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Economia de defesa, interesses estratégicos e a crise política na Venezuela Jacqueline Ribeiro 1 Luis Fernando Franzoni 2 Murilo Camargo 2 Thiago Henrique Garcia 2 José Gilberto de Souza 3 Messias de Lira 4 RESUMO: O artigo analisa os gastos de defesa realizados pela Venezuela e países limítrofes no período 2010 a 2017, diante da instalação das crises internas venezuelanas e os conflitos de fronteira apresentados, particularmente entre Brasil e Colômbia. A partir da análise das transformações políticas engendradas na Venezuela destaca-se o perfil de alinhamento político e os desdobramentos macroeconômicos produzidos pelos conflitos internos e os efeitos das sanções estabelecidas pelos Estados Unidos da América, bem como as relações comerciais bélicas estabelecidas pelo país caribenho. Verifica-se que a crise institucional venezuelana e o mercado de petróleo, que se consolidou como foco de intervenção militar e econômica e elemento estratégico de controle hegemônico estadunidense na região Sul-Americana e Oriente Médio, constituem-se como elementos determinantes no padrão de gastos de defesa do país em análise. PALAVRAS-CHAVE: Venezuela, Crise Política, Recursos de Defesa, Interesses Estratégicos 1. INTRODUÇÃO A economia de defesa tem se constituído como centralidade de ação dos Estados modernos considerando os interesses políticos e econômicos de cada país. De acordo com Almeida (2001, 2007), os gastos com a defesa podem gerar tanto efeitos negativos quanto positivos acerca do crescimento econômico dos países. Entretanto, ao pensarmos a economia de defesa de forma mais ampla, pode-se versar sobre variadas temáticas, assim como empreender análises específicas sobre os gastos militares, orçamentos públicos, os efeitos macroeconômicos dos conflitos, sanções ou terrorismo; o comércio de armas e possíveis corridas armamentistas; bem como sobre alianças decorrentes de arranjos geopolíticos, o desenvolvimento da base industrial de defesa amparada por políticas de inovação, entre outros. 1 Graduanda em Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exatas –Universidade Estadual Paulista (IGCE-UNESP) Campus de Rio Claro. 2 Graduando em Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exatas –Universidade Estadual Paulista (IGCE-UNESP) Campus de Rio Claro. 3 Orientador - Professor de Geografia Política e Análise da Informação Socioespacial, Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociência e Ciências Exatas (IGCE – Campus de Rio Claro) e do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) –Universidade Estadual Paulista – UNESP. 4 Coorientador – Geógrafo - Mestrando em Economia de Defesa - Programa de Pós-Graduação em Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exatas – UNESP (Campus de Rio Claro).

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Economia de defesa, interesses estratégicos e a crise política na Venezuela

Jacqueline Ribeiro1 Luis Fernando Franzoni2

Murilo Camargo2 Thiago Henrique Garcia2 José Gilberto de Souza 3

Messias de Lira4

RESUMO: O artigo analisa os gastos de defesa realizados pela Venezuela e países limítrofes no período 2010 a 2017, diante da instalação das crises internas venezuelanas e os conflitos de fronteira apresentados, particularmente entre Brasil e Colômbia. A partir da análise das transformações políticas engendradas na Venezuela destaca-se o perfil de alinhamento político e os desdobramentos macroeconômicos produzidos pelos conflitos internos e os efeitos das sanções estabelecidas pelos Estados Unidos da América, bem como as relações comerciais bélicas estabelecidas pelo país caribenho. Verifica-se que a crise institucional venezuelana e o mercado de petróleo, que se consolidou como foco de intervenção militar e econômica e elemento estratégico de controle hegemônico estadunidense na região Sul-Americana e Oriente Médio, constituem-se como elementos determinantes no padrão de gastos de defesa do país em análise. PALAVRAS-CHAVE: Venezuela, Crise Política, Recursos de Defesa, Interesses Estratégicos

1. INTRODUÇÃO

A economia de defesa tem se constituído como centralidade de ação dos Estados modernos considerando os interesses políticos e econômicos de cada país. De acordo com Almeida (2001, 2007), os gastos com a defesa podem gerar tanto efeitos negativos quanto positivos acerca do crescimento econômico dos países. Entretanto, ao pensarmos a economia de defesa de forma mais ampla, pode-se versar sobre variadas temáticas, assim como empreender análises específicas sobre os gastos militares, orçamentos públicos, os efeitos macroeconômicos dos conflitos, sanções ou terrorismo; o comércio de armas e possíveis corridas armamentistas; bem como sobre alianças decorrentes de arranjos geopolíticos, o desenvolvimento da base industrial de defesa amparada por políticas de inovação, entre outros.

1 Graduanda em Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exatas –Universidade Estadual Paulista (IGCE-UNESP) Campus de Rio Claro. 2 Graduando em Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exatas –Universidade Estadual Paulista (IGCE-UNESP) Campus de Rio Claro. 3 Orientador - Professor de Geografia Política e Análise da Informação Socioespacial, Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociência e Ciências Exatas (IGCE – Campus de Rio Claro) e do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) –Universidade Estadual Paulista – UNESP. 4 Coorientador – Geógrafo - Mestrando em Economia de Defesa - Programa de Pós-Graduação em Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exatas – UNESP (Campus de Rio Claro).

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Ao que tange à base industrial de defesa, são observados benefícios como a geração de empregos consonantes com o desenvolvimento de uma forte política sobre a indústria e sua capacidade de reverberar sobre outros setores da produção química, materiais, robótica e mecatrônica, para citar alguns. No entanto, concomitantemente podem ocorrer gastos orçamentários às Forças Armadas do país, invertendo o panorama economicamente benéfico citado no início.

Neste trabalho a base territorial de análise se refere à Venezuela, país cuja trajetória econômica decorre da exportação de petróleo, incluído no contexto internacional em 1960, desde a criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Segundo Barros, Pinto (2012) após os anos 1950, consolidou-se um sui generis modelo econômico no país, diante do quadro de dependência dos recursos naturais e sua extração, fazendo com que as exportações de petróleo garantissem fluxos positivos sistemáticos de moedas conversíveis, mas em condições de forte heterogeneidade estrutural. (FURTADO, 2008; ALFONSO, 1971).

Ainda de acordo com Barros & Pinto (2012), o petróleo para a Venezuela fundamentou dois eixos da sua política internacional no período que vai de 1958 a 1989. O primeiro eixo, denominado de vertical foi caracterizado pelas relações Norte-Sul, lastreado nas exportações de petróleo e na presença de empresas petrolíferas e não petrolíferas (FIGUEROA, 1974) dos países centrais na Venezuela, com destaque para os Estados Unidos (SALAS, 2007), tanto pelo volume de comércio e investimentos quanto pela proximidade física e logística. O segundo, o eixo horizontal, ficou caracterizado pelas relações Sul-Sul, fortalecido pela necessidade de articulação com os demais membros da OPEP a fim de garantir a maximização das receitas estatais através do estabelecimento de controle nos preços e no setor produtivo, bem como certa projeção na América Central e no Caribe (PINTO, 2009).

A partir do segundo mandato de Carlos Andrés Pérez (1989-1993), houve uma mudança significativa no que diz respeito a política de internacionalização do petróleo, visto que a aproximação com o Norte, que antes planejava os contatos com os países centrais, quase levou ao rompimento da Venezuela com a sua principal plataforma de aproximação e contato com os países periféricos. Somente com a ascensão de Hugo Chávez ocorreu uma grande alteração neste paradigma, que se opôs à lógica de abertura petrolífera, liderando um processo de rearticulação da OPEP, iniciando em 2001, tratativas de limitação de autonomia da estatal PDVSA, produzindo uma reestruturação institucional do setor de petróleo e gás, nos mesmos moldes que Putin estabelecera na Rússia. (SOUZA, CAMARGO, 2019).

Pedone e Pereira ao analisarem este modelo na Rússia afirmam que essas ideias contribuíram na implantação de uma “revisão” do rumo econômico que estava tomando o país. Houve uma reavaliação da relação Estado-mercado passando de um processo de “liberalização e privatização” para uma estratégia de “policiamento e intervenção do Estado”. [...].Progressivamente o Estado foi ganhando espaço com a retomada do controle majoritário das empresas estatais como a Gazprom, que em junho de 2000 tinha 62% de suas ações em mãos de grupos privados. Outras empresas privatizadas no governo Yeltsin começaram a ser investigadas por evasão fiscal, gestão mafiosa, descumprimento de leis fiscais e ambientais, e até tráfico de influência por uso do poder econômico e controle da mídia para atacar o governo. [...] Outras empresas privatizadas, como a Lukoil, bem administrada e com notável projeção internacional (refinarias na Europa e distribuidoras nos EUA), foram incentivadas pelo Estado através de investimentos e promoção de suas atividades no exterior, pois para o

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governo, essa empresa já conseguiu seu posto de “campeã nacional”. (PEREIRA; PEDONE, 2013:7-8).

Exatamente esse processo se estabelece na Venezuela e a atual crise tem origem no final

do governo Chávez e seu aprofundamento se estabeleceu com Nicolás Maduro. Tendo em vista as políticas iniciadas na Revolução Bolivariana (SIPRI, 2019)5, o cenário venezuelano atual deu-se por profunda contradição entre um ideário socialista em uma estrutura de economia de mercado e de inserção dependente na esfera mundial. Assim, além da dificuldade para controlar a inflação, em decorrência, entre outros fatores, da crise global e a manutenção de dependência do mercado externo de importação produtos básicos, agregou-se a queda do preço do petróleo e derivados no mercado internacional. Recentemente sob a iminente ameaça de intervenção por parte dos Estados Unidos, reflexo dos interesses petrolíferos na região, as Forças Armadas venezuelanas passaram a ser fortemente treinadas, com gastos que passaram a representar 93% do equipamento bélico proveniente da Rússia, que estreitou suas relações com o país a partir de 2003 (SIPRI, 2019), subordinando-o à cooperação técnico-militar. O desenvolvimento deste trabalho, portanto, compromete-se a abordar sobre o conceito de economia de defesa, amplamente aplicado em países subdesenvolvidos e/ou em desenvolvimento, explicar o caso da Venezuela e os desdobramentos que levaram à crise atual, relacionada à sua economia petrolífera e as disputas fronteiriças regionais presentes, para além das relações internacionais do eixo Norte-Sul.

2. Contextualização da Política e Economia de Defesa Venezuelana

“Não vão muito recuados os tempos em que ao fator econômico se atribuía diminuta importância no domínio da conflitualidade internacional. Eram os aspectos político-militares que tinham uma ação preponderante e decisiva pelos resultados espectaculares obtidos. A defesa assentava quase que exclusivamente no vetor militar. (...) Numa ótica alargada de defesa nacional e na presunção de que não existe completa autonomia política sem um determinado grau de autonomia econômica (...)” (VERÍSSIMO, 2005).

No âmbito da análise de Economia de Defesa é possível estabelecer uma conexão com as

considerações de Fiori (2005). O autor afirma que antigamente os países centrais costumavam conquistar outros países por meio de ações militares e expansão territorial. Entretanto, com a mundialização, os países centrais passam a conquistar novos territórios por meios econômicos, por meio de suas multinacionais. Talvez este seja um ponto em que a Venezuela temendo um conflito com os Estados Unidos, desde o governo Bush, tem intensificado seu poderio militar e a estatização petrolífera.

Segundo Buzetto (2011) as ações do governo da Venezuela, desde 1999, se consolidou na elaboração de um novo projeto de defesa nacional com características nitidamente anti-estadunidenses e que pautou o programa e os rumos da Revolução Bolivariana. Tal projeto vem sido debatido no interior de organização de trabalhadores, nos sindicatos classistas, nos partidos de esquerda, nos movimentos populares, no movimento estudantil, nas forças armadas e dentro de diversas instâncias e fóruns instituídos pelo governo nacional. 5 A Revolução Bolivariana é uma terminologia criada por Hugo Chávez para designar mudanças políticas, sociais, econômicas de acordo com o seu acesso à presidência. A Revolução tem como base o ideário de Simón Bolívar (militar que lutou pela independência das colônias espanholas na Venezuela), tendo em vista construir o “socialismo do século XXI”.

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Apesar de opiniões diferentes sobre a velocidade e a intensidade nas mudanças necessárias para tornar realidade esse novo projeto de defesa, existe um elemento que foi assumindo um papel determinante para verificarmos até onde vão as intenções do governo e qual é a verdadeira capacidade das forças sociais e políticas nacionais para levá-lo adiante. Ao estudar os conflitos e comércio de armas atuais da Venezuela, é preciso pensar, primeiramente, sobre a origem das instabilidades que hoje geram conflito. Assim como é apontado em Romero (2010), o veículo de inserção da Venezuela nas relações internacionais contemporâneas é o petróleo. O país está na OPEP desde sua criação, no ano de 1960 e a condição de ter uma das maiores reservas comprovadas do mundo estabeleceu um protagonismo no cenário internacional. (GOMEZ, 2014)

O governo desenvolvido desde 1999, iniciado por Hugo Chávez e hoje comandado por seu sucessor Nicolás Maduro, nunca escondeu que seus ideais políticos partiam de uma visão estruturalista e anticapitalista, que busca rever a atual estruturação do mundo entre países do centro- comandantes das principais ações econômicas e militares - e países periféricos - os quais são agentes secundários dentro da geopolítica mundial. Além destes fatores, este governo flertava com a ideia de desenvolvimento de um Estado socialista dentro de seu território.

Neste período, o governo chavista se aproximou política e economicamente de países com princípios marcados por práticas pertencentes ao espectro político amplamente denominado como “esquerda”, a exemplo de Cuba e Irã. Houve a criação da ALBA (Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América) no ano de 2004, que representou a integração não capitalista dos povos, com um posicionamento anti-neoliberal, buscando a diversificação comercial entre os governos trabalhistas e de esquerda. Houve a criação de um banco comum entre os países participantes, sendo estes: Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, Dominica, Honduras, Equador, São Vicente e Granadinas (CIA, 2019). Este tipo de posicionamento por parte do Estado venezuelano não esteve e não está de acordo com as políticas econômicas pensadas pelo poder hegemônico para a América Latina.

Vale lembrar que Chávez quando se elegeu em 1998, quebrou a vigência do pacto de punto fijo que mantinha três partidos no poder desde 1958 com o apoio dos Estados Unidos. Após sua eleição, Chávez fez fortes investimentos na carreira militar venezuelana, com valorização profissional e aumento salarial, aproximando o alto comando e as bases militares de seu governo.

Cabral (2013, p. 2) aponta como o governo bolivariano traçava a organização do Estado diante das complexidades econômicas, políticas, sociais e geoestratégicas da realidade venezuelana, como pode ser observado no trecho abaixo:

“no plano interno, a percepção da ameaça advinda das tentativas de desestabilização política de grupos opositores internos e a possibilidade de ser vítima de novo golpe de Estado ou de grupos armados apoiados por vizinhos e pelos Estados Unidos, levou Chávez a promover uma profunda revisão estratégica, tática e doutrinária nas Forças Armadas Venezuelanas, além de extensa e abrangente modernização dos equipamentos militares e a criação de milícias, composta pelos ativistas e partidários do chavismos, destinadas a engajar militantes em uma guerra de resistência popular prolongada. O crescente antagonismo e rivalidade estabelecida com os Estados Unidos levaram o regime bolivariano a se aproximar de países que contestavam a liderança global estadunidense, como a Rússia, China e o Irã.”

Como apontamos, a economia venezuelana é fortemente marcada por sua dependência de receitas petrolíferas, que representam quase todas as receitas de exportação e quase metade da receita do Estado, apesar de um contínuo declínio na produção de petróleo em 2017, de acordo com dados da Central Intelligence Agency (CIA, 2019). Na ausência de estatísticas oficiais,

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especialistas estrangeiros estimam que o PIB contraiu 12% em 2017, a inflação ultrapassou 2000%, a população enfrenta uma escassez generalizada de bens de consumo e medicamentos, e as reservas internacionais do Banco Central diminuíram.

O agravamento da queda dos preços do petróleo teve início em 2014, aprofundando a crise econômica da Venezuela. O acesso insuficiente a dólares, controles de preços e rígidas regulamentações trabalhistas levaram algumas empresas americanas e multinacionais a reduzir ou interromper suas operações no país. A incerteza do mercado e o baixo fluxo de caixa da PDVSA diminuíram o investimento no setor de petróleo, resultando em um declínio na produção, na capacidade de importação de bens de consumo duráveis e não duráveis.

Ponceleón (2018) explicita que desde 2014 a Venezuela passa pela maior crise sua história, tanto em gravidade como em duração. Um fato que diz respeito não tão somente ao plano econômico, mas de polarização política reverberando uma angústia social, na criação uma ruptura entre o governo e a oposição, de maneira a minar a estabilidade das instituições da Revolução Bolivariana. As sanções e a retração econômica altamente dependente do setor petrolífero, causa um escoadouro de dólares, soma-se o agravamento do aspecto anterior, a política econômica de Maduro de manter o controle cambial fixo da moeda venezuelana, o Bolívar, pareado com o dólar.

Ponceleón (2018) alerta que até 2014 quando as receitas oriundas da venda de petróleo eram altas, a Venezuela adotava uma estratégia de acumulação comum de países petrolíferos. Onde havia uma “captura da renda” a partir de três passos: “petrodolarizar” as reservas de petróleo; fazer desses dólares obtidos da venda de petróleo um instrumento de valorização da moeda nacional de forma artificial, para assim elevar o poder de compra da população; e posteriormente aumentar as vendas do setor de importação para a elite; entretanto, depois de 2014 o preço do barril de petróleo começou a cair e solapou esse método de financiamento da economia venezuelana. Assim, o Estado arcando com o financiamento do déficit orçamentário “imprimindo mais cédulas”, e a redução de importações frente a queda da entrada de dólares na economia, consolidou-se o marco para o começo da escassez no país.

No final de 2017, a Venezuela também entrou em débito com a maior companhia petrolífera soberana e estatal, a Petroleos de Venezuela S.A (PDVSA). A produção doméstica e a indústria passaram a apresentar baixo desempenho e o governo venezuelano na contínua dependência das importações para atender as necessidades básicas de alimentos e bens de consumo.

Nicolás Maduro com sua resposta à crise econômica fez aumentar o controle estatal sobre a economia e responsabilizou o setor privado pela escassez. Maduro deu autoridade para a produção e distribuição de bens básicos aos militares e aos comitês de membros do partido socialista local. Além disso, o governo venezuelano com os rígidos controles cambiais desde 2003, fez-se incapaz de sustentar seus mecanismos de distribuição de dólares ao setor privado, em parte porque precisava reter algumas reservas de moeda estrangeira para fazer seus pagamentos de títulos estrangeiros. (CIA, 2019).

Como resultado dos controles de preço e moeda, as indústrias locais têm lutado para comprar insumos de produção necessários para manter suas operações ou vender mercadoria com lucro no mercado local. Políticas monetárias expansionistas e controles cambiais criaram oportunidades de arbitragem e corrupção e alimentaram um rápido aumento na atividade do mercado de comércio ilegal. Em relação ao PIB do país, ao analisarmos dados históricos de 2010 a 2017 é possível constatar a grande variação ocorrida na economia venezuelana (Figura 1). Em menos de uma década, o PIB passou do segundo maior entre os países limítrofes, ficando atrás

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somente do Brasil, para o mais baixo proporcionalmente. Isso significa uma variação negativa de 76% no PIB venezuelano, que demonstra empiricamente a intensidade da crise local.

Figura 1 - Valor e variação do PIB da Venezuela e países limítrofes (2010-2017).

Fonte: CIA, 2019.

A Venezuela atualmente tem conflitos não muito bem resolvidos com duas de suas fronteiras: Guiana e Colômbia. A Colômbia tem como aliado os Estados Unidos da América, que construíram bases militares no país alegando combate ao narcotráfico, às FARC (Forças Revolucionárias da Colômbia) e ao terrorismo. A Colômbia historicamente acusa Chávez de apoio aos guerrilheiros das FARC, o que ocasionou o fim da relação diplomática entre os países.

Cabe salientar que segundo Saint-Pierre (2013) é necessário muito cuidado ao apontar a “fusão” dos conceitos de defesa e segurança que para o autor têm origem e posições demarcadas. Adotar segurança e defesa como termos equivalentes para conflitos de ordem social e econômica como se fosse ameaças comuns à toda uma região, promove a “securitização” da defesa e se estabelece um erro conceitual, mas sobretudo político de elevada grandeza. Para o autor esse é um dos pontos que se confunde segurança com defesa, fazendo com que segurança se transforme em um aspecto de defesa, ou seja, o narcotráfico que deve ser analisado como segurança pública entre Colômbia e Venezuela, passa a ser considerado erroneamente como defesa, e tem se colocado como instrumento para intervenção estadunidense na América do Sul.

Isto é, houve principalmente na América Latina, um tratamento do narcotráfico como um problema de defesa. Entretanto, suas motivações e as soluções para esse problema, por mais que

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afetem os dois países, devem ser pensados como segurança pública, que tem como respostas em seu enfretamento o investimento em educação, saúde pública, cultura e desenvolvimento econômico e social; essa “fusão” dos conceitos, foi o que abriu precedentes para as bases norte-americanas no continente sul-americano.

Santos (2010) comenta brevemente como os conflitos colombianos se desdobram sob a Venezuela:

(...) o conflito colombiano e sua relação com o narcotráfico têm vários desdobramentos no território venezuelano. Nos últimos anos, não só por conta de questões relacionadas ao conflito colombiano e ao narcotráfico, as relações entre os dois países em temas de segurança e defesa foram se deteriorando, gerando um ambiente de desconfianças, suspeitas, tensões e decisões unilaterais, que resultaram num completo abandono dos acordos, mecanismos e perspectivas de coordenação binacional no enfrentamento dos referidos problemas. Com modelos ideológicos e sociopolíticos distintos, os governos de Álvaro Uribe e de Hugo Chávez criaram doutrinas de segurança divergentes, embora parecidas nos aspectos de serem militarizadas, concentradas na figura presidencial e instrumentalizadas para respaldar a popularidade doméstica e a legitimidade internacional desses governos. (SANTOS, 2010, p.5).

Outra crítica cabível ao governo venezuelano diz respeito a não ter mecanismos de combate ao narcotráfico em seu território, facilitando a passagem de drogas em sua fronteira e enfraquecendo as operações de combate firmadas entre Estados Unidos e Colômbia.

A disputa entre Guiana e Venezuela é territorial e dura mais de um século. A Venezuela reivindica dois terços do território Guianense, cerca de 160 mil km² aproximadamente, na região de Essequibo. Essa disputa se intensificou ainda mais ao longo do tempo pelo interesse em reservas de petróleo na região. Ainda que pacífica, a tensão entre os dois países continua sem um acordo final, estes conflitos de fronteira denotam a histórica trajetória de economia de defesa destes países.

De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI, 2018), desde 1958, as forças armadas venezuelanas firmaram acordo militar com o governo em troca de dinheiro, poder e prestígio. Esse processo de barganha foi reforçado sob o governo de Chávez, que ofereceu poder político-militar, dinheiro e armas, e fortaleceu o desenvolvimento de uma simbiose governo-militar.

Segundo dados do The Military Balance (CHAPTER EIGHT, 2018) o efetivo militar da Venezuela em 2017 é de 123.000 soldados registrados, mas o efetivo militar é ainda maior com as chamadas milícias bolivarianas, podendo chegar a até 345.000 soldados. As milícias foram criadas por Chávez com apoio de Cuba em um acordo bilateral em que Caracas forneceu petróleo a Havana. Em troca, Cuba forneceu à Venezuela assistência sob a forma de treinamento militar, assessores técnicos e brigada médica. (CIA, 2019)

As milícias bolivarianas são acusadas de apoiar as FARC e o governo da Bolívia através de apoio militar. O sistema militar venezuelano é estruturalmente duplo: o ministério da defesa é o órgão administrativo responsável pela formulação de políticas e gestão de recursos, enquanto a Estratégia Operacional Comando das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas é responsável pela direção operacional e controle das forças armadas através de uma cadeia de comandos territoriais subordinados. Isso inclui zonas operacionais de defesa e defesa integral, tal estrutura coloca em dúvida qualquer capacidade estrangeira de ocupação direta no país. (SIPRI, 2019).

O Exército, a Marinha e a Força Aérea são responsáveis por controlar as fronteiras e a segurança interna, enquanto a milícia bolivariana e as forças policiais têm alguma responsabilidade pela manutenção da ordem pública e sustenta apoio em caso de invasão

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estrangeira. Estes processos de conflito, ganham amplitude frente às investidas estadunidenses na política interna venezuelana e do estabelecimento de uma política internacional de sanções e bloqueios.

As sanções estadunidenses contra a Venezuela começaram em março de 2015, quando Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, as apresentaram colocando a Venezuela como uma ameaça à segurança nacional. Em contraponto, o governo Maduro acusou que a criação de tais sanções teria um único objetivo: prejudicar seu governo “socialista”.

Essas sanções só aumentaram, o que acarretou não só em prejuízos ao governo, mas sim sobre a população venezuelana. Segundo Weisbrot & Sachs (2019):

As sanções reduziram a ingestão calórica das pessoas, aumentaram as doenças e a mortalidade (tanto para adultos quanto para crianças) e deslocaram milhões de venezuelanos, que fugiram do país como resultado do agravamento da depressão econômica e da hiperinflação. As sanções exacerbaram a crise econômica na Venezuela e tornaram quase impossível estabilizar a economia, contribuindo ainda mais para as mortes adicionais. Todos esses impactos prejudicaram desproporcionalmente os venezuelanos mais pobres e vulneráveis. (WEISBROT, SACHS, 2019,p. 3)

O reconhecimento de um governo paralelo aumentou ainda mais a relação entre os países. Segundo o embaixador venezuelano Carlos Rafael Faría Tortosa, “as perdas totais da economia venezuelana pelo bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos são estimadas em 130 bilhões de dólares entre 2015 e 2018.” O que mais prejudica são as sanções impostas à petrolífera estatal PDVSA, que é a principal fonte de economia do país. Conforme Weisbrot & Sachs :

É importante enfatizar que quase toda a moeda estrangeira necessária para importar medicamentos, alimentos, equipamentos médicos, peças sobressalentes e equipamentos necessários para a geração de eletricidade, sistemas de água ou transporte é recebida pela economia venezuelana através da receita do governo proveniente da exportação de petróleo. Assim, quaisquer sanções que reduzam as receitas de exportação e, portanto, as receitas do governo, reduzem as importações desses bens essenciais e, em muitos casos, de produtos que salvam vidas. (WEISBROT, SACHS, 2019, p.2)

Os EUA também tem dificultado novos acordos bilaterais pela Venezuela, ameaçando impor sanções a quem negocia com a Estatal Venezuelana, como no caso da Índia. A inflação em 2019 segundo dados do FMI pode chegar a 10.000.000%. Dentre outros motivos que vão além da inflação, é crescente a saída da população do país. Weisbrot & Sachs salientam acerca das sanções que:

(...) as sanções impostas são ilegais, nos termos da carta da organização dos Estados americanos (OEA) baseado em dois artigos: Artigo 19: Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro. Este princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem; Artigo 20: Nenhum Estado poderá aplicar ou estimular medidas coercitivas de caráter econômico e político, para forçar a vontade soberana de outro Estado e obter desse vantagens de qualquer natureza. (WEISBROT, SACHS, 2019, p.19)

Enquanto isso a população civil venezuelana sofre em meio ao confronto, onde o imperialismo se impõe a ceifar vidas a qualquer preço, em busca da soberania americana.

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3. Elementos de Economia de Defesa Venezuelana Imperativo considerar que como em muitas outras situações de estratégica geopolítica

estadunidense, como as apresentadas no Oriente Médio, antes dos governos de Chávez a Venezuela sofria influência direta dos Estados Unidos, inclusive com fornecimento de armas e treinamento militar, esta estratégia tinha como foco a Amazônia Sul-Americana e o controle geopolítico regional, sob o risco de ascensão de Argentina, Brasil e Chile (SCHILLING, 1981, SPYKMAN, 2017). A quebra do vínculo entre Venezuela e os EUA acarretou em embargos econômicos que levaram ao declínio de sua economia, mas sem desconsiderar que anos de cooperação deixaram legados de organização militar no país. Por sua vez, além dos embargos econômicos outro fator significante foi a queda nos preços do barril de petróleo no ano de 2015 e 2016, agravando ainda mais a crise instalada no país.

Gráfico 1: Variação do preço do petróleo - em dólares por barril.

Fonte: Bloomberg / El País, 2019 A queda do preço do barril de petróleo tornou-se fator essencial para compreender a

geração de tensões no território venezuelano, observa-se no Gráfico 1 a trajetória dos preços e alta que atinge os anos de 2007 a 2008, cotado a US$ 144,49 o barril e a inflexão negativa acentuada que atinge US$ 36,61. O fato é que os EUA, em aliança com o Canada, particularmente a região de Alberta, e Arábia Saudita, conseguiram aumentar muito a produção e a disponibilidade de petróleo. Os EUA em 2014 atingem a marca de 1,6 milhão de barris produzidos por dia, segundo relatório da BP (BRITISH PETROLEUM, 2018) (Gráfico 2). No ano de 2015 os EUA passaram a ser o maior produtor de petróleo do mundo, atuando conjuntamente na exploração do xisto (Gráfico 3). Juntamente ao aumento de produção nos EUA, a partir de dados do Banco Mundial, é possível observar uma diminuição do crescimento do PIB chinês desde o ano de 2010. Tendo em vista que os EUA e a China são, respectivamente, os maiores consumidores de petróleo do mundo, é possível inferir a influência negativa deste contexto sobre a economia e, consequentemente, na política venezuelana. Por outro lado, cabe considerar que para os interesses hegemônicos na região e no mundo, o enfraquecimento

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econômico de Brasil, Venezuela e, por conseguinte, da própria Rússia, minimizavam os projetos ofensivos dos BRICs na região.

Gráfico 2: Produção de petróleo dos Estados Unidos (1920-2017).

Fonte: EIA, 2019.

Gráfico 3: Produção de xisto dos Estados Unidos (2005- projeção 2040).

Fonte: EIA, 2019 Em contrapartida à derrocada da produção de petróleo na Venezuela, observa-se o

crescimento da produção dos EUA (Gráficos 3 e 4). A produção de petróleo a partir do xisto é crescente, uma vez que foram descobertas na última década grandes reservas no território estadunidense, sendo inclusive, um dos principais elementos de contorno dos EUA para enfrentar os impactos da crise financeira mundial de 2008, reduzindo suas importações mundiais.

O Gráfico 4 demonstra a queda nas exportações de petróleo bruto por parte da Venezuela, sendo um fato facilmente compreendido quando se leva em consideração a influência que as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, concomitante ao aumento nas produções de petróleo e xisto neste mesmo país e a desaceleração do crescimento da China, países proeminentes no consumo global de petróleo.

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Gráfico 4: Exportação venezuelana de petróleo bruto (2007-2017).

Fonte: CEICDATA, 2019 Diante desse quadro fica evidente que a política de investimentos militares promovida pelos

governos da Venezuela é guiada, assim como todos os setores da economia deste país, pelas exportações de petróleo e pela variação de seus preços. Como pode ser observado no gráfico 4, a crise de 2008 afeta sensivelmente a exportação de petróleo da Venezuela, tendo uma baixa até 2011, e, a partir de então há pequenas oscilações, mas com tendências de baixa na exportação. Este quadro somado aos efeitos da crise mundial e a instabilidade política, produziram severos retrocessos aos desenvolvimento do país. Destaca-se que as inflexões positivas nas exportações registradas nos últimos anos, devem-se as transações com a China, esta que é uma das maiores credoras do governo de Maduro, ao passo também que a China é importante parceira comercial de vários países da região, como Brasil, Argentina e Peru.

.

Gráfico 5: Progressão dos gastos militares e preço do petróleo venezuelanos.

Fonte: SIPRI, 2019

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As oscilações negativas se acentuam com as sanções aplicadas pelos Estados Unidos, principalmente a partir do governo de Donald Trump. Essas sanções configuram no confisco do montante de divisas e ativos da unidade norte-americana da PDVSA nos bancos estadunidenses. No gráfico 5 é possível observar a simetria dos investimentos militares venezuelanos com a trajetória dos preços de petróleo. Apesar da variação negativa do PIB venezuelano, os gastos militares não oscilaram expressivamente desde o aprofundamento da crise no país até 2017, gastando em média 0,9% do PIB durante a série de dados que vai de 2010 a 2018. Entretanto, a partir de 2018 há gastos ínfimos com arsenal bélico, conforme mostra o Gráfico 5. Por sua vez, cabe considerar que as bases de dados em períodos de crises passam por dúvidas quanto à sua veracidade. A iminência de conflito entre EUA, com ou sem a interveniência de países limítrofes coloca os investimentos e acordos bélicos em posição de informação estratégica, impossibilitando determinar se são estes os efetivos montantes dispendidos pela Venezuela em economia de defesa.

Gráfico 6: Gastos militares como parcela do PIB em bilhões de dólares (2010-2018).

Fonte: SIPRI, 2019 Ainda no que diz respeito ao comportamento dos preços de petróleo e o gastos militares

venezuelanos é possível inferir duas características dessa relação: a primeira de como para a Venezuela o preço do petróleo é essencial para investimentos, nesse caso, é em defesa, mas tal raciocínio também se estende aos outros setores da economia; e a segunda diz respeito como que a manutenção da presidência está ligada ao amparo das forças armadas, seja por repressão policial contra opositores ou no apoio popular dos militares, evitando tentativas de golpes; é fato que na história da Venezuela desde as ditaduras enfrentadas pelo país no século XX e mesmo depois no governos eleitos posteriormente, todos os governos não conseguiram romper com a influência das forças armadas na organização do país.

Por sua vez cabe destacar que a Venezuela tem mantido uma relação de proximidade direta com a Rússia e a China. Estes países denotam interesses estratégicos na América Latina, sejam eles comerciais e ou militares. No gráfico 7 verifica-se os dispêndios militares, ainda que apresentem inflexões negativas, particularmente a Rússia após o declínio da URSS, a China apresenta patamares crescentes. Após o final da URSS os gastos despencaram de aproximadamente 350 bilhões de dólares no ano de 1988, para 19 bilhões no ano de 1998. Apesar desta queda, a Rússia continuou sendo um dos maiores exportadores de armas do mundo. Muitos conflitos que envolvem interesses dos Estados Unidos consolidam, em contraparte, a Rússia como grande fornecedor de armamentos e este é o caso da Venezuela, como pode ser observado pela figura 2.

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Gráfico 7: Gastos militares China e Rússia.

Fonte: SIPRI, 2019 Outro elemento importante para o Kremlin, além da exportação de armas para a Venezuela,

é a localização geográfica venezuelana próxima aos EUA. Com isso, além da Rússia ter um importante cliente de armas (Tabela 1) e fornecedor de petróleo, passa-se a ter influência em uma área estratégica que majoritariamente era dominada pelos estadunidenses, podendo inclusive, ser uma resposta a aproximação dos EUA, via OTAN, no imbróglio diplomático entre Ucrânia e Rússia na disputa pela região da Crimeia.

Figura 2: Países de origem de armamentos entregues à Venezuela de 2010 a 2018

Fonte: SIPRI, 2019.

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Na tabela 1 se apresenta o comportamento das relações comerciais venezuelanas, permitindo inferir os alinhamentos políticos com países que apresentam conflitos diretos e ou disputas de hegemônicas em relação aos EUA, Irã/Rússia e China, respectivamente. Estes dois últimos os maiores vendedores de armamentos à Venezuela.

Tabela 1: Países de origem e quantidade de armamentos entregues à Venezuela (2010 a 2018)

Países Unidades de armas

Alemanha 32

Áustria 30

China 607

Espanha 4

EUA 16

Holanda 25

Irã 30

Itália 8

Rússia 6512

Ucrânia 18

N. Identificados 2 Fonte: SIPRI, 2019.

Fornecedores Origem Estrutura de Capital Finmecanica Itália Aberto Oerlikon Contraves Suiça Aberto Motor Sich Ucrânia Aberto Shaanxi Aircrafit Corporation

China Aberto

Kazan Helicopter Rússia Aberto Uraltransmash Rússia Aberto

Quadro 1: Principais fornecedores bélicos da Venezuela. Fonte: SIPRI, 2019/ Sites oficiais das empresas

No quadro 1, apresentamos as empresas com maior volume de comercialização de

armamentos para a Venezuela e a origem e condição de sua composição de capital. Observa-se o predomínio de empresas de países não alinhados aos EUA. Destaca-se que os sites das empresas acima apresentam áreas destinada a investidores, com anuários da empresa, gráficos e projeções. Algumas empresas têm acesso restrito para determinadas informações que não nos dá certeza

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sobre o conteúdo, se é destinado a investidores ou a funcionários. Outros fornecedores não dispunham de sites por serem relacionadas ao governo ou empresas maiores. Como ponto de partida, usamos os nomes das armas (SIPRI 2019), e fizemos relação com as empresas por meio da pesquisa na rede mundial, sendo assim algumas relações ficam difíceis de serem estabelecidas, como alguns sites também não trouxeram maiores informações sobre o capital, evidenciando que se trata de um setor efetivamente estratégico e de interesses econômicos e geopolíticos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os países que fazem fronteira com a Venezuela também passaram por crises econômicas

nos últimos anos e ainda se encontram neste estado, porém o caso de estudo representa uma recessão mais acentuada e conta com fatores externos muito específicos. As sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, já expostas anteriormente, mostraram-se a principal barreira para a retomada do crescimento da economia venezuelana.

Os maiores impulsionadores bélicos na Venezuela são a China e a Rússia. Em contraponto, temos investimentos massivos tanto em arsenal bélico, quanto em treinamento e até mesmo o envio de soldados estadunidenses para a Colômbia, o que demonstra a presente disputa imperialista no país latino-americano.

As sanções econômicas tomadas pelos EUA, visam intensificar a minada do apoio popular e militar de Maduro. Provocar a insatisfação popular pode aumentar o processo de desestabilização e desabastecimento, que por sua vez leva a descapitalização do país, perecimento da moeda local, evasão do capital estrangeiro, dessa forma alimentando os níveis inflacionários que tornam exponencial os prejuízos. Asseveramos que a estagnação econômica, escassez e inflação corresponde a fome, a miséria e as mortes, poderiam ser evitadas, às custas desse jogo de poderes e da disputa de recursos naturais.

As posições de China e Rússia coniventes com às medidas políticas e econômicas dos últimos governos venezuelanos, podem ser analisadas à luz da importância que a Venezuela mostra para cada um deles. Em relação a China, esta que vem crescendo a níveis extraordinários nas últimas décadas, ser credor e ter um fornecedor com as maiores reservas de petróleo do planeta é estratégico. O elemento estratégico é igualmente importante para a Rússia, mas por motivos diferentes, uma vez que ter um grande comprador de armas e de tecnologias bélicas russas sul-americano, promove uma maior influência russa em um terreno que antes tinha como hegemonia as doutrinas norte-americanas.

Vale enfatizar que o caráter político-militar do país serve de certo modo como justificativa para ações truculentas provenientes dos Estados Unidos, país imperialista com viés político-ideológico pertencente ao espectro oposto ao da Venezuela. Apesar disso, o espectro político venezuelano não seria tratado como uma ameaça se o país não tivesse condições de exercer nenhum tipo de influência econômica e/ou militar - ambas possibilitadas pela existência e exploração das maiores jazidas de petróleo do mundo localizadas em território nacional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALFONSO, J. P. P. Petroleo y dependencia. Caracas: Síntesis dos mil, 1971. BAPTISTA, A. El relevo del capitalismo rentístico: hacia un nuevo balanze de poder. Caracas: Polar, 2004.

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Gráfico 8: Despesas Militares por país, em constante (2017) US$ (Milhões).

Fonte:SIPRI

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Tabela 2: Dados organizados que geraram o Gráfico 8. Fonte: SIPRI

Gráfico 9: Despesas Militares por país, em constante (2017) US$ m. Fonte: SIPRI

Gráfico 10: Vendas da PVDSA em milhões de dólares (2010-2016). Fonte: PVDSA

Tabela 3: Dados que geraram os Gráficos 9 e 10. Fontes: SIPRI e PVDSA