Revista CULT (parcial) edição 134

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134 Michel Foucault Júlio Medaglia e René Girard DOSSIÊ ENTREVISTAS ANO 12 R$ 9,90 www.revistacult.com.br A HERANÇA DE O homem um dia desaparecerá como um rosto de areia na orla do mar

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Algumas páginas da edição 134 da revista CULT

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Michel Foucault

Júlio medaglia e rené Girard

DOSSIÊ

ENTREVISTAS

ano 12 r$ 9,90 www.revistacult.com.br

A HERANÇA DE

o homem um dia desaparecerá comoum rosto de areia na orla do mar

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iSSn 1414707-6 – nº 134 – aBril/2009 – ano 12

eDitorial

FouCault: o PenSamento, aS PalavraS e aS CoiSaS

em 25 junho de 1984, em função de complicações provocadas pela aiDS, morria michel Foucault, aos 57 anos, em plena produção intelectual e reconhecido co-mo um pensador que exerceu, como poucos, forte im-pacto sobre as ciências humanas. o dossiê desta edi-ção apresenta a variedade de sua provocadora obra e mostra um homem impossível de ser classifi cado. Foucault está cada vez mais vivo e a infl uência de seu pensamento é cada vez maior, nas mais variadas áreas do conhecimento. Como sempre, a Cult convidou es-pecialistas para participar do dossiê e o resultado é um trabalho que perdurará além da periodicidade mensal desta revista. Servirá de base para pesquisas acadêmi-cas e também para aqueles interessados em conhecer o universo teórico de um dos mais brilhantes pensado-res e um dos homens mais corajosos da vida política contemporânea.

uma entrevista com o maestro Júlio medaglia, rese-nhas e críticas literárias, as colunas de marcia tiburi, Francisco Bosco e norman lebrecht completam a edi-ção de abril.

Boa leitura,

daysi [email protected]

diretora e editora resp. – Daysi m. Bregantinidiretor de Redação – marcos Fonsecaeditor – eduardo Sochaeditor-assistente – Wilker SousaSite – Daniel marquesImagem de capa – michel Foucault © FouCHet Jean-Pierre/rapho

departamento de arte:editor de arte – Fábio Guerreiro

departamento financeiro – ana lúcia P. Silvae-mail: fi [email protected]

departamento administrativo – Dejair Bregantino

Assinaturas – tel.: (11) 3385 3385e-mail: [email protected]

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Assessoria de imprensa – andréa Simõese-mail: [email protected]

Publicidade em São Paulo:Gilberto rala (executivo de negócios)e-mail: [email protected]úlia Farina (executiva de negócios)e-mail: [email protected].: (11) 3385 3385

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Gráfi ca – Parmadistribuição exclusiva no Brasil (Bancas) – Fernando Chinaglia

CULT - ReVISTA BRASILeIRA de CULTURA é uma publicação mensal da editora Bregantini Praça Santo agostinho, 70 – 10º andar Paraíso - São Paulo – SP – CeP 01533-070tel.: (11) 3385-3385 - Fax: (11) 3385 3386

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A Global Editora publica a obra lexicográfica mais esperada de 2009:

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Apresentado por Cícero Sandroni, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), o VOLP foi publicado integral e fielmente de acordo com as instruções da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, constituída pelos acadêmicos Eduardo Portella, Alfredo Bosi e Evanildo Bechara.

◆ 340 mil verbetes da língua portuguesa, com um vocábulo ou expressão por verbete, com classificação gramatical; ortoépia, para eliminar dúvidas sobre a pronúncia correta;

◆ 1.500 verbetes de palavras estrangeiras, com um vocábulo ou expressão por verbete para palavras e expressões de outras línguas de uso corrente no Brasil: inglês, espanhol, francês, latim, alemão, japonês, italiano e outras;

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08 Do leitor

10 Cultura em movimentoexposição Iberê Camargo – Um ensaio visual apre-senta obras inéditas do artista gaúcho

16 entreviStao polêmico Júlio medaglia critica a transição na osesp e avalia a proposta de renovação das leis de incentivo à cultura

24 literaturaTratados da vida moderna – escritos entre 1830 e 1839 – e tradução inédita de Eugénie Grandet revisitam a obra de Balzac

22 CrÍtiCaem livro de contos, Beatriz Bracher abre mão da narrativa linear para produzir, na fi cção, o deslo-camento necessário da realidade

28 mÚSiCanorman lebrecht: arrebatar-se pela obra de Josef Haydn, um dos compositores mais produtivos da história, não é tarefa fácil

30 entreviStaPara o filósofo rené Girard, a tendência das multidões é canalizar a violência coletiva em um único indivíduo

38 FiloSoFiaPara marcia tiburi, pensar o Brasil hoje é ir além da identidade de tomar um pouco de ar para ajudar a memória

entreviStaJúlio medaglia

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ÍnDiCe no 134 aBril 2009

Cultura em movimentoexposição Iberê Camargo Um ensaio visual

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34 livroSensaios de Siegfried Kracauer evidenciam um academicismo consequente e isento de notas de rodapé

Divulgação/Fundação Iberê Camargo

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Márcio Alves da fonseca, professor de pós-graduação em fi losofi a da PuC-SP. É autor dos livros Michel Foucault e o Direito (max limonad) e Michel Foucault e a cons-tituição do sujeito (educ), co-tradutor de A hermenêutica do sujeito, de Foucault

norman Lebrecht, escritor e crítico musical britânico. apresenta o programa lebrecht.live, na rádio BBC. É colunista da revista Cult e autor de Maestro, Obras-Primas & Loucura (record, 2008)

Marcia Tiburi, fi lósofa e escritora. É colunista da revista Cult e autora de Mulher de costas (Bertrand Brasil, 2006) e Filosofi a em comum (record, 2008), entre outros

francisco Bosco, ensaísta e escritor. É colunista da revista Cult e autor de Banalogias (objetiva, 2007), entre outros

ernani Chaves, professor de fi losofi a da uFPa. É autor de Foucault e a psicanáli-se (ed. Forense-universitária, 1988), No limiar do moderno: estudos sobre Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin (ed. Paka-tatu, 2003). traduziu Introdução à tragédia de Sófocles (Jorge Zahar, 2006), de nietzsche

66 oFiCina literÁria

40 ColunaFrancisco Bosco analisa o sucesso da exposição do artista plástico vik muniz

42 DoSSiÊ

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60

foucault no século 21por André Duarte

entre o elogio e a críticapor Ernani Chaves

fala dos confi nspor Peter Pál Pelbart

Pensar a educação depois de foucaultpor Maria Rita de Assis César

A época da normapor Márcio Alves da Fonseca

A herança foucaultiana de Agambenpor Cláudio Oliveira

ernani Chaves, professor de fi losofi a da uFPa. É autor de se (ed. Forense-universitária, 1988), Nietzsche e Walter Benjaminde Sófocles (Jorge Zahar, 2006), de nietzschede Sófocles (Jorge Zahar, 2006), de nietzschede Sófocles

DoSSiÊmichel Foucault

42

Peter Pál Pelbart, professor de fi losofi a da PuC-SP, coordenador da Cia teatral ueinzz, escritor e ensaísta. É autor de O tempo não-reconciliado (ed. Perspectiva, 1998) e Vida Capital (ed. iluminuras, 2003), entre ou-tros, e tradutor de obras de Deleuze

Divulgação

Melissa Antunes de Menezes é escritora e jornalista

Maria Rita de Assis César, professora do progra-ma de pós-graduação em educação da uFPr. É autora do livro Invenção da adolescência no discurso pedagó-gico (unesp, 2008) e de artigos sobre as relações de poder na educação, biopolítica, e estudos de gênero

Arqu

ivo

pess

oal

André duarte, professor de fi losofi a da uFPr. É autor de O pensamento à sombra da ruptura. Política e fi losofi a no pensamento de Hannah Arendt (Paz e terra, 2000) e de Biopolítica e resistência: o legado de Michel Foucault (in Figuras de Foucault, ed. autência, 2006)

Arqu

ivo

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Arquivo pessoal

Cláudio oliveira, professor de filosofia da universidade Federal Fluminense (uFF). É co-organizador de Clínica Psicanalítica das Psicoses (ed. eduff) e autor de artigos publicados em coletâneas, A fi losofi a após Freud (ed. Humanitas) e Nove abraços no inapreensível: fi losofi a e arte em Giorgio Agamben (ed. azougue)

ColaBoraDoreS

Arqu

ivo

pess

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Julián fuks, escritor e jornalista. É autor de Histórias de literatura e cegueira (record, 2007). mestrando em literatura argentina na uSP

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8 n°134 abril 2009

as cartas devem ser encaminhadas para o e-mail [email protected] ou para o endereço: Praça Santo agostinho, 70 – 10º andar – Paraíso São Paulo – SP – CeP 01533-070

a Cult é a única revista de alta cultura que existe no país. Sou assinante há quatro anos e ela nunca me decepcionou. mas reconheço que é de esquerda e isso incomoda alguns leitores. Por isso, acho que deveria se envolver menos com política. Sugiro que se foque mais em cultura.

Paulo Sérgio A. Péricles, pelo site

Críticas são sempre salutares, mas quando despidas de teor reacionário e raivoso. Sem dúvida, marilena Chaui foi clara e coerente em suas colocações.

Marcelo Alves, pelo site

uma das principais missões do intelectual, no dizer da própria marilena Chaui, é fazer os silêncios falarem. De modo que estou com a mestra, retirando, sim, os “chauismos”. Fui seu aluno e muito lhe agradeço pela cultura crítica compartilhada. Sua produção intelec-tual é um orgulho para o Brasil.

Ary Carlos Moura Cardoso, pelo site

Quero parabenizar a fi lósofa marilena Chaui pela brilhante entrevista. uma mulher de visão democrática e pluralista.

Francisco Rolim Sobrinho, pelo site

Populista, de acordo com a entrevistada, são os outros e nunca os seus correligionários. a professora marilena Chaui não diz uma pala-vra sobre alianças entre Pt e José Sarney, renan Calheiros, romero Jucá e alguns dos partidos nanicos.

Luiz Fernando Soares Brandão, por e-mail

o texto é, no mínimo, uma excelente forma de exercitarmos o pensamento sem precon-ceitos. entrevista brilhante, devemos ter or-gulho desta intelectual.

Nelson Nisenbaum, pelo site

a professora marilena Chaui raramente dá entrevistas, apesar da insistência da mídia em citá-la constantemente. li dois livros de-la: Convite à fi losofi a e Nervura do real. Sou médico, e na minha profi ssão a leitura des-sas obras me ajudou muito.

Carlos M. Ferreira, pelo site

uma revista de cultura sobreviver no Brasil é um fato raro e merece respeito. li que a Cult tem 12 anos de história e fi quei ainda mais surpreso. uma revista que assume sua posição deve ser lida, ainda mais nesse caso da entrevista marilena Chaui.

Jairo Solle, pelo site

Parabéns, professora marilena Chaui, por tão lúcidas respostas nesta entrevista semeada de temas urgentes para o nosso cotidiano, oferecendo, com isso, visibilidade para en-frentarmos os dolorosos confl itos que viven-ciamos. Saúdo-a, também, pela sua aposta no ensino de fi losofi a em nossas instituições escolares.

Silvio Medeiros, pelo site

não me interessa se a professora marilena Chaui é ou não petista, pois o que realmente importa é a coerência de suas colocações. Para se falar de política econômica e pro-gramas sociais do país é necessário citar o governo lula. todos nós temos o direito de discordar.

Batista Pinheiro, pelo site

ouvir a professora marilena Chaui é sempre um privilégio num universo repleto de argu-mentos vazios.

Cláudio Pereira da Silva, pelo site

Do leitor

Por motivos de espaço, reservamo-nos o direito de publicar parcialmente ou resumir o conteúdo dos comentários e das cartas enviadas à redação

enTReVISTA MARILenA CHAUI

doSSIÊ – feMInISMo

o dossiê da edição de março está muito bem resolvido editorialmente e o assunto é árduo. também gostei da diagramação e das fotos. em minha faculdade fez muito sucesso e causou emocionada discussão na sala de aula com os alunos.

Izabel K. Martini, pelo site

aprendi coisas que mudaram meu jeito de pen-sar. as fotos são incríveis e as páginas estão mais bonitas. esse dossiê está nota 10.

Maria Carolina, pelo site

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Do leitor

CoLUnA fRAnCISCo BoSCo

nunca fui um grande fã do jogador robinho, tanto dentro quanto fora do campo. Contudo, não tolero hipocrisia. Concordo com Francisco Bosco no que tange ao respeito à privacidade do jogador e à mani-pulação injusta de sua imagem pela revista Veja. esta, aliás, já é co-nhecida de longa data por suas reportagens parcamente embasadas e previamente pautadas pela ganância do dinheiro.

Diego Queiroz, pelo site

mais uma vez Francisco Bosco é lapidar em sua crítica. abstraído o protagonista – aqui poderia fi gurar um sem-número de nomes –, a análise pontual do “caso robinho” denuncia, sem desvios e sem meias palavras, a falta de compromisso com que se desenha o cotidiano da mídia brasileira. triste cenário, sobretudo quando capitaneado por publicações de tão largo alcance. triste cenário, porém sem maquia-gem, sem hipocrisia. Parabéns. É isso que queremos ver e ouvir.

Cleon Bassani Ribas, pelo site

TeSTe CULT – edIÇão 133

os dez primeiros participantes do teste Cult da edição anterior re-cebem um exemplar do livro Rumo equivocado – O feminismo e al-guns destinos (Civilização Brasileira, 2005), de elisabeth Badinter. os vencedores têm até trinta dias para retirar o livro na sede da revista (Praça Santo agostinho, 70, 10º andar, Paraíso, São Paulo/SP), de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.

- osvaldo eduardo marichal alamo- lucius Provase- Breno Juz- maria luiza tonelli- isis lima Soares- José Carlos Fereira Dias- maria Salete Santos- Sâmara Santino- mayra Soares- lygia maurutto trevisan

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14 n°134 abril 2009

Cultura em movimento

A ondA

Palavras ausentes. traços a carvão unidos ao azul e branco. assim é narrado o primeiro encontro de uma menina com o mar. lançado há apenas um ano nos estados unidos, o livro-imagem A onda, da coreana Suzy lee, já vendeu mais de 100 mil exemplares e conquistou o prêmio de melhor livro ilustrado de 2008, segundo lista do New York Times. Com traços simples e precisos, Suzy lee traz poesia à aventura da pequena menina e sua relação com o mar. ao longo das páginas, o medo inicial dá lugar ao encantamento.

A ondaSuzy leeCosac naify40 págs – r$ 35

Reflexio: Imagem contemporânea na França

Local: Santander Cultural, Porto alegredata: 23 de abril a 23 de agosto

entrada franca

a mostra Reflexio: Imagem contemporânea na França integra o calendário oficial dos eventos que marcam o ano da França no Brasil. a escolha do título deve-se à etimologia da palavra lati-na reflexio, cuja raiz é a mesma de reflexo e reflexão. ao expor trabalhos de nomes centrais das artes visuais francesas atuais, propõe-se discutir acerca do papel da imagem na arte contem-porânea. as obras apresentam linguagens variadas, com aborda-gens e edições distintas, de modo a oferecer ao expectador um pequeno mosaico da atual produção francesa. Para a curadora e crítica de arte lígia Canongia, o intuito é “apresentar diferentes recortes a serviço de uma visão de mundo universal”.

RefLexo e RefLexão

Eric RondepierreDi

vulg

ação

/Ilus

traçã

o: S

uzy

Lee

Imagem de autoria de eric Rondepierre, fotógrafo cujos trabalhos integram a mostra Reflexio

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16 n°134 abril 200916 n°134 abril 2009

entreviSta JÚlio meDaGliaFotos: Acervo CU

LT

16 n°134 abril 2009

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n°134 abril 2009 17

Com o verbo solto, medaglia critica a transição na osesp, relativiza o legado do tropicalismo e avalia a proposta de renovação da leide incentivo à cultura

Polêmico ma non troppo

EDUARDO SOCHA E WILKER SOUSA

entreviSta JÚlio meDaGlia

O primeiro contato do paulistano Júlio Medaglia com a música se deu ain-da criança quando a empregada de sua família lhe presenteou com um violino infantil. Anos mais tarde, ao participar da orquestra de amadores da Lapa, em São Paulo, conheceu o oboísta Isaac Karabitchevsky, que o

convida para estudar na Escola Livre de Música, onde lecionava o compositor e mu-sicólogo alemão Hans Joachin Koellreutter. Ao mudar-se para Salvador, para criar os seminários de música da Universidade Federal da Bahia, Koellreutter levou consigo o jovem Medaglia. Lá, surgiu o convite de Artur Hartmann, então diretor da Escola Superior de Música da Universidade de Freiburg, para estudar regência na Alemanha. Em solo europeu, Medaglia estudou com fi guras centrais da música contemporânea, como Karlheinz Stockhausen e Pierre Boulez, e teve aulas de regência com o mítico maestro John Barbirolli.

Sua trajetória, a partir de então, foi marcada por participações em momentos de-cisivos da música erudita e popular no Brasil. Ao fi nal dos anos 1960, tornou-se júri dos célebres festivais da TV Record e, em 1967, escreveu o arranjo de “Tropicália”, canção de Caetano Veloso considerada o marco inicial do Tropicalismo. Nas décadas de 1970 e 80, compôs trilhas sonoras para a TV Globo, como a da série Grande ser-tão: Veredas, e dirigiu por quatro anos o Teatro Municipal de São Paulo. Durante os anos 1990, participou de grandes espetáculos cênico-musicais no Brasil, entre eles, a ópera “Aida”, de Verdi, encenada em 1995, em estádios de futebol. Criou, dois anos depois, a Amazonas Filarmônica, em Manaus.

A experiência e o conhecimento adquiridos ao longo da carreira motivaram-no a escrever os livros Música impopular (Global editora, 2003) e Música, maestro! (Globo, 2008). Com linguagem fl uente e nítida intenção pedagógica, seus livros desejam am-pliar o acesso à história da música, de forma a derrubar as barreiras que separam a música erudita do grande público. Atualmente, Júlio Medaglia realiza trabalhos na ópera nacional da Bulgária e apresenta o programa Prelúdio, na TV Cultura - único da TV aberta dedicado aos novos talentos da música erudita nacional. Nesta entre-vista, concedida em sua casa para a CULT, o maestro fala do turbulento processo de transição na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), sobre alguns mo-mentos de sua carreira e avalia as atuais políticas na área musical.

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18 n°134 abril 2009

entreviSta JÚlio meDaGliaentreviSta JÚlio meDaGlia

CULT – o senhor poderia fazer uma breve análise dos anos John neschling à frente da osesp? Júlio Medaglia – ninguém sabia quem era John neschling. Ficou aqui por um tempo como regente da orquestra Jovem do estado, depois foi embora; ninguém percebeu. De repente, colocam r$ 67 milhões e um salário de r$ 200 mil na mão dele (quase o dobro do que ganha o Simon rattle, regente da Filarmônica de Berlim), e ele se achou o rei da cocada preta. Depois começou a espernear, agredir todo mundo, expulsar músicos da orquestra, dizer palavras de baixo calão aos músicos, a seus colegas de profi ssão, como se todos nós fôssemos imbecis. Só que ele teve azar de dar uma canelada em al-guém que um dia virou governador do estado. aí pronto. É o estado que paga. É uma orquestra independente artisticamente, mas quem paga pode chegar e dizer “ou mudam aí, ou não tem mais dinheiro”. aí, ele dançou.

ele fez um trabalho administrativo muito bom. Como tinha muito recurso, preparava muito bem todas as temporadas. antes de aca-bar o ano, as pessoas já recebiam a programação do ano seguinte. também contratou excelentes músicos internacionais, etc. a orques-tra evidentemente adquiriu um profi ssionalismo.

mas também é verdade que nunca trouxe o pessoal do primei-ro time. nunca vi um Zubin mehta, um maurizio Pollini, uma martha argerich, nem um Claudio abbado tocarem com essa orquestra, em-bora tivesse orçamento para isso. e os bons maestros brasileiros, de nível internacional, ele também nunca convidou.

CULT – o que achou do processo de transição na direção ar-tística da orquestra? JM – essa substituição é um problema. Começaram a inventar coi-sas como “ah, vamos buscar consultor lá na austrália, em londres”. ninguém sabia quem era o neschling até a década de 90! ele chegou aqui, fez um grande trabalho, colocou a orquestra para funcionar, sem consultar ninguém. Para fazer uma programação, para fazer algo profi ssional, não precisa perguntar para nenhum australiano.

Para que buscar um maestro desempregado lá na europa do quinto escalão? o [Yan] tortelier é um bom músico, não vou dizer que seja incompetente. mas qual o motivo para se buscar alguém que não tem nenhuma expressão na música europeia? Se trouxessem o mehta, o abbado, o mutti, algum monstro sagrado da regência uni-versal aqui para São Paulo, o estado vira notícia no mundo inteiro. o [Yan] tortelier é um cara que regeu uma orquestra lá no interior da inglaterra e que estava sem nada para fazer na europa.

CULT – A escolha foi uma provocação?JM – não sei se foi provocação. tenho suspeitas de que existam pessoas fazendo a cabeça do Fernando Henrique Cardoso, que é uma pessoa séria. mas alguém está dizendo bobagens no ouvido dele e ele está acreditando. o Fernando Henrique foi um bom presidente, ainda que sua gestão na área cultural tenha sido a mais inexpressi-va. Quando indicou a secretária de cultura aqui para São Paulo, a Claudia Costin, foi a pior que o estado já teve. Colocaram o Fernando Henrique no conselho da osesp para que tenham uma fi gura forte e para que assim não acabem com a orquestra.

CULT – o modelo de gestão da osesp deveria ser aplicado em outras orquestras do país?JM – a tendência é essa, de ser uma oscip [organização da

“Fernando Henrique foi um bom presidente, ainda que sua gestão na área cultural tenha sido

a mais inexpressiva”

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entreviSta JÚlio meDaGliaentreviSta JÚlio meDaGlia

sociedade civil de interesse público] como a osesp. isso é o que a gente quer no Brasil há muito tempo. infelizmente, as sinfônicas no Brasil, quando dependeram de soluções públicas, sempre foram ruins. agora começam a fi car boas, porque é possível administrá-las como empresas, ou seja, cobrar qualidade, colocar melhores músi-cos, não ceder a pressões políticas. Parece que o pessoal acordou. a amazonas Filarmônica é uma associação civil sem fi ns lucrativos, assim como a Petrobrás Sinfônica, a orquestra de minas Gerais e a orquestra Sinfônica Brasileira.

CULT – Já que o senhor falou da orquestra Sinfônica Brasileira, maior benefi ciada da Lei Rouanet, a reavaliação do governo sobre esse mecanismo de incentivo é pertinente?JM – o que está certo na lei rouanet é que as empresas precisam aprender a pôr a mão no bolso para gastar com cultura. o pessoal fi ca com um pouco de raiva pelo seguinte: por que a volkswagen, que ganha muito dinheiro no país, não gasta dinheiro com a restauração lá da igreja do interior do Piauí? existe a vontade de alterar esse meca-nismo para distribuir melhor o dinheiro destinado à cultura. mas acho isso errado, porque não faltam grandes empresas nesses estados também. estive em Sergipe conversando com o atual governador, e há empresas fortes que, com lei rouanet, poderiam fazer uma festa de cultura por lá. não fazem porque não querem. e não é mudando a lei rouanet que isso vai mudar. os empresários precisam se dar conta de que precisam estabelecer um relacionamento com a comu-nidade local, como nos estados unidos. a gente aprende com eles só o que existe de ruim: rap, rodeio, country. mas não aprendemos como conseguem manter 2.500 orquestras sinfônicas. o espírito comunitário norte-americano a gente não aprende. uma fábrica de parafusos lá do texas, quando se instala na região, a primeira coisa que faz é se relacionar com a comunidade, dar apoio à biblioteca, a uma orquestra de câmara que precisa de ajuda. e lá não tem lei rouanet. o dono da empresa tira do bolso dele.

CULT – e quanto às distorções da lei, ao fato de que a renúncia fi scal estaria sendo utilizada para projetos culturais questio-náveis ou de pouco interesse público?JM – mas isso é culpa do ministério da Cultura! um projeto, para ser aprovado, passa pelos pareceristas. Se aprovaram o Cirque de Soleil, então quem está errado é o ministério, não a lei. acho que precisa de uma peneira. músicos como Chitãozinho e Xororó não precisam de incentivo. ivente Sangalo tem avião! tem sentido ela ganhar incentivo fi scal?

Gosto do [ministro da Cultura] Juca Ferreira, é uma pessoa séria; bem-intencionada. tenho impressão de que vai fazer uma boa gestão no sentido de regular os abusos da lei. todos morrem de inveja da lei rouanet, porque as regiões mais ricas são mais benefi ciadas com ela. acontece que tem mais movimentação cultural aqui. Por que os empresários de Sergipe não fazem uma orquestra de qualidade in-ternacional? não querem. a lei rouanet deveria servir para incentivar o espírito comunitário. mesmo assim, não colocam dinheiro, porque acham que precisam patrocinar alguma coisa que vai fazer sucesso, quando deveriam patrocinar aquilo que valoriza a marca.

CULT – o senhor criticou duramente os concertos da osesp no exterior. Por quê?JM – Porque isso é ridículo! Se o empresário alemão convidasse a orquestra para tocar lá, seria uma maravilha. mas não. usam meu im-posto para mostrar lá na alemanha que São Paulo tem uma orquestra! tocam Brahms no interior da alemanha! É tão ridículo quanto man-dar uma escola de samba alemã tocar aqui no Brasil. Se ao menos dissessem “a orquestra vai para divulgar música brasileira”, tocar villa-lobos, etc, aí talvez fi zesse sentido. mas ir para viena tocar La Mer, tem sentido isso? o contribuinte aqui de Bauru, que paga essa orquestra, não vê a orquestra tocar em sua cidade e lê no jornal que está tocando no interior da Suíça.

Por isso não tem sentido esse francês aqui. um regente titular brasileiro, ao assumir essa orquestra, assumiria também um compro-misso com a cultura de São Paulo. Como custa muito dinheiro, essa orquestra precisa render muito. além do concerto que os mesmos assistem, poderiam fazer o quê? viajar pelo interior, fazer os músi-cos da orquestra dar aulas para os músicos da região, trazer esses músicos do interior para aprender aqui, para que outras osesp’s venham a se formar no interior. insisti muito nisso, e parece que o neschling ia fazer isso também. ela tem que valer r$ 67 milhões. Se você analisar quanto custa um assinante para o estado, vai per-ceber que é uma nota!

CULT – A osesp não ajudou então a democratizar o acesso à música de concerto no estado?JM – não. Democratiza-se o acesso promovendo concertos aqui. tocando em outros lugares, fazendo política cultural, tocando nas praças, nas igrejas. a Sala São Paulo causa inibição. tem que fazer política agressiva de animação cultural. na lapa, lembro que eu assis-tia matinê aos domingos. uma tarde, de repente, entrou a orquestra municipal com coral de cem vozes. Fiquei deslumbrado, comecei a me interessar por música, foi uma emoção incrível. você assiste, é diferente. uma política cultural bem elaborada poderia fazer valer o que essa orquestra custa.

CULT – Como o senhor vê iniciativas como a orquestra Sinfônica de Heliópolis?JM – É fantástico, porque a música trabalha com os dois extremos, com a razão e com a emoção. Se ela enfeitiça a pessoa, de outro la-do ela disciplina. É um trabalho de sofi sticação estrutural muito gran-de. nenhuma outra arte tem tanto rigor. esse trabalho de Heliópolis é muito importante, e espero que tenham outros Brasil afora. mas

“Usam meu imposto para mostrar na Alemanha que

São Paulo tem uma orquestra! É tão ridículo quanto mandar uma escola de samba alemã

tocar no Brasil”

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32 n°134 abril 2009

Acredito que o bode expiatório tem um papel essencial na criação e na perpetuação de religiões arcaicas. As culturas arcaicas foram essencialmente a repetição de sacrifí-cios religiosos, evacuando a violência interna através destas vítimas substitutas. isto não significa que eu recomende o mecanismo do bode expiatório para a manutenção da paz dentro das comunidades. uma vez que o ci-clo do sacrifício é compreendido, ele perde sua eficácia, como uma arma contra a vio-lência interna.

os deuses arcaicos, na minha opinião, são vítimas da matança daqueles que põem fim à violência disruptiva e são considerados divindades da violência e da paz.

CULT – Thomas Mann se perguntava: “Não é a paz um elemento de corrupção civil e a guerra purificação, liberação, uma enorme esperança?” O rito sacrifi-cial – o uso da violência para apaziguar ânimos – vem sendo há muito tempo dis-cutido pela literatura universal? RG – não concordo que a guerra traga puri-ficação. na literatura há comentários sobre o comportamento mimético tanto do desejo, quanto da violência. o rito sacrificial é arcai-co, é gênese da violência humana. o uso do bode expiatório está presente na literatura, como em Shakespeare, por exemplo.

Esta declaração do jovem Thomas Mann reflete a atitude à época do início da Primeira Guerra e foi compartilhada por muitos

ingleses e franceses. Este espírito durou até, aproximadamente, 1916. Estas opini-ões sofreram mudanças extremas devido às terríveis perdas da guerra e do progressivo aumento do poder militar.

Mann era muito comprometido e leal às ideias antinazistas e perdeu sua crença no poder enobrecedor do aparato de guerra. Concordo com o Thomas Mann mais velho. no futuro, ou não haverá nenhuma guerra como aquelas do século 20, ou nós veremos a destruição da civilização.

CULT – Em Coisas ocultas desde a fun-dação do mundo, o senhor diz que os ritos sacrificiais perderam força sob in-fluência do judaísmo e do cristianismo. No que concerne à relação entre Israel e Palestina, existe o uso do mecanismo sacrificial?RG – Devemos tentar ver todos os confli-tos e guerras que temos hoje sob a ótica do mecanismo mimético. Mimesis tanto do desejo, quanto do uso da violência. no cris-tianismo, quebra-se o ciclo. Cristo oferece a outra face e redime seus algozes. não busca vingança, não derrama mais sangue. É pe-la cruz, pelo amor, que se dá a interrupção do ciclo de violência. o cristianismo mostrou que a sociedade humana produzia vítimas úni-cas. A crucificação desobstruiu o caminho para o entendimento do processo da vítima expiatória.

CULT – Mimetizamos o desejo e também a violência? Ou, ao mimetizar o desejo, criamos a violência?RG – Sim, as duas sentenças estão corretas. Criamos rivalidade na mimesis, competindo pelo mesmo objeto, desejando os desejos do nosso modelo, o outro. Esta admiração velada do prestígio do outro, do que o outro possui, é a constatação clara de ser insufi-ciente. Constatação esta muito angustiante e incômoda. Já o modelo, o intermediário, não é passivo dentro deste mecanismo. Pelo contrário, faz de tudo para provocar o dese-jo do outro sobre seu objeto. Pois, que valor tem o objeto, senão pelo desejo de outrem? Este é o ciclo infernal do desejo. E também dos conflitos.

CULT – Para Freud, o mal-estar do homem moderno ocorreria devido à repressão de

sua violência natural, que gera outros pro-blemas de ordem interna e também confli-tos sociais de diferentes naturezas. A teo-ria de Freud não vem de encontro à sua?RG – Sim, há uma oposição entre as ideias de Freud e as minhas. Muitos diriam que tan-to na repressão da libido em Freud, quanto no uso do mecanismo de vítimas arbitrárias para aplacar explosões, reside uma ideia si-milar. Mas não concordo com Freud e com sua teoria de que tudo está relacionado ao desejo sexual. Freud justifica todo compor-tamento humano baseando-se nesta ideia. Ele foi o primeiro a ver a profunda influência que uma pessoa tem sobre a outra. Mas dis-cordo de sua visão de que a influência dos pais delinearia a personalidade. A visão de Freud ficou muito restrita ao período em que viveu, no qual predominava um certo tipo de estrutura familiar.

CULT – E quanto àqueles que somente desejam o impossível? Ou, como disse Kierkegaard, “cometem o pecado ca-pital de não querer nada profunda e autenticamente”?RG – Minhas ideias estão bem mais próximas às de Kierkegaard do que foi visto nas entre-vistas que dei e nos artigos escritos sobre minha obra. Para mim, o desejo do impossí-vel e o não-desejo ainda estariam de acordo com mecanismos miméticos.Kierkegaard constatou, em sua análise dos três estágios do ser, a presença de um ho-mem que se escora no outro. Possuindo um vazio existencial aterrador, ele procura na ob-servação do outro, do que o outro possui, do que o outro aparenta, uma forma de saber quem é e como sentir-se pleno. Portanto, pa-ra ser ele mesmo, este homem necessita to-mar conhecimento do outro, como no meca-nismo do desejo mimético, onde este desejo somente se faz possível pela intermediação do que é e deseja um outro.

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FOucault NO SéculO 2145As ideias do filósofo continuam no cerne das pesquisas em ciências humanas

André Duarte

ENtrE O ElOgIO E a crítIca48As relações de Foucault com a psicanálise: etapas da recepção brasileira

Ernani Chaves

Fala DOS cONFINS51A influência de Blanchot e o lugar da literatura na obra de Foucault

Peter Pál Pelbart

42 n°134 abril 2009

a celebridade que envolve um autor heteróclito assim como o sequestro de sua obra pelas classificações sempre insatisfatórias talvez sejam os procedimentos mais eficazes pa-

ra se ocultar o potencial autêntico de suas ideias. Percebendo-se refém de sua popularidade, Foucault (1926-1984) afirmou certa vez “Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mes-mo”. A noção de autor e a biografia que tendem a cristalizar uma vida e um destino sempre pareceram suspeitas a Foucault que, segundo o próprio biógrafo Didier Eribon, no fundo “resiste à experiência bio-gráfica”. O famoso parágrafo final de As palavras e as coisas lembrava, afinal, que a ideia de “homem” e de “sujeito” um dia se desvaneceria “como, na orla do mar, um rosto de areia”.

Contentemo-nos em afirmar, pelo menos, que a diversidade quase anárquica da personalidade de Foucault reflete aquela de seus escritos, assim como sua recepção no meio universitário. Foi professor de psicologia em Lille (França), conselheiro cultural em Upssala (Suécia) e Varsóvia (Polônia), conferencista no Collège de France, fundador do grupo ativista GIP (Grupo de Informação sobre as Prisões), professor visitante no Brasil, Japão e Estados Unidos. E simpli-fiquemos bastante dizendo que a originalidade de sua obra está na formação de novos objetos e métodos ao saber filosófico, como a história da sexualidade e da loucura, a crítica genealógica aos poderes institucio-nais. Quanto à recepção de sua obra, vamos resumir dizendo que ela se manifesta nos estudos literários e

artísticos, na sociologia e no direito, na epistemologia, nas disciplinas “psi” (psicologia, psiquitaria, psicaná-lise), mas também nas diversas práticas coletivas de contestação, mobilizadas pelo exemplo de seu enga-jamento. Mas afimar tudo isso seria correr o risco de ocultar, como foi dito, o essencial de sua obra.

Vinte e cinco anos após sua morte, praticamente todos os campos disciplinares das ciências humanas transformaram a obra de Foucault em referência in-contornável para a compreensão do nosso presente histórico. Neste dossiê que se pretende introdutó-rio, privilegiamos uma parte modesta de sua obra (complementar, no entanto, àquela parte analisada em nossa edição 81). Assim, André Duarte apresenta alguns dos pontos e conceitos notáveis da trajetória intelectual de Foucault em um texto que poderia ser-vir de base para a articulação dos demais; em seguida, Ernani Chaves resume a relação tensa e histórica de Foucault com a psicanálise e seus desdobramentos no debate brasileiro; Peter Pál Pelbart comenta a proxi-midade entre filosofia e literatura pela força da des-razão, segundo os caminhos indicados pela escrita de Maurice Blanchot; Maria Rita de Assis César exami-na as consequências do pensamento foucaultiano nos estudos sobre educação, em particular na compreen-são da instituição escolar; Márcio Alves da Fonseca analisa os mecanismos de normalização institucional e sua relações com o direito; Cláudio Oliveira, por fim, apresenta as influências de Foucault sobre um dos autores fundamentais da filosofia contemporâ-nea, o italiano Giorgio Agamben. (ES)

Michel FoucaultcontrA A BuscA do eu perdido

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a éPOca Da NOrMa57Qual seria a forma e quais seriam os perigos para o funcionamento do direito nas sociedades modernas?

Márcio Alves da Fonseca

a HEraNÇa EM gIOrgIO agaMBEN60A produção do fi lósofo italiano confi rma a continuidade das pesquisas e do método de Foucault

Cláudio Oliveira

PENSar a EDucaÇÃO DEPOIS DE FOucault54

A passagem da sociedade disciplinar para a de controle na compreensão da instituição escolar

Maria Rita de Assis César

Reprodução

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dossiê michel foucault

44 n°134 abril 2009

Pequeno Glossário foucaultiano

arqueologiaprocedimento metodológico utilizando por foucault nos anos 1960, para descrever suas pesquisas no campo da historiografia. arqueologia seria a disciplina que estuda os vestígios das culturas e dos modos de vida deixados pelo passado, com o intuito de escrever uma “ontologia do presente”. em outras palavras, arqueologia é a manei-ra de observar a história com a intenção de compreender os processos pelos quais fomos conduzidos a viver como vivemos hoje.

biopolítica/biopoder termo (tornado público pela primeira vez na conferência de 1974, no rio de Janeiro) que designa a forma de exer-cício do poder soberano nos estados modernos, surgido no final do século 18, cujo alvo não era mais o território, mas a gestão calculada de um determinado grupo popu-lacional. trata-se do conjunto de tecnologias e políticas institucionais voltadas para o controle específico de todos os aspectos da vida e do corpo, desde o controle da nata-lidade e a higiene corporal à vacinação contra epidemias e infecções.

dispositivomecanismos de ordem institucional, física ou administra-tiva, que ampliam o exercício do poder dentro do corpo social, com a finalidade de normalizar comportamentos. as instituições ou “dispositivos” operam segundo o “princípio de homogeneidade da reação social”.

épistémèprincípio de ordenação histórica do conhecimento, ante-rior à enunciação das ciências e aos diferentes setores discursivos. refere-se às estruturas “inconscientes” que subjazem a produção do conhecimento científico em de-terminado tempo e lugar. É o campo epistemológico que forma previamente as condições do conhecimento.

genealogiase a arqueologia traduz um nível de organização específi-co, destinado a produzir formas administradas de conhe-cimento, a genealogia refere-se a um conceito mais am-plo; a genealogia é descrita como a investigação que não procura as origens, mas o descortinamento histórico da verdade, definida por interesses específicos das diversas estruturas de poder.

governamentalidade(ou ‘artes de governar’) conjunto das racionalidades polí-ticas e dos procedimentos técnicos pelos quais se dá o governo da vida.

heterotopianeologismo (que significa literalmente “outro espaço” ou “outro lugar”) forjado para descrever os espaços reais que acolhem o imaginário, como o teatro, a casa de brinquedo, ou aqueles lugares dos quais o corpo social quer distância, como asilos, cemitérios, prisões.

identidade/sujeitoa ideia universal de “homem”, diz foucault em as palavras e as coisas, um dia desapareceria como um “rosto de areia” na “orla do mar”. a metáfora serve para indicar que a noção identitária e essencial de sujeito implica a aceita-ção de pressupostos históricos e certas imposições insti-tucionais, passíveis de contestação e superação. daí que, para foucault, seria preciso engajar-se na luta a favor da “dissolução” das identidades.

panopticismopanóptico é o projeto prisional, criado por Jeremy Bentham no final do século 18, concebido de tal modo que os pri-sioneiros possam ser observados por uma torre central; é utilizado por foucault como a figura paradigmática das operações de coerção e vigilância das diversas instituições disciplinares.

sociedade disciplinaro poder não é disciplina, mas a disciplina é apenas uma forma de exercício do poder, que regula as organizações institucionais no espaço, tempo e comportamento. ao dis-cutir a história das instituições disciplinares, como prisões, hospitais, asilos, escolas e quartéis, foucault criou o ter-mo “sociedade disciplinar” (que não deve ser confundido com “sociedade disciplinada”), para totalizar o conjunto dessas instituições, que se consolidaram principalmente a partir do século 19.

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dossiê michel foucault

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Vinte e cinco anos após sua morte, as ideias do filósofo

francês continuam no cerne das pesquisas em ciências

humanas: da psicologia ao direito; da filosofia à educação

André duArte

foucault no século 21

Poucos pensadores exerceram maior im-pacto sobre as ciências humanas que Michel Foucault. Vinte e cinco anos após sua morte, ocorrida no dia 25 de

junho de 1984, o caráter generoso de suas ideias inovadoras se manifesta na renovação do campo de investigação da psicologia, da psiquiatria, da história, do direito, da arquitetura, da filosofia, da sociologia e da educação, entre outras disci-plinas. Dos anos 1960 ao começo da década de 1980, Foucault formulou conceitos e aborda-gens teóricas que descortinaram novos objetos e demoliram velhas questões ao demonstrar que a história não é o palco pelo qual desfilam os mesmos problemas singulares de sempre. Como poucos dentre seus contemporâneos, Foucault soube apropriar-se do projeto nietzscheano de destruição e transvaloração dos valores vigentes, ensinando-nos a desconfiar da herança metafísica incrustada em conceitos supra-históricos como ‘o’ Homem, ‘a’ verdade, ‘a’ natureza, ‘o’ poder, ‘a’ razão, ‘o’ sexo, ‘o’ corpo, etc.

As marcas de sua genialidade intelectual já se anunciavam em sua primeira grande obra, A história da loucura na idade clássica, publicada em 1961. Abria-se ali o espaço de pesquisas que Foucault denominou como uma arqueologia das ciências humanas, e que culminaria em obras fun-damentais como As palavras e as coisas, O nasci-mento da clínica e Arqueologia do saber. Nelas, o autor empreendeu uma crítica não epistemo-lógica da razão, isto é, um questionamento que

não visava avaliar a evolução histórica da cienti-ficidade das ciências, mas trazer à luz os pressu-postos profundos que permitiram à modernidade entronizar a razão como critério absoluto a partir do qual se poderia determinar, por exemplo, o ser da loucura. Assim, ao elaborar sua peculiar história da loucura, Foucault abriu mão da ideia de que a relação histórica entre razão e loucura se dera a partir da contínua e gradual conquis-ta das luzes sobre as sombras, roteiro em que a psiquiatria representava a conquista da suposta

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Foucault criou os instrumentos teóricos essenciais para refletirmos sobre as novas formas de biopolítica no século 21