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REVISÃO SOBRE OS MORCEGOS DO ARQUIPELAGO DOS AÇORES CONTRIBUIÇÃO PARA A SUA CONSERVAÇÃO MÓNICA LOPES & FÁTIMA MEDEIROS Departamento de Biologia, Universidade dos Açores, Rua da Mãe de Deus, 13-A Apartado 1422, 9501-801 Ponta Delgada RESUMO Nos Açores têm ocorrido, pelo menos, três espécies de morcegos Nyctalus azoreum (morcego dos Açores); Myotis myotis (morcego-rato-grande) e Pipistrellus maderensis (morcego da Madeira). Este número pode ascender a quatro espécies se a presença de Pipistrellus pipistrellus (morcego-anão) for confirmada, no arquipélago. Em São Jorge é conhecida a presença de N. azoreum, espécie endémica, e de uma espécie desconhecida do género Pipistrellus. O morcego dos Açores é o único mamífero endémico destas ilhas, e mostra caracteres únicos relativamente aos da espécie continental mais próxima Nyctalus leisleri (morcego- arborícola-pequeno), designadamente: menor tamanho, pelo mais escuro, chamamentos de ecolocação com frequência mais elevada e hábitos diurnos. Apesar de apresentar baixos níveis de diferenciação genética relativamente à espécie parental, as populações dos Açores não estão depauperadas e mostram descontinuidade significativa (as de São Miguel relativamente às do grupo central). É abundante em algumas ilhas, e raro noutras. Devido a este facto e ao seu tamanho populacional pequeno, esta espécie endémica, é classificada como vulnerável na lista vermelha de IUCN e criticamente ameaçada no Livro Vermelho de Vertebrados de Portugal. Como é exclusivamente insetívora, é potencial predadora de insetos prejudiciais à Agricultura e à Saúde Humana. Pouco se sabe acerca das outras espécies de morcegos, para além da sua distribuição extremamente reduzida, fragmentada e restringida a poucos locais. O reduzido tamanho populacional e o isolamento das diferentes populações destes morcegos, bem como os carateres únicos do morcego endémico, realçam o seu grande valor conservacionista. O objetivo principal deste trabalho foi identificar eventuais alterações quantitativas e qualitativas das espécies de morcegos anteriormente registadas, em São Jorge. Os resultados foram os seguintes: 1) foi confirmada a presença de duas espécies de morcegos, N. azoreum e de outra espécie, do género Pipistrellus; 2) o morcego dos Açores parece evidenciar uma distribuição heterogénea; 3) foram confirmados os hábitos diurnos da espécie endémica, ao fim do dia e detetada atividade também durante a manhã; 4) o género Pipistrellus foi detetado apenas num local, coexistindo com N. azoreum. PALAVRAS-CHAVE: Nyctalus azoreum, Pipistrellus sp., Conservação, S. Jorge, Açores.

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REVISÃO SOBRE OS MORCEGOS DO ARQUIPELAGO DOS AÇORES CONTRIBUIÇÃO PARA A SUA CONSERVAÇÃO

MÓNICA LOPES & FÁTIMA MEDEIROS

Departamento de Biologia, Universidade dos Açores, Rua da Mãe de Deus, 13-AApartado 1422, 9501-801 Ponta Delgada

RESUMO

Nos Açores têm ocorrido, pelo menos, três espécies de morcegos Nyctalus azoreum (morcego dos Açores); Myotis myotis (morcego-rato-grande) e Pipistrellus maderensis (morcego da Madeira). Este número pode ascender a quatro espécies se a presença de Pipistrellus pipistrellus (morcego-anão) for confirmada, no arquipélago. Em São Jorge é conhecida a presença de N. azoreum, espécie endémica, e de uma espécie desconhecida do género Pipistrellus.

O morcego dos Açores é o único mamífero endémico destas ilhas, e mostra caracteres únicos relativamente aos da espécie continental mais próxima Nyctalus leisleri (morcego-arborícola-pequeno), designadamente: menor tamanho, pelo mais escuro, chamamentos de ecolocação com frequência mais elevada e hábitos diurnos. Apesar de apresentar baixos níveis de diferenciação genética relativamente à espécie parental, as populações dos Açores não estão depauperadas e mostram descontinuidade significativa (as de São Miguel relativamente às do grupo central).

É abundante em algumas ilhas, e raro noutras. Devido a este facto e ao seu tamanho populacional pequeno, esta espécie endémica, é classificada como vulnerável na lista vermelha de IUCN e criticamente ameaçada no Livro Vermelho de Vertebrados de Portugal. Como é exclusivamente insetívora, é potencial predadora de insetos prejudiciais à Agricultura e à Saúde Humana.

Pouco se sabe acerca das outras espécies de morcegos, para além da sua distribuição extremamente reduzida, fragmentada e restringida a poucos locais. O reduzido tamanho populacional e o isolamento das diferentes populações destes morcegos, bem como os carateres únicos do morcego endémico, realçam o seu grande valor conservacionista.

O objetivo principal deste trabalho foi identificar eventuais alterações quantitativas e qualitativas das espécies de morcegos anteriormente registadas, em São Jorge.

Os resultados foram os seguintes: 1) foi confirmada a presença de duas espécies de morcegos, N. azoreum e de outra espécie, do género Pipistrellus; 2) o morcego dos Açores parece evidenciar uma distribuição heterogénea; 3) foram confirmados os hábitos diurnos da espécie endémica, ao fim do dia e detetada atividade também durante a manhã; 4) o género Pipistrellus foi detetado apenas num local, coexistindo com N. azoreum.

PALAVRAS-CHAVE: Nyctalus azoreum, Pipistrellus sp., Conservação, S. Jorge, Açores.

XV Expedição Científica do Departamento de Biologia - São Jorge 2011 - Rel. Com. Dep. Biol. 40: 98

ABSTRACT

At least three species of bats have occurred in the Azores Nyctalus azoreum (Azorean Bat); Myotis myotis (Greater Mouse-eared Bat) and Pipistrellus maderensis (Madeira Pipistrelle). This number can reach four species if the presence of Pipistrellus pipistrellus (Common Pipistrelle) is confirmed in the archipelago. In São Jorge Island the presence of N. azoreum and an unknown species of the Pipistrellus genus, are recognized.

The Azorean bat is the only endemic mammal of the Islands and shows unique characters relative to the ones of the closest continental species Nyctalus leisleri (morcego-arborícola-pequeno), namely smaller size, darker pelage, higher frequency echolocation calls and diurnal habits. Despite the low level of genetic differentiation relative to the parental species the populations of the Azores are not impoverished and show significant discontinuity (São Miguel's relative to central group´s).

It is abundant in some Islands and rare in others. Due to this fact and to its small global population size, this endemic species is classified as vulnerable, in the IUCN red list and critically endangered in the Red Data Book of Vertebrates from Portugal. As it is exclusively insectivorous it is a potential predator of insects that could be detrimental to agriculture and to human health.

Little is known about the other species of bats apart from their extremely reduced and fragmentary distribution range. The small population size and isolation of the different populations of these bats, as well as the unique characters of the endemic bat highlights their great conservation value.

The main aim of this work was to identify eventual quantitative and qualitative changes in the previously recorded bat species.

The results were the following: 1) two species of bats were confirmed (N. azoreum and another species of the Pipistrellus genus); 2) the Azorean bat seems to show an heterogeneous distribution; 3) the diurnal habits of endemic bat at the end of the day were confirmed and activity, during the morning, was also detected; 4) the Pipistrellus genus was detected only in one site coexisting with N. azoreum

KEYWORDS: Nyctalus azoreum, Pipistrellus sp., Conservation, S. Jorge Island, Azores.

INTRODUÇÃO

Os arquipélagos têm tido um papel significativo no estudo dos processos de especiação (Salgueiro et al., 2004), sendo as ilhas foco de grandes esforços de conservação, pelo fato das espécies endémicas insulares serem as mais vulneráveis à extinção (Frankham et al., 2002). A combinação de populações pequenas, isoladas e com uma distribuição fragmentada causa, frequentemente, redução da diversidade genética, levando à perda de potencial para a adaptação a mudanças ambientais súbitas. Estes fatores aliados à perda de habitat e às perturbações humanas são as principais causas do decréscimo populacional dos morcegos.

Nos Açores têm ocorrido morcegos em todas as ilhas, pertencentes a, pelo menos, três espécies: M. myotis , P. maderensis e N. azoreum.

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Foram encontrados vestígios (crânios) do morcego-rato-grande na Graciosa, mas a sua atual presença no arquipélago continua por confirmar (Palmeirim, 1979; Rainho et al., 2002). Le Grand et al. (1982) observou um morcego maior do que o endémico, no Pico da Vara e a SPEA (2012) também alude à presença desta espécie no mesmo local. De acordo com Cabral et al. (2006), o morcego-rato-grande é vulnerável. As populações da Europa parecem estar estabilizadas, embora em níveis baixos, sendo o estatuto de conservação das populações pouco preocupante (Hutson et al., 2008a). Esta espécie está protegida pela Convenção de Bona, pela Convenção de Berna e incluída nos Anexos II e IV da Diretiva de Habitats e Espécies da EU, requerendo medidas especiais de conservação, incluindo a designação de Áreas Especiais para a sua Conservação. O seu habitat também está protegido através da Rede Natura 2000 (Hutson et al., 2008a).

O género Pipistrellus foi detetado em Santa Maria (Rainho et al., 2002; Fonseca et al., 2010; Medeiros et al., 2010), nas Flores e no Corvo (Rainho et al., 2002; Medeiros et al., 2008), através de detetores de ultrassons. Foi possível distinguir o género Pipistrellus do Nyctalus, graças à diferença de frequência de ecolocalização, que para o primeiro é de cerca de 45 kHz e para o segundo de 35 kHz (Dietz & von Helversen, 2004). O género Pipistrellus está também presente na Graciosa e São Jorge (Cabral et al., 2006; Juste et al., 2008), não tendo ainda sido referenciado para São Miguel, Terceira, Faial e Pico. Em Santa Maria a sua distribuição parece ser alargada (Rainho et al., 2002; Medeiros et al., 2010; Trujillo & González, 2011), enquanto nas Flores e no Corvo parece ser restrita (Rainho et al., 2002; Medeiros et al., 2008).

Skiba (1996) observou um morcego nas Flores que emitia vocalizações com frequência, ritmo e tonalidade caraterísticos de P. pipistrellus. No entanto, de acordo com Juste et al. (2008), os morcegos do género Pipistrellus identificados nos Açores (Flores, Corvo, Graciosa, São Jorge), pertencem, supostamente, à espécie P. maderensis. Em Santa Maria está confirmada a presença da última espécie (Trujillo & González, 2011). A mesma está protegida pela Convenção de Berna e incluída no Anexo IV da Diretiva de Habitats e Espécies da UE. Segundo Cabral et al. (2006) e Juste et al. (2008) está criticamente em perigo e em perigo, respetivamente, devido à pouca área que ocupa e à perda de habitat. Permanece sem confirmação a existência ou não de outras espécies do género Pipistrellus, no arquipélago.

O morcego endémico, N. azoreum, está presente em todas as ilhas do arquipélago, com provável exceção das Flores e Corvo (Palmeirim et al., 1999). É menor e menos pesado do que a espécie parental. Leonardo & Medeiros (2011) verificaram que tem um peso inferior (x= 10.12g ± 0.81, n=50) a N. leisleri (11-20g). A plumagem é mais escura (Palmeirim, 1999) do que a da espécie continental. A elevada diferenciação morfológica entre estas espécies, contrasta com a baixa diferenciação genética. O morcego açoriano tem evoluído isoladamente relativamente à espécie parental (Salgueiro et al., 2010).

Parecendo essencialmente arborícola também se abriga em fendas, edifícios abandonados e falésias (Leonardo & Medeiros, 2011), podendo formar colónias de poucas centenas de indivíduos (Palmeirim et al. 1999). As colónias de maternidade, formam-se de Abril a Setembro/Outubro. Antes deste período os indivíduos parecem estar sozinhos ou em pequenos grupos tal como está estabelecido para a espécie mais próxima. A maioria dos juvenis nasce de meados de junho a meados de julho, tal como na espécie parental (Leonardo & Medeiros, 2011).

Vários autores já tinham constatado a tendência para o morcego açoriano ser diurno,

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apesar da sua atividade noturna ser mais elevada (Moore, 1975; Speakman & Webb, 1993; Irwing & Speakman, 2003). De facto, a saída dos dormitórios ocorre antes do por-do-sol, caraterística que distingue N. azoreum das outras espécies congéneres insetívoras, que só saem após o por do sol. Isto, provavelmente, está relacionado com um menor número de predadores diurnos, nos Açores, o que permite que esta espécie procure alimento durante o pico de abundância de insetos (Leonardo & Medeiros, 2011). Explora frequentemente as concentrações de insetos em torno da iluminação pública amarela, sendo a média da frequência principal das vocalizações de cruzeiro do morcego endémico superior à do morcego-arborícola-pequeno (Rainho et al., 2002). Alimenta-se preferencialmente de Lepidópteros e Dípteros, consumindo também Himenópteros e Tricópteros. O consumo de Himenópteros e a dieta mais variada, parecem distingui-lo de outras espécies de Nyctalus (Leonardo, 1999), tal como se espera numa espécie insular (Calrquist, 1974; Bolnick et al., 2007).

As populações de N. azoreum estão em perigo (Cabral et al., 2006; Hutson et al., 2008b), são protegidas pela Convenção de Berna e incluídas no Anexo IV da Diretiva da EU para os Habitats e Espécies, não existindo legislação nacional específica para esta espécie, apesar do endemismo. De acordo com Speakman & Webb (1993) “o morcego Açoriano pode ser a espécie mais rara e vulnerável da Europa”.

Uma vez que o conceito biológico de espécie é de difícil aplicação a formas alopátricas, pela ausência de contacto entre as populações, que impossibilita a confirmação da existência de barreiras reprodutivas entre elas (Palmeirim, 1991), o estatuto taxonómico do morcego açoriano tem sido adequadamente discutido com base em estudos morfológicos, ecológicos, filogenéticos e reprodutivos (Salgueiro et al., 2007; Salgueiro et al., 2010; Leonardo & Medeiros, 2011).

Estudos, baseados na análise de DNA mitocondrial sugerem que as populações de N. azoreum tiveram origem num único evento colonizador natural, tendo uma só linhagem materna chegado aos grupos oriental e central do arquipélago. Os movimentos ulteriores entre estes grupos de ilhas foram raros, permanecendo as novas mutações endémicas numa ou nalgumas ilhas vizinhas, levando a uma forte descontinuidade entre os morcegos de São Miguel e os do grupo central (Salgueiro et al. 2004). As linhagens de N. azoreum diferem das de N. leisleri em apenas 0 ou 1 mutação, o que implica ancestralidade recente das linhagens mitocondriais. Contudo, N. azoreum atingiu elevados níveis de diferenciação fenotípica em relação à espécie parental (Salgueiro et al., 2007), fato que tem sido verificado noutros vertebrados (Humphries & Winker, 2010).

A análise da diversidade genética através de microssatélites (DNA nuclear), mostrou que as populações de N. azoreum não estão geneticamente empobrecidas e retiveram ou acumularam diversidade genética substancial (Salgueiro et al., 2008), apesar de existir menor diversidade genética na espécie insular, do que em N. leisleri (Salgueiro et al., 2010). Foram encontrados muitos alelos não partilhados entre as duas espécies e nenhuma evidência de migrações, o que apoia a inexistência de fluxo genético contemporâneo entre elas (Salgueiro et al., 2010).

O mar não representa uma barreira absoluta ao fluxo genético entre as ilhas do grupo central, mas a dispersão sobre a água, ao longo de distâncias maiores, é muito mais rara (Salgueiro et al., 2008). A comparação dos marcadores nucleares, mostrou que a população de S. Miguel está mais próxima da espécie continental do que das populações do grupo central (Salgueiro et al., 2010).

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A sobrevivência de N. azoreum pode depender da manutenção da sua diversidade genética e flexibilidade adaptativa. Eventuais transladações de N. azoreum entre o grupo central e S. Miguel deverão ser evitadas, devido à sua longa história de isolamento, e a um concomitante desenvolvimento de adaptações locais. A transladação de animais dentro do grupo central poderá ser recomendada, se necessário, visto que as migrações naturais dentro deste grupo parecem ocorrer ocasionalmente (Salgueiro et al., 2008).

O objetivo principal deste trabalho foi identificar eventuais alterações ocorridas no número e/ou tipo de espécies de morcegos, nesta ilha, nos últimos anos. Procedeu-se ao registo da presença da espécie endémica e à procura de outras espécies vulneráveis ou raras que pudessem estar presentes na ilha.

METODOLOGIA

A presença de morcegos em São Jorge foi, durante a XV Expedição Cientifica do DB, confirmada através de visitas diurnas e noturnas.

Para as visitas diurnas, foram selecionadas, aleatoriamente, 5 unidades de 2amostragem, de 5 km cada, correspondentes a cerca de 10% da área de São Jorge e

representativas dos habitats da ilha. Estas unidades foram percorridas, com uso de uma viatura. Fizeram-se paragens regularmente espaçadas (500 metros), ao longo de estradas e caminhos, de modo a atravessar cada unidade ao longo do seu comprimento, tanto quanto possível. Em cada paragem, aguardava-se 10 minutos, anotavam-se os avistamentos assim como a hora e confirmava-se a identificação da espécie com um detetor de ultrassons.

As visitas noturnas foram efetuadas em dois locais, percorridos a pé, fora das unidades de amostragem, tendo a identificação dos morcegos sido feita com um detetor de ultrassons.

RESULTADOS

No decorrer da XV Expedição Científica foram detetados indivíduos pertencentes N. azoreum e a Pipistrellus sp..

O morcego endémico foi registado durante as saídas diurnas (Quadro 1), e noturnas (Quadro 2), na gama de frequência dos 35kHz, que permite identificar a espécie (Dietz & von Helversen, 2004). Foi detetado em vários locais, a diferentes horas do dia, antes e após o por do sol, e inclusive após o nascer do sol (Quadros 1 e 2).

Quadro 1: Avistamento diurnos de N. azoreum em São Jorge. Legenda: Nt- número total de pontos do percurso; Nd - número de pontos onde ocorreram avistamentos; Cp- comprimento da unidade de amostragem; Ct- comprimento das 5 unidades de amostragem; An - após o nascer do sol; Ap - antes do por do sol; ¹ - Num destes pontos ocorreu registo repetido em dias diferentes.

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Quadro 2: Deteção noturna de N. azoreum em São Jorge. Legenda: Nt- número total de pontos do percurso; Nd- número de pontos onde ocorreram avistamentos; Cp- comprimento da unidade de amostragem; Ct- comprimento das 5 unidades de amostragem; An- após o nascer do sol; Ap- antes do por-do-sol; ¹- Num destes pontos ocorreu registo repetido em dias diferentes.

Quadro 3: Deteção Pipistrellus sp. em São Jorge. Legenda: Cp- extensão dos avistamentos; Ct- comprimento total do percurso; An- após o nascer do sol; Ap- antes do por do sol; App- após por-do-sol.

O género Pipistrellus foi detetado, durante as saídas noturnas, na gama de frequência de 45 kHz, que permite a identificação de indivíduos deste género (Dietz & von Helversen, 2004). A deteção ocorreu em dois dias diferentes, numa área extremamente reduzida, sempre após o por-do-sol, em torno da iluminação pública, de cor amarela, em simultâneo com a deteção de N. azoreum (Quadro 3).

DISCUSSÃO

A análise dos dados recolhidos em São Jorge permite confirmar claramente a tendência de N. azoreum para voar de dia, tendo sido avistado algumas horas antes do por-do- sol (até 4h) o que já tinha sido constatado por outros autores (Speakman & Webb, 1993; Rainho et al., 2002; Leonardo & Medeiros, 2011). O morcego dos Açores também exibiu atividade após o nascer do sol (3h), fato que não tem sido evidenciado na maioria dos trabalhos efetuados sobre esta espécie, exceto em Leonardo & Medeiros (2011).

Adicionalmente foi possível constatar que as populações de morcego endémico se localizam com maior facilidade, durante o dia, na zona sudoeste e sul da ilha. Assim parece ocorrer heterogeneidade na sua distribuição, em São Jorge, o que aponta para a necessidade de esforços de conservação em toda a ilha.

Quanto ao Pipistrellus sp., uma vez que foi detetado apenas num local, parece ter uma distribuição muito restrita na ilha, pelo que se torna extremamente importante a salvaguarda dessa área, assim como a manutenção das iluminações de mercúrio, junto às quais foi detetado, em busca de insetos, dos quais se alimenta. Permanece por identificar a espécie à qual pertencem os indivíduos detetados. Cabral et al. (2006) e Juste et al. (2008) também referem a ocorrência deste género em São Jorge. De salientar que, a área onde o género Pipistrellus foi encontrado, durante esta expedição não se encontra protegida por nenhum dos Instrumentos de Gestão Territorial em vigor em São Jorge, o que torna este animal mais suscetível às possíveis ações humanas que aí possam decorrer. O fato do morcego endémico coexistir no mesmo local, reforça esta necessidade.

Em relação ao morcego endémico, seria importante estudar com maior detalhe a sua morfometria, com base em indivíduos vivos e aprofundar os conhecimentos sobre os padrões da sua atividade diária e anual, assim como recolher dados acerca do uso de abrigos, no seio e fora da época reprodutiva.

No que concerne à conservação dos morcegos nos Açores, há um longo caminho a ser percorrido. Há, em primeiro lugar, uma grande necessidade de clarificar a identidade das espécies de morcegos residentes e determinar as suas abundâncias relativas, identificando as ilhas e/ou locais onde os efetivos das diferentes espécies são reduzidos, tendo em conta o grau de isolamento das populações respetivas. Para além disso os habitats disponíveis deveriam ser enriquecidos, não só em São Jorge como em todo o arquipélago. Um melhoramento da paisagem, integrado e sustentável, deveria ser levado a cabo conjuntamente com a população humana, incluindo a implementação de várias políticas (desencorajadoras da desflorestação, que aumentem a restituição da vegetação nativa e que alterem significativamente as práticas da agricultura e da lavoura). Estas políticas deveriam basear-se no uso restrito de pesticidas e de outras fontes de poluição, de modo a mitigar a eventual diminuição de efetivos das populações de morcegos vulneráveis, com grande probabilidade de extinção, que ocorrem nestas ilhas isoladas. Simultaneamente as mesmas políticas beneficiariam a restante biodiversidade destas ilhas e contribuiriam para uma maior qualidade de vida da população humana.

Os estudos detalhados, acima referidos, permitirão a obtenção de dados que viabilizem estabelecer um plano de ação com vista à conservação das diferentes espécies de morcegos residentes no arquipélago e contribuirão simultaneamente a implementação de medidas sustentáveis para o melhoramento dos habitats respetivos.

CONCLUSÃO

Esta expedição confirma a residência de N. azoreum e de Pipistrellus sp. em São Jorge (a última das quais está pouco documentada). Não foram detetados morcegos noutras frequências de ecolocalização.

A distribuição aparentemente heterogénea de N. azoreum bem como a distribuição extremamente restrita e localizada de Pipistrellus sp., apontam para a necessidade urgente de realização de estudos científicos detalhados que fundamentem ações com vista à conservação destas espécies.

As duas espécies de morcegos referidas são insectívoras e potenciais predadoras de insetos prejudiciais à agricultura ou transmissores de doenças. Estes aspetos são, muitas vezes, desconhecidos do público em geral, pelo que, a realização de ações de Educação Ambiental que desmistifiquem a aversão aos morcegos, que a generalidade das pessoas mostra, constituirá uma mais-valia para a conservação destas espécies. Como em todos os processos de conservação, a colaboração do público é essencial. Assume especial relevância o envolvimento das crianças, uma vez que estas constituem um veículo de persuasão eficaz junto dos pais e da população em geral.

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