém, tende-se a acreditar que, em tese, “a lei não tem palavras inúteis”, é de se averiguar as distinções entre os dispositivos. Vejamo-las: a) Existência de Isenção Tributária: O art. 2º, I, fala em omissão de declaração ou prestação de falsa declaração “para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”. Ou seja, há, aqui, uma falsa declaração ou omissão de informação para insinuar uma isenção que, embora a lei tenha concedido, não se coaduna com a sua real situação. Enquanto isso, no art. 1º, I, fala-se tão-somente em omissão de declaração ou prestação de falsa declaração, porque não existe concessão legal de isenção, como ocorre no art. 2º, I, em que o sujeito ativo se aproveita da isenção.

“Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena — reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular. Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.” 13 Diga-se de passagem que a distinção das espécies de dolo em “genérico” e “específico” é a mais tradicional, sendo que, atualmente, não se fala mais em dolo específico. Com efeito, os doutrinadores modernos falam apenas em “dolo” (não em dolo genérico) para significar a vontade livre e consciente de concretizar os elementos objetivos do tipo. Ao invés de “dolo específico”, utilizam esses mesmos doutrinadores a expressão “elemento subjetivo do tipo”, para fazerem significar a finalidade específica do agente com a sua conduta.

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Daqui para frente faremos menção à tradicional classificação em dolos “genérico” e “específico”, mas mesmo assim para efeitos didáticos simplesmente.

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b) Objeto Material Imediato: O art. 1º, I, fala em “tributo, contribuição social ou qualquer acessório”, enquanto que o art. 2º, I, fala em “tributo”, tão-somente. Por que o art. 2º, I, não tratou também de contribuição social e acessórios? Porque o art. 175, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN) diz que não existe isenção de contribuição social e de acessórios, ainda que esses acessórios houvessem sido aderidos a um tributo sobre o qual existe isenção. Logo, não poderia a lei penal cuidar da conduta de “eximir-se” de uma coisa a qual a lei tributária não presta isenção.

Inciso II: Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo

operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal. É modalidade de falsidade ideológica (art. 299 do CP): Vide comentário feito no subitem 6.1.1., letra “a”. Objeto Material Documento ou livro fiscal, não qualquer documento ou livro contábil. No caso de falsidade ideológica de livro contábil, o crime é o do art. 299 do CP, ou de outra legislação, a depender da finalidade do agente. Dolos Genérico & Específico O dolo genérico é a vontade livre e consciente de fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza. O dolo específico é a finalidade de suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer outro acessório. Exemplo: Comerciante compra nota fiscal “fria” e se credita no livro fiscal próprio, de modo a reduzir o ICMS a pagar no momento oportuno. Agente que apenas fornece o documento: Quem fornece o documento não responde pelo art. 172 do CP, mas pelo art. 1º, II, da Lei n.º 8.137/90 (princípio da especialidade)14. Consumação & Tentativa: A consumação se dá quando ocorre o resultado perquerido pelo agente (supressão ou redução do tributo, contribuição social ou de qualquer outro acessório). A tentativa se dá quando, sem embargo da conduta, o agente não logra em seu intuito criminoso. 14 Código Penal, art. 172: “Art. 172. Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado: Pena — detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas.”

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Inciso III: Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer

outro documento relativo a operação tributável.” É modalidade de falsidade material de documento particular (art. 298 do CP): O crime é um falsum material, já que o vício recai sobre a materialidade física da nota, fatura etc., que são documentos particulares. Se a falsidade é feita em livro mercantil (e não fiscal ou relativo a operação tributável), e como livro mercantil é, para efeitos penais, documento público, ex vi do art. 297, § 2º, do CP, o crime é de falsidade de documento público15. Semelhança com o art. 172 do CP O crime em espécie é muito semelhante ao de duplicata simulada, e fará incidir o art. 1º, III, da Lei n.º 8.137/90, desde que havendo dano patrimonial contra o Fisco. Se não houver prejuízo para o Fisco, o delito é mesmo o do art. 172 do CP, ou o de outra legislação (Decreto-lei n.º 7.661/45, por exemplo)16. Dolo Genérico & Específico O dolo genérico é a vontade livre e consciente de falsificar ou alterar nota fiscal, etc. O dolo específico é a finalidade de suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer outro acessório. Consumação & Tentativa:

15 Código Penal, arts. 297 e 298: “Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte. § 2º. Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular. Art. 298. Falsificar, no todo ou em parte, documento particular, ou alterar documento particular verdadeiro: Pena — reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.” 16 O delito de duplicata simulada (art. 172 do CP) tanto pode constituir uma falsidade de documento particular como uma falsidade ideológica, pois que, nele, o sujeito ativo emite fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponde à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade — o agente poderá ter falsificado ou alterado qualquer um desses objetos materiais, ou omitido declaração ou prestado falsa declaração em legítimo e verdadeiro documento daquela espécie. O delito de falsidade de documento particular (art. 298 do CP) é apenas um dos meios de que o agente pode se utilizar para, depois, fazer a emissão do título. Idem quanto à falsidade ideológica (art. 299 do CP). A duplicata simulada, portanto, diante do caso concreto, ora constitui modalidade especial de uma, ora de outra falsidade.

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O crime do art. 1º, III, da Lei n.º 8.137/90, é uma modalidade especial de falsidade documental material (e não ideológica), e, pela descrição legal dos objetos materiais sobre os quais pode recair a conduta do agente, uma espécie de crime de duplicata simulada.

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Consuma-se o crime com a supressão ou redução de tributo, contribuição social ou qualquer outro acessório. Dá-se a tentativa quando, inobstante a conduta tendente à intenção final do agente, ele não logra esta última. Inciso IV: Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva

saber falso ou inexato.” É modalidade de falsidade material e ideológica de documento público (arts. 297 e 299 do CP, respectivamente), e de uso de documento falso (art. 304 do CP): Nas condutas de “elaborar”, “distribuir”, “fornecer” e “emitir” temos uma falsificação ou alteração de documento público, ou mesmo a falsidade ideológica de documento público (é público o documento, e não particular, porque ele é formal e materialmente público). Na “utilização”, o crime é uma modalidade específica do art. 304 do CP17. Dolo Genérico & Específico O dolo genérico é a vontade livre e consciente de praticar qualquer uma daquelas cinco condutas, com a finalidade (dolo específico) de suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer outro acessório. Existe uma posição doutrinária que diz que a expressão “deva saber” tem o sentido de culpa. Assim, o crime seria punível também a título de culpa. Outros, porém, afirmam que o “deva saber” — talqualmente ocorre no crime de perigo de contágio venéreo (art. 130 do CP), entre outros — nada mais é que o dolo eventual. Uma terceira corrente, ainda, pugna pela culpa e pelo dolo eventual, na expressão “deva saber”. A jurisprudência vem entendendo que o crime só é punível a título de dolo, sendo que o “deva saber” configura o dolo eventual (embora haja decisões isoladas em sentido contrário, concebendo a admissibilidade, no “deva saber”, da culpa). Consumação & Tentativa A consumação se dá com a supressão ou redução do tributo. A tentativa, quando, embora tendo o agente elaborado, distribuído etc., o documento, não ocorre a supressão ou redução. Inciso V: Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento

equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.”

É modalidade especial de estelionato (art. 171, caput, do CP). Distinções para com o art. 172 do CP No art. 172 do CP a fatura, etc., não corresponde à mercadoria vendida ou ao serviço prestado, além do que o agente terá de necessariamente passar pelo falsum ideológico; no art. 1º, V, da Lei n.º 8.137/90, a nota fiscal, etc., deixa de ser emitida, além do que exige o dolo específico de suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer acessório, passando pelo estelionato.

17 Código Penal, art. 304: “Art. 304. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

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Pena — a cominada à falsificação ou à alteração.”

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Dolo Genérico & Específico O dolo genérico é a vontade livre e consciente de praticar qualquer uma daquelas cinco condutas, com a finalidade (dolo específico) de suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer outro acessório. Consumação & Tentativa A consumação se dá com a supressão ou redução do tributo. A tentativa, quando, embora tendo o agente negado ou deixado de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou a fornecido em desacordo com a legislação, não ocorre a supressão ou redução do tributo, contribuição social ou acessório. Parágrafo único: Falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez)

dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.”

Divergência Existe uma celeuma a respeito de se o parágrafo único do art. 1º da Lei n.º 8.137/90 é um tipo penal autônomo (e, portanto, um crime autônomo, divorciado totalmente dos incisos do mesmo artigo) ou, pelo contrário, se é uma condição objetiva de punibilidade do art. 1º, V, da Lei n.º 8.137/90, de forma que este último só se consumaria se, quando e porque o agente deixasse de atender aquela exigência do parágrafo único. A jurisprudência dominante entende que o parágrafo único do art. 1º da Lei n.º 8.137/90 é crime autônomo. Consumação & Tentativa Como o parágrafo único do art. 1º trata de um “deixar de fazer alguma coisa”, constitui um delito omissivo puro, e como tal não admite a tentativa. Ou o agente faz aquilo que a norma determina, e então o fato é atípico, ou deixa de fazer, e terá consumado o delito. 6. Art. 2º da Lei n.º 8.137/90 Os crimes definidos no art. 2º têm uma punibilidade menos acentuada, além do que o dispositivo, em relação ao primeiro, é muito mais heterogêneo em caracteres que o precedente. Por exemplo, veja-se que em todos os delitos do art. 1º há uma finalidade específica (elemento subjetivo do tipo, o dolo específico), o que nem sempre ocorrerá no art. 2º. Ademais, este último apresenta tanto crimes materiais quanto formais e de mera conduta. Transcrevamos, in litteris, o art. 2º da Lei n.º 8.137/90:

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Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza: I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados, que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

Inciso I: Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou

empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo.”

Modalidade de falsidade ideológica (art. 299 do CP). Dolos Genérico & Específico O dolo genérico é a vontade livre e consciente de fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude. O dolo específico é a finalidade de suprimir ou reduzir tributo. Consumação & Tentativa A consumação se dá com a supressão ou redução do tributo, e apenas do tributo. Não se fala, aqui, em contribuição social e em acessórios, pois não é juridicamente possível a sua isenção (art. 175, parágrafo único, do Código Tributário Nacional), que é o que o agente visa. A tentativa, na primeira conduta, é possível; na segunda, que é omissiva pura, é impossível a tentativa (ou o agente não se omite, e o fato é atípico, ou se omite, e desde já terá consumado o delito). Inciso II: Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição,

descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.”

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É modalidade de apropriação indébita (art. 168 do CP): Sabe-se que na apropriação indébita o agente, que possuía a coisa legitimamente em seu poder, passa a querer retê-la para si ou para outrem. No crime contra a ordem tributária der que estamos tratando, o agente, sobre o qual incide a

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obrigação de arrecadar e recolher tributo ou contribuição, ou não arrecada ou o faz mas não recolhe ao Fisco, ficando com o valor para si. Tenha-se em mira que o não recolhimento de contribuições previdenciárias não se subsume à Lei n.º 8.137/90, e sim se subordina apenas ao art. 95, d, da Lei n.º 8.212/91, que manda ser aplicado o disposto no art. 5º da Lei n.º 7.492/86. Dolos Genérico & Específico: Os autores costumam divergir quanto à necessidade, ou não, da existência de um fim específico, de caráter tributário (supressão ou redução de tributo, contribuição social ou qualquer acessório), para a consumação do crime. Alguns acreditam que ao lado da conduta deve o agente dirigi-la com o elemento subjetivo do tipo, isto, não seria suficiente omitir-se em seu dever de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social, se o sujeito não tem a intenção de suprimir ou reduzir esse valor. Para outros, bastaria, tão-somente, o dolo de omitir-se o sujeito passivo de obrigação quanto ao recolhimento do valor descontado ou cobrado. Jurisprudencialmente, o entendimento dominante é o de que faz-se mister o dolo específico, não sendo suficiente, pois, o não recolhimento. Consumação & Tentativa Se se exigisse a simples omissão, sem a necessidade de elemento subjetivo do tipo, o crime seria omissivo puro (e, como tal, de mera conduta), que se consuma já com a simples omissão, inadmitindo-se a figura da tentativa. Como, no entanto, exige-se o dolo específico, só se configurando o ilícito se houver a produção do resultado pretendido pelo agente, o delito é material e, pois, admite a tentativa. Inciso III: Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer

percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal.”

Modalidades especiais de concussão (art. 316 do CP) e corrupção passiva privilegiada (art. 317, § 2º, do CP)?: Este item está em forma de pergunta porque há quem afirme ser o art. 2º, III, modalidade de concussão e de corrupção passiva. No entanto, como estes são delitos que só podem ser praticados por quem é funcionário público (e os arts. 1º e 2º estão descritos no Capítulo I, Seção I, da Lei n.º 8.137/90 – Crimes Praticados por Particulares), o melhor entendimento é o de que o dispositivo, quanto à conduta de “exigir”, mais se assemelha à extorsão, e quanto às demais, não haveria, no Código Penal, tipo penal semelhante. Sujeito Ativo:

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Qualquer pessoa, não apenas o contribuinte, pode ser sujeito ativo desse crime. Se o delito for perpetrado por funcionário público, o tipo penal é o do art. 3º, II, da Lei n.º 8.137/90 (e, então sim, estar-se-ia diante de crimes de concussão e corrupção passiva).

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Dolo Genérico O crime, em qualquer uma de suas três condutas, não exige, ao contrário do que acontece com a maioria dos crimes contra a ordem tributária, dolo específico, daí já se concluindo ser falsa a afirmação de que todos os crimes definidos na Lei n.º 8.137/90 exigem necessariamente o dolo específico, ou seja, que exigem sempre a supressão ou redução do tributo. Basta, portanto, a vontade livre e consciente de “exigir, pagar ou receber” a percentagem. Consumação & Tentativa O crime, na conduta de “exigir”, como sói ocorrer com a extorsão, consuma-se ainda que nada seja pago ao agente, tratando-se, pois, de crime formal. A tentativa, na prática, é difícil, mas possível (ex.: interceptação ou extravio de carta extorsionária). Na conduta de “receber”, o crime só se consuma se houver o efetivo recebimento da percentagem, tratando-se, então, de delito material, que admite a tentativa. Na conduta de “pagar”, crime também material, exige-se efetivamente o pagamento para a consumação, admitindo-se a tentativa. A conduta de quem “solicita” a percentagem é atípica à luz do art. 2º, III, da Lei n.º 8.137/90, mas, se praticada por funcionário público em razão de suas funções, é perfeitamente enquadrada no art. 3º, II, da Lei. Inciso IV: Deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou

parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento.” Modalidade especial de apropriação indébita (art. 168 do CP): Na conduta de “deixar de aplicar”, de fato, o crime se assemelha muito ao de apropriação indébita. No entanto, não existe no CP um tipo penal que encontre paridade com a conduta de “aplicar em desacordo com o estatuído”. Dolo Genérico O crime se satisfaz com a simples vontade livre e consciente de praticar uma das duas condutas típicas, não necessitando, por conseguinte, do fim de suprimir ou reduzir qualquer valor. Consumação & Tentativa A primeira conduta é omissiva pura, não admitindo a tentativa (a simples omissão já caracteriza a consumação); a segunda é comissiva e material, admitindo a tentativa. Conflito Aparente de Normas Não existe conflito de normas, sendo este apenas aparente, entre os arts. 2º, IV, da Lei n.º 8.137/90, e 14 da Lei n.º 7.505/86. No primeiro, o agente recebe um valor que deve ser aplicado em projetos culturais, artísticos ou beneficentes, enquanto que no segundo o agente não recebe valor algum, quer apenas reduzir seu imposto de renda simulando que irá fazer doações naquele sentido.

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Inciso V: Utilizar ou divulgar programa de processamento de dados, que permita ao sujeito

passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.”

Modalidade de falsidade ideológica (art. 299 do CP). Sujeito Ativo Qualquer pessoa, não apenas o contribuinte, pode cometer o ilícito penal em apreço. Dolos Genérico & Específico O dolo genérico é a vontade livre e consciente de praticar qualquer uma das condutas típicas, com a finalidade (dolo específico) de suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer outro acessório. Consumação & Tentativa Exigindo-se a produção do resultado para se consumar, o crime é material, de forma que se consuma com a supressão ou redução do valor a ser pago. Admite-se a tentativa. Absorção: Em diversas condutas típicas descritas nos arts. 1º e 2º da Lei n.º 8.137/90, crimes como o falsum e o estelionato são meios de que se vale o agente para a prática do crime contra a ordem tributária. Em tal caso, o sujeito ativo não responderá por dois crimes (o contra a ordem tributária e o tipificado no Código Penal), mas apenas pelo primeiro, que, em respeito ao princípio da especialidade, absorve o crime-fim. Assim, p. ex., quem falsifica um documento público com a finalidade de suprimir ou reduzir tributo só responderá pelo crime do art. 1º, I, II ou III, da lei especial, e não por este e por falsum. Toda vez, portanto, que o crime definido no CP for delito-meio de crime contra a ordem tributária, o primeiro é absorvido pelo último. Nada impede, no entanto, a possibilidade de concurso material de crimes, quando o crime contra a ordem tributária é praticado e um outro, que não lhe serve de meio, também é cometido. Extinção da Punibilidade (art. 34 da Lei n.º 9.249/95): Dois tópicos restam importantes nesse assunto. O primeiro é que o art. 34 da Lei n.º 9.249/95 diz extinguir-se a punibilidade do agente que, até a data do recebimento da denúncia, paga o tributo devido:

“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n.º 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

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Em segundo lugar, o pagamento, consoante orientação prevalente, deve ser à vista, e não parcelado, como querem alguns. Se o pagamento se der após o recebimento da denúncia, não estará extinta a

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punibilidade, incidindo, in casu, mera atenuante genérica (art. 65, III, b, do CP)18. O segundo tópico refere-se ao fato de, em conseqüência da extinção da punibilidade do crime contra a ordem tributária, os crimes-meios não subsistem. Ou seja, se o contribuinte, e. g., praticou falsidade ideológica com o fim de reduzir tributo, extinta a punibilidade do crime contra a ordem tributária não há razão para processá-lo por falsum ideológico:

Extinção da punibilidade do crime-fim (delito tipificado na Lei n.º 8.137/90) leva à extinção da punibilidade de todos os crimes-meios (falsum, estelionato, apropriação indébita, etc.).

Delação Premiada (art. 16, parágrafo único, da Lei n.º 8.137/90): O art. 16, parágrafo único, da

Lei n.º 8.137/90 diz taxativamente que:

“Art. 16. (...) Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa, terá a sua pena reduzida de um a dois terços.”

O dispositivo só se refere aos casos de crimes contra a ordem tributária praticados “em quadrilha ou co-autoria”, de forma que fica afastada a redução de pena se o agente agiu sozinho, aplicando-se, no caso, mera atenuante genérica (art. 65, III, d, do CP19). A delação premiada, também denominada de “traição privilegiada” (derivada do plea bargaining do sistema jurídico norte-americano), é causa de redução da pena — não é mera atenuante, mas também não chega a extinguir a punibilidade — que, para ser concedida, um dos agentes da “trama delituosa” deverá delatar, apontar, em síntese, trair seus comparsas à autoridade policial ou judicial, de forma que seja possível o desmantelamento da operação co-delinqüencial tributária.

FIM

18 Código Penal, art. 65, III, b: “Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: ...........................................g.............................................................. III – ter o agente: ......................................................................................................... b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano.” 19 Código Penal, art. 65, III, d: “Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: ......................................................................................................... III – ter o agente: .........................................................................................................

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d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime.”