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E D I T O R I A L

A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de Cultura

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notícias, informações, artigos de opiniãoe artigos técnicos, sempre discutindo

cidadania e meio ambiente,de forma transversal e analítica.

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Mariana Simõ[email protected]

Editada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

Caros amigos,

Já não vivemos mais em tempo de incertezas em relação às mu-danças climáticas. Não obstante ainda existirem ecocéticos –quer por ingênua desinformação, quer por engajamento consci-ente na política de predação dos recursos naturais –, o acelera-do ritmo da degradação ambiental não permite que as gravíssimasameaças climáticas sejam ignoradas ou atenuadas. Em junhopassado, por exemplo, Paul Krugman, poderoso formador deopinião do jornal The New York Times, bradou em sua coluna:“Quem nega a mudança climática está traindo o planeta.” Umaacusação cientificamente corroborada no estudo “Os impactosda alteração global do clima nos EUA” chancelado pela CasaBranca de Barack Obama, que põe fim à irresponsável imorali-dade da administração George Bush em relação ao planeta.

Os efeitos deletérios da mudança climática não são fenômenorestrito às geleiras do Ártico ou aos ursos polares. Eles ocor-rem nos nossos quintais e afetam o cotidiano de todos, embo-ra mais cruelmente o dos refugiados ambientais, nas regiões maismiseráveis do planeta. Também são globais quando desenca-deiam a fragilização do ecossistema manguezal, berçário deincontáveis espécies marinhas.

Ferramentas para “virar o jogo da perdição” existem, como aponta oartigo Pegada Ecológica: o cálculo dos limites da Terra. Descubra comofunciona a contabilidade que calcula a pressão de consumo exer-cida pela humanidade sobre os recursos renováveis do planeta,que se exaurem a cada ano mais precocemente. Aliás, neste 2009,o Dia do Esgotamento Ecológico da Terra caiu em 23 de setembro. Sevocê fosse a Terra, a partir do 24 de setembro não teria mais doque viver. Por isso, para ajudar o planeta a sair deste beco semsaída, calcule sua pegada ecológica pessoal no site dofootprintnetwork, reveja seus hábitos de consumo e torne-se umpromotor da sustentabilidade da Terra.

Engajados na cruzada pelo restabelecimento do equilíbrio eco-lógico, da segurança alimentar e da preservação da Amazônia,entre outras relevantes questões, os artigos desta edição sinali-zam a urgência de novas políticas e ações globais para sustar acatástrofe anunciada.

Helio CarneiroEditor

Colaboraram nesta edição

Antonio PralonBBC Brasil e EcoDebate

Global Footprint NetworkGrida Maps & Graphics

Hélio CarneiroIHU/Heitor Costa

Jelson OliveiraMárcia Pimenta

Natalí GetteONU

Rodolfo SalmUNEP

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Nº 21 – 2009Capa: O fim do mundo. Foto: Gadl

Os cinco clamores da AmazôniaOs cinco clamores da AmazôniaOs cinco clamores da AmazôniaOs cinco clamores da AmazôniaOs cinco clamores da AmazôniaA Amazônia continua a “gritar” por seu povo, sua terra, suas águas, sua floresta e suas cidadesem consequência dos impactos do atual modelo de desenvolvimento gerador de desequilíbrio ede degradação da Natureza. Por Jelson Oliveira

PPPPPegada Ecológica: o cálculo dos limites da Tegada Ecológica: o cálculo dos limites da Tegada Ecológica: o cálculo dos limites da Tegada Ecológica: o cálculo dos limites da Tegada Ecológica: o cálculo dos limites da TerraerraerraerraerraConheça o o parâmetro que permite calcular a pressão de consumo exercida pela humanidadesobre os recursos renováveis do planeta. Descubra como essa contabilidade ecológica aponta, acada ano, o dia exato do esgotamento dos recursos da Terra. Por Global Footprint Network

Migrantes ou refugiados ambientais?Migrantes ou refugiados ambientais?Migrantes ou refugiados ambientais?Migrantes ou refugiados ambientais?Migrantes ou refugiados ambientais?Milhões de seres humanos estão sendo obrigados a se deslocar internamente ou cruzarfronteiras para escapar aos terríveis efeitos das mudanças climáticas que agudizam asconsequências do agronegócio. Por Márcia Pimenta

Rodovias na florestaRodovias na florestaRodovias na florestaRodovias na florestaRodovias na florestaA quem interessa a abertura e a pavimentação de rodovias na floresta amazônica? Qual amotivação real e o custo sócio-econômico-ambiental de tais projetos? Enc ontre as respostas aolongo da Transamazônica (BR-230) e da Cuiabá-Santarém (BR-163). Por Rodolfo Salm

Plástico nos maresPlástico nos maresPlástico nos maresPlástico nos maresPlástico nos maresPolímeros e termoplásticos constituem a maior parte do lixo oceânico não degradável,representando uma sentença de morte para a vida marinha já refém da mudança climpática,da perda de habitat, da atividade pesqueira insustentável e da poluição. Por BBC e EcoDebate

A importância dos manguezaisA importância dos manguezaisA importância dos manguezaisA importância dos manguezaisA importância dos manguezaisVital para a sobrevivência do planeta, esse ecossistema está em vias de desaparecer devido àexploração predatória de seus recursos. Descubra porque os programas de gestão, reabilitaçãoe preservação dos manguezais são prioridade absoluta em escala mundial. Por Natalí Gette

Efeitos oásis para mitigar ilhas de calorEfeitos oásis para mitigar ilhas de calorEfeitos oásis para mitigar ilhas de calorEfeitos oásis para mitigar ilhas de calorEfeitos oásis para mitigar ilhas de calorEntre as alternativas tecnológicas para promover a eficiência dos equipamentos de arcondicionado devoradores de energia e responsáveis pelo aumento da temperatura urbanadesponta a energia solar térmica ou fotovoltaica. Por Antonio Pralon

Plantar para quê e para quem?Plantar para quê e para quem?Plantar para quê e para quem?Plantar para quê e para quem?Plantar para quê e para quem?Não haverá soberania e segurança alimentar se os agricultores familiares não tiverem terrapara trabalhar e produzir alimentos em qualidade e quantidade suficientes para toda a nossasociedade. Sim à agroecologia; não ao agronegócio. Por Heitor Costa

Em nome da TEm nome da TEm nome da TEm nome da TEm nome da Terra: acordos, tratados e convençõeserra: acordos, tratados e convençõeserra: acordos, tratados e convençõeserra: acordos, tratados e convençõeserra: acordos, tratados e convençõesDesde que descobrimos no último meio século a fragilidade de nossa biosfera teve início acruzada global para salvar o planeta de sua maior ameaça - a humanidade. Conheça aevolução dessas iniciativas globais ainda longe de um consenso. Por Hélio Carneiro

O estresse dos estoques de águaO estresse dos estoques de águaO estresse dos estoques de águaO estresse dos estoques de águaO estresse dos estoques de águaOs recursos de água doce, cada dia mais raros e disputados, são vítimas do crescente aumentodemográfico, do desperdício, do uso abusivo e das mudanças climáticas. Uma projeção dasNações Unidas revela o estado das águas planetárias em 2025. Por ONU e UNEP/GRID-Arendal.

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Na pauta das discussões, o equívoco de uma civilização que contrapõe desenvol-vimento e natureza, gerando um desequilíbrio que prioriza o primeiro à custa dadegradação da segunda. Num dos pratos dessa falsa balança, estão as empresas e

corporações que mercantilizam e esgotam a terra, e também os governos federal, estaduaise municipais, com obras gigantescas que privilegiam os grandes e sacrificam os pequenos.

Vista como uma zona de sintropia – para usar a expressão dos especialistas –, a Amazôniaassiste à depredação de sua riqueza, da beleza de suas águas, da biodiversidade e daenergia (os três maiores alvos do sistema capitalista que vigora como pensamento únicoem muitos gabinetes).

Para refletir, debater e partilhar experiências sobre os impactos do atualmodelo de desenvolvimento na região amazônica, as ComunidadesEclesiais de Base promoveram em julho de 2008 uma reunião em PortoVelho, RO. Passado mais de um ano, as constatações, reivindicações edenúncias perduram. Descubra por que a Amazônia continua a “gritar”por seu povo, sua terra, suas águas, sua floresta e suas cidades.

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Os cincoclamores

da Amazôniapor Jelson Oliveira

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Fruto do bacuri. Foto: El Floz

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1O GRITO DAS FLORESTAS

Sobre o corpo portentoso das terras amazônicas, erguem-se as florestas e seusinúmeros seres:

■ 55 mil plantas (22% das espécies do mundo);■ 1.000 tipos de aves, 300 tipos de mamíferos, 550 répteis, 163 anfíbios, 3 milpeixes e milhões de insetos e microorganismos.

A floresta esconde seus segredos e preserva suas grandiosidades:■ 30% da fauna e flora do mundo está na Amazônia.

A floresta guarda o seu povo, seus bichos e suas lendas. Canta sua ladainha denomes, frutos e plantas de variadas espécies, que vêm sendo destruídas e extin-tas. Num tempo em que três espécies biológicas são extintas por hora no mundo(72 por dia!) e no qual, paradoxalmente, criam-se em laboratório milhões deespécies alteradas geneticamente, a floresta da Amazônia grita por socorro.

O desmatamento tem atingido índices alarmantes:■ Em 2004, foram extraídas 6,2 milhões de árvores da floresta;■ Entre 2006 e 2007, foram desmatados 11.532 quilômetros quadrados, fa-zendo com que a floresta hoje tenha perdido pelo menos 20% do seu tamanhooriginal, ou seja, 700 mil quilômetros quadrados de floresta já foram destruídos.

A floresta amazônica grita:■ No ventre abrasador das carvoarias;■ Nos dentes ásperos das madeireiras;■ Nos saques diários realizados por laboratórios farmacêuticos;■ Na pilhagem da biopirataria;■ Nas raízes ressecadas pelas queimadas que conduzem à desertificação;■ Entre as cercas das pastagens, das culturas exóticas de eucaliptos e pínus;■ Dos intermináveis horizontes do deserto verde que se alastra e engole a vidada floresta.

O GRITO DOS POVOSA Amazônia grita pela voz rouca de seus povos, tão próximos dasuavidade rumorosa pela qual fala toda a natureza. Pluriétnica,pluricultural e plurirreligiosa, a Amazônia grita pela boca dos:

■ 12 mil indígenas, povos primitivos, resistentes e ressurgidosque habitam essas terras há pelo menos 12 mil anos;■ 21 mil quilombolas, moradores de quase 1.500 comunidades,que lutam pelo direito de viver e cuidar de suas terras;■ 26 mil moradores das 35 reservas extrativistas que se espa-lham por toda a desde o século XIX;■ Ribeirinhos e pescadores, guardiões da sacralidade daságuas, dos lagos santuários, das caixas pesqueiras, dos rios,igarapés e nascentes que fazem desta, a terra das águas;■ Posseiros, camponeses, sem terra e assentados que somamquase um milhão e meio de pessoas;■ Colonos e migrantes pobres: do Nordeste, vítimas da seca;do Sul e Sudeste, vítimas dos modelos de colonização, atraí-dos para essas terras com a pretensão de diminuir os conflitossociais de suas regiões de origem;■ Dezenas de milhares de trabalhadores que vivem em regimede escravidão pelos grotões da região;■ 15 milhões de moradores urbanos,13% dos quais analfabetos,14% sem teto, 46% sem água encanada, mais de 80% semesgoto, vítimas da pior oferta de atendimento de saúde do Bra-sil, portadores de doenças tão antigas como a malária, a den-gue e a febre amarela – enfermidades que não despertam ointeresse da ultramoderna medicina e das sequiosas indústriasfarmacêuticas, meramente por se caracterizarem como “doen-ças de pobre” ou “doenças da pobreza”.

O Brasil, que há muito tempo não conhece a Amazônia e quereservou a esse bioma tantas depreciações e preconceitos,tem agora a chance, pela voz desses povos, de ouvir o que diza região.

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Jelson Oliveira - Professor de Fi-losofia da PUC-PR, agente da CPT-PR e assessor do 12º Encontro Inte-reclesial das CEBs. O texto acima foiescrito a partir da síntese dos debatesde um dos “Rios” (como são chama-dos os 12 grupos que reúnem cerca de250 pessoas) em torno da realidadeamazônica. Publicado pelo IHU On-line, 24/07/2009 [IHU On-line é edi-tado pelo Instituto Humanitas Unisi-nos - (IHU), da Universidade do Valedo Rio dos Sinos , em São Leopoldo,RS] e pelo portal www. ecodebaate.com.br em 28/07/2009

LAMENTO E RESISTÊNCIAO grito de lamento vem se trans-formando em grito de resistência.O 12º Encontro Intereclesial dasComunidades Eclesiais de Base(CEBs) tem revelado a força dopovo amazônico na construção dealternativas e de lutas contra o mo-delo de desenvolvimento que temfechado os ouvidos para esses cla-mores. No coração da Amazôniasurgem reservas extrativistas, pro-jetos de assentamento agroextrati-vistas, projetos sustentáveis, co-munidades quilombolas, luta dosposseiros e atingidos por barra-gens, experiências de preservaçãoe recuperação de lagos e rios, redesagroecológicas, artesanato, apicul-tura e inúmeras alternativas de eco-nomia solidária. Surgem fóruns econselhos, experiências de forma-ção política, de participação dasmulheres e uma imensa rede de or-ganização popular e eclesial.

Aqui em Rondônia, nesse Encon-tro, estão muitos homens e mulhe-res que fazem essa realidade e, pou-co a pouco, transformam o abando-

no em esperança. É por isso que afrase de Dom Moacir Grecchi, ar-cebispo de Porto Velho, ecoou comtanto êxito: “pessoas simples, fa-zendo coisas pequenas, em lugarespouco importantes, provocam mu-danças extraordinárias”.

Esse é o sentimento e a certeza queacalenta os corações das CCEBs, esua nomenclatura terá de acrescen-tar agora, por sugestão de LeonardoBoff, a ecologia: Comunidades Eco-lógicas de Base. Pelo grito das CEBsa Igreja se faz ecológica! ■

O GRITO DA TERRA

Belém - Foto:Pierre Pouliquin

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O GRITO DA CIDADEA Amazônia apresenta inúmeros conjuntos populacionaisde grande porte, entre os quais se destaca Manaus, quepossui hoje 2 milhões de habitantes. Além disso, somam-seinúmeros pequenos povoamentos ainda ruralizados e em-pobrecidos, nos quais:

■ 46% das casas não contam com distribuição de água; e■ 75% das famílias com crianças até 14 anos ganhammenos de 1 salário mínimo.

O crescimento desordenado das periferias, o aumento dodesemprego e da violência, a falta de saneamento, de aten-dimento de saúde e educação, o aumento da degradação,a falta de políticas de descarte de lixo etc., formam a tristerealidade dos moradores urbanos da Amazônia.

A Amazônia grita pela voz da mãe-Terra, morada sagrada detodos os seres, berço do qual viemos e colo em que acalenta-mos nossos sonhos e esperanças. Terra:

■ Disputada pelo capital;■ Rasgada e violentada por mineradoras, garimpos e siderúrgicas;■ Profanada pelo agronegócio monocultor da pecuária (quede 1990 a 2003 cresceu 140% na região), da soja e da cana;■ Militarizada em nome da segurança nacional;■ Ameaçada pela internacionalização;■ Globalizada pelo narcotráfico, prostituição, fome e abandono.■ Poluída pelos defensivos agrícolas;■ Contaminada pelo mercúrio;■ Corrompida pelo silêncio dos campos nos quais a vidadeu lugar ao artefato, o natural foi substituído pelo artifici-al, o território da vida pelo negócio explorador. E agora, opior: legalmente grilada, entregue aos interesses dos latifun-diários pela medida 458, editada pelo governo Lula.

Pelo grito da terra que é Gaia, a deusa primeira dos gregos e queé Pachamama, a mãezinha dos povos latino-americanos, todosnós gritamos. Como crianças arrancadas do seio da mãe. Comoórfãos de um tempo de desequilíbrio e descuido que fere a maisíntima essência daquilo que constitui o ser humano.

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2O GRITO DAS ÁGUAS

Desde quando foi batizada pelos indígenas de amassunu(“ruído de águas, água que retumba”), a Amazônia temsido conhecida como a terra das águas. Nela se encontra20% das reservas de água não congelada do mundo. Noventre das terras amazônicas escorre lento e pegajoso o maiorrio do mundo, o Marañon-Solimões-Amazonas. São 6.671quilômetros abastecidos por uma gigantesca rede de maisde 1.100 rios, além de incontáveis igarapés, corredeiras enascentes que garantem a vida de tudo o que está à suavolta – como no texto bíblico do profeta Ezequiel (47, 1-12).

Leite da terra sugado lentamente pelo existir das raízes quepenetram o corpo da terra, a água escorre pelo ventre damadeira que se ergue portentosa e se lança na atmosferaem “rios voadores” que abastecem todo o continente ameri-cano e interferem no clima de todo o planeta. A quantidadede água coletada e transportada por esse maravilhoso siste-ma é equivalente à vazão do rio Amazonas, ou seja, cercade 200 mil metros cúbicos por segundo.

Mas a Amazônia chora lágrimas de água barrenta, fétida eamarga. Inúmeras hidrelétricas foram ou estão sendo cons-truídas, colocando em risco muitos eco-sócio-sistemas. Aságuas gritam contra:

■ A poluição e a contaminação causadas pelo uso exten-sivo de agrotóxicos e pelo derrame de esgoto;■ Pela morte dos mananciais e nascentes sob as máqui-nas do hidroagronegócio;■ Pelo desperdício e pela privatização.

A força das pororocas e seu ronco inebriante que rompetodos os obstáculos e celebra a força da natureza é a gran-de inspiração do povo das Comunidades Eclesiais de Basena defesa das águas amazônicas.

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O QUE É PEGADA ECOLÓGICA?A humanidade vive do que a Natureza for-nece. Mas será que sabemos o total de re-cursos naturais que utilizamos e quantopodemos utilizar?

A pegada ecológica tornou-se o primeiro ins-trumento mundial de medida da demanda hu-mana sobre a natureza. Ela calcula a superfíciemínima de terra e de água que uma população

Você provavelmente já ouviu falar da pegada ecológica – oparâmetro que permite calcular a pressão de consumo exercida

pela humanidade sobre os recursos renováveis do planeta.Neste artigo você saberá como ela é calculada, os benefícios

dessa contabilidade ecológica, como ela contribui para asustentabilidade, além de conceitos como hiperconsumo, déficit

e esgotamento ecológicos – conhecimentos vitais paracorrigirmos o atual modelo de desenvolvimento global

e frearmos a insustentabilidade que está matando nossa Terra.

por Global Footprint Network e Cidadania & Meio Ambiente

O cálculo dos limites da Terra

humana, utilizando tecnologias existentes,necessita para produzir os recursos que con-some e assimilar os rejeitos que produz.

Pela primeira vez em sua história, a humani-dade encontra-se em situação de “déficit eesgotamento ecológicos”: a demanda anualdos recursos utilizados ultrapassa a capaci-dade de regeneração da Terra (ver quadroDia do Esgotamento da Terra, pág 29).

“Hoje, nosso planeta precisa de um ano equatro meses para regenerar os recursosutilizados em apenas um ano! Estamos es-gotando e matando a Terra.”

Mantemos esse estado de “déficit ecoló-gico” ao liquidar os recursos do planeta, oque corresponde a uma ameaça amplamen-te subestimada ao bem-estar humano e àsaúde da Terra. A humanidade ainda não

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Em todo o mundo,indivíduos e

instituições devemcomeçar a

reconhecer os limitesecológicos.

se deu conta do risco que o planeta – e elamesma – estão correndo!

Ao mensurar a “pegada” de uma popula-ção – de um indivíduo, de uma cidade, deuma empresa, de um país ou do conjuntoda humanidade – podemos calcular a pres-são que exercemos sobre o planeta. E issonos ajuda a gerir mais judiciosamente osbens ecológicos e a implantar ações indi-viduais e coletivas em favor de um mundono qual a humanidade viva respeitando oslimites da Terra.

Concebida em 1990 por Mathis Wacker-nagel e William Rees, na Universidade deBritish Columbia, a pegada ecológica éhoje utilizada por cientistas, empresas, go-vernos, agências, estabelecimentos públi-cos, indivíduos e instituições para moni-torar a utilização dos recursos ecológi-cos e de marchar em direção a um desen-volvimento durável.

PEGADA MUNDIAL: HAVERÁ LUGAR

PARA TODOS NO PLANETA?Hoje, a humanidade utiliza o equivalente a1,3 planetas a cada ano. Isto significa que aTerra necessita de um ano e quatro mesespara regenerar o que usamos em um ano.

Projeções conservadoras das Nações Uni-das sugerem que, se o consumo e a ten-dência da evolução demográfica continua-rem no ritmo de progressão atual, precisa-remos, em 2050, de dois planetas para su-prir nossas necessidades. O problema é quea Terra é apenas uma!

Transformar os recursos em rejeitos em me-nos tempo do que o necessário para

reconvertê-los em recursos nos colocanuma situação de “déficit ecológico”, istoé, de esgotamento desses mesmos recur-sos dos quais dependem a vida humana ea biodiversidade.

Os resultados desse cenário são: o esgota-mento dos recursos pesqueiros, a reduçãoda cobertura florestal, a degradação das re-servas de água doce, a emissão de poluentese de dejetos capazes de gerar ameaças comoo “aquecimento global” e as “mudanças cli-máticas”. E, mesmo assim, todas essas amea-ças são apenas a ponta do iceberg!

O “déficit ecológico” também contribui paraconflitos e guerras relacionados aos recur-sos. O “déficit ecológico” induz migraçõesmaciças, fomes, epidemias e outras tragédi-as humanas. E tende a provocar impactosparticularmente importantes nas populaçõesmais pobres, sem condições de enfrentar acrise via compra de recursos em outras fon-tes de abastecimento que não as suas.

A Terra tem condições de suprir todas asnossas necessidades e nos oferecer vida ebem-estar. Então, do que a humanidadeprecisa para viver com os meios ofereci-dos por um único planeta?

Em todo o mundo, indivíduos e instituiçõesdevem começar a reconhecer os limites eco-lógicos. Devemos colocar esses limites nocentro de nossas decisões e a inteligênciahumana deve ser direcionada ao desenvol-vimento de novos modelos de viver que res-peitem os limites de nosso planeta.

Por isso, a sobrevivência e o bem-estar dahumanidade passam pela utilização de fer-

ramentas como a pegada ecológica a fim demelhor gerir as riquezas ecológicas. Conhe-cer a capacidade da natureza à nossa dispo-sição, o quanto devemos utilizar e quem uti-liza vem a ser a primeira etapa que nos per-mitirá medir os avanços em direção à metade um modelo de vida e de desenvolvimen-to durável e com um único planeta.

PEGADA DAS NAÇÕES(1)

A pegada ecológica é a ferramenta contá-bil dos recursos que permite a cada paíscompreender seu saldo ecológico via da-dos para melhor gerenciar seus recursos epreservar o futuro.

Os governos nacionais podem utilizar apegada ecológica para:■ Estimar o valor de seus ativos ecológicos;■ Supervisionar e administrar tais ativos;■ Identificar os riscos associados aos défi-cits ecológicos;■ Estabelecer políticas lastreadas em infor-mações baseadas na realidade ecológica edar prioridade absoluta à preservação deseus recursos; e■ Avaliar os avanços conquistados em fun-ção dos objetivos.

É quase certo que os países e regiõesque irão conquistar o status de socieda-des e economias robustas e duráveis se-rão as que apresentarem excelentes re-servas ecológicas – e não as em “déficitecológico” crônico.

Afim de promover a utilização da pegadaecológica em nível nacional, o Global Foot-print Network lançou sua Campanha Dez-em-Dez (2) para institucionalizá-la em pelomenos 10 países até 2015.

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PEGADA DE CARBONO

A mudança climática é ao mesmo tempoum dos maiores desafios à humanidade eum dos sinais mais notórios de nosso hi-perconsumo ecológico. A pegada de car-bono representa a metade da pegada eco-lógica do conjunto da humanidade, e deveser reduzida para se enfrentar tal hipercon-sumo. (Ver GRÁFICO3)

Atualmente, o foco está nas emissões decarbono (CO

2). No entanto, às mudan-

ças climáticas também concernem outroslimites críticos: estoques pesqueiros, flo-restas, agricultura e recursos de água.Caso não consigamos lutar contra a mu-dança climática a partir de uma visão sis-temática do problema, algumas soluçõespara a questão poderão apresentar gra-ves e inesperados impactos. Exemplo: acorrida por biocombustíveis provoca, eminúmeros casos, a transferência de pres-sões ecológicas para a agricultura e a co-bertura florestal. ■

Atualmente, o termo “pegada de carbono”é utilizado para quantificar o dióxido de car-bono (em toneladas) emitido por uma ativi-dade, indivíduo ou organização. O compo-nente carbono na pegada ecológica vaimuito além desta definição, ao traduzir essaquantidade de dióxido de carbono em su-perfície florestal necessária ao sequestrodas emissões de dióxido de carbono. Istopermite representar a demanda que a com-bustão dos recursos fósseis representapara o planeta. A pegada ecológica permi-te criar estratégias e identificar soluçõesque nos permitirão sair do hiperconsumoecológico, já que a humanidade só tem umamorada onde pode viver: a Terra.

Pegada Ecológica da Humanidade

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O GRÁFICO 2 indica os componentes da pega-da ecológica média, por pessoa, no Brasil, des-de 1961.

O QUADRO mostra alguns dados básicos sobreo Brasil, em 2005. A pegada ecológica e abiocapacidade foram calculados pelo GlobalFootprint Network. O Índice de Desenvolvi-mento Humano foi calculado pelo Programa deDesenvolvimento das Nações Unidas.

O GRÁFICO 1 apresenta, em termos absolutos,a demanda média de recursos/indivíduo (pegadaecológica) e a provisão de recurso/indivíduo(biocapacidade) no Brasil desde 1961. Abiocapacidade varia a cada ano em função dagestão dos ecossistemas, das práticas agrícolas(uso de fertilizantes e irrigação), degradação deecossistema e condições meteorológicas.

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Como qualquer empresa, a Naturezatambém tem um “orçamento”: só podeproduzir “x” recursos e reciclar “x” re-síduos todos os anos. O problema éque a demanda humana pelos recur-sos naturais está excedendo o que aTerra pode prover.

Indicam as projeções que, em 2009, ahumanidade consumirá 40% mais doque a natureza pode gerar e regenerarno mesmo ano. Este impasse – o con-sumo mais alto do que a capacidadede reposição e de reciclagem – é cha-mado de “esgotamento ecológico da Terra”.

Perpetuamos esse esgotamento ao liquidar os recursos natu-rais do planeta. Por exemplo: cortamos mais árvores do que areposição florestal permite; pescamos além da capacidade dereposição dos cardumes. Esse hiperconsumo só pode ocor-rer esporadicamente. No entanto, tornou-se costumeiro, le-vando ao esgotamento dos recursos em que se baseia a eco-nomia planetária.

A primeira vez que a humanidade excedeu o poder de recupera-ção da Terra ocorreu em 1986. Antes desse ano-chave da in-sustentabilidade, a comunidade global consumia recursos eproduzia CO

2 a uma taxa condizente com o que o planeta podia

produzir, reciclar e reabsorver. No entanto, já em 1996, a huma-nidade consumiu 15% mais recursos/ano do que a Terra con-seguiu prover: o “Dia do Esgotamento da Terra” daquele anocaiu em novembro.

Em 2009, treze anos após o primeiro“esgotamento”, consumimos os recur-sos a uma taxa 40% mais rápida do quea Terra pode produzi-los. Portanto, atin-giremos o ponto-limite em que todosos recursos gerados pela Natureza parao ano de 2009 terão sido consumidospela humanidade!

O “Dia do Esgotamento Ecológico daTerra” é um trágico marco: trata-se dadata em que a humanidade começa aviver além da possibilidade de repo-sição dos recursos naturais. A partir

desse dia, passamos a viver em pleno “déficit ecológico”, istoé, gastando mais recursos naturais do que o planeta pode ge-rar em um ano civil.

Atualmente, a população global necessita do equivalente a 1,4 pla-netas para dar suporte a seu estilo de vida. Neste ano de 2009, ahumanidade terá dilapidado em menos de 10 meses o patrimônio debens ecológicos que a Terra leva 12 meses para produzir.

O fato de estarmos consumindo o capital ecológico mais rapida-mente do que seu poder de reposição é o mesmo que gastarmosmais do que ganhamos. As mudanças climáticas – resultado dovolume de emissão de CO

2 maior do que sua capacidade de absor-

ção por florestas e mares – são o mais óbvio e previsível resultadodo “hiperconsumo ecológico”. E, para agravar o quadro, tambémtemos a exaustão das florestas, a perda da biodiversidade, a extin-ção de espécies, o colapso dos estoques pesqueiros, o esgotamen-to dos mananciais de água doce, entre outros desastres.

23 de Setembro de 2009: Dia do Esgotamento Ecológico da Terra

■ O cálculo do National Footprint Account (Balanço da Pegada Nacional(2)) é realizado a partirde mais de 5.400 dados coletados em cada país/ano, a partir de fontes reconhecidas interna-cionalmente. Assim, é possível determinar a área necessária de cada país para a produçãode seus recursos biológicos e para absorver seus resíduos, e comparar tais dados com a áreadisponível. Esta área é calculada em hectares globais (acres globais), hectares (acres) comprodutividade mundial média para cada ano, de 1961 a 2005. Um resumo dos resultadosdas Contas de Pegada Nacionais de 2008 – cobrindo todos os países com população de maisde um milhão de habitantes – pode ser encontrado no Ecologial Footprint Atlas 2008(3) .

PEGADA ECOLÓGICA: METODOLOGIA E FONTES

Referências:(1) http://www.footprintnetwork.org/gfn_sub.php?content=nrb(2) http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/page/licenses/(3)http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/page/glossary/

■ O núcleo da Rede de Pegada Global calcula tanto a pegada ecológica (a demanda huma-na sobre os recursos da natureza) quanto a biocapacidade (a capacidade para suprir essademanda) em mais de 200 países. Os resultados (atualizados anualmente), assim como oscálculos da pegada ecológica podem ser baixados do site do National Footprint Accounts(1)

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12 ?Migrantes

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mídia, sem voz,deslocados internos,

migrantes ambientais,onda humana... Não

importa como sãochamadas as pessoas

obrigadas a sedeslocar internamente

ou cruzandofronteiras devido aosefeitos das mudanças

climáticas. Eles sesomarão aos 163

milhões de pessoas(Christian AID, 2007)

Neste planeta em que quasemetade da população so-brevive com US$2/dia, em

que os recursos naturais são con-sumidos numa velocidade 30% mai-or do que sua capacidade de rege-neração, e no qual a expectativa de-mográfica mundial deve alcançar 9bilhões de indivíduos até 2050,pode-se afirmar uma crise latente esem precedentes na história da hu-manidade. Isso tudo nos lembra que,embora existam limites geográficos,na prática os efeitos das mudançasclimáticas não têm fronteiras.

Organizações internacionais tentamtrazer a questão dos “refugiadosambientais” para a agenda das dis-cussões sobre o clima, cujo foco seconcentrou por muito tempo nosesforços de mitigação, ou seja, nasações que levariam a uma reduçãodas emissões de gases de efeitoestufa (GEE) na atmosfera.

Mas a falta de vontade política emdiminuir as emissões a níveis segu-ros – tanto dos países desenvolvi-dos quanto daqueles em desenvol-vimento – tem colocado as discus-

que deixaram sua história para trás ao fugir deguerras, conflitos étnicos, furacões, enchentes, ou

abandonaram terras e casas destruídas por projetosde grande escala, como plantações do

agronegócio ou reservatórios hidrelétricos.

ourefugiadosambientais

sões sobre adaptação no centro das nego-ciações, fato revelador do ceticismo no re-sultado das ações mitigadoras empreendi-das até agora. Só o tempo dirá se a migraçãoserá uma opção de adaptação dentre váriasoutras ou uma questão de sobrevivênciadevido à falência coletiva em oferecer alter-nativas adequadas de adaptação.

QUEM SÃO OS MIGRANTES AMBIENTAIS?A estimativa sobre o número de deslocadospor causa das mudanças climáticas varia,assim como a definição para deste grupo depessoas. A polêmica começa com a desig-nação dos deslocados: migrantes ou refugi-ados ambientais? A Convenção de Genebrade 1951, assinada sob a égide do Alto Co-missariado da ONU para os Refugiados(ACNUR), reconhece como refugiado

“aquele que em razão de fundados temo-res de perseguição devido à raça, religião,nacionalidade, associação a determinadogrupo social ou opinião política encon-tra-se fora de seu país de origem e que,por causa dos ditos temores, não podeou não quer regressar ao mesmo.”

Já os deslocados pelas mudanças climáti-

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por Márcia Pimenta

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Márcia Pimenta – Jornalista com especiali-zação em Gestão Ambiental; colaboradora e ar-ticulista do portal www.ecodebate.com.br, ondeeste artigo foi publicado em 28/07/2009.

cas não têm status ou proteção contem-plados em nenhuma lei internacional, daí acriação do termo “migrantes ambientais’como alternativa.

A publicação do relatório “Em busca deabrigo: mapeando os efeitos das mudan-ças climáticas nas migrações e deslocamen-tos humanos” durante a Conferência dasNações Unidas sobre o Clima, em Bonn,em junho deste ano, pretendia incluir napauta das discussões climáticas o deslo-camento forçado de pessoas das áreas maisvulneráveis do planeta. O esforço para in-cluir essa preocupação na agenda encon-tra dificuldades em comprovar, efetivamen-te, como o estresse climático pode ser con-siderado o vetor preponderante dessesdeslocamentos, já que as questões ambi-entais se sobrepõem a outras – econômi-cas, sociais e políticas.

Estudiosos referem-se a três categorias de“migrantes ambientais”:■ Os que fogem da desertificação;■ Os deslocados pelo aumento do níveldo mar; e■ As vítimas de “conflitos ambientais”.

Porém é difícil estabelecer o nexo causalentre degradação ambiental e migração.

MIGRANTES AMBIENTAIS

E ASILO POLÍTICO

Atribuem-se às mudanças climáticas, porexemplo, alguns processos de desertifica-ção que são gatilhos nos movimentos mi-gratórios em áreas onde há séculos ocor-rem secas. Esse argumento muitas vezes nãose sustenta, já que, historicamente, muitospovos valem-se dessa alternativa como for-ma de se proteger dos períodos de secasmais severas, para mais tarde retornar.

A mudança climática pode não ser a res-ponsável pela desertificação de certas áre-as onde ocorre o ciclo do “pequeno agri-cultor forçado a abandonar sua terra devi-do à seca, ao empobrecimento do solo e,consequentemente, á fome”. Isso seria ig-norar que muitos processos de desertifica-ção têm suas raízes no período de coloni-zação, no qual a má gestão dos recursosnaturais foi historicamente comprovada.

Estas reflexões não pretendem, absoluta-mente, subestimar as consequências ne-fastas da mudança climática para os maispobres, que, ironicamente, pouco contri-

buíram para o aumento das concentraçõesde carbono na atmosfera. As previsões doúltimo relatório Intergovernmental Panel onClimate Change (IPCC) apontam que:■ Até 2080 provavelmente 1,1 a 3,2 bilhõesde pessoas padecerão de escassez hídrica;■ 200 a 600 milhões conhecerão a fome; e■ 2 a 7 milhões se somarão aos que enfren-tam inundações nas áreas costeiras.

É urgente a criação de políticas que objeti-vem diminuir o sofrimento desses indiví-duos e evitar que essa onda humana pro-voque instabilidade econômica e políticanos países de destino. Mas a questão é: seé tão difícil designar a mudança climáticacomo vetor preponderante nos deslocamen-tos humanos, por que tanto esforço na ten-tativa de separar as migrações por causasambientais das sociais ou políticas?

Alguns argumentam que este discursoatenderia aos legisladores dos países donorte, que pretenderiam restringir o asilo.Portanto, o termo teria sido criado paradespolitizar as causas desses deslocamen-tos e permitir aos Estados declinarem dasua obrigação de providenciar asilo.

DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

E PROCESSO MIGRATÓRIO

Porém, esta leitura não coincide com o teordo que já foi escrito sobre o termo, poisna maior parte da literatura há uma ten-dência em querer estender a lei e a assis-tência humanitária àqueles deslocadosdevido à degradação ambiental. Outra res-posta para a pergunta seria o esforço dosestudiosos da temática ambiental, que aopopularizar a expressão “refugiados am-bientais” estariam reforçando a necessi-dade de atuar não só nas questões refe-rentes ao asilo, mas também nas causasque influenciam o processo migratório, ouseja, a degradação ambiental.

Quanto mais nos conscientizamos sobre amagnitude dos impactos ambientais nega-tivos gerados pela emissão cada vez maiorde carbono na atmosfera, mais urgentes setornam as medidas para mitigar suas emis-sões. Paralelamente, é preciso estratégiase fundos para adaptação.

No artigo 4.4 da Convenção-Quadro dasNações Unidas sobre Mudança do Clima,os países do Anexo I (com metas obrigató-rias de redução de emissões de gases deefeito estufa) e outros países desenvolvi-

dos do Anexo II (sem metas de redução)são legal e moralmente obrigados a contri-buir com os países em desenvolvimentono esforço de adaptação aos efeitos ad-versos das mudanças climáticas.

Segundo o relatório da OXFAM “Sufferingthe Science” (numa tradução livre, “sentin-do na pele as previsões da ciência”), US$150bilhões/ano é a quantia inicial necessária aospaíses em desenvolvimento para diminuirsuas emissões e para minimizar os efeitos dasmudanças climáticas. Para se ter uma ideia,US$150 bi é praticamente a mesma quantiaque foi gasta com a AIG na convulsão finan-ceira no final de 2008. Porém, o fundo quedeveria ajudar os mais pobres está repleto deretórica e vazio de contribuições.

Edgar Morin, que esteve recentemente noRio de Janeiro para uma palestra, afirmouque enfrentamos um conjunto de crises eque é preciso aprimorar a consciência críti-ca em relação ao desenvolvimento. Ao fa-lar sobre a crise ambiental, Morin ressal-tou a necessidade da existência de pode-res supranacionais. Disse, ainda, que aONU deveria criar uma declaração de inter-dependência planetária, aludindo à ausên-cia de barreiras geográficas para os impac-tos da degradação ambiental e de outrascrises que assolam o planeta.

Às perguntas recorrentes sobre como man-ter esperanças num cenário tão sombrio,Morin respondeu com sabedoria:

“Toda história começa com um desvio. Asmentes têm possibilidades que dormem eprecisamos despertá-las! As crises sãomomentos de perigo e oportunidade. Oque acontece quando um sistema não tempoder para tratar seus problemas funda-mentais? Desintegrará ou encontrará apossibilidade de criar um sistema mais rico,capaz de tratar os problemas vitais, fazeruma metamorfose, uma transformação?”

O resultado das discussões em torno do futu-ro do Protocolo de Quioto, que acontecerãoem Copenhague, no final deste ano, poderádar pistas do que o futuro nos reserva. Esco-lherão defender os ideais humanos universaisou a participação na violação sistemática egeneralizada dos direitos humanos? ■

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por Rodolfo Salm

A quem interessa a abertura e a pavimentação de rodoviasna floresta amazônica? Qual a motivação real e o custo

socioeconômico-ambiental de tais projetos?Muitas respostas podem ser encontradas ao longo da

Transamazônica (BR-230) e da Cuiabá-Santarém (BR-163).

Durante uma expedição que fiz aooeste do Pará, pensei um bocadosobre um pequeno trecho da re-

cente entrevista da professora Maria daConceição Tavares à revista Desafios doDesenvolvimento (publicação mensal doIPEA e do PNUD), relativo à pavimentaçãode estradas na região. Perguntada sobre apossibilidade de “impedir coisas como arodovia BR-1633, a professora respondeuque “não tem como parar aquilo: se parar,quebra aquela área inteira”, e que “a ques-tão é não desmatar demais”.

Como se trata de alguém por quem tenho amaior admiração, a resposta da professoranão me saiu da cabeça. Ainda mais que foiuma das últimas coisas que li antes de sair epassar boa parte do tempo justamente àsmargens das rodovias Transamazônica eCuiabá-Santarém. “Se parar, quebra aquelaárea inteira”, era o que eu mais me lembrava.

TRANSAMAZÔNICA (BR-230)De Santarém, seguimos (eu e um assistentede campo local) de barco, viajando uma noi-te inteira rio Tapajós acima, até a cidade deItaituba, rumo ao Parque Nacional da Ama-zônia. O parque, com quase um milhão dehectares, à beira do rio Tapajós, foi criadona época da abertura da Transamazônica (noinício dos anos 70) pelo Programa de Inte-gração Nacional do governo federal. Nossamissão era fazer um censo de palmeiras emuma trilha de 5 km em uma mata preservadada região (lá serão desenvolvidos vários ou-tros estudos paralelos da fauna e da flora).

Itaituba foi, nos anos 80, a capital do garimpode ouro na Amazônia e seu aeroporto che-gou a ser o mais movimentado do Brasil, se-gundo relatos dos habitantes da região. Di-zem que tinha garimpeiro que tirava até doisquilos de ouro por dia. Investiu-se pesadoem fazendas, aviões e desmatamentos, mui-

tos desmatamentos, pois eles eram, em últi-ma instância, a garantia da posse da terra.

Esgotados os garimpos, é esta a economia, aeconomia dos ex-garimpeiros e seus descen-dentes, ou, mais provavelmente, dos comer-ciantes que cresceram na região naquele pe-ríodo, que localmente poderia quebrar com onão asfaltamento das estradas. Na verdade,acho que nem isso, porque, depois da febredo ouro, ficou por lá apenas o que era neces-sário para o abastecimento local.

Da base do IBAMA, onde ficamos no Par-que Nacional da Amazônia, no município deItaituba, ouve-se o chiado forte e distantedas cachoeiras no rio Tapajós, que pode seradmirado de um mirante a poucos metrosdo alojamento. Um rio cheio de energia queainda corre naturalmente, coisa cada vezmais rara no Brasil. Cedo, indo para o cam-po, era difícil acreditar que aquela estradade terra onde estávamos era a famosa rodo-via Transamazônica. Lembrava-me aquelacena da “Caravana Rolidei”, em Bye ByeBrasil (filme de Carlos Diegues), nos anos1970, cruzando a mata ainda virgem ao lon-go da estrada recém-cortada (ao som damúsica tema de Chico Buarque), perseguin-do a terra “onde o abacaxi é do tamanho deuma jaca, as árvores são como arranha-céus,e as pedras preciosas brotam do chão”.

Hoje, a Transamazônica, em sua maior par-te, não tem mais aquele aspecto, pois osdesmatamentos já lhe descaracterizaram,espalhando-se por ramais e sub-ramais, quevistos do espaço têm o aspecto de espi-nhas de peixe. Mas, na verdade, na alturado Parque Nacional da Amazônia, a rodoviaestá hoje ainda mais estreita que original-mente. Ali, metade da largura da faixa des-matada foi retomada por uma vegetação se-cundária, rica em palmeiras babaçu (evidên-cia de que, dadas as condições necessári-as, com o tempo, a mata pode voltar natural-mente, e ainda produzir matérias-primas im-portantes como alimentos e biodiesel). Apoucos metros da Transamazônica, dentrodo parque, a mata ainda está perfeitamentepreservada, com buritizais repletos de pe-gadas de antas, onças e porcos-do-mato,além de árvores de madeiras de lei de todotamanho, maravilhosamente intocadas.

O trânsito de veículos por lá é impressio-nantemente baixo. Em um dia todo de traba-lho, das 8 às 17 horas, o motorista que noslevava até as proximidades da trilha de amos-tragem contou a passagem de apenas oitoveículos. Nos dois sentidos! Ao longo daestrada não há filas de caminhões com a

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Rodolfo Salm – PhD em Ciências Ambien-tais pela Universidade de East Anglia e pesqui-sador do Museu Paraense Emílio Goeldi. Arti-go enviado pelo autor e originalmente publica-do pelo Correio da Cidadania (07/02/2008).

produção estragando, esperando para po-der passar por lamaceiros ou pontes que-bradas, como estamos acostumados a verna televisão. A verdade é que não há umfluxo de mercadorias e matérias-primas en-tre Patos, na Paraíba, e Humaitá, no Amazo-nas, que torne a rodovia Transamazônicanecessária para a economia do país, e nãoconsigo imaginar exatamente o que quebra-ria com o não asfaltamento daquela estrada,especificamente.

CUIABÁ-SANTARÉM (BR-163)Chegando em Santarém, de cara, sabe-seque se está no coração de um forte embateambiental, quando se vê o imenso portograneleiro da Cargill à beira do rio Tapajós,que o Greenpeace, com seus espetáculosmidiáticos, conseguiu transformar em umsímbolo da devastação ambiental. O moto-rista de táxi que me levou até ali entregoulogo que os ativistas do Greenpeace nãomoram na região. Chegam, fazem o protes-to, filmam, tiram fotos e vão embora. Naúltima incursão deram sorte, pois, tentan-do pichar o porto, foram retirados à força eregistraram as cenas, o que gerou granderepercussão internacional. Parece que ago-ra o plano da Cargill é deixar pichar, e pas-sar uma demão de tinta quando os mani-festantes cansarem e saírem.

Mesmo com todo o seu isolamento rodovi-ário, ligada ao resto do mundo apenas por900 km não asfaltados da BR-163, Santarémé uma cidade efervescente. Segundo o jor-nal O Estado do Tapajós, em 2007, o Produ-to Interno Bruto (PIB) do município aumen-tou consideravelmente em relação ao anoanterior, e a construção civil teve um saltode 100%. Aquela região definitivamente nãopassa por uma crise econômica. Com anosmelhores, e outros nem tanto, os sojiculto-res do Mato Grosso também não estão que-brando. Sem o asfaltamento da Cuiabá-San-tarém, quem poderia quebrar mesmo são osfazendeiros de lugares como Novo Progres-so (bem no meio da BR), que investiram pe-sado nos desmatamentos e não conseguiri-am viabilizar a produção nessas áreas des-matadas. Mas se estes que investiram des-respeitando as leis ambientais tiverem dequebrar, que quebrem.

Quando cheguei a Santarém, colonos agri-cultores planejavam uma manifestação in-terditando a BR-163, segundo noticiou ojornal O Estado do Tapajós. Exigiam expli-cações do 8º Batalhão de Engenharia eConstrução do Exército (que está encarre-gado das obras na estrada) sobre a parali-sação dos trabalhos. Aparentemente, era

uma manifestação pelo asfaltamento, e aogoverno e parte da imprensa interessa queassim pareça. Mas a declaração de um agri-cultor, citado no referido jornal, sugeriu-me uma explicação alternativa: “estamos re-voltados, pois não asfaltam nada e [com asmáquinas paradas aguardando financia-mento ou autorização para asfaltar] nemsequer deram uma melhorada no trecho”.

Imagino que o governo poderia facilmenteestar mais empenhado em manter as boascondições da estrada – de chão –, deixan-do a BR-163 em condições excelentes parao trânsito da população e da produção lo-cal, ao invés de esforçar-se tanto no asfal-tamento em si (realmente o que interessaàs grandes empreiteiras), largando a ma-nutenção da estrada não pavimentada delado. Além do mais, com a chuva, o calor ea péssima qualidade do asfalto usado noBrasil, em poucos anos a situação pode seagravar, pois o asfalto detonado é pior paraandar do que estrada de terra.

A simples confirmação de que o governode Lula iria concluir os trabalhos de pavi-mentação das rodovias bastou para alavan-car o desmatamento ao longo dos trechosmais preservados da BR-163. Isso porqueo asfaltamento é uma garantia para que sepossa desmatar e escoar durante o anotodo, competitivamente, a madeira retira-da, a carne e a soja produzidas nessas áre-as ainda remotas devido ao estado atualda estrada. Diferentemente do asfalto, aestrada de terra tem a vantagem de poderser facilmente mantida em ótimas condi-ções, a um custo relativamente baixo.

Além do mais, se é para investir em asfalto,por que não recuperam a rodovia Belém-Brasília, há muito pavimentada, mas hojecoalhada de buracos? Ali, sim, muitos ne-gócios quebram, e eixos de caminhão tam-bém, por falta de asfalto decente. Mas nãose ouve falar nas obras de “reasfaltamen-

to” da Belém-Brasília. Porque a pavimenta-ção da BR-163 é necessária não para a suaárea de influencia não quebrar, mas parapossibilitar a exportação da soja do Cen-tro-Oeste pelo Norte, através do rio Ama-zonas, com maior lucratividade.

Com o não asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém o que poderia quebrar, na verda-de, são as contas do governo, dependentesdo agronegócio exportador. Se para manterestas contas equilibradas por mais algunsanos o preço for a devastação da floresta (oque, de resto, provavelmente trará gravesconsequências econômicas ao resto do país,devido a alterações no regime de chuvas),que se quebrem as contas. Eu sei que é in-gênuo falar assim, mas dizer, como a profes-sora, que é preciso asfaltar, sendo a ques-tão “não desmatar demais”, também é.

CONCLUSÕES

Terminada a viagem, e voltando à entrevis-ta da professora Conceição para redigir esterelato, reparei como o entrevistador da re-vista Desafios foi bastante impreciso emsua pergunta: “É possível impedir coisascomo a rodovia BR-163?” De cara entendique ele se referia à pavimentação daCuiabá-Santarém, porque a rodovia em sievidentemente não tem como ser impedi-da, pois é concreta. Tem gente morando etrabalhando por ali com motivos perfeita-mente legítimos para circular. Então, real-mente, a resposta não poderia ser outra:“Não tem como parar aquilo”.

Por mais convicto que eu seja quanto aosdanos ambientais causados pelas estradasna Amazônia, e preocupado com as suasconseqüências, em nenhum momento en-quanto estive ali me ocorreu que, bloque-ando uma ponte ou arrastando galhos deárvores para o leito da estrada, eu estariafazendo algum bem pelo meio ambiente.

Então não é uma questão de “impedir a estra-da”. Mas por que a pressa, agora, em asfaltá-la? Assim como Conceição diz tão acertada-mente quanto à possibilidade de o Brasil tor-nar-se exportador de petróleo – “esperar quenão seja para tão cedo, porque seria um dis-parate entrar nessa agora” –, penso o mesmoem relação à conclusão da pavimentação dasrodovias que cortam a floresta amazônica.■

Asfaltar é garantir odesmate e o escoamento

da madeira, da carnee da soja produzidas

em áreas remotasdurante o ano todo.”

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Na areia da praia, a carcaça doalbatroz revela sua causa mortis:ingestão de plástico! Garrafas,sacos, copos, isopor formama maior parte do lixo oceânicoe são uma sentença de mortepara a vida marinha.

por BBC Brasil e EcoDebate

Segundo o relatório Marine Litter: AGlobal Challenge1, realizado pelo Pro-grama Ambiental da ONU (Unep, na

sigla em inglês), não se pode precisar o vo-lume exato de lixo boiando nos mares por-que os dados coletados são mais precisosem algumas regiões e menos em outras. Noentanto, as evidências indicam que a quan-tidade de lixo está aumentando, fato que levaAchim Steiner, sub-secretário geral da ONUe diretor executivo da Unep, a declarar:

“O lixo marinho é sintoma de um problemamaior: o desperdício e a persistente má admi-nistração dos recursos naturais. Os sacosplásticos, garrafas e outros detritos que seacumulam nos oceanos e mares poderiam serreduzidos drasticamente por políticas de re-dução e de administração dos dejetos, e poriniciativas de reciclagem. Parte deste lixo,como os sacos plásticos finos que só podemser usados uma vez, sufocam a vida marinhae deveriam ser proibidos ou rapidamente re-tirados de circulação. Não há mais como jus-tificar a fabricação de tais embalagens emqualquer ponto do planeta.”

Texto da BBC Brasil, com informações adici-onais do EcoDebate.Publicado em www.ecodebate.com.br em 09/06/2009. (1) O relatório Marine Litter: A GlobalChallenge está disponível para acesso integral noformato PDF em www.unep.org/pdf/UNEP_Marine_Litter-A_Global_Challenge.pdf

Plásticoveneno nos mares

PLÁSTICO

Os compostos tóxicos do plástico podemser encontrados no organismo de muitosanimais – mamíferos marítimos, pássaros epeixes – que ingerem o material como sefosse alimento. As tartarugas marinhas, emparticular, acabam confundindo as sacolasplásticas que boiam com águas-vivas, umde seus alimentos favoritos. Uma pesqui-sa de cinco anos com fulmaros – ave en-contrada na região do Mar do Norte – con-cluiu que 95% desses pássaros continhamplástico no estômago.

Segundo o relatório da Unep, além de pro-dutos plásticos, pontas e maços vazios decigarro e de charuto estão entre os produ-tos mais encontrados nos oceanos,correspondendo a 40% do lixo encontradono Mar Mediterrâneo.

O turismo também tem impacto significati-vo sobre o estado dos oceanos e dos lito-rais em todo o mundo. Em algumas áreasdo Mediterrâneo, mais de 75% do lixo éproduzido durante a temporada de verão,

com forte presença de turistas. As ativida-des litorâneas correspondem a 58% do lixono Mar Báltico e quase metade do encon-trado no mar do Japão e da Coreia do Sul.O relatório ainda conclui que a maior partedo lixo marinho vem de atividades basea-das em terra firme. Segundo o Unep, o pro-blema do lixo marinho é particularmentegrave na região dos mares do sudeste asi-ático – onde vivem 1,8 bilhão de pessoas,60% delas nas áreas costeiras.

PREJUÍZO

A ONU também atribui o aumento da polui-ção ao crescimento econômico e urbano e àsatividades marítimas. Além dos problemaspara a saúde da Terra e para a vida marítima,o lixo nos mares também provoca prejuízoseconômicos, já que danifica barcos e equipa-mentos de pesca, além de contaminar insta-lações de turismo e agricultura.

O custo de limpeza das praias de Bohuslan,na costa oeste da Suécia, foi de pelo menosU$S 1,550 milhão em apenas um ano. No Peru,a cidade de Ventanillas calculou que teria deinvestir cerca de US$ 400 mil por ano paralimpar sua costa – o dobro do orçamento paraa limpeza de todas as áreas públicas.

A ONU ainda recomenda a imposição de al-tas multas para embarcações que jogaremlixo no mar e a suspensão de taxas para oprocessamento do lixo nos portos, a fim dedesestimular o despejo nos oceanos. ■

Foto: Angrysunbird

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Um dos ecossistemasmais importantes para

a sobrevivência doplaneta está em viasde desaparecimento

devido à exploraçãopredatória de seus

recursos e ao atualmodelo insustentávelde desenvolvimento.

Descubra por quegestão, reabilitação e

preservação dosmanguezais são

prioridade absoluta.

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por Natalí Gette

A importância os, seres cujos habitat em estágio adultosão as pradarias de fanerógamos, lagunascosteiras e águas doces do interior dos con-tinentes. (Aproximadamente 70% dos orga-nismos capturados no mar realizam parte deseu ciclo de vida em uma zona de mangueou laguna costeira). Esse ecossistema:■ Funciona como os pulmões do ambienteporque produzem oxigênio e capturam di-óxido de carbono do ar;■ Possui produtividade primária muito alta,o que mantém uma complexa rede tróficacom sítios de reprodução de aves, zonasde alimentação, crescimento e proteção derépteis, peixes, crustáceos, moluscos, gran-de número de espécies em perigo de extin-ção, entre outros;■ Age como filtro para sedimentos e nutri-entes, mantendo a qualidade da água;■ Protege o litoral contra a erosão costeirapor ondas e marés, garantindo a estabili-dade do piso litorâneo com suas raízes; alémdisso, o dossel denso e alto do bosquemanguezal constitui barreira efetiva contraa erosão eólica (ventos de tornados, fura-cões etc.), principalmente durante as tem-

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O manguezal (mangue ou mangal) éum ecossistema costeiro de tran-sição entre os ambientes terrestre

e marinho, em geral próximo à foz dos cursosde água doce que desembocam no mar emlatitudes tropicais. Entre as áreas com man-guezais se incluem estuários e zonas costei-ras. Este ecossistema é composto por arbus-tos e árvores adaptados à colonização dosterrenos inundáveis por água salgada.

O termo genérico manguezal engloba es-pécies vegetais com adaptações similares,mas que pertencem a diferentes famílias.Entre as adaptações comuns destacam-se:■ Tolerância a altos níveis de salinidade;■ Raízes aéreas que estabilizam a árvore ouarbusto em terreno instável;■ Sementes flutuantes (plântulas); e■ Estruturas especializadas que permitema entrada de oxigênio e a saída de CO

2.

RELEVÂNCIA ECOLÓGICA

O manguezal é habitat dos estágios juvenisde muitos peixes pelágicos e costeiros, mo-luscos, crustáceos, equinodermos, anelíde-

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poradas de fortes tormentas:■ É elemento evapotranspirador, suprindoa atmosfera de umidade;■ É fonte de matéria orgânica e inorgânicaque sustenta a rede alimentar dos estuári-os e do mar;■ É território de acasalamento e alimentaçãopara muitas espécies de peixes, moluscos euma gama de formas de vida silvestre.

RELEVÂNCIA ECONÔMICA

Os manguezais são um paliativo contrapossíveis mudanças climáticas não apenaspor serem fixadores de CO

2, mas também

por imobilizarem grandes quantidades desedimentos ricos em matéria orgânica. Gra-ças a esse mecanismo, os mangues captu-ram agentes contaminantes (compostosorgânicos tóxicos persistentes e metaispesados).■ O ambiente hipóxico dos manguezais pu-rifica a água de esgotos carreada por rios eminimiza a mudança climática mediante aoxidação ou redução do óxido nitroso (gásde efeito estufa) – produto da decomposi-ção anaeróbica de matéria orgânica –, do

óxido nítrico e do nitrogênio molecular, res-pectivamente;■ O mangue regula o fluxo de água da chu-va, reduzindo o efeito das inundações;■ Estima-se que para cada manguezal des-truído percam-se anualmente 767 kg de es-pécies marítimas de importância comercial.

RELEVÂNCIA SOCIOCULTURAL

Os manguezais desempenham papel impor-tante como fonte de recursos insubstituí-veis para muitas populações campesinasnos trópicos. A seguir listamos os recur-sos mais importantes:■ Pesca industrial em grande escala e arte-sanal (nível familiar);■ Carvão, madeira de construção e lenha;■ Criatório de muitas espécies;■ Extração de sal;■ Extração de tanino;■ Coleta de ervas medicinais;■ Coleta de alimentos;■ Recreação, esportes aquáticos, ativida-de turística; e■ São importantes para a educação e a pes-quisa científica.

MANGUEZAIS: CAUSAS DA DESTRUIÇÃO

■ Extração de madeira para construção elenha – A madeira do mangue é muito re-sistente a insetos e é de uso popular naconstrução de moradias rurais em regiõespobres ou em desenvolvimento;■ Extração de tanino – Grande quantidadede manguezal é desperdiçada por lenhado-res e extratores de casca de árvores que nãocoordenam suas atividades de exploração;■ Produção de sal – A construção de reser-vatórios para a produção de sal tem contri-buído para a alteração de vastas regiões demangues. Para piorar, utiliza-se grande vo-lume de lenha de madeira de mangue para aprodução de sal em fornos de evaporação;■ Erosão e sedimentação – Associada amás práticas de conservação do solo;■ Agricultura e pecuária – Essa utilizaçãotem destroçado grandes áreas.;■ Construção de rodovias, urbanização einfraestrutura turística – Tais obras, canaise represas alteram a hidrologia do mangue-zal em todos os continentes;■ Obstáculos político-administrativos parao manejo adequado;

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■ Dificuldades institucionais – Emmuitos países, a gestão oficial doecossistema manguezal está disper-sa entre vários órgãos que se so-brepõem e dificultam a visão inte-grada e global e do ecossistema;■ Contaminação – Por águas servi-das de origem doméstica e por eflu-entes industriais;■ Lixo – Provoca a paulatina obs-trução dos fluxos de água doce, sal-gada e salobra devido à sedimen-tação e ao tamponamento de mani-

Natalí Gette – O texto original Laimportancia de los manglares foi publicado emwww.eco portal.net (21/05/2009). Tradução li-vre Cidadania & Meio Ambiente.

lhas, canos e bocas naturais de escoamen-to dos cursos de água, criando condiçõesde hipersalinidade.

AQUACULTURA: UM PROBLEMA GIGANTE

Atualmente, a criação de camarões e lagos-tins para exportação é uma das maioresameaças à sobrevivência dos manguezais.Com a sua destruição, os ecossistemasmarinhos perdem seu equilíbrio, favorecen-do a diminuição da quantidade e da diver-sidade de peixes, já que as áreas de repro-dução e criatórios são destruídas.

Segundo o Greenpeace, esse não é o únicoproblema: para a criação intensiva de lagos-tins e camarões tropicais são empregadasenormes quantidades de produtos químicos(alimento, fertilizantes, defensivos, antibió-ticos) que formam um caldo tóxico capaz decontaminar os recursos hídricos locais, pro-duzindo eutrofização e hipernitrificação.

Além disso, o ciclo máximo de um criatórioé de 2 a 5 anos. Quando essas instalaçõessão abandonadas, a indústria busca áreascosteiras virgens para nelas instalar novoscriatórios e nova destruição.

Na aquacultura do camarão, o manejo defi-ciente dos recursos de propriedade públi-ca é grave causa de degradação ambientale de conflitos entre usuários. A inseguran-ça na ocupação do solo e o foco no lucro acurto prazo conduzem à insustentabilida-de, a certo e longo prazo, da produção e daconservação dos recursos naturais.

O reconhecimento e a proteção dos direi-tos de propriedade são vitais para se avan-çar em direção a usos mais sustentáveisdos recursos litorâneos. A maioria dos pa-íses latino-americanos não possui regula-mentações ambientais ou planos de mane-jo globais para o desenvolvimento e usodas áreas costeiras. Além disso, fracassam

ao não investir em pesquisas cien-tíficas capazes de garantir um de-senvolvimento sustentável da in-dústria da aquacultura.

SOLUÇÕES PROPOSTAS

■ Estabelecimento de uma morató-ria temporal para o aproveitamentodas espécies de mangue;■ Reforço das ações de proteção ede vigilância nos pontos tradicio-nalmente explorados, bem comonos centros de recepção, distribui-

ção e venda dos produtos extraídos dobosque de manguezal;■ Desenvolvimento de um programa inten-sivo de educação ambiental para a popula-ção local e turística;■ Criação de um comitê nacional que, me-diante políticas, assessore e administre oecossistema;■ Semeadura ou transplante de plantas pro-venientes de viveiros comunitários ou daprópria natureza;■ Desenvolvimento ecológico via constru-ção planejada de passeios, molhes flutu-antes e atividades passivas;■ Reflorestamento;■ Pesquisa e monitoramento do litoral.

CONCLUSÃO

A combinação da falta de ética ambiental,com a miopia legal e a débil aplicação dasleis vem causando o desaparecimento ma-ciço dos manguezais e custado um altíssi-mo preço oculto: a oxidação e a liberaçãodo carbono armazenado. Por isso, é cadavez mais urgente reconhecer a importânciada conservação e da restauração do cintu-rão verde protetor do litoral para reduzir osriscos de futuras catástrofes. Afinal, comoo nível do mar está subindo, as marés, ven-tos e furacões aumentarão em frequência eintensidade.

A presença dos manguezais amortiza a fúriadas tormentas destrutivas ao formar uma bar-reira que protege os povoados situados emsuas proximidades. Por isso torna-se neces-sário uma ação contínua e coordenada nãoapenas dos entes governamentais, mas tam-bém de todos os indivíduos. É vital a consci-entização global sobre a importância que osmanguezais têm para o planeta. ■

Na praia de Tabatinga, em Conde, Paraíba,as raízes aéreas que tipificam a vegetação doecossistema manguezal colonizam as áreas inun-dáveis por água salgada. Foto: Marcia Salviato

Inflorescência da Bruguiera gymnorhiza,espécie que viceja nos manguezais.

O manguezal é importante e insubstituível fontede recursos para a sobrevivência de muitas popu-lações tropicais.

Mangue: berçário de caranguejos. Foto: Uberphot

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Há aproximadamente um bilhão pessoas vivendo hoje em áre-as urbanas litorâneas. E estima-se que quase 50% das costasmarítimas do mundo estão ameaçadas por atividades desen-volvimentistas. A intensa pressão sobre os ecossistemas litorâ-neos exige ações preventivas e de proteção em todos os níveis– local, nacional, regional e global.

O projeto Case for Integrated Coastal Management: IntegratedCoastal Management (ICM) é a cada dia mais reconhecido comoum método eficiente de administração e de proteção dos ambi-entes costeiros e marinhos isolados e associados aos ecossiste-mas de água doce. E por isso merece aplicação mais ampla,quer para solucionar problemas existentes, quer para lidar comos que que venham a surgir.

O ICM incorpora e promove as seguintes ações:❚ Ações coordenadas, multissetoriais e holísticas na adminis-tração dos recursos ambientais e de lazer ao levar em contaas implicações ambientais, de saúde pública, consideraçõeseconômicas, sociais e políticas;❚ Avaliação do impacto ambiental, administração dos riscos eanálise do custo-benefício de todos os processos de decisão,com incorporação do valor de serviços ecossistemáticos aon-de for possível;❚ Envolvimento e participação ativa de todos os principais par-ceiros (autoridades locais e dos setores privado e público inte-ressadas) no planejamento e na implementação do ICM;❚ Revisões regulares dos sistemas de gestão e sua implementa-ção, com ajuste de prioridades, objetivos e método;❚ Fortalecimento da capacidade institucional via programasde treinamento e de reciclagem funcional.

Caso os acordos ambientais globais e regionais tivessem sidoimplementados como planejado, os litorais não estariam noatual estado de precariedade. Em muitos países, as estruturaslegislativas para implementação das metas nacionais e dos acor-dos multilaterais são débeis e inadequadamente aplicados. Paratratar essa situação, o ICM recomenda as seguintes ações:

❚ Os governos devem adaptar seus instrumentos legais às provi-dências exigidas pelos acordos internacionalmente endossados;❚ Ajuste do foco nacional e internacional aos termos de acor-dos internacionais existentes, ao invés de criar novos termos,a menos que haja justificativa;❚ Os governos devem adotar abordagem consistente e coordena-da no trato com diferentes organizações e acordos internacionais.❚ Organismos internacionais responsáveis pela implementa-ção de acordos ambientais globais devem tomar para si acoordenação das secretarias e corpos administrativos;❚ Atenção deve ser dispensada, em nível regional, à harmonizaçãode perspectivas e de medidas nacionais, com cobrança de efetivacolaboração. Deve ser explorado o potencial pleno dos compro-missos e objetivos voluntários, incluindo o setor privado, além dese desenvolver os instrumentos legais pertinentes.

AÇÕES HUMANASQUE DEGRADAM

OS MANGUEZAIS

A necessidade de uma avaliação global integrada do conjuntoágua doce, costeira e marinha facilitou o desenvolvimento doprojeto Global International Waters Assessment (GIWA), cujosresultados podem ser consultados em www.unep.org/dewa/giwa.Também ensejou uma moção do Conselho de Governança doPrograma das Nações Unidas para o Meio Ambiente para arealização de um estudo de viabilidade da criação de um pro-cesso regular de avaliação do estado do ambiente marinho(GESAMP, 2001; UNEP, 2002).

EM BUSCA DE UMA AVALIAÇÃO MARÍTIMA GLOBAL

Os oceanos são globais por serem conectados a outros ecossiste-mas, às sociedades humanas e à economia. É essencial ter-se umavisão das atuais relações biofísicas, sociais e econômicas dos oce-anos para podermos projetar melhor as tendências futuras.

A formulação de políticas e de ações ecossistemáticas sustentá-veis para os oceanos e as regiões costeiras precisa ser apoiadaem avaliações em âmbito nacional, regional e global. Tambémé imprescindível uma avaliação do ambiente marinho globalque inclua considerações socioeconômicas e revelem os elos entreo estado do ambiente marinho e o bem-estar humano.

A esse respeito, a Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGA)solicitou, via resolução 60/30, que o Programa das Nações Unidaspara o Meio Ambiente (UNEP) e a Comissão Oceanográfica Intergo-vernamental da UNESCO (UNESCO-IOC) coordene a fase de inicia-ção – Avaliação das Avaliações (AoA) – com o objetivo de proveruma melhor compreensão da avaliação da paisagem marinha.

Isto ajudará a determinar como o trabalho em andamento emnível global, regional e nacional pode contribuir para um pro-cesso que informará com regularidade o estado do ambientemarinho, nele incluindo os aspectos socioeconômicos. As op-ções e o quadro para tal processo (chamado de “Processo Regu-lar”) será proposto à Assembleia Geral das Nações Unidas , aotérmino da fase de AoA, em outubro de 2009.

A avaliação das Avaliações (AoA) explorará como um “ProcessoRegular” pode ser construído sobre um trabalho de avaliaçãoexistente e como ele poderá prover um quadro para a integraçãode avaliações setoriais e especializadas. A AoA garantirá asinterligações entre as regiões de forma que assuntos de interes-se comum possam ser enfeixados de maneira coordenada eidentificadas as interrelações entre os impactos da humanidadeno ambiente marinho, as mudanças ambientais e o bem-estarhumano. As propostas para um “Processo Regular” levarão emconta as melhores práticas e as forças e capacitações regionais.

Fonte: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). Grá-fico de Vital Water Graphics 2. Cartógrafo/designer: Philippe Rekacewicz(Le Monde diplomatique), fevereiro de 2006. http://maps.grida.no/go/graphic/human-actions-leading-to-coastal-degradation

A alteração física e a destruição de habitat são atual-mente consideradas uma das ameaças mais significati-vas para as regiões litorâneas. Metade das terras doplaneta com manguezais sofreu, no último século, gra-ves interferências causadas pela aceleração do desen-volvimento econômico e social e pela falta de planeja-mento (UNEP, 2002).

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por Antonio Pralon

Entre as alternativastecnológicas para promover aeficiência dos equipamentosde ar-condicionadoconvencionais devoradores deenergia e responsáveis peloaumento da temperaturaurbana, desponta a energiasolar térmica ou fotovoltaica.Descubra como o calor vaitornar a refrigeraçãoambiental mais eficiente emuito mais econômica.

“Efeito oásis” é um conceito defendi-do pelo cientista francês Francis Meunier– membro do IPCC (Painel Intergoverna-mental de Mudanças Climáticas) e Diretordo Institut Français du Froid Industriel etde Génie Climatique1, sediado em Paris –para amenizar em áreas urbanas “ondas tér-micas” geradas por “ilhas de calor”.

Para se obter o “efeito oásis”, o pesquisa-dor francês propõe duas alternativas tec-nológicas aos equipamentos convencio-nais de ar-condicionado (A/C), responsá-veis, em boa medida, pela intensificaçãodas ilhas de calor.

A primeira é transferir para o subsolo oupara cursos naturais de água (rios, lençóisfreáticos etc.) o calor rejeitado dos apare-lhos de A/C, principalmente das grandesinstalações. A segunda é usar sistemas deA/C movidos a energia solar (térmica oufotovoltaica): os raios solares captados

Efeito oásispara mitigar ilhas de calor

nesses equipamentos não estariam maisaquecendo o ar ambiente, mas contribuin-do para refrigerar espaços fechados.

Para o cientista, se as alternativas acimafossem implementadas em larga escala –simultaneamente ao uso de materiais deconstrução termicamente apropriados – aedificações de baixo consumo energéticoe ao uso de veículos elétricos, seria possí-vel criar o “efeito oásis”: áreas urbanasmais frias do que áreas periféricas rurais.

EFEITO ILHA DE CALOR

Parece não haver dúvida nos meios científi-cos de que a atividade humana tem alterado oclima de áreas urbanas, produzindo o chama-do “efeito ilha de calor”, cuja consequência éo aumento da temperatura do ar ambiente.

Entre os diversos fatores relacionados àatividade humana responsáveis pelo fenô-meno “ilha de calor” destacam-se:

■ Rejeitos térmicos decorrentes do consu-mo antropogênico de energia, incluindo ostransportes;■ Redução do albedo – parcela da radiaçãosolar transmitida de volta ao espaço – emrazão do uso de materiais de construção(concreto, pavimento de ruas, telhados)que absorvem os raios solares;■ O chamado “efeito canhão radioativo”,provocado pelas trocas de energia entre ostelhados das edificações e o céu, que resul-ta em aumento da energia solar absorvida;■ Redução das superfícies naturais de eva-poração e vegetação decorrente do pro-cesso de urbanização; e■ Aumento do efeito estufa devido à emis-são de gases resultantes da atividade in-dustrial e dos meios de transporte.

Em decorrência do aumento de temperaturaprovocado por uma ilha de calor, torna-seinevitável o aumento do consumo de ener-gia pelas edificações. Quanto maior a tem-

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NOTA DO EDITOR:1 – Para informações detalhadas sobre a tecnologia, consul-te o site do Institut Français du Froid Industriel et de GénieClimatique (http://iffi.cnam.fr).

Antonio Pralon é professor da UniversidadeFederal da Paraíba (UFPB) e bolsista Capes emestágio pós-doutoral no Instituto Francês doFrio Industrial. Artigo publicado no Jornal daCiência, SBPC, “JC e-mail 3635”, de 05/11/2008 (www.jornaldaciencia.org.br) e emwww.ecodebate (06/11/2008).

peratura do ar ambiente, maior a energia con-sumida nos equipamentos de A/C, uma vezque estes sofrem uma queda de eficiênciaproporcional à diferença de temperaturaentre o ar externo e o espaço a climatizar.

ENERGIA SOLAR TÉRMICA

OU FOTOVOLTAICA?A análise comparativa do professorMeunier entre as duas possibilidades deuso da energia solar para acionar sistemasde A/C considera tecnologias de refrigera-ção distintas:■ Um ciclo baseado em sorção, acionadopor um coletor solar (CS); e■ Um ciclo a compressão, acionado por umpainel fotovoltaico (PV).Nos dois casos, considera-se que o calorretirado do recinto é dissipado no subsolo.As eficiências de conversão energética ado-tadas são de 40% para o CS e de 15% para oPV, valores compatíveis com os equipamen-tos comerciais disponíveis atualmente.

As parcelas da energia solar perdidas porreflexão e radiação do CS e do PV são de30% e 25%, respectivamente. Tais valores,segundo o autor, são da mesma ordem degrandeza que o albedo médio estimado paraáreas não urbanizadas. Porém, como se ex-plica mais adiante, em ambos os casos aenergia solar liberada no ambiente, na for-ma de calor, é menor do que a oriunda daincidência da radiação solar no meio rural.

A análise do balanço de energia nos res-pectivos ciclos de refrigeração (sorção ecompressão) revela que a quantidade decalor liberado no subsolo é praticamente amesma nos dois casos.

Para o sistema PV/compressão, a carga deresfriamento (energia retirada do recinto) équase duas vezes maior do que no sistemaCS/sorção, o que significa um melhor desem-penho global da primeira opção tecnológica.

Entretanto, para o sistema CS/sorção, a ra-zão entre o calor liberado para o subsolo e ocalor retirado do recinto é duas vezes maior,o que torna este sistema uma opção mais efi-ciente para mitigar o efeito “ilha de calor”.

Essa vantagem do sistema CS/sorção emrelação ao sistema PV/compressão resultados respectivos valores de “albedo aparen-te”: 0,7 no primeiro caso, contra 0,4 no se-gundo. Isto equivale a dizer que o sistematermossolar transfere ao ar ambiente 30%

da radiação incidente, enquanto que o foto-voltaico, 60%. O albedo aparente é a somada fração da radiação solar incidente que éperdida – por reflexão e trocas radioativas –com a eficiência de conversão energética.

Ambas as tecnologias consideradas na aná-lise – CS/sorção e PV/compressão – contri-buem para o “efeito oásis” preconizado peloautor, uma vez que atenuam o efeito da radi-ação solar sobre a temperatura do ar ambi-ente, isto é, propiciam albedos maiores queo global médio e muito superiores ao albedolocal (de aglomerações urbanas).

NOVA LEGISLAÇÃO FACILITA

As proposições do professor Meunier es-tão em absoluta consonância com as medi-das aprovadas pelo parlamento francês emoutubro de 2008 e baseadas nos estudosdo grupo de trabalho Grenelle Ambiental.

O projeto de lei aprovado reafirma o chamado“Fator 4” (redução em 75% das emissões degases de efeito estufa na França até 2050) econtempla, entre outros, os seguintes pontos:■ Reforço às energias renováveis (geraçãoeólica, principalmente), passando de 20 a23% a proporção dessas fontes em relaçãoao consumo de energia primária, até 2020;■ Generalização de edificações de baixo con-sumo em 2012, com a renovação (implemen-tação de novos materiais isolantes) de 400mil unidades por ano, a partir de 2013;■ Proibição da venda de lâmpadas incan-descentes, a partir de 2010;■ Prioridade ao uso de transporte alternativo(em relação às estradas de rodagem) e aotransporte coletivo (modernização dainfraestrutura ferroviária e criação de 2000 km

de novas linhas até 2020; veículos adquiri-dos pelo Estado, com emissões de CO

2 infe-

riores a 130 g/km).

REALIDADE BRASILEIRA

As propostas do professor Meunier nãopodem ser aplicadas irrestritamente ao Bra-sil por diversas razões, embora as alterna-tivas tecnológicas para A/C descritas aci-ma sejam pertinentes à nossa realidade.

A energia consumida por equipamentos dear-condicionado é relevante na matriz ener-gética nacional, conforme indicam os se-guintes dados:■ Na indústria têxtil e em prédios comerci-ais, os sistemas de A/C respondem por 40%do total de energia elétrica consumida;■ Nos aeroportos esse número chega a 50%;■ Em supermercados, centros comerciais(shoppings) e bancos o consumo de ener-gia na climatização supera os 70% do total.

O faturamento do setor de A/C em 2007 foi dequase R$ 4 bilhões. Assim, além de contribuirpara mitigar as “ilhas de calor” nos grandescentros urbanos de nosso país, o uso de su-midouros naturais (subsolo ou água) propiciamelhor desempenho dos sistemas de A/C e,portanto, menor consumo de eletricidade.

Por outro lado, o uso de energia solar paraacionar A/C pode ser uma alternativa inte-ressante, especialmente em regiõesensolaradas (Norte e Nordeste), onde ademanda de climatização é alta. A escolhada tecnologia solar, no entanto, deve levarem conta outros fatores além da eficiênciade conversão energética; por exemplo, ocusto por metro quadrado, bem como suadisponibilidade no mercado brasileiro.

Obviamente, em termos de legislação, ain-da temos muito chão pela frente, até que aenergia solar receba os devidos incentivospara uso em larga escala. Enquanto isso,que prossigam as pesquisas aplicadas emar-condicionado solar! ■

Com o efeito oásisé possível criar áreasurbanas mais frias

do que áreasperiféricas rurais.”

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para quê e para quem?Entrevista com Heitor Costa

Não haverá soberania e segurançaalimentar se os agricultores familiares

não tiverem terra para trabalhare produzir alimentos em qualidadee quantidade suficientes para toda

a sociedade, afirma Heitor Costa, daUniversidade Federal de Pernambuco.

Defensor da agroecologia, revelao pesquisador que a monocultura

da cana-de-açúcar avançasobre áreas onde se cultivavam

gêneros alimentícios e que a obsessãopela produção de biocombustíveis

coloca em risco a integridadede importantes biomas, como a

Amazônia, o Pantanal e a Caatinga.

IHU – O SENHOR AFIRMA QUE UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO SUS-TENTÁVEL SÓ SERÁ POSSÍVEL A PARTIR DE TRANSFORMAÇÕES NOS MODELOS

DE PRODUÇÃO E DE CONSUMO DA SOCIEDADE. QUE MUDANÇAS SÃO

CABÍVEIS E NECESSÁRIAS PARA RESOLVER OS PROBLEMAS DE ABASTECIMENTO

DE ALIMENTOS NO MUNDO, UMA VEZ QUE A PRODUÇÃO AUMENTA E O

CONSUMO TAMBÉM? COMO EXPLICAR ESSE FENÔMENO?

Heitor Costa – Muitos acreditam e manifestam a crença de queo mercado pode ser o responsável pela implantação da filosofiado desenvolvimento sustentável. Acreditam que, com o decorrerdo tempo e com o surgimento de novas tecnologias, os problemasambientais possam ser sanados e superados, resultando numamelhoria do bem-estar social ou mesmo na diminuição das desi-gualdades sociais. O fato é que o desenvolvimento sustentávelnão pode ser tratado apenas como uma questão restrita a políticasambientais e tecnológicas. Os problemas da desigualdade social edo modo de produção atual são os obstáculos para se alcançaruma forma de desenvolvimento capaz de preservar o meio ambien-te e, ainda assim, proporcionar melhores condições de vida àspessoas excluídas do sistema de trabalho.

Segundo indicação da FAO (Organização das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação), o mundo produz 30% mais alimentosdo que necessita. Esse alimento, porém, não é acessível para os quetêm fome. Não adianta, portanto, produzir mais alimentos para su-prir aos famintos, pois estes não têm meios para adquiri-los devidoa um modelo social e econômico opressor, excludente e desigual.

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Creio que exista um debate equivocado sobre a questão dos impac-tos da ampliação da plantação de energia versus a produção de ali-mentos, como se a fome e a miséria fossem decorrentes da falta dealimentos e ocupação das áreas de produção de alimentos pelas ener-gias vegetais. A resposta à crise de segurança alimentar é mais agri-cultura familiar, mais política pública, mais reforma agrária, mais de-senvolvimento rural. É necessário afirmar um novo modelo de produ-ção para o século XXI, um modelo agroecológico e socialmente inclu-dente. Nesse modelo, não há espaço para a monocultura, o latifúndio,o livre mercado e os modelos insustentáveis de produção. Não have-rá soberania e segurança alimentar se os agricultores familiares nãotiverem terra para trabalhar e produzir alimentos em qualidade e quan-tidade suficientes para toda a nossa sociedade.

IHU – PARA HAVER MUDANÇA NO ATUAL PADRÃO DE PRODUÇÃO/CON-SUMO TORNA-SE NECESSÁRIA A TRANSFORMAÇÃO DO MODELO DE DESEN-VOLVIMENTO. O QUE O SENHOR DIRIA DA PRODUÇÃO BRASILEIRA DE BIO-COMBUSTÍVEIS E DA PREOCUPAÇÃO DO GOVERNO EM INVESTIR NESSA ÁREA?ESSE DESENVOLVIMENTO NOS LEVARÁ AONDE?

H. C. – Com base no modelo do agro-negócio, que destina grandes exten-sões de terra para a monocultura, pro-cura-se transformar o Brasil em umgrande exportador de combustíveislíquidos, com o apoio e ganância degrandes grupos econômicos e fun-dos de investimentos. O que se veri-fica, hoje, é a compra de terras porestrangeiros (japoneses, chineses,americanos, franceses, holandeses eingleses) que estão aportando nopaís, adquirindo usinas e formandoum estoque de terras que rende umavalorização acelerada, na linha da es-peculação típica das zonas urbanas.

Em particular, a expansão da cana-de-açúcar no país para produ-ção de etanol também está avançando sobre áreas onde se culti-vavam gêneros alimentícios, além de colocar em risco a integrida-de de importantes biomas, como a Amazônia, o Pantanal e a Caa-tinga. Até agora, não foi feito nenhum estudo aprofundado sobreas consequências e impactos da expansão das lavouras de cana ede plantas oleaginosas. Este modelo de expansão da produção deagrocombustíveis coloca em risco a soberania alimentar e podeagravar profundamente o problema da fome no Brasil e no mundo,com efeitos perversos para a população mais pobre.

Sem abandonar estas fontes de riqueza para o país, afirmamos queo modelo agrícola deveria estar baseado na agroecologia, no zo-neamento agrícola e na diversificação da produção. Ele deve serorientado por um sentido de desenvolvimento que fortalecesse aagricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógi-ca de querer, acima de tudo, transformar o Brasil em um grandeexportador de combustíveis. Assim, a questão crucial não deveser plantar isto ou aquilo, mas sim “plantar para quê e para quem?”Essas questões, por sua vez, devem estar subordinadas a umapergunta mais geral: que padrão de desenvolvimento e de consu-mo a sociedade brasileira deseja? A produção de agrocombustí-

veis, como etanol e biodiesel, só faz sentido se melhorar a qualida-de de vida do povo. Não é difícil imaginar os motivos do apetiteinternacional pelo etanol e biodiesel brasileiros. Resta saber senos âmbitos público e privado saberemos usar esse potencial deforma criativa e estratégica. Caso contrário, uma vez mais, irá pre-valecer a lógica do imediatismo, que gera lucros exorbitantes parapoucos no início, para depois deixar a conta para a sociedade.

IHU – QUAL O PROPÓSITO DO BRASIL EM INVESTIR EM BIOCOMBUSTÍ-VEIS? O QUE O PAÍS GANHA AO SE TRANSFORMAR NUM GRANDE EXPORTA-DOR DE COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS?

H. C. – Na lógica atual de produção dos agrocombustíveis, o queestá em curso é uma grande aliança entre três tipos de capitais trans-nacionais: as empresas petrolíferas, que desejam diminuir a depen-dência do petróleo, as automobilísticas, que desejam seguir com essepadrão de transporte individual para obter lucro, e as empresas doagronegócio, como Bunge, Cargill e Monsanto, que desejam conti-nuar monopolizando o mercado mundial de produtos agrícolas.

Nessa tríplice coroa, não há espaçopara o interesse e a defesa da vida noplaneta; muito menos para se projetaruma distribuição igualitária de recur-sos que venha a ter impactos positi-vos sobre a desconcentração de ri-quezas; nem para a afirmação de umanova ordem mundial, onde a produ-ção de alimentos seja simetricamentecompatível com o propósito de extin-guir da face da Terra a grande chagasocial da fome.

IHU – ALGUNS AMBIENTALISTAS ALEGAM

QUE A ÁREA OCUPADA PARA A PRODU-ÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS É MUITO PE-

QUENA. OUTROS ARGUMENTAM QUE A SOJA UTILIZADA PARA PRODUZIR

ETANOL É PLANTADA EM ÁREAS DEGRADADAS. COMO O SENHOR PERCEBE

ESSAS PLANTAÇÕES? REALMENTE É ISSO QUE ACONTECE? E COMO FICAM AS

POPULAÇÕES RIBEIRINHAS, INDÍGENAS E CAMPONESAS NESSE PROCESSO?

H. C. – Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)mostram que o país tem hoje 276 milhões de hectares de terras cultivá-veis. Desses, 72% estão ocupados por pastagens, 16,9% por grãos e2,8% por cana-de-açúcar, o que demonstra o potencial de crescimen-to da atividade sobre áreas de pastagem, que, por sua vez, abremnovas frentes de desmatamento em outras áreas do país. A propostado governo é, até 2015, duplicar a produção de álcool (hoje de 17,5bilhões de litros/ano, devendo chegar a 34 bilhões/ano).

O que se percebe é que vivemos um estágio de certa forma experi-mental e transitório em termos de aplicação de políticas para aprodução de agrocombustíveis, que nem de longe pensa em mexerna estrutura fundiária predominante. Na mídia, vende-se a ideia deque o Brasil representa a enorme potência do agrocombustível eque o futuro se apresenta o mais exitoso possível para o país.

Mas, de fato, o governo trata com diferentes propostas o grandeagronegócio e o pequeno agronegócio: ao primeiro, oferece mi-

A resposta à crise de segurançaalimentar é mais agricultura familiar,mais política pública, mais reformaagrária, mais desenvolvimento rural.”

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Plantação familiar - Foto: São José do Vale do Rio Preto/RJ

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lhões e todos os incentivos; e aosegundo, pequenos projetos, in-comparavelmente inferiores em ter-mos de investimentos financeirose díspares em termos de impactossobre o meio ambiente. Ou seja, ébenevolente com alguns e dá mi-galhas para outros, os agricultoresfamiliares. O modelo da agriculturaintensiva causa impactos negati-vos em comunidades camponesas,ribeirinhas, indígenas e quilombo-las, que têm seus territórios amea-çados pela expansão do capital.

IHU – PRODUTORES, COMERCIAN-TES E GOVERNO MOSTRAM-SE POSI-TIVOS FRENTE À POLÍTICA DE PRODU-ÇÃO DO ETANOL. COMO O PAÍS PODE

FAZER USO CRIATIVO E ESTRATÉGICO

DESSE POTENCIAL ENERGÉTICO?

H. C. – Sem nenhum preconceito contra os plantadores de cana,não podemos esquecer que a atividade sucroalcooleira no Brasil éresponsável, historicamente, pela concentração de terras, pelo des-respeito às leis trabalhistas e pela perpetuação da pobreza (os poloscanavieiros no Nordeste apresentam um dos mais baixos Índices deDesenvolvimento Humano do país). Todavia, não podemos aban-donar esta fonte de riqueza. Embora a biomassa represente umaalternativa com fonte de energia inesgotável (a luz do Sol), que éconvertida em combustível (álcool), e que seu processo de utiliza-ção seja cíclico (ciclo do carbono), outros fatores precisam ser ana-lisados quando se avalia a sustentabilidade dessa alternativa comofonte energética.

Quando esses aproveitamentos são feitos de maneira incorreta,podem também se tornar insustentáveis frente a outros critérios,como a manutenção da biodiversidade. Todavia, é possível plan-tar cana-de-açúcar ou outras espécies vegetais respeitando o meioambiente, isto é, ocupando racionalmente a terra de maneira apermitir a sobrevivência das espécies que habitam a região e pre-servar os cursos de água.

Precisamos ousar imaginar uma transição agrária diferente, cons-truída com base na reforma agrária redistributiva que repovoa eestabiliza as comunidades rurais. É preciso reconstruir e fortalecernossos sistemas locais e garantir o reinvestimento da riqueza ru-ral local. Colocar o ser humano e o meio ambiente no centro dodesenvolvimento rural requer soberania alimentar: o direito de ospovos determinarem os seus próprios sistemas alimentares. Semabandonar esta fonte de riqueza para o país, o modelo agrícola aser adotado deve estar baseado na agroecologia, no zoneamentoagrícola e na diversificação da produção.

IHU – O SENHOR DIZ QUE A EXPANSÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR PODE-RÁ PÔR EM RISCO BIOMAS COM A AMAZÔNIA, O PANTANAL E A CAA-TINGA. QUE PERIGOS DESTACARIA? COMO ESSE TIPO DE PRODUÇÃO

COLOCA EM RISCO A SOBERANIA ALIMENTAR?H. C. – A monocultura de cana ameaça mais o Cerrado que a Ama-

zônia. Avançou nos últimos anosem áreas que hoje o MMA (Mi-nistério do Meio Ambiente) con-sidera prioritárias para a recupera-ção da biodiversidade. O biomamais ameaçado do país, depois daMata Atlântica (resta de 7% a 24%– dependendo da conta que sefaça), é o Cerrado (com 39% de suaárea desmatada). Ele é mais convi-dativo para o plantio de cana quea Amazônia. Este bioma apresentamelhores condições climáticas, ir-rigação e topografia.

Na safra de 2007, as lavouras decana-de-açúcar ocupavam 5,8 mi-lhões de hectares do Cerrado,contra 16.033 hectares da Ama-zônia, segundo levantamento doIBGE. Já é notória a expansão dacultura da cana-de-açúcar em vá-

rios estados brasileiros:■ Em Mato Grosso, a expansão da área plantada foi de 10% emrelação a 2006.■ No Tocantins, esse aumento foi de 13%.■ No Amazonas, de 8%.■ No Acre, a agroindústria Álcool Verde possui mais de 2 milhectares ao longo da BR-317.■ No Pará, a Pagrisa produziu 720 mil toneladas de cana, querenderam 52 milhões de litros de álcool e 106 mil sacos de açúcar(estudo da ESALQ-SP estima em 9 milhões de hectares o poten-cial para o plantio de cana neste estado).

Portanto, é um meia-verdade que a cana-de-açúcar não se adaptaao ambiente amazônico.

Não podemos nos esquecer que no modelo capitalista de agricul-tura as regras funcionam para toda a produção, baseadas nastaxas de lucro. Portanto, se o etanol ou outro agrocombustível écapaz de gerar um lucro maior ao produtor – do que o milho, oalgodão, o trigo, o feijão –, resulta evidente que haverá uma migra-ção de cultivos alimentícios, que em geral possuem uma taxa delucro mais baixa, rumo aos agrocombustíveis. E isto já está ocor-rendo. A cana-de-açúcar avança sobre as áreas cultivadas de fei-jão, milho e gado leiteiro.

A produção agrícola na forma de monocultivo é, por si só, prejudi-cial para a natureza, para o meio ambiente, porque destrói outrasformas de vegetais e a biodiversidade. Estudos comprovam que omonocultivo altera o equilíbrio das chuvas, que se concentram maisnum determinado período do ano e tornam-se mais intensas e tor-renciais. Há, também, estudos que mostram o aumento das tempera-turas médias e o aumento da incidência das secas. No caso da cana,temos o agravante das queimadas, que lançam gás carbônico naatmosfera, além das péssimas condições de trabalho dos assalaria-dos rurais, em geral migrantes trazidos de regiões distantes. Portan-to, acredito que somente haverá soberania e segurança alimentar seo Estado tiver um claro compromisso em promover uma política defortalecimento da produção da agricultura familiar.

Colocar o ser humano eo meio ambiente no centro

do desenvolvimento rural requersoberania alimentar: o direito deos povos determinarem os seuspróprios sistemas alimentares.

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IHU – ALÉM DA POSSÍVEL EXPANSÃO

DAS MONOCULTURAS, QUE OUTRAS

RESSALVAS O SENHOR TEM À PRODU-ÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS? AFIRMA-SE QUE PARA CADA LITRO DE BIOETA-NOL PRODUZIDO SÃO CONSUMIDOS

MAIS DE 40 LITROS DE ÁGUA. COR-RE-SE O RISCO DE DIMINUIR AINDA

MAIS AS RESERVAS DE ÁGUA POTÁVEL

NO MUNDO?H. C. – Não é só o consumo deágua que é enorme e muito mal uti-lizado no modo de produção mo-nocultural, intensivo, industrial.Neste caso, ocorre um grande con-sumo de energia fóssil nas dife-rentes etapas da produção (desdea preparação da terra, aplicação deherbicidas, fertilizantes, colheita,transporte da safra e do produtofinal), que contribuem para a emis-são de gases de efeito estufa, prin-cipalmente o CO

2.

Não podemos esquecer que um dos maiores problemas da agri-cultura industrializada é o uso de fertilizantes em massa. Mais de50% de todos os fertilizantes aplicados no solo são perdidos paraa atmosfera e acabam nos lençóis freáticos. É bom ressaltar que acontribuição total da agricultura mundial para as mudanças climá-ticas, incluindo desmatamento para plantações e outros usos, estáestimada em algo entre 8,5 bilhões e 16,5 bilhões de toneladas dedióxido de carbono, ou entre 17% e 32% de todas as emissões degases do efeito estufa provocadas pelo ser humano.

No caso dos agrocombustíveis, as emissões de CO2 dependerão da

matéria-prima. A combustão de etanol da cana-de-açúcar emite me-nos dióxido de carbono que a obtida a partir de outras culturas,como o milho, nos Estados Unidos; o trigo e a beterraba, na Europa.As emissões do etanol da cana são 90% inferiores às da queima decombustíveis fósseis. Para cada uma parte de CO

2 que o etanol de

cana emite, o etanol de milho emite uma parte de meia.

IHU – POR QUE A SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS URBANOS BRASILEIROS

ESTÁ DIRETAMENTE LIGADA ÀS MELHORIAS NO CAMPO?H. C. – A melhoria das condições de vida dos moradores das áreasrurais favoreceria e está diretamente ligada à diminuição do “incha-ço” das grandes metrópoles. Apoiar, estimular, financiar a agricultu-ra familiar é melhorar a vida nas áreas rurais. No campo, a agriculturafamiliar emprega 80% da mão-de-obra. Porém, como transformartoda essa representatividade em melhoria da qualidade de vida e empolíticas públicas que fixem as famílias agricultoras à terra? Eis aquestão. A produção de alimentos pela agricultura familiar repre-senta 4,2 milhões de famílias. Elas produzem mais de 70% do queconsumimos. Este segmento produtivo é responsável por 25% docafé, 31% do arroz, 67% do feijão, 84% da mandioca, 49% do milho,58% dos suínos e 52% do leite produzidos no Brasil.

IHU – COMO GARANTIR A PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS,ENERGIA LIMPA E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE? O SENHOR TEM

OUTRAS PROPOSTAS?H. C. – Sem dúvida, estes são osgrandes desafios para a socieda-de mundial. A expansão da agri-cultura intensiva tem gerado níveiscada vez maiores de emissões degases de efeito estufa, graças aouso excessivo de fertilizantes, aodesmatamento e à degradação dosolo. É preciso mudar as regras epráticas agrícolas atuais. O pro-gresso da agricultura industrialtrouxe benefícios muito desiguais,com altos custos sociais e ambi-entais. Não é este modelo que in-teressa a maioria da população.

No Brasil e no exterior existe emboa parte da esquerda, seja nosgovernos, nos partidos ou na so-ciedade, muita dificuldade em acei-tar o fato de que o paradigma do

crescimento econômico deve e precisa ser profundamente alterado.A esquerda precisa se adequar à velocidade dos acontecimentos,pois o caos climático e suas consequências se transformarão empoucos anos num fator de contestação global do capitalismo, comojamais houve na história.

Para estar à altura dos acontecimentos, uma boa ideia é começar adeixar de lado o conceito de crescimento econômico que nos foiimposto pelo próprio capitalismo. O fato é que jamais haverá, sobo signo do capitalismo, a “salvação ambiental”, a distribuição igua-litária de alimentos e uma matriz energética baseada em combustí-veis renováveis e equitativamente distribuída. Por isso, a luta so-cioambiental é, hoje, o instrumento mais importante para a supera-ção do capitalismo.

Acredito que o governo brasileiro, antes de transformar o país numimenso canavial e sonhar com a energia atômica, deveria priorizarfontes de energia alternativa abundantes no Brasil, como hidráuli-ca, solar, eólica, biomassa e PCHs. E cuidar de alimentar os sofridosfamintos, antes de enriquecer os “heroicos” usineiros. A produçãode fontes energéticas renováveis como biodiesel e etanol deve es-tar subordinada a um projeto de desenvolvimento nacional, geradorde trabalho e renda, e ambientalmente sustentável. ■

A produção de fontes energéticasrenováveis como biodiesel

e etanol deve estar subordinadaa um projeto de desenvolvimento

nacional, gerador de trabalhoe ambientalmente sustentável.

Heitor Costa é graduado em Física, pelo Instituto de Física Gleb Wat-taghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre emEnergia Solar, pelo Instituto de Energia Nuclear da Universidade Federalde Pernambuco (UFPE), e doutor em Energia, pelo Commissariat àl’Énergie Atomique (CEA), Centre d’Études de Cadarache et Laboratoriede Photoelectricité , Faculté des Sciences et Techniques de Saint-Jérome,Université d’Aix-Marseille III, França. Atualmente, coordena os projetosda ONG Centro de Estudos e Projetos Naper Solar e o Núcleo de Apoioa Projetos de Energias Renováveis (NAPER ), da Universidade Federalde Pernambuco (UFPE).Entrevista publicada pela Revista IHU On-line [IHU On-line é editadapelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) da Universidade do Vale doRio dos Sinos (Unisinos) em São Leopoldo, RS] e pelo portalwww.ecodebate.com.br (24/05/2008)

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por Hélio Carneiro

tratados, acordos e convençõesA linha do tempo dos acordos, convenções e tratados internacio-

nais de proteção ao meio ambiente revela como as naçõespassaram a trabalhar em conjunto – política e cientificamente –para salvaguardar nosso planeta e oferecer uma solução às ame-aças globais.

Somente agindo em conjunto, via ratificação e implementação deações para identificar e mitigar os graves perigos ao meio ambiente, éque se chegará à conscientização planetária capaz de frear e mudar oatual modelo de desenvolvimento predatório e insustentável.

E a despeito das políticas nacionais e dos interesses individuaisquem teimam em negar a sistemática escalada de aniquilação dabiosfera, as linhas de defesa do planeta ganham legiões de adeptostodos os dias. Por isso, conhecer acordos, convenções e tratados,ser corresponsável nas decisões assumidas pelas nações e exigir arigorosa aplicação das políticas de preservação ambiental é dever

No último meio século, descobrimos umfato inegável: vivemos numa frágil

biosfera. Nossa visão da vida naTerra – através do microscópio

ou de uma plataforma espacial– ganhou uma certeza: as

atividades humanas cotidianasameaçam e podem destruir

nosso futuro. Conheça aquios acordos, convenções e tratados

internacionais que objetivam salvara Terra de sua maior ameaça: nós, a humanidade!

Em nome da Terra:de cada cidadão. O cumprimento dos acordos, convenções e trata-dos é a única garantia de sobrevivência da Terra.

1962 – CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO DA POLUIÇÃO

DO MAR POR PETRÓLEO

O b j e t i v a n d oprevenir a polui-ção dos ocea-nos pelo óleodespejado pornavios, a con-venção limitouo despejo de re-

jeitos contaminados por óleo. Permite despejos com baixo nível decontaminantes. Navios-tanque e petroleiros só podem despejar umpequeno porcentual da capacidade máxima de sua carga total ou balas-tro contaminado por óleo a mais de 80 km da costa mais próxima.

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Embora acordos posteriores tenham restringido ainda mais o teore o volume dos despejos contaminados por óleo, no contexto desua época este acordo representou um compromisso internacio-nal de enorme importância na redução da poluição marítima pelasembarcações transoceânicas.

1971– RAMSAR

Esta convenção, assinada emRamsar, Irã, proveu normasde ação nacional e de coope-ração internacional para aConservação e o Uso Racio-nal das Zonas Úmidas.158 partes contratantes as-sinaram o protocolo e 1.743áreas de zonas úmidas –

num total de 161 milhões de hectares – foram indicadas para inclu-são na Lista Ramsar de Zonas úmidas de Importância Internacional.

1973 – MARPOLA Convenção MARPOL éum pacto internacional vitalpara prevenir a poluição doambiente marinho de causasoperacionais ou acidentaisprovocadas por navios. As-sinada na Organização Ma-rítima Internacional, trata da

poluição por óleo, agentes químicos, substâncias tóxicas envaza-das, esgoto e lixo. O pacto foi substancialmente atualizado porum protocolo, em 1978. O MARPOL continua sendo uma conven-ção dinâmica, regularmente atualizada via anexos.

1973 – CITESA Convenção sobre o Co-mércio Internacional de Es-pécies da Flora e Fauna Sel-vagens em Perigo de Extin-ção (CITES) é um dos acor-dos ambientais mais impor-tantes para a conservaçãoda biodiversidade. Inicial-mente assinado por 21 paí-

ses, hoje ele é adotado por 170 nações. O Brasil aderiu à convençãoem 1975. O decreto nº 76.623/75, que promulga seu texto, foi aprova-do pelo decreto legislativo nº 54 do mesmo ano (www.ibama.gov.br/flora/convecao.htm). A convenção protege espécies em risco pormeio de restrições ao seu comércio (importação e exportação).

1979 – CONVENÇÃO SOBRE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA

TRANSFRONTEIRIÇA DE LONGO ALCANCE

Este acordo encoraja a cola-boração científica e a nego-ciação política em relação àpoluição da atmosfera porfontes terrestres. O acordofoi ampliado por oito proto-colos que identificam medi-

das específicas para cortar emissões de poluentes atmosféricos. O

objetivo da convenção, que em 2008 contou com 51 aderentes, élimitar e gradualmente reduzir e prevenir a poluição do ar, especial-mente a de longo alcance, que cruza as fronteiras nacionais. Os parti-cipantes da convenção comprometem-se a desenvolver políticas deintercâmbio estratégico de informação, consulta, pesquisa e monito-ramento para proteger o ambiente contra os efeitos negativos dapoluição do ar, prevenir e reduzir a degradação da qualidade do ar e osseus efeitos, incluindo a chuva ácida, a acidificação das massas deágua e dos solos e a eutrofização. A convenção está em vigor, nonível internacional, desde 16 de março de 1983.

1987 – MONTREAL

O Protocolo de Montre-al sobre Substâncias queDestroem a Camada de Ozô-nio estabeleceu um crono-grama para a eliminação dosgases PFCs (perfluorocarbo-nos), CFCs (clorofluor-carbonetos) e HFCs (hidro-

fluorcarbonos) nos países industrializados. O acordo, ratificado por191 países, ajudou a reduzir a produção de substâncias químicasprejudiciais à camada de ozônio em mais de 1,8 milhão de toneladasmétricas em 1987 e 83 mil toneladas métricas no final de 2005.

1989 – CONVENÇÃO DE BASEL

AConvenção de Basel sobre oControle dos MovimentosTransfronteiriços de ResíduosPerigosos e seu Descarte é opacto com maior amplitude deação para resíduos perigosos.Seus 170 signatários objetivamproteger a saúde humana e o

meio ambiente dos efeitos adversos de geração, administração, trans-porte e descarte de rejeitos perigosos. No final dos anos 80, quandoregulamentações adotadas por países industrializados aumentaram ocusto do descarte de lixo perigoso, os denominados “comerciantes detóxicos” passaram a enviar os rejeitos perigosos para países em desen-volvimento e para a Europa Oriental. A reação internacional contra esseabuso levou ao esboço e adoção desta convenção. Mesmo assim, talinsulto e agressão ao ser humano e ao meio ambiente se intensifica viaálibis como “reciclagem” e “ajuda social”.

1992 – CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA

A Convenção Sobre Diversi-dade Biológica (CBD) foi es-tabelecida no âmbito da Con-ferência das Nações Unidassobre Meio Ambiente e De-senvolvimento (a Eco-92),realizada no Rio de Janeiro (5a 14 de junho). Propõe regraspara assegurar a conservação

da biodiversidade, o seu uso sustentável e a justa repartição dosbenefícios provenientes do uso econômico dos recursos genéticos,respeitada a soberania de cada nação sobre o patrimônio existente emseu território. Foi assinada por 175 países, dos quais 168 a ratificaram,inclusive o Brasil (decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998).

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Ana Cotta

Ninahale

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Capitan Giona - Greenpeace

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As propostas para a implementação dos princípios da CDB entreos países megabiodiversos e aqueles detentores de tecnologianão avançam porque alguns países não ratificaram esse tratadomultilateral, não sendo obrigados, portanto, a respeitar (e não res-peitam) os princípios da convenção.

1992 – QUADRO DA ONU SOBRE MUDANÇA DO CLIMA

Esta convenção, outra inici-ativa da Eco-92, estabeleceuum conjunto de diretrizesglobais intergovernamentaispara enfrentar o desafio dasmudanças climáticas. Foi re-conhecido que o sistema cli-mático é um recurso global-

mente compartilhado, cuja estabilidade pode ser afetada por emis-sões de gás carbônico e de outros gases de efeito estufa. A con-venção recebeu adesão quase total: 192 signatários.

A convenção estabelece como princípio fundamental a responsabili-dade comum dos países signatários, mas confere obrigações diferen-ciadas para os países desenvolvidos (considerados os maiores po-luidores) e em desenvolvimento, mais vulneráveis aos efeitos dasmudanças climáticas. Tem por objetivo a estabilização da concentra-ção de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera em níveis que evitema interferência perigosa com no sistema climático.

Os países signatários concordam em coletar e compartilhar dadossobre as emissões de gases de efeito estufa, políticas nacionais emelhores práticas; criar estratégias nacionais para controlar asemissões; e cooperar em ações preparatórias para a adaptaçãoaos efeitos das mudanças climáticas.

1992 – EFEITOS TRANSFRONTEIRIÇOS

DE ACIDENTES INDUSTRIAIS

Essa convenção objetivaproteger a saúde humana eo meio ambiente de aciden-tes industriais através deações preventivas, na medi-da do possível, para reduzirsua freqüência e minimizarseus efeitos. Os signatários

empenham-se em cooperar para prevenir, preparando-se para agirem caso de acidentes industriais que possam ter efeitos internacio-nais. O pacto também encoraja a cooperação internacional para so-luções de emergência, pesquisa e desenvolvimento, e o comparti-lhamento de informação e tecnologia.

1994 – CONVENÇÃO DA ONU PARA O COMBATE À

DESERTIFICAÇÃO

Um dos temas de mais relevoda ECO-92 foi o processo dedesertificação da Terra. O Pro-grama de Meio Ambiente dasNações Unidas identificouem 1991 a intensificação da

degradação do solo em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas,embora houvesse “exemplos de manejo adequado desses solos”.

A conferência recomendou a abordagem integrada para promovero desenvolvimento sustentável em nível comunitário, e estabele-ceu um comitê na ONU para alinhavar um acordo internacionalpara o avanço da meta, o que ocorreu nos países que experimen-tam secas e processos de desertificação, especialmente na África.

1997 – O PROTOCOLO DE QUIOTO

Constitui-se no protocolo deum tratado internacional comcompromissos mais rígidospara a redução da emissão dosgases de efeito estufa, causaantropogênica do aquecimen-to global. Discutido e negoci-ado em Quioto, Japão, foi aber-to para assinaturas em 11 de

dezembro de 1997 e ratificado em 15 de março de 1999. Para entrar emvigor, o protocolo precisava que 55% dos países que, em conjunto,geram 55% das emissões o ratificassem. Por isso, só entrou em vigor a16 de fevereiro de 2005, depois que a Rússia o assinou em novembro de2004. Os Estados Unidos se negaram a ratificar o protocolo.

O Protocolo de Quioto propõe um calendário pelo qual os países-membros (sobretudo os desenvolvidos) têm a obrigação de redu-zir a emissão de gases de efeito estufa em pelo menos 5,2% emrelação aos níveis de 1990, no período de 2008 a 2012.

As metas de redução não são homogêneas, propondo níveis dife-renciados para os 38 países que mais emitem gases. Países emfranco desenvolvimento (como Brasil, México, Argentina e Índia)não receberam metas de redução, pelo menos momentaneamente.

A redução dessas emissões deverá acontecer em várias ativida-des econômicas. O protocolo estimula os países signatários a co-operarem entre si, através de ações básicas como:■ Reforma dos setores de energia e de transportes;■ Promoção do uso de fontes energéticas renováveis;■ Eliminação dos mecanismos financeiros e de mercado inapropri-ados aos fins da convenção;■ Limitação das emissões de metano no gerenciamento de resídu-os e nos sistemas energéticos; e■ Proteção das florestas e de outros sequestradores de carbono.

Caso o Protocolo de Quioto tivesse sido implementadotima-seque a temperatura global reduza-se entre 1,4°C e 5,8°C até 2100,embora alguns consensos científicos afirmarem que a meta deredução de 5% é insuficiente para mitigar o aquecimento global.

Infelizmente, o protocolo foi mais um sucesso diplomático do queambiental. De 7 a18 de dezembro deste ano, nova reunião da Con-venção-Quadro sobre Mudança do Clima das Nações Unidas ten-tará, em Copenhagen, estabelecer novas metas, já que Quioto dei-xa de vigorar em 2013. ■

Aumento da temperatura oC

Hélio Carneiro – Editor da Revista Cidadania & Meio Ambiente. Fon-tes consultadas: www.un.org; www.mma.gov.br; www.ibama.gov.br;www.america.gov. Para consulta extensiva dos tratados, conferências econvenções internacionais ver Direito Ambiental Internacional emwww.aultimaarcadenoe.com

Philippe Leroyer

Silus Grok

Ursos polares / Greenpeace

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O crescente aumento demográfico,em particular nas áreas urbanas, éatualmente a maior pressão exer-

cida sobre os recursos de água doce. Odiagrama apresenta o impacto esperado docrescimento populacional sobre o uso deágua antes de 2025, segundo dados proje-tados pela ONU. O gráfico se baseia nataxa atual de uso de água por pessoa, semlevar em conta os possíveis aumentos desteuso devido ao crescimento econômico oua melhorias de eficiência no uso de água.

As regiões mais vulneráveis à escassez deágua doméstica incluem aquelas em que oacesso ao líquido já é limitado, em que apopulação cresce rapidamente, onde oscentros urbanos ganham amplitude e ondea situação econômica é agravada por pro-blemas financeiros e pela carência de mão-de-obra qualificada.

Mesmo se o mundo tivesse mantido o rit-mo de desenvolvimento da infraestruturados serviços de água dos anos 1990, o in-vestimento não asseguraria o acesso irres-trito de todos os habitantes da Terra à águapotável antes de 2025.

Fonte: Global environment outlook 2000 (GEO),UNEP, Earthscan, Londres 1999. Publicado emVital Climate Graphics, 2000 – www.grida.no/publications/vg/climate/page/3091.aspx - Cartó-grafo/designer: Philippe Rekacewicz, UNEP/GRID-Arendal. LInk: http://maps.grida.no/go/graphic/freshwater-stress

Sabe-se que os impactos provocados pe-las mudanças climáticas – variações natemperatura, na precipitação pluviométri-ca e no nível do mar – terão conseqüênciasvariadas na disponibilidade de água doceao redor do mundo, a saber:■ As alterações nas atuais águas correntesafetarão a vazão de rios e reservatórios e,em consequência, o abastecimento doslençóis freáticos.■ O aumento da taxa de evaporação tam-bém afetará os estoques de água e contri-buirá para a salinização das terras agríco-las irrigadas.■ A elevação do nível dos mares resultarána contaminação dos aquíferos litorâneoscom água salgada.

Caso as mudanças climáticas ocorramcomo vaticinam os estudos atuais, porvolta de 2025 os impactos ambientais po-derão ser menores, com alguns países ex-perimentando consequências positivas,enquanto a maioria será presa das negati-vas. Mas as projeções indicam que osimpactos das mudanças climáticas serãocrescentemente impiedosos nas décadasposteriores a 2025.

estoques águados O estresse

deEsse cenário propõe inquietantes questões:Que países e regiões sofrerão mais com aescassez da água?■ Será ajuizado promover megaprojetos detransposição e apresamento de águas semo conhecimento das exatas consequênciasa médio e a longo prazo?■ Será possível frear a contaminação dosmananciais e lençóis freáticos por agentesquímicos industriais e agrícolas?

Nesse contexto de tensão, escassez e de-gradação, o desafio será encontrar modoscriativos de administrar os recursos aquí-feros sem enfatizar disputas e conflitos jáexistentes, sem desestabilizar o equilíbriosocioambiental e, principalmente, sem com-prometer a sustentabilidade e a salubrida-de dos estoques planetários. Uma tarefahercúlea, mas não impossível. ■

TTTTTotal de água utilizada do percentual disponívelotal de água utilizada do percentual disponívelotal de água utilizada do percentual disponívelotal de água utilizada do percentual disponívelotal de água utilizada do percentual disponível

mais de 40%

40% a 20%

20% a 10%

menos de 10%

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