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ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DA DESNUTRIÇÃO NO BRASIL Antonio Carlos Coelho Campino* CAMPINO, A.C.C. Aspectos sócio-econômicos da desnutrição no Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 20 :83-101, 1986. RESUMO: Objetiva-se mostrar os fatores sócio-econômicos que têm sido identi- ficados como os principais determinantes da situação nutricional de um país. Conclui- se que a renda é o fator isoladamente mais importante na determinação do estado nutricional, mas uma vez fixada esta variável, outros fatores tais como extensão do sistema de atendimento de saúde, nível educacional, programa de alimentação também desempenham um papel relevante. Procura-se avaliar, empiricamente, com base em pesquisas até agora realizadas, quais seriam os determinantes da situação nutricional para o Brasil. Evidencia-se a hipótese, esperada na literatura, de que a renda é o fator mais importante, e, dado esta, também no caso brasileiro surgem como fatores relevantes o acesso a serviços de saúde e saneamento. Em face disto, discutem-se algumas alternativas de uma política de nutrição, mostrando-se a magnitude da redistribuição de renda necessária para cobrir o hiato nutricional e debatendo-se o papel dos programas de alimentação e nutrição, na forma em que foram explici- tados no Programa de Prioridades Sociais do atual Governo. UNITERMOS: Desnutrição. Fatores sócio-econômicos. Renda. População. Criança, estado nutricional. * Da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo — Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 — Cidade Universitária 05508 — São Paulo, SP — Brasil. 1 - INTRODUÇÃO É sabido que uma parcela significativa da população brasileira padece de defi- ciência nutricional. Estimativa recente indica que 45 milhões de pessoas apre- sentariam déficit calórico superior a 20% das necessidades (Campino e Farina, 4 1985). A identificação das eventuais medidas de política, que permitiriam reduzir a in- tensidade da deficiência nutricional e a magnitude da população afetada pela mesma, depende do conhecimento dos fatores sócio-econômicos que têm sido identificados como os principais determi- nantes da situação nutricional. Este trabalho visa, portanto, identifi- car os principais determinantes da situa- ção nutricional de um país. Concluindo- se que a renda é o fator isoladamente mais importante na determinação do es- tado nutricional, e uma vez fixada esta variável, outros fatores como a extensão do sistema de saúde, nível educacional e a existência de programas de alimenta- ção também desempenham um papel im- portante. Em seguida, procurou-se avaliar empiricamente os fatores associados à si- tuação nutricional e de consumo de ali- mentos no Brasil, evidenciando-se as mes- mas hipóteses gerais esperadas na litera- tura. A parte final deste artigo destina-se a uma digressão acerca de uma política de nutrição para o Brasil. Discutem-se as limitações de uma política redistributi- va e debate-se o papel dos programas de alimentação e nutrição na forma em que foram explicitados no Programa de Prioridades Sociais do atual Governo. 2 DETERMINANTES SÓCIO-ECONÔMI- COS DO ESTADO NUTRICIONAL Um esquema de análise das inter-rela- ções entre o estado nutricional de uma população em geral e de crianças em particular é apresentado por Levinson 15 (1974) e reproduzido a seguir:

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ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DA DESNUTRIÇÃO NO BRASIL

Antonio Carlos Coelho Campino*

CAMPINO, A.C.C. Aspectos sócio-econômicos da desnutrição no Brasil. Rev. Saúde públ.,S. Paulo,20 :83-101, 1986.

RESUMO: Objetiva-se mostrar os fatores sócio-econômicos que têm sido identi-ficados como os principais determinantes da situação nutricional de um país. Conclui-se que a renda é o fator isoladamente mais importante na determinação do estadonutricional, mas uma vez fixada esta variável, outros fatores — tais como extensãodo sistema de atendimento de saúde, nível educacional, programa de alimentação —também desempenham um papel relevante. Procura-se avaliar, empiricamente, combase em pesquisas até agora realizadas, quais seriam os determinantes da situaçãonutricional para o Brasil. Evidencia-se a hipótese, esperada na literatura, de que arenda é o fator mais importante, e, dado esta, também no caso brasileiro surgemcomo fatores relevantes o acesso a serviços de saúde e saneamento. Em face disto,discutem-se algumas alternativas de uma política de nutrição, mostrando-se a magnitudeda redistribuição de renda necessária para cobrir o hiato nutricional e debatendo-seo papel dos programas de alimentação e nutrição, na forma em que foram explici-tados no Programa de Prioridades Sociais do atual Governo.

UNITERMOS: Desnutrição. Fatores sócio-econômicos. Renda. População. Criança,estado nutricional.

* Da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo — Av. Prof. LucianoGualberto, 908 — Cidade Universitária — 05508 — São Paulo, SP — Brasil.

1 - INTRODUÇÃO

É sabido que uma parcela significativada população brasileira padece de defi-ciência nutricional. Estimativa recenteindica que 45 milhões de pessoas apre-sentariam déficit calórico superior a 20%das necessidades (Campino e Farina,4

1985).A identificação das eventuais medidas

de política, que permitiriam reduzir a in-tensidade da deficiência nutricional e amagnitude da população afetada pelamesma, depende do conhecimento dosfatores sócio-econômicos que têm sidoidentificados como os principais determi-nantes da situação nutricional.

Este trabalho visa, portanto, identifi-car os principais determinantes da situa-ção nutricional de um país. Concluindo-se que a renda é o fator isoladamentemais importante na determinação do es-tado nutricional, e uma vez fixada estavariável, outros fatores como a extensãodo sistema de saúde, nível educacional

e a existência de programas de alimenta-ção também desempenham um papel im-portante. Em seguida, procurou-se avaliarempiricamente os fatores associados à si-tuação nutricional e de consumo de ali-mentos no Brasil, evidenciando-se as mes-mas hipóteses gerais esperadas na litera-tura.

A parte final deste artigo destina-sea uma digressão acerca de uma políticade nutrição para o Brasil. Discutem-seas limitações de uma política redistributi-va e debate-se o papel dos programasde alimentação e nutrição na forma emque foram explicitados no Programa dePrioridades Sociais do atual Governo.

2 — DETERMINANTES SÓCIO-ECONÔMI-COS DO ESTADO NUTRICIONAL

Um esquema de análise das inter-rela-ções entre o estado nutricional de umapopulação em geral e de crianças emparticular é apresentado por Levinson 15

(1974) e reproduzido a seguir:

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A seguir apresenta-se discussão docomportamento de variáveis relevantesna determinação do estado nutricional.

2 .1 . Poder de Compra da Família

Provavelmente é a variável isolada-mente mais importante na determinaçãodo estado nutricional. Conceitualmente,pode-se aumentar o poder de compra dealimentos de uma família através de:— aumento de sua renda— redução dos preços dos alimentos— redução do preço de outros itens do

orçamento do consumidor (que nãoalimentos), tais como habitação, es-cola, saúde, vestuário

o que leva à discussão em separado dasinter-relações entre nutrição e renda enutrição e preços.

2.2 . Renda

Conforme nota Levinson 15, a análisedas inter-relações entre renda e estadonutricional através de dados em "crosssection", a nível internacional, tem mos-trado três tendências:

a. Lei de Engel — à medida que arenda aumenta, a percentagem de rendaalocada à alimentação diminui, emborao dispendio total com alimentos aumen-

te. Ocorre exceção nos grupos de rendamuito baixa que, ao receberem incremen-to de renda, aumentam as proporções re-lativas à alimentação. Isso se verifica de-vido ao fato de que esses grupos se en-contram numa situação nutricional bas-tante precária, destinando qualquer au-mento de renda para melhor alimentação.

O aumento do dispêndio em termosabsolutos pode resultar na aquisição dealimentos mais caros, mas, em geral, re-sulta também na ingestão de mais ali-mentos.

b. Conforme aumenta a renda, a pro-porção de calorias fornecidas por cereaise tubérculos decresce e é substituída porprodutos de origem vegetal, ou animal,mais custosos. Espera-se, em geral, im-pacto positivo desta tendência em termosnutricionais, com a ingestão de dieta maisvariada.

c. Conforme aumenta a renda, existetendência de mudança em direção a ali-mentos processados, que são mais caros.Em termos gerais, esta tendência podeser um impacto negativo.

O impacto nutricional geral do aumen-to de renda é positivo pois os efeitos ne-gativos são mais do que compensadospelos positivos.

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Levinson 15 observa que, enquanto paraa população como um todo os acréscimosde renda quase automaticamente se trans-formam em maiores quantidades de ali-mento, e de melhor qualidade, essa re-lação entre nutrição e renda não é tãoclara para crianças entre 6 e 24 mesesde idade, devido a problemas como in-fecção, digestibilidade e, em alguns paí-ses e regiões, crenças relativas à alimen-tação infantil.

2.3. Preços

Obviamente, uma forma de aumentara renda real dos consumidores consisteem, dado o nível de renda, reduzir ospreços dos bens por eles utilizados, entreos quais se destacam, por sua importân-cia no orçamento familiar, os gênerosalimentícios. Reduções do preço permi-tem às famílias — especialmente as me-nos favorecidas, dado o seu nível de ren-da — adquirir maior quantidade de ali-mentos e, conseqüentemente, aumentarseu aporte calórico e de nutrientes.

Muita ênfase tem sido dada à disponi-bilidade de alimentos. Para nossos pro-pósitos ela está incorporada no conceitode preço.

2.4. Extensão do Sistema de Atendimento deSaúde

Mesmo que o indivíduo tenha ingeridoa quantidade suficiente de alimentos, oimpacto destes sobre o estado nutricio-nal pode ser reduzido por problemasde saúde. Assim, é sabido que a criançacom infecção gastrointestinal pode ter seuestado nutricional prejudicado pelas con-seqüências de tal infecção, quer sejamestas representadas por falta de apetite,perda sangüínea ou redução na absor-ção de nutrientes. Ademais, doenças in-fantis de natureza comum como é o casodo sarampo, podem, quando associadasà carência nutricional, levar até à morte.

2.5. Fatores Sociais e Ambientais

Dentre estes fatores pode-se destacaros relativos às condições sociais da famí-lia, traduzidos pelo nível de educaçãodos pais, origem destes (é de especial im-portância no caso de crianças, a origemda mãe) e os relativos às condições demoradia da família, entre as quais, avul-ta, nos meios urbanos de países em de-senvolvimento ou subdesenvolvidos, osuprimento de serviços básicos de sanea-mento, como água e esgoto. O fator sa-neamento, em vários estudos, tem-se des-tacado como importante determinante doestado nutricional, pois precárias condi-ções de saneamento levam ao desenvol-vimento de moléstias como as infecçõesintestinais, cujos efeitos nocivos sobre oestado nutricional são conhecidos.

2.6 . Crenças Maternas sobre Nutrição eSaúde

Muitas práticas adotadas pela mãe comrelação à nutrição de seus filhos são in-corretas e podem comprometer o estadonutricional dessas crianças.

Aspecto importante relativo às práti-cas maternas de alimentação refere-se àadoção de alimentos sólidos em substi-tuição ao leite materno. Em muitoscasos, o aleitamento prolonga-se alémdos seis meses, sem adequada suplemen-tação. Em outros casos, a suplementa-ção existe, mas é insuficiente em muitosnutrientes essenciais; muitas vezes, a re-tenção de alimentos mais ricos refleteassociação subjacente, feita pelas mães,entre estes alimentos e a ocorrência deinfecções diarréicas.

Tais práticas são atribuídas à tradição.Entretanto, deve-se notar que muitos pro-blemas decorrem do abandono da tradi-ção e do contato com pessoas de regiõesmais desenvolvidas e industrializadas, le-vando, por exemplo, ao abandono doaleitamento materno.

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Um exemplo que pode ser citado, re-fere-se à situação em que a mãe substi-tui o aleitamento natural — devido à imi-tação de padrões culturais de outros po-vos ou de pessoas de classe social maiselevada — por administração de leite empó; este, geralmente, é caro para os níveisde renda mais baixos, o que leva ao su-primento em doses inadequadas e, o queé mais grave, em virtude de precáriascondições de saneamento, freqüentementeeste leite é preparado com água contami-nada, comprometendo, dessa forma, nãosó o estado nutricional, como o estadogeral de saúde da criança.

2.7. Conteúdo Nutritivo dos Alimentos

Em geral, o alimento em si implicacerto valor nutricional, embora diferen-ças entre grupos de produtos ou mesmoentre variedades de um mesmo grupopossam ser significantes.

2.8. Doenças Infecciosas

Mesmo que a criança receba alimenta-ção adequada, sua eficácia em termos nu-tricionais pode ser comprometida devidoà presença de infecção gastrointestinal.

A infecção pode prejudicar o estadonutricional, ou mesmo precipitar a des-nutrição, de várias formas:

• pode reduzir a ingestão de alimentosatravés da perda de apetite;

• resulta em perda de nitrogênio, re-querendo, portanto, aumento na ingestãode proteínas;

• quando a infecção decorre de para-sitas intestinais, ela freqüentemente con-duz à perda de sangue levando à anemia;

• se a infecção causa diarréia, a absor-ção de nutrientes no intestino será redu-zida;

• se os níveis de ingestão de proteínajá forem baixos, a doença diarréica podeprecipitar a ocorrência de Kwashiorkor.

Ademais, doenças infantis como o sa-rampo podem ter efeito drástico, querprecipitando uma desnutrição severa,quer tendo impacto mais grave sobrecrianças cronicamente desnutridas.

Finalmente, a criança pode ser afeta-da pelo estado nutricional da mãe duran-te a gravidez e, em menor grau, durantea lactância.

2.9. Programas de Alimentação Fora do Lar

A alimentação recebida fora de casa,freqüentemente via programas governa-mentais, pode ter influência (espera-seque positivas) sobre o estado nutricionaldas crianças.

3 - FATORES ASSOCIADOS À SITUAÇÃONUTRICIONAL E DE CONSUMO DEALIMENTOS NO BRASIL

A partir desse modelo de análise, se-rão expostas, a seguir, algumas das in-formações disponíveis para o caso brasi-leiro. A literatura brasileira existente so-bre o assunto é mais ampla do que a co-berta neste trabalho, devendo-se destacarem especial os estudos do Departamentode Nutrição da Faculdade de Saúde Públi-ca da USP. Entretanto, como se procurounesta exposição dar ênfase aos aspectosrelativos à renda, preços e condições desaneamento, as fontes básicas foram oestudo do grupo IMPEP/IPE,7 as análi-ses sobre o ENDEF — Estudo Nacionalde Despesa Familiar10 e trabalhos doautor desse artigo 2,3.

3.1. Importância do Nível de Renda naDeterminação do Estado Nutricional

O estudo realizado pelo grupo IMPEP/IPE7 (1975) sugere as seguintes caracte-rísticas de ocorrência de desnutrição:

a. A ocorrência de desnutrição protéi-co-calórica (DPC) está associada de ma-neira mais forte à deficiência de natu-

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reza quantitativa do que à qualitativa. Es-ta característica decorre da observação deque a dieta fornecida às crianças, pelasmães de classe de renda mais baixa, eraadequadamente balanceada mas a quanti-dade suprida de alimentos era inadequada.

b. A deficiência quantitativa estavabasicamente associada à deficiência derenda, pois cerca de 60% da renda dasfamílias de menor nível sócio-econômicoera gasta em alimentação.

Essas duas características sugerem sero problema de DPC muito mais sensívelà condição nível de renda da família(que influi na quantidade de alimentosdisponíveis) do que ao seu nível de es-colaridade (que influi na qualidade dedieta).

A DPC apresentava-se inversamentecorrelacionada com o nível de renda dafamília, quantitativa e qualitativamente(Tabela 1).

Na primeira classe de renda (0-0,5SMPC — Salário mínimo per capita),aproximadamente uma entre cada duascrianças era atingida por DPC, caindoessa proporção para uma dentre cadatrês na segunda classe de renda e umadentre cinco na terceira classe de renda.Considerando-se que a desnutrição dograu I corresponde à sua forma atenuada,poder-se-ia sugerir que a partir de 1,5SMPC a gravidade do fenômeno do DPCdesaparece (só existe DPC de grau I).Ademais, a decomposição do qui-qua-drado relizada por Sigulem18 (1980),

demonstrou que a proporção de desnu-tridas era significativamente maior entreas crianças cujas famílias tinham rendafamiliar per capita inferior a 0,5 e entre0,5 e 1,0 SMPC. Para se ter uma idéiade representatividade do fenômeno, de-ve-se considerar que 54% da populaçãopaulistana auferia menos do que 1,5 sa-lário mínimo de renda familiar per capita.

Outros estudos realizados no Brasiltambém realçam a importância do nívelde renda. Assim, em trabalho que a Fun-dação IBGE realizou para o UNICEF,

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em 1982 11 verificou-se que a proporçãode crianças de um a 5 anos que apresen-tavam déficit ponderal e/ou estrutural de-crescia consideravelmente à medida queaumentava a classe de despesa da famí-lia. A relação déficit ponderal e/ou es-trutural para despesa fica bastante clarano caso do nordeste urbano, onde passade quase 50% para 6%, mas também sefaz presente, embora as diferenças nãosejam tão acentuadas nas demais regiõesconsideradas (Nordeste rural, São Paulourbano, São Paulo rural) (Tabelas 2, 3).

Em termos de adequação calórica eprotéico-calórica, estudo posterior de Si-gulem 19 (1981), com 191 famílias e igualnúmero de crianças com idade inferiora 10 meses (crianças que foram objetode seguimento durante 9 meses), mos-trou que as famílias com nível de ren-da inferior a 0,5 SMPC apresentavam

elevada proporção de casos com inade-quação calórica e protéico-calórica (82%)e que este nível era bastante superior aoverificado nas duas outras classes derenda pesquisadas, embora estas tam-bém configurassem uma população po-bre (Tabela 4).

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No Brasil, os dados do ENDEF10 mos-tram o consumo calórico e protéico porcomensal-dia, que vem a ser um con-sumo per capita ajustado por um índicede presença às refeições. Verifica-se pelaTabela 5 nítida tendência do crescimen-to, quer do consumo calórico, quer doprotéico, à medida que aumenta a clas-se de despesa em todas as regiões consi-deradas*.

Este quadro apresenta outros elemen-tos adicionais que merecem ser discuti-dos. Tomando-se a necessidade médiade calorias e proteínas calculada para oBrasil por Martins16 (1979) como sendode 2.400 calorias/dia e 52,6 gramas deproteína, verificamos que:

a. as pessoas de classe de despesamais baixa apresentam consumo calóricoe protéico inferior à necessidade em todasas regiões;

b. a partir da classe de despesa percapita anual de Cr$ 2.260 existe adequa-ção protéica em todas as regiões, porém;

c. a adequação calórica se verifica paraa classe de despesa 2 nas Regiões III(Paraná, Santa Catarina e Rio Grandedo Sul) e IV (Minas Gerais e EspíritoSanto) e para a classe de despesa 3 nes-tas duas regiões e mais as I (Rio de Janei-ro) e II (São Paulo). Portanto, apresen-tavam inadequação calórica em todas asclasses de renda as regiões V (Nordeste),VI (Distrito Federal) e VII (Norte-Cen-tro-Oeste).

Estes dados configuram uma outra di-mensão da relação alimentação-renda,que é a dimensão regional, em que asdiferenças de renda regional estão asso-ciadas a diferenças na capacidade de

aquisição e ingestão de alimentos pelasrespectivas populações. Confirmam o co-mentário que fizemos em outro trabalho,ao analisar as pesquisas de orçamentofamiliar realizadas pela Fundação GetúlioVargas (FGV),8 no início da década de1960, de que a subnutrição no Brasil éde natureza mais calórica do que pro-téica, mais urbana do que rural, crescen-do com o tamanho das cidades (uma di-mensão não revelada acima) e mais agu-da no Nordeste (conforme os dados daFGV),8 Norte e Centro-Oeste (conformedados do ENDEF citados por Campino,1

1977).

3.1.1. O Comportamento Intra-Classe deBaixa Renda: a Hipótese do Limiar

Fato que nos tem chamado a atençãoé o de que para níveis de baixa rendanão se tem verificado, algumas vezes, arelação crescente esperada entre nívelde renda e estado nutricional ou adequa-ção calórica e/ou protéica.

Um exemplo disto é o que se encontrano trabalho de Sigulem19 (1981), queao analisar a distribuição de estado nu-tricional (definido pelo critério de Go-mez) segundo a classe de renda, não en-controu diferença estatisticamente signi-ficante na freqüência de desnutrição pro-téico-calórica entre as classes de renda.Trabalho que estamos realizando comum grupo de 61 crianças cujos pais tra-balham em indústrias na área do Muni-cípio de São Paulo não fornece indica-ção da associação clara entre renda e es-tado nutricional segundo Gomez**, Am-bos os estudos foram feitos para popu-lações com nível de renda per capita in-ferior a 1,255 SM (Campino e col.5,1982). Isto nos leva a apresentar a "hi-

* Os dados do ENDEF10 são apresentados por classe de despesa, não por classe de renda.Como a diferença entre os dois conceitos é a poupança e nas classes de baixa renda estaé zero ou muito próxima, as pessoas incluídas na classe de despesa mais baixa são asmesmas que seriam abrangidas se fosse utilizada a classe de renda mais baixa.

** Estas 61 crianças foram examinadas pelo Instituto de Medicina Preventiva da EscolaPaulista de Medicina — São Paulo, SP.

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pótese do limiar" aplicada à relação esta-do nutricional-renda. De maneira muitosimples esta hipótese significa que o es-tado nutricional de uma população (querseja avaliado pela ingestão calórica eprotéica da família, quer seja avaliadaem termos de indicadores antropométri-cos para pré-escolares) não apresenta au-mento estatisticamente significante atéum certo nível de renda. A exposiçãoprecedente nos leva a situar este mínimoem 1,5 SMPC de forma que teríamos,simplificadamente, a relação observadana Figura.

3.2. Preços

A bibliografia relativa ao impacto nu-tricional de variações nos preços de ali-mentos é bastante escassa entre nós. Oque se tem feito está ligado à questãoda eficácia de políticas de subsídios aospreços de alimentos básicos, em termosnutricionais.

As informações disponíveis são no sen-tido de que uma redução no preço dealguns alimentos básicos — como arroze feijão — teria muito provavelmenteum impacto nutricional pouco significa-tivo, embora possa ter um impacto re-distributivo. A base para esta asserti-va, escudada em estudo realizado para oINAN (Instituto Nacional de Alimenta-ção e Nutrição) é a falta de elasticidadede oferta dos alimentos considerados, istoé, o fato de que a oferta destes alimen-tos varia menos que proporcionalmenteàs variações nos preços (Campino5, 1982,FIPE/INAN12, 1982). A seguir apre-senta-se, em detalhes, a simulação reali-zada para o caso do arroz que forneceindicações de política semelhantes às ob-tidas para o feijão.

3 .2 .1 . Efetios Prováveis de Subsídio aosPreços do Arroz

Utilizando-se de um conjunto de elasti-cidade-preço estimado por diversos au-tores, procurou-se verificar o impac-to que níveis alternativos de subsídioteriam sobre os preços e quantidades deequilíbrio, se fossem estendidos a nívelnacional. Como os autores estimaramsuas elasticidades a partir de funções arit-méticas e logarítmicas, utilizou-se apenaso valor obtido na especificação logarít-mica.

As estimativas de elasticidades utiliza-das para a demanda de arroz no Brasilsão as de Sobral20 (1973) e Contador6

(1977) e para a oferta as de Pastore17

(1968), Contador6 (1977) e Gontijo13

(1975)*.A Tabela 6 apresenta os resultados

obtidos da aplicação das elasticidades es-timadas por estes autores. Em relação às

* O trabalho de Sobral20 é relativo ao Brasil e foi feito para o período 1950/1970. O estudode Pastore17 foi feito para o Estado de São Paulo, ao passo que Gontijo13, emboratrabalhando basicamente com o Estado de São Paulo, também apresenta resultados parao Nordeste. As estimativas de Contador6, que ele próprio designa como imaginosas,são relativas ao Brasil.

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quantidades, verifica-se que o maior im-pacto ocorreria no caso do subsídio de60%, se a elasticidade-preço da deman-da fosse aquela estimada por Contador6

(= - 0,20) e a elasticidade de oferta delongo prazo fosse maior do que a unida-de (1,39). Nesse caso, o aumento naquantidade de equilíbrio seria de 17%reduzindo-se para 14% no curto prazo

(elasticidade de oferta =0,55). Entre-tanto, deve ser ressaltado que este resul-tado é bastante influenciado pela estima-tiva de elasticidade de demanda apre-sentada por Contador6, que parece ele-vada. Quando se trabalhou com os re-sultados de Sobral20, os impactos sobre aquantidade situavam-se sempre abaixode 2%.

Considerando-se que Sobral20 derivousuas estimativas de trabalho de naturezaeconométrica e que Contador6 derivousuas estimativas de discussão com técni-cos agrícolas, denominando-as de "imagi-nosas", conclui-se que a aplicação deuma política do tipo PINS (Projeto Inte-grado de Nutrição e Saúde) a nível na-cional teria muito provavelmente impac-tos modestos sobre as quantidades deequilíbrio, sendo mais confiável a utiliza-ção das estimativas de Sobral.20 O im-pacto sobre a quantidade de equilíbrio

somente se aproximaria de 10% se aelasticidade de demanda fosse -0,2 eas elasticidades de oferta fossem seme-lhantes àquelas estimadas por Gontijo 13

para São Paulo, com níveis de subsídioiguais ou superiores a 45% e atingindono máximo 17% quando o nível de subsí-dio fosse de 60%.

Note-se que no caso do Nordeste asinformações disponíveis permitem pre-ver impacto bastante modesto sobre aquantidade ofertada, qualquer que sejaa elasticidade de demanda considerada,

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atingindo no máximo 6%, caso o subsí-dio fosse de 60%. Isto se deve à estima-tiva de oferta bastante inelástica para aregião.

Analisando-se o comportamento dosprelos, verifica-se que os aumentos pre-vistos são inferiores ao nível de subsí-dio, em todas as situações, exceto para oNordeste, quando a elasticidade de ofer-ta estimada para a região é combinadacom a elasticidade de demanda de —0,2,situação em que o efeito sobre os preçosé próximo, ou superior, ao nível desubsídio.

A análise precedente leva a concluirque um programa de subsídio de preço,se executado a nível nacional, provavel-mente teria efeitos redistributivos impor-tantes, na medida em que provoca au-mentos de preços na mailoria das vezesinferiores ao nível de subsídio e portan-to permite transferência de renda realpara a população beneficiada, mas teriaefeitos pouco significativos sobre a quan-tidade ofertada, portanto, teria impactonutricional nulo. Exceções a este prová-vel comportamento geral seriam encon-tradas caso a oferta a nível de Brasilapresentasse um grau de inelasticidadesemelhante ao da oferta no Nordeste, si-tuação em que os efeitos redistributivossugeridos não se verificariam, ou caso aoferta apresentasse uma reação aos pre-ços semelhante à da agricultura paulista,no qual a quantidade reagiria de manei-ra significativa; ambas as hipóteses pare-cem pouco prováveis.

Uma possível limitação ao procedimen-to utilizado decorre da hipótese explícitade que um programa de subsídio de pre-ços conduzido ao nível nacional benefi-ciaria indiscriminadamente toda a popu-lação. Pode-se imaginar, em princípio,que o programa fosse eficaz em beneficiarapenas a população de baixa renda e queesta exclusivamente se beneficiasse dosaumentos de quantidade verificados, deforma que o programa teria um impacto

nutricional positivo sobre a população debaixa renda. Esta possibilidade dependeexclusivamente da condição de implantar-se a nível nacional um programa desubsídio de caráter discriminativo em re-lação à população com nível de rendasuperior a dois salários mínimos; entre-tanto, esta possibilidade é difícil de seconcretizar a nível prático em um pro-grama nacional.

Outra limitação decorre do fato deque as elasticidades de demanda utiliza-das são válidas para a população comoum todo, havendo a possibilidade de quepara a população de baixa renda as elas-ticidades-preço de demanda fossem subs-tancialmente superiores às verificadaspara a média da população, gerando efei-tos nutricionais positivos. Entretanto, oteste realizado pelo autor, para o casodo feijão, com dados relativos à popula-ção de baixa renda de Recife, não con-firma esta hipótese (FIPE/INAN12,1982).

3.3. Condições Familiares — Condições deEmprego

Dada a relação conhecida entre rendae estado nutricional da criança em idadepré-escolar, uma informação útil do pon-to de vista de orientação de programasde massa, que objetivem minorar a situa-ção carencial dessas crianças, seria adistribuição dos chefes de família porsetor de atividade e/ou nível de ocupa-ção. ^

Utilizando os dados colhidos no estudoIMPEP/IPE7 (1975), verifica-se quegrande parte dos chefes de famílias, cujosníveis de renda eram iguais ou inferioresa 1,0 SMPC, desempenhavam atividadesno setor terciario, em ocupação de baixonível de produtividade. Por outro lado,há uma grande percentagem de indivíduosnas classes de renda mais altas tambémnesse setor, mas estes desempenham ati-vidades que requerem maior qualificaçãoe, portanto, têm um nível ocupacional de

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maior prestígio. Já em relação ao setorsecundário, são as classes 2 e 3 (0,5-1,5 SMPC) as que contam com maiorpercentagem de indivíduos ocupados, oque, possivelmente, indicava a necessi-dade de mão-de-obra mais qualificadapelas indústrias do ramo moderno.

No que se refere à ocupação, os dadosforam codificados de acordo com a esca-la de prestígio elaborada por Hutchinson-Gouveia 14, onde os códigos estão inver-samente relacionados com o prestígioocupacional.

Verifica-se pela Tabela 7 que há umestreito relacionamento entre o nívelocupacional e o nível de renda familiar.O quadro apresenta uma disposição emdiagonal com maior participação de in-divíduos que exercem ocupações manuaise de pouco prestígio nas primeiras classesde renda; conforme a renda se eleva, oschefes de família ocupam posições demaior prestígio.

Os dados foram agrupados no quadrode modo que o primeiro estrato (ocupa-ções 1 e 2) represente ocupações de ele-vado status social; no estrato seguinte en-contram-se atividades de supervisão eocupações não- manuais; o estrato infe-rior engloba as ocupações manuais. Veri-fica-se que para as famílias, cuja rendaera inferior a 1,5 SMPC a maior inci-dência de desnutrição ocorrida foi justa-mente naquelas cujos chefes exerciamocupações manuais. A partir de 1,5SMPC, a maior proporção de criançasdesnutridas aparece nas famílias nas quaiso pai exercia ocupações não-manuais derotina ou posições mais baixas de super-visão.

A mesma constatação feita sobre aocupação do pai é válida para as mães:nas classes de renda mais baixas, exercemocupações de menor prestígio — namaioria como empregadas domésticas —,enquanto nas classes de renda mais altadedicam-se a ocupações qualificadas.

Para o impacto nutricional devido ao

trabalho fora do lar, das mães de menornível de renda, duas hipóteses têm sidoformuladas:

a) A mãe que trabalha fora dedicamenos tempo às atividades do lar e, emconseqüência, a criança em idade pré- ,escolar terá maior probabilidade de sermal alimentada.

b) O fato de as mães de famílias denível mais baixo de renda exerceremocupações de empregada doméstica e fa-zerem refeições no local de emprego, per-mite uma realocação dos gastos com ali-mentação, contribuindo positivamentepara o estado nutricional familiar e, in-clusive, do pré-escolar.

O efeito líquido será o resultante des-tes dois efeitos.

Entretanto, tanto no estudo do IM-PEP/IPE7 quanto no trabalho relativoà alimentação do trabalhador (Campinoe col.5, 1982) não se verificou qualquerrelação estatiscamente significante entreestado nutricional e o fato de a mãe tra-balhar fora.

Antes de terminar esta breve discussãosobre a situação de emprego, deve-se en-fatizar a importância do acesso a um em-prego no setor formal como um determi-nante do estado nutricional. Assim, noestudo acima mencionado (Campino ecol.5, 1982), em que todas as criançasexaminadas pertenciam a famílias comnível de renda inferior a 1,2 SMPC, mascujos chefes dispunham de um empregoformal no setor industrial, observou-semaior proporção de crianças normais doque no trabalho IMPEP/IPE7 (1975),e, o que é mais importante, nenhum casode desnutrição de II e III grau. Emboraoito anos tenham decorrido entre um es-tudo e outro, nossa sugestão é que emparte a diferença pode ser atribuída aofato de que uma parcela dos chefes defamília cujas crianças foram examinadasem 1974-75 não tinham empregos nosetor formal e dedicavam-se a atividades

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informais no terciário (biscateiro, porexemplo). A Tabela 8 ilustra este ponto.

3.4. Condições de Moradia: Saneamento

Verificou-se no trabalho IMPEP/IPE 7

que existe uma estreita correlação entrea prevalência de anemias e a desnutrição

protéico-calórica bem como entre vermi-noses e desnutrição protéico-calórica.

Este fato indica que um dos fatoresque deveria merecer ênfase em uma po-lítica que visasse à redução da prevalên-cia de desnutrição protéico-calórica seriaa condição de saneamento.

Verificou-se que (IMPEP/IPE7) onúmero de domicílios que recebem águaatravés da rede pública varia proporcio-nalmente ao nível de renda. Apenas 36%das famílias de classe de renda mais bai-xa têm seus domicílios ligados à rede pú-blica e 60% se utilizam de poços e/ouminas. Melhoria substancial verifica-sena classe seguinte, na qual 62% das fa-mílias estão ligadas à rede de abasteci-mento de água.

Quanto a destinação dos dejetos, namédia, 56,8% da população amostradanaquele estudo residia em domicílios li-gados à rede de esgotos e 41,4% dasfamílias se utilizavam de fossa. Verifica-se, também, que as condições de destina-ção de dejetos variam diretamente com arenda. Na faixa de até 0,5 SMPC apenas32% das famílias têm sua residência li-gada à rede de esgoto, chegando essa per-centagem a 85% na classe de renda maiselevada.

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Os dados constantes da Tabela 9 evi-denciam a situação precária das famíliasde nível baixo de renda quanto às condi-ções de saneamento básico. Pode-se su-por que esta situação afeta o estado nu-tricional das crianças, pelo favorecimen-to de transmissão de doenças que podemdificultar o aproveitamento biológico dosalimentos. Não obstante a disponibilida-de destes serviços tenha melhorado subs-tancialmente de 1975 até o presente, ain-da resta um significativo diferencial entreclasses de renda.

3.5. Condições Gerais de Saúde e HábitosAlimentares

Embora não estejam reproduzidas nes-te trabalho, encontram-se no estudoIMPEP/IPE7 informações sobre o tipode equipamento de saúde mais utilizado.Observa-se naquele estudo que a popula-ção de baixa renda utiliza-se proporcio-nalmente mais dos Centros de Saúde(74%), vindo em segundo lugar o INPS(Instituto Nacional de Previdência Social)— 61%. Assim, embora se possa dis-cutir a conveniência de localização dosCentros de Saúde, o fato importante, doponto de vista do planejamento de progra-mas que visem reduzir a incidência desubnutrição, é que este tipo de equipa-mento de saúde é amplamente utilizadopela clientela básica de programas destanatureza*.

Quanto aos aspectos relativos a tradi-ções e comportamentos da mãe, existe umresultado bastante interessante e ilustra-tivo no trabalho IMPEP/IPE 7 referenteà situação de aleitamento. Verificou-seque o período modal de aleitamento erainferior ou igual a um mês (46,1%). En-tretanto, quando inquiridas em outra par-te do questionário sobre o período queachavam que deveria durar a amamen-

tação, 90% das mães respondiam 6 me-ses. Esta constatação ilustra bem o as-pecto de que este não é um problema deeducação, porque mesmo as mulheresanalfabetas têm bem presente a idéia deque a amamentação nos primeiros 6 me-ses de vida é necessária.

4 —ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE UMAPOLÍTICA DE NUTRIÇÃO

Nas páginas precedentes confirma-seque o principal determinante do estadonutricional é a renda per capita. Entre-tanto, quando se deseja propor uma po-lítica que vise melhorar o estado nutri-cional de nossa população, a primeirapergunta que aflora é: qual a magnitudedo aumento de renda necessário paragerar uma correção dos déficits nutricio-nais?

Os dados constantes da Tabela 4 paraa classe de renda de até 0,5 SMPC per-mitem verificar que, à exceção de Brasí-lia, o aumento na ingestão calórica neces-sária era da ordem de 30% a 40%.Como a elasticidade-renda do consumode calorias é de aproximadamente 0,3,isso implica aumentos de renda da or-dem de 100% a 133%. Ora, esta popu-lação despende entre 0,4 e 0,7 SMPCpor ano. Quando se considera que cercade 20% da população economicamenteativa, em 1976, recebia salário inferior aeste nível, pode-se avaliar a implicaçãode conceder aumentos de salário real de100% ou mais para um contingente destaordem.

Com isto, não pretendemos dizer quea solução do problema nutricional nãodeva passar pela distribuição de renda.Cremos que os resultados precedentesdeixaram claro que a melhor política denutrição é uma política de distribuiçãode renda e de geração de empregos. En-

* O autor orientou um estudo no qual se procurou relacionar a localização dos equipa-mentos de saúde e a dos desnutridos, segundo o estudo IMPEP/IPE7. Entretanto, nãofoi possível verificar um padrão de localização na medida em que as crianças desnu-tridas estavam espalhadas em todos os bairros do Município de São Paulo.

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tretanto, a magnitude da renda adicionala ser distribuída às classes de baixa ren-da é de tal ordem que esta política re-quererá, necessariamente, um períodolongo para que seus efeitos sejam senti-dos. Distribuição de renda é, do pontode vista nutricional, uma política de lon-go prazo; existem alguns sinais de queestá ocorrendo um processo de descon-centração de renda, mas seus impactosnutricionais verificar-se-ão apenas emum prazo mais longo, dada a magnitudeda redistribuição necessária.

Em relação ao emprego, os dadosapontam para as conseqüências negativase para o elevado custo social de uma po-lítica recessiva. Se houver recessão eco-nômica e conseqüente desemprego, semdúvida o estado nutricional da populaçãopiorará e este é um motivo suficiente parauma política recessiva não ser implanta-da. Como subsídios a preços de alimen-tos são pouco eficazes do ponto de vistanutricional, dada a inelasticidade da ofer-ta, restam os programas de suplementaçãoalimentar. Estes, embora conhecido seucaráter paliativo, são ainda importantes.A literatura internacional mostra que nãose pode, com convicção, associar estesprogramas à melhorias significativas deestado nutricional das populações assis-tidas, mas pela dificuldade em especifi-car-se adequadamente grupos-controle,fica presente a possibilidade de a situaçãodessa população ser pior não fosse oprograma; idêntica observação foi feitaquando da análise do PINS, conduzidopelo Centro Integrado de Saúde Amauride Medeiros da Fundação de Ensino Su-perior de Pernambuco (CISAM/FESP)em Pernambuco com recursos do INAN.

Entretanto, para estes programas se-rem eficazes é necessário, a nosso ver(Campino,2 1979):

— aumentar os recursos disponíveispara a área de alimentação e nutrição.Em estimativa que fizemos, calculamosque a atenção adequada à população,ur-bana de nível de renda inferior a um sa-lário mínimo requeria, a nível federal,que os 1% dedicados à alimentação enutrição fossem quintuplicados;

— melhorar a eficiência dos atuaisprogramas. Alguns programas são muitocaros e o seu barateamento requer que seenfrente a questão do grau de processa-mento julgado desejável;

— reduzir o número de programas,para realizar ganhos de escala, já que osrecursos disponíveis estão pulverizadosnuma grande gama de programas.

Isto requer uma mudança de visão fi-losófica do problema em que o enfoquede grupos biologicamente vulneráveisque levou à um "fatiamento" da atençãodedicando-se diferentes segmentos doproblema nutricional a diferentes Minis-térios — para um enfoque de grupos so-cialmente vulneráveis em que a atençãoseja dada à família de baixa renda.

Dentro deste enfoque é oportuno ana-lisarmos o Programa de Prioridades So-ciais, que está sendo desenvolvido peloatual Governo. Este programa foi con-templado, em maio de 1985, com Cr$3.838 trilhões (US$ 733 milhões)*.

O programa mais importante desta áreaé o PNS — Programa de Nutrição e Saú-de — para o qual estão previstos Cr$1.552 trilhões (US$ 296 milhões) e umapopulação-alvo de 11,6 milhões de pes-soas. Isto implicaria dispêndio da ordemde Cr$ 11.153 (US$ 2,13) pessoa/mês,recursos que serão repassados aos bene-ficiários sob a forma de uma cesta bá-sica da qual constam arroz, feijão, leite,açúcar, fubá e farinha de mandioca. Ocusto básico dessa cesta, que calculamos

* Os valores foram calculados na base de Cr$ 5.236 o dólar, câmbio de maio de 1985.

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com base nos dados do índice de Custode Vida (ICV/FIPE), é de Cr$ 816,13(US$ 0,11)/1.000 calorias, de forma quepermitiriam destinar por dia 455 calorias/beneficiário, correspondendo, grosso mo-do, a 19% das necessidades diárias. Em-bora um programa de suplementação ali-mentar, para ser significativo, deva co-brir 30% das necessidades diárias, a es-pecificação dada ao programa parece ra-zoável, se comparada ao desempenho doPNS até o momento. Por outro lado, oconjunto de produtos escolhidos paracompor a cesta básica é bastante signi-ficativo em termos dos hábitos alimenta-res da população brasileira.

O Programa de Abastecimento Popular(PROAB) ampliou essa cesta básica para12 produtos, adicionando aos anterior-mente definidos o óleo comestível, car-nes, pescados, ovos, macarrão e café.Pretende cobrir 13,2 milhões de pessoas,o que parece ser uma meta exageradaquando se considera que o programaatualmente existente, atinge apenas 2 mi-lhões de pessoas. Por outro lado, os re-cursos alocados ao programa são pou-co expressivos, Cr$ 87,7 bilhões (US$16,749 milhões) de sorte que sua redistri-buição à população-alvo corresponderiaa Cr$ 550/beneficiário/mês. Como a ces-ta ampliada para 12 produtos apresentaum custo de Cr$ 17.881 (US$ 3,41)/1.000 calorias, esses recursos permi-tiram adquirir 28 calorias/mês. Es-te resultado decorre da inclusão docafé no conjunto de produtos a seremsubsidiados neste programa, quando esteapresenta apenas 41 calorias por quilo.Excluindo-se o café, o custo por 1 .000calorias passa a Cr$ 1.549 (US$ 0,29) eos recursos do programa permitiriam dis-tribuir 355 calorias/beneficiário/mêsou 11,8/dia, menos de 0,5% das neces-sidades diárias. É, portanto, um programapouco expressivo em face da natureza doproblema, não havendo, ademais, noseu enunciado, qualquer esclarecimento

sobre a forma como se pretende operá-locomo um programa de subsídio de preço(por exemplo, qual o nível do subsídioe a quem é repassado).

O Reforço Alimentar de Creches é,como o nome diz, um reforço aos pro-gramas de creches-casulo da Legião Bra-sileira de Assistência (LBA), não haven-do menção à introdução de quaisquermodificações decorrentes da experiênciapassada. Ademais, o recurso implícitopor beneficiário, de Cr$ 6.301/mês (US$1.20), difere daquele mencionado no tex-to do programa (Cr$ 15.000) (US$ 2.86).

É lamentável que o Programa de Ali-mentação do Trabalhador não tenha tidosua especificação revista antes da ediçãodeste Programa de Prioridades Sociais,sendo apresentado como um programaem reestudo. Este programa era, em1983, o mais significativo dos programasde alimentação e nutrição, absorvendo38% dos recursos do PRONAN (Progra-ma Nacional de Alimentação e Nutrição).

Analisando o conjunto dos programasde alimentação e nutrição incluídos noPrograma de Prioridades Sociais, estra-nhamos que a preocupação básica foiapenas a de propiciar um reforço de ver-bas para o setor, sem ter havido uma re-flexão mais aprofundada sobre a reorien-tação desses programas. Esta reflexãodeveria incorporar as informações já co-nhecidas sobre a eficiência e eficácia dosmesmos e procurar evitar os proble-mas já conhecidos nesta área, como asuperposição de ações, a falta de capa-cidade gerencial para a condução dosprogramas, a inexistência de uma co-ordenação efetiva para os mesmos, apulverização dos recursos e a ocorrênciade deseconomias de escala, decorrentedo grande número de programas. Nãoatentar para estas dificuldades reais po-de, simplesmente, ter como decorrênciaa má utilização dos recursos destinadosa esta área.

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AGRADECIMENTO

O Autor agradece as críticas e suges-tões dos relatores da Revista de SaúdePública, que procurou incorporar. Como

sempre, as falhas e imperfeições rema-nescentes são de exclusiva responsabili-dade do autor.

CAMPINO, A.C.C. [Socio-economic aspects of subnutrition in Brazil]. Rev. Saúde públ.,S. Paulo,20 :83-101, 1986.

ABSTRACT: It is proposed here to offer a general view of the social and economicfactors that have been identified as the main determinants of a country's nutritionalsituation. The conclusion is reached that income, considered in isolation, is the mostimportant factor in determining the nutritional condition, but once this variable isfixed, other factors such as the extent of the health attendance system, educationallevel, food and nutrition programs — also play an important part. An attempt is madeimpirically to decide, which are the determinants of the nutritional situation for Brazil,in the light of previous research. It becomes evident, as the literature leads one toexpect that income is the most important factor, and once that is established as truefor the case of Brazil too, there also appear as relevant factors ease of access tohealth services and sanitation. This evidence leads on to the discussion of alternativenutrition policies, showing the magnitude of the redistribution income necessary tocover the nutritional gap and of the role of the meals and nutrition programs, intheir latest form (the so called Social Priorities Program, of the present Government).

UNITERMS: Malnutrition. Socioeconomic factors. Income. Population. Child, nutri-tional status.

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* O trabalho pode ser obtido diretamente com o autor.

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Recebido para publicação em 13/03/1985.Reapresentado em 13/11/1985.Aprovado para publicação em 18/11/1985.