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ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS REVISTA BRASILEIRA DE publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional ISSN 1517-4115

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ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-graduação

e pesquisa em planejamento urbano e regional

ISSN 1517-4115

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REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicação semestral da Anpur

Volume 12, número 2, novembro de 2010

EDITOR RESPONSÁVEL Sarah Feldman (IAU-USP/São Carlos)

EDITOR ASSISTENTE Renato Cymbalista (FAU-USP)COMISSÃO EDITORIAL

Ana Fernandes (UFBA), Carlos Antonio Brandão (Unicamp), Luciana Correa do Lago (UFRJ), Maria Cristina da Silva Leme (USP)CONSELHO EDITORIAL

Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ), Ananya Roy (University of California, Berkeley), Ângela Lúcia de Araújo Ferreira (UFRN), Brasilmar Ferreira Nunes (UnB), Carlos de Mattos (Pontificia Universidad Católica de Chile), Carlos Antonio Brandão

(Unicamp), Clara Irazabal (Columbia University, Nova York), Emilio Pradilla Cobos (Universidad Autonoma Metropolitana, Unidad Xochimilco, México), Ermínia Maricato (USP), Heloisa Soares de Moura Costa (UFMG), Henri Acselrad (UFRJ),

João Rovati (UFRGS), Lia Osorio Machado (UFRJ), Linda Maria de Pontes Gondim (UFC), Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBA), Margareth Pereira (UFRJ), Nadia Somekh (Mackenzie), Norma Lacerda Gonçalves (UFPE), Paola Berenstein Jacques (UFBA),

Paul Claval (Université Paris-IV, Sorbonne), Ricardo Cesar Pereira Lira (UERJ), Roberto Monte-Mór (UFMG), Rosa Acevedo (UFPA), Sandra Lencioni (USP), Victor Ramiro Fernández (Universidad Nacional del Litoral, Argentina), Wrana Maria Panizzi (UFRGS)

COLABORADORESAdauto Lucio Cardoso (UFRJ), Raquel Rolnik (USP), Marta Dora Grostein (USP), Bernardo Teixeira (UFSCar),

Maria Encarnação Beltrão Sposito (Unesp), Adriana Bernardes (Unicamp), Adauto Lucio Cardoso (UFRJ), Berta Becker (UFRJ), Suely Leal (UFPE), Heloisa Soares de Moura Costa (UFMG), Rose Compans (Instituto Metodista Bennett),

Vladimir Bartalini (USP), Arlete Moyses (Unicamp), Alexandre Mendes Cunha (UFMG), Maria Ines Sugai (UFSC), Virginia Pontual (UFPE), Paola Berenstein Jacques (UFBA)

SECRETARIARaquel Cerqueira

PROJETO GRÁFICO João Baptista da Costa Aguiar

CAPA, COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO Ana Basaglia REVISÃO

Ana Paula Gomes, Mônica Santos, Pedro SilvaIMPRESSÃO CTP

Gráfica Fabracor

Indexada na Library of Congress (EUA)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais – v.12, n.2, 2010. – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editor responsável Sarah Feldman : A Associação, 2010. v. Semestral. ISSN 1517-4115 O nº 1 foi publicado em maio de 1999.

1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Feldman, Sarah

711.4(05) CDU (2.Ed.) UFBA 711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-098

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S U M Á R I O

ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

REVISTA BRASILEIRA DE

publicação da associação nacional de pós-graduação

e pesquisa em planejamento urbano e regional

ARTIGOS

9 Teorías Y Políticas Urbanas — ¿Libre Mer-cado Mundial, o Construcción Regional? – Emilio Pradilla Cobos

23 Apropriação e Ordenamento Territo-rial na Zona Costeira no Estado do Rio de Janeiro: Grandes Corporações ou as Políti-cas Públicas? – Paulo Gusmão

39 “Mundos” Distintos — Conflitos Pela Apropriação do Litoral Nordestino do Brasil – Norma Lacerda

53 Das Cooperativas Autofinanciadas às Cons-trutoras e Incorporadoras de Capital Aberto — A Ampliação Do Mercado Habitacional – Carolina Maria Pozzi de Castro e Lúcia Zanin Shimbo

75 Produção do Espaço Urbano e Fluidez Territorial — Análise das Escolhas Loca-cionais Associadas ao Condomínio Empresa-

rial Techno Park Campinas – Rodolfo Finatti e Maria Encarnação Beltrão Sposito

87 Jogo no Rio – Tamara Tania Cohen Egler e Fabiana Mabel de Oliveira

103 Urbanização Brasileira — Um Olhar Sobre o Papel das Cidades Médias na Primeira Década do Século XXI – Angela Moulin S. Penalva Santos

RE SE NHAS

123 Geografia histórica do Rio de Janeiro (1502-1700), de Mauricio de Almeida de Abreu – por Pedro Vasconcelos

124 Uma estratégia chamada “Planejamento Estra-tégico”: deslocamentos espaciais e atribuição de sentidos na Teoria do Planejamento Urbano, de Pedro Novais – por Ana Fernandes

126 Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: o plano que orientou a modernização da cidade, de Célia Ferraz de Souza – por Rodrigo Santos de Faria

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associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional – anpur

Gestão 2009-2011presidente

Leila Christina Dias (PPGG/UFSC)secretário executivo

Elson Manoel Pereira (PPGG/UFSC)secretária adjunta

Maria Inês Sugai (PGAU-Cidade/UFSC) diretores

Ana Clara Torres Ribeiro (IPPUR/UFRJ)Lucia Cony Faria Cidade (POSGEA/UnB)

Maria Lucia Refinetti Martins (PPGAU-FAU/USP)Silvio José de Lima Figueiredo (NAEA/UFPA)

conselho fiscal (titulares)Eloisa Petti Pinheiro (PPGAU/UFBA)

Ester Limonad (POSGEO/UFF)Rodrigo Ferreira Simões (CEDEPLAR/UFMG)

conselho fiscal (suplentes)Celia Ferraz de Souza (PROPUR/UFRGS)

Elis de Araújo Miranda (Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades/UCAM-Campos)

Iná Elias de Castro (PPGG/UFRJ)

Apoio

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E d i t o r i a lOs processos de produção, apropriação e planejamento do territorio no atual

estágio de mundialização da economia, de reestruturação produtiva e de mudanças no papel do Estado, colocam inúmeros desafios para o campo de estudos urbanos e regio-nais. O maior desafio é a compreensão das especificidades destes processos associando--os a diferentes realidades.

A Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais se propõe a colaborar para esta reflexão ao reunir textos que discutem referências teóricas e conceituais hegemônicas no campo das idéias e das práticas urbanas e regionais, e processos que se referem à mate-rialidade do territorio e às políticas públicas. A partir de pesquisas que se fundamentam em bases empíricas, os trabalhos desvendam singularidades da realidade brasileira atual. Conflitos, interesses, tensões e negociações nas estratégias de apropriação do territorio, as relações entre Estado e agentes privados nacionais e internacionais, assim como as dinâmi-cas que reconfiguram a rede urbana são desconstruídos, interpretados e problematizados.

Teorías y políticas urbanas: ¿Libre mercado mundial o construcción regional?, de Pra-dilla Cobos, abre esta edição com a discussão sobre a aplicabilidade de teorias, práticas e políticas concebidas nos países hegemônicos e nos organismos multinacionais para a realidade da América Latina. Diante das particularidades históricas, econômicas, sociais, culturais, ambientais e territoriais, Pradilla lança uma provocação aos pesquisadores: a “descolonização das teorias e das políticas urbanas” – a construção de uma cultura científica e política própria – para explicar e transformar a realidade latino americana.

A influência das grandes corporações no reordenamento do território na área de influência do Porto de Itaguaí é discutida por Gusmão em Apropriação e ordenamento territorial na zona costeira no estado do Rio de Janeiro: grandes corporações ou as políticas públicas? A partir de uma retrospectiva das políticas públicas experimentadas nas últi-mas quatro décadas, o texto aponta a permanência do modelo de Estado-facilitador e o papel acessório das políticas públicas. Segundo Gusmão, os elevados investimentos na área do Porto não resultam de políticas públicas concebidas como instrumentos de indução do desenvolvimento territorial, não decorrem de decisões tomadas com o apoio de agentes e governos locais e, do ponto de vista do interesse público e do desen-volvimento territorial, essas decisões não envolveram a realização de avaliações prévias dos efeitos que produzirão.

A natureza social dos conflitos entre o mercado turístico e as populações nativas na produção de novas territorialidades no litoral nordestino é abordada por Lacerda, em “Mundos” distintos: conflitos pela apropriação do litoral nordestino do Brasil. Tendo como referência a Teoria das Convenções, que coloca a necessidade de identificar os valores que caracterizam os diferentes “mundos” dos atores sociais, Lacerda identifica a emergência da preservação dos recursos naturais, históricos e culturais como um prin-cípio superior comum que viabiliza a negociação. Este princípio vem sendo, segundo a autora, crescentemente internalizado na solução de conflitos e tem orientado processos e marcos regulatórios no âmbito dos diversos entes federativos.

Em Das cooperativas autofinanciadas às construtoras e incorporadoras de capital aberto: a ampliação do mercado habitacional, Castro e Shimbo discutem a formação

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de um padrão econômico de produção habitacional voltado para os estratos médio e médio-baixo, a partir dos anos 1990. Mostram como esta produção, inicialmente proposta pelas cooperativas autofinanciadas, foi potencializada pelas empresas finan-ceirizadas, e como o forte apoio estatal foi fundamental para a consolidação de um mercado habitacional e para a elevação da atividade imobiliária voltada para este contingente da população.

A produção de condomínios empresariais na Região Metropolitana de Campinas como parte das estratégias da produção imobiliária que materializam os requisitos da reestruturação produtiva é abordada por Finatti e Sposito em Produção do espaço urbano e fluidez territorial: análise das escolhas locacionais associadas ao condomínio em-presarial Techno Park Campinas. Os autores mostram que a decisão locacional das uni-dades produtivas – em sua maioria, empresas que agregam tecnologias da informação – associa elementos objetivos, como fluidez territorial, material e imaterial, expressa por eixos de circulação, a elementos subjetivos, como a insegurança, que legitima o empreendimento como espaço fechado, vigiado e de acesso controlado.

Em Jogo no Rio, Egler e Oliveira discutem as políticas urbanas para os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro. Através da análise do discurso oficial e da produção e apropriação social dos equipamentos, mostram a distância entre este discurso e a realidade dos interesses que compuseram as estratégias para os Jogos. Apontam o dese-quilíbrio das parcerias entre o governo carioca e as corporações globais: a infraestrutura é produzida localmente com recursos públicos pagos pela sociedade, e os lucros são apropriados pelas empresas de turismo, como agências de viagem, redes de hotéis, ope-radoras de reservas, empresas aéreas, e pelo Comitê Olímpico Brasileiro.

Em Urbanização brasileira: um olhar sobre o papel das cidades médias na primeira década do século XXI, Santos analisa a tendência de urbanização com concentração da população em um número reduzido de cidades, no contexto de perda de centralidade da indústria. A autora mostra um duplo movimento: as metrópoles se afirmam e polarizam as maiores oportunidades de emprego e aumenta a relevância de “cidades médias não metropolitanas” com mais de 100 mil habitantes. Este universo de cidades, principal-mente as localizadas no Sudeste e Sul, vem se transformando em núcleos de áreas regio-nais. Nessas regiões, a geração de emprego e renda emerge como responsável pela pressão demográfica e a rede urbana torna-se mais capilarizada e dependente dessas cidades.

Três resenhas oferecem uma mostra da qualificada produção de pesquisadores brasileiros. Geografia histórica do Rio de Janeiro (1502-1700), fruto de quinze anos de pesquisa do geógrafo Mauricio de Abreu em arquivos nacionais e internacionais, é comentado por Pedro Vasconcelos. Ana Fernandes analisa Uma estratégia chamada “Planejamento Estratégico”: deslocamentos espaciais e atribuição de sentidos na Teoria do Planejamento Urbano, de Pedro Novais, que persegue a emergência, o percurso e a di-fusão do conceito de planejamento estratégico, num périplo que inclui Estados Unidos, Europa e Brasil. E Rodrigo de Faria comenta Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: o plano que orientou a modernização da cidade, de Célia Ferraz de Souza, que reconstrói o processo de concepção e realização de um plano para Porto Alegre entre o final do século XIX e início do XX.

Sarah Feldman Edi tora res pon sá vel

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Artigos

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TEORÍAS Y POLÍTICAS URBANAS

¿Libre Mercado Mundial, o Construcción Regional?

E m i l i o P r a d i l l a C o b o s

R e s u m e n En el neoliberalismo y su globalización parece inobjetable que las teorías que explican la problemática urbana y las políticas públicas que pretenden resolverla tienen validez universal, objetivos homogéneos, eficacia general y pueden adquirirse en el “libre mercado mundial” intelectual o gubernamental. Una visión alienada de estos procesos, gene-ralizada a casi todos los actores sociales e ideologías políticas parece justificarlo. Pero el largo proceso histórico de mundialización del capitalismo, sus impactos diferenciales en los territorios del mundo, y la evolución de los sistemas urbanos muestran heterogeneidades y desigualdades históricas que hacen que las teorías y políticas armadas en los países hegemónicos y los orga-nismos multinacionales sean inaplicables, ineficaces y contraproducentes en América Latina y otras regiones. Su aplicación solo reproduce el atraso, la inequidad y la desigualdad que analizan o combaten. Abogamos por la descolonización de las teorías y las políticas urbanas y su construcción regional crítica y consecuente con nuestras realidades concretas y las necesidades de la mayoría de nuestra población.

P a l a b r a s c l a v e América Latina; globalización; teoría; políticas; colonialismo.

En el hegemónico patrón neoliberal de acumulación de capital y su globalización, se asume como inobjetable que las teorías que explican la problemática urbana, las políticas públicas que pretenden resolverla, y las prácticas privadas para “avanzar en el desarrollo urbano”, convertidas en verdades únicas, tienen validez universal, objetivos homogéneos, y eficacia general, independientemente de la geografía local, la evolución demográfica específica, las estructuras y el grado de desarrollo socioeconómico alcanzado, la historia política y social específica, las identidades culturales propias, o los procesos de configura-ción física de cada territorio o ciudad. Según sus propagandistas, estas teorías, políticas o prácticas pueden adquirirse en un sui géneris “libre” mercado mundial intelectual, institu-cional, gubernamental o empresarial. Una visión alienada de estos procesos, generalizada a casi todos los actores sociales e ideologías políticas, parecería justificarlo.

Sin embargo, el largo y desigual proceso histórico de mundialización del capitalis-mo, con sus impactos diferenciales en los distintos territorios del mundo, las distintas formas sociales y culturales resultantes, y la evolución específica de los sistemas y mor-fologías urbanas reales, muestran profundas heterogeneidades, desigualdades y combi-naciones particulares, y asimetrías históricas económicas, sociales, políticas, culturales, ambientales, territoriales (Pradilla Cobos, 2009: Cáp. VIII), que hacen que las teorías, prácticas y políticas construidas en los países hegemónicos y los organismos multina-cionales sean con frecuencia inaplicables, ineficaces y contraproducentes en América Latina y otras regiones subordinadas del sistema mundo. Recurrentemente, su aplicación

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T E O R Í A S Y P O L Í T I C A S U R B A N A S

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reproduce el atraso, las contradicciones, la inequidad y la desigualdad que supuestamente analizan o combaten.

Por ello, para América Latina abogamos por la descolonización de las teorías, las prácticas y las políticas urbanas; y sostenemos la necesidad de su construcción regional crítica y consecuente con nuestras realidades concretas y las necesidades de la mayoría de nuestra población. Ello no significa que rechacemos la validez de las teorías generales, que explican el funcionamiento de una forma de sociedad históricamente fechada, cuando explican la lógica universal de su estructura y operación, comprobada en su presencia en todas las particularidades donde esta forma es dominante.

LA CRISIS DE LOS GRANDES PROYECTOS

La penúltima década del siglo XX fue escenario de la crisis de los dos grandes pro-yectos socio-económicos entonces vigentes: del patrón de acumulación de capital con in-tervención estatal – economía y/o Estado de bienestar, o fordismo, según algunos teóricos –, imperante en los países capitalistas desde la Gran Depresión de fines de los años veinte, y más profundamente desde el fin de la 2ª Guerra Mundial; y del socialismo realmente existen-te, iniciado en la URSS luego de la degeneración estalinista de la Revolución Bolchevique.

Estas crisis afectaron profundamente tanto a las teorías como a las prácticas privadas y las políticas económicas y territoriales del Estado en el mundo y en América Latina.

1982: Crisis del Patrón de Acumulación de Capital con Intervención Estatal

Mucho se ha escrito, desde diferentes trincheras teóricas o ideológicas, en los países dominantes y en los latinoamericanos, sobre el “agotamiento” en la década de los setenta del patrón de acumulación de capital con intervención estatal, la imposición de políticas de ajuste en América Latina por los organismos financieros multilaterales (FMI y Banco Mundial), y luego de la recesión generalizada de 1982, su reemplazo por el patrón neoliberal (Guillén Romo, 1997). No añadiríamos nada nuevo si intentáramos resumir las argumentaciones.

Lo paradójico es que la recesión de 1981-1982 y el cambio de patrón de acumula-ción ocurrieron cuando en América Latina se mantenía una larga fase ascendente de la acumulación de capital, iniciada en los años cuarenta e impulsada por la industrialización por sustitución de importaciones, con altas tasas de crecimiento del Producto Interno Bruto (PIB) y del PIB por habitante (Pradilla Cobos, 2009: 312-4).

En la teoría económica, Keynes fue sustituido por Hayek, Friedman y los Chicago Boys; en la economía, el libre mercado de mercancías y capitales y la libre empresa recu-peraron su protagonismo; en la política, se impusó el Estado facilitador que desplazó al interventor (Guillén Romo, 1997); y las teorías territoriales sustentadas en el keynesianis-mo, como las de la planeación indicativa, del desarrollo regional equilibrado, de los polos de desarrollo de Perroux, o de la localización industrial, perdieron su centralidad en la acción estatal (Pradilla Cobos, 2009: Cáp. IV).

1989: Crisis del Socialismo Real

Victima de sus contradicciones internas, de su autoritarismo hacia los trabajadores a quienes la burocracia expropió del poder, del estancamiento de sus fuerzas productivas, de

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la competencia militar con los países imperialistas, y de la incapacidad para demostrar a las masas su superioridad sobre el capitalismo, el socialismo real surgido de la degradación estaliniana del socialismo revolucionario se derrumbó estrepitosamente (Gilly, 1991), afortunadamente con pocas victimas humanas.

Lo que había sido el pomposo y autoritario bloque socialista se redujo a cenizas, y volvimos a ser espectadores de un ciclo de acumulación originaria de capital en esos países, en el que las trasnacionales occidentales y los viejos y nuevos burócratas jugaron – y siguen jugando – un papel protagónico. China, por su parte, mantuvo su régimen burocrático y autoritario con careta “comunista”, y a nombre de un anacrónico “socialismo de merca-do”, somete a su clase obrera a un férreo control y una aguda explotación, como soporte de un desarrollo capitalista salvaje que la ha colocado como competidora y socia de los países imperialistas.

Lamentablemente, como la caricatura del marxismo dibujada por el estalinismo se había erigido en una doctrina religiosa con su propia inquisición, la caída de la dictadura burocrática impuesta en los países llamados socialistas arrastró también a las diversas vertientes de la teoría marxista, aún a las que habían criticado duramente al estalinismo y fueron sus victimas, perdiendo el reconocimiento social e intelectual como herramienta de la crítica radical del capitalismo y de la construcción de proyectos alternativos de futuro.

Así, el multiforme renacer del debate marxista gestado en los años sesenta y setenta, luego de la muerte de Stalin, en los diferentes campos de las ciencias sociales y la política, incluido el análisis urbano a partir de la relectura de los textos de los clásicos marxistas y las propuestas germinales de Henri Lefebvre y muchos otros, se vio truncado en todo el mundo, incluida América Latina. Su lugar fue ocupado por los intentos de hacer com-patibles y complementarios a Marx y Keynes mediante la teoría de la regulación, por las mistificaciones deterministas del cambio tecnológico y la informática en particular, por la ideología de la globalización y sus derivaciones en el análisis territorial (Pradilla Cobos, 2009: Cáp. VIII), todas ellas corrientes tributarias del neoliberalismo convertido en “ver-dad única” en la teoría y la práctica.

Afortunadamente, no todos cruzaron el puente hacia las mil y una variantes apolo-géticas de la globalización neoliberal. A pesar del aislamiento o del ostracismo teórico o político, hay investigadores en los países hegemónicos y en los dominados que mantienen su esfuerzo de crítica desde la izquierda y el marxismo, de los funestos efectos sociales, culturales y territoriales del capitalismo neoliberal.

EL NEOLIBERALISMO, “VERDAD ÚNICA” FALLIDA

Ante el derrumbe del socialismo real y el declive acentuado del marxismo, los dogmas económicos y políticos neoliberales se adueñaron del campo convirtiéndose en una “verdad única”, autoritaria y excluyente, que dominó rápidamente el espacio polí-tico e intelectual mundial y latinoamericano. Las “reformas estructurales” se aplicaron abruptamente, aunque en tiempos, extensiones y profundidades distintas en los países dominantes y los subordinados. Los países de América Latina siguieron esta misma ruta desigual.

Los países que abandonaron el llamado campo socialista, iniciaron su regreso al capi-talismo siguiendo con naturalidad las recetas neoliberales, vehiculadas por los créditos de

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la banca multinacional para su “reconstrucción” o la inversión de las empresas trasnacio-nales en su territorio.

Los Efectos del Neoliberalismo en América Latina

Transcurridas cerca de tres décadas de aplicación autoritaria, conflictiva o aparen-temente consensual según el país, y de apología o crítica del neoliberalismo en América Latina, solo recordaremos algunos hechos centrales para nuestra discusión particular.

• El fetichismode lamercancía,puesto en evidenciaporMarx ([1857]1975,C. I.4:87 y ss.), llenó nuevamente las páginas de los textos de economía y el discurso de los políticos y los medios de comunicación de masas: el mercado como sujeto central de la economía convertida en una relación entre objetos-mercancías, que nubla el papel de los sujetos reales, los capitalistas, ya bastante ocultos por las nuevas formas del capital como las sociedades por acciones, las corporaciones trasnacionales, los fondos de inver-sión etc.

• Lalibrecirculacióndecapitalesaescalamundial,desplazóhaciaelextranjeroyelcapi-tal financiero especulativo, la capacidad de decisión sobre la localización territorial de las inversiones – y el crecimiento –, que en el patrón anterior se suponía en manos del Estado y la planeación nacional.

• El librecomerciogeneralizado, las tendenciasmundialesderelocalizaciónindustrial,las deseconomías de aglomeración en las grandes metrópolis, el paso del Estado inter-ventor al facilitador de la acción privada, el debilitamiento o desaparición de las políti-cas estatales de industrialización ante el nuevo protagonismo del mercado, han causado el estancamiento de la industrialización en las metrópolis o su desindustrialización y la terciarización dominantemente informatizada (Pradilla y Márquez, 2004; Márquez y Pradilla, 2008); y en ellas, la inversión generadora de valor mayoritaria es ahora la realizada en la construcción, episódica y de corta duración, controlada por el capital inmobiliario fusionado con el financiero trasnacionalizado, apoyada por los gobiernos locales (Pradilla Cobos, 2010a).

• Porlaprivatizacióndelopúblico,enparticulardelainfraestructura,losserviciosylosámbitos públicos, y por la desregulación urbana, el Estado y en particular los gobiernos locales perdieron, desigualmente, sus reducidos instrumentos de intervención sobre el territorio.

• Laplaneaciónengeneralylaterritorial(urbano-regional)quetuvoplenalegitimidadaunque instrumentos muy limitados en el patrón intervencionista de acumulación, la perdió en el neoliberal ante el “libre juego del mercado” como supuesto mecanismo para lograr los equilibrios económico-sociales y su correlato la desregulación, y declinan o se extinguen como instrumentos de anticipación del futuro y de regulación e intervención estatal sobre la sociedad y el territorio (Pradilla Cobos, 2009: Cáp. V).

• Aloscilarelpéndulopolítico-socialdelaintervencióndelEstadohacialalibreopera-ción del capital y los capitalistas, la teoría y la ideología volvieron a dar prioridad en el

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análisis a lo económico, en lugar de lo político y los movimientos sociales que habían ocupado un lugar central en la reflexión durante el patrón intervencionista de acumu-lación de capital.

• Elindividualismoganóterrenoentodoslosámbitosdelavidasocial,eneldiscursonegó las grandes teorías y las fragmentó en mil pedazos, al tiempo que construía sus mitos ideológicos y su lenguaje: la globalización, la ciudad global, la competitividad, la conectividad, la movilidad, el tiempo real etc. Paradójicamente, construyó así otra “verdad única”, otro metarelato, otro “destino manifiesto”, el neoliberalismo.

Los Pobres Resultados del Neoliberalismo

Casi tres décadas después de iniciada la aplicación del ajuste neoliberal, la observa-ción de las cifras oficiales de la Comisión Económica para América Latina (CEPAL, 2001, 2007a y 2007b) nos permiten llegar a un lapidario y dramático balance de su impacto económico: no logró una acumulación sostenida de capital, ni el mejoramiento de la calidad de vida de la población en su conjunto.

Desde 1982, en el período neoliberal, el promedio de las tasas de crecimiento del PIBdelaregiónhasidomuyinferioraldeigualnúmerodeaños(1954-1980)enelinter-vencionismo estatal, mostrando nítidamente su ineficiencia e inferioridad como patrón e instrumento de la acumulación de capital.

Durante el período intervencionista, la economía no enfrentó recesiones, mientras que desde 1980 ha sufrido tres recesiones profundas (1981-1982 que marcó el quiebre entre los dos patrones de acumulación, 2002 y 2008-2009), y tres desaceleraciones muy fuertes(1988-1990,1995y1999).

Las tasas de crecimiento del producto interno por habitante han seguido un curso similar en ambos patrones de acumulación: crecieron menos que el PIB cuando este cre-ció, y cayeron más que el PIB cuando éste cayó, dando cuenta en ambas situaciones de la desigualdad creciente en la distribución de la riqueza entre capital y trabajo, y mostrando que el costo mayor de las recesiones recae sobre la población trabajadora. Pero el notorio crecimiento del PIB en el período intervencionista permitió el del PIB por habitante, mientras que en el neoliberal, este indicador creció mucho menos o cayó por el bajo cre-cimiento del PIB y por las recesiones.

La recesión que se inició en Estados Unidos en 2008, y se expandió rápidamente (aunque muy desigualmente) en América Latina, es considerada la más profunda y estruc-turalmente compleja desde la Gran Depresión de 1929-1930, y ha puesto a discusión la validez del patrón neoliberal de acumulación y del libre mercado mundial, al exigir a los estados, sobre todo a los de los países desarrollados (EUA, Comunidad Europea, Japón), rescates masivos y multimillonarios de grandes trasnacionales industriales (sobre todo los gigantes automotrices), inmobiliarias, financieras y bancarias, por parte de los gobiernos, que han llevado a una nueva participación de éstos en la propiedad de grandes empresas, contraria a los dogmas neoliberales.

Aunque muchos pensaron – o desearon – que llevaría a un cambio de patrón de acumulación, esta crisis solo llevó a los gobernantes de las potencias económicas a hablar de la necesidad de implantar “una regulación estatal mundial más estricta de los flujos financieros internacionales”, sin afectar la propiedad privada de los monopolios apoyados con los fondos públicos.

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La información de la CEPAL nos permite también observar la gran desigualdad en la distribución del impacto de la recesión mundial del 2008-2009 en los diversos países de la región, siendo notorio que México, el más integrado al polo hegemónico estadounidense y a sus políticas, fue el que más duramente la resintió, mientras Brasil y Argentina, las otras dos grandes economías regionales, aunque redujeron drásticamente su crecimiento, no sufrieron una recesión.

Gráfico 1 – América Latina y El Caribe: tasa de variación del producto Interno Bruto, 2008-2009 (En porcentajes sobre la base de dólares constantes de 2000)

Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de cifras oficiales.

En diferentes medidas, todas las estadísticas muestran una presencia masiva del trabajo precario, irregular o ilegal, informal, y un aumento de la pobreza en los países de la región y en particular en las grandes ciudades donde se ubica ahora la mayoría de la población y, por tanto, de la informalidad y la pobreza.

Impactos Territoriales y Urbanos Heterogéneos

Los países que conforman América Latina en la actualidad y sus ciudades han tenido a lo largo de su historia diferentes geografías, evoluciones demográficas, patrones de ocu-pación del territorio, procesos económicos, políticos y culturales, y políticas territoriales; en una palabra, han experimentado un desarrollo desigual que especifica y particulariza las lógicas y rasgos generales impuestos por la colonización europea y por los patrones mercantiles de acumulación de capital luego de su independencia (Pradilla Cobos, 2009: Cáp. I). La industrialización y su correlato la urbanización acelerada en la segunda mitad del siglo XX, tuvieron las mismas características de desigualdad de grados en el tiempo, la

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intensidad, y la profundidad. El resultado fue un mosaico en el que se combinaban muy desiguales estructuras, grados y formas particulares de desarrollo industrial y urbano.

La implantación del neoliberalismo y la inserción en su globalización han sido también muy desiguales en tiempos, profundidad y amplitud; hoy, se observan notorias diferencias en la orientación política de los gobiernos nacionales y locales de la región, lo que llevará a acciones distintas en lo territorial y urbano en el futuro.

En el territorio en general y en las ciudades se muestra la misma heterogeneidad mor-fológica derivada de su localización geográfica, su historia propia, su evolución demográfi-ca, su tamaño, su grado y forma de crecimiento económico, las políticas urbanas aplicadas, sus identidades culturales particulares etcétera. Es muy difícil encontrar entre ellas modelos morfológicos, estructurales o evolutivos repetidos, equivalentes o comunes, aún a pesar de la operación de lógicas similares determinadas por la naturaleza del patrón de acumulación, o la importación de formas urbano-arquitectónicas particulares de intervención sobre el territorio: corredores terciarios, megaproyectos inmobiliarios, centros comerciales, condo-minios cerrados etcétera, las cuales modifican fragmentos territoriales que se asemejan, pero se insertan desigualmente en la estructura urbana (Pradilla Cobos, 2010).

Pero la diferenciación es mucho mayor entre las sociedades, territorios y ciudades la-tinoamericanas y aquellas de las potencias hegemónicas en el capitalismo actual (europeas, asiáticas o norteamericanas) tanto por las mismas causas de diferenciación antes citadas, cómo y sobretodo por el papel que han jugado a lo largo de la historia como potencias colonizadoras, imperialistas, explotadoras o dominantes hegemónicas en la fase actual de la mundialización del capital. Las mayores diferencias entre unas y otras se manifiestan en los territorios moldeados por el desempleo y la informalidad masiva, la pobreza extensiva, la violencia convertida en hecho social, la desigualdad en la prestación de servicios públi-cos urbanos, es decir, en los productos de la desigualdad del desarrollo económico y social entre países hegemónicos y países dominados.

Esta diferenciación es resultado del desarrollo desigual de toda forma de organiza-ción social y, en particular, del capitalismo regido por las férreas leyes de la acumulación de capital, lo cual no niega en ningún caso ni sentido el papel de la teoría general que establece las leyes de su funcionamiento, a partir precisamente de los rasgos o tendencias producidas por un modo de producción o un patrón de acumulación, en la medida que ellos se observen en todas las formaciones sociales donde es dominante: lo general expresa su presencia en todas las particularidades distintas.

GLOBALIZACIÓN, LA GRAN COMADRONA DE MITOLOGÍAS URBANAS

Tenemos que reconocer que el neoliberalismo ha logrado construir una ideología global: los actores académicos y políticos de todas las posiciones en el abanico teórico o de las diversas corrientes políticas, de la derecha a la izquierda, han asumido con notorio entusiasmo el lenguaje de la globalización, la mayoría de las veces sin ninguna diferencia-ción o sin establecer precisiones sobre los conceptos utilizados, como si fueran universales, neutros y comprensibles para todos. Lo bueno y lo malo son resultado ahora de la globa-lización, como fantasmal categoría o metáfora espacial, y no del capitalismo o del patrón de acumulación de capital, que implica una relación social entre clases sociales, ganadoras o perdedoras. Así se cumple a cabalidad el papel ocultador de la ideología.

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La Noche Teórica en la que Todos los Gatos Son Pardos

En el campo teórico y práctico de lo territorial ocurre lo mismo: una gran parte de las investigaciones territoriales actuales, de derecha e izquierda, hablan de los impactos de la globalización sobre el territorio, las ciudades y sus partes, o de las características de sus ciudades globales, con frecuencia desbordando ampliamente los límites establecidos por los creadores del concepto, en particular Saskia Sassen (ver Pradilla Cobos, 2009: Cáp. VIII), sin llevar a cabo ningún esfuerzo analítico para establecer los caminos concretos, las mediaciones entre ese global abstracto, no definido ni materializado, y los múltiples locales concretos, tampoco definidos.

Olvidando que la mundialización del capitalismo se inició al tiempo con la acumula-ción originaria de capital y los descubrimientos y colonizaciones del siglo XVI, y que desde entonces hemos atravesado por varias y diversas fases de avance o retroceso de este proce-so, se ha deificado a la globalización, tomándola con admiración como un proceso nunca antes visto, germinal, atribuible en gran parte a las nuevas tecnologías, en particular a las de la información, las que – según nosotros – se han apoyado en desarrollos tecnológicos diversos y han tenido fases de desarrollo acumulativo, en distintos momentos históricos, tan importantes las unas como las otras, y sin las cuales no existirían la informática y la comunicación actuales: correo, ferrocarril, electricidad, fotografía, automóvil, telégrafo, teléfono, cables oceánicos, televisión, computación, telecomunicaciones, aeronáutica, satélites y aeroespacial etcétera. Este determinismo tecnológico ha sido criticado desde los países hegemónicos mismos (Burgess, 2010).

Esta mitología hace caso omiso del profundo desarrollo desigual en lo temporal, económico, social y territorial de las diferentes fases de avance y retroceso de la mun-dialización capitalista, lo cual permite su generalización al mundo entero, sin fronteras nacionales ni diferencias sociales, y a la aplicación indiscriminada de “modelos” de un país en el otro.

Hoy, como ayer, se tiende a ocultar el papel diferencial que ocupan los países en la estructura que ha surgido en cada fase de la mundialización capitalista, donde unas nacio-nes han ocupado el lugar de dominio y otras el de subordinación, donde el imperialismo se ha ido construyendo como estructura jerarquizada, no exenta de cambios históricos de posición, y en la cual América Latina, desde su conquista por España y Portugal, se ha mantenido en las filas de las sociedades colonizadas, dominadas y expoliadas.

Las Mil y Una... Ciudades y el Eclecticismo

En la actual fase de mundialización del capital (¿globalización?) se han dado múl-tiples miradas sobre las formas urbanas surgidas de ese proceso, las cuales han llevado a los investigadores a construir muchos conceptos de diferente naturaleza, pero gene-ralmente descriptivos: metrópoli, post-metrópoli, megalópolis, ciudad región, ciudad global, ciudad informacional, ciber-ciudad, ciudad análoga, ciudad compacta, ciudad dispersa, ciudad difusa, ciudad estallada, ciudad dual, ciudad fragmentada, ciudad fracturada, ciudad cuarteada, ciudad astillada, ciudad erosionada, ciudad compartimen-tada, ciudad derramada, ciudad archipiélago, ciudad fractal, ciudad de capas, ciudad re-agregada y otras más.

Su uso se ha generalizado y multiplicado para referirse a las concentraciones urbanas de cualquier parte del mundo, sin distingos de país, historia, talla etcétera. Al actuar de

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esta forma, las descripciones de procesos particulares se han convertido en teorizaciones generales, con lo cual se escamotea el carácter de la teoría general, y se llevan a cabo generalizaciones espurias a nombre de una idea mitológica de globalización que homoge-neizaría todos los procesos sociales y justificaría cualquier ignorancia de la particularidad.

Para nosotros, el desarrollo desigual de las formas sociales y territoriales implica que en cada sociedad se genera como estructura social o territorial una combinación de formas desigualmente desarrolladas; se combinan fragmentos sociales y territoriales desiguales. Algunos han sacado equivocadamente la conclusión de que esta fragmenta-ción es dual, es decir, coexistencia de sociedades distintas, dando lugar por ejemplo a dos o más ciudades, en lugar de la lectura correcta de que estos fragmentos son el producto de la misma sociedad, partes entrelazadas de un mismo rompecabezas socio-territorial marcado por la desigualdad.

A nombre del imaginado “fin de las grandes teorías” (Lyotard, [1986] 1991),se ha impuesto el eclecticismo. Quienes toman el camino de explicar los procesos latinoamericanos a partir de los conceptos descriptivos acuñados para analizar los que ocurren en los países dominantes en el capitalismo actual, con demasiada frecuencia citan a renglón seguido, como si sus discursos fueran compatibles, a autores teórica e ideológicamente tan distintos y distantes – según sus propias definiciones – como Michael Porter, Paúl Krugman, Manuel Castells (el de los setenta y el de los noventa), Immanuel Wallerstein o David Harvey, sin crítica alguna, sin mediaciones. Con este procedimiento, desaparece toda lógica teórica y se hace ininteligible la pretendida ex-plicación de los procesos analizados.

Con el mismo sustento posmodernista del fin de los metarelatos, hemos aceptado la fragmentación casi infinita de las problemáticas sociales y territoriales, en mini parcelas de conocimiento aisladas unas de otras, sin referencias ni articulaciones con el resto de la totalidad social, que describen hechos, a veces casi microscópicamente, pero no dan cuenta de sus causas estructurales, las nublan por el contrario.

A imagen y semejanza de aquellos investigadores “latinoamericanistas” de los países dominantes, que poco o nada utilizan la investigación realizada en América Latina como material de insumo para su trabajo, los latinoamericanos hacemos lo mismo, ignorando el trabajo de nuestros coterráneos y compañeros de trabajo. Páginas y páginas de citas tex-tuales o descripción de modelos, a manera de “estado del arte” o reseña de la investigación en los países hegemónicos, preceden a microscópicos estudios de caso, dando la impresión de ser su “marco teórico” o, en el peor de los casos, su explicación adelantada. Al hacerlo, parecemos decir a nuestras sociedades que somos incapaces de explicar nuestra realidad, y que el gasto en investigación en nuestros países es dinero tirado a la basura, haciéndonos partícipes de las políticas neoliberales de colonización intelectual y restricción del apoyo a la investigación en ciencias sociales.

Sin escatimar mi respeto a los grandes investigadores críticos del “primer mundo”, de quienes mucho hemos aprendido, tenemos que lamentar que mientras sus textos son traducidos casi instantáneamente al español o portugués y ellos frecuentemente invitados a nuestros congresos y universidades, no ocurre lo mismo en Europa y Estados Unidos – y aún en América Latina –, con los investigadores latinoamericanos y su trabajo.

Nos dirán que hoy, en la globalización que todo lo homogeneiza, en la teoría te-nemos la “libertad de elegir” en el “libre mercado mundial”; sin embargo, no debemos olvidar que esta libertad está condicionada, limitada o domesticada por la concentración monopolica trasnacional de los medios de comunicación incluida la industria editorial,

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la publicidad y el marketing de los monopolios editoriales, y las normas de los sistemas educativos y de ciencia y tecnología de nuestras sociedades, prisioneros en muchos casos del colonialismo intelectual.

LA GLOBALIZACIÓN NEOLIBERAL Y LAS POLÍTICAS GLOBALES

En el ámbito de la política ha ocurrido un fenómeno similar: los políticos en todo el abanico de la geometría política, real o formal, han adoptado el mismo lenguaje neoli-beral: la globalización sin apellido, la preeminencia del mercado mundial, la competitivi-dad a escala mundial como condición del crecimiento urbano, el desarrollo de ciudades globales, las ciudades y/o empresas de clase mundial, la construcción de íconos urbanos, el cambio tecnológico y la conectividad informacional como motores del crecimiento, la prioridad a la conectividad y la movilidad urbana, y en general, un lenguaje indiferencia-do, asexuado diríamos, en términos de proyectos sociales y urbanos e intereses de clase.

Si el lenguaje político que expresa el análisis y el proyecto es el mismo, las políticas tienden naturalmente a ser las mismas, adquiridas o impuestas según el caso, por (o en) el mercado mundial, o más exactamente las burocracias de los organismos multinacionales, los bancos o los gobiernos hegemónicos en el actual patrón de acumulación de capital. Y los resultados serán los mismos.

Pragmáticamente, sin base en proyectos integrados de ciudad, sin tener en cuenta la planeación de largo plazo casi extinta (Pradilla Cobos, 2009: Cáp. V), o el discurso formal de sus partidos, los gobiernos nacionales o locales de “derecha”, “centro” o “izquierda” proponen, promueven, apoyan o subsidian megaproyectos inmobiliarios icónicos de renovación interior o expansión periférica dirigidos a la gestión de los corporativos o la residencia de las elites y centros comerciales de “primer mundo”; privilegian al transporte individual sobre el colectivo, a su majestad el automóvil, construyendo subterráneos, distribuidores viales y highways urbanos de cuota o consecionados al capital privado, e impulsan la renovación vehicular; privatizan los espacios y servicios públicos para hacerlos costeables y permiten su invasión por la publicidad mercantil; revitalizan o revalorizan los centros históricos en función del turismo internacional; convierten en imperativos políti-cos la conectividad y la movilidad elitizadas; y limitan sus políticas sociales al asistencialis-mo focalizado en los “sectores más vulnerables” a la manera del Banco Mundial, dejando de lado la garantía de los derechos sociales universales y el mejoramiento de la calidad de vida de los sectores populares.

Los gobiernos de todos los colores importan políticas de los países hegemónicos, incluidas las aplicadas en los sistemas educativos y de ciencia y tecnología, basadas en el productivismo y la conexión con la empresa, sin tener en cuenta las gigantescas disparida-des en lo económico y social, las diferencias en la historia, la demografía y la cultura entre ellos y nosotros, aceptando pasiva y acríticamente la subordinación política.

En las prácticas empresariales, la subordinación parece natural: en economías domi-nadas por el capital multinacional, dependientes del crédito y la tecnología provenientes de los países dominantes, lógicamente, los modelos o proyectos llegan de las casas matrices a las filiales, o son homogeneizados por los proveedores. El gran capital local, asociado al transnacional es subsidiario y no justifica invertir capital de riesgo, público o privado, por ejemplo, en desarrollo tecnológico, cuando es posible importar lo necesario.

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Las prácticas empresariales en lo urbano son, por tanto, modeladas por las realiza-das en los países dominantes, de donde viene una parte muy importante de la inversión financiero-inmobiliaria que las sustenta; así llegan y se reproducen las formas urbano-arquitectónicas de moda, que son la modernidad que otorga, según esa mitología, la competitividad global de las metrópolis, y atrae el flujo de turistas.

REVALORIZAR LA INVESTIGACIÓN URBANO-REGIONAL LATINOAMERICANA E INNOVAR EN LAS POLÍTICAS

Todo indica que los sectores dominantes en América Latina y parte de los domi-nados y muchos de sus representantes políticos, han renunciado a construir una cultura científica y política en términos de lo territorial, que responda a nuestras particularidades históricas, económicas, sociales, culturales, ambientales y territoriales, asumiendo una postura subordinada y de copia acritica a nombre de la globalización y de “la crisis de los paradigmas” en las ciencias sociales y la política. Pero al hacerlo, están negando la validez y utilidad de nuestra propia práctica como investigadores y hacedores de política.

Sin embargo, contradiciendo la validez universal de las teorías y las políticas prove-nientes de los centros hegemónicos a escala mundial, tanto esas explicaciones como las políticas colonizadas han demostrado su invalidez e incapacidad para explicar nuestra realidad y para transformarla en función de los intereses y necesidades de la mayoría de la población.

Consideramos necesario, por tanto, valorizar nuestro trabajo latinoamericano de in-vestigación, su difusión editorial amplia en la región, su uso crítico por los investigadores y políticos, el incremento significativo del trabajo común y el intercambio de resultados. Ello no significa que restemos validez a lo que hacen los investigadores de otras latitudes para explicar sus realidades o para enriquecer la teoría general, o que dejemos de estudiarlo.

Lo que quiere decir es que debemos construir nuestra propia cultura científica y política para explicar nuestra realidad particular y confrontarla críticamente con la venida de fuera, del norte en particular; que debemos construir las políticas territoriales para transformar nuestra realidad y resolver sus contradicciones, a partir de su explicación cien-tífica, los instrumentos disponibles, los intereses que defendemos y nuestras posiciones en el abanico político-ideológico.

En este camino, es muy importante pugnar por el cambio de las políticas educativas y científicas importadas e impuestas; y sobre todo, mantener e intensificar, desde nuestra ac-tividad, la critica aguda y extensiva a las políticas territoriales de los partidos y gobiernos sin importar sus declaraciones formales. Si no es así, a pesar de nuestro trabajo, seremos solo no-tarios, relatores pasivos, de los procesos socio-territoriales, que podemos seguir describiendo minuciosamente, o como lo harían otros cuerpos de investigación, pero seremos impotentes para aportar a la construcción de otra América Latina, necesaria, urgente y posible.

Más difícil será, creemos, tender puentes entre el pragmatismo de los políticos y el idealismo tradicional de los investigadores, para que el conocimiento socio-territorial sirva realmente como soporte para resolver las contradicciones regionales y urbanas. Habrá que intentarlo, porque la ciencia social pierde sentido, para nosotros, si se limita a notariar o historiar los procesos, si no sirve como punto de partida o ingrediente de su transforma-ción. ¿Será este un objetivo idealista?

Emilio Pradilla Cobos é doutor em Urbanismo; pro- fessor investigador do De-partamento de Teoría y Aná-lisis, División de Ciencias y Artes para el Diseño, Uni-versidad Autónoma Metro-politana, Xochimilco; inves-tigador nacional do Sistema Nacional de Investigadores, SEP, México; membro da Red Nacional de Investiga-ción Urbana (RNIU) e da Red Iberoamericana de Investiga-dores sobre Globalización y Territorio (RII). E-mail: emilio [email protected]

Artigo recebido em janeiro de 2011 e aprovado para publi-cação em fevereiro de 2011.

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A b s t r a c t At the neoliberal globalization it is assumed that the theories, private practices and policies set to solve the urban issues are universally valid and efficient, inde-pendently from the geography, demography, history, development level, culture and physical configuration of each city. This could be justified by an alienated vision of this process, a vision that is widespread among the social stakeholders. However, in the long term and thanks to the uneven global village concept of capitalism and its different impact on the territories,

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social structure, cultures, systems and urban morphologies, they have lead to heterogeneities and inequities that make theories, practices and policies implemented in several countries and mul-tinational organisms unenforceable, inefficient and adverse for undeveloped regions around the world. Its implementation reproduces the development delay, contradictions, inequity and inequality that they analyze or avoid. We advocate the decolonizing of urban theories, practices and policies for Latin America and for building them from a critical point of view that takes into account the reality and needs of our population.

K e y w o r d s Latin America; globalization; theory; polítics; colonialism.

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APROPRIAÇÃO E ORDENAMENTO TERRITORIAL NA ZONA COSTEIRA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Grandes Corporações ou As Políticas Públicas?

P a u l o G u s m ã o

R e s u m o O presente artigo reproduz aproximadamente uma apresentação feita pelo autor como participante da mesa-redonda A Urbanização do Litoral: Formas de Apropriação do Território organizada pela Anpur na 62ª Reunião Anual da SBPC, realizada em 2010, em Natal, RN. Assim como no caso da exposição, o propósito deste texto é o de fazer provocações acer-ca da influência (gritante) das grandes corporações no processo de (re)ordenamento do território brasileiro e enfatizar o papel (até aqui acessório) das políticas públicas nesse processo. Visando dar foco a tais provocações, é analisado o caso da zona costeira do estado do Rio de Janeiro, mais especificamente o trecho sob a influência do Porto de Itaguaí, localizado na baía de Sepetiba.

P a l a v r a s - c h a v e Desenvolvimento e ordenamento territorial; zona costeira; cidades e regiões portuárias; políticas públicas; grandes corporações.

CONTEXTUALIZANDO O TEMA: FUNÇÕES PORTUÁRIAS E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

As funções portuárias concentram boa parte das atenções e argumentos contidos neste artigo. Elas são aqui entendidas como funções que comportam infraestruturas e atividades que compõem, muitas vezes, longas cadeias produtivas e seus respectivos re-batimentos territoriais. O debate sobre as mesmas – seja no Rio de Janeiro ou em outro contexto litorâneo – não pode estar dissociado da temática da gestão dos territórios em relação aos quais essas funções (e as infraestruturas) poderão exercer efeitos dinamizadores da circulação de bens, serviços e informações.

Nosso interesse sobre os portos (assim como sobre as cadeias produtivas às quais estão articulados) está ligado ao fato de eles funcionarem como “elos das cadeias logísticas que integram fluxos de transporte de mercadorias entre regiões diferentes, gerando influên- cias que se estendem muito além de seus locais de instalação” (Cunha 2006, p.1024). Esse entendimento é reforçado por Baudouin (1999, p.27) que sublinha o fato de que “hoje em dia, o porto [...] penetra cada vez mais profundamente não apenas na cidade, mas em toda a economia regional. Isso exige das cidades marítimas verdadeiras estratégias para mobilizar seus diversos recursos humanos e espaciais”.

Ao analisarem as chamadas cidades portuárias, Monié e Vidal (2006, p.977) reforçam essas ideias ao lembrarem que:

a eficiência e a dinâmica de um porto não se limitam apenas às instalações e à capacidade dos navios, mas principalmente ao seu entorno, dadas as atividades produtivas que fazem

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uso dos seus serviços, ou seja, sua hinterlândia. Em relação ao porto, destaca-se que o mesmo não pode ser pensado apenas do ponto de vista técnico e operacional. Ele não é apenas um corredor, ele é mais: um instrumento a serviço de um projeto de desenvolvimento.

Esses mesmos autores se referem ao “alargamento da cadeia produtiva” característico da integração produtiva em escala mundial, o qual estaria impondo às cidades portuárias a necessidade de enfrentar não só questões infraestruturais e operacionais relativas aos seus próprios cais, como também questões sociais, econômicas e ambientais que envolvem outros atores sociais, políticos e produtivos, dentro de processos decisórios que dizem respeito à formulação de políticas públicas (e seus instrumentos) relacionadas à gestão ambiental e territorial das cidades portuárias e suas áreas de influência.

Os desafios são mais complexos no caso dos chamados portos concentradores (os hubports) tais como Pecém-CE, Suape-PE e Itaguaí-RJ. Dadas suas características pró-prias, Monié (2006) chama atenção para o fato de essas instalações manterem relações muito limitadas com o seu local (ou microrregião) de implantação. A função maior dessas plataformas portuárias “reside na sua capacidade de redistribuir imediatamente os fluxos que para ela convergem”, servindo assim como “um simples equipamento de transporte, inserido numa rede global e a serviço da lógica exclusivamente global das multinacionais, que beneficia pouco o lugar onde ele se localiza”. Concluindo, o autor assinala que a expe-riência brasileira recente com portos concentradores estaria associada à geração de “enclaves desterritorializados que não contribuíram para o desenvolvimento da região onde foram implantados” (Monié, 2006, p.985).

Finalizando essa breve contextualização, Becker (2006) nos auxilia a esclarecer a importância das funções portuárias na formação das redes ao lembrar que, apesar do for-talecimento da sociedade civil organizada, os agentes mais poderosos na reestruturação do espaço têm sido as grandes corporações, cujas ações podem acentuar (em lugar de mitigar) certas desigualdades regionais. A autora assinala também que os principais portos brasilei-ros materializam esforços predominantemente voltados para a exportação de commodities, o que os transforma em parte integrante das cadeias produtivas dos agentes produtivos que os operam. Nessa linha, referindo-se à geopolítica das redes ferroviárias associadas às exportações brasileiras, Becker chama atenção para o fato de que essas redes seguem, grosso modo, o padrão histórico de conexão das áreas produtoras aos portos, levando as atuais concessionárias a estender redes pelo interior do país, criando assim extensos “ter-ritórios logísticos de escoamento”, os quais têm sido mais funcionais em relação à lógica dos negócios dessas empresas do que em relação ao desenvolvimento local-regional.

CONTEXTUALIZANDO O OBJETO: RETOMADA DE INVESTIMENTOS NO RIO DE JANEIRO

O estado do Rio de Janeiro está hoje exposto a um conjunto de oportunidades-pres-sões associadas a uma agenda de investimentos sem precedentes em sua história. Diante da densidade dessa agenda, teve início um processo de “requalificação” de seu território cujos resultados em termos de desenvolvimento (se positivo ou negativo) dependerão, dentre outras condições, da capacidade de resposta do poder público no que diz respeito à formulação/implementação de políticas visando o (re)ordenamento e desenvolvimento do território.

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Levantamentos preliminares realizados pelo LAGET/UFRJ1 indicam um montante de recursos superior a R$ 300 bilhões que estariam sendo investidos no estado no período 2007-2015 ou pouco mais. Desse total, cerca de 50% (R$ 155 bi) concentram-se nas atividades off shore de exploração e produção (E&P) de óleo e gás natural (O&G) reali-zadas nas Bacias de Campos e Santos, com destaque para início das atividades de E&P nas camadas do chamado pré-sal. Em relação às atividades realizadas on shore, destaca-se a concentração de mais de 46% dos recursos remanescentes na zona costeira ou, mais especificamente, no aglomerado metropolitano do Rio de Janeiro (cerca de 40%) e na Costa do Sol (ou litoral norte, cerca de 6%). Fora da zona costeira, o destaque a ser feito diz respeito ao Médio Vale do Paraíba que concentra apenas 3% daquele total.

Quanto à distribuição desses recursos pelos setores de atividade, destaca-se outra vez a produção off shore de O&G com 54% do total dos recursos. Das atividades realizadas on shore, destacam-se a petroquímica e a siderurgia (cerca de 14%), assim como a indústria naval e a logística de transporte com 12% cada qual. Merece ainda destaque a participação do setor de geração de energia que concorre com 5% desse total.

Analisando-se os projetos contemplados, destacam-se, como não poderia deixar de ser, os investimentos ao longo da cadeia produtiva de O&G, em sua maioria realizados pela Petrobras, notadamente o Plano de Antecipação da Produção de Gás (Plangás) e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Os investimentos nessa cadeia induzem a um amplo número de desdobramentos tais como a ampliação da rede de dutos e terminais e as encomendas dirigidas à indústria naval. Em segundo lugar, colocam-se outros projetos na área da logística de transporte (ampliação, modernização e dragagem de portos, concessões de rodovias etc.), dentre os quais chamam atenção a implantação do Porto do Açu e os investimentos nos portos e terminais situados no Rio de Janeiro (baía de Guanabara), Itaguaí (baía de Sepetiba) e Angra dos Reis (baía da Ilha Grande).

O setor siderúrgico é outro destaque a fazer. A construção/operação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA, ThyssenKrupp e Vale), a ampliação da Cosigua (Ger-dau), assim como os projetos liderados pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) na área da empresa em Itaguaí são destaques obrigatórios. A eles se somam vários terminais marítimos no entorno do Porto de Itaguaí (os da LLX e Usiminas são os mais recentes), formando um conjunto de novas pressões colocadas sobre a bacia drenante à baía de Se-petiba. Projetos de geração de energia também compõem parte importante dessa agenda, com destaque para a implantação da terceira usina termonuclear (Angra III) operada por Furnas em Angra dos Reis.

Ainda que a crise internacional de 2008 tenha determinado ajustes nos cronogramas de alguns desses investimentos, a previsão original de que os projetos/atividades já forma-lizados iniciariam operação até 2015 não deverá ser alterada a ponto de desautorizar as questões que aqui levantaremos.

CONTEXTUALIZANDO A BACIA DA BAÍA DE SEPETIBA: GRANDES CORPORAÇÕES E PRESSÕES SOBRE O TERRITÓRIO

Desde o período primário-exportador (do ouro, açúcar e café) a vocação portuária representou traço marcante da economia do que hoje é conhecido como estado do Rio de Janeiro. Essa característica passou por um período de retração iniciado com a industria-

1 LAGET – Laboratório de Gestão do Território, criado em abril de 1987, através de convênio entre o Depar-tamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o De-partamento de Geografia da Fundação IBGE.

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lização via substituição de importações. Na década de 1990 os investimentos no sistema portuário fluminense tiveram como focos principais dois conjuntos de clientes, ambos vinculados à atividade de mineração: os setores de petróleo/petroquímico e de minério de ferro/siderurgia.

Essa tendência já foi assinalada por Gusmão (2007) quando chamou atenção para o fato de que o aglomerado metropolitano do Rio de Janeiro, em particular a bacia da baía de Sepetiba, passaria a sentir os impactos de uma agenda de investimentos que se apoia-vam em dois pontos: (a) na ampliação da inserção da economia da região (e do país) nos fluxos de comércio internacional de commodities tais como minério de ferro, placas de aço e derivados de petróleo; e (b) na sua convergência em direção às infraestruturas portuárias situadas na baía de Sepetiba.

A Figura 1 ilustra a consolidação espacial de dois grandes complexos industriais no aglomerado metropolitano do Rio de Janeiro. Por um lado, no centro-leste metropoli-tano, entorno da baía de Guanabara, consolidam-se as unidades integradas ao processa-mento de O&G compreendendo o Plangás, o Polo Gás-Químico e a ampliação da Refi-naria Duque de Caxias (Reduc), assim como o Comperj. Esse conjunto, na maior parte composto por ativos da Petrobras, exercerá pressões sobre a baixada fluminense (com centro nos municípios de Duque de Caxias e Belford Roxo) e sobre o leste metropolitano (com foco no município de Itaboraí e seu entorno).

Contudo, esses complexos também produzirão pressões sobre o oeste metropolitano, pois estarão conectados ao Porto de Itaguaí através do Arco Metropolitano. A presença da cadeia de O&G nesse extremo oeste será ainda reforçada, assim que se confirme a infor-mação de que a Petrobras pretende instalar, no terreno originalmente de propriedade da PetroRio, no município de Itaguaí, junto ao porto de mesmo nome, um terminal que tanto poderá servir de base logística para o conjunto formado pela Reduc – Polo Gás-Químico – Comperj, como para as atividades de E&P na Bacia de Santos, incluindo-se nesse caso a pos-sibilidade de contar com uma unidade para recepção/regaseificação de gás natural liquefeito.

O segundo complexo industrial corresponde ao polo siderúrgico que se forma às margens da baía de Sepetiba, mais próximo do Porto de Itaguaí, nosso objeto de interesse mais específico. Esse polo é integrado pela Cosigua (do Grupo Gerdau, a mais antiga dessas unidades que deve passar por um processo de ampliação) e pela Companhia Si-derúrgica do Atlântico – CSA (do Grupo ThyssenKrupp associado à Vale), assim como pelas atividades já existentes e que venham a ser instaladas pela Companhia Siderúrgica Nacional – CSN no município de Itaguaí. Merece destaque o fato de esses investimentos fortalecerem cadeias produtivas integradas e verticalizadas envolvendo, sob o comando das empresas Vale e CSN: (i) a produção de minério de ferro (em Minas Gerais); (ii) o seu transporte ferroviário através da MRS Logística; (iii) a produção de placas de aço nas unidades já referidas; e (iv) a exportação dessa produção ou do minério bruto através do Porto de Itaguaí ou dos terminais privativos localizados na baía de Sepetiba.

Cabe observar também que parte substancial dos investimentos na implantação dessas unidades – especialmente os gastos com aquisição de máquinas e equipamentos, projetos de engenharia e mão de obra especializada – não será contratada no entorno do Porto de Itaguaí, no estado ou mesmo no país. Destaque-se assim que parte importante das oportunidades geradas por essas atividades deverá ser capturada por agentes econômi-cos situados fora do circuito local, estadual, regional ou nacional. De fato, a parte nacional da cadeia produtiva tende a se encerrar na etapa das placas de aço o que limita, e muito, a capacidade indutora desses investimentos sobre a economia local/regional.

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Essa tendência confirmaria a argumentação de Cocco (2001) que, em sentido con-trário a autores como Batista (2003) e Tolosa (2001), apontou problemas que estariam sendo subestimados nas apreciações feitas sobre a importância do Porto de Itaguaí. Em sua crítica, Cocco afirma que o projeto do porto, assim como outros tantos realizados, ou planejados, na região de Sepetiba, compõem parte de estratégias muito semelhantes que consistem na incorporação geopolítica ao mercado nacional dos espaços disponíveis em todas as escalas geográficas, mas não necessariamente na promoção do desenvolvimento local. Sendo assim, “a relação firma/território não procuraria mobilizar o potencial produ-tivo dos territórios, tendendo, ao contrário, a isolar os grandes atores econômicos e sociais locais” (LABTEC, 1999 apud Cocco, 2001, p.129).

Figura 1 – Novos Vetores de Pressão no Aglomerado Metropolitano do Rio de Janeiro

Como ilustrado também na Figura 1, o Arco Metropolitano não só articulará esses vetores de (re)qualificação do aglomerado metropolitano do Rio de Janeiro, como se apresentará, ele mesmo, como mais um vetor de requalificação desse espaço. A interliga-ção entre vazios urbanos e porções já urbanizadas desse espaço – tanto aquelas situadas a leste (centradas em Itaboraí) como a oeste (centradas no Porto de Itaguaí), assim como a baixada fluminense no meio do caminho – representará um novo vetor de mobilidade/acessibilidade que irá reforçar o processo de dinamização e requalificação do aglomerado metropolitano como um todo.

Por último, é preciso destacar mais uma vez o fato de a maior parte dessa agenda estar associada a decisões tomadas por grandes corporações. Não importa aqui diferenciar se os investimentos em tela estão sendo realizados por empresas estatais ou não. O que importa é que esses investimentos não representam o resultado de políticas públicas con-cebidas como instrumentos de indução do desenvolvimento territorial e não decorrem de decisões que tenham sido tomadas com o apoio de agentes e governos locais.

Que fique claro que não pretendemos aqui demonizar essas corporações e suas de-cisões. Ao contrário, é necessário reconhecer que essas decisões estão revestidas da legiti-midade e legalidade necessárias, assim como destacar que por meio delas, as corporações pretendem manter a competitividade que as caracteriza no cenário mundial. Contudo, o que procuramos marcar aqui é que, do ponto de vista do interesse público e do desenvol-

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vimento territorial, a formulação dessas decisões não envolveu a realização de avaliações prévias quanto aos efeitos que produzirão em termos de (re)ordenamento e (re)qualifica-ção do território, seja em relação à zona costeira ou ao aglomerado metropolitano.

POLÍTICAS PÚBLICAS: QUATRO DÉCADAS DE (IN)CAPACIDADE DE INDUÇÃO E RESPOSTA

Comecemos sublinhando que não é apenas a combinação entre o volume de recursos e o prazo de maturação dos empreendimentos o alvo de preocupação que motiva este artigo. Merece destaque, sobretudo, o fato de esses investimentos incidirem sobre um ter-ritório com três características principais: (i) virtual ausência de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento/ordenamento territorial tanto ao nível estadual como regional; (ii) debilidade dos governos locais como formuladores de políticas públicas e interlocuto-res junto às agências governamentais estaduais/federais e às grandes corporações; (iii) ine-xistência de uma cultura político-institucional favorável ao planejamento estratégico (ou a uma visão estratégica regional e de longo prazo), a começar pela sintomática ausência (desde a década de 1980) de um arranjo institucional dedicado à formulação de um projeto de futuro para o aglomerado metropolitano e sua área de influência.

Partindo da premissa de que as pressões geradas pelos investimentos apontadas sobre a área de influência do Porto de Itaguaí deveriam ser antecipadas (ou condicio-nadas) por políticas públicas voltadas para a gestão desse território (sobretudo aquelas formuladas e operadas nos níveis local e regional), consideramos oportuno recapitular brevemente alguns planos e programas que, ao incidirem sobre a área de estudo desde a década de 1970, definiram como que uma trajetória da capacidade antecipatória (ou de indução) e de resposta do poder público face à evolução das forças presentes no território em questão.

Insistimos em dizer que, para efeito dos propósitos deste artigo, privilegiaremos o resgate de uma amostra dos instrumentos de política que tipificaram a gestão do espaço metropolitano e/ou da área de influência do Porto de Itaguaí ao longo do período. Com isso não pretendemos esgotar o assunto, mas apenas, como anunciado anteriormente, promover provocações para o debate mais aprofundado das questões aqui colocadas.

Década de 1970 (Modelo de Planejamento Centralizado)

Nessa década foram criados os arcabouços legais, institucionais e técnicos dedicados ao planejamento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e ao controle da poluição no estado. A existência de duas agências com essas missões – controle da poluição e planeja-mento metropolitano – resultou, na passagem para a década de 1980, na implementação de instrumentos tais como o Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras (SLAP), o Zoneamento Industrial Metropolitano e um número de Planos Diretores e Leis de Zo-neamento municipais. Sobretudo no que diz respeito à localização e controle ambiental das atividades industriais, havia em curso um processo de reflexão sobre cenários futuros para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Contudo, algumas ressalvas importantes se impõem, como no caso do zoneamento industrial metropolitano que, instituído legal-mente no início da década de 1980, nunca chegou a ser regulamentado e vige sem ter sido objeto de revisão, apesar de várias tentativas.

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Obviamente, essas condições não foram suficientes também para fazer frente ao modelo de planejamento centralizado, traço marcante de um regime autoritário ainda dominante. Por meio de processos decisórios altamente centralizados (sobretudo na esfera federal), esse modelo produzia propostas como as que resultaram na criação do Porto de Itaguaí (inaugurado em 1982) e da rodovia RJ-109 (cujo traçado coincide, em grande medida, com o projeto do Arco Metropolitano). São também da mesma época a criação dos Distritos Industriais presentes na área de influência do Porto de Itaguaí (tais como os de Santa Cruz, Nova Iguaçu e Queimados), a construção da BR-101 sul, a usina de Angra I, dentre outros. Esses projetos caracterizam políticas do tipo “em se plantando tudo dá”, que partem do pressuposto de que, dada uma contribuição inicial do Estado (no caso, projetos de infraestrutura) e desde que ele não imponha restrições ou condicionamentos muito pesados, as forças de mercado serão capazes de promover o desenvolvimento em benefício dos diferentes segmentos sociais, setores econômicos e escalas territoriais. No ca-so específico, apostava-se em um processo de industrialização da região com compensação para a perda da condição de capital federal pelo Rio de Janeiro.

Década de 1980 (Desmonte do Planejamento)

Essa década teve início sob a influência de três elementos que em parte concorriam entre si: (i) a herança de um conjunto de projetos estruturantes concebidos centralizada-mente; (ii) a tentativa de estabelecer um modelo de gestão ambiental e urbana calcada em agências operadas através do governo do estado (Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Fundrem) e Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA); (iii) a transição democrática que sinalizava, dentre outras coisas, com a realização de eleições diretas para governadores e prefeitos. Contudo, sob o ponto de vista da gestão pública da área de influência do Porto de Itaguaí, a década de 1980 pode ser qualificada como um grande vazio. Ou pior, como o período em que a região esteve sob influência de uma política de desmonte praticada no país em todas as esferas, da qual resultou a descontinuidade das funções públicas voltadas para o planeja-mento, inclusive no plano das metrópoles brasileiras. Não surpreendeu, portanto, o fato de o encerramento dessa década ter coincidido com a extinção da Fundrem, formalizado em 1989, mas que já se anunciava claramente desde meados da década.

Na segunda metade dos anos 1980, o Programa Nacional de Gerenciamento Cos-teiro (PNGC) poderia ter contribuído para minimizar esse vazio. Em alguma medida teria sido possível pensar-se que ele poderia se contrapor ao esvaziamento da instituição da re-gião metropolitana no caso do Rio de Janeiro. Instituído pela Lei 7.661/88, o PNGC tinha como objetivo estabelecer instrumentos – em especial o zoneamento econômico-ecológico da zona costeira – visando orientar o uso e ocupação da mesma, bem como promover um desenvolvimento formalmente declarado como “econômica e ambientalmente viável”. O PNPG estabelecia que a faixa terrestre da zona costeira abrangeria os municípios que compunham as regiões metropolitanas litorâneas, ou que abrigassem atividades ou infra-estruturas de grande impacto ambiental na zona costeira ou nos ecossistemas costeiros de alta relevância.

Sendo assim, a área de influência do Porto de Itaguaí estaria inserida nessa faixa e deveria ser objeto do Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro (ZEEC) e do Plano de Gestão da Zona Costeira (PGZC). Vale lembrar que a primeira versão da metodologia adotada pelo PNGC para o zoneamento costeiro tomou por base ensaio que teve como

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laboratório a baía de Sepetiba . Apesar de todos esses indicativos (e decorridos mais de 20 anos), nem o ZEEC nem o PGZC – que cumpririam respectivamente o papel de “balizador do processo de ordenamento territorial” e de promotor das “ações estratégicas e programá-ticas, articuladas e localizadas, elaboradas com a participação da sociedade” – passaram das intenções para os fatos. Salvo engano, nem em Sepetiba nem em qualquer outro trecho do litoral fluminense.

Década de 1990 (“Estado Mínimo” e Predomínio das “Forças de Mercado”)

Em relação a essa década também são três as referências a destacar. A primeira foi o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro elaborado na primeira metade da década e que esteve pautado por uma abordagem do planejamento urbano classificada, segundo Souza (2004), como mercadófila. No que diz respeito ao Porto de Itaguaí, o plano es-posava a concepção de 1970 ao afirmar ser “fundamental que se estabeleçam condições de transformá-lo no primeiro hubport do Hemisfério Sul”. O Plano Estratégico previa que “para que a região do entorno do porto possa desenvolver-se harmoniosamente, sua integração com os municípios vizinhos far-se-á segundo um Plano de Desenvolvimento Sustentável” (PCRJ, 1999, p.33-4). Contudo, não só falhou essa previsão como o Plano Estratégico se mostrou mais preocupado com a captura de novos investimentos produti-vos, para o que desde então se estabelecem como prioridades parâmetros como acessibili-dade, logística e mobilidade.

A segunda referência foi a já mencionada Lei de Modernização dos Portos (1993), que deu lugar à ampliação-modernização do Porto de Itaguaí, como parte da preparação para a sua posterior concessão à iniciativa privada. Contudo, tanto a lei como as intervenções no porto estavam alinhadas com o processo de inserção da economia brasileira nos fluxos de bens e serviços da economia mundial reorganizada. Esses novos elementos não tinham, portanto, como preocupação o planejamento do desenvolvimento local ou regional, ou o ordenamento e gestão territorial da sua área de influência. Assim, as críticas formuladas por autores como Cocco (2001), Monié (2006) e Gusmão (2007) a propósito dos empre-endimentos típicos da década de 1970 permaneceram válidas na década de 1990.

Finalmente, a terceira referência dessa década que selecionamos foi o Macroplano de Gestão e Saneamento Ambiental da Bacia da Baía de Sepetiba (1998), desenvolvido por for-ça de convênio entre a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), no âmbito do Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Esse instrumento, previsto no Plano Plurianual do Estado (1996-1999), integrava o Programa Estratégico do Complexo Portuário Industrial de Sepetiba. Ambos estavam articulados, na esfera federal, com o Plano Brasil em Ação.

O Macroplano objetivava a reversão do “quadro de degradação ambiental na região, como condição sine qua non para um processo de crescimento ordenado e de desenvol-vimento sustentado” (SEMADS, 1996, Vol. II, Cap. 9, p.91). Ele compreendia quatro subprogramas (gestão do ambiente, recuperação ambiental, recuperação sanitária e con-trole da poluição) e continha diretrizes específicas para temas tais como ordenamento e estruturação do espaço urbano, conservação do patrimônio natural, desenvolvimento sustentável e uso racional dos recursos da bacia da baía de Sepetiba. Dentre as diretrizes que propunha, cabe destacar a “necessidade de articular a rede viária no território da bacia através da implantação da rodovia RJ-109”, segundo a qual estaria assegurado “o perfeito escoamento de mercadorias a partir da área do Porto” na direção do núcleo metropolitano

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do Rio de Janeiro, assim como de São Paulo e de Minas Gerais, implicando na “geração de um novo vetor de ocupação e acarretando grandes transformações ao longo de seu tra-jeto”. Além disso, o Macroplano indicava a necessidade de “promover a revisão de limites e usos previstos nas ZUPI’s (Zonas de Uso Predominantemente Industrial) e ZEI’s (Zonas de Uso Exclusivamente Industrial), previstas no zoneamento industrial metropolitano de 1982, face ao contexto de desenvolvimento urbano atual, os conflitos de uso existentes e os impactos esperados para a região”.

Por último, chama atenção o conservadorismo das projeções de cenários contidas no Macroplano. Conforme assinalado por Gusmão (2007, p.8), já naquele período “a bacia de Sepetiba não poderia deixar de ser vista na perspectiva de sua inserção no contexto eco-nômico do país e do mundo do final do século passado. Esse pecado impossibilitou que se vislumbrassem cenários que, à época, já começavam a se mostrar prováveis, senão óbvios”. No relatório do Macroplano, a “projeção do comportamento dos segmentos industriais de interesse específico” desconsiderou o processo de abertura da economia brasileira, assim como a privatização da siderurgia, ou a concessão dos portos, rodovias e ferrovias, decisões que claramente iriam interferir no futuro da bacia. O estudo não analisou em detalhe os planos governamentais desenhados na década de 1970, muitos dos quais tinham grandes chances de serem retomados, como acabou ocorrendo. A partir dessa leitura mais atenta da conjuntura da segunda metade da década de 1990, teria sido possível construir um cenário tendencial que resultasse na proposição de diretrizes, ações e instrumentos mais adequados à construção de um cenário desejado.

Apesar dessa limitações, é preciso reconhecer que as propostas contidas no Macro-plano poderiam ser úteis se tivessem sido levadas adiante. Ainda que se possa questionar suas ênfases e tendências, é certo que esse foi o mais abrangente exercício de planejamento conduzido pelo estado dentro do período analisado. Contudo, passados mais de dez anos, tanto o Macroplano como o Programa Estratégico do Complexo Portuário Industrial de Sepetiba, ao qual estava formalmente vinculado, não produziram qualquer efeito prático. O maior obstáculo à execução desses instrumentos foram (e, em alguns nichos, conti-nuam sendo) a descontinuidade administrativa e a falta de prioridade atribuída ao tema do desenvolvimento territorial por parte dos gestores públicos.

Primeira Década do Novo Século (A Era do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC)

As iniciativas mais marcantes verificadas na década que se segue à virada do século corresponderam, basicamente, àquelas tomadas/conduzidas pelo setor produtivo e que acabam por formar a base do que ficou conhecido como o PAC. As mais relevantes já fo-ram indicadas nesse texto e compõem a agenda de investimentos a que já fizemos referên-cia. Nesse ambiente, as ações desenvolvidas pelos agentes públicos têm se resumido a duas linhas principais, a saber: (i) as intervenções que correspondem, grosso modo, a projetos de infraestrutura tais como dragagem dos portos, duplicação da BR-101 e implantação do Arco Metropolitano, projetos que não inovam, pois estão alinhados a intervenções datadas de 1970; (ii) as ações voltadas para a agilização de processos administrativos vinculados à concessão de licenças e financiamentos para a execução dos projetos produtivos.

Ainda que não possa ser referida como uma “política pública”, vale lembrar que já em 2006 (agosto) a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) lançava o Mapa do Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro, expressando a visão estratégica

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do setor industrial e recomendando “ações práticas, alinhadas sinergicamente...”. Nessa publicação, a Firjan combinava recomendações (sobre a necessidade de identificar po-tencialidades regionais, interiorização e arranjos produtivos locais) e propostas (em relação ao ambiente institucional e regulatório, assim como à infraestrutura, logística e financia-mento). Constava do Mapa um objetivo específico (6.2 – Melhorar a Infraestrutura de Transportes e Logística do Estado) prevendo a melhoria da acessibilidade aos portos e da infraestrutura rodoferroviária, como forma de superar barreiras à produtividade das ativi-dades industriais típicas do estado. Em contrapartida, eram tímidas (para dizer pouco) as menções a questões vinculadas ao desenvolvimento local-regional, ao ordenamento territorial e à gestão ambiental.

Também em 2006 (dezembro) foi divulgado o Plano Estratégico de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas dos Rios Guandu, da Guarda e Guandu-Mirim (PBH Guandu), contratado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e elaborado sob a coordenação do Comitê Gestor dessa bacia. Em favor do PBH Guandu pesa o seu caráter inovador, pois se trata de um instrumento de política produzido no âmbito de um processo de negocia-ção realizado por um fórum colegiado composto por representantes do setor público, dos usuários, da sociedade civil e da academia. Contudo, como seria de se esperar, a orientação geral do PBH Guandu (como já havia acontecido no caso do Macroplano em 1998) pri-vilegiou a temática da recuperação e conservação dos recursos hídricos, pouco avançando na direção de questões estratégicas sobre o desenvolvimento futuro e a gestão do território da bacia. Por outro lado, do ponto de vista espacial, pesa o fato de haver uma divergência entre a área física de competência legal do Comitê Gestor da bacia (a bacia hidrográfica dos rios sob sua tutela) e da bacia drenante à baía de Sepetiba (que é superior à primeira). De qualquer forma, fica limitada a possibilidade de esse instrumento vir a condicionar o desenvolvimento dos investimentos a que nos referimos, sobretudo porque eles já cor-respondem a decisões anteriormente tomadas, que se subordinarão, quando for o caso, a outras esferas de decisão superiores ao Comitê ou à Agência da bacia.

Também merece ser considerado o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Itaguaí (PDZ), elaborado em 2007 pela Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), autoridade portuária vinculada ao Ministério dos Transportes. Esse instrumento faz lem-brar três iniciativas da década de 1990. A Zona de Processamento de Exportações do Rio de Janeiro (ZPE-Rio), criada em 1994 por iniciativa do Ministério da Indústria e Comércio para ser instalada no município de Itaguaí, mas nunca efetivada; a Zona de Logística Indus-trial (ZLI), projeto contemporâneo à ZPE-Rio, que corresponderia a uma ZPE localizada na área primária do Porto de Itaguaí (então porto de Sepetiba); e o Centro Industrial Portuário de Sepetiba (CIPS), plano formulado pela extinta AD-Rio visando à integração de instalações portuárias com complexos industriais adjacentes.

Da mesma forma que outros planos gerados desde a década de 1970, as propostas do PDZ se apoiam em três premissas principais, a saber: (i) existência de “grande demanda” por áreas e instalações portuárias para atendimento às necessidades do comércio exterior do país; (ii) existência de uma “crescente movimentação de contêineres, produtos siderúr-gicos, minério de ferro e granéis líquidos” que tende a pressionar o porto demandando novas áreas e instalações; (iii) disponibilidade, por parte do Porto de Itaguaí, de áreas para implantação do conceito de porto-indústria, assim como atividades industriais rela-cionadas com a atividade portuária. Nessa linha, a partir da projeção de demandas para o horizonte de 2015, o PDZ conclui que o Porto de Itaguaí é o “único da Região Sudeste com profundidade adequada, amplas áreas de armazenagem e demais facilidades, com

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vocação natural para transbordo e concentração de cargas, adequado às atuais e futuras necessidades da frota de navios porta-contêineres” (CDRJ, p.59).

Na avaliação do mercado potencial para o Porto de Itaguaí, o PDZ tomou em consideração uma “área de influência que alcança o interior de São Paulo, os cerrados do Centro-Oeste, os Estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, assim como a faixa meridional do Espírito Santo que não é polarizada pelo complexo portuário de Vitória” (CDRJ, p.64). A partir das projeções realizadas, o estudo aponta para a possibilidade de atração de cargas com as quais ele hoje não opera, “notadamente para dois segmentos que pressionam por infraestrutura portuária: os granéis líquidos e cargas do complexo da soja”. Em resumo, esse plano também não se mostra sensível aos recursos, potenciais e limites que caracterizam a bacia drenante da baía de Sepetiba. Assim, a um só tempo, ele reproduz os objetivos projetados por outras políticas traçadas desde 1970 e se alinha com as propostas do PAC na bacia, não adicionando qualquer constrangimento associado a uma agenda de desenvolvimento local ou microrregional.

Por último, destacamos os programas de financiamento vinculados ao Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro (Fundes). Uma vez mais, sentimos a ausência de um projeto de desenvolvimento segundo o qual o agente financeiro (no caso a Investerio) opera os recursos disponíveis. Esses programas acabam assumindo o caráter de “genéricos” por favorecerem qualquer empreendimento, desde que satisfaçam requisitos gerais estabelecidos em cada caso. Considerando-se nosso objeto de análise (a área de influência do Porto de Itaguaí) os seguintes programas devem ser desta-cados: (i) “Pró Sepetiba”, de fomento à atividade econômica na região do Porto de Itaguaí, que pode apoiar a relocalização, expansão ou implantação de novos empreendimentos em sua área de influência, desde que se relacionem com as atividades portuárias; (ii) “Rio Portos”, de fomento ao comércio internacional de movimentação de cargas pelos portos e aeroportos do Estado do Rio de Janeiro; (iii) “Reporto-Rio”, que envolve a concessão de incentivo fiscal vinculado ao desenvolvimento, recuperação, expansão e modernização da atividade portuária no Estado do Rio de Janeiro; (iv) “Incentivos Fiscais na Área de Influência do Porto de Itaguaí” concedidos a projetos de implantação ou expansão de em-presas localizadas nos municípios de Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados, Seropédica, além dos Distritos Industriais de Campo Grande e Santa Cruz; (v) “Porto Seco – Estações Aduaneiras de Interior (EADI’s)”, que envolve a concessão de incentivos a indústrias que se instalarem nos portos secos do Estado do Rio de Janeiro.

Considerando-se a amostra dos instrumentos referentes a essa primeira década do sé-culo (PAC, PDZ do Porto de Itaguaí, PDRH Guandu e programas vinculados ao Fundes) verificamos que, à exceção do PDRH Guandu, os demais tendem numa direção muito semelhante à das outras propostas de políticas e intervenções referentes às outras décadas desde 1970. Contudo, isso não deve ser entendido como se estivéssemos dizendo que eles formem um conjunto coerente ou coordenado de políticas/instrumentos. Além disso, analisadas em relação ao eventual projeto de futuro que projetam para a região, é válido afirmar que tais políticas/instrumentos não têm conteúdos definidos e não contemplam a dimensão local/regional da bacia. Seguem sendo políticas/instrumentos a serviço de uma orientação do tipo “em se plantando tudo dá”. Não se percebe um modelo de desenvol-vimento, um projeto de futuro a ser construído.

Tomando em geral as políticas/instrumentos referentes às quatro décadas analisadas (1970-2010) evidencia-se um déficit de legitimidade. Efetivamente, apenas no caso do PBH Guandu as decisões/propostas se deram dentro de um processo contínuo e colegiado.

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Nos outros casos os agentes públicos envolvidos não fizeram outra coisa senão repercutir interesses e propostas colocadas pelo setor produtivo. Dos respectivos processos decisórios parecem ter participado apenas parte dos agentes com interesse na área de influência do porto e nos recursos ambientais que ela contém. Ao que tudo indica, a participação e peso dos governos municipais, assim como dos agentes sociais locais, foi periférica. Fato que, como consequência, deve ter condicionado a qualidade/fidelidade dos diagnósticos, resultando daí leituras parciais das tendências e potencialidades presentes nesse território.

Pelas mesmas razões, seria surpresa se o processo de elaboração desses planos/instru-mentos tivesse envolvido a análise de cenários alternativos e a negociação/estabelecimento de pactos quanto a prioridades, políticas, planos, regulações e intervenções. Nesse con-texto, ficaria difícil que preocupações com temáticas como desenvolvimento local-regional, ordenamento territorial e gestão ambiental pesassem na definição das ações/intervenções a serem levadas a cabo.

CONCLUSÃO: UMA AGENDA PARA A GESTÃO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO PORTO DE ITAGUAÍ

As evidências aqui trazidas apontam para o fato de que a zona costeira do Rio de Janeiro – em especial o aglomerado metropolitano e, particularmente, a bacia da baía de Sepetiba – encontra-se submetida a um conjunto de pressões que dará lugar a um intenso e acelerado processo de requalificação desse espaço, seja qual for o seu resultado em termos de desenvolvimento (ou não) local/regional. Por outro lado, também ficou evidente que esse processo não resulta de políticas públicas concebidas com tal propósito, pois o cenário que ora se constrói resulta de processos decisórios liderados por um pequeno número de grandes corporações.

Desse quadro derivam várias interrogações e poucas respostas. Dentre as perguntas (sem resposta, ainda) destacaríamos: se o Poder Público não foi o agente condutor da formulação/concretização desse projeto de futuro que começa a tomar forma, será que os instrumentos que ele opera serão capazes de, pelo menos, oferecer respostas às pressões e desafios que esse futuro trará? Tentando reunir elementos para responder a essa ques-tão fizemos uma retrospectiva seletiva das políticas públicas experimentadas na área de influência do Porto de Itaguaí ao longo das últimas quatro décadas. Os resultados não foram nada animadores. Efetivamente, o resultado da análise das políticas e instrumentos selecionados não nos oferece razões para estarmos otimistas em relação ao futuro que se desenha para a região. Ao que parece, não devemos esperar resultados diferentes se perma-necer vigendo o modelo de um Estado-facilitador que se limita a produzir (re)ações visan-do a superação de gargalos em apoio às intervenções lideradas pelo setor produtivo, como se coubesse às grandes corporações o papel de promotoras do desenvolvimento. Como se o desenvolvimento local/regional fosse uma consequência inevitável dessas iniciativas e que as oportunidades geradas se mostrassem acessíveis a todos os agentes presentes ou difusamente ligados à região.

Torna-se inevitável e obrigatório refletir sobre o papel do Estado e das políticas públicas, sobretudo na esfera dos governos locais e da governança metropolitana. Não que pareça o momento mais oportuno de analisar a capacidade desses agentes induzirem processos decisórios já tão “maduros”. Contudo, certamente temos de refletir sobre a capacidade de resposta desses agentes para lidar com situações ainda mais críticas tais

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como as que se referem ao controle do uso do solo e da expansão urbana, assim como ao provimento de uma extensa agenda de serviços básicos como transporte, água, esgoto, lixo, drenagem, educação, habitação, saúde etc. É forçoso perguntarmos se esses agentes – que se situam na linha de contato imediato entre as novas pressões emergentes e as velhas deficiências imobilizantes – serão capazes de agir estrategicamente, definindo de forma coordenada e cooperativa problemas e prioridades, onde estão e como são acessados os recursos necessários, como se faz para negociar interesses em conflito e coordenar esforços hoje tão dispersos.

Apesar (ou a propósito) das experiências já acumuladas, impõe-se a necessidade de definir formas de promover, a partir do convívio institucionalizado dos agentes públicos, produtivos e sociais, uma agenda comum que permita o estabelecimento de acordos sobre ações-intervenções visando ao desenvolvimento desse território.

Vale lembrar que a última leva de planos diretores municipais, aprovados na esteira do Estatuto da Cidade, mantém vícios antigos vinculados a uma cultura político-admi-nistrativa avessa à cooperação e coordenação, na qual predomina uma visão intramuros, localista, setorial e de curto prazo. Cada território municipal (seus recursos e problemas) é tratado como um caso diferente e isolado, desconsiderando-se a necessidade-oportunidade de projetar cenários futuros a partir de um foco estratégico que favoreça um diálogo mais generoso entre o local e o regional, assim como entre o curto e o médio/longo prazos.

Não há dúvida de que nos faltam respostas e sobram perguntas. Dentre elas a ques-tão central talvez seja como estabelecer as condições político-institucionais que favoreçam um clima de confiança que, por sua vez, possibilite a negociação entre atores que operam nessas diferentes escalas espaço-temporais.

RE FE RÊN CIAS BI BLI O GRÁ FI CAS

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Paulo Gusmão é professor adjunto do Departamento de Geografia da UFRJ, BA em Administração Pública (FGV Rio). MSC em Planejamento Urbano e Regional (COPPE/UFRJ), phD em Geografia (IGEO/UFRJ). E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em janeiro de 2011 e apro va do pa ra pu-bli ca ção em março de 2011.

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A b s t r a c t The purpose of this paper is to discuss the increasing influence of some corporations in the reorganization process of the Brazilian territory, emphasizing the role (up to this moment, secondary) of the public policies in this process. Focusing on this discussion, the coastal zone of the State of Rio de Janeiro is analyzed, more specifically the area under the influence of the Itaguaí harbor. Considering the new and unusual context of investments which takes place in the State of Rio de Janeiro, some elements that should take part of an agenda for the management of the space under influence of this important port are discussed.

K e y w o r d s Territorial development and planning; coastal zone; port cities and regions; public policy, corporations.

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“MUNDOS” DISTINTOS Conflitos Pela Apropriação do Litoral Nordestino do Brasil*

N o r m a L a c e r d a

R e s u m o Vários estudos têm mostrado que, desde a década de 1990, o litoral brasileiro, mais particularmente o nordestino, vem sendo urbanizado mediante grandes em-preendimentos (nacionais e estrangeiros) voltados ao turismo de lazer. Todavia, muitos deles não evidenciam que a apropriação do litoral vem se realizando por meio de conflitos de índole socioambiental e cultural, envolvendo “mundos” diferenciados – o mundo do mercado turístico (empreendedores e consumidores) e o mundo das populações nativas. O presente texto tem como objetivo chamar a atenção para a natureza social desse processo de ocupação, ressaltando que a questão da preservação dos recursos naturais e culturais, por extrapolar esses dois “mundos”, emerge como um princípio superior comum (uma convenção) que, por sua vez, respalda normas legais, diante das quais os agentes devem interpretar e ajustar suas ações.

P a l a v r a s - c h a v e Apropriação do litoral; turismo; conflito socioam-biental; teoria das convenções; desterritorialização; reterritorialização.

IN TRO DU ÇÃO

A partir da década de 1990, assiste-se no litoral brasileiro, mais particularmente no nordestino, a um processo de ocupação que vem se realizando sobretudo mediante grandes empreendimentos turísticos. Vários estudos têm realçado certas características desse processo, chamando a atenção para a associação entre o setor turístico e o imobiliário, assim como para a participação de capitais estrangeiros. No entanto, a maioria deles1 não costuma aprofundar os aspectos relativos à diversidade social e às contradições que o perpassam. O que se preten-de, no âmbito deste artigo, é trazer a discussão sobre o processo de ocupação do litoral bra-sileiro para o campo das relações sociais, porquanto o que está em jogo são as formas sociais de apropriação e uso dos recursos ambientais, reconhecidos pelas singularidades proporcio-nadas pela natureza (presença do mar, clima tropical, vegetação exuberante etc.). Em outras palavras, o que se almeja é debater sobre a ideia de que esse processo é de natureza social, na medida em que revela os valores econômicos dominantes e seus efeitos na destruição desses recursos e, por extensão, evidencia a degradação das condições de vida de parte da população. Isso significa, em última instância, apreender as conexões entre o social e o natural.

Para alcançar tal objetivo, o texto foi estruturado em três partes. A primeira apresenta considerações sobre uma das atuais características da rede urbana brasileira: a ocorrência de novas territorialidades, identificadas como localidades, situadas, em sua grande maioria, na faixa litorânea nordestina e dotadas de expressivo potencial de desenvolvimento de atividades voltadas para o turismo de lazer. Essa característica – apontada, em 1999, por estudo coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), como uma tendência iniciada na década de 1990 – foi-se confirmando e consolidando na primeira década do presente século.

1 Dentre os mais recentes trabalhos sobre o turismo no litoral do Nordeste do Brasil, destacam-se o de Leal, S. (2010) Inovações nos produ-tos da oferta imobiliária nas cidades brasileiras: os “eco-megaempreendimentos” na metrópole do Recife, e o de Ferreira, A. L. e Silva, A. F. C. (2010) Dinâmicas contem-porâneas de acumulação na produção do espaço metro-politano: o imobiliário e o tu-rístico no litoral do Nordeste brasileiro. Ambos objetivam compreender o recente pro-cesso de transformação do litoral nordestino, impulsio-nado pelas políticas públicas estatais, voltadas para o desenvolvimento do turismo na Região e articuladas com os investimentos privados, nacionais e estrangeiros. Ademais, mostram o volume de capitais recentemente mobilizados pelo setor tu-rístico que, inclusive, passou a associar-se ao imobiliário. No entanto, não se detêm, ou melhor, não se aprofun-dam nos aspectos relativos às contradições presentes na implantação desses in-vestimentos.

* O presente texto consti-tui um desdobramento das reflexões apresentadas na mesa-redonda intitulada A ur-banização do litoral: formas de apropriação do território, organizada pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), no âmbito da 62ª Reunião Anual da SBPC, realizada em julho de 2010, na cidade de Natal (RN).

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“ M U N D O S ” D I S T I N T O S

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Na segunda parte, aborda-se o quanto a configuração dessas novas territorialidades foi e, em alguns casos, continua sendo acompanhada por diversos conflitos de natureza ambiental e cultural entre os atores envolvidos. Evidentemente, se ocorreram conflitos, é porque os atores sociais envolvidos se apropriaram dos recursos ambientais e culturais, segundo formas bastante diferenciadas. De um lado, uma forma de apropriação capi-talista capitaneada pelos investidores do setor turístico (nacionais e estrangeiros) e, do outro, formas não capitalistas materializadas pelos habitantes das comunidades afetadas pelos impactos dos empreendimentos hoteleiros, que desestruturaram suas condições materiais de existência, territorialmente referenciadas. As formas são diferenciadas, como decorrência de “mundos” distintos (capitalista e não capitalista) e valores diametralmente opostos, gerando conflitos sociais. Não se trata, porém, de questão relativa apenas a esses dois “mundos”, como se estivesse resumida a uma luta de classes. Afinal, tratando-se da apropriação da natureza, ela os extrapola largamente. Assim, para que sejam legítimas, as relações entre os agentes devem ser mediatizadas pela ideia de bem comum.

Na terceira parte, são discutidas as lutas sociais contra a privatização do uso do meio ambiente litorâneo e, por isso mesmo, em prol da continuidade, de modos alternativos de apropriação da base material pelas comunidades litorâneas. Evidencia-se que elas se desenvolvem em um contexto de expansão do interesse pelas questões ambientais e, assim, reforçam a necessidade de negociações, traduzidas, na última década, nos avanços dos marcos regulatórios. Para entender esses avanços, recorre-se à Teoria das Convenções, cujo mérito é deslocar a discussão da identificação dos interesses em jogo para a justificação da ação, em termos de valores. Isso leva a pensar que, em qualquer sistema de valores relacionados a “mundos” diferenciados, deve existir um princípio superior comum a tais mundos, de modo a possibilitar a negociação, ou seja, um compromisso entre os atores sociais. No caso da apropriação de recursos ambientais, um princípio vem-se impondo crescentemente: a preservação dos recursos naturais, históricos e culturais. Mas, como se verá, a adesão a esse princípio não se reflete em práticas de modo automático. E tudo indica que os avanços vêm ocorrendo à conta de constrangimentos éticos e morais, impedindo que atitudes ambiental e culturalmente incorretas sejam socialmente reconhecidas e validadas como legítimas.

FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DAS NOVAS TERRITORIALIDADES

A globalização, como se sabe, concretizou-se por meio da redução das barreiras ter-ritoriais, permitindo explorar mais livremente as diferenças espaciais. Isso não representa perda da significação do espaço. Muito pelo contrário: o aumento da competição, em condições de crise, induz as empresas a darem grande importância às vantagens locacio-nais. Harvey (1989) registrou a existência de uma sensibilidade, por parte das empresas, às qualidades espacialmente diferenciadas, que compõem a geografia do mundo. Assim, espaços dotados de atributos específicos tornam-se trunfos na competição entre localida-des, cidades e regiões.

No que se refere particularmente ao Nordeste brasileiro, sua rede urbana tem como característica mais evidente a grande concentração no eixo litorâneo, resultado da ocupa-ção secular atrelada às relações comerciais com o exterior. Essa característica, sobretudo a partir da década de 1990, vem sendo reforçada por meio das novas territorialidades, confi-

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N O R M A L A C E R D A

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guradas por localidades que despontaram à conta do grande potencial de desenvolvimento de atividades voltadas para o turismo de lazer. Ocorre que, em especial na presente década, essa modalidade de turismo não se resume à implantação de grandes complexos hoteleiros. Compreende também investimentos voltados para a segunda residência de brasileiros e estrangeiros de alto poder aquisitivo (resorts e flats), conformando um novo segmento do mercado imobiliário, no qual é significativa a presença do capital internacional. Quer se abriguem em hotéis, quer em segunda residência, os usuários desses empreendimentos têm estadia passageira, o que autoriza considerá-los como turistas.

Um dos agentes sociais na vanguarda da globalização, o turista brasileiro ou estran-geiro, tem praticamente uma face indistinta e um comportamento padronizado: exige bons hotéis, aeroportos modernos, limpeza e segurança. Mas, além disso, corre atrás do específico, do caráter local. Nesse sentido, as praias, o artesanato e a cultura do Nordeste brasileiro constituem um importante recurso econômico, que passou a ser profissional-mente explorado.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1998), com o propósito de caracterizar a vida contemporânea, recorre à metáfora dos turistas e vagabundos. É que, por um lado, os turistas têm a liberdade de escolher onde e com que parte do mundo “interfacear” e de quando desligar a conexão. “Ligar e desligar não deixa no mundo qualquer marca dura-doura: na verdade, graças à facilidade com que as chaves funcionam, o mundo (como o turista o conhece) parece infinitamente flexível, dócil e esboroável” (p.115). Como bem ressalta Bauman, a liberdade de escolha é, na sociedade moderna, o mais essencial dos fatores de estratificação social. Por outro lado, os vagabundos vão para a “estrada” quando “perdem a paciência e se recusam a tolerar a sua presença (dos turistas) estranha” (p.118).

Não admira que, diante de uma sociedade ávida por mobilidade, sôfrega por sensa-ções mais intensas do que as vivenciadas no cotidiano, o desejo de abandonar o dia-a-dia seja capitalizado pelo setor turístico, oferecendo “bolhas” ensolaradas, no interior das quais os turistas se sentem seguros, não importando o que esteja acontecendo lá fora, no lugar dos vagabundos. Essas “bolhas”, que nada mais são do que objetos-símbolos do “moderno” – na terminologia de Ribeiro (2010) –, apresentam características de enclave, destruindo o espaço herdado. Segundo essa autora,

os enclaves transcendem os muros e os mecanismos de segurança, ao modificarem o valor e a destinação de suas áreas de influência imediata, e criam tentáculos que, por serem sistêmicos, transformam o cotidiano e a materialização das hierarquias sociais. Esses objetos-enclaves obedecem a impulsos de totalização e, por esse motivo, não geram apenas fragmentação espacial e exclusão social. Se assim fosse, não surgiriam como eficientes âncoras de impulsos globais, nem, tampouco, como exemplos reproduzidos ao longo da rede urbana. Os seus extensores, altamente eficientes, são materiais, ideológicos e informacionais. Esses extensores, articulados aos monumentos (ícones) da última modernidade, projetam uma ordem rigo-rosamente monitorada, que modela a atualização estratégica da vida urbana (2010, p.42).

Se, pois, os empresários investem no setor turístico, é para responder a um impera-tivo social do mundo contemporâneo. Investidores e turistas participam de um mesmo processo: a apropriação de lucros e, também, de sobrelucros decorrentes das singulari-dades locais, pelos primeiros, e a realização das aspirações sociais, no caso dos segundos. As responsabilidades, em termos de formas de apropriação do território – formas que, muitas vezes, se traduzem em impactos ambientais e culturais negativos –, cabem tanto

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aos empreendedores quanto aos turistas. Nesse caso, os empreendedores não podem ser tratados como os únicos vilões da apropriação do litoral, como o têm sido, até o presente. Isso equivaleria a desconhecer o funcionamento do setor turístico, parcela da construção social derivada do comportamento dos seus agentes.

Os consumidores (os turistas) são a própria razão de ser de tal setor econômico e, por-tanto, um dos componentes que não se deve negligenciar. Se, na atualidade, o consumo das belas praias, objetos artesanais e danças exóticas é a medida da sua felicidade e se, em última instância, eles criam as condições de alavancagem do setor turístico, pode-se inferir que eles são cúmplices dos empreendedores, e vice-versa. Afinal, não existe oferta sem demanda; elas são coniventes, compartes, companheiras. Logo, entre empreendedores e turistas não há vencedores nem vencidos. Vencidos são os vagabundos, as populações locais, desterri-torializadas, desapropriadas, “saqueadas”, obrigadas a se tornarem mão de obra barata das empresas turísticas ou a irem para a “estrada” em busca de novas formas de sobrevivência.

Ao tecer comentários sobre o fordismo, Acselrad (2004, p.23) ressalta que os países centrais conseguiram integrar a economia e os territórios, distribuir renda e abrir algum espaço de participação democrática, ao passo que, no Brasil, o capitalismo associado integrou o território, expulsando do campo excedentes populacionais que se tornaram legiões de pobreza em movimento. Segundo esse autor, “a ‘despossessão ambiental’ dessas populações – despojadas de qualquer ambiente de referência – é a figura emblemática do padrão de desenvolvimento brasileiro”, fenômeno que, guardando suas peculiaridades, se reproduz no litoral nordestino.

Para a concretização das “despossessões” muito contribuíram as ações governamen-tais direcionadas à implantação de infraestruturas, particularmente as viárias (Ibid., 2004). Desde a década de 1970, as vias de transporte têm sido o “carro-chefe” do alargamento das fronteiras agrícolas e, por extensão, do processo de expulsão do homem do campo. Para a ocupação da área costeira nordestina, a implantação da infraestrutura viária – viabilizada, desde a década de 1990, pelo Programa de Desenvolvimento do Turismo para a Região Nordeste (Prodetur/NE 1 e 2) – tem sido um forte impulsionador do setor turístico. Essa infraestrutura não foi idealizada para solucionar os problemas das populações locais. Se assim fosse, teria incorporado o ensinamento de André Rebouças (1838-1898), qual seja: “todo empreendimento viário deve começar por ser um empreendimento territorial, a solução do problema viário devendo começar com o problema da terra” (apud Acselrad, 2004, p.38). Sendo assim, além dos empreendedores e dos turistas, há outro ator, o Estado, também responsável por processos de desterritorialização de comunidades por meio, sobretudo, de empreendimentos viários, não precedidos de estudos identificadores da diversidade sociocultural dos territórios por ele atravessado. Com base nesses estudos, poderiam ter sido propostos mecanismos capazes de evitar a substituição da referida di-versidade pela relação capitalista dominante.

Como era de se esperar, o resultado desses investimentos materializou-se nas res-postas altamente “positivas” do setor turístico. A partir das ações do Prodetur, grandes complexos hoteleiros foram implantados, conferindo, ao longo do litoral nordestino, um grande dinamismo econômico, particularmente nas seguintes áreas:• noLitoralSuldaBahia,maisespecificamenteemSantaCruzCabrália,Prado,Alcoba-

ça, Caravelas, Nova Viçosa e Mucuri, que integram a dinâmica do turismo comandada por Porto Seguro e, partindo de Ilhéus na direção Norte, até Valença, nas praias de Itacaré e baía de Camamú, bem como no Litoral Norte de Ilhéus, Olivença e Ilha de Comandatuba;

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• noLitoralNortebaiano,partindodeSalvadoratéafronteiracomoEstadodeSergipe,pela rodovia batizada de “Linha Verde”, onde funcionam grandes empreendimentos hoteleiros, despontam diversas praias como Imbassay, Praia do Forte e Conde;

• noLitoralSuldePernambuco,destacam-seSuape,GaibuePortodeGalinhas–estaúltima caracterizada como a de maior dinamismo no Estado – e, mais recentemente, Guadalupe, Tamandaré e Carneiros;

• noLitoraldoRioGrandedoNorte, especialmentenodaRegiãoMetropolitanadeNatal, observa-se um significativo impulso nas atividades turísticas;

• noLitoraldoEstadodoCearádestacam-seprojetoshoteleirosdegrandeporte,princi-palmente nos municípios de Aracati, Beberibe, Cascavel, Aquiraz e Caucaia.

Os polos integrantes do Prodetur/NE 1 (1996-2002), concentradores dos investi-mentos em infraestrutura turística, constam da Figura 1. Ferreira e Silva (2010) mostram que os polos da Bahia e do Ceará foram os mais bem contemplados, à conta da extensão dos seus respectivos litorais: juntos, esses dois Estados representam 50% do litoral do Nordeste. Considerando toda a faixa costeira dessa Região, os componentes privilegiados nessa fase do Programa relacionaram-se à implantação de sistema viário, redes de esgoto e aeroportos, mobilizando 84,25% do total dos recursos. Em 2001, os recursos já haviam viabilizado 877 km de vias asfaltadas. Cabe evidenciar a participação ínfima do compo-nente “proteção ambiental”: 3,24%.

Figura 1 – Nordeste: Polos turísticos trabalhados pelo Prodetur/NE – 1 e 2.

Fonte: BNB (2005).Nota: adaptado a partir de Dantas (2006, p.25), apud Ferreira, A. L. e Silva, A. C., 2010.

A forte dinâmica do setor turístico deveu-se, em grande parte, à articulação com o Estado, mas também à associação com o capital imobiliário, conformando o setor turístico-imobiliário que, em suas linhas centrais, constitui, segundo Leal (2010, p.327), uma derivação de fração do capital imobiliário. Tal associação foi possível devido a “um ema-

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ranhado de redes de agentes econômicos globais que se imiscuem nos circuitos financeiros dos mercados locais oligopolizados...”, viabilizando complexos turísticos e residenciais de alto padrão.

Grosso modo, pode-se afirmar que a recente dinâmica de conformação da rede urbana do Nordeste vem reforçando ainda mais uma das suas singularidades, a litoralização. Com efeito, até a década de 1980, salientava-se a forte presença de cidades no litoral, a maioria delas surgida no período colonial, e a aceleração de processos de loteamento, destinados a segunda residência, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980. A partir da década de 1990, a litoralização vem adquirindo maior vigor com as novas territorialidades.2 Ferreira e Silva (2010) conjecturaram, inclusive, que no caso das metrópoles nordestinas se estaria diante de “uma metropolização pelo turismo, isto é, da expansão da mancha urbana sobre terri-tórios até então inexpressivos” (Ibid., p.278).

Acontece que muitos dos processos de desenvolvimento turístico na faixa litorânea – como aqui registrado – foram e, em certa medida, continuam sendo acompanhados de conflitos de natureza ambiental e cultural. Com o objetivo de chegar a uma ideia sobre a natureza desses conflitos, serão feitas a seguir considerações sobre as suas origens e, mais particularmente, sobre os “mundos” diferenciados dos atores neles envolvidos.

CONFLITOS PELA APROPRIAÇÃO E USO DO TERRITÓRIO LITORÂNEO

O turismo é uma das mais novas modalidades do processo de acumulação de capital, respondendo por novas configurações geográficas, em que os valores locais se tornam per-meáveis e dificilmente se mantêm. Não sem razão, Featherstone (1997, p.44) admite que “em todo lugar, tudo é o mesmo que em todos os outros lugares”, chamando a atenção para a redução ou, até mesmo, a eliminação do “senso de lugar”. Se isso acontece, é porque o turismo pode desterritorializar,3 ao reterritorializar. Em outras palavras, ele pode mate-rializar o espaço de forma contraditória, na medida em que envolve atores sociais situados em “mundos” diferenciados, ou seja, portadores de valores distintos: os “mundos” das comunidades e o “mundo” da indústria e dos serviços turísticos.

Esse setor econômico é considerado por muitos como capaz, ao mesmo tempo, de impulsionar o desenvolvimento local e preservar os lugares e o meio ambiente. Sem dúvida, ele cria oportunidades de geração de emprego e renda. Mas, em geral, massifica a cultura e agride o meio ambiente. Daí Corelano (2006, p.372) afirmar que o turismo não desenvolveu as regiões pobres, não distribuiu a riqueza do país, não consolidou territórios, apenas organizou outros.

Trata-se, portanto, de uma atividade que traz em seu bojo um grande potencial em ter-mos de contradição, provocando usos intensivos e, dessa forma, produzindo raridade. Carlos (1999) chama a atenção para o fato de a raridade ocorrer não apenas em termos produtivos, ou seja, de locais propícios às atividades turísticas, mas também em termos sociais, porquanto essas atividades concorrem com os locais de moradia e sobrevivência de parte importante da população. É o fenômeno que Henri Lefebvre (2008) denominou emergência de novas rari-dades: o que era abundante se torna raro. Há muito, esse pensador alertava:

Muito estranhamente, o direito à natureza (ao campo e à natureza pura) entrou para a prática social há alguns anos em favor dos lazeres.[...], estranho percurso, dizemos: a natureza entra

2 É oportuno ressaltar que algumas dessas novas terri-torialidades vêm significan-do, também, uma interio-rização, como o caso da Chapada Diamantina, decor-rente do turismo ecológico.

3 Sobre processos de desterritorialização, é opor-tuno registrar que, durante o fechamento deste texto, ocorreu a ocupação dos ter-ritórios do narcotráfico, no Rio de Janeiro. Na edição do Jornal Nacional (TV Glo-bo) do dia 29 de novembro de 2010, o comandante da operação afirmou que, para vencer a batalha não era su-ficiente confiscar as armas e as drogas, mas privar os traficantes dos seus terri-tórios. Essa era, segundo ele, a única forma de, efe-tivamente, desestruturá-los. Significa isso que – para o bem ou para o mal – a des-territorialização tem o poder de aniquilar a comunidade, qualquer que seja ela.

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para o valor de troca e para a mercadoria; é comprada e vendida. [...] Os urbanos transportam o urbano consigo, ainda que não carreguem urbanidade! Por eles colonizado, o campo perde as qualidades, propriedades e encantos da vida camponesa. O urbano assola o campo; este campo urbanizado se opõe a uma ruralidade sem posses, caso extremo da grande miséria do habitante, do habitat, do habitar (2008, p.117).

É o que aconteceu com o litoral nordestino. A população nativa – mesmo antes da entrada do Brasil no processo de globalização – vem disputando-o, desde a década de 1970, com os loteadores, cujos produtos eram destinados à segunda residência. Os antigos pescadores passaram a formar pequenas vilas destituídas de infraestrutura básica e serviços urbanos, ou a residir na periferia de núcleos urbanos próximos, também desprovidos desse tipo de infraestrutura e serviços. Daí o aumento populacional desses núcleos urbanos. Desde então, dedicaram-se ao comércio, na maioria das vezes informal. O seu cotidiano foi, portanto, destruído e, com ele, as suas tradições. É nesse sentido que Corelano (2006) fala de desterritorialização/reterritorialização.

Os loteamentos significaram uma acumulação extensiva, termos utilizados por Acsel-rad (2004, p.6) para designar os processos que ocorrem no campo relativos à disseminação de monoculturas, graças ao padrão tecnológico dominante, ocasionando a homogenei-zação dos conteúdos biofísicos do território e a destruição de formas não-capitalistas de apropriação do meio ambiente. No caso dos loteamentos, essa acumulação extensiva revestiu-se de uma particularidade, assumindo a forma de uma acumulação rentista, isto é, fundamentada na apropriação de rendas fundiárias, mas com as mesmas consequências no que se refere à desterritorialização de comunidades e à desestabilização dos sistemas ecológicos dos espaços ocupados. Afinal, muitos deles significaram aterros e assoreamento das águas, o que colocou em risco espécies animais e vegetais dos mangues. É oportuno lembrar que, até a década de 1960, o litoral nordestino era povoado de casas de taipa, cobertas com palhas de coqueiro e, na beira-mar, os caiçaras compunham as paisagens. Ali os pescadores remendavam as redes de pesca e reparavam as canoas. Essas paisagens praticamente desapareceram. Não se conseguiu transmiti-las às futuras gerações. Grande parte das comunidades não resistiu.

Felizmente existem contraexemplos, embora pontuais, como é o caso da Prainha do Canto Verde, situada no litoral cearense, onde permanece uma comunidade de pescado-res formada desde 1850, segundo relatos orais. Há trinta anos, a comunidade ganhou na Justiça, em última instância, ou seja, no Supremo Tribunal Federal, o reconhecimento do direito sobre a terra contra uma imobiliária que afirmava ser a proprietária. Não houve negociações: prevaleceria o “mundo” do loteador, mobilizado pela perspectiva de apro-priação de ganhos fundiários, ou o “mundo” da Prainha do Canto Verde. A lei – como, aliás, se espera – se impôs. Para sobreviverem, os habitantes aliaram à pesca o turismo co-munitário, gestado pelo próprio grupo social, que estabeleceu as regras de funcionamento, como a proibição de venda de terras a terceiros, ou seja, a pessoas não integrantes da comunidade. Em meados de 2009 (05.06.09), a área foi considerada Reserva Extrativista (Resex). Quanto mais os habitantes preservam o lugar, mais o reforçam. Trata-se, pois, de uma comunidade de pessoas cujo comportamento se fundamenta em um patrimônio de valores e normas, que atuam como seiva vivificante, porquanto ainda não corrompidos.

O turismo comunitário da Prainha do Canto Verde, cujo início remonta a 1998, tem servido de exemplo para outras localidades. Hoje, reúne 12 comunidades, formando a Rede Cearense de Turismo Comunitário (Tucum). Em Berlim, recebeu o Prêmio To Do.

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A base desse tipo de turismo é a preservação da natureza e dos saberes tradicionais, como a pesca feita com jangada.

Antes mesmo de a Resex da Prainha do Canto Verde completar um ano, o mesmo empresário – agora com a pretensão de investir no setor turístico hoteleiro – passou a reclamar a propriedade de mais da metade das terras da comunidade, tentando, inclusive, anular a criação da Reserva, desqualificando todo o trabalho baseado no que estabelece a legislação ambiental em vigor. De fato, essa legislação reconhece os comunitários como sujeitos de direitos, e garante a eles a posse coletiva do seu território, questão aprofundada no próximo item, em que serão analisados os avanços da legislação ambiental.

Se até a década de 1980 a disputa era entre loteadores que se dedicavam à pesca, a partir dos anos 1990, passou a ser entre comunidades e grandes empresas turísticas. Isso vem significando a destruição de comunidades tradicionais, expropriadas e relocadas para outras áreas, a fim de darem lugar aos empreendimentos. As tensões sociais revigoraram--se ainda mais, induzindo os atores locais a se organizarem, com o propósito de assegurar a manutenção das singularidades próprias dos lugares. Considere-se, por exemplo, o caso do Projeto Costa do Sauípe, principal investimento da indústria do turismo na Bahia, que envolve uma área de 1.755 ha, em Área de Preservação Ambiental – APA do Litoral Norte do Estado, criada em 1992. A Linha Verde, empreendimento viário concluído em 1993, tornou possível o acesso a tal APA, relativamente preservada no que se refere aos recursos naturais e culturais. Esse caso deu origem a um estudo que identificou três tipos de conflitos ambientais e culturais (Andrade et al., 2003) apresentados a seguir.

O primeiro diz respeito às obras para o lançamento dos efluentes líquidos tratados produzidos pelo Complexo Turístico, mas lançados no estuário do Rio Sauípe. As obras, que incluíam aterros, representaram graves problemas ambientais, colocando em risco espécies animais e vegetais dos mangues e, assim, comprometendo o ecossistema. Isso provocou a proposição pelo Ministério Público do Estado da Bahia de uma Ação Civil Pública Ambiental contra as empresas turísticas e a Empresa Baiana de Águas e Esgotos.

O segundo tipo de conflito refere-se ao acesso da comunidade de Porto de Sauípe, tradicional vila de pescadores, às praias e aos manguesais de Barra do Sauípe – à conta da privatização, por parte de empresas turísticas, de uma área de restinga considerada de preservação permanente (APP) pelo Código Florestal Brasileiro – para a instalação de equipamentos turísticos. A importância dessa área para a comunidade deve-se ao fato de ela permitir não apenas o comércio turístico, mas também as atividades de pesca e maricagem. A comunidade organizada passou a denunciar na imprensa e a articular-se com a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e o Centro de Recursos Ambientais, com o objetivo de evidenciar que os propósitos das empresas contrariavam a lógica da preservação ambiental. Ela conseguiu que a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) excluísse a mencionada área do aforamento. Em 1999, a Prefeitura de Entre Rios, respaldada na Lei de Gerenciamento Costeiro, concedeu alvarás de funcionamento aos barraqueiros, enquanto aguardava o desfecho jurídico final por parte da Advocacia Geral da União (AGU).

O terceiro exemplo concerne ao acesso das populações locais da área de influência do Projeto Costa do Sauípe às reservas naturais da Mata Atlântica. Essas populações so-brevivem por meio da comercialização informal de produtos advindos da coleta de frutas e, sobretudo, do artesanato de palhas de piaçava. A privatização dessas reservas naturais ameaçava desestruturar as comunidades e os saberes ali construídos ao longo de anos. A Associação de Artesãos de Porto de Sauípe lutou pelo livre acesso a essas reservas.

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Diante de tantos conflitos, instituiu-se, em 2003, o Programa Birimbau que, se-gundo Andrade et al. (s/d), expressa um conjunto de ações cooperativas com o intuito de incluir os atores sociais locais impactados pelos empreendimentos. Não se trata, porém, de um instrumento de responsabilidade socioambiental voluntário, senão do efetivo cum-primento da Licença Ambiental de Operação da Costa do Sauípe. De qualquer forma, significou o início de um processo de construção de laços de cooperação entre os atores “modernos” e os “tradicionais”.

Esses três tipos de conflitos socioambientais e culturais possivelmente estiveram presentes na implantação de muitos outros projetos turísticos do litoral nordestino. Seria importante uma pesquisa junto ao Ministério Público (MP) de cada Estado para se chegar a uma ideia da magnitude desses conflitos bem como da sua evolução. Esses embates en-volvem a apropriação e o uso do território por brasileiros, mas também por estrangeiros. Não deixa de ser um novo tipo de colonização, empreendido 500 anos depois, com as mesmas práticas no que se refere à destruição e ao aniquilamento de marcos socioculturais preexistentes.

Em sua essência, o que está em jogo é, de um lado, o espaço do cidadão local (o valor de uso) e, de outro, o espaço elitizado dos turistas (valor de troca). Mas, como se trata da apropriação e do uso de um mesmo espaço, as contradições são inevitáveis. Daí, a necessidade de uma abordagem das lógicas de ação dos atores sociais, capaz de desvendar seus respectivos “mundos”, ou seja, seus respectivos valores e, mais ainda, identificar a existência de um princípio superior comum a “mundos” diferentes, o que não significa a ausência de luta política, para que ele prevaleça. É a internalização desse princípio que vem dando lugar a negociações em torno de legislações específicas de ordenamento espacial do litoral brasileiro.

UM PRINCÍPIO SUPERIOR COMUM: A PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS, HISTÓRICOS E CULTURAIS

A Teoria das Convenções4 oferece elementos para a compreensão dos conflitos pre-sentes no processo de urbanização do litoral brasileiro, tanto quanto para o entendimento de como tem sido possível avançar em termos de legislações específicas. Com efeito, essa teoria ressalta a necessidade de identificar os valores que caracterizam diferentes “mun-dos”, aos quais pertencem os atores sociais, com vista à negociação dos conflitos e à pro-dução de regras. Segundo os convencionalistas, para que ocorra uma coordenação das ações ou um acordo, é preciso que sejam estabelecidas convenções.

Sobre a coordenação das ações dos indivíduos, os sociólogos franceses Luc Boltanski e Laurent Thévenot (1991), no livro De la justification – les économies de la grandeur, chamam a atenção para os problemas que pesam sobre ela, insistindo na pluralidade de interpretações, o que, por sua vez, supõe uma pluralidade de modelos de avaliação, isto é, de mundos comuns possíveis.5 A forma de julgamento variará e, com ela, a forma de ajustamento da ação.

Para esses autores, quando um indivíduo se coordena com outro, ele se engaja, sob a condição de que as reações do outro sejam previsíveis. Tais reações repousam sobre princípios compartilhados de julgamento, suficientemente gerais, denominados princípios superiores comuns. Eles remetem a modelos de avaliação ou de julgamento que, por seu

4 Foi a partir da iniciativa de editorialistas da Revue Économique publicarem um número especial (1989) sobre esse tipo de regra de comportamento, que se começou a delinear a Teoria das Convenções ou Econo-mia das Convenções (Bien-court et al., 2001, p.194). Essa Teoria não se insere em um campo disciplinar específico, mas conforma um espaço de encontro de pesquisadores oriundos de diversas áreas das ciências sociais (economia, sociolo-gia, antropologia, psicologia social e filosofia, dentre outras). Paulatinamente, vem sendo construído um programa de pesquisas em economia, incorporando aportes das demais ciências sociais. O objetivo era, e continua sendo, “estudar a integração de atos em uma ordem, um equilíbrio, uma coordenação” (Thévenot, 2006, p.55). Para tanto, a noção de convenção foi mo-bilizada, tornando-se o ponto nodal da Teoria das Conven-ções. Autores participantes desse número: J. P. Dupuy, F. Eymard-Duvernay, O. Fa-vereau, A. Orléan, R. Salais e L. Thévenot. Disponível em <http://www.persee.fr>.

5 Esses autores inspiram--se na filosofia política e na sociologia. Consideram que “o vai e vem entre as cons-truções clássicas da filosofia política e as justificações operadas pelos atores em situação de disputa permi-tem construir um laço estrei-to entre a filosofia política e a sociologia” (Ibid., p.28). Eles mobilizam, também, a noção de interpretação ou julgamento.

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turno, permitem assinalar um valor – uma grandeza –, termo utilizado pelos citados autores. Um princípio diz respeito a um mundo comum, a partir do qual os indivíduos apreciam o curso da ação, considerando o coletivo, a qualidade das pessoas e das coisas, para que possam selar um acordo. Nesse sentido, ele constitui registros de argumentação e de justificação, mobilizados pelos agentes durante a ação, razão por que Boltanski e Thé-venot (1991) empregam o termo cité. Eles identificaram seis tipos de princípios superiores comuns, que regem as cités, ou seja, os mundos diferenciados, mas entre si articulados: o mercantil (concorrência, interesses particulares), o industrial (eficácia, performance), o cívico (vontade geral, ação coletiva), o doméstico (proximidade, vizinhança, tradição), o de renome (prestígio e reconhecimento de opinião) e o de inspiração (projeção, brilho). Mas, se as diferentes pessoas pertencem a diferentes mundos ou se estes correspondem a grupos diferentes, as pessoas seriam indiferentes umas às outras e, assim, não conseguiriam jamais entrar em acordo sobre um princípio superior comum, e cada embate se tornaria uma disputa sem saída. Dessa forma, é preciso renunciar a associar os mundos a pessoas e focar nos objetos que qualificam as diferentes situações (Ibid., p.266). O objeto, no caso em pauta, são as formas de apropriação e uso do litoral nordestino, ou melhor, as suas consequências, em termos de degradação do meio ambiente e de desestruturação/desterri-torialização de comunidades nativas. É diante desse objeto que os “mundos” diferenciados devem entrar em acordo ou conflito.

Aí se situa o cerne da contribuição desses dois sociólogos. Eles elaboraram uma Teo-ria do acordo e do desacordo, que não é simplesmente uma teoria dos argumentos confron-tados a princípios, mas uma teoria capaz de dar conta do enfrentamento, considerando as circunstâncias, a realidade, as formas de engajamento dos seres humanos e, sobretudo, dos objetos concernentes à ação. Mais ainda, eles têm se ocupado de “casos onde a busca de um acordo conduz as pessoas a se elevarem acima das contingências, levando em conta as circunstâncias [...]. E, dessa forma, a questão do justo, da justiça ou da justeza da situação pode, então, ser colocada” (Boltanski e Thévenot, 1991, p.163).

Para compreender essa questão, é necessário, como defendem os mencionados au-tores, recorrer à filosofia política, única forma de se evidenciar a referência recorrente a uma comum humanidade, ou seja, a um bem comum. Em outras palavras, é imperativo um exame mais atento, capaz de levar a distinguir uma forma de grandeza, inspirada, permitindo associar os atores em um acordo válido para todos. Daí a necessidade de com-preensão de uma teoria da justiça que dê conta da diversidade das maneiras de especificar o bem comum.

No que se refere aos conflitos socioambientais e culturais, um princípio superior comum vem sendo crescentemente internalizado nas negociações em torno dos conteú-dos das legislações: a preservação dos recursos naturais, históricos e culturais. A base desse princípio é a necessidade de processos de desenvolvimento sustentáveis, entendidos como a “conciliação do atendimento das necessidades humanas com os condicionantes ambien-tais, mediante atitudes culturais corretas”. Essa definição, pouco divulgada, foi extraída do Relatório Final do Primeiro Plano de Saneamento Ambiental do Grande Recife (I SAGRE, 1975) e tem o mérito de ressaltar:a) as necessidades humanas a serem atendidas;b) os condicionantes ambientais a serem respeitados (porquanto fonte do atendimento

das demandas dos homens);c) as atitudes culturais corretas a serem adotadas (enquanto formas técnica e eticamente

capazes de assegurar a conciliação de Homem e Natureza).

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A importância de tal acepção de desenvolvimento sustentável reside em colocar em evidência os valores éticos ou do bem moral que, em última instância, devem guiar o com-portamento de todos os homens. São, portanto, universais, na sua pretensão de efetivi-dade. Não sem razão, o filósofo alemão Johannes Hessen (2001, p.94) assegura que esses valores “constituem uma norma ou critério de conduta que afeta todas as esferas da nossa atividade e da nossa conduta na vida. Esta se acha sujeita, total e incondicionalmente, a eles na sua imperiosa jurisdição e validade.” Reportando-se a Santo Agostinho, Hessen sublinha que esse filósofo cristão admitia que o bem moral representa a “ordem justa, a ser observada nos nossos afetos e valorações.”

Nesses termos, a noção de valor transcende os seus significados mais comuns (valor de uso, valor de troca, valor histórico...), remetendo à acepção conferida por Hessen (2001, p.7). Os valores éticos correspondem àqueles que “pertencem a um reino de vali-dade intemporal e dirigem o incondicional apelo a todos os homens, só pelo fato de serem homens, exigindo de todos que os reconheçam válidos”. Trata-se, segundo ele, de uma validade objetiva, porque reside na própria essência do valor, e absoluta, na medida em que independe de quaisquer valorações acidentais e particulares dos indivíduos.6

Acrescente-se que o referido conceito de desenvolvimento sustentável tem, também, o mérito de não despolitizar o seu conteúdo.7 Afinal, “atitudes culturais corretas” significam que o parâmetro de julgamento valorativo do ordenamento espacial deve ser o homem, en-quanto tal, e não grupos de homens, no caso, em pauta, turistas e capitalistas, que investem no turismo e integram os “mundos” industrial, comercial e dos serviços, cuja lógica de ação é a concorrência e a eficácia. Provavelmente, essa definição corresponderia à referenciada por Acselrad (2004, p.8) como alternativa, caracterizada por ser aberta “à pluralidade de tempos sociais, buscando impor limites à intensificação dos ritmos de apropriação dos re-cursos territorializados” e cuja regulação se daria “pela via da legitimação política da plurali-dade de tempos e sujeitos, na luta pela apropriação dos territórios”. Dessa forma, imprimir- -se-ia “uma nova dinâmica, um novo ritmo ao uso da base material do desenvolvimento”.

A inclusão da preservação dos recursos naturais, históricos e culturais, enquanto com-promisso entre princípios de “mundos” diferenciados, na agenda do desenvolvimento, não apenas do Brasil como também na agenda internacional, veio para ficar, ocupando um lugar cada vez mais relevante, tanto para as instituições políticas quanto para a vida das empresas, das comunidades e da sociedade em geral. Assiste-se, na atualidade, a um processo crescente de conscientização da relevância de preservação desses recursos patri-moniais. Afinal, a acumulação, como lembra Ribeiro (2010, p.42), também “necessita do valor agregado pelo patrimônio histórico, de recursos naturais excepcionais e da força simbólica das tradições populares”. Assiste-se, portanto, a movimentos contraditórios no âmbito do atual sistema de acumulação capitalista: de um lado, a destruição de parte importante desses recursos – nos termos já colocados – e, do outro, a necessidade de preservá-los para a própria reprodução/reinvenção do sistema.

De qualquer forma, essa conscientização vem-se fortalecendo de tal forma, que passa a adquirir, paulatinamente, o sentido de uma convenção, diante da qual os atores sociais devem julgar as suas ações e a ela se ajustarem. Mesmo permanecendo setoriais os valores, de acordo com cada um dos “mundos”, a justificação da ação precisa passar pelo crivo desse princípio superior comum. Daí, no caso específico do Brasil, os avanços negociados e viabilizados, no que concerne à regulamentação com vista à preservação do meio ambien-te, o que decerto não descarta, de todo, processos jurídicos, a exemplo dos acima narrados. No caso da urbanização do litoral, também ocorreram progressos significativos.

6 Segundo Hessen, a vali-dade dos valores é negada pelo relativismo axiológico, segundo o qual, todos os valores são relativos, na me-dida em que aquilo que é valor para uns pode não ser valor para outros. O seu em-penho no livro Filosofia dos valores (2001) é exatamente apreciar essa doutrina, a fim de opor-lhe a validade obje-tiva e absoluta dos valores espirituais. Para tanto, adota primeiramente um ponto de vista crítico e, em seguida, lança mão de um ponto de vista construtivo.

7 Henri Acselrad, em seu ar-tigo intitulado Sustentabilida-de e articulação territorial do desenvolvimento brasileiro (2004, p.3), chama a aten-ção para o fato de o debate sobre a sustentabilidade ter sido pautado, predominan-temente, pelo uso de cate-gorizações desprovidas de conteúdo social. Como um dos exemplos, ele registra uma das noções mais di-fundidas – a que consta no Relatório Brundtland –, qual seja: “desenvolvimento sus-tentável é aquele que se propõe a satisfazer as ne-cessidades presentes sem comprometer a satisfação das necessidades das ge-rações futuras.” Para ele, essa categorização abdica de perceber a diversidade social do presente e, tam-bém, do futuro.

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Ainda na década de 1980, foi criado o Programa de Gerenciamento Costeiro (1987) e instituído o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei n. 7.661/88),8 com funções de “orientar a utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de for-ma a contribuir para elevar a qualidade de vida da sua população e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural” (Art. 2 da Lei n. 7.661/88). Mas a re-gulamentação desse Plano ocorreu apenas em 2004, por meio do Decreto n. 5.300, que define normas gerais com o intuito de guiar os municípios litorâneos no que se refere ao tratamento das suas respectivas áreas costeiras, além de fixar os limites da faixa terrestre da Zona Costeira.9

Além disso, avanços importantes foram realizados no que respeita aos Terrenos de Marinha. Como demonstra Valença (2010), a missão da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) foi reformulada, incorporando as diretrizes estabelecidas pela Constituição quanto ao cumprimento da função social dos bens públicos e à devida gestão da Zona Costeira.

Para efetivação dessa nova função, foi essencial a promulgação da Lei 11.481, de 2007, estabelecendo medidas para a regularização fundiária de interesse social, em áreas da União, e a isenção de pagamentos de foros, taxa de ocupação e laudêmios para as famílias com renda familiar não superior a cinco salários mínimos. Ademais, a referida Lei estabelece a obrigatoriedade de comprovação do efetivo aproveitamento dos terrenos, a exceção das áreas instituídas pelos municípios como áreas de interesse social. Em suas linhas essenciais, a SPU passou a exercer, além da sua função arrecadadora, a de agente responsável pelo atendimento dos interesses estratégicos da Nação.

Outra importante iniciativa foi o Projeto Orla. Criado em 1998, só a partir de 2003 ele se viabilizou, mediante parceria da SPU com o Ministério do Meio Ambiente. A partir de então, segundo Valença (2010), a Zona Costeira passou a ser considerada, efetivamen-te, patrimônio nacional. Sua utilização deve ser condicionada à proteção ambiental, às terras públicas nela inseridas, que devem cumprir função social, e à sociedade civil, que deve ser cogestora das políticas públicas a ela direcionadas.

Não resta dúvida de que o Projeto Orla pode vir a se tornar um marco, quanto à apropriação e ao uso da Zona Costeira brasileira e, mais especificamente, dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos. Tomando, por exemplo, o caso da orla de Natal, analisado por Valença, há um estoque disponível de terras públicas, tornando possível a compatibi-lização da função coletora da SPU com a social, como previsto na sua nova missão. Cabe registrar que a privatização dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos dificulta o uso da orla por parte da população. A situação da orla natalense repete-se, provavelmente, ao longo da orla brasileira.

CONCLUSÕES

Quando se considera o recente processo de configuração da rede urbana brasileira, percebe-se, com total nitidez, que o litoral nordestino vem abrigando novas territorialida-des, caracterizadas pela grande potencialidade do desenvolvimento de atividades voltadas ao turismo de lazer. A urbanização tem sido aí marcada por formas de apropriação e uso do território reveladoras dos valores de “mundos” contrastantes: de um lado, o do mer-cado turístico (empreendedores e consumidores) e, do outro, o das populações nativas. À primeira vista, seria possível pensar que as formas de apropriação e os conflitos delas decorrentes dizem respeito unicamente a esses dois “mundos”. Como ficou demonstrado,

8 O Parágrafo único do Ar-tigo 2º da Lei n. 7.661/88 define como Zona Costeira “o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus re-cursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marí-tima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano”. Ademais, estabelece no Art. 3º, que o Plano deve pre-ver o zoneamento de usos e atividades nesta Zona, e priorizar a “conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens: I - recur-sos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e ensea-das; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas; II - sí-tios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação per-manente; III - monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleonto-lógico, espeleológico, arque-ológico, étnico, cultural e paisagístico”.

9 O Parágrafo 2º do Ar-tigo 3º define que a faixa terrestre é compreendida pelos limites dos municípios que sofrem influência direta dos fenômenos ocorrentes na Zona Costeira. O Artigo 4º estabelece com precisão as características dos muni-cípios abrangidos por essa faixa.

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a questão é bem mais abrangente. Tratando-se da apropriação da natureza, essas formas, para serem consideradas legítimas, deveriam ser mediatizadas por uma grandeza ou princí-pio superior comum: a preservação dos recursos naturais, históricos e culturais. É oportuno ressaltar que esse princípio – impregnado pela ideia de bem comum e, portanto, de valores éticos ou do bem moral – foi estabelecido na Constituição de 1988. De modo que muitas das mencionadas formas de ocupação são ilegítimas, ao degradarem o meio ambiente e desterritorializarem/reterritorializarem comunidades.

Apesar dos avanços, ainda se está em uma fase de transição, na qual esse princípio vem crescentemente orientando processos e marcos regulatórios no âmbito dos diver-sos entes federativos. Frente à irredutibilidade dos valores dos “mundos” da indústria turística e das comunidades, as negociações deslocam-se para o terreno da mencionada grandeza, respaldando normas técnicas, diante das quais os agentes devem se ajustar. Sem dúvida, isso terá como desdobramento a diminuição dos conflitos ambientais na faixa litorânea brasileira. Tratando-se, porém, de uma transição, a concretização do processo vai depender largamente dos mecanismos de controle por parte da sociedade e do setor público que, às vezes, convenientemente, não dispõem de condições para um monito-ramento efetivo. Os exemplos de empresários que não respeitam a legislação ambiental são incontáveis.

Enfim, ressalte-se a irreversibilidade da perda de parcela importante dos recursos naturais, históricos e culturais do litoral nordestino, provocada pela ânsia de ganhos fi-nanceiros das empresas loteadoras e turísticas. Felizmente, modelos como o da Prainha do Canto Verde existem e podem ser replicados. Lamentavelmente, são uma exceção.

RE FE RÊN CIAS BI BLI O GRÁ FI CAS

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Norma Lacerda é profes-sora titular do Programa de Pós-graduação em Desen-volvimento Urbano da UFPE e pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em dezem-bro de 2010 e apro va do pa- ra pu bli ca ção em fevereiro de 2011.

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A b s t r a c t Several studies have shown that, since the 1990s, the Brazilian coastline, more particularly the northeast, has been urbanized by large (domestic and foreign)enterprises, aimed at leisure and tourism. However, many of them do not show the socio-environmental and cultural conflicts in the process of appropriation of the coastline, involving sharply different “worlds” - the tourist market world (entrepreneurs and consumers) and the native populations world. This paper aims to draw attention to the social nature of this process of occupation, stressing that the issue of preservation of natural and cultural resources, by extrapolating these two worlds, emerges as a common higher principle (a Convention) which, in turn, supports legal rules, on which agents should interpret and adjust their actions.

K e y w o r d s Appropriation of the coastline; tourism; socio-environmental con-flict; theory of conventions; deterritorialisation; reterritorialsation.

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DAS COOPERATIVAS AUTOFINANCIADAS ÀS

CONSTRUTORAS E INCORPORADORAS DE

CAPITAL ABERTO A Ampliação do Mercado Habitacional

C a r o l i n a M a r i a P o z z i d e C a s t r oL ú c i a Z a n i n S h i m b o

R e s u m o Este artigo analisa as principais alterações e permanências que ocorreram na produção habitacional voltada para os estratos médio e médio-baixo da população, pro-movida pelas cooperativas autofinanciadas da década de 1990 e pelas empresas construtoras e incorporadoras de capital aberto dos anos 2000 na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Em especial, enfatizamos algumas questões relacionadas ao padrão de lançamentos residenciais, à estrutura produtiva e de financiamento e ao impacto dessa produção no conjunto da dinâmica imobiliária metropolitana. Partimos do argumento de que a formação de um padrão econômico, inicialmente proposto pelas cooperativas autofinanciadas e, posteriormente, potencializado pelas empresas financeirizadas com forte apoio estatal, tornou-se fundamental para a consolidação de um mercado habitacional e para a elevação da atividade imobiliária em períodos recentes.

P a l a v r a s - c h a v e Habitação; mercado habitacional; política habita-cional; cooperativas; autofinanciamento; empresas construtoras; capital financeiro.

IN TRO DU ÇÃO

Este artigo propõe a discussão acerca das relações e condicionantes entre mercado e produção habitacional, em períodos de elevação da atividade imobiliária em São Paulo e nos municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).1 Nessa perspectiva, trata da produção de moradias promovida por cooperativas habitacionais autofinanciadas e por empresas construtoras e incorporadoras de capital aberto, voltadas para os setores de renda média e média-baixa, entre 1995 e 2009.

Em 1997, as cooperativas habitacionais autofinanciadas lançaram 27.381 unidades habitacionais na RMSP, número que corresponde a 43% dos lançamentos do mercado imobiliário. Em 2009, elas lançaram 200 unidades, número que corresponde a 0,31% do mercado, enquanto incorporadoras de capital aberto e suas associadas lançaram 30.567 unidades, número que corresponde a aproximadamente 52% de todas as unidades lança-das na RMSP (Embraesp, 1998 e 2010). Apesar dessa grande representatividade atual, tais empresas não se figuravam dessa maneira no mercado imobiliário nos dez anos anterio-

1 Para a elaboração deste artigo foram compilados ar-gumentos e dados desenvol-vidos nas respectivas teses de doutorado das autoras que, apropriadamente justa-postos, possibilitaram a in-dicação de novos aspectos analíticos ora apresentados.

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res. Houve, de alguma forma, alterações na dinâmica imobiliária desse período, fazendo com que também se alterassem os principais agentes de incorporação e de construção de unidades habitacionais.

Ao colocarmos lado a lado ambas as produções, das cooperativas autofinanciadas e das incorporadoras financeirizadas, pudemos identificar alterações e permanências que ocorreram em relação ao padrão de lançamentos residenciais, à estrutura produtiva e de financiamento e ao impacto dessa produção no conjunto da dinâmica imobiliária metro-politana. Quais seriam os fatores que levaram a essas mudanças no mercado habitacional? O que há em comum entre esses dois tipos de produção imobiliária?

Trata-se, em primeiro lugar, de contextos econômicos, políticos e sociais diferentes no Brasil. Iniciava-se, na década de 1990, o processo de estabilização econômica, que ain-da não dava garantias ao sucesso e à rentabilidade dos negócios imobiliários. Além disso, praticamente não existiam recursos de fontes públicas que fomentassem tal atividade, diante do vácuo institucional e financeiro deixado pelo desmonte do Banco Nacional de Habitação (BNH), que estruturou a política habitacional de 1964 a 1985. Esse momento de transição econômica e política se refletia na dinâmica do mercado imobiliário. As construtoras procuravam, então, transferir os riscos inerentes desse período para os con-sumidores, levando a processos em que os usuários antecipavam seu capital-dinheiro para produção da moradia. Consolidava-se, assim, o autofinanciamento à obtenção da casa própria, para além da atuação estatal.

A partir dos anos 2000, a consolidação do processo de estabilização significou, ao mesmo tempo, crescimento econômico, ganhos na renda dos estratos médios e baixos da população e maior concentração da produção imobiliária em grandes empresas. Nesse processo, o ano de 2006 representou um momento de virada, quando se iniciou a fi-nanceirização de grandes empresas construtoras e incorporadoras, concomitantemente às medidas regulatórias que favoreceram e ampliaram enormemente o montante de recursos públicos e semi-públicos destinados ao financiamento habitacional, voltado diretamente ao consumidor. Iniciava-se, a partir de então, a produção financeirizada da habitação, fortemente apoiada pelo Estado e fomentada pelo capital financeiro.

Em segundo lugar, é preciso destacar que, apesar desses contextos diferentes, tanto as cooperativas como as empresas financeirizadas se voltaram para os estratos médio e médio-baixo da população brasileira, e promoveram um aumento considerável da ativi-dade de incorporação residencial, graças a um processo de padronização arquitetônica e construtiva e de produção em escala, marcada pelo emprego de um reduzido capital fixo e de uma abundante mão de obra.

Por essa razão, consideramos fundamental analisar ambas as produções, na medida em que possibilitam caracterizar elementos estruturadores do mercado habitacional no Brasil. De certo modo, podemos dizer que muitas das características da produção das cooperativas autofinanciadas foram absorvidas pelas empresas financeirizadas. A partir da reestruturação e consolidação da estrutura de financiamento público e privado, estabe-leceu-se uma ampliação do mercado da casa própria, oferecendo rentabilidade aos capitais envolvidos e atendendo às metas preconizadas na política habitacional implementada pelo Ministério das Cidades desde 2004.

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A PRODUÇÃO AUTOFINANCIADA DE MORADIAS PARA OS ESTRATOS MÉDIOS EM SÃO PAULO NOS ANOS 1990

O período posterior à extinção do BNH vinha sendo marcado pelos fracassos dos sucessivos planos de estabilização econômica, que terminavam com o ressurgimento da inflação e o agravamento das perdas salariais e do poder aquisitivo dos trabalhadores brasileiros. Esse processo repercutiu profundamente nas condições de moradia da maioria da população.

O Estado, entre 1990 a 1994, apresentou programas pretensiosos de habitação com forte divulgação pública que, entretanto, significaram apenas mudanças formais na regu-lação das práticas e dos programas habitacionais desenvolvidos nos governos anteriores, caracterizados por suas soluções emergenciais para a população mais carente. As trans-formações do papel estratégico do Estado, visando à crescente transferência da operação de setores da economia ao mercado, que, por sua vez, havia passado a reunir condições de reprodução autônoma, exigiram o estabelecimento de novos mecanismos de estímulos à produção. A provisão pública de moradias cedia espaço à produção privada, exigindo sua reestruturação.

A instabilidade econômica e política, a dependência de financiamento público para a produção de moradia, os altos custos do solo e da produção haviam gerado uma indisponibilidade de unidades acessíveis no mercado em 1992 e 1993. Não havia mais recursos de fontes públicas para financiar os estratos médio e médio-baixo. A queda do poder aquisitivo da classe média, em decorrência da desvalorização da poupança e dos altos índices inflacionários, contribuiu ainda mais para a queda da produção no setor habitacional, inclusive porque, com a falta de liquidez, os preços dos imóveis caíram, desestimulando a produção.

Os capitais que permaneceram no setor habitacional passaram a desenvolver novas formas de atuar e procuraram a necessária intensificação da velocidade de rotação do capital na atividade de construção. Mas, os preços da moradia no mercado de incorpo-rações não se reduziam, apesar do contínuo desenvolvimentos da produtividade da cons-trução. O processo de produção de moradias mostrava avanços com o uso de inovações nos sistemas construtivos, nas técnicas e materiais. Os aumentos da escala de produção, aperfeiçoamentos de projeto e desenvolvimento da gestão dos processos também criavam condições para a redução dos custos da construção.

Dentre os obstáculos mais significativos para a redução do preço da moradia estava o custo do financiamento à produção e ao consumo. Somava-se a isto o fato de que, historicamente, o poder aquisitivo da população no Brasil enfrentava perdas decorrentes da inflação, que reduziam as demandas para a produção e a capacidade de realização do setor habitacional.

A partir de 1995, após um breve período de desconfiança, o relativo sucesso do Plano Real de estabilização econômica propiciou uma previsibilidade tanto para a pro-dução quanto para o consumo, o que permitiu aos usuários e às empresas projetarem a combinação e a centralização de seus capitais. A estabilização gerou também um aumento da capacidade financeira da população de rendas baixa e média-baixa, possibilitando seu ingresso em novos mercados.

A demanda represada, por falta de alternativas acessíveis no mercado até aquele momento, causou uma pressão ainda maior no déficit de moradias. Mas as condições de

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produção começaram a se adequar à estabilização e passaram a ter seus custos em queda, especialmente os materiais e componentes industrializados. A especulação em torno do preço do solo urbano fora contida com a explosão dos juros bancários. Assim, começaram a se reunir condições para a redução dos custos de produção e dos preços da moradia.

A falta dos recursos públicos, porém, exigiu que os grupos organizados de empre-sários, mutuários e os associados a cooperativas procurassem alternativas para o finan-ciamento. Em condições de alto risco como neste momento de transição, as construtoras procuravam formas de manter sua atividade econômica, transferindo os riscos para os usuários ou consumidores com a venda de imóvel na planta. Essa prática era corrente desde os anos de 1940 e reduzia as necessidades de capital do empreendedor para finan-ciar a produção a partir do recebimento dos pagamentos mensais dos compradores. A produção de moradias sob contrato com associações constituídas juridicamente, como cooperativas, tornava-se forma alternativa importante à produção e ao financiamento público da moradia para a classe média-baixa, definindo um espaço próprio no mercado habitacional. Passaram, então, a ser difundidas as experiências bem-sucedidas dos planos de autofinanciamento do começo da década de 1990.

O Autofinanciamento

O autofinanciamento da produção foi a solução que emergiu atendendo aos exclu-ídos dos mercados tradicionais e do atendimento público, em especial, àquelas famílias com renda mensal entre oito e quinze salários mínimos,2 com condições de investir parte de sua renda em uma casa própria. O autofinanciamento consistiu na antecipação dos recursos do usuário à produção, dispensando o concurso da intermediação financeira. Assim, adotamos essa denominação para os processos em que os usuários antecipam seu capital-dinheiro para produção da moradia. Esses planos combinavam valores de entrada reduzidos e um financiamento independente do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), ou seja, fora de uma estrutura de financiamento contendo recursos públicos e semipúbli-cos, com prestações atraentes para o perfil do consumidor de classe média-baixa e média.

A forma jurídica mais utilizada para reunião, associação e integração dos interes-sados na produção autofinanciada da moradia foi a cooperativa.3 A partir de 1988, o controle sobre essas associações saiu da esfera dos agentes públicos, e o Estado passou a recomendar apenas que elas deveriam se autoadministrar e se autofiscalizar. A inexistên-cia de mecanismos de fiscalização e controle externos foi certamente um dos fatores que atraiu a atenção dos promotores imobiliários sobre esta forma jurídica de associação, que garante a flexibilidade necessária para captar e investir capitais livremente na produção habitacional, sem enfrentar riscos.4

A legislação específica sobre as cooperativas, Lei no 5764/71, não reconhecia a existência de relação de consumo entre cooperado e cooperativa, observando que o inte-ressado aceita uma série de condições que são fixadas estatutariamente no ato da adesão. No Artigo 146, Inciso III, foi destacado que uma legislação complementar deverá dispor sobre “o adequado tratamento tributário do Ato Cooperativo”. As cooperativas receberam também tratamento especial quanto à incidência de tributos sobre suas atividades, devido ao seu caráter social, que não visava lucros, pois não havia formalmente circulação de mercadorias ou transferência de propriedade entre a cooperativa e o associado.

A desregulamentação da fiscalização e do controle sobre as cooperativas habitacio-nais foi, em grande medida, um dos resultados das políticas que procuraram desonerar

2 Vale ressaltar que o salário mínimo de 1995 equivalia a US$ 100.

3 Para a criação de coope-rativas é exigida apenas uma Assembleia de constituição com a participação mínima de 22 cooperados, sendo que as formalidades legais exigem somente o arquiva-mento do Ato Constitutivo e dos Estatutos nas Juntas Comerciais, às quais cabe a verificação da legalidade do Ato (Artigo 97 da Lei no 6.404 de 1976). Com este tratamento legal, as co-operativas foram colocadas no mesmo plano das outras associações civis, realçan-do seu sentido social, e foi garantido o princípio demo-crático, que está na base do cooperativismo, no qual todos têm poder igual e po-dem exercer efetivo controle sobre a administração, via Assembleias Gerais.

4 A Constituição Federal de 1988 garantiu autonomia às sociedades cooperativas, redefinindo a atuação legal do Estado no Inciso XVIII do Artigo 5, em que se diz que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas, independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. O princípio do cooperativismo de livre adesão foi assegurado tam-bém nos Incisos XVII e XX, que tratam do desligamento e da dissolução espontânea das cooperativas. No Artigo 174, #2, está disposto que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”.

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o Estado, transferindo o custo da moradia para os salários do trabalhador. Ofereceu-se assim uma alternativa ao mercado para a produção habitacional.

Os planos de autofinanciamento da produção enfrentavam os limites dos gastos que a população de renda média e média-baixa podiam realizar com habitação. Em geral, a avaliação da capacidade financeira do usuário considerava que as despesas para a aquisição da moradia equivalentes não poderiam exceder 30% de sua renda. Os planos não exigiam a comprovação de renda quando da adesão e ofereciam o pagamento com parcelas de valores reduzidos.

O Impacto da Produção Autofinanciada na Dinâmica Imobiliária da RMSP

Esses planos permitiram que os estratos de renda média e média-baixa financiassem, com recursos próprios, o boom da produção habitacional no mercado, a partir de 1996, particularmente por meio de cooperativas habitacionais organizadas por empresas de assessoria técnica. O autofinanciamento se apresentou como alternativa para recuperação do nível de atividades do setor habitacional, conforme verificamos ao observar o cresci-mento de sua participação na oferta de novas moradias entre 1996 e 1997.

Tabela 1 – Lançamentos do mercado imobiliário e de cooperativas habitacionais na RMSP (1993/1997).

AnoMercado Imobiliário (número de unidades)

Total geralAutofinanciamento

Total %1993 25.489 4.376 17,21994 29.891 224 0,71995 33.871 1.308 3,81996 54.936 19.069 34,71997 63.410 27.381 43,21993-1997 207.597 52.358 25,2

Fonte: Embraesp – Informativos Imobiliários – Relatórios Anuais de 1993 a 1997, apud Castro (1999).

A explosão em 1996 e 1997 dos lançamentos com planos de autofinanciamento foi ainda maior do que mostram os dados da Embraesp, já que esta considerou como auto-financiamento apenas os lançamentos de cooperativas habitacionais geridas por empresas de assessoria. Mas além desses, outros planos de autofinanciamento organizados por incorporadoras não assumiram a forma de cooperativas habitacionais, e os empreendi-mentos das cooperativas “classistas” ou de outros grupos autônomos também não foram aqui incluídos.5 Isso significa que essa forma de financiamento à produção da moradia para a população de renda média e média-baixa era ainda mais importante do que mos-tram esses dados.

O levantamento das unidades produzidas por autofinanciamento na RMSP no período de 1992 a 1997 apontou a atuação de 60 cooperativas habitacionais, além das “classistas” (Embraesp, 1992-1997). Desse conjunto, 27 lançaram empreendimentos que alcançavam até 500 unidades habitacionais, enquanto outras 15 lançaram empreendi-mentos maiores, com até mil unidades, respondendo por 18% do total. Mas além dessas unidades, as 18 maiores cooperativas desenvolveram empreendimentos que abarcavam até

5 Alguns sindicatos de tra-balhadores, no Estado de São Paulo, em particular os dos Metroviários e dos Ban-cários, na capital, passaram a organizar, neste período, formas de cotização dos as-sociados para a constituição de um fundo habitacional. A estabilidade do poder aqui-sitivo da moeda viabilizava a formação de empresas sem fins lucrativos que buscas-sem a produção de mora-dias e, assim, organizaram as cooperativas classistas.

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4 mil unidades, sendo que uma das cooperativas organizadas por empresa de assessoria técnica buscava produzir 8,4 mil moradias.

A concentração dos lançamentos por um pequeno número de empresas de assessoria foi observada também na produção. Observou-se que uma única empresa construtora te-ve sob sua responsabilidade a construção de 16,7 mil das unidades lançadas. No entanto, o número de construtoras contratadas foi maior do que o de empreendimentos, sugerindo que, embora existissem laços fortes entre as empresas de assessoria técnica e as construto-ras, a execução dos empreendimentos era feita por mais de uma construtora.

Os primeiros planos de autofinanciamento previam pagamentos apenas durante a produção da moradia. Mas, sendo a produção dependente da capacidade de desembolso dos consumidores, e ao procurar atender a população de menor renda (entre cinco e dez salários mínimos), as cooperativas passaram a ter de reunir uma massa de interessados que compusesse o montante mínimo de recursos necessários para atingir a escala de produção. Nessas condições, os empreendimentos assumiram grandes proporções, e a via-bilidade passou a depender de programação de entregas em etapas e com longos prazos. Apesar da ampliação da escala produtiva e a consequente redução do tempo de produção da unidade, os pagamentos passaram a se estender por maiores períodos, para além do término das obras.

A antecipação pelo consumidor de capital para a produção, eliminando a interme-diação financeira, garantiu uma redução do custo para o produtor e permitiu a redução do preço para o consumidor. Esta foi a principal causa do boom da produção de moradias nos anos 1990. Em decorrência dessas transformações nas condições de produção, os preços das moradias autofinanciadas foram muito menores do que a média dos preços do mercado de incorporações, expressando-se os ganhos na produção.

Tabela 2 – Preços do metro quadrado de área útil e total na RMSP, em US$ (1996/1997).

Lançamentos Habitacionais 1996 1997

Área Útil Área Total Área Útil Área TotalAutofinanciamento por Cooperativas 695 449 708 496Incorporações 1420 765 1423 761

Fonte: Embraesp – Informativo Imobiliário – Relatórios Anuais 1996 e 1997, apud Castro (1999).

Os empreendimentos autofinanciados foram adequando-se a uma demanda com capacidade de solvabilidade reduzida, e houve uma redução dos preços das unidades. Em São Paulo, em 1997, os preços médios dos apartamentos de dois dormitórios apresentaram uma queda em relação ao ano anterior de 2,5% (de US$ 41,4 mil para US$ 39,3 mil) e de 0,4% para os apartamentos de três dormitórios (de US$ 52,3 mil para US$ 52,1 mil). Em 1996, houve uma oferta significativa de apartamentos de dois dormitórios com preços entre US$ 35 mil e US$ 40 mil (53,4%), mas no ano seguinte foi lançada uma quanti-dade considerável de apartamentos com preços entre US$ 25 mil e US$ 30 mil (18,6%). Dos lançamentos autofinanciados em 1997, 33,4% tiveram preços abaixo de US$ 35 mil, que, até então, não eram encontrados no mercado.

Nos outros municípios da RMSP, os preços médios foram ainda menores do que os da capital. Nesses municípios, em 1996, cerca de 54% das unidades de dois dormitórios custavam até US$ 35 mil, e cerca de 74% das de três dormitórios tinham preços até US$ 50 mil. No ano seguinte, 27% dos apartamentos de dois dormitórios tinham preços

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até US$ 35 mil, mas outros 64% custavam entre U$ 35 mil e US$ 40 mil. Por outro lado, 50,6% das unidades de três dormitórios tinham preços, em 1997, de até US$ 40 mil.

Características da Produção Autofinanciada

Os empreendimentos autofinanciados localizaram-se em áreas extensas da perife-ria consolidada, que não tinham atividade imobiliária intensa e, com frequência, eram ocupadas de forma ilegal. Espalharam-se, inicialmente, pelos municípios vizinhos a São Paulo. Na década de 1980, o mercado residencial legal concentrou seu crescimento no centro expandido do município de São Paulo, e o crescimento do número de domicílios, bem como a construção de novas moradias, não dependeram desta produção de mercado.

A intensificação das atividades imobiliárias em 1996 e 1997, a partir dos lançamen-tos autofinanciados, foi marcada por exigências locacionais que atenderam à necessidade de baratear a moradia e promover grandes conjuntos habitacionais com áreas adequadas à implantação de bolsões de estacionamento descoberto. Essas condições foram encontra-das em bairros pericêntricos do anel intermediário do município de São Paulo ou mesmo em áreas mais periféricas de pequena expressão para o mercado de incorporações.

A localização dos empreendimentos, contudo, estava associada à existência de infra-estrutura no entorno, além de serviços de transporte coletivo e vias de acesso rápido à cir-culação, como marginais, grandes avenidas e rodovias. Em São Paulo, os conjuntos apre-sentaram maior densidade de ocupação, reduzindo o custo da infraestrutura por unidade.

A otimização da ocupação do solo, segundo os requisitos regulamentares que caracterizavam a Habitação de Interesse Social, era procurada. As áreas deveriam ofe-recer espaços para estacionamento descoberto junto às torres. A construção de edifícios predominou amplamente e, embora não tenhamos uma série histórica maior, parece ter havido uma tendência de aumento do porte, tanto pela maior quantidade de edifícios por empreendimento como pela intensificação da verticalização.

Em São Paulo, esses conjuntos habitacionais se configuravam em torres, com núme-ro médio de dez pavimentos em 1996, e doze em 1997. Nos demais municípios da RMSP, os números médios foram menores: nove pavimentos em 1996 e onze no ano seguinte. O número de blocos implantados nas glebas em São Paulo manteve-se entre 1996 e 1997, sendo a média de sete edifícios por empreendimento. Nas demais cidades da RMSP, no entanto, os empreendimentos também mostraram crescimento do número de blocos pas-sando de cinco para onze. Foi pouco comum o lançamento de edifícios que resultassem em ocupação de baixa densidade, como os de até cinco pavimentos e assobradados em condomínios fechados ou vilas.

Os equipamentos sociais e de lazer eram implantados à medida que não elevassem os preços das unidades, como áreas comuns cobertas, e não interferissem no andamento das obras dos edifícios, e sua construção era prevista em momento posterior. Além disso, deixava-se a execução de melhorias das áreas comuns a cargo dos próprios condomínios.

É possível observar uma definição de um padrão médio das unidades em relação às áreas, número de dormitórios, banheiros, vagas de estacionamento e, até mesmo, tra-ços dos acabamentos, além do porte dos empreendimentos autofinanciados. Durante a explosão do autofinanciamento, houve uma oferta equivalente entre as unidades de dois (49,3%) e três dormitórios (50,3%).

Enquanto em 1996 as unidades das cooperativas possuíam em média 94 m2 de área total, as do mercado de incorporações eram substancialmente maiores (32%), com 138 m2.

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Em 1996 e 1997, a área útil média das unidades habitacionais autofinanciadas era de 60,7 m2, enquanto que as promovidas pelas incorporadoras tinham 74,4 m2 (Embraesp, 1996-7). As unidades passaram a ter um menor número de banheiros: enquanto nas unidades de três dormitórios lançadas pelo mercado da RMSP, em 1995, a relação era de 1,87 banheiro/unidade e naquelas de dois dormitórios, 1,25, nos empreendimentos de cooperativas habitacionais essa relação era, respectivamente, de 1,49 e 1,0, em 1996.

Mas a diminuição da área privativa também se deveu a alterações na organização do espaço interno, como, por exemplo, nas áreas de serviço, e a eliminação de outras dependências comuns às moradias de classe média e alta. Além dessas adequações, entre as mudanças que ocorreram nas características dos lançamentos autofinanciados foi a supressão de vagas cobertas e a diminuição do número de vagas por unidade. Na RMSP, o número médio de vagas de garagem, em 1995, era de 1,68 (três dormitórios) e 1,25 (dois dormitórios). Em 1996, para o conjunto dos lançamentos das unidades autofinanciadas, esse número médio foi de uma vaga, variando no ano seguinte, com uma redução para 0,97 vaga para unidades de dois dormitórios, o que indica a existência de unidades sem vagas. As características espaciais que definiam a Habitação de Interesse Social (Decreto no 31.601/92) eram predominantes em 30% das unidades lançadas por cooperativas autofinanciadas em São Paulo, uma vez que permitia a adoção de padrões espaciais mais compactos, com maior aproveitamento dos terrenos e das edificações.

As construtoras contratadas por preço fechado ou preço de custo para execução dos empreendimentos autofinanciados possuíam experiência acumulada na construção de conjuntos habitacionais de Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais (Ino-coops), de Companhias Habitacionais (Cohabs) ou da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), e já dispunham de conheci-mentos específicos sobre produção de baixo custo. As construtoras vinham procurando desenvolver processos competitivos para enfrentar a reestruturação do setor que, com a crise do financiamento e particularmente com a estabilização da economia, tornou-se mais urgente ainda. Mas, além delas, outras construtoras foram criadas por empresas de assessoria, na procura pelo conhecimento e domínio do processo construtivo e, principal-mente, de seus custos.

Em síntese, pode-se concluir que a construção autofinanciada foi desenvolvida segundo diferentes estratégias. A busca da redução de custos levou as incorporadoras a introduzirem inovações técnicas, a estabelecerem uma padronização dos produtos e uma produção massificada. Entre as cooperativas classistas foi dada ênfase à qualidade da moradia, procurando soluções espaciais variadas ou mesmo uniformizando soluções de construção. As empresas de assessoria promoveram produtos tipificados, com pequena variabilidade técnica ou construtiva para atender às cooperativas habitacionais autofi-nanciadas. A utilização dos sistemas construtivos baseou-se na racionalização do uso dos materiais, como a organização dos fluxos, e na introdução de inovações ou adaptações técnicas que reduzissem o tempo de execução das obras.

Os sistemas construtivos mais empregados foram a alvenaria estrutural em blocos de concreto e a estrutura de concreto armado com vedação por blocos do mesmo mate-rial. A execução da estrutura passou por aperfeiçoamentos técnicos, como a utilização de formas prontas ou modulares para agilizar a montagem do conjunto e reduzir desperdí-cio com maior reutilização. A simplificação da execução foi procurada particularmente com a adoção da laje plana, que dispensava grande parte do vigamento, e as técnicas de nivelamento a laser, a “laje zero” ou a acabada. Procurava-se reduzir as atividades de

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preparo dos materiais e de componentes no canteiro, e foram utilizados processos que se caracterizavam pela montagem de produtos industrializados ou “semi-acabados”, com a utilização de divisórias internas leves em gesso acartonado, o dry wall, caixilharia com vidros e kits de instalações. Em comum, verificava-se que a simplificação das atividades ganhava importância pela repetitividade das operações devido à padronização e à grande escala produtiva, o que possibilitava abreviar a execução e integrar ou fundir partes do processo construtivo.

O ciclo ascendente de ampliação do mercado para moradia dos estratos médios durante a explosão da produção autofinanciada, eliminando a intermediação financeira para a produção em massa, ajustada aos recursos limitados da população de renda média e média-baixa, com localização adequada de produtos simplificados, padronizados e compactos, ofereceu formas de apropriação que permitiram superar parte do problema fundamental de dotar a classe trabalhadora de moradia. A retomada na década seguinte da expansão da produção para os estratos médios, com o financiamento pelo SFH e por empresas capitalizadas pela forma de sociedades anônimas, recuperou algumas das características da produção autofinanciada, particularmente a redescoberta do “segmento econômico” pelo mercado imobiliário.

Figura 1 – Anos 1990: empreendimentos autofinanciados

Fonte: elaboração das autoras.

A PRODUÇÃO FINANCEIRIZADA DE MORADIA PARA OS ESTRATOS MÉDIOS EM SÃO PAULO NOS ANOS 2000

O processo de estabilização da economia brasileira, iniciado no Plano Real, conso-lidou-se nos anos 2000, e repercutiu em crescimento econômico e em um aumento con-siderável do poder de consumo da população. A partir de 2004, verificamos a ampliação do poder aquisitivo dos setores médios, em especial, da assim considerada “nova classe

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média” ou da “classe C”, devido ao aumento da geração privada de trabalho (criação de empregos formais) e do salário mínimo e, em menor grau, aos programas de transferência de renda (como é o caso do Bolsa Família).6 Ao mesmo tempo, o país passou a se integrar mais fortemente às operações do mercado financeiro mundializado, mesmo que, como ressalta Paulani (2008), em uma condição de “servidão financeira”, em relação à “cabine de comando do capitalismo contemporâneo”.

Essas alterações no cenário econômico impactaram a política habitacional e a dinâmica imobiliária. Por um lado, esse aumento do poder de consumo possibilitou, consequentemente, o aumento do número de “sujeitos passíveis de obterem créditos”, dentre eles, o habitacional. Por outro, essa “nova” faixa de consumo foi “descoberta” pelas grandes empresas construtoras e incorporadoras. E esse consumo foi incentivado pelo poder público, via crédito habitacional, e potencializado pela entrada de capital financeiro nessas grandes empresas.

A “nova” política nacional de habitação, elaborada em 2004 pelo primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), visava ampliar maciçamente os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) para os financiamentos habitacionais, e arregimentar outros fundos para esse fim, na perspectiva de se aumentar a produção subsidiada de habitação (para as faixas até três salários mínimos) e de se fomentar o mercado privado de habitação. Uma das intencionalidades dessa política era justamente ampliar o mercado para atingir os “setores populares”, permitindo a “otimização econômica dos recursos públicos e pri-vados investidos no setor habitacional” (Brasil, 2004). Para tanto, era prevista a criação de mecanismos tanto de proteção aos financiamentos habitacionais como de captação de recursos, entre os quais, aqueles disponíveis no mercado de capitais.

Como resultados dessa política, por um lado, houve um aumento exponencial nos valores de financiamento habitacional contratados pelo SFH, contando com recursos do FGTS e do SBPE. Em 2003, quando se iniciou o primeiro governo Lula, o valor total con-tratado era de aproximadamente cinco bilhões de reais; em 2008, na metade do segundo governo, esse valor foi multiplicado por oito, excedendo quarenta bilhões de reais.7

Por outro lado, fortaleceu-se o caminho proposto pelo Sistema Financeiro Imobiliá-rio (SFI), criado em 1997, que previa a utilização de novas possibilidades de captação de re-cursos no mercado imobiliário brasileiro. De fato, diante da pulverização de instrumentos financeiros disponibilizados desde então, as empresas puderam combinar diferentes formas de acesso ao capital financeiro. A partir, sobretudo, de 2006, prevaleceu a captação direta de recursos via “oferta pública de ações” (OPA) ou, em inglês, IPO (Initial Public Offering), na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) realizada por um conjunto de grandes empresas construtoras e incorporadoras. Até 2008, as vinte e cinco empresas listadas no segmento “construção civil” da Bovespa haviam captado mais de vinte bilhões de dólares.8

A Configuração das Empresas Construtoras e Incorporadoras Financeirizadas

Antes de essas empresas abrirem seu capital, já estava em curso, desde o início dos anos 2000, uma tendência de crescimento e de concentração de capital nas grandes empresas atuantes no mercado imobiliário residencial, sobretudo as incorporadoras e as construto-ras. Após a abertura de capital, a produção dessas empresas foi potencializada, e abrangeu grande parte dos imóveis comercializados recentemente na RMSP. Para se ter uma ideia, segundo dados apresentados por Volochko (2007), em 2000, as dez empresas com maior

7 Conforme dados da CBIC (2008). Disponíveis em: <http//www.cbicdados.com.br>. Acesso em: 13 jul. 2009.

8 Além da OPA, há também os instrumentos de securi-tização, entre os quais, os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), que fun-cionam como uma espécie de títulos imobiliários, e os Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs), que possi-bilitam a transformação de bens imóveis em títulos mo-biliários, passíveis de serem comercializados na Bolsa de Valores (cf: Botelho, 2007; Fix, 2007; Volochko, 2007).

6 De acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre 2005 e 2006, a renda amostrada pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio) cresceu “ao ritmo chinês” de 16,4% ao ano, com a geração de 2,5 milhões de empregos formais (cf. Neri, 2008). Vale destacar que o valor do salário mínimo equivalia, em 2006, a apro-ximadamente US$ 163, pas-sando para quase US$ 200 em 2009.

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participação no valor geral dos negócios na RMSP abrangiam 20% do total do mercado imobiliário residencial local. Em 2005, essa porcentagem aumentou para 28%, como apon-ta o autor. Em 2008, de acordo com dados da Embraesp (2008), ela subiu para 36,5%, sen-do que, dessas dez maiores empresas, apenas uma não havia aberto seu capital na Bovespa.9

Entre 2006 e 2007 ocorreram 80% das OPAs do segmento “construção civil” da Bovespa. Esse processo intenso de abertura de capitais, ocorrido em um curto período de tempo, resultou em uma impressionante capacidade de alavancagem de recursos das “empreendedoras imobiliárias residenciais”,10 como destacou Wissenbach (2008). Em apenas vinte meses foram injetados R$ 11,2 bilhões de reais em apenas treze empresas. Para se ter uma ideia desse forte impacto, Lima Jr. (2007) chega a dizer que, após a sua OPA, a empresa não é mais a mesma. Trata-se de outra empresa que “só guarda a razão social e o currículo da original”, e que requisita uma estrutura de gestão completamente diferenciada. Um dos resultados da entrada do capital financeiro na estrutura dessas em-presas reflete-se no aumento substancial do valor do lucro líquido obtido em quase todas elas, entre 2007 e 2008 (Aragão e Cançado, 2008).

O Impacto da Produção Financeirizada na Dinâmica Imobiliária da RMSP

A concentração de capital nas empresas construtoras e incorporadoras financeirizadas não foi sentida apenas em termos de suas estruturas organizacionais e operacionais e de sua rentabilidade, mas também na dinâmica imobiliária como um todo. Apesar de grande parte dessas empresas ter como local de sua sede a cidade de São Paulo, elas extrapolaram seu território de origem e avançaram sua produção sobre o interior do próprio estado e sobre as demais regiões brasileiras (atuando nas capitais, bem como nas cidades médias).

Mensurar o impacto nacional dessa produção seria uma missão quase impossível, dian-te da ausência de fontes de dados voltadas especificamente para esse fim. No entanto, na RMSP, os dados da Embraesp, mais uma vez, podem ser emblemáticos na caracterização do impacto da produção das empresas financeirizadas na dinâmica imobiliária local. De acordo com eles, as empresas construtoras e incorporadoras financeirizadas foram responsáveis por grande parte dos lançamentos imobiliários na RMSP em 2008. Buscando quantificar esse impacto, organizamos os dados apresentados no Ranking de 2008 e de 2009 da Embraesp.

Em 2008, o Ranking listou os lançamentos das 329 incorporadoras que atuaram no mercado imobiliário formal da RMSP. Entre as dez maiores incorporadoras, cuja soma dos valores do produto total lançado correspondeu a 36,6% do total do mercado, apenas uma não era de capital aberto. Ampliando para as vinte maiores incorporadoras, que abraçaram 51% do mercado, seis não eram listadas na Bovespa.

Em 2009, foram 280 incorporadoras listadas – ou seja, 49 empresas a menos que em 2008. Os lançamentos das dez primeiras colocadas corresponderam a aproximadamente 38,7% do total do mercado, em termos do valor do produto total lançado. Entre elas, quatro não eram de capital aberto. Entre as vinte maiores, que lançaram 54,1% do total do mercado, oito não eram listadas na Bovespa.

Se considerarmos apenas os dados da produção das empresas de capital aberto lista-das no Ranking, os lançamentos das incorporadoras corresponderam a 41% do número de unidades lançadas em toda a RMSP em 2008 e a 52% em 2009. Ou, em outras palavras, das 329 incorporadoras que lançaram empreendimentos residenciais e de escritórios em 2008 na RMSP, 22 delas eram de capital aberto. E a respectiva produção dessas 22 em-presas correspondeu a 41% do conjunto da produção das 329, em relação ao número de

9 Cf. IBGE (2006), Volochko (2007), Embraesp (2008) e Sigolo (2009).

10 Termo de João da Rocha Lima Jr., membro do Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica, para designar as empresas construtoras e incorporadoras ligadas à promoção e produção de empreendimentos residen-ciais (ver Lima Jr, 2007).

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unidades. Em 2009, das 280 incorporadoras, 21 eram de capital aberto, que lançaram, por sua vez, 52% do total de unidades. A tabela a seguir apresenta essa produção imobi-liária das incorporadoras de capital aberto em números absolutos:

Tabela 3 – Número de unidades lançadas pelo mercado imobiliário e pelas incorporadoras de capital aberto na RMSP (2008/2009)

Mercado ImobiliárioAno

TotalIncorporadoras de capital aberto

Total %2008 69.535 28.811 41,42009 59.103 30.567 51,72008-2009 128.638 59.378 46,1

Fonte: Embraesp, Rankings Anuais de 2008 e 2009.

Esses números mostram, de forma geral, um decréscimo de aproximadamente 15% no número de unidades lançadas entre 2008 e 2009 – aspecto que pode demonstrar um início de desaquecimento do mercado. Entretanto, apesar de ter ocorrido a diminuição da participação das incorporadoras de capital aberto na lista das dez ou vinte primeiras colocadas no Ranking, elas aumentaram a sua produção em aproximadamente 10%, al-cançando, em 2009, a metade do total das unidades lançadas por todas as incorporadoras atuantes no mercado da RMSP.

Crescimento da Atuação nas Faixas de Renda Média

Grande parte da produção das incorporadoras de capital aberto voltou-se para as ca-madas de renda média. Em 2004, já se identificava o excesso de ofertas de imóveis de alto padrão na RMSP, e o relatório anual da Embraesp desse mesmo ano já chamava a atenção para que os “principais protagonistas do mercado” focassem a oportunidade de produzir habitações para suprir a demanda de “classe média/média”, que vinha sendo pouco aten-dida, nos cinco anos anteriores, ou seja, entre 2000 e 2004 (Wissenbach, 2008).

Parece que tal recomendação foi seguida e, quatro anos depois, a dinâmica imobi-liária se alterou, buscando contemplar outras faixas de renda, para além do alto padrão. O ano de 2008 se destacou em relação à produção dos vinte e quatro anos anteriores, mensurados pela Embraesp, diante da elevada concentração de unidades residenciais por empreendimento. Nesse ano, a média foi de 121 unidades por empreendimento, contra 110 em 2007 e 75 em 2006 – sendo que a média anual desde 1984 era de 76. Esse dado reflete, portanto, a tendência de crescimento da produção de unidades com menor área útil e de empreendimentos com maior densidade habitacional.

Além disso, outros dados evidenciam o incremento considerável na produção de uni-dades residenciais mais baratas e com um padrão inferior à tendência predominante ante-rior, voltada para classe alta, quais sejam: i) a diminuição do número de vagas de garagem por unidade (que em 2008 registrou a menor média histórica de 1,6 vaga/unidade); ii) o aumento considerável de unidades contendo três dormitórios (passando da média anual de 11.500 unidades entre 2000 e 2006 para quase 27.000 em 2008); iii) a diminuição no número de unidades de quatro dormitórios (que, entre 2007 e 2008, sofreu uma redução de 46%); iv) e a manutenção do Valor Geral de Vendas11 (R$ 18,216 bilhões, em 2008, e R$ 18,358 bilhões, em 2007).

11 O Valor Geral de Vendas (VGV) equivale ao total de Unidades potenciais de lan-çamento, multiplicado pelo preço médio de venda es-timado da Unidade. O VGV é um importante parâmetro do desempenho operacional das empresas do setor imo-biliário de capital aberto.

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Se olharmos para os dados sobre o consumo, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi o protagonista nos financiamentos imobiliários concedidos na RMSP em 2008, sendo responsável por 72% deles, e a Caixa Econômica Federal se destaca em primeiro lugar entre os bancos operadores do Sistema. Ou seja, grande parte dessa produção foi consumida pela demanda que poderia acessar o SFH – abaixo, portanto, do alto padrão.

Por um lado, os dados da Embraesp confirmaram a tendência de crescimento da produção destinada à faixa de renda média na RMSP. Por outro, as informações contidas nos relatórios trimestrais e anuais de desempenho operacional e financeiro das empresas de capital aberto revelaram que dezesseis empresas construtoras e incorporadoras de ca-pital aberto (ou seja, 64%, sem contar suas subsidiárias e joint ventures entre empresas) passaram a atuar, ou já atuavam antes do processo de abertura de capital, no segmento econômico, que atinge a classe média e que pretende abarcar, ao menos no plano do discurso, a classe média baixa.

Características dos Empreendimentos das Empresas Financeirizadas

Para atuarem no segmento econômico, que oferta imóveis com preços de até US$ 100 mil, até então pouco atrativo para as grandes protagonistas do mercado imo-biliário, as empresas tiveram de promover alterações na sua estrutura administrativa e societária, e nas estratégias do modelo de negócios e da produção em si.

Em relação à estrutura administrativa e societária, algumas daquelas grandes em-presas do mercado imobiliário criaram subsidiárias (ou “segundas linhas”) para atuarem exclusivamente no segmento econômico. Outras estabeleceram processos de joint ventures para atuação específica nesse nicho e, ainda, houve um processo de aquisições de constru-toras menores, que ou já atuavam no segmento ou se destacavam no seu local de atuação. Em menor número, havia também empresas que já atuavam exclusivamente no segmento econômico antes do boom imobiliário.12

Para as empresas que sempre atuaram no segmento de alto padrão, a entrada no novo segmento mudou o modelo de negócios e de produção, como anunciara o presidente de uma delas:

Na baixa renda, o maior desafio sempre foi o financiamento. Como não tinha financiamento, não havia demanda, e a construtora não desenvolvia produtos. Na medida em que o Brasil se estabiliza, começam a aparecer financiamentos, e já que vai haver a demanda real, temos que desenvolver produtos adequados, com baixíssimo custo, em escala, com centenas de milhares de unidades, adequando o sistema produtivo. Esse modelo muda todo o modus operandi. É diferente fazer 600 unidades por R$ 600 mil [US$ 300 mil] no Campo Belo e 5 mil unidades a R$ 50 mil [US$ 25 mil]. Mas o financiamento veio e veio para ficar (Blanco, 2008).

Ao mesmo tempo, de acordo com o discurso das empresas que já atuavam anterior-mente no segmento econômico, há um know how que precisa ser desenvolvido e que as colocam numa posição privilegiada em relação àquelas que migraram recentemente para o segmento, na medida em que souberam “enxergar” há bastante tempo o potencial da classe média, sobretudo a classe média baixa, num momento em que as grandes constru-toras se voltavam apenas ao “alto luxo”.

O quadro a seguir apresenta um panorama geral sobre a produção das empresas fi-nanceirizadas, voltada aos imóveis com preços de até, aproximadamente, US$ 100.000,00.

12 Em uma reportagem publicada na revista Cons-trução Mercado, há a de-nominação para cada tipo de modalidade de transa-ção. Assim, a aquisição é “o instrumento jurídico utilizado por uma empresa para assu-mir o controle de outra por meio da compra da maioria de seu capital”. A fusão é o instrumento jurídico no qual duas ou mais empresas se unificam, criando uma no-va empresa juridicamente, e as empresas anteriores deixam de existir. A joint venture é “uma associação de empresas não definitiva, com prazo determinado e sem união das personalida-des jurídicas”, na qual se compartilham os aspectos operacionais das empresas, sem, contudo, alterar a es-trutura societária (Blanco, 2008, p. 31).

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Quadro 1 – Características das incorporadoras e construtoras de capital aberto que atuam no segmento econômico (2009).

NomeConfiguração da empresa para atuação no segmento

Início de atuação

Faixa de preço das unidades

Perfis de produtos

Cidades de atuação (até 2008)

Tenda

Especializada no mercado de baixa renda. Em set. 2008, a Gafisa adquiriu a Tenda.

1970 Até US$ 60 mil.

Padronizados: 4 produtos, horizontais ou verticais (até 5 pav.)

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: RJ, MG, BA, RS, GO.

MRV

Atuação exclusiva no segmento de “Empreendimentos Residenciais Populares”.

1979 US$ 20 mil e 110 mil.

Padronizados: 3 produtos, sendo 1 horizontal e 2 verticais (em média, 5 pav.)

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: MG, DF, SC, PR, ES.

InPar

Constituição da “Viver Empreendimentos Imo-biliários” para atuar no segmento econômico, em 2007 – mas já atua-va no segmento desde 1999. Em 2008, 27% dos lançamentos se con-centraram nos segmentos “econômico” e “supereco-nômico” da empresa.

1999 Até US$ 57 mil.

Padronizados: 2 produtos econômicos (horizontais e verticais, acima de 4 pavs.) e 1 modelo super-econômico (vertical, até 4 pavs.).

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: ES, RS, GO e PA.

Rossi

Em 2007, 18% das unidades produzidas des-tinavam-se ao segmento “econômico”. Em 2008, essa porcentagem passou para 26%.

1999 US$ 35 mil e 80 mil.

Padronizados: 3 produtos, sendo 2 horizontais e 1 vertical.

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: ES, RS, RJ e PR.

Rodobens

“Terra Nova” é o carro--chefe da atuação no segmento. Em 2008, essa linha representou 57% do VGV lançado pela empresa.

2002 US$ 30 mil e 75 mil.

Padronizados: 2 produtos, sendo 1 vertical e 1 horizontal.

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: sem especifi-cação.

Company

No primeiro trimestre de 2009, 2,5% dos lançamentos se concentraram no segmento “econômico” da empresa.

2006 Até US$ 65 mil.

Não há padronização de produtos.

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: RJ, GO, MS, MT, CE, DF, RN.

Klabin Segall

Em 2008, 9% das vendas contratadas se concentraram no segmento “econômico” e “popular” da empresa.

2006 Até US$ 60 mil.

Não há padronização de produtos.

SP: interior e capital.Outros estados: RJ e MG.

Living

Subsidiária da Cyrela para o segmento econômico, com empreendimentos localizados na cidade de São Paulo. Em 2008, os segmentos “econômico” e “supereconômico” totalizaram 29% do VGV lançado, contra 6% em 2007.

2006 US$ 27 mil e 75 mil.

Produtos verticais, sem informação sobre padronização.

SP: interior e capital.Outros estados: RS, RJ, ES e BA.

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Tecnisa

Em 2008, 16% do VGV lançado se concentrou no segmento “médio”, cujos valores de unidades não ultrapassam R$ 200 mil.

2006 Até US$ 100 mil.

Não há padronização de produtos.

SP: interior e capital.Outros estados: DF, GO, BA

Bairro Novo

Joint venture entre Gafisa e Odebrecht para construir conjuntos de mil apartamentos, em áreas sem infraestrutura. Em fev. 2009, o acordo é rompido: a Gafisa retém o empreendimento em Cotia e os demais empreendimentos sob a marca “Bairro Novo” ficam com a Odebrecht.

2007 Até US$ 25 mil.

Padronizados: condomínios entre 1 e 10 mil unidades, com casas e edifícios (até 4 pav.).

Metrópoles e arredores. Projeto-piloto em Cotia (SP).

Fit Residen-cial

Subsidiária da Gafisa para o segmento econômico, para atuação exclusiva em regiões metropolitanas.Em 2008 é incorporada pela Tenda (que foi ad-quirida pela Gafisa nesse mesmo ano). Em 2008, 46% do VGV da Gafisa referia-se aos lançamentos da Tenda.

2007 US$ 25 mil e 75 mil.

Padronizados: 5 produtos verticais com até mil unidades.

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: BA, GO, MA.

Cytec

Joint ventures entre Cyrela e Concima, Cury e Tecnum para atuação no segmento econômico, com atuação geográfica diversificada.

2007 Sem info.

Produtos verticais, sem informação sobre padronização.

SP: interior e capital. Outros estados: RS, RJ, ES e BA.

CCDI/HM(Camargo Corrêa)

CCDI adquiriu HM (especializada no segmento, criada há 30 anos), investindo 18% do VGV no segmento. Os segmentos de “baixa renda” e “econômico” totalizaram 81% dos lançamentos em 2008.

2007 US$ 20 mil e 100 mil.

Produtos horizontais e verticais (até 5 pavs.), sem informação sobre padronização.

SP: interior, capital e RMSP.

EzTec

Em 2008, 1,6% das ven-das contratadas se desti-nou ao padrão “econômi-co” e “supereconômico”.

2007 Até US$ 1125/m2.

Não há padronização de produtos.

SP: interior, capital e RMSP.

Trisul

Em 2008, 48% do VGV lançado se concentrou na linha “Trisul Life”, o “padrão econômico” da empresa.

2007 Até US$ 100 mil.

Padronizado: produto vertical (até 20 pavs.)

SP: interior.

Even

Notadamente uma em-presa voltada para o “alto padrão”; em 2008, apro-ximadamente 1% de sua produção foi destinada ao segmento “acessível”.

2008 Até US$ 100 mil.

Não há padronização de produtos.

SP: interior, capital e RMSP.Outros estados: RJ, MG, RS.

Fonte: Shimbo, 2010.

Dessas dezesseis empresas que atuavam no segmento econômico e que participavam da Bovespa em 2009, apenas duas (MRV e Tenda) iniciaram sua atuação na década de

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1970, com foco exclusivo nesse público. Outras três (Inpar, Rodobens e Rossi) passaram a atender esse segmento desde o início da década de 1990, com empreendimentos auto-financiados, como, por exemplo, o conhecido Plano Cem da Rossi. A maior parte (onze empresas do total) são joint ventures ou subsidiárias de grandes construtoras nacionais (Gafisa, Cyrela, Odebrecht, Camargo Corrêa), ou ainda, empresas voltadas para o alto padrão – por vezes, aquelas grandes empreiteiras de obras públicas – que destinaram uma porcentagem de sua produção ao segmento, a partir de 2006.

Além desse interesse recente pelo segmento econômico, as informações do quadro acima indicam também a proliferação de denominações adotadas pelas empresas sobre o que vem a ser propriamente o segmento. “Econômico” (e seu correspondente, “Supe-reconômico”), “Acessível”, “Popular”, “Baixa renda” e “Médio” são os nomes atribuídos para esse novo nicho de mercado, embora não haja aí uma padronização quanto à faixa de preços dos imóveis comercializados. Os limites máximos de preço variam conforme a especificação da empresa, e vão desde US$ 25 mil até US$ 110 mil. Para nossa análise, consideramos todas essas denominações, que se referem aos imóveis com preços de até US$ 100 mil, sob o nome genérico de “segmento econômico”. Há, inclusive, empresas que chegam a diferenciar subsegmentos, dentro do limite máximo de US$ 100 mil.

Em relação aos preços por metro quadrado de área útil dos lançamentos habitacio-nais, podemos verificar que a média geral entre os valores praticados pelas incorporadoras atuantes na RMSP é quase o dobro daquele comercializado por uma empresa construtora e incorporadora financeirizada, que atua exclusivamente no segmento econômico, como ilustra a tabela a seguir:

Tabela 4 – Preços do metro quadrado de área útil na RMSP (em US$, 2008).

Lançamentos Habitacionais 2008

Incorporadora de capital aberto que atua exclusivamente no segmento econômico* 911

Incorporadoras – média geral 1.794

*Empresa estudada por Shimbo (2010).Fonte: Embraesp – Relatório Anual 2008 e Shimbo (2010).

Padronização da Produção e Expansão Geográfica

A novidade que esse segmento trouxe para o mercado imobiliário foi a ampliação geográfica das grandes construtoras, extrapolando o eixo Rio-São Paulo e abrangendo terrenos no interior do estado de São Paulo e nas capitais de outros estados brasileiros – como também mostra o Quadro 1.

Outra característica marcante é a padronização de projetos arquitetônicos que con-formaram os perfis ou modelos de produtos oferecidos por essas empresas. Assim um artigo de revista justificava a padronização:

Para aproximar-se ao máximo de um processo industrial de produção, a primeira preocu-pação que se deve ter é com o desenvolvimento do protótipo do produto. Mais do que em qualquer outro tipo de empreendimento, o que definirá as tecnologias e as soluções de um conjunto de edifícios econômicos é o seu orçamento final. Para reduzir os custos com a elabo-ração de um novo projeto arquitetônico a cada novo conjunto construído, são desenvolvidas tipologias básicas para serem utilizadas em todos os casos (Faria, 2008).

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Metade daquelas dezesseis empresas, listadas anteriormente no Quadro 1, infor-mavam, em seus relatórios, que apresentavam linhas padronizadas de produtos para o segmento econômico. Em geral, com um “portfolio” de no máximo três produtos, sejam eles empreendimentos horizontais ou verticais, a idéia era a produção em escala, tendo em vista a solvabilidade dos negócios.

De modo sintético, o modelo do condomínio horizontal se referia à implantação de casas térreas ou sobrepostas (em muitos casos, geminadas), com uma vaga de gara-gem externa e descoberta, com área de lazer comum e arruamento interno, dentro de um perímetro murado (na maioria das vezes, com cerca elétrica). O empreendimento vertical correspondia, em sua maioria, aos edifícios de até cinco pavimentos (apesar de existirem edifícios mais altos), sem elevador, com área de lazer reduzida (ou inexistente) e estacionamento no térreo. Em particular, na RMSP, verificamos a maior concentração de empreendimentos verticais acima de oito pavimentos.

Entre aquelas empresas que não mencionavam a padronização ou que não seguiam essa premissa, é notável a diferença entre os empreendimentos conformados dentro do segmento econômico e aqueles dos segmentos “médio” e “de alto padrão”. Nesses últi-mos, o desenho diferenciado do edifício importava e, em geral, havia a assinatura de um arquiteto no projeto.

Essa perspectiva de padronização do produto era uma das intencionalidades das medidas lançadas pela política habitacional dos anos Lula – como apontava Maricato (2005): “resta aguardar das entidades do mercado uma estratégia de simplificação do pro-duto que está sendo oferecido para que ele cumpra um papel mais eficaz no atendimento às faixas de renda situadas entre 5 e 10 salários mínimos”.

Em relação à concepção arquitetônica, é marcante a compacidade da área interna da unidade e a presença do estilo “neoclássico”, como as próprias empresas enunciavam, que definia as fachadas das edificações. Além disso, em termos de implantação do em-preendimento, é possível identificar a concentração de um alto número de unidades por empreendimento e a valorização das áreas de lazer e do paisagismo.

Figura 2 – Anos 2000: empreendimentos de construtoras financeirizadas.

Fonte: elaboração das autoras.

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Aquele desenho padronizado da tipologia habitacional da maioria das empresas fi-nanceirizadas tinha a ver com um sistema construtivo bastante consolidado no contexto brasileiro – a alvenaria estrutural – cuja sequência lógica de produção passava necessaria-mente pelo emprego abundante de mão de obra e pela pouca mecanização. Entretanto, a fim de aumentar o controle sobre o trabalho da mão de obra, grande parte das empresas introduziu inovações tecnológicas provenientes, de um lado, das técnicas de projeto e de gestão que propiciavam uma padronização tanto do processo produtivo como das tipologias habitacionais; e, de outro, dos avanços trazidos pela tecnologia de informação, que abarcava um conjunto complexo de instrumentos de planejamento, de prescrição, de verificação, de controle e de incentivos sobre o trabalho realizado no canteiro de obras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: CARACTERÍSTICAS DA PRODUÇÃO ENGENDRADAS NA REESTRUTURAÇÃO DO MERCADO HABITACIONAL ENTRE 1990 E 2010

Os dois períodos aqui enfatizados, entre 1994-1998 e 2006-2009, corresponderam,

respectivamente, a dois momentos de elevação intensa das atividades imobiliárias na RMSP, como ilustra o gráfico a seguir:

Gráfico 1 – Número de unidades residenciais lançadas na RMSP (1994-2009).

Fonte: elaboração das autoras a partir de dados apresentados em Marques (2005) e Embraesp (2008 e 2009).

Para explicar as oscilações apresentadas no gráfico até o ano de 2003, Marques (2005) indica tanto a relação entre os momentos de elevação da produção imobiliária e os períodos de instabilidade macroeconômica no Brasil, enfatizando o papel do setor imobiliário como reserva de valor, quanto a importância dos fatores locais na dinâmica imobiliária, como por exemplo, grandes investimentos públicos em infraestrutura.

Além desses fatores, como procuramos mostrar neste artigo, a constituição do padrão econômico, levado a cabo pelas cooperativas e por outras empresas do setor no período da explosão do autofinanciamento em São Paulo, entre 1996 e 1997, também contribuiu para a elevação da atividade imobiliária residencial na RMSP. E, em seguida,

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esse padrão econômico foi explorado e adaptado aos fatores condicionantes do sistema financeiro pelas empresas construtoras e incorporadoras financeirizadas, que potencia-lizaram ainda mais a dinâmica do mercado habitacional, a partir de 2004. Nesses dois períodos analisados também houve a recuperação do poder aquisitivo da população trabalhadora, acompanhada da expansão da oferta de moradias para as faixas de renda média e média-baixa.

No segundo momento de elevação intensa, entre 2004 e 2009, as grandes empresas construtoras e incorporadoras se capitalizaram e destinaram grande parte de sua produção ao segmento econômico. Em 2008 foram lançadas quase 65 mil unidades residenciais, maior quantidade de lançamentos desde 1984, e provavelmente o maior pico histórico do mercado imobiliário na RMSP. Isso significa que, nesse momento, podemos considerar que houve, de fato, a consolidação de um mercado habitacional, intrinsecamente relacio-nada ao vínculo entre provisão da casa própria e financiamento.

Nos anos 1990, a estrutura de financiamento se encontrava fragilizada, e a am-pliação do mercado ocorreu devido ao direcionamento das poupanças das famílias como recursos adiantados ao autofinanciamento da produção. Entre os dois momentos ascendentes do mercado, observamos uma queda da oferta, o que remete à volatilidade típica dos mercados da casa própria (Ball, 1997). O recuo da provisão foi condicionado pela crise da economia brasileira no final da década de 1990 e, no início dos anos 2000, acompanhada de uma política recessiva.

As especificidades existentes entre os dois períodos analisados residem justamente na relação entre os agentes do mercado habitacional e o Estado. Na década de 1990, o auto-financiamento foi uma resposta à ausência do poder público e de fontes de financiamento na obtenção da casa própria pelos estratos médios da população. Ao contrário, a partir de 2004, o Estado foi fundamental para que se viabilizasse o mercado habitacional, via ampliação do crédito habitacional diretamente ao consumidor. A obtenção desse crédito foi flexibilizada, e sua distribuição foi facilitada enormemente, em comparação ao perío-do anterior, pela ampliação dos recursos oferecidos pelo SFH. Esse vínculo fundamental entre produção de moradias e financiamento não se restringe à dinâmica imobiliária, mas diz respeito à acumulação capitalista contemporânea.13

A novidade do segundo período diz respeito à financeirização das empresas constru-toras e incorporadoras. A entrada do capital financeiro no setor imobiliário possibilitou a ampliação da produção, injetando rápidos recursos para a compra de terras e para o ca-pital de giro, que garantiu a continuidade das obras das empresas. O capital inicialmente investido deve retornar aos acionistas por meio da divisão do lucro líquido, e os patamares que atingem esses lucros garantem a credibilidade das empresas no mercado de capitais, possibilitando novas captações de recursos, viabilizando, assim, uma maior concentração de capital no setor imobiliário.

As fontes principais do lucro dessas empresas financeirizadas, por sua vez, advêm da produção em escala e, consequentemente, das vendas, e da busca pela redução de custos, que são diluídos na própria escala. Entretanto, essa redução de custos não foi repassada para o consumidor final. Comparando-se as faixas de preços dos imóveis econômicos co-mercializados na década de 1990 e em 2008, podemos observar um sensível aumento: em 1997, o preço do metro quadrado de área útil dos empreendimentos das cooperativas era de US$ 708, ao passo que, em 2008, o preço praticado por uma grande empresa do seg-mento econômico foi de US$ 911/m2. Ou seja, houve um aumento de aproximadamente 30% no preço da casa própria adquirida pelos estratos médios no mercado imobiliário.

13 Como apontou Francisco de Oliveira (1998, p. 13), para se construir “o preten-so mercado auto-regulado, que dispensaria tudo o mais a não ser os próprios cri-térios da lucratividade”, é necessário “muito Estado, muitos recursos públicos”. Nesse sentido, houve uma mudança recente das rela-ções do fundo público com os capitais particulares e com a reprodução da força de trabalho: o fundo público funciona como prerrogativa (“ex-ante”) das condições de reprodução e não mais como “ex-post”, típico do ca-pitalismo concorrencial. Isso significa, ainda de acordo com Oliveira (1998), que a “per-equação da formação da taxa de lucro passa pelo fundo público, o que o torna um componente estrutural insubstituível”.

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D A S C O O P E R A T I V A S A U T O F I N A N C I A D A S

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Apesar dessas profundas alterações, podemos perceber algumas permanências re-lacionadas, sobretudo, às dimensões produtivas do mercado habitacional. Trata-se da padronização arquitetônica e construtiva das tipologias habitacionais, da produção em escala da habitação e da adoção de técnicas racionalizadas e do uso de componentes industrializados. As cooperativas autofinanciadas procuraram simplificar e padronizar o produto habitacional, além de concentrar o maior número possível de unidades nos empreendimentos, promovendo-se a construção de grandes torres de apartamentos. As empresas construtoras e incorporadoras financeirizadas também padronizaram seus pro-dutos, inclusive, criando perfis específicos para cada faixa de renda atendida, dentro do próprio segmento econômico. A padronização permitiu, em ambos os casos, a produção em escala e a redução de custos sem que fosse necessário um grande emprego de capital fixo nos canteiros de obras, perpetuando-se a característica fundamental da construção civil brasileira, qual seja, o emprego abundante de mão de obra.

Apesar dessa padronização, as empresas financeirizadas passaram a oferecer um tipo de produto que raramente era ofertado pelas cooperativas autofinanciadas: o condomínio hori-zontal para os estratos médio e médio-baixo. De certo modo, houve a reprodução rebaixada do modelo dos empreendimentos de alto padrão. Na maioria dos casos, não são reproduzi-dos espaços de consumo e de trabalho nos empreendimentos do segmento econômico, como ocorre naqueles voltados para a “classe A”. Os espaços de lazer, por sua vez, são reduzidos àquilo que sobra entre as edificações e o princípio que rege a implantação das edificações é de ordem econômica, o que significa uma taxa de ocupação máxima. Porém, vale notar que há empreendimentos suficientemente grandes para comportar e reproduzir a estrutura de um bairro. A inserção desses empreendimentos fechados padronizados, em grande escala, traz questões que ainda precisam ser estudadas por arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos: quais serão os futuros impactos urbanos e ambientais desse tipo de produção?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Carolina Maria Pozzi de Castro é doutora em Arqui-tetura e Urbanismo; profes-sora associada do Departa-mento de Engenharia Civil e do Programa de Pós-Gra-duação em Engenharia Ur-bana da UFSCar. (FAU-USP). E-mail: [email protected]

Lúcia Zanin Shimbo é ar-quiteta e urbanista; doutora em Arquitetura e Urbanismo (EESC/USP); pós-doutoranda da FAU/USP. E-mail: lucia [email protected]

Ar ti go re ce bi do em setem-bro de 2010 e apro va do pa ra pu bli ca ção em fevereiro de 2011.

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C A R O L I N A M . P O Z Z I D E C A S T R O , L Ú C I A Z A N I N S H I M B O

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A b s t r a c t This paper analyzes the main changes and continuities that have occurred in housing production towards the middle strata of the population, promoted by the self-financing cooperatives of the 1990s and by the construction companies and developers that have opened their capital in the 2000s, in the Metropolitan Region of São Paulo. In particular, we emphasize some questions related to the pattern of residential launches, the production structure and financing and the impact of this production on the dynamic of real estate throughout the metropolitan area. We argue that the making of an economic standard, originally proposed by cooperatives, was later potentiated by the financialized companies with

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strong government support. This process became crucial to the consolidation of the housing market and to the rising of real estate dynamics in recent periods.

K e y w o r d s Planning; socio-spatial dialectics; modernity; social space.

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PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E FLUIDEZ TERRITORIAL

Análise das Escolhas Locacionais Associadas ao Condomínio Empresarial Techno Park Campinas

R o d o l f o F i n a t t iM a r i a E n c a r n a ç ã o B e l t r ã o S p o s i t o

R e s u m o É recente a implantação de novos condomínios empresariais na Região Metropolitana de Campinas. São empreendimentos que se aproveitam de condições objetivas e subjetivas, ao mesmo tempo em que as promovem, para realizar o objetivo de comercialização do solo urbano. Por isso, são estratégias imobiliárias que orientam a produção destes espaços conforme requerimentos da atuação empresarial contemporânea, principalmente as que têm sistemas de produção mais flexíveis e estratégias territoriais que exigem fluidez. Neste artigo, destacamos como o Techno Park Campinas estimulou a decisão locacional de unidades pro-dutivas, aproveitando-se da promoção da fluidez territorial, material e imaterial, expressa por importantes eixos de circulação, e oferecendo, ainda, como valor agregado ao produto imobili-ário, a segurança, pertinente à lógica de um condomínio fechado.

P a l a v r a s - c h a v e Produção do espaço urbano; condomínio empresa-rial; fluidez territorial; localização industrial; segurança urbana.

IN TRO DU ÇÃO

O condomínio empresarial Techno Park Campinas é um empreendimento imobi-liário cujo foco está na venda de lotes urbanos para empresas. O processo de produção deste espaço está associado à sua preparação para o uso industrial, razão pela qual possui infraestruturas voltadas aos interesses e requerimentos operacionais de unidades fabris e de serviços, bem como de ramos produtivos mais sofisticados, como os de pesquisa e desen-volvimento e escritórios gerenciais, que têm no uso da informação um aspecto expressivo de suas ações.

Embora pareça-nos relevante a realização de mais estudos sobre a ocorrência dos “condomínios empresariais” no Brasil,1 podemos afirmar, como primeira aproximação, que essa categoria de empreendimento imobiliário assume uma situação de preferencial proximidade a eixos de circulação de grande porte. No caso do Techno Park Campinas, que tomamos como foco deste texto, sua localização no entroncamento das rodovias Anhanguera, Bandeirantes e Dom Pedro I, no município de Campinas (SP), é emblemá-tica e revela a intenção de aproveitar as vantagens relacionadas à fluidez territorial que esta situação geográfica permite.

Levando em consideração a fluidez territorial como um dos fatores importantes, o Techno Park Campinas foi capaz de influenciar as decisões locacionais de unidades pro-dutivas que negociaram seus lotes e hoje atuam dentro do condomínio empresarial. Outro fator muito expressivo relacionado a estas decisões foi a busca por “segurança”, motivada

1 Há ainda outros condomí-nios empresariais, que são de implantação também re-cente (a partir de 1999), os quais se encontram na área que Campinas polari-za enquanto uma metrópole regional, o que reforça uma possível tendência, qual seja a do aumento do número desse tipo de empreendi-mento, direcionado para os segmentos produtivos mais sofisticados e articulados a espaços mais diretamente abrangidos pelas regiões metropolitanas no Estado de São Paulo. Ver, por exemplo, o Mapa 1 na segunda parte deste artigo.

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por um discurso crescente de insegurança urbana que legitima o empreendimento que se constitui em espaço fechado, dotado de aparatos de vigilância externa e também forte controle ao acesso.

Essa breve caracterização demonstra uma ampliação das estratégias da produção imobiliária, que começam a se materializar em consonância aos requerimentos advindos da reestruturação produtiva iniciada nos anos de 1970, resultando em novos produtos imobiliários que atendam aos interesses das empresas.

O objetivo deste artigo é analisar esta estratégia atual da produção imobiliária, a partir da maneira como objetivamente se associa à fluidez territorial, por um lado, e a elementos subjetivos como a insegurança, por outro, traduzindo um possível debate sobre as tendências de localização das atividades produtivas no período atual que se dão, no caso dos condomínios, intermediadas pelos promotores imobiliários.

A especificidade de nosso objeto está na distinção desta categoria de empreendimen-to, uma vez que não é similar aos antigos distritos industriais ou polos tecnológicos, cuja promoção esteve mais associada a iniciativas do poder público. O condomínio empresarial Techno Park Campinas articula-se diretamente aos interesses fundiários e capitalistas que movem o processo de produção do espaço urbano.

Para esta análise, valemo-nos de trabalho de campo, com observação e sistematização de aspectos que caracterizam esse tipo de espaço, informações obtidas a partir de entrevis-tas com empresas instaladas no condomínio empresarial e de matérias, entre 1999 e 2001, que noticiaram a implantação do empreendimento e revelam, em parte, a intencionalida-de e as características de suas infraestruturas e de sua configuração interna.

A PRODUÇÃO DO CONDOMÍNIO EMPRESARIAL E O PAPEL DA FLUIDEZ TERRITORIAL

A transformação do espaço em mercadoria, ocorrência típica da urbanização capita-lista, vem se ampliando a partir da intensificação de suas lógicas e da diversificação delas. A incorporação de áreas de uso da terra não urbano às cidades, decorrente do parcelamen-to de glebas rurais para transformá-las em lotes urbanos, já é clássica, ao se considerar os usos de solo urbano com finalidade residencial.

O que se observa, mais recentemente, são iniciativas que, utilizando-se de mesmas lógicas e práticas, ou seja, as de parcelamento de glebas rurais para transformá-las em urbanas, produzem novos espaços destinados a atividades industriais e/ou comerciais e de serviços, aos quais se associam valores objetivos e subjetivos que atendem e, ao mesmo tempo, criam novas demandas locacionais.

São iniciativas que articulam a satisfação dos interesses fundiários aos da produção imobiliária, ao transformarem terras de baixo valor agregado em novos produtos. Trata-se de um negócio extremamente rentável para aqueles que o comandam: proprietários fundiários e outros empreendedores que atuam na produção do espaço urbano, tais como incorporadores, construtoras, corretoras e agentes financeiros.

Sobre o capital imobiliário,2 Singer já afirmava que é um falso capital, uma vez que a origem de sua valorização é diferente da atividade produtiva, mas dá “[...] monopolização do acesso a uma condição indispensável àquela atividade” (1980, p.78), e assim, pode-se com-plementar que, na medida em que o espaço é uma condição indispensável para a realização de qualquer atividade, também o é no caso da atividade produtiva capitalista (Singer, 1980).

2 Merecia um debate a per-tinência ou não da adoção da expressão “capital imo-biliário”, porque poderíamos optar pela compreensão de que há, de fato, uma asso-ciação de interesses entre o capital industrial, o comer-cial e o financeiro, mas essa discussão foge ao escopo desse artigo e permanece-mos com a terminologia utili-zada pelo autor citado.

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A partir dessa perspectiva analítica, considerando-se seus aspectos mais atuais, abordamos o processo que resulta em um espaço adequado para as operações de empresas que se ajustam ao capitalismo contemporâneo, espaço esse denominado de condomínio empresarial.

O Techno Park Campinas foi implantado entre os anos de 1999 e 2000, e está localizado em uma área “periférica”3 do município de Campinas, localizado no estado de São Paulo. Sua inserção no entroncamento de importantes eixos rodoviários outorga-lhe grande acessibilidade ao interior ou ao litoral do estado, bem como à metrópole de São Paulo, que pode hoje ser caracterizada como o nó estruturador da economia no país, por ser seu centro financeiro e também o mais relevante ponto de convergência e distribuição de informações (Santos, 1990). Essa localização é privilegiada, também, em relação ao Aero-porto de Viracopos, considerado o principal em cargas da América Latina (Infraero, 2007).

Para melhor caracterizar a notável fluidez territorial disponível para as empresas ins-taladas neste condomínio empresarial – o que parece ter influenciado tanto a idealização do empreendimento quanto, posteriormente, as decisões locacionais das empresas nele instaladas –, é possível citar a adequação das rodovias para a circulação de informações, constatada a partir da instalação de cabos de fibra ótica nas margens destes eixos de circu-lação. Segundo a Associação Brasileira de Concessões de Rodovias, no sistema Anhangue-ra–Bandeirantes, que possui cerca de 317 km concessionados, foram instalados 624 km de cabos com esta função (ABCR, 2008).

Além disso, apesar desta situação geográfica, que oferece boa inserção territorial, em termos de fluxos materiais e imateriais, há que se considerar que, no interior do condomí-nio empresarial, correspondente a um elemento conceitual do processo de idealização do empreendimento, encontra-se o que foi chamado de “teleporto digital”, dispositivo que permite transmissão de dados em alta velocidade, a partir de uma conexão constante com o sistema telefônico.

Esse aspecto é potencializado na propaganda realizada pelo condomínio em seu site na Internet, e é assim apresentado:

Conectar-se ao mundo será mais rápido e fácil no Techno Park Campinas. O empreendi-mento contará com teleporto exclusivo que permitirá o acesso aos serviços de telecomuni-cações, através de enlace digital por fibra junto à Telefônica. É a garantia de uma conexão permanente a qualquer parte do mundo, reduzindo custos com telecomunicações e dispo-nibilizando serviços com qualidade em âmbito nacional e internacional, compreendendo comunicação de dados, voz e imagem (Techno Park Campinas, 2008).

Dessa forma, uma expressiva fluidez territorial pode ser relacionada ao Techno Park Campinas, e concerne a dois níveis de determinação que se articulam entre si. Em primeiro lugar, à própria idealização do condomínio empresarial, que considerou sua implantação em um entroncamento rodoviário, que possibilita a articulação com escalas mais amplas, desde as relativas ao espaço urbano de Campinas, passando pela sua proxi-midade à metrópole de São Paulo, até o âmbito do que se denomina como Centro-Sul do país, grande região onde se concentra a maior parte das inversões capitalistas. Em segundo lugar, como situação atrativa para as empresas preparadas para atender às nuances do sistema produtivo flexível, em que a rápida circulação de matérias-primas, mercadorias e informações é condição importante para as operações.

A proximidade entre unidades industriais e eixos de circulação não é, em si, fenô-meno novo. Como destacou Corrêa (1995), os proprietários dos meios de produção, por

3 O termo “periférico” aqui é utilizado entre aspas, pois não se trata propriamente do mesmo conteúdo dado à ex-pressão “periferia” em diver-sos estudos e por diferentes pesquisadores da realidade urbana latinoamericana, des-de os anos de 1950 até a atualidade, para caracterizar as áreas em que predomi-navam o uso de solo resi-dencial, destinado aos mais pobres, resultante tanto de iniciativas públicas, como de iniciativas privadas, muitas vezes marcadas pelas práti-cas de autoconstrução.

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exemplo, “Necessitam de terrenos amplos e baratos que satisfaçam requisitos locacionais pertinentes às atividades de suas empresas – junto ao porto, às vias férreas ou em locais de ampla acessibilidade à população” (p.13). Essa lógica está sendo reforçada pelo fenômeno aqui apresentado e, também, estendida para a organização industrial após o início da re-estruturação produtiva em 1970, tanto quanto acrescentada da importância em se realizar, associadamente, a circulação dos fluxos de informação.

Além disso, a importância da circulação é aferida a partir da constatação de que o período atual “[...] também se caracteriza pela expansão e predominância do trabalho intelectual e de uma nova circulação do capital à escala mundial, que atribui à circulação (movimento das coisas, valores, ideias) um papel fundamental” (Santos, 1985, p.38), o que, segundo o mesmo autor, permite a aceleração da acumulação e, por isso mesmo, podemos afirmar que quanto maior fluidez houver, mais ampla será a reprodução capita-lista. Tal é a importância atual da informação e sua circulação, que esta seria “[...] o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar sua circulação” (Santos, 2004, p.239).

A localização do condomínio empresarial, no Estado de São Paulo e no âmbito da Região Metropolitana de Campinas, pode ser observada pelo Mapa e Figura 1, pelos quais se pode avaliar sua situação geográfica. A inserção em um território denso e adequado ao oferecimento de fluidez e integração, como expressa a acessibilidade decorrente do sistema rodoviário em que se encontra, é evidente.

Mapa 1 – Região Metropolitana de Campinas – Techno Park Campinas e outros con-domínios

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Figura 1 – Imagem aérea do Techno Park Campinas e Rodovia Anhanguera

Fonte: Techno Park Campinas, 2008

Os responsáveis por esse empreendimento, conforme informações coletadas em matérias de jornais, que serão apresentadas ainda no decorrer deste artigo, são: O Grupo DPaschoal e a Graber, empresas de capital nacional, e a estadunidense Hines.

A DPaschoal, originada em Campinas, é tradicional no oferecimento de serviços automotivos, e atende os estados das regiões Sudeste e Sul do Brasil. A Graber, por sua vez, é uma empresa especializada em projetos de segurança sediada em São Paulo, e possui grande prestígio no ramo. A Hines, por fim, é uma organização estadunidense que atua em cerca de 80 cidades em diferentes países, com foco no ramo da incorporação imobi-liária, sendo que, em seus projetos têm grande significância os padrões arquitetônicos e funcionais requeridos para operação de empresas de níveis tecnológicos sofisticados: no portfólio da Hines constam os chamados “edifícios inteligentes”, parques industriais e centros de distribuição.

A descrição da parceria, bem como a discriminação e participação, com menor ên-fase, de outras empresas, expressa a articulação realizada para a produção do Techno Park Campinas:

Três empresas estão à frente do condomínio: DPaschoal, Graber e Hines. Outras quatro companhias, no entanto, participam do processo de instalação do projeto. A Telefônica, que está implantando o sistema de telefonia com cabos de fibra óptica, a Sanasa, responsável pelas redes de água e esgoto, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), que instalou a rede elétrica e a IBM, que fará o desenvolvimento do gerenciamento eletrônico do condomínio (Correio Popular, 13/02/2000).

Outra matéria revela as expectativas com relação ao empreendimento, ainda no mes-mo ano de inauguração, quando foi apontado como o primeiro parque empresarial do país:

A rede de serviços automotivos DPaschoal, em parceria com a empresa de segurança Graber e com a companhia texana Hines, vão apresentar no dia 13 o projeto do primeiro parque

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empresarial do País, na região de Campinas. O empreendimento, denominado Techno Park Campinas e orçado em R$ 160 milhões, visa a oferecer uma infraestrutura urbana e de tele-comunicações para aproximadamente 70 empresas que poderão instalar escritórios, centros de distribuição, indústrias não poluentes, centros comerciais, hotéis, entre outros, segundo o diretor de planejamento do projeto, José Luiz Guazzelli (O Estado de São Paulo, 07/08/1999).

Esse conjunto de informações expressa uma intencionalidade bem definida na idealização do condomínio empresarial: oferecer um espaço propício para a atuação de empresas flexíveis e, preferencialmente, em ramos mais sofisticados, como aqueles perti-nentes aos centros de distribuição e às indústrias não poluentes. Além disso, segmentos comerciais e de serviços que se agregam às atividades predominantes, como hotéis e cen-tros comerciais, eram também uma categoria esperada.

Assim, a produção do espaço urbano com características determinadas para essas categorias de empresas é elemento primordial na concepção do Techno Park Campinas. Como parte desse novo ambiente urbano, podemos citar a conservação de um pequeno bosque no interior do condomínio e, também, todo o aparato técnico e recursos inves-tidos para a promoção de vigilância e segurança interna. Assim, é evidente a produção de um meio aprazível e seguro, tentando, visivelmente, contornar problemas que hoje se manifestam nas cidades, propiciando uma infraestrutura qualificada para o setor empre-sarial, uma vez que essas preocupações são já pertinentes aos condomínios residenciais, fenômeno mais intenso e já consolidado, cujas iniciativas sistemáticas, no caso brasileiro, remontam ao início da década de 1970.4

Apesar de não mencionar diretamente a ideia de condomínios empresariais, Caldeira (2000) refere-se a empreendimentos fortificados e vigiados 24 horas, que se constituem em enclaves fortificados urbanos, cuja criação está articulada à obtenção de espaços con-siderados seguros.

Também para esse caso, a articulação entre urbanização e industrialização pode ser lembrada e exemplificada, pois como o discurso premeditado sobre a violência urbana é crescente, supomos que este discurso possa estar incorporado também à esfera das deci-sões empresariais. Entre essas, evidentemente, a decisão da localização tem um significado muito importante.

Assim, analisaremos, ainda neste texto, como a segurança e outros fatores menos importantes, além da proximidade aos eixos de circulação, já mencionada, funcionaram como parâmetros significativos para a decisão locacional.

AS ESCOLHAS LOCACIONAIS DAS EMPRESAS NO TECHNO PARK CAMPINAS

Segundo a própria natureza das empresas instaladas no Techno Park Campinas, é preciso ponderar sobre as características da organização industrial que, progressivamente, vem se estabelecendo em escala mundial a partir dos anos 1970. Este processo está rela-cionado a uma reestruturação produtiva ampla e que teve grande impacto sobre a cons-tituição da força de trabalho e a utilização das virtualidades tecnológicas de automação “[...] como suporte material a fim de remodelar a organização do trabalho, os processos de produção, os sistemas de gestão e a qualidade dos produtos ou mesmo a norma social de consumo” (Benko, 1996, p.22).

4 Para ter acesso a um histórico sucinto sobre a origem de empreendimen-tos residenciais fechados na América Latina, ver Sposito (2005 e 2009).

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Nesse contexto, é importante compreender que também se altera, paulatinamente, a lógica que determina a localização das empresas e sua relação com o território, con-siderando os diferentes circuitos de produção industrial que, no período atual, vêm se concentrando economicamente e se desconcentrando espacialmente.

Os territórios mais adequados a esta realidade seriam os que expressam o período e meio técnico-científico-informacional, cuja caracterização sugere que “[...] a ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria base da produção, da utilização e do funcionamento do espaço e tendem a constituir o seu substrato” (Santos, 2004, p.238).

A compreensão do funcionamento deste meio e da seletividade com que se distri-buem as técnicas que permitem a circulação da informação pelo território é um importan-te fator explicativo das escolhas locacionais dos setores empresariais que expressivamente utilizam-na em suas ações.

As novas formas de comunicação que combinam transmissão por satélite com sis-temas de computação alteram as determinantes que orientam a localização, ainda que, do mesmo modo, reforcem as tendências historicamente observadas, pois os fatores que incidiam anteriormente continuam a ter importância. Alteram porque possibilitam que atividades produtivas possam se afastar espacialmente das esferas de gestão e decisão que as orientam. Reforçam porque as infraestruturas que possibilitam conectividade tendem a se espacializar com maior intensidade nas áreas já melhor dotadas de infraestruturas, equipamentos, serviços e recursos humanos.

Sendo assim, as novas escolhas locacionais privilegiam os territórios nos quais existe densidade técnica, tendo em vista as condições infraestruturais necessárias que simplificam e induzem a instalação das unidades produtivas, mas cujas técnicas sejam preferencial-mente articuladas, também, à circulação de informações. Os promotores imobiliários que assinam pelos recentes condomínios empresariais, seguindo esta tendência, não apenas implantam seus empreendimentos em eixos de circulação rodoviária, como também adequam o condomínio às infraestruturas de telecomunicações mais rápidas e de longo alcance em escala global. Podemos mencionar, junto com Santos (2002, p.79) que “[...] a eficácia das ações está estreitamente relacionada com a sua localização”, e isso não passa despercebido pelos promotores imobiliários dos condomínios, cujas ações reforçam as tendências de concentração históricas: no Centro-Sul do país ou, em uma escala mais detalhada, no entorno das regiões metropolitanas.

Considerando a realidade brasileira, trata-se da chamada Região Concentrada (San-tos e Silveira, 2001), na qual a difusão das técnicas tem uma densidade maior em relação ao resto do país. Esta deve influenciar tanto a inserção de unidades produtivas e comer-ciais, quanto até mesmo o interesse em estabelecer o tipo de empreendimento privado que nos dispomos a avaliar. Em uma escala mais detalhada, podemos mencionar ainda que a preferência de implantação destes condomínios tem recaído sobre o contexto das regiões metropolitanas.

Essa escolha não é peculiar ao Techno Park Campinas, pois outros condomínios empresariais também a realizam como estratégia, o que aponta para uma tendência cons-titutiva desta natureza de empreendimentos.

Outros atrativos também estão, de maneira mais geral e não apenas condizente à especificidade do Estado de São Paulo e da Região Metropolitana de Campinas, associa-dos aos modernos fatores de decisão locacional, conforme o que sinaliza Benko (1996) a este respeito: valorização do capital humano, proximidade a universidades e centros de pesquisa, qualidade paisagística, infraestrutura e fornecedores capazes de suprir as necessi-

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dades da produção, segurança local, clima político e de negócios, busca por economias de aglomeração. Observando-se esses fatores, podemos ponderar e compreender por que os demais condomínios empresariais implantados no Estado de São Paulo encontram-se no raio de influência mais direta das metrópoles de São Paulo e Campinas.

Há, assim, fatores objetivos que compõem um conjunto de declarações expressivas das escolhas das empresas que se instalaram no condomínio empresarial Techno Park Campinas, e que estudamos mais detalhadamente. Estas declarações, dadas por represen-tantes das empresas entrevistadas, confirmam algumas das variáveis já mencionadas, mas também relativizam a importância de outras. Estão organizadas no Quadro 1, segundo uma pontuação qualitativa das declarações.5

Quadro 1 – Importância indicada para os fatores de escolha do Condomínio Techno Park Campinas.

Fonte: Pesquisa direta, 2007. Organização: Finatti, 2009.

Os fatores mais significativos declarados foram: a segurança decorrente de se operar em uma área vigiada (74 pontos); o acesso facilitado ao sistema rodoviário de que se apro-veita a localização do empreendimento (44 pontos).

Sobre esses dois aspectos mais importantes, convém notar a especificidade por trás do conceito de “condomínio empresarial” associado ao senso comum, uma vez que a busca por segurança foi uma opção expressiva das empresas; e o oferecimento dela, apoia-da na constituição de um espaço fechado em relação ao meio em que se insere, articula estreitamente o sentido da produção deste espaço com a escolha locacional assumida pelas empresas. Convém lembrar que esta não é uma variável habitualmente presente nos conceitos de parques ou distritos empresariais/industriais, configurações espaciais histori-camente decorrentes de iniciativas do poder público mais comuns no Brasil.

Contudo, são mais notáveis os reflexos atrativos relacionados à vantajosa situação geográfica do empreendimento em relação ao sistema viário interurbano, aqui representa-do por um entroncamento de três importantes rodovias paulistas, o que se relaciona com as vantagens de inserção em um território fluído e, ao mesmo tempo, demonstra como a possibilidade de circulação se mantém como condicionante da instalação industrial.

Por sua vez, a relação com os fluxos imateriais, que não está bem representada no conjunto de fatores indicados como razões da escolha locacional efetuada (apenas 13 pon-tos) pode, entretanto, ser contraposta aos vínculos comunicacionais estabelecidos pelas

Fator de escolha Pontuação

Segurança por operar em uma área vigiada 74Acesso facilitado ao sistema rodoviário 44Proximidade com Campinas (perfil e clientes) 25Proximidade com São Paulo (perfil e clientes) 21Disponibilidade de edificação pronta 20Busca por um ambiente de inovação 19Meios de comunicação oferecidos pelo condomínio 13Disponibilidade de recursos humanos nas proximidades 5Preço da área favorável -Proximidade com Campinas (centros de pesquisa e profissionais) -Proximidade com São Paulo (centros de pesquisa e profissionais) -Convivência com a área verde no condomínio -

5 Se o fator foi declarado co-mo o mais importante entre quatro opções assinaladas, recebeu a pontuação máxi-ma (4). Se o fator declara-do figurou em quarto lugar, entre os mais importantes, recebeu a pontuação míni-ma (1).

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empresas, de modo a se complementar a análise: a totalidade das empresas entrevistadas respondeu positivamente à utilização da Internet como um importante meio de transmis-são de dados. Talvez não tenha sido um fator significativo por contarem previamente com esse tipo de conexão, em relação à situação geográfica de sua localização anterior.

Para melhor caracterizar esta situação geral de escolha, analisamos a composição das empresas que se encontram instaladas no condomínio empresarial, segundo os circuitos produtivos em que se inserem, em diferentes momentos (Gráficos 1 e 2).

Gráfico 1 – Composição das empresas do Techno Park Campinas em 2007

Fonte: Pesquisa direta. Elaborado por Finatti, 2010.

Com este gráfico inicial desejamos destacar que, na medida em que 27% das em-presas são de pesquisa e desenvolvimento e 37% delas estão envolvidas com operações de logística, acreditamos que se pode associar o Techno Park Campinas a um condomínio que, concretizando os objetivos consubstanciados à sua idealização e implantação, de fato atraiu empresas, em sua maioria concernentes às etapas de produção mais associadas ao sistema produtivo flexível.

Entretanto, deve-se destacar também que 23% das empresas instaladas no condomínio são unidades fabris. Isso é indício de que, na verdade, esta natureza de empreendimentos não restringe seus ocupantes, o que comprova os interesses imobiliários associados ao empre-endimento, cujo objetivo é a venda de seus lotes ou aluguel de infraestruturas disponíveis.

Gráfico 2 – Composição das empresas do Techno Park Campinas em 2010

Fonte: Pesquisa direta. Elaborado por Finatti, 2010.

Em 2010, a situação atualizada da composição das empresas indica que se manteve a predominância anterior. Muito embora tenha acontecido a troca de oito empresas, os cir-cuitos produtivos predominantes, de pesquisa e desenvolvimento e operadores logísticos, se mantiveram, reforçando a situação anteriormente verificada.

Para finalizar a exposição sobre os fatores de localização, outros pontos levantados na pesquisa podem também ser avaliados, ainda que eles tenham menor relevância: a

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menção à importância da proximidade aos centros urbanos de São Paulo e Campinas, de forma equitativa (cerca de 20 pontos), reforça que também é importante estabelecer ou manter a proximidade com centros urbanos de grande porte. Isso pode estar relacionado ao ambiente político, financeiro, educacional e cultural que costuma estar associado a estes centros.

Nesse sentido, a proximidade com São Paulo e Campinas foi mencionada como fator de escolha, mas é preciso avaliar os papéis que, de fato, importaram para as decisões locacionais efetuadas, na medida em que a proximidade a universidades e centros de pes-quisa, que supostamente supriria uma demanda por mão de obra qualificada em termos de pesquisa e desenvolvimento, não se apresentou como um fator importante.

De forma complementar, tampouco existiu maior influência do que poderia ser considerado um “ambiente de desenvolvimento”, que corresponde, entre outros aspectos, à iniciativa da produção de amenidades em contraposição a elementos que dificultariam o exercício intelectual – condição esta que o condomínio empresarial até mesmo preconiza em sua propaganda, pautada no tripé “localização estratégica, compartilhamento de servi-ços e ambiente de desenvolvimento”.

Por isso, considerando a natureza das empresas presentes neste condomínio em-presarial e, ainda, enquadrando-as conforme sua maioria, como empresas que agregam tecnologias da informação, parece-nos possível dizer que, prioritariamente, obedeceram aos principais impulsos – objetivos e subjetivos – motivados pela ideia de um condomí-nio empresarial que disporia de segurança e uma localização estratégica, ao passo que, conforme nos revelam os fatores de escolha apontados pelas entrevistas, as condições que remeteriam ao “ambiente de desenvolvimento”, que poderia ser considerado similar aos “meios de inovação” de Castells (1999), estiveram muito menos presentes nas decisões efetuadas, e são ideias que podem ser relativizadas.

A teoria de localização desta natureza de empresas, conforme é apontada pelo autor, sugere que:

Segundo Castells (1989), a dependência que as indústrias de tecnologia da informação apre-sentam em relação à informação requer a localização das funções de criação da informação, que controlam toda uma cadeia de interdependências, em lugares que gozam de potencial técnico e científico de alto nível e de meio inovador (universidades de qualidade, centros de pesquisa e desenvolvimento, públicos e privados, sinergias entre as diferentes instituições, fontes de venture capital de alto risco) (Benko, 1996, p.127-9).

Apesar de, no Estado de São Paulo, a topologia que apresenta o Techno Park Cam-pinas ser indicativa desta proximidade com universidades e centros de pesquisa públicos e privados, verificamos que esta variável não teve muita importância. Além disso, a ideia do relacionamento entre empresas aglomeradas, que remete à sinergia operacional e econômica entre elas, também não foi elemento verificado nas entrevistas realizadas com as empresas.

Por fim, outro discurso que também pode ser relativizado, levando em conta os da-dos sobre o condomínio empresarial, diz respeito à vinculação recente entre as atividades empresariais e a preservação ambiental. Nos fatores propostos, a presença de uma área verde preservada no interior do condomínio não exerceu nenhuma influência sobre as decisões das empresas.

Com base nessas condições, podemos reforçar o significado do empreendimento pri-vado associado aos interesses do capital imobiliário na constituição de uma aglomeração

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de empresas que podem ser consideradas tecnologicamente mais sofisticadas ou mesmo “flexíveis”. O empreendimento realiza uma adequação às variantes territoriais que emer-gem junto ao processo de reestruturação produtiva, no sentido de localizar-se e também permitir localizações concernentes aos requerimentos operacionais destas empresas.

As razões destas escolhas locacionais estiveram muito mais articuladas ao que pro-move este empreendimento – segurança e fluidez territorial em termos materiais e ima-teriais – do que, propriamente, à ocorrência de ambientes de desenvolvimento ou meios de inovação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O condomínio empresarial Techno Park Campinas, aqui tomado como objeto de atenção em função dos agentes econômicos que o produziram e as empresas que nele se localizam, pode ser interpretado a partir de intenções bem definidas de produção e comer-cialização do espaço urbano, de forma que expressam uma estratégia nova assumida pelos agentes imobiliários interessados em ampliar a esfera de suas ações.

A grande maioria das empresas dele participantes, conforme destacado, vale-se da circulação de informações em suas operações, de forma que uma parcela destas é ali mes-mo produzida. Essas empresas são enquadradas, principalmente, nos ramos de pesquisa e desenvolvimento e de operadores logísticos e, assim, tratando-se de empresas concer-nentes ao sistema produtivo flexível, podemos apontar que existe certa atração locacional, definindo ou influenciando as decisões tomadas pelas empresas no tocante ao seu local de instalação e funcionamento. Entretanto, estas decisões foram mais orientadas pelo que o condomínio oferece, enquanto um território fechado e vigiado, e também pela própria situação geográfica do entroncamento rodoviário no qual se encontra, permitindo grande fluidez territorial.

Por isso, em contrapartida ao que é habitualmente encontrado na teoria de locali-zação de unidades produtivas relacionadas ao período de flexibilização da produção, os fatores que determinariam as decisões apresentaram-se como relativos e pouco expressivos em relação aos fatores principais que foram, de fato, apontados pelas empresas.

Assim, a importância dos eixos de circulação, que em determinadas abordagens, co-mo presente em Sposito (2007), podem ser caracterizados como eixos de desenvolvimento associados a uma expressiva atratividade de unidades industriais, correspondem a um fator significativo que denota as estratégias assumidas pelos promotores imobiliários em sua busca pela disponibilidade de fluidez territorial. Por outro lado, a busca por segurança, apesar de ter sido a resposta mais obtida nas entrevistas com as empresas, pode ser reflexo de um contexto conjuntural, de forma que mais estudos devem ser realizados para que se comprove a manutenção desse fator de atratividade aproveitado pelos agentes imobiliá-rios, os quais produzem e se aproveitam de um discurso relativo à insegurança urbana.

Novamente, o vínculo urbanização-industrialização é reforçado pelos processos interpretados a partir do espaço urbano, sendo possível distingui-los, no caso do Techno Park Campinas, na condição de uma manifestação bastante objetiva acerca de um espaço voltado para atender unidades produtivas, mas a partir das estratégias dos agentes imobili-ários. Há, assim, a produção de um espaço urbano que não é orientada, de modo exclusivo ou prevalente, pelas necessidades dos que o ocuparão, mas sim comandada pelos interesses de realização dos capitais que a produzem.

Rodolfo Finatti é mes-trando do Programa de Pós Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected]

Maria Encarnação Bel-trão Sposito é professora adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Presidente Pru-dente, e pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected].

Ar ti go re ce bi do em setem-bro de 2010 e apro va do pa ra pu bli ca ção em fevereiro de 2011.

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RE FE RÊN CIAS BI BLI O GRÁ FI CAS

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A b s t r a c t It is recent the emergence of business condos in the metropolitan area of Campinas. Enterprises are taking advantage of objective and subjective conditions, while promoting them, to accomplish the goal of commercialization of urban soil. Therefore, real estate strategies are conducting the production of these spaces in accordance with the requirements of contemporary business, especially those with more flexible production systems and strategies that require territorial fluidity. This article focuses on the way that Techno Park Campinas stimulated the location decision of productive units, taking advantage of the material and immaterial territorial fluidity promotion, expressed by major transport routes, and providing safety as an added value to the property and relevant to the logic of a condominium.

K e y w o r d s Production of urban space; business condos; territorial flowing; industrial localization; urban security.

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JOGO NO RIO

T a m a r a T a n i a C o h e n E g l e rF a b i a n a M a b e l d e O l i v e i r a

R e s u m o Como, por que e para quem são produzidas as políticas urbanas para os jogos esportivos na cidade do Rio de Janeiro? Os dados apresentados neste trabalho resultam de pesquisa realizada sobre os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, em 2007. O artigo está estruturado em três eixos: discurso oficial; produção e apropriação social dos projetos; cidade democrática. No primeiro eixo, examinamos o que se veiculou como as benesses que os Jogos trariam para a cidade; no segundo, os projetos, a construção e a apropriação social dos equipamentos; e no terceiro, fazemos uma proposta de política pública para o que designamos “uma cidade democrática”. Este encaminhamento analítico tornou possível observar, analisar e apresentar a distância que existe entre o discurso oficial e a realidade dos interesses que com-puseram as estratégias para os jogos na cidade do Rio de Janeiro.

P a l a v r a s - c h a v e Globalização; políticas urbanas; grandes eventos esportivos; Jogos Pan–Americanos; redes; Rio de Janeiro.

IN TRO DU ÇÃO

Quando o governo César Maia propôs a primeira candidatura do Rio de Janeiro para as Olimpíadas, em 1992, assistimos ao seu lançamento em Copacabana. Havia uma co-memoração com ampla participação popular. Lá, pudemos observar caminhões, ao longo da orla, que distribuíam balões de gás. Era possível perceber a lentidão das filas, compostas por muitas crianças, formadas próximo aos caminhões. Ao meio-dia, os balões foram sol-tos, tomando os céus de Copacabana, e pensamos: “esta será a imagem-síntese da solida-riedade carioca para a realização dos Jogos Olímpicos”. Assim lemos a primeira imagem do Rio para os Jogos Olímpicos. À noite, as emissoras de televisão do Brasil transmitiam para o mundo a imagem de uma solidariedade que não encontrava referência na realidade.

Esse é o ponto de inflexão que fez com que o nosso trabalho sobre a natureza do pro-cesso espacial progredisse. Tal ponto nos ajuda a perceber que, além de sua forma material e tangível, os processos de apropriação social são imateriais e intangíveis, e também nos revela que existe uma terceira dimensão do espaço, que se define por sua representação simbólica.

O debate está aberto e a questão teórica está colocada entre aqueles que acreditam que o capitalismo se perpetua, transvestido, e aqueles que examinam as transformações na ordem dos fatos, atores e processos que estão delineando uma nova complexidade que se realiza no entrelaçamento dos campos econômico e político, e que exigem uma orientação analítica alternativa que possibilite avançar na compreensão da realidade vivida.

Esse é o ponto de partida metodológico, que compreende a produção do conheci-mento sociológico como representação da realidade (Morin, 2005). Como nos orienta Bourdieu (1998), a produção de conhecimento novo está associado à pesquisa dos que se propõem a observar os objetos, que fazem a unificação de categorias e conceitos que, reintroduzidos na realidade, são capazes de dar significado aos fatos, atores e processos observados, e, por fim, permitem a realização de procedimentos analíticos.

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J O G O N O R I O

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Não se pode confundir mundialização com globalização. A mundialização é um processo histórico que estendeu as relações capitalistas para além das fronteiras nacionais – quando replicam nos Estados nacionais as experiências de produção dos países centrais. Nesse momento, centro e periferia se definem com clareza. Tais relações se constituem por meio da produção de bens de produção e de consumo. As fábricas são construídas e as tecnologias são importadas para dar suporte ao desenvolvimento de uma sociedade mundial, para a reprodução de relações de produção e de apropriação capitalistas, em que se controla a produção, a circulação de mercadorias e de dinheiro. Nesse processo, identifica-se nitidamente a origem da corporação e das classes sociais. Assim, observam-se as categorias associadas aos modos de produção, circulação, troca e consumo, definidos por Marx (1978). As mercadorias têm um valor de uso e de troca, materialidade e apro-priação social.

Nossa pesquisa revela as formas complexas de articulação entre atores, produção ima-terial e expropriação social. Seus resultados revelam a centralidade da política urbana no contexto da globalização. No capitalismo mundializado, a política urbana produz merca-dorias de natureza física e tangível; já na globalização, a mercadoria desaparece para dar lu-gar a um conjunto de negociações interpretadas por diferentes atores que se articulam em rede e produzem um jogo para o desenvolvimento de negócios nunca antes imaginados.

Desse modo, pretendemos apresentar evidências empíricas e uma análise para re-presentar a complexidade do negócio da expropriação que marca a política urbana das cidades globais.

Para participar da rede de cidades globais, o governo do Rio de Janeiro passou a realizar políticas urbanas capazes de colocar a nossa cidade na competitividade do sistema global. O que podemos observar é a formação de uma rede de corporações dedicadas ao desenvolvimento de grandes eventos para a produção de atividades imateriais de forte conotação simbólica, nas quais os jogos esportivos, o turismo e os grandes projetos são apenas a ponta do iceberg.

Para avançar, é preciso compreender que os atores mudaram. Encontramos redes de corporações globais que agregam grandes e pequenas empresas, governos de países ricos e pobres, agências de entretenimento, empresas aéreas, redes hoteleiras, distribuidoras de turismo, empresas de segurança, escritórios de arquitetura, capital imobiliário, orga-nizações sociais, e tantos outros. E todos atuando em benefício próprio, e de todos seus membros, ao mesmo tempo.

Ao dissecar as partes para entender o todo, é preciso descobrir o interior das redes globais, que se apresentam de forma invisível e altamente complexa. Elas têm peso e leis próprias, se constituem como unidades menores a compor as maiores por meio de suas in-ter-relações. O desafio é entender tais relações, nas quais existem estruturas e regularidades próprias, que fazem a cola entre as suas partes e que moldam e remodelam as redes capazes de fazer a coesão desses atores em beneficio de objetivos particulares e compartilhados.

Se a identificação dos atores é muito importante, não menos o são os objetivos em torno dos quais eles atuam. Mas é preciso ler um conjunto de estratégias que ampliam a mobilidade de pessoas em torno de cidades globais e em busca da satisfação de um desejo de consumo de bens imateriais associados ao entretenimento e à satisfação simbólica.

A sociedade de consumo de bens duráveis está esgotada. Vivemos em uma sociedade que consome bens não duráveis e intangíveis. Por isso a importância do turismo interna-cional, que faz mover milhões de pessoas em torno do mundo e produz ganhos econômicos extraordinários. Para alavancar essa mobilidade, costuma-se realizar um grande evento – na

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área dos esportes, da cultura, da música, dos festivais de cinema, dos congressos científi-cos – capaz de concretizar a estrutura móvel da globalização. Pouco resta dos primórdios da fábrica e da vila operária; estamos diante de uma poderosíssima organização em rede, que defende atividades a serem realizadas nas cidades e que fazem parte do circuito global.

Nessa estratégia do processo de globalização, as cidades ocupam lugar de destaque: nelas se produzem outras necessidades que conduzem a novas subjetividades, as quais redefinem as relações sociais, os corpos e as mentes. Isso, para fugir de uma abordagem meramente econômica, que subordina ao capital-dinheiro o capital político e social. Par-tindo dessa premissa, nos foi possível formular de forma geral a seguinte pergunta: como o processo de globalização transforma a política e a apropriação social do espaço urbano?

No desdobramento analítico foram enunciadas perguntas mais especificas: Qual é o discurso oficial? Quais são os atores e as estratégias de ação? De que forma podemos reconhecer os reais objetivos na produção dos projetos? Quem se beneficia? O que resta dos jogos para a cidade? Como se realizam os processos de expropriação? Como podemos construir uma cidade mais democrática?

Ressalte-se a importância dessa pesquisa na medida em que se aproxima a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, no Rio de Janeiro e no Brasil, respectivamente. Daí a nossa responsabilidade intelectual e cidadã de revelar o que aconteceu com os Jogos Pan-Americanos, na esperança de que os resultados alcançados com a pesquisa acadêmica sejam socialmente apropriados.

DISCURSO OFICIAL

O discurso oficial está articulado a uma enunciação valorativa associada à inclusão da cidade do Rio de Janeiro no sistema de cidades globais. A política de realizar os Jogos Pan-Americanos na cidade é enunciada a partir da certeza de que o evento irá resultar num processo de multiplicação de outras atividades e gerar investimentos diretos e indiretos ca-pazes de atrair investidores e de criar outras tantas atividades. Trata-se, portanto, de uma estratégia de ativação da economia, que tem por objetivo reverter o quadro de regressão econômica carioca. Compreende-se esse processo como uma grande oportunidade de transformar o Rio de Janeiro num palco privilegiado para a realização de grandes eventos.

Por ocasião da eleição da cidade do Rio de Janeiro para a realização dos Jogos Pan-Americanos, e de acordo com o Ministério do Esporte, seria necessária a quantia de R$ 550 milhões. Desse total, cerca de R$ 310 milhões deveriam ser investidos pela Pre-feitura, sendo esperado um retorno de até seis vezes este valor, quando o custo final ficou em torno de R$ 3,7 bilhões.1

Nessa matriz econômica, a cidade passa a ser governada como um cenário para as atividades de turismo, um lugar que detém a infraestrutura necessária para receber extraordinário número de pessoas que irão gastar em moeda estrangeira e estimular as atividades econômicas locais. Esse processo seria responsável pelo desenvolvimento social. A produção de grandes obras estaria por conta de projetos-âncora para o desenvolvimento do turismo internacional. Nesse contexto, seria uma das atividades prioritárias de uma economia globalizada.

O projeto dos Pan-Americanos fez da cidade um grande palco para atrair essa mul-tidão de turistas. O mega-projeto dos Jogos teve por objetivo transformar a urbe numa totalidade espacial, abrigando as mil atividades associadas à realização de eventos dessa

1 Conferir os dados em <http://esportes.r7.com/esportes-olimpicos/noticias/legado-do-pan-foi-determinan-te-para-se-ganhar-a-olimpia-da-20091002.html>.

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magnitude. Tratava-se de uma estratégia que tinha por objeto de produção o consumo de bens simbólicos, a beleza do corpo e a força do jogo. Uma totalidade de ação que transfor-maria a cidade em um palco; o corpo, em bem de consumo; e os sentimentos humanos, em objeto de apropriação. Essa política costuma se transformar num espaço importante quando é capaz de tornar a cidade um espaço da produção de bens simbólicos. O espaço urbano se transforma em cenário, capaz de produzir uma cena em que circulam atletas, médicos e turistas, atores dessa mega representação (Egler, 2007b).

Compreende-se que os resultados são muito importantes sobre o Produto Interno Bruto (PIB) de uma nação, no fluxo do turismo e de seus multiplicadores econômicos, chegando a se constituir, em economias avançadas, em uma máquina capaz de gerar em torno de 10% do PIB. Nessa lógica, a produção de um evento esportivo resulta em ati-vidades econômicas que são ocasionadas pela estratégia de estímulo a eventos desse tipo. E se anuncia a criação de um milhão de empregos diretos e indiretos, como podemos ler em discurso de César Maia.2

Ao mesmo tempo, argumenta-se a favor da construção de equipamentos esportivos que deverão se constituir, após os jogos, no legado para a cidade e seus habitantes. A cida-de carece de equipamentos esportivos, e o esporte é uma política pública para o bem-estar dos cidadãos. O discurso oficial afirma a importância de equipamentos esportivos para uso socialmente justo. Nosso objetivo, aqui, é responder à seguinte indagação: onde está a realidade desse discurso?

A ESTRATÉGIA DE AÇÃO: PROJETOS E SUA APROPRIAÇÃO SOCIAL

O processo de globalização deve ser percebido como um ininterrupto processo de difusão de um modo de pensar que valoriza o espaço simbólico e destrói o espaço real. Para pensar essas relações, Ribeiro & Silva (2005) propõem uma visão à luz do conceito de impulsos globais como vetores que condensam informação e inovação associadas às novas formas de gestão. Essas formas estabelecem um modo de agir sistêmico por meio de tecnologias de informação e comunicação (TIC). Tais impulsos produzem novas formas de difusão das ideias que se propagam pelo mundo a uma alta velocidade e produzem novas formas de dominação. Criam vetores que se transmitem por partículas globais e movimentam todos os outros processos presentes no campo. Definem um novo processo de produção simbólica.

Para responder à pergunta “o que são sistemas simbólicos?”, Bourdieu (1998) orien-ta nossa análise quando dá como exemplos a linguagem, a arte, a religião – e podemos acrescentar a arquitetura. Trata-se de objetivar o sentido do mundo que se define pela concordância das subjetividades, que são estruturantes (senso = consenso), do indivíduo e do coletivo, quer dizer: estamos nos referindo a uma forma social coletiva da subjeti-vidade. Os sistemas simbólicos são instrumentos do conhecimento e da comunicação; fazem a construção e a totalidade do mundo social. Seu poder é estruturante porque são organizados. Fazem a construção da realidade, e esta, por sua vez, tende a estabelecer uma ordem gnosiológica do sentido imediato do mundo e, em particular, do mundo social.

Os sistemas simbólicos definem novas estruturas de poder, já que produzem um discurso que faz a representação do mundo e de novas subjetividades, que transformam as práticas políticas. Aliam-se a isso os fundamentos de poder apontados por Hannah Arendt

2 Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 18/1/2004.

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(1994), como o exercício da ação coletiva que resulta de uma percepção compartilhada do mundo social. A comunicação produz os fios invisíveis que a coesão social constrói em torno de objetivos compartilhados, estabelece o consenso do mundo e cria as possibi-lidades de ação coletiva em defesa de objetivos compartilhados. Na globalização, o poder simbólico se propaga pelo tecido social, por todas as nações e cidades; não é um poder centralmente localizado, mas junta todos na transversalidade dos campos, nações e escalas.

A propagação das ideias não tem fronteiras, e elas seguem vinculadas a impulsos que se concretizam em discursos e produzem uma atração: de governos, capitais e pessoas, ávi-dos em participar de eventos, sendo o objeto de dominação a vida social como um todo, em que o econômico, o político e o cultural se sobrepõem e se complementam (Ribeiro e Silva, 2005; Hardt e Nigri, 1999).

O processo de globalização tem outra forma específica de organização do poder. É uma rede que agrega atores econômicos, políticos e sociais de diferentes países do mundo. Não se identifica o seu comando; incorpora todos os atores dentro de uma ação que se expande rizomaticamente (Egler, 2009c). É uma complexa estratégia de ação para a for-mação da rede que reúne o governo federal, viabilizando o aporte de recursos financeiros; a prefeitura, que entra com as prerrogativas do Estado, o financiamento e a construção dos equipamentos e da infraestrutura; o capital privado nacional, que se responsabilizou pela construção dos grandes empreendimentos esportivos; e as pessoas comuns, com o trabalho voluntário!

A partir dessa estratégia, os atores se posicionam no campo. Vamos ver como esse jo-go acontece na realidade: de que forma esse projeto transforma as condições da existência social na cidade do Rio de Janeiro?

A realização dos Jogos Pan-Americanos teve um custo extremamente elevado. A previsão inicial foi de R$ 691.013.912.3 Hoje, esse valor subiu para cerca de R$ 4 bilhões. O custo médio das quatro edições anteriores (Santo Domingo, Winnipeg, Mar del Plata e Havana) ficou muito abaixo disso: R$ 280 milhões cada. Em outras palavras, o Brasil gastou 14 vezes mais para produzir o mesmo evento, e a maior parte desse dinheiro – cerca de 90% – vem dos cofres públicos.4

Para avançar na investigação, a pesquisa de campo focou nos grandes empreendi-mentos destinados à realização dos jogos esportivos.

QUEM GANHA E QUEM PERDE?

Os atores que participam da rede global produzem estratégias alternativas de ação em defesa de interesses privados. Os Comitês Internacionais dedicados à realização de jogos movimentam milhões de dólares que beneficiam companhias de turismo e aéreas, redes hoteleiras, industrias de equipamentos esportivos, e os promotores dos jogos que arreca-dam milhões de dólares nas bilheterias. Trata-se de um mega-negócio que se realiza pela mediação de redes que atuam globalmente. Os comitês transvertem suas responsabilidades em nome da disputa dos jogos esportivos, para a representação da força e a comemoração entre as nações. É uma estratégia perversa, porque o dinheiro público é alocado na produ-ção da infraestrutura dos jogos – o dinheiro gasto vem dos impostos pagos pela sociedade como um todo – e na produção simbólica de uma realidade inexistente, para que os lucros sejam realizados externamente pelos atores associados em rede, que participam da realização da grande festa. Na verdade, quem perde são os habitantes da cidade, que vêem

3 Conforme Diário Oficial, em 25 de novembro de 2005.

4 Disponível em <http://esportes.r7.com/espor -tes -o l imp icos/not ic ias/legado-do-pan-foi-determi-nante-para-se-ganhar-a-olim-piada-20091002>. <http://www.anovademocracia.com.br/index2.php?option=com_c o n t e n t & d o _ p d f = 1 & i d =293>.

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seus recursos aplicados de forma perversa e carente de justiça social. O campo da política urbana se arma de representações simbólicas para iludir, enganar, mentir e expropriar os interesses públicos.

COMPLEXOS ESPORTIVOS

A seguir apresentamos uma perspectiva do Rio onde podemos ler a localização dos grandes empreendimentos e um quadro em que estão indicados os resultados da pesqui-sa de campo que teve por objetivo identificar a destinação dos equipamentos, os atores responsáveis pelo financiamento e construção, custos econômicos, processo de gestão e formas de apropriação social. Com essas duas representações, dedicadas a revelar produ-ção econômica e apropriação social dos empreendimentos esportivos na cidade do Rio de Janeiro. Esse resultado da pesquisa de campo nos permite apresentar nossa análise.

Figura 1 – Localização dos empreendimentos esportivos

Fonte: Comitê Olímpico Brasileiro

1- Marapendi Country Club; 2- Complexo Cidade dos Esportes (Arena Multiuso, Parque Aquático Maria Lenk, Velódromo); 3- Morro do Outeiro; 4- Complexo Esportivo Riocentro; 5- Complexo Esportivo Cidade do Rock; 6- Centro de Boliche da Barra – Barra Bowling; 7- Centro de Futebol Zico; 8- Complexo Esportivo Miécimo da Silva; 9- Complexo Esportivo Deodoro; 10- Complexo Esportivo João Havelange (Engenhão); 11- Maracanã; 12- Marina da Glória; 13- Aterro (Parque do Flamengo); 14- Orla de Copacabana; 15- Lagoa; 16- Clube Caiçaras

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Quadro 1 – Complexos Esportivos para os Jogos Pan-Americanos – Produção Econômica e Apropriação Social

Nome Destinação Empresa Construtora

Agentes de Financia-mento

Custo em milhões de reais

Natureza do equipa-mento

Capa-cidade de espec-tadores

Gestão atual

Uso social depois dos jogos

Arena Multiuso Basquete e ginástica artística Rio Urbe Prefeitura do

Rio de Janeiro 125.900 Edificação 15.000 Corporação internacional Não

Parque Aquático Maria Lenk

Natação, nado sincronizado e saltos ornamentais

Rio UrbePrefeitura do Rio e o Governo Federal

84.900 Edificação 8.000 COB Não

Velódromo Ciclismo (pista), pa-tinação (velocidade) Rio Urbe

Prefeitura do Rio e o Governo Federal

14.000 Edificação1.500

COB Atletas

Cidade do Rock Beisebol e softbol Rio Urbe Prefeitura 4.700 Instalação temporária 1.500 Sem gestão Não

Complexo Esportivo Riocentro

Badminton, boxe, esgrima, ginástica,handebol, lutas em geral, levantamento de peso e tênis de mesa

– GL Events e Prefeitura 35.000 Instalação

temporária 4.500 – Cultura

Barra Bowling Boliche – Existente Sem custo Instalação temporária 1.000 Privada Não

Morro do Outeiro Ciclismo (Mountain Bike e BMX) – Prefeitura do

Rio de Janeiro 2. 000 Instalação temporária 2.000 – Não

Complexo Esportivo Miécimo da Silva (reforma)

Patinação artística, caratê, squash e futebol

Rio Urbe Prefeitura do Rio de Janeiro 2. 400 Instalação

temporária 4.000 – Estudan-tes

Clube Marapendi Tênis – Prefeitura do Rio de Janeiro 5.100 Instalação

temporária 5.750 Privada Não

Estádio de Remo da Lagoa

Canoagem de velocidade, esqui aquático e remo

Glen Entertai-ments. Ltda

Estado do Rio de Janeiro 13.200 Edificação 3.000 Prefeitura Não

Orla de Copacabana

Maratonas aquáticas, triatlo e vôlei de praia

Empresa Orla Rio, revitalização de quiosques

Governo Federal 14.200 Instalação

temporária Empresa privada Não

Complexo Esportivo João Havelange

Atletismo – Prefeitura do Rio de Janeiro 408.600 Edificação 45.000 Clube

Botafogo Poucas vezes

Maracanã(reforma) Futebol

Governo Federal e do Estado

Governo do Estado e Governo Federal

245.000 Edificação 95.000 Governo do

Estado Normal

Complexo Esportivo Deodoro

Hipismo, hóquei na grama, Pentatlo Moderno (hipismo, saltos, corrida e tiro esportivo) e tiro com arco

Construtora Metropolitana S/A

Governo Federal, Prefeitura e Governo do Estado do Rio de Janeiro

119.800 Edificação 7.000 –

Portadores de deficiência física

Total das instalações temporárias

100.300

Total de edificações 1.002.200

Total 1.102.500

Fonte: Pesquisa de campo, elaborada pela estudante de Geografia e bolsista de IC Paula F. dos Santos.

A pesquisa de campo realizou o levantamento de 15 projetos para a realização de complexos esportivos. São três tipos de projetos: adaptação para instalações temporárias, construção de uma nova obra, e reforma de obra já existente.

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O quadro nos revela importantes informações sobre a destinação da modalidade esportiva a ser desenvolvida nos empreendimentos, tais como ciclismo, natação, atletismo, patinação, futebol e vôlei.

Das 15 obras, sete foram realizadas por instalações temporárias – empresas in-ternacionais vendem o projeto junto à obra. O argumento principal está associado à redução de custos para os governos. O processo se realiza da seguinte maneira: a em-presa examina o local, cria o projeto e parte da utilização de elementos pré-moldados e desmontáveis. Depois da festa, o cenário é desmontado e suas peças transferidas para nova festa em algum lugar do mundo (cf. a entrevista de Christopher Lee, da Populus, empresa especializada em arquitetura e design de jogos olímpicos, em seminário do IAB, 27/05/2010).

Figura 2 – Ruínas do Complexo esportivo Cidade do Rock.

Fonte: Pesquisa de campo.

No que se refere ao processo econômico de produção dos empreendimentos, a Rio Urbe foi (e é) o principal ator, responsável pela construção das edificações vinculada à Secretaria de Obras da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro; e é também a empresa do governo estadual do Rio de Janeiro. Foram contratadas duas firmas privadas para a construção de dois projetos. Na verdade, a grande maioria das firmas construtoras é de responsabilidade do setor público. O mesmo vale para os agentes de financiamento: na rede formada, os custos das instalações são de responsabilidade dos governos brasilei-ros: poder público local, estadual e federal. Os custos econômicos com as instalações temporárias somaram mais de cem milhões de reais; e com as edificações permanentes, R$ 1.002.200.000,00 (um bilhão, dois milhões e duzentos mil reais). Isso sem considerar que esses recursos se referem aos edifícios que foram examinados pela pesquisa e que não respondem pela totalidade dos gastos realizados, em torno de quatro bilhões de reais6 (Silva, 2010).

6 Disponível em <http://www.copa2014.org.br/noti-cias/3088/MP+PODE+REPETIR+FIASCO+DO+PAN2007+DIZEM+ESPECIALISTAS.html>.

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Na última coluna da tabela podemos ler que depois da festa não foi possível observar a apropriação social dos equipamentos. O Engenhão foi arrendado para o Botafogo, e o Complexo Maria Lenk não permite o uso dos equipamentos, nem mesmo pelos nossos atletas consagrados nos Jogos. Nada resta para os habitantes da cidade. Os resultados da pesquisa, apresentados na tabela acima, revelam que em 80% dos casos os complexos esportivos são apropriados de forma privada, e que os atores da rede não permitem o uso social dos equipamentos.

Figura 3 – Estádio de Futebol João Havelange.

Fonte: Google Images.

Figura 4 – Parque Aquático Maria Lenk.

Fonte: Google Images.

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Resta ainda registrar que processo acontece no Maracanã e no Riocentro, ambos reformados para os Jogos e importantes complexos da cidade, com tradição consolidada ao longo do processo histórico. Podemos considerar que se trata de uma apropriação socialmente justa no uso e ocupação dos seus espaços, enquanto construídos de fora para dentro, respondendo por uma ação material que destitui os sentidos do lugar. Mas isso é pouco diante dos desafios que observamos para o futuro de nossa cidade.7 É nosso objetivo avançar na pesquisa para examinar outros projetos e seus resultados para o alcance da justiça social. Isso para responder à pergunta: onde foram aplicados os 3 bilhões restantes?

Como podemos observar, a parceria é desequilibrada, o investimento para a cons-trução dos empreendimentos é de responsabilidade do setor público carioca, e os ganhos são realizados pela rede de corporações globais. A infraestrutura é produzida localmente com recursos públicos pagos pela sociedade como um todo, mas os lucros são apro-priados pelas empresas dedicadas às atividades de turismo, como as agências de viagem, redes de hotéis, operadoras de reservas, empresas aéreas e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) – estes constituem a rede de corporações atuante no mundo global. O dinheiro nem chega a entrar, porque é empenhado na compra dessa particular mercadoria in-tangível e simbólica, a participação no evento esportivo. Ele fica fora do país, uma vez que os pagamentos são intermediados por cartões de crédito; e certamente é um grande negócio, por estar associado a uma economia intangível e simbólica, em que se monta um negócio invisível que pouco ou nada acrescenta às condições de vida numa cidade como a do Rio de Janeiro.

A REDE DO JOGO

Trata-se, portanto, da construção de um complexo sistema de atores em rede, e este tem por objeto constituir uma rede de cidades globais – conectando territórios por fluxos de tecnologias de informação e comunicação, constituindo uma espacialidade global, arti-culando diferentes escalas e esferas de ação que reúnem, sob um mesmo manto, interesses de corporações globais, de governos nacionais e capital imobiliário local. Poderíamos compará-lo à preparação de uma festa de aniversário. Mas quem utilizaria recursos pró-prios para mandar erguer o edifício da festa, convidaria pessoas que não conhece, faria um menu que lhe fosse estranho, serviria os convidados de forma subalterna, sem que tivesse o direto de sentar à mesa – mesmo depois da festa terminada?

É isso o que os nossos governantes fazem com a nossa cidade e seus cidadãos!Apesar de o discurso prometer melhorias na condição da existência social dos mora-

dores da cidade, nada resta. O discurso do legado cai por terra, a apropriação social não existe e fica uma ação que produz capital simbólico, cria a ilusão do bem-estar social e apropria sentidos, emoções e vida.

Senão, vejamos: o espaço simbólico é aqui compreendido como uma linguagem que representa o poder que as pessoas detêm sobre sua produção e apropriação. Todo espaço tem uma representação que hierarquiza a posição dos grupos sociais no espaço. Esse poder do espaço simbólico é resultado de um processo de representação que dignifica aqueles que têm o poder de se apropriar e estigmatiza aqueles que estão excluídos.

A novidade está no fato de que essa política urbana representa novas formas de expropriação e dominação. A cidade e seus cidadãos são transformados em objetos de

7 Disponível em <http://j bon l i n e . t e r r a . com .b r /p e x t r a / 2 0 0 9 / 0 9 / 2 9 /e29099369.asp>.

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interesses de fora. E isso nada tem a ver com a produção de mercadorias. Lembrando Marx (1978), a mercadoria está associada à produção de materialidades com valor de uso e de troca, e o ciclo de sua produção responde por um processo de produção, circulação, consumo e troca. O processo de acumulação resulta de uma relação de apropriação do trabalho alheio, que se realiza a partir do capital sobre o trabalho, se transforma em mais--valia e produz o ciclo de reprodução do capital e suas formas específicas de acumulação.

O processo que estamos examinando é muito mais complexo que a simples produção de mercadorias. Primeiro, porque não é um capital singular, mas uma rede que associa organizações internacionais, corporações, governos e pessoas com interesses privados compartilhados. Segundo, porque não se produz nenhuma mercadoria; o que se vende é um capital simbólico para os turistas e moradores, quando se condensam promessas de felicidade pela participação em Jogos que representam a unificação de nações. E é cruel, porque se processa por meio de um discurso que convence milhares de pessoas e represen-ta uma realidade que não existe.

É uma estratégia que delega às organizações internacionais, como é o Comitê Olím-pico, a mediação de negociações em nome da paz mundial. E a partir de uma série de exigências, se produz um concurso mundial para abrigar grandes eventos globais. Para participar da festa global, os governos locais montam uma estratégia de grandes obras e arcam com os investimentos necessários. Ao final da festa, a máscara cai, e não sobra nada para turistas e moradores da cidade. Como podemos observar, é uma estratégia que se estrutura sobre a formação de uma rede que se move por uma ação que associa atores locais e globais em defesa dos interesses da rede. O que é muito diferente do papel dos atores e do ciclo de acumulação descritos por Marx.

No importante estudo de Steven Johnson (2003) sobre as teorias da auto-organi-zação, cujo objeto de investigação são os fenômenos que associam os elementos com as partes, o ponto de partida de sua reflexão é o estudo do fungo Dictyostelium discoideum, que tem como característica a capacidade de existir de forma isolada e coletiva. Suas cé-lulas se aglomeram e se separam de acordo com o contexto do mundo exterior: quando o ambiente é hostil, elas se separam; quando o ambiente é mais favorável, elas se unem para formar um único organismo.

Para avançar em nossa análise, é preciso examinar as relações que se estabelecem entre aqueles que atribuem o poder aos “de cima” e os que o reconhecem nos “de bai-xo”. Os teóricos da mundialização e da manutenção da lógica capitalista reconhecem nas relações verticais e em suas lideranças a capacidade de produzir a expropriação. Esta hipótese, que considera necessária a liderança do capital para a realização do ganho eco-nômico, reina até hoje, já que é muito difícil de se pensar em termos de uma ação que reúna capitais e governos.

Para entender o funcionamento das redes que fazem a defesa do interesse de fora, é necessário compreender a complexidade dos sistemas examinados. Neles é possível demonstrar que as estruturas se constituem por um processo que produz relações que mesclam interesses de diferentes esferas e escalas. A pesquisa de Johnson (2003) sobre as redes revela um processo de exercício do poder que pode se manifestar de baixo para cima – ele o denomina de “emergência”. A emergência está associada ao significado imanente da evolução dos sistemas; emergir é fazer aparecer o que está embaixo para ocupar uma posição em cima. Os resultados alcançados por seu estudo revelam como os comporta-mentos emergentes ficam mais inteligentes com o tempo e reagem de forma mais positiva às necessidades mutantes do seu ambiente (Johnson, 2003).

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Essa importante contribuição conduz nossa reflexão ao entendimento das leis da emergência no processo de produção e de apropriação do espaço urbano, no contexto da sociedade da informação e da comunicação globalizada – quando podemos identificar redes que mesclam interesses individuais e podem se constituir coletivamente de forma horizontal e cooperativa. São esses os fundamentos teóricos que sustentam nossa interpre-tação sobre a importância da comunicação, que intermedeia os indivíduos na formação de redes, os reúne em lugar comum, possibilitando o poder de expropriação coletiva. Todos os associados ganham no jogo, uns mais, outros menos.

No processo de expropriação que estamos estudando, as relações são mais complexas, vão além do valor de uso e de troca. Porque o objeto se constitui em uma representa-ção que expressa o capital simbólico dos indivíduos participantes do sistema de cidades globais. Quando as cidades passam a ser lugar de prova e de consagração dos indivíduos que participam do seu sistema global, há uma forte hierarquia entre os indivíduos parti-cipantes e aqueles que não participam, determinando práticas sociais que expressam uma lógica geral do comportamento social dos indivíduos globais. Quer dizer: a separação entre capitalistas e trabalhadores não pode mais ser uma referência teórica, porque são novas as relações sociais que explicam as diferenças entre os indivíduos que participam e os que não participam das comemorações globais. Mas esse processo não se esgota entre os indivíduos globais; ele perpassa todo o tecido social e penetra nos canais invisíveis da integração, plasmando a estrutura de valores da sociedade.

O espaço simbólico estabelece sentidos de superioridade social e moral, autopercep-ção e reconhecimento, que conduzem a práticas sociais inaugurantes de novas relações de inclusão e exclusão entre os grupos globalizados e não globalizados. Os grupos dominantes se autoatribuem a condição de pessoas com maior valor humano; e os outros grupos são considerados compostos de pessoas de menos valor humano – é construída uma barreira afetiva entre os grupos globais e os locais (Bauman, 1999).

Atualmente está em debate a realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpí-adas em 2016. Os projetos se centram na produção de uma infraestrutura de transportes capaz de articular os territórios renovados para os jogos. Para a Copa do Mundo de 2014 estão incluídas 59 obras, 12 delas em reformas de estádios. O custo total previsto é de R$ 17,52 bilhões, incluindo verbas federais, estaduais e privadas.

A questão principal se estende entre sediar as atividades principais no centro da cidade ou na Barra da Tijuca, sendo os projetos de arquitetura e urbanismo propugnados e discu-tidos quanto à localização, custos econômicos e benefícios para a cidade e seus moradores.

As evidências empíricas apresentadas nos permitem demonstrar como é efêmera a produção do espaço simbólico, pois, depois da festa, a máscara cai e sobra uma grande dívida para as pessoas no que diz respeito à sua realidade social.

Trata-se, também, de um processo que gera o esgarçamento do tecido social e amplia a violência. Para alterar essa relação é preciso estabelecer limites ao processo de dominação e fazer políticas urbanas associadas ao desenvolvimento do espaço social em si, e não de sua representação simbólica, além de produzir um conhecimento que orienta a formulação de propostas alternativas de políticas urbanas, tendo por objetivo a equidade econômica, a liberdade política e a justiça social nas cidades. Compreendemos que isso só será possível com a mudança do sistema político.8

O que fazer para produzir uma cidade mais democrática?

8 Análise do professor Rainer Randolph apresenta-da no curso de doutorado (Ippur/UFRJ, 2007) sobre “Estado, planejamento e ter-ritório”.

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REDE DO RIO

Conhecemos os limites da democracia representativa. Quando Habermas (1990) propõe uma democracia radical, ele conhece os limites do sistema político atual e sugere novos caminhos para sua realização. Segundo o autor, o importante é a trans-formação do sistema político e não a mudança de partido. É preciso distinguir entre democracia liberal e democracia radical. A primeira é construída sobre pressupostos de participação de indivíduos em eleições. A segunda está estruturada sobre pressu-postos de formação de coletivos em todas as esferas da vida cotidiana (Habermas, 2000). Existe uma grande diferença entre os fundamentos da democracia liberal e os da democracia radical. Enquanto a primeira delega o poder, a segunda reconhece a formação do poder pela ação coletiva, por dentro do tecido social. A democracia liberal é representativa e parte do indivíduo; o coletivo se define no mercado, sendo este uma categoria econômica. A democracia radical de Habermas parte do coletivo, é uma categoria política.

A comunicabilidade assegura “a vontade popular” como expressão da “vontade coletiva, quando cada um pode utilizar o mesmo sobre todos e todos sobre cada um” (Habermas, 1990). A questão está, portanto, associada à produção do espaço público no qual se propõe o exercício da vontade coletiva e uma sociedade organizada em forma de associação, em vez de mercado livre e de coerção. Trata-se de valorizar um sistema político que focalize a espontaneidade e a auto-organização social.

Mas como fazer isso?O espaço público é mal compreendido; às vezes ele está associado às suas formas

edificadas; outras vezes, aos processos eleitorais. O conceito de espaço público que uti-lizamos associa-se à comunicabilidade em geral, e ao seu papel na formação do tecido social. Para nós, é uma relação social que permite o compartilhamento de ideias, que possibilita a criação de um senso comum e conduz à formação de identidades; permite a coesão social e o exercício da ação política transformadora. Trata-se de entender o papel da comunicação na unificação dos indivíduos em sociedades.

Como foi possível perceber, na análise da Rede do Jogo, quanto maior a capacidade dos sistemas de se unificarem, maior é o poder de formar a opinião coletiva e a defesa de interesses compartilhados. É preciso perceber que estamos diante de formas alternativas de organização econômica e política, o que exige novas formas de resistência social. Por isso, nossa proposta é fazer avançar o pensamento para a importância da formação de um espaço público alternativo, que queira constituir uma rede do Rio, ou seja, uma rede social que se comunica em benefício da formação de um espaço público para a defesa das condições de vida e trabalho na cidade.

Por que o debate é importante?Em geral, considera-se que o poder deve ser exercido pela máquina política, pelos

especialistas e pelos burocratas. Nessa interpretação, os cidadãos não seriam capazes de exercer o governo; a vida de todos deveria ser racionalizada e gerida pelos mais preparados e habilitados técnica e politicamente. É quando se considera que o governo da sociedade é incompetente para decidir sobre o seu destino. Mais do que isso: como o bem comum significa coisas diferentes para pessoas diferentes, seria impossível reconhecer a vontade coletiva. Essa é a posição hegemônica.

A pergunta, então, é: quem são os atores da enunciação do discurso que forma a vontade coletiva?

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J O G O N O R I O

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Enquanto o discurso da mídia é de um para todos, o discurso na Internet pode ser de todos para todos. Essa é a condição que move nossa proposta: produzir um discurso alter-nativo, mediado por tecnologias de informação e comunicação (TIC), que possa produzir uma nova interlocução, capaz de instigar uma vontade coletiva contra-hegemônica. Boa-ventura Souza Santos (2002) revela os caminhos da democracia participativa, compreen-didas como prática cotidiana, como forma de aperfeiçoamento da convivência humana, de uma nova gramática de organização da sociedade e da relação entre Estado e sociedade, para toda organização econômica, política e cultural.

Pretende-se, portanto, valorizar a formação de coletivos em todas as esferas da vida social, quer seja na vida cultural, na economia e na política, e valorizar as referências solidárias e coletivas. Isso quer dizer que compreendemos, como alerta Bobbio (1978), que o exercício da democracia não é a participação de todos em todas as questões. Os problemas da escola, do bairro, da cidade não são os mesmos que os da energia, dos transportes e do saneamento. Por isso, importa compreender que cada questão deve ser tratada por cada grupo que com ela se identifica. Dessa forma, os problemas de crianças deficientes são tratados pelos pais de crianças deficientes, que se associam em rede, com a participação de organizações governamentais e redes sociais. Assim, também, os pro-blemas dos jogos na cidade do Rio de Janeiro podem e devem ser objeto de uma rede que se dedique à defesa da nossa cidade – para fazer frente aos efeitos das máquinas de controle da criatividade social.

Só nos resta contar com a importância da ação coletiva, orientada para a informação do que acontece na realidade em busca de objetivos coletivamente elaborados (Bourdieu, 1998). Para validar a vontade coletiva é preciso, primeiro, que exista a liberdade de opinião e difusão do conhecimento. É nesse lugar analítico que está posicionada a nossa resposta à pergunta “como fazer uma cidade mais democrática”. A proposta é criar a Rede Rio, apta a promover a difusão da informação e do conhecimento e a ampliar o debate sobre a política urbana na cidade do Rio de Janeiro.

Propomos a formação de uma rede abrangendo um campo que produza a associação de diferentes atores, tendo por objeto de ação a defesa das condições de existência social na cidade do Rio de Janeiro. A proposta objetiva criar uma rede de proteção que se proponha a realizar o acompanhamento e o reconhecimento dos principais atores que participam da concepção e realização dos programas e projetos de ação.

Essa rede deve ter como propósito, ainda, conectar, associar e articular a ação de la-boratórios de pesquisa acadêmica, instituições governamentais, organizações da sociedade civil, empresas de capital privado e pessoas, a fim de estabelecer uma mediação entre os atores que tenham por objeto de ação as políticas urbanas para a realização da Copa do Mundo na cidade do Rio de Janeiro e das Olimpíadas em várias cidades brasileiras.

Daí a importância da ação coletiva orientada para a busca de objetivos elaborados de forma conjunta – seja em partidos políticos, associações ou organizações da sociedade civil (Bourdieu, 1998b). Isto nos permitirá examinar como as tecnologias de comunicação e de informação podem ser utilizadas para formar redes que exercem a dominação na defesa de seus interesses particulares, e também para formar outras redes sociais, as quais, ao contrá-rio, exercem a libertação na defesa de interesses coletivos. Precisamos inverter as relações de dominação – no lugar das redes que dominam o jogo do Rio, redes que formem um coletivo para a defesa da vida na cidade do Rio de Janeiro.

Tamara Tania Cohen Egler é doutora em Socio-logia (USP); professora do Instituto de Pesquisa e Plane-jamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ); pesquisadora do CNPq; cien-tista do Nosso Estado da Faperj. E-mail: [email protected]

Fabiana Mabel de Oliveira é arquiteta; mestre em Artes e Tecnologia pela Univer-sidade de Brasília; bolsista de TCT da FAPERJ. E-mail: [email protected]

Ar ti go re ce bi do em setem-bro de 2010 e apro va do pa- ra pu bli ca ção em fevereiro de 2011.

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T A M A R A T . C O H E N E G L E R , F A B I A N A M . D E O L I V E I R A

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RE FE RÊN CIAS BI BLI O GRÁ FI CAS

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A b s t r a c t How, why and for whom are urban policies for sport games in Rio de Janeiro produced? The data presented here result from a research conducted on the Pan American Games held in Rio de Janeiro in 2007. The paper is divided in three axes: official discourse; production and social appropriation of the projects; democratic city. The first axis will examine what was reported as benefits that the Games would bring to the city; in the second, the projects, the construction and the social appropriation of the equipments; and in the third, we will make a public policy proposal for what we call “a democratic city”. This analytical way allowed us to observe, analyze and present the gap between the official discourse and the interests that made up the strategies for the games in Rio de Janeiro.

K e y w o r d s Globalization; urban policy; major events; Pan-American Games; Networks; Rio de Janeiro.

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URBANIZAÇÃO BRASILEIRA Um Olhar Sobre o Papel das Cidades Médias

na Primeira Década do Século XXI

A n g e l a M o u l i n S . P e n a l v a S a n t o s

R e s u m o O objetivo deste artigo é refletir sobre o papel das cidades com população superior a 100 mil habitantes na rede urbana brasileira na primeira década do século XXI. Partimos da premissa de que está em curso uma tendência de urbanização com concentração da população em um número reduzido de cidades, em um contexto de perda de centralidade da Indústria. Nesse processo, afirmam-se as metrópoles, mas aumenta a relevância de um grupo de cidades de médio porte, algumas das quais se tornaram centros regionais e articu-ladoras do território. Estamos chamando esse grupo de “cidades médias não metropolitanas” as cidades com população superior a 100 mil habitantes que não sejam capitais estaduais ou localizadas em regiões metropolitanas. A urbanização crescente com maior polarização espacial tem sido alimentada pela maior geração de empregos naquelas cidades, o que torna necessário que sejam implementadas políticas públicas que visem mitigar os efeitos da crise urbana que as metrópoles já experimentam.

P a l a v r a s - c h a v e Cidades médias; urbanização; polarização espacial; geração de empregos; rede urbana.

IN TRO DU ÇÃO

O objetivo deste artigo é refletir sobre o papel das cidades com população supe-rior a 100 mil habitantes na rede urbana brasileira na primeira década do século XXI. Apesar de ser um pequeno número de municípios, participam com elevado percentual da população e das atividades econômicas do País, além de experimentarem fortes pressões que poderão levar aos já conhecidos efeitos da crise socioambiental vivenciada pelas metrópoles.

Partimos da premissa de que está em curso uma tendência de urbanização com gran-de volume da população em um número reduzido de cidades, em um contexto de perda de centralidade da indústria. Nesse processo, afirmam-se as metrópoles, mas aumenta a relevância de um grupo de cidades de médio porte na rede urbana, algumas das quais se tornaram centros regionais e articuladores do território. Estamos chamando esse grupo de “cidades médias não metropolitanas” – cidades com população superior a 100 mil habitantes que não sejam capitais estaduais ou localizadas em regiões metropolitanas.

O trabalho está organizado em três seções. Na primeira, apresentamos dados sobre a situação da população mundial para sugerir que está em curso um processo de intensi-ficação da urbanização e concentração da população em poucas cidades. Esse é o resul-tado da expectativa suscitada pela teoria urbanística que indica a perda de centralidade da Indústria em favor dos Serviços como setor gerador de empregos. Nessas condições, são as grandes cidades que reúnem infraestrutura mais adequada à dinâmica econômica globalizada. O crescimento urbano, no entanto, vem transbordando para cidades médias,

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U R B A N I Z A Ç Ã O B R A S I L E I R A

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que passam a apresentar o meio técnico disponível nas áreas metropolitanas, ainda que em escala reduzida.

Na segunda seção, observamos a evidência empírica, analisando alguns indicado-res construídos a partir do Censo 2000 e do Cadastro Geral de Empregos do Ministério do Trabalho. O objetivo é situar os 252 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, analisando se há base empírica para que cumpram o papel que a teoria urbanística sugere. Os indicadores sociais municipais proporcionam um retrato desses municípios no início da década, enquanto os dados de empregos permitem avaliar seu desempenho ao longo da primeira década do século XXI. Em uma primeira subseção, analisamos dois indicadores sociais municipais: a renda média dos responsáveis pelos domicílios e o grau de vulnerabilidade dos residentes nos municípios brasileiros. Esses dados permitem identificar duas dimensões da importância desse grupo de municípios na rede urbana: o valor do rendimento dos trabalhadores e alguns elementos que possi-bilitam inferir as condições de vida de seus residentes. Na segunda subseção observamos a evolução de outro indicador da atração exercida por aqueles municípios: os empregos gerados ao longo da primeira década do século XXI. Utilizamos esse indicador por existirem informações atualizadas e por refletirem melhor o dinamismo econômico que impacta positivamente as condições de vida da população local do que a evolução do Produto Interno Bruto (PIB). Em ambos os casos, buscamos evidências de que os municípios de maior porte populacional oferecem maiores oportunidades de emprego, o que explicaria sua importância crescente na rede urbana brasileira, destacando sempre o papel das cidades médias.

Na terceira e última seção, apresentamos as conclusões do estudo.

UMA REDE URBANA MENOS EQUILIBRADA

Intensificação da Urbanização com Concentração da População nas Grandes Cidades

O grau de urbanização da população mundial em 2005 atingiu 48,6%, mas, segun-do estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2007, esse percentual atingirá 50,6% no ano de 2010. Enquanto a população rural cresce a uma taxa anual de 0,37%, a população urbana evolui a uma taxa muito maior, de 1,98%, anual (ONU, 2007).

Segundo o mencionado estudo, o aumento da urbanização da população será acompanhado de crescente concentração da população em cidades de maior porte popu-lacional: em 2005, existiam 18 cidades com população igual ou superior a 10 milhões de habitantes, número que avançará para 20 no ano 2010; é previsto também o aumento de 8 para 9% da contribuição dessas cidades para a população urbana. Por sua vez, o número de cidades com população inferior a 500 mil habitantes tende a aumentar, mas sua contribuição para a população urbana mundial cairá de 52% para 51%.

Essas médias mundiais escondem importantes diferenças entre as distintas regiões: enquanto na África o percentual de urbanização da população não atinge 40%, ainda que crescente ao longo do período 2005-2010, nos países da América Latina e Caribe, essa taxa é o dobro, isto é, atingirá 79,4% no ano 2010. Trata-se de níveis de urbaniza-ção superiores aos apresentados pelos países das chamadas “regiões mais desenvolvidas”, cujo grau de urbanização da população também era crescente, e em 2010 atingirá 75%.

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A N G E L A M O U L I N S . P E N A L V A S A N T O S

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O Sudeste Asiático também experimenta crescimento da urbanização de sua população, que, entretanto, no ano 2010 atingirá apenas 48,5%.

Todas as regiões consideradas, exceto a África, experimentam taxas negativas de crescimento da população rural, mas todas vêm apresentando taxas positivas de aumento da população urbana. A elevada taxa de população rural só é significativa no grupo dos “países menos desenvolvidos”, em que menos de 30% da população é urbana, ainda que venha crescendo à taxa média anual de 4,1%, muito mais intensamente do que o 1,69% de crescimento da população rural.

Considerando apenas os países da América do Sul, a taxa de urbanização da po-pulação passará de 81,8% em 2005 para 83,7% no ano 2010. Enquanto a população rural experimenta declínio de 0,93% na taxa média anual, a população urbana apresenta crescimento médio anual de 1,7%. A maior contribuição para esse crescimento virá das cidades com população entre 1 e 5 milhões de habitantes, que passarão de 29 para 35 no quinquênio considerado, o que significa aumento de 20% para 22% na população urbana deste subcontinente. As cidades com menos de 500 mil habitantes, apesar de aumentar em número, vão ter sua participação na população urbana diminuída, de 50% para 49%.

Entre os países mais populosos e/ou com os maiores PIBs regionais, há forte concen-tração de população vivendo em cidades com mais de 750 mil habitantes. As principais exceções são alguns países europeus de ocupação antiga, anterior à Revolução Industrial, como a Alemanha e a Suécia, que se caracterizam por maior dispersão de sua população. Na maioria dos casos, pode-se identificar uma relação positiva entre concentração da po-pulação em cidades de grande porte e importância econômica (em valor do PIB), o que sugere que haja forte concentração de oportunidades de emprego nas grandes cidades.

O “Demographic Yearbook 2007” da ONU utiliza o corte dos 750 mil habitantes para caracterizar a tendência à concentração da população em grandes cidades. Trata-se de um instrumento metodológico arbitrário, como seria qualquer recorte para permitir a caracterização da rede urbana em países tão distintos quanto são o Brasil, a Rússia, a Holanda ou a Nova Zelândia. Mesmo no caso brasileiro, um recorte pelo número de habitantes também seria arbitrário, uma vez que o extenso território nacional comporta uma grande diversidade de base produtiva e ocupação socioterritorial. Poderíamos ilustrar tal diversidade comparando o papel que uma cidade de 750 mil habitantes ocupa na rede urbana da região Sudeste com outra localizada na região Centro-Oeste: no primeiro caso, a cidade pode fazer parte de uma região metropolitana na condição de cidade periférica, enquanto que no segundo caso, certamente se trata de uma capital ou centro regional, com papel de articuladora do território regional ou, pelo menos, sub-regional.

Outra consideração a ser feita a propósito da arbitrariedade nos cortes pelo tamanho da população refere-se às mudanças ocorridas nas funções urbanas ao longo do tempo. Em estágios iniciais, o processo de urbanização esteve associado à expansão industrial e/ou reor-ganização da estrutura produtiva rural, liberando trabalhadores que se dirigiram às cidades. Etapas subsequentes, no entanto, têm diminuído a importância da industrialização, ainda que o processo de urbanização venha se acelerando, como indica o mencionado estudo de-mográfico da ONU. Nestas condições, eram as cidades com população entre 50 e 250 mil habitantes aquelas que apresentavam as funções intermediárias na rede urbana brasileira. Esse foi o entendimento dos pesquisadores que elaboraram o estudo “Sistema Urbano e Cidades Médias no Brasil” (Andrade & Lodder, 1979) durante a década de 1970. A partir dos anos 1990, outros estudos passaram a utilizar o limiar de 100 mil habitantes para ca-racterizar o tamanho mínimo das cidades médias com aquelas funções urbanas intermediá-

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rias entre as metrópoles e as cidades pequenas. Podemos citar, nesse sentido, outro estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2001, que denominou cidades médias aqueles municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes.

Neste estudo, pretendemos lançar um olhar sobre as “cidades médias”, aqui defi-nidas como aquelas com mais de 100 mil habitantes e que não sejam capitais estaduais. Essas últimas compõem o grupo de cidades com maior população e que, além disso, tornaram-se núcleo de áreas metropolitanas que incluem outros municípios vizinhos, for-mando uma urbanização estendida, fenômeno socioterritorial que não encontra equiva-lência nas fronteiras político-administrativas dos municípios que o compõem. As cidades médias, por sua vez, foram divididas entre as metropolitanas e não metropolitanas, sendo as primeiras situadas em regiões metropolitanas nucleadas por capitais estaduais, o que as exclui da condição de centros regionais, articuladoras do território. Tal condição tende a ser exercida pelas “cidades médias não metropolitanas”, sendo que o aumento do número destas cidades e do seu peso demográfico na população brasileira sugere sua relevância crescente na rede urbana brasileira.

A utilização do corte de 100 mil habitantes, apesar das críticas a que tal metodologia está sujeita, deve-se ao fato de que os resultados da pesquisa sobre a localização municipal dos empregos gerados ao longo do período considerado não se alteram em relação à meto-dologia da pesquisa REGIC/IBGE, que classifica os municípios brasileiros segundo seu grau de centralidade na rede urbana do País. Segundo o IBGE, existem 143 municípios com algum grau de centralidade (metrópoles, capitais regionais, centros sub-regionais e centros de zona). Desses, apenas 1, Ijuí (RS), não tinha população superior a 100 mil habitantes. Portanto, dos 252 municípios brasileiros que tinham população superior a 100 mil ha-bitantes em 2007, 110 não tinham nenhum grau de centralidade: as 96 cidades médias metropolitanas e apenas 14 cidades médias não metropolitanas. Encontramos a mesma forte concentração da geração de empregos nas cidades com mais de 100 mil habitantes e no grupo de municípios com algum grau de centralidade, segundo o critério utilizado pela pesquisa REGIC/IBGE, como mostraremos nas tabelas 4 e 5.

Ordem Econômica do Século XXI Diminui Centralidade da Indústria no Processo de Urbanização

A literatura contribuiu para disseminar uma imagem das cidades como lugares de libertação dos “grilhões da terra”. Essa imagem choca-se com a experiência atual dos resi-dentes nas grandes cidades. O início do século XXI tem sido marcado pela intensificação da urbanização mundial, com tendência à concentração nas grandes cidades. A avassala-dora urbanização mundial gerou imensas áreas urbanas, no sentido que lhe dá Françoise Choay (Lo Urbano, 2004), uma espécie de “cidade difusa” que tem empurrado os pobres para as franjas dessas áreas, onde o preço da terra é mais baixo e, assim, acessível à popu-lação de menor nível de renda. O baixo preço, no entanto, é a expressão da inadequação da infraestrutura, o que representa um custo para o deslocamento cotidiano da população que ali reside. Esse custo, que se manifesta em longos percursos que consomem horas e recursos dos pobres, acaba por resultar em novos grilhões que aprisionam os pobres nessa atual urbanização concentrada.

Tal fenômeno suscita o questionamento sobre o porquê de a população seguir dirigindo-se até essas áreas polarizadas, onde ficará enredada neste novo tipo de “grilhão da terra”. A resposta mais provável associa-se à distribuição espacial das oportunidades de

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trabalho. Essas, por sua vez, estão relacionadas à dinâmica do capitalismo contemporâ-neo. Segundo a teoria urbana, o processo de globalização tem contribuído para modificar o modo como é estruturado o território, desde que as finanças sucederam a indústria como atividade dominante (Castells, 1999; Hall, 2004; Sassen, 2003; Harvey, 1992). O resultado tem sido o fortalecimento (e não o enfraquecimento) das metrópoles, que se tornaram pontos essenciais na economia contemporânea, tendo em vista a concentração de serviços especializados e de grande porte que permitiriam a conexão com outras metró-poles em um mundo globalizado. Trata-se daquilo que Milton Santos (1996) denominou “meio técnico” adequado à acumulação capitalista, disponível em grandes áreas urbanas.

Durante a fase em que o setor industrial comandou a dinâmica econômica, havia tendência à aglomeração espacial e à geração de cidades primazes; essas articulavam o território dos Estados nacionais em benefício do processo de industrialização, tornando as demais cidades e/ou regiões dependentes das decisões emanadas desde aquele núcleo industrial e demográfico líder.

A partir do último quartel do século XX, contudo, a indústria vem perdendo centra-lidade na dinâmica econômica, e as cidades primazes perderam atratividade como lócus da indústria, tornando-se “economias de serviços”.

De acordo com Benko (1996), na atual ordem globalizada, a estruturação do espa-ço assume uma nova característica, resultante da interação de três elementos principais: as indústrias de alta tecnologia, as atividades artesanais e as economias de serviços. As últimas estão presentes sobretudo nos espaços metropolitanos; as atividades artesanais (ou atividades produzidas em micro e pequenas empresas) apresentam padrão locacional mais disperso, ainda que tendam a se estabelecer em um número maior de cidades de porte médio.

Os serviços voltados para a produção (como serviços de controladoria, jurídicos ou financeiros) demandam um contingente de trabalhadores altamente especializados, somente passíveis de serem encontrados nas grandes metrópoles onde exista oferta desse tipo de força de trabalho, bem como infraestrutura logística adequada às tecnologias de informação e comunicação (Sassen, 2003).

De acordo com Harvey (1992), uma das manifestações da nova ordem econômica in-ternacional é o processo de “compressão tempo-espaço”, para o qual foi fundamental o de-senvolvimento de novas tecnologias, que permitem vencer as distâncias rapidamente e com baixo custo. Entretanto, nunca será atingida a neutralidade do espaço, e a aglomeração se mantém, ainda que por motivos distintos daqueles que levaram à concentração espacial durante a industrialização. A articulação do território por meio do espaço eletrônico está produzindo uma nova hierarquia urbana, no topo da qual, as cidades globais se mantêm, consolidando seu papel de comandantes da organização do território em escala global.

No Brasil, esses fenômenos também estão presentes e tendem a afirmar a cidade de São Paulo no topo da rede urbana do País, diminuindo a importância relativa da cidade do Rio de Janeiro, ainda que ambas consolidem seus papéis como importantes economias de serviços. No entanto, elas passaram a estar articuladas com a rede mundial de lugares de gestão do capital (as cidades globais, em seus diferentes níveis de importância hierárquica), e não apenas com o seu entorno físico-territorial, graças à expansão do espaço eletrônico.

A Indústria, por sua vez, tende a se deslocar para as cidades de porte médio, onde é possível evitar os custos das deseconomias de aglomeração (elevado preço da terra e do custo do trabalho, congestionamentos etc.), ainda que estejam disponíveis os atributos que lhes conferem economias externas (força de trabalho treinada e com menor organiza-

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ção sindical, terrenos baratos e acesso à infraestrutura logística). As grandes corporações empresariais operam com uma rede internacional de fornecedores (o que lhes permite grande liberdade na escolha locacional), mas a maior parte das empresas industriais, não; para estas (micro, pequenas e médias empresas), as relações cliente-fornecedor ainda se baseiam nos custos da distância, o que as leva a produzir aglomeração espacial. Nessas condições, elas se constituem em importantes instrumentos de articulação espacial, o que as leva a cumprir papel significativo na rede urbana como organizadora do território.

Esse papel de articuladoras internas do território aumenta a relevância das cidades médias como agentes do processo de descentralização das políticas públicas (Santos, 2008; Affonso, 2004). Elas se transformam em centros regionais de serviços – dentre os quais se incluem os de formação de mão de obra para as atividades econômicas da região e para a gestão pública, tornada mais importante pela descentralização. Ademais, tendem a se constituir em núcleos de fornecimento de serviços de utilidade pública, para os quais é necessária escala de produção, a fim de que sejam economicamente viáveis.

Além disso, essa função se fortaleceu com a transformação de algumas infraestru-turas sociais em direitos recepcionados pelas constituições. No Brasil, o direito à saúde tornou-se um direito social, o que levou o poder público a organizar programas de acesso à saúde em bases territoriais visando a necessária universalização desse direito. Assim, fo-ram definidos serviços de baixa, média e alta complexidade a serem disponibilizados em municípios conforme a sua capacidade de ofertar tais serviços.

O mesmo processo de regionalização ocorre com os serviços de acesso à Justiça e de-mais órgãos governamentais (Polícia Federal, Secretaria da Receita e Ministério Público, dentre outros), o que fortalece a função administrativa dessas cidades, intensificando seu papel de centro regional. Nessas condições, as cidades de médio porte tornaram-se elos ainda mais importantes na rede urbana, uma vez que passaram a cumprir mais funções na distribuição daqueles serviços para os seus residentes e os dos municípios vizinhos.

Nesse contexto, a expectativa é de que as cidades médias aumentem sua participação na população brasileira, tornando-se áreas de destino de fluxos migratórios em busca de oportunidades de emprego em cidades onde o custo de vida (particularmente o preço da terra urbana e do deslocamento casa-trabalho) seja inferior ao das metrópoles e que, além disso, haja melhores condições de vida (com baixo percentual da população vivendo em situação de vulnerabilidade).

E o que diz a evidência empírica?

O Que Dizem os Indicadores Socioeconômicos sobre a Concentração da População em Cidades de Médio e Grande Porte

O Censo Demográfico de 2010 deverá atualizar as informações sobre população e condições de vida, necessárias para avaliar o atual papel das cidades médias ao longo da primeira década do século XXI. Sem essa base de dados, este estudo lança mão de dois tipos de dados: i) as informações da publicação Indicadores Sociais Municipais (do IBGE, com base no Censo de 2000) disponíveis para a década de 1990 no que tange à remuneração média dos responsáveis pelos domicílios e o grau de precariedade de condições de vida dos residentes nos domicílios brasileiros; e ii) as informações sobre a evolução na geração de empregos formais do CAGED/Ministério do Trabalho. Esses dados são utilizados para compor um retrato de algumas dimensões das condições vigentes nas cidades médias bra-sileiras no início da década e a situação atual, no final da década, por meio da avaliação

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do mercado de trabalho formal, utilizado como variável que expressa o processo de seu crescimento econômico afetando positivamente as condições de vida dos seus residentes.

QUANTO MAIOR A POPULAÇÃO, MAIORES SÃO OS RENDIMENTOS E MENOR É O GRAU DE VULNERABILIDADE DOS SEUS RESIDENTES

O Brasil conta com 5.565 municípios, dos quais apenas 4,53% (252) têm população superior a 100 mil habitantes: 27 são capitais estaduais (incluindo o Distrito Federal), 96 são cidades médias metropolitanas e 129 são cidades médias não metropolitanas. A po-pulação das cidades com mais de 100 mil habitantes alcançou 53,61% dos 183.987.291 habitantes do País, segundo a contagem populacional feita pelo IBGE no ano de 2007, apesar de essas cidades representarem menos de 5% do número de municípios.

A população brasileira está fortemente concentrada nas regiões Sudeste (42,32%) e Nordeste (28,01%), restando cerca de 30% nas outras três macrorregiões (Norte, Centro-Oeste e Sul). As duas primeiras foram aquelas de ocupação mais antiga e consolidada, mas apresentando indicadores socioeconômicos muito distintos, o que se reflete na forma como se distribui a população entre as cidades mais e menos dinâmicas em termos popu-lacionais. Enquanto no “rico” Sudeste as cidades médias e capitais estaduais contribuíam com 67,8% da população regional, no “pobre” Nordeste, esse percentual foi de 39%, menor do que nas outras macrorregiões (aproximadamente 45% no Norte e Sul e de 53,1% no “emergente” Centro-Oeste).

No País, a taxa de urbanização da população tem se ampliado e vem se concentran-do nas maiores cidades. Ainda que tal concentração suscite novos problemas que exijam elevados custos de infraestrutura para serem mitigados, existem razões objetivas que ali-mentam os fluxos migratórios em direção às cidades médias e grandes. É o que sugerem os dados sobre rendimento médio e precariedade de condições de vida dos responsáveis pelos domicílios brasileiros.

Tabela 1 – Valor do rendimento médio dos responsáveis pelos domicílios particulares permanentes (em R$) e grau de precariedade de condições de vida (em %)*, segundo as classes de tamanho da população dos municípios – Brasil, 1991-2000

HabitantesRendimento

(R$)Precariedade de

condições de vida (%)Precariedade de con-dições de vida (%)

2000 1991 2000Brasil 768,83 27,8 16,7Até 5.000 424,08 49,5 32,4De 5 a 10.000 409,66 52,1 34,7De 10 a 20.000 416,32 53,1 35,5De 20 a 50.000 479,55 46,4 29,9De 50 a 100.000 612,80 32,0 18,4De 100 a 500.000 810,47 16,2 8,0Mais de 500.000 1.190,00 7,8 4,0

Fonte: IBGE. Censo demográfico 2000 e Indicadores Sociais Municipais, 2003.

*Grau de precariedade de condições de vida é a proporção de domicílios particulares permanentes com saneamento não adequado, responsáveis com menos de quatro anos de estudo e rendimento mensal de até 2 salários mínimos.

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A distribuição dos municípios por classes de tamanho de sua população indica de modo inequívoco como o nível de rendimento está diretamente relacionado com o tama-nho da população e com sua localização em macrorregiões: quanto maior o tamanho da população do conjunto dos municípios brasileiros, maior se torna o rendimento médio auferido pelos responsáveis pelos domicílios particulares permanentes. Além disso, a localização na macrorregião Sudeste também garante maiores rendimentos e menor grau de vulnerabilidade de condições de vida.

O indicador de precariedade de condições de vida constitui uma síntese de três dados que, conjugados, revelam a incapacidade dos chefes de família de dispor das “capa- cidades básicas”, de que fala Amartya Sen (2000), para usufruir de “liberdades substan-tivas”, termo utilizado pelo autor para diferenciar das “liberdades formais”, indo além destas e referindo-se a uma série de acessos necessários para tornar o homem livre de privações e pobreza, como boas condições sanitárias, de saúde, educação e moradia. Nesse sentido, quanto maior for a proporção de chefes de família vivendo nesse nível de preca-riedade de condições de vida, pior será a perspectiva das localidades onde ela ocorre para experimentar um processo de desenvolvimento socioeconômico, o “desenvolvimento como liberdade”, de acordo com Sen.

No Brasil, ao longo da década de 1990, houve um importante declínio do percen-tual de chefes de família vivendo em condições de precariedade: em todas as classes de tamanho dos municípios verificou-se melhoria desse indicador. No entanto, o diferencial por classes de tamanho foi mantido, isto é, as cidades com menos de 20 mil habitantes ainda apresentam aproximadamente 35% dos seus chefes de família vivendo nessa con-dição, percentual significativamente superior ao observado entre os municípios com mais de 100 mil habitantes, que está entre 4 e 8%.

A tabela a seguir indica as disparidades no rendimento médio dos responsáveis pelos domicílios residentes nos municípios com mais de 100 mil habitantes. Pode-se verificar que é clara a relação entre a localização nas regiões Sudeste e Sul e o maior nível de rendi-mento daqueles chefes de família. Ademais, os chefes que residem em capitais estaduais, em todas as macrorregiões do País, auferem rendimento significativamente superior ao daqueles que residem em cidades médias, metropolitanas ou não metropolitanas. Aquelas localidades tendem a se manter, portanto, como destinos principais dos fluxos migrató-rios, tão característicos da intensa mobilidade da população brasileira.

Tabela 2 – Valor do rendimento médio dos responsáveis pelos domicílios particulares permanentes distribuídos entre cidades com população superior a 100 mil habitantes, divi-didas entre cidades médias (metropolitanas e não metropolitanas) e capitais estaduais (R$)

Cidades/Regiões Cidades médias me-tropolitanas (CMM)

Cidades médias não metropolitanas (CMN)

Capitais estaduais

Centro-Oeste 488,16 661,81 1.173,77Norte 554,22 531,08 812,21Nordeste 533,68 476,57 860,02Sudeste 804,68 888,84 1.434,59Sul 808,57 812,51 1.516,23Total capitais - - 1.052,14Total CMM 761,71 - -Total CMN - 767,17 -

Fonte: IBGE. Indicadores Sociais Municipais (2003).

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Ao separar as cidades médias entre sua localização – metropolitana ou não metro-politana –, verifica-se uma diferença que merece ser destacada: o rendimento dos chefes de família residentes em cidades metropolitanas é superior ao daqueles que residem nas extrametropolitanas apenas nas macrorregiões Norte e Nordeste, as mais pobres. Nas outras três, ocorre o inverso. Esse resultado nos leva a relacionar maior dinamismo eco-nômico (identificado com níveis de rendimento mais elevados) à localização de cidades médias fora das regiões metropolitanas. Pode-se sugerir, assim, que as cidades médias extrametropolitanas das regiões mais dinâmicas têm constituído alternativa melhor para seus residentes do que aquelas localizadas em áreas metropolitanas. Nas regiões Norte e Nordeste, contudo, é o dinamismo das metrópoles que extravasa em direção às cidades periféricas o fenômeno que predomina, resultando em rendimentos mais elevados dos residentes das cidades médias metropolitanas.

As desigualdades existentes entre as cidades segundo sua localização macrorregional também podem ser analisadas da perspectiva do grau de precariedade de condições de vi-da entre os seus residentes. Ao contrário do observado com o rendimento, as desigualda-des em termos de precariedade das condições de vida sugerem que as cidades localizadas fora de regiões metropolitanas apresentam, em geral, situação pior que a observada nas áreas metropolitanas.

Tabela 3 – Proporção de domicílios particulares permanentes em situação de precarie-dade de condições de vida em cidades com população superior a 100 mil habitantes, divididas entre cidades médias (metropolitanas e não metropolitanas) e capitais estaduais (%), 1991-2000

Cidades/regiõesCidades médias me-tropolitanas (CMM)

Cidades médias não metropolitanas

(CMN)

CapitaisEstaduais

1991 2000 1991 2000 1991 2000Centro-Oeste 27,7 18,2 28,3 15,9 11,5 6,1Norte 17,1 10,2 40,3 25,5 19,3 10,7Nordeste 28,5 16,3 43,4 24,9 17,9 10,0Sudeste 11,7 4,6 11,2 4,6 4,9 1,2Sul 8,8 3,3 15,6 7,5 4,8 1,5Total capitais - - - - 13,9 7,4Total CMM 13,1 5,9 - - - -Total CMN - - 21,7 11,3 - -

Fonte: IBGE. Indicadores Sociais Municipais, 2003.

Ao distribuir as cidades com mais de 100 mil habitantes entre as cinco macrorre-giões, verifica-se que o indicador de precariedade é muitíssimo mais elevado nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste do que nas regiões Sudeste e Sul. Nessas duas últimas, esse indicador é inferior a 5%, enquanto nas outras três regiões ele é de aproximadamen-te 20%. Cabe destacar: onde há maior dinamismo econômico, há baixo grau de chefes de família vivendo em situação de precariedade, ocorrendo o contrário onde é menor o dinamismo econômico. Nessas condições, o baixo índice de condições de vida tende a contribuir para uma espiral negativa observada nas regiões mais pobres. Nessas, apenas nas capitais estaduais o índice de precariedade é mais baixo; ainda assim, bem mais eleva-do do que o observado nas capitais estaduais do Sudeste e do Sul, mesmo se comparado com o das cidades médias dessas regiões.

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Observa-se, no entanto, que a divisão das cidades médias, estejam ou não locali-zadas em regiões metropolitanas, indica, para todo o país, que as não metropolitanas apresentam indicadores piores – quase o dobro do apresentado pelas metropolitanas – de precariedade de condições de vida. Esse resultado deve estar associado mais com a inade-quação da infraestrutura do que com o nível de rendimento da população, como visto na Tabela 2, e merece ser mais bem investigado, o que pretendemos fazer após a divulgação dos resultados do Censo de 2010.

Esse resultado é grave e contribui para a crise socioambiental das cidades, uma vez que, como se viu, as cidades médias não metropolitanas vêm experimentando crescimen-to demográfico e, conforme se verá, mais oportunidades de emprego nas regiões mais dinâmicas da economia brasileira.

Quanto Maior a Cidade, Maior é a Geração de Empregos

As cidades de maior porte demográfico tendem a apresentar economias mais fortes e diversificadas. A metodologia tradicional de análise da dinâmica econômica era feita por meio da avaliação do PIB municipal. Considerado como o valor de mercado da produ-ção, o PIB pode superestimar o significado do dinamismo para a população local, como é o caso dos municípios que acolhem grandes investimentos cujo espaço econômico seja o global, como o da atividade de extração do petróleo. Tentando evitar esse problema, decidimos trabalhar com a criação líquida de empregos formais, que consideramos uma medida mais justa para avaliar a dinâmica econômica municipal que impacta positiva-mente a população local.

A Tabela 4 apresenta a distribuição espacial do saldo líquido dos empregos gerados segundo regiões geoeconômicas e classes de cidades. Trata-se de identificar as localidades onde o dinamismo na geração de empregos foi mais acentuado, permitindo avaliar o pa-pel das cidades médias (e dos setores de atividades que mais contribuíram para o resultado encontrado, como se verá depois).

Ao observar a evolução na criação líquida de empregos ao longo da primeira década do século, verificamos que houve significativo aumento dos empregos, em particular entre 2003 e 2005, atingindo o auge em 2007, mas com declínio entre 2008 e 2009. Tal evolução está de acordo com a variação do crescimento do PIB brasileiro, que expe-rimentou crescimento a partir de 2003, mas sentiu os efeitos da crise financeira mundial deflagrada em setembro de 2008.

Considerando a distribuição dos empregos entre as macrorregiões brasileiras, veri-ficamos que as cidades das regiões Sudeste e Sul se destacam pelo número de empregos criados. Mas cabe realçar que o resultado mais significativo foi o avanço observado nas cidades da região Nordeste, sobretudo entre as capitais estaduais e as cidade médias não metropolitanas. Esse resultado sugere o impacto positivo das políticas de transferência de renda do governo federal na formalização e/ou criação de novos postos de trabalho na região mais pobre do País.

Ao analisar a distribuição dos municípios entre os dois grupos de cidades médias, observa-se que as metropolitanas ainda apresentaram estoque maior de empregos em re-lação às cidades médias não-metropolitanas. No entanto, isso deve mudar, pois as últimas vêm experimentando taxa de crescimento maior do que as metropolitanas. Portanto, a tendência mais geral foi de desenvolvimento desigual no avanço do emprego, com pior desempenho das cidades médias metropolitanas, o que deve ter acentuado sua condição

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de periferia (no sentido de áreas desprovidas de infraestrutura adequada e, por isso, com valor da terra menor e mais acessível aos pobres).

Tabela 4 – Distribuição espacial dos empregos (saldo entre admissões e demissões) segundo regiões geoeconômicas e classes de cidades (capitais estaduais, cidades médias metropolitanas (CMM) e cidades médias não metropolitanas (CMN), 2000-2009

Regiões/ clas-ses de cidades 2000 2003 2005 2007 2008 2009

BRASIL 657.596 645.433 1.253.981 1.617.392 1.452.204 995.110

Norte 35.549 28.886 48.724 68.975 26.574 37.241

Capitais/BR 3,31% 2,10% 2,95% 2,17% 1,81% 3,29%CMM/Br 0,14% 0,21% 0,10% 0,15% 0,03% 0,07%CMN/BR 0,20% 0,61% 0,23% 0,24% 0,39% 0,43%

Centro-Oeste 47.839 58,003 55.864 93.995 106.351 70.138

Capitais/BR 3,68% 2,18% 3,53% 2,42% 4,20% 3,68%CMM/BR 0,31% 0,62% 0,11% 0,44% 0,58% 0,57%CMN/BR 0,81% 1,17% 0,14% 0,64% 0,51% 0,67%

Nordeste 102.549 84.104 197.014 204.310 203.617 227.376

Capitais/BR 4,85% 3,99% 7,45% 6,07% 8,50% 11,38%CMM/BR 2,44% 1,16% 2,06% 1,53% 1,02% 2,20%CMN/BR 0,37% 0,82% 0,93% 1,31% 0,64% 2,65%

Sudeste 359.945 318.708 790.111 949.797 840.299 476.031

Capitais/BR 18,83% 13,21% 22,46% 23,62% 25,61% 21,98%CMM/BR 15,36% 11,61% 16,29% 13,56% 12,27% 8,38%CMN/BR 10,29% 8,96% 10,71% 10,53% 10,36% 8,79%

Sul 111.714 155.732 162.268 300.315 275.363 184.324

Capitais/BR 3,56% 1,77% 3,59% 3,63% 3,98% 4,58%CMM/BR 4,43% 3,42% 1,65% 2,86% 3,48% 2,64%CMN/BR 3,81% 4,74% 3,47% 4,23% 3,73% 2,71%

Fonte: Elaboração própria com dados do CAGED/Ministério do Trabalho, 2000-2009.

Outro resultado que vale a pena ressaltar é a forte elevação da participação percen-tual das capitais estaduais em todas as macrorregiões, destacando-se a elevação verificada nos estados das regiões Nordeste e Sudeste. No Sudeste, esse índice atingiu mais de 20% de todos os empregos gerados. Como se verá, esse resultado está associado ao aumento significativo do peso do setor de Serviços, combinado com a enorme perda nos empregos na Indústria de Transformação.

Além disso, outro resultado importante a ser destacado é que houve declínio nas par-ticipações dos dois grupos de cidades médias na região Sudeste em relação ao País, mas foi muito maior entre as cidades médias metropolitanas. Portanto, o dinamismo recente na geração de empregos na região mais rica do País está se manifestando sob a forma de dis-tribuição de empregos mais favorável às cidades médias fora das regiões metropolitanas, o que é positivo e indicativo de desconcentração (ainda que concentrada regionalmente) da expansão econômica.

Os municípios com mais de 100 mil habitantes também podem ser distribuídos segundo sua posição hierárquica na rede urbana brasileira, conforme pesquisa do IBGE

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(REGIC/IBGE, 2008), já mencionada anteriormente. Na classificação dessa pesquisa, os municípios foram distribuídos em quatro níveis de centralidade: 12 são metrópoles, 70 compõem o grupo das “capitais regionais” (incluindo Ijuí, no Rio Grande do Sul), 56 são capitais sub-regionais e nove são “centros de zona”. Os demais municípios foram conside-rados “centros locais”. Estes últimos não passam de cidades isoladas, sem apresentar grau de centralidade em relação a outras cidades.

As capitais estaduais estão incluídas entre os níveis hierárquicos mais elevados, salvo capitais dos menores estados da região Norte; duas foram consideradas “centros locais”.

As cidades médias não metropolitanas estão distribuídas entre os outros três níveis hierárquicos, exceto 14 delas, que foram classificadas como “centros locais”. Assim, das 129 cidades, 115 têm graus de centralidade que variam de “capital regional” (casos de Campinas, Uberlândia, Londrina e Campos dos Goytacazes), “capital sub-regional” (casos de Anápolis, Itajaí, Macaé e Sinop) a “centros de zona” (casos de Porto Seguro, Jundiaí e Codó).

As cidades médias metropolitanas estão incluídas entre os “centros locais”, uma vez que se situam como área de influência do núcleo da região metropolitana a que pertencem.

A tabela a seguir resume a evolução dos empregos nos municípios que compõem esses quatro níveis hierárquicos de cidades.

Tabela 5 – Distribuição espacial dos empregos (saldo entre admissões e demissões) dos municípios com população superior a 100 mil habitantes, segundo posição hierárquica na rede urbana brasileira, 2000-2009 ( %)

Posição na rede urbana 2000 2003 2005 2007 2008 2009

Brasil 657.596 645.433 1.253.981 1.617.392 1.452.204 995.110

Metrópoles (12) 30,69% 20,68% 35,03% 33,51% 38,31% 38,30%

Capitais regionais (70) 13,12% 13,71% 17,45% 15,73% 18,54% 16,88%

Centros sub-regionais (56) 4,23% 6,67% 2,66% 4,24% 2,88% 4,27%

Centros de zona (9) 1,05% 0,63% 0,97% 1,31% 1,02% 0,63%

Centros locais (106) 19,51% 14,24% 17,93% 16,24% 15,31% 11,91%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do CAGED/Ministério do Trabalho, 2000/2009.

Essa redistribuição dos municípios com mais de 100 mil habitantes segundo sua po-sição hierárquica na rede de cidades brasileiras mostra de forma contundente que houve concentração dos empregos nas cidades que estão no topo da rede urbana. Os municípios com mais de 100 mil habitantes (mais Ijuí) eram responsáveis por 68,6% de todos os empregos gerados em 2000, percentual que se elevou para 71,99% em 2009.

As metrópoles participavam com 30,69% do saldo líquido dos empregos gerados no ano de 2000, proporção que evoluiu para 38,30% em 2009, maior que sua participação na população brasileira em 2007, da ordem de 33,73%. O segundo nível hierárquico, o

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das capitais regionais, também experimentou crescimento, de 13,18% para 16,88%, no mesmo período, sendo, no entanto, menor do que a participação de 18,98% destes mu-nicípios na população brasileira. Os centros locais, por outro lado, viram sua participação percentual nos empregos criados no País declinar de 19,51% para 11,91% ao longo da primeira década do século XXI, mas, ainda assim, é maior que o peso demográfico deste grupo de municípios na população do País, equivalente a 11,56%.

Portanto, os municípios que foram os principais beneficiários em termos de geração líquida de empregos no período considerado foram as capitais estaduais e um grupo de cidades de elevado porte demográfico, constituído daquilo que neste estudo estamos cha-mando de “cidades medias não metropolitanas”. As cidades médias metropolitanas, além das 14 não metropolitanas, que estão incluídas entre os 106 municípios considerados “centros locais” (sem apresentar nível de centralidade na rede urbana), foram os principais perdedores dentre os 252 municípios com mais de 100 mil habitantes, ainda que tenham uma participação de destaque, em termos absolutos, nos empregos gerados ao longo da década 2000/2009.

Identificada a tendência à concentração dos empregos nas cidades de maior porte demográfico, resta verificar se ocorreu redistribuição setorial desses empregos ao longo da década 2000/2009.

Tabela 6 – Evolução da participação setorial dos empregos no Brasil, 2000-2009 (%)

Atividades 2000 2003 2005 2007 2008 2009

Indústria de Transformação 29,32 19,95 14,16 24,40 12,30 10,94

Serviços 43,18 40,33 47,58 36,3 44,64 50,26

Comércio 26,68 35,00 31,01 25,05 26,32 29,86

Extração Mineral 0,56 1,02 0,76 0,60 0,60 0,20

Administração Pública 0,48 1,52 1,72 0,94 0,71 1,82

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do CAGED/Ministério do Trabalho, 2000/2009.

A Indústria de Transformação foi o setor que levou ao processo de polarização es-pacial nas metrópoles, mas vem perdendo centralidade na geração dos novos empregos. Ainda assim, cabe destacar que no ano em que o crescimento dos empregos foi mais significativo (2007), esse setor cresceu fortemente, ainda que sem voltar a atingir sua contribuição no emprego no País no ano 2000. Em seguida, voltou a declinar, em um processo de esvaziamento de sua importância setorial que parece sem volta. Cabe salientar que os resultados encontrados permitem alimentar a expectativa de que uma expansão sustentada no tempo deverá se traduzir em mais oportunidades de emprego industrial, o que se refletirá na crescente relevância das cidades medias não metropolitanas.

As atividades que experimentaram maior crescimento foram Serviços, beneficiadas pela atual dinâmica capitalista, com a produção de inovações em produtos e processos que as grandes aglomerações estimulam. Nessas condições, observa-se a sustentação do papel das grandes cidades, que deixam de ser caracterizadas como metrópoles industriais e tornam-se “economias de serviços”, como foram caracterizadas por Benko (1996).

A análise desse desempenho setorial das atividades econômicas apresenta peculiari-dades que devem ser destacadas ao se considerarem os três grupos de cidades deste estu-do. Vamos considerar inicialmente o da Indústria de Transformação, setor que a teoria

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sustenta que tenderia a mudar sua localização, evitando as áreas metropolitanas ou, pelo menos, o núcleo dessas áreas, dirigindo-se às cidades médias.

Tabela 7 – Distribuição dos empregos no setor Indústria de Transformação nas capitais, cidades médias metropolitanas (CMM) e cidades médias não metropolitanas (CNM), 2000-2009

Localização 2000 2003 2005 2007 2008 2009

Ind/total % * 29,32 19,95 14,16 24,40 12,30 10,94

Brasilnº 192.863 128.791 177.548 394.584 178.675 108.865% 100 67 92 205 93 6

Capitaisnº 35.489 3.830** 49.180 69.828 48.549 -585% 100 10,79** 138,50 196,76 136,80 -1,65

CMMnº 42.625 15.648 43.695 82.454 39.136 -22.737% 100 36,71 102,51 193,44 91,81 -53,34

CMNnº 45.039 23.875 35.531 94.843 27.800 -2.289% 100 53,01 78,89 210,58 61,72 -5,08

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do CAGED/Ministério do Trabalho, 2000/2009.* Em relação ao total do saldo líquido dos empregos criados no país.** Estes dados foram revisados, mas não encontramos erros em relação às informações do CAGED.

Conforme os dados sugerem, há base empírica para sustentar aquela tese, pois foi nas capitais estaduais, núcleos das principais metrópoles brasileiras, que o setor perdeu mais participação percentual na geração de empregos. A Indústria de Transformação também perdeu importância nas cidades médias, mas bem menos entre as não metropo-litanas, resultado também consistente com a tese acima aludida.

Os Serviços se firmaram como principal fonte de empregos e se destacaram prin-cipalmente entre as capitais estaduais. Quando o foco são as cidades médias, os dados indicam que elas também ampliaram sua dependência dessa atividade, mas, também neste setor, as não metropolitanas vivenciaram crescimento mais significativo, até ultra-passando, em termos absolutos, as metropolitanas no último ano da série considerada (2009).

Tabela 8 – Distribuição dos empregos no setor Serviços nas capitais, cidades médias me-tropolitanas (CMM) e cidades médias não metropolitanas (CNM) 2000-2009

Localização 2000 2003 2005 2007 2008 2009

Serviços/total % * 43,18 40,33 47,58 36,3 44,64 50,26

Brasilnº 283.928 260.285 569.705 587.103 648.259 500.177% 100 92 201 207 228 176

Capitaisnº 120.034 108.416 268.489 302.719 348.041 235.921% 100 90,32 223,68 252,19 289,95 196,55

CMMnº 63.997 53.728 114.921 113.281 112.546 83.532% 100 83,95 179,57 177,01 175,86 130,52

CMNnº 42.194 41.833 79.254 80.606 90.518 86.703% 100 99,14 187,83 191,04 214,53 205,49

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do CAGED/Ministério do Trabalho, 2000/2009.* Em relação ao total do saldo líquido dos empregos criados no ano.

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Concluindo a análise da distribuição espacial e setorial do saldo líquido dos em-pregos gerados, verificamos que os dados sugerem a manutenção da polarização espacial do mercado de trabalho. Nas macrorregiões mais dinâmicas, Sudeste e Sul, se observa desconcentração em direção às cidades médias, enquanto nas outras regiões as oportu-nidades de trabalho estão mais concentradas ainda nas suas regiões metropolitanas. O maior ativismo das políticas governamentais pode estimular a desconcentração dessas oportunidades de trabalho, mas sem alterar de forma significativa o maior peso das gran-des metrópoles.

CONCLUSÕES

O processo de fortalecimento da polarização espacial tende a transformar as maio-res cidades em lócus da crise social. A questão urbana não é somente prover moradia e serviços sociais. É preciso providenciar respostas para pelo menos cinco novos desafios: trabalho e renda, segurança, integração sociocultural, sustentabilidade e governança.

Neste estudo, demos destaque à dimensão “geração de emprego e renda”, por acre-ditarmos que esta seja a responsável pela pressão demográfica que leva ao surgimento das demais dimensões da “questão urbana”.

A geração de emprego e renda, por sua vez, está associada às mudanças observadas na dinâmica capitalista, que, nas últimas duas décadas do século XX, vinham se mani-festando como a passagem do “fordismo para a acumulação flexível”, segundo caracte-rização de David Harvey (1992). Isso significa implicações que se expressam em menor comprometimento das atividades produtivas com um determinado território, bem como com menor importância da Indústria na geração do PIB e nos empregos. Os Serviços tornam-se o centro de maior dinamismo econômico, destacando-se, dentre eles, os ser-viços financeiros.

A “acumulação flexível”, no entanto, deveria ter promovido maior desconcentração produtiva do que a experimentada na última década. Depois de sofrerem com processos de desindustrialização ao longo da década de 1980, as metrópoles voltaram a atrair mais população, em um reflexo evidente da expansão das oportunidades de emprego nas ati-vidades de Serviços. Esta, aliás, foi a expectativa alimentada com a abordagem de Milton Santos (1996), para quem as áreas metropolitanas oferecem o meio técnico adequado à atual dinâmica capitalista.

Os dados sobre a espacialidade dos empregos criados ao longo do período 2000/2009 no Brasil indicam que as cidades de maior porte demográfico foram as que se destacaram nesse quesito. Em todas as macrorregiões, as capitais estaduais, quase todas cidades classificadas como “metrópoles” pelo IBGE (REGIC/2008), foram as que expe-rimentaram maior taxa de crescimento no emprego, o que explica seu peso demográfico em expansão.

No entanto, ao considerarmos os outros níveis de centralidade na hierarquia urbana, aumenta o peso das cidades médias, principalmente daquelas localizadas nas regiões mais dinâmicas, Sudeste, principalmente, e Sul. Trata-se de cidades médias não metropolita-nas, que vêm se transformando em núcleos de áreas regionais. Nessas regiões, a rede ur-bana torna-se mais capilarizada e dependente dessas cidades médias não metropolitanas, ainda que se reconheça que as metrópoles seguem polarizando as maiores oportunidades de emprego.

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Nas outras macrorregiões, esse processo parece estar em seus primórdios, especial-mente na região Nordeste, onde vem apresentando indícios de fortalecimento.

Os resultados apontam para o fortalecimento das cidades médias, especialmente das não metropolitanas, na rede urbana brasileira. O Censo Demográfico 2010 permitirá avançar na avaliação de seu desempenho demográfico, bem como das condições de vida dos seus residentes.

As maiores aglomerações urbanas tornaram-se lócus de forte crise socioambiental, intensificando sua geração de empregos, mas à custa de crescente deterioração das condi-ções de vida na metrópole. A vida nessas cidades vem gerando novos “grilhões da terra”, que parecem não intimidar os investidores que usam o solo urbano (produto social) para criar riqueza privada.

Quando as principais áreas metropolitanas brasileiras foram se consolidando, preva-lecia uma abordagem de política pública “desenvolvimentista”, que associava aumento da urbanização e da industrialização como fenômenos a evocar a superação do subdesenvol-vimento. Ao longo da década de 1980, aquela abordagem foi sendo superada, e a agenda da “questão urbana” emergiu, resultando na criação de novos instrumentos jurídicos e urbanísticos que visavam o controle público do processo de expansão urbana.

É preciso utilizar tais instrumentos para evitar que as cidades médias reproduzam os mesmos desafios que hoje dificultam a vida dos residentes das metrópoles. Cabe agora torcer para que o Censo Demográfico não traga evidências de que esse processo já esteja em curso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Angela Moulin S. Penalva Santos é professora asso-ciada da UERJ; economista; pesquisadora do CNPq e do Programa ProCiência, da FAPER/UERJ. E-mail: angela [email protected]

Ar ti go re ce bi do em setem-bro de 2010 e apro va do pa ra pu bli ca ção em fevereiro de 2011.

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SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

A b s t r a c t The aim of this paper is to discuss the role of cities with more than 100,000 inhabitants in the Brazilian urban network in the first decade of this century. Our premise is that in the context of loss of centrality of the Industry there is a tendency of urbanization with concentration of population in a few cities. In this process, besides the metropolis affirmation, increases the relevance of a group of medium-size cities that became regional centers and articulate the territory. Whe call “medium size non-metropolitan cities” the cities with more than 100,000 inhabitants that are not state capitals and are not inside metropolitan areas. The increasing urbanization, the spatial polarization and the employment growth in those cities make necessary public policies to avoid the effects of urban crisis that the metropolitan areas have already experienced.

K e y w o r d s Medium size cities; urbanization; spatial polarization; employment generation; urban network.

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Resenhas

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GEOGRAFIA HISTÓRICA DO RIO DE JANEIRO (1502-1700)Mauricio de Almeida Abreu Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio e Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 2010

Pedro de Almeida Vasconcelos Professor do Mestrado em Geografia da UFBA e

do Mestrado em Planejamento Territorial da UCSAL, pesquisador do CNPq

Acaba de ser publicado, em dezembro de 2010, o monumental livro de Mauricio Abreu, em dois volu-mes com luxuosa apresentação e rico conteúdo, sobre os dois primeiros séculos da cidade do Rio de Janeiro e de sua região de influência. O livro é o resultado do longo trabalho, de mais de 15 anos de pesquisa, efetua-do por Mauricio Abreu, PhD em Geografia pela Ohio University, com pós-doutoramento em universidades alemãs e francesas, e Professor Titular em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Mauricio já tinha publicado o excelente livro Evolução Urbana do Rio de Janeiro (1987), que tratava, sobretudo, de eventos importantes na capital carioca nos períodos iniciais da República. Não satisfeito, o autor foi mais longe, e se aprofundou em uma longa pesquisa que resultou no livro atual: primeiro, voltou-se para os dois séculos iniciais da cidade e região, justamente os de documentação de mais difícil acesso; em segundo lugar, dedicou-se à exaustiva pesquisa de documentos primários em arquivos, tanto no Brasil, como em Portugal e no Vaticano; em terceiro lugar, montou um riquíssimo banco de dados no Núcleo de Pesquisa de Geografia Histórica que implantou na UFRJ, o que permitiu estabelecer novas relações e encontrar respostas a questões importantes, sobretudo a partir do exame dos livros de escrituras dos cartórios do Rio de Janeiro (mais de 500 livros) e nas mais de 244 caixas e documentos avulsos no Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal. Finalmente, em paralelo, formou uma extensa equipe de pesquisadores no do-mínio da Geografia Histórica.

Para apresentar o conteúdo do livro, melhor do que tentar sintetizar seu enorme trabalho, que tive a honra de ler ainda em manuscrito, é transcrever a própria apresentação do mesmo realizada pelo

autor, conforme consta no final da Introdução, no primeiro volume:

O livro aqui apresentado se compõe de quatro partes bem distintas que se dividem em 18 capítulos de variável extensão. A primeira parte, “O processo de conquista”, diz respeito à inserção do Rio de Janeiro no longo processo de conquista e colonização da “terra do Brasil”. A análise trata basicamente do século XVI, mas se prolonga até a terceira década do Seiscentos, quando as últimas nações indígenas que habitavam o litoral fluminense foram definitivamente submetidas ao colo-nizador, e a circulação de indivíduos e de bens entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo pôde finalmente ser efetivada por terra.

A segunda parte, “A apropriação do território e a formação da sociedade colonial: agentes, ritmos e conflitos”, trata do processo de apropriação territorial ocorrido na capitania fluminense no Quinhentos e no Seiscentos; demonstra os vetores de expansão e de consolidação do povoamento europeu e dá destaque aos conflitos decorrentes dessa apropriação e à malha de controle territorial que resultou desse processo. Esta parte privilegia, ainda, o papel exercido por dois agentes importantes do processo de apropriação territorial – a Câmara e as ordens religiosas regulares –, e discute as bases que sustentaram a formação da sociedade fluminense no Seiscentos, dando destaque ao papel nela exercido por senhores de engenho, co-merciantes e oficiais mecânicos urbanos. Dá relevo, finalmente, ao papel exercido, aberta ou secretamente, pelos cristãos-novos, grupo social que perpassava todas essas categorias sociais e cuja importância demográfica, social e econômica é fundamental para que se entenda o Rio do século XVII.

Com a terceira parte, “O Rio de Janeiro e o sistema atlântico”, o curso do trabalho é radicalmente alterado. Embora o foco de referência se mantenha orientado para a capitania fluminense, a análise agora se articula, explicitamente, para escalas geográficas mais amplas, notadamente, para as relações estabele-cidas entre o Rio de Janeiro, Buenos Aires, a África (isto é, o tráfico negreiro) e o restante do império colonial português. Com esta parte, tratamos, so-bretudo, das conjunturas econômicas fluminenses e, muito especialmente, do Rio dos engenhos de açúcar, muito debatido mas pouquíssimo estudado, que aqui

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é objeto de investigação detalhada e inédita. São dis-cutidas também as turbulências sociais que afetaram a capitania no século XVII.

O livro se encerra com a quarta parte, que di-reciona a investigação para ainda outra dimensão de análise e trata agora da escala local, isto é, da “Cidade de São Sebastião”, do pequeno núcleo urbano com es-tatuto de cidade que permaneceu como burgo secun-dário no contexto colonial até que a riqueza das minas viesse a transformar bastante a sua forma e o seu con-teúdo no século XVIII. Discutem-se aqui as diversas morfologias da cidade, tanto no Quinhentos como no Seiscentos, como também a sua organização interna, os seus conflitos e controles, assim como o importante papel exercido na urbe por mercadores, oficiais mecâ-nicos e escravos urbanos; destaca-se, igualmente, o seu quotidiano pacato, mas que era sacudido, de tempos em tempos, por atividades festivas que transfiguravam o espaço coletivo e, sobretudo, pelo frenesi da chegada e permanência das frotas do açúcar, época em que a cidade se transformava inteiramente.” (p. 27-8)

Deve ser destacada também a parte gráfica do livro, a qualidade das imagens pesquisadas, assim como a importância da cartografia histórica em que o autor procurou localizar fenômenos, como no caso das sesmarias, das terras da Câmara e das ordens reli-giosas, que por si só já seria suficiente para qualificar o trabalho. Outro destaque a ser dado foi o trabalho iné-dito de levantamento e localização da quase totalidade dos engenhos de açúcar fluminenses, um verdadeiro quebra-cabeça que ele conseguiu juntar e recuperar, um feito que os historiadores não tinham conseguido.

Além do mais, o livro também traz uma dimensão teórica, com a citação de uma rica bibliografia interna-cional, mantendo sempre uma coerência interna de não se afastar da sua preocupação principal de “trabalhar a relação entre processo social e forma espacial num lugar do passado” (p.27), o que pode ser confirmado pelo exame dos seus pares dialéticos: “relacionar o conhecimento histórico com o geográfico, a narração com a descrição, a grande escala com a pequena, a sincronia com a diacronia, a indução com a dedução, a análise com a síntese, o processo social com a forma social” (p.462), ou seja, preocupações que identificam o seu trabalho como sendo de Geografia Histórica, o que o diferencia, portanto, dos estudos históricos

tradicionais. Sua qualidade principal, entretanto, é a de recuperar parte importante do passado da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro nos seus dois séculos iniciais, uma contribuição com dimensões braudelianas e que vem consolidar a Geografia Histórica brasileira.

UMA ESTRATÉGIA CHAMADA “PLANEJAMENTO ESTRATÉ-GICO”. DESLOCAMENTOS ESPACIAIS E ATRIBUIÇÃO DE SENTIDOS NA TEORIA DO PLANEJAMENTO URBANOPedro NovaisRio de Janeiro: 7 Letras, 2010

Ana Fernandes Professora Associada da FAU-UFBA,

pesquisadora do CNPq

Em seus cinco capítulos, este livro, leitura obri-gatória para a área, nos conduz através das tramas que nos fizeram conhecer, ao longo dos anos 1990, a disseminação da estratégia chamada planejamento estra-tégico como modo de conceber, operar e agir sobre as cidades. Resultado de sua tese de doutorado, defendida no IPPUR-UFRJ em 2003, Pedro Novais recompõe, de forma clara e concisa, a emergência, o percurso e a difusão desse conceito, seguindo, com precisão quase cirúrgica, seus condicionantes e desdobramentos teóri-cos e empíricos, bem como suas aderências temporais e territoriais. Harvard, Barcelona, Rio de Janeiro são os espaços privilegiados para a análise proposta, por corresponderem a características e momentos espe-cíficos do planejamento estratégico para as cidades: grosso modo e respectivamente, à sua invenção (anos 1970-80), à sua modelização (anos 1980-90) e à sua ex-perimentação pela primeira vez no Brasil (anos 1990).

Logo de início, no primeiro capítulo, “A emer-gência das políticas competitivas”, após um sucinto panorama das políticas urbanas recentes e dos modelos de planejamento, nos são apresentados os instrumentos conceituais através dos quais se propõe a construção do objeto e sua decorrente leitura. Partindo da críti-ca a uma visão de cunho intelectualista da produção de ideias no planejamento urbano – no qual elas são

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tratadas circularmente, em uma esfera de quase auto-nomia –, o autor elege os conceitos de habitus, espaço social e campo, tal como formulados por Bourdieu, para possibilitar a compreensão das condições sociais do seu desenvolvimento, bem como da disputa perma-nente em torno da sua significação e legitimidade. A construção teórico-metodológica elaborada mostra-se extremamente profícua para os estudos que tratam da produção e circulação de ideias. Tensionando de forma continuada a relação entre conceitos (e sua coerência), agentes, práticas e interesses, e entendendo, também como Bourdieu, que o “real é relacional”, a densa construção do planejamento estratégico de cidades vai se fazendo conhecer através de uma pesquisa e de uma análise rigorosamente estabelecidas.

Espaço intelectual entendido “como uma interse-ção: entre saberes disciplinares, entre domínios estatais e entre acadêmicos e profissionais” (p.48), o urbanismo e o planejamento urbano, em sua versão estratégica, serão enfocados em sucessivas ondas analíticas, desde o contexto mais geral, até o perfil e o papel de alguns de seus principais protagonistas, entendidos como emanação do espaço social. São assim apreendidos, para cada caso, a contextualização social e política, a produção intelectual da área, as experiências singulares da prática, as redes de relações, inclusive os contatos in-teroceânicos, a caracterização dos agentes envolvidos, o trabalho político da construção das ideias e a realidade institucional, o trabalho intelectual de codificação e as disputas intracampo. O resultado é instigante.

“Harvard e a invenção do planejamento estratégi-co de cidades” é o tema do segundo capítulo, um avan-ço importante em termos da discussão sobre o espraia-mento da lógica da ação empresarial estratégica para a ação pública nas cidades. Aqui está demonstrada, de forma exemplar, a operação intelectual (e política) que desloca o sentido do planejamento. Em primeiro lugar, ela identifica o setor público com o setor privado, em função da semelhança entre a situação e os desafios colocados pela incerta e instável nova conjuntura mundial. A partir desse determinismo do contexto, movimentos de construção de argumentos serão feitos visando estabelecer que o método estratégico e o setor público podem e devem ser confluentes no processo de problematização da realidade e consequente ação sobre ela. As equivalências então construídas entre público e privado serão transferidas, de forma já bastante natura-

lizada, para as relações entre empresa e cidade – a cida-de é tornada sujeito da ação – e entre visão estratégica e planejamento urbano.

Merece ainda destaque, nesse capítulo, a análise das disputas internas ao campo do planejamento ur-bano, no qual o autor continua a tensionar a esfera da produção intelectual, analisando com muita perspicá-cia o lugar de onde falam os produtores de teorias e narrativas. A caracterização desses personagens em ter-mos de poder acadêmico, entendido como a ocupação de cargos e representações, e de poder científico, defini-do como a capacidade de elaboração de teorias, permite uma interessante percepção das posições de adesão e de crítica relativas ao planejamento estratégico de cidades.

A realização do Plano Estratégico de São Francisco (1983), considerado pioneiro, e a ação de corporações internacionalizadas de consultoria constroem os elos necessários ao terceiro capítulo e à experiência catalã.

“Barcelona: identidade, oportunidade e consen-so” trata da modelização do planejamento estratégico de cidades e da construção de uma plataforma para sua “exportação”. A recepção da experiência estadouniden-se, demonstrada pela circulação biográfica ou biblio-gráfica de seus principais protagonistas em território espanhol, foi devidamente contextualizada por um conjunto de injunções: embate das tradições políticas e culturais autonomistas da região, crise econômica generalizada do país, transformações estruturais de perspectivas, com a construção mais efetiva da União Europeia e com a ressignificação dos eventos esportivos como aglutinadores de redes midiáticas e produtivas. Talvez pudesse ser aqui agregado também o processo de relançamento da Espanha como ex-potência colo-nial, agora democratizada, explicitada através de forte ação diplomática junto aos países latino-americanos, seja através da criação, em 1991, das Cumbres Ibe-roamericanas de Jefes de Estado y de Gobierno, seja aglutinada em torno da comemoração dos 500 anos da chegada de Colombo às Américas.

O complexo processo descrito pelo autor alia a particularização do planejamento estratégico na expe-riência catalã com a sua transformação em modelo, ou seja, na construção de “correspondência entre uma situação determinada, tomada como problema, e uma resposta a essa situação” (p.135). Temos então a possibilidade de acompanhar, com riqueza de nuances e inflexões, essa construção intelectual que “visava

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dar sentido às decisões, dar legitimidade às práticas e [que], por fim, tornou-se um modelo a ser difundido” (p.129). A mobilização social, cultural e política em torno da cidade – entendida como fórum de interesse comum e como espaço de desenvolvimento econômi-co – traduzir-se-á em participação através do consenso como técnica de governo. A constituição do CIDEU – Centro Iberoamericano de Desarrollo Estratégico Urbano – em 1993 expressa de forma lapidar a possi-bilidade aberta de fazer circular, através de consultoria especializada, este novo produto da cesta de serviços: o plano estratégico de cidades. É curioso constatar que, no documento final da III Cumbre Iberoamericana de Jefes de Estado y de Gobierno, realizada em Salvador (BA) em julho de 1993, o tópico n.38 versa sobre as grandes cidades. Afirma-se que

Hemos sido informados de las conclusiones de la I Conferencia de Ciudades para el Siglo XXI, realizada en Río de Janeiro los días 3 al 5 de junio de 1993 (anexo n.8), donde fueron examinados los problemas urbano-ambientales que afectan particularmente a las grandes ciudades latinoamericanas. Se enfatizó, en dicha ocasión, la importancia del intercambio amplio y sistemático de experiencias en esa área y la necesi-dad de que las agencias internacionales de desarrollo y reconstrucción otorguen atención a los esfuerzos e iniciativas que realizan por las comunidades locales iberoamericanas. La Conferencia de Ciudades apoyó la iniciativa de crear el Centro Iberoamericano de De-sarrollo Estratégico Urbano (CIDEU), en Barcelona.1

É nessa perspectiva que trabalha o quarto capítu-lo, “Rio de Janeiro: elites políticas e disputas intelec-tuais”, no qual novamente atravessamos o Atlântico, mas agora também o Equador. A experiência da elaboração do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (1993-1995), que inaugura no país essa forma de ação pública sobre as cidades, será abordada com riqueza analítica e ineditismo de informações, dessa vez contando também com diversas entre-vistas realizadas com seus principais protagonistas. Contexto, interpretações, articulações, tensionamen-tos, transformações, decisões e encaminhamentos: o

processo de construção do PECRJ ganha nitidez; e é interessante observar como a formulação teórica e propositiva do planejamento estratégico para a cidade deriva da própria compreensão de estratégia adotada por cada dirigente envolvido, e oscila entre escalas e domínios conceituais, indo do alinhamento a um projeto nacional, a uma técnica de governo, ou ainda, a um desenvolvimento urbano com fortes acentos pa-roquiais. A problematização do espaço e do território também comparece, como ênfase ou como lacuna, a depender das adesões disciplinares de cada produtor intelectual, eles próprios devidamente enquadrados e caracterizados em seu quinhão de capital simbólico.

Nas conclusões do trabalho, “Planejamento Es-tratégico como Estratégia”, retoma-se teoricamente o percurso analisado, em que cada decisão metodoló-gica dá lugar a uma perspectiva analítica prenhe de possibilidades. Ao eleger estudar a gênese e difusão de um modelo de planejamento a partir de seu es-paço social de produção e circulação, diferenciando contextos, agentes, conjunções, interesses e posições, Pedro Novais amplia as possibilidades de abordagem das longas viagens de ideias e de práticas, ultrapas-sando o simplismo do pensamento endogenista e incorporando-as aos complexos processos intelectuais a que todos estamos submetidos.

PLANO GERAL DE MELHORA-MENTOS DE PORTO ALEGRE: O PLANO QUE ORIENTOU A MODERNIZAÇÃO DA CIDADECélia Ferraz de Souza Porto Alegre: Armazém Digital, 2010

Rodrigo Santos de Faria Professor Adjunto da FAU-UnB

Naquele que considero um dos números mais importantes da Revista Espaço & Debates, o 34, cujo tema é “Cidade e História”, um conjunto de pequenos (mas de extrema importância) depoimentos aborda, cada qual em suas especificidades, questões fundamen-tais para os pesquisadores arquitetos e urbanistas de-dicados aos estudos historiográficos. O primeiro deles, denominado “O estatuto da História”, de autoria do

1 Disponível em <http://www.oei.es/iiicumbr.htm>. Acesso em 07/02/2011.

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historiador Edgard de Decca,1 apresenta uma série de referências balizadas na obra de outro historiador, Paul Veyne. Na parte central do texto, De Decca faz uma referência crucial ao trabalho historiográfico:

o historiador tem que estar ciente de que os eventos históricos não existem por si, não existem como dado natural. Um evento só é histórico numa trama à qual o historiador é capaz de o concatenar [...] o evento é his-tórico conforme a trama a qual ele pertencer, e haverá tantas tramas quantas nós quisermos, conforme nossa capacidade de inventá-las” (De Decca, 1991, p.8).

Na sequência dos seus argumentos, De Decca afirma também que “o lugar onde o historiador re-sume a trama é sempre conceitual”. Ou seja, por esta ou aquela trama, se constrói pela narrativa histórica o conceito – por exemplo, o conceito sobre a Revolução Francesa. Nesta perspectiva do trabalho historiográ-fico, lida-se com um trabalho de conceituação. O historiador “tem que trabalhar com conceitos, para ter o poder de generalização”, ao mesmo tempo que trabalha com a singularidade, com as particularidades. Segundo De Decca, tais dimensões demonstram “que o historiador a todo momento opera com uma lógica da semelhança e, ao mesmo tempo, com a lógica da diferença”, porque cada evento é um evento particular (De Decca, 1991, p.8).

Feita esta consideração sobre os procedimentos teóricos e metodológicos das pesquisas em história (sobretudo aquelas desenvolvidas por profissionais não historiadores de formação), convém adentrar na problemática central deste texto: uma análise, uma intepretação sobre a interpretação desenvolvida por Célia Ferraz de Souza em seu livro “Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: o plano que orientou a modernização da cidade”, publicado em segunda edi-ção em 2010. Fundamental frisar que outros caminhos interpretativos podem ser feitos sobre esta importante obra para a historiografia do urbanismo brasileiro, especificamente para o urbanismo no Estado do Rio Grande do Sul.

Célia Ferraz apresenta ao leitor, à medida em que sua narrativa dialoga e problematiza com a do-

cumentação primária pesquisada, conjunturas par-ticulares amalgamadas ao processo histórico que envolve questões políticas, econômicas, intelectuais e técnicas inerentes à prática profissional urbanística. Estas questões estão nas bases das intervenções para modernização das cidades brasileiras, na passagem do século XIX ao XX, por delinear a inserção da nação na economia capitalista internacional, principalmente pela construção (ainda que incipiente) de uma base econômica industrial.

No caso das interveções no território, a moderni-zação é construída mediante implementação de servi-ços de abastecimento de água e esgoto, reestruturação do sistema viário (em Porto Alegre pela estrutura em “leque”, como nos apresenta a autora), implantação de parques, ou ainda, de grandes sistemas de engenharia de circulação, como é o caso do Porto às margens do Guaíba que, comparativamente, teve a mesma im-portância das Estações Ferroviárias para a produção cafeeira do interior paulista. Da mesma forma, ocorre uma modernização da gestão municipal, sobretudo a partir da constituição liberal Republicana, com a orga-nização da adminstração pública e criação dos setores de urbanismo e obras urbanas nas municipalidades.

Porto Alegre, nesse contexto de reforma adminis-trativa, conforme nos apresenta Célia Ferraz, mantém os mesmos encaminhamentos do restante do país. É o caso da organização da estrutura administrativa em 1892, com a criação da Secretaria da Intendência composta por sete seções, uma delas a de Engenharia, que foi transformada em Diretoria de Obras no ano de 1896. Esta Diretoria é a base genealógica institucional da Comissão de Melhoramentos e Embelezamentos de Porto Alegre, criada em 1912, responsável pela ela-boração do Plano Geral de Melhoramentos, o objeto central da pesquisa.

No entanto, aqui entram aspectos que configu-ram particularidades da trama narrada no livro, com processos históricos próprios, não restritos ao Plano Geral de Melhoramentos como peça documental isolada, mas relacionadas às questões políticas, econô-micas, técnicas, intelectuais.

Neste ponto está uma contribuição fundamental do trabalho de Célia Ferraz. Ao construir o contexto conceitual dos estudos sobre a modernização das cida-des brasileiras no âmbito das problemáticas sanitárias, infraestruturais e administrativas na passagem do

1 DE DECCA, E. “O Estatuto da História”. Revista Espaço & Debates, Ano XI, n. 34, 1991, p.7-10.

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século XIX-XX, opera a lógica da diferença enunciada por De Decca, no movimento entre a generalização e a singularização. O contexto conceitual sobre a moder-nização da cidade no Brasil no âmbito do debate das reformas urbanas sanitaristas é aquele no qual opera-vam-se planos de melhoramentos e embelezamento como ação pontual para solução de determinados “problemas urbanos”, ainda não inseridos na dimen-são espacial total dos municípios (excluíndo a ação profissional do engenheiro Saturnino de Brito, que já no Plano do Novo Arrabalde pensava uma concepção global da cidade, inclusive com orientação e previsão do crescimento futuro).

Por outro lado, Célia Ferraz nos apresenta toda uma conjuntura de eventos particulares do processo de elaboração do Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre e a atuação profissional do engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel na Comissão e no Pla-no, e anteriormente, quando foi contratado para fazer projetos arquitetônicos.

Afirmo que são eventos, no plural, pois a autora trabalha um conjunto de “eixos de análise” em suas historicidades particulares, concatenando-os numa narrativa que transita de forma particularizada entre esses eixos e, ao mesmo tempo, na conjuntura de modernização da cidade de Porto Alegre. Estes “eixos de análise” estruturam os capítulos do livro, que se organiza em duas partes: a primeira denominada “A concepção”, e a segunda, “A realização”.

A primeira parte é composta pelos eixos “o proje-to de modernização da cidade”, “da modernização do porto à modernização da cidade”, “o Plano Geral de Melhoramentos e seu autor” e “a revista Egatea: entre a concepção e a execução do Plano”.

Estão nestes capítulos linearmente organizados, o específico e crucial debate sobre o Positivimo Rio-grandense e seus vínculos com a educação e a orien-tação política e técnica no Estado; o debate sobre a modernização do Porto às margens do Guaíba e da cidade, até o momento institucional fulcral de criação da Comissão de Melhoramentos; a análise do Plano e a atuação do “autor” do plano, e, por fim, a circulação das ideias, a circulação do pensamento dos profissio-nais engenheiros pela revista Egatea.

Neste último, explicita-se um procedimento importante de pesquisa, com perguntas-problema formuladas em determinados momentos da narrativa.

Nesse caso, segundo a própria autora, para entender o que teria justificado a retomada do Plano Geral de Melhoramentos e sua implementação em 1924, dez anos depois de sua elaboração.

Sem receios de outro aspecto peremptório que caracteriza a história, a lacunaridade, Célia Ferraz informa que essas perguntas passam pela falta de do-cumentos, ou “falta de dados”. Não se trata de uma “falta”, mas daquela dimensão lacunar, que passa pelo que existe de vestígio sobre determinado evento e pelo acesso ao mesmo. Nesse sentido, não é possível pensar em “história total”, pois, para isso, seria necessária a existência da totalidade de vestígios sobre este ou aquele evento.

Todavia, se há “falta de dados” para analisar a re-tomada do Plano, houve a possibilidade para trabalhar na segunda parte do livro as obras que foram sendo implantadas desde 1924, mediante processo de adap-tação aos vários e específicos momentos políticos, eco-nômicos, urbanísticos e sociais ao longo do século XX.

Sobre a atuação do engenheiro-arquiteto Mo-reira Maciel, a análise de Célia Ferraz apresenta uma consideração-conclusão que não é fechada, só possível de se realizar em função do contexto específico de cada “eixo de análise” e do contexto geral do Plano:

fica cada vez mais difícil aceitar que esse plano seja um documento isolado e fruto do trabalho de um único homem. A suposição de um trabalho integrado da Comissão que tratava do planejamento da cidade fica cada vez mais aceitável. (Souza, 2010, p.136)

De fato, trata-se de um plano cujas proposições explicitam a articulação entre “o sistema viário e o saneamento com o embelezamento” (p.128), daí a dificuldade de aceitar sua elaboração por um único profissional.

Por fim, é oportuno considerar momentos do texto em que a dimensão analítica entre a conceitu-ação e a particularização fica comprometida. São os momentos em que surgem referências aos processos de “transferência do modelo para diversas partes do mundo, inclusive no Brasil” (p.136) – a referência aqui é ao “modelo haussmanniano”. Ainda que pouco influentes no conjunto da obra, ao transitarem em uma suposta homogeneidade das problemáticas e so-luções adotadas pelos profissionais das diversas nações

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do mundo capitalista, podem levar ao entendimento de não reconhecimento das particularidades, dos pro-cessos históricos únicos, das singularidades.

Mas não reconhecer as particularidades é justa-mente o que Célia Ferraz não faz. Seu texto, por pres-suposto, está pautado no diálogo internacional com as especificidades locais, em suas dimensões políticas, econômicas, sociais e espaciais, nas especificidades da engenharia no contexto riograndense, nas especifici-dades da formação e atuação do engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel, nas especificidades da circulação do pensamento urbanístico pela revista Egatea, nas particularidades que delinearam a retomada e imple-mentação do Plano. Tanto é assim, que, segundo a autora, o

Plano Geral de Melhoramentos se insere, então, como documento-chave: além de seu conteúdo estar muito bem circunscrito ao contexto internacional das dis-cussões sobre urbanismo [...] sua execução também representa o desejo de tornar os espaços da cidade permanências concretas do governo positivista na es-trutura urbana de Porto Alegre. (Souza, 2010, p.135)

Essa característica, por si só, justifica a leitura do livro; mas, mais que isso, o livro viabiliza, pelas palavras, um passeio pelas ruas, praças, projetos, edi-fícios, personagens, política e economia da cidade de Porto Alegre.

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