RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil
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VENDO E REVENDO Diferentes olhares sobre o
desenho da criança
ENTREVISTA Luciana Ostetto nos fala sobre o lugar da arte na Educação Infantil
SABERES DO COTIDIANO Conheça a turma de crianças de 5 anos que criou sua própria obra inspirada em Antoni
Gaudífique por
dentroConheça o livro “A Grande Roda de
Histórias“.
Re irEIREVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
No 1 - JAN/JUN - 2014
EXPEDIENTECoordenação: Catarina Moro
Edição: Ana Júlia Rodrigues
Diagramação: Ana Júlia
Rodrigues e Marina Feldman
Colaboradores: Franciele
Ferreira França, Ettiene B. L.
Barbosa, Gioconda Gigghi.
Revisão: Marina Feldman
Fotografia: Paul Scott
(foto criança)
NEPIE - Núcleo de Pesquisas e
Estudos em Educação Infantil
Setor de Educação - UFPR
UFPR - Universidade Federal do
Paraná
RevirEIRevista Virtual de
Educação Infantil
Dicas para sua leitura: use o modo de tela cheia e aproveite para clicar nos links.
1
A RevirEI – Revista Virtual de Educação Infantil – surgiu da percepção de uma lacuna
importante a ser ocupada e também de uma inspiração... O meio eletrônico como
suporte perfeito, com vistas a tornar acessível, tanto pela ausência de custo àqueles que
vieram a acessá-la quanto pela facilidade espaço-temporal, entre outras características.
A partir desses primeiros planos, porque não pensar e escolher um nome para iniciar
um projeto de extensão na UFPR que viesse ao encontro de tais intencionalidades? O
nome deveria contemplar um tom lúdico, pessoal, relacionado com a identidade da
Revista. A primeira ideia: REVELEI – Revista Eletrônica de Educação Infantil. Bom, indicava
o entrelaçamento pensado. Contudo, “revelar” se articula menos ao protagonismo das
crianças do que a seu papel de expectadora. Enfim... Pensa aqui, brinca ali e surge
outro nome: RevirEI. Perfeito, traz implícito a ação traquina de se mexer, tirar do lugar,
procurar, achar, brincar, descobrir, vir ao encontro; remete ao agir das crianças, ao
desestabilizar e novamente equilibrar.
É tudo isso e muito mais que queremos com a nossa revista. Que a RevirEI permita a
você, leitor, mobilidade, desestabilização e reequilíbrio; encontros, prazer e descobertas.
A cada trecho, buscamos conteúdos e imagens capazes de captar sua curiosidade, de
se relacionar à sua experiência e ampliá-la. Nós viramos, desviramos e reviramos para
você revirar também. Cada sessão da RevirEI reflete sobre as potencialidades dos
bebês e crianças e sobre as muitas possibilidades em termos das práticas educativas
cotidianas em creches e pré-escolas. Agradeço a todos que tornaram possível a RevirEI,
em especial esse número inaugural.
Editorial
CATARINA MOROProfessora Coordenadora da Revista Virtual de Educação Infantil
Dúvidas? Pedidos? Sugestões? Críticas? Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected]
2
3
12 VENDO & REVENDO: Duas opiniões sobre o desenho na Educação Infantil.
16 ENTREVISTA: Luciana Ostetto fala sobre as relações entre arte, infância e educação...
24 SABERES DO COTIDIANO: O artista Antoni Gaudí foi a inspiração de um projeto com crianças de 5 anos.
30 O QUE DIZ A LEI? Mudanças na LDB e suas implicações para a Educação Infantil.
34
4 FIQUE DE OLHO: Indicações de livros, sites e revistas para enriquecer sua prática.
36 VIREI O BAÚ: Memórias dos nosso brinquedos que ficaram em algum lugar do passado.
FIQUE POR DENTRO: Leia a resenha do livro “A Grande Roda de Histórias”.
8 VIRANDO O MUNDO: O cuidado em jogo nas creches do norte da Itália.
4Fi
qu
e d
e O
lhO
... ...nos livros(para ler com os pequenos)
A PRINCESA QUE SALVAVA PRÍNCIPESClaudia Souza
Um conto de fadas moderno com príncipes, princesas e uma pitada de feminismo. Nesta história a princesa é quem salva o príncipe, enfrenta os dragões e bruxas. A autora apresenta um ponto de vista diferente e divertido, contrariando os clássicos contos de fadas.
Editora Callis
O BICHO ALFABETOPaulo Leminski e Ziraldo
Uma divertida coletânea de poemas de Paulo Leminski com ilustrações de Ziraldo. Os 26 poemas foram selecionados do livro “Toda poesia” de Leminski. É um passeio pela natureza, pelo humor e pela linguagem.
Editora Companhia das Letras
FILMES QUE VOAMO portal “Filmes que voam” disponibiliza
filmes e desenhos com audiodescrição e libras, com ênfase no público infantil.
http://filmesquevoam.com.br/
MUITO ALÉM DO PESO (DOC)O documentário “Muito Além do Peso”
discute o tema da obesidade infantil, com histórias reais e alarmantes. Uma reflexão necessária sobre o número crescente de crianças brasileiras com excesso de peso e os impactos desse problema na saúde, educação e lazer.
http://www.muitoalemdopeso.com.br
...nas canções
BICHOS E BUCHICHOSNélio Spréa
Uma ótima mistura de poesia, literatura e música... O livro traz uma coletânea divertida, acompanhada de um CD, para uma bela viagem pelo universo das culturas infantis. Mas, atenção, as atividades do material não estão pensadas para a Educação Infantil. O que vale para os pequenos são mesmo as canções...
Editora Parabolé
5
O BICHO ALFABETOPaulo Leminski e Ziraldo
Uma divertida coletânea de poemas de Paulo Leminski com ilustrações de Ziraldo. Os 26 poemas foram selecionados do livro “Toda poesia” de Leminski. É um passeio pela natureza, pelo humor e pela linguagem.
Editora Companhia das Letras
...na internet
TERRITÓRIO DO BRINCARValorizar e resgatar as experiências do
brincar são alguns dos objetivos do Projeto Território do Brincar, que percorreu o Brasil nos mais diversos contextos (rurais, indígenas, quilombolas, litorâneos e de grandes metrópoles). A experiência fica registrada no site através de fotos, vídeos e relatos. É a partir desse material que a educadora Renata Meirelles e o documentarista David Reeks estão montando um longa-metragem.
http://www.territoriodobrincar.com.br/
FILMES QUE VOAMO portal “Filmes que voam” disponibiliza
filmes e desenhos com audiodescrição e libras, com ênfase no público infantil.
http://filmesquevoam.com.br/
MUITO ALÉM DO PESO (DOC)O documentário “Muito Além do Peso”
discute o tema da obesidade infantil, com histórias reais e alarmantes. Uma reflexão necessária sobre o número crescente de crianças brasileiras com excesso de peso e os impactos desse problema na saúde, educação e lazer.
http://www.muitoalemdopeso.com.br
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......no que acontece
NOTÍCIAS DO NEPIE/UFPR
CURSOS DE EXTENSÃO “Educação Infantil, Infâncias e Arte”Fruto da parceria entre o MEC e a UFPR/NEPIE (Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Infância e Educação Infantil), se destina a profissionais que estão diretamente vinculados
à educação infantil de seus municípios. O objetivo do Curso é propiciar aos participantes
oportunidades de estudo e discussão para ampliar, analisar e desenvolver propostas de
trabalho pedagógico nas linguagens musical e visual, estabelecendo relações com as demais
linguagens da arte no contexto da educação infantil.
EDIÇÕES DO CURSO:
2o semestre/2013 - Curitiba - 41 cursistas - Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiúva do Sul,
Campo do Tenente, Campo Largo, Cerro Azul, Colombo, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais,
Piraquara, Quitandinha e São José dos Pinhais;
1º Semestre/2014 - Paranaguá - 36 cursistas - Matinhos e Morretes;
1º Semestre/2014 - Campo Mourão - 90 cursistas - Campina da Lagoa, Corumbataí do Sul,
Farol, Luiziana, Mamborê, Peabiru e Roncador;
2o semestre/2014 - Cambé - 43 cursistas - Alvorada do Sul, Bela Vista do Paraíso, Guaraci,
Ibiporã, Londrina, Pitangueiras, Porecatu, Prado Ferreira, Primeiro de Maio e Rolândia
MÓDULOS DO CURSO:
Infâncias, Arte e Estética; A Música na Educação Infantil e As Artes Visuais na Educação Infantil.
Como metodologia, os participantes se empenham na composição do “Caderno de Memória”
de cada turma e elaboram individualmente ou em dupla um Portfólio referente a sua experiência
formativa. As turmas finalizadas também tiveram a experiência de uma aula-visita a espaços
culturais, tendo acompanhado mostras no Museu Oscar Niemeyer, Casa Andrade Muricy, Sesi
Cultural e Caixa Cultural. Além desses espaços a turma do Litoral também pode visitar o Museu
do Mar (Aquário) em Paranaguá.
7
CURSOS DE EXTENSÃO “Educação Infantil, Infâncias e Arte”Fruto da parceria entre o MEC e a UFPR/NEPIE (Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Infância e Educação Infantil), se destina a profissionais que estão diretamente vinculados
à educação infantil de seus municípios. O objetivo do Curso é propiciar aos participantes
oportunidades de estudo e discussão para ampliar, analisar e desenvolver propostas de
trabalho pedagógico nas linguagens musical e visual, estabelecendo relações com as demais
linguagens da arte no contexto da educação infantil.
EDIÇÕES DO CURSO:
2o semestre/2013 - Curitiba - 41 cursistas - Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiúva do Sul,
Campo do Tenente, Campo Largo, Cerro Azul, Colombo, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais,
Piraquara, Quitandinha e São José dos Pinhais;
1º Semestre/2014 - Paranaguá - 36 cursistas - Matinhos e Morretes;
1º Semestre/2014 - Campo Mourão - 90 cursistas - Campina da Lagoa, Corumbataí do Sul,
Farol, Luiziana, Mamborê, Peabiru e Roncador;
2o semestre/2014 - Cambé - 43 cursistas - Alvorada do Sul, Bela Vista do Paraíso, Guaraci,
Ibiporã, Londrina, Pitangueiras, Porecatu, Prado Ferreira, Primeiro de Maio e Rolândia
MÓDULOS DO CURSO:
Infâncias, Arte e Estética; A Música na Educação Infantil e As Artes Visuais na Educação Infantil.
Como metodologia, os participantes se empenham na composição do “Caderno de Memória”
de cada turma e elaboram individualmente ou em dupla um Portfólio referente a sua experiência
formativa. As turmas finalizadas também tiveram a experiência de uma aula-visita a espaços
culturais, tendo acompanhado mostras no Museu Oscar Niemeyer, Casa Andrade Muricy, Sesi
Cultural e Caixa Cultural. Além desses espaços a turma do Litoral também pode visitar o Museu
do Mar (Aquário) em Paranaguá.
“Fórum de Debates sobre Educação Infantil”Criado a partir da parceria entre a UFPR/NEPIE (Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Infância e Educação Infantil) e o FEIPAR (Fórum de
Educação Infantil do Paraná), busca reunir pessoas e instituições
voltadas para a questão dos direitos das crianças pequenas à uma
educação de qualidade em estabelecimentos públicos. Constitui-se
como espaço de debate visando promover a formação e integração
dos/as profissionais da área da Educação Infantil e membros do
Fórum de Educação Infantil do Paraná.
Em 2013 contamos com a colaboração dos seguintes professores:
Maria Lucia Santos (APEI-Portugal), Giovanni Faedi (Itália), Bianca
Cristina Correa (USP), Eloisa Acires Candal Rocha (UFSC) e - da
UFPR - Adriana Dragone Silveira, Angela Coutinho, Catarina Moro,
Gizele de Souza e Marynelma Garanhani.
Neste ano acontece a segunda edição, em que já debatemos: “A
pedagogia da infância e a formação dos professores” com a Profª
Rosa Batista (UFSC); “O protagonismo infantil e o projeto educativo:
a experiência de San Miniato” com Sr. Aldo Fortunati; “A Educação
de 0 a 3 anos: tensões e possibilidades” com a Profª Angela Coutinho
(UFPR); “A Educação Infantil como espaço de experiências com/na
diversidade Étnico Racial” com a Profª Lucimar Rosa Dias (UFPR);
“O Brincar e a cultura” com o Prof. Nélio Spréa (Parabolé). No 2º
semestre seguimos com “O Corte Etário”, “As linguagens da arte” e
“A leitura e a escrita”, além de um Seminário para compartilharmos
experiências.
Em 2014 as atividades acontecem uma vez por mês, na primeira
terça-feira, das 19h00 às 22h00.
INFORMAÇÕES: www.feipar.blogspot.com
e-mail: [email protected]
8
No cotidiano das práticas educativas
foi necessário reconsiderar situações que
ocorrem no banheiro, o que nos trouxe
importantes questionamentos: quais limites
existem entre brincadeira e situações de
cuidados? É possível pensar e realizar
contínuas experiências nas mais diversas
situações, mantendo a concepção de
criança como construtora de conhecimentos
dentro de um sistema de relações e, assim,
organizar um contexto que crie oportunidades
interessantes para as crianças? Que atenção
destinamos aos contextos que dizem respeito
a atender as necessidades fisiológicas das
crianças? Que atenção destinamos aos
contextos relativos às atividades lúdicas -
brincadeiras livres ou jogos estruturados?
Nossas experiências com as crianças nos
ajudam a responder a tais questionamentos.
De fato, nas suas atividades de exploração,
vira
ndo
o m
undo
NORTE DA ITÁLIA: Brincar de Cuidar?O banheiro como contexto de expressão do protagonismo e autonomia
Texto originalmente publicado na revista italiana Bambini nº 1/2014 escrito por três autores
da região da Toscana – Aldo Fortunati, Manuela Tanzini e Nadia Testi. Os autores relatam boas
práticas educativas com crianças pequenas em contextos de cuidado, realçando o quanto diferentes
situações no cotidiano das creches/pré-escolas podem ser formativas, ampliando o sentido de
trabalho pedagógico. Nossos agradecimentos a Ferruccio Cremaschi, editor da Edizione Junior e
diretor da Bambini, e a Aldo Fortunati pela mediação que possibilitou a publicação.
Tradução: Gioconda Ghiggi Revisão: Marina Feldman e Catarina Moro
9de descobertas e de brincadeiras, as crianças
não colocam limites de tipo situacional.
Observamos como as crianças
reinterpretam os momentos do cuidado
e se apropriam dos espaços para criar
suas brincadeiras exploratórias e seus
momentos lúdicos de tipo simbólico,
dentro de um clima relacional. Com
base nas observações das atitudes
das crianças, às vezes imprevisíveis,
podemos reorganizar os espaços e as
experiências com base nos seus desejos
e nas suas motivações à experiência e ao
conhecimento. A partir disso, o adulto
pode conceber e organizar os contextos
relativos às situações de higiene e
cuidados pessoais de modo a favorecer
as experiências sociocognitivas das
crianças. Isto significa – para começar –
dar às situações que surgem no banheiro
o mesmo valor que damos a qualquer
outra situação vivenciada na creche.
Nesse sentido, é importante dar atenção
e refletir sobre o espaço, o tempo, os
grupos e materiais; para interferir sobre
estes e sobre as suas interconexões, de
forma fluída, harmônica e contínua, assim
como nas outras situações organizadas
no cotidiano da creche.
Por exemplo, na nossa experiência,
lentamente, o adulto propõe para
um grupo de crianças ir ao banheiro,
tomando cuidado para não interromper
uma situação importante que alguma delas
parece estar vivenciando em outro espaço.
E, neste caso, dando a possibilidade de levar
até o banheiro uma brincadeira iniciada
10
em outro espaço, como forma de
enriquecer e transformá-la em uma
experiência lúdica e de relações novas
e imprevistas. Enquanto a educadora
está trocando as fraldas de Pedro (13 meses),
Arianna (32 meses) entra no banheiro com
uma boneca nos braços, seguida por Carolina
(20 meses), que observa atentamente cada
um dos gestos da educadora. Arianna se
senta no vaso, coloca a boneca sobre a mesa
e pede a Carolina para trazer uma fralda.
Carolina acena, pega uma do trocador e
entrega à Arianna. Juntas, giram e mexem
muitas vezes a boneca e as fraldas entre as
mãos. Colaboram entre si procurando uma
maneira justa de pôr e quando, depois de
numerosas tentativas conseguem colocar
corretamente a fralda na boneca, pulam
contentes.
O adulto favorece as relações, acolhendo
os que desejam subir no trocador “somente”
para observar aquilo que fazem as crianças
vira
ndo
o m
undo
11
ali deitadas: assim criam-se outras trocas
prazerosas e momentos de interações
lúdicas. Como em qualquer situação que se
realiza nas experiências cotidianas na creche,
o cuidar durante as rotinas no banheiro nos
remete à questão do tempo.
Precisamos de um tempo tranquilo,
estendido, de dar-se tempo e dar tempo
às crianças para que estas possam
ampliar constantemente sua autonomia
e protagonismo, possam aprender dos
seus erros, manifestar e desenvolver
competências. Possam dar vida, transformar
e enriquecer relações. Observar os gestos dos
maiores para poder aprender também pela
imitação, observar os comportamentos dos
menores para poder manifestar e desenvolver
as próprias competências tutoriais e
cooperativas. Devemos prestar atenção
ao cuidado, dando escuta aos desejos e as
motivações das crianças. Acolhendo-as em
um tempo e um espaço capazes de oferecer
soluções justas a todos e, sobretudo, a cada
um.
12V
END
O &
RE
END
O
VENDO
O desenho e o universo infantil Andréa Bertoletti
Vendo e Revendo: o desenho infantil
Crianças adoram desenhar! Em
diferentes situações cotidianas traçam
linhas e rabiscam, materializando
mundos imaginários que se
transformam em singulares modos de se
expressar, se comunicar, se relacionar... O
desenho, dentro do rico universo infantil,
é uma maneira de exprimir o que sentem
e pensam sobre o mundo, sobre os outros
e sobre si mesmas. Com um lápis na mão
desenham e, concomitantemente a este
ato, passam a entender melhor suas
emoções, expressar seus sentimentos e se
relacionar com o entorno.
Uma das principais funções do
desenho no desenvolvimento infantil
é a possibilidade de representação da
realidade vivida. Registrar através de linhas
e formas situações vistas e vivenciadas
é uma maneira criativa e sensível de
lidar com os complexos elementos que
configuram o dia a dia da criança.
Porém, esse rico processo criativo é,
muitas vezes, apreendido como algo
deslocado do entorno sócio cultural. No
âmbito escolar quase sempre permanece
a crença sobre a natureza e o propósito da
atividade artística como autoexpressão,
relacionada apenas às questões emotivas-
em detrimento das reflexivas e inter-
relacionais. Assim, desenhar no espaço
da escola acaba sendo uma forma de
entretenimento cujo processo, na maior
parte das vezes, é totalmente livre e
espontâneo. Porém, o desenho deve ser
inserido no cotidiano escolar como uma
importante expressão gráfico-pictórico
que deve basear-se em significativas
experiências sociais e estéticas.
Portanto, aprimorar a criatividade
e a percepção de mundo através do
desenho ultrapassa o domínio técnico e a
autoexpressão pois possibilita, junto a uma
poética pessoal, novas formas de ser e agir.
Mas, para que efetivamente isso ocorra,
é necessário que haja, junto ao fazer, o
contato com o legado artístico e cultural. E
neste caso, ao se tratar do desenho infantil,
o contato com a produção em linguagem
gráfica de diferentes tempos e espaços.
13
REVENDO
VENDO
A percepção, a leitura e a interação com
a diversidade estética de imagens amplia
o repertório, alimenta a imaginação e
desenvolve a criatividade para que a
produção infantil passe a ser cada vez mais
inventiva e autoral. Cabe ressaltar que a
apropriação crítica e sensível de produções
imagéticas se faz no fruir, pensar, produzir,
brincar, construindo sentidos pessoais e
alimentando a teia de percepções, relações
e ações. Para isso, considera-se o professor
importante mediador no desenvolvimento
do processo criativo das crianças, que
engloba tantos aspectos emocionais
quanto racionais. Desenhar, como foi
visto até aqui, não é simplesmente uma
questão de autoexpressão espontânea,
mas de apreensão, junto à singularidade
expressiva, dos códigos que abarcam a
linguagem do desenho.
Neste sentido é fundamental, para
estimular as crianças a desenhar e se
apropriar gradativamente de seu gesto
gráfico, fornecer diversificados materiais
e diferentes suportes. Mas também é
essencial que os pequenos entrem em
contato com o universo representacional
do desenho. A apreensão da cultura através
de suas manifestações artísticas contribui
efetivamente para o desenvolvimento
cultural dos educandos, oportunizando
conhecer as especificidades do universo
artístico, bem como os aspectos culturais
da sociedade em que estão inseridos.
A produção infantil, da mesma forma,
deve ser apreciada junto às crianças. O
processo de criação e (re)significação do
mundo é amplo, complexo e constante.
As narrativas visuais se configuram ao
longo da vida escolar como um fecundo e
aberto diálogo enquanto formas criativas
de expressão e comunicação. O perceber,
o vivenciar e o construir, suscitados pelo
universo cultural e artístico, propiciam
a construção de conhecimentos através
do desenvolvimento da sensibilidade,
ampliando a percepção de mundo. É
primordial, portanto, brincar e interagir
frequentemente com diferentes
produções gráficas para que ampliem seu
repertório, sua sensibilidade e sua relação
com esta linguagem tão presente em seu
cotidiano. Assim podem, efetivamente,
construir um mundo imagético com
liberdade e criatividade, alimentando
incessantemente este jogo simbólico ao
longo de sua vida escolar.
ANDRÉA BERTOLETTI é arte-educadora, com mestrado na área pela Udesc.
14VENDO
Vendo e Revendo:o desenho para além
do desenhoExperiências significativas com o desenho na
turma de Pré do CMEI Liberdade, em Curitiba. FOTOS: Ana Júlia Rodrigues
15
REVENDO
Vendo e Revendo:o desenho para além
do desenhoExperiências significativas com o desenho na
turma de Pré do CMEI Liberdade, em Curitiba. FOTOS: Ana Júlia Rodrigues
16
VENDO
Refletir sobre o desenho no cotidiano
educativo com crianças pequenas nos
provoca algumas questões: o desenho é
uma atividade espontânea das crianças
ou constitui-se socialmente, como fruto
de aprendizado? O desenhar promove
o desenvolvimento psicomotor na
infância? A proposição do desenho
pode sempre se basear na livre criação
das crianças? O desenho é uma atividade
individual ou pode ser coletiva? Como
proporcionar às crianças experiências com
o desenho que agucem sua curiosidade,
revelem suas diferentes formas de
compreensão e de relação com traçados,
cores, formas, ritmos, texturas?
Se entendemos o desenho como uma das
formas de expressão das crianças pequenas,
vemos o desenho como linguagem e como
arte. A representação pictográfica não é
espontânea no desenvolvimento. Não é
resultado nem está a serviço exclusivo do
desenvolvimento psicomotor. Desenhar é
uma ação que se constitui socialmente, que
se cultiva. O desenho sintetiza esquemas
de representação, que são construídos
pelas crianças em situações ativas de
busca de conhecimento e aproximação a
outros desenhos produzidos socialmente e
acumulados historicamente.
Assim, a criança é de um
lado autônoma e de outro
sujeita às regulações das
influências culturais que
recebe. Ao desenhar, as
crianças estão contando
suas histórias, criando
narrativas, mostrando suas
compreensões, emoções e
percepções da sociedade.
O universo das crianças
se distingue da realidade do
adulto: para a criança não
existe divisão entre a realidade visual e a
emocional. O desenho infantil apresenta
o significado que as coisas têm para ela
e não relações de tamanho ou cor que
elas veem. As crianças podem ter padrões
estéticos próprios diferentes daqueles
dos adultos. Desenhar é um processo de
reelaboração da relação com a realidade,
que integra cognição, afeto e imaginação.
Numa perspectiva histórico-cultural
os desenhos infantis não podem ser
considerados códigos em si mesmos, pois
necessitam do diálogo da criança consigo
mesma, com outras crianças e com o
adulto, podendo explicitar em palavras os
Vendo e Revendo: o desenho infantilDESENHO E PROCESSOS IMAGINATIVOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Catarina Moro
VEN
DO
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EEN
DO
O QUE CABE AO PROFESSOR?
>Selecionar e organizar material de
qualidade (vários suportes e riscantes);
>Preparar situações que ampliem o
repertório das crianças;
>Possibilitar que as crianças tenham e
descubram respostas às incertezas e
dúvidas do processo criativo;
>Realizar visitas a mostras, museus,
oficinas e ateliês de artistas locais;
>Testar as estratégias, técnicas e materiais
que for propor às crianças;
>Investir na sua expressão artística.
17
REVENDO
significados das figurações propostas.
Na Educação Infantil é importante
considerar o desenho como processo e
não como produto.
Assim, em grupo, a
atividade de desenho
pode revelar formas
de cooperação, de
influência de uns na
elaboração do desenho
de outros. Mesmo
quando o adulto
propõe produções
individuais, acontecem
interações entre as
criações das crianças,
pois elas conversam
entre si, perguntam o que irão desenhar,
compartilham dificuldades ou pedem
sugestões. Essas trocas provocam
mudanças nas crianças que desenham –
em seus modos de perceber, de lembrar e
de nominar - e no desenho em si – formas e
figuras novas, mais detalhes, uso de cores
diferentes. Assim, desenhar no coletivo,
ainda que o desenho seja individual, deve
ser uma ação acompanhada de conversas,
risos, discussões. Isso pode mobilizar
sentimentos e emoções importantes
que, provavelmente, contribuirão para
o desenvolvimento da imaginação e da
elaboração criativa. Um ambiente que
favorece essa condição contribui para a
fluidez e para o entendimento de que o
desenho é uma atividade prazerosa, com
inúmeras possibilidades e desafios.
Tais interações não atrapalham a
concentração e dedicação das crianças.
Às vezes uma ou outra criança para de
desenhar e fica observando as outras
crianças desenhando. Depois aquela
criança poderá aproveitar o momento de
“não-desenho” em suas criações. A pausa é
necessária no momento de elaboração do
desenho, assim como ocorre na escrita. É a
pausa que muitas vezes oferece elementos
para a criação de outro desenho, ou para
ampliar uma criação previamente iniciada.
Mas isso dependerá da maneira como o
adulto conduz a atividade.
Nesse sentido, para enriquecer a
imaginação e criação das crianças é
importante que o desenho não tenha
uma finalidade burocrática, psicomotora
ou preparatória. A intencionalidade do
desenho na Educação Infantil é fortalecer
e expandir os processos imaginativos
das crianças, assim como fazem a arte, a
literatura e o faz-de-conta...
*Agradeço à Joseth Antônia Oliveira Jardim Martins pela leitura crítica e pelas sugestões.
CATARINA MORO é professora da área de
Educação Infantil da Universidade Federal
do Paraná.
O QUE CABE AO PROFESSOR?
>Selecionar e organizar material de
qualidade (vários suportes e riscantes);
>Preparar situações que ampliem o
repertório das crianças;
>Possibilitar que as crianças tenham e
descubram respostas às incertezas e
dúvidas do processo criativo;
>Realizar visitas a mostras, museus,
oficinas e ateliês de artistas locais;
>Testar as estratégias, técnicas e materiais
que for propor às crianças;
>Investir na sua expressão artística.
18ENT
REVIST
ALuciana Ostetto: Nós e as crianças,
de mãos dadas com a artetexto: marina feldman foto: daniele marques vieira
Aonde está a arte na Educação Infantil?
Eu diria que está no subsolo. Acontece
aqui e ali, mas não aparece como algo
importante, de primeira grandeza. A arte
está no porão, escondida.
As diferentes linguagens estão nas
Diretrizes Nacionais, mas, na prática, a
arte não é um elemento do currículo.
Ela aparece travestida no trabalhinho, na
atividade para as datas comemorativas,
um enfeite, um babadinho... Uma forma
caricata. Não é compreender a arte
como conhecimento, como espaço de
experimentar o mundo.
O que você olha quando entra em um
CMEI?
Eu vejo a estética do espaço. Eu chego,
eu já sinto. O espaço me fala como são as
relações, como é compreendido o espaço
da arte, como a criança é vista, como a
brincadeira está inserida... Então, se você
chega e têm prateleiras altas, os brinquedos
em caixas, você já consegue perceber que
é a professora quem diz a hora de brincar.
Se você entra em um espaço e não tem
mesas, materiais gráficos, canetinhas, lápis
de cor, papéis de diferentes tamanhos,
tintas, pincéis... Você já percebe que ali as
Luciana Esmeralda Ostetto é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e, por essa e por outras, tem um olhar atento para a formação de professores. Tudo sempre pensando no bem estar e nas experiências que poderemos oportunizar às crianças. Nesta conversa com a RevirEI, Luciana não dá respostas prontas. Para dialogar com ela é preciso pensar na nossa prática, com outro olhar. Ela nos lembra dos (pequenos) sujeitos com quem trabalhamos, de nossa própria criança interior, do olhar que enxerga a beleza e faz um convite: que tal entrarmos nessa ciranda?
19linguagens expressivas não são cotidianas.
Depois disso, olho a decoração. O que
tem de produções da criança? O que
tem de imagens da mídia, da indústria
cultural? Como é essa estética? Qual é a
composição?
E falar de arte na educação infantil é
também falar da materialidade. O
que tem a disposição das
crianças? Tem madeira?
Tem sementes? Tem
areia? Tem coisas
da natureza? Ou
somente o plástico,
o EVA, o TNT,
esses materiais
frios, pobres de
ex p e r i m e nta çã o,
que não colocam
questões pra criança?
Eu fico muito triste
quando eu chego e
tem aquele varalzinho
com desenhos prontos, murais
com imagens estereotipadas e com esses
materiais pobres: papel crepom, EVA... Eu
digo que a Educação Infantil é um “reino do
EVA”, que é tão pobre de experimentação,
de sensação. Ele tá ali, liso e limpinho,
e não problematiza a composição, o
manuseio, a construção da criança.
Valeria mais você ter um canto das
madeirinhas, dos toquinhos, das bolinhas,
das sementes, das folhas. Isso propõe pra
criança um desafio e não simplesmente
“pinte aqui”, “cole aqui”.
E o professor, sabe disso?
O que eu tenho percebido, na formação
de professores, é que o gosto do
professor recai sobre a sua
prática. As imagens da
mídia, das produções de
massa, também são do
gosto do professor. Ele
não vê problema em
colocar ali dentro a
imagem das princesas
da Disney porque as
crianças gostam e
ele acha bonitinho.
E não adianta dizer
“olha, não é bom usar
imagens da mídia” se isso
não passar pela experiência
do professor.
E como o educador pode modificar o
seu olhar e se tornar também sujeito da
experiência estética?
Defendo que na formação precisamos
abrir espaço pra própria experiência.
E isso implica ir a outros espaços, que
não só o da escola, da universidade. Ir
BIENAL INTERNACIONAL DE CURITBA, EM 2013
obra de efigênia rolim
20ENT
REVIST
A
ao teatro, ir ao museu... Experimentar!
Realmente se colocar como um fruidor
e não simplesmente como aquele que
fala sobre. Perceber as mudanças que
acontecem no seu entorno. As estações do
ano, o sol, a lua, as mudanças na natureza.
Toda essa percepção do entorno depende
de uma sensibilização. É preciso abrir
espaço para que o professor reencontre
suas linguagens. Pra que ele vivifique esse
ser da poesia que ficou preso em algum
lugar quando ele deixou de ser criança.
O professor, pra estar com o outro que é
criança, precisa se conectar com sua criança
interna. É o polo da aventura. Esse que diz:
por que você não vai? Experimenta! Viva o
momento, olhe ao redor...
E o corpo do educador, onde fica?
A repressão da beleza passa também pela
contenção do corpo. É preciso reconectar
com essa inteireza que é também corpo,
movimento.
Na minha pesquisa de doutorado,
que fala de formação de professores,
eu trabalhei com as danças circulares
com quem luciana dialoga?LORIS MALAGUZZI
“...ele diz que a escola
inteira tem que ser um ateliê.”
“...o professor precisa
estar com a criança, precisa
estar disponível a ela. Estar
perto o suficiente para
acolher e dialogar, mas
longe o suficiente pra não ser
intruso. Não conduzir todo
o processo da criança, mas
também não abandoná-la.”
ANA ANGÉLICA ALBANO
“...o primeiro ateliê da
criança é a caixa de areia.
Os bebês, na caixa de areia,
interagindo com as pedrinhas
ou mesmo com brinquedos
compõem, recompõem,
constroem, desconstroem
e experimentam a
materialidade. Agora, se
não tem caixa de areia, já
não tem espaço pra essa
experimentação inicial.”
FRANCESCO TONUCCI
“...a criança aparece como
uma grande cabeça na escola.
Só na hora do recreio está
inteira. O professor esteve
tanto tempo nos bancos da
escola que se transformou
só em cabeça. E o corpo é o
lugar do órgão que capta a
beleza, o coração.”
21com quem luciana dialoga?
propondo justamente a vivência. É preciso
convidar o educador a entrar na roda
dessa ciranda que é de todos. Ele não pode
ser apenas um espectador. Ele precisa
captar a beleza, a poesia, ser modificado
na relação com a criança e com a arte. E
para isso é preciso revisitar todos os seus
sentidos, fazer com as próprias mãos.
Colocar-se o desafio de criar. E, por outro
lado, sair a visitar. Fazer e contemplar são
as duas partes que complementam essa
inteireza do professor.
E o “como” fazer? Como trabalhar a
arte na Educação Infantil?
A gente sabe que não existe prática sem
teoria, que toda ação corresponde a uma
compreensão. Por isso que é difícil você
fazer uma recomendação: “Ah, seria bom
fazer isso”. Porque a ação destituída da
reflexão vira... Como eu diria? Como se
fosse um manual. O que se deve fazer é
complexo, porque justamente envolve
esta compreensão da Educação Infantil,
da criança, de espaço, da arte...
Acho que a primeira questão é olhar a
ANNE MARIE HOLMES
“...não pode haver beleza
onde o professor não sabe
captar o que a ela chama de
sublime. O que é o sublime?
É uma música que soa no
espaço, naquele momento
de infinita beleza. E se eu
não estiver conectado com o
coração, eu não vou escutar.”
JAMES HILLMAN
“...ele diz que a repressão
da beleza impera em todos
os lugares e é preciso superar
isso. Eu gosto muito dessa
imagem dele e vejo que a
beleza tá reprimida no CMEI.
É preciso libertá-la. Como?
Aí que entra a formação do
professor e a compreensão.”
FERNANDO PESSOA
“...ele diz assim: ‘A criança
que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser
quem sou. Mas hoje, vendo
que o que sou é nada, quero
ir buscar quem fui onde
ficou’. O adulto vem ser
adulto e deixa a imaginação,
a experimentação de lado.”
obra de luis felipe noe
(falas de luciana ostetto sobre os autores)
22criança. Quem é essa criança? O que ela
tá fazendo? O que ela tá perguntando
sobre o mundo? E, em seguida, essa
disponibilidade das materialidades.
Precisamos disponibilizar materiais
pra que a criança possa criar. Como
pesquisa, como exploração, como
experimentação. Esse desafio da
criação que se dá no diálogo com os
materiais. Se você só tem papel A4,
lápis de cor e algumas vezes canetinha
é muito pouco desafio. Agora, se você
disponibiliza cantos com diferentes
materiais, possibilita à criança essa
interação e esse ambiente para criar.
É claro que estes materiais nem sempre
estão disponíveis para o professor. Só
que se o professor não conhece e não
revindica, também não virá. A via é de
mão dupla. Além disso, há materiais que
também podem ser obtidos de outras
formas. O papelão, por exemplo, é uma
alternativa ao papel A4. Uma forma de
fazer diferente sem ficar preso à questão
da disponibilidade.
Mas ainda pensando no “como”, cabe
lembrar que arte, a educação estética,
envolve tudo que está no ambiente. Que
questões proponho pras crianças nesse
espaço? Há que se compreender que não
existe a hora de ensinar a arte. Justamente
falamos de educação do olhar, o que
aparece no próprio visual da sala.
Agora, existem situações mais
sistematizadas, que objetivamente você
coloca como momento de experimentação.
Uma forma de organizar esses momentos
é o trabalho em pequenos grupos.
Superando aquela ideia de que “agora
todos vão fazer bolinhas”, “agora todos
vão usar massinha”. Assim, o professor
pode acompanhar o percurso investigativo
da criança. E não para mostrar como se
faz. Para dialogar com as perguntas das
crianças.
Outra maneira de construção é o ateliê.
Não só num espaço, mas o ateliê como
um conceito: um espaço da criação, da
exploração, da pesquisa, da apropriação
de novos repertórios.
Como você faz pra trabalhar com tinta?
Ou argila? Você faz muita bagunça, sujeira
e precisa ter um espaço receptivo a isso.
Os professores não podem ficar reféns
do pessoal da limpeza. É impossível um
processo de criação que não faça sujeira,
que não tire as coisas do lugar. Na verdade
a proposta é essa: que se tire as coisas do
lugar pra colocar as coisas em um lugar
diferente. Na apropriação da criança, na
sua cognição, no seu afeto, as coisas saem
do lugar e se recompõem. Tem esse jogo:
desarruma no espaço pra arrumar no
corpo da criança.
ENTREV
ISTA
obra de luis felipe noe
23
obra de luis felipe noe
E se não existe esse espaço específico,
você pode usar a própria sala ou outros
espaços do CMEI. Se você tem o refeitório,
uma sala, um espaço externo, pode jogar
com isso. Um grupo pode trabalhar no
refeitório enquanto os outros estão na
sala de referência.
Não sei se respondi a pergunta. Mas o
importante é compreender o que você
está propondo pra criança. Que não é
uma atividade pra colocar na pasta de
trabalhinhos. É um processo feito com
tempo, onde a criança vai se modificar na
relação como sujeito. A criança, quando
mexe com os materiais, tá pensando,
sentindo, imaginando, expandindo seu
contato com o mundo. Essa é a base: que
a experimentação, a fantasia, o projetar
são mais importantes do que o produzir.
Pensando nisso tudo, qual deve ser o
lugar da beleza, da poesia, na Educação
Infantil?
Eu diria que a beleza precisa estar
presente, ela que deve ser o motor da
prática. E qual é o órgão que capta a
beleza? É o coração. A menos que façamos
esse movimento de um pensamento que
passa pelo coração, vamos continuar
reprimindo a beleza. É preciso juntar o que,
contemporaneamente, fragmentaram.
O pensar e o fazer. O sentimento e a
cognição. A razão e a emoção. Tudo isso
está junto!
Hoje há repressão da beleza porque
esse órgão não está sensibilizado, porque
o sujeito está preso. Eu estou preocupada
com a alfabetização, com o sucesso que
a criança vai ter depois. É uma questão
racionalista, cognitivista. Porque eu
tenho que ensinar, eu não permito esse
contemplar, esse ser da poesia.
A criança é um poeta, como diz Carlos
Drummond. Por que ela exprime, ela tem
ideias, ela experimenta, ela imagina... Mas
o processo repressor da beleza vai dizendo
que ela não pode isso, não pode aquilo.
Só pode a regra, só pode o controle. E
o professor acaba se perdendo nessa
história.
Então, o professor precisa recuperar essa
dimensão estética pra poder viver a beleza
nos mínimos atos sublimes da criança.
Precisa estar sensibilizado pra poder se
admirar e qualificar o momento em que a
música soa e aí você diz: “eis aqui a criação,
eis aqui o sublime”, a criança sendo, na
sua inteireza, e sentindo a beleza. A gente
precisa cultivar isso.
Para esse processo é necessária uma
suspensão do olhar, um tempo. Como
inserir isso na rotina do CMEI?
A questão do tempo é uma questão
24de escolha. Se você compreende que é
preciso experimentação com os materiais,
com as linguagens expressivas, você vai
organizar o tempo em função disso. E
não o contrário, as crianças se adaptarem
a um tempo relacionado às questões
administrativas, a hora que almoça, a hora
que lancha... Um tempo que escraviza.
Ora, é por isso que a arte tá no porão.
Porque pra que as linguagens expressivas
estejam presentes como um elemento
do currículo é preciso tempo. É preciso
tempo de espera, de contemplação, do
processo. Não é “vamos começar um
trabalhinho que precisamos terminar
daqui a 20 minutos”. Eu posso começar
um experimento com a criança em que
hoje ela faz um pouco e amanhã ela pode
retomar, rever, problematizar. Essa ideia
do processo. Numa organização onde tudo
é pra já, você não faz esse percurso de
pensar, de repensar, de revisitar. Porque
justamente você pensa só no produto e
não no processo.
De um modo geral penso que os tempos
precisam ser redimensionados e colocados
a favor da experiência, e não a favor da
lição ou da aula. O grande desafio do
professor de Educação Infantil é esse: ser
professor sem dar aula. Sem aquela ideia
do ensino tradicional de que eu tenho que
passar um conteúdo.
Se o princípio hoje está cada vez mais
colocado, de que a criança é sujeito
de direitos, uma criança que imagina,
que joga, que brinca, que tem ideias e
proposições... Pra que essa criança tenha
espaço, eu preciso redefinir o tempo.
E é o tempo em função de que? Das
necessidades do adulto? Ou é um tempo
em função das necessidades das crianças?
A instituição de Educação Infantil existe
com as crianças, para as crianças e não
sem as crianças ou apesar delas. Na
verdade todo o tempo do cuidado, da
alimentação, é o tempo do fazer com a
criança. Isso precisa ser alargado. Falar
em experiências estéticas envolve todos
os tempos e espaços. As crianças estão
criando quando estão no espaço, na
brincadeira, na areia...
Em relação ao refletir sobre a prática, o
que é essa ideia de “atividade didática”
que você nega?
Quanto eu falo em atividade didática é
num sentido de que eu já sei aonde eu
quero chegar. Eu faço perguntas didáticas
pra que a criança me responda algo. E aí
eu digo “Ah, é isso mesmo! Muito bem!”
ou “Não, você está enganado!”. Assim o
professor não entra realmente na corrente
de interlocução verbal.
Se eu digo que a criança é capaz de ter
ENTREV
ISTA
25ideias próprias, de fazer considerações que
escapam ao meu controle, devo conversar
de verdade com a criança. Entrar na sua
lógica, estar verdadeiramente interessado
no que a criança tem a dizer, no que ela
revela. E não ser apenas um caminho para
introduzir um assunto, um objetivo.
Sobre o papel do professor, tenho
começado a pensar que, mais do que um
mediador, é preciso que o professor seja
um interlocutor. Quando você diz que é
um mediador dá a impressão de que “eu
tenho aqui o saber, a verdade, e vou fazer
uma mediação pra que você chegue nele”.
Agora, se eu sou um interlocutor, eu me
coloco disponível pra te ver, pra te ouvir, pra
compreender. Para, na relação, se revelar
o saber. Uma relação que é dialógica.
O professor precisa estar imbuído da
possibilidade de se surpreender, de se
maravilhar com o que a criança diz e faz,
mais do que controlar todo o processo.
E, como uma palavra final, como
podemos plantar uma sementinha de
poesia no dia a dia da Educação Infantil?
Difícil dizer, mas penso que um caminho
poderia ser acreditar. Acredite em si e na
criança. Se coloque aberto para novas
experiências. A ideia de sair do cais para se
jogar ao mar. Sair do lugar onde eu estou
só observando e entrar na ciranda. Dar
as mãos para as crianças. Para a criança
interna e a criança externa. Escutar e
parar para sentir mais que dizer como se
faz. É preciso que o professor recupere a
sua capacidade de sonhar, recupere a sua
inteireza.
Acho que a imagem é essa: entre na
roda, dê as mãos a sua criança interna e
as crianças externas e comece a romper
o que sempre foi assim, ouvindo mais as
crianças e arriscando caminhos.
Artigos de Luciana Ostetto Disponíveis ONLINE
Educação Infantil e Arte: Sentidos e
Práticas Possíveis
Planejamento na Educação Infantil... Mais
que a atividade, a criança em foco
alguns livros publicados(clique neles)
26
Antes de começar um trabalho de
pesquisa sempre “plantamos” a temática
escolhida, conversando a respeito e
levantando os conhecimentos prévios
que as crianças trazem. Para introduzir
este projeto apresentei às crianças
imagens e fotografias das obras mais
conhecidas do artista como “A Sagrada
Família” e o “Parque Güell”. Pude
observar que o Parque Güell gerou maior
interesse, possivelmente pelas estruturas
desalinhadas, a imensa variedade de
cores, a luminosidade dos mosaicos de
azulejo e principalmente o enorme Dragão
no eixo central das escadas do parque.
Foi daí que surgiu a ideia de reproduzir o
dragão em tamanho real, utilizando a técnica
de modelagem em jornal (confira as imagens
na próxima página). Já tínhamos trabalhado
com esta técnica ao longo do ano e as crianças
tinham alguma experiência. Montamos a
estrutura do dragão com jornal e fita crepe e
depois colamos varias camadas de pequenos
pedaços de jornal para dar firmeza à peça.
Decidir o tamanho, o comprimento e a
largura da escultura também foi uma árdua
tarefa! Estes conceitos foram discutidos
e experimentados muitas vezes, antes e
durante o processo de construção da iguana.
Para isso, deixava sempre á disposição das
crianças réguas e fitas métricas com as quais
íamos calculando o tamanho que o dragão ia
ganhando.
Para uma maior organização, a turma foi
divida em pequenos grupos. Cada um deles
tinha a responsabilidade pela construção de
uma parte do corpo, para depois realizarmos
juntos a montagem do todo. Ao finalizar
a construção, para o nosso assombro,
descobrimos que o lagarto tinha chegado a 3
metros de comprimento!
O próximo passo era a pintura base, que
SABER
ES DO
COTIDIA
NOAntoni Gaudí: um artista como inspiração
para a criação das criançasA professora Laís realizou um projeto com um grupo de 4 e 5 anos usando o arquiteto modernista
Antoni Gaudí como objeto de pesquisa. As crianças conheceram diversos aspectos de sua vida e
obra, através da pesquisa e da discussão no momento da roda. Além disso, a produção do artista
serviu de inspiração para alguns produtos criados pelas crianças, em grupos ou individualmente.
O último destes trabalhos, com muito esforço da turma, acabou resultando em uma releitura em
tamanho real da iguana/dragão que fica no Parque Güell, em Barcelona. Confira aqui o relato
desse processo, nas palavras da professora Laís...
27as crianças fizeram com tinta guache branca.
Em seguida, a finalização: colar pequenos
pedaços de papel laminado, criando a ilusão
de que eram azulejos quebrados, como na
obra original.
Durante todo o processo de construção, meu
papel foi apenas de orientar e documentar os
passos do processo. Acredito que, durante o
processo criativo, as crianças não precisam
de mais que isso.
Hora de mostrar o que fizemos...
Enquanto as crianças construíam o dragão,
trabalho que durou aproximadamente um
mês, também iam desenvolvendo outros
trabalhos de artes: autorretrato com tinta
guache em capa de disco, reprodução
da “Sagrada Família” com tinta nanquim
em laminas de plástico, “La Pedrera” em
banner de vinil com tinta guache... Toda essa
produção artística faria parte do produto final
do projeto, uma exposição para os pais e toda
a comunidade escolar.
Alguns dias antes da exposição, organizados
em roda, conversamos sobre o que sabíamos
sobre o artista e que seria importante
compartilhar com os pais. Queríamos também
falar sobre as técnicas utilizadas e como foi o
processo dessas produções todas. Com estas
anotações, cada criança escolheu a sua fala.
Inauguramos a exposição com uma
pequena apresentação das crianças. Assim os
pais puderam perceber o porquê da utilização
dos materiais escolhidos e apreciar o olhar
das crianças sobre o artista pesquisado.
Desta forma a exposição mostrou como esse
percurso influenciou fortemente o grupo.
Ampliaram seu interesse pela arte, o gosto
pelo trabalho em ateliê e a valorização de
materiais descartáveis- que eles conseguiram
transformar em verdadeiras obras de arte!
E esse olhar, acaba alí?
Posso dizer que não! Quando a Revirei
me pediu para relatar uma de minhas
experiências logo pensei neste trabalho, que
já havia realizado de maneira semelhante
alguns anos antes. Poucos dias depois um
ex-aluno, agora com oito anos, chegou à
minha sala com um presente que havia me
trazido de sua viagem à Espanha. O presente
era uma réplica da iguana do Parque Güell!
Porque, depois destes anos todos, ele ainda
lembrava-se daquele trabalho?
Possivelmente porque um trabalho de arte
planejado, onde se garante a participação das
crianças durante todo o processo de pesquisa
e construção das obras, proporciona à criança
uma descoberta. Descoberta que ajuda a
desenvolver a capacidade de apreciar a
linguagem artística e ser impactado por ela.
LAÍS SANTOS DUARTE
28
Construindo, planejando e papeando...Conversas das crianças ao longo do processo de construção da iguana.
Gente, vamos começar pelo esqueleto do dragone, né!? (IZABEL) Pode ser. Vai ficar bem comprido, porque
o dragone tem que ficar igualzinho ao do parque do Gaudí. (MARIA LUIZA)
Vamos precisar
de bastante fita
crepe
para forrar o j
ornal e deixar a
s costas
dele bem gorda,
quer dizer, com
volume.
(MATHEUS)
Isabel pega a fita métrica e Maria Luiza uma régua.
Olha já tá bem comprida! Tem 183...de tamanho! (IZABEL)
Preciso de muitas réguas de 30 para cobrir. (MARIA LUIZA)
Maria Luiza pega várias réguas...
É, gente, depois a gente mede.Vamos fazer os braços do dragone, porque são 4, né? Vai demorar muito! (MATHEUS)O braço que eu to fazendo tá
quase pronto. Manu, você segura para mim? Vou passar a fita crepe em volta do jornal.(ALANA)
29Nesse momento, as crianças
pegam a estrutura e colocam
em cima da mesa.
Agora, em cima da mesa, vai ser mais fácil fazer os dedos e a cabeça. (DANIEL)
O Dragone
tem 5 ded
os...
(GABRIEL)
Na verdade 10 dedos, né? Porque as duas pernas, uma de cada lado. E 5 mais 5 é 10! (MATHEUS)
Não! Vai ser mais que 10 dedos. Porque ele vai ter 4 pernas. 2 na frente e 2
atrás. (RENATO)Então vai ser 20 dedos no total. Porque 5 mais 5 mais 5 mais 5... Dá 20! (KENZO)
No dia seguinte, havia vários potes espalhados nas mesas, com cores diferentes de papel laminado
previamente cortado. As crianças começam a colar aleatoriamente o papel no dragão.
Gente, tá errado! Olha a fotografia e a mini escultura do dragone....Não é essas cores! (DANIEL)
André e Gabriel vão até a escultura e observam bem de perto.
O Dani tem razão...Vamos fazer igual ao Dani. (ANDRÉ) Já sei! Vamos pegar a escultura e colocar perto
da gente. Vamos fazer a cabeça igualzinho...Vamos, Gabriel e André? (DANIEL)
É, gente... Vamos demorar alguns dias para terminar de colar ‘tudinho’ o nosso dragone. Só falta saber como a profe vai fazer para sair água
da boca dele sem molhar o jornal!
30SABER
ES DO
COTIDIA
NOGALERIA DE FOTOS
31
Acompanhe um pouco do processo da turma, na produção do Dragão...
LAÍS SANTOS DUARTE é professora de G3 (4-5 anos) na
Escola Palmares/Projeto 21.
32O
qu
e di
z a
lei?
Sobre a Lei 12.796/2013 e implicações à Educação Infantil Daniele Marques Vieira
mudanças na lei...
Constituição Federal 1988
Art. 208. O dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia
de:
I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito,
inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria;
II- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao
ensino médio;
III- atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade;
Desde a Emenda Constitucional 59 (2009), que anunciou a obrigatoriedade de
matrícula na Educação Básica dos 4 aos 17 anos de idade, a Educação Infantil
tem sido exposta à fragilidade de sua constituição como etapa no sistema
educacional brasileiro. Primeiramente pela divisão que distingue o
atendimento por faixa etária: de 0 a 3 anos de idade na creche
(gratuito, porém não obrigatório) e de 4 a 5 anos de idade na pré-
escola (gratuito e obrigatório).
Por um lado o direito está preservado pois, a partir da opção
familiar, a criança pode ou não frequentar a instituição
educativa. Por outro, a não obrigatoriedade permite
que esta etapa não seja vista como prioridade pelo
poder público. O foco acaba sendo posto na oferta
de vagas para crianças a partir de 4 anos, uma
vez que a obrigatoriedade de matrícula
requer a oferta inadiável desse
atendimento nas redes municipais
de ensino. Outra questão central
é da qualidade da oferta e as
condições destas vagas
atenderem às Diretrizes
C u r r i c u l a r e s
Nacionais para a
33
Sobre a Lei 12.796/2013 e implicações à Educação Infantil Daniele Marques Vieira
Educação Infantil (DCNEI, 2009). Nesse âmbito podemos destacar que a garantia
de oferta da educação infantil - creche e pré-escola - para todas as crianças
brasileiras, constitui-se em uma obrigação do estado que deve corresponder
aos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006),
o que implica em atender às especificidades que caracterizam essa
etapa. Isso também implica estar de acordo com os Parâmetros
Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil
(2006).
Pensando na questão da adequação das redes
municipais e o desafio da universalização da matricula
na pré-escola até 2016, podemos destacar o
Programa ProInfância, criado em 2007 para
prestar auxílio financeiro aos municípios
para a construção de equipamentos de
ensino - instituições de educação
infantil – em acordo com os
parâmetros de qualidade
acima ressaltados.
R e s s a l v a - s e ,
contudo, que é
atribuição do
m u n i c í p i o
Emenda Constitucional 59/2009
Art. 208. O dever do Estado com a educação
será efetivado mediante a garantia de:
I- educação básica obrigatória e gratuita dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada
inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade própria;
II- progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III- atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV- educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos
de idade;
34proporcionar as condições
básicas de atendimento a
essa faixa etária. Atendimento
este que, levando em conta o Art.
5º das DCNEI, se dê em instituições
que se “caracterizam como espaços
institucionais não domésticos que
constituem estabelecimentos educacionais
públicos ou privados que educam e cuidam
de crianças de 0 a 5 anos de idade no período
diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e
supervisionados por órgão competente do sistema de
ensino e submetidos a controle social”. Em se tratando da
Proposta Pedagógica, esta deve estar de acordo com o Art. 9º
das DCNEI, que indica que esses espaços devem proporcionar
as condições para as crianças vivenciarem seu tempo de vida, a
sua infância, por meio dos eixos Interações e Brincadeira. Isso requer
a constituição de um ambiente em que a criança possa se relacionar
com seus pares e realizar suas atividades de brincadeira, por meio da
diversificação do contexto lúdico e acesso à experiências diversas.
Contudo, o que vemos, em grande parte dos municípios brasileiros, revela
a fragilidade da concepção de educação infantil. Infelizmente, tal fragilidade é
permissiva ao equívoco de antecipação da escolarização, como ideia de preparação
das crianças na pré-escola para a entrada no ensino fundamental. Com isso, vemos
a invasão de conteúdos sistematizados, sobrepondo as possibilidades de construção de
conhecimentos significativos aos grupos de crianças, que ficam à mercê do arbítrio adulto.
Ou ainda, a falta de estrutura em escolas que passam a atender a faixa etária pré-escolar,
em salas formatadas para ensino fundamental - carteiras enfileiradas e quadro negro. Não
há adequação do mobiliário ou quaisquer possibilidades de diversificação do ambiente,
além da ausência de espaço externo. Faltam elementos que propiciem vivências próprias à
educação infantil, por meio do eixo Interações e Brincadeira.
A obrigatoriedade, fato consumado na política nacional para a Educação Básica, não
LDB (9394/1996)Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública
será efetivado mediante a garantia de:
I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito,
inclusive para os que a ele não tiveram acesso na
idade própria;
II- progressiva extensão da obrigatoriedade
e gratuidade ao ensino médio;
[...]
IV- atendimento gratuito em
creches e pré-escolas às crianças
de zero a seis anos de idade;
35pode inibir as conquistas
realizadas em prol do direito
à educação de qualidade, por
todas as crianças brasileiras de 0
a 5 anos, conforme a LDB 9394/96,
alterada pela Lei 12.796/2013.
Para o enfrentamento dessa questão, no
entanto, será fundamental ao poder público
rever o financiamento destinado à Educação
Básica, em especial à Educação Infantil. Essa etapa
requer profissionais especialistas, sob condições
de trabalho que permitam o atendimento que a faixa
etária demanda, bem como um espaço-ambiente com
equipamento adequado aos parâmetros de qualidade
para a Educação Infantil- a fim de favorecer as Interações e a
Brincadeira.
E, não menos importante para pensarmos uma oferta de qualidade,
cabe aos dirigentes municipais promover a discussão e reflexão, por
parte de todos os atores envolvidos, acerca das concepções de criança,
infância e Educação Infantil, que alicerçam as práticas pedagógicas nesse
âmbito educacional.
DANIELE MARQUES VIEIRA é pedagoga, consultora do ProInfância
(COEDI-MEC) e doutoranda na área de educação na UFPR.
LEI 12.793/2013 (altera LDB)Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública
será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos
4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
organizada da seguinte forma:
a) pré-escola;
b) ensino fundamental;
c) ensino médio;
II - educação infantil gratuita às
crianças de até 5 (cinco) anos de
idade;
36
A grande roda de histórias
Escrito e oganizado por Milton Karam e Nélio Spréa
“Para começar, vamos formar uma roda.
Uma história vou contar...”
Não é preciso repetir esse convite para
que a roda logo esteja pronta. Para que,
numa ansiedade crescente, ouvidos sejam
apurados e o silêncio logo se instaure em
expectativa.
Um costume tão simples de tradição
oral que perpassa tempos e lugares, mas
que aproxima contador e ouvintes num
envolvimento social e afetivo. Uma
tradição que ora se sustenta naquilo
que “se ouviu dizer”, ora naquilo
que “salta” de algumas páginas
impressas. E por que não juntar as
duas coisas? Formar uma roda para
se encantar com histórias que foram
escutadas, mas que agora emergem
das páginas de um livro?
É o que nos provoca a fazer
a recém-lançada publicação da
Editora Parabolé, A Grande Roda de
Histórias, escrita e organizada por
Milton Karan e Nélio Spréa. Ela nos
faz querer sentar numa roda e ouvir,
contar e ler.
Fruto de um projeto idealizado pela
Parabolé Educação e Cultura, o livro é
composto por 12 narrativas
inspiradas em 17
histórias. As histórias,
selecionadas dentre
as mais de 100
contadas a Nilton
Nascimento em
muitas e diversas
rodas, fazem muito
mais do que nos
envolver, como
afirmam os escritores.
Afirmo isso porque,
ao iniciar a leitura dos
textos, senti-me em meio
a uma roda com várias pessoas
junto a mim. Por todo o tempo em
que tive o livro em minhas mãos não mais
lia, apenas ouvia.
Escutava personagens contando seu
conto, sua história ou seu depoimento
e me emocionava, me comprazia e me
entristecia também. Partilhei das emoções,
dos sentimentos, aprendi e recordei.
RESENHA DO LIVROF
IQ
UE
PO
R D
EN
TR
O
37O livro fez-me recordar: rememorar
as histórias contadas por minha avó,
rememorar situações semelhantes às
contadas, rememorar as rodas das quais
participei.
O encanto da obra está na simplicidade
das histórias que misturam fantasia e
realidade. No cuidado com os detalhes, na
possibilidade de “passear” pelos
recantos do
Paraná. Na
sequência das
narrativas que,
aparentemente,
não apresenta um
propósito. Nada
impede que se
comece a leitura
pelo último conto
e alterne-se entre
um e outro dos 12
escolhidos. Porém,
não se surpreenda
se só descobrir quem são
os passageiros mencionados pelo
taxista – personagem da oitava história
– ao fim da leitura de todo o livro.
Sendo assim, reforço e amplio o
convite dos autores: mais do que se sentir
em casa, sinta-se à vontade para recontar
essas e muitas outras histórias por aí.
E, se um ponto você aumentar, não se
preocupe, deixe-se levar. Afinal, você foi
contagiado...
IMAGENS DA GRANDE RODA DE HISTÓRIAS...
LIVRO E PROJETO: PARABOLÉ EDUCAÇÃO E CULTURA
Resenha de FRANCIELE FERREIRA
FRANÇA, mestre em história da
Educação pela UFPR.
38
VIREI O BAÚmemórias da educação infantil
OS MEUS, OS SEUS, OS NOSSOS BRINQUEDOS
VIR
EI O
BA
Ú
No movimento de revirar o baú das minhas
memórias em busca dos brinquedos que
por mim passaram, lembrei-me da poesia
de Manoel de Barros. Especialmente do
trecho em que diz: “sou hoje um caçador
de achadouros da infância. Vou meio
dementado e enxada às costas cavar no meu
quintal vestígio dos meninos que fomos”.
Ao pegar a enxada da memória, lembro
do meu videogame Odyssey, dos bonecos
da Playmobil, da boneca de pano (do meu
tamanho) feita pela minha avó materna.
Amplio a escavação para o quintal alheio e
me deparo com jornais e revistas no Paraná,
entre meados do século XIX ao XX. Eles me
informam, por exemplo, que “o brinquedo
é agora negócio vasto, importante,
avultado e tem armazéns que são
templos, e fábricas que são grandes
indústrias”. Tal afirmativa, que para nós
pode parecer atual devido ao apelo
midiático que caracteriza o comércio do
brinquedo como um negócio rendoso no
século XXI, foi publicada em setembro de
1888 no jornal paranaense O Dezenove
de Dezembro. O interessante é que
o artigo sobre os
brinquedos relembra
com saudosismo os objetos
utilizados “há sessenta anos atrás”: boneca
de pano, carneiro de papelão e algodão,
galos, cães felpudos e cigarras. As novidades
industrializadas eram a “boneca parisiense”
(louça, biscuit, madeira, borracha, pelica),
os brinquedos de metal (soldados, trens,
estradas de ferro, aparelhos de cozinha), os
de chumbo (espingardas, pistolas, soldados)
e os de madeira (carrinhos, bonecos e bichos,
tambores). Essa divisão entre o brinquedo de
antes e o de agora acaba por demonstrar uma
ampliação do mercado iniciada no século XIX,
com a entrada de uma indústria especializada
em um território antes dominado pela
fabricação artesanal das miniaturas. Pode
não ter sido uma relação harmoniosa, mas os
brinquedos artesanais há tempos coexistem
com os industrializados, mesmo que em
menor escala de produção.
Desvio a enxada para o lado e encontro
“uma casa de brinquedo” entre o número
de comércios e serviços em Curitiba, no ano
de 1906 (Revista Almanach do Paraná).
39Meu faro de caçador se aguça. Desejo mais.
Anseio por imagens dos brinquedos. E eis
que encontro a fotografia a seguir.
Uma menina com os brinquedos ao seu
redor. Cena que poderia se passar tanto em
um ambiente familiar quanto no educativo,
se considerarmos a criança pequena na
educação infantil. Imagem que nos possibilita
demarcar o brinquedo como objeto e o
brincar como a ação da criança sobre o
mesmo. A foto ainda permite a comparação
entre os brinquedos representados com os
que nós utilizamos na infância e com os que
disponibilizamos para as nossas crianças, seja
na família ou na escola.
Algumas permanências são evidentes:
ainda temos carrinhos, barquinhos, cavalos,
mesmo que em outros formatos e modelos. As
diferenças são gritantes quando nos voltamos
para a tecnologia utilizada atualmente,
principalmente o uso do plástico e materiais
sintéticos e a eletrônica, que desde a década
de 1980 começou a fazer parte do mundo dos
brinquedos. Que sensações o manuseio de
tais materiais eletrônicos e sintéticos podem
despertar nas crianças? Questionamento que
já rondava nossos antepassados, no século
XIX e que ainda é atual. Deixo o convite para
cada um escavar suas memórias e realizar
individualmente a comparação dos seus
brinquedos com os meus, para pensarmos
juntos o futuro dos nossos brinquedos.
Etienne B.L. Barbosa é doutoranda em História da Educação no PPGE-UFPR
Paraná, Revista do Povo,
10/03/1917. Fábrica de Brinquedos Gravina.
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