RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

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VENDO E REVENDO Diferentes olhares sobre o desenho da criança ENTREVISTA Luciana Osteo nos fala sobre o lugar da arte na Educação Infanl SABERES DO COTIDIANO Conheça a turma de crianças de 5 anos que criou sua própria obra inspirada em Antoni Gaudí fique por dentro Conheça o livro “A Grande Roda de Histórias“. Re irEI REVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL N o 1 - JAN/JUN - 2014

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Primeira edição da Revista Virtual de Educação Infantil, uma publicação do NEPIE - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil.

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Page 1: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

VENDO E REVENDO Diferentes olhares sobre o

desenho da criança

ENTREVISTA Luciana Ostetto nos fala sobre o lugar da arte na Educação Infantil

SABERES DO COTIDIANO Conheça a turma de crianças de 5 anos que criou sua própria obra inspirada em Antoni

Gaudífique por

dentroConheça o livro “A Grande Roda de

Histórias“.

Re irEIREVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL

No 1 - JAN/JUN - 2014

Page 2: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

EXPEDIENTECoordenação: Catarina Moro

Edição: Ana Júlia Rodrigues

Diagramação: Ana Júlia

Rodrigues e Marina Feldman

Colaboradores: Franciele

Ferreira França, Ettiene B. L.

Barbosa, Gioconda Gigghi.

Revisão: Marina Feldman

Fotografia: Paul Scott

(foto criança)

NEPIE - Núcleo de Pesquisas e

Estudos em Educação Infantil

Setor de Educação - UFPR

UFPR - Universidade Federal do

Paraná

RevirEIRevista Virtual de

Educação Infantil

Dicas para sua leitura: use o modo de tela cheia e aproveite para clicar nos links.

Page 3: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

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A RevirEI – Revista Virtual de Educação Infantil – surgiu da percepção de uma lacuna

importante a ser ocupada e também de uma inspiração... O meio eletrônico como

suporte perfeito, com vistas a tornar acessível, tanto pela ausência de custo àqueles que

vieram a acessá-la quanto pela facilidade espaço-temporal, entre outras características.

A partir desses primeiros planos, porque não pensar e escolher um nome para iniciar

um projeto de extensão na UFPR que viesse ao encontro de tais intencionalidades? O

nome deveria contemplar um tom lúdico, pessoal, relacionado com a identidade da

Revista. A primeira ideia: REVELEI – Revista Eletrônica de Educação Infantil. Bom, indicava

o entrelaçamento pensado. Contudo, “revelar” se articula menos ao protagonismo das

crianças do que a seu papel de expectadora. Enfim... Pensa aqui, brinca ali e surge

outro nome: RevirEI. Perfeito, traz implícito a ação traquina de se mexer, tirar do lugar,

procurar, achar, brincar, descobrir, vir ao encontro; remete ao agir das crianças, ao

desestabilizar e novamente equilibrar.

É tudo isso e muito mais que queremos com a nossa revista. Que a RevirEI permita a

você, leitor, mobilidade, desestabilização e reequilíbrio; encontros, prazer e descobertas.

A cada trecho, buscamos conteúdos e imagens capazes de captar sua curiosidade, de

se relacionar à sua experiência e ampliá-la. Nós viramos, desviramos e reviramos para

você revirar também. Cada sessão da RevirEI reflete sobre as potencialidades dos

bebês e crianças e sobre as muitas possibilidades em termos das práticas educativas

cotidianas em creches e pré-escolas. Agradeço a todos que tornaram possível a RevirEI,

em especial esse número inaugural.

Editorial

CATARINA MOROProfessora Coordenadora da Revista Virtual de Educação Infantil

Dúvidas? Pedidos? Sugestões? Críticas? Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected]

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12 VENDO & REVENDO: Duas opiniões sobre o desenho na Educação Infantil.

16 ENTREVISTA: Luciana Ostetto fala sobre as relações entre arte, infância e educação...

24 SABERES DO COTIDIANO: O artista Antoni Gaudí foi a inspiração de um projeto com crianças de 5 anos.

30 O QUE DIZ A LEI? Mudanças na LDB e suas implicações para a Educação Infantil.

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4 FIQUE DE OLHO: Indicações de livros, sites e revistas para enriquecer sua prática.

36 VIREI O BAÚ: Memórias dos nosso brinquedos que ficaram em algum lugar do passado.

FIQUE POR DENTRO: Leia a resenha do livro “A Grande Roda de Histórias”.

8 VIRANDO O MUNDO: O cuidado em jogo nas creches do norte da Itália.

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... ...nos livros(para ler com os pequenos)

A PRINCESA QUE SALVAVA PRÍNCIPESClaudia Souza

Um conto de fadas moderno com príncipes, princesas e uma pitada de feminismo. Nesta história a princesa é quem salva o príncipe, enfrenta os dragões e bruxas. A autora apresenta um ponto de vista diferente e divertido, contrariando os clássicos contos de fadas.

Editora Callis

O BICHO ALFABETOPaulo Leminski e Ziraldo

Uma divertida coletânea de poemas de Paulo Leminski com ilustrações de Ziraldo. Os 26 poemas foram selecionados do livro “Toda poesia” de Leminski. É um passeio pela natureza, pelo humor e pela linguagem.

Editora Companhia das Letras

FILMES QUE VOAMO portal “Filmes que voam” disponibiliza

filmes e desenhos com audiodescrição e libras, com ênfase no público infantil.

http://filmesquevoam.com.br/

MUITO ALÉM DO PESO (DOC)O documentário “Muito Além do Peso”

discute o tema da obesidade infantil, com histórias reais e alarmantes. Uma reflexão necessária sobre o número crescente de crianças brasileiras com excesso de peso e os impactos desse problema na saúde, educação e lazer.

http://www.muitoalemdopeso.com.br

...nas canções

BICHOS E BUCHICHOSNélio Spréa

Uma ótima mistura de poesia, literatura e música... O livro traz uma coletânea divertida, acompanhada de um CD, para uma bela viagem pelo universo das culturas infantis. Mas, atenção, as atividades do material não estão pensadas para a Educação Infantil. O que vale para os pequenos são mesmo as canções...

Editora Parabolé

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O BICHO ALFABETOPaulo Leminski e Ziraldo

Uma divertida coletânea de poemas de Paulo Leminski com ilustrações de Ziraldo. Os 26 poemas foram selecionados do livro “Toda poesia” de Leminski. É um passeio pela natureza, pelo humor e pela linguagem.

Editora Companhia das Letras

...na internet

TERRITÓRIO DO BRINCARValorizar e resgatar as experiências do

brincar são alguns dos objetivos do Projeto Território do Brincar, que percorreu o Brasil nos mais diversos contextos (rurais, indígenas, quilombolas, litorâneos e de grandes metrópoles). A experiência fica registrada no site através de fotos, vídeos e relatos. É a partir desse material que a educadora Renata Meirelles e o documentarista David Reeks estão montando um longa-metragem.

http://www.territoriodobrincar.com.br/

FILMES QUE VOAMO portal “Filmes que voam” disponibiliza

filmes e desenhos com audiodescrição e libras, com ênfase no público infantil.

http://filmesquevoam.com.br/

MUITO ALÉM DO PESO (DOC)O documentário “Muito Além do Peso”

discute o tema da obesidade infantil, com histórias reais e alarmantes. Uma reflexão necessária sobre o número crescente de crianças brasileiras com excesso de peso e os impactos desse problema na saúde, educação e lazer.

http://www.muitoalemdopeso.com.br

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......no que acontece

NOTÍCIAS DO NEPIE/UFPR

CURSOS DE EXTENSÃO “Educação Infantil, Infâncias e Arte”Fruto da parceria entre o MEC e a UFPR/NEPIE (Núcleo de Estudos e Pesquisas em

Infância e Educação Infantil), se destina a profissionais que estão diretamente vinculados

à educação infantil de seus municípios. O objetivo do Curso é propiciar aos participantes

oportunidades de estudo e discussão para ampliar, analisar e desenvolver propostas de

trabalho pedagógico nas linguagens musical e visual, estabelecendo relações com as demais

linguagens da arte no contexto da educação infantil.

EDIÇÕES DO CURSO:

2o semestre/2013 - Curitiba - 41 cursistas - Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiúva do Sul,

Campo do Tenente, Campo Largo, Cerro Azul, Colombo, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais,

Piraquara, Quitandinha e São José dos Pinhais;

1º Semestre/2014 - Paranaguá - 36 cursistas - Matinhos e Morretes;

1º Semestre/2014 - Campo Mourão - 90 cursistas - Campina da Lagoa, Corumbataí do Sul,

Farol, Luiziana, Mamborê, Peabiru e Roncador;

2o semestre/2014 - Cambé - 43 cursistas - Alvorada do Sul, Bela Vista do Paraíso, Guaraci,

Ibiporã, Londrina, Pitangueiras, Porecatu, Prado Ferreira, Primeiro de Maio e Rolândia

MÓDULOS DO CURSO:

Infâncias, Arte e Estética; A Música na Educação Infantil e As Artes Visuais na Educação Infantil.

Como metodologia, os participantes se empenham na composição do “Caderno de Memória”

de cada turma e elaboram individualmente ou em dupla um Portfólio referente a sua experiência

formativa. As turmas finalizadas também tiveram a experiência de uma aula-visita a espaços

culturais, tendo acompanhado mostras no Museu Oscar Niemeyer, Casa Andrade Muricy, Sesi

Cultural e Caixa Cultural. Além desses espaços a turma do Litoral também pode visitar o Museu

do Mar (Aquário) em Paranaguá.

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CURSOS DE EXTENSÃO “Educação Infantil, Infâncias e Arte”Fruto da parceria entre o MEC e a UFPR/NEPIE (Núcleo de Estudos e Pesquisas em

Infância e Educação Infantil), se destina a profissionais que estão diretamente vinculados

à educação infantil de seus municípios. O objetivo do Curso é propiciar aos participantes

oportunidades de estudo e discussão para ampliar, analisar e desenvolver propostas de

trabalho pedagógico nas linguagens musical e visual, estabelecendo relações com as demais

linguagens da arte no contexto da educação infantil.

EDIÇÕES DO CURSO:

2o semestre/2013 - Curitiba - 41 cursistas - Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiúva do Sul,

Campo do Tenente, Campo Largo, Cerro Azul, Colombo, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais,

Piraquara, Quitandinha e São José dos Pinhais;

1º Semestre/2014 - Paranaguá - 36 cursistas - Matinhos e Morretes;

1º Semestre/2014 - Campo Mourão - 90 cursistas - Campina da Lagoa, Corumbataí do Sul,

Farol, Luiziana, Mamborê, Peabiru e Roncador;

2o semestre/2014 - Cambé - 43 cursistas - Alvorada do Sul, Bela Vista do Paraíso, Guaraci,

Ibiporã, Londrina, Pitangueiras, Porecatu, Prado Ferreira, Primeiro de Maio e Rolândia

MÓDULOS DO CURSO:

Infâncias, Arte e Estética; A Música na Educação Infantil e As Artes Visuais na Educação Infantil.

Como metodologia, os participantes se empenham na composição do “Caderno de Memória”

de cada turma e elaboram individualmente ou em dupla um Portfólio referente a sua experiência

formativa. As turmas finalizadas também tiveram a experiência de uma aula-visita a espaços

culturais, tendo acompanhado mostras no Museu Oscar Niemeyer, Casa Andrade Muricy, Sesi

Cultural e Caixa Cultural. Além desses espaços a turma do Litoral também pode visitar o Museu

do Mar (Aquário) em Paranaguá.

“Fórum de Debates sobre Educação Infantil”Criado a partir da parceria entre a UFPR/NEPIE (Núcleo de Estudos

e Pesquisas em Infância e Educação Infantil) e o FEIPAR (Fórum de

Educação Infantil do Paraná), busca reunir pessoas e instituições

voltadas para a questão dos direitos das crianças pequenas à uma

educação de qualidade em estabelecimentos públicos. Constitui-se

como espaço de debate visando promover a formação e integração

dos/as profissionais da área da Educação Infantil e membros do

Fórum de Educação Infantil do Paraná.

Em 2013 contamos com a colaboração dos seguintes professores:

Maria Lucia Santos (APEI-Portugal), Giovanni Faedi (Itália), Bianca

Cristina Correa (USP), Eloisa Acires Candal Rocha (UFSC) e - da

UFPR - Adriana Dragone Silveira, Angela Coutinho, Catarina Moro,

Gizele de Souza e Marynelma Garanhani.

Neste ano acontece a segunda edição, em que já debatemos: “A

pedagogia da infância e a formação dos professores” com a Profª

Rosa Batista (UFSC); “O protagonismo infantil e o projeto educativo:

a experiência de San Miniato” com Sr. Aldo Fortunati; “A Educação

de 0 a 3 anos: tensões e possibilidades” com a Profª Angela Coutinho

(UFPR); “A Educação Infantil como espaço de experiências com/na

diversidade Étnico Racial” com a Profª Lucimar Rosa Dias (UFPR);

“O Brincar e a cultura” com o Prof. Nélio Spréa (Parabolé). No 2º

semestre seguimos com “O Corte Etário”, “As linguagens da arte” e

“A leitura e a escrita”, além de um Seminário para compartilharmos

experiências.

Em 2014 as atividades acontecem uma vez por mês, na primeira

terça-feira, das 19h00 às 22h00.

INFORMAÇÕES: www.feipar.blogspot.com

e-mail: [email protected]

Page 10: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

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No cotidiano das práticas educativas

foi necessário reconsiderar situações que

ocorrem no banheiro, o que nos trouxe

importantes questionamentos: quais limites

existem entre brincadeira e situações de

cuidados? É possível pensar e realizar

contínuas experiências nas mais diversas

situações, mantendo a concepção de

criança como construtora de conhecimentos

dentro de um sistema de relações e, assim,

organizar um contexto que crie oportunidades

interessantes para as crianças? Que atenção

destinamos aos contextos que dizem respeito

a atender as necessidades fisiológicas das

crianças? Que atenção destinamos aos

contextos relativos às atividades lúdicas -

brincadeiras livres ou jogos estruturados?

Nossas experiências com as crianças nos

ajudam a responder a tais questionamentos.

De fato, nas suas atividades de exploração,

vira

ndo

o m

undo

NORTE DA ITÁLIA: Brincar de Cuidar?O banheiro como contexto de expressão do protagonismo e autonomia

Texto originalmente publicado na revista italiana Bambini nº 1/2014 escrito por três autores

da região da Toscana – Aldo Fortunati, Manuela Tanzini e Nadia Testi. Os autores relatam boas

práticas educativas com crianças pequenas em contextos de cuidado, realçando o quanto diferentes

situações no cotidiano das creches/pré-escolas podem ser formativas, ampliando o sentido de

trabalho pedagógico. Nossos agradecimentos a Ferruccio Cremaschi, editor da Edizione Junior e

diretor da Bambini, e a Aldo Fortunati pela mediação que possibilitou a publicação.

Tradução: Gioconda Ghiggi Revisão: Marina Feldman e Catarina Moro

Page 11: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

9de descobertas e de brincadeiras, as crianças

não colocam limites de tipo situacional.

Observamos como as crianças

reinterpretam os momentos do cuidado

e se apropriam dos espaços para criar

suas brincadeiras exploratórias e seus

momentos lúdicos de tipo simbólico,

dentro de um clima relacional. Com

base nas observações das atitudes

das crianças, às vezes imprevisíveis,

podemos reorganizar os espaços e as

experiências com base nos seus desejos

e nas suas motivações à experiência e ao

conhecimento. A partir disso, o adulto

pode conceber e organizar os contextos

relativos às situações de higiene e

cuidados pessoais de modo a favorecer

as experiências sociocognitivas das

crianças. Isto significa – para começar –

dar às situações que surgem no banheiro

o mesmo valor que damos a qualquer

outra situação vivenciada na creche.

Nesse sentido, é importante dar atenção

e refletir sobre o espaço, o tempo, os

grupos e materiais; para interferir sobre

estes e sobre as suas interconexões, de

forma fluída, harmônica e contínua, assim

como nas outras situações organizadas

no cotidiano da creche.

Por exemplo, na nossa experiência,

lentamente, o adulto propõe para

um grupo de crianças ir ao banheiro,

tomando cuidado para não interromper

uma situação importante que alguma delas

parece estar vivenciando em outro espaço.

E, neste caso, dando a possibilidade de levar

até o banheiro uma brincadeira iniciada

Page 12: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

10

em outro espaço, como forma de

enriquecer e transformá-la em uma

experiência lúdica e de relações novas

e imprevistas. Enquanto a educadora

está trocando as fraldas de Pedro (13 meses),

Arianna (32 meses) entra no banheiro com

uma boneca nos braços, seguida por Carolina

(20 meses), que observa atentamente cada

um dos gestos da educadora. Arianna se

senta no vaso, coloca a boneca sobre a mesa

e pede a Carolina para trazer uma fralda.

Carolina acena, pega uma do trocador e

entrega à Arianna. Juntas, giram e mexem

muitas vezes a boneca e as fraldas entre as

mãos. Colaboram entre si procurando uma

maneira justa de pôr e quando, depois de

numerosas tentativas conseguem colocar

corretamente a fralda na boneca, pulam

contentes.

O adulto favorece as relações, acolhendo

os que desejam subir no trocador “somente”

para observar aquilo que fazem as crianças

vira

ndo

o m

undo

Page 13: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

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ali deitadas: assim criam-se outras trocas

prazerosas e momentos de interações

lúdicas. Como em qualquer situação que se

realiza nas experiências cotidianas na creche,

o cuidar durante as rotinas no banheiro nos

remete à questão do tempo.

Precisamos de um tempo tranquilo,

estendido, de dar-se tempo e dar tempo

às crianças para que estas possam

ampliar constantemente sua autonomia

e protagonismo, possam aprender dos

seus erros, manifestar e desenvolver

competências. Possam dar vida, transformar

e enriquecer relações. Observar os gestos dos

maiores para poder aprender também pela

imitação, observar os comportamentos dos

menores para poder manifestar e desenvolver

as próprias competências tutoriais e

cooperativas. Devemos prestar atenção

ao cuidado, dando escuta aos desejos e as

motivações das crianças. Acolhendo-as em

um tempo e um espaço capazes de oferecer

soluções justas a todos e, sobretudo, a cada

um.

Page 14: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

12V

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VENDO

O desenho e o universo infantil Andréa Bertoletti

Vendo e Revendo: o desenho infantil

Crianças adoram desenhar! Em

diferentes situações cotidianas traçam

linhas e rabiscam, materializando

mundos imaginários que se

transformam em singulares modos de se

expressar, se comunicar, se relacionar... O

desenho, dentro do rico universo infantil,

é uma maneira de exprimir o que sentem

e pensam sobre o mundo, sobre os outros

e sobre si mesmas. Com um lápis na mão

desenham e, concomitantemente a este

ato, passam a entender melhor suas

emoções, expressar seus sentimentos e se

relacionar com o entorno.

Uma das principais funções do

desenho no desenvolvimento infantil

é a possibilidade de representação da

realidade vivida. Registrar através de linhas

e formas situações vistas e vivenciadas

é uma maneira criativa e sensível de

lidar com os complexos elementos que

configuram o dia a dia da criança.

Porém, esse rico processo criativo é,

muitas vezes, apreendido como algo

deslocado do entorno sócio cultural. No

âmbito escolar quase sempre permanece

a crença sobre a natureza e o propósito da

atividade artística como autoexpressão,

relacionada apenas às questões emotivas-

em detrimento das reflexivas e inter-

relacionais. Assim, desenhar no espaço

da escola acaba sendo uma forma de

entretenimento cujo processo, na maior

parte das vezes, é totalmente livre e

espontâneo. Porém, o desenho deve ser

inserido no cotidiano escolar como uma

importante expressão gráfico-pictórico

que deve basear-se em significativas

experiências sociais e estéticas.

Portanto, aprimorar a criatividade

e a percepção de mundo através do

desenho ultrapassa o domínio técnico e a

autoexpressão pois possibilita, junto a uma

poética pessoal, novas formas de ser e agir.

Mas, para que efetivamente isso ocorra,

é necessário que haja, junto ao fazer, o

contato com o legado artístico e cultural. E

neste caso, ao se tratar do desenho infantil,

o contato com a produção em linguagem

gráfica de diferentes tempos e espaços.

Page 15: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

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REVENDO

VENDO

A percepção, a leitura e a interação com

a diversidade estética de imagens amplia

o repertório, alimenta a imaginação e

desenvolve a criatividade para que a

produção infantil passe a ser cada vez mais

inventiva e autoral. Cabe ressaltar que a

apropriação crítica e sensível de produções

imagéticas se faz no fruir, pensar, produzir,

brincar, construindo sentidos pessoais e

alimentando a teia de percepções, relações

e ações. Para isso, considera-se o professor

importante mediador no desenvolvimento

do processo criativo das crianças, que

engloba tantos aspectos emocionais

quanto racionais. Desenhar, como foi

visto até aqui, não é simplesmente uma

questão de autoexpressão espontânea,

mas de apreensão, junto à singularidade

expressiva, dos códigos que abarcam a

linguagem do desenho.

Neste sentido é fundamental, para

estimular as crianças a desenhar e se

apropriar gradativamente de seu gesto

gráfico, fornecer diversificados materiais

e diferentes suportes. Mas também é

essencial que os pequenos entrem em

contato com o universo representacional

do desenho. A apreensão da cultura através

de suas manifestações artísticas contribui

efetivamente para o desenvolvimento

cultural dos educandos, oportunizando

conhecer as especificidades do universo

artístico, bem como os aspectos culturais

da sociedade em que estão inseridos.

A produção infantil, da mesma forma,

deve ser apreciada junto às crianças. O

processo de criação e (re)significação do

mundo é amplo, complexo e constante.

As narrativas visuais se configuram ao

longo da vida escolar como um fecundo e

aberto diálogo enquanto formas criativas

de expressão e comunicação. O perceber,

o vivenciar e o construir, suscitados pelo

universo cultural e artístico, propiciam

a construção de conhecimentos através

do desenvolvimento da sensibilidade,

ampliando a percepção de mundo. É

primordial, portanto, brincar e interagir

frequentemente com diferentes

produções gráficas para que ampliem seu

repertório, sua sensibilidade e sua relação

com esta linguagem tão presente em seu

cotidiano. Assim podem, efetivamente,

construir um mundo imagético com

liberdade e criatividade, alimentando

incessantemente este jogo simbólico ao

longo de sua vida escolar.

ANDRÉA BERTOLETTI é arte-educadora, com mestrado na área pela Udesc.

Page 16: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

14VENDO

Vendo e Revendo:o desenho para além

do desenhoExperiências significativas com o desenho na

turma de Pré do CMEI Liberdade, em Curitiba. FOTOS: Ana Júlia Rodrigues

Page 17: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

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REVENDO

Vendo e Revendo:o desenho para além

do desenhoExperiências significativas com o desenho na

turma de Pré do CMEI Liberdade, em Curitiba. FOTOS: Ana Júlia Rodrigues

Page 18: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

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VENDO

Refletir sobre o desenho no cotidiano

educativo com crianças pequenas nos

provoca algumas questões: o desenho é

uma atividade espontânea das crianças

ou constitui-se socialmente, como fruto

de aprendizado? O desenhar promove

o desenvolvimento psicomotor na

infância? A proposição do desenho

pode sempre se basear na livre criação

das crianças? O desenho é uma atividade

individual ou pode ser coletiva? Como

proporcionar às crianças experiências com

o desenho que agucem sua curiosidade,

revelem suas diferentes formas de

compreensão e de relação com traçados,

cores, formas, ritmos, texturas?

Se entendemos o desenho como uma das

formas de expressão das crianças pequenas,

vemos o desenho como linguagem e como

arte. A representação pictográfica não é

espontânea no desenvolvimento. Não é

resultado nem está a serviço exclusivo do

desenvolvimento psicomotor. Desenhar é

uma ação que se constitui socialmente, que

se cultiva. O desenho sintetiza esquemas

de representação, que são construídos

pelas crianças em situações ativas de

busca de conhecimento e aproximação a

outros desenhos produzidos socialmente e

acumulados historicamente.

Assim, a criança é de um

lado autônoma e de outro

sujeita às regulações das

influências culturais que

recebe. Ao desenhar, as

crianças estão contando

suas histórias, criando

narrativas, mostrando suas

compreensões, emoções e

percepções da sociedade.

O universo das crianças

se distingue da realidade do

adulto: para a criança não

existe divisão entre a realidade visual e a

emocional. O desenho infantil apresenta

o significado que as coisas têm para ela

e não relações de tamanho ou cor que

elas veem. As crianças podem ter padrões

estéticos próprios diferentes daqueles

dos adultos. Desenhar é um processo de

reelaboração da relação com a realidade,

que integra cognição, afeto e imaginação.

Numa perspectiva histórico-cultural

os desenhos infantis não podem ser

considerados códigos em si mesmos, pois

necessitam do diálogo da criança consigo

mesma, com outras crianças e com o

adulto, podendo explicitar em palavras os

Vendo e Revendo: o desenho infantilDESENHO E PROCESSOS IMAGINATIVOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Catarina Moro

VEN

DO

&R

EEN

DO

O QUE CABE AO PROFESSOR?

>Selecionar e organizar material de

qualidade (vários suportes e riscantes);

>Preparar situações que ampliem o

repertório das crianças;

>Possibilitar que as crianças tenham e

descubram respostas às incertezas e

dúvidas do processo criativo;

>Realizar visitas a mostras, museus,

oficinas e ateliês de artistas locais;

>Testar as estratégias, técnicas e materiais

que for propor às crianças;

>Investir na sua expressão artística.

Page 19: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

17

REVENDO

significados das figurações propostas.

Na Educação Infantil é importante

considerar o desenho como processo e

não como produto.

Assim, em grupo, a

atividade de desenho

pode revelar formas

de cooperação, de

influência de uns na

elaboração do desenho

de outros. Mesmo

quando o adulto

propõe produções

individuais, acontecem

interações entre as

criações das crianças,

pois elas conversam

entre si, perguntam o que irão desenhar,

compartilham dificuldades ou pedem

sugestões. Essas trocas provocam

mudanças nas crianças que desenham –

em seus modos de perceber, de lembrar e

de nominar - e no desenho em si – formas e

figuras novas, mais detalhes, uso de cores

diferentes. Assim, desenhar no coletivo,

ainda que o desenho seja individual, deve

ser uma ação acompanhada de conversas,

risos, discussões. Isso pode mobilizar

sentimentos e emoções importantes

que, provavelmente, contribuirão para

o desenvolvimento da imaginação e da

elaboração criativa. Um ambiente que

favorece essa condição contribui para a

fluidez e para o entendimento de que o

desenho é uma atividade prazerosa, com

inúmeras possibilidades e desafios.

Tais interações não atrapalham a

concentração e dedicação das crianças.

Às vezes uma ou outra criança para de

desenhar e fica observando as outras

crianças desenhando. Depois aquela

criança poderá aproveitar o momento de

“não-desenho” em suas criações. A pausa é

necessária no momento de elaboração do

desenho, assim como ocorre na escrita. É a

pausa que muitas vezes oferece elementos

para a criação de outro desenho, ou para

ampliar uma criação previamente iniciada.

Mas isso dependerá da maneira como o

adulto conduz a atividade.

Nesse sentido, para enriquecer a

imaginação e criação das crianças é

importante que o desenho não tenha

uma finalidade burocrática, psicomotora

ou preparatória. A intencionalidade do

desenho na Educação Infantil é fortalecer

e expandir os processos imaginativos

das crianças, assim como fazem a arte, a

literatura e o faz-de-conta...

*Agradeço à Joseth Antônia Oliveira Jardim Martins pela leitura crítica e pelas sugestões.

CATARINA MORO é professora da área de

Educação Infantil da Universidade Federal

do Paraná.

O QUE CABE AO PROFESSOR?

>Selecionar e organizar material de

qualidade (vários suportes e riscantes);

>Preparar situações que ampliem o

repertório das crianças;

>Possibilitar que as crianças tenham e

descubram respostas às incertezas e

dúvidas do processo criativo;

>Realizar visitas a mostras, museus,

oficinas e ateliês de artistas locais;

>Testar as estratégias, técnicas e materiais

que for propor às crianças;

>Investir na sua expressão artística.

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18ENT

REVIST

ALuciana Ostetto: Nós e as crianças,

de mãos dadas com a artetexto: marina feldman foto: daniele marques vieira

Aonde está a arte na Educação Infantil?

Eu diria que está no subsolo. Acontece

aqui e ali, mas não aparece como algo

importante, de primeira grandeza. A arte

está no porão, escondida.

As diferentes linguagens estão nas

Diretrizes Nacionais, mas, na prática, a

arte não é um elemento do currículo.

Ela aparece travestida no trabalhinho, na

atividade para as datas comemorativas,

um enfeite, um babadinho... Uma forma

caricata. Não é compreender a arte

como conhecimento, como espaço de

experimentar o mundo.

O que você olha quando entra em um

CMEI?

Eu vejo a estética do espaço. Eu chego,

eu já sinto. O espaço me fala como são as

relações, como é compreendido o espaço

da arte, como a criança é vista, como a

brincadeira está inserida... Então, se você

chega e têm prateleiras altas, os brinquedos

em caixas, você já consegue perceber que

é a professora quem diz a hora de brincar.

Se você entra em um espaço e não tem

mesas, materiais gráficos, canetinhas, lápis

de cor, papéis de diferentes tamanhos,

tintas, pincéis... Você já percebe que ali as

Luciana Esmeralda Ostetto é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e, por essa e por outras, tem um olhar atento para a formação de professores. Tudo sempre pensando no bem estar e nas experiências que poderemos oportunizar às crianças. Nesta conversa com a RevirEI, Luciana não dá respostas prontas. Para dialogar com ela é preciso pensar na nossa prática, com outro olhar. Ela nos lembra dos (pequenos) sujeitos com quem trabalhamos, de nossa própria criança interior, do olhar que enxerga a beleza e faz um convite: que tal entrarmos nessa ciranda?

Page 21: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

19linguagens expressivas não são cotidianas.

Depois disso, olho a decoração. O que

tem de produções da criança? O que

tem de imagens da mídia, da indústria

cultural? Como é essa estética? Qual é a

composição?

E falar de arte na educação infantil é

também falar da materialidade. O

que tem a disposição das

crianças? Tem madeira?

Tem sementes? Tem

areia? Tem coisas

da natureza? Ou

somente o plástico,

o EVA, o TNT,

esses materiais

frios, pobres de

ex p e r i m e nta çã o,

que não colocam

questões pra criança?

Eu fico muito triste

quando eu chego e

tem aquele varalzinho

com desenhos prontos, murais

com imagens estereotipadas e com esses

materiais pobres: papel crepom, EVA... Eu

digo que a Educação Infantil é um “reino do

EVA”, que é tão pobre de experimentação,

de sensação. Ele tá ali, liso e limpinho,

e não problematiza a composição, o

manuseio, a construção da criança.

Valeria mais você ter um canto das

madeirinhas, dos toquinhos, das bolinhas,

das sementes, das folhas. Isso propõe pra

criança um desafio e não simplesmente

“pinte aqui”, “cole aqui”.

E o professor, sabe disso?

O que eu tenho percebido, na formação

de professores, é que o gosto do

professor recai sobre a sua

prática. As imagens da

mídia, das produções de

massa, também são do

gosto do professor. Ele

não vê problema em

colocar ali dentro a

imagem das princesas

da Disney porque as

crianças gostam e

ele acha bonitinho.

E não adianta dizer

“olha, não é bom usar

imagens da mídia” se isso

não passar pela experiência

do professor.

E como o educador pode modificar o

seu olhar e se tornar também sujeito da

experiência estética?

Defendo que na formação precisamos

abrir espaço pra própria experiência.

E isso implica ir a outros espaços, que

não só o da escola, da universidade. Ir

BIENAL INTERNACIONAL DE CURITBA, EM 2013

obra de efigênia rolim

Page 22: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

20ENT

REVIST

A

ao teatro, ir ao museu... Experimentar!

Realmente se colocar como um fruidor

e não simplesmente como aquele que

fala sobre. Perceber as mudanças que

acontecem no seu entorno. As estações do

ano, o sol, a lua, as mudanças na natureza.

Toda essa percepção do entorno depende

de uma sensibilização. É preciso abrir

espaço para que o professor reencontre

suas linguagens. Pra que ele vivifique esse

ser da poesia que ficou preso em algum

lugar quando ele deixou de ser criança.

O professor, pra estar com o outro que é

criança, precisa se conectar com sua criança

interna. É o polo da aventura. Esse que diz:

por que você não vai? Experimenta! Viva o

momento, olhe ao redor...

E o corpo do educador, onde fica?

A repressão da beleza passa também pela

contenção do corpo. É preciso reconectar

com essa inteireza que é também corpo,

movimento.

Na minha pesquisa de doutorado,

que fala de formação de professores,

eu trabalhei com as danças circulares

com quem luciana dialoga?LORIS MALAGUZZI

“...ele diz que a escola

inteira tem que ser um ateliê.”

“...o professor precisa

estar com a criança, precisa

estar disponível a ela. Estar

perto o suficiente para

acolher e dialogar, mas

longe o suficiente pra não ser

intruso. Não conduzir todo

o processo da criança, mas

também não abandoná-la.”

ANA ANGÉLICA ALBANO

“...o primeiro ateliê da

criança é a caixa de areia.

Os bebês, na caixa de areia,

interagindo com as pedrinhas

ou mesmo com brinquedos

compõem, recompõem,

constroem, desconstroem

e experimentam a

materialidade. Agora, se

não tem caixa de areia, já

não tem espaço pra essa

experimentação inicial.”

FRANCESCO TONUCCI

“...a criança aparece como

uma grande cabeça na escola.

Só na hora do recreio está

inteira. O professor esteve

tanto tempo nos bancos da

escola que se transformou

só em cabeça. E o corpo é o

lugar do órgão que capta a

beleza, o coração.”

Page 23: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

21com quem luciana dialoga?

propondo justamente a vivência. É preciso

convidar o educador a entrar na roda

dessa ciranda que é de todos. Ele não pode

ser apenas um espectador. Ele precisa

captar a beleza, a poesia, ser modificado

na relação com a criança e com a arte. E

para isso é preciso revisitar todos os seus

sentidos, fazer com as próprias mãos.

Colocar-se o desafio de criar. E, por outro

lado, sair a visitar. Fazer e contemplar são

as duas partes que complementam essa

inteireza do professor.

E o “como” fazer? Como trabalhar a

arte na Educação Infantil?

A gente sabe que não existe prática sem

teoria, que toda ação corresponde a uma

compreensão. Por isso que é difícil você

fazer uma recomendação: “Ah, seria bom

fazer isso”. Porque a ação destituída da

reflexão vira... Como eu diria? Como se

fosse um manual. O que se deve fazer é

complexo, porque justamente envolve

esta compreensão da Educação Infantil,

da criança, de espaço, da arte...

Acho que a primeira questão é olhar a

ANNE MARIE HOLMES

“...não pode haver beleza

onde o professor não sabe

captar o que a ela chama de

sublime. O que é o sublime?

É uma música que soa no

espaço, naquele momento

de infinita beleza. E se eu

não estiver conectado com o

coração, eu não vou escutar.”

JAMES HILLMAN

“...ele diz que a repressão

da beleza impera em todos

os lugares e é preciso superar

isso. Eu gosto muito dessa

imagem dele e vejo que a

beleza tá reprimida no CMEI.

É preciso libertá-la. Como?

Aí que entra a formação do

professor e a compreensão.”

FERNANDO PESSOA

“...ele diz assim: ‘A criança

que fui chora na estrada.

Deixei-a ali quando vim ser

quem sou. Mas hoje, vendo

que o que sou é nada, quero

ir buscar quem fui onde

ficou’. O adulto vem ser

adulto e deixa a imaginação,

a experimentação de lado.”

obra de luis felipe noe

(falas de luciana ostetto sobre os autores)

Page 24: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

22criança. Quem é essa criança? O que ela

tá fazendo? O que ela tá perguntando

sobre o mundo? E, em seguida, essa

disponibilidade das materialidades.

Precisamos disponibilizar materiais

pra que a criança possa criar. Como

pesquisa, como exploração, como

experimentação. Esse desafio da

criação que se dá no diálogo com os

materiais. Se você só tem papel A4,

lápis de cor e algumas vezes canetinha

é muito pouco desafio. Agora, se você

disponibiliza cantos com diferentes

materiais, possibilita à criança essa

interação e esse ambiente para criar.

É claro que estes materiais nem sempre

estão disponíveis para o professor. Só

que se o professor não conhece e não

revindica, também não virá. A via é de

mão dupla. Além disso, há materiais que

também podem ser obtidos de outras

formas. O papelão, por exemplo, é uma

alternativa ao papel A4. Uma forma de

fazer diferente sem ficar preso à questão

da disponibilidade.

Mas ainda pensando no “como”, cabe

lembrar que arte, a educação estética,

envolve tudo que está no ambiente. Que

questões proponho pras crianças nesse

espaço? Há que se compreender que não

existe a hora de ensinar a arte. Justamente

falamos de educação do olhar, o que

aparece no próprio visual da sala.

Agora, existem situações mais

sistematizadas, que objetivamente você

coloca como momento de experimentação.

Uma forma de organizar esses momentos

é o trabalho em pequenos grupos.

Superando aquela ideia de que “agora

todos vão fazer bolinhas”, “agora todos

vão usar massinha”. Assim, o professor

pode acompanhar o percurso investigativo

da criança. E não para mostrar como se

faz. Para dialogar com as perguntas das

crianças.

Outra maneira de construção é o ateliê.

Não só num espaço, mas o ateliê como

um conceito: um espaço da criação, da

exploração, da pesquisa, da apropriação

de novos repertórios.

Como você faz pra trabalhar com tinta?

Ou argila? Você faz muita bagunça, sujeira

e precisa ter um espaço receptivo a isso.

Os professores não podem ficar reféns

do pessoal da limpeza. É impossível um

processo de criação que não faça sujeira,

que não tire as coisas do lugar. Na verdade

a proposta é essa: que se tire as coisas do

lugar pra colocar as coisas em um lugar

diferente. Na apropriação da criança, na

sua cognição, no seu afeto, as coisas saem

do lugar e se recompõem. Tem esse jogo:

desarruma no espaço pra arrumar no

corpo da criança.

ENTREV

ISTA

obra de luis felipe noe

Page 25: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

23

obra de luis felipe noe

E se não existe esse espaço específico,

você pode usar a própria sala ou outros

espaços do CMEI. Se você tem o refeitório,

uma sala, um espaço externo, pode jogar

com isso. Um grupo pode trabalhar no

refeitório enquanto os outros estão na

sala de referência.

Não sei se respondi a pergunta. Mas o

importante é compreender o que você

está propondo pra criança. Que não é

uma atividade pra colocar na pasta de

trabalhinhos. É um processo feito com

tempo, onde a criança vai se modificar na

relação como sujeito. A criança, quando

mexe com os materiais, tá pensando,

sentindo, imaginando, expandindo seu

contato com o mundo. Essa é a base: que

a experimentação, a fantasia, o projetar

são mais importantes do que o produzir.

Pensando nisso tudo, qual deve ser o

lugar da beleza, da poesia, na Educação

Infantil?

Eu diria que a beleza precisa estar

presente, ela que deve ser o motor da

prática. E qual é o órgão que capta a

beleza? É o coração. A menos que façamos

esse movimento de um pensamento que

passa pelo coração, vamos continuar

reprimindo a beleza. É preciso juntar o que,

contemporaneamente, fragmentaram.

O pensar e o fazer. O sentimento e a

cognição. A razão e a emoção. Tudo isso

está junto!

Hoje há repressão da beleza porque

esse órgão não está sensibilizado, porque

o sujeito está preso. Eu estou preocupada

com a alfabetização, com o sucesso que

a criança vai ter depois. É uma questão

racionalista, cognitivista. Porque eu

tenho que ensinar, eu não permito esse

contemplar, esse ser da poesia.

A criança é um poeta, como diz Carlos

Drummond. Por que ela exprime, ela tem

ideias, ela experimenta, ela imagina... Mas

o processo repressor da beleza vai dizendo

que ela não pode isso, não pode aquilo.

Só pode a regra, só pode o controle. E

o professor acaba se perdendo nessa

história.

Então, o professor precisa recuperar essa

dimensão estética pra poder viver a beleza

nos mínimos atos sublimes da criança.

Precisa estar sensibilizado pra poder se

admirar e qualificar o momento em que a

música soa e aí você diz: “eis aqui a criação,

eis aqui o sublime”, a criança sendo, na

sua inteireza, e sentindo a beleza. A gente

precisa cultivar isso.

Para esse processo é necessária uma

suspensão do olhar, um tempo. Como

inserir isso na rotina do CMEI?

A questão do tempo é uma questão

Page 26: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

24de escolha. Se você compreende que é

preciso experimentação com os materiais,

com as linguagens expressivas, você vai

organizar o tempo em função disso. E

não o contrário, as crianças se adaptarem

a um tempo relacionado às questões

administrativas, a hora que almoça, a hora

que lancha... Um tempo que escraviza.

Ora, é por isso que a arte tá no porão.

Porque pra que as linguagens expressivas

estejam presentes como um elemento

do currículo é preciso tempo. É preciso

tempo de espera, de contemplação, do

processo. Não é “vamos começar um

trabalhinho que precisamos terminar

daqui a 20 minutos”. Eu posso começar

um experimento com a criança em que

hoje ela faz um pouco e amanhã ela pode

retomar, rever, problematizar. Essa ideia

do processo. Numa organização onde tudo

é pra já, você não faz esse percurso de

pensar, de repensar, de revisitar. Porque

justamente você pensa só no produto e

não no processo.

De um modo geral penso que os tempos

precisam ser redimensionados e colocados

a favor da experiência, e não a favor da

lição ou da aula. O grande desafio do

professor de Educação Infantil é esse: ser

professor sem dar aula. Sem aquela ideia

do ensino tradicional de que eu tenho que

passar um conteúdo.

Se o princípio hoje está cada vez mais

colocado, de que a criança é sujeito

de direitos, uma criança que imagina,

que joga, que brinca, que tem ideias e

proposições... Pra que essa criança tenha

espaço, eu preciso redefinir o tempo.

E é o tempo em função de que? Das

necessidades do adulto? Ou é um tempo

em função das necessidades das crianças?

A instituição de Educação Infantil existe

com as crianças, para as crianças e não

sem as crianças ou apesar delas. Na

verdade todo o tempo do cuidado, da

alimentação, é o tempo do fazer com a

criança. Isso precisa ser alargado. Falar

em experiências estéticas envolve todos

os tempos e espaços. As crianças estão

criando quando estão no espaço, na

brincadeira, na areia...

Em relação ao refletir sobre a prática, o

que é essa ideia de “atividade didática”

que você nega?

Quanto eu falo em atividade didática é

num sentido de que eu já sei aonde eu

quero chegar. Eu faço perguntas didáticas

pra que a criança me responda algo. E aí

eu digo “Ah, é isso mesmo! Muito bem!”

ou “Não, você está enganado!”. Assim o

professor não entra realmente na corrente

de interlocução verbal.

Se eu digo que a criança é capaz de ter

ENTREV

ISTA

Page 27: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

25ideias próprias, de fazer considerações que

escapam ao meu controle, devo conversar

de verdade com a criança. Entrar na sua

lógica, estar verdadeiramente interessado

no que a criança tem a dizer, no que ela

revela. E não ser apenas um caminho para

introduzir um assunto, um objetivo.

Sobre o papel do professor, tenho

começado a pensar que, mais do que um

mediador, é preciso que o professor seja

um interlocutor. Quando você diz que é

um mediador dá a impressão de que “eu

tenho aqui o saber, a verdade, e vou fazer

uma mediação pra que você chegue nele”.

Agora, se eu sou um interlocutor, eu me

coloco disponível pra te ver, pra te ouvir, pra

compreender. Para, na relação, se revelar

o saber. Uma relação que é dialógica.

O professor precisa estar imbuído da

possibilidade de se surpreender, de se

maravilhar com o que a criança diz e faz,

mais do que controlar todo o processo.

E, como uma palavra final, como

podemos plantar uma sementinha de

poesia no dia a dia da Educação Infantil?

Difícil dizer, mas penso que um caminho

poderia ser acreditar. Acredite em si e na

criança. Se coloque aberto para novas

experiências. A ideia de sair do cais para se

jogar ao mar. Sair do lugar onde eu estou

só observando e entrar na ciranda. Dar

as mãos para as crianças. Para a criança

interna e a criança externa. Escutar e

parar para sentir mais que dizer como se

faz. É preciso que o professor recupere a

sua capacidade de sonhar, recupere a sua

inteireza.

Acho que a imagem é essa: entre na

roda, dê as mãos a sua criança interna e

as crianças externas e comece a romper

o que sempre foi assim, ouvindo mais as

crianças e arriscando caminhos.

Artigos de Luciana Ostetto Disponíveis ONLINE

Educação Infantil e Arte: Sentidos e

Práticas Possíveis

Planejamento na Educação Infantil... Mais

que a atividade, a criança em foco

alguns livros publicados(clique neles)

Page 28: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

26

Antes de começar um trabalho de

pesquisa sempre “plantamos” a temática

escolhida, conversando a respeito e

levantando os conhecimentos prévios

que as crianças trazem. Para introduzir

este projeto apresentei às crianças

imagens e fotografias das obras mais

conhecidas do artista como “A Sagrada

Família” e o “Parque Güell”. Pude

observar que o Parque Güell gerou maior

interesse, possivelmente pelas estruturas

desalinhadas, a imensa variedade de

cores, a luminosidade dos mosaicos de

azulejo e principalmente o enorme Dragão

no eixo central das escadas do parque.

Foi daí que surgiu a ideia de reproduzir o

dragão em tamanho real, utilizando a técnica

de modelagem em jornal (confira as imagens

na próxima página). Já tínhamos trabalhado

com esta técnica ao longo do ano e as crianças

tinham alguma experiência. Montamos a

estrutura do dragão com jornal e fita crepe e

depois colamos varias camadas de pequenos

pedaços de jornal para dar firmeza à peça.

Decidir o tamanho, o comprimento e a

largura da escultura também foi uma árdua

tarefa! Estes conceitos foram discutidos

e experimentados muitas vezes, antes e

durante o processo de construção da iguana.

Para isso, deixava sempre á disposição das

crianças réguas e fitas métricas com as quais

íamos calculando o tamanho que o dragão ia

ganhando.

Para uma maior organização, a turma foi

divida em pequenos grupos. Cada um deles

tinha a responsabilidade pela construção de

uma parte do corpo, para depois realizarmos

juntos a montagem do todo. Ao finalizar

a construção, para o nosso assombro,

descobrimos que o lagarto tinha chegado a 3

metros de comprimento!

O próximo passo era a pintura base, que

SABER

ES DO

COTIDIA

NOAntoni Gaudí: um artista como inspiração

para a criação das criançasA professora Laís realizou um projeto com um grupo de 4 e 5 anos usando o arquiteto modernista

Antoni Gaudí como objeto de pesquisa. As crianças conheceram diversos aspectos de sua vida e

obra, através da pesquisa e da discussão no momento da roda. Além disso, a produção do artista

serviu de inspiração para alguns produtos criados pelas crianças, em grupos ou individualmente.

O último destes trabalhos, com muito esforço da turma, acabou resultando em uma releitura em

tamanho real da iguana/dragão que fica no Parque Güell, em Barcelona. Confira aqui o relato

desse processo, nas palavras da professora Laís...

Page 29: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

27as crianças fizeram com tinta guache branca.

Em seguida, a finalização: colar pequenos

pedaços de papel laminado, criando a ilusão

de que eram azulejos quebrados, como na

obra original.

Durante todo o processo de construção, meu

papel foi apenas de orientar e documentar os

passos do processo. Acredito que, durante o

processo criativo, as crianças não precisam

de mais que isso.

Hora de mostrar o que fizemos...

Enquanto as crianças construíam o dragão,

trabalho que durou aproximadamente um

mês, também iam desenvolvendo outros

trabalhos de artes: autorretrato com tinta

guache em capa de disco, reprodução

da “Sagrada Família” com tinta nanquim

em laminas de plástico, “La Pedrera” em

banner de vinil com tinta guache... Toda essa

produção artística faria parte do produto final

do projeto, uma exposição para os pais e toda

a comunidade escolar.

Alguns dias antes da exposição, organizados

em roda, conversamos sobre o que sabíamos

sobre o artista e que seria importante

compartilhar com os pais. Queríamos também

falar sobre as técnicas utilizadas e como foi o

processo dessas produções todas. Com estas

anotações, cada criança escolheu a sua fala.

Inauguramos a exposição com uma

pequena apresentação das crianças. Assim os

pais puderam perceber o porquê da utilização

dos materiais escolhidos e apreciar o olhar

das crianças sobre o artista pesquisado.

Desta forma a exposição mostrou como esse

percurso influenciou fortemente o grupo.

Ampliaram seu interesse pela arte, o gosto

pelo trabalho em ateliê e a valorização de

materiais descartáveis- que eles conseguiram

transformar em verdadeiras obras de arte!

E esse olhar, acaba alí?

Posso dizer que não! Quando a Revirei

me pediu para relatar uma de minhas

experiências logo pensei neste trabalho, que

já havia realizado de maneira semelhante

alguns anos antes. Poucos dias depois um

ex-aluno, agora com oito anos, chegou à

minha sala com um presente que havia me

trazido de sua viagem à Espanha. O presente

era uma réplica da iguana do Parque Güell!

Porque, depois destes anos todos, ele ainda

lembrava-se daquele trabalho?

Possivelmente porque um trabalho de arte

planejado, onde se garante a participação das

crianças durante todo o processo de pesquisa

e construção das obras, proporciona à criança

uma descoberta. Descoberta que ajuda a

desenvolver a capacidade de apreciar a

linguagem artística e ser impactado por ela.

LAÍS SANTOS DUARTE

Page 30: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

28

Construindo, planejando e papeando...Conversas das crianças ao longo do processo de construção da iguana.

Gente, vamos começar pelo esqueleto do dragone, né!? (IZABEL) Pode ser. Vai ficar bem comprido, porque

o dragone tem que ficar igualzinho ao do parque do Gaudí. (MARIA LUIZA)

Vamos precisar

de bastante fita

crepe

para forrar o j

ornal e deixar a

s costas

dele bem gorda,

quer dizer, com

volume.

(MATHEUS)

Isabel pega a fita métrica e Maria Luiza uma régua.

Olha já tá bem comprida! Tem 183...de tamanho! (IZABEL)

Preciso de muitas réguas de 30 para cobrir. (MARIA LUIZA)

Maria Luiza pega várias réguas...

É, gente, depois a gente mede.Vamos fazer os braços do dragone, porque são 4, né? Vai demorar muito! (MATHEUS)O braço que eu to fazendo tá

quase pronto. Manu, você segura para mim? Vou passar a fita crepe em volta do jornal.(ALANA)

Page 31: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

29Nesse momento, as crianças

pegam a estrutura e colocam

em cima da mesa.

Agora, em cima da mesa, vai ser mais fácil fazer os dedos e a cabeça. (DANIEL)

O Dragone

tem 5 ded

os...

(GABRIEL)

Na verdade 10 dedos, né? Porque as duas pernas, uma de cada lado. E 5 mais 5 é 10! (MATHEUS)

Não! Vai ser mais que 10 dedos. Porque ele vai ter 4 pernas. 2 na frente e 2

atrás. (RENATO)Então vai ser 20 dedos no total. Porque 5 mais 5 mais 5 mais 5... Dá 20! (KENZO)

No dia seguinte, havia vários potes espalhados nas mesas, com cores diferentes de papel laminado

previamente cortado. As crianças começam a colar aleatoriamente o papel no dragão.

Gente, tá errado! Olha a fotografia e a mini escultura do dragone....Não é essas cores! (DANIEL)

André e Gabriel vão até a escultura e observam bem de perto.

O Dani tem razão...Vamos fazer igual ao Dani. (ANDRÉ) Já sei! Vamos pegar a escultura e colocar perto

da gente. Vamos fazer a cabeça igualzinho...Vamos, Gabriel e André? (DANIEL)

É, gente... Vamos demorar alguns dias para terminar de colar ‘tudinho’ o nosso dragone. Só falta saber como a profe vai fazer para sair água

da boca dele sem molhar o jornal!

Page 32: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

30SABER

ES DO

COTIDIA

NOGALERIA DE FOTOS

Page 33: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

31

Acompanhe um pouco do processo da turma, na produção do Dragão...

LAÍS SANTOS DUARTE é professora de G3 (4-5 anos) na

Escola Palmares/Projeto 21.

Page 34: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

32O

qu

e di

z a

lei?

Sobre a Lei 12.796/2013 e implicações à Educação Infantil Daniele Marques Vieira

mudanças na lei...

Constituição Federal 1988

Art. 208. O dever do Estado com a

educação será efetivado mediante a garantia

de:

I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito,

inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade

própria;

II- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao

ensino médio;

III- atendimento educacional especializado aos portadores de

deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de

idade;

Desde a Emenda Constitucional 59 (2009), que anunciou a obrigatoriedade de

matrícula na Educação Básica dos 4 aos 17 anos de idade, a Educação Infantil

tem sido exposta à fragilidade de sua constituição como etapa no sistema

educacional brasileiro. Primeiramente pela divisão que distingue o

atendimento por faixa etária: de 0 a 3 anos de idade na creche

(gratuito, porém não obrigatório) e de 4 a 5 anos de idade na pré-

escola (gratuito e obrigatório).

Por um lado o direito está preservado pois, a partir da opção

familiar, a criança pode ou não frequentar a instituição

educativa. Por outro, a não obrigatoriedade permite

que esta etapa não seja vista como prioridade pelo

poder público. O foco acaba sendo posto na oferta

de vagas para crianças a partir de 4 anos, uma

vez que a obrigatoriedade de matrícula

requer a oferta inadiável desse

atendimento nas redes municipais

de ensino. Outra questão central

é da qualidade da oferta e as

condições destas vagas

atenderem às Diretrizes

C u r r i c u l a r e s

Nacionais para a

Page 35: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

33

Sobre a Lei 12.796/2013 e implicações à Educação Infantil Daniele Marques Vieira

Educação Infantil (DCNEI, 2009). Nesse âmbito podemos destacar que a garantia

de oferta da educação infantil - creche e pré-escola - para todas as crianças

brasileiras, constitui-se em uma obrigação do estado que deve corresponder

aos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006),

o que implica em atender às especificidades que caracterizam essa

etapa. Isso também implica estar de acordo com os Parâmetros

Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil

(2006).

Pensando na questão da adequação das redes

municipais e o desafio da universalização da matricula

na pré-escola até 2016, podemos destacar o

Programa ProInfância, criado em 2007 para

prestar auxílio financeiro aos municípios

para a construção de equipamentos de

ensino - instituições de educação

infantil – em acordo com os

parâmetros de qualidade

acima ressaltados.

R e s s a l v a - s e ,

contudo, que é

atribuição do

m u n i c í p i o

Emenda Constitucional 59/2009

Art. 208. O dever do Estado com a educação

será efetivado mediante a garantia de:

I- educação básica obrigatória e gratuita dos 4

(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada

inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não

tiveram acesso na idade própria;

II- progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III- atendimento educacional especializado aos portadores de

deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV- educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos

de idade;

Page 36: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

34proporcionar as condições

básicas de atendimento a

essa faixa etária. Atendimento

este que, levando em conta o Art.

5º das DCNEI, se dê em instituições

que se “caracterizam como espaços

institucionais não domésticos que

constituem estabelecimentos educacionais

públicos ou privados que educam e cuidam

de crianças de 0 a 5 anos de idade no período

diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e

supervisionados por órgão competente do sistema de

ensino e submetidos a controle social”. Em se tratando da

Proposta Pedagógica, esta deve estar de acordo com o Art. 9º

das DCNEI, que indica que esses espaços devem proporcionar

as condições para as crianças vivenciarem seu tempo de vida, a

sua infância, por meio dos eixos Interações e Brincadeira. Isso requer

a constituição de um ambiente em que a criança possa se relacionar

com seus pares e realizar suas atividades de brincadeira, por meio da

diversificação do contexto lúdico e acesso à experiências diversas.

Contudo, o que vemos, em grande parte dos municípios brasileiros, revela

a fragilidade da concepção de educação infantil. Infelizmente, tal fragilidade é

permissiva ao equívoco de antecipação da escolarização, como ideia de preparação

das crianças na pré-escola para a entrada no ensino fundamental. Com isso, vemos

a invasão de conteúdos sistematizados, sobrepondo as possibilidades de construção de

conhecimentos significativos aos grupos de crianças, que ficam à mercê do arbítrio adulto.

Ou ainda, a falta de estrutura em escolas que passam a atender a faixa etária pré-escolar,

em salas formatadas para ensino fundamental - carteiras enfileiradas e quadro negro. Não

há adequação do mobiliário ou quaisquer possibilidades de diversificação do ambiente,

além da ausência de espaço externo. Faltam elementos que propiciem vivências próprias à

educação infantil, por meio do eixo Interações e Brincadeira.

A obrigatoriedade, fato consumado na política nacional para a Educação Básica, não

LDB (9394/1996)Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública

será efetivado mediante a garantia de:

I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito,

inclusive para os que a ele não tiveram acesso na

idade própria;

II- progressiva extensão da obrigatoriedade

e gratuidade ao ensino médio;

[...]

IV- atendimento gratuito em

creches e pré-escolas às crianças

de zero a seis anos de idade;

Page 37: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

35pode inibir as conquistas

realizadas em prol do direito

à educação de qualidade, por

todas as crianças brasileiras de 0

a 5 anos, conforme a LDB 9394/96,

alterada pela Lei 12.796/2013.

Para o enfrentamento dessa questão, no

entanto, será fundamental ao poder público

rever o financiamento destinado à Educação

Básica, em especial à Educação Infantil. Essa etapa

requer profissionais especialistas, sob condições

de trabalho que permitam o atendimento que a faixa

etária demanda, bem como um espaço-ambiente com

equipamento adequado aos parâmetros de qualidade

para a Educação Infantil- a fim de favorecer as Interações e a

Brincadeira.

E, não menos importante para pensarmos uma oferta de qualidade,

cabe aos dirigentes municipais promover a discussão e reflexão, por

parte de todos os atores envolvidos, acerca das concepções de criança,

infância e Educação Infantil, que alicerçam as práticas pedagógicas nesse

âmbito educacional.

DANIELE MARQUES VIEIRA é pedagoga, consultora do ProInfância

(COEDI-MEC) e doutoranda na área de educação na UFPR.

LEI 12.793/2013 (altera LDB)Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública

será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos

4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,

organizada da seguinte forma:

a) pré-escola;

b) ensino fundamental;

c) ensino médio;

II - educação infantil gratuita às

crianças de até 5 (cinco) anos de

idade;

Page 38: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

36

A grande roda de histórias

Escrito e oganizado por Milton Karam e Nélio Spréa

“Para começar, vamos formar uma roda.

Uma história vou contar...”

Não é preciso repetir esse convite para

que a roda logo esteja pronta. Para que,

numa ansiedade crescente, ouvidos sejam

apurados e o silêncio logo se instaure em

expectativa.

Um costume tão simples de tradição

oral que perpassa tempos e lugares, mas

que aproxima contador e ouvintes num

envolvimento social e afetivo. Uma

tradição que ora se sustenta naquilo

que “se ouviu dizer”, ora naquilo

que “salta” de algumas páginas

impressas. E por que não juntar as

duas coisas? Formar uma roda para

se encantar com histórias que foram

escutadas, mas que agora emergem

das páginas de um livro?

É o que nos provoca a fazer

a recém-lançada publicação da

Editora Parabolé, A Grande Roda de

Histórias, escrita e organizada por

Milton Karan e Nélio Spréa. Ela nos

faz querer sentar numa roda e ouvir,

contar e ler.

Fruto de um projeto idealizado pela

Parabolé Educação e Cultura, o livro é

composto por 12 narrativas

inspiradas em 17

histórias. As histórias,

selecionadas dentre

as mais de 100

contadas a Nilton

Nascimento em

muitas e diversas

rodas, fazem muito

mais do que nos

envolver, como

afirmam os escritores.

Afirmo isso porque,

ao iniciar a leitura dos

textos, senti-me em meio

a uma roda com várias pessoas

junto a mim. Por todo o tempo em

que tive o livro em minhas mãos não mais

lia, apenas ouvia.

Escutava personagens contando seu

conto, sua história ou seu depoimento

e me emocionava, me comprazia e me

entristecia também. Partilhei das emoções,

dos sentimentos, aprendi e recordei.

RESENHA DO LIVROF

IQ

UE

PO

R D

EN

TR

O

Page 39: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

37O livro fez-me recordar: rememorar

as histórias contadas por minha avó,

rememorar situações semelhantes às

contadas, rememorar as rodas das quais

participei.

O encanto da obra está na simplicidade

das histórias que misturam fantasia e

realidade. No cuidado com os detalhes, na

possibilidade de “passear” pelos

recantos do

Paraná. Na

sequência das

narrativas que,

aparentemente,

não apresenta um

propósito. Nada

impede que se

comece a leitura

pelo último conto

e alterne-se entre

um e outro dos 12

escolhidos. Porém,

não se surpreenda

se só descobrir quem são

os passageiros mencionados pelo

taxista – personagem da oitava história

– ao fim da leitura de todo o livro.

Sendo assim, reforço e amplio o

convite dos autores: mais do que se sentir

em casa, sinta-se à vontade para recontar

essas e muitas outras histórias por aí.

E, se um ponto você aumentar, não se

preocupe, deixe-se levar. Afinal, você foi

contagiado...

IMAGENS DA GRANDE RODA DE HISTÓRIAS...

LIVRO E PROJETO: PARABOLÉ EDUCAÇÃO E CULTURA

Resenha de FRANCIELE FERREIRA

FRANÇA, mestre em história da

Educação pela UFPR.

Page 40: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

38

VIREI O BAÚmemórias da educação infantil

OS MEUS, OS SEUS, OS NOSSOS BRINQUEDOS

VIR

EI O

BA

Ú

No movimento de revirar o baú das minhas

memórias em busca dos brinquedos que

por mim passaram, lembrei-me da poesia

de Manoel de Barros. Especialmente do

trecho em que diz: “sou hoje um caçador

de achadouros da infância. Vou meio

dementado e enxada às costas cavar no meu

quintal vestígio dos meninos que fomos”.

Ao pegar a enxada da memória, lembro

do meu videogame Odyssey, dos bonecos

da Playmobil, da boneca de pano (do meu

tamanho) feita pela minha avó materna.

Amplio a escavação para o quintal alheio e

me deparo com jornais e revistas no Paraná,

entre meados do século XIX ao XX. Eles me

informam, por exemplo, que “o brinquedo

é agora negócio vasto, importante,

avultado e tem armazéns que são

templos, e fábricas que são grandes

indústrias”. Tal afirmativa, que para nós

pode parecer atual devido ao apelo

midiático que caracteriza o comércio do

brinquedo como um negócio rendoso no

século XXI, foi publicada em setembro de

1888 no jornal paranaense O Dezenove

de Dezembro. O interessante é que

o artigo sobre os

brinquedos relembra

com saudosismo os objetos

utilizados “há sessenta anos atrás”: boneca

de pano, carneiro de papelão e algodão,

galos, cães felpudos e cigarras. As novidades

industrializadas eram a “boneca parisiense”

(louça, biscuit, madeira, borracha, pelica),

os brinquedos de metal (soldados, trens,

estradas de ferro, aparelhos de cozinha), os

de chumbo (espingardas, pistolas, soldados)

e os de madeira (carrinhos, bonecos e bichos,

tambores). Essa divisão entre o brinquedo de

antes e o de agora acaba por demonstrar uma

ampliação do mercado iniciada no século XIX,

com a entrada de uma indústria especializada

em um território antes dominado pela

fabricação artesanal das miniaturas. Pode

não ter sido uma relação harmoniosa, mas os

brinquedos artesanais há tempos coexistem

com os industrializados, mesmo que em

menor escala de produção.

Desvio a enxada para o lado e encontro

“uma casa de brinquedo” entre o número

de comércios e serviços em Curitiba, no ano

de 1906 (Revista Almanach do Paraná).

Page 41: RevirEI - Revista Virtual de Educação Infantil

39Meu faro de caçador se aguça. Desejo mais.

Anseio por imagens dos brinquedos. E eis

que encontro a fotografia a seguir.

Uma menina com os brinquedos ao seu

redor. Cena que poderia se passar tanto em

um ambiente familiar quanto no educativo,

se considerarmos a criança pequena na

educação infantil. Imagem que nos possibilita

demarcar o brinquedo como objeto e o

brincar como a ação da criança sobre o

mesmo. A foto ainda permite a comparação

entre os brinquedos representados com os

que nós utilizamos na infância e com os que

disponibilizamos para as nossas crianças, seja

na família ou na escola.

Algumas permanências são evidentes:

ainda temos carrinhos, barquinhos, cavalos,

mesmo que em outros formatos e modelos. As

diferenças são gritantes quando nos voltamos

para a tecnologia utilizada atualmente,

principalmente o uso do plástico e materiais

sintéticos e a eletrônica, que desde a década

de 1980 começou a fazer parte do mundo dos

brinquedos. Que sensações o manuseio de

tais materiais eletrônicos e sintéticos podem

despertar nas crianças? Questionamento que

já rondava nossos antepassados, no século

XIX e que ainda é atual. Deixo o convite para

cada um escavar suas memórias e realizar

individualmente a comparação dos seus

brinquedos com os meus, para pensarmos

juntos o futuro dos nossos brinquedos.

Etienne B.L. Barbosa é doutoranda em História da Educação no PPGE-UFPR

Paraná, Revista do Povo,

10/03/1917. Fábrica de Brinquedos Gravina.

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