Revelando um processo por Roberto Alejandro...

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Natal no Monte Revelando um processo por Roberto Alejandro Pérez

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NatalnoMonte

Revelandoumprocesso

por

RobertoAlejandroPérez

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Ilustraçãodacapa,JúbilodeCármenPérez

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Panorama

Introdução............................................................................................................................................. 7

Comentáriosespecíficos ................................................................................................................. 8

Sobreadeterminaçãodaestruturamusicaldoespectáculo...................................... 8

Sobreaescolhadasmelodiastradicionais...................................................................... 10

Confessandoinfluências.......................................................................................................... 10

Oplanotonaldaobra ............................................................................................................... 11

RevelandoamelodiadoNataldeElvas ............................................................................ 12

Relaçõestemáticasentreasmelodiastradicionaisutilizadas................................ 16

Algunsrecursosutilizadosnacomposição ..................................................................... 17

Inversão..................................................................................................................................... 17

Transformaçãorítmica ....................................................................................................... 17

Consideraçõesharmónicasecontrapontísticas ...................................................... 18

DuaspalavrassobreosInterlúdios ............................................................................... 21

Relaçõesharmónicasentreasdiferentessecções ....................................................... 22

Paraconcluir ..................................................................................................................................... 23

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ÍndicedeFiguras

Figura1‐NataldeElvasPrelúdio.................................................................................................. 12

Figura2‐NataldeElvasQuadroI .................................................................................................. 13

Figura3‐NataldeElvasQuadroII................................................................................................. 13

Figura4‐NataldeElvasQuadroIII(marimba) ....................................................................... 14

Figura5‐NataldeElvasQuadroIII(piano)............................................................................... 14

Figura6‐NataldeElvasQuadroIII(coda)................................................................................. 15

Figura7‐NataldeElvasQuadroIV(exposiçãodefuga)...................................................... 15

Figura8‐Relaçõestemáticas ........................................................................................................... 16

Figura9‐IníciodoPoslúdio(vibrafone)..................................................................................... 17

Figura10‐InversãodeMeninaqueestásàjanela .................................................................. 17

Figura11‐Ocerrodaneve................................................................................................................. 18

Figura12‐AlteraçãorítmicadeOcerrodaneve ..................................................................... 18

Figura13‐Agregados(024)derivadosdeOcerrodaneve ................................................. 18

Figura14‐Apogiaturascomresoluçãodeslocadadeoitava.............................................. 19

Figura15‐Apogiaturasecromatismo ......................................................................................... 19

Figura16‐InfluênciadeRichardStrauss ................................................................................... 20

Figura17‐Cromatismo(contrasujeitodefuga)...................................................................... 20

Figura18‐AcordesdoInterlúdioI ................................................................................................ 21

Figura19‐InterlúdioI(início) ........................................................................................................ 22

Figura20‐Inter‐relaçõesharmónicas ......................................................................................... 23

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Introdução

Tratando‐seestaspáginasdeumtrabalhodedivulgaçãosemcompromissocomasregras académicas que regulam a redacção de um texto (em Portugal), utilizo aprimeirapessoadosingularporconsiderarestafiguramaispertinenteehonestaparaosfinsdestacomunicação.

Foi em 2001 que, graças a um convite da produtora madeirense Almasud, teveinicioumprocessoqueaproximou‐medamúsicatradicionalportuguesa,apartirda concepção e composição do projectoAquarium, que acabou cristalizado numespectáculo sobre melodias tradicionais madeirenses realizadas para coro acapellaeflauta.

A partir dessemomento aminhapercepçãode como amúsica tradicional podiaparticipar e influir na formação musical (como processo evolutivo) de umindivíduomudou quase drasticamente, desde a indiferença (ou ignorância) paraumaatitudemaisfavorável.

Outro factor toma parte neste processo de mudança: a minha experiência emEscolas de Música, onde a quantidade de professores estrangeiros (como eu) ésignificativa,edecisiva.Defacto,noprocessodeaproximaçãodamúsicaaoalunoosmateriaisutilizados,comprovasdeeficiênciaemoutraslatitudes,obedecemacaracterísticassocioculturaisecomportamentaisbemdistintaseforadocontextodamemóriahistóricadoalunoportuguês.

Assim foram surgindo projectos como: Aquarium; a colecção: Repensando cOmfolclore (colecção de séries para piano, canto e piano, guitarra, violino e piano ediversosgruposinstrumentais);obailadojuvenilRaptaramoPaiNatal;opequenociclodemúsicaparapianoOutrosolharessobreocancioneirodeSerp;eumaseriede textos dados a conhecer em publicações de divulgação musical e divulgaçãoescolar, onde utilizo materiais folclóricos, e argumento a favor da tradição noensinodamúsica(argumentostãoantigoscomooensino).

Otrabalhoaoqualestádedicadoestetextoéobailadoinfantil:NatalnoMonte.

Natal noMonte é umprojectopensado em funçãodoConservatórioRegional doBaixoAlentejo,econcebidoparaoespectáculodeNataldoano2008.

O grupo de trabalho que participou na concepção deste espectáculo decidiuadoptar uma temática de natureza regional desenvolvida em quatro momentos(sãoquatroturmasdecriançasentreosseiseosnoveanosasqueparticipamnascoreografias correspondentes) que acontecem num monte alentejano entre amanhãde24deDezembroeamanhãde25deDezembro.

Estesmomentos, organizados com base no texto escrito pelo professor AntónioBettencourt, utilizammúsica, escritapormim,baseadaemmelodias tradicionaisdo Alentejo: O Natal de Elvas, quatro canções coreográficas resgatadas doCancioneirodeSerpacompiladoporManuelDiasNuneseumEnigma.

A partitura escrita para piano, percussão (timbales, marimba, vibrafone eacessórios), instrumental Orff, coro de crianças e um recitante, obedece desta

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forma a condicionantes de natureza logísticas, tais como: disponibilidade dosexecutantes,espaçofísicodopalcodoAuditóriodoTeatroMunicipalPaxJúliae,acondiçãoprimordialassentenaparticipaçãodetodososalunosdocursodemúsicaquefrequentamoníveldeiniciaçãonoCRBA.

Às condicionantes logísticas acrescentam‐se as limitaçõesdenatureza artística aconsiderarnacomposiçãodamúsicadoespectáculo:duraçãodecadaQuadro(3‐4minutosaproximadamente),aestruturamusicaldasfrases,simétrica(paranãodizer quadrada) e o tratamento do material musical, de fácil memorização ecompreensãoporpartedecrianças.

Às condicionantes anteriores, somaram‐se as necessidades pessoais, enquantomúsico,de reunirosmateriais sonorosnum todoúnicoe indivisível, asquais setraduzemem: coerênciaou interesse formal, composicional, textual e “tímbrico”.Tentei contemplar a motivação e despertar a atenção de quem toca, de quemdança, de quem vê (escuta) e, de quem escreve (eu próprio), por meio deestratégiascomposicionaisquesurpreendamdesdeomomentodasuaconcepçãoatéaapreciaçãoauditiva final,passandopormomentoscomoosquedesenvolvodeseguidanaanálisequefaçodaminhaprópriapartitura.

Comentáriosespecíficos

Sobreadeterminaçãodaestruturamusicaldoespectáculo

Oelementoestruturadordagrandeformadestebailadoinfantil,ideiadoProfessorA.Bettencourt,éodiaquetranscorreentreamanhãdavésperadeNataleamanhãdodiadeNatal,nummonteAlentejano.

OsquatroQuadrospropostosbaseiam‐senasseguintessituações:

1) areuniãofamiliar,nomomentodeornamentaropinheirodeNatal,nasaladomonte;

2) ostrabalhoseperipéciasquetranscorremnacozinhadomonte,enquantoasmulheresligadasàfamíliapreparamaceiadeNatal;

3) o quarto das crianças, depois da ceia natalícia, que se converte numverdadeiro campo de batalha e algazarra (com almofadas como armasprincipais),querespiratréguasquandoascriançasfinalmenteadormecem;

4) amadrugadadodiadeNatal,quecontacomanjinhoscomoprotagonistas,quedistribuempresentesaosmeninosqueestãodormindoequeacordam,pela manhã de Natal, num clima de felicidade reconhecendo as prendasdeixadasparaelas.

Aestruturadramáticadoespectáculoficaassimdesdelogoasseguradacomesteselementos mas, a estrutura musical e as condicionantes de carácter logístico(participação de 30 crianças do curso de iniciação à música) não resolvem oespectáculo.

A introdução de um coro no fim do espectáculo é a solução para contemplar aparticipação, em palco, das 30 crianças do curso de iniciação à música, mas,

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surgemdoisproblemas:qualacançãoainterpretarecomoresolveroproblemadaentrada em cena sem interromper a continuidade do espectáculo, que, desde omeupontodevista,temdeserlinear.

A canção escolhida, baseada em critérios como beleza intrínseca, simplicidade epopularidade,foioNataldeElvas.

Oproblemacenográficofoiresolvidodaseguinteforma:

a) Osalunosdocursodeiniciaçãoàmúsicaficamsentados(nochãodopalco,de forma a não ocupar muito espaço) nas laterais da boca de cena,executando instrumentos de percussão simples, durante os quatroInterlúdiosqueprecedemcadaQuadro.

b) Aobracontemplaumprelúdioeumposlúdio,aexecutarpelosprofessoresquetêmaoseucargoainterpretaçãodaspartesdepianoepercussão.

c) Enquanto decorre o poslúdio, as crianças que se encontram sentadas,posicionam‐segradualmenteparacantarparaopúblicoamelodiadeNatalescolhida.

Os problemas cenográfico e logístico, como pode apreciar‐se, condicionaram aestruturamusicaldoespectáculo.

Resumindoaestruturageralficoudeterminadadaseguinteforma:

• Prelúdio• InterlúdioI• QuadroI–Nasala• InterlúdioII• QuadroII–Nacozinha• InterlúdioIII• QuadroIII–Noquartodascrianças• InterlúdioIV• QuadroIV‐Natal• Poslúdio

Calculando aproximadamente 3 minutos para cada uma das dez secções, oespectáculo corrido perfazendo uma duração aproximada de entre 25 a 30minutos,períodorelativamenteescassoparapreenchero“tempopsicológico”dosespectadorespassivosquesedeslocamaumteatro.

Comconhecimentoeexperiênciapessoal,naparticipaçãodeóperascomoAArcadeNoé,deBenjaminBritten,ondeopúblicoéconvidadoparacantarocorofinaldaóperajuntocomoscantoresempalco,veioacalharaideiadeiniciaroespectáculocomocoro formadopelosalunosdemúsica, cantandoparaopúblicooNataldeElvas, seguindo‐se alguns minutos de “ensaio do público” (tarefa atribuída àprofessora do coro), para ser interpretada por todos (coro, músicos, alunos dedançaepúblico)nomomentofinaldobailado.

Tendo em conta que durante estes momentos prévios, ouvir e apreender umacanção,apercepçãodotempopodeserpercebidadeduasformasdiferentesparaopúblico,umapassivaereal,eoutraactivaemaislenta(pelostresspsicológicoquea participação em público de qualquer actividade implica), a primeira parte do

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espectáculocontemplauns15minutosdeduraçãoque,somadosaos27minutosdebailadopropriamentedito,compõemumespectáculodeaproximadamente45minutos, duração suficiente para considerar um tempo psicológico favorável decontemplaçãoartística.

Sobreaescolhadasmelodiastradicionais

Foinoúltimotrabalhoqueempreendi,OutrosolharessobreocancioneirodeSerpa,anterioraestebailadoequeutilizamelodiastradicionais,ondeprocureimelodiasesoluçõesparaesteprojecto.DostítulosconhecidosdoCancioneirodeSerpa,logodespertou na minha memória a canção Vai fazer a cama, que imediatamenterelacionei coma situaçãonoquartodas crianças, nãopelo texto em simaspeloprópriotítulodacançãoepelocarácterbuliçosodamelodia.AcançãoOspinhõessurgiu igualmente pelo tema do título, ligado à gastronomia natalícia, e pelocaráctercomobaseparaamúsicaqueacompanhariaoQuadroquetranscorrenacozinha,namanhãdodia24deDezembro.

EncontraramúsicaapropriadaparadançaerelacionadocomoPinheirodeNatal,foi bemmais difícil. A escolha recaiu sobre a cançãoO cerro da neve,mais pelasuave cadência rítmicadamelodia/canção, quepelas conotações textuais que sepodemrelacionarcomcerrosepinheiroscobertosdeummantobrancodeneve,característica de alguns lugares na Europa em época de Natal, mas muitodificilmentenoAlentejo...Paciência.

A última secçãodo bailadoutiliza amelodia doNatal de Elvas nomomento querepresentaa cenadadistribuiçãodospresentesa cargodosanjinhose a cançãoAndaaquiumameninaquesenãoquerdivertir,doCancioneirodeSerpa,partindodopressupostoquetodaacriançaoquequerédivertir‐secomosbrinquedosqueacabou de ganhar. Uma vez mais, o título e o carácter da canção motivaram aescolhaenãoapróprialetra,jáqueestanãotemnadaavercomdiversõesinfantis.

ParaoPrelúdioeoPoslúdio recorri aRetrato, queabreo cicloOutrosolhares, equenãoémaisquea célebre cançãoMeninaqueestásà janela, encontradanumoutro Cancioneiro de Serpa, este publicado em 1994 pela câmara de Serpa eeditadoporMariaRitaOrtigãoPintoCortez.

OsInterlúdios,comosepodeverificaraolongodestaspáginas,utilizafragmentosdasmelodiasdosquadrosqueoantecedem.

Confessandoinfluências

NumaentrevistadeRádio,naemissoraportuguesaAntena2, realizadapelomeucolega Luís Tinoco, comentei com humor, como resposta à questão sobre queinfluência(s) tinha absorvido ao longo da minha carreira, que: “Influenza” emportuguês é sinonimo de constipação mas, constipación em castelhano significa“prisãode ventre”.De acordo comesta leitura, nãopossodeixarde relacionar apalavra “influência” comalgum tipode “privaçãoda liberdade”. É claroque estecomentário não passou de um trocadilho, já que sabendo que tudo é semente e

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frutoaomesmotempo,quetudoetodospertencemosaomovimentopendulardouniverso,quenãoexistereacçãosemumaacçãoanterior,reconheceraorigemdenossas “invenções” não é umdireito,mas simumdeverpara comanossa auto‐estima.

Aestruturadestepequenobailadobemcomoa suagénese, teve comomodeloobailadoMaMèreL’Oye,deMauriceRavelde1910,escritooriginalmenteparapianoaquatromãos;em1911escreveuaversãoparaorquestra.Obailadoqueutilizaamesmamúsica é de 1912. Neste último, Ravel inclui um Prelúdio, uma dança einterlúdios.

O Natal no Monte, também parte de peças originalmente escritas para piano,incorporaumPrelúdio,eumPoslúdio,bemcomoInterlúdios.

As influências, no que aos recursos utilizados para criar texturas diz respeito,podemprocurar‐seemShostakovich,Ravel,RichardStrausseprincipalmenteemBartók.

O recurso da linha cromática descendente surge lembrando comentáriosproferidospelomeuorientadordeTeseeamigo,oDoutorChristopherBochmann,quandosereferiaaosmovimentoscromáticosnosbaixosutilizadosporMaxReger.

ObreveQuodlibet utilizadono fimdoQuadro IV é um recursoque vemdesde arenascençaeseprojectaaindanosnossosdias.

O tratamentomusicaldos Interlúdios,àmaneirade“constelaçõessonoras”,devoàs observações realizadas no meu trabalho de Tese de doutoramento, sobre ocompositorbaiano:LindembergueCardoso.

Os solosde caixa clara,naparte centraldoquadro I, são influênciados solosdecaixaqueabremosquadrosterceiroequartodePetrushka,Stravinsky.

Oplanotonaldaobraapoia‐seprincipalmentenastonalidadesdeMibemolmaior,Si bemol maior e Dó maior (em duas partes centrais), configura o conjunto declassedenotas:(025),utilizadoporLindembergueCardoso.Aminhahomenagem.

Otrabalhocommateriaisfolclóricosparaumpequenobailadoparacrianças,poderastrear‐se também na obra de Lindembergue Cardoso, na sua “Folcópera”(folclore+ópera), A Lenda do bicho Turuna. Parafraseando Lindembergue (etentandoadoptarpartedoseusentidodehumor),NatalnoMonte,podechegaraserconsideradoum“Folclado”(folclore+bailado).

Oplanotonaldaobra

Atonalidadebásicadaobra,Mibemolmaior,foiescolhidaemfunçãodocorofinal,interpretado por crianças ainda pouco preparadas para executar com elegânciaregistosquepodemserconsideradosderisco,numaprimeirafasedoanolectivo.A tonalidadedeFámaior,queseencontraemalgumastranscriçõeseantologias,atingeanotaRécomoextremoagudo.AtonalidadedeMibemol,parecesermaisprudente.

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Oplanotonaldagrandeformaé:

• Prelúdio Mibemolmaior• InterlúdioI Sibemolmaior• QuadroI Sibemolmaior‐Dómaior–Sibemolmaior• InterlúdioII Mibemolmaior• QuadroII Mibemolmaior–Dómaior–Sibemolmaior• InterlúdioIII Sibemolmaior• QuadroIII Sibemolmaior–Dómaior–Sibemolmaior• InterlúdioIV Mibemolmaior• QuadroIV Mibemolmaior• Poslúdio Mibemolmaior

AsúltimassecçõesdaobraestãonatonalidadedeMibemolmaiorparaauxiliarocorodecriançaseemespecialopúblicoquedestaformaintegraauditivamenteatonalidadedocorofinal.

OsQuadrosI,IIeIIItêmapartecentralemDómaior,paravalorizaratonalidadeque, juntocomasduasprincipais, formamoconjuntode classesdenotas (025),muito caro ao compositor que foi motivo da minha Tese de doutoramento,LindembergueCardoso.

RevelandoamelodiadoNataldeElvas

Amelodiaquepercorretodoobailado,desdeoprimeirocompassodoPrelúdioatéàintervençãodocorodecriançasnofimdoespectáculo,éamelodiadoNataldeElvas. Esta melodia vai‐se manifestando paulatinamente, evidenciando‐se deQuadroparaQuadro.As recorrênciasparaestasortedeUr­motiv, são feitascomalterações de ritmo e carácter, até à sua derradeira aparição na versão maiscompleta.

No Prelúdio, na segunda voz a cargo do vibrafone e com um ritmo alterado(emboraconservandoaanacruseinicial),aparece,decertamaneiramascarada,amelodiadeElvas(verFigura1).

Figura1­NataldeElvasPrelúdio

NoQuadroI,Nasala,amelodiadeElvasmanifesta‐senosúltimos17compassos(compasso103),naparteacargodopiano(Figura2).Napautacorrespondenteàmãoesquerda,asnotasqueaparecemnavozsuperior, ligadasdecompassopara

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compasso,pertencemátransposiçãoemSibemoldoNataldeElvasque,atéofimdoQuadro,serepeteduasvezes.

Figura2­NataldeElvasQuadroI

NoQuadroII,Nacozinha,oNataldeElvasaparece,acargodamarimba,napartecentraldestenúmero,na tonalidadedeDómaior.Mudao ritmo,agoraumgestoquase minimalista de colcheias com articulação dupla, muda o carácter, Allegro(quase obsessivo). A segunda frase da melodia original, está presente entre oscompassos60e61,pormovimentoretrógrado(Figura3).

Figura3­NataldeElvasQuadroII

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No Quadro III, No quarto das crianças, mais uma vez em Dó maior e na partecentral do número, a melodia do Natal de Elvas é mais evidente, já que agoraaparececompleta,masvestidacomocarácterdeumavalsalenta,primeiroacargodamarimbaeimediatamenteaseguiracargodopiano(Figuras4e5).

Figura4­NataldeElvasQuadroIII(marimba)

Figura5­NataldeElvasQuadroIII(piano)

Na coda deste número (Figura 6) volta a aparecer, a cargo do vibrafone, na suaíntegra,emSibemolmaior,atonalidadeprincipal.

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Figura6­NataldeElvasQuadroIII(coda)

NoQuadroIV,amelodiadoNataldeElvasfuncionacomootemadeumaexposiçãorigorosadefuga,emMibemolmaior(Figura7).Quatrocompassosantes“dasoitobadaladasdorelógio”,reapareceemformadecânoneentreovibrafoneeopiano.À maneira de Quodlibet, o Natal de Elvas a cargo da marimba, coexiste com amelodiadeAndaaquiumameninaquesenãoquerdivertir,executadapelopiano,apartirdocompasso42destequartoeúltimoquadro.

Figura7­NataldeElvasQuadroIV(exposiçãodefuga)

No Poslúdio, amelodia textual e completa doNatal de Elvas é apresentada pelaprimeiraeúnicavezemtodaaobra.Tiraram‐seosvéustodos,seteaotodo,comoosVéusdeSalomé(incluindooQuodlibet).

DasoitovezesqueapareceamelodiadoNataldeElvas, incluindoocoro final, aprimeiravezemqueaparececomumtempo,umritmoeumcarácterrelacionado

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comaversãooriginalénofimdoQuadroIII,aquintavez.Deoitovezes,aquintavezéomomentoáureo,segundoasériedeFibonacci.Poracaso?

Relaçõestemáticasentreasmelodiastradicionaisutilizadas

Pelo facto de, as melodias tradicionais empregues, se tratar de melodiasclaramentetonais,asnotasiniciaiseasnotasonde,nestescasos,oritmoseapoiadesenhamocontornodoacordeperfeitomaior.

Estecontorno,estandoomnipresenteao longodapeça toda,confereaoconjuntouma unidademaior que se o trabalho se tivesse baseado em contornos parciaiscomcaracterísticasmaisdiferenciadas.

Na Figura 8 exibem‐se os contornos das cincomelodias principais, utilizadas aolongodestebailado infantil,queaqui seencontramtranspostasemDómaior,deformaainter‐relacioná‐lasmaisfacilmente.

Figura8­Relaçõestemáticas

Como pode ver‐se na Figura acima, o acorde perfeito maior (neste caso de Dómaior) aparece valorizado, total ou parcialmente, no início das cinco cançõestradicionais.Nasduasúltimaslinhaspodeobservar‐secomooiníciodascanções:VaifazeracamaeAndaaquiumamenina,sãoiguais,salvandoadiferençadeumanota,eocarácterdoritmodaanacrusainicial.

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Algunsrecursosutilizadosnacomposição

Inversão

O recurso da inversão, juntamente com o da distorção do ritmo, é aplicado àmelodiadeMeninaqueestásàjanela,noPrelúdioenoPoslúdio.

Figura9­IníciodoPoslúdio(vibrafone)

Na Figura 10pode ver‐se o processoda inversãodomaterial básico damelodiaalentejana.

Figura10­InversãodeMeninaqueestásàjanela

Transformaçãorítmica

A transformação rítmicaéumrecursoutilizadona construçãodevariaçõesparaalterar,entreoutrascoisas,ocarácterdamúsicaemquestão.

Comoexemplocitoa transformaçãorítmicaqueutilizonoQuadro I,paracriarasecçãoqueseidentificacomadisputadascriançasparacolocaraestrelanotopodaÁrvoredeNatal.

Omaterialmelódicodoiníciodacançãoalentejana:Ocerrodaneve,semalteraçãonasalturas, é reiteradoparcialmentepara criara célulabásicada segundapartedesteQuadro.

Otempolentoeasfigurascomduraçõesalternadas,utilizadaspelacançãooriginal(Figura11), contrastam como ritmomaquinal de semicolcheias aoqual recorropara,napartedepiano, representarumdosmeninos, sendooutro representadopela caixa clara. Todo o material melódico ou harmónico desta segunda parterecorreaoconjuntodeclassesdenotas(0247).VerFiguras12e13.

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Figura11­Ocerrodaneve

Figura12­AlteraçãorítmicadeOcerrodaneve

Figura13­Agregados(024)derivadosdeOcerrodaneve

Consideraçõesharmónicasecontrapontísticas

Resumem‐se nesta breve secção alguns dos procedimentos que foramutilizadosparaaconcepçãodetexturasharmónicasecontrapontísticas.

O tratamento da harmonia no acompanhamento da melodia que protagoniza oQuadro I, está baseado em apogiaturas, sextas agregadas e acordes de sétimamaior.

A técnica aplicadapara criar a texturapara amúsicadoQuadro II, é a imitação,sejapormovimentodirectoouinvertido.

NoiníciodasegundapartedoQuadroII(Allegro),Figura14,osacordesacargodopianofuncionamdaseguinteforma:acordeapogiatura(FádeMi,RésustenidodeMieRébemol,SideSibemoleFásustenidodeFánatural)eacordedenonadedominante com a fundamental na marimba. O acorde apogiatura resolve com

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deslocaçãodeoitava,recursoutilizadodesdeosprimeirosanosdoséculoXX,porexemplonoiníciodaprimeiradasValsasNobreseSentimentaisdeRavel.

Na Figura 14 ilustra‐se também uma das situações de bitonalidade básica querecorre à posição dasmãos nas teclas brancas e pretas do teclado. Este tipo debitonalidadefoiutilizadoporStravinskyemPetrushka.

Figura14­Apogiaturascomresoluçãodeslocadadeoitava

NoiníciodoQuadroIII(Figura15),asnotasacargodamarimbasão:apogiaturas(MibemoldeRé,MibequadrodeFáeRédeDó)eumaescapada:Dó(naquartacolcheiadosegundocompasso).

Figura15­Apogiaturasecromatismo

Na valsa onírica, que começa no compasso 66 do Quadro III, o recurso àbitonalidadebásicaDómaior ‐ Fá sustenidomaior, volta a serutilizado.Mas,nareiteraçãodamelodiadoNatal deElvas, a cargodopiano, o acompanhamentoacargodamarimbaébemmaiselaborado,baseando‐seemapogiaturasàdistânciademeio‐tomdasnotasdoacorde correspondente (Figura16).Umexemplobemmais interessante e elaborado, pode ser observado no Don Quixote de RichardStrauss,seiscompassosantesdafiguracincodeensaio.

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Figura16­InfluênciadeRichardStrauss

Omovimentocromáticodocontra‐sujeitodaexposiçãodefuga,queabreoúltimoQuadro (Figura 17), surge como consequência do movimento cromáticodescendentequeacompanhouainsinuaçãodoNataldeElvas,nofimdoQuadroIII(verFigura6).

Figura17­Cromatismo(contrasujeitodefuga)

Aescalacromáticadescendente,comoelementogeradordetextura,é“substituída”por uma escala diatónica, bem mais “descontraída”, também descendente, noAllegroqueteminícionocompasso26doQuadroIV.

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Emsuma,osrecursosgeradoresdeharmoniasoucontrapontos,sãorelativamenteescassos,oquenãoquerdizer:pobres.Alimitaçãodasferramentasutilizadasviraserumfactordeunidadeecaracterizaçãodeestetrabalho.

DuaspalavrassobreosInterlúdios

MaisqueInterlúdios,assecçõesassimdenominadassãoverdadeirosprelúdiosaosQuadrosqueantecedem.

Omaterialharmónicodivididoentreovibrafoneeopiano,ecoadopelosxilofones,metalofones e jogos de sinos, é directamente derivado das primeiras notas dacançãotradicionalexecutadanoQuadroimediatamenteaseguiraoInterlúdio.

Porexemplo,asnotasqueparticipamnoiníciodaprimeiracanção,Ocerrodaneve,são as seguintes: Si bemol, Dó, Ré, Fá (ver Figura 9). Com estas notas passo aconstruir acordes, ordenando‐as por terceiras de forma a que as posiçõesmelódicascoincidamcomamelodiadacanção.

Figura18­AcordesdoInterlúdioI

Na Figura 18 pode observar as quatro notas do início da canção e os quatroacordes realizados pelo piano e pelo vibrafone, de maneira que cada um delestenha na posição melódica uma das notas da canção original, criando‐se assim,pseudo‐acordesde13a,9a,13ae11a,incompletos.

Osxilofones,metalofonesejogosdesinos,improvisam,quaselivremente,porcimadas articulações dos acordes representados na Figura 16, utilizando asmesmasnotas(Sibemol,Dó,RéeFá),dando,destaforma,origemaumcampoharmónicomóvelsobrea“constelação(0247)”maisoumenosestáticadabase.

Adistribuiçãodasquatronotasentreovibrafone(SibemoleDó)eopiano(RéeFá) é regular, isto é, cada um deles toca sempre as mesmas duas notas,independentementedasuaoitavaouposiçãodentrodoacorde.

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Figura19­InterlúdioI(início)

Nos Interlúdios II, III e IV, recorro ao mesmo critério para gerar e organizar omaterialmusical.

Relaçõesharmónicasentreasdiferentessecções

O estilo harmónico utilizado numa composição é umdos elementos que ajuda ainterligar diferentes secções de uma obra, como por exemplo uma suite, umaópera,umasinfoniaemváriosandamentos.

NocasodeNatalnoMonte,osnúmerosestãorelacionadosentresiporelementosharmónicoscomunseestilosharmónicossemelhantes.

AgrandeformaabreefechacomumPrelúdioeumInterlúdio,exactamenteiguaisdesdeopontodevistamelódicoeharmónico.

A forma arco, desde o ponto de vista da linguagem harmónica, fecha‐se com arelaçãoentreoQuadroI,Nasala,eoNataldeElvasquandoaparecenoPoslúdio.Sãoutilizadasharmoniasfuncionaisbaseadasemacordesdesétimamaior,sétimamenor,apogiaturas,sextasagregadas.

Entre oQuadro I e oQuadro II, o cheiro do acordede sétimamenor construídosobre o segundo grau deMi bemolmaior, estabelece uma ligação entre os doisnúmeros.

Acordesaumentados(paralelismos),queaparecemnocompasso29doQuadroII,voltam a ser utilizados (funcionalmente no processo de uma modulação) nocompasso64doQuadroIII.

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A recorrência ao cromatismo na coda do Quadro III, volta a ser utilizada paraconstruirocontrasujeitodaexposiçãodefugacomquecomeçaoQuadroIV.

NaFiguraseguinteobserva‐seumasíntesedasinter‐relaçõesharmónicasreferidasnestetexto.

Figura20­Inter­relaçõesharmónicas

Paraconcluir

Alimitaçãopodeserumfactordemotivaçãoàcriação.

As referências ao passado podem ser um pretexto para satisfazer a vaidade(semprepresente)doestruturadordeumanovaobra.

Nestecasoaprincipallimitaçãofoiaautoimposiçãoqueme“obrigou”atrabalharcommaterialderivadodemelodiastradicionaisdeumaregiãodoPaís(Alentejo–Portugal).

Asreferênciasaopassado foramsurgindoàminhamemóriadesdeos temposdeestudante,quandocomeçavaaminharelaçãocomOsClássicos,OsMestres.

AcomposiçãofoifeitacomCultura:depoisdeteresquecidooapreendido.

Nestes breves comentários ao Natal no Monte, bailado infantil, só referisuperficialmente, quase à maneira de um sumário, alguns dos procedimentos emecanismos a que recorri no momento da composição. A partir destasconsiderações, o curioso tem aindamuito terreno (na partitura damúsica) paradesbravarsozinho,oqueéaindamaisinteressanteereconfortantequealeituradeumtextoondeassoluçõesestãoservidasquasecomoumpratodefastfood.