Revista Curinga Ed.4

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Curinga Revista Laboratório | Comunicação Social - Jornalismo | UFOP | Fevereiro de 2013 Ano III | nº 04 Patrus Ananias “O compromisso com a vida é o primeiro dos valores” questão de comportamento A história da loucura e da excentricidade através do tempo Ressocialização Política pública garante a inserção de presos na sociedade Entrevista Acabou? Os fins cotidianos e a importância dos seus sentidos

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Revista-laboratório do Curso de Jornalismo da Ufop - Universidade Federal de Ouro Preto.

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CuringaRevista Laboratório | Comunicação Social - Jornalismo | UFOP | Fevereiro de 2013

Ano III | nº 04

Patrus Ananias“O compromisso com a vida é o primeiro dos valores”

questão de comportamentoA história da loucura e da

excentricidade através do tempo

RessocializaçãoPolítica pública garante a inserção de presos na

sociedade

Entrevista

Acabou?Os fins cotidianos e a importância dos seus

sentidos

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Expediente

Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II – Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop

Universidade Federal de Ouro Preto.

Editores gerais e jornalistas responsáveisFrederico Tavares - 11311/MG e Fabrício Marques - 04663/JPMG

Editora de planejamento visualPriscila Borges

Editor de FotografiaAnderson Medeiros

Editora geral Ana Luísa Ruggieri

Subeditor Pablo Gomes

Editora fotográficaLorena Silva

Editora de arte Janini Sanches

Editora digitalMaressa Nunes

Subeditor digitalKleiton Borges

Editores e revisoresDi Anna Lourenço, Fádia Calandrini

Laís Queiroz, Leonardo Alves, Luísa OliveiraNicole Alves, Renata Felício e Yasmini Gomes.

Repórteres Camila Maia, Gabriel Sales, Jamylle Mol,

Laio Monteiro, Lázaro Borges, Luiza Barufi, Rafael Camara, Maysa Souza, Thalita Neves e Thiago Guimarães.

DiagramadoresFlávio Ulhôa, Giovana Bressani, Joenalva Porto,

Jorge Lelis, Kael Ladislau, Marcela Servano, Mickael Barbieri, Nathália Barreto e Ricardo Maia.

FotógrafosEduardo Braga, Greiza Tavares, João Felipe Lolli

Kamilla Abreu, Mateus Meireles, Mayara Coutrim e Pedro Fernandes.

Produtores digitaisAlice Piermatei, Aline BarreíraFlávia Pupo, Flávia Rodrigues

Gustavo Aureliano, Jéssica MichelinLidiane Andrade e Natália Ambrósio.

EndereçoRua do Catete 166, Centro, CEP 35420-000

Mariana-MG

Tiragem1.500 exemplares

Fevereiro 2013

Cartas do leitor Para comentar as matérias ou sugerir pautas para nossa próxima

edição, envie e-mail para [email protected]

CuringaO melhor jornal laboratório do Brasil já está nas ruas! Leia e repasse.LAMPIÃOJornal Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto

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Política com jeans rasgado

A participação dos jovens no universo político se fez válida e crucial em diversos pontos de nossa história. Manifestações, marchas, panelaços, ca-ras pintadas, planos revolucionários secretos e a esperança de que o futuro poderia e seria melhor.

Entre as décadas de 60 e 80, os jovens universitários abandonavam as salas de aula e se tornavam guerrilheiros contra a Ditadura Militar. Foi um período marcado por um movimento cultural muito forte no âmbito das canções, cinema e literatura e pela mobilização e engajamento entre inte-lectuais, artistas e jovens para a transformação da sociedade, dividida entre vermelhos e azuis.

Em meados dos anos 80, a redemocratização do Brasil chegava carre-gada de vestígios de autoritarismo. A sociedade vivia uma inflação crônica e uma recessão econômica. A derrocada do regime comunista jogava um balde de água fria nos jovens revolucionários e a utopia da construção de um mundo justo e igualitário começava a se apagar.

Hoje, ouve-se muito falar que a juventude desapareceu da política. Não vemos, com frequência, militantes pelas ruas. Jovens que reclamam os di-reitos da sociedade. Que protestam as corrupções do Governo. Nesta edição da Revista Curinga, Patrus Ananias, ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, diz que “houve um rebaixamento dos sonhos, um encurtamento dos desejos, das esperanças, das utopias”.

A descrença no governo e a falta de perspectiva nos candidatos a car-gos administrativos também influenciam na falta de participação, não só dos jovens, mas de toda a população. Grandes “escândalos” envolvendo políticos, dinheiro, roubos, cuecas, cura dos gays, Lei da Moral e Bons Cos-tumes, entre outros, fazem o eleitor se sentir impotente perante as urnas, e duvidar da possibilidade de propostas que solucionem problemas básicos da sociedade, como falta de segurança, a fome entre miseráveis, educação precária, etc.

Apesar disso, podemos notar um grande número de compartilhamen-tos via internet, em redes sociais e blogs, que tratam de questões que de-terminadas comunidades acreditam ser injustas. Não se trata mais da luta pelo socialismo, ou da retirada de um poder autoritário, mas de aborda-gens sociais, ambientais, culturais, reivindicando os direitos de minorias e a batalha pelo respeito às diversidades e individualidades presentes nos dias atuais. Talvez, a mudança não tenha sido no interesse sobre assuntos politizados, mas, sim, no campo de batalha e no que se prioriza.

“Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”. Che Guevara

Editorial

AnA LuísA RuggieRi e PAbLo gomes

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Sentido

Elementos da arquitetura de Ouro Preto e Mariana traduzem poder e status há mais de trezentos anos

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E dos s ímbolos se f ez a his tór ia . . .TexTo: LAio monTeiRo

edição gRáficA : nATháLiA bARReTo

Uma mulher meio hippie lê um livro sentada na escada-ria de uma igreja barroca. Da igreja ao lado, sai um homem acompanhado da esposa, cunhada e sobrinhos. Dividindo espaço com essas pessoas, vê-se os telhados de casarões co-loniais; esculturas; vergas das janelas de sobrados de 200, 300 anos; formas, coisas, significados. Esses e outros ele-mentos da arquitetura das cidades de Ouro Preto e Mariana servem para ilustrar a crença difundida de que o homem é o único animal capaz de criar símbolos. Olhando para as antigas Vila Rica e Vila do Carmo (primeiros nomes de Ouro Preto e Mariana, respectivamente), é possível identificar, de várias maneiras, como a arquitetura e outras formas de arte, de grandes construções a detalhes quase imperceptí-veis, se configuravam como meios de expressão de poder econômico, social e, também, de ideologias.

Quem passa pelas ruas de pedra para trabalhar, estudar, ou mesmo num passeio turístico pode não perceber, mas está rodeado de símbolos que, claro, não estão onde estão por acaso. No período colonial e no Império, o Estado era ligado à igreja Católica, o que já justifica os vários templos monumentais espalhados por todos os lados. No entanto, os sinais dessa aproximação apareciam, também, nos deta-lhes. Os brasões com as armas de Portugal e do Brasil eram afixados nas fachadas e dentro dos santuários, como, por exemplo, na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja São José e na São Francisco de Paula, em Ouro Preto, e na Igreja da Sé, em Mariana. O Estado não era laico e essa combinação de elementos na arquitetura mostra o poder das duas instituições que ditavam as regras antes da pro-clamação da República, em 1889. Marcas que, ainda hoje, deixam evidente a influência religiosa nos costumes e prá-ticas cotidianas de quem vive na região dos inconfidentes.

O jornalista e escritor Ângelo Oswaldo de Araújo, 65 anos, natural de Ouro Preto, revela um pouco como fé e política eram indissociáveis na época colonial e imperial do Brasil. “Na fachada da Igreja São Francisco de Assis, Alei-jadinho esculpiu, aos pés da Virgem Maria, de um lado, as cinco quinas de Portugal, que são as armas do país, e, do outro, as cinco chagas de Cristo”, afirma Ângelo, mostran-do como a associação de símbolos pertencentes a dois uni-

versos diferentes criava um significado. Segundo a historiadora marianense, Maria do Carmo

Queiroz, 60 anos, a religião era o que tinha mais peso no processo de separação de classes na época, “o que distin-guia a posição social de alguém era o contexto religioso, o lugar que a pessoa ocupava dentro de uma solenidade e a irmandade a que pertencia. Além disso, havia as tribunas, lugares reservados para os que tinham mais poder”, diz.

Outra representação de poder bastante sutil, embora mais presente em outras cidades coloniais do que em Ouro Preto e Mariana, se dava por meio da construção das casas e sobrados. Tradição que tem sua origem na Península Ibé-rica, as eiras, beiras e tribeiras eram os nomes das camadas de telhas que cobriam os casarões e, assim como elas, as ci-malhas, acabamentos de cor branca que ornamentavam as coberturas, eram caras para se construir e se manter, já que essas últimas eram feitas de madeira. Desse modo, somente os mais abastados tinham condições de encomendar o tra-balho para os artistas da época. As pessoas com menor po-der aquisitivo, em geral, só tinham condições de construir a tribeira, que era a primeira camada, ficando “sem eira, nem beira”, o que se transformou no ditado popular utilizado até hoje para designar os indivíduos sem posse.

A expressão de poder e status através da arte existe des-de a antiguidade e continua viva nos dias atuais. Em Ma-riana, o designer em ferro batido, Silvio Palmieri, 53 anos, produz peças de decoração em modelo antigo e diz que tipo de público procura seus serviços. “Normalmente, eu traba-lho mais com comerciantes e pessoas que têm um poder aquisitivo maior, porque as peças desse estilo são caras e exigem muito tempo de fabricação”, revela Silvio. O artista afirma, ainda, que os clientes exigem um trabalho cada vez mais requintado, o que o leva a procurar um conhecimento maior em peças que remetam ao barroco e ao medieval, por exemplo. “Eu tenho buscado sair do país, estive na Espa-nha, Portugal e Itália com vários professores que trabalham com forjaria”, explica o designer, se referindo ao método de produção com o qual trabalha e mostrando como a influ-ência europeia ainda é vista como sinônimo de status por quem procura por obras de arte na região.

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Estudar os signos, reve-lando como o indivíduo dá significado a tudo que o cer-ca. Esse é o objetivo da Se-miótica, ciência que busca entender a “arte dos sinais”, mostrando como as coisas adquirem sentido, tanto no campo da língua quanto na natureza, no mundo físico, químico ou fisiológico.

A Semiótica fundamen-ta-se em diversas áreas do conhecimento, uma vez que ela demonstra que toda ideia é construída cultural-mente, dentro de um con-texto. Como sua abordagem abrange qualquer sistema de signos – artes visuais, músicas, fotografia, religião – ela ajuda a compreen-der, por exemplo, o porquê dos elementos artísticos e arquitetônicos de cidades

Da forma ao significadohistóricas terem uma sig-nificação específica. A está-tua de Tiradentes, no centro de Ouro Preto, ilustra esse conceito, pois “consagra a figura do mártir da inconfi-dência, num aspecto muito ligado à imagem do Cristo flagelado”, analisa Ângelo Oswaldo, que também é ex-prefeito de Ouro Preto. Em Mariana, o pelourinho, ins-talado na Praça Minas Ge-rais no século XVIII, repre-sentava, naquela ocasião, o símbolo do poder munici-pal, já que toda vila, ao se tornar cidade, recebia esse tipo de monumento. Além disso, era o lugar onde se acorrentava e castigava os escravos e presidiários. Es-ses elementos, no contexto atual, adquirem mais um significado: o histórico.

Foto: Kamilla abreu

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A mulher hippie da esca-da e o homem com a família são turistas. Ela, Margarida Ferreira, 32 anos, é de Lis-boa, Portugal. Flávio Diesel, 60 anos, veio de mais perto: Vitória, Espírito Santo. Am-bos conhecem um pouco da história local e percebem o significado dos símbolos espalhados por Ouro Preto e Mariana “O ouro presen-te nas igrejas, na decoração, o pelourinho, tudo isso são formas de expressão de po-der econômico e político”, afirma Flávio, que ensina aos sobrinhos, ainda pe-quenos, a importância de se conhecer a história. Mar-garida, que diz enxergar as influências do seu país nos elementos arquitetônicos dessas cidades, resgata o forte caráter religioso pre-sente nas simbologias. “O Estado e a igreja reforçavam o poder um do outro. Só que não era uma dominação pela arma, mas ideológica”, avalia.

Diante dos símbolos pre-sentes nas obras de Ouro Preto e Mariana e de suas significações culturalmente construídas, o que parece ser um ponto de entendi-mento coletivo de quem tenta compreender esses signos é a necessidade das pessoas observarem e co-nhecerem a história nos detalhes, principalmente os moradores dessas cidades. “É importante conhecer esses aspectos, pois, quan-do você entende o sentido de algo, adquire, também, consciência”, analisa Mar-garida. No entanto, aproxi-mar-se da história por meio da arte requer um exercí-cio de mudança de visão, pois, como pondera Ângelo

(Re)conhecer a história

“Um homem e uma mulher se beijando” Bruna EvangElista da silva, 15, EstudantE.

“Isolamento das pessoas, nesta era da comunicação. Ninguém mostra quem é” luís lázaro ruiz, 31, EmprEsário Espanhol E turista Em mariana.

“As aparências não importam. O que importa é o amor” hErminia aBranchEs, 50, profEssora dE Ensino fundamEntal.

“Duas pessoas que tem algo a esconder” fEr-nanda carolina, 17, EstudantE.

A interpretação pessoal dá sentido à obra de arte. Para você o que é isto?

Oswaldo, “quando a retina fica submetida à rotina, as pessoas perdem a capacida-de de enxergar”.

É nesse exercício coti-diano, de descobrir o que a maioria não vê, que a histó-ria se revela e é interpretada por múltiplos olhares. Os detalhes da arquitetura de Ouro Preto e Mariana des-vendam traços culturais tri-centenários, desde as obras a céu aberto às que se en-contram dentro de museus ou, muitas vezes, escondidas numa curva desenhada por um artista. A necessidade de expressar o poder econô-mico, status ou dominação ideológica, que antes eram materializados nos símbolos das igrejas e outros monu-mentos barrocos, continua latente nos dias atuais. O tempo só alterou a forma de significar esses valores. No entanto, independente do período da história, o que não muda é o fato de que al-guns olhares estão atentos, outros, nem tanto.

The Lovers – Os amantes, 1928, de Rene Magritte

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O que é isso?

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Os olhos já não pertencem a um garoto, mas ainda são cheios de esperança. As mãos que acompanham o ritmo da fala são as mesmas que militam em prol das políticas sociais. Dos sonhos que ainda carrega, ele não hesita em responder: “Desejo viver em um país que valoriza a vida.Em que o cidadão seja sempre a prioridade”.

Nascido no norte de Minas Gerais, na “grande Bocaiúva”, Patrus Ananias é uma figura ímpar quando se trata de política. Reconhecido por sua idoneidade e pelo comprometimento, o ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Governo Lula (de 2004 a 2010), foi um importante articulador para a consolidação do Programa Bolsa Família e de uma série de políticas públicas de combate à fome e à miséria.

Bem antes de assumir o Ministério, Patrus já havia se destacado internacionalmente. Em 1992, foi eleito prefeito de Belo Horizonte e teve sua gestão premiada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, foi vereador da capital mineira e deputado federal por Minas Gerais. Hoje é professor de Introdução ao Estudo do Direito, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e técnico da Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Em entrevista à CURINGA, Patrus Ananias comenta sobre sua carreira política, fala sobre o julgamento do mensalão, a ditadura militar e suas expectativas para o Brasil.

TexTo: JéssicA micheLLin e mAysA souzA

edição gRáficA: fLávio uLhôA

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Por uma política humanizada

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Curinga: O que o motivou a estudar Direito e ini-ciar sua carreira política?

Patrus: As duas coisas estão muito ligadas. A minha escolha pelo Direito tem a ver com a política, na medida em que são temas muito próximos, voltados para a sociedade, promoção do bem comum, justiça social, direito dos pobres e dos trabalhadores. São temas que atraíram a minha aten-ção desde muito jovem. Isso se deve, talvez, ao fato da mi-nha formação católica. Quando eu era menino, frequentava muito a igreja e, desde então, comecei a me interessar por leituras. Eu lembro que quando eu tinha 10 anos, eu vi o papa João XXIII, uma figura muito simpática, recebendo o genro do primeiro ministro da União Soviética, Nikita Khrushchev. Um diálogo entre os ecumênicos e os comu-nistas. Aquilo era o máximo!

Aos 14 anos, fui presidente do diretório estudantil de minha terra, a “grande Bocaiúva”. A partir de então, passei a exercer a minha militância. Mais tarde, aos 20, quando comecei a estudar Direito na UFMG, integrei os movimen-tos de resistência à Ditadura. Sempre tive claro que a minha opção pelo Direito tinha muito a ver com a opção social. Prova disso é que eu fui advogado sindical trabalhista e comecei minha carreira como professor de Direito na PUC Minas, na disciplina de Direito do Trabalho.

C: Quais as principais diferenças e semelhanças, em sua opinião, da política de hoje e a de alguns anos atrás?

Patrus: Tendo como referência a militância política dos anos 70, durante a Ditadura, destaco o desprendimento das coisas materiais; o desapego, a busca da liberdade interior, da militância forte. Todos tínhamos a crença de que pode-ríamos fazer uma revolução social, democrática e pacífica.

Hoje eu sinto que houve um rebaixamento dos sonhos, um encurtamento dos desejos, das esperanças, das utopias. Não é necessariamente ruim, porque a historia é dialética. Minha geração está mais atenta à família. Temos um cari-nho com os netos que não pudemos ter com os próprios fi-lhos, porque antes a militância era tão intensa, que às vezes não tínhamos tempo. A vida da gente era tão dedicada ao próximo, que esquecíamos dos mais próximos.

C: O senhor é um político conhecido pela idonei-dade e honestidade. Como se manter assim em um meio como a política?

Patrus: Dinheiro realmente não me compra e não acho que ele seja o último bem da vida. Eu quero ter uma vida razoável, proporcionar à minha família condições huma-nas e dignas de vida, mas o dinheiro não pode ser o valor fundamental. Antes do dinheiro você tem que antepor seus valores. O primeiro deles é o compromisso com a vida. Uma sociedade decente é aquela que prioriza a vida. Nós ainda não chegamos lá e esse é um grande desafio para o Brasil. Eu sonho com um país em que todos os recursos financei-ros, humanos, tecnológicos e de conhecimento devem estar mobilizados para preservar a vida. Eu me formei assim, eu

cresci assim e mantive uma profunda fidelidade aos ideais que me motivaram na juventude. É claro que ao longo da vida eu fui ampliando meus horizontes, lendo, estudan-do, incorporando novos conhecimentos e tendo uma visão mais dialética das coisas. Eu não esqueço quando cheguei na Prefeitura e tive o primeiro contato com o valor da Pre-feitura. Meu anjo da guarda me soprou na hora: “Patrus, isso é dinheiro da Prefeitura, você vai viver com seu salá-rio”. Eu me sinto como servidor público e fico feliz cum-prindo um cargo público.

C: O senhor foi prefeito de Belo Horizonte entre os anos de 1993 e 1997 e teve sua gestão premiada pela Organização das Nações Unidas (ONU). O que destacaria de positivo na sua gestão?

Patrus: Foi uma belíssima gestão e o primeiro grande acerto foi a escolha de uma equipe muito competente, qua-lificada e comprometida. Uma coisa muito importante que nós fizemos foi levantar a autoestima de Belo Horizonte, preparando a cidade para o centenário. Debatemos a ques-tão da cultura em BH, a história da cidade, fazendo o tom-bamento de patrimônios históricos. A cidade se reencon-trou muito. Foi muito importante também a implantação do Orçamento Participativo logo no primeiro ano de gover-no. Outra inovação do nosso mandato foram as políticas de segurança alimentar e nutricional. Fizemos, também, investimentos muito fortes em recursos e profissionais na área da educação, incluindo inovações pedagógicas. A área da saúde também foi beneficiada por esses investimentos, fatores essenciais em uma redução bastante significativa do índice de mortalidade infantil na cidade. Outro grande marco foi a integração das políticas sociais e a priorização das crianças, especialmente as que estavam em situação de vulnerabilidade social. Com elas fizemos um trabalho mui-to bonito e interdisciplinar. Todas as secretarias e todas as administrações regionais eram orientadas pelo prefeito a trabalharem prioritariamente com as crianças.

C: O senhor, durante o governo Lula, ajudou a consolidar alguns programas contra a miséria e a pobreza, incluindo o Bolsa Família. Nos últimos anos, pudemos acompanhar a melhoria da situação finan-ceira dos brasileiros. Como o senhor se sente tendo sido peça fundamental na formação dessa nova re-alidade do país?

Patrus: Ninguém faz nada sozinho, especialmente na política. Todas as realizações são coletivas e a minha equi-pe foi essencial nos bons resultados do Ministério. Éramos uma equipe comprometida, capacitada e que fazia da ques-tão social uma prioridade. Nós não só desenvolvemos as po-líticas de combate à fome e promoção do desenvolvimento social. Também integramos todas as iniciativas nesse sen-tido. Os programas sociais só funcionavam porque eram integrados às outras iniciativas, como foi feito durante a minha gestão em Belo Horizonte. Pode-se dizer que o Go-verno Lula fez uma revolução no Brasil, democrática, pa-

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C: Como jurista, o que o senhor achou do julga-mento do mensalão?

Patrus: As pessoas estão dizendo que esse foi um jul-gamento histórico. Mas eu digo que esse é o julgamento que será julgado pela história, com mais discernimento, mais estudo. O julgamento foi marcado em plena campa-nha eleitoral e havia ali, claramente, uma vontade da opo-sição em confrontar o PT.

A história vai julgar qual foi a relação do Superior Tri-bunal Federal com essa grande imprensa, que faz uma opo-sição sistemática ao PT e ao Lula. Se o STF e o judiciário julgassem os processos, principalmente os de crimes contra a economia popular e os crimes de corrupção com o mesmo vigor, certamente o país agradeceria.

C: Vivemos um momento em que grande parte da população brasileira não se interessa pela política. Como recuperar a confiança dos eleitores atuais?

Patrus: É preciso criar espaço para que as pessoas pos-sam exercer a sua cidadania efetivamente. Nesse sentido, o orçamento, o planejamento participativo e outras formas de participação são fundamentais. A verdade é a seguinte: na teoria, todo mundo é a favor da democracia participativa, mas na prática, não a exercem.

Nós ainda somos muito condicionados pelos velhos pa-radigmas e modelos. Qual é o velho modelo? Não é o da ci-dadania, é o do súdito, é o poder quem manda; e a tendên-cia do poder é se ampliar. Dessa forma, ao criar mecanismos para que todos possam desenvolver sua responsabilidade, consciência política e crítica, estimula-se um contexto onde as pessoas vão exigir, reivindicar; pessoas que vão olhar no olho. Assim, para se trabalhar sob uma perspectiva partici-pativa, a população deve ter uma formação nova e acreditar realmente na democracia.

cífica, silenciosa. Os dados são inegáveis, o mundo inteiro reconhece. Cerca de 30 milhões de brasileiros foram para classe média e outros milhões saíram da pobreza extrema.

O sistema defende uma renda mínima necessária para a família e isso não é assistencialismo. Com um valor me-nor do que o estipulado, não dá pra viver. Além das razões éticas, humanitárias, de justiça social e direito à vida, há ra-zões práticas que interessam ao Estado. Interessa ao Estado que as pessoas tenham uma renda razoável e digna, porque as pessoas compram e isso aquece a economia e gera em-prego. Interessa ao Estado que as famílias possam manter os filhos na escola, consolidar seus laços familiares. E nós sabemos que uma família com uma renda aquém das suas necessidades básicas corre o risco de se desconstituir. “Casa onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão.”

C: Casos de corrupção estão cada vez mais recor-

rentes na mídia. O senhor acredita que isso se deve a uma maior vigilância da Justiça, meios de comunica-ção e população?

Patrus: Creio que nenhum governo no Brasil criou mais condições para o combate à corrupção do que o governo do presidente do Lula. Eu tenho algumas lembranças muito tristes do governo do presidente FHC, que é uma pessoa a qual tenho muito respeito. Entre elas, a de que a Polícia Federal (PF) não tinha dinheiro. E o Lula fez uma revolução dentro da PF, abrindo concursos e melhorando o salário. Ele também implantou a Controladoria Geral da União (CGU) e teve total respeito com a liberdade de imprensa.

O que falta no Brasil é uma reforma do poder judici-ário. Infelizmente, grande parte dos processos levantados, inclusive o “mensalão mineiro”, não são julgados. É preciso reconhecer que o Ministério Público, a CGU e a Polícia Fe-deral, às vezes com algum excesso, têm feito a sua parte.

Foto: mateus meireles

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Editoria

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albErguEo albErguERelato de uma experiência de conhecimento do mundo

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TexTo: LázARo boRges

edição gRáficA: JoenALvA PoRTo

Ensaio

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sência, caso alguém me notasse. Foi quando ele apareceu naquele living escuro incrus-tado numa cava, que é como são as casas de Göreme, trajando como se fosse um Ale-xander Von Humboldt contemporâneo, com roupas de viagens desportivas.

Ao olhar o livro que repousava sobre a mesa, ele logo acusou minha nacionalida-de e perguntou o quê eu estava lendo num uso razoável do português. Estranhando, eu perguntei a ele porque sabia português. Disse-me que estudava Persa na Univer-sidade de Veneza e que viajava o Oriente Médio desde Istambul até Agra, na Índia, para escrever sua tese de fim de curso sobre o Oriente e a Complexidade. Porém, estu-dara, como segunda língua, um pouco de português.

Reverti a pergunta buscando saber por-que ele estudava uma cultura tão contra-ditória como a do Irã. Não tinha dúvidas que não tinha origens islâmicas. E daquele universo cultural que eu apenas conhecia seus estereótipos, fui àquele país por ser o mais secular de todos e ter fama de exótico. Como era possível alguém se apaixonar pelo estudo de um mundo que oprime e escon-de sobre um manto negro suas mulheres e produz pessoas tão radicais a ponto de dar sua vida, matar outras tantas por uma pro-messa?

A TV havia sido desligada, e agora so-ava uma música sufi. Ele esperou que mi-nha exaltação passasse e citou um escritor argentino, que dizia que para o cosmopolita não há cultura, língua ou livro que não seja de seu interesse. Ademais fez uma defesa breve enaltecendo a culinária, a grandeza poética do Alcorão, e como a proibição da arte figurativa produzirá a mais evoluída das artes geométricas e abstratas. “E não seriam os padrões de beleza que impomos as mulheres do ocidente uma espécie de burqa?”

Momento este que todos passamos uma, duas, ou trezentas vezes durante aquilo que se convenciona chamar de Anos Dourados. Momentos de mal-estar resulta-do da frustração entre aquilo que uma edu-cação tradicional e de províncias, tão cheia de certezas e sem espaço para dúvida, se choca com um devir de mundo diverso. As contradições entre mundo ideal frustrada frente à realidade.

Decidi, naquele distante ano, deixar a faculdade por um tempo e sair para uma viagem errante a lugares exóticos, onde eu pudesse esquecer quem eu era e de onde vinha. Nosso encontro se deu nos últimos dias de minha viagem, no living subterrâ-neo de um albergue, na cidade de Göreme, região da Capadócia. Após jejuar todo o dia, por conta do Ramadan, caminhando pelo planalto semiárido e quente todo o dia, so-mente dispunha de algo em conserva (na embalagem dizia Koala Kebap) para comer.Tomei uma cerveja russa levemente refri-gerada, e vi algo sem atenção na TV que soava como grego para mim – e era. Tudo isto contribuía para uma atmosfera de au-

Conheci Simone em um momento muito insólito da minha vida, momento que fez com que cada frase sua tivesse o efeito do floreio de um esgrimista rasgando o meu peito; cada gesto ressoasse em mim como um delicado e profundo soco metafísico no estômago; e cada silêncio medido, a força atrativa de uma muleta que leva com graciosidade o peso de um touro da escuridão à luz.

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Voltei a bater na tecla do fanatismo e da falta de liberdade individual. Fez-se longo silêncio na escuridão parcial daquela cava. “Tendemos a massa”, rompeu ele o silêncio. “Queremos saber o que tocamos, nada nos apavora mais do que o estranho, o desco-nhecido, além de nossa fugacidade perante a dolorosa passagem do tempo”, enfatizou. E seguiu: “Na massa todo mundo é igual, reduzem-se a zero todas as diferenças en-tre gênero, classe ou raça. A massa também nos dá caminhos seguros de conhecer e fa-lar do mundo. Por isto a importância da es-cola ou do papel hegemonizador dos meios de comunicação, difundindo formas de pensamento único e por vezes intolerantes à diferença”.

“A massa nunca pode estagnar. Para ser eficiente, ela precisa crescer em ciclos repe-titivos. Pense no cristianismo do Sermão da Montanha, feito ao ar livre, contra o herme-tismo histórico do judaísmo. Na amplitude dos meios de comunicação de hoje em dia. Quando ela não pode crescer, sua fixação se dá por meio repetição de metas fixas e tão distantes que sua realização nunca poderá se dar em vida, como a promessa de uma vida além desta ou padrões de consumo inatingíveis”, continuou Simone.

Respirou fundo, e seguiu: “estar na mas-sa alivia nossas maiores dores, a solidão, a efemeridade da vida biológica, as incertezas do mundo, a dor física e da perda afetiva. Apegamos-nos aos valores que a sustentam enquanto instituição e nos empenhamos intransigentemente na defesa deles, que sustentam os sentimentos de seguridade e

a transcendência das fraquezas do gênero humano. Mesmo que sejamos dominados, defenderemos esta dominação, pois sabe-mos do conforto de não ser responsável pela nossa tomada de consciência individual”.

“A Modernidade também foi um projeto de massa que buscava conhecer o mundo de maneira absoluta. Conhecer e dominar foram as palavras-chave lançadas por Des-cartes. E assim, o gênero humano se eman-ciparia de suas misérias. Mas foi um fracas-so, toda a evolução tecnológica e econômica ainda não foi o suficiente para proporcio-nar bem-estar e dignidade humana para a maioria sequer”, concluiu.

Fez um longo silêncio e viu a hora. Era por volta de sete da noite, e me convidou a ir até o terraço para ver o pôr do sol. No topo, minha vista foi tomada pela suavida-de da luz do fim de tarde. Sentamos num lado mais isolado dos outros viajantes no terraço. Ao fundo, podíamos ouvir de uma mesquita o cante a palo seco e entrecortado de um Imã, uma espécie de busca tenaz da reconciliação daquela alma com a fugacida-de e a ausência de som daquele deserto.

Porém, prosseguiu ele, “cada individuo é cheio de potencialidades dentro de si que conflitam com essa realidade. Ou ele pode aliviar estes conflitos por meio da resigna-ção, violência (frequentemente resvalando naqueles que estão na sua mesma condi-ção, reproduzindo a opressão) ou o entor-pecimento; ou ele pode tentar transcender os limites de sua realidade justamente ao conhecê-los. Aí, meu caro, é que a aventura humana toma este gosto forte de gengibre da comida oriental que nós conhecemos”.

“Hoje, felizmente, parece que as coisas vão num caminho bom... não sei. Mas sou entusiasta”, afirmava ele naquele dia que ainda seguia muito quente. “As informações circulam com maior velocidade, e o conhe-cimento está em constante e fluída altera-ção. Já não se pode mais afirmar uma certe-za única nestes tempos. O conhecimento já não é mais uma ferramenta de domínio do mundo, mas é lente para se enxergar me-lhor a condição humana”.

“E como funciona isto na prática?” per-guntei a ele.

“Somos habituados com a ideia de que é preciso ter o conhecimento como instru-mento que nos dá acesso a realidade. Isto é em parte verdade. Mas o problema se lo-caliza no fato de que esta forma de conhe-

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Foto: Pedro Fernandes

cer traz em si os próprios limites. Só se en-xergará aquilo que a teoria postular em si, cortando parte da perspectiva do campo de visão. Não que esta forma seja ruim, mas para complementar seus limites, é interes-sante pensar no fenômeno nele mesmo, como portador em si dos elementos que possibilitem sua compreensão. Isso exige a humildade de não saber nada, e deixar se guiar pelo objeto que se busca conhecer”, respondeu.

“Durante minhas viagens conheço pes-soas super interessantes e buscando co-nhecimento. Mas já aconteceu, em muitos casos, destas mesmas pessoas recusarem o convite de ir comigo a um museu, por di-zer não terem o conhecimento para o fruir das obras de arte. Ora, conhecimento de história e teoria da arte ajudam a fruição, mas não é necessário saber ler para se encantar com o belo. É fazendo lograr isto, que reside a grandeza de um artista”.

“Deixar para trás nossas certezas do passado, que vínhamos usando como projeção para o futuro, é um caminho para alargar os horizontes de mundo”, pensei. Incertezas? Essas serão a nova constância de que nada estará definido e mais, elas virão com a gra-dual libertação do homem de suas contingências his-tóricas. Deixando para trás valores como utilidade, efi-ciência e lucratividade, nos aproximamos da riqueza humana. “O ser humano já não será mais o meio, mas o fim em sua plena e es-plendorosa humanidade”, refleti.

A conversa terminou quando escureceu comple-tamente. Silêncio total. E minhas inquietações come-çavam a ceder espaço para uma suave música de um mundo que ali se desem-baraçava. Simone me disse que sabia de um bar escon-dido nas cavas de Göreme donde se podia tomar uma

cerveja melhor e encontrar outros mochilei-ros. Tive uma última impressão dele aquela noite: a de que não havia pessoa com quem ele não fosse capaz de manter de levar a mí-nima conversa. Mesmo um grupo que não conversasse entre si, logo ele apareceria lá e animaria a mesa. Naquele bar, ele arru-mou muitos companheiros de viagem que tinham um itinerário em comum.

Na outra manhã, tivemos uma conver-sa ordinária sobre os mais diversos cafés da manhã do mundo enquanto desjejuávamos. Ao terminar, pegaria um ônibus que me le-varia ao aeroporto, dando fim à minha via-gem. Não peguei seu contato, mas ele me deixou um cartão postal com sugestões de livros, filmes e músicas, no qual terminava dizendo: “O homem sem âncoras mentais/ será para sempre jovem/ nunca se detendo em um porto/ viajará impulsionado pelo si-lêncio do vento.”

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Louco, insano, excêntrico, alienado, ma-luco, pinel, transtornado. Muitos são os ad-jetivos para designar pessoas consideradas loucas. Durante a história, muitos foram os significados atribuídos a essa palavra: “LOUCURA”. A ideia do termo – suas in-terpretações e definições – muda de acor-do com o espaço e a temporalidade. Mas, ainda que os sinônimos designados para a palavra sejam diversos, ela está relaciona-da frequentemente a um desvio social, ou seja, a tudo aquilo que foge aos costumes e normas de cada sociedade. Mas, afinal, a loucura veste a carapuça do bem ou do mal? Quem são os loucos que nos cercam? Onde está a loucura?

Segundo o dicionário Aurélio, louco é aquele que: adj. 1. Que perdeu a razão; doido,

maluco. 2. Contrário à razão; insensato. 3. Do-minado por paixão intensa; apaixonado. 4. Es-quisito, excêntrico 5. Imprudente. 6. Doidivanas.

O sociólogo Ubiratan Vieira comenta esse significado: “nas conversas do dia a dia encontramos o termo ‘louco’ servindo de elogio, como em ‘isso é muito louco’, mas também como forma de insulto: ‘você está louco!’.” Apesar de existir esta dualidade de sentidos hoje em dia, a questão da loucu-ra nem sempre foi abordada em expressões e brincadeiras, ou seja, tratada com tanta “normalidade”.

Na Idade Média, acreditava-se que o ideal era manter os considerados loucos bem distantes da sociedade, de modo que estes não atrapalhassem a ordem que já es-tava estabelecida. Um exemplo disso é a fa-

Para a igreja, obra do demônio. Para os gregos, uma divindade. Para muitos, algo excêntrico. Para outros, uma patologia. Veja como a loucura é relativa, e o louco, na verdade, pode ser você.

TexTo: cAmiLA mAiA e LuizA bARufi

edição gRáficA e iLusTRAção: JoRge LeLis

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mosa pintura Nau dos Loucos, em francês, La Nefdesfous, do artista HieronymusBosh, exposta no Museu do Louvre, em Paris. A pintura retrata as embarcações que trans-portavam os loucos durante o período me-dieval. O principal objetivo: isolá-los em alto mar ou levá-los para outras cidades que os acolhessem.

Ainda nesse período, a Igreja exercia enorme influência sobre as pessoas, não fa-zia separação entre o louco e o homossexu-al, nem entre aqueles que praticavam ritos de magia. Todas essas pessoas eram vistas como uma ameaça, porque poderiam, a todo tempo, causar o caos. Elas foram puni-das e retiradas do convívio social por serem reconhecidas como insanas, ainda que na época a insanidade não fosse diagnosticada por um profissional e era, muitas vezes, tra-tada como possessão do demônio.

O vínculo histórico da loucura com a questão religiosa não possui apenas uma co-notação negativa. Na Grécia antiga, quando as pessoas tinham alucinações e perdiam a razão, os gregos acreditavam que elas esta-vam entrando em contato direto com algu-ma divindade.

Entre a razão e a patologiaRodrigo Mikelino é ator e sempre gos-

tou de trabalhar com temas humanos. Um dia, em uma fila de banco, se deparou com o comentário de duas pessoas atrás dele: “Fulano é louco!”. Resolveu que este seria o tema de sua próxima peça. Foi trabalhar no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e pesquisar mais sobre o assunto. Qual era a loucura a que as mulheres se referiam? O que levou aquele indivíduo a ser taxado de louco? Qual a linha que separa a lucidez da loucura?

Durante a Idade Média, a loucura era vista como uma doença e aqueles que eram considerados loucos eram isolados em co-lônias chamadas leprosários. As consequ-ências desse tratamento se deviam a uma medida de saúde pública que, para a época, era conveniente. Porém, mesmo com a di-minuição do surto que atacou a Europa e a extinção dessas colônias de isolamento no século XV, a ideia de exclusão que os lepro-sários traziam prevaleceu, como ressaltou Foucault em “História da Loucura”.

A partir do século XVII o modo de ver a loucura muda completamente: ela começa a

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ser relacionada com a razão, mas, as formas de repressão eram parecidas. Surgiu nessa época, a internação; poder que, ao mesmo tempo, executava e julgava. Essa medida tomada no período em questão se parece com o isolamento dos leprosos na Idade Média: a figura do louco agora é representa-da pela exclusão, ele incomoda a sociedade e perturba a ordem.

O quadro muda com a eclosão dos pen-samentos iluministas no século XVIII. A razão passa a ser valorizada e a loucura é considerada um fenômeno, estudado pelo campo da medicina. O progresso nesta épo-ca é significativo, porque a loucura passa a ser diagnosticada como doença mental pas-sível de cura.

Um dos principais estudiosos do tema, o filósofo e historiador francês Michel Fou-cault procurou evidenciar o caráter norma-lizador do discurso psiquiátrico. Em sua obra, ele mostrou como os julgados loucos eram marginalizados no período renascen-tista até a modernidade, analisando a lou-

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1 - Malle Babbe, Gustave Courbet;2 - Alexandrine Le Normant d’Étiolles, François Boucher;3 - Keith Negley;

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Gênios ou loucos?Durante a história, muitas personalidades foram conside-radas loucas por sua excentricidade ou por defenderem ideias que contradiziam as crenças e costumes de uma determinada sociedade. Conheça alguns desses persona-gens:

GALILEU (1564-1642): Defendeu a tese de que a Terra não ficava no centro do Universo e, como essa teoria era contrária ao dogma da Igreja, foi perseguido, considerado herege em 1611 e taxado como louco.

NIETZSCHE (1844-1900): Acreditava que a base racional da moral é uma ilusão e, por isso, descartou a noção de homem racional. O mundo para Nietzsche era desordem e irracionalidade.

NIKOLAS TESLA (1856 – 1943): Ele ficou conhecido como um gênio maníaco que dormia pouco e adorava se exibir usando seu próprio corpo como condutor elétrico em de-monstrações públicas.

ALEISTER CROWLEY (1875– 1947): Sua vida regrada a sexo, drogas e misticismo chamou a atenção e fez com que ele fosse considerado louco por grande parte das pessoas.

LIMA BARRETO (1881-1922): Em 1911, escreveu o roman-ce tristE fim dE policarpo QuarEsma. Em 1914, foi internado pela primeira vez no Hospício Nacional dos Alienados, lu-gar ao qual retornou mais uma vez anos mais tarde. A edição de luxo de diário do hospício E cEmitério dos vivos traz reunidas as impressões de Lima Barreto sobre os dois me-ses que passou no hospício.

ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO (1909-1989): Artista plástico brasileiro, considerado louco por uns e gênio por outros. Sua figura está ligada ao debate sobre o preconceito e os limites da insanidade e da arte no Brasil.

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cura desde a percepção do louco até a classi-ficação como doença mental.

Mesmo com todas essas mudanças, a ideia de que o louco incomoda ainda faz parte do imaginário das pessoas, como ob-serva o sociólogo Ubiratan Vieira: “O termo talvez esteja muito carregado ainda daquele sentido dado pelo medo do patológico”. Tal medo leva à criação de estereótipos.

A loucura aparece em diversas represen-tações. Alguns movimentos culturais, como o surrealismo, reivindicaram a necessidade de preservar a atividade criativa do artista exatamente como a de um “louco”, capaz de propiciar expressões que ultrapassem os limites do razoável e permitam, assim, a li-vre manifestação do talento criador.

Quando se fala da loucura como estado de ampliação, ultrapassar limites preesta-belecidos, a conotação costuma ser positi-va ligada à ideia de coragem. As doenças mentais são o oposto: “as psicoses são uma distorção do pensamento e do senso de rea-lidade, que pode prejudicar muito a vida do

paciente; no lugar de liberdade, elas restrin-gem a autonomia”, diz a psicóloga Márcia Damasceno.

O fato é que, embora livre dos nós das camisas de força dos manicômios, os hoje chamados loucos ainda estão presos ao preconceito e à ideia muitas vezes negativa causada pelo estereótipo.

Diário de um loucoDurante os três anos que trabalhou no

CAPS, Rodrigo Mikelino levava o teatro a pacientes que tinham acabado de sair dos hospitais psiquiátricos. O desafio era gran-de, pois nunca tinha feito nada parecido. “Não tinha uma fórmula pronta de como trabalhar, tive que aprender no dia a dia quais as alternativas funcionavam.” Ele também enfrentou o medo inicial do desco-nhecido e desconstruiu a ideia de como se-ria lidar com aquelas pessoas. “No primeiro dia fiquei com medo que eles me batessem, mas vi que não era nada disso”, relata.

Rodrigo começou a anotar em um diário

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as experiências que vivia lá e as histórias de vida de pessoas que tinham muito a dizer, mas quase ninguém para ouví-los. “Quando eles me contavam as histórias não era como se contassem a alguém, era mais uma con-versa na frente do espelho e conforme fala-vam se sentiam aliviados. Eu incentivava e tentava tirar deles o máximo possível. Eram histórias reais e, ao mesmo tempo, inventa-das pelas alucinações, mas que não deixam de ser reais para eles.”

Os anos no CAPS renderam ao ator um espetáculo intitulado “Diário de um louco”, no qual ele apresenta seis das histórias que ouviu lá. Rodrigo acredita que o contato com essas pessoas mudou a sua percepção da loucura: “a única diferença é que tem gente que tem que tomar remédio contro-lado todos os dias e outras não. Todos nós temos nossos surtos! Não existe um ser são e um ser louco, existe um SER, somos a jun-ção de um todo!”.

Para a psicóloga Márcia Damasceno, “todos nós carregamos um pouco de loucu-

ra. São as nossas cismas, as nossas manias, as nossas paranoias. Se elas atrapalham a nossa vida de maneira importante, prejudi-cando o nosso rendimento profissional e a nossa capacidade de se relacionar, merece-mos o rótulo de ‘louco’ e devemos nos tra-tar. Se elas não atrapalham nossa vida de forma efetiva, classificamo-nos como neu-róticos ou apenas de esquisitos e tocamos a vida”. Damasceno ainda acrescenta: “Freud afirma, em uma de suas obras, que todas as pessoas têm um pouco de neurose em si. É normal o ser humano ser um pouco neuró-tico, sendo apenas o excesso chamado de patológico.”.

Quem nunca fez uma loucura na vida? Ela pode ser observada nesse contexto como uma “válvula de escape” para determina-das situações em que o indivíduo se sente “oprimido”, “aprisionado moralmente”, ou mesmo para extravasar tensões emocionais retidas na mente. Pois, parafraseando Ro-drigo Mikelino: “O que fora te mata, dentro te liberta”.

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- “Ô, moço! Você não pode tirar foto daí, não. É proibido”. Disse o porteiro fazendo cara de poucos amigos, enquanto estufava as mãos no bolso da calça.

- “Mas eu estou na calçada, fora do pré-dio. Só vou fazer umas fotos da fachada. Isso não é proibido, é?”, respondi surpreso, mas sem dar muita atenção ou parar de fo-tografar.

Ele já havia se aproximado mais durante o esboço de conversa:

-”E se sair algum morador nessas fotos suas, hein?! Sabia que ele pode te proces-sar?”

As palavras desferidas em tom de ame-aça só me permitiram reiterar o conceito do ensaio presente nas próximas páginas. Será que somos simplórios ao ponto de nos pertencer uma descrição baseada exclusi-vamente na cor dos olhos ou cabelos, altu-ra, gordura localizada ou generalizada (até quem sabe a escassez dela)? Seria a nossa significação tão simples que caberia numa foto 3X4?

Eu não consigo acreditar nisso. Por esse

motivo, decidi sair em busca de uma narra-tiva contada a partir de outra perspectiva, a da apropriação do espaço. Durante dias, visitei diversos apartamentos do Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte, e lá ouvi “segredos de liquidifi-cador” e outros objetos que me disseram mais sobre os seus donos do que os próprios poderiam tentar.

A escolha do projeto de Niemeyer como dispositivo para essa série se deu exatamen-te pela natureza rocambolesca da obra. Sua construção, que teve início nos anos 50, só foi finalizada quase duas décadas depois. O conceito original foi reformulado inúmeras vezes e hoje está longe de ser o que poeta do concreto havia planejado.

O conjunto conta com duas torres, uma de 23 andares, localizada em frente à Rua Timbiras, e outra de 36 andares, localizado na Rua Guajajaras. No total, cerca de cinco mil pessoas residem nas quase 1100 unida-des do complexo. No interior de cada apar-tamento uma história, um estilo de vida, um objetivo, um olhar, um estar no mundo.

Não há um “manual de instruções”. Cada um se ajusta àquela estrutura pre-determinada de modo que vá ao encontro de sua essência. Objetos ali presentes, por vezes, considerados banais ou meramente decorativos, na verdade, são fragmentos de uma história ainda a ser preenchida, cons-truída no cotidiano.

Entre quatro paredesFragmentos de uma história ainda a ser preenchida

ENSAIO FOTOGRÁFICO

TexTo e foTos: mATeus meiReLes

edição gRáficA: RicARdo mAiA

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Na entrada do presídio regional de Mariana, inte-rior do estado, uma mensa-gem na parede se destaca. “Se queremos progredir, não devemos repetir a história”. A frase, dita por Gandhi tempos atrás, parece mover também alguns dos deten-tos, que veem as políticas públicas desenvolvidas no local como uma oportuni-dade de mostrar à socieda-de que sempre é tempo de prosseguir e que ninguém deve ser julgado a vida toda pelo crime de um dia.

O governo de Minas Ge-rais, desde a criação da Se-cretaria de Estado de Defe-sa Social (SEDS) em 2003, vem substituindo a custódia

dos centros prisionais, antes administrados pela Polícia Civil, para um novo tipo de sistema, coordenado pela Subsecretaria de Adminis-tração Prisional (SUAPI). Essa substituição só chegou à cidade de Mariana no final de 2011 e alterou significati-vamente o dia a dia no pre-sídio. Grande parte dessas modificações é decorrente do programa de ressocia-lização, que prevê, entre outras medidas, o acesso à leitura, o Enem prisional, o supletivo educacional, o Caixa-estante, palestras, reuniões com pastorais reli-giosas e frentes de trabalho dentro e fora do presídio.

O Caixa-estante é um

projeto de incentivo à leitu-ra desenvolvido em parceria com o SESI-FIEMG. Através dele, são disponibilizados livros para os presos. Já o Enem prisional e o supleti-vo educacional dão a opor-tunidade de os detentos fa-zerem provas e concluírem o ensino médio ou funda-mental dentro do presídio. No entanto, não existem professores para auxiliar o processo de aprendizado: os estudos são orientados pelos próprios profissionais da SUAPI. Nas frentes de trabalho, o preso não rece-be salário, mas a cada três dias de serviços prestados, há uma diminuição de um dia na sua pena total. Para

esse tipo de ação, as vagas são limitadas e participam apenas em torno de seis pre-sos, num total de 118, que são selecionados de acordo com o comportamento que apresentam e o tipo de cri-me que cometeram.

Olhares InternosMarcos Pires* está preso

em regime fechado há qua-tro anos. Hoje, divide o seu tempo entre o artesanato e as tarefas que desenvolve dentro do presídio, ajudan-do a distribuir alimentos, roupas e livros para outros detentos. Segundo Marcos, com a implementação da SUAPI, o tratamento tor-nou-se mais humano. “Se

Trilhas Urbanas

Liberdade entre olharesTexTo: JAmyLLe moL

edição gRáficA: mARceLA seRvAno

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precisamos de um médico ou de um dentista, é só cha-mar que eles atendem. Ofe-recer livros também é muito bom. Tem muita gente que ficava dentro da cela, não assistia à televisão e não ti-nha o que fazer”, diz.

Marcos, que já foi preso três vezes, hoje, vê a si mes-mo como um bom exemplo: “vou trabalhando, me in-tegrando à sociedade e as pessoas vão notando; é uma

oportunidade de me mos-trar. Até quem não tem bom comportamento aqui vê a gente e aprende”, afirma.

O detento Miguel Alves* também participa dos proje-tos. Preso há quatro anos e cinco meses, trabalhou nas obras que aconteceram fora do presídio. Junto a outros presos e sob vistoria dos agentes carcerários, partici-pou das reformas do Fórum de Mariana e do prédio sede da Guarda Municipal. Se-gundo Miguel, a atividade, que durou cerca de três me-ses, não trouxe apenas be-nefícios para a remissão de sua pena,mas foi uma opor-tunidade de arejar a mente e sentir, ainda que por pou-

co tempo, como se estivesse livre novamente. “De vez em quando, durante as re-formas, a minha filhinha passava por lá e dava para eu vê-la de longe”, acres-centa. Para Miguel, as ações de ressocialização signifi-cam uma forma de voltar à sociedade antes mesmo de sair do presídio e cumprir toda a pena.“É um modo de verem que não sou um monstro ou algo do tipo”, explica. Miguel, que carac-teriza a si mesmo como um homem de bem e trabalha-dor, conta que aprendeu muito no tempo que passou preso e espera voltar para o emprego, cuidar dos filhos e seguir adiante de cabeça

erguida. “Se hoje estou pre-so, é por uma fatalidade”, ressalta. Júlio Ribeiro* tam-bém chama de “fatalidade” o fato que o levou a estar preso desde 2009 e culpa a influência das más amiza-des pelo erro cometido. O detento, que tem o sonho de mudar a própria vida e a da família, voltou a estudar dentro do presídio e, no fi-nal do ano passado, prestou a prova do supletivo para concluir o sexto ano do en-sino fundamental. “Tenho a cabeça boa, não sou um analfabeto. Sou um cama-rada ativo, sei dialogar com todo mundo. Trabalhar aqui dentro é uma forma de ocu-par a mente”, conta.

Liberdade entre olhares

Foi uma oportunidade de arejar a mente e sentir, ainda que por pouco tempo, como se estivesse livre .

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EfeitosO diretor adjunto da SUAPI em Maria-

na, Josibel Ferreira, vê o programa com bons olhos. “Costumo dizer que a SUAPI devolve diretamente a dignidade da pessoa. Hoje, um infrator que, muitas vezes, estava na rua, sem banho, cometendo pequenos delitos e depen-dendo de favores, tem roupa limpa, colchão individual e quatro refeições por dia.

Sem contar toda a atenção voltada para esse preso, que vai desde atendimento jurídi-co e psicossocial até a intervenção no contato com a família, reafirmando os laços”, diz.

Segundo Josibel, a SUAPI é especializada no trabalho com os detentos e tem uma equi-pe maior que a da Polícia Civil – um segmento também estatal, mas direcionado para os pro-cessos investigativos e não para a carceragem.

Já a assistente social, Jussara Lopes, que trabalhou por um ano na equipe de um pro-grama para inclusão de presos, considera a iniciativa válida, mas chama a atenção para a necessidade de se observar quem desenvolve essas ações. Para ela, o trabalho deve ser de-senvolvido por profissionais comprometidos com a emancipação dos presos e que assegu-rem, sobretudo, a educação dessas pessoas. “A formação policial no Brasil ainda é repressiva e traz aspectos que remetem à ditadura mili-tar”, diz.

Segundo Jussara, para que o programa seja eficaz, é importante que as atividades saiam dos muros dos presídios e cheguem ao conhecimento da sociedade, porque os presos, muitas vezes, são estigmatizados pela popula-ção e, por isso, sofrem com as dificuldades de voltar ao mercado de trabalho e à vida normal. A assistente social também questiona o ter-mo ressocializar: “na maioria das vezes, quem está no presídio foi excluído a vida toda. Por-tanto, não é reintegrar, já que eles sempre fo-ram excluídos”.

Foto: mayara Coutrim

“A formação policial no Brasil ainda é repressiva e traz aspectos que remetem à ditadura militar” Jussara Lopes

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O que você não vê

Criminalidade Atualmente, no presídio

regional do município de Mariana, são mantidos 107 presos em regime fechado e 11 em regime semiaberto. O perfil dos detentos é va-riável: há desde homicidas até pessoas que cometeram pequenos furtos. De acordo com uma pesquisa divulga-da pelo Centro Internacio-nal para Estudos sobre Pri-sões, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking das maio-res populações penitenciá-rias do mundo, atrás apenas de EUA, China e Rússia. A criminalidade no país é um problema estrutural e está intrinsecamente relaciona-da à grande desigualdade de renda e diferença de opor-tunidades entre as classes sociais. Ainda que esse con-traste econômico tenha di-minuído nos últimos anos, o Brasil segue chamando atenção pela intensificação do número de presidiários. Hoje, para cada 100 mil ha-bitantes, existem 269 pre-sos. É essencial que, cada vez mais, o Estado assuma a responsabilidade pela situ-ação e desenvolva políticas públicas que atenuem esse índice.

*Os nomes utilizados são fictícios a fim de manter o si-gilo e proteger a imagem dos entrevistados.

A lei do auxílio reclusão deve permane-cer em vigor? Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o benefício é um direito de todo contribuinte e legalmente deve ser cumprido. Alvo de muita especulação, gran-de parte da população discorda, gerando muita polêmica. Isso se deve, em sua maior parte, ao desconhecimento de seus reais as-pectos. A ajuda financeira paga pelo INSS tem o objetivo de garantir a sobrevivência do núcleo familiar após o afastamento tem-porário do membro provedor, desde que o preso não receba salário ou aposentadoria. Somente tem acesso a esse beneficio quem trabalhava com carteira assinada ou contri-buía como autônomo para o INSS.

O benefício instituído pelo extinto Ins-tituto de Aposentadoria e Pensões dos Ma-rítimos (IAPM), e depois incluído na Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS - em 1960 - ainda é um tabu. Não existe uma real campanha de conscientização, o que acarre-ta em argumentos falhos. A lei é confronta-da por grupos que afirmam que os trabalha-dores pagam as contas para que os detentos usufruam R$915 por filho. Os mais leigos entendem que é melhor ir preso do que tra-balhar, acreditando que terão direito a rece-ber pelo menos um salário mínimo. Mas, o que muitos não sabem, é que o auxílio não é proporcional à quantidade de dependentes. De acordo com a Previdência Social, o valor do benefício é dividido entre os dependen-tes legais do segurado. Podemos comparar com o cálculo de uma pensão. O benefício é calculado de acordo com a média dos valo-res de salário de contribuição.

O infrator, após ser julgado, está conde-nado a passar determinado tempo privado do direito de ir e vir. Os Direitos Humanos e Políticas Públicas voltadas para o desenvol-vimento social do preso existem para garan-tir que os equívocos de uma sociedade leiga e julgadora não se concretizem. A Consti-tuição, em seu artigo 5º XLIX, assegura aos presos o respeito à integridade física e mo-ral. Presídios não existem para que os in-divíduos que os habitam sofram, mas para que paguem por um erro cometido e, após isso, retornem à sociedade com condições de um recomeço.

TexTo: RenATA feLício

Proteção à família

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Perfil

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Para alguns, a fé está intimamente ligada à religião, para outros é uma forma de canalizar energias para se alcançar alguma meta. Para Vânia, ela está expressa nas mais diversificadas manifestações da natureza, e através dela enviou ao mar, junto a uma oferenda, um pedido especial: queria um amor. Não estava em busca de um casamento, uma convenção. Com 23 anos, na efervescente década de 80, não era afeita a esses padrões, gostava de sua independência. Estava mesmo em busca de um companheiro, um amante.

Ela morava com um amigo na zona Sul de Belo Horizonte, era aluna de História na Universidade Federal de Minas (UFMG), mas estava insatisfei-ta e pedira transferência para Comunicação. Tudo lhe parecia muito igual, muito comum. Estava decidida: iria passar uns meses em Los Angeles. Mal sabia, mas tudo iria mudar.

Vânia seguia em direção à faculdade e, por causa da chuva, decidiu vol-tar para casa. Foi quando, numa esquina da capital mineira, Kako cruzou o seu caminho. Recém-chegado a Belo Horizonte, ele iria passar uma tempo-rada na cidade. Vânia não foi à aula naquele dia. Sorte de Kako, que teria mais tempo para cortejá-la, embora o relógio ainda não tivesse completado 24 horas quando ela aceitou seu pedido de casamento. No dia seguinte, uniram-se sob as bênçãos da natureza, em um ritual singelo em frente a uma capela no condomínio Retiro das Pedras, em fevereiro de 1985.

Quinze dias após a união do casal, a cidade destino foi o Rio de Janeiro...Foram recebidos com festas pela família de Kako. Presentes e todo o

requinte foram oferecidos. O jantar servido em louça limoge, o cardápio refinado e a estética da culinária apurada representavam a descendência

Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Ouro Preto: cenários peculiares que inspiraram a trajetória de um casal irreverente.

O pedidoque se

pensoue o

quedestino

se

cumpriu

TexTo: ThALiTA neves e ThiAgo guimARães

edição gRáficA: mickAeL bARbieRi

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Uma das obras literárias mais antigas sobre o tema amizade é a de Dom Quixote e Sancho Pança. Escrita pelo espanhol Miguel de Cer-vantes y Saavedra, publica-da em 1605, a obra conta a história de tres incursões da dupla pelas terras de La Mancha, Aragão e Cata-lunha. O pequeno fidalgo castelhano que leu roman-ces de cavalaria até perder o juízo se envolve em uma série de aventuras, sonhos e fantasias. Enquanto isso seu fiel amigo e companheiro Sancho Pança o apoia quan-do a realidade desmente os devaneios de Quixote.

Sherlock Holmes e Dr Watson, Batman e Robin, Mickey Mouse e Pateta, Harry Potter e Ron Weas-ley, Timão e Pumba, Frodo e Sam... A lista de amizades que entraram pra história é interminável. Afinal de con-tas, o que todo mundo quer é um amigo de fé, irmão e camarada, tipo aquele do Roberto Carlos.

Entre Linhas

Nascido e criado na capital

fluminense, de família imperial

e tradicional carioca, Carlos

Nabuco, o Kako, sente-

se ouropretano de coração.

Apaixonado pelas Artes, ele

as defende como o caminho

para o tratamento de doenças

ligadas à psique. Já foi de

tudo: fotógrafo de Moda,

diretor da Saúde Mental,

serviu à Marinha e atualmente

é praticante do sumi-ê, uma

técnica de pintura milenar

criada pelos chineses,

considerada um caminho para o

equilíbrio e a paz interior.

Nascida e cria

da na capital m

ineira, ela

traz lembranças de uma adolesc

ência

que buscava ro

mper com o tr

adicional, o

óbvio; uma fa

se da busca p

or explorar

novos ambien

tes. Com dezoito anos,

decidiu viajar

pelo nordeste

do Brasil.

Tinha emprego

, buscava autonom

ia e

trazia consigo

o gosto pelo inusitado.

Vânia Amaral

é consultora em

gastronomia,

artista, esposa,

mãe e

transborda sim

patia.

Ah, a amizade

LuisA oLiveiRA

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nobre e inseriam Vânia em um universo desconhecido. Para o esposo, a herança cultural da no-breza carioca, inspirada nos costu-mes europeus, era algo corriqueiro porém obsoleto. Kako sempre quis ir além dos padrões estéticos da arte ocidental. A busca pela sabedoria oriental, por meio da interiorização das forças presentes na natureza, fez dele um conhecedor de diversas manifestações da arte e da fé.

Eu tinha medo é que a minha vida fosse uma mesmice. Ele representava o moderno, o novo, a arte, a cultura, o mundo que eu queria mergulhar. Ele trazia o conhecimento que eu queria. Vânia

Cansados do estilo de vida im-posto pela metrópole, refugiaram-se em Ouro Preto, no alto do Morro São Sebastião. O local já era fre-quentado por Kako e amigos desde o início da década de 80, quando fundaram o mosteiro zen-budista “Pico de Raios”. A região, quase inóspita à época, ainda hoje con-segue traduzir o bucolismo de seus elementos e habitantes, que resis-tem, imunes, aos sinais mais drás-ticos da urbanização.

Na casa que escolheram para criar Aninha, única filha do casal, pinturas, esculturas e artesanatos demonstram a personalidade da família. Algumas das peças carac-terizam Kako, outras, simbolizam Vânia. Ambas, dividem harmo-niosamente o insinuante espaço. Sem falar na música, que também soa convidativa ora partindo do jazz no home-theater, ora pulsan-do dos dedilhados suaves do marido na Kalimba – instrumento de origem africana do qual Kako construiu um exemplar a seu gosto.

A paixão pelo trabalho desen-volvido na comunidade que os aco-lheu e nos distritos ouropretanos, expressa na fala dos dois quase que univocamente, demonstra o que os une: o desejo de contribuir

para que demais pessoas possam alcançar seus obje-tivos, por meio de suas próprias capacidades.

Kako esteve à frente da Saúde Mental de Ouro Preto por quatorze anos. Com brilho nos olhos, se or-gulha de poder “levar amor aonde há a dor”, como ele mesmo ressalta ao citar Nise da Silveira, uma psica-nalista atuante na década de 40 e precursora do tra-balho das Artes com doentes mentais. Ele demonstra certo desconforto com tratamentos paliativos como, por exemplo, o uso de remédios. Suas pesquisas apontam para a necessidade do desenvolvimento das capacidades criativas e da autonomia para o resgate daqueles que sofrem de problemas psíquicos.

Talvez inspirada pela veia artística do marido, Vâ-nia acabou descobrindo, em si própria, um talento, ou dom, como ela mesma diz. A arte da Culinária, com a qual ela teve contato inicial por intermédio dos monges vizinhos, até hoje é o que a mantém finan-ceiramente segura e pessoalmente grata. Também inusitada, sua arte trabalha aspectos alternativos na cozinha, como a comida-remédio e a culinária vibra-cional, que funciona de acordo com as estações do ano.

A arte cura, o amor constrói e o mesmo ideal de ação de vida é capaz de refinar os gostos e afinar as almas. Kako

Após 27 anos de casamento e apenas um dia de namoro, acreditam que não há segredo para manter uma relação duradoura, mas deixam a dica: é impor-tante estar um ao lado do outro, e não de frente. Não que não houvesse problemas ou divergências durante todo esse percurso. Porém, a maneira de superá-los é ao mesmo tempo simples e eficaz. A solução escapa baixinho por entre os lábios de Kako: “nós sempre andamos lado a lado”. Nessa receita de irreverência bem-sucedida, o egoísmo e a insegurança dão lugar ao companheirismo, união e muito trabalho. O amor seria a cereja do bolo.

A chuva, coadjuvante em todos esses encontros, ameaça cair novamente enquanto, na sala, a imagem dos dois se destaca por entre os diversos elementos de arte presentes. A história expressa em gestos e olhares reluz a própria memória de dois que se torna-ram um. A Kalimba ainda vibra e o som parece anun-ciar que esquecemos alguma coisa: sim, a música do casal! “Maluco Beleza”, ele sussurra. “Ah, pra mim pode ser aquela: você é doooida demais!”, ela berra. E sorriem.

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Humanidades

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AnunciArAm e gArAntirAm

que o mundo ia se acabar...

“E o mundo não se acabou” é o nome do samba que Carmen Miranda cantava em 1938. Na canção, composta por Assis Valverde, Carmen dizia que iria se despedir e aproveitar seus últimos dias na Terra, fazendo coisas que não faria normalmente, como gastar “mais de quinhentão”. Mas o mundo não acabou, e ela teve problemas com isso.

O medo do apocalipse não é novidade para nós. Volta e meia, o nosso planeta é alvo das mais diversas previsões do fim do mundo. Nostradamus, um respeitado vidente que viveu durante o século XVI, foi um dos que tentou achar a data em que o mundo acabaria: “No ano de 1999, sétimo mês, do céu virá um grande rei do terror”, previu. O último presságio, de responsabilidade do povo Maia, assustou muita gente com a possibilidade do juízo final acontecer no dia 21 de dezembro de 2012.

RePoRTAgem gAbRieL sALes e RAfAeL câmARA

edição gRáficA e iLusTRAção giovAnA bRessAni

37

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Não é preciso dizer que essas previsões foram falsas. Ano passado, muita gente agiu como Carmen Miranda e acreditou que seriam seus últimos dias na Terra. Nos Es-tados Unidos, por exemplo, 12% dos ame-ricanos acreditaram na profecia, segundo pesquisa do jornal britânico Daily Mail. Já o canal de TV Nat Geo apresentou em setem-bro o programa “Preparados para o fim”, registrando como muitos se prepararam para uma possível catástrofe e estocaram alimentos, bebidas e até armas.

Se você também levou o fim do mundo a sério e se despediu dos pais e amigos, pre-pare-se: existem novas profecias agendadas para um futuro próximo.

Enquanto isso não acontece, ainda po-demos gozar da nossa curta passagem por aqui. Por outro lado, as contas do mês con-tinuam chegando, o seu chefe segue espe-rando aquele relatório, e o torcedor palmei-rense ainda lamenta pelo rebaixamento do time. É, a vida continua.

Nossa relação instável com o fim do mundo não é especial. Ela se estende para outros fins cotidianos que as pessoas expe-rimentam em menor ou maior grau. Todos eles, dos mais banais aos mais grandiosos, nos toca de alguma forma. O fim da facul-dade, de um emprego, da vida de uma pes-soa próxima, de um objeto querido... Dia-riamente somos lembrados da efemeridade das coisas.

Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, afirma que todas as coisas possuem vontade de vida, uma vontade de permanência intrínseca do existir. Tudo ten-ta se manter, embora seu destino seja sem-pre o fim. Para o filósofo, existe um fio que

tece a existência que se chama Von-tade. Com ela, seríamos marionetes do querer e, se queremos, sofremos, mas não deixamos de desejar.

Quando alcançamos um obje-tivo, ou quando determinada coisa finda, temos algum momento de prazer, desgosto ou tédio. Porém, a vontade permanece. Comemos uma pizza gigante, mas nunca eliminamos nossa condição de saciar a fome. Na filosofia de Schopenhauer, cotidianamen-te, experimentamos vírgulas, e não pontos finais. Agora imagine como seriam as coi-sas se nada no mundo acabas-se. Para compreendermos a importância das coisas finda-rem, imaginemos o outro lado do espectro: o que não há fim.

O fim como retornoSuponha que um dia um

demônio lhe apareça e diga que você irá viver a mesma vida para sempre, de forma que todos os acontecimentos, ínfimos ou gigantescos, se repe-tiriam como numa ampulheta que sempre é virada novamente! Você se desesperaria com esse pensamento, ou viveria algum momento digno de ser vivido incontáveis vezes? Ficaria inerte diante de cada acontecimento, ou se perguntaria quantas vezes gos-taria ainda de vivê-lo?

Friedrich Nietzsche, outro filóso-fo alemão do século XIX, introduz o

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pensamento conhecido como Eterno Re-torno. “É uma hipótese, para falar que se a vida não tivesse fim, a maioria das pessoas não suportaria, de tão medíocre. Uma crítica

contra a pequenez e autonegação existencial durante a vida”, relata Magno Simões, especialista em Filosofia Clínica.”Interessante notar também, pelo viés da Filosofia Clínica, que o modo de vida de algumas pessoas que Nietzsche critica não deixa

de ser legítimo e válido. Transportando isso para a filosofia, sabemos que para algumas pessoas

o fim é algo distante, utópico e até alvo de busca”, complementa.

Por esse viés, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer di-

zendo que a afirmação ou negação à vida seria de responsabilidade da pessoa. Você seria responsá-vel pelo próprio sofrimento, pela própria maneira de lidar com os ciclos que o cercam. Durante toda a nossa existência, nos de-

paramos com fins o tempo todo. Alguns mais importantes, outros

banais e cotidianos, mas sempre presentes.

Os fins da vidaA psicóloga Alessandra Bombonato passou

por isso ao ler toda a saga de Harry Potter. Bus-cando sugestões de leitura, um amigo sugeriu que ela lesse a história do jovem bruxo. A princípio, Alessandra não gostou muito da ideia por que-

rer um “livro de verdade”. Mas depois de ler o primeiro das sete obras, Harry Potter e a Pedra

Filosofal, começou a se interessar pelo modo como a autora J.K Howling escrevia. E leu

todos os livros até o fim. Duas vezes. “Foi uma moda que deixou muita saudade,

dá uma sensação de vazio, a gente fica

esperando o próximo. Já li outras coleções e terminar algumas delas foi uma benção. Assim como na vida, há algumas coisas que, quando terminam, trazem mais conforto do que se ficassem pra sempre. Outras deixam essa vontade de mais, essa saudade que HP deixou”, diz a psicóloga.

Lorena Medeiros é outro exemplo. Em dezembro passado, formou-se em farmácia pela Univix, em Vitória, no Espírito Santo e, para ela, encarar o mercado de trabalho após quatro anos de muitas noites mal dor-midas, trabalhos e provas, trouxe o medo. “Depois de formada, me vi em meio a uma entrevista, rodeada de pessoas experientes, com currículos extensos. Encontrei-me sem direção e insegura. Hoje, a ficha já caiu. A gente tem que saber lidar com o fim de uma etapa para começar outra, e é isto que estou fazendo agora”, afirma.

Mesmo que não estivessem tão prepara-das ao ler a primeira página de Harry Potter ou frequentar a primeira aula, Alessandra e Lorena já sabiam que o fim seria inevitá-vel. Só que nem sempre dá pra saber e se preparar.

A morte, talvez, seja o mais temido dos fins e sempre um assunto nebuloso. Quan-do alguém morre é o fim da vida, ou talvez um novo começo. O que dá pra ter certeza é que, como diz o ditado, “para morrer basta estar vivo”. Guimarães Rosa já dizia que um homem só prova que viveu quando morre. Isto é, quando uma coisa acaba é que nos damos conta de sua efemeridade e, portan-to, existência. Mas se a morte é tão natural quanto a vida, por que causa tanta dor e so-frimento nas pessoas? Freud explica.

Para a psicanálise, uma pessoa querida pode ser considerada um objeto de prazer

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1806 Galinha Profeta

Não é nenhuma novidade que pes-soas afirmem saber a data exata para o

fim do mundo, mas em Leeds, na Ingla-terra, a “profeta” da vez foi uma galinha. Assim disse um morador da cidade ao afirmar que ela botava ovos com a frase “Cristo está chegando”. Você pode até

achar isso bizarro (e realmente é), mas teve gente que levou isso

a sério.

para o qual voltamos energia psíquica. Estamos direcionados para aquele obje-to na tentativa de recriar um ambiente prazeroso que remeta à primeira relação de amor entre a criança e a figura ma-terna, a célula narcísica. Quanto maior o investimento de energia psíquica, mais difícil será o processo de luto. Segundo a psicanalista Rafaela Vasconcelos, o luto tem fases e algumas pessoas têm maior facilidade de lidar com ele, outras, me-nos. “Um caminho saudável é voltar a energia despendida com esse objeto de desejo a outras coisas. Assim dá-se início à aprendizagem”, afirma.

Sejam pontos finais cotidianos, vír-gulas ou reticências, sabemos que tudo possui o seu prazo de validade. “Todo o fim nos lembra o nosso próprio fim”, aponta Rafaela. De acordo com ela, a morte pode ser encarada com várias nuances: para alguns, ela é a saída de problemas e é desejada, para outros ela é motivo de medo, de pavor. Algumas pessoas até precisam se jogar ao risco de morte para sentir a vida. A morte é o fim que ainda não conhecemos e, ao mesmo tempo, a única certeza.

Não importa se você é rico, pobre, negro ou branco, um mero desconhe-cido ou a Carmen Miranda. Todos nós teremos o mesmo fim. A cantora pode até ter os pés e mãos gravados para sem-pre na Calçada da Fama em Hollywood. Canções, como essa de Carmen, que você leu no início da matéria, também foram imortalizadas. Mas seu corpo descansa em paz desde 1955.

Em 2012, passamos por mais um fim do mundo. Algum dia, cada um de nós chegará ao próprio fim. Até lá, lidare-mos, diariamente, com diversas coisas que uma hora precisam acabar. O ponto final desse texto é um exemplo disso.

nAo AcAbou!˜

Arte sobre imagens de dominío público

Cometa Halley

Em 1881, um astrônomo descobriu que as caudas de cometas eram compos-

tas por um gás mortal conhecido como cianeto. Isso não seria um problema, não fosse a descoberta de que o cometa Halley passaria pela Terra em 1910. O pânico de ser atingido por um gás mortal se espa-

lhou pelo planeta após uma notícia do jornal The New York Times.

Bug do Milenio

Programas de computadores da época abreviavam o ano. Na virada do

milênio, o ano “99” passaria a ser “00”. Isso seria interpretado como o ano 1900 e não 2000. Esse erro de leitura causaria uma grande pane mundo afora e com-prometeria o funcionamento de di-

versos setores, inclusive usinas nu-cleares, podendo gerar grandes

catástrofes.

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v

E aí?

Amer Bukhari– Arábia Saudita: “A morte em si é muito triste, mas os muçulmanos acreditam que, depois da morte, vão se encon-trar com as pessoas que amam no céu. Religiosamente, somos permitidos a praticar o luto por três dias após um enterro.”

A Curinga buscou depoimentos de pessoas de diferentes nacionalidades para saber como elas lidam com a morte e como é o ritual em seus países.

Chollada Promnoy – Taiwan: “Nós colocamos a pessoa falecida na cama e cobrimos todo seu corpo. Colocamos também flores e velas perto dela e um pouco de água em sua mão e dizemos alguma mensagem para ela. Um Buda reza para a pessoa du-rante três dias e no último dia cremamos o corpo e jogamos as cinzas em lugares bonitos, como o mar, montanhas e lagos.”

Lidia Blandolino – Itália: “No sul da Itália, quando alguém mor-re, as pessoas sofrem muito, sobretudo se é alguém jovem. No ritual, veste-se o morto e deixa-se o sobre sua cama até o fu-neral. As pessoas vão à casa dele para estar com a família e a casa fica aberta toda a noite.”

Carol Young – Estados Unidos: “Nós visitamos a família e a pessoa falecida em sua casa, levamos comida, doces como torta de maçã e também refeições completas. Depois acompanhamos o funeral até a igreja e o cemitério. Sempre mandamos cartões e flores.”

E aí? Como você lida com o fim da vida? Entre na nossa webpage e deixe seu depoimento também. Acesse jornalismo.ufop.br/curinga

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ZOOM

Procura-se um ser ou objeto, um bicho escondido na natureza, uma letra perdida na esquina, um fragmento de poesia no muro, um rastro de humanidade pelas ruas históricas. Revela-se no olho, no espelho ou no reflexo, pausado, observado sem pressa. O Zoom é curioso, fotográfico, e busca en-

A casinha e o casarãoPequenos detalhes de uma cidade histórica

Foto

s: leo

na

rdo

alv

es

TexTo: LeonARdo ALves

edição gRáficA: RicARdo mAiA

contrar fragmento de uma cidade constru-ída sobre elementos peculiares quase sem-pre despercebidos. Afinal, que coisas estão ao nosso redor e formam o meu espaço e a minha história? Este é o convite: descubra outro mundo dentro do seu, quase invisível, mas plenamente real.

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Agora o site da Revista Curinga traz conteúdos exclusivos de manei-ra leve e interativa, como vídeos, textos, infográficos e testes. O site também passou por uma mudança estrutural, em sintonia com a nova identidade da revista. Confira algumas novidades da edição online:

Curingaonline

Ensaio fotográfico “Uma vontade diferente”. Por Greiza Tavares

Making Off da Curinga por Kleiton Borges e Flávia PupoE muito mais!

Entrevista com o mais jovem vereador marianense.Por Yasmini Gomes

www.revistacuringa.ufop.br

Foto: GreiZa tavares Foto: joÃo FeliPe lolli

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www.revistacuringa.ufop.br