Revista Ágora 02_Março 15
-
Upload
revista-agora -
Category
Documents
-
view
220 -
download
0
description
Transcript of Revista Ágora 02_Março 15
ágoraAno I Nº 02Março/2015
Azul e VermelhoOlhares sobre a política brasileira pós-eleições
O ChamadoPor um direito mais interdisciplinar
Menos leitura,Mais aprendizado?
ágora 02_Março 15
04
06
10
17
22
26
Expediente
Waldo Ramalho editor-chefe e diretor de arte [email protected]
Ana Arruti editora [email protected]
Ana Cardoso editora [email protected]
Pedro Costa editor e revisor [email protected]
Yasmin Curzi editora [email protected]
Colaboraram neste númeroAnderson Pabst, Antônio Bastos, Daniel Azevedo, Evandro Sussekind, Gustavo Cavaliere, Karl Smith, Lucas Monteiro, Maria Paschoal, Victor Lacerda e Walter Gaspar
Ficha técnica e licenciamento
Ilustração da Capa Julia Tabosa Layout da Capa Marianne Albuquerque Projeto GráficoWaldo Ramalho Patrocínio FGV DIREITO RIO Esta obra é publicada através de uma licença Creative Commons BY-NC-SA 3.0 Assim, você tem o direito de Compartilhar e Adaptar este material, de acordo com os seguintes termos: Atribuição: você deve dar crédito ao autor original Compartilhamento pela mesma licença: se você alterar ou criar outra obra com base nesta, você a distribuirá a obra resultante sob uma licença idêntica a esta Uso não comercial Licença jurídica (integral e em português): creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br/legalcode
28
Antes arte do que nunca
It’s unBOLIVIAble
Simplicidade é a sofisticação última
PSDB: O Sísifo do século XXI
Um olhar progressista sobre as eleições 2014
O Chamado do Estudante de Direito
[perfil] Conhecendo a UAEM
O melhor da poesia dos estudantes da FGV DIREITO RIO.
As impressões, repletas de aprendizado, de um inter-câmbio pela AIESEC na Bolívia.
Uma argumentação incomum defendendo menos leituras prévias para as aulas, porém mais aprendizado.
Gustavo Cavaliere faz uma análise dos desafios que o PSDB enfrentará em seu papel como uma alternativa política no Brasil de amanhã.
Um autor convidado escreve sobre literatura, horror cósmico e interdisciplinaridade na formação do jurista.
Uma organização internacional de estudantes chega na FGV DIREITO RIO militando por um novo modelo de propriedade intelectual para a indústria farmacêutica em benefício dos menos favorecidos.
Quais os desafios para alcançar um Brasil popular e progressis-ta? Daniel Azevedo desenha uma resposta para esta questão.
ágora 3
editorial
Para colaborar com ágora é simples!Acesse bit.ly/guia_agora para ler nosso guia e envie sua colaboração para [email protected]
facebook.com/revistaagorafgv @revista_agora
E m 2014, o país virou um grande
palanque eleitoral. Antes da
Copa, as expectativas foram de
grandes protestos, similares às Jornadas
de Junho de 2013. Durante a Copa,
discutíamos jogo a jogo o que o evento
significaria para as Eleições. Quando elas
chegaram, o Brasil vivenciou um processo
eleitoral histórico. Entre a trágica morte
do candidato à Presidente pelo PSB,
Eduardo Campos, e a vitória apertada
de Dilma Roussef sobre o tucano Aécio
Neves, muito aconteceu.
E muito ainda acontecerá. Ao ilustrar
o embate entre os artigos de Gustavo
Cavalieri e Daniel Azevedo, nossa capa
aponta a discussão dos próximos anos:
que políticas e projetos de país devem
guiar um Brasil de crise e profundamente
polarizado, nesta década?
Além destes dois artigos, a segunda
edição de Ágora conta com uma
seleção de poemas de alunos da Escola
e um artigo sob pseudônimo que
argumenta, a partir de ferramentas
teóricas da economia, em favor de
menos leituras obrigatórias. Contamos
ainda com um relato empolgante de
um intercâmbio à Bolívia, pela AIESEC.
Vamos compartilhar também um perfil
da UAEM, uma fantástica organização
estudantil internacional recém-instalada
na FGV. Por fim, o nosso autor-
convidado da edição explora os dilemas
da formação intelectual do jurista através
do mythos de H.P. Lovecraft.
Mais uma vez agradecemos àqueles
que tornaram este projeto possível, em
especial à Coordenação da Graduação
da FGV DIREITO RIO e a vocês, nossos
colegas, que nos incentivam e escrevem
para a revista. Esperamos vocês na
terceira edição!
PS: os artigos desta edição foram
escritos em dezembro de 2014 e,
portanto, não dialogam com fatos
posteriores à esta data. Boa leitura! u
antes arte do que nunca
de dignidade abortadauma alma vive a brincar:hora pseudo vivohora semi mortodo papelão tira o confortoda honra, só gosto nocivoum espírito a se azedarde moral pelada
chovendo canivetecortando esperançaenquanto humanidade derretee, lá dentro, morre a criança
Anderson Pabst (7o. período)
Meus sonhos podem não ser coloridos, mas, para mim, são interessantes.Ainda que muitas vezes esquecidos, faz-me um bem compartilha-los com certos alguéns.
Sobre a falta de cor falava sério. Refleti e concluí que ao acordar não me lembro dos tons daquele mundo efêmero, pessoal e onírico. Penso que, por dedução, iriso tudo inconscientemente.
Agora, sonhar acordado, inventar um futuro, é colorido já na essência.
Esse tema é extenso, melhor deixar pra depois.A hora incolor reclama sua vez.
Lucas Florençano de Castro Monteiro (5o. período)
ágora 5
Pacta Sunt Servanda
Viver em sociedade, é oferta igual à demanda,Pelo bem mais escasso que temos:Atenção. Um pacto de homens com homens,Pelo não esquecimento. Onde contratante e contratado,Vão ficando desleixados de suas funções,Até que a última coisa que os ligue seja um contrato.Como mãe e f ilho mortos, ligados por um cordão umbilical sadio.
créditos: Wikimedia
Evandro Proença Sussëkind (CJUS)
E u nunca havia pensado em
viajar sozinho à Bolívia. Nunca
tinha considerado nem ir com
a família, namorada ou amigos (a não ser
como parte de um mochilão). Depois,
porém, de ter meu primeiro contato
com a AIESEC – organização estudantil
que promove intercâmbios filantrópicos
e profissionais ao redor do mundo – e
ser aprovado em sua seleção, a ideia de
passar semanas na Bolívia já não me era
estranha.
IT’S UNBOLIVIABLERelatos de um intercâmbio cultural realizado na Bolívia durante cinco semanas Por Lucas Monteiro
créditos: Lucas Monteiro
ágora 7
Três meses antes da viagem, não
conhecia a instituição, e, nesse ínterim,
um amigo me convidou para fazer a
prova de admissão para o intercâmbio.
Fui aceito, comecei a ler e a receber
convites sobre diversos programas –
desde dar aulas de inglês no Paquistão
até participar do desenvolvimento de
uma ONG nas Ilhas Maurício - até que
encontrei um de Santa Cruz de la Sierra,
Bolivia: Give me a Hand, “um programa
social para trabalhar com crianças de
seis a dezessete anos, as quais, por
razões próprias, não vivem com suas
famílias...” A descrição seguia. Falava
sobre condições sociais adversas e que o
‘lar’ no qual viviam tentava lhes ajudar na
escola e lhes trazer de volta um sentido
na vida. Naquele momento, percebi o
quanto é forte trazer de volta o sentido
da vida de uma criança. Não dá para
ler isso, saber que é realidade e não se
emocionar, não se incomodar. Aceitei o
desafio.
Fiquei na Bolívia por cinco semanas.
Antes de chegar ao lar, não sabia ao
certo o que iria encontrar. Acho, e não
tenho orgulho em dizê-lo, que esperava
das crianças uma certa revolta com a
vida (o que seria, para mim, bastante
justificável, pelas vicissitudes que os
levaram até ali) e até mesmo certa
agressividade. Contudo, imediatamente
reconheci que estava muito (muito
mesmo!) errado. Elas eram incrivelmente
carinhosas. Desde a recepção quando
escreveram no hall ‘bem vindos Lucas e
Gabriel’, e também no dia a dia: quando
entrávamos no salão onde se faziam
as refeições, elas nos chamavam para
sentarmos às suas respectivas mesas.
De segunda a sexta, permanecia no
lar com as crianças (eram pouco mais
de quarenta), outros voluntários e uns
poucos funcionários. Nos primeiros
dias, eles ainda estavam de férias,
então o cronograma era bem flexível:
brincadeiras, futebol, música, entre
outras atividades. Por educação, eles
tendiam a nos chamar de ‘senhor’. Mas,
pouco a pouco, o ambiente se tornou
bastante descontraído e informal. As
atividades eram bastante divertidas
e costumavam correr bem. Uma vez,
porém, fiquei assustado quando dois
meninos se desentenderam e um,
normalmente dócil, começou a ofender
a mãe do outro por estar presa e
ainda o ameaçou com uma pedra.
Contudo, por justiça ao costumeiro bom
comportamento de todos, ressalto que
esse episódio foi um incidente isolado.
As crianças tinham grande respeito por
nós, intercambistas, e quase sempre
aceitavam de boa vontade quando
dizíamos que isso ou aquilo não deveria
ser feito.
Além das brincadeiras e gincanas– com
direitos a prêmios (apenas simbólicos,
como balas e chocolates) - também
os ajudávamos com suas tarefas e
ensinávamos português e inglês. Era
divertido ouvir fora da aula ‘bom dia’,
‘boa noite’ e ‘obrigado’ por parte das
crianças.
Todo o numeroso grupo de crianças
tinha, regularmente, apenas dois adultos
para ajudá-los no dever de casa. Essa
carência de atenção individual e a
fragilidade no ensino resultavam, por
exemplo, em casos como o de uma
menina de catorze anos que não tinha
ideia de quantos dias tem um mês.
Esse programa, além do fim social,
tem o objetivo de difundir um pouco
da rica cultura boliviana. Aos finais de
semana era outra a realidade vivida. Os
membros da AIESEC (um, inclusive, ficou
encarregado de me dar host aos finais
de semana) me levavam para conhecer
a cidade, mostrar um pouco da comida,
bailes e costumes típicos, festas etc.
Pete, meu anfitrião, foi um dos grandes
professores que tive de história local. A
divisão ocidente x oriente é substancial
e ainda produz fortes reflexos na
sociedade. O Estado Plurinacional de
Bolívia (nome adotado após a chegada
de Evo Morales à presidência, metonímia
bastante significativa de seu governo)
créditos: Lucas Monteiro
ágora 9
possui a maior população indígena da
América do Sul.
Povos indígenas comuns, os nomes
collas e cambas só devem ser usados
por indivíduos do próprio grupo, senão
é ofensivo. Um colla se diz colla, mas
não deve chamar um camba de camba,
e a recíproca é verdadeira. O mesmo
acontece com outros grupos e etnias.
Viajamos em um grupo de oito inter-
cambistas e três aiesecos pelas principais
cidades: Cochabamba, Sucre (capital), La
Paz (não é a capital, apenas sede do pod-
er executivo e legislativo), Potosí e Oru-
ro. As paisagens eram incríveis. Estradas
que cortavam o deserto com um plano
de fundo dos Andes cobertos de neve.
Hotéis e albergues eram muito baratos e
éramos recebidos por um povo sempre
hospitaleiro.
A despedida do lar foi dificílima.
Pediam para ficar e me perguntavam
quando
voltaria. Fui
embora com a
sensação de ter
me entregado
ao máximo,
mas ainda
assim parece
que faltou fazer
muito. Eles
merecem muito mais.
Para aprender um pouco de um país
vizinho-irmão – mediante viagens ou
pelas próprias experiências do dia a
dia – conhecer lugares belíssimos e
experimentar o convívio com dezenas
de crianças dispostas a te ensinar a ter
paciência, a contar suas histórias de
vida, a mostrarem que têm seu valor
(eles adoravam mandar mensagens,
abraços e até cantar pra minha família
via whatsapp) e ouvir o que você pode
passar, eu aconselho fortemente que
você se permita a conhecer melhor e
participar do Give me a Hand.
A Bolívia te espera.
It’s unBOLIVIAble. u
Ps.: Sinto muitas saudades daqueles niños.
Lucas Florençano de Castro Monteiro é aluno do quinto período da FGV DIREITO RIO.
Sim, existem Lhamas na Bolívia. (créditos: Julia Tabosa)
opinião
SIMPLICIDADE É A SOFISTICAÇÃO ÚLTIMADo Porquê leituras prévias simples e curtas melhorariam as aulas Por Karl Smith
Lições de Convencimento com Crianças de 5 Anos (Pule esta parte se você não gosta de
introduções, mas olhe o último parágrafo)
Q uando se tenta
convencer alguém a
fazer algo, há três tipos
de argumentos: os que buscam criar
empatia/despertar algum tipo de
sentimento de bondade, os que apelam
para algum tipo de coação e os que
apelam para o lado egoísta de cada
um. Na minha experiência, é muito
mais fácil convencer alguém a fazer
algo se mostro que os dois ganham.
Imagine-se na situação clássica de
tentar convencer crianças de 5 anos a
comer salada ou a tomar uma injeção.
Assumindo que você superou seu
impulso inicial de gritar e/ou sentar
a mão na criança que chora para não
tomar a injeção, qual o melhor jeito
de conseguir o que você quer? Você
pode implorar/pedir bonitinho, mas
provavelmente isso não vai funcionar.
Por outro lado, você pode ameaçá-
la, exercer sua autoridade como
pessoa mais velha ou até prometer um
prêmio. Embora isso possa funcionar
em primeiro momento, não é uma
saída que funciona sempre e possui
consequências ruins a longo prazo (a
criança pode se ressentir de você por
mandar / ameaçar muito ela ou, pior,
pode ficar mimada com os prêmios).
Além disso, nem sempre é possível
exercer alguma forma de coação.
O caminho mais eficaz e, no caso de
crianças, o mais trabalhoso é mostrar
I
ágora 11
para elas que o que você quer é para
o melhor interesse delas. É com essa
ideia em mente que decidi escrever
esse texto. A questão que sobra é:
como convencer professores que o
melhor para eles é passar leituras
simples e pequenas? A solução que
achei é mostrar como, em realidade,
existe uma situação parecida com a
de um mercado e, a partir daí, analisar
como isso se aplica.
Um professor é como um ditador, um fornecedor ou um vendedor de souvenirs?
É fácil mostrar o porquê dos
professores não serem equiparáveis
a ditadores. Um primeiro argumento
óbvio é que há, em tese, regras que
eles devem seguir. Além disso, se os
professores abusam do poder que
possuem sem nenhuma contrapartida
aos alunos, mesmo que a coordenação
não faça nada, haverá um boicote
(em alguma medida) por parte dos
alunos. Aos professores que leem isso
e não se convencem, proponho que
deem uma matéria excessivamente
difícil, com a pior técnica didática
possível e com leituras intermináveis e
complexas.
Contudo, também não é possível
falar que professores são também
fornecedores em um mercado
competitivo. Isto porque os
professores possuem claramente um
poder sobre os alunos, que decorre
das características do produto e das
regras do jogo, como um todo.
Acho que professores se
assemelham mais com vendedor
de souvenirs, justamente pela
característica dos produtos que
oferecem. Comprar souvenir é algo
muito estranho se você parar para
pensar: muito difícil ver alguém que
realmente use aquela camisa cafona
dizendo algo como “minha tia-avó que
mal conheço viajou para um destino
turístico popular e me deu essa
camisa”. No entanto, apesar do bom
senso, pessoas continuam, contra a
sua vontade, comprando essas camisas
e outras tralhas que nunca sairão do
fundo do armário1 porque, se não
levarem algo, “vai pegar mal”. Como
fica o vendedor dessas coisas? Ele está
te vendendo algo que você não quer
comprar, mas precisa comprar. Assim
é o professor: se por um lado nós,
alunos, precisamos da aula / leitura,
por outro nem sempre a queremos
1 Eu sei que nem sempre é assim, mas levem em consideração a ideia.
II
III
(afinal, dormir é bem mais proveitoso
no curto prazo). O resultado disso
é uma relação híbrida; um meio
termo entre um ditador, que possui
autoridade absoluta, e um fornecedor
em um mercado competitivo2. O
resultado disso é que há incentivos
para que os alunos vão buscar gastar o
mínimo de recursos possíveis com as
aulas.
Alocação Eficiente de Recursos Finitos, Incentivos e Barras de Chocolate
É nesta parte que explico o cerne
do argumento do texto. Contudo,
é útil explicar algumas coisas antes.
Caso você, leitor, não tenha reparado,
a ideia é usar ferramentas teóricas
econômicas para argumentar, ou seja,
vou continuar usando alguns termos
econômicos e adotar explicitamente
algumas premissas. Vou fazer a análise
usando a teoria dos incentivos,
isso quer dizer que vou avaliar os
incentivos relativos a fazer as leituras
para terminar o argumento.
2 Eu sei que esta relação híbrida pode ser considerada também análoga a um mono ou oligopólio, mas achei que descrever como um vendedor de souvenir seria menos chato.
Ao contrário do que normalmente
se faz ao fazer uma análise econômica
de políticas públicas, leis ou qualquer
outra coisa com um escopo muito
maior, não é possível a aproximação
de que dinheiro equivale a utilidade,
muito porque não há dinheiro na
situação. Vou adotar as seguintes
premissas3:
1) O aluno busca ao mesmo
tempo evitar ao máximo gastar
recursos com a aula e fazer as leituras
para todas as matérias;
2) Os professores buscam
aumentar a qualidade da aula;
3) A qualidade da aula depende
do entendimento dos alunos, da
predisposição mental dos alunos e
da maior complexidade do conteúdo
passado;
4) O professor não pode
planejar sua aula somente para um
grupo específico de alunos, ou seja,
o professor pretende dar aula para
todos os alunos indistintamente;
5) Para cada aula, a utilidade
3 Estou adotando uma série de premissas que me parecem, em grande parte, coincidir com a realidade ou, ao menos, com o que ela deveria ser. Vou tentar, em seguida, f lexibilizar as que são menos compatíveis com a realidade.
ágora 13
auferida pelo aluno depende
diretamente se fez a leitura prévia;
6) O aluno é neutro quanto às
matérias, ou seja, não aufere mais
utilidade fazendo a leitura de uma
matéria específica4;
7) Alunos possuem o mínimo de
comportamento estratégico para fazer
planejamento de suas leituras;
8) O custo de fazer uma leitura
depende do tamanho da leitura, da
complexidade da leitura e da fadiga
mental do aluno, que aumenta o
quanto mais leituras o aluno já tiver
feito.
A partir dessas premissas, é possível
identificar que o aluno está em uma
situação na qual possui custos variáveis
com retornos constantes que deve
alocar em recursos finitos de forma a
maximizar o retorno5. O que a frase
4 Essa é a premissa mais duvidosa de todas, contudo é necessária para a análise e, como vou argumentar mais a frente no texto, acaba não fazendo diferença no resultado final, assumindo que o professor dê aula para os alunos como um conjunto (ver premissa 4).
5 Eu sei que este foi um salto lógico muito grande, mas o raciocínio geral é que o professor tenta dar a melhor aula possível, que o aluno quer ter uma aula boa e que, por fim, uma das formas do aluno ter uma boa aula é, justamente, fazendo a leitura. O problema
anterior quer dizer é que os alunos
tem uma quantidade limitada de
tempo (recurso) que deve ser usado
para fazer o maior número de leituras
possíveis (lembre-se que não há uma
distinção qualitativa entre as leituras),
contudo cada leitura vai requerer
uma quantidade de tempo diferente,
por ser de tamanho e complexidade
diferente.
O resultado disto é que,
logicamente, o aluno fará as leituras
em grau crescente de dificuldade,
ou seja, primeiramente as menores
e mais fáceis. Isto porque este é
o método que permite ao aluno
fazer o maior número de leituras
possíveis. Sabendo disto, a reação
racional dos professores deve ser
minimizar a complexidade de suas
leituras, visto que ao fazer isto, mais
alunos conseguirão fazer as leituras
e a qualidade da aula devido à menor
complexidade da leitura vai aumentar
pela maior compreensão dos alunos
(pois fizeram a leitura) e pelo melhor
estado de espírito dos alunos. Vale
notar que este último fator depende
da relação do professor com a turma,
que vai ser afetada, entre outros, pela
satisfação dos alunos com as aulas, que
é que o aluno não tem tempo suficiente para todas as leituras.
melhora com a maior compreensão
dos alunos (afinal, fico bem mais feliz
com uma aula que consigo entender),
ou seja, há um certo efeito cíclico.
Evidentemente, há um máximo que
a leitura pode ser simplificada para
haver ganho. Além disso, há uma série
de fatores práticos que alteram esse
quadro de análise. Farei o melhor
possível para conseguir abordar as
principais na próxima parte do texto,
mostrando como, em realidade, o
modelo proposto nesta seção se
sustenta.
Alunos com Preferências, vulgo: “Mas eu gosto de ler coisas de (matéria com nome excessivamente complicado e/ou ligeiramente esnobe)”
Não é possível justificar
adequadamente todas as
premissas neste texto sem torná-
lo excessivamente longo. Muito
menos tentar flexibilizar cada uma
individualmente. Contudo, algumas
das premissas são claramente menos
compatíveis com a realidade. Possuo
dois motivos diversos para ter
adicionado essas premissas.
O primeiro é que algumas não
podem ser contestadas, pelo menos
não publicamente por uma série de
razões6. O que quero dizer com isso é
que, por exemplo, alunos não podem
argumentar que menos leituras são
proveitosas por preguiça, contudo
é plenamente possível argumentar
(como estou fazendo) que menos
leituras serão proveitosas para as
aulas. Além disso, alunos não podem
peticionar nada que não tenha uma
justificação legítima, como querer
ter uma aula melhor. De outro lado,
o professor dificilmente gostará de
admitir favoritismos ou que não possui
um comprometimento ativo com a
qualidade da aula.
O segundo motivo para o uso de
premissas é que limitam algumas
consequências das outras premissas,
facilitando a análise inicial. De forma
geral, essas premissas podem ser
muito problemáticas nos trabalhos,
pois podem reverter completamente
as implicações do raciocínio. O
objetivo dessa parte do trecho é
mostrar, justamente, que mesmo sem
as premissas mais problemáticas a
conclusão se sustenta.
A primeira premissa que deve
6 Honestidade não dói, certo?
IV
ágora 15
ser flexibilizada é a número 7
(para os com preguiça de olhar
a página anterior, é a que fala do
comportamento estratégico do aluno).
Evidentemente, o ideal seria que cada
aluno se programasse de acordo com
o que deverá ler com antecedência.
Mas, há vários complicadores. O
primeiro é nem sempre é possível
se planejar, nem sempre os alunos
tem acesso à leitura muito antes da
aula. Além disso, raros são os que
fazem a leitura com mais de um dia
de antecedência, talvez por falta de
planejamento pura e simples, talvez
por não quererem correr o risco de
esquecer do conteúdo da leitura antes
da aula (o que poderia acabar com o
propósito de ter lido o texto). Por fim,
para complicar ainda mais, algumas
leituras requerem que o aluno busque
o texto antes de lê-lo. O resultado
conjunto destes fatores é que o aluno
pode acabar com um tempo ainda mais
limitado para fazer as leituras e, ainda
por cima, pode não conseguir fazer
alguma, pois o acesso ao texto naquele
momento tem custo proibitivo. Claro
que isto poderia ser corrigido com
maior planejamento, mas não muda
o cerne da constatação de que, na
prática, o aluno vai preferir fazer as
leituras que lhe custem menos. A
diferença é que professores que dão
aula em dias com mais matérias na
grade acabam tendo menos leitores.
A segunda premissa que deve ser
flexibilizada é a de que os alunos não
possuem preferência pelas matérias
e que, consequentemente, não há
diferença na utilidade que aufere
com cada leitura (premissa 6). Isto
é, obviamente, falso. Pessoas tem
preferências. Contudo, resta saber
se, no caso, fazem diferença para o
professor; minha resposta é que não.
É fácil afirmar isto principalmente
pela ideia de que o professor procura
dar aula para todos os alunos, não
podendo / devendo apenas focar todo
seu planejamento em somente um
grupo de alunos. O resultado disto
é que vai ser mais imprevisível para
o professor quantas pessoas lerão
o texto e que cada matéria acabará
tendo um grupo de leitores assíduos,
o que é irrelevante para o professor
que, ao menos, pretende dar aula para
todos (isso é diferente de adequar
o nível da aula para quem não leu
entender).
Como falado anteriormente, há uma
série de outros fatores que poderiam
ser considerados, como a questão das
leituras em eletivas e etc.. Porém os dois
analisados acho que são os principais.
Guerra Fiscal, Brindes e Conclusão
A análise poderia ser muito mais
longa, mas tenho prazo para mandar
esse texto (e limite de tamanho). Então,
neste trecho final, vale a pena deixar
uma sugestão para os professores e
deixar claro que não há como haver uma
competição entre os professores para
conseguir mais leitores, caso a adotem.
A primeira sugestão é que seja reduzida
e simplificada a carga de leitura e que os
textos estejam facilmente disponíveis7.
Deve-se notar que a aceitação em
massa desta sugestão não ocasionará em
uma competição entre os professores
por alguns motivos. O primeiro é que,
como falado anteriormente, é bem
7 O ideal é que estejam digitalizados ou compilados em uma apostila. Caso não seja possível, verificar se tem o livro na biblioteca, qual a cor da bolinha e quantos exemplares terão disponíveis na biblioteca.
V
provável que todo professor possua
um grupo de alunos que sempre façam
a leitura por gostarem da matéria. Em
segundo lugar, há um nível máximo de
simplificação possível para as leituras, em
algum momento deixará de ser possível
ou proveitoso simplificá-la. O terceiro
motivo é que com a adoção em massa
da sugestão os alunos conseguirão fazer
todas as leituras (ou grande parte).
Por fim, não sei qual o efeito que esse
texto vai ter. Talvez só meia dúzia de
alunos leiam, talvez alguns professores
olhem também, talvez atraia a atenção
de alguém importante. De qualquer
modo, parece-me um argumento bom e
pode ser que mude um pouco a atitude
de algum professor, com sorte, para
melhor e, se isso acontecer, considero
uma vitória. u
Karl Smith é o pseudônimo do(a) autor(a), um(a) estudante da FGV DIREITO RIO.
ágora 17
PSDB: O SÍSIFO DO SÉCULO XXI
A História se repete, como
tem feito há 12 anos: o
PT continua no poder.
Como Sísifo, o PSDB parece lograr-se
a uma tarefa impossível: de retomar
para si o cargo executivo mais impor-
tante do país.
Estaremos fadados a uma continui-
dade do PT no poder por 12, 16, 20
anos? E, sobretudo, isso é desejável?
Acredito que não. É necessária a
alternância de poder dentro de uma
democracia. Mas, para alcançar seu
objetivo, existem desafios tanto para o
PSDB quanto para Aécio se manterem
competitivos e chegarem como efetiva
via alternativa em 2018.
Para retomar a Presidência da
República, cabe ao PSDB enfrentar um
desafio hercúleo: superar a desconfi-
ança do eleitor, reavaliar sua política
regional, as dissidências internas, os
rachas do PMDB para 2018, fazer
oposição qualificada no Congresso
nacional e, sobretudo, não deixar o
Brasil esquecer os 51 milhões de bra-
sileiros que deixaram seu recado nas
urnas. Para Aécio, não se deixar es-
quecer, liderar o PSDB no Congresso,
não se furtar a discutir tabus fora do
período eleitoral e, de maneira cate-
górica, provar na prática ser o melhor
candidato para 2018.
A desconfiança do eleitor ainda se
vincula ao segundo governo FHC.
Ainda que existam pontos positivos
ligados à figura de Fernando Henrique,
como o Plano Real, lembranças
da situação econômica do câmbio,
dos juros altos, das privatizações –
demonizadas pela oposição – estão
presentes na memória do brasileiro.
Aécio foi assaz ousado em vincular
sua figura a FHC, conduta que os
candidatos anteriores não tiveram
peito para assumir. Porém, será que
o saldo foi positivo? Quantos votos
foram ganhos e quantos mais foram
perdidos? Tal filiação requer um
trabalho árduo de desconstrução de
um ponto de vista que o PT teve 12
anos para construir: um imaginário de
que o governo antecessor prejudicara
os brasileiros, e de que ninguém
poderá beneficiá-los como o Partido
dos Trabalhadores fez.
É necessário também se desvincular
de posições ideológicas radicais que
ganharam mais força durante o perío-
do pós-eleitoral: aqueles que pedem a
intervenção militar, desconsideram os
direitos dos homossexuais - em suma,
de todo o extremismo letal à democ-
racia e à liberdade.
Superar tal estigma requer a uti-
lização da mesma estratégia: apontar
ágora 19
os defeitos do governo do PT. E não
será difícil encontrá-los. O que dizer
de um partido cujos elementos im-
portantes foram réus – condenados
e transitados em julgado – no Men-
salão, que dilapidou a Petrobras, que
supostamente financiou a construção
de um porto em Cuba, enquanto a es-
trutura portuária brasileira é sofrível?
O caminho da desconstrução das falá-
cias do PT, iniciado nas eleições, deve
perdurar. Trazer essas informações
– sempre no caminho da verdade,
cabe salientar – é algo que transcende
a questão eleitoral. É um serviço à
Pátria.
Contudo, um balanço deve ser feito:
somente um trabalho de marketing
não é suficiente. É preciso reavaliar a
política regional. Primeiramente, será
necessária uma infiltração dentro do
Nordeste, que o apoio de Marina Silva
não proporcionou. O modo de fazê-
lo ainda é desconhecido: são anos de
vinculação ao PT. O fortalecimento
de lideranças do partido em estados
em que foi perdedor também é de
suma urgência: Rio de Janeiro, Bahia, e
outros.
Outro ponto a ser avaliado é a
derrota em Minas Gerais. O grande
trunfo de Aécio tornou-se sua maior
fraqueza. Entender o que ocorreu em
Minas Gerais é o primeiro passo para
reconquistar esse importante colégio
eleitoral. A confiança quebrada – que
como disse FHC, se assemelha à uma
peça de cristal – deve ser restaurada,
se Aécio e PSDB quiserem concorrer
efetivamente em 2018.
Ainda dentro desse ponto, salta
aos olhos o resultado obtido em São
Paulo, o que evidentemente leva à
um fortalecimento da ala paulista do
partido – Alckmin e Serra. O primeiro
talvez seja o que saia dessas eleições
como principal alternativa a Aécio
em 2018: em meio a uma grave crise
hídrica em seu estado, conseguiu sair
vitorioso em primeiro turno, angar-
iando ainda a vitória expressiva de
Aécio em São Paulo. Será, contudo,
que Alckmin possui uma capacidade de
angariar votos maior em nível federal?
Será que sua imagem já não está aba-
lada pela derrota em 2006? O partido
deve ponderar e apaziguar as dissidên-
cias que surgirão no caminho até 2018,
para que não se crie uma polarização
entre a “política do café” e a “política
do leite”.
Existe uma importância prática no
fato de Aécio ainda ter 4 anos de man-
dato como senador: exposição. Alck-
min e Serra, depois de suas respectivas
derrotas para a Presidência da Repúbli-
O então pré-candidato à Presidência da República, Aécio Neves, em Encontro de Liderenças em Ribeirão Preto (SP) (créditos: Flickr de Aécio Neves)
ca, desapareceram do cenário político
federal, como em um estado catatôni-
co. Talvez esteja aí o turning point
necessário. Mas, para isso, é preciso
abandonar a letargia que normalmente
ocorre no período pós-eleições.
Aécio deve comandar o PSDB no
Congresso para efetuar oposição
qualificada, desbancar projetos nociv-
os da situação e, sobretudo, vincular
seu nome a mudanças, projetos e leis
para o povo brasileiro. Se seu discurso
durante as eleições fora de combate
à corrupção, de melhora nos sistemas
de ensino e de saúde, é preciso co-
locá-lo em prática na Casa do Povo: é
preciso que ele tome as rédeas de dis-
cussões importantes - um catalisador
de mudanças – que ocorrem somente
durante o período eleitoral. Não é
possível mais se furtar às discussões
de temas como aborto, eutanásia,
liberdade e identidade sexual. É preci-
so ousar: a velha fórmula não mais se
sustenta.
O PSDB deve estar consciente,
também, de sua posição dentro do
espectro político brasileiro. Muitos de
ágora 21
seus votos não se devem a uma iden-
tificação ideológica, e sim a um desejo
de mudança ao qual seu candidato se
vinculou durante toda sua campanha: é o
sentimento do “sai-PT” – ou seja, se de-
vem à polarização. Com a emergência de
mais partidos como a REDE e o NOVO,
é possível que haja um surgimento de
novas lideranças políticas e uma ameaça
a essa polarização da política brasilei-
ra. Uma possível alternativa seria uma
tentativa de conquistar os eleitores que
se abstiveram: entender o porquê dessa
abstenção é o primeiro passo.
Mas a maior ameaça à conjuntura
política vigente é a possibilidade real do
PMDB lançar um candidato em 2018.
Já existem movimentações dentro do
partido, e nomes como Eduardo Paes e
Eduardo Cunha já foram aventados. A
própria pressão para que Cunha assuma
a Presidência da Câmara indica que o
PMDB talvez já esteja cansado de dom-
inar o Legislativo, e queira passar de
coadjuvante no Poder Executivo e se
tornar o grande protagonista.
Por fim, retorno a Sísifo. Luís Roberto
Barroso costuma citar a magnífica obra
de Camus “O mito de Sísifo”. Sua análise
extrai dela uma máxima importante:
diante do absurdo é preciso a revol-
ta. Poderia utilizá-la para finalizar meu
argumento, dizendo-lhes que a per-
manência do PT no poder é um absurdo
democrático e contra ela devemos, dem-
ocraticamente, nos insurgir. Ainda não
detenho conhecimento jurídico como
o Ministro e tampouco ouso fazer uma
análise de obra tão complexa. Deixo,
contudo, em conclusão, um trecho que
entendo, em minha simples opinião,
demonstrar o que ocorre quando um
candidato, ou um partido, mesmo após
uma derrota, não se furta ao processo
eleitoral, busca entender suas falhas e
tentar novamente: o que o PSDB deve
fazer.
“É durante esse regresso, essa pausa,
que Sísifo me interessa. Um rosto que
padece tão perto das pedras já é pedra
ele próprio! Vejo esse homem descendo
com passos pesados e regulares de
volta para o tormento cujo fim não
conhecerá. Essa hora, que é como uma
respiração e que se repete com tanta
certeza quanto sua desgraça, essa hora
é a da consciência. Em cada um desses
instantes, quando ele abandona os cumes
e mergulha pouco a pouco nas guaridas
dos deuses, Sísifo é superior a seu
destino. É mais forte que sua rocha”. u
Gustavo Cavaliere é estudante do quin-to período da FGV Direito Rio e aman-te da democracia. Este artigo foi escrito no final de 2014.
UM OLHAR PROGRESSISTA SOBRE AS ELEIÇÕES 2014
ágora 23
C om o término das Eleições
Presidenciais de 2014, que
entrarão para a história
como a disputa eleitoral majoritária
mais acirrada na recente história
democrática brasileira, saiu vitoriosa
a candidatura de Dilma Rousseff. A
presidenta teve forte amparo protag-
onizado pela militância nas ruas, cujo
papel fora decisivo para sua reeleição.
Nessas eleições, porém, tivemos uma
agradável “surpresa”: uma união atípica
e digna de nota da esquerda brasileira
em torno da então presidenciável no
segundo turno, bem como uma cam-
panha marcada por fortes discursos
em defesa das políticas sociais e de
distribuição de renda realizadas nos
últimos 12 anos. Tudo isso contrapon-
do-se a uma candidatura idealizada
como “a dos banqueiros e dos mais
ricos”, levando à tona uma polarização
ideológica que já não marcava época
no Brasil desde a eleição de Lula em
2002.
A presidenta comprometeu-se, logo
no discurso da vitória, com aquela
que é considerada a mais importante
das reformas a pautar a agenda políti-
ca brasileira nos próximos tempos: a
reforma política. Ela [reforma política],
juntamente com a democratização
dos meios de comunicação e a volta
das taxas de crescimento reais da
economia são os principais desafios
com os quais o governo terá de lidar.
Dentro da grande coalizão heteróclita
de forças e partidos que compõem a
frente vitoriosa, cabem as seguintes
indagações: o PT e a esquerda gov-
ernista possuem forças para canalizar
essas reformas aos moldes progres-
sistas? Até onde a coalizão ajudará na
concretização das reformas? Afinal, a
base aliada mais ajuda ou atrapalha os
rumos do governo? A esquerda seguirá
unida em prol dessa agenda, em uma
espécie de unidade programática? Es-
sas e outras questões são, a nosso ver,
fundamentais para o real entendimen-
to de nosso atual panorama político.
Para entender o que foi e o que será
dos governos do PT, acreditamos ser
de primeira importância a análise do
cientista político André Singer e suas
reflexões acerca do fenômeno que ele
chamou de “lulismo”. O lulismo seria
um modelo político-econômico ini-
ciado em 2002, cujas principais car-
acterísticas são o aumento do poder
aquisitivo das camadas mais baixas da
população – em especial, o subprole-
tariado - por meio do aumento real
do salário mínimo, de programas de
transferência de renda e de uma maior
facilidade de crédito para o consumo.
Na esfera política, ele é composto por
um grande sistema de alianças – de
orientação conciliatória entre elas e
seus interesses, marca fundamental da
cultura política brasileira- que ganhari-
am todos com a ascensão dessa ex-
pressiva camada da população brasile-
ira.
Como vetor resultante, uma política
de reformismo “fraco” e a convivência
de forças conflitantes, muitas vezes ex-
cludentes, tendo como árbitro o hábil
negociador na figura do ex-presidente
Lula. Ainda sob o signo das marcas
particulares do presidencialismo de
coalisão à brasileira. Esse panorama,
continuou com Dilma, apesar de cer-
tos disparates. Seu perfil, um pouco
mais duro na negociação e mais cen-
tralizador nas decisões, deu ao lulismo
uma nova roupagem, todavia com a
mesma essência que lhe é fundamental:
a mediação dos conflitos dentro do
próprio corpo governista.
A grande questão colocada hoje,
evidenciada pelo próprio André Singer
e por outros relevantes pensadores,
diz respeito ao possível esgotamento
desse sistema e da necessidade de se
construir um novo ciclo de mudanças.
No plano econômico, o consumo das
famílias que ascenderam socialmente
não é mais o mesmo, sendo-lhes o
endividamento fator preocupante; no
plano político, os três eixos pelos quais
o governo deve se orientar [retomada
do crescimento, reforma política e
democratização dos meios de comu-
nicação] serão de tensões incomuns
e de complicados consensos forjados
em relação a pautas pretéritas como a
inclusão social.
Paira sobre o ar um clima de incer-
tezas quanto às perspectivas políticas
futuras. Os interesses em disputa
colocam-se como flagrantemente con-
flitantes. A reforma política discutida
internamente no PT, idealizada pela
OAB e pela CNBB, não é a de parti-
dos da base aliada como o PMDB, por
exemplo. A democratização dos meios
de comunicação é um tema eivado
de hipocrisias por parte da burguesia
brasileira – que muito se diz liber-
al, mas adora um monopólio – que,
de maneira falaciosa, coloca-o sob o
espectro de limitações da liberdade de
expressão e, para tanto, utiliza-se de
seus porta-vozes no Congresso Na-
cional, que saem vociferando em tons
apocalípticos a possibilidade de “boli-
varianismo brasileiro”. Já a retomada
do crescimento sob a égide do merca-
do possui forte resistência dentro do
PT. A exceção é a corrente interna do
partido Construindo um Novo Brasil
(CNB), do presidente Rui Falcão. Por
enquanto, ela continua a dar o último
tom das conversas.
ágora 25
Por esse tempo em que estiveram
no governo, Lula e Dilma obtiveram
êxito em achar o ponto de equilíbrio
entre capital e trabalho. Nesse casa-
mento, muitas vezes conflituoso e des-
gastante, alcançaram méritos e louros
aclamados pelos setores populares
e pelas classes dominantes. Hoje, a
questão gira em torno de uma possível
ruptura. Como assevera André Singer:
“Se o sistema de arbitragem se de-
fronta com um ponto em que ele não
consiga encontrar um equilíbrio, te-
remos um processo de radicalização”.
O desfecho desse enredo fica à deriva
das correlações de forças no momen-
to, de suas respectivas organizações e
do poder de influenciar outras partes.
Sob a pena de erro de prognóstico
sobre esses assuntos que aqui comen-
tamos, acreditamos que, muito dificil-
mente, as reformas estruturais sobre
as quais o governo deve-se debruçar
terão um caráter verdadeiramente
progressista. A democracia parlamen-
tar e o congresso historicamente pos-
suem limitações quanto à realização
de macro mudanças que alterem de
maneira eficaz seu funcionamento. A
tendência é preservar o que existe e
concebê-lo como uma espécie de inev-
itável necessário. Como bem sintetiza
a máxima de “O Leopardo”, de Tomasi
di Lampedusa, popularizado pelo cin-
easta Luchino Visconti, em que “Tudo
deve mudar para que tudo continue o
mesmo”.
Como bem observa Boaventura
de Sousa Santos em belíssimo artigo
sobre o panorama pós-eleições no
Brasil: “Não se espera que o capi-
talismo neoliberal global desista [...]
Recorre, pois, ao boicote sistemático
da alternativa, por mais moderada e
incompleta que seja”. O fator surpresa
- nem tão surpresa assim - dos tem-
pos vindouros, porém, será decisivo
para os rumos da política. Esse fator
é o povo, a classe trabalhadora orga-
nizada, os estudantes, os sindicatos e
os movimentos sociais. Esses devem
chamar para si a responsabilidade de
serem protagonistas da história a se
fazer, sujeitos conscientes de seu papel
emancipatório. Vale a pena dizer, tais
sujeitos têm cada vez mais vontade de
participar da política e de realmente
pautar os rumos da nação. u
Daniel Azevedo é aluno do terceiro período da FGV DIREITO RIO e mili-tante do PT. Este artigo foi escrito no f inal de 2014.
Os contos de horror cósmico de Lovecraft jogam com medos profundos da humanidade e, até hoje,
possuem uma legião de fãs que continuam explorando os temas do Cthulhu Mythos. (créditos: Wikimedia)
O CHAMADO DO ESTUDANTE DE DIREITOA literatura do horror cósmico e a formação intelectual do jurista
Por Victor Lacerda
O s contos de Lovecraft são repletos de terrores cósmicos e de criaturas
abissais que vivem em águas marítimas inexploradas. As entidades que com-põem o Cthulhu Mythos estão além da compreensão científica e ultra-passam as capacidades cognitivas dos
seres humanos, que se veêm indefesos contra os horrores das profunde-zas. No entanto, os personagens de Lovecraft são inquisitivos: homens de preocupações intelectuais elevadas, muitas vezes levam as ciências a sério e buscam inspecionar as lendas e os rumores sobre Os Antigos através de
ágora 27
uma lente de racionalidade e sobrie-dade. Tal busca prova-se fatal para os seus personagens. Em sua história mais célebre, “O Chamado de Cthulhu”, o autor afirma: “A coisa mais misericor-diosa, eu acredito, é a inabilidade da mente humana de correlacionar todos os seus conteúdos.” Trazendo todos os fragmentos à luz, vislumbra-se algo que seria melhor ter permanecido na penumbra. O que isso tem a ver com
nós, estudantes de Direito?
Assim como os personagens love-craftianos, somos levados a investigar algo estranho, quase incompreensível e cuja busca apenas nos traz desas-sossego. Mas não nos deparamos com criaturas cheias de tentáculos: encon-tramo-nos com os fenômenos jurídi-cos. E quantas vezes não gostaríamos de permanecer ignorantes sobre tais assuntos? Se o escopo de nossa inves-tigação jurídica não ultrapassa a mem-orização de textos legais e das últimas jurisprudências, não corremos o risco de acordar horrores adormecidos. Mas tal não é a sina dos protagonistas de Lovecraft: estes vão além do que é ordinário e penetram num mundo desconhecido e esotérico.
É uma escolha sem volta. Em uma Faculdade de Direito, preocupar-se com aquilo que, aparentemente, está fora de Direito é um convite para a incompreensão. Quando o herói de
Lovecraft tenta avisar seus colegas sobre a existência de um submundo, lançam-lhe olhares atravessados e o acusam de ser um excêntrico ou algo que o valha. E quem poderia culpar aqueles que não acreditam na existên-cia de cultos malignos e seres adorme-cidos nos abismos do oceano?
Passar a pesquisar tal submundo nos mostra nossa insignificância diante do império da violência do Direito. Ve-mos que entoar Ia! Ia! Cthulhu Fhtaghn para invocar uma besta cósmica não é diferente de invocar a vontade do legislador. Tomamos consciência da fragilidade da linguagem jurídica e dos mitos os quais cultuamos para que possamos continuar a jogar o jogo.
Tal cenário, com razão, não desperta euforia. Afinal, se o herói de Lovecraft, ao ir a fundo em sua investigação, ter-mina capturado, morto ou trancafiado em um sanatório, por que devemos nós seguir seus passos? Não tenho uma resposta para esta pergunta e ainda assim faço um apelo: busquem os segredos de Cthulhu. A literatura, a filosofia, a história, a economia e as ciências sociais são bons pontos de
partida para esta perigosa busca. u
Victor Lacerda é aluno de Direito da UFPE e coordenador do grupo de estudos Di-reito em Foco.
CONHECENDO A UAEM
Muita propriedade pra pouco remédio. (créditos: Best & Worst Ever Photo Blog)
perfil
Preço de remédios e a lei brasileira de propriedade
industrial O preço de medicamentos
no Brasil é elemento
fundamental no
planejamento da saúde pública.
Essa associação pode não vir
Vida primeiro, propriedade intelectual depois.Por Antônio Bastos, Maria Beatriz Paschoal e Walter Gaspar
(Agreement on Trade-Related Aspects
of Intellectual Property Rights), um
acordo internacional que condicionava
o ingresso na Organização Mundial do
Comércio.
Esse acordo estabelecia alguns
pontos, como a proteção patentária
Quem somos e o quê fazemos
ágora 29
Todos os anos, milhões de pessoas morrem de doenças que já têm cura
e praticamente um terço da humanidade não consegue ter acesso regular a
medicamentos essenciais. Com base nesta realidade, alunos da universidade de Yale
em 2001 fundaram uma cooperação entre os estudantes e a organização Médicos
Sem Fronteiras para fundar a Universities Allied for Essencial Medicines (UAEM).
Desde a sua criação até os dias de hoje, a UAEM busca se envolver nas
discussões sobre políticas de saúde pública, acesso a medicamentos, tratamentos
de doenças negligenciadas e modelos de inovação em pesquisa e desenvolvimento.
Todo esse esforço é feito para garantir o acesso a medicamentos essenciais.
A UAEM está presente em diversas universidades ao redor do mundo, inclusive
no Brasil! Estamos presentes na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade
de Direito do Sul de Minas e na Fundação Getúlio Vargas. O capítulo na FGV foi
fundado em Abril de 2014.
Atualmente, a nossa equipe é composta pelos alunos: Alessandra Barcellos,
Alice Régnier, Antônio Augusto Bastos, Armando Essabbá, Bruna Brasil, Fernanda
Guilhermino, Giovanna Abrantes, Helena Antunes Teich, Luan Camargo, Maria
Beatriz Paschoal, Nicholas Santos, Rafaella Torres, Ricardo Carrion e Walter Britto
Gaspar.
Para saber um pouco mais sobre a linha de atuação da UAEM no Brasil, acesse
o nosso site: http://uaem-br.org. Nossa página no Facebook é fb.com/uaembr e o
nosso twitter é @UAEMBr
imediatamente à tona, mas, ao se
analisar a legislação de patentes, tal
relação fica bastante perceptível. No
Brasil, a Lei 9.279/96, conhecida como
Lei de Propriedade Industrial (LPI)
ou Lei de Patentes, foi criada para
recepcionar no ordenamento jurídico
nacional os termos do acordo TRIPS
durante um período mínimo de 20
anos em uma série de ramos de
produção e certas exceções aos
termos protetivos em prol da saúde
pública. Qual o problema da adoção
dessa norma no Brasil? A lei brasileira
de 1996 não utilizou, ou adotou apenas
parcialmente, algumas das exceções e
flexibilidades permitidas pelo TRIPS.
Pior – algumas das suas disposições
iam além da proteção mínima exigida
pelo acordo (as medidas TRIPS-plus).
Dessa forma, o Brasil instalou um
sistema de proteção de propriedade
industrial que servia especialmente aos
interesses da indústria em detrimento
do interesse público e da produção
nacional.
Por que e o que mudar?
Hoje, a nossa lei de propriedade
industrial conta com uma série
de dispositivos que configuram
empecilhos à realização do pleno
direito à saúde em sua forma
de acesso a medicamentos. A
desproporção desses dispositivos
torna-se clara quando comparados
com as propostas legislativas de
reforma. Tais iniciativas buscam tão-
somente adequar a lei brasileira ao
ideal de equilíbrio entre proteção
patentária e acesso a tecnologias
essenciais de saúde, cominado no
TRIPS e na subsequente Declaração de
Doha.
Escolhemos algumas inovações
legislativas propostas pelo Projeto
de Lei 5.402 de 2013, de autoria dos
Deputados Newton Lima (PT/SP)
e Dr. Rosinha (PT/PR) para ilustrar
a necessidade de alteração da lei
de propriedade industrial. O PL
atualmente corre na Câmara apensado
ao PL 139/99 e uma série de outros
PLs com intenções semelhantes.
O projeto pretende que
várias provisões sejam alteradas.
Primeiramente, seria preciso remover
da Lei de Patentes o parágrafo
único de seu artigo 40 (art. 2º do PL
ágora 31
5.402/13, alterando o art. 40 da LPI).
Esse dispositivo prevê a possibilidade de
extensão do prazo de proteção – que
pelo TRIPS não precisaria passar de 20
anos – ocasionada pelo atraso do INPI
em analisar as patentes (o chamado
backlog ).
O backlog já está afetando diversos
remédios no Brasil, dentre os quais
se destaca o Avastin, medicamento
oncológico usado para o tratamento do
câncer de pulmão, de mama, colorretal
e de células renais. Sua patente deveria
expirar em 2018, mas continuará ativa
até pelo menos 2023, já que até 2013 o
pedido – depositado em 1998 – ainda
não havia sido avaliado.
Outras mudanças importantes são:
• Liberaçãodeusodedadosde
testes para o registro de medicamentos
genéricos (art. 3º do PL 5.402/13,
alterando o art. 195 da LPI).
• Estabelecimentodo
procedimento formal de oposição
a pedidos de patente (art. 3º do PL
5.402/13, alterando o art. 31 da LPI; e
art. 4º do PL 5.402/13, inserindo o art.
31-A na LPI), que, na forma da lei atual,
nem precisa ser levado em consideração
pelo INPI.
• Fortalecimentodaanuência
prévia da ANVISA (art. 3º do PL
5.402/13, alterando o art. 229-C da LPI;
e art. 5º do PL 5.402/13, alterando o art.
7º da lei da ANVISA – 9.782/99).
• Medidasqueasseguremaboa
qualidade das patentes concedidas, com
a melhor definição dos conceitos de
matéria não patenteável e atividade e
ato inventivo (art. 3º do PL 5.402/13,
alterando os artigos 10, 13 e 14 da LPI).
• Ampliaçãodemedidasque
possibilitem ao Governo a compra
de medicamentos essenciais a preços
menores – como a autorização do “uso
público não comercial” (art. 4º do PL
5.402/13, inserindo o art. 43-A na LPI).
Consideramos que não há certo e
errado em termos de propriedade
intelectual. O sistema é todo formado
por escolhas de natureza política. Pode-
se adotar um sistema extremamente
protetivo das prerrogativas monopolistas
dos detentores de patentes, o que
gerou o panorama brasileiro atual, em
que medicamentos proprietários aqui
custam muito mais do que suas versões
genéricas comercializadas em outras
partes do mundo.
Por outro lado, pode-se escolher
um modelo mais equilibrado: que não
acabe com a proteção patentária,
mas que também não conceda
patentes a produtos que não sejam
verdadeiramente inovadores; que não
estenda a proteção além dos 20 anos
mais que suficientes para a recuperação
do investimento; e, principalmente,
que não dê ensejo a preços excessivos
que tornem medicamentos essenciais
inacessíveis para pacientes e para o SUS.
A posição da UAEM
A UAEM Brasil reconhece a
importância de reformar a atual lei
de patentes. Apoiamos os PLs citados
acima e nos juntamos ao movimento
geral da sociedade civil brasileira por
uma legislação alinhada aos interesses de
saúde pública, com especial atenção às
doenças negligenciadas.
Como organização de base
universitária, UAEM Brasil ressalta a
particular relevância do tema para a
comunidade acadêmica. Normas relativas
ao patenteamento não importam
somente à indústria que lançará mão
dos produtos patenteados em suas
linhas de produção. Os polos brasileiros
de pesquisa e desenvolvimento têm
particular interesse em conhecer e
moldá-las, pois são o que determina o
uso que poderá ser feito dos frutos de
seus esforços.
Uma comunidade acadêmica
consciente de seu papel como
inovadores na sociedade brasileira
deverá também reconhecer que, se
subjugada pelo poder dos monopólios
fictícios das patentes e pelos interesses
econômicos da indústria, a inovação
poderá servir a poucos, em vez de
beneficiar a todos. Portanto, a UAEM
Brasil apoia o movimento de reforma
da legislação patentária brasileira e urge
a alunos, professores, pesquisadores e
toda a comunidade que façam o mesmo.
u
Antônio Augusto Bastos, Maria Beatriz Paschoal (quinto período) e Walter Britto Gaspar são alunos e ex-alunos da FGV DIREITO RIO.
ágoracultura, política e direito