Resumo Usucapião

6
1. Usucapião 1.1. Antecedentes No Direito Romano o Termo “usus” designava a posse da coisa. Assim, a usus capio traduzia a aquisição do direito real pela posse. A usucapião surge e é regulada como um facto constitutivo que respeita aos direitos reais de gozo. No caso do legislador, o instituto vem consagrado como efeitos da posse, mas poderia ser tratado como um facto constitutivo de direitos reais de gozo ou, mais genericamente, como um facto constitutivo de direitos reais. Alguns traços característicos do período romano pós-clássico, clássico e justinianeu, desapareceram no direito moderno. A existência de um justo titulo ou da boa fé para a usucapião já não aparece hoje referida. Como traços comuns do regime mantêm-se a posse nos termos de um direito real e a duração daquela por um período de tempo. Assim, um possuidor mantendo a sua posse pelo lapso de tempo fixado na lei, pode adquirir por usucapião tenha ou não um titulo para a sua posse ou esteja de má fe. A usucapião mantém a conformação de um facto constitutivo de direitos reais de gozo, desligado de qualquer valoração ética. Já não se trata de proteger um adquirente que está de boa fé e tem um titulo aquisitivo do direito, mas de permitir a consolidação do direito real por parte de quem já o exerce de facto através da posse. No Código Civil português, a usucapião vem tratada como um efeito da possa. Tendo em conta que não contem uma parte geral dos direitos reais, sequer dos direitos reais de gozo, a colocação sistemática da usucapião não podia ser feita de outro modo senão no contexto da posse. A usucapião não exige um justo titulo, nem é mencionada em lado nenhum do sistema, podendo esta beneficiar quem simplesmente se apossa da coisa, sem titulo algum, ou alguém que inverte o titulo da posse tendo uma simples detenção. A boa fé também não é requisito, colocando toda a sua relevância no prazo menor de posse necessária para o possuidor de boa fé usucapir. Por outro lado, o regime jurídico continua a desconsiderar o aproveitamento utilitário da coisa como requisito da usucapião. Não obstante a posição contrária de Oliveira

description

Resumo sobre Usucapião de Menezes Leitão.

Transcript of Resumo Usucapião

Page 1: Resumo Usucapião

1. Usucapião

1.1. Antecedentes No Direito Romano o Termo “usus” designava a posse da coisa. Assim, a usus capio traduzia a aquisição do direito real pela posse.

A usucapião surge e é regulada como um facto constitutivo que respeita aos direitos reais de gozo. No caso do legislador, o instituto vem consagrado como efeitos da posse, mas poderia ser tratado como um facto constitutivo de direitos reais de gozo ou, mais genericamente, como um facto constitutivo de direitos reais.

Alguns traços característicos do período romano pós-clássico, clássico e justinianeu, desapareceram no direito moderno. A existência de um justo titulo ou da boa fé para a usucapião já não aparece hoje referida.

Como traços comuns do regime mantêm-se a posse nos termos de um direito real e a duração daquela por um período de tempo. Assim, um possuidor mantendo a sua posse pelo lapso de tempo fixado na lei, pode adquirir por usucapião tenha ou não um titulo para a sua posse ou esteja de má fe.

A usucapião mantém a conformação de um facto constitutivo de direitos reais de gozo, desligado de qualquer valoração ética. Já não se trata de proteger um adquirente que está de boa fé e tem um titulo aquisitivo do direito, mas de permitir a consolidação do direito real por parte de quem já o exerce de facto através da posse.

No Código Civil português, a usucapião vem tratada como um efeito da possa. Tendo em conta que não contem uma parte geral dos direitos reais, sequer dos direitos reais de gozo, a colocação sistemática da usucapião não podia ser feita de outro modo senão no contexto da posse.

A usucapião não exige um justo titulo, nem é mencionada em lado nenhum do sistema, podendo esta beneficiar quem simplesmente se apossa da coisa, sem titulo algum, ou alguém que inverte o titulo da posse tendo uma simples detenção. A boa fé também não é requisito, colocando toda a sua relevância no prazo menor de posse necessária para o possuidor de boa fé usucapir.

Por outro lado, o regime jurídico continua a desconsiderar o aproveitamento utilitário da coisa como requisito da usucapião. Não obstante a posição contrária de Oliveira Ascensão, o Direito português não faz qualquer alusão a uma posse efectiva como requisito da posse, bastando-se com o mero controlo material da coisa, a posse, mantida pelo lapso de tempo fixada na lei.

1.2. Os direitos reais de gozo usucapíveis

A usucapião so permite a aquisição de direitos reais de gozo. Todavia, nem todos os direitos reais de gozo são usucapíveis. A lei dispõe expressamente que não são usucapiveis o direito de uso e habitação e as servidões perdiais não aparentes (1293º).

Page 2: Resumo Usucapião

1.3. Os Requisitos

a. Uma posse boa para usucapião

A posse é a base da usucapião, mas nem toda a posse serve para esse efeito. Por isso é normal falar-se em posse boa para usucapião à posse que permite a aquisição do direito real de gozo.

A posse boa para usucapião é uma posse que tem que revestir determinados caracteres – ser publica e pacifica (1297º e 1300º).

A posse boa para a usucapião é, para além disto, uma verdadeira posse. A detenção ou uma posse precária não pode fundar a usucapião. O artigo 1290º dispõe inequivocamente neste sentido.

É normal afirmar-se que a posse deve ser contínua e initerrupta. O nosso código menciona apenas “uma posse…mantida por um certo lapso de tempo”. Poderemos dizer que há aqui um terceiro requisito da posse?

Para José Alberto Vieira, sendo certo que a posse só pode servir para a usucapião se o possuidor manteve durante o prazo legal para o efeito, não se trata de um requisito atinente à posse e sim à sua duração.

b. A duração da posse para efeitos da usucapião

Trata-se da maior perplexidade para o regime da usucapião, uma vez que a lei portuguesa estabelece prazos diversos para o efeito.

O principal critério de aferição do prazo legal de usucapião reside na classificação das coisas em imoveis e moveis (1287º ao 1292º e 1298º a 1301º, respectivamente).

Usucapião de direitos reais de gozo sobre coisas imóveis:o Possuidores que tenham título aquisitivo do direito a que a posse se reporta e

hajam registado – 1294º - o prazo conta-se a partir do registo Boa Fé – 10 anos Má Fé – 15 anos

Importa ter presente que a existência de titulo não se confunde com titulo válido. Desde que o registo do facto jurídico tenha sido feito em conformidade com as disposições do direito registal, existe titulo registado para efeitos do regime da usucapião, ainda que o facto jurídico seja inválido.

o Aqueles possuidores que não tenham titulo, ou tendo-o não tem registo do título, – 1296º

Boa Fé – 15 anos Má fé - 20 anos

A lei prevê um modo de o possuidor sem titulo ou sem titulo registado, possa obter um titulo judicial e registá-lo, beneficiando, assim da aplicação de prazos menores do que os constantes do 1296º. Assim o artiro 1295º/2 prevê que o possuidor possa fazer declarar judicialmente que possui publica e pacificamente uma coisa nos

Page 3: Resumo Usucapião

termos de um direito, desde que a posse tenha, pelo menos, cinco anos. A decisão judicial pode, por sua vez, ser registada – registo da mera posse. Com o registo da decisão judicial que declare a posse, o prazo será:

Boa Fé – 5 anos Má fé - 10 anos

O critério principal no tocante à usucapião de direitos sobre coisas moveis, assenta na distinção entre coisas moveis sujeitas a registo e não sujeitas a registo.

o Sujeitas a registo – 1298º Se houver registo

Boa Fé – 2 anos Má Fé – 4 anos

Não havendo registo – 10 anos

o Não sujeitas a registo – 1299º Existência de um justo titulo (Facto jurídico em abstracto idóneo para

a aquisição do direito real de gozo a que se reporte) Boa fé – 3 anos

Não existe justo titulo Boa ou Má Fé – 6 anos

O 1300º/2 consagra um prazo excepcional para a usucapião de coisas moveis. Quando a coisa móvel houver sido adquirida às ocultas ou com violência e o adquirente da posse tiver transmitido esta a terceiro de boa fé, o prazo para o usucapião será de quatro anos ou de sete anos consoante a posse deste ultimo seja titulada ou não titulada.

1.4. A Interrupção ou Suspensão da contagem do prazo de posse para a usucapião

O prazo de duração da posse deve ser contínuo e ininterrupto. A interrupção do prazo da usucapião por qualquer uma das causas admitidas na lei inutiliza o tempo de posse já decorrido para efeitos de usucapião e acarreta para o possuidor que intenta usucapir a necessidade de exercer a posse durante todo o tempo do prazo legar aplicável.

O artigo 1292º manda aplicar o regime legal previsto para a interrupção da prescrição, ou seja, dos artigos 323º a 327º.

A interrupção do prazo implica a inutilização de todo o tempo de posse decorrido até ai e o recomeço da contagem do prazo a partir do acto interruptivo (326º/1). São factos interruptivos do prazo de posse para a usucapião:

o 323º/1o 324º/1o 325º/1o A nova posse de outrem contra a vontade do possuidor mantida por um prazo

superior a um ano sem que o possuidor esbulhado haja intentado durante um ano acção possessória de restituição para reaver a coisa. Trata-se de uma causa de interrupção especifica da usucapião.

Page 4: Resumo Usucapião

O prazo da posse para a usucapião pode ser suspenso

O artigo 1292º manda aplicar os artigos 318 a 322º com as necessárias adaptações. A suspensão, contrariamente à interrupção, não determina a inutilização do prazo de posse para a usucapião decorrido até à verificação do facto suspensivo, apenas obstando a que aquele continue a correr.

c. A invocação da usucapião pelo possuidor

A eficácia da usucapião não ocorre meramente com o decurso do prazo da posse. Para que a usucapião adquira eficácia o possuidor deve invoca-la, ou seja, manifestar a sua vontade em usucapir o direito a que se refere a sua posse. É isto que resulta do 1292º que determina, por remissão, a aplicação do disposto no 303º do mesmo código.

A eficáciada usucapião está, assim, sempre dependente da sua invocação pelo beneficiário dela, o possuidor, não sendo, portanto, automática. Só com a declaração de usucapião pelo possuidor se constitui o direito real de gozo a favor do possuidor.

A invocação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente. Isto quer dizer que o possuidor não precisa de recorrer ao tribunal para obter o efeito aquisitivo ligado à usucapião. A invocação extrajudicial da usucapião tem exactamente o mesmo valor da declaração por um tribunal competente.

A invocação quando extrajudicial, faz-se mediante declaração, cuja finalidade é justamente o efeito aquisitivo do direito a que se reporta a posse. Para o professor José Alberto Vieira, esta é uma verdadeira declaração negocial e não está sujeita a forma especial, valendo para ela a regra de liberdade de forma (219º e 217º).

A usucapião pode ser invocada pelos credores ou por outros terceiros com um interesse legítimo na sua declaração (artigo 305º ex vi do artigo 1292º), mesmo contra a vontade do usucapiente.

A lei portuguesa dispõe que no caso de o possuidor haver renunciado à usucapião, que so pode acontecer depois de decorrido o prazo para ela (artigo 302º/1 ex vi do 1292º), a invocação pelos credores so é possível mediante a prova dos requisitos legais da impugnação pauliana.

1.5. Momento da Eficácia da usucapião

Invocada a usucapião, a eficácia aquisitiva, ou seja, a constituição do direito real de gozo, não opera apenas para o futuro, retroagindo ao passado.