Revista Da Academia de Letras Wilson Lins

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R E V I S T AD A A C A D E M I A

DE LETRAS DA BAHIA

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Dezembro de 2010, n. 49 ISSN 1518-1766

REVISTADA A C A D E M I ADE LETRAS DA BAHIA

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IMPRESSO NO BRASIL

Ficha Catalográfica

Revista da Academia de Letras da Bahia, n. 49, dez. 2010 –Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2010.

404 p.AnualINSN 1518-17661. Literatura brasileira -- Periódicos

CDU 860.0(05)

Copyright © by Academia de Letras da Bahia, 2010

ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIAAvenida Joana Angélica, 198, Nazaré40.050-000 – Salvador, Bahia, Brasil

Telefax (71) 3321-4308www.academiadeletrasdabahia.org.br

[email protected]

Revista Anual de Literatura, Artes e Ideias

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ARTIGOS E ENSAIOS

As pequenas memórias de José SaramagoDOMINIQUE STOENESCO

O poema “A Maciel Pinheiro”, de Castro AlvesWALDIR FREITAS OLIVEIRA

Wilson Lins, ensaísta e político, jornalista e cronista,epigrama e memóriaJOÃO EURICO MATTA

O conto de Monteiro Lobato: os mata-paus docontistaARAMIS RIBEIRO COSTA

A riqueza que veio do OrienteMYRIAM FRAGA

Entre rosas brancas e rubras: “O dia do aniversáriode Odete”, conto de Luis HenriqueCÁSSIA LOPES

Um concerto ao desconcerto do mundo ou: Antonio Brasileiro, universalALANA DE OLIVEIRA FREITAS EL FAHL

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Sumário

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Aleilton Fonseca: O engenho do faz-de-contacomo aprendizagem da vidaRITA OLIVIERI-GODET

O nervo do conflito. Fenecimento e vitalidade napoesia de Ivan JunqueiraRICARDO VIEIRA LIMA

Manifesto futurista: 100 anos de divulgaçãoO papel de Almachio DinizBENEDITO VEIGA

POESIA

Plínio o velho e a nuvem misteriosaRUY ESPINHEIRA FILHO

PoemasCYRO DE MATTOS

Seis SonetosLUIS ANTONIO CAJAZEIRA RAMOS

Quatro Poemas/ Quatre PoèmesJEAN-ALBERT GUÉNÉGAN

TRADUÇÃO: DOMINIQUE STOENESCO / ODETTE BRANCO

A DÁDIVA / PUR PRÉSENTMARC QUAGHEBEUR

TRADUÇÃO: LEONOR LOURENÇO DE ABREU / JOSÉ JERÔNIMO DE MORAIS

FICÇÃO

O dia do aniversário de Odete LUIS HENRIQUE

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DISCURSOS

Abertura do ano acadêmico de 2008Edivaldo M. Boaventura

Helena Parente Cunha, escritora baianaEdivaldo M. Boaventura

Saudação a Samuel CelestinoEdivaldo M. Boaventura

O legado de Jorge CalmonDiscurso de posse na Academia de Letras da BahiaSamuel Celestino

As duas histórias do Povoamento da Cidade do SalvadorPAULO ORMINDO DE AZEVEDO

Discurso do retratoO Acadêmico Xavier MarquesARAMIS RIBEIRO COSTA

Discurso de Saudação a Joaci GóesJOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES

Ruas desertasCARLOS RIBEIRO

O mal do séculoANTÔNIO CARLOS SECCHIN

Coração escarlateJANAÍNA AMADO

O inquéritoLIMA TRINDADE

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Discurso de posse na Academia de Letras da BahiaJoaci Góes

Roteiro encantado da Cidade do SalvadorFLORISVALDO MATTOS

Depoimenro sobre Pedro Moacir MaiaCeleste Aída Galeão

DIVERSOS

Instituição de Prêmios e Distinções

Medalha Arlindo FragosoResolução nº 1/2009

Descrição da Medalha Arlindo Fragoso

Informações: Medalha Arlindo FragosoFormato, dimensões e acabamento

Efemérides 2008

Efemérides 2009

Quadro social da ALB

Endereços dos acadêmicos

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Artigos e Ensaios

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As Pequenas Memóriasde José Saramago

ou o poder de reconstrução da memória

Dominique Stoenesco

Para o viajante que vem pela estrada da Golegã, como foi onosso caso naquele mês de outubro de 2007, por uma manhãclara de um outono ainda com ares de verão, a alameda de faiasque anuncia a chegada à aldeia da Azinhaga oferece-lhe um paraísode sombras e uma lindíssima paisagem. Cercada pelas águasdo rio Tejo e pelo seu afluente, o rio Almonda, a Azinhagapode orgulhar-se pela beleza da reserva natural do Paúl doBoquilobo, pelo seu patrimônio histórico e arquitetônico(Igreja Matriz, Quinta da Broa) e pelos seus diversosequipamentos públicos (biblioteca, escola básica,polidesportivo, piscina, campo de tênis, etc.). Mas o motivoprincipal que nos levou a esta localidade ribatejana foi ter sidoa Azinhaga a aldeia onde nasceu o escritor José Saramago, a 16de Novembro de 1922, autor de As Pequenas Memórias1, o trigésimonono volume da sua obra.

Sorte nossa, ao perguntarmos pela casa de José Saramago àprimeira pessoa que cruzamos na aldeia, foi termos dado comuma das suas melhores amigas de infância. Amável e sorridente,Otelinda Nunes, uma senhora de 84 anos, foi-nos contando comsaudade, até chegarmos à casa natal do Prêmio Nobel, os tempos

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de criança em que iam remar no rio Almonda ou espreitar ospássaros nos ninhos, tempos estes agora fixados neste livro.Otelinda Nunes evoca ainda a imensa alegria que sentiu ao reverrecentemente o seu amigo Zé, em novembro de 2006, quandoa população da Azinhaga, numa grande festa, saiu à rua paraprestar homenagem ao escritor no dia do lançamento de AsPequenas Memórias. Com emoção, Otelinda Nunes louva o méritodo seu amigo de infância (“ele subiu pelas mãos dele”) e elogiaa sua memória extraordinária. Dos livros de Saramago que jáleu confessa que do que mais gostou foi de O Evangelho segundoJesus Cristo.

Vitalidade e criatividade

Torna-se quase uma banalidade afirmá-lo: a vitalidade e acriatividade de José Saramago são impressionantes. Depois deter lançado As Pequenas Memórias na Azinhaga, no dia do seu84° aniversário, José Saramago esteve em Santilhana del Mar(Espanha), em Junho de 2007, onde foi homenageado pelaUniversidade Menéndez Pelayo, na presença de intelectuais eescritores ibero-americanos; neste mesmo mês, o Nobel daLiteratura criou uma fundação com o seu nome, cujos objetivosprincipais são o estudo e a preservação da sua obra literária,bem como de todo o seu espólio, o intercâmbio com asliteraturas da Lusofonia e também “tomar partido por grandese pequenas causas”. A sede da Fundação José Saramago serápartilhada por Lisboa e Lanzarote, onde o escritor vive, teráuma delegação na Azinhaga e uma outra em Castril (Granada).Note-se que o exclusivo desta informação e da publicação dadeclaração de princípios da Fundação José Saramago foi dadoao “Jornal de Letras, por própria iniciativa do autor, “num actode militância” 2, poucos dias depois, em pleno verão de 2007,de Castril chega-nos a notícia do casamento civil de JoséSaramago com Pilar del Río, jornalista e tradutora espanhola

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com quem vive há vinte anos; a 22 de Setembro de 2007, ojornal Diário de Notícias publica uma entrevista na qual JoséSaramago defende a construção de uma União ibérica,provocando imediatamente uma acentuada polêmica; emoutubro, José Saramago esteve em Lisboa para entregar ao poetaValter Hugo Mãe, pela sua obra O Remorso de Baltazar Serapião, oprêmio com o seu nome, promovido pelo Círculo de Leitores;em meados de Novembro de 2007, após uma viagem por váriaspartes do mundo e após ter proferido uma conferência naUniversidade de Córdoba (Argentina) e ter homenageado os“desaparecidos”, o Prêmio Nobel regressa à Europa paraparticipar de uma das primeiras atividades da Fundação: aorganização de duas cerimônias ligadas aos 25 anos dapublicação do Memorial do Convento e aos 290 anos do Conventode Mafra, lugar onde se situa uma parte da história relatada noromance. Em fins de Novembro, apesar de estar doente, JoséSaramago assistiu à inauguração da maior exposição sobre a suaobra literária, em Lanzarote, onde vive há 14 anos. A exposição,que deverá circular por vários países, teve lugar na FundaçãoCésar Manrique, ocupava um espaço de 700 m2 e apresentava maisde 500 objetos: manuscritos, textos datilografados, primeiras ediçõesem português e em espanhol de todas as suas obras, traduções,estudos críticos, teses de doutorado, fotografias, audiovisuais,recortes de imprensa, cartas de leitores, etc. Várias personalidadesde Espanha, entre as quais o ministro da Cultura, estiverampresentes, porém o escritor lamentou a ausência de qualquerrepresentante do governo português. No domínio cinematográfico,José Saramago continuva a colaborar na adaptação de Ensaio sobrea Cegueira, de Fernando Meirelles, assim como na segunda versãode A Jangada de Pedra, por Riestke van Raay e também na curta-metragem de animação, de Juan Pablo Etcheverry, A Maior Flor doMundo, adaptação de um conto infantil publicado em 2001; e porfim, o autor anunciava um novo livro, A Viagem do Elefante, queentão pensava concluir na Primavera próxima.

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As Pequenas Memórias é um relato autobiográfico de 150 páginas,no qual o autor reconstitui as suas memórias de infância eadolescência até os 16 anos. José Saramago saiu da Azinhagaquando tinha dois anos, mudou-se com os pais para Lisboa, láfrequentou a escola industrial, de onde saiu serralheiro mecânico,entretanto foi regressando à aldeia natal para passar as férias comos avós maternos.

As Pequenas Memórias, projeto adiado há mais de vinte anos,esteve para se chamar O Livro das Tentações. Mas José Saramagogarante que não se tratava das tentações da carne, nem as dopoder ou da glória, pois considera que na infância o mundo senos apresenta todo como uma tentação e que está aí para serconhecido. O livro, afirma o autor, mudaria de nome por seremincomparáveis as suas tentações com as de Santo Antão e ficariaAs Pequenas Memórias: “Sim, as memórias pequenas de quando fuipequeno, simplesmente.” Porém, certas confissões íntimas oucertas aventuras amorosas precoces não deixam de ser mesmotentações...

A reconstrução da memória

Escrito num estilo simples, mais convencional quanto àestrutura, As Pequenas Memórias não é um livro na linha dos últimosescritos pelo autor. No entanto, fiel à sua maneira de contarhistórias ou de narrar os acontecimentos reais da vida, as memóriasreconstituídas neste livro pelo autor confirmam seu gosto peladigressão, pela analepse e pela ironia, sem esquecer igualmenteuma certa melancolia poética que lhe é tão própria. O seu processocriativo, que dá aos relatos de As Pequenas Memórias um ritmo tãofluente e dinâmico é-nos desvendado pelo próprio autor, quandoafirma:

Muitas vezes esquecemos o que gostaríamos de poder recordar,outras vezes, recorrentes, obsessivas, reagindo ao mínimo

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estímulo, vêm-nos do passado imagens, palavras soltas,fulgurância, iluminações, e não há explicações para elas, nãoas convocamos, mas elas aí estão.

As memórias relembradas neste livro não têm apenas o valordas próprias recordações ou experiências do autor. Apesar denos darem uma impressão de desordem na maneira como elasse vão acumulando durante a narração, elas são também oresultado de um árduo trabalho de reconstrução e dereconstituição ao qual procede José Saramago. Um trabalho quepassa por um diálogo permanente entre o escritor e a sua própriamemória:

É como se trabalhasse a dois tempos. No primeiro dá-nosaquilo que tem, que pode mostrar logo. No segundo comoque reconsidera – alto, há aqui mais alguma coisa que nãomostrei – e trabalha para completar o quadro.3

A memória é, pois, o fio condutor deste livro. No entanto,José Saramago confessa que esta memória nem sempre é de fiar,por vezes ela até pode ser traiçoeira, por isso surgem as dúvidasem pleno relato:

Às vezes pergunto-me se certas recordações são realmenteminhas, se não serão mais do que lembranças alheias deepisódios de que eu tivesse sido actor inconsciente e dosquais só mais tarde vim a ter conhecimento por me teremsido narrados por pessoas que neles houvessem estadopresentes, se é que não falariam, também elas, por teremouvido contar a outras pessoas.

Outras vezes o autor reconhece uma falha da memória ecorrige-a, com um nada de ironia, como se quisesse ser perdoadopelo leitor, antes de retomar o curso da narração:

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Acrescentei que estava na idade de onze anos quando doepisódio com a Domitília. Nada disso. Na verdade, eu nãoteria mais que seis, e ela andaria pelos oito. Se, já espigadocomo era então, tivesse os tais onze anos, ela estaria com treze,e nesse caso a coisa teria sido mais séria e a punição do delitonão poderia limitar-se a duas palmadas no rabo de cada um...Resolvia agora a dúvida, aliviada a consciência do pesadumedo erro, posso prosseguir.

Diálogo entre o escritor e a sua memória, dizíamos mais acima,mas também diálogo com o leitor. Com efeito, frequentemente,José Saramago interpela o leitor, confessa-lhe suas dúvidas ousuas certezas e previne-o com elegância e simplicidade: “Lembro-me (lembro-me mesmo, não é adorno literário de última hora) deum poente belíssimo, e eu ali sentado na soleira da porta...”, ou:“Senti dentro de mim, se bem me recordo, se não o estou ainventar agora...”, ou ainda: “Graças a uns papéis que julgavaperdidos e que providencialmente se me apresentaram à vista(...), a minha desorientada memória...”

Assim, em idas e voltas entre Azinhaga e Lisboa, segundo oscaprichos da memória, o leitor acompanha, quase de um só fôlego,As Pequenas Memórias do escritor anfitrião. Selecionamos maisabaixo alguns trechos dos episódios ligados à aldeia natal, à família,às mudanças em Lisboa, aos vizinhos, às peripécias e aos lazeresde infância, à escola, à entrada no mundo dos livros e à sua maneirade entender o mundo e os acontecimentos.

O tempo e o espaço da memória

A aldeia natal

A Azinhaga é o espaço privilegiado do livro desde o seuarranque:

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À aldeia chamam-lhe Azinhaga, está naquele lugar por assimdizer desde os alvores da nacionalidade (já tinha foral noséculo décimo terceiro), mas dessa estupenda veterania nadaficou, salvo o rio que lhe passa mesmo ao lado (imaginoque desde a criação do mundo), e que, até onde alcançamas minhas poucas luzes, nunca mudou de rumo, emboradas suas margens tenha saído um número infinito de vezes.(...) Foi nestes lugares que vim ao mundo, foi daqui, quandoainda não tinha dois anos, que meus pais, migrantesempurrados pela necessidade, me levaram para Lisboa, paraoutros modos de sentir, pensar e viver.

O nome

O nome, José Saramago, veio-lhe graças a um erro do notário,que confundiu a alcunha com o apelido:

Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegão nascimento do seu segundo filho, sucedeu que ofuncionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (pordespeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, com osefeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebidoda onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco,acrescentar Saramago ao lacônico José de Sousa que meupai pretendia que eu fosse. (...) Sorte, grande sorte minha,foi não ter nascido em qualquer das famílias da Azinhagaque, naquele tempo e por muitos anos mais, tiveram dearrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curroto eCaralhana.

A infância

José Saramago era um adolescente contemplativo. As paisagensda sua terra natal têm uma presença constante nestas Pequenas

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Memórias. E assim como acontece com a memória, também apaisagem, afirma o autor, reflete um estado de alma, por vezes lírica:

De súbito, porém, soprou uma brisa rápida. Arrepiouos caules tenros das ervas, fez estremecer as navalhas verdesdos canaviais e ondular as águas pardas de um charco. Comouma onda, soergueu as ramagens estendidas da árvore,subiu-lhe pelo tronco murmurando, e então, de golpe, asfolhas viraram para a lua a face escondida e toda a faia (erauma faia) se cobriu de branco até à cima mais alta. Foi uminstante, nada mais que um instante, mas a lembrança deledurará o que a minha vida tiver de durar.

Vários episódios do livro lembram os lazeres e as péripéciasdo autor quando criança, de parceria com o seu primo José Dinis:

Um dia estava eu pescando num esteiro do Tejo, por umavez em paz e boa harmonia com o José Dinis. (...) Já tínhamospescado dois enfezados espécimes, quando apareceram doismoços mais ou menos da nossa idade, que seriam do Mouchãode Cima e que por isso não conhecíamos (nem erarecomendado que conhecêssemos), apesar de vivermos àdistância de um tiro de pedra. Sentaram-se atrás de nós, e aconversa de costume começou: “Então o peixe pisca?”, enós que assim-assim, nada dispostos a dar-lhes confiança.(...) Grande silêncio se fez, o tempo passou, às tantas um denós olhou para trás e os gajos já ali não estavam. Deu-nos ocoração um baque e fomos abrir a caldeira. Em lugar dospeixes havia dois gravetos flutuando na água.

A família

As Pequenas Memórias é igualmente um livro sobre as lembrançasmais duras e penosas da infância do escritor. A família, por

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exemplo, foi o lugar de tensões e de conflitos, sobretudo com osseus pais, cuja presença no livro é menor do que a dos avós. Naentrevista ao Jornal de Letras, já mencionada mais acima, JoséSaramago revela:

A morte do meu irmão, com quatro anos de idade, foi umgolpe duríssimo para os meus pais. E a minha mãe endureceucom a morte do filho. Então a relação entre ela e mim, emboranada conflituosa, tornou-se um pouco difícil. Passou a haverna minha mãe uma certa secura.

Dentro do espaço privilegiado que constitui a Azinhaga, existeum foco central, que é a casa dos avós do escritor:

Durante dez ou doze anos foi o lar supremo, o mais íntimo eprofundo, a pobríssima morada dos meus avós maternos,Josefa e Jerónimo se chamavam, esse mágico casulo onde seique se geraram metamorfoses decisivas da criança e doadolescente. Essa perda, porém, há muito que deixou de mecausar sofrimento porque pelo poder reconstrutor da memória,posso levantar a cada instante as suas paredes brancas, plantara oliveira que dava sombra à entrada, abrir e fechar o postigoda porta e a cancela do quintal...

Estes avós, que já tinham sido os protagonistas do discurso deJosé Saramago em Estocolmo, em 1998, ao receber o Prêmio Nobel,são as grandes referências de As Pequenas Memórias, como nesta cenainsólita quando o inverno penetrava mais rigoroso nas casas:

Todas as noites, meu avô e minha avó iam buscar às pocilgasos três ou quatro bácoros mais fracos, limpavam-lhes as patase deitavam-nos na sua própria cama. Aí dormiriam juntos,as mesmas mantas e os mesmos lençóis que cobririam oshumanos também cobririam os animais, minha avó num ladoda cama, meu avô no outro, e, entre eles, três ou quatro

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bacorinhos que certamente julgariam estar no reino doscéus...”.

O tio Manuel, que um dia o jovem Saramago tinhaacompanhado à feira de Santarém, numa longa caminhada,também aparece nestas memórias; assim como o tio FranciscoDinis, que trabalhava como guarda numa herdade vizinha:

Ser guarda de uma herdade de tal tamanho e poder significavapertencer à aristocracia da lezíria: espingarda caçadeira de doiscanos, barrete verde, camisa branca de colarinho sempreabotoado, abrasasse o calor ou enregelasse o frio, cintaencarnada, sapatos de salto de prateleira, jaqueta curta – e,evidentemente, cavalo.

A mudança para Lisboa

Em 1924, o pai de José Saramago vai trabalhar como guardada segurança pública, em Lisboa. A família passa a viver emcondições modestas: “Meus pais e eu dormíamos no mesmoquarto, eles na sua cama de casal, eu num pequeno divã, a bemdizer um catre, por baixo da parte esconsa da água-furtada.” Empouco mais de dez anos mudaram dez vezes de casa. O itineráriodestas mudanças é rigorosamente traçado no livro, com todos osnomes das ruas. Na Rua dos Cavaleiros, por exemplo, uma vizinhalia em casa da família Saramago os fascículos do romance Maria,a Fada dos Bosques (“que tantas lágrimas fez derramar às famíliasdos bairros populares lisboetas dos anos 20”). Um dos episódiosmais palpitantes contava como o “garboso cavalheiro que amavaMaria” salvara-a do cárcere onde a tinha metido uma castelãlúbrica, sua rival. Diz-nos José Saramago que este “tão dramáticoe perturbador episódio, apesar da pouca idade que tinha então,nunca mais se me varreria da memória.

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A escola

A escola teve um papel determinante na formação do futuroescritor: “Aprendi depressa a ler. Graças aos lustros da instruçãoque havia começado a receber na minha primeira escola, a daRua Martens Ferrão.” Depois da instituição primária, o jovemSaramago frequentou o Liceu Gil Vicente, onde esteve só doisanos, por falta de recursos financeiros. Em 1937, com 15 anos,tirou o curso de serralheiro-mecânico na Escola Industrial deAfonso Domingues (Xabregas). A primeira grande experiênciade leitor deu-se com um livro esquecido, A Toutinegra do Moinho,de Émile de Richebourg:

Habilíssima pessoa na arte de explorar pela palavra os coraçõessensíveis e os sentimentalismos mais arrebatados. (...) Esteromance iria tornar-se na minha primeira grande experiênciade leitor. Ainda me encontrava muito longe da biblioteca doPalácio das Galveias, mas o primeiro passo para lá chegar haviasido dado.

Lugares de inspiração do futuro escritor

Outras rememorações revelam as fontes de inspiração defuturos romances: José Saramago conta aquele dia em que tinhaido de excursionista a Mafra: “Agora, quem sabe se por umcúmplice aceno dos fados, uma piscadela de olhos que entãoninguém poderia decifrar, levavam-me a conhecer o lugar onde,mais de cinquenta anos depois, se decidiria, de maneira difinitiva,o meu futuro como escritor.” Na Rua dos Heróis de Quionga, ojovem Saramago cruzava por vezes o sobrinho de um vizinho, denome Júlio, que era cego, e que inspirou o autor do Ensaio sobre aCegueira; a morte do irmão, aos quatro anos teve alguma influênciana redacção do romance Todos os Nomes: “Talvez não tivesse

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chegado a existir tal como o podemos ler, se eu, em 1996, nãotivesse andado tão enfronhado no que se passa dentro dasconservatórias do registo civil...”

O escritor-militante

Em As Pequenas Memórias também encontramos passagens queconfirmam o José Saramago escritor-militante, anticonformista,com a sua maneira bem específica de entender o mundo, deencarar a vida ou a morte. Sempre muito atento à atualidadepolítica, eis, logo nas primeiras páginas do livro, sua opinião sobrea política agrícola da União Europeia:

Hectares e hectares de terra plantados de oliveiras foramimpiedosamente rasoirados há alguns anos.(...) Por cada pé deoliveira arrancado, a Comunidade Europeia pagou um prémioaos proprietários das terras, na sua maioria grandeslatifundiários, e hoje, em lugar dos misteriosos e vagamenteinquietantes olivais do meu tempo de criança e adolescente, emlugar dos troncos retorcidos, cobertos de musgo e líquenes,esburacados de locas onde se acoitavam os lagartos, em lugardos dosséis de ramos carregados de azeitonas negras e depássaros, o que se nos apresenta aos olhos é um enorme, ummonótono, um interminável campo de milho híbrido.(...)Contam-me agora que se está voltando a plantar oliveiras, masdaquelas que, por muitos anos que vivam, serão sempre pequenas.Crescem mais depressa e as azeitonas colhem-se mais facilmente.O que não sei é onde se irão meter os lagartos.

Outras passagens evocam a sua (má)educação religiosa, comoesta ironia sobre o Juízo Final, ao evocar aquele dia em que omenino Saramago tinha arrancado uma maçaroca no eito do seuprimo, e rival, José Dinis: “Eu suspeito que no dia do Juízo Final,quando se puserem na balança as minhas boas e más acções,

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será o peso daquela maçaroca que me precipitará no inferno...”No entanto, é face à morte deste primo, contada nas últimaspáginas, que encontramos talvez a razão profunda da existênciadeste livro:

Um dia, passado tempo, estando eu na Azinhaga, perguntei àtia Maria Elvira: “Que é feito do José Dinis?” E ela, sem maispalavras, respondeu: “O José Dinis morreu.” Éramos assim,feridos por dentro, duros por fora. As coisas são o que são,agora se nasce, logo se vive, por fim se morre, não vale a penadar-lhe mais voltas.

E José Saramago acrescenta esta frase em forma dehomenagem ao primo que morreu:Pequenas Memórias: “Quero crerque hoje ninguém se lembraria do José Dinis se estas páginas nãotivessem sido escritas.” E ninguém se lembraria também do seuirmão, dos seus avós, dos seus vizinhos...

“Deixa-te levar pela criança que foste” (O Livro dos Conselhos),é a frase que está em epígrafe de As pequenas Memórias. Mais desetenta anos depois, José Saramago cumpriu o conselho e oferece-nos um ensaio autobiográfico que pode ajudar bastante acompreender a personalidade do homem e do escritor.

NOTAS

1.SARAMAGO, José. As Pequenas Memórias. Lisboa: Caminho, 2006. 149 p.

2. Jornal de Letras, n° 959, Julho de 2007.

3. In Jornal de Letras, n° 942, novembro de 2006, entrevista a José Carlos deVasconcelos.

Dominique Stoenesco é francês de Besançon, professor de português comolíngua estrangeira na França, é crítico, ensaísta e tradutor; coeditor da revistaLatitudes: cahiers lusophones, editada em Paris. É membro correspondente daALB. Tem traduções publicadas em livros e em diversas revistas.

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O poema “A Maciel Pinheiro”,de Castro Alves

Waldir Freitas Oliveira

O poema “A Maciel Pinheiro”, datado de 1865, foi publicadoem 1870, em Espumas Flutuantes, e figura em todas as edições dasObras Completas de Castro Alves. Foi por ele escrito, aos 18 anos,na capital pernambucana, onde então se encontrava, cursando aFaculdade de Direito do Recife.

Entre os seus companheiros, naquela escola, figuravam MacielPinheiro e, singularmente, Fagundes Varela, então com 24 anos.O poeta carioca já publicara, àquela altura, Noturnas (1861) e Vozesda América (1864), e viajara, da Bahia para Recife, em marçodaquele ano, a bordo do “Oiapock”; em companhia de CastroAlves, estando o poeta baiano a regressar para Pernambuco, ondepassara a residir desde fevereiro de 1863, ano em que se matriculounaquela faculdade, após o término das férias escolares que passaracom a família, na Bahia; e quanto ao carioca, seguia para o Recife,obedecendo à ordem do seu pai, a fim de ali matricular-se na 3ªsérie do curso de Direito, depois de haver requerido a suatransferência da Faculdade de Direito de São Paulo, onde foraaprovado, no ano anterior, com muito esforço, apenas com um“simplesmente”, na 2ª série de curso idêntico. Em Recife, pois,conviveram os dois poetas, no ano em que Castro Alves escreveuo poema “A Maciel Pinheiro”.

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Acompanhando a narrativa de Edgard Cavalheiro, na biografiaque escreveu de Fagundes Varela (CAVALHEIRO, Edgard.Fagundes Varela. São Paulo: Martins, 1940), nela encontramos umtrecho sugestivo:

A existência dos estudantes em Recife, em nada diferia da quelevavam os da Pauliceia. A mesma vida espiritual, intensa efecunda, o mesmo predomínio quase absoluto dos rapazesem todas as festas e reuniões. As “repúblicas”, onde seacolhiam, eram idênticas, como idênticas eram as associaçõesliterárias, com os seus jornaizinhos e suas agitadas sessões.No ano em que Varela ali estudou, informa Clóvis Bebilacqua,circulava, embora, incertamente e por pouco tempo, grandenúmero de jornais, “representando as mais diversas correntesde ideias”.

E, pouco mais adiante, referiu-se à repercussão que causara,na época, entre os acadêmicos, a guerra do Paraguaai, que seiniciara em novembro de 1864, com a invasão por tropasparaguaias, de terras do Brasil, em Mato Grosso; havendo esseato de agressão por parte de Francisco Solano Lopez, despertadona mocidade brasileira, um sentimento patriótico exaltado.

Disse, então:

A guerra do Paraguai produzia (...) forte vibração patrióticaentre os moços. O corpo acadêmico via-se desfalcado demuitos dos seus membros, que partiam para o Sul, deixandodobrada a folha do livro, enquanto iam morrer no campo debatalha, como dizia Tobias Barreto, num popularíssimo poema.(CAVALHEIRO, Edgar. Opus cit., p.213)

Entre os que haviam partido para a guerra figurara MacielPinheiro, um jovem paraibano que cursava o quarto ano, naquela

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Faculdade e se tornara um verdadeiro ídolo frente aos seus colegas,por haver tido a coragem de atacar, através da imprensa, oprofessor de Direito Civil, Lourenço Trigo de Loureiro, tendosido por isso, punido pela direção da Faculdade, que depois dehavê-lo julgado, o condenou, considerando-o culpado por crimede injúria, a quatro meses de prisão acadêmica, cumprida no andartérreo do Colégio das Artes, por um prazo de três meses, emboratendo a licença de dela ausentar-se para assistir as aulas do curso,de frequência obrigatória.

Luís Ferreira Maciel Pinheiro, nascido em 1839, em JoãoPessoa, cidade então chamada Paraíba, republicano convictoopositor, portanto, da ideologia monárquica do velho civilistaportuguês; enviara para o jornal Diário de Pernambuco, onde foipublicada, uma carta na qual lhe criticava o rigor da disciplinaimposta em suas aulas, tanto quanto o autoritarismo com que ovisconde de Camaragipe, Pedro Francisco de Paula Cavalcanti deAlbuquerque, dirigia aquela Faculdade.

Pedro Calmon referiu-se à condenação de Maciel Pinheiro,afirmando que ela cercara o condenado de uma aura de “martírioideológico”; e informou que os seus colegas iam visitá-lo, comfrequência em sua prisão, prestando-lhe, desse modo, suasolidariedade. Disse então, que, nessas ocasiões, – “conversavamas suas represálias, vociferando contra as instituições, o direitocivil, o velho Trigo de Loureiro, o feudalismo de Camaragipe.”(CALMON, Pedro. História de Castro Alves. Rio de Janeiro: LivrariaJosé Olympio Editora, 1947, p. 104).

Vale notar, contudo, que tão logo eclodiu a guerra do Paraguai,tanto Maciel Pinheiro como Trigo de Loureiro se apresentaramcomo voluntários, oferecendo-se, pois, para participar da lutacontra Solano Lopez. Maciel Pinheiro, então, na flor dos seus 26anos, enquanto o velho mestre, português de nascença, efetuava,então, um gesto simplesmente simbólico, com 72 anos.

Não será razoável, no entanto, desconsiderar o valor do“patriotismo” dos que se revoltaram com a agressão paraguaia e

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se dispuseram a dar a vida, se fosse isso preciso, em defesa do seupaís. A noção de “pátria” já participava, de modo efetivo, daideologia nacional – valendo notar que em 1822, o príncipe domPedro, ao proclamar a independência do Brasil, tratara deprovidenciar um hino no qual se exaltasse a soberania do novopaís surgido, de sua letra, havendo sido encarregado de Evaristoda Veiga, na qual constando a afirmação de ser dever detodos os brasileiros, aceitar a alternativa – a de “ficar apátria livre, ou morrer pelo Brasil”; tendo sido o própriopríncipe, vale acentuar, português de nascença, quem compôsa música desse hino.

Castro Alves não fora capaz, nem seria admissível desejarmosque o fosse, um questionador da guerra do Paraguai. SolanoLopez teria sido para ele, como para todos os brasileiros, emsua época, um tirano, um agressor, alguém que desrespeitara oImpério e invadira o território do Brasil. E sendo francês nopensamento, como teriam sido quase todos os letrados da suaépoca, sentiu-se, naquele momento, convocado para a luta,considerou-se um dos enfants de la patrie da Marselhesa. Só queseu perdido amor por Eugênia Câmara, era, por certo, maiorque o seu patriotismo; e morrer por ela, sim, valeria mais a penaque morrer pela patrie. E em vez de alistar-se para a luta, preferiusegui-la, com ela havendo partido do Recife, em tournée a serrealizada nas principais cidades do sul do país.

Sim, Castro Alves teria sido francês, tanto quanto era brasileiro.Francês, por haver herdado da França, em razão do que lera nospoetas franceses do seu tempo, os ideais de liberté, égalité e fraternité;francês, por sua admiração incondicional por Victor Hugo, umdos mais polêmicos e inflamados arautos da liberdade, na segundametade do século XIX; francês, por haver se tornado um leitorconstante de Lamartine e Musset.

Havendo sido, igualmente, inglês, pelas leituras que fizera deByron e, em razão da auréola de combatente pela liberdade queentão envolvia esse autor, dele se tornado um admirador.

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Mais que tudo, porém, mantinha-se fiel a Victor Hugo; eembora o seguisse e tomasse como exemplo, permitia que isso,por vezes, o confundisse; como, por exemplo, quando apesarde haver composto o poema “As duas ilhas”, parodiando o poetafrancês e, tanto quanto ele, nele tendo demonstrado suaadmiração por Napoleão, iria, em seu poema “O Século”,denunciá-lo como algoz, quando afirmou, em verso cáustico –“Napoleão amordaça // a boca da populaça”. E causa-nos,então, espanto verificar que tanto “As duas ilhas” como “OSéculo” foram compostos, em Pernambuco, no mesmo ano,em 1865. Incoerência por parte do poeta?.. . ou umaconsequência de sua admiração profunda por Victor Hugo?...Idêntica ambiguidade podendo ser constatada quando, aindaem 1865, lançou seu brado contra a Igreja de Roma e escreveu–”Quebre-se o cetro do Papa.// faça-se dele, uma cruz”; emboraem “Jesuítas”, deles haja dito, naquele mesmo ano, haveremsido eles, “grandes homens” e “apóstolos heróicos”, e, maisainda, que – “nada turbava aquelas frontes calmas, // nadacurvava aquelas grandes almas // voltadas p´ra amplidão”.

Mas ao lado dessa dubiedade, vale reassaltar, no campo dareligião, sua enorme ousadia, quando se dirigiu a Deus, chegandoao ponto, em “Vozes d´África”, de desafiá-lo – “Deus! Ó Deus!Onde estás que não respondes? //Em que mundo, em qu’estrelatu te escondes // embuçado nos céus?”. E quando afirmou,falando em nome da África, e então lhe perguntou, em tom dereprovação – “Há dois mil anos te mandei meu grito, // queembalde, desde então, corre o infinito... // Onde estás, SenhorDeus?...”

Voltando, contudo, a tratar da guerra do Paraguai, deixou-seCastro Alves comover pelo que se passava nos campos de batalhasobre terras do sul; e em março de 1868, da sacada do prédioonde funcionava o “Diário do Rio de Janeiro”, na rua do Ouvidor,declamou para a multidão que por ela desfilava, o poema“Pesadelo de Humaitá”, no qual retratou Solano Lopez como

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“o vil tirano” que haveria, afinal, de beijar os pés dos que lutavamem defesa do Brasil.

Sobre o seu colega Maciel Pinheiro, escrevera, incluindo-ascomo nota ao poema que lhe dedicou, as seguintes palavras:

Maciel Pinheiro é um destes moços que simbolizam oentusiasmo e a coragem, a independência e o talento nasacademias. Poeta e jornalista, o moço estudante, aos reclamosda Pátria, improvisou-se soldado. Hoje que o tempo e adistância nos separam, é-me grato falar de um dos mais nobrescaracteres que tenho conhecido”.

Maciel Pinheiro regressou a Pernambuco sem que saibamosse participou ou não, de algum combate; vindo a formar-se pelaFaculdade de Direito do Recife, no ano de 1867; havendo seguido,depois de graduado, a carreira da magistratura. Republicanoexaltado, não teve, porém, a oportunidade de ver o Brasiltransformar-se em República, por haver morrido, em Recife, seisdias antes da sua proclamação, no Rio de Janeiro.

Foi jornalista de alta qualidade, havendo chegado a dirigir umdos mais destacados periódicos pernambuicanos – “A Província”,dedicado à causa aboliconista, no qual também publicaram seusartigos, Joaquim Nabuco e José Mariano.

No poema “A Maciel Pinheiro”, Castro Alves colocou,contudo, como epígrafe, um verso misterioso – Dieu soit em aideau pieux pèlerin; enigmático, apesar de haver indicado o seu autor– BOUCHARD. E confesso não haver sido uma tarefa fácil, ade localizar esse verso no contexto do poema do qual o poeta oretirara, por desconhecê-lo; dando-se o mesmo em relação aoseu autor. É que o nome Bouchard não aparece associado à poesia,em qualquer dicionário ou enciclopédia de literatura; tudo levandoa crer nunca haver publicado um livro de poemas. Parti, então,para a busca da solução do problema, invadindo o mundoencantado da Internet.

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Ali, porém, também não encontrei qualquer Bouchard quehouvesse sido poeta. Fui, então, à procura, nesse mundo fabuloso,do verso citado por Castro Alves; e afinal o encontrei. A indicaçãode onde ele se encontrava, causou-me, porém, espanto. O versoque fora utilizado por Castro Alves, como epígrafe para o seupoema, fora publicado num livro de poemas de Lamartine –Recueillements Poétiques.

Parti, então, à busca desse livro. Há várias edições desse livro.E descobri que em sua primeira edição, a de 1863, e nela, somentenela, haviam sido incluídos dois poemas de autoria de alguémidentificado como M.Bouchard – “L´Avenir Politique em 1837 – AM. de Lamartine, par M. Bouchard” e “A M. de Lamartine, sur sonvoyage em Orient, en 1833, par M. Bouchard.” E ao consultá-la,encontrei a solução para o problema.

Dela consta, igualmente, o poema “Utopie”, de Lamartine; eao pé da sua primeira página, ali incluída, como nota de rodapé,achava-se a informação, dada por seu editor – “L.Hachette, etCie. – Pagnerre – Furne et Cie.”: a de haver sido esse poemadedicado por Lamartine, a M. Bouchard e referências a seurespeito:

– “M. Bouchard, jovem poeta de grande esperança e altafilosofia, havia enviado ao autor uma ode sobre o futuropolítico do mundo, na qual cada uma de suas estrofes terminacom o verso Enfant des mers, ne vois-tu rien là-bas? . Esta ode eoutro poema enviado por M. Bouchard a M de Lamartine,sobre sua viagem ao Oriente, foram incluídos neste volumepelo editor.

Estava resolvida a questão. E pude certificar-me que foi nareferida edição que Castro Alves encontrou o verso de que se valeracomo epígrafe, pelo fato de haver verificado que de outras ediçõesde Recueillements Poétiques, não constaram esses dois poemas. Foraaquela uma concessão laudatória feita pelos editores da obra de

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Lamartine a M.Bouchard. E para satisfazer a curiosidade dosestudiosos da obra de Castro Alves, irei aqui dar algumas notícias arespeito do que teria aproximado Lamartine de Bouchard.

Começaremos por afirmar não haver, até hoje, descoberto onome completo de M. Bouchard. Como, contudo, encontramosesses seus dois poemas, decidimos transcrever, ao final deste textoum deles – A M. de Lamartine, sur son voyage en Orient, en 1833, eem tradução livre para o português, as seis estrofes que compõemeste poema; bem como comentar o poema “Utopie” deLamartine, no qual pretendeu ele responder à pergunta que lhefora feita por Bouchard, em L´Avenir polkitique en1837 : – emseu verso –Enfant des mers, ne vois-tu rien là-bas?.

Antes, porém, julgamos necessário dizer algo sobre a viagemfeita por Lamartine ao Oriente, em 1832-1833.

O poeta francês para ali seguiu, para visitar a Síria, o Líbano eos Santos Lugares, numa tentativa de recuperar a fé cristã quehavia perdido. Donde haver Bouchard a ele se referido, na suaviagem, como sendo um “pieux pèlerin”. E foi, provavelmente,por ser o poema de Bouchard, de boa qualidade e possuir umaextraordinária sonoridade, que Castro Alves, valorizando essassuas qualidades (desde que a poesia que compunha era menospara ser lida que para ser declamada), dele haver colhido o versocom o qual Bouchard encerrava cada uma de suas estrofes, a fimde colocá-lo como epígrafe em seu poema “A Maciel Pinheiro”.Mudou, porém, por completo, a intenção que tivera o seu autor aocompô-lo; e transformou seu companheiro na Faculdade de Direitodo Recife, num “peregrino audaz” que partira em viagem, paralonge, para ali ir lutar em defesa do seu país.

Em muito pouco, portanto, se parecem os dois poemas – o deBouchard e o de Castro Alves; eles, porém, se igualam, do pontode vista formal, pela presença de um verso repetido ao final decada estrofe, no qual aparece a figura de um “peregrino”; tambémpor apresentarem uma mesma técnica narrativa, tendo neles osseus autores, feito alusão aos lugares que iriam ser vistos pelos

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viajantes; e, afinal, por possuírem uma métrica idêntica, amboscompostos em versos decassílabos.

No poema de Bouchard, contudo, o autor, além de referir-seaos lugares que seriam visitados por Lamartine, pedira a Deusque o ajudasse ao longo dessa sua viagem; o que parece não haveracontecido, ao menos na medida em que fora pedido, pois emBeirute, a 7 de dezembro de 1832, faleceu Julia, a filha única deLamartine, com apenas dez anos de idade, que o acompanhva e àsua esposa, na viagem, o que o deixou desolado.

Leiamos, então, o poema de Castro Alves, para com base nessaleitura, poder melhor comentá-lo:

Partes, amigo, do teu antro de águias.Onde gerava um pensamento enorme,Tingindo as asas no levante rubro,Quando nos vales inda a sombra dorme...Na fronte vasta, como um céu de idéia,Aonde os astros surgem mais e mais...Quizeste a luz das boreais auroras...Deus acompanhe o peregrino audaz....

Verás a terra da infeliz MoemaBem como a Vênus se elevar das vagas;Das serenatas ao luar dormida,Que o mar murmura nas douradas plagas.Terra de glórias, de canções e brios,Sparta, Atenas, que não tem rivais...Que à luz da pátria, deixa a lira e ruge...Deus acompanhe o peregrino audaz.

E quando o barco atravessar os mares,Quais pandas asas, desfraldando a vela,Há de surgirt’esse gigante imenso.Que sobre os morros campeando vela...

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Simb’lo de pedra, que o cinzel dos raiosTalhou nos montes, que se alteiam mais...Atlas com a forma do gigante povo....Deus acompanhe o peregrino audaz.

Vai, nas planícies dos infindos pampasErguer a tenda do soldado vate...Livre... bem livre a Marselhesa aos ecosSoltar brandindo no feroz combate....E após do fumo das batalhas tinto,Canta essa terra, canta os seus gerais.One os gaúchos sobre as éguas voam...Deus acompanhe o peregrino audaz

E nesse lago de poesia virgem,Quando boiares nas sutis espumas,Sacode estrofes, qual do rio a garçaPérolas solta das brilhantes plumas.Pálido moço – como o bardo errante –Teu barco voa na amplidão fugaz.A nova Grécia quer um Byron novo...Deus acompanhe o peregrino audaz.

E eu, cujo peito como u’a harpa homéricaRuge estridente do que é grande ao sopro,Saúdo o artista que, ao talhar a glória,Pega da espada, sem deixar o escopro.Da caravana guarda a areia a pégada:No chão da História o passo teu verás...Deus, que o Mazeppa nas estepes guia...Deus acompanhe o peregrino audaz.

Vemos, então, que o poeta, nele se apoiou sobre o trajeto daviagem marítima do companheiro, que deveria passar pela Bahia,“a terra da infeliz Moema”, e pelo Rio de Janeiro, onde, à entrada

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da Guanabara, o Pão de Açúcar surge, em seu poema, como“Atlas com a forma do gigante povo”, indo chegar, afinal, aospampas do Rio Grande do Sul, sobre os quais pretendia lutarcontra os paraguaios, sobre os seus gerais, E demonstrando o seuconhecimento da poesia inglesa, nele, o poeta referiu-se a Byron,o “bardo errante”, que partira para a Grécia, a fim de, arriscandoa própria vida, combater, ao lado do povo grego, contra osconquistadores turcos; tanto quanto a um lendário herói polonês,Ivan Mazeppa, personagem que fora cantado pelo poeta inglês,em famoso poema composto em 1818-1819, publicado com onome de “Mazeppa”, no qual Byron descreveu a penosa jornadado herói mítico, amarrado, nu, ao dorso de um cavalo selvagem,solto nas estepes da Europa oriental, por um conde integrante dacorte de um rei sueco, que por haver descoberto o romanceclandestino mantido por Mazeppa, com a sua esposa, assim ocastigara.

Havendo, porém, esse cavalo selvagem, por ser originárioda Ucrânia, conduzido Mazeppa para aquele país, onde foi elerecolhido por cossacos que o salvaram da morte, vindo ali atornar-se, graças aos seus conhecimentos e ao prestígiocrescente que, em razão disso, conseguiu obter, um príncipeucraniano. Sendo este poema, sem dúvida, um dos pontosaltos da poesia byroniana, pelo vigor da sua descrição,especialmente quando descreve a corrida desenfreada do cavalobravio pelas estepes orientais da Europa, em pleno inverno,tornando dramática a sua narrativa e valorizando a façanha deMazeppa – a de haver conseguido sobreviver a prova tãoamarga.

E eis, finalmente, conforme o prometido, o texto e atradução para o português, do poema de Bouchard, compostosobre a viagem que iria realizar Lamartine, às terras do Oriente,sem que, contudo, nela houvesse visitado todos os lugares porele mencionados como constantes, provavelmente, do seuitinerário.

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A M. de Lamartine, sur son voyage en Orient, en 1833,par M. Bouchard.

Sous le vent frais qui déroulait sa voileIl est parti vers les bords éclatants,Terre promise où brille son étoile,Et que son âme espéra si longtemps.Brise des mers, sois douce et parfumée!Flots, calmez-vous; ciel, sois toujours serein!Reverdecez, cèdres de l ´Idumée;Dieu soit em aide au pieux pèlerin!

Sur cette Grèce au brûlant territoire,.Jette, ô poète, un rayon d´avenir.Lá chaque pierre est un feuikllet d´histoire; Lá chaque pas presse un grand souvenir.On reconnaît les descendants d´AlcideDans son vieux klephte et son brave marin:Des champs d´ Argos aux monts de la Phocide,Dieu soit en aide au pieux pèlerin!

Ta mission dans les cieux est écrite:Cours promener ta vie aux rêves d´orDans ces déserts où l´Arabie s´abriteAux sphinx de Thèbe, au palais de Luxor.Tu rediras, en voyant sous le sableOs dieux géants de granit et d´arain:´Vous seul, Seigneur, êtes impérissable!‘Dieu soit en aide au pieux pèlerin!

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Transports sacrés, religieux délire,Enthousiasme, aigle aux ailes de feu,Electrisez le croisé de la lyreDans le Sion où souffrit l´Homme-Dieu.Écho du ciel, ton hymne va descendreSur cette veuve au front pâle et chagrin:Jérusalem va secouer sa cendre.Dieu soit en aide au pieux pèlerin!

Tu les verras, ces rivages d´ AsieQue l´oeil compare à des jardins flottants.Où tout est fleurs, lumière et poésie,Où le zéphir éternise un printemps;Et la Stambul, reine aux mille coupoles,Sous le soleil éblouissant écrin:Mon coeur te suit aux bonis où t´envoles.Dieu soit en aide au pieux pèlerin!

Va, jeune cygneà l´accent prophétique.Va sous le ciel d´un monde plus riant,Pour agrandir ton essor poétique,Tremper ton aile aux parfums d´Orient;Puis verse-nous ces trésors d´harmonieQu´attend ma muse au modeste refrain!Dieu que j´implore a béni ton génie;Dieu soit en aide au pieux pélerin!

E eis a tradução livre por mim efetuada, deste poema, mudada,contudo, a métrica dos seus versos, por mim tornados, dedecassílabos em alexandrinos, sem manter, contudo, qualquerpreocupação pelas suas rimas:

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Para M de Lamartine, sobre sua viagem para o Oriente,em 1833, por M. Bouchard

Levado pelo vento a desfraldar-lhe os panos,O poeta partiu para encantadas plagas,Para a terra sagrada onde rebrilha a estrelaQue a sua alma buscou durante um tempo enorme.Brisa do mar, mostra-te amena, ante os seus passos!Amaina, bravo mar, o ardor de tuas vagas!Reverdecei, florindo, ó cedros da Iduméia; – Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!

Sobre esta Grécia, ardendo em fogo as suas terras,Lance o poeta o seu olhar profético.Ali, onde se esconde em cada pedra, restosDa História, e a cada passo, a memória de AlcidesSe revela, sob a forma heróica de um marujoOu de um klephte audaz, desde as planuras de ArgosÀs montanhas da Fócida, altas frente aos seus passos. – Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!

Tens por missão divina a de escrever poemas:Busca, pois, no deserto escaldante da Arábia,Ocultos sob a areia, os tesouros doirados!Em Tebas, junto a Esfinge, em Luxor, no palácio,Para depois contar-nos o que lá encontraste – mil despojos de reis e deuses, figuradosEm bronze ou em granito: “Em verdade, Senhor,Sois quem, por todo o tempo, haveis de ser lembrado!” – Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!

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E entre enlevos de crença e soberbos delírios.Envolvei e encantai, águia de fogo, o poeta,Cruzado a entoar, em sua lira antiga,Em Sion, o seu canto, ali, onde o Deus-HomemFlagelado e ultrajado, elevou-se aos céus– Jerusalém ingrata, em lamentos e pranto; Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!

Tu, nessa estranha Ásia, irás chegar às plagasOnde, alguém construiu jardins no ar suspensos,Onde são flores tudo o que a vista alcança,Onde, de doce zéfiro escoam primaveras,Irás a Istambul, rainha de mil cúpolasQue fulgem sob o sol, radiantes em brilho;Daqui te seguirei, a implorar tuas prendas; – Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante !

Segue, pois, alvo cisne, em sua ação profética,Sob o céu ofuscante em seu luzir btilhantePara fazer crescer seu pendor de poetaCercado pelo odor de essências do Oriente,E inundar-nos de luz, com poemas de encantoComo ansiosa espera a musa em mim oculta.Ó Deus, abençoai, vos peço, o gênio do poeta; – Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!*

E temos assim, finalmente, não somente analisado, à luz dahistória da sua construção, o poema de Castro Alves; comodesvendado o mistério que em parte o cercava. – o de nele constar,como epígrafe, um verso enigmático de um desconhecido M.Bouchard. E o fato é que aqui acabamos por ser a ele apresentados,restando-nos esclarecer alguns pontos no poema de Bouchard,

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relacionados a menções por ele feitas a nomes de lugares e pessoas,como ainda a uma palavra grega – klephte, de circulação limitada,e a que foi feita a Alcides, personagem da mitologia grega.

Bouchard nele mencionou os “cedros da Idumeia”, os “camposde Argos”, as “montanhas da Fócida”, o deserto da Arábia, acidade de Tebas, em cujas proximidades, segundo supunha,encontra-se a Esfinge; Luxor, onde se situam as ruínas de umtemplo ou palácio do Antigo Egito; também a cidade de Sion eos “jardins suspensos” da Babilônia, na Mesopotâmia. Vejamos,então, o que podemos dizer a esse respeito.

A Idumeia é uma região situada ao sul da antiga Judeia, entreo mar Morto e as terras situadas ao norte da península do Sinai,confundindo-se, às vezes, com a região denominada Edom Nostextos bíblicos encontram-se numerosas referências aos edomitase aos idumeus.

Quanto a Argos, que aparece no poema, em lugar de Argólida,foi uma cidade de grande importância, na Grécia Antiga; daprimitiva, contudo, hoje somente restando ruínas. Ficava situadaem uma vasta planície, da qual se eleva o monte Larissa, sobre elehavendo sido ela construída; e quanto à Fócida, tornou-se famosapelo fato de em suas terras situar-se o monte Parnaso, com quase2.500 metros de altitude, a morada dos deuses, segundo a crençados gregos antigos.

As referências feitas ao deserto da Arábia, à cidade egípcia deTebas, à Esfinge, por ele colocada, por equívoco, nas cercaniasdessa antiga cidade; ao templo de Luxor, localizado às margensdo Nilo; e, finalmente, aos “jardins suspensos” contruídos porNabucodonozor, para o prazer de Semíranis, rainha da Babilônia,revelam o seu empenho em demonstrar seus conhecimentos sobrea região que era chamada, naquela época, Oriente, pelos europeus.

Por fim, Sion é o nome antigo de Jerusalém; tendo sido, valeressaltar, mencionado, várias vezes, por Castro Alves, em seupoema – “Destruição de Jerusalém”, nele tendo a ela se referidocomo “dissoluta” e “ímpia filha de Sião”; e logo adiante, como

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“dissoluta” e “filha ingrata de Sião”, mas, também, havendo-adenominado – “formosa cidade de Sião.”

Devendo frisar-se, contudo, haver sido um equívoco, a idéiade Bouchard a respeito de haverem sido as descobertas de estátuasde deuses ou túmulos de antigos reis do Egito, efetuadas sob aareia do deserto arábico, onde, em verdade, nenhum dessesachados foi, alguma vez, encontrado.

E para concluir esta apreciação, mencionemos a palavra gregaklephte, constante do poema de Bouchard, sem tradução emqualquer língua europeia, usada para designar guerreiroshabitantes das montanhas da Grécia, nelas tendo vivido duranteos tempos da ocupação do país pelos turcos otomanos,considerados pelos escritores românticos europeus da época,como símbolos de luta da Grécia oprimida; quando, em verdade,nada mais foram que integrantes de bandos de assaltantes, quenão se submeteram ao poder dos governantes turcos; sempossuír, contudo, qualquer consciência de estarem a lutar,mesmo que, em realidade, o tenham feito, em favor de umaGrécia independente.

Sem devermos também esquecer a referência feita aos gregos,por Bouchard, mencionando-os como – descendants d´Alcide;valendo-se, provavelmente por necessidade poética da rima, dopouco usado nome de Héracles (Hércules, para os latinos) – o deAlcide, em verdade, um patronímico derivado do nome de Alceu,avô do herói maior dos gregos. *

E para concluir, falemos do poema “Utopie”, de Lamartine, afim de entender até que ponto ele e Bouchard se aproximaram;realçando o fato de haver sido Lamartine, além de poeta,historiador e, até certo ponto, um pensador preocupado com osdestinos da humanidade.

Nele tentou Lamartine, visualizar o futuro do mundo em quevivia, havendo-o composto, como informamos, em resposta a umpoema de Bouchard, que fora a ele dedicado – “L´Avenir politiqueem 1837” ambos construídos em torno de um tema semelhante.

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Lamartine, nele também revela seu sonho por uma humanidadenova, onde não mais existam guerras – la guerre, le grand suicide //ce meurtre impie à mille bras – na qual os homens irão unir-se paraum trabalho comum de reconstrução, como se todospertencessem a uma só família; nela visando-se alcançar afelicidade para todos, sem exceções. Tenta, então, valorizar as ideiascristãs, considerndo-as capazes de mostrar aos homens, o rumocerto para essa gigantesca tarefa; sem deixar, contudo, de assinalar,no cenário da sua época, a importância do papel que passara a serdesempenhado pelos seguidores do Islã, havendo mencionadoMaomé, em seu poema, com a denominação – le point d’acier deMahomet E, atento a esse fato novo – o da presnça do Islã naEuropa, escreveria, em 1854, a fim de realçar-lhe a importância,uma biografia do fundador do Islamismo – La vie de Mahommet, e,nesse mesmo ano, demonstrando, ainda uma vez, sua preocupaçãocom o Islã, uma Histoire de la Turquie.

Como historiador, escreveu, ainda, no que se refere à França,em 1847, uma singular Histoire des Girondins; e, em 1849, umaHistoire de la Révolution de 1848. Não seria, contudo, comohistoriador ou pensador político, que seu nome iria ficar gravadoentre os dos grandes homens de letras do século XIX; havendosido, de modo essencial, como poeta romântico, que Lamartinecontinuou, continua e continuará a ser lido e lembrado.

NOTAS

Tradução livre para o português, por Waldir Freitas Oliveira, em 21 de agostode 2009, do poema – “À M. de Lamartine, sur son voyage en Orient, en 1833, parM. Bouchard”Cf. GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Lisboa: DIFEL;Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil S.A.. s/d, p.205__________

Waldir Freitas Oliveira é historiador, professor da UFBA, com vários livrospublicados. Ocupa a cadeira 18 da ALB. Este texto é uma conferênciapronunciada em 18/9/2009, no Curso Castro Alves, 2009. IV Colóquio deLiteratura Baiana. Academia de Letras da Bahia, Salvador, Bahia.

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Wilson Lins,ensaísta e político, jornalista e cronista,

epigrama e memória

João Eurico Matta

No ano em que nasceu, em Pilão Arcado, Bahia, o sertanejosanfranciscano Wilson Mascarenhas Lins de Albuquerque, 1919,o pensador e sociólogo germânico Max Weber, auto-identificando-se como economista ( na ocasião o professor atuava, aos 55 anos,como consultor da Assembleia Constituinte que redigia a Carta daRepública de Weimar, e morreria, por doença, em 1920),pronunciou, a convite da Associação Livre dos Estudantes deMunique, duas profundas e magistrais conferências. Intitulavam-se, respectivamente, A política como vocação e A ciência como vocação.Em vias de conclusão da primeira delas, Weber dizia:

“... Todo aquele que se tenta realizar através da açãopolítica, ... se não teve em mente a responsabilidade peranteas consequências... , assim agindo não tem consciência daspotências diabólicas que estão em jogo. ... ‘O diabo é velho;faz-te velho se o quiseres entender’. Nesta frase, não se tratade anos, de idade. ... O que é decisivo não é a idade, mas sima educada capacidade de encarar de frente as realidades davida, suporta-las e estar à altura delas. É verdade que a políticase faz com a cabeça, mas de modo algum apenas com a cabeça.... A política ... requer, ao mesmo tempo, paixão e medida ...”( Weber, 1979, p. 95, 96, 99).

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A outra palestra, “A ciência como vocação”, na qual tantofala de religião e misticismo, Max Weber a encerra com uma evocaçãoelogiosa da sabedoria dos judeus no Antigo Testamento, advertindoa juventude alemã:

Aprendamos a lição de que não basta ansiar e esperar. Énecessário fazer algo mais. E´ necessário deitar-se ao trabalhoe responder, como ser humano e como profissional, àsexigências de cada dia. E isto é simples e fácil se cada umencontrar o demônio que maneja os fios da sua vida e lheprestar obediência. (Weber, 1979, p. 151).

Neste momento, lembro-me de um início de tarde de outubrode 1979, no Palacete Catharino, quando, no costumeiro bate-papoentre Conselheiros antes da sessão plenária do nosso ConselhoEstadual de Cultura, o presidente Ruy Santos, Nelson Sampaio,Ary Guimarães e o próprio Wilson – Conselheiro desde 1971,me esclareciam o orgulho genealógico do último pela origemgermânica do seu sobrenome Lins: o jovem jornalista redator deO Imparcial de 1942, o ficcionista nietzscheano “afilhado” deRafael Spínola, tinha sido destemperado anti-Hitler, anti-nazista,anti-fascista, nunca um anti-germânico! Não confundir, pois!

A vocação para o pensar filosófico e o exercício científico seexpressou, no contumaz e insaciável autodidata Wilson Lins, emsua produção de ensaios ao longo de seis décadas, desde seulivro de estreia aos 19 anos, publicado por seu pai em 1939,Zaratustra me contou, considerado “metade ensaio, metaderomance” pelo Acadêmico Jorge Calmon, no discurso com queo recepcionou nesta Academia, em 20 de setembro de 1967. Jáno Zaratustra... o escritor de 19 anos ressalta ( p. 121) O Valor doRiso na Filosofia da Vida. O ensaísta vai marcar os quatro livrosseguintes: os dois da fase em que o jovem pensador esteve sem afé em Deus que tivera nos seus verdes anos de Juventude plinianaou Integralista, 12 Ensaios de Nietzsche – Ensaios (Bahia, Ed. O

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Imparcial, 1945) e A Infância do Mundo – Ensaios (Bahia, Ed. OImparcial, 1946 ). É neste último que se encontram os estudos,de 1946, do ensaísta de 27 anos sobre a questão “-A Física Modernadesligou-se do Materialismo?”, com epígrafe de James Jeans sobre “onovo dualismo das figurações por partículas e por ondas...”, esobre o tema “O Continuum Quadridimensional”. Igual motivaçãopelo estudo da teoria do conhecimento científico me levou apublicar, em 1956 e 1957, na revista cultural Ângulos, ensaiosdensos intitulados “Auguste Comte e a Crise da FísicaContemporânea” e “Os Intelectuais Soviéticos e a ‘luta ideológica’entre cientistas físicos”.

Foi em 1952 que vieram a lume os ensaios do livro O MédioSão Francisco, Uma Sociedade de Pastores e Guerreiros (1aedição:Salvador, Bahia, Ed. Oxumaré, 1952; 2a. edição: Bahia, LivrariaProgresso Editora, 1960; 3a. edição: São Paulo, Companhia EditoraNacional – Coleção Brasiliana, 1983 ), em cujo prefácio nossosaudosíssimo confrade, este ano centenário, Thales de Azevedo,sentencia:

Escrito pela primeira vez há trinta anos e agora em versãoa ficar como última, O Médio São Francisco, de Wilson Lins,continua um livro fundamental na literatura da antropologia eda sociologia da vida rural brasileira e da história política donosso período republicano...

Dos anos da reconciliação com o Deus do cristianismo católicoé o pequeno volume Tempos Escatológicos – Ensaios (Bahia, LivrariaEditora Progresso, 1959).

Ademais deveriam citar-se, aqui, ensaios literários publicadosna Revista da Academia de Letras da Bahia e na Revista de Cultura daBahia, nos anos 1970 e 1980, além de Um baiano como os outros,publicado na coletânea, com outros nove textos de nove eminentesautores brasileiros, Um Praticante da Democracia: Otávio Mangabeira(Salvador, Bahia, Conselho Estadual de Cultura, 1980); e

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Mandonismo e Obediência, publicado na coletânea, com outros trêstextos de Cid Teixeira, Gustavo Falcón e Maria Alba MachadoMelo, “Coronéis e Oligarquias” ( Salvador, Bahia, UniversidadeFederal da Bahia, Ianamá Cadernos de Educação Política, 1988 ). Creioque merece menção especial, aqui, o admirável texto, metadeensaio – metade memorialismo de filho amantíssimo, FranklinLins de Albuquerque, um Coronel contra o Coronelismo, com que Wilsonencantou o Conselho de Cultura baiano em sessão plena naquelatarde de celebração pelo Centenário do Coronel: está publicadona Revista de Cultura da Bahia, n. 14 ( jan. de 1979 a dez. de 1980),p. 103-106. Há também o opúsculo Breve Notícia do Coronel Franklin,1981. Esses ensaios são preciosos subsídios para o entendimentoda ciência acadêmica dos mestres e doutores, estrangeiros ebrasileiros que defenderam dissertações e teses sobre o assunto,como O Coronelismo no Médio São Francisco – Um Estudo de PoderLocal, do Dr. Alírio Fernando Barbosa de Souza, pesquisa de 1973,do Mestrado em Ciências Sociais de Machado Netto e Zahidé,UFBA, publicada em Salvador, 1998, com prefácio de AryGuimarães.

A vocação de Wilson Lins para o que Max Weber chamou deação política se expressou por vinte e cinco anos, entre 1945 e 1971,através do exercício de cinco mandatos de deputado estadual,pelas legendas do PR (Partido Republicano), da UDN e, por fim,da ARENA, e alguns anos de exercício do cargo de Secretário deEstado da Educação e Cultura, no governo Juracy Magalhães(1959-1963). Todavia, a versatilidade de seu talento polifacético,ou a multiplicidade de seus “demônios” criativos, — chamadade “Vários – Único Wilson Lins por seu amigo e confrade daAcademia de Letras e Artes Mater Salvatoris, prof. GermanoMachado, num registro-homenagem de julho de 1989, ao ensejodo cinquentenário da publicação de Zaratustra me contou,publicado no n. 2 da Revista da Academia de Letras e Artes MaterSalvatoris – exigiria que Max Weber tivesse pronunciado quatrooutras conferências. A primeira, sobre “O Jornalismo como

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vocação”( aqui o cronista de imprensa, inclusive sob ospseudônimos Quincas Borba e Rubião Braz, este que assinouartigos de 1951 a 1960, em vários jornais); outra, sobre “ALiteratura como vocação”: aqui o ficcionista, o romancista econtista Wilson Lins, de que se ocupa luminosamente, nestasessão, o nosso confrade, Acadêmico Aramis Ribeiro Costa,atentos todos nós para o Wilson crítico literário, o pesquisadorde epigramas e o memorialista notável de Aprendizagem doAbsurdo – Uma casa após a outra, publicado em 1997 pelopresidente Waldir Freitas Oliveira, do Conselho Estadual deCultura, e prefaciado por nosso saudoso confrade JosaphatMarinho. Uma terceira palestra weberiana seria sobre “NegócioEmpresarial como vocação”, uma experiência dura de Wilsonnos anos 1970. E poderia haver ainda uma quarta fala , sobre“Religião como vocação”.

Para um breve toque no tema “Jornalismo como vocação”em Wilson Lins, à falta de uma fala de Weber, convido-ostodos a revisitar, em casa, páginas do Navegação de Cabotagem– Apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei, deoutro saudoso confrade, Jorge Amado, especialmente as de502 a 508, sob o subtítulo “(Bahia, 1943 – o pedido decasamento)”, em que se conta a carinhosa história real decomo o fraterno amigo Jorge pediu ao coronel Franklin eD. Sophia a mão em casamento de Anita para seu primo,dela Anita, Wilson Lins, – um matrimônio felicíssimo, detodos os filhos e todos os netos e bisnetos. Logo na pág.502, nesse mesmo locus, se lê:

A azáfama no jornal, O Imparcial que o coronel Franklincomprara dos integralistas, transformara-o em órgão decombate ao Eixo nazi-fascista. ...

Após a virada da camisa, Wilson e seu irmão Teódulodirigiam O Imparcial, Wilson na redação, Teódulo no caixa.

(...)

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Pela tarde, rotina quase quotidiana, no Largo da Sé, na PraçaMunicipal, no Campo Grande, os comícios: por baixo do panoda guerra, do apoio às Nações Unidas, o veneno da denúnciado Estado Novo na oratória de sotaque e sutileza. Wilson e euéramos habitués dos palanques antifascistas, com Edgard Matta,Giocondo Dias, Luiz Rogério, João Falcão, Fernando Santana,bons tempos aqueles, comandávamos a Bahia. ...

Rogo-lhes um parêntese para dizer que a admiração e afetode Wilson por meu pai, Edgard, durou décadas, com algumasreferências em crônicas, em artigo inteiro e em conversas, e aténum cativante epigrama da lavra do próprio Wilson, de 1984,sobre minha devoção a “meu papai” (parafraseando expressãohistriônica de um dos então mais engraçados personagenstelevisivos do humorista Chico Anísio) nas minhas falas noConselho de Cultura. Essas referências esclarecem o teor dadedicatória autografada por ele num presente natalino que medeu, o livro de João Cabral de Melo Neto, Agrestes – poesia (1981-1985), Editora Nova Fronteira, nos seguintes termos: “A JoãoEurico, com a afeição herdada e os mais ardentes votos de um Feliz 1986.Natal de 1985. (as.) Wilson Lins.” Curiosamente, na sua últimapublicação em livro, Musa Vingadora (Crônica do Epigrama naBahia), Salvador, EDUFBA /Assembleia Legislativa do Estado,1999, onde a dedicatória, datada de 16 de setembro, 1999, diz“A João Eurico Matta, com a velha admiração, também para Geísa”,Wilson reproduz, no penúltimo capítulo, intitulado “O Espíritoda Velha Cidade”, um epigrama de 1935 focalizando meu pai,com o seguinte comentário ( pág. 147):

Dirigente comunista na Bahia, quando da organização daAliança Nacional Libertadora, não aprovou a escolha dosmembros da direção do movimento, mas evitou criar caso,preferindo externar seu desacordo num epigrama que não saiuda clandestinidade:

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“Cabral” não descobriu nada,“Reis” não são de confiança. Pobre da esquerda, coitada!“Edgard” mata a Aliança.

Fecho o parêntese para citar, do mesmo livro ( pág. 133),referência de Wilson a um semanário de combate político-partidário, O Amigo do Povo, que ele próprio fundou em 1950,embora por pouco tempo. Escreve ele: “Fausto Penalva, advogadobrilhante, panfletário dos mais temidos, orador dos mais eloquentes, quandocalhava, recorria ao epigrama. Candidato a deputado federal em 1950, foium dos diretores do semanário hidrófobo, O Amigo do Povo, em cujas colunasmetia a catana nos adversários do seu candidato a governador...” (que eraJuracy Magalhães).

É largamente sabido que Wilson Lins foi redator e cronista no OImparcial, no Diário de Notícias ( depois de vendido por AltamirandoRequião), no Diário da Bahia de Tarcilo Vieira de Mello, em A Tardede Dr. Simões Filho e no Jornal da Bahia de João Falcão. Conhecemo-nos em 1952 no Diário da Bahia, quando lhe fui apresentado porMoniz Bandeira, nós ambos aos 17 anos, eu publicando numa colunacultural seis presunçosos artigos, sobre os filósofos Benedetto Crocee George Santayana e outros temas; e Moniz Bandeira com umacoluna sobre “grandes intelectuais baianos”, ilustrada por bicos-de-pena de seu irmão Carlos Augusto Bandeira, sobre Antônio FerrãoMoniz, Pedro Kilkerry e Christiano Alberto Mueller, nosso professorde Latin (aliás, na época, titular da cadeira da Academia de Letras daBahia que Wilson Lins ocuparia em 1967), além de publicar, nomesmo Diário da Bahia, uma bem-humorada reportagem-entrevista,com foto camuflada, sob o título “Rubião Lins ou Wilson Braz?”Nessa década dos 1950, entretanto, fomos leitores assíduos dascrônicas sarcásticas de Rubião Braz, especialmente em A Tarde edurante o governo Antônio Balbino, a que o cronista fazia irônicaoposição, ao “marinheiro”, ao portador de “cafubira”, “jetatura”e “urucubaca”, ao “Barduíno Ciença” – da linguagem atribuída ao

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matuto barranqueiro, dito por Wilson, que bem-humoradamentedistingue entre “epigramistas do povo”, os “anônimos” e os“epigramistas de ciência”. Em 1955, ano em que publicava a “novela”Os Segredos do Herói Cauteloso, quando anunciava ou prometia três“ensaios”, um sobre “Nietzsche e a cultura alemã”, bem como um livrode crônicas sob o título “Política é o Diabo”, Wilson também publica,de fato, papel e capa, de Rubião Braz,, identificando-o como “apenasum escritor bem-humorado”, o livro de 143 págs. intitulado Os outros... –Crônicas, – ao todo 37, quase todas deliciosas, sobretudo a mais longa,“Astros sem contratos”, que me parece metade crônica – metadeensaio, onde os personagens estão sob o que chama “as lentes dacinepolítica nacional”. O autor, Rubião, dedica Os outros ... a JoséFranklin, Wilson Filho e Antônio Fernando, os três filhos de Wilson.

Há, entretanto, outras crônicas de Wilson, reunidas em publicaçõesseparadas, como as cinco que aparecem na plaqueta Godofredo Filho:mestre de envelhecer ( 1984) e as onze publicadas no volume OtávioMangabeira e sua circunstância (Bahia, Conselho Estadual de Cultura,1986), prefaciado por James Amado e louvado em artigo de JorgeAmado ( que sucedeu Otávio, na ABL), na A Tarde, 10 de agosto de1986, assim: “Um livro sério e alegre..., que nos restitui a humanidadede Otávio Mangabeira, o homem, não o monumento. ...”

No que diz respeito à política como vocação, mesmo tendo aela dedicado 25 anos de sua vida, Wilson Lins deixa claro, nassuas memórias de 1997, o seguinte (p. 159):

A verdade é que nunca esteve em meus planos fazer sucessona política. Entrei para ela levado pela circunstância de havernascido numa família de políticos e de vir a ser diretor de umjornal no momento em que a democracia era restaurada nopaís. No fundo, o que eu sempre quis ser foi escritor...

E na pág.163:

Não preciso lembrar que um dos meus fracos, desde cedo, foiquerer ser um romancista. Desisti, depois de cometer seis

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romances. Ficou-me, contudo, o hábito de espionar as pessoas,de anotar-lhes as particularidades...

Na sua memorialística Aprendizagem do Absurdo, Wilson nosconta como e por que, desde o pedido de Anita em casamento,em 1943, ele e sua família mudaram 12 vezes de casa: ao longodessas doze mudanças domiciliares, uma escrita envolvente nosmostra os momentos cruciantes de sua trajetória na vivência detodas as suas vocações múltiplas, de todos os seus demônios.Uma delas é a do homem religioso. Ele mesmo o diz (p. 224):

Católico cuja fé necessitou de três conversões para se firmar,fui retirado da caatinga do São Francisco para ser transplantadopara o chão da Capital, e tive de me valer da ajuda de todosesses padres, cônegos, monsenhores e bispos, para escapar dapunição final a que fazia jus pelas minhas heterodoxias...

Wilson Lins deixou a política em 1970 e engajou-se comodirigente de uma empresa de crédito imobiliário, em que não foifeliz, sem nenhuma culpa sua. Ele mesmo o diz (p. 243):

O ano agônico da intervenção na empresa (1974) havia mesurpreendido com o nascimento de três novos netos quevinham juntar-se aos três que já me alegravam a velhice, comose me quisesse lembrar que a senectude chegara para valer.Não me restava senão esperar sem desesperar...”

Em seus derradeiros anos de vida, ao lado de sua querida Anita,soube atravessar todas as vicissitudes materiais e os males da saúdeproduzindo bens culturais, deixando acesas as luzes de suascriações literárias e de pensador espirituoso, com bravura desertanejo do Médio São Francisco.__________João Eurico Matta é administrador, professor, crítico e ensaista. Ocupa acadeira 16 da ALB. Este texto foi uma palestra proferida em sessão de 07 deoutubro de 2004, na Academia de Letras da Bahia.

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O conto de Monteiro LobatoOs mata-paus do contista

Aramis Ribeiro Costa

Logo no início de um dos contos de Urupês, primeiro livro decontos de Monteiro Lobato, há uma impressionante descrição deum mata-pau, fenômeno certamente bem conhecido das gentesda roça, porém estranho aos habitantes da cidade. O conto, umdos mais apreciados do escritor paulista, recebe o nome dessefenômeno da natureza. Chama-se “O Mata-Pau”. Tentareiexplicar, com a ajuda do próprio Lobato, o que seja isso.

Trata-se de uma planta parasita que, de alguma forma,desenvolve-se numa árvore, na forquilha de um galho. Começafininha, com “dois filamentos escorridos para o solo” e “meiadúzia de folhas”. O fiozinho vai descendo, encontra o solo,transforma-se em raiz, "pega a beber sustância da terra", criafôlego, cresce, engrossa, vira tronco e mata a árvore mãe.Descrições como esta, entremeadas de situações e diálogos,servem com certa frequência a Monteiro Lobato como exemploe motivação para os seus contos. Nesse, o mata-pau árvore detonaa história de um mata-pau gente, que cresce, engrossa e mataquem o cria. Exatamente como ocorre com a árvore.

Como se não bastasse a descrição literária, as primeiras ediçõesde Urupês traziam, na capa, o desenho de um mata-pau feito por J.Wasth Rodrigues, onde se vê um tronco de árvore abraçando esufocando outro. Aliás, nessas primeiras edições, todo o volume –

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esse conto incluído - vinha também ilustrado por um “curioso semestudos”, que outro não era senão o próprio Lobato.

Vaticínio ou não, o contista Monteiro Lobato acabou sendosenão morto, ao menos grandemente abafado, não por um, maspor dois mata-paus: Jeca Tatu e a literatura infantil. Hoje, nadistância do tempo, podemos dizer que Jeca Tatu foi umfenômeno transitório, que pouco sobreviveu ao seu autor. Mas, àépoca, chegou a ser mais famoso que ele próprio, a ponto deincomodá-lo, como incomodaram as pombas a RaimundoCorreia. Desabafa-se com o escritor e jornalista Léo Vaz, quandoa Revista do Brasil era abarrotada diariamente por correspondênciade todo o país sobre o personagem:

Seu Léo, este negócio do Jeca já me fede... Sempre tiveantipatia pelo Raimundo Correia, desde que me contaram queele não podia ouvir a menor alusão às suas “Pombas” sem seirritar. Parecia-me isso um pedantismo ou cabotinismointolerável. Pois esse raio de Jeca Tatu está me fazendo pagara língua: já estou de Jeca até os gorgomilos. É Jeca de todojeito: assado, cozido, frito, picadinho, de escabeche, com farofaou de molho-pardo, que o correio me despeja, duas vezes pordia!... E não fica nisso: todo sujeito que me encontra na rua,no café, ou onde quer que seja, não acha outra amabilidadepara me dirigir, senão me atochar com coisas, façanhas,patranhas, mentiras do Jeca... Eu vomito; eu preciso vomitaro raio deste Jeca, ou arrebento!...

Sabemos todos a sua gênese. Nasce da laboriosa concepçãoliterária de um autor em busca de um personagem que se tornasseum tipo brasileiro em confronto aos falsos tipos brasileiros doromantismo, mas também, e talvez naquele momento sobretudo,da justificada revolta de um fazendeiro diante das queimadassucessivas das suas terras, criminosamente praticadas peloscaboclos. Indignado, escreve um artigo, ao qual intitula “Velha

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Praga”, e manda-o para as “Queixas e Reclamações” do jornal OEstado de S. Paulo. Em lugar de publicá-lo modestamente nareferida seção, o jornal, que já conhecia o autor, estampa-o comdestaque, em local separado, provocando uma atenção especial euma consequente reação do público. Lobato envia outro artigo,agora intitulado “Urupês”, que merece igual acolhida do jornal.Se “Velha Praga” é apenas a denúncia de um crime, em que nofinal desfilam nomes caricatos de caboclos como Manoel Peroba,Chico Marimbondo e Jeca Tatu, o artigo “Urupês” segue além: éuma catilinária que desanca o romantismo e o ufanismo nacionais,e arrasa o caboclo, que agora não tem outro nome além de JecaTatu. Jeca passa a ser o símbolo da preguiça, da inutilidade, dopessimismo, da incompetência e da inconsequência do nativo ruralbrasileiro. Um personagem nascido não de um romance ou deum conto, mas de um artigo.

O próprio Lobato endossou a lenda, amplamentedesmistificada por Edgard Cavalheiro, seu principal biógrafo, deque a acolhida do jornal e a reação do público foram decisivaspara a carreira do escritor. Na verdade não foram. Ao enviar osdois artigos para O Estado de S. Paulo, embora ainda não tivessepublicado um único livro, já era um escritor pronto, conhecido erespeitado na pequena São Paulo da época. Com esses artigos ousem eles, teria dado seguimento à sua carreira de escritor e decontista. Apenas, se já vinha publicando artigos em jornais econtos em revistas, intensificou essas colaborações. De sorte que,ao reunir os textos do primeiro livro, tinha em mãos um materialtestado em letra de forma. Ia intitular esse livro, inicialmente,Dez mortes trágicas; chegou a anunciá-lo desta forma na Revistado Brasil, de sua propriedade; depois, Doze mortes trágicas. Mas,como sempre, o senso de oportunidade prevaleceu. Incluiu, comoapêndice, o artigo provocador, modificou o final de um doscontos, eliminando a tragédia e, seguindo a oportuna sugestão deum amigo, cunhou para o volume o título vitorioso: Urupês. Umgolpe de publicidade, sem dúvida. Mas ali estava plantada, na

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forquilha de um galho, a parasitazinha, que iria crescer e virarmata-pau.

O outro mata-pau do contista, a literatura infantil, nasceufortíssimo em 1921, com a publicação d'A Menina do narizinhoarrebitado, ponto de partida para todos os demais livros do autorno gênero. Vale aqui um tardio mas necessário reparo. Em longoe comovido artigo publicado em A Tarde em 6 de julho de 1948,dois dias após a morte do pai de Emília, Anísio Teixeira afirmou:

A literatura infantil foi toda escrita como imensodivertimento e só no fim é que começou a surpreendê-lo eabsorvê-lo como a sua obra maior.

É uma afirmação que surpreende, partindo de Anísio Teixeira,amigo pessoal e grande admirador de Lobato. Porque éequivocada, ou, pior ainda, pode levar o leitor a pensarequivocadamente a respeito de Lobato e a sua obra infantil. Nãohá dúvida de que o escritor divertiu-se bastante com a feitura dosseus livros para crianças, uma obra repassada de humor e muitatravessura, bem à feição lobatiana, como também não há dúvidade que ele foi surpreendido com o seu extraordinário êxito, bemalém das suas mais otimistas expectativas, surpresa que ocorreunão “no fim”, como afirma o grande educador baiano, mas aindano início, com o primeiro livro. A surpresa dos últimos anos deveu-se à sua imensa popularidade em decorrência dessa literatura,que o tornava o escritor mais conhecido e mais amado do país. Oequívoco maior, entretanto, é afirmar que aquilo foi um “imensodivertimento” que só no fim passou a ser levado a sério. Lobatonunca fez nada, principalmente de grande vulto, apenas paradivertir-se. O seu atilado sentido comercial não permitiria. A provaé que, ao imprimir esse primeiro livro por sua própria conta, fezlogo uma ousadíssima edição de cinquenta mil exemplares,imprimiu mais quinhentos para serem distribuídos gratuitamentenas escolas a título de propaganda, e anunciou na própria capa

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do volume que era um “segundo livro de leitura para uso dasescolas primárias”, ou seja, vinculou a obra à escola para sugerire estimular a vendagem, antecipando-se a uma tendência dosfuturos editores do gênero no Brasil. Além da distribuição gratuitados exemplares, realizou também uma grande propaganda naimprensa em torno do lançamento, tratando o assunto comseriedade e tino empresariais. A rápida vendagem da enormeedição e a entusiasmada aceitação da garotada, animou-o a seguirencarando o empreendimento como um excelente negócio que,como tal, devia ser levado a sério. Aliás, atirou-se sôfrego àliteratura infantil em alguns momentos de grande apertofinanceiro, como uma taboa de salvação, chegando a considerarEmília, em carta a Godofredo Rangel, em 1943, a “encantadoraRainha Mab do meu outono”. Não há, pois, nenhum sinal desimples divertimento nessa atividade de Monteiro Lobato, pelocontrário, foi uma ocupação que, desde o início, jamais o deixou,seduzindo-o e absorvendo-o extraordinariamente.

Também do ponto de vista estritamente literário, essa atividadenão foi tratada em nenhum momento como divertimento, mascomo uma arte que ele procurou aprimorar em cada livro e cadaedição. Da primeira edição do primeiro livro, A Menina do narizinhoarrebitado, ao último, Os Doze trabalhos de Hércules, até a preparaçãoda obra completa, Lobato não parou de reescrever e aperfeiçoara sua literatura para crianças, absolutamente consciente daimportância do que estava fazendo. O resultado foi, como se sabe,algo inédito, não apenas na literatura brasileira, mas também naliteratura infantil universal, com a construção de uma saga aindahoje não superada por nenhum autor.

Mas, sobre a literatura infantil de Lobato não se pode falar deforma tão aligeirada em texto tão curto. Exige estudo longo ecuidadoso. Lembro apenas que foram tamanhos a força e oencantamento dessa literatura voltada para as crianças, que a elaficou definitivamente associado o nome do autor. Ainda hoje,para a maioria dos brasileiros, quando se pronuncia o nome de

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Monteiro Lobato, é no pai de Emília, de Narizinho, de Pedrinho,de dona Benta, de tia Nastácia, do Visconde de Sabugosa, deRabicó, enfim, no criador do Sítio do Picapau Amarelo que sepensa, bem mais do que no contista.

Mas volto a Urupês. Em 1918, Lobato já não era mais umfazendeiro. Morava na capital e era assumidamente o que sepoderia chamar de um homem de letras. De colaborador da Revistado Brasil, na qual vinha publicando contos e críticas, passara aproprietário, e todo o seu interesse voltava-se para livros eliteratura. Nesse mesmo ano, imprimiu Urupês por sua própriaconta nas oficinas d’O Estado de São Paulo e distribuiu o livro pelaspoucas livrarias da então provinciana cidade de São Paulo. A capitalpaulista tinha apenas “meia dúzia de livrarias mal arrumadas edesertas”. E essa não era uma realidade unicamente paulistana.Em todo o país havia pouco mais de trinta livrarias. Entretanto,existiam mais de mil agências postais espalhadas pelos estadosbrasileiros. O Lobato comerciante, que sempre coexistiu com oescritor, não teve dúvidas. Enviou a cada agente postal uma carta,pedindo indicação de comerciantes de toda espécie que aceitassemo livro em consignação – um sistema até então não praticado.Quase todos responderam, e o país foi inundado por exemplaresde Urupês, que passaram a ser vendidos em lojas de ferragens,farmácias, bazares, bancas de jornal, papelarias, enfim, ondehouvesse um ponto de venda disponível. O sucesso foi imediato.A primeira edição, de mil exemplares, saída em agosto, esgotou-se em poucos dias; a segunda, de dois mil exemplares, em ummês; e a terceira edição, de quatro mil exemplares, foi posta narua já no final desse ano.

Ao lado do enorme sucesso, porém, acontecia algo quedesgostava o autor. O livro fazia barulho na imprensa, mas nãoera falado e discutido por causa dos contos, e sim em função daparasitazinha lá plantada em forma de artigo, o mata-pau JecaTatu. O orgulho nacional – que, àquele tempo, havia isso – ,insuflado pelas imagens fantásticas dos índios de José de Alencar

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e Gonçalves Dias, sentiu-se ferido com o retrato da realidadepintado por Lobato, e o artigo “Urupês” que, nas páginas d'OEstado de São Paulo apenas provocara a reação de alguns leitores,agora, posto em livro, tornava-se motivo de polêmica. Discutia-se acirradamente o caboclo.

Estava o livro em sua terceira edição, permanecia a polêmicana imprensa, quando Ruy Barbosa, do alto do seu imenso prestígio,abriu uma conferência no Teatro Lírico, no Rio de Janeiro, com acélebre pergunta:

Senhores:Conheceis, porventura, o Jeca Tatu, dos Urupês, de

Monteiro Lobato, o admirável escritor paulista?

E por mais de meia dúzia de parágrafos, o tribuno baianoseguiu avalizando e enaltecendo os conceitos de Lobato a respeitodo caboclo e da realidade rural brasileira. Foi uma surpresa e umespanto. Ruy não costumava sair das suas alturas para citar, muitomenos para elogiar autores vivos, e abria uma surpreendenteexceção para Lobato e seu livro de estreia. A terceira edição deUrupês esgotou-se rapidamente, e também a quarta, a quinta, asexta e a sétima. De toda parte vinham pedidos, o livro chegouao décimo quinto milheiro.

Era um acontecimento absolutamente inusitado nas letrasnacionais, sobretudo naquele começo de século em que, após amorte de Machado de Assis, a literatura no Brasil, pelo menos naprosa de ficção, atravessava uma fase de calmaria, quando nadaparecia acontecer de muito importante. Digo “nada pareciaacontecer”, porque, de fato, embora ainda sem grande penetraçãopopular, começavam a escrever e publicar um Lima Barreto, umSimões Lopes Neto, um Valdomiro Silveira, sem esquecer osbaianos Xavier Marques, Afrânio Peixoto e Almachio Diniz, quebatalhavam – hoje se percebe que inutilmente, porque estãoignorados ou esquecidos –, pela incorporação definitiva das suas

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obras no seletivo repertório da literatura nacional. Mas eramescassos os novos livros à disposição do público e os lançamentosnão empolgavam. Subitamente Lobato preenchia a lacuna etornava-se um escritor conhecido e admirado em todo o país.Enquanto a imprensa preocupava-se com os defeitos e asqualidades de Jeca Tatu, com a justiça ou a injustiça do retratopintado pelo autor de Urupês, enquanto uns insultavam e outrosdefendiam o autor do famigerado personagem-símbolo docaboclo brasileiro, o público lia com grande gosto os contos dolivro, e dava mostras de querer mais. Então, sem nenhuma dúvidao contista impressionava, independentemente do artigo polêmico.A árvore, embora sufocada pelo mata-pau, não estava morta.

É preciso lembrar que o êxito do contista Monteiro Lobatonão estava apenas no resultado de uma série de circunstânciasfavoráveis, todas elas muito bem aproveitadas pelo autor. Aliestava, naquelas narrativas trágicas ou tragicômicas, um escritorde excepcional talento, que aliava uma boa literatura ao gosto e ànecessidade consumidora do público. Apesar de Urupês ser oprimeiro livro, os contos nele apresentados não eram de estreante.Ao contrário de Machado de Assis, que se foi aprimorando nogênero livro a livro, partindo da inexperiência de Contos fluminenses,em 1870, alcançando a maestria de Papéis avulsos, em 1882, e, daípor diante, seguindo em altíssimo nível até Relíquias de casa velha,em 1906, Lobato aprimorou-se publicando em jornais e revistas.Escreveu e reescreveu, fez, refez, modificou, leu muito, discutiuexaustivamente o seu trabalho, sobretudo em cartas comGodofredo Rangel e, quando se apresentou em livro, era umcontista maduro e passado a limpo. Seu volume de estréia, emboranão traga alguns de seus melhores contos, produzidos depois,como “O Jardineiro Timóteo”, “Negrinha” e “O Colocador dePronomes”, é, em conjunto, o seu melhor livro de contos. Só umescritor com o total domínio da linguagem e da técnica, com opleno sentido da relação espaço-tempo na ficção de curto fôlego,com a segurança absoluta do seu objetivo dentro do gênero,

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realizaria com êxito contos como “Os Faroleiros”, “O EngraçadoArrependido”, “A Colcha de Retalhos”, “A Vingança da Peroba”,“O Mata-Pau”, “Bocatorta”, ou “O Comprador de Fazendas”.Contos que beiram ora o dramalhão, ora a pieguice, ora a simplesanedota, ora a tragédia desnecessária, mas que, na sua mão segurade narrador, no seu firme conhecimento da arte literária, nosseus indiscutíveis recursos de frase e de efeito, tornam-se contosprimorosos, exemplares no gênero e na modalidade querepresentam.

Essa modalidade estava definida desde o início. Numa cartaque escreveu de Areias, em 1909, a Godofredo Rangel, deixavamuito clara a sua concepção do gênero, bem como o seu objetivocomo contista. Diz Lobato:

Sou partidário do conto, que é como o soneto na poesia.Mas quero contos como os de Maupassant ou Kipling, contosconcentrados em que haja drama ou que deixem entreverdramas. Contos com perspectivas. Contos que façam o leitorinterromper a leitura e olhar para uma mosca invisível, comolhos grandes, parados. Contos-estopins, deflagradores dascoisas, das idéias, das imagens, dos desejos, de tudo quantoexista informe e sem expressão dentro do leitor. E conto queele possa resumir e contar a um amigo – e que interesse a esseamigo.

Uma teoria que se afina às maravilhas com aquela outra famosade Edgar Allan Poe, em que o conto, como a anedota, deve terum só efeito, e esse efeito é preconcebido. Ou seja: o contoconstitui uma profusão de cenas e ações que preparam um efeitoem geral posto no desfecho. A história assim armada faz comque a cena final determine um efeito regressivo que ilumina todoo corpo da composição, dando-lhe significado. Exatamente o quepensava Lobato, que via o fecho do conto como o fecho do soneto,a chave de ouro, portanto, o ponto alto da composição.

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A admiração de Monteiro Lobato por Maupassant e porKipling era confessa, particularmente por Maupassant. Defendiaabertamente o conto linear, de princípio, meio e fim, o conto quesempre conta uma história, e opunha-se terminantemente aoconto que se convencionou chamar “de atmosfera”. Essa postura,tão radical, teorizada ao jeito lobatiano, de forma agressiva epolêmica, quase sempre divertida – e, como bem demonstrouJorge Amado, que terrível arma é o riso! – , fez com que Lobato,apesar de ser considerado um renovador da prosa de ficçãobrasileira, ignorasse os avanços técnicos do conto, não tomasseconhecimento dos ilimitados recursos de ampliação oudesestruturação de enredo, e limitasse ferrenhamente as suaspáginas à modalidade da sua preferência. Isso fez – e ainda faz –a sua rejeição pelos adeptos do conto moderno. Mas não o afastouà época do grande público, talvez pelo contrário. Dando razão aoexplosivo autor paulista, o grande público sempre preferiu o contoclássico ao moderno, e não é segredo que as inovações do gênero,que tanto o enriqueceram do ponto de vista da arte literária,abrindo-lhe novas perspectivas de criação, apartaram-noenormemente desse público mais amplo, que voltou a sua atençãopara o romance, numa sábia advertência de que a arte literárianão deve ser excludente, Tchekhov não deve excluir Maupassant.Pelo contrário: na diversidade de opções, encontra-se uma riquezaque não pode ser desprezada.

Também não é verdade que o contista Monteiro Lobato tenhasido grandemente prejudicado pelo movimento modernista de22. Apesar de não lhe terem perdoado a famosa crítica a AnitaMalfatti, os próprios líderes desse movimento, em particularOswald de Andrade, reconheciam no autor de Urupês o seu caráterpioneiro e renovador, tanto na linguagem, como nos temas e noambiente genuinamente brasileiros, não tendo sido poucas as vezesem que foi considerado um precursor do movimento. Os livrosde conto de Lobato – mesmo o mais fraco, Cidades mortas, lançadoàs pressas no mercado, reunindo velhas páginas do início da sua

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experiência de contista ao lado de contos mais recentes, apenaspara aproveitar o êxito de Urupês ultrapassaram incólumes toda aentusiasmada fase detonada pela revolucionária semana – paulista,e chegaram pelo menos aos anos cinquenta do século passadocom edições renovadas, sem falar da coleção completa, editadaem capa dura – e quase obrigatória nas estantes dos intelectuaisdo país. Então, subitamente, por longos anos, sua obra de contistasumiu das prateleiras das livrarias, para só retornar recentemente.O que terá ocorrido, afora as meras questões editoriais, osinteresses ou o desinteresse das grandes editoras, sobretudo daeditora responsável por sua obra?

Cabe aqui uma reflexão sobre um aspecto que, evidentemente,não deve ter sido a causa do desaparecimento comercial desseslivros por tão longo tempo, mas que pode ter contribuído dealguma forma para o gradual desinteresse que os envolveu. Se otipo de conto que escrevia não afastou Monteiro Lobato do grandepúblico, talvez até, pelo contrário, tenha sido um fator importantepara a sua popularidade como contista, o mesmo não pode serdito em relação à linguagem utilizada na sua escrita, uma linguagemnitidamente inspirada em Camilo, outra de suas grandes econfessadas admirações. Paradoxalmente, nesse ponto, parece-me que Lobato percorreu o caminho inverso, aquele que, maiscedo ou mais tarde, afasta o público mais amplo. Sua linguagemliterária é um amálgama ríspido de termos eruditos, arcaísmos,jargões, palavras técnicas, dizeres coloquiais populares,regionalismos, onomatopeias e até de vocábulos inventados aosabor da escrita – os dicionários, hoje, registram cerca de setentadesses vocábulos. Nela só não se encontram palavras chulas e debaixo calão, que não eram admitidas na literatura da época. Omais, há. É como se a língua fosse um ilimitado território semdono e sem regras, que servisse de todos os modos e maneiras naconstrução peculiaríssima do seu texto, no qual, espelhando apersonalidade do autor, não faltam irreverência e ironia, ambastantas vezes transmudadas em humor, mesmo em narrações de

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tragédia. Enfim, uma colcha de retalhos de impressionante eperigoso efeito, capaz de seduzir ou afastar o leitor – a dependerdo gosto de cada um – mas, muito provavelmente, a apenas afastaro grande público, sobretudo o grande público de hoje, que teráinclusive em muitos trechos dificuldade para entendê-lo. Lobatoera um homem que lia dicionário para distrair-se e, por outrolado, pregava alto e bom som que se devia escrever como se fala,que a verdadeira língua é a do povo, que não se cansa de reinventá-la; nessa dubiedade de atitude e de pensamento, talvez resida aexplicação para o seu estilo desigual e costurado. Naturalmente,com um instrumento de trabalho tão inusitado, seu texto já nasciacom cara e jeito inconfundíveis, cara e jeito de Lobato. Mastambém, por sua dificuldade de compreensão, tornava-se maisum mata-pau do contista.

A história da literatura brasileira – contada aos retalhos deépocas e regiões – , contaminada pelas idiossincrasias doshistoriadores e analistas, não tem dado a devida importância aofato de ter sido Lobato o primeiro grande escritor brasileiro a seapresentar, na literatura adulta, basicamente como contista. Antesdele, Machado de Assis, colocando-se artisticamente entre o contoclássico e o moderno, soube elevar o gênero às alturas maisexigentes da qualidade universal, uma qualidade que só tem sidoengrandecida com o passar do tempo, a ponto de estarconseguindo, aos poucos e recentemente, a consagração de umreconhecimento estrangeiro que vem se ampliando a partir deestudiosos da nossa literatura em universidades de diversos países,em particular da Europa. Porém Machado, em seu tempo, não seapresentou basicamente como contista. Verdade que seus contossempre foram muito apreciados pelo público e, por sua facilidadede publicação em jornais e revistas, contribuíram decisivamentepara divulgá-lo. Mas a sua obra, vasta e polígrafa, com incursõessignificativas em todos os gêneros, alicerçava-se sobretudo noromance para estabelecê-lo acadêmica e comercialmente. Osemblemas da sua glória, enquanto vivo, foram de início a crítica

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literária e, posteriormente, os romances da segunda fase, DomCasmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Esaú eJacó e Memorial de Aires. O romancista eclipsou o crítico ainda emvida, e o romance fez a sua nomeada por mais algum tempo apósa sua morte. Bem antes do reconhecimento unânime daexcepcional qualidade dos seus contos, discutia-se acaloradamentese Capitu traiu ou não o desventurado Bentinho. Hoje, não hádúvida, o contista Machado de Assis é, com muita justiça, tãovalorizado, estudado e lido quanto o romancista, havendo atéquem afirme ter sido ele bem maior como contista. TambémAfonso Arinos, o festejado autor de Pelo sertão, experimentou oromance, a novela e o teatro nas mesmas proporções, já que, emvida, publicou unicamente um livro de cada um desses gêneros.Escreveu apenas nove contos, os cinco constantes de Pelo sertão, eos quatro que formam o livro póstumo Histórias e paisagens. CoelhoNeto foi tão romancista quanto contista, ainda mais romancista.Lima Barreto, embora também contista, foi bem mais romancista.

Lobato, desde o início da sua atividade literária até a derradeirapágina de ficção para adultos, direcionou-se quase que unicamentepara o conto, propagando e sedimentando o gênero em nossasletras, contribuindo decisivamente para a sua valorização comoarte literária no Brasil. Digo quase e não unicamente, porque hátambém uma lamentável experiência dele com o romance, se éque se pode chamar dessa forma a “pura obra da imaginaçãofantasista”, para usar suas próprias palavras, que é o extravaganteO Choque das raças ou, como passou a ser chamado posteriormente,O Presidente negro. Sem o maravilhoso pó de pirlimpimpim que levouleitores de todas as idades, com absoluto encantamento, à Gréciaantiga, ao céu, ao País da Gramática, ao País das Fábulas e ao Reinodas Águas Claras, escreve, em 1926, em apenas três semanas, parao rodapé do jornal A Manhã, um romance – ou novela? ou contoespichado? ou simples fantasia? – de cunho futurista, no espíritoprofético dos Verne, Wells, Huxley e Orwell, porém sem aclarividência, a amplitude, a profundidade e o brilhantismo do

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melhor desses autores, onde ele, antecipando as ideias racistas ecriminosas de Hitler e do nazismo, que tantas consequênciasfunestas iriam causar à humanidade já na década seguinte,absurdamente defende a eugenia como uma das principaissoluções para os problemas da espécie humana, em particular dopovo norte-americano que é considerado, na obra, como o maiorpovo do mundo. Como se não bastasse, apresenta uma ideiaofensiva sobre o caráter da mulher, além de uma visão estreita einjusta sobre o papel da mulher na sociedade, veiculando, com amaior naturalidade, sobre o negro, a mulher, o deficiente físico eo deficiente mental, conceitos e soluções hoje universalmenteconsiderados como preconceituosos, injustos, cruéis, perigosose até criminosos. É de estarrecer. Dir-se-á que não passa de umabrincadeira de Lobato, tão dado a provocações de todo tipo. Umabrincadeira de mau gosto. Porém, surpreendentemente, o tomnão é irônico, muito menos de brincadeira. Um livro estranho –e menor –, sem dúvida, que apenas tem o mérito de ser bemescrito, com uma boa técnica, uma narrativa fluente, umalinguagem despida dos artificialismos e dos arcaísmos dos contosde Urupês, capaz de prender com interesse o leitor da primeira àúltima página, mas cujo conteúdo não faz jus ao talento e aonome do escritor. Sobretudo não faz jus ao largo e generosoespírito que foi Monteiro Lobato. De qualquer forma, O Presidentenegro não lhe confere o título de romancista, nem ele a isso aspirouao escrevê-lo e publicá-lo.

Lobato é, na ficção de adultos, apenas um contista. Seusprincipais contos são longos, na tradição dos contos franceses,que se inicia com Prosper Mèrimée, consagra-se universalmentecom Guy de Maupassant e tem em Jean Paul Sartre um de seuscultores mais recentes. Mas não chegam à novela. Sua acanhadatentativa de novela, “Os Negros”, inserida em Negrinha, confunde-se com os demais contos e passa por um deles. Ainda quandotrabalha enredos que se desdobram, pondo em risco a estruturafechada, ou quando essas narrativas se passam em tempo ficcional

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extenso, como é o caso do magistral “O Colocador de Pronomes”,da última fase, em que a história do personagem é contada desdeantes do nascimento até a sua morte, Lobato não passa do conto.Como se o seu espírito inquieto quisesse sempre resolver anarrativa de forma rápida e compacta.

Voltando ao tema dos mata-paus do contista, vale lembrarque Lobato, o homem impaciente, irrequieto, empreendedor,tornou-se também, ele próprio, um mata-pau do contista. Ardiaintensamente cada vez que acendia e logo apagava. Tendopublicado Urupês em 1918, praticamente encerrou sua carreira decontista em 1923, com a publicação de O Macaco que se fez homem,livro cujos contos, na arrumação definitiva das suas obrascompletas, diluem-se entre Cidades mortas e Negrinha. Depois disso,todo voltado para os seus sucessivos projetos, como editora, ferro,petróleo e, em particular, a literatura infantil, raramente escrevealgum conto, sendo praticamente o único realmente bom apósessa fase, o célebre "A Facada imortal", de 1942, que alguns críticosconsideram seu melhor conto. Não compartilho dessa opinião,embora o reconheça excelente.

De sua obra completa em capa dura para adultos, formadapor quinze alentados volumes, apenas os três primeiros são decontos: Urupês, Cidades mortas e Negrinha. Nos demais, há ensaios,artigos, críticas, crônicas, entrevistas, prefácios e cartas, além doabominável O Presidente negro. Nesses três volumes iniciais háalgumas páginas que, embora agradáveis de serem lidas, nãocorrespondem à qualidade e à fama do contista. São páginas nasquais prevalecem o pictórico, o panfletário e o caricatural sobreos elementos ficcionais. Há outras que apenas se valem do curiosodo episódio – exatamente como uma anedota, como o divertido“De Como Quebrei a Cabeça à Mulher do Melo”, que lhe valeuum curioso processo na justiça. Mas, por outro lado, nesses trêsvolumes, pode ser encontrada com facilidade uma quinzena decontos aos quais não seria exagero atribuir a dimensão das obras-primas. Contos nos quais se sente o cuidadoso trabalho de

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elaboração que caracterizam as grandes obras literárias, onde nãohá nada em excesso ou faltando, e cada frase, cada palavra éfundamental para o conjunto do texto. Contos, finalmente, cujaleitura transmite ao leitor a sensação de plenitude. Seriam eles, naminha opinião: “Os Faroleiros”, “O Engraçado Arrependido”,“A Colcha de Retalhos”, “A Vingança da Peroba”, “O Mata-Pau”,“Bocatorta”, “O Comprador de Fazendas”, “O Estigma”, “Júrina Roça”, “O Fígado Indiscreto”, “Negrinha”, “BugioMoqueado”, “O Jardineiro Timóteo”, “O Colocador dePronomes” e “A Facada Imortal”. Fora da literatura infantil –que tem de ser analisada à parte – , é difícil prever ocomportamento comercial de uma nova edição da obra completade Lobato nos tempos de hoje. O início do século XXI trouxe-ade volta às prateleiras das livrarias, e o resultado desse grandeempreendimento editorial certamente determinará o destinodesses livros nas próximas décadas. De qualquer forma, creioque as quinze narrativas aqui apontadas poderão formar umvolume de seus melhores contos com absoluta garantia de êxitocomercial e acolhimento acadêmico – ainda hoje e sempre. Porquea árvore dos contos de Monteiro Lobato é forte o bastante pararesistir e sobreviver aos mata-paus que ele próprio e outrosplantaram nas forquilhas dos seus galhos.

__________Aramis Ribeiro Costa é médico e administrador hospitalar, graduado emLetras, poeta, contista e romancista, é autor de 16 livros, como Episódio emCuricica (2001), O fogo dos infernos (2002), Os bandidos (2005) e Reportagem urbana(2008). Ocupa a cadeira 12 da ALB.

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A riqueza que veio do Oriente

Myriam Fraga

Na esteira da grande aventura marítima dos portugueses noOriente, iniciada a partir de 1498, por Vasco da Gama, ao descobriro chamado caminho das Índias, implantou-se naquela parte domundo uma política forjada sob a mais genuína aspiração de umimpério a ser criado sob os ditames da cristandade. Conquistadaem 1510, por Afonso de Albuquerque, Goa transformou-se nocentro do poder dos portugueses na região e, pelo seudesempenho na propagação da Religião Católica Romana, recebeuo nome de Roma do Oriente.

Assim, mais que uma aventura mercantilista, o propósito dosnavegadores portugueses foi marcado não só pelo comércio dasespeciarias, mas pelo espírito religioso que inspirava os ideais deevangelização traduzidos na vocação missionária que via naconquista uma oportunidade de impor a verdadeira doutrina –muitas vezes a ferro e fogo –, no afã de salvar almas para maiorglória de Deus.

As marcas do que foi a imposição da cristandade nas Índiasestão presentes em muitas das manifestações artísticas que aindahoje servem de referência a essa notável epopeia. O encontroentre povos tão diversos e tão distantes, postos de repente emestreita relação, proporcionou, entre outras manifestações, osurgimento de uma arte profundamente sincrética onde seamalgamavam aspectos peculiares a cada cultura.

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Das várias práticas que contribuíram para essa miscigenação,a de inspiração religiosa foi, sem dúvida, a mais importante,não só pelas grandes realizações, na construção de mosteiros eabadias, que atestam o poder e o interesse dos colonizadores,mas, igualmente, pela fabricação de imagens religiosas depequenas dimensões, imprescindíveis à necessidade urgente dacatequese e ao culto doméstico, no exercício dos rituaiscotidianos.

Para isso, convocou-se mão de obra especializada em trabalharcom os vários materiais disponíveis, principalmente o marfim daspresas do elefante, abundante àquela época, e que, pelamaleabilidade e textura, se prestava à perfeição para esculpirimagens e objetos de pequenas dimensões.

Pequenas imagens femininas do paleolítico, provavelmenterepresentando deusas da fertilidade, como a famosa VênusCalipígia, esculpidas em marfim, foram encontradas em estaçõesarqueológicas nos mais diversos pontos da Europa, o quecomprova a presença desses animais naquela parte do mundo.

Expulsos do Hemisfério Norte pelas glaciações da era terciária,esses grandes mamíferos deslocaram seu habitat para as regiõesmais quentes da África e da Ásia, onde logo se tornaram objetosde desejo por vários motivos inclusive, e principalmente, peloprecioso material de que eram constituídas suas presas.

O mamute desapareceu, mas o elefante, aclimatado,multiplicou-se e, com o passar do tempo, tornou-se o principalfornecedor de matéria prima de grande procura não só para ofabrico de objetos de uso comum como para a criação de obrasde arte.

Aos poucos, após várias gerações, acentuam-se as diferençasfísicas entre os elefantes africanos e os asiáticos, diferenças quesão também observadas no tamanho e na textura do material deque são constituídas suas presas. O marfim africano, mais duro eresistente, sempre foi preferido para a confecção de esculturas,placas e miniaturas, enquanto o marfim de origem asiática, de

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menores proporções e de consistência mais frágil, era consideradomais difícil de ser trabalhado.

Embora tenham sido utilizadas outras fontes naturais domarfim, como os caninos da morsa e do hipopótamo, o incisivodo nerval e o chifre do rinoceronte, o material mais cobiçado,mais precioso e raro, sempre foi o marfim extraído das presas doelefante e do seu ancestral, o mamute, amplamente utilizado, desdetempos imemoriais, na fabricação de utensílios, objetos de adornoe estatuetas de inspiração laica ou religiosa.

De grande ductilidade ao corte e durabilidade e resistênciaextremas, o marfim das presas do elefante – que não são oscaninos, como, habitualmente, as presas dos outros mamíferos,mas os incisivos, – é considerado como o "verdadeiro" marfim,valioso e estimado por suas qualidades que incluem a coloraçãocremosa, a maciez ao tato, o brilho e a resistência, que parecemconferir vida aos objetos esculpidos.

O caminho das Índias

Alcançar o Oriente pela via marítima, evitando os territóriosdominados pelos infiéis, era o grande sonho dos navegantesportugueses que, aos poucos, foram avançando na exploração dacosta ocidental da África acreditando que este roteiro os levariaao encontro das cobiçadas e lendárias regiões do Oriente cadavez mais difíceis de alcançar por via terrestre.

Durante o percurso, ao travar conhecimento com aspopulações locais, foram pontilhando sua trajetória com a criaçãode postos estratégicos onde estabelecer feitorias, e assim consolidara conquista e a posse do território.

Desde a Serra Leoa ao reino de Benin (atual Nigéria), passandopela Costa do Marfim, foram criados pontos de comércio,facilitadores de trocas e de reconhecimento entre os autóctonese os recém chegados. Entre os objetos de permuta, os marfinsafricanos, da Costa Ocidental, alcançaram grande prestígio em

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Lisboa na fabricação de peças de adorno, joias e adereços quelogo passaram a circular por toda a Europa.

A importação do marfim africano pela metrópole incluía nãosó o material ainda a ser trabalhado, mas igualmente peçasexecutadas em oficinas locais por artesãos autóctones, seguindoos modelos copiados dos artistas portugueses. Entre os muitosobjetos fabricados nessas circunstancias destacam-se os“olifantes”, trompas de caça esculpidas numa única peça, comincrível perícia, pelos “sherbros”, de Serra Leoa.

Quanto à qualidade, o marfim africano pode ser dividido emdois grandes grupos: o marfim duro e o marfim mole. O primeiroprovindo de dentes de elefantes que habitavam zonas muitoarborizadas, próximas de rios e de pântanos, como as regiõesencontradas na Guiné, no Congo e no Gabão. Mais pesado queo marfim mole, de consistência granulada e sem veios, tornava-se esbranquiçado à medida que envelhecia e, por suas qualidades,era mais utilizado em esculturas e miniaturas. O marfim mole,retirado das presas de animais procedentes de certas regiões declima seco, como as regiões de savana da Etiópia, do Egito e daCosta de Zanzibar, por estarem sempre expostos aos raios solares,eram mais frágeis e ressecados, de menor porte e consistênciamais difícil de ser trabalhada.

As esculturas em marfim afro-portuguesas, consideradas degrande valor artístico, atualmente são encontradas em diversosmuseus, espalhados pelo mundo e constituem um precioso arquivodo que foi o encontro da civilização europeia, representada pelosportugueses, com a riquíssima cultura dos povos que habitavama África Ocidental.

Em 1548, Vasco da Gama arrisca-se a dobrar o cabo da BoaEsperança, antes chamado das Tormentas, e bordejando a costaleste do imenso e misterioso continente africano finalmente abreas portas do Oriente aos Portugueses, inaugurando a cobiçadarota marítima que levaria diretamente às fabulosas riquezaspropagadas por Marco Pólo.

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A missão

Se o século XVI foi o século da conquista, os séculos XVII eXVIII caracterizaram-se pela catequese. Já nos fins do séculoXVI era intensa a atividade missionária desenvolvida por inúmerasordens religiosas, principalmente franciscanos e dominicanos –além dos jesuítas, notáveis evangelizadores, – e o culto às imagenstornou-se um dos meios mais utilizados na conversão dos gentios.

Como foi dito anteriormente, a grande aventura dosportugueses na Índia não foi meramente uma empresamercantilista, mas também e principalmente uma missãoevangelizadora. O catolicismo empenhava-se no esforço de conteros ventos da Contra Reforma que abalavam os alicerces doVaticano. Desse modo o importante não era simplesmenteconquistar impérios, mas principalmente arrebanhar almas aserviço de Deus, na salvação pela fé.

Retomava-se, mais uma vez, a messiânica ideia da fundação doQuinto Império que viria colocar Portugal no mesmo patamar atingidopelos antigos impérios: o Assírio, o Babilônico, o Grego o Romano.Para que esse sonho viesse a se realizar, no entanto, era preciso afirmar-se a hegemonia portuguesa, pela espada e pela oração.

A chegada dos portugueses na Índia e o intenso processo decolonização e catequese que se seguiu, contribuíram para osurgimento de uma arte que incorporava antigos procedimentosa novos motivos criando uma intensa fabricação de imagens demarfim de inspiração cristã, embora fortemente influenciadas,em sua concepção estética, por cânones orientais de representação.

É difícil mensurar a febre evangelizadora de que foramacometidos os missionários que aportavam aos milhares no grandeImpério Português do Oriente. Para se ter uma ideia, só em Goa,a capital desse império, em 1548, Frei Aleixo de Setúbal, em apenastrês anos, ministrou o batismo a 7.000 almas.

Centenas de Igrejas, Centros de evangelização, Conventos,Colégios e Seminários, todos empenhados em difundir a fé cristã

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e arrebanhar o maior número possível de fiéis, foram construídos.Era necessário e urgente proceder-se a conversão do gentio ecertamente uma das formas mais eficiente de introduzi-los noconhecimento da doutrina era através da reverência a imagensque servissem de ilustração às palavras dos missionários.

Mais do que nas ideias, difíceis de propagar sem oconhecimento da língua, o aprendizado, nos primeiros, temposapoiava-se nas figuras. Aproveitando a natural tendência àrepresentação iconográfica dos povos a serem conquistados, aatividade missionária utilizava-se principalmente de imagens dossantos das devoções portuguesas, criando dessa maneira umprimeiro canal de entendimento e aceitação entre povos de culturaaparentemente tão diversa.

A utilização de técnicas e materiais locais, por artesãosautóctones, sob a inspiração cristã ocidental, deu origem a umaproposta especial de arte em que se encontram, integrados,elementos essenciais de cada cultura, fazendo com que nessaspequenas esculturas anônimas, estivessem inscritos os signos dessapretendida comunhão.

A leitura da doutrina era feita de maneira que pudesse serassimilada, ao menos parcialmente, pelos recém convertidos que aospoucos iam tentando uma aproximação entre a nova religião e orepertório de antigas crenças num sincretismo que se torna maisevidente quando traduzido nas características das imagens produzidas.

Como a Metrópole já não conseguisse atender às solicitaçõesvindas das colônias, incrementou-se o aproveitamento das oficinaslocais para suprir a demanda, sempre crescente, de imagens queservissem à catequese.

Essas imagens, produzidas nas colônias da Ásia, principalmenteno Indostão continental e na ilha do Ceilão (atual Siri-lanka),genericamente denominadas, respectivamente, indo-portuguesase cíngalo-portuguesas, evidenciam de forma inequívoca apermeabilidade de culturas diversas, integradas na realização deum objetivo comum de expressão artística.

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A principio denunciando, na rigidez de sua concepção e nostraços fisionômicos, o apego aos modelos orientais, pouco a poucoessas esculturas foram evoluindo para um talho mais livre, maispróximo à estética europeizante, que vai se afirmando através devárias gerações de entalhadores.

O aprimoramento das técnicas, a assimilação dos motivosreligiosos e do espírito da Renascença, que então eclodia na Europa,estão sinalizados em detalhes do vestuário, no desenho dos cabelos,na própria postura das imagens que, a princípio hieráticas, vão sedistanciando cada vez mais do protótipo europeu anteriormenteproduzido segundo os cânones rígidos da Idade Média.

Por inspiração da Contra-Reforma, investia-se na propagaçãodos dogmas do catolicismo, entre eles o culto à Virgem Maria,através da fabricação de milhares de imagens de Nossa Senhora,representada sob as mais variadas invocações, não só naMetrópole, mas igualmente nas colônias nas quais ia-secristalizando uma arte da imaginária que, mais tarde, seriagenericamente denominada de indo-portuguesa.

Além das imagens da Virgem, também foram fartamentereproduzidas na iconografia dessa época, as imagens do BomPastor, com suas peanhas, ricamente trabalhados, e do meninoJesus Salvador do Mundo, assumindo muitas vezes posiçõescaracterísticas da figura do Buda.

A intensa movimentação empreendida entre a Metrópolelusitana e suas colônias, permitiu a expansão do comércio e,consequentemente, a troca de produtos entre os vários portossob a sua jurisdição.

No Brasil a entrada da cultura indo-portuguesa se fezprincipalmente através da Bahia, pelo porto de Salvador, entãochamado de porto da Bahia e daí, seguindo as pegadas naturais dacolonização, foi-se entranhando pelas terras do recôncavo baiano,através do curso dos rios que desembocam neste grande estuário.

Caravelas carregadas de louças, sedas, especiarias e outrosprodutos de procedência das colônias do Oriente, aportavam na

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Bahia, no Brasil, onde se abasteciam de água e víveres e tambémde mercadorias que iriam desembarcar em Lisboa, ao tempo emque supriam a florescente cidade do Salvador das preciosidadestrazidas do outro lado do mundo; entre elas, as imagens de marfimfabricadas nas feitorias do Oriente.

A Bahia do Setecentos foi um importante pólo de comérciodas pequenas esculturas religiosas esculpidas em marfim, que eraempregado igualmente na feitura de pés, mãos e rostos de imagensexecutadas em madeira.

Por suas dimensões, essas discretas preciosidades deveriam reinarem ambientes domésticos, no agasalho dos nichos, em oratóriosparticulares, na cabeceira dos monges, nas capelas, enfim, em todosos lugares onde se fizessem necessárias ao culto e à oração.

Por esse motivo é difícil encontrarem-se imagens de marfimna monumentalidade barroca das igrejas baianas. Uma exceção éo crucificado da Igreja da Misericórdia de Salvador, Bahia, imagemrara pelas suas dimensões, destacando-se soberana entre volutase colunas e dominando toda a capela-mor.

Provavelmente, assim como as imagens, também aqui devemter aportado os artesãos que as esculpiam, mas ao contrário deLisboa, onde se encontram registros de oficinas especializadasno talho do marfim, no Brasil, ao que parece, não existem provasda existência de oficinas para esta finalidade. Talvez tenhaconcorrido para isso, além da dificuldade de aquisição do materiala ser trabalhado, a facilidade com que as imagens podiam serimportadas de seu lugar de origem.

Ao que parece a maioria das imagens fabricadas na Bahia eramfeitas de madeira com rostos e mãos de marfim o que lhes conferiagrande beleza e originalidade. E reconhecidamente os grandesescultores especializados em fabricar imagens em barro cozidode que são notáveis exemplos as imagens de Frei Agostinho daPiedade. As realizações em tamanho natural para guarnecer altaresdas inúmeras igrejas atestam a existência de oficinas e santeirosna cidade do Salvador mas acredito que não havia, como nas

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colônias do Oriente, uma predominância especial na produçãode imagens de marfim

No entanto é preciso salientar que os estudos e pesquisas sobre oassunto são relativamente recentes e não me consta que existamtrabalhos já realizados, ou em andamento, sobre esta atividade, na Bahia.

Desse modo podemos afirmar, embora sem comprovação, que amaioria das peças encontradas no Brasil é de procedência oriental, marcosde um sonho de conquista que, se não se realizou na consolidaçãodo grande império, deixou sua pegadas em quatro continentes.

REFERÊNCIAS

TAVARES E TÁVORA, Bernardo Ferrão de. Imaginária luso-oriental. Coleçãopresenças da imagem - Imprensa Nacional Casa da Moeda. Edição sob osauspícios de comissariado para a XVII exposição europeia de arte, ciência ecultura. Lisboa 1983 - Conselho da Europa.

PAULINO, Francisco Faria (coordenação e textos). A expansão portuguesa e aarte do marfim. Fundação Colouste Gulbenkian. Comissão Nacional para ascomemorações dos descobrimentos portugueses. Lisboa, 25 de junho a 15de setembro de 1991.

WOODHOUSE ,Charles Platten . Ivories - A history and guide. Van NostrandReinhold Company: New York, 1976.

Museu dos Transportes e Comunicação. Arte do Marfim. Porto, 1998. Catálogode Exposição da Coleção de José Luiz de Souza Lima.

Centro Cultural Banco do Brasil - Museu Rio de Janeiro. Arte do Marfim: DoSagrado e da História na Coleção Souza Lima do Museu Histórico Nacional. Catálogode exposição. Rio de Janeiro. De 13 de outubro a 19 de dezembro de 1993.Curadoria e texto Lucila Morais Santos.

Marfins d'Além-Mar no Museu de arte antiga Lisboa. Texto de Maria Helena MendesPint. 1988.

__________Myriam Fraga é diretora da Fundação Casa de Jorge Amado (FCJA), é poetae ficcionista, autora de diversos livros, como Poesia Reunida (2008). Ocupa acadeira 13 da ALB.

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Entre rosas brancas e rubras:“O dia do aniversário de Odete”,

conto de Luis Henrique

Cássia Lopes

Como pensar uma data e o que ela significa para cada face hu-mana? Os marcos de comemoração, de uma maneira geral, sãoatribuídos alheios à vontade do sujeito, referem-se aos dias va-gos, impostos como convenções sociais que podem apenas tra-zer a alegria por ser um feriado ou ainda podem guardar o senti-do celebratório inócuo para aquele segmento objeto de tal episó-dio festivo. Destoando um pouco desse âmbito, encontra-se odia do aniversário. Neste caso em particular, parece haver umsentido simbólico: o do nascimento e, portanto, pede de cadarosto certo contato com o mundo social ou, no mínimo, imagi-nariamente, recorre à lembrança daqueles a quem se atribui ovalor afetivo das amizades e do amor. Por outro lado, essa datatambém pode suscitar do aniversariante a necessidade de refletirsobre sua história, ou mesmo demonstrar o interesse de se evadirda previsibilidade dos gestos e de falas esperadas para esse dia.Por todos esses signos, nota-se uma ambivalência: há quem seentusiasme e crie expectativas em torno dessa data, mas existemaqueles a quem esse dia traz enorme incômodo. É exatamentenesse contexto ambivalente que se insere a riqueza de imagens eos diálogos do conto de Luis Henrique Dias Tavares: “O dia doaniversário de Odete”.

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É impossível reduzir uma biografia a uma simples datacomemorativa, mas este é o desafio a que alguns artistas sepropõem. Como traçar as nuances biográficas a partir apenas deum flash de realidade, no recorte do pão que alimenta o cotidiano?Odete é uma administradora hospitalar que vive sozinha comsua mãe idosa e duas auxiliares domésticas. Ao longo de vinteanos, construiu íntima relação com uma médica ginecologista,chamada Ana, com quem divide seus aniversários há duas décadas:trata-se de uma trama amorosa, suas vidas aparecem emaranhadasno conto, estendendo-se durante uma longa jornada deconvivência que, engenhosamente apresentada em cenas furtivas,deixa ver os limites, a impossibilidade da entrega completa dasamantes.

Os quarenta anos de Odete, personagem do conto, permitemrastrear denso tecido de valores, de cunho psicológico, moral,religioso, político e social em apenas um lapso de tempo. Oepisódio inicia-se às seis horas da manhã e conclui sua trama àsnove e trinta minutos daquela mesma manhã, caracterizando tãobem este tipo de narrativa curta. Nesse breve espaço de tempo,vai ser apresentada ao leitor a travessia de Odete até chegar aosquarenta anos de vida. O aniversário emerge, portanto, comomote para a apresentação da personagem: ela própria édesconhecida para aqueles com quem convive diariamente, eaquela data presume um convite para a redescrição daquelepersonagem diante de seus hábitos.

No ritmo intenso dos telefonemas de Ana, situa-se o enredoda narrativa: entre a rotina das duas amantes e a diferença naforma como cada uma delas vive o sentimento amoroso, no mododiverso de se posicionar frente à outra. Ana mostra-se mais certado seu desejo e assume um andar mais decidido e ansioso emrelação a Odete. Desde as seis horas da manhã, acorda movidapelos preparativos daquele esperado encontro, numa cegueiraimpulsionada pela paixão e pela promessa de felicidade acenadapelo amor: a ânsia de Ana a impede de ver que a amante não

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gosta de acordar cedo, muito menos demonstra entusiasmo pelodia do aniversário. Parece que Ana utiliza um idioma e Odeteoutro, mas elas se mostram inseparáveis, embora uma imaginesaciar a outra com todos os mimos cabíveis às relações amorosasidealizadas.

Baseada em diálogo despretensioso com um amigo médico,Ana constrói a teoria do enlace amoroso a partir dos meandrosda pele: nesse domínio da cútis, duas pessoas podem serdiametralmente opostas, mas se permitem estar distante do dueloe da inimizade; pois como diziam aqueles versos de ManuelBandeira: “Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo/porque os corpos se entendem/ mas as almas não.”1 Aqui, noentanto, mostra-se o conflito: Odete não consegue entregar-secompletamente à outra, ajustar-se a uma cena de abertura paraos segredos guardados, levando Ana a indagar, por instantes, omotivo de o abraço não se desenvolver para um encontro maisintenso e livre entre as duas.

Nesse arco de reflexão, entra um aspecto que vai irrigar a leituradeste conto: o problema do laço, do elo. Torna-se claro que ointeresse do autor não é idealizar uma relação dita homossexualcomo o lugar da diferença absoluta, do exercício de liberdadepara além da lógica patriarcal, numa contraposição simplista aocasamento heterossexual. O escritor leva-nos, felizmente, a rompercom esse binarismo redutor para trazer a complexidade presentenas relações humanas: estas, paradoxalmente, podem libertar eaprisionar ao manter as pessoas nos seus mesmos lugares, quandoencenam os papéis já previsíveis na cena social e, ao mesmo tempo,galvanizam as funções para os atores no palco familiar. Dessemodo, a questão posta sobre a mesa refere-se aos modos deperpetuação dos gestos, a disposição corporal que descansa sobreas mesmas práticas diárias durante anos, as roupas escolhidas àrevelia do desejo de quem dela faz uso; tudo aquilo que se mostracomo âncora e impede o sujeito de revirar as águas de sua históriaindividual e coletiva.

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Por esse ângulo, a ambiência do conto, os signos e as imagensque constituem o aniversário de Odete, sua falta de entusiasmodiante do rosto da mãe e das auxiliares, o vestido dado, a agendaorganizada pela outra – Ana –; toda essa montagem de elementospermite assinalar para uma problemática desenvolvida nessanarrativa: a questão do elo, das relações de poder na rede amorosa,aquilo que leva alguém a estar ao lado de outro no decorrer dotempo. No caso em análise, vê-se que o laço de Odete por Anadá-se menos na esfera da paixão desmedida e mais no abraçocômodo do habitus, sendo aquilo que leva o corpo a perseverarno cotidiano das representações, na hexis da conformação dosgestos, submetidos às limitações impostas pelo trabalho, pela casa,pelo campo social.2 O sujeito, nesse caso, recebe o que lhe dão eaceita todos os presentes como uma maneira simples de suportara existência, de conferir segurança diante dos reveses, dos conflitose das angústias inesperadas.

Nesse contexto de Odete, o elo interpessoal foge a uma análisemaniqueísta; ele não é em si um mal ou um bem, mas traz anévoa da neutralidade. Parece que tudo ali se passa à revelia deOdete, como ela se representa numa determinada posição frenteao mundo, e o desejo vai sendo negado em nome dessa disposiçãopara receber, para acolher o quem vem do outro. A marca daindiferença faz-se constante e leva cada corpo a se orientar noespaço, a se perder no passado, negando ao presente a suacapacidade de atuação.

Se a hexis do corpo é estruturante, por outro lado carrega aforça inibidora, que estaria mais a serviço da perpetuação daespécie e menos da criação. As portas, no entanto, não estãocompletamente fechadas para Odete, porque há a memóriainvoluntária; há o impensado na própria personagem, algo quefoge ao seu controle. Assim, quando ela recebe o ramalhete deAna, ela lembra de separar duas rosas: uma rubra, outra branca,tal como o pai a presenteava costumeiramente. Assim, no presentedado, a memória recorta uma cena do passado, atualiza e revira o

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túmulo do pai na imagem transposta para o médico por quemOdete demonstra, no mínimo, uma relação de transferênciaamorosa.

No quadro pintado para o aniversário, surge um ramalhete dequarenta rosas, em dois tons: rubro e branco, mas a moldura nãoguarda somente a imagem das flores. Delineia-se também umametáfora do que se passava com as duas personagens, imersas eencontradas em suas diferenças; por outro lado, remete ao dadobiográfico de Odete, que costumava receber do pai sempre duasrosas com esses mesmos tons: um sinal profético do queaconteceria em sua vida ou a inscrição de uma marca, insígnia dofeminino que, no seu contraponto, remeteria à inscriçãoinconsciente do signo dito masculino: uma oferenda à filha comosimbologia da feminilidade enquanto construção cultural ehistórica. O certo é que o pai morto reaparece em cena no dia doaniversário de várias formas e não só pela via da memória trazidapelas flores:

Mas, como responder àquele homem que lhe apareceranum acaso (ele era o único médico no hospital na noite emque o pai começava a morrer); àquele homem gentil para quemagora colocava rosas na mesa; como lhe dizer que existia Anae que Ana era tudo?

Com os dedos lambuzados de manteiga, Odete lambeu-os.

Nessa cena, a atmosfera familiar é fraturada pela memóriainvoluntária. No seu trajeto pelo passado, Odete chega à imagemdo médico que havia cuidado do pai no hospital. Esta mesmamemória confere o sentido metafórico para a maneira comoOdete lambe os dedos lambuzados de manteiga, símbolo fálico,a indicar uma nítida montagem erótica, que também acentua aatitude de transgressão diante da imagem da amiga/amante,dedicada e ansiosa, cujo desvelo acaba também por asfixiá-la.Aqui o sujeito perde-se na força de descontinuidade do tempo,

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com a qual se permite ruminar imagens e romper os hábitos nojogo erótico, motriz e transporte para o deslocamento do sujeitofrente a seu desejo.

Odete não abre o cartão preso ao ramalhete, gesto silencioso,revelador da previsibilidade e do descaso diante da médica amante.O desenho do enamorado revela-se mais em Ana, na sua vontadede agradar, na sofreguidão em possuir o outro, enquanto Odeteenreda a fantasia erótica, no espelho da própria imagem que afaz desejar outro, que não Ana. Assim, revela-se o conflito, aambivalência apenas vista pelo leitor. Há uma representação queOdete assume para Ana: ela declara que nunca se envolveu comhomens, mas a travessia pela narrativa demonstra o contrário: jáhavia se envolvido com um amigo do pai e foi ao apartamento aconvite dele:

Ele fora gentil. Mas a despira com rapidez e a carregarapara o pequeno sofá ao pé da parede. Despira-se também,mas se mantivera de cueca. E ali, naquele apartamento, quandoo homem não fugira à urgência, ela trançara as pernas. Eleejaculara sobre suas coxas. Como todos os outros...

Sem emendas, como a túnica inconsútil usada pelospersonagens próprios a contos bem elaborados, é formidávelandar pela maneira como o escritor costura tão bem as cenas e asimagens, ao explorar de forma laboriosa as ambiguidades dasmontagens narrativas, levando o leitor a se surpreender e a pensarde outro modo. O pai de Odete não aparece simplesmente comofantasma, mas como inscrição que traz as suas identificações emodulagens culturais. O pai está morto, porém vivo na memóriainvoluntária; já a mãe apresenta-se corporalmente viva, fala e secomunica em dia do aniversário de Odete, contudo se mostranegada, desqualificada no quadro de idealizações afetivas da filha.Observa-se, dessa maneira, um jogo de ausência e presença, queremonta também ao conflito da personagem: o que está na ordem

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do possível é negligenciado ou pouco vivido – enquantopossibilidade real de usufruto da presença do outro –, no entantoo que se mostra ausente – o pai, o médico – são trazidosimaginariamente como maneira de ativar e se consumir no desejoirrealizável.

Se a união das amantes dá-se geralmente sob o crivo doerotismo, numa luta constante contra a morte e ativação davontade de viver o desejo, por outro lado o erótico, segundoGeorge Bataille, ativa também o signo da morte ao se tentar serum com o outro: “parece a quem ama que só o ser amado pode,neste mundo, realizar o que os nossos limites proíbem, ou seja, aplena confusão entre dois seres, a continuidade entre dois seresdescontínuos”.3 Assim, Ana move-se pelo impossível, o quererpossuir Odete, um acordo irretocável de vidas aleatórias, fusãopretendida em meio às condições familiares desconhecidas quelevam a outra a seu total desconhecimento.

Nessa angústia própria das amantes, Ana aposta na forçapersuasiva dos hábitos construídos durante vinte anos: a exigênciados corpos decorre também de uma prática contínua vivida nocotidiano, muito embora traga a ameaça súbita da separação. Ohorizonte mostra-se inseguro exatamente quando as relaçõesperseveram, sem que se abra o campo de atuação para aqueleque vive o relacionamento amoroso: assim, a trama daspersonagens descortina o declínio da cultura do binômiohomossexualismo/ heterossexualismo para, justamente,ultrapassar a cartografia dos preconceitos que se alimentam destadicotomia e, nesse acorde narrativo, ampliar o exercício deliberdade de diferentes personagens, para além deste conto,tirando-as do solo da estagnação.

Se o lume do desejo alimenta-se, para alguns viventes, de umaimpossibilidade, o conto retorna a reflexão quando estaimpossibilidade também é construída por fatores históricos, deidentificações que impedem a esfera de atuação do desejo nasíncope da fala, no estado de ausência diante também das cenas

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oferecidas pelo drama familiar. Assim, o jogo do aniversário deOdete afirma-se entre a ausência/presença do pai morto –expresso no desejo declarado de visitar o túmulo do pai – e amãe viva e, ao mesmo tempo, morta, rejeitada no descaso deseu delírio, muitas vezes lúcido. Assim, dá-se um conflito naordem do familiar e do cultural que ecoa na escolha amorosa deOdete.

Não se trata de mergulhar nas profundezas desta personagem,numa análise interminável, para identificar suas nuances histéricas.É apenas um flash de uma vida com toda a sua complexidade,uma história alcançada não só pela indagação de sua biografia,pela reflexão entre a atividade sexual e a atividade erótica, naeliminação dos preconceitos enraizados culturalmente, mas setrata de ver como as mãos do imaginário, neste conto – estaimagem das mãos é bem explorada na narrativa – encenam o seuconflito. A metáfora do côncavo das mãos se por um lado traz otema da ausência, a dobra uterina, enquanto construção ontológicado sujeito historicamente forjado como feminino, por outro ladotraz, nos dedos, o tema da presença do falo. O falocentrismocompulsório, entendido atualmente nas suas relações de poder erequisitado pela revisão de preceitos e normas que acabam sendocolocadas criticamente pelo conto.

Assim, o desfecho da narrativa, na imagem desconcertante erisível do “dedo de Deus” é uma saída extraordinária, não só portrazer a denúncia ao folocentrismo: o dedo de Deus como marcado impessoal, o símbolo do patriarcado universalmente aceito écorroído pela vertente irônica e cômica apresentada ao final doconto. A resposta de Ana ao pedido de Odete mostra-se em umjogo alegórico que ultrapassa a dimensão da cena narrativa, porsaber atestar não apenas como a categoria “dedo de Deus” estápresente no arquivo daquele corpo de Odete através de discursosconstruídos pela cultura: a religião, a família, antropologia queresgata o Totem da horda primeva, a anatomia estudada na clínicamédica, de que Ana, enquanto ginecologista, tenta rastrear e

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subverter; sim, há isso, mas há a comicidade que desbanca todoesses preceitos legitimados.

Enfim, o conto é um outro almoço posto sobre a mesa; é rico,instigante, exatamente porque traz a noção instável sobre asrelações amorosas e sociais, revê naturalizações discursivas aoafirmar o corpo enquanto arquivo histórico, mas que traz não sóo passado inscrito, mas o impensável. O corpo que abre as portaspara promessa de um futuro, mais heterogêneo, nada binário eque traga a transfiguração de valores pela arte, pela via dacontingência da linguagem, da ironia e por meio da criação deum outro vocabulário. A arte de narrar presente no conto deLuis Henrique Dias Tavares aponta para esta direção: não aconvergência de verdades já instituídas, retomadas nasacomodações dos hábitos e dos monopólios interpretativos, masaposta na imaginação, nas integrações de outras performances:uma maneira bem diversa de entender as datas de aniversário.

NOTAS

1BANDEIRA, Manuel. A arte de amar. In: Estrela da vida inteira. 17 ed. Riode Janeiro: José Olímpio, 1990, p. 185.

2 COELHO, Teixeira. A cultura e o seu contrário: cultura, arte e política pós-2001. São Paulo: Iluminuras, 2008. p. 28-29.

3 BATAILLE, George. O erotismo. Trad. João Bénard da Costa. 3. ed.Lisboa:Antígona, 1988. p. 19.

Cássia Lopes é ensaísta, cronista, Professora Adjunta do Instituto de Letrasda Universidade Federal da Bahia. Este texto resulta da sua apresentação naAcademia de Letras da Bahia, no evento Encontros Literários, acerca doescritor Luis Henrique Dias Tavares, em 6 de novembro de 2009.

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Tão frágeis somos! Frágeis e imensos.Antonio Brasileiro

A contradição é a condição do poeta moderno. Os poetas damodernidade não mais habitam o mundo etéreo, nem tampoucousam halos, pois estão imersos no fértil turbilhão das ruas.

Assim é o poeta Antonio Brasileiro, poeta de muitas faces ehomem de muitas artes que apresenta na sua obra poética umareflexão lírico-filosófica acerca de um dos motivos literários maiscantados na literatura ocidental, o desconcerto do mundo. O poetaexplora em sua obra a tentativa vã de compreender a dinâmicado mundo. Filiando-se à tradição camoniana, a sua poesia refletemuitas vezes sobre a instabilidade do mundo e a fragilidade dacondição humana, sendo que essa só pode ser superada pela magiada arte.

Daí a marca da metalinguagem na obra do autor, ele sabe quea contribuição do artista para os homens comuns é justamente asua obra, ainda que incompreendida, ainda que seja um pobreelefante, ainda que seja inútil a poesia...

O poeta se sabe gauche, se sabe deslocado das engrenagensvigentes. Porém, como não mais habita o Parnaso, ele convivecom os outros homens, mas não como os outros homens, asdiferenças são divisores de água, ainda que imperceptíveis, comofica claro no poema Divisor de Águas1 (A pura mentira, 1984):

Um concerto ao desconcertodo mundo

ou: Antonio Brasileiro, universal

Alana de Oliveira Freitas El Fahl

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Prezados senhores, somos todosda mesma cepa se vistos de binóculos. Mas não somos os mesmos.

Eu, com meus poemas indecifráveisvós, com vossas gravatas coloridaseu, com esta consciência de mimvós, com vossa mesa fartaeu, buscando o sempre inatingívelvós, com vossas gravatas coloridaseu, meditando muito sobre vósvós, com sua mesa farta.

Não somos da mesma cepa, mas vistosde binóculo somos os mesmos. Eis uma grande injustiça.

O poema acima funciona como uma teoria sobre a condiçãodo poeta no mundo moderno. Vivendo os mesmos reveses dosmortais comuns, mas com a maldição de pensar demais sobreaquilo que os outros querem esquecer.

Brasileiro constrói de forma suave uma espécie de cosmologiado mundo moderno, com seus dramas e sonhos, obviamente nãoergue verdades, pois como ele mesmo já poetizou, a verdade é umasó, são muitas...

Segundo Otávio Paz2, a poesia moderna reside na tensão entrea analogia e a ironia, sendo a primeira ecos do pensamentomítico, resquícios de um universo de correspondências. Já asegunda, a própria consciência da finitude humana a forja, équando o homem se dá conta da sua condição limitada demortal.

Essa dialética se faz presente na poética do autor, ao dedilhara sua lira, ele busca a compreensão do ser-estar no mundo, nos

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revelando algumas verdades, por vezes relacionadas às mitologiascomo no poema Camelot (Licornes no quintal,1989):

Richard Burton acaba de morrer. Foi pela manhã. Ou à tarde. Não importa.

Um ídolo morre a dez mil léguas de mim e está tudo muito bem. Errado fui eu em idolatrar.

Não falarei do ilusório que é tudo. Apresso-me em viver, só isso. Recolho-me à minha mesa Abro o caderno e escrevo escrevo escrevo escrevo: sim, eu passarei, meus versos não.

Ó ilusão mínima, ração necessária para continuarmos.

É interessante no poema a sua construção perfeitamente claraentre a analogia e a ironia. O título Camelot nos remete aos mitospretéritos, reflexo de um mundo analógico que sobrevive nopresente, não mais idealizado pelos heróis das novelas de cavalariasmedievais, mas sim pelos astros do cinema, uma das nossasmitologias modernas.

Porém, a ironia surge com força no conteúdo do poema queconstata a nossa finitude, a nossa condição imperfeita. Sempreameaçados pela indesejável das gentes, não resta mais o que fazerao poeta, senão escrever, esse é o seu legado à humanidade, raçãonecessária para continuarmos...

Essa mesma relação também se revela no poema Sísifo e aLágrima (Cantar da amiga, 1996), no qual o título já denuncia a

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descrença nas utopias, ao atribuir a fraqueza humana, lágrima, aomito, Sísifo, símbolo do eterno sacrifício da travessia humana,como podemos ver no poema:

Há coisas que não decifro. E nem por isso sofro.

Estar no mundo é que é odifícil.

O sol é uma bola imensa Eu, pó de mésons

Em torno a mim nenhuma só tormenta.

A tarde é linda, pássarosChilreiam. Na radiola

Uma sonata para o violinode Bach.

Neste poema, mais uma vez, a consciência da incompletudehumana retorna. Como sugere Hugo Friedrich3, o homemmoderno vive sob o reino de uma idealidade vazia, e nesse casosó o canto, seja ele dos pássaros, de Bach, ou da própria poesiapode esvanecer suas dores. A poesia moderna se sabe imperfeitana tentativa de ler a complexidade do mundo, todavia ela cantajustamente esse limite, esta tensão, essa impossibilidade.

O poema moderno não mais pode soar como um acalanto,como uma ode, ele faz parte de um mundo fragmentário, de ummundo adverso, de um mundo desconcertado, e como não hácomo consertá-lo, só lhe resta fazer um concerto para ele, e paraaqueles que ainda são capazes de aprecià-lo, ainda que esteconcerto venha na forma de um Poemeto (Cantar de Amiga, 1996):

Não há o que temer Nem aplaudir.

O que somos é só Este fremir. Parte de mim é bela.

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Parte é aquela vontade de fugir.

Este Poemeto de Brasileiro representa um dos poemas maissignificativos dessa longa tradição de tentar decifrar os códigosda máquina do mundo, atestando a condição que para T.S.Eliot4

deve possuir um grande poeta, ou seja, tradição e talentoindividual.

Porém, como podemos ver, o livro do mundo é indecifrável,mas nele o nosso poeta também imprimiu seus versos. Tambémcompôs seu homem, para recitá-lo perante os outros homens.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 Todos os poemas do autor aqui citados estão reunidos na suaAntologia Poética. Salvador: Casa de Jorge Amado; Copene, 1996.

2 PAZ, Otávio. A nalogia e Ironia – in Os Filhos do Barro. Trad. OlgaSavary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

3 FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna; da metade doséculo XIX a meados do século XX. Trad. Marise M. Curioni eDora F. Da Silva. São Paulo: Duas Cidades, 1978.

4 ELIOT, T.S. A Essência da Poesia. Trad. Maria Luiza Nogueira. Riode Janeiro: Arte Nova, 1972.

____________Alana de Oliveira Freitas El Fahl é Professora de Literatura Portuguesa daUniversidade Estadual de Feira de Santana, é Doutora em Teorias e Críticasda Literatura e da Cultura (UFBA) e Mestre em Literatura e DiversidadeCultural (UEFS).

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Aleilton Fonseca:o engenho do faz-de-conta como

aprendizagem da vida

Rita Olivieri-Godet

“Eu narro, no gosto de contar o causo, até melhor que arealidade. A cura de tudo é o jeito de contar. Acredite se quiser,até no faz-de-conta a gente aprende o que é a vida”, afirma anarradora de Nhô Guimarães,1 revelando o que para mim constituio cerne do processo de criação de Aleilton Fonseca, a alavancaque o impulsiona a escrever: narrar para ir além do sem sentidoda vida, imprimindo-lhe a força da descoberta do novo nas nossasretinas tão fatigadas (tomando emprestado a expressão ao poeta),transformando o ato de narrar, a um só tempo lúdico e sofrido,na essência mesmo da experiência de aprendizagem da vida. Claroque a literatura e a arte de uma maneira geral conduzem o serhumano a fazer esse tipo de experiência, mas o que quero ressaltaraqui é o lugar central que esse modo de conceber a literaturaocupa na obra de Aleilton Fonseca. Além de constituir suamotivação primeira, desdobra-se na temática e na arquitetura daobra, como revela a dimensão metadiscursiva de sua narrativa e oestatuto particular do narrador que aponta para o entrelaçamentoentre experiência e escrita.2

A edição bilíngue da antologia de contos As marcas do fogo &outras histórias deste jovem escritor brasileiro, nascido na Bahia em1959, permite que leitores brasileiros e franceses mergulhem num“tempo de vivências” que os leva a usufruir plenamente de umaexperiência única: o prazer que emana de um texto literário cuja

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fatura explora, com maestria, o poder mágico da linguagem e osartifícios da arte de narrar. Para os leitores franceses, a edição deLes marques du feu (Paris: Lanore, 2008), em tradução de DominiqueStoenesco, foi oportuna por permitir o contato com a obra de umescritor que cada vez mais vem se firmando no cenário artístico deum país que prima pela qualidade e pela originalidade de suaprodução literária. Para os leitores brasileiros, o reencontro comesse conjunto de contos rigorosamente selecionados por um leitorestrangeiro pode igualmente levar a novas descobertas que o prazerde reler bons textos sempre proporciona. Poeta, contista eromancista, Aleilton Fonseca é também professor de literaturabrasileira e crítico literário, além de editor da revista Iararana - revistade arte, crítica e literatura (Salvador).

Sabe-se que um grande escritor é antes de tudo um bom leitor.Aleilton Fonseca busca estabelecer na sua obra um diálogoprofícuo com a tradição literária universal. Cultiva com talento aherança do gênero do conto, tanto na sua forma tradicional epopular, marcada pela importância da intriga que se deixaatravessar pela oralidade, quanto pela herança moderna que semanifesta, sobretudo, na perda da inocência do ato de narrar, nadimensão poética e/ou ensaística dos textos, na arquitetura enxutados seus contos, assim como no relato de fatos aparentementeanódinos para deles extrair a dimensão oculta significativamenteexistencial e até mesmo metafísica, à maneira de um Machado deAssis. Dessa conjunção de tradições surge um texto original.Apoiado numa engenhosa construção da intriga – inspirada nomodo tradicional de narrar próprio das fontes populares quealimentam o universo do autor – pontuado por um metadiscursoque reflete sobre o modo de narrar, o texto explora dessa maneiraa natureza das relações entre o real e a ficção. Daí decorre odesdobramento do narrador característico de um númeroexpressivo de contos nos quais um narrador letrado compartilhao narrar com um narrador iletrado que lhe transmite o “causo’ aser narrado, ou a vivência que vale a pena ser evocada. Em vários

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textos, ouve-se apenas a voz do narrador iletrado que dirige apalavra a um interlocutor urbano reduzido ao silêncio, mas cheiode admiração pelo que vai descortinando através do caso narrado.À sua maneira, o escritor busca realizar a síntese entre osimaginários arcaico e moderno que moldam referentes identitáriosdiversos e constituem o patrimônio cultural do Brasil.

A maior parte dos relatos são apresentados como oriundos devivências do autor, inserindo no universo ficcional a figura doescritor enquanto personagem, recorrentemente representadocomo um viajante à procura de vivências e conversas, em buscade “um conto que [eu] pudesse escrever” (“Jaú dos bois”). Essaflutuação de instâncias ficcionais que tende a abolir as fronteirasentre autor, narrador e personagem, além de refletir sobre o lugarda enunciação e a identidade complexa de quem a assume,preocupação característica da narrativa contemporânea, faz comque a voz que emana do texto circule tanto nos espaços de tradiçãooral e popular do interior do Brasil como nos da modernidade,traduzindo experiências, olhando criticamente as novidades dacidade grande e dos hábitos modernos. Essa é a perspectivatrabalhada no conto “O desterro dos mortos” que, com ironiasutil, questiona “a lógica dos procedimentos e da forma de morrermodernos”. O conto examina, sob aspectos diversos, o caráterinexorável da morte, um dos temas centrais da obra do escritor.

Artífice e mago, Aleilton Fonseca explora aspectos de umimaginário arcaico que aflora numa linguagem rica emneologismos e ancorada numa sintaxe inusitada, na trilha docaminho inaugurado por João Guimarães Rosa, a exemplo dotexto “Nhô Guimarães” que encerra As marcas do fogo & outrashistórias. Numa linguagem extremamente inventiva e saborosa, otexto realiza um reaproveitamento lúdico dos dados biográficosdo escritor mineiro, faz uso de procedimentos narrativos própriosde sua obra, explora as relações entre experiência e relato.Consegue dessa maneira recriar uma atmosfera rosiana num textoque não é mais de Rosa, radicalizando assim o diálogo intertextual

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na experiência de falar o outro sem ser o outro. Texto que nosleva a refletir sobre a própria identidade da voz autoral e sobre asquestões levantadas por T. S. Eliot no ensaio em que discute asrelações entre talento individual e tradição literária.

Sua obra dialoga igualmente com a tradição literária baiana eé possível ler nos seus contos alusões explícitas e implícitas, àsobras de escritores como Castro Alves, Herberto Sales, ou JorgeAmado. Um procedimento caro ao menino grapiúna amadianoencontra-se na referência ao menino que observa e testemunhafatos que serão relatados pelo “narrador do futuro”, no conto“O canto de Alvorada”. Um dos elementos centrais que as obrasde Jorge Amado e Aleilton Fonseca compartilham consiste nofato de se alimentarem de experiências vividas junto acomunidades ancoradas em tradições populares e de se colocarem,enquanto sujeitos escritores, como mediadores dessas vivências.Homens urbanos, modernos, mas que trazem em si as marcasdessas referências culturais, sujeitos culturalmente híbridos queconstroem suas obras a partir de conexões que estabelecem entreas culturas acadêmica e popular.

Aleilton Fonseca explora a memória literária partindo de umesteio sólido para inaugurar uma voz própria, demarcando-secorajosamente dos modismos que afetam uma certa produçãoliterária contemporânea que se compraz em participar do universoda encenação espetaculosa. Eu diria que diante da vulgaridade eda banalidade que tomaram conta de um determinado tipo deprodução “pós-moderna”, a narrativa de Aleilton Fonseca podeparecer anacrônica. No entanto, em vez de ser visto como umdefeito, esse traço pode ser um mérito: estar em desacordo com osusos e costumes de uma moda imposta pela lógica do mercado,que corresponde, na verdade, aos usos e costumes de nossa época,é para mim, uma atitude louvável.

Buscando o efeito oposto ao do impacto chocante ou ao dasemoções de superfície, a narrativa de Aleilton Fonseca constrói-se quase em surdina, com extrema delicadeza e apurada

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sensibilidade. Alguns contos perseguem particularmente aintensidade da aura poética. É o caso de “O sorriso da estrela”no qual a lavra lírica do discurso penetra no mundo das fantasiasinfantis e das brincadeiras inocentes, instaurando uma atmosferaonírica que contrasta com a dureza da realidade e a dor da perdade um ser amado. O estranhamento provocado pelo imaginárioinfantil e delirante da menina Estela remete para a abrangênciado espaço mágico da ficção, para a capacidade que esta tem decontemplar “a vontade de se ampliar”3, alargando a percepçãodo sujeito e levando-o a ultrapassar o horizonte do possível.

Em contato com a obra de Aleilton Fonseca, nós, leitores“pós-modernos”, redescobrimos encantados que o mundo éplural, a realidade é múltipla e que um outro modo de olhar omundo é capaz de nos fazer enxergar qualidades e valores doser humano que se fazem cada vez mais raros no nossoquotidiano de simulacros de emoções. De repente nosredescobrimos sensíveis, através dos personagens dos contosdo escritor baiano, seres capazes de amar intensamente e decultivar sólidas amizades, pessoas solidárias que se emocionamcom as coisas simples da vida, que sofrem com as perdas, masque aprendem com elas, gente capaz de vasculhar a memóriado passado para reviver momentos excepcionais, de dor ou deprazer, incorporando-os ao presente, redimensionando o tempo,personagens que se abrem para o espaço do sonho. Mas atenção,não se trata de uma visão idílica da condição humana. Em vezdisso, o que Aleilton Fonseca projeta no seu universo ficcionalé uma visão complexa, pluridimensional do ser humano. Assimpor exemplo, o conto “O canto de Alvorada”, centrado no relatode uma rinha de galos, encenação alegórica do potencial deviolência próprio da condição humana, afasta-se darepresentação estereotipada e linear característica da atual formade tratamento dessa temática, restabelecendo a dimensãocontraditória inerente a todo ato humano. Fica evidenciado oefeito especial que o conto explora a partir de registros

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contrastantes. O realismo cru das descrições da briga dos galose das manifestações violentas da plateia alterna com o registrolírico característico da evocação do amor desmedido que osdonos nutrem pelos seus galos. O mesmo lirismo é utilizadopara lembrar o respeito que os protagonistas demonstram terpor um ritual que lhes foi ensinado pelos seus pais e que setransforma assim num legado afetivo e cultural.

O narrador dos contos de Aleilton Fonseca vai construindopontes entre o espaço público e o espaço íntimo do sujeito. Em“As marcas do fogo”, a viagem baudelairiana que o narrador-personagem realiza pela paisagem urbana de Salvador é duplicadapela viagem interior provocada pelo encontro inesperado dapaixão. O lirismo emerge na evocação da paisagem urbanavislumbrada por um “viajante na sua própria terra”, um flâneurque se abandona docemente ao acaso e acaba descobrindo osturbilhões da paixão. Nos contos desse autor, a viagem no espaçoe no tempo, revolvendo o “velho baú de lembranças”, constitui amatéria da escrita que surge como um espaço de mediação a partirdo qual o sujeito interroga o mundo e se auto-questiona. Instaura-se assim um fluxo contínuo entre a experiência vivida que dáorigem ao texto e o texto que alimenta e busca o sentido da vida.Afinal, a vida é o que se pode contar, ou, melhor dizendo, é o quemerece ser contado. Vida e relato encontram-se assiminextricavelmente entrelaçados, cabendo à memória ocupar umlugar central nesse processo de (re)construção de sentidos que onarrador faz questão de compartilhar com o leitor.

“Nem toda experiência que se vive merece uma narrativa”,afirma o narrador benjaminiano de “As marcas do fogo”, históriade amor que também pode ser lida como uma mise en abyme dopróprio processo de criação literária tal qual o autor o concebe.Escavar a palavra para transformá-la em experiência rara, eis oque persegue Aleilton Fonseca, consciente de que narrar e viverse assemelham nas escolhas perigosas (no sentido rosiano) quenos impõem para vivenciar experiências plenas.

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NOTAS:

1 Texto incluído na edição bilíngüe (francês/português) da antologia de contosAs marcas do fogo & outras histórias que faz parte do romance homônimo escritoem homenagem a João Guimarães Rosa, lançado em 2006.

2 Sobre o papel do narrador nos contos de Aleilton Fonseca e sua vinculaçãocom a perspectiva teórica desenvolvida por Walter Benjamin no seu célebreensaio, remeto ao posfácio intitulado “O conto de Aleilton Fonseca: apermanência do narrador”, de autoria de Rita Aparecida Coelho Santos, inAleilton Fonseca, O desterro dos mortos, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001,p. 113-121.

3 “As marcas do fogo”.

Rita Olivieri-Godet é Doutora em Letras (USP), com Pós-Doutorado naFrança, é professora titular de Literatura Brasileira na Universidade Rennes 2(França), tem diversos artigos e livros publicados no Brasil e na França. Éautora do ensaio premiado pela UBE-RJ, Construções identitárias na obra de JoãoUbaldo Ribeiro (2009).

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O nervo do conflitoFenecimento e vitalidade na poesia

de Ivan Junqueira

Ricardo Vieira Lima

A morte, enquanto símbolo, representa, em regra, o perecimentoe a destruição da existência. Ela designa o fim absoluto de todasas coisas. Mas é também a introdutora ao mundo desconhecidodo Inferno ou do Paraíso. Nesse sentido, ela é revelação eintrodução. Filha da noite e irmã do sono, a morte desde sempretem sido objeto das reflexões dos homens nos campos científico,religioso, filosófico ou artístico.

Sob outro aspecto, em todo ser humano, durante todos osseus níveis de existência, simultaneamente coexistem a morte e avida, configurando uma tensão entre duas forças contrárias. É apartir dessa tensão que a morte adquire um sentido iniciático derenovação e renascimento. Mors janua vitae (a morte, porta davida). E é dessa tensão, desse “nervo do conflito”, enfim, que seabastece e se funda a singular obra poética de Ivan Junqueira.

Conquanto os quatro temas básicos dessa poesia sejam a tensãomorte/vida; o fluir do tempo; o amor (relacionado sempre a umsentimento de perda) e a arte (com destaque para a metapoesia),é sobre o primeiro tema que o poeta mais tem se debruçado, aolongo de uma carreira de mais de 40 anos e de 11 livros de poemas

mas quem te contemplasse saberiaque eras enfim o nervo do conflito

Ivan Junqueira(Soneto “XIII” A rainha arcaica )

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publicados (incluindo-se, nesta contagem, duas reuniões de obrae duas antologias). Não por acaso seu livro de estreia chama-seOs mortos e sua obra mais recente, O outro lado. Com efeito, a maiorparte de seus poemas trata desse tema, direta ou indiretamente, oque tem levado a crítica, de uma forma geral, a considerarJunqueira como “o poeta da morte”. Acrescente-se o fato deIvan fazer uso frequente de um vocabulário arcaico e erudito,opção esta que, aliada à aparente morbidez de seus versos,aproxima-o, inevitavelmente, de um poeta como Augusto dosAnjos. Mas tal aproximação, contudo, não deve ser feita semrestrições. Enquanto “o poeta do Eu” canta a putrefação da carne,Ivan Junqueira, mais contido e mais metafísico, lamenta comfrequência a existência da morte, fazendo de sua própria poesiaum autêntico libelo à vida.

Por essa razão, não compactuamos com aqueles que conside-ram o autor de O grifo “o poeta da morte”. Ao contrário, faze-mos coro com o poeta e ensaísta Ruy Espinheira Filho, que, ana-lisando a poética junqueiriana, saudou a “arte de um poeta ma-duro que fala do que deve falar a arte: da vida. Porque é dela quefalamos quando o tema é a morte.”1

Não obstante Junqueira seja um poeta abrasado, obcecado etorturado pela unidade2, de acordo com a certeira observação dopoeta e crítico Marco Lucchesi, sua percepção da tensão morte/vida sofreu mudanças significativas com o passar dos anos. As-sim, constatamos que a poesia de Ivan Junqueira divide-se emquatro fases.3 Na primeira, a que chamamos “O poeta é maiorque a morte”, a ideia de fenecimento, para o jovem Ivan, é algoque não o atinge diretamente, já que na sua poesia inicial, comoseria de se esperar, a morte é sempre a alheia. Uma década maistarde, sobrevém a fase “A morte é maior que o poeta”, na qualJunqueira adquire a consciência da efemeridade de sua própriavida, o que geraria o famoso tom de lamento, que, a partir dessaépoca, passaria a ser uma das marcas mais evidentes do seu ofí-cio poético. Na terceira fase, iniciada com o advento de A sagração

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dos ossos, Ivan afirma que “A vida é maior que a morte”, uma vezque a arte é maior que a morte e, se arte é vida e é produzida pelohomem e destinada a eternizá-lo, então o homem, repleto de vida(ou de arte), suplanta a morte. Em sua quarta e atual fase, o poetadescobre, enfim, que morte e vida se equivalem, pois são apenasfaces de uma mesma moeda.

A seguir, analisaremos, detalhadamente, cada uma das fasesacima citadas, as quais configuram, em conjunto, a tensão vida/morte, “nervo do conflito” da poesia junqueiriana.

1a fase: O poeta é maior que a morte

“Os mortos”, primeiro poema do primeiro livro - homônimo,aliás - de Ivan Junqueira, é prova de que, na época, a morte, parao poeta, era sempre a alheia. Inspirado no poema “A mesa”, deCarlos Drummond de Andrade (autor que exerceu grandeinfluência na poesia junqueiriana), o eu-lírico, no texto de Ivan,dirige-se a determinados mortos (no caso de Drummond, todavia,o único destinatário é o pai do narrador). No poema do autor deSentimento do mundo, o que deveria ser um sobrenaturalbanquete, torna-se um acontecimento afetivo e coloquial. Já notexto de Ivan Junqueira, prevalece um certo tom de mistériometafísico, que, logo de início, confere ares de gravidade ao poema:

Os mortos sentam-se à mesa,mas sem tocar na comida;ora fartos, já não comemsenão côdeas de infinito.

Quedam-se esquivos, longínquos,como a escutar o estribilhodo silêncio que deslizasobre a medula do frio. (p. 16)4

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Um dado curioso, já revelado em entrevistas pelo poeta, é ode que “os mortos” em questão foram, sobretudo, pessoas comas quais Ivan ligou-se literária e espiritualmente, no início de suatrajetória: os escritores Aníbal Machado (à memória de quem olivro é dedicado), Hélcio Martins, Odylo Costa, filho, Otto MariaCarpeaux e Willy Levin. O poeta não os nomeia em seu texto,mas roga

Que se revelem, definamos motivos de sua vinda.Ou então que me decifremseu desígnio: pergaminho. (p. 17)

De todo modo, como já dissemos, a morte, nessa primeirafase, é menor que o poeta, o qual parece não acreditar, de fato,no fim da existência humana do artista:

Quem serão estes assíduosmortos que não se extinguem?De onde vêm? Por que retinemsob o pó de meu olvido? (p. 17)

Essa convicção se mantém ao longo de todo o livro, como nocaso do poema “Sonho”. Nesse texto de alta carga metafórica,Ivan inaugura seu bestiário com a figura do pássaro, que na líricajunqueiriana representa a vida, a liberdade. Ou a poesia. Mas opássaro do poema é feito de cinza, e logo sua carne agoniza e édissolvida por um golpe de vento. O poeta, porém, não seconforma e resolve agir:

Rápido, semeio tua lembrança na concha de uma onda,onde a contemplo sob as águas em colóquioe onde, liberto de fórmulas e palavras,

fecundo a solidão com o pólen de meu júbilo. (p. 23)

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O último verso, isolado do restante do poema, ressalta a atitudedo eu-lírico perante o fenecimento do pássaro: ao fecundar asolidão com o pólen de sua alegria, o poeta busca recriar a vidaque se perdeu.

Em outros poemas de Os mortos (1964), a exemplo de“Crônica”, “Ritual” ou “Baladilha”, a morte, quando inevitável,é sempre a alheia - ora tragando uma criança inocente, ora a amadado poeta. Não obstante, no antológico poema que encerra a obra,intitulado “Signo & esfinge”, Ivan olha para si mesmo e, aoautoanalisar-se, compõe esta que é uma das mais belas estrofesda língua portuguesa:

Toda esfinge exibe um signovisível de seu enigma,embora quem o pressintajamais lhe decifre a escrita. (p. 55)

para no final reafirmar sua vitória sobre a morte, e concluir:

Frente à esfinge, a sós contigo,a tudo então renuncias.Agora, sim: tábula prima,abre-se o enigma. És infinito. (p. 57)

No livro seguinte, Três meditações na corda lírica, escrito em 1968,mas publicado somente quase dez anos depois, em 1977,Junqueira, confessadamente influenciado pelo T.S. Eliot dos Fourquartets (traduzido por ele em 1967), a partir da própria epígrafeescolhida, pinçada de Burnt Norton, reflete sobre o fluir do tempo.Contudo, não deixa de lembrar que

O que passou [...]mais vivo está que toda essa harmoniade chaves e colcheias retorcidas (p. 60)

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onde o poeta, ainda “maior que a morte”, percorre o

caminho que retorna ao limo, à finalimalha do que é findo e ainda respirapara depois, o mesmo, erguer-se a ti,ao que serás, porque estás vivo aqui,agora e sempre, antes e após de tudo. (p. 61)

E, se “Tudo se move e muda nesta esfera, / onde amor aglutinae ódio esfacela (p.61) / [...] a condição do ser é não ser término”(p. 64; o grifo é nosso), mensagem predominante da primeirafase da poesia de Ivan Junqueira.

2a fase: A morte é maior que o poeta

Escritos entre 1969 e 1975, mas divulgados apenas no volumeA rainha arcaica (1980), os oito poemas que formam o conjuntode textos intitulado Opus descontínuo, se por um lado nos dão aimpressão, a partir do próprio título do bloco, de que carecem de“sistematização e de coerência interna”5, para o leitor mais atento,todavia, o que avulta é justamente o oposto: com efeito, há umanotável unidade que permeia praticamente todos os poemas dasérie. Logo, acreditamos que a descontinuidade em questão refere-se, em verdade, à mudança (consciente ou não) da weltanschauungdo poeta, em comparação com a fase anterior de sua própriaobra.

Em Opus descontínuo, a epígrafe que antecede os poemas jádemonstra isso. Retirada do livro bíblico de Ezequiel (VII, 25),sua mensagem é desoladora: “Vem a destruição; eles buscarãopaz, mas não há nenhuma.”

O poema que abre essa pequena série, “Carpe diem”, inspiradona famosa máxima latina, incita o leitor, portanto, a “aproveitar omomento”, já que

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toda a esperançaó ave implumecega e tortaé sempre esperasem resposta

E o tempo cruza lento a noite morta (p. 69)

A ideia de finitude das coisas prossegue nos poemas “O cofre”,“Canção estatuária” e “Alta, a rainha”. Esses textos, notadamenteo segundo, antecipam o admirável ciclo de quatorze sonetos queconstituirá A rainha arcaica, conforme veremos adiante. E atestamque o poeta já possui uma nova consciência: sabe que não é maiorque a morte. Senão, vejamos. No primoroso soneto decassilábico“Quase uma sonata”, o eu-lírico dirige-se à amada: “É música origor com que te moves / à fluída superfície do mistério” (p. 71),como a prepará-la para a morte (“o mistério”):

Espaço e tempo são teu solo. E colhem,não tanto a luz que entornas, mas o pólencom que ela cinge e arroja as coisas mortasalém da espessa morte que as enrola. (p. 71)

Em sua fantasia erótica, por fim o poeta imagina a amada nua,imersa no mar, símbolo da vida e da morte. Compara-a, então, aopróprio mar, mas, neste símile, a mulher, envolta em música,transcende o símbolo:

É música o silêncio que te cobre quando lampeja à noite tua nudez, em franjas derramada sobre o leito das águas, onde as algas te incendeiam porque semelhas, mais que o mar profundo o intemporal princípio e fim de tudo. (p. 71)

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embora não transcenda a morte. Esse sentimento de perda, queagora domina o poeta, continua em “Epitáfio”:

De tua história, nada;ou tudo, se quiseres:entre uma e outra data,a fábula de seres [...]o amor, vale dizer:sua forma álgida e rara,avessa à coisa amada– e, súbito, colhera morte, flor cediça,dentro da vida. (p. 75)

e deságua num dos mais niilistas poemas da obra junqueiriana:

À beira do claustroo monge se inclinae na pedra aprendeo que a pedra ensina:que a vida é nadacom a morte por cima,que o tempo apenaseste fim lhe adia (p. 76) (“Lição”)

O aparecimento do ciclo de sonetos A rainha arcaica, bemcomo a publicação de Cinco movimentos (1982), comprovam onascimento de um novo poeta: disposto a defrontar-se com o“códice da língua”6, Ivan Junqueira faz seu périplo rumo àgrandeza do idioma, i.e., resolve enfrentar o desafio deempreender uma ousada releitura da obra de Camões, a partirdo mito de Inês, a bela infanta “que despois de ser morta foy

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Rainha.” (p. 86). Nessa aventura mítica e metalinguística, o poetatece uma intrincada rede intertextual, que abarca o clássicoepisódio do Canto III de Os Lusíadas; a prosa de Fernão Lopese alguns versos de Garcia de Resende, Fernando Pessoa e Jorgede Lima. Não há espaço, aqui, para analisar a importância dessesquatorze sonetos e, de resto, se o fizéssemos sairíamos do temadeste ensaio. Mas é preciso dizer, ao menos, que boa parte dessestextos estão entre os melhores da língua, a exemplo dos sonetos“I”, “II”, “V”, “VII”, “IX”, “XIII” e “XIV”. Com relação a“Cinco movimentos”, o Camões inspirador é o da Lírica. Cadamovimento é representado por um soneto. No todo, o conjunto,imbuído de um invulgar lirismo amoroso de cunho levementeerótico - embora em Ivan o amor seja sempre sinônimo de perdae sofrimento, como já dissemos -, presta uma belíssimahomenagem ao talento do maior poeta da língua portuguesa detodos os tempos.

Para não sairmos de vez do assunto deste estudo, citaremos,abaixo, alguns versos dos referidos poemas que corroboram atese da morte maior que o poeta:

Foram dois, sim, que deles guardo a injúria,sepulta neste pélago do mundo,onde mais nada me apetece ou pulsae em vão meus lábios rezam a pedras mudas. (p. 84) (soneto “IX” de A rainha arcaica)

E te amo além porque te sei perdida, e mais te amara fosse eterna a vida. (p. 89) (soneto “IV” de Cinco movimentos)

Segundo a simbologia cristã, o grifo é a imagem do demônio.No bestiário medieval, o grifo é uma ave fabulosa com bico easas de águia, e corpo de leão. Ele é a força cruel.

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Na obra poética de Ivan Junqueira, esse animal fantásticorepresenta a morte e, no plano estritamente literário, a ameaça deperecimento da poesia do autor. Assim, no poema que abre ovolume O grifo (1987), eis que surge o próprio, esse monstro dadelicadeza:

Um grifo hediondo aos poucos se aproximae pousa a sua garra sobre o livro;remexe nas imagens e nos signos,e apaga-lhes a música e o sentido. (p. 92) [...]E assim a besta odiosa as garras fincanas insondáveis páginas do livro,quebrando aqui as vértebras do ritmo,ali, o timbre oculto de uma rima. (p. 93) (“A garra do grifo”)

Esse terrível poema dá o tom do restante da obra. Em O grifo,o poeta chega ao auge de seu pessimismo. Nada vivifica. Nadagermina ou dá frutos. No poema “Áspera cantata”, por exemplo,destacam-se os antológicos versos: “É sobre ossos e remorsos /que trabalho.” (p. 94)

A crítica, em geral, não tem compreendido o verdadeiro alcancedessas palavras. Em regra, tem usado esses versos para justificarum pretenso culto à morte, por parte do poeta. Enganam-seaqueles que pensam assim. Mais adiante, explicaremos melhoressa questão.

Por hora, importa dizer que concordamos com Antonio CarlosSecchin, o qual lucidamente afirmou, a respeito da poesiajunqueiriana, que “a preservação de uma inegável ‘pureza’ lexicalem Ivan convive com a exploração dos meandros mais sombriose inconfessáveis do ser humano, e o mergulho desse discursorequintado na matéria da miséria e da contingência gera uma zonade atrito responsável por alguns dos mais fecundos resultados de

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sua poesia”.7 De fato, é com admiração e espanto que o leitor sedá conta de que, quanto mais o poeta mergulha na miséria dacondição humana, mais aumenta a beleza de seus versos.

Desse modo, tanto em O grifo, quanto no livro seguinte, A sagraçãodos ossos, o que vemos é um poeta absolutamente senhor de seusmeios, no domínio pleno de sua expressão. Conquanto a poesiajunqueiriana corteje o mistério e seus eflúvios, não há mistériospara Ivan, no que tange ao exercício dos vários tipos de poesia e aomanejo das formas fixas. Réquiens, baladas, madrigais, toadas,canções, elegias, sonetos, terzinas, dísticos, oitavas, tudo lhe serve,tudo é propício ao poeta que domina a arte do verso. Virtuosi oumaster (na concepção poundiana), Ivan Junqueira não temedecassílabos, redondilhas (menores e maiores), tetrassílabos,hexassílabos, octossílabos e alexandrinos. Sua variedade rítmica emétrica, assim como o notável uso que faz da rima toante (herançade João Cabral, por supuesto), o transformam num caso único nopanorama da poesia brasileira contemporânea.

Isso explica porque o leitor consegue apreciar, em O grifo, adolorosa beleza de poemas como “Corpus meum”, “Meu pai”,“Penélope: cinco fragmentos”, “A morte”, “Eles se vão” ou“Morrer”, poema paradigmático da segunda fase da líricajunqueiriana:

Pois morrer é apenas isto:cerrar os olhos vaziose esquecer o que foi visto;é não supor-se infinito,mas antes fáustico e ambíguo,jogral entre a história e o mito; [...]é nada deixar aqui:memória, pecúlio, estirpe,sequer um traço de si;é findar-se como um círio

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em cuja luz tudo expirasem êxtase nem martírio. (p. 99)

3a fase: A vida é maior que a morte

Com a publicação de A sagração dos ossos (1994), aos 30 anos decarreira, Ivan obtém o reconhecimento quase unânime de seuspares e da crítica especializada. O livro arrebata dois relevantesprêmios nacionais: o Jabuti de Poesia e o Luísa Cláudio de Sousa,do Pen Club do Brasil.

O êxito obtido pelo poeta é plenamente justificável. A sagraçãodos ossos sintetiza, admiravelmente, os principais temas eprocessos formais da poesia junqueiriana e inaugura uma novafase, em que o pessimismo do poeta diante da interrupção davida é relativizado pela descoberta de que a morte, afinal, nãorepresenta o fim de tudo.

A obra se inicia com o poema “Onde estão?”, que retoma aclássica tópica medieval do “Ubi sunt?”. Nesse sentido, o texto éum desdobramento natural de “Eles se vão”, do livro anterior.No poema inaugural do volume, sob o efeito, ainda, da perda departe de sua família – pai, mãe e irmãs –, Ivan indaga:

Onde estão os que partiramdesta vida, desvalidos?Onde estão, se não ouvimosdeles sequer uma sílaba?

Onde o pai, a mãe, a ríspidairmã que se contorciasob a névoa dos soníferose a gosma da nicotina? (p. 138)

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No texto seguinte, “O enterro dos mortos”, o poeta lamentao fato de não haver podido assistir seus familiares no momentoda fatal despedida:

Não pude enterrar meus mortos:baixaram todos à covaem lentos esquifes sórdidos,sem alças de prata ou cobre.

Nenhum bálsamo ou corolaem seus esquálidos corpos:somente uma névoa inglórialhes vestia os duros ossos. (p. 140)

Até aqui, desolação. De repente, tudo muda: Ivan, porintermédio da palavra, confere a dignidade tardia aos seus mortos:

Quero esquecê-los. Não posso:andam todos à minha roda,sussurram, gemem, implorame erguem-se às bordas da aurora (p. 140)

em busca de quem os choreou de algo que lhes transformeo lodo com que se cobremem ravina luminosa. (p. 141)

Opera-se a transfiguração: ao rememorar seus familiares, o poetatransforma o lodo (esquecimento) que cobria os mortos em ravinaluminosa (acolhida, reconhecimento), sendo que a ravina de quefala Junqueira é, em verdade, seu próprio texto poético.

O poeta começa a driblar a morte. É uma mudança deperspectiva, que se completa quando Ivan resolve refletir sobre aarte. Segundo Christina Ramalho, autora do estudo, até o

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momento, mais abrangente sobre a poética junqueiriana, “Asabedoria [...] residirá na aceitação tácita do ciclo da vida, no qualo valor da matéria se extingue e somente o poder da memóriapoética pode se fazer oração, ladainha, canto de sagração eperpetuação lírica dos mortos. [...] Como sagrar os ossos é sagrara própria vida neles contida por meio do recurso lírico e damemória residual faz-se mister a revisão metalinguística da própriapoesia e da missão do poeta.”8

Essa revisão tem início a partir de “Poética”, texto em queIvan Junqueira repensa a arte:

A arte é pura matemáticacomo de Bach uma tocataou de Cézanne a pinceladaexasperada, mas exata. (p. 145)

Após uma primeira tentativa de definição, o poeta, quepretende que a arte seja concebida com o que chama de ostinatorigore, ou seja, “a curva austera das arcadas / ou o rigor de umapilastra” (p. 145), prossegue:

enfim, nada que lembre as dádivasda natureza, mas a pátinaem que, domada, a vida alastraa luz e a cor da eternidade. (p. 145)

Observe-se que, para Junqueira, importa construir uma artebanhada de vida, com “a luz e a cor da eternidade”. Essa ideia ératificada na estrofe final do poema:

Despencam, secas, as grinaldasque o tempo pendurou na escarpa.Mas dura e esplende a catedral que se ergue muito além das árvores. (p. 145)

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As grinaldas, com o passar do tempo, secam e morrem. Masa catedral, metáfora da arte e do homem, dura, esplende e seergue “muito além das árvores”.

Essa permanência do homem, por meio da arte que ele produzou consome – arte esta que se destina a eternizá-lo –, é retomadano melhor poema da obra, "Terzinas para Dante Milano". Numacomovida e comovente homenagem ao amigo morto, Ivanagradece a Milano pelo que este lhe deu: um "íntimo segredo /que me fez teu herdeiro e teu irmão." (p. 155) Mas, qual seria essesegredo? A resposta está contida na mais bela estrofe da ode:

E foi lá, entre esfíngico e campestre,que me ensinaste a ver como o homem podetornar-se eterno sendo o que é, terrestre. (p. 154)

Por outro lado, a eternidade em vida passa, é claro, pelacontinuação da espécie. Em “Octavus”, o poeta celebra o filhopequeno, cheio de vida e alegria. E conclui: “Dos que já fiz, é oquarto, / mas só o chamam de oitavo.” (p. 165) Como se sabe, osímbolo matemático do infinito é o número oito deitado.

“A sagração dos ossos”, poema que encerra o livro, resumeexemplarmente a terceira fase da poesia junqueiriana: o poetasagra os ossos para louvar a vida. Pois bem. Prometemos explicaro verdadeiro significado dos versos “É sobre ossos e remorsos /que trabalho.” (p. 94) O osso é o símbolo da firmeza, dapermanência. É o que fica, o que resta, é o caroço da imortalidade.Como a parte menos perecível do corpo é formada pelos ossos,estes exprimem, de fato, a materialização da vida. Portanto, aosagrar os ossos, o poeta louva a vida.

4a fase: A morte equivale à vida

Treze anos após a publicação de A sagração dos ossos, IvanJunqueira lança O outro lado,9 volume composto de 35 poemas

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escritos no período de 1998 a 2006. Se em textos como“Prólogo”, “Estruge a voz do vento” e “A árvore” permanecea visão niilista do poeta, em contrapartida, poemas como“Não vês, meu pai?”, e sobretudo o inesquecível “O rio”,metáfora do tempo e da vida, demonstram cabalmente que amorte não pode e não deve ser vista como o “ponto final”da existência humana. Afinal, a exemplo de Leonardo DaVinci, Ivan sabe que “o homem é a medida de todas ascoisas”, e que, de acordo com a letra de “God”, a simbólicacanção de John Lennon, “Deus é um conceito através doqual medimos a nossa dor”.

De fato, parece ser essa uma das funções do Deus “déspota,deposto”, “ambíguo e pretérito”, na poesia junqueiriana. Em Ooutro lado, o nome de Deus é citado não menos do que sete vezes,quantitativo bastante expressivo, se considerarmos que, até opresente volume, Deus aparecera apenas outras sete vezes, aolongo da obra do poeta.

Todavia, essa nova e acentuada “presença divina” não permiteconcluir que estejamos diante de um poeta religioso ou dealguém que tenha sido objeto de uma recente conversão. O Deusde Ivan Junqueira, por vezes próximo ao “deus canhoto”drummondiano, não é uma presença religiosa, nem representaas qualidades do homem idealizadas. Ao contrário, é a medidada dor humana. Ivan não deseja, jamais desejou, “restaurar apoesia em Cristo”. Para ele, Deus é o imponderável, o mistério,aquilo que o homem não consegue controlar e chama de“fatalidade” ou “destino”.

Nesse sentido, a epígrafe que abre o livro é sintomática. IvanJunqueira retirou-a da obra de Fernando Pessoa: “Há um poetaem mim que Deus me disse”. Esse verso retrata, com precisão, opatamar alcançado pelo autor. Até a publicação de A sagraçãodos ossos, Junqueira era mais conhecido – e reconhecido – comocrítico literário, ensaísta e tradutor. A sagração arrebatou os maissignificativos prêmios literários do país e alçou Ivan à condição

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de um dos maiores poetas brasileiros vivos. A partir desse feito,ele foi, aos poucos, abandonando os demais afazeres, para poderdedicar-se, quase que com exclusividade, à sua própria poesia.Daí o trecho inicial de “Prólogo”, esse admirável poema-aberturade O outro lado: “Eu sou apenas um poeta / a quem Deus deu voze verso.”10 (p. 11)

Não obstante, Junqueira, ainda que lentamente, começa adespedir-se das coisas, dos amores, da vida. Primeiro, refletindosobre seu ofício:

A mão que escreve é aquelaque compôs alguns versos,odes, canções de gestae elegias sem metro,às quais ninguém deu créditonem ouvidos. Aquelaque ergueu um brinde aos féretrosde uma insepulta Grécia. (p. 20) (“A mão que escreve”)

Em “São duas ou três coisas”, primoroso soneto compostocom a paixão e o rigor formal que lhe são peculiares, Ivan produzum texto ambíguo, onde não fica claro se está falando de umamor platônico, fantasioso, irrealizado, ou ainda uma vez mais,da finitude de sua obra poética:

São duas ou três coisas que eu sei dela,e nada mais além de seu perfume.Sei que nas noites ermas ela assumeesse ar de quem flutua na janela, [...]Sei que ela vive no halo de uma velae queima, sem consolo, em minha cela. (p. 23)

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O poeta das despedidas precoces, aquele que “finge partir parapermanecer mais”11 – de acordo com a arguta observação deEduardo Portella – , prossegue, agora, em “Vai tudo em mim”:

Vai tudo em mim, enfim, se despedindoneste pomar sem ramos ou maçãs,sem sol, sem hera ou relva, sem manhãsque me recordem o que foi e é findo. (p. 31)

Ainda sob o mesmo tom elegíaco, destacam-se peças como“Indagações”, “Eis que envelheces”, “Carta régia”, “A tênue luz”,e principalmente os irretocáveis “Testamento” e “O testemunho”,poemas que, ao lado do antológico e caudaloso "O rio", estãoentre os melhores do livro.

Quanto ao aspecto formal da obra, avultam as elegias e ossonetos, com destaque, ainda, para o notável uso da terça rimadantesca, recurso que Ivan soube, como poucos na língua, tornarseu. O mesmo se pode dizer com relação à presença da assonânciano verso junqueiriano, conferindo-lhe rara musicalidade, aexemplo de: “os ratos roem os restos” (p. 17); “traçam a trêmulatrama" (p. 33) ou "a fria fauna do que é findo aflora” (p. 15).

A par do comprovado domínio das formas poéticastradicionais, Junqueira realizou, desta vez, um saudável retornoao início de sua carreira, investindo novamente em poemas defatura mais prosaica, onde o verso é branco e sem metro, comonos casos de “A árvore”, “Una voce poco fá” ou “Baía formosa”,o qual surpreende por apresentar duas belas estrofes quefuncionam como haicais independentes do resto do poema:

o pássaro na relvadia (grama)entre o solene e o banal

[...]

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arbustos retorcidos o gemido esguio das casuarinas fazia frio na baía (p.67)

Poeta de temas e dicção classicizantes, era de se esperar que,como exímio cultor dos princípios da chamada ars antiqua, Ivanse debruçasse sobre a tópica existencial do “Para onde vamos?”,indagação fundamental do poema “O outro lado”, que intitula olivro:

Diz-me: o que haverá do outro lado,quando do corpo a tua almase desgarrar e, arrebatada,romper o mármore das lápides

e a pompa vã dos epitáfios,que não são mais do que palavrasou frases fátuas sob as pálpebrasda úmida noite em que jazes? (p. 91)

[...]

A eternidade? Deus? O Hades?Uma luz cega e intolerável?A salvação? Ou não há nada? (p. 93),

conclui o poeta, eivado de dúvidas, num tom pessimistasemelhante ao do Raimundo Correia de “Fetichismo”.

Mas Ivan Junqueira sabe que não há partida possível para quemapostou tudo “no infinito e na beleza” (p. 43). O poeta queacreditava que a vida era maior que a morte, descobre, enfim,que morte e vida são apenas faces de uma mesma moeda, já quesomos “o princípio / e o fim, na mesma medida” (p. 53); “a umsó tempo o êxtase e a agonia” (p. 79); temos “a nossa vida, sempre

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diante / da morte” (p. 85), ou estamos “na extrema fronteiraentre a vida e a morte.” (p. 43)

Essa dicotomia morte/vida se apresenta de forma indissociávelnos versos de “O mesmo: o terceiro”:

Mas afinal somos um mesmo,tal como o fogo e a labaredaou um do outro o igual modelo,rebentos de uma única cepa (p. 101)

e refulge, soberana, nas estrofes finais do referido “Não vês, meupai?”:

Não vês que, morto, estou vivendoem meio às névoas do teu sonho,onde sem dor me recomponhoe com teu sangue afim me entendo?

Não vês, meu pai, que a vida é sonhoe que só nele foi se erguendoda morte quem a teve, ardendo,e enfim triunfou sobre o medonho? (p. 29)

Assim, a lírica junqueiriana, como um todo, pode ser lidatambém como uma elegia única - a elegia de uma despedida sempartida, formada por um sublime e coeso conjunto de textos,incorporados que estão ao cânone da poesia brasileira.

NOTAS

1 ESPINHEIRA FILHO, Ruy. Animal efêmero. In: JUNQUEIRA, Ivan.Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 293.2 Cf. LUCCHESI, Marco. A poesia é maior que a morte. In: JUNQUEIRA,

Ivan. Poesia reunida, p. 313.

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3 Recusamos, aqui, a idéia de faces para esta classificação, em oposição à

análise empreendida pelo romancista e ensaísta Per Johns, no tocante àpoesia junqueiriana (Da magia de um pequeno unicórnio na treva a todosos rios do mundo. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida, p. 336), uma

vez que acreditamos que a poesia de Ivan Junqueira possui, de fato, aspectosdiferentes e sucessivos.4 O número entre parênteses ao lado das citações ou transcrições dos

versos ou estrofes corresponde aonúmero da página, conf. JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida.5 Cf. JARDIM, Paulo de Tarso. Poesia passada e poesia presente. In:

JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida, p. 260.6 Cf. JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida, p. 86.7 SECCHIN, Antonio Carlos. O exato exaspero. In: JUNQUEIRA, Ivan.

Poesia reunida, p. 277.8 RAMALHO, Christina. Fênix e harpia: faces míticas da poesia e da

poética de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de

Letras, 2005, p. 71-72.9 JUNQUEIRA, Ivan. O outro lado. Rio de Janeiro: Record, 2007.10 O número entre parênteses ao lado das citações ou transcrições dos

versos ou estrofes corresponde aonúmero da página, conf. JUNQUEIRA, Ivan. O outro lado.11 Cf. PORTELLA, Eduardo. O legado do poeta. In: JUNQUEIRA, Ivan.

O outro lado (orelhas).

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_____________Ricardo Vieira Lima é jornalista, crítico literário e poeta. É diretor do Sindicatodos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e colaborador das revistasPoesia Sempre, Metamorfoses e Revista Brasileira, publicada pela Academia Brasileirade Letras. Organizou e prefaciou a antologia Anos 80, da coleção Roteiro daPoesia Brasileira (Editora Global, 2010). Seu livro inédito, Aríete, ganhou oPrêmio Jorge Fernandes de Poesia, da União Brasileira de Escritores – RJ.

VEIGA, Elisabeth. O grifo: agônico e iluminado. In: JUNQUEIRA,Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 275-276.

______. Ruptura na tradição. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida.São Paulo: A Girafa, 2005, p. 295-296.

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Na oportunidade do “Encontro 100 ANOS DO MANIFESTOFUTURISTA E SUAS REPERCUSSÕES NO BRASIL”,realizado sob o patrocínio da Universidade Estadual de Feira deSantana-PPGLDC, da Academia de Letras da Bahia, da Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia e da Comunità Italiana,entre os dias 8 a 10 de julho de 2009, em Feira de Santana eSalvador, fui convidado pela Comissão Organizadora do evento,para fazer um depoimento sobre Almáquio Diniz Gonçalves e oreferido manifesto, no dia 10 de julho, na Academia de Letras daBahia, como docente da UEFS, que sou, e especialista em pesquisaem periódicos.

Percorrendo os periódicos baianos, encontro nos arquivos doServiço de Obras Raras da Biblioteca Central do Estado da Bahia,nos Barris, a tradução feita por Almáquio Diniz Gonçalves doManifesto Futurista, com sua publicação em Salvador, na primeirapágina do Jornal de Notícias, número 8945, da quinta-feira, 30 dedezembro de 1909.

Com tal documento em mãos, ao que parece, a primeiratradução integral feita no Brasil do texto do Manifesto Futurista, deFillippo Tommaso Marinetti, publicado no Le Figaro, de Paris, em

Manifesto futurista100 anos de Divulgação

O papel de Almachio Diniz

Benedito Veiga

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20 de fevereiro de 1909, algumas considerações preliminares,quanto a sua estreia receptiva, devem ser anotadas para procurade respostas ou caminhos:

Primeira: Quando foi tal texto efetivamente divulgado noBrasil?

Segunda: Qual sua recepção crítica, ao ser dado a público e, seseguidamente, foi objeto de questionamentos, aceitações edivergências?

Terceira: Que obras foram produzidas, traduzindo umatransposição das idéias desse manifesto para as criações literáriasnacionais?

Torna-se claro que, sem se atinar para essas perguntas eencaminhamentos, nada pode ser de concreto avaliado.

Seguindo os passos de uma pesquisa em fontes primárias deperiódicos, chego, no momento, aos seguintes encaminhamentos,por vezes, não necessariamente conclusivos.

O dado inicial requerido pode ter a resposta encontrada - atéeste instante – na tradução citada, de Almáquio Diniz Gonçalves,divulgada com a maior evidência e destaque, o que, de certa forma,já indicia o respeito da notícia e de suas prováveis repercussões.O texto ocupa duas colunas e meia da página inicial de oitocolunas.

É conveniente lembrar que ambos – o proprietário doperiódico, Aluísio de Carvalho, e o autor da tradução – tinhamcerteza da importância e do pioneirismo da divulgação, comoestá expresso nas próprias palavras da notícia:

Damos histórico abaixo, em tradução do nosso colaboradordr. Almáquio Diniz o histórico e o manifesto do Futurismo, amais moderna das escolas literárias do mundo latino.

Fundação do ilustre escritor italiano o sr. F. T. Marinetti,que é também diretor da importante revista de arte – Poesia –o aludido manifesto aí foi publicado nos números 1-2 doano 5°.

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Cremos que somos o primeiro jornal brasileiro que se ocupadeste assunto, podendo-se, entretanto, dizer que o futurismorepercutiu nos principais órgãos da imprensa internacional [...].(DINIZ, 1909, p. 1).

O dono do jornal, Aluísio de Carvalho, quando da fundaçãoda Academia de Letras da Bahia, em 7 de março de 1917, seria oTitular-Fundador da Cadeira N° 2. Carvalho, como indica aEnciclopédia de literatura brasileira, realizada sob a direção de AfrânioCoutinho e J. Galante de Souza, era, além de jornalista e político,poeta, com o pseudônimo de Lulu Parola. (COUTINHO eSOUZA, 2001, p. v.i-444).

Diniz, como indica Marieta Alves, em Intelectuais e escritoresbaianos – Breves biografias, “[...] nascido em Salvador, no dia 7 demaio de 1880. Era filho do professor e farmacêutico Adolfo DinizGonçalves e de Maria Rosa Guimarães. [...] Em 1899 aos 19 anosdiplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais”. No momento emquestão, como indica a biógrafa, residia em Salvador, sendoprofessor da Faculdade Livre de Direito, que no futuro tornar-se-ia a Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.Acrescenta Alves que “Em 1904, com a aposentadoria doprofessor Leovigildo Filgueiras, [Almáquio Diniz] tomou posseda cadeira de Filosofia do Direito [...]”, (ALVES, 1977, p. 82),lecionando por dez anos.

Brito Broca, em A vida literária no Brasil - 1900, fornece algumasindicações das atividades memorialistas do escritor, assenta eleque: “Segundo Almáquio Diniz teria sido o poeta baiano Pethionde Vilar, em 1900, [...] um dos primeiros, senão o primeiro, a falarem Nietzche no Brasil, citando uma frase de Zaratustra”.(BROCA, 1960, p. 112). O mesmo autor transcreve duas cartas,dirigidas a José Veríssimo por Diniz, retratando a índole belicosae, em certo sentido, contraditória do soteropolitano, em desavençasobre sua candidatura à Academia Brasileira de Letras. (BROCA,1960, p. 284-285).

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Tomando em conta Antônio Loureiro de Souza, em Baianosilustres, Almáquio Diniz Gonçalves “transferiu, em 1915, com afamília, para o Rio de Janeiro”; [...] “em 1918, submeteu-se aconcurso para lente substituto de Direito Civil na FaculdadeNacional de Direito [...]. “Candidato, 4 vezes, à Academia Brasileirade Letras, não logrou eleger-se” [...]. (SOUZA, 1979, p. 270).

Almáquio era, nas palavras de Edith Mendes da Gama eAbreu, em seu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia,em 1938, ao ocupar a vacância, por morte, da cadeira 37, saudandoo seu antecessor e seu primeiro ocupante, como um preocupado,conforme característica de seu tempo, com “um labormultímodo”. (GAMA E ABREU, 1942, p. 154).

Diniz era, além de jurista e jornalista, romancista e poeta, “[...]deixando 180 trabalhos, onde o talento anda a par da erudição”.Entre suas obras destaca-se o seu polêmico A carne de Jesus, de1910, sobre o qual a acadêmica Edith da Gama e Abreu lançouum protesto, deixando escrito: “Foi esse livro o grande erro deAlmáquio. [...] Só a pobre falibilidade do homem, na mesmice doirresponsável, levantaria outrora o patíbulo do Calvário, comotalha hoje a cruz de um diagnóstico...”. (GAMA E ABREU, 1942,p. 152-153).

Avulta, como dos mais importantes relatos biográficos deAlmáquio Diniz, o discurso de Gama e Abreu, que serve aindapara apontar os maiores reveses da existência do escritor, assimdescritos: “E viu destruídas diante de si três grandes ambições,talvez as mais intensas: entrar na Academia Brasileira de Letras,ser catedrático da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro,representar seu Estado no Parlamento Nacional”. (GAMA EABREU, 1942, p. 154).

Este oportuno desvio serve para amostrar, ao que parece, oespírito também iconoclasta, rebelde e, sem dúvida, sonhador deAlmáquio Diniz.

O item seguinte diz respeito ao burburinho que o ManifestoFuturista teve ou não no meio intelectual brasileiro/baiano.

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Evidente que sua publicação já demonstra o interesse do tradutorem, pelo menos, guardar alguns instantes para reflexões econclusões imediatas.

As colocações textuais mostram-se esclarecedoras e atéesperançosas de qualquer manifestação contextual, como parecemindicar as informações fornecidas dos 17 principais periódicos,divulgadores do Manifesto Futurista, no mundo ocidental, além deLe Figaro, como o órgão de estreia: franceses, Le Temps, Les Annales,Le Gaulois, Le Siècle, Le Journal des Débats, Comoedia e L´Echo de Paris;ingleses, Daily Telegraph e The Sun; alemãs, Kolnische Zeitung, FrankfurterZeitung e Vossische Zeitung; madrileno, El Liberal, gregos, Athensi e Lemonde hellenique, platinos, La Nación e El Diário Español, etc. Sãocitados também 20 nomes de personalidades, de adesões ourejeições, algumas já consagradas e até hoje recordadas, como osfranceses: Juliette Adam, mulher de letras, dona de um salão degrande influência; Paul Adam, responsável por romancestumultuados; Henry Bataille, escritor dramático; e Pierre Loti,narrador impressionista, ligado a paisagens e a civilizações exóticas.(DINIZ, 1909. p. 1). (DINIZ, 1909, p. 1).

Cita Diniz, talvez, a última criação de Marinetti, La donna èmóbile, lançado em Turim, sem deixar de incluir Le roi Bambance,que fez sucesso em Paris.

Certamente para mostrar a tendência ao impulsivo e aotemperamental, de algum modo ligada às marcas de época, Diniztraz fato da vida pessoal do autor, referindo-se que Marinetti“bateu-se em duelo com o sr. Charles Henry Hirsch, em que estefoi ferido”. (DINIZ, 1909, p. 1).

Por fim, antes do texto da tradução, dirige-se Diniz Gonçalves,não apenas à mocidade, repetindo Marinetti:

Queremos impelir a mocidade para os vandalismosintelectuais mais audaciosos, a fim de que ela viva com o gostodas belas loucuras, a paixão do perigo e o ódio de todos osconselheiros prudentes.

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Queremos preparar uma geração de poetas potentes emusculosos, que saibam desenvolver o seu corpo animoso tãobem quanto a sua alma sonora. Estes poetas, ébrios de orgulho,apressar-se-ão em por fora de suas cátedras pedagogos e peões,como as contra-correntes das multidões poeirentas das velhasidéias andrajosas [...].

Glorificação do instinto e do faro no animal humano, cultoda intuição divinizadora, individualismo selvagem e cruel,desprezo da antiga sabedoria [...]. (DINIZ, 1909, p. 1).

Mas, por igual, a todos voltados às criações artísticas: “E nãoalongamos mais esta notícia, abrindo logo espaço para o que nosparece interessante, muito ao nosso mundo intelectual”. (DINIZ,1909, p. 1).

A última questão, ao que se saiba, logo de saída, o ManifestoFuturista não ensejou qualquer obra, de aceitação ou revide, naliteratura brasileira/baiana. É oportuno se observar, no entanto,que o texto traduzido já é uma posição assumida.

Dando crédito, mais uma vez, aos registros da história daliteratura brasileira, a respeito das origens do modernismo, ManuelBandeira, com Carnaval, é citado por Mário de Andrade comoprovável precursor das idéias em obra literária, em seu ensaio “Omovimento modernista”, de 1967:

Em São Paulo, esse ambiente estético fermentava emGuilherme de Almeida e num Di Cavalcanti pastelista,“menestrel de tons velados” como o apelidei numadedicatória esdrúxula. Mas creio ser um engano esseevolucionismo a todo transe, que lembra nomes de umNestor Vitor ou Adelino de Magalhães, como elosprecursores. Então seria mais lógico evocar Manuel Bandeira,com o seu Carnaval”. (ANDRADE, 1967, p. 225).

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Somente dez anos depois do lançamento do ManifestoFuturista, este teve o seu primeiro trabalho fixado em temas ecomposições, e não necessariamente futurista, como atestaFrancisco de Assis Barbosa, em “Cronologia da vida e da obrade Manuel Bandeira”:

1919 − Publicação do Carnaval (edição do autor). A Revistado Brasil, dirigida então por Monteiro Lobato, disseca o livroem poucas palavras; João Ribeiro torna a ter com o poetaexpressões de entusiasmo. Carnaval entusiasma igualmente ageração paulista que iniciava a revolução modernista.(BARBOSA. 1958, p. ciii).

A propósito, é bom se fazer uma correção importante, levando-se em conta a publicação da resenha do Manifesto Futurista, porAlmáquio Diniz Gonçalves, nas anotações de Mário da Silva Brito,arroladas no “Capítulo 48. A revolução modernista”, de A literaturano Brasil, sob a direção de Afrânio Coutinho, assim estáerroneamente expresso:

Regressando da Europa, em 1912, Oswald de Andradefazia-se o primeiro importador do “futurismo” de Marinetti,de que tivera apenas notícia no Velho Mundo. O ManifestoFuturista, de Marinetti, anunciando o compromisso daliteratura com a nova civilização técnica, pregando o combateao academismo, guerreando as quinquilharias e os museus eexaltando o culto às “palavras em liberdade”, foi-lhe reveladoem Paris. (BRITO, 1999, p. v. vi-4).

A história da literatura brasileira precisa de ser constantementerefeita e que tenha em vista, sempre, as dimensões continentaisde nosso País.

O carisma de Oswald de Andrade talvez seja o responsávelpor este equívoco, seguidamente repetido, como por exemplo

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em Oswald de Andrade: biografia, livro publicado em 2007, de MariaAugusta Fonseca, citando e aprovando conclusões, não corretas,de Paulo Duarte:

[...] o modernismo chegava pela primeira vez no Brasil em1912, com o regresso de Oswald de Andrade de Paris, trazendono bolso o Manifesto futurista de Marinetti e a notícia do novomovimento, ao qual dera sua adesão, inclusive a posição dePaul Fort que, em sua nova poesia, pusera abaixo a métrica e arima. (DUARTE, 1985, p. 26).

O fato da divulgação do Manifesto Futurista por Almáquio DinizGonçalves já ultrapassa, de há muito, as fronteiras do Estado daBahia e mesmo as do Brasil.

Gilberto Mendonça Teles, em Vanguarda européia e modernismobrasileiro, ao introduzir o movimento futurista em suas origens ecomentando sua expansão, acrescenta: “Diga-se, de passagem,que esse manifesto foi no mesmo ano publicado no Jornal deNotícias, da Bahia, em 30 de dezembro de 1909, tendo no entantopassado despercebido”. (TELES, 1997, p. 85).

Luciana Stegagno-Picchio, em sua História da literatura brasileira,livro publicado em 1972, pela editora Sansoni-Accademia, deFlorença-Milão, e, posteriormente traduzido no Brasil, em 1997,pela Nova Aguilar, já registra o acontecido, com apenas umequívoco do momento, 1910, em vez de 1909:

O Manifesto de Marinetti fora publicado em Paris, no Figaro,em 20 de fevereiro de 1909, e imediatamente tinha sidotraduzido na Bahia, em 1910, por Almáquio Diniz. Só seráconhecido de fato, porém, após a divulgação feita anos depois,no Rio, por Graça Aranha, que, posteriormente, reproporá ostextos marinettianos quando da visita do já academizadoMarinetti ao Brasil (Futurismo − Manifestos de Marinetti e seuscompanheiros, 1926). (STEGAGNO-PICCHIO, 1997, p. 466).

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No entanto, seguindo à risca os caminhos dos trabalhos comperiódicos, o professor José Aderaldo Castello (CASTELLO,1999, p. 60), da Universidade de São Paulo, em A literatura brasileira:origem e unidade, volume II, já assentava:

Almáquio Diniz divulgaria o primeiro manifesto futuristaem jornal de Salvador no mesmo ano do seu aparecimento naEuropa, 1909. E ao redivulgá-lo anos mais tarde, juntamentecom a notícia crítica sobre “O Romance de Marinetti” −Mofarca, il Futurista, de 1910, esclarecia como o obteve:

Foi em 1909. Recebi, casualmente, um número da revista –“Poesia” − de que era redator F. T. Marinetti. Nela vinha oprimeiro manifesto futurista. Naturalmente recebi estranhasimpressões diante do esquisito da criação literária ali contidaDe pronto, no “Jornal de Notícias” − da Bahia, de 30 dedezembro de 1909, sob o título “Uma nova escola literária” −publiquei precedido de algumas palavras elucidativas, omanifesto do Futurismo. (DINIZ, 1926).

Como se pode provisória, mas comprovadamente concluir,ao que tudo indica, somente mais de uma dezena de anos maistarde, Marinetti teria seu Manifesto Futurista debatido e seguido,ao menos em parte, no Brasil.

E, ao que tudo direciona, foi Almáquio Diniz Gonçalves oprimeiro tradutor brasileiro do texto integral do Manifesto Futurista,divulgando seu trabalho, como colaborador do Jornal de Notícias,de Salvador-Bahia, em 30 de dezembro de 1909.

REFERÊNCIAS

ALVES, Marieta [Maria Amélia de Carvalho Santos Alves]. Intelectuaise escritores baianos: breves biografias. Salvador: Fundação Museu da Cidade− FUNCISA, 1977. p. 82. [GONÇALVES, Almáquio Diniz].

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ANDRADE, Mário. O movimento modernista. In: ANDRADE, Mário.Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1967. p. 221-246.

BARBOSA, Francisco de Assis. Cronologia da vida e da obra de ManuelBandeira. In: BANDEIRA, Manuel. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: JoséAguilar, 1958. p. ci-cvi.

BRITO, Mário da Silva. A revolução modernista. In: COUTINHO,Afrânio (Direção) e COUTINHO, Eduardo de Faria (Co-direção). Aliteratura no Brasil. 5. rev. e ed. atual. São Paulo: Global, 1999. v. v.

BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. 2. ed. rev. aum. Rio deJaneiro: José Olympio, 1960.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade. SãoPaulo: EDUSP, 1999.

COUTINHO, Afrânio e SOUZA, J. Galante de (Dir.). Enciclopédia deliteratura brasileira. 2. ed. rev. atual. e ilu. sob a coordenação de GraçaCoutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: FBN/DNL: ABL, 2001. v. i.

DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec/Secretaria Municipal de Cultura, 1985.

GAMA E ABREU, Edith Mendes da. Discurso de posse. Revista daAcademia de Letras da Bahia, Salvador, vi, p. 149-163, 1942.

[GONÇALVES], Almáquio Diniz. Uma nova escola literária. Jornal deNotícias, Salvador, p. 1, 30 dez. 1909. [Resenha do Manifesto Futurista].

STEGAGNO-PICCHIO, Luciana. História da literatura brasileira.Tradução Pérola de Carvalho e Alice Kyoko. rev. atual. bibliog. PauloRoberto Dias Pereira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.

SOUZA, Antonio Loureiro de. Baianos ilustres. 3. ed. ver.. São Paulo:IBRASA; Brasília: INL, 1977. p. 269-270.

TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro.Apresentação e crítica dos manifestos, prefácios e conferênciasvanguardistas. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

Benedito Veiga é ensaísta, professor e pesquisador da UEFS, autor de várioslivros, como o recente Dona Flor, uma história de cinema (2009).

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O MANIFESTO FUTURISTATraduzido e publicado por Almachio Dinizno Jornal de Notícias,em Salvador-Bahia

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PLÍNIO O VELHOE A NUVEM MISTERIOSASEGUNDO PLÍNIO O MOÇOE UMA ANÁLISE DE UMBERTO ECO COM BREVESCONSIDERAÇÕES FINAIS DE UM POETASEGURAMENTE PERSONA NON GRATA

Ruy Espinheira Filho

I

Era o nono diaantes das calendas de setembro.Embora comandasse a frotaPlínio o Velho apenas estavaem Misenoposto em sossego.

Tomara um banho de solem seguida um banho friocomera reclinado uma leve refeiçãoagora estudava. E foi quandocerca da sétima horaa mãe de seu sobrinhoPlínio o Moçoindicou-lhe ao longe a aparição.

E ele pediu as sandáliase subiu a um lugar de onde poderiaver melhoro que se elevava e se abriacomo uma estranha árvoreno horizonte.

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II

Acesa a chama da almadas interrogações da ciênciaPlínio o Velho pediu que preparassemuma liburnapara ver de perto anubem inusitatacomo escreveria seu sobrinho a Tácito25 anos mais tarde(o que bem poderia não ter ocorridonão houvesse eleo Moçoao convite do Velhosentido mais forte a flamados estudos que fazia em casa).

E então se ia o Velhomas uma mensagem da mulher de CascoRectinachegou-lhe com pedido de socorropoisde sua vila ameaçada sópoderia fugir pelos caminhosdo mar. E o Moço contaque aquilo para que estava preparadocom ânimo de estudiosoo Velho passou a executar em espíritoheróico.E ordenou trirremesem rota de salvação.

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III

E lá se foiaté que começaram a virpedras e cinzas sobre as navesquandocontra os conselhos do seu pilotomanda o Velho manobrara Stabiaobservando que a sorteajuda os corajosos. Láao medo de Pomponianoabraçou-oconfortou-oencorajou-ofez-se conduzir ao banhodepois reclinou-se e jantoualegrementedizendo que aquelas labaredasnão passavam de fogos deixados acesospor camponeses em fugae que lhes queimavam os casebres. E assim ditastais palavrasfoi descansardormiu profundamenteenquanto o pátio de acesso ao quartosubia tantocom as sujas nuvens que desciamque um pouco mais lhe impediriaa saída. E quando então

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saiua casa se moviadançavae todos puseram travesseiros na cabeçaatados com lenços. E em meio às vozesdo medoo Velho era a razãomais forte. E foram à praiaporém o mar não se submeteuao almirante. Era tudo noiteem pleno dia. E ali, na praia,o Velhodeitou-se sobre um lençole bebeu duas vezes água frescamas um cheiro de enxofre pôs em fuga as pessoasque o acordarame eleapoiando-se em dois servos levantou-separa logo cair. E quandovoltou a luz do dia(o terceiro desde que o virapela última vez)seu corpo foi encontradoilesocoberto pelas vestescomo se estivesse apenasadormecido.

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IVCom espírito heróicoescreveu o moçosobre a decisão de navegardo Velho. Mas não sabiaeleo Velhoo que o Moço saberia. Via apenas umanubem inusitatatalvez um incêndio (como concluiu) de casebresde onde vinham as cinzasnas proximidades de um vulcão (já o dissera)extinto. Assim,por que não banhar-secear e dormirtranqüilamente? Amanhãseria um novo e luminosodia.

Fora-se o Velhoaté alinas ondas

sem nada saberda estranha árvore no céu.

Sem nada desconfiardo engano de sua ciência.

Sem nada pressentirda morte à sua esperana praia. A mortesem heroismo algumtalvez apenasum especialmente incômododesapontamento.

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V

Mas o Moço escreveu a carta25 anos depois. Ele amava o Velhoque lhe era um herói mesmo bem antesdaquela viagem. Um herói do espírito.E um herói há de ser sempreheróicoe heroicamente findar. E assim,sem dúvida,aquilo que estava preparado com ânimo deestudiosoexecutou em espírito heróico. E assim foina cartae apenas nelaficouque dos relatos de Tácito só sabemosaté nove anos antesda nuvem à qual viajouo Velho.Aquele ilustrealino sono da mortedesamparado pela ciênciae pelos deusesque nenhum deles o advertira das fúriasda Terranem mesmo o deus mais jovemressuscitado não havia50 anose quena verdadenunca dera muita importância às coisas do reinodeste mundo.

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O MENINO E O MAR

Era a primeira vezQue tinha ido ver o mar.Todo alegre, de calção,Peito nu e pé no chão.

Quando viu tanta águaFazendo barulhoSem parar, disse:

– Pai, me dê sua mão.

POEMAS

Cyro de Mattos

____________Obs: O poema “O Menino e o Mar” foi um dos vencedores do 5º ConcursoPoético Cancioneiro Infanto-Juvenil do Instituto Piaget de Almada, Portugal,concorrendo com centenas de poetas de países de língua portuguesa.

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MARAMATA

Para Soane Nazaré de Andrade

Vozes duma cançãoNas vagas do verde,Por entre os azuisBatem, voltam,batemContando minha história.

Vejo em aflição o marNa barra de Ilhéus.Afogam-se as ondasDos que silenciamCom o navio Itacaré.

Todo esse desesperoDe índios nadadoresMergulha no sangue.Bebem o extermínioVentos, luas e marés.

Cyro de Mattos

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No Engenho de SantanaÁfrica agora se atreveNa certeza de manhãs,Batucam que batucamTambores sem cambão.

Rio acima o sonho flui,Ondas da vegetaçãoInundam o olho azulAnimado pelas galhasDo príncipe europeu.

Tudo que sei de mimPor terra, ar e marFlutua nas espumas,Na clave dos ocasosVem de longe cantando.

Cyro de Mattos

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SONETO DE ITABUNA

Encontro-me no verde de teus anos,Como sonho menino nos outeiros,Afoitas minhas mãos de cata-ventosDesfraldando estandartes nessas ruas.

São meus todos esses frutos maduros:Jaca, cacau, mamão, sapoti, manga.E esta canção que trago na capangaÉ o vento soprando nos quintais.

Quem me fez estilingue tão certeiroNos verões das caçadas ideais?Quem nesse chão me plantou com raízes

Fundas até que me dispersem ventosDa saudade e solidão? Ó poema!Ó recantos! Ó águas do meu rio!

Cyro de Mattos

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A ÁRVORE E A POESIA

A árvore dá as floresA poesia dá no perfumeOs fios sem fim do sonho

A árvore dá os frutosA poesia dá as palavrasOnde põe suas verdades

A árvore dá a cascaA poesia dá as rugasDo tempo no galope

A árvore dá as folhasA poesia dá nas visõesAs vestes da vida e da morte

Cyro de Mattos

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PASSARINHOS

Eram passarinhosNo frescor dos sonhos,Na lã da aurora.

Eram passarinhosQue bicavam as frutasNas manhãs maduras.

Eram passarinhosDe cantares afoitosNo arco-íris das ruas.

Eram passarinhosDispersos nas penasDas rações duras.

Cyro de Mattos

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SEIS SONETOS

Luís Antonio Cajazeira Ramos

SONETO PERIPATÉTICO

Se a solidão adensa com seus frioshumores o silêncio de geleiras,a esperança derrete como guizosde festa o gelo em cores de aquarelas.

E se a esperança se contorce em risos,como a graça incontida de donzelas,a solidão imposta-se de brios,como um asco escolástico de freiras.

Essas inseparáveis inimigasgiram em roda efêmera de intrigas...E a gente atesta, no avançar das pernas,

que a solidão esperançosa, tantoquanto a esperança solitária, entanto,são nada, nada mais além de eternas.

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Luís Antonio Cajazeira Ramos

O POETA EM MIM

Há um poeta em mim que Deus me disse... Fernando Pessoa

O poeta disse que há um Deus em mim.E disse sem dizer – ou não dissesse.Ah, poeta, eu sou o Deus de tua prece,erva daninha axial de teu jardim.

Melhor: eu sou o totem do esconjuroque dá sentido a teu mundéu de fé.Ainda melhor: sou tudo o que não ésenão o escuro que disfarça o escuro.

Que Deus te disse!... Tua própria vozabre horizontes, mas os fecha em nós.E o fado triste alegra-se em destino.

Eu creio, poeta, pois que Deus me disse,olhando a hora como quem sorrisse:tu és meu bálsamo do desatino.

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Luís Antonio Cajazeira Ramos

SEM GUARIDA

A.G

A saudade reside em meu portão.Às vezes entro e saio sem notá-la.Quando a encaro, porém, falta-me a fala.Não há palavras para a solidão.

Terrível o lugar de seu plantão.Sentinela invasora, não se abala.Se entro ou saio, fuzila-me sem bala.Caso contrário, prende-me no chão.

Tento ficar em casa em companhia.Tento entrar e sair acompanhado.Mas seu olhar me caça noite e dia.

Penso mudar de casa e dar um basta.Mas nessas horas ela adianta o fado.Mais se aproxima, e tudo mais se afasta.

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Luís Antonio Cajazeira Ramos

SPECTOR

Se você fosse você, como seria e o que faria? Clarice Lispector

Clarice, “se eu fosse eu” não faz sentido.É como se eu pudesse ser alguém.Pois nem ser eu sei ser, quanto mais quemhouvesse além de si haver havido.

Melhor deixar aquém o ser contidoe se deixar além de todo além.Há muito que essa vida não faz bema quem vive pensando ou comovido.

Melhor não ser Clarice nem ser eu,Clarice, nem ser eu a te dizero que é melhor – a ti, que já morreu

em mim o que queria conhecero que sentia, o que queria meuum jeito, no sem jeito de viver.

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Luís Antonio Cajazeira Ramos

A VER BALEIAS

Eu agora só faço o que for fácil.Dificuldade é tudo - o que não quero.Que tudo é mais que tudo lero-lero.Enchi o saco, Conselheiro Acácio.

Pois a vida é tão simples, tola, breve.Nada chega senão num piscar d'olhos.Vou levar-me até onde o vento leve.Bem além do Arquipélago de Abrolhos.

Sem limites, vou longe... Mas que droga!Longe é profundo. E tão desconhecido.E metafísico, amplo mar que afoga.

Eu quero o raso, só meus pés imersos.Desaprender o dito, o ouvido, o lido.Jogar conversa fora e fazer versos.

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Luís Antonio Cajazeira Ramos

SONETO DO ABANDONO

Um dia teus amigos, meu amigo,não mais terão pudores e cuidadospara encontrar motivos fabuladosno intuito de escapar de estar contigo.

Um verá nuvens negras no céu claro.Um quisera a enxaqueca pôr de cama.Um a dona que passa sua alma inflama.E assim todos se vão... E era tão caro

a ti veres o zelo às tuas dores!...Acresce a tantas faltas a mais certa:o fim da solidão. Pois quando fores

seguir a todos mais, nenhum alerta:a tua dor maior são essas floressorrindo sobre a tumba sempre aberta.

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POESIA/TRADUÇÃO

QUATRO POEMAS / QUATRE POÈMES

Jean-Albert Guénégan

Tradução:Odette Branco

Dominique Stoenesco

Poète né à Morlaix, petite villesituée au nord du Bretagne, en1954. Auteur de plusieursrecueils de poèmes, de récits, desouvenirs d’enfance et de livresd’artistes. Traduit en languebretonne, portugaise et italienne.Mentionné dans diverses revuescomme Avel IX, A l’index etanthologies comme Poètes deBretagne de Charles Le Quintrecen 2008. Il participe chaqueannée au Printemps des Poètes,anime des soirées de lecture enmédiathèque, dans les centresculturels et dans les établissementsscolaires.

Poeta nascido em Morlaix, nonorte da Bretanha, em 1954. Éautor de livros de poesia, de ficção,de recordações de infância e delivros de arte. Foi traduzido emlíngua bretã, em português e emitaliano. Sua obra tem referênciasem diversas revistas, como Avel IX,À l’index ou Latitudes-Cahierslusophones e também na antologiaPoètes de Bretagne, de Charles LeQuintrec, publicada em 2008. Jean-Albert Guénégan participa todos osanos do Printemps des Poètes, organizaencontros de leitura em mediatecas,em centros culturais ou em estabe-lecimentos escolares.

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Jean-Albert Guénégan

JE RECONNAIS BIEN LÀ

Je reconnais bien là mon pays d’Armor quand le ciel râle après l’océan, qu’ils se mordent et se croquent. Je me tais et toute vie aussi puisque passe le dernier jour emportant avec lui un élu des cieux. La main sur l’horizon noir mais pas mort, je peux vous le dire Armor fiévreux des tempêtes, îles que je hume la nuit seulement, je ne veux pas rester à terre et c’est un vent criant contre son sort qui noie mes yeux. Mon âme ancrée dans les sables roses s’accroche fort au granit de Trégastel. De ce mal terrien me reste la mélancolie des mouettes au vol signé de croix, gravant leurs peurs dans la pierre. Ici, tout est de roc même les échos du large… Ils disent que la vie est courte prendre les rames de ce bateau de pierre serait le médaillon de ma vie.

(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté)

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Jean-Albert Guénégan

RECONHEÇO BEM AÍ

Reconheço bem aí minha terra de Armor quando o céu protesta contra o mar, quando eles se trincam, se mordem. Calo-me, a vida também, pois passa o último dia levandoum eleito dos céus.A mão no horizonte negro mas não morto, posso afirmar:Armor febril de tempestades, ilhas que respiro à noite somente, não quero ficar em terra e é um vento bradando contra sua sina que afoga meu olhar.Minha alma ancorada na areia rosaagarra-se com forçaao granito de Trégastel.Sobra-me dessa dor térreaa melancolia das gaivotasnum voo em sinal de cruz,gravando seus medos na pedra.Aqui, tudo é rocha,até os ecos do alto-mardizem que a vida é breve, pegar nos remos deste barco de pedraseria a apoteose da minha vida.

(Inédito – extrato de Três espaços de liberdade)

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Jean-Albert Guénégan

OUESSANT

Ouessantarmure contre mes tempêtes,sentinelle de mes solitudesmon haleine que je réapprends,mes paupières neuves sur le lointain,gifle à ma nouvelle personne.Un vieil homme défiguréd'avoir trop vécu à côté de sa vie,d'avoir trop levéles haltères de son âmeme dit :“Vois-tu jeune homme,ici on peut se regarderse modifier, se reconstruire,se dire qu'il est encore temps”.

(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté )

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Jean-Albert Guénégan

OUESSANT

Ouessantarmadura contra minhas tempestades,sentinela das minhas solidões,alento que reaprendo,pálpebras pousadas no longíncuo,afronta ao meu novo ser.Um homem velho desfiguradopor ter vivido demais fora de sua vida,por ter erguido demaisos halteres da almadisse-me:“Sabe, jovem, aqui podemos olhar-nosmodificar-nos, recontruir-nos,dizer-nos que ainda é tempo”.

(Inédito - extrato de Três espaços de liberdade)

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Jean-Albert Guénégan

À OUESSANT

A Ouessantla baisse du jourest une intuition.

Pas de cris mais…Des claquements d'ailes.Les mouettes soupèsentle clocher des prières,quelque chose ou quelqu'un dans le regard.

(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté )

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Jean-Albert Guénégan

EM OUESSANT

Em Ouessanto entardeceré uma intuição.

Sem gritos mas...Asas a baterem.As gaivotas a pesaremo sino das orações,algo ou alguém no olhar.

(Inédito - extrato de Três espaços de liberdade )

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DÉS L’AUBE

Dès l'aubeà Ouessantvent et grêle,pluie à genouxdevant ses ombres.

Appauvripar son peu de lumièrele matin s'estompe,le jour se renie.

Il n'y a que la brumedans le monologue de ses ruellesqui peut rapprocherl'île de son âme.

(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté )

Jean-Albert Guénégan

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DESDE A ALVORADA

Desde a alvoradaem Ouessantvento e geada,chuva, de joelhosface às suas sombras.

Empobrecidapela sua pouca luza manhã esvaece,o dia renega-se.

Só a brumano monólogo das suas vielaspode aproximara ilha da sua alma.

(Inédito - extrato de Três espaços de liberdade )

Jean-Albert Guénégan

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POESIA/TRADUÇÃO

Marc Quaghebeur

Tradução:Leonor Lourenço de Abreu

José Jerônimo de Morais

Escritor e crítico belga, de língua francesa, nascidoem Tournai, em 1947. Diretor dos Arquivos e Museuda Literatura em Bruxelas. Sua obra teórica, na áreadas literaturas francófonas, propõe uma articulaçãoentre Estética e História. Como poeta, publicou, entre1979 e 1989, cinco coletâneas do “Ciclo da Morta”:Só a erva (L’Herbe seule); Chiennelures; O Ultraje(L’Outrage); Pássaros (Oiseaux); À Morta (À la morte).Em seguida, na década de noventa, as “Áreas dosAnciãos” (As Velhas (Les Vieilles); Os Carmelitas deSaulchoir (Les Carmes du Saulchoir); A Noite de Yuste(La Nuit de Yuste)), onde se dá a passagem para aprosa poética. Esta concretiza-se através dospequenos poemas em prosa de Claro-escuros (Clairsobscurs, 2006). Marc Quaghebeur acabou de escreverum romance.

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A DÁDIVA / PUR PRÉSENT

Marc Quaghebeur

Embora o primeiro texto que se encontra em Claro-escuros (Clairsobscurs, Cognac, Le Temps qu’il fait, 2006) “A festa do Santíssimo”(La Fête-Dieu), tenha sua origem em um acontecimento ocorridono centro da França, foi o Brasil dos anos noventa que, narealidade, desencadeou o processo de escrita de minhas pequenasprosas. Em poucas linhas, extremamente ritmadas e trabalhadas,todas elas condensam episódios da segunda metade do séculovinte, procurando universalizar o acontecimento ou a figura quelhes deu origem. O trabalho da língua e da forma visa, porconseguinte, extrair, da anedota, o essencial. De certo modo, estetrabalho inscreve-se numa determinada tradição clássica francesado século dezessete, conjugada à modernidade.

Livro de escritor peregrino que não concebe a literatura forado binômio enraizamento/desengajamento, Claro-escuros reúneuma parte das pequenas prosas poéticas escritas entre 1995 e2003. A publicação do livro foi precedida de publicações emrevistas. Em 1999, a revista suíça Écriture (Escritura), n°53,publicou alguns textos sob o título de “Destinos” (Destins),numa versão menos adensada que a da edição definitiva. Em2005, a revista belga Traversées (Travessias), n°40, publicou algunsoutros que a lógica de composição do livro me havia forçado aabandonar.

O título que eu desejava dar ao livro, Luzes de sombras (Lumièresd’ombres), não obteve o aval do editor. Optamos então por Claro-

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escuros, que evidencia o caráter pictórico da minha escrita, ao passoque Luzes de sombras poria em destaque a forma de representaçãodo mundo em gestação neste livro.

Foram as minhas estadas no Brasil, em 1995 e 1996, quedesencadearam fundamentalmente a gênese desse tipo de escrita,que poderíamos qualificar de impressão quintessenciada. Adescoberta de Salvador e da Bahia levou-me à convicção de queo Brasil é portador de um potencial significativo para o futuro domundo. Isso me impulsionou para formas de expressão distintasdas anteriores.

“Todos os santos” remete para uma cena diurna numa daspraias de Salvador; “O Passante”, para uma noturna. “A Praia”,por sua vez, situa-se num local onde as correntes marinhas sãotraiçoeiras (Itacimirim).

“Rio Graciosa” remete para o barco que traz de volta osvisitantes de Cairu; “O Caminhante” é um encontro em Cachoeira;e “A Foz”, uma outra cena patética que aconteceu em Maragogipe,junto a um antigo posto de gasolina transformado em barimprovisado. Por sua vez, “O Anônimo” provém da minhadescoberta de Maragogipinho e de suas olarias. “Filhoacontecido”, “A Voz” e “O Falanstério” configuram ametamorfose literária de vicências de pessoas de quem me torneiamigo, em Salvador.

Ainda de Salvador, a história de “Bruxaria”, cada vez maisuniversal em nossos dias (outros a têm vivenciado). Uma novaInquisição vem se instalando. Vê-se, neste caso, até onde podechegar a sua perversão. Por fim, “O Descanso” decorre deuma escala imprevista do meu avião de retorno a Bruxelas,em Recife.

Desde então eu não voltei ao Brasil, mas acabo de publicar,em Porto Alegre, Entre Real e Surreal : antologia da literatura belga delíngua francesa (Tomo Editorial, 2009), cuja edição brasileira é daresponsabilidade de Zilá Bernd, Leonor Lourenço de Abreu eRobert Ponge.

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Todos os Santos

À l’écart, un regard. Un tronc blanc mord le sable. L’enfantnoir s’aventure.

Il tremble, s’agrippe aux bords de l’arbre mort, hésite. Se raidit,puis s’assoit, extatique.

Au loin, de grands métis s’affairent. Oiseau étriqué, l’infantpoursuit seul l’antienne torturée de l’exclusion.

Celle des pierres tendres de l’Aleijadinho. Des bois flagellés deFrancisco Manoel das Chagas.

(In : Clairs obscurs)

Todos os Santos

À parte, um olhar. Um descolorido tronco jogado na areia. Omenino se achega. Ele é negro.

Ele treme, se agarra aos nós da árvore morta, hesita; se aprumae senta-se, extático.

Ao largo, atléticos mestiços se divertem. Qual ave canhestra, oinfante percorre, solitário, a eterna via crucis da exclusão.

Aquela das pedras macias do Aleijadinho. Dos troncosflagelados de Francisco Manoel das Chagas.

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Le Passant

Coup de blanc. À l’Est, de très longs canards noirs. Quelquelumière, bois de lune. À l’Ouest, l’obscur. Et les rayureschatoyantes d’un Lido. Au centre, un bruit qui froisse. Rame etressasse.

L’homme n’entrevoit que des bétons. Tout avant, violacée quis’égoutte, comme entre ciel et terre, une vitrine. Falaise.

Au rivage, la silhouette, ses babioles invendues. Nulle barque.Nul hamac.

Obstiné un clignotement équivoque. L’homme a pressé le pas.Il a le dos voûté. Il funambule.

(In : Clairs obscurs)

O Passante

Um clarão. Ao nascente, negras nuvens, etéreos patoslongilíneos no horizonte. Difusa luz, bosque ao luar. Ao poente,escuridão. E as raias cambiantes de um vago restaurante. À beira-mar, passos sussurrantes. Ondas em vai e vem.

O homem nada mais vislumbra, além da barreira de concreto.Logo em frente, esparramando roxo, como entre céu e terra, umavitrine. Falésia.

Pelo areal, sua silhueta, as quinquilharias inegociadas. Nenhumbarco. Nenhuma rede.

Enigmático piscar de luzes, persistente. O homem terminaapressando o passo, encurvados os ombros, funâmbulo.

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La Plage

La lumière est au zénith. À peine entrevoit-on quelque calotted’écume.

Un homme nage. Il croit retourner vers les sables. Vers la femmequi l’y attend. Son horizon pourtant s’éloigne.

Jadis l’eau du grand fleuve qui le vit naître avait failli l’engloutir.

(In : Clairs obscurs)

A Praia

Sol a pino. Apenas algumas franjas de espuma se vislumbram.

Um homem a nadar. Imagina estar de volta às areias. Para amulher que lá o espera. Seu horizonte, no entanto, se vaidistanciando.

Outrora, escapara de ser tragado pela correnteza do imensorio que o viu nascer

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Rio Graciosa

Entre les mangroves une barge. Le soir approche. À l’avant,un homme au port hiératique; un regard. À le voir on devine cequ’ont dû être les autochtones.

Entre ses mains, une caisse de friskos. Le premier acheteurtrouve un billet: i1lui donne droit à un second cornet. Tous seprécipitent. L’Indien sourit. Des éclats fusent.

Le nombre de cadeaux équivaut à peu près à celui des achats.

L’Indien continue de sourire.

Ses traits se sont figés.

(In : Clairs obscurs)

Rio Graciosa

No meio do manguezal, um barco. O entardecer avança. Àproa, de porte hierático, um homem. Um olhar. Ao vê-lo, imagina-se como teriam sido os nativos.

Carregava uma caixa de isopor, com picolés. O primeiro freguêsencontra o brinde para mais um picolé. Todos acorrem. O índiosorri. Risadas espocam.

Quase tantos brindes quantos os picolés vendidos!

O índio continua sorrindo.

Os traços se crispando.

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Le Marcheur

Ses bras défilent, moulinent ou frappent.

Le parcours paraît suivre un chemin secret mais codé. Aucunregard. Forêt d’âge et de poussier, ébouriffés, ses traits figés parfoiss’éveillent.

L’axe dévie. Un essuie-glace y est passé. Un bref instant, lamarche devient valse. Le pas repart.

La forme a dépassé la cinquantaine. Par tous les temps elleporte un manteau bleu.

Jamais un mot. L’homme, dit-on, descend d’une caste de vieuxsages.

(In : Clairs obscurs)

O Caminhante

Avança, braços em compasso de marcha, ou de turbilhão, deameaça talvez.

Os passos, parece, seguem um secreto caminho, p’ra ele jásinalizado, sem precisar olhar. Esquálidos e emaranhados cabelosde antanho, seus traços vincados por vezes se animam.

Muda de foco, arranca um limpa-parabrisa. Por instantes amarcha é valsa. E o passo irrompe.

Já passou dos cinquenta a figura. Nem importa o tempo, vestesempre um sobretudo azul.

Jamais ouve-se-lhe uma palavra. O homem, dizem, descendede uma casta de velhos sábios.

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L'Embouchure

Ici s’excise en lisière la baie. Au gré des bancs, profond desterres, elle paraît. Ainsi le fleuve. Il se confond avec leur manneverte.

Aux anses, comme alluviale, une bourgade. Quartiers et ruesbancals s’y agglomèrent. Le vent les laisse. Au centre, une aubette.Point de pompes. Des socles. On y a posé quelques chaises. Deuxhommes les bariolent. A leur côté, des femmes sirotent les élixirsde la torpeur.

Survient midi. Frénétique, l’un bondit. L'autre le suit,cérémonieux. Jusqu’à la guimbarde qu’il touche, secoue, voudraitcabrer. L’autre opine du chef, puis fait silence. Ebahis et voûtés,ils s’en retournent.

Les femmes n’ont pas tourné la tête. De longue date, elles neles gaussent même plus.

(In : Écriture)

A Foz

Aqui a baía se recorta da orla. Ao capricho de sulcos emondulações desde as profundezas, ela se desenha. Assim, tambémo rio. Ele se confunde com o entorno, maná verde.

Nas enseadas, modeladas pelo vai-e-vem de ondas e arroios,um vilarejo. Emaranhado de ruas e vielas que até o vento esquece.No centro, um antigo posto de gasolina. Nenhuma bomba.Apenas vestígios. Umas poucas cadeiras ali postas. Matizadas pordois homens. Ao lado, as mulheres bebericam o torpor de seusamavios.

Dá meio-dia. Sobressaltado, um deles dispara. O outro o segue,cauteloso. Até ao calhambeque, agarra-o, sacode, como gostariade fazê-lo corcovear! O outro acena, depois é tudo silêncio.Aturdidos e cabisbaixos, eles retornam.

As mulheres sequer se voltam. Há muito, elas nem mesmofazem gozação deles.

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L'Anonyme

Sur la place, on débouche d’un coup. Comme par inadvertance.Un liseré bleu anime les façades. L’ensemble est d’un blanc presquelisse. On dirait un confin intérieur. Rien ni personne. En contrebas,quelques cabanes; d’informes murs de glaise; quelques treillis. Destoits, longs feuillages séchés. Un silence absolu.

L’intemporel.Des silhouettes assises marmonnent la pénombre. Un long pied

nu, la roue. Boue sur le tour, une main. Elle se joue, anime, sefige. Quelque spatule crée la forme.

Sur l’établi, des gnomes et des bêtes; des coquilles. Une femme.Elle est venue jadis de l’en deçà des mers. Des mains noires enont revisité les lèvres, le visage.

Son nom : Nossa Senhora da Conceiçao.(In : Clairs obscurs)

O Anônimo

Desemboca-se de chofre sobre o largo. Como que sem querer.Uma barra azul dá vida às fachadas. O conjunto é de um brancomonôtono. Podia-se comparar a uma fronteira sem aléns. Nada eninguém. Abaixo, alguns barracões; paredes sem prumo, de taipa;uma ou outra cerca. Por cobertura, longas palhas de coqueiro.Silêncio absoluto.

O intemporal.Silhuetas sentadas sussurram a penumbra. À roda, um pé

descalço, comprido. Sobre o torno, argila; e uma mão. Ela sediverte, adeja, se imobiliza. Alguma espátula cria a figura.

Sobre a bancada, gnomos e bichos; conchas. Uma mulher. Vindaoutrora do lado de lá do mar. Mãos negras retocaram lábios erosto.

Seu nome: Nossa Senhora da Conceição.

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Fils prodigué

Toujours, le benjamin apparut comme une exception heureuse.Un soir d’ivresse, l’aîné évente le secret de sa naissance que

tous, sauf lui, partageaient. Le fils interroge sa mère. L’émotionest intacte.

Son père convoyait de lourds charrois. Il avait coutume dedescendre dans l’auberge qu’elle avait ouverte après s’être séparéedu père de ses douze autres enfants. Il y a peu, il s'est installé àdeux pas de la ville de leurs amours.

Le fils s'y rend. S'enquiert de l’homme. Entre dans le café où ila ses habitudes. Salue. Deux regards se croisent. Les yeuxs'embuent.

Aucun doute.Tout s’est joué avant les mots.

(In : Clairs obscurs)

Filho acontecido

De todo o sempre o caçula é visto como feliz surpresa.Num entardecer de bebedeira, o mais velho desvela um segredo

de todos sabido, exceto do caçula. E este interpela sua mãe. Totala emoção.

O pai conduzia pesadas carretas. E costumava parar na pensãoque sua mãe abrira, depois de separar-se do pai de seus dozefilhos. Mudara-se ele, há pouco, para bem perto da cidade deseus amores.

Para lá dirige-se o caçula. Informa-se. Entra no bar que ohomem costuma frequentar. Cumprimenta. Cruzam-se doisolhares. Olhos marejam.

Nenhuma incerteza.Tudo se perfaz antes mesmo das palavras.

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La Voix

Elle avait gagné le Grand-Nord et y recevait, de temps àautre, des appels d’un lointain parent de sa colocataire. Labelle Amérindienne émut le correspondant anonyme habituéà des accents plus gras-seyants. Il lui proposa d’apprendre salangue par ses soins.

La réceptionniste daubait gaiement le moderne trouvère.Elle ne refusa pas l’invitation à le rejoindre au bord des lacs ets’en revint par le chemin des écolières. Le Mississippi remplaçale Saint-Laurent. Puis quelque baie de l’hémisphère Sud.

Un sabir inimitable y exalte en permanence le curieuxmentor.

Trois langues s’y emmêlent.

A Voz

Ela havia se estabelecido no Gigante do Norte, onde, detempos em tempos, atendia as ligações de um contraparentede sua co-locatária (OU co-inquilina / colega de pensão). Abela ameríndia cativara o correspondente anônimo, afeito asons mais guturais. Propôs-lhe este aprender sob os desvelosdela a língua exótica.

Debicava brincalhona do moderno trovador a recepcionista.Não recusa, contudo, o convite para encontrar-se com ele àbeira dos lagos e de lá retornar com a despreocupação deescolares sem pressa. O Mississipe em lugar do São Lourenço.Mais tarde será alguma baía no hemisfério sul.

Um jeito de falar impossível de imitar, enredandopermanentemente o curioso aprendiz.

Três falares nele se entrelaçam.

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Le Phalanstère

Son prénom le rattache à la Grèce. Son nom, aux douceurstropicales; son parcours, aux engagements de l’après-guerre. Ason fils il a donné un nom romain mais sur la vie porte un regardenjoué, rarement frontal.

De ce savoir-vivre, ses enfants ont hérité.Un jour, le fils, qui vient d’emménager dans l’ancien

appartement de sa sœur, voit débarquer son père à l’improviste.Avec ses cliques et ses claques.

Lui aussi vient de tomber amoureux.Chacun finira par regagner son logis.

O Falanstério

Seu nome próprio o remete à Grécia. O sobrenome, às doçurastropicais; sua trajetória, aos engajamentos do após-guerra. A seufilho deu um nome romano, mas sobre a vida seu olhar é divertido,dificilmente radical.

Desse jeito de estar bem com a vida, seus filhos souberampartilhar.

Um belo dia, recém-instalado no antigo apartamento da irmã,o filho vê desembarcar, sem aviso prévio, o pai. Com seus teres ehaveres.

Também ele tinha se deixado cair de amores.Cada qual acabará por voltar para seu canto.

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La Sorcellerie

Il n’a jamais caché son faible pour les femmes. Elles le luirendent bien.

Un courrier le convoque. L’enquête démarre. Une étudiante aporté plainte. De longue date elle est majeure.

Pour une fois, il n’avait pas répondu aux avances qu’on lui faisait.(In: Traversées)

Bruxaria

Nunca ele escondeu o seu fraco pelas mulheres. E elascostumam retribuir.

Um ofício o convoca. O inquérito está lançado. Uma estudanteprestou queixa. Há muito que ela é de maior.

Ora, desta vez, havia ele resistido a olhares e insinuações.

La Halte

Tôles percluses, treuils grinçants, le vent louvoie. Toussel’espace, tanne, lacère. Troue la cire des paysages.

Grives furieuses, les longues eaux l’attellent. Le brouillard laceleurs roulis. On entend croître un râle.

Quelque fatigue pleure.Soupir d’aise.

(In: Clairs obscurs)O Descanso

Balançam as coberturas dos hangares; rangem estridentesroldanas; lufadas enlouquecidas. Espasmos no ar, nuvensdesgarradas, relâmpagos. Despedaça-se a moldura das paisagens.

Qual tordos enlouquecidos, as borrascas envolvem o espaço.A neblina vai esbatendo o desassossego. Ouve-se um derradeiroestertor.

Exsuda uma súbita languidez.Suspiros de alívio.

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Ficção

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O dia do aniversário de Odete

Luis Henrique

ANA (6 horas)Aquele era o dia em que Odete completava quarenta anos.

Ana acordou muito cedo, mas ficou estirada no aconchego doscobertores (era junho). Enquanto isso, repassava mentalmenteos mínimos detalhes do programa para o dia do aniversário deOdete.

Às seis, com o dia ainda turvo, ligou para Odete.– Dete, minha querida, quis ser a primeira. Muitas felicidades,

minha querida. Você é-me muito preciosa, e eu a quero muito.Ouvia, do outro lado, a respiração de Odete, uma respiração

pesada como se ela segurasse os pulmões. Mas isso aconteciasempre que Odete acordava ou quando tinha algum problema erelutava em revelá-lo ou dividi-lo com outra pessoa.

– Tudo bem? – perguntou.E a voz de Odete, a querida voz de Odete, veio como um

jato:– Estou bem, Ana. E muito obrigada por me acordar... Você

sabe, Ana, eu não gosto de aniversários.Rápida, Ana cortou:– Não se trata de aniversário, minha querida, mas do seu

aniversário. Vamos comemorá-lo, como acertamos.

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– Seja, Ana, mas é porque você quer.– Digamos que é porque nós queremos – acentuou Ana.Em seguida, desligou. E acompanhou os gestos da florista

que estaria preparando o grande ramalhete de rosas brancas erubras (as preferidas de Odete) que encomendara com as maioresrecomendações. Dissera, lembrava-se, que não colocassem laçose laçarotes; que deixassem as rosas serem rosas. Com um detalhe:deviam borrifá-las, para que as gotas de água semelhassem orvalho.E que fossem quarenta, exatamente quarenta, vinte brancas evinte rubras.

Ana decidiu verificar. Discou para a casa de flores.– Aqui é a doutora Ana. As rosas que encomendei?– Já estão saindo, doutora.– Bem.– Chegarão às sete horas, como a doutora recomendou.– Ah, isso é ótimo. E muito obrigada.Desligou e, ainda deitada, recolheu a carta que estivera

escrevendo para Odete, uma carta que desejara carinhosa,conquanto sem arrebatamentos. Uma carta que deveria transmitira Odete um pouco do que sentia por ela e a amizade que as uniahá cerca de vinte anos.

Para ser preciso: dezenove anos, dez meses e vinte dias,calculou Ana, sorrindo levemente, porque se lembrara da mocinhamagra e pálida que descobrira na primeira fila dos que assistiamao seu concurso para professor-assistente de Ginecologia naFaculdade de Medicina.

– Sou Odete – ela se apresentara, tímida e trêmula. E acrescentara:– Quase morri com a arguição daquele professor baiano...

– O doutor Magalhães Neto?– Bárbaro!Riram-se. E desde então ficaram amigas.“Amigas”, conferiu Ana, e releu o trecho que escrevera:

“Nesses anos você foi tudo na minha vida.” Sentia que nãoconseguira expressar com exatidão o que desejava transmitir a

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Odete no dia em que alcançava os quarenta, idade que sabia muitodifícil para as mulheres (e para muitos homens). Sabia porexperiência própria (já completara cinquenta), e sabia tambémcomo médica. Como escrever, porém, a respeito de sentimentosque amassavam uma inclinação para o carinho e a ternura comoutras tendências mais dominantes, como, por exemplo, para aposse física e espiritual, algo forte que a fazia desejar ser Odete, enão apenas ter Odete?

Uma questão de pele, dissera-lhe, certa feita, em Paris, o seuantigo colega de medicina e amigo masculino mais duradouro,Héron de Alencar, com aquele seu ar grave, mas simpático, orosto muito tranquilo e bonito tomando uma expressão severa.Na ocasião, discutiram isso, e Héron falara pausadamente (eramestre em ouvir e ainda maior mestre em expor uma situação ouum pensamento) a respeito de um casal que conhecera já na alturados quarenta anos de casamento, um casal em tudo desigual (ela,imediata e fútil, e ele, um empresário, ponderado e sério), umhomem e uma mulher que tinham o evidente prazer da mútuacompanhia.

– Pele – dissera Héron.Estavam entendidos que a palavra pele não significava

exclusivamente o corpo (os braços, as pernas, a boca, o ventre),mas se completava muito mais em tudo, que até permitia aadivinhação do querer.

– Conheci-os, – disse Héron, com as mãos entrelaçadas – eda última vez que os vi, ambos às vésperas dos sessenta anos,pegavam-se, os dedos nos dedos e, às vezes, as pernas nas pernas.

Sim, era possível, bem possível, que Héron estivesse comrazão. Que não fosse só e só uma elocubração intelectual dehomem fino e inteligente, essa verdade: as pessoas se querem napele. No caso dela, porém, se sabia que o seu querer por Odetepodia ser uma questão de pele, jamais chegaria à certeza dossentimentos e motivos de Odete. Porque era obrigada a concluirque estavam íntimas e estranhas há quase vinte anos...

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Um pouco perturbada com a linha do seu pensamento, Anase ergueu da cama. Era uma mulher forte, de seios fartos, mãosde dedos compridos (dedos de cirurgia) e pés chatos e grandes.Tinha estatura média, e podia se passar por elegante com a maiorrapidez.

ODETE (6h30min)Odete acordou mal-humorada. Detestava acordar cedo. E

muito embora Ana soubesse disso, não conseguira segurar aansiedade e tivera de lhe telefonar às seis da manhã. Aquilo eramesmo de Ana!

Ana. Naquele longo tempo de convivência, mais de vinte anos,acreditava, Ana sempre estivera presente em sua vida. Com efeito,podia-se recordar da presença de Ana em todos os seus episódios(acontecimentos). Por último, não fosse Ana e com certeza teriasido muito difícil, quase impossível, hospitalizar o pai e dar-lheao menos o lenitivo da operação de próstata que o deixara comuma sobrevida de três anos. E quando ele morrera, após longaagonia (ah, aquele coração batendo alto!), não fora Ana quem asustentara no seu desprezo de si mesma, na sua tristeza, saudadee amargura?

Odete levantou-se. Vivia com a mãe e duas serviçaisdomésticas, uma das quais atendente de enfermagem. Idosa, amãe, com quem jamais se entendera, estava escorregandorapidamente para a esclerose. Ganhara agora um rosto de menina,com a pele muito fina, os olhos pequenos e orelhas pesadas egrandes. Era ela quem se encontrava sentada na sala e a olhavacom insistência.

– Que é – indagou Odete. – Nunca me viu?A senhora idosa suspirou:– Hoje é o seu aniversário, minha filha, parabéns.– Grande coisa... – disse Odete.Em seguida, chamou:– Flora!E ordenou:

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– Meu café. Como sabe, café bem quente.Odete tomava pela manhã uma simples xícara de café preto,

com duas ou três bolachas. Gostava de manteiga. Por isso, asbolachas tinham de vir aquecidas, para que as lambuzasse demanteiga. Comia, então, com os dedos, permitindo que elestambém ficassem amanteigados, para lambê-los com renovadoprazer. Ana dizia: “Você abusa da manteiga.” Mas Odete era umamulher esguia, de rosto comprido e belo, não obstante o fortenariz da família paterna, os Valenttis, uma antiga família do Veneto.Tinham vindo para o Brasil nos anos setenta do século XIX (fazia-se a unidade da Itália) e tinham se estabelecido na colônia SantaFelicidade, em Curitiba. Seu pai subira de agricultor a engenheirohidráulico. E fora um dos únicos a sair daquele vespeiro deValenttis e Matallamossos. Na ocasião da revolução de 30,transferiu-se para o Rio.

– Mãe, – falou Odete – que idade tinha o pai quando veiopara o Rio?

– Já não lembro, Odete. Vinte e dois?– Deve ser. E era bonito?– Foi o homem mais bonito do seu tempo.Por um instante, com aquela dor que ainda sentia ao se lembrar

do pai, Odete viu o homem alto e desempenado que semprechegava em casa com dois botões de rosa para ela – um, de rosabranca, e outro de rosa rubra.

– Rosas para minha filha – ele dizia, e tinha uma inclinação naqual Odete encontrava uma graça ilimitada.

Tocaram a campainha. Maria, a enfermeira atendente, foiatender e logo voltou com um ramalhete de rosas brancas e rubras.Estendia-lhe um cartão. E ela não precisava abrir e ler: era deAna, sempre Ana. Teria palavras amigas e carinhosas.

– Onde boto? – indagou Maria.– Na sala – disse Odete, que vacilou um pouco e, em seguida,

completou: – Por favor, Maria, reserve duas, uma branca e umarubra, para a minha mesa do hospital.

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Mal dera a ordem, verificou que o novo hábito de uma rosana sua mesa de administradora hospitalar era por causa do doutorRoberto, o médico de meia idade que assistira os últimosmomentos do seu pai e que lhe dissera em certo fim de tardeparticularmente pesado: “Você ainda é bonita, Odete. Por quenão se casa?” E a quem respondera com duas tolices: “Não mecaso por causa do meu trabalho e de minha mãe. Ademais, nãosou bonita, doutor.”

Por causa do trabalho? Não, de modo algum. O trabalho eraapenas sobrevivência. E tampouco, também, por causa da mãe,como sabia muito bem. Mas, como responder àquele homemque lhe aparecera num acaso (ele era o único médico no hospitalna noite em que o pai começava a morrer); àquele homem gentilpara quem agora colocava rosas na mesa; como lhe dizer queexistia Ana e que Ana era tudo?

Com os dedos lambuzados de manteiga, Odete lambeu-os.Sentiu então que ia chorar e, como tinha os olhos da mãe

acompanhando-a, derrubou uma cadeira.– A senhora não deixa de me olhar – reclamou. – Que coisa!– É porque você está muito bem, Odete. Muito bonita.– Nada disso – disse Odete. – É porque a senhora não quer

saber o que eu vou fazer hoje.– E eu não sei? – fez a senhora.– Sabe?– Sei. Vai passar o dia com doutora Ana.Sim, havia isso, nem sempre explicável, nas pessoas

esclerosadas. Elas tinham uma singular mistura de clarividência edelírio.

Naquele começo de manhã, foi-lhe insuportável.– E daí, mãe? – falou Odete. – A senhora sabe muito bem

que Ana é a minha melhor amiga.Saiu da sala, na sua forma arrebatada, e foi para o quarto. O

telefone tocou.– Dete? – era Ana.

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– Sim, sou eu, Ana. Já estou quase pronta.– Dete, Dete! – musicou Ana. – Não é nada, minha querida.

Quis somente ouvir sua voz. Já viu o dia?– Não...– Está lindo. Não há uma só nuvem no céu.– Vou olhar, Ana.– Olhe, minha querida. E não esqueça: eu gosto imensamente

de você.– Ana...– Não diga nada, Dete. Logo estaremos juntas. Ana desligou.Odete ia dizer-lhe que gostaria de passar no túmulo do pai,

mas era quase certo que Ana não permitiria.– O quê? – diria Ana. – Cemitério num dia como este?! E

logo no seu aniversário! Nada disso, minha querida filha.De repente, subiu-lhe novo impulso para o choro e, como se

voltasse novamente a ser a menina medrosa e chorona que foraaos quinze anos, Odete deixou que o choro a tomasse.

ANA (7h30min)Ana fez café e torradas e esquentou o leite. Vivia só, mas

atendia bem às suas necessidades domésticas, às quais aceitava, anão ser lavar pratos e talheres. Resolvera, porém, essa parte,colocando tudo no detergente, quase sempre de um dia para doisou três depois.

Ana gostava de comer lentamente, mordendo cada torradana ponta, mastigando bem e sorvendo o café aos goles.

Ana parou a torrada nos dentes, trincou-a e sorriu. Estavarecordando a primeira vez que levara café com torradas paraOdete quebrar o jejum na cama. Tinham vindo do teatro para oseu apartamento e tinham dormido abraçadas. Naquela ocasião,como antes, como sempre, sentira que Odete jamais seriatotalmente sua, – Odete era tão mulher! – mas ela, Ana, ela erauma coisa de Odete.

Mais uma vez perturbada, Ana guardou o que sobrara dastorradas e do leite e despejou o resto do café na pia. Em seguida,

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correu (correu!) para o quarto e começou a reunir o que ia vestirnaquele dia especial: calça de linho, blusa rosa choque e sapato debico estreito. Escolhera-os em companhia de Odete, numa butiquede Ipanema.

Enquanto se vestia, recordou, parada, recente diálogo comOdete, um diálogo pesado, difícil, no começo da noite, numdomingo.

– Tudo bem entre nós, Odete? – perguntara.(Não tinham conseguido. Haviam-se acasalado, mas não

tinham conseguido.)Sob o silêncio de Odete, continuara, muito atenta:– Isso acontece com todos os casais.– Eu não disse nada, Ana – fez Odete.Insistira:– Mas está calada e distante.– Cansada... – disse Odete.– Ultimamente você está sempre cansada – queixou-se Ana.

– Há algum problema?– Não. Que bobagem!– Eu a conheço, Dete – disse Ana. E, quase em seguida,

colocara: – Será que conheço?– Conhece como ninguém, Ana.E ela, Ana, tomara uma decisão. E perguntara:– Você sente falta de homem, Dete?Viu Odete escapulir, como uma onda que recua.– Falta? – ela disse. – Falta, como, Ana?– Você sabe muito bem, Dete.Odete se recompora. Ela acamou o travesseiro, uma e outra

vez. E sorriu:– Como posso saber, Ana? Nunca experimentei homem...Riram, então, perdidamente, e se abraçaram e embolaram.Com essas lembranças, Ana terminou de se vestir.Ligou para Odete:– Dete?

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– Eu – atendeu Odete.– Estou saindo.– E eu estou pronta.– Mais cinco minutos e estou em sua porta. Quer que eu suba?– Não precisa, Ana. Mamãe sabe que vou a Teresópolis com

você.– Então, até logo, querida.Ana desligou e desceu para a garagem. Morava na Bulhões de

Carvalho, muito próximo da Rainha Elisabete, avenida na qualficava o edifício de Odete.

(ODETE, 9 horas)Odete colocou o fone na posição de descanso e ficou parada.

Estava com um vestido azul, presente de Ana.Lembrava-se agora de uma pergunta de Ana, para a qual dera

uma resposta incompleta. Porque, quando Ana indagara se elasentia falta de homem, ela respondera com uma mentira. Naverdade, tivera muitos namorados entre os quinze e os vinte anos,e a todos concedera intimidade. Na altura dos vinte, passara todauma tarde com o engenheiro Navarro, um homem casado, vinteanos mais velho que ela e amigo de seu pai. O namoro começarameio de brincadeira, mas ele a desafiara ao lhe dizer: “Você sónamora meninos. Tem medo de homem?” E um dia, de maneiraaberta e franca, ele a convidara para ir a um apartamento.

– Meu pai... – começara a dizer, na sua vacilação.E ele garantira:– Ninguém saberá.Ele traçou um pequeno mapa de Copacabana e indicou com

um x em vermelho o prédio da Sá Ferreira em que a esperaria.Ele fora gentil. Mas a despira com rapidez e a carregara para

o pequeno sofá ao pé da parede. Despira-se também, mas semantivera de cueca. E ali, naquele apartamento, quando o homemnão fugira à urgência, ela trançara as pernas. Ele ejaculara sobresuas coxas. Como todos os outros...

Foi tudo. E não se repetira.

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– São uns bobos, esses homens – dizia-se Odete. Mas agoraestava vestida e vibrante.

Deixou a cama e o armário na desarrumação que seriaconsertada por uma das serviçais e saiu para a sala. Ao contráriodo que se supunha, a mãe estava acordada. Mergulhada, noentanto, na regressão, fez uma recomendação severa:

– Não venha tarde. Lembre-se que seu pai gosta de jantar cedo.ANA E ODETE (9h35min)Ana parou o carro e buzinou. Como em todas as outras

ocasiões, Odete estava atrasada. Mas antes que terminasse amanobra para encostar o carro, Odete, a querida Odete, apareceu.Estava simplesmente linda, naquela idade madura em que asmulheres são perfeitas.

Odete riu:– Você parece querer me devorar, Ana.E Ana, no mesmo tom:– Tenho essa intenção, minha querida.Beijaram-se carinhosamente. Ana soltou o freio do carro,

olhou para um lado e outro. Alegre, Odete riu:– Você vai me dar o dedo de Deus, Ana?Ana ficou séria:– Vou, minha querida. Isso, e tudo que você queira. Pois eu

lhe pertenço, Dete.

(in: Almoço posto na mesa. Salvador: EGBA, 1990.)

Luis Henrique é historiador, ficcionista, autor premiado de dezenas de livrosde história e de ficção; é professor titular de História da UFBA, DoutorHonoris Causa da UNEB. Ocupa a cadeira nº 1 da ALB.

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Ruas desertas

Carlos Ribeiro

Assim vou, amigo, agora, andando por essas ruas claras daCidade Baixa e que se parecem tanto com aquelas ruas em queandei sem saber que andar por elas seria um dia um sonholongínquo, um renascimento. Então eu renascia naqueles passos?A tarde escoava-se lentamente nas varandas das casas antigas commistérios que eu um dia conheci e que continuam ali. Veja: opassado é este presente de vozes de crianças que brincam pordetrás da parede branca e só ouço as vozes, e penso que daquelasexistências permanecerão apenas vozes sem corpo, como umacanção. Essa rua me surpreende, porque me desperta sensaçõesque pareciam mortas e enterradas. Ruas vivas com crianças, velhosconversando nos portões, donas de casa mergulhadas em suarotina, ecos de missas dominicais, contas, crucifixos, oratórios,amizades e intrigas, vendedores ambulantes e cães vadios e pessoastemerosas, a ameaça da carrocinha que era sempre uma promessae uma dúvida: ficaríamos do lado dos cães vadios contra essesmonstros que querem transformá-los em sabão? E eu olhavadesconfiado, quando tomava banho, para o sabonete, pensandose não seria ele algum daqueles cães do nosso bairro. Como teriasido seu nome: rex? sultão? caçador? E nem tinha coragem deesfregar-me mais para que o que restou dele não escoasse pelo

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bueiro e não restasse dele nada mais que uma vaga lembrançaespumosa. E nos reuniríamos, campeões, nossa turma invencível,para impedir a matança que nunca aconteceu ou que somente otempo se encarregou de fazer? Ele levou todos os cachorros vadiosda rua, e a rua, e o meu olhar – este mesmo olhar que tentarecuperar o irrecuperável. Ando devagar como quem saboreiaum prato raro. Talvez o último. Aquela rua é o que restou de umacidade que se voltou contra si própria com seus edifícios afiadoscomo navalhas, com suas esquinas angulosas, com suas ruas semmoradores, entregues a passantes distraídos, ruas sem memória.Carros não cruzam avenidas aqui, nem perturbam o ruído dotempo. Estou numa rua do Bonfim, em cujo final se vê o mar. Omar se estende diante das casinhas simples que dormem à beirado mangue. Podemos sentir o cheiro da lama e dos sargaços,podemos sentir o cheiro do tempo e das horas que não passam.Que dinheiro paga esse privilégio, meu irmão? Que dinheiro podepagar um cheiro e um sentimento? Como sois ricos sem saberes!Vocês têm todas as manhãs essa rotina branda de abrir a janelapara as águas da Baía de Todos os Santos e de respirarem esse arde mar. Eu sigo bordejando as casas e seu passado. Para quê? Oque faço ali, caminhando feito um desocupado numa tarde deterça-feira? O que faço aqui?

Paro diante do hospital e maternidade da Sagrada Família oudo que dizem que é: uma construção quadrada, um dessesmodernos edifícios padronizados que são iguais em todas as áreasda periferia. São simples, baratos e talvez até eficientes. Mas nãoé o que procuro. “Esta é a parte nova do hospital”, me informam.Passo direto e contorno o prédio até a antiga construção. Lá estáo grande portão diante da praça ladeada de árvores frondosas. Jáé noite quando me aproximo do muro sobre o qual pousamestátuas de mármore de mulheres em estilo greco-romano, comsua graça e altivez clássicas. Na parte superior dos dois lados doportão de ferro estão duas estátuas empunhando uma tocha. Oportão está trancado. Ando até ele, perturbando a tranquilidade

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dos namorados que estão por ali espalhados. Encosto meu rostoe vejo o jardim malcuidado e o caminho de pedra que segue atéas escadarias. A frente do prédio é imponente, com 12 colunas(seis na parte de cima e mais seis na parte de baixo). O prédio mehipnotiza. Transporta-me. Nasci ali, há 40 anos e posso ver acriança chorando, ponto de luz que se acende e tantos passos queme trouxeram até ali, tanto tempo depois. Vejo meu pai que nãosabe que o futuro já terminara, ou melhor, que o único futurosou eu, que os vejo em tantos momentos. Ele ganha vida e faznovamente, em mim, tudo o que já fizera em vão. Lá vai eleacendendo as luzes. A casa se ilumina e com elas todos aquelesobjetos secretos da memória: a TV grande com frisos amarelos,coberta por uma capa de pano feita pela minha mãe, na qualbordou a imagem do indiozinho que era símbolo da únicaemissora que existia naquele tempo, a TV Itapoan, a máquina decostura preta com desenhos dourados, com o suporte de madeira,o carretel de linha, a agulha e o pedal que minha mãe manipulavatão bem, sentada próximo à janela, iluminada pela luz que vinhalá de fora pela janela e que parecia eterna ali aos meus olhos, oaquário iluminado no quarto, com filtros dos quais saíambolhinhas de oxigênio e os peixinhos – paulistinhas, finos comlistras pretas e amarelas, os beijadores, espadas, caudas-de-véu,tricogasteres –, e as plantas que olhadas de perto pareciam habitarum mundo submarino distante que, na realidade, só existia noespaço/tempo longínquo da minha fantasia. Ando mais um poucopelo quarto e vejo o baú de madeira do meu irmão mais velho,onde ele colocava sua coleção de revistas em quadrinhos, e seabro a sua pesada tampa posso ainda ver exemplares antigos deTarzan e dos Sobrinhos do Capitão, que eu lia sentado num cantomal iluminado do quarto, enquanto minha mãe passava pelocorredor para a cozinha, de onde vinha um ruído distante, umruído que vem do fundo do tempo e que eu agora procurodiscernir, inutilmente, e tudo aqui é tomado por esta sensação deinutilidade, quando não de desesperança ou de melancolia. “Corra,

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menino! Veja o que está acontecendo lá no fundo do corredor!”,grito eu com as mãos crispadas segurando a grade do portão. Omenino corre, corre e lá no fundo do corredor vê rostos que sevoltam em sua direção e sorriem. Vê a mesa posta, uma toalhabranca bordada com fios dourados, pratos e xícaras brancas, devidro grosso e resistente, um bule de café, pães e biscoitos. Dofogão vem um cheiro forte de ovos estrelados misturados comarroz na manteiga e bananas da terra fritas. E as mãos laboriosas,sempre ocupadas, pegando objetos, carregando-os para um ladoe outro: da mesa para o fogão, do fogão para os armários, dosarmários para a geladeira que era também branca e feita de ummaterial grosso e resistente, uma geladeira compacta que prometianunca acabar. E a minha mãe pergunta ao menino, meu filho,deseja alguma coisa?, mas ela pergunta vagamente, quasemecanicamente, e o menino não responde, e ela nem se lembrase perguntou alguma coisa, e o menino volta pelo corredor,devagar, para dizer-me que não há nada lá, no fundo do corredor,e chega diante da janela e olha para a escuridão das ruas, porquejá está escuro e o mundo vestiu aquele casaco grosso e fascinanteda noite, do mistério, e as luzes se acenderam no mundo, e omundo é como uma grande árvore de Natal. Menino, que vêsassim nessa escuridão? Ele gosta de olhar pela janela, gosta dever os fios que ligam os postes de iluminação, o emaranhado defios sujos que passam ali bem perto da janela e que ele teme erespeita, porque lhe disseram que nunca deveria estirar as mãos etocá-los para não virar fumaça, por isso ele se limitava a olhá-lose os fios tinham o poder de associar suas lembranças a umdomingo de carnaval quando sua mãe o vestiu com um pierrô ecarregou-o pelas ruas movimentadas, com toda aquela gentefantasiada, caretas, arlequins, colombinas e o cheiro de lança-perfume no ar. O menino sentia aquele cheiro que lhe dava umavaga sensação de inebriamento e felicidade; era um cheiro queabria as portas para um mundo novo de sensações, um mundomágico no qual a combinação do cheiro com o colorido das

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fantasias e com o movimento dos corpos e as músicas – marchas,ranchos e frevos – faziam brotar no seu espírito um novo mundo.O cheiro era uma porta pela qual atravessava do mundo naturalpara esse mundo superficial que era uma espécie de transgressão(ele não sabia disto ainda) e, talvez por isto, era-lhe ainda maisprazeroso. O perfume era como a luz elétrica nas ruas e nas casas:eles alteravam o ciclo da natureza, permitindo-lhes sensações eexperiências novas - como a maçã pendente aos olhos de Adão.Seria isto que lhe fez associar os velhos fios entrelaçados nospostes ao cheiro das lanças perfumes e àqueles carnavais? Mas omenino não sabia disto, pensei segurando as grades. Lá estavaele, pequenino, sobre os ombros da mãe em meio ao movimentodas ruas. Seus olhos, lá de cima, abarcavam uma extensão amplade foliões dançando ao som dos frevos e das marchas do trioelétrico Jacaré e dos sambas do bloco Filhos do Porto. Pierrôs ecaretas derramavam suas cores na Praça Castro Alves. Serpentinascortavam o céu lilás. Confetes azuis, vermelhos, verdes, brancose amarelos caíam como chuva dos altos edifícios, sobre as cabeças,em todas as direções. Risos e sons afloravam numa sinfoniaimprovável. Havaianas de riso fácil espalhavam cheiros inebriantes,brandindo lança-perfumes dourados, que passavam de mão emmão, borrifando desejos, alterando olhares, despertandosentimentos ocultos. Ciganas, em fantasias de cetim, refaziam amágica ancestral só a elas permitida, de tornar mais visível o queescondem com tanto capricho. Deusas abriam as portas desensações novas, estranhas, que confundiam o menino,despertando-lhe um desejo confuso de algo que não sabiadiscernir. Neste momento, o tempo se congela e só o espírito domenino movimenta-se sobre a multidão. Desprendendo-se damãe, ele se movimenta entre as pessoas, deslizando por entre osabrigos de ônibus da Praça da Sé, aprofundando-se nas estreitasruas do Pelourinho, pelos corredores dos sobrados, pelas sacadasdos velhos casarões, planando livre sobre os terraços, aspirandoo misterioso perfume da festa, despindo mulheres com um olhar

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faminto que a tudo devora, navegando rios de suor nos desvãosdos seios, escalando deliciosas colinas que arfam iluminadas pelaluz crepuscular e alcançando, como heróico alpinista, os cumesdos bicos dos peitos, dos quais salta em voo livre, rolandoalegremente pelos ventres cobertos por penugens douradas, quese adensam em luxuriante floresta tropical. E ali o menino sedetém, diante do mistério profundo e já não mais sabe para ondeir - e o mundo volta a se movimentar. O menino se vê novamentenos ombros da mãe e as pessoas se agitam à sua volta, o som dasmúsicas arrefece e a noite chega com as luzes amistosas das igrejase dos bares. E tudo fica mais quieto. São seis horas. O mistériocresce perante os olhos fascinados do menino, que não entendeo nervosismo dos gestos da sua mãe e o olhar surpreso do seuirmão que aos poucos se acalma quando alcançam a avenida largae menos movimentada, longe agora da agitada multidão. O somdas bandas fica cada vez mais distante e sua mãe comenta coisasincompreensíveis com as suas tias. O menino sente um prazermais familiar quando, agora, entram pela porta do apartamento,e todos riem, ou mesmo, gargalham, e o menino ri tambémfascinado com aquela manifestação de alegria, mas sem saberpor que riem, e pergunta, mas ninguém lhe responde. Ele correpara a janela e se esquece do que se passa dentro do apartamentoe fica, como ficara tantas outras vezes, mergulhado no silêncio danoite, na semi-escuridão das ruas, no aspecto misterioso dos postesenfileirados como esqueletos caminhando para o desconhecido– e lá vão eles descendo a rua e a ladeira e sobre eles aqueleschapéus de luzes amareladas, porque as cidades de antigamentetinham essa aparência amarelada. E tudo fica mais quieto, cadavez mais quieto. Poucas pessoas – foliões desgarrados – descemas ladeiras do centro histórico, aos tropeços, e o menino nãoentende porque pessoas andam assim parecendo que vão cair aqualquer momento. Está mergulhado nesse pensamento quandosente uma coisa agarrar-se subitamente no seu braço esquerdo,como se um espinho lhe furasse a pele. Olha, num átimo de

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segundo, e vê o monstro agarrado no seu braço e um zumbidorascante fere-lhe os ouvidos. O menino sacode o braço, gritandocom todas as forças, desesperado, até que lhe acodem e espantamo monstro e sua mãe toma-o nos braços e suas tias e o seu irmãoriem, dizendo: “Era apenas uma cigarra. Ela não faz mal!”, maslogo vêem que ele chora mais e, agora, soluça. Dão-lhe água ealguém diz que parassem de rir, e ele continua soluçando baixinho,sem entender como podem rir dele, que quase fora devorado pelomonstro. Pela primeira vez, sente a noite como o lugar de onde sepode esperar qualquer coisa, um buraco negro do qual pode surgiro mais terrível ser, monstros com horríveis antenas e garrasdispostos a despedaçar quem encontrem pela frente. Sua mãe deita-o na cama e quer levantar-se, mas ele a segura firmemente pelopescoço, ela tenta ainda desvencilhar-se do seu braço, mas ele ameaçao choro e ela cede e ficam os dois ali, na penumbra, deitados – elonge, bem longe, a música continua tocando.

Carlos Ribeiro é jornalista e ficcionista, Doutor em Letras (UFBA), é professorda UFRB, autor de dezenas de reportagens e livros de ensaios, crítica e ficção(romance e conto). Ocupa a cadeira nº 5 da ALB.

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Mal do século

Antônio Carlos Secchin

Casimiro adentra no quarto, atrasou-se vinte minutos para aentrevista que marcamos. Sabes que horas são?, pergunto-lhe,tentando disfarçar o suor ansioso que meu rosto inunda. Quasemeia-noite em Paris, responde-me sorrindo, e despe o paletó.

É um menino. Examino-lhe as mãos. Dedos finos como devemser os de uma fada.

Tenho tido muitos sonhos, e nada pior para um poeta do quesonhar de verdade, na cegueira da noite. Os restos dos sonhosme perseguem durante o dia, e não sei o que fazer com tantascenas estúpidas. Já não basta tê-las sofrido no pesadelo? Precisamretornar à luz do sol? Ontem sonhei com o baile. Na extremidadeesquerda do salão, aquela mulher me obrigava a desejá-la. Cabelos,olhos, leque e véus – negros, negros. Levei-a à valsa. Rodamos aosom da orquestra, em doidas espirais. Aproximei-a de meus lábios.Quando ia beijá-la, percebi que seu rosto se transformara numacaveira. A nosso lado, quatro pares de esqueletos tambémdançavam. Tíbias, metatarsos, perônios e fêmures cobertos porfinas rendas e sedas francesas. Fugi apavorado, atravessei umaalameda, pulei uma cerca de arame farpado e só me tranquilizeiao perceber que finalmente chegava a um ambiente familiar: logoreconheci a paisagem de Paris. As estáveis estrelas se estilhaçavamao arrepio das águas do Sena. O vento invernal uivava nas frinchas

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das portas. Meu Deus, mas que voz era aquela, que recortavacomo agudo estilete o negrume noturno? Aproximou-se de mimo vulto, sempre cantando, e de sua boca saíam canções que jáouvira na infância: era Isaura, antiga mucama da casa. Não entendio que uma escrava saída de Niterói vinha fazer em Paris. E sóencontrava uma explicação: ela viera cantar para mim. Sentou-seno chão, as costas largas apoiadas contra a amurada. Deita, Nhonhô.Dorme aqui no meu colo.

Dedos finos. Treze anos, e, como as fadas, ele também nãotem barba. Mas, diferente delas, escreve poemas. Veio a meuquarto mostrar seus versos. Enquanto me passa um cadernomanuscrito, percebo que não consegue desviar o olhar do anelde ametista que uso no anular direito. “Treze primaveras” é otítulo que deu ao caderno, numa caligrafia bem talhada emasculina. Começo a folheá-lo. Casimiro se ergue da poltronae vem sentar-se a meu lado, na cama. Faço esforço para meconcentrar nos versos.

Não gosto dos poemas. O rapaz já leu muito, mas leu mal.Como é possível aceitar que alguém, aos 13 anos, rime “ananás”com “tra-lo-ás”? Decerto é influência do pai dele, português everdureiro. Prossigo a leitura. Casimiro achega-se ainda mais,como se quisesse acompanhar minha reação a cada um dos versos.Virgens, sonhos, desmaios, será que a poesia é só isso? O que lheparece, Manuel Antônio? Não tenho coragem de lhe dizer a verdade:ele jamais será um poeta. Possivelmente daqui a dois anos estarátrabalhando de peito nu e tamancas na quitanda do pai, e as folhasdas “Treze primaveras” servirão para embrulhar bananas. Quemnasceu Casimiro nunca chegará a Maciel Monteiro. São ótimos ospoemas, afirmo. Estou certo de que serás um grande escritor. Éimpressionante a tua cultura literária. Faz muito tempo que...

Deita, Nhonhô. Dorme aqui no meu colo. A lembrança volta arodopiar na minha cabeça. Distraído, aproximo em demasia ospoemas da chama inoportuna de uma vela. Nossas mãosrapidamente se tocam no afã de impedir que o caderno se queime.

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Casimiro José se levanta, ajeita as folhas, dirige-se para a porta.Não sei se acreditou no que eu disse, ou se desconfiou de que eurepetia o mesmo elogio para todos. Peço: Não partas tão cedo!Insisto: Vamos falar mais de poesia.

Teatralmente, acendo um charuto e, andando à roda domenino, recito-lhe “Se eu morresse amanhã!”. Entre as estrofes,simulo uma tosse discreta, para dar mais drama à leitura. Ao vê-lo em êxtase, emendo com “Lembrança de morrer”, e aí sou eumesmo que acredito na história, terminando em lágrimas adeclamação. Recomponho-me rapidamente, e, num impulso, abroa gaveta da escrivaninha e dela retiro um maço de papel. Toma,vou te emprestar meus últimos poemas, a parte quatro de um livro que sechama Lira dos vinte anos, mas peço-te que m’os devolva até o próximodomingo, 25 de abril, quando vou partir em viagem. Há muito tempo venhoescrevendo o livro, mas o que fiz recentemente me leva a querer jogar fora todoo resto. Leio, então, o primeiro poema da nova seção: “Meus oitoanos”. Belíssimo!, entusiasma-se o rapaz.

Com meus originais sob o braço, prepara-se para sair, seguraa maçaneta. Por três segundos ponho a mão sobre a dele, tentandoimpedi-lo de completar o gesto. Percebe que estou confuso. Vira-se de súbito e nossos rostos ficam milimetricamente próximos.Faz um gesto carinhoso em meus cabelos, os corações sãotrezentos tamborins. Casimiro aperta o meu ombro, e depois,deixando com delicadeza os dedos percorrerem o meu braço,suavemente me responde: Não.

Antônio Carlos Secchin é poeta, crítico e ensaísta; professor titular da UFRJ,com vários livros publicados em ensaio, crítica e poesia. Ocupa a cadeira nº19 da Academia Brasileira de Letras. É membro correspondente da ALB.

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Coração escarlate

Janaina Amado

– Um segundo antes de a lâmina romper o céu e encobrirpara sempre o sol, ainda consegue pensar que tudo aquilo é umatremenda injustiça. Afinal ele nada tem a ver com os malditosconflitos entre muçulmanos e judeus, sendo apenas um turista,atordoado pela beleza milenar de Jerusalém. É seu últimopensamento. Os nervos explodem, o pescoço abre-se, na calçadao sangue macula pela bilionésima vez a terra santa. Dor infinitarasgando entranhas. Ainda leva a mão à garganta, num derradeirogesto, inútil como a guerra. Violento tremor rompe os últimosfilamentos do pescoço, e então a cabeça morena, pequena epontuda de Leopoldo começa a rolar ladeira abaixo, distanciando-se do corpo, no alto. Ouve o que confusamente parecem repiquesde sinos, ou trombetas misturadas a marés, e mergulha parasempre no outro mundo.

Silêncio. Leopoldo sente-se pairar no vácuo, ele próprio ou oque resta dele ou a sua essência – não sabe – suspenso acima domundo. Ao mesmo tempo, vê-se dentro do antigo corpo,ensanguentado em solo palestino. Percebe-se também no interiorda cabeça, estraçalhada agora contra um poste, que lheinterrompeu a rolagem ladeira abaixo. Os olhos da antiga cabeçaestão arregalados de espanto e medo.

Descobrir-se em tantas dimensões confunde. Não sabendoquem é, deixa-se flutuar no espaço. Não sente mais dor, apenas

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letargia. Tem certeza de que está em outra dimensão quandoenxerga a si mesmo – ou ao que um dia fora, ou ao que fora eainda é, ou ... – de uma perspectiva aérea, divisando lá embaixo,embaralhados entre si, fragmentos de sua vida.

Avista-se desembarcando sozinho em Jerusalém, dias atrás: ocinqüentão elegante, desenvolto, cabelos grisalhos, casaco pretobem talhado, habituado a circular nas altas rodas do mundo. Mas– de onde está, Leopoldo agora enxerga – dois buracos traziapor olhos, no coração, mandacarus, e aquele espanto desoladonas mãos. Ombros baixos e boca amarga, a do homem que chegaraa Jerusalém.

À época, não sabia a razão da viagem repentina, contrariandosócios e clientes, temerosos por sua segurança. Não era judeunem tinha interesse especial por Israel. Aquela vontade súbita deir, e pronto: entrara na agência, comprara a passagem, reservarao hotel. Agora Leopoldo está enxergando, inscrito a sangue nocorpo que desembarcara em Jerusalém: Saudade da morte. “Sevocê está decidido a se destruir, Léo, realmente eu não possofazer mais nada”, revê o desespero amoroso no olhar do amigo,o único capaz de compreendê-lo então, intuindo sentimentos queele próprio, Leopoldo, desconhecia.

Cansaço mortal, sentia. De todos e tudo. Muros altos da ruaonde morava, desertos que nunca vira. Difícil mover-se. Solidões.Vontade de detonar a ciranda de poder, sedução e dinheiro emque a vida se transformara. Quase enlouqueceu o pessoal daagência. Ninguém mais o entendia. Anúncios de néon,hologramas, pop-ups, gigantescas modelos absolutamente iguaisem poses para os clics, colunistas, colunáveis... Futilidades. Lixo.Ir pra onde? Procurar o quê? Interferências dos sócios, ataquesde nervos das mulheres, brigas terríveis, no trabalho, em casa,em público. Madrugadas inteiras pelas ruas úmidas de São Paulo,mãos enterradas nos bolsos, cabisbaixo em meio às putas,

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travestis e mendigos que sequer via, talvez por isso não oincomodassem. Fedor. Entulhos. Sede, mas sede de água pura,água de mina.

Saudade insuportável de Helena, que um dia se enchera dassuas traições, jogara as roupas numa mala e fora embora chorando.Crateras pelo corpo inteiro. Helena de rosto lavado, Helenadescalça, olho no olho, Helena gosto de pitanga com hortelã,cabelos secados ao vento. Helena inteira, mulher. Ele, estilhaçosque feriam plantas, luas, fêmeas... Procurando o quê? Não sabia.Caríssimas garotas de programa, alpinistas sociais, portentos dequem devia puxar o saco, ninguém mais tinha nome em sua vida.Rondas de festas, clientes, fusões, poder, trabalho, cocktails,vaidades, traições, mais trabalho, dietas, recepções, disputas,liftings, trabalho insano, jantares de negócio com direito a todasas sacanagens, fortunas, prêmios, seduções. Sua vivacidadeesvaindo-se em anúncios, escorrendo em outdoors, emcampanhas, em sites, em marketing político... Puta que pariu!

Um dia quisera mais. Um dia sonhara com coisas realmentebonitas. Pipas colorindo céus... à noite, sob estrelas, paposintermináveis com amigos sobre melhorias no bairro, no país.Jovens ao redor de uma mesa recheada de risadas e projetossociais, vontade de mudar o mundo, esperança, compromissos...Coisas que valiam a pena, iluminavam semblantes. Cadê Helena?Helena se casou, Helena se mudou. Cantava cirandas, os olhossorridentes. Decerto se escondeu em algum sítio poeirento,plantando chuchu sem agrotóxico. "A cara dela", pensou comdesdém, vontade de sair gritando de dor enquanto pensava. Mãosvazias. Dois buracos em cada mão, olhos desolados e aqueledesespero por onde sua energia escoava, transformada em cartãopostal.

Ondas concêntricas agitam o ar em torno de Leopoldo.Encantado, percebe: o ser alado em que se transformou pode

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girar de todas as formas, em parafuso, mergulho, dobradura,ponta-cabeça... Ângulos inusitados do mundo lá embaixo, dacidade santa, do seu corpo e cabeça separados em Jerusalém.Deixa-se flutuar, expandindo as novas possibilidades.

Lembranças muito antigas do seu ser. Vê-se transportado atéum tempo em que flutuava nu, despreocupado, livre, nutrido porum cordão mágico que o estimulava a crescer e explorar o úteroem volta. Paz, proteção, sensações que ignora desde quando foraexpulso daquele vácuo primordial.

Sente-se puxado para baixo com violência. “Ainda nãopertenço inteiramente a este mundo”, é a sensação ou idéia ouinspiração ou reminiscência que o assalta, enquanto despencaveloz rumo ao corpo desprotegido em Jerusalém. Em volta delesoam as primeiras sirenas de polícia, passantes fogem em váriasdireções.

Momento quase religioso, o do retorno ao corpo. Pela primeiravez Leopoldo dá-se conta da sua extrema fragilidade. Cisco nouniverso, capaz no entanto de carregá-lo, identificá-lo durantetoda uma existência “Esse corpo era eu”, reflete, ondas de amorformando-se à sua volta.

É aspirado para dentro do corpo. Barulhos ensurdecedoresde gases, correntezas, fluidos. Move-se instintivamente, assustado.É jogado dentro de uma cavidade escura, de espessas paredesrugosas. Toca, cheira meticulosamente cada ruga, calo, mancha,aspereza, curva, reentrância. Repetidas vezes. Emocionado,percebe as marcas internas do tempo, calendários do seu corpo. Oburaco fétido apareceu, está claro agora, quando completou alucrativa fusão da sua agência com os italianos, deixando à mínguao primeiro sócio. E a ferida que ainda supura parece tão... antiga!Enxerga o menino, rostinho colado à janela salpicada de garoa; láfora, o corpo esguio da mãe, abraçado a um desconhecido,desaparece para sempre no nevoeiro de São Paulo.

Leopoldo é tragado por uma correnteza vermelha, densa, queo conduz até o lugar mais macio, acolhedor e feliz onde jamais

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estivera. Enfim relaxado, pode entregar-se às madressilvasencarnadas, aos sussurros mansos dos rios, aos foles que nuncaparam de tocar, às pétalas aladas sobre a neve, aos desvarios debocas entreabertas, às curvas dos cachos de crianças, aos arrepiosdas nucas, à vegetação rarefeita dos cumes das montanhas. Sabe-se instantaneamente desejado, perdoado, consolado – amado.

Do mundo das madressilvas encarnadas, Leopoldo enxerga aantiga cabeça, espatifada contra um poste de Jerusalém.Amorosamente a envolve – a ela, que por toda a vida o guiouaté a fama e a fortuna, mas jamais lhe concedeu um segundosequer de amor, perdão, esperança, compaixão. Com cuidado,limpa-a de todas as sujeiras, da terra e do sangue que nela segrudaram, e também do excesso de miolos. Fecha para sempreseus olhos, beija-a, e a reúne ao corpo, recompondo a figuraque um dia fora.

Nesse momento, Leopoldo divisa a menina palestina. Ela acabade vir ao mundo num beco escuro da medina, em meio à noite deguerra, horror e mísseis. É apenas um corpinho nu, chorandosobre a calçada. Leopoldo envolve a menina em sua onda quente,e nela enterra o seu bem mais precioso, aquele em que acaba dese transmutar, um coração escarlate.

________Janaína Amado é baiana, publicou o romance Dandara (S.Paulo, Ed. Maltese,1995), o longo conto “Píncaros Precipícios”, no livro coletivo Dezamores(S.Paulo, Ed. Escrituras/Sesc, 2003), e três livros para crianças. É tambémhistoriadora, com diversas publicações na área.

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O inquérito

Lima Trindade

Não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita(Mateus 6:1-4)

– Bem, seu Renato, serei breve e bastante direto – Admiravaa calma dele neste instante da conversa, após discorremos sobrea Copa de Mundo de Futebol, as eleições presidenciais e as chuvasno Nordeste, e tentava adivinhar se, por trás da expressão tranquila(poderia dizer insultuosa?), um borrão emergia entre os olhosescuros impenetráveis (ou seriam sorridentes?).

– Estou à disposição.– O senhor (tento falar sem baixar a vista), o senhor realmente é...– Ora, mas é claro...– Veja, não estou lhe pedindo que entre em detalhes e minúcias,

basta apenas que me responda com sim ou não – Demonstrofirmeza (ele aparentou tanta naturalidade na resposta!). Talvez,Deus o queira, eu resolva tudo de maneira limpa, evitando osdesvios desnecessários e a falsa impressão de cumplicidade quedois homens em nossa situação possam crer possuir. Adoto umtom de voz grave, apropriado para não permitir dúvidas de quem,entre nós, controla os rumos, ainda que infortunadamente maltraçados. – Simples assim. O senhor, como um funcionário antigo(ou deveria dizer experiente?), sabe bem que a política da nossaempresa sempre foi a mais democrática possível (aqui, faço umapausa e esboço um meio sorriso). Nós sempre nos empenhamospara acompanhar a evolução dos tempos...

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– Sim, mas...– Não me interrompa, por favor. E fale baixo (procuro assumir

o controle). Quanto mais baixo falar, melhor.– Doutor, escute...– Doutor, seu Renato? (finjo irritação) De que doutor o senhor

está falando? Não sou doutor de merda nenhuma! – Cuspo afrase como quem recusa um pacto sórdido, ignominioso. – Seestou no comando da empresa hoje, isso se deve a muito jogo decintura. Fique sabendo que tive de rebolar (o que estou dizendo?Deveria ter dito “suar muito”) para me adaptar a todo tipo desituação na vida. Quando Juscelino tava no governo, fuiprogressista. Com Jânio, enchi-me de esperanças de varrer o país(sim, sim, reparo que aumenta a distância entre minha mesa e acadeira dele; cresço visivelmente). Já na época dos militares, vestia farda e parti para a guerra. Só não me rendi ao Jango. Pois aí,seu Renato, aí seria demais. Não sou louco. Não estou aqui parame acabar de trabalhar e entregar o suor das minhas mãos nobolso de desocupado nenhum!... E, depois (respiro fundo), senão lutei pela abertura democrática, não posso ser condenado.Chorei com sinceridade a morte do Tancredo. (Ele parece seenervar. Cruza as pernas e torce os dedos das mãos) Tive a sortede antecipar o mais do mesmo que se inaugurava. Não pestanejei.Prestei apoio irrestrito aos “novos” partidos no poder. Seu Renatonão imagina quantos caixas de eleições fortaleci. É claro que obtiveretorno à altura. Uma boa empresa não se sustenta sem uma boapolítica de lobbies.

(O telefone toca)– Alô. Não. Não posso atender ninguém agora. Anote as

ligações e diga que estou numa reunião importante. Não, donaLucy. Somente após o almoço. Obrigado.

– Senhor...– Olha, só vou falar mais uma vez, paciência tem limite! E não

tolerarei mais o senhor cortando minha linha de raciocínio (chegouo momento de acuá-lo). Eu me preparei um dia inteiro para esta

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conversa, seu Renato. Um dia inteiro! E o senhor poderia até seconsiderar na rua se não... (pausa) – É quando perco a medidatênue entre o que aconteceu e o agora, sobreponho minhaansiedade (deveria ter aumentado a dose do lexotan) ao opacodele, ao cristalino turvo dos olhos, à serenidade do rosto e àimpaciência dos gestos furtivos. – Está vendo? Está vendo, osenhor? Está me tirando do sério! Não foi para isso que lhechamei... Gostaria que entendesse.

– ...?– Esquerdo. O senhor é um esquerdo! (falei, enfim)...– Esquerdo, não. Canhoto! Prefiro que me chamem de canhoto.

É o termo apropriado, o jeito que me agrada. Essa estória de“esquerdo” é coisa da Idade Média, de gente que...

– Sim, está certo, está certo... Tudo bem. Desculpe-me. Eraesse mesmo o termo que eu pretendia utilizar (tudo se demonstramais complicado). No entanto...

– O senhor não precisa se justificar. É comp...– Grato. Muito grato. Apesar de jovem, você me parece uma

pessoa ajuizada. É até difícil acreditar que o senhor realmenteseja es... canhoto! Antigamente era bem mais fácil identificar vocêspelo modo de agir. Agora, não se nota diferença alguma. Parecemesmo que se tornou moda ser esquerdo (escapou) neste mundode meu Deus. Vão lentamente invadindo os teatros, os cinemas,as tevês... Aliás, o teatro já foi um ambiente estritamente familiar.Ou, pelo menos, na cidadezinha onde nasci, era. Não tinha históriade Nelson Rodrigues, não! Sacanagem nunca foi coisa pra se exibirpublicamente. É pra se fazer ali ó: duas pessoas e quatro paredes.As peças eram todas coordenadas pela Igreja, com temas cristãos,que é o certo (recordo do padre João e seus braços peludossegurando a hóstia). Isso era arte! Arte com “a” maiúsculo. Ascrianças vestidinhas de anjo e o pequeno coral repetindo o refrão...Ah, como tenho saudades daquele tempo! Discutir política, então,era coisa só para gente de bem. Bunda-suja que fosse se lavar nasua própria casa; lavrador, lavrar; capataz, cuidar; porque tradição

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de família não se obtém dum dia pro outro, duma hora pra outra.Família que manda, ou esteja disputando o mando com outra,tem a benção de Deus para isso... Coisas de es... canhotos!? Agente ouvia falar (vagamente). Posso até dizer que já usei dessamão, quando era menino pequeno, mas quando se é criança, agente faz as coisas sem maldade, não é mesmo? Se os pais ficassemsabendo, davam uma surra danada... E se eu souber do meu filho(Deus me livre e guarde), dou surra também... Não leve para olado pessoal, seu Renato. Eu não sou este poço de ignorância queo senhor está pensando. Leio muito, é importante a gente conhecero comportamento humano. Sei que gente famosa como Leonardoda Vinci foi canhoto, e sei que a lista não para por aí. É por isso queeu estou lhe dizendo tudo isso, para o senhor saber que, mesmosendo canhoto, o senhor não será despedido, ouviu? O senhor podeficar sossegado. Nós acompanhamos a evolução dos...

– Percebo o que quer dizer, seu Otaviano. O senhor nãodesconhece que há uma lei que proíbe a discriminação decanhotos, não é mesmo?

– Eu? Não, não... E não é por isso...– Seu Otaviano...– Sim, seu Renato?...– O senhor não precisa se preocupar.– Eu? Me preocupar? (Que impetulância!) Ora, mas me

preocupar com o quê?...– Eu não direi nada...– Não dirá nada?– Não, não falarei nada do que aconteceu no Clube no último

sábado... O fato de ter visto o senhor, ao sair da piscina e sedirigir para relaxar na sauna... O fato de tê-lo visto usando a mãoesquerda!

– ...– ...– O senhor pode sair, seu Renato.

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Lima Trindade nasceu em Brasília, DF. Vive em Salvador desde 2002. Éautor do romance Supermercado da Solidão (2005) e dos livros de contos Todosol mais o Espírito Santo (2005) e Corações Blues e Serpentinas (2007). É mestreem Teoria da Literatura pela UFBA. Edita mensalmente, desde 1999, arevista eletrônica Verbo21 (www.verbo21.com.br) e tem vários textospublicados em jornais e revistas do Brasil e exterior: Revistas Cult, LSD,Iararana, sites Bestiário, Germina e Confraria do Vento; jornais CorreioBraziliense e A Tarde, entre outros.

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Discursos

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Abertura do Ano Acadêmicode 2008

Edivaldo M. BoaventuraPresidente da Academia de Letras da Bahia

O ano acadêmico que, ora, se inicia é rico de eventos significa-tivos para a história, a literatura e a política. Comemoram-se obicentenário da chegada da Corte Portuguesa, o quarto centená-rio do padre Antônio Vieira, o primeiro do governador e acadê-mico Luís Viana Filho e os cem anos de falecimento de Machadode Assis. Todos os quatro eventos marcam profundas vinculaçõescom a nossa Companhia.

Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia e Braskem

Neste clima de festa comemorativa, compartilhamos a nos-sa alegria, com a empresa Braskem ao procedermos à entregado Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia/Braskem dePoesia 2007 a Rodrigo Petrônio Ribeiro, jovem e promissor po-eta paulista. Lançamos o novo prêmio de contos referente aoano 2008 e o livro Floração de imaginários: o romance baiano noséculo 20, do escritor e professor Jorge de Souza Araujo, ven-cedor do Prêmio Braskem de Ensaios 2006. Cumpre a Acade-mia, dessa maneira, uma das suas finalidades: “promover a con-cessão de prêmios, ou concedê-los, para composições literári-as” (Art. 67, alínea c).

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O incentivo dessa singular premiação nacional concretiza-sepela parceria com a Braskem, representada, neste ato, porHumberto Garrido, da diretoria de relações institucionais, e porJosé Cerqueira, velho e querido companheiro de promoções li-vreiras desde o tempo da Copene. À Braskem o nosso reconhe-cimento e a vontade de continuar com essa parceria no estimuloà produção intelectual, pois, premiar é reconhecer o mérito. Nãopremiar é punir pelo indiferentismo. Salve, pois, a Braskem quemerece todos os nossos aplausos.

Acadêmico Cláudio Veiga, membro benfeitor

Festejamos a premiação e celebremos a entrega do título debenfeitor ao confrade Cláudio de Andrade Veiga. Exercita-se,assim, o dispositivo que categoriza o membro benfeitor: “Seráoutorgado o título de membro benfeitor a quem prestar relevan-tes serviços à Academia, só podendo ser concedido esse título seaprovado em plenário por dois terços da maioria absoluta dosmembros efetivos” (Art.16, parágrafo primeiro).

Por esse motivo, uma das primeiras decisões da atual diretoriafoi outorgar este honroso título ao ex-presidente. Após vinte eseis anos de profícua gestão, o confrade Cláudio Veiga afastou-seda presidência deste Sodalício, em junho de 2007. Para dar conti-nuidade, elegemos nova diretoria para completar o biênio 2007/2008, em 13 de julho de 2007. No seu período, a Academia expe-rimentou uma fase de alta representatividade, desempenhandonovas funções e tornando-se uma das instituições culturais maisexpressivas da Bahia. Ganhamos a nova sede, o Solar Góes Calmon,graças à doação do saudoso confrade governador Antônio CarlosMagalhães, sua sucessão condigna ocorrerá oportunamente tão logoo estatuto seja reformado.

Na gestão de Cláudio Veiga, procedeu-se à transferência dasede da Academia do Terreiro de Jesus para o nobre solar GóesCalmon, em 7 de março de 1983. A partir daquele momento, a

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Academia passou a ter acentuado desempenho com a realizaçãode atividades literárias e eventos marcantes a serviço das deman-das comunitárias e das ofertas crescentes da produção e dissemi-nação do conhecimento. Cláudio Veiga liderou a organização ra-cional do novo espaço, ambientando-o às funções e aos serviçosacadêmicos, destacadamente, biblioteca, arquivo, contabilidade,diretoria e secretaria.

Ao nosso homenageado de hoje, o ensaísta Cláudio Veiga, aAcademia muito deve. Cultor da língua e literatura francesas, es-tudioso da literatura comparada, teórico e prático da tradução,haja vista a sua monumental Antologia da poesia francesa do século IXao XX, pesquisador de estudos baianos, no contexto luso-fran-co-brasileiro, é um dos pilares desta Academia.

O professor Cláudio Veiga é, portanto, um fautor que muitofavorece a realização da Academia de Letras da Bahia. Tanto sabeconstruir o conhecimento com comprovada obra universitária,coerente e significativa, como soube fazer a Academia, dirigin-do-a com sabedoria por mais de duas décadas.

A sua gestão constituiu-se num paciente e sábio agregado depessoas, de livros e de variados equipamentos. Promoveu aintegração de vários acervos – Álvaro Nascimento, OdoricoTavares, Waldir Oliveira e outros. Incorporou parte do espóliode Edith Mendes da Gama e Abreu e as estatuetas de "biscuit"do doutor Eliezer Audíface. Perpetuou em bronze os vultos deCervantes, Otávio Mangabeira, Arlindo Fragoso, Pedro Calmone Jorge Amado. Dentre em pouco complementaremos a galeriacom a inauguração do busto de Jorge Calmon, oferta do presi-dente da Associação Baiana de Imprensa (ABI), o nosso confradeSamuel Celestino.

É notável a realização de cursos, como o de Castro Alves ede Folclore, de concursos literários – o exemplo magnífico daBraskem – , de lançamentos, palestras, exposições, edição anualda nossa Revista, publicações e renovadas posses solenes. Como nosso confrade homenageado manteve-se a linha de erudição

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da Academia, que a converte numa entidade cimeira da culturabaiana.

O reconhecimento pelo seu trabalho o introduz no seleciona-do grupo dos membros benfeitores, composto por Heitor PraguerFróes, Jorge Calmon e por mim. O título, como todos os diplo-mas, é apenas um símbolo de reconhecimento.

Por oportuno, peço vênia para agregar trecho da pena de pra-ta do nosso confrade Hélio Pólvora, reproduzindo um excertodo editorial do Boletim número um:

A conjugação de temperamentos e atividades diversas arga-massou, ao longo dos anos, os objetivos programáticos desta Casa,retirando-a de um conciliábulo de cultura ornamental para aamplitude de órgão que serve à cultura e está comprometido coma educação extracurricular do Estado da Bahia.

Seu presidente anterior o Professor Emérito Cláudio Veiga,assim a modelou, ao longo do seu vitorioso mandato. Coube-lhe casar, com uma eficiência que nele era discreta, por tempe-ramento, o que se convencionou chamar de Ilustre Companhiacom os objetivos pragmáticos da instituição dinâmica, que seconjuga, participa, interfere, estimula. Assim tem sido a Acade-mia de Letras da Bahia. Basta lembrar os seus diversos cursosvoltados para os estudantes de letras, as exposições, os lança-mentos de livros, as recepções, as sessões de saudade, as confe-rencias de personalidades nacionais e estrangeiras, o intercâm-bio com intelectuais de outros centros brasileiros e do Exterior.Suas publicações, sobretudo a sua Revista, refletem um inter-câmbio dinâmico, altamente propulsor – uma permuta de expe-riências, pesquisas e saber.

A contribuição de Jorge Calmon

Destaque-se por dever de justiça o quanto foi relevante para osucesso da gestão Cláudio Veiga a colaboração valiosa e saudosade Jorge Calmon e o trabalho de Carlos Cunha.

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Graças ao prestígio pessoal, o confrade Jorge conseguiu en-grandecer o nome da Academia e ampliar o seu patrimônioedificado, com a construção de um pavilhão que leva o seu nome.A doação dos pratos brazonados, que tanto embelezam a nossarefinada sala de reunião, recompôs o cenário de finesse do iníciodo século XX da antiga sala de jantar do casal Julieta e FranciscoMarques de Góes Calmon. Aqui citamos apenas alguns exem-plos do muito que Jorge Calmon enriqueceu moral e material-mente o nosso Sodalício.

A dedicação de Carlos Cunha

Aos serviços prestados por Jorge Calmon, soma-se a dedica-ção do poeta Carlos Cunha. A Academia reconhece o seu traba-lho diligente e as muitas iniciativas culturais, bem assim a publi-cação da revista, lançamento de livros e outras muitas realiza-ções do diretor cultural.

O apoio do Estado

Assim, pude acompanhar de perto e colaborar com a gestãoCláudio Veiga, nos primeiros anos. Como secretário de Educa-ção e Cultura da Bahia, de 1983 a 1987, colaborei com recursosnecessários para o seu funcionamento e coloquei à disposiçãopessoal dos quadros do governo estadual, mediante convênio.Por esse e outros serviços, a Academia tornou-me membro ben-feitor, juntamente com o acadêmico Jorge Calmon, em 1986.

Entendo que cabe ao Estado estimular e apoiar as ativida-des culturais. As academias, principalmente, as de letras man-têm conhecido relacionamento com o poder público desde assuas origens francesas. Recordemos que o saber é uma formade domínio, como a religião é um saber de salvação. Um exem-plo ilustre é o da Academia Portuguesa da História, criada porD. João V, e da Academia de Ciências de Lisboa, que inclui

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uma seção de letras, instituída por D. Maria I, ambas sãomantidas pelo Estado português. Outro exemplo incentivadordo relacionamento

do Estado com a cultura é o apoio financeiro da poderosa eportentosa República Federal Alemã a cem orquestras sinfôni-cas. Não faz muito Frans Krajcberg doou as suas esculturas aoEstado da Bahia acolhidas com alegria pelo governador JaquesWagner. Bem haja o bom senso governamental em apoiar e in-centivar a valorização e a difusão das manifestações culturais,conforme ordena a Constituição Federal de 1988. O Estadomoderno pode assumir duas posições em face da cultura: fo-mentar indiretamente as atividades culturais ou planejar direta-mente a função cultura.

O apoio da Secretaria da Cultura da Bahia para o funciona-mento desta Companhia é imprescindível. Como presidente,temos discutido com os seus dirigentes, a fim de que se con-ceda o suporte para as nossas atividades comunitárias. Graçasà compreensão de homens cultos e inteligentes, como o dou-tor Paulo Henrique de Almeida, superintendente da Secretariada Cultura, renovou-se o convênio de manutenção, aprovadopelo secretário Márcio Meirelles. O suporte público é impres-cindível à sobrevivência da entidade porque as nossas ativida-des são dirigidas à comunidade sob as mais variadas formas decursos, concursos, simpósios, conferências. Presentemente, oacadêmico Aleilton Fonseca, doutor em letras e professor daUniversidade Estadual de Feira de Santana, a vitoriosa UEFS,prepara para este ano, vasto programa de simpósios, dirigidoao público universitário.

A construção permanente da Academia

Além da premiação com a parceira da Braskem e da entregado título de membro benfeitor, há algumas indicações para o anoque se inicia.

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Reforma do estatuto e do regimento.

Dando continuidade às realizações da diretoria eleita para obiênio 2007-2008, é premente que se proceda às reformas doestatuto e do regimento. A comissão composta pelo vice-presi-dente Waldir Freitas Oliveira, Ary Guimarães e Aramis RibeiroCosta discute o substitutivo elaborado por este último confrade.

O site da academia.

Vale anunciar que se encontra em pleno funcionamento o siteda Academia http://academiadeletrasdabahia.or.br). A partir donovo regimento será criado o cargo de Diretor de Informática.Para o cruzamento das informações uma conexão deverá se es-tabelecer entre o setor de informática e a diretoria de arquivovisando a alimentação do site.

O Boletim da ALB.

Com o objetivo de divulgar os eventos da Casa, a diretoriacriou o Boletim. O nosso house organ circulou com o númerozero (experimental) e primeiro número contou com editorial doconfrade Hélio Pólvora, contemplando ainda a última página es-crita pelo saudoso Pedro Moacir Maia, que nos deixou em 8 dejaneiro deste ano. O confrade Fernando da Rocha Peres fará pro-ximamente a oração da saudade.

A galeria dos ex-presidentes.

Para o projeto de criação da galeria dos ex-presidentes, inici-amos a pesquisa sobre a memória da Academia. O trabalho dojovem historiador Bruno Lopes do Rosário, encarregado do ar-quivo, identificou, por ordem cronológica, as imagens dos se-guintes presidentes: Ernesto Carneiro Ribeiro, Gonçalo Moniz

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de Aragão, Braz do Amaral, José Joaquim Seabra, Carlos Ribei-ro, João Garcez Fróes, Pinto de Carvalho, Aloysio de CarvalhoFilho, Thales de Azevedo, José Calasans Brandão da Silva,Monsenhor Manoel de Aquino Barbosa, Estácio de Lima, Jor-ge Calmon, Hélio Simões, Cláudio Veiga e Edivaldo M.Boaventura

Discursos de tomado de posse.

Este projeto liga-se à publicação dos discursos de tomada deposse dos Acadêmicos. Inspirou-nos a publicação de alentadostomos com as falas dos recipiendários da Academia Brasileira. Asucessão das cadeiras com as referências cronológicas dos seusocupantes fornece um perfil da cultura baiana. Entendimentosprévios estão sendo estabelecidos com o confrade Ubiratan Cas-tro, diretor da Fundação Pedro Calmon. A propósito, os 90 anosda Academia devem motivar sobremaneira a elaboração de alenta-da dissertação de mestrado com utilização do método reputacionalna área da cultura ou da produção do conhecimento.

Tombamento do Solar Góes Calmon.

Atendendo ao nosso pedido de tombamento do prédio e dosbens móveis, o acadêmico Ubiratan Castro, em outra necessáriacolaboração com esta Companhia, deu início ao processo, desig-nando a bibliotecária Rosane Rubim, gerente de divulgação e pro-moção do livro, para o acervo da biblioteca; a arquiteta SôniaIvanoff, para o tombamento do edifício; e o museólogo EduardoFróes, para os bens móveis. O belo Solar Góes Calmon, antigamorada e museu, e seu precioso acervo devem estar sob a prote-ção do Estado. Considere-se que o “Poder Público, com a cola-boração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimôniocultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,tombamento e desapropriação, e de outras formas de

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acautelamento e preservação” (CF/1988, Art.216,1º). Conformeesta diretriz de conservação do patrimônio, a histórica mesa dereunião da sede da Academia, no Terreiro de Jesus, acaba de serrestaurada pelo artesão Edilson Costa Dias e posta na sala dosretratos, no primeiro andar. O zelo pelo solar impõe o cuidadopela sua manutenção e conservação.

Iniciativas e sugestões.

Dentre muitas outras iniciativas com vista ao desenvolvimen-to organizacional da Academia, a diretoria cogita:

1) a elaboração do planejamento estratégico com determina-ção da missão, visão, objetivos, estratégias e ações programadasda Academia;

2) criação do prêmio de pesquisa em literatura em conexãocom os cursos de mestrado e doutorado em letras das universi-dades;

3) integração do arquivo ao sistema estadual de arquivos doEstado da Bahia;

4) obtenção do Qualis para a revista da Academia, na catego-ria de revistas de língua, literatura e cultura, para que o nossoperiódico siga as normas da indexação e assim possa servir me-lhor aos colaboradores e à comunidade científica;

5) oficialização da Comissão de Eventos com uma programa-ção de simpósios a cargo do acadêmico Aleilton Fonseca;

6) operacionalização dos pontos de cultura do Ministério daCultura, conforme sugestão do acadêmico Paulo Ormindo deAzevedo;

Reconhecimento à professora Doralice Alcoforado.

Neste momento, igualmente, homenageamos a memória daprofessora Doralice Alcoforado, do Instituto de Letras da UFBA,

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que se disponibilizou e conduziu com extrema dedicação a coor-denação do Curso de Folclore, inspiração de Hildegardes Viana.

Enfim, há muito a ser empreendido em cooperação com enti-dades públicas e privadas, como a Secretaria de Cultura, AssembleiaLegislativa da Bahia e Braskem, respondendo às expectativas dacomunidade que muito espera do trabalho dos integrantes destaCasa, tanto dos acadêmico como dos funcionários.

Muito obrigado pelas presenças e mais ainda pela atenção.

Salvador, 13 de março de 2008.

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Helena Parente Cunha,escritora baiana

Edivaldo M. BoaventuraPresidente da Academia de Letras da Bahia

O Seminário Helena Parente Cunha: as formas informes do desejo serealiza no momento em que a Academia de Letras da Bahia buscanovos paradigmas e novas estratégias de atuação. Volta-se para oestudo da literatura baiana sem desprezar o contexto nacional einternacional, muito pelo contrário, considera-a no conjunto dasmanifestações e dos movimentos insurgentes. A Academia segueo preceito da investigação científica de pesquisar o que está maispróximo, sur place.

Muito cedo, manifestou-se a inspiração poética de Helena. Osprimeiros poemas datam da infância e desde então escreve. Oseu livro inicial é de versos, Corpo no cerco (1978), anos depois,deu-nos Maramar (1980) e continua com O outro lado do dia (1995),poemas de uma inspirada viagem ao Japão. O outro lado do diaou o outro lado do mundo? Depois que atravessamos a imaginárialinha morta, é muito difícil distinguir espaço de tempo, dia denoite. O choque do oriente é fascinante para todo ocidental.Prossegue Helena com Além de estar (2000), Contos e cantares (2005)e chego à estação dos Caminhos de quando e além (2007) com todasas princesas adormecidas, infantes despertadores, com começos,sonos e sonhos. Na Estação 47, paro:

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A caminhada é caminho de muitos degraus e subidase idase paradas recuadas e descidas e mais subidas e enfim ofim do trajetoem ser a chegada do retorno à casa do pai.

Nem sempre os caminhos são planos e retos. Não.Há buracose crateras,são longos, como quer Sophia de Mello BreynerAndersen:

Mas espera-meE por mais longos que sejam os caminhos.Eu regresso.

Começou a carreira docente ainda na sua alma mater, aUniversidade Federal da Bahia, como professora de italiano,assistente da professora e doutora Gina Magnavita Galeffi, vínculotambém afetivo que manteve ao longo da vida. Mudando-se parao Rio, em 1958, retornou anos depois ao magistério superior,com mestrado, doutorado e livre docência, na Faculdade de Letrasda Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual foidiretora, exercendo outras funções na administração acadêmica.Prossegue na caminhada, como pesquisadora do ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)e exerce intensa atividade na graduação e pós-graduação,orientando dissertações de mestrado e teses de doutorado.Participa de associações científicas e literárias que promovemcongressos e concursos. Detém, dentre outros, o prêmio Cruz eSousa, do Estado de Santa Catarina com o exitoso romance Mulherno espelho, marco na sua carreira literária.

Em termos de Bahia, Helena pertence a primeira geração comformação específica, em letras, diplomada pela Faculdade deFilosofia da Bahia, juntamente com Cláudio Veiga, JoseliceMacedo de Barreiro, Zilma Gomes Parente de Barros, Moema

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Parente Augel e tantos outros colegas que começam a chegar àAcademia. Só para continuar com uma improvisada sociologiageracional, a próxima geração é a de Evelina de Carvalho SáHoisel, realizadora deste seminário.

Não obstante ter sido Helena professora titular de Teoria daLiteratura, continuou ligada à fundante cultura italiana. Comoprofessora visitante, integrou simpósios, na Itália e em outrospaíses, e traduziu Pirandello. Organizou Racconti (1998), antologiabilíngüe italiano e português.

As influências que marcam a sua caminhada, além de Gina eRomano Galeffi, são também as de Eduardo Portella, GeraldoFrança de Lima, que é seu professor e amigo por toda vida,Cassiano Ricardo, sobre o qual escreveu o ensaio Jeremias, a palavrapoética (1979), uma leitura de Cassiano e Paulo Rónai.

Trabalha, intensamente, na pós-graduação e incentiva jovenstalentos. Dentro dessa diretriz, organizou com os seus orientandosuma coletânea de ensaios, intitulada Desafiando o cânone: aspectos daliteratura de autoria feminina dos anos 70/80, prosa e verso (1999). NellyNovaes Coelho complementa, na apresentação, que o desafio aocânone é gesto de transgressão: “que, desde o início do século, vemsendo assumido pelas mulheres e aprofundando a ruptura donosso tempo com a tradição herdada”.

Com uma produtiva jubilação acadêmica, Helena tornou-selogo a seguir professora emérita, continuando, por opção, aministrar cursos na graduação e na pós-graduação e prosseguiucom Desafiando o cânone (2): ecos de vozes femininas na literaturabrasileira do século XIX (2001), Além do Cânone (2004) e Olharespós-moderno (2007).

Como na poesia, igualmente na narrativa, especialmente,conto e romance, obteve pleno êxito. Publicou o livro de contos:Os provisórios (1980), de onde colhi esse belo trecho para o meulivro de viagens A segunda casa: “na varanda dos fundos, assamambaias despencavam suas fitas em aconchegamentos deverde”. Chegaram em seguida: Cem mentiras de verdade (1985) e

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A casa e as casas (1996). Lançou, quando da sua incorporação àesta Companhia, Vento Ventania Vendaval (1998). Para AntônioHouaiss, no prefácio, esses contos são encantatórios:“Estupendos poemas em prosa, por vezes mais poéticos do quepoemas assim intencionados. Sinto que Helena Parente Cunhacresceu mais ainda com este livro-livrinho-livrão. Parabéns aela e a nós”.

O êxito do romance Mulher no espelho (1983) ensejou traduçãoem alemão e inglês. Nos Estados Unidos, a versão em inglês,Woman between mirrors, chegou a ser um dos best sellers da SériePan-American da University of Texas Press e teve que serreimpresso dentro de poucos meses, informa a tradutora NaomiLindstrom. Segue-se o segundo romance, As doze cores do vermelho(1988). A narrativa chama a atenção para os mecanismos de suaconstrução. Em vez de capítulos, os segmentos constituemmódulos. Continua ainda Lindstrom: “nota-se uma busca contínuade novas funções da corrente vanguardista, com seu enfoque naconstrução inovadora do texto narrativo, e outra corrente centradano esforço por comunicar a experiência íntima vivida pelosprotagonistas”. Deu em seguida à estampa Claras manhãs de BarraClara (2002).

A ficção é seu campo preferido de trabalho de criação, poisneste tipo de narrativa pode expor sua perplexidade diante dasinjustiças da vida cotidiana. Acerca do conto, Helena foi explícita:“O conto é o estilo literário que permite a vazão desta necessidadede mostrar sua indignação diante do autoritarismo e de qualquercerceamento de liberdade. Essas pequenas histórias semprepartem de um acontecimento real, mas ao escrever são envolvidasde tal forma na fantasia que ficam transfiguradas”.

Se a ficcionista revela a criadora, a ensaísta vem armada daparafernália acadêmica, dos pressupostos teóricos emetodológicos da teoria da literatura. O ensaio, aliás, é oinstrumento mais apropriado para a expressão do scholar.Referenciemos alguns: O lírico e o trágico em Leopardi (1980), escrito

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na vertente da literatura italiana; Os melhores contos de João do Rio(1990) e, especialmente, os experimentos de metodologiapsicanalítica aplicada à análise literária, Mulheres inventadas 1: leiturapsicanalítica de textos na voz masculina (1994), que tive a honra deprefaciar.

A psicanálise deu inegavelmente a Helena Parente Cunha umanova dimensão e um instrumento analítico que envolvem o temacentral deste livro que são as mulheres inventadas. No particular,é importante insistir na especificação do gênero masculino.

A mulher projetada ou desejada encontra na ensaística deHelena uma razão e, o que é mais importante, um sentimentomais do que explicativo, explanatório.

A contribuição psicanalítica se aproximou da literatura e fezacrescer ao somatório da titular de Teoria da Literatura, daconhecedora da Língua e Literatura Italiana, da erudita estudiosade Leopardi e Cassiano Ricardo, novos enfoques interdisciplinares.Como acadêmica, redobrou a sua capacidade de análise com essametodologia. E o corte que realiza nas figuras deste livro éanalítico.

Estruturalmente parte da poesia cortês exemplificando comas medievais cantigas de amiga. Terreno onde o domíniocognoscitivo de Helena é conhecido pela intimidade com a culturalatina. As categorias são explicitadas como o complexo de Édipoe de castração, o eterno retorno e o amor fusional, o desejo derepetição e o nirvana.

Depois dessas assertivas teóricas e metodológicas, da visãooriental do mundo à reflexão psicanalítica, com o domínio plenodessas e outras variáveis, explora os pré-socráticos relacionadoscom o mundo do Oriente. Filosofia e Literatura se encontramnessa encruzilhada interdisciplinar. Todo o ensaio aliás, sobre asMulheres inventadas é uma temática de fronteira.A sua leiturapsicanalítica, isto é, o desejo de completude e a busca da unidadeperdida, recupera o poema “Uma menina”, de Afonso Henrique,onde grava a relação fusional materna de mãe. Poderosa é a parte

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referente à mulher-mãe-natureza. A mãe-natura, para os antigos,na sua feminilidade plena de fertilidade. A simbologia é por demaisforte e vigorosa. Toda ela voltada para os cenários de produção ede criação.

No conjunto da análise, não poderia faltar o nosso CastroAlves com o seu poema “Adormecida”, um belo momento daliteratura brasileira. Os recuos e avanços do manso jasmineirodeixam sentir as agressões e dubiedades do poeta em enfrentar aadormecida. A languidez é total no verso, único e singular – “numarede encostada molemente”.

Continuando a sua trajetória denunciadora da sexualidadereprimida, aborda o cancioneiro popular. Instala-se em “Amélia”,aquela que “foi mulher de verdade”, como figura central daconstrução masculina. Rica figura do imaginário nacional, quenão só exige análise psicológica e psicanalítica como tambémsociológica para a compreensão global do seu papel doméstico eda sua personalidade feminina.

A propósito o nosso cancioneiro popular é pleno e satisfeitode mulheres inventadas, mas como traidoras, cúmplices, ingratas,infiéis, adúlteras. Há muita “dor de corno” na nossa cançãopopular brasileira. Aqui Helena abre uma nova vereda analítica eao mesmo tempo denunciadora do nosso comportamento socialtão mal estudado ainda. Como é fonte de investigação, torna-seum núcleo temático de novas propostas de pesquisas.

Depois de lermos Mulheres inventadas não podemos ver Amélia,nem Laura, nem Gabriela, nem a outra, como antigamente. Aintervenção de Helena é instigante. Pergunto-me: que sucederá,por exemplo, com as mulheres inventadas pelo poeta Vinícius deMoraes, erotismo ou medo?

A galeria inclui Gabriela, a indomável personagem de JorgeAmado. Gabriela é a voz da natureza: “Gabriela simboliza ofeminino confundido com a Natureza e o misterioso poderoculto”. Prossegue com Jorge de Lima, nas complicadas relaçõessexuais do nosso inconsciente escravocrata, tão ao gosto do

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enorme Gilberto Freyre, que, praticamente introduziu Freud nasociologia do Brasil. A leitura abrange Caetano Veloso, Petrarca,Fernando Pessoa e tantos outros que inventaram outras mulheres.

Se são mulheres inventadas “na voz masculina”, foramrecriadas pela poderosa hermenêutica de Helena Parente Cunha.

Em suma, “Como acadêmica, redobrou a sua capacidade deanálise com essa metodologia. E o corte que realiza nas figurasdeste livro é por dentro, não é literal, apenas.” O enriquecimentoempírico é evidente e prossegue em Mulheres inventadas 2: visãopsicanalítica, descompromissada e interdisciplinar de textos na voz masculina(1997). A propósito, Maria Rita Kehl, na apresentação, testemunhaque:

Minha afinidade com estes dois Mulheres Inventadas passaem primeiro lugar pela escolha da autora em abordar seu tema,desde esta tênue franja onde se dá o encontro entre a literaturae a psicanálise – pela palavra, pela dimensão imaginária, peloscortes simbólicos que ambas, cada uma a seu modo, sabemproduzir.

A sua produção abrange mais de duas dezenas de livros, alémdas traduções, co-autorias, com publicações em revistas e jornais,inúmeras comunicações em congressos, viagens ao exterior paraaulas e conferências, especialmente, nas universidades italianas,alemãs e norte-americanas. Integra associações literárias ecientíficas. Destacam-se como indicadores de qualidade aparticipação em antologias de poemas e contos, tanto no Brasilcomo no exterior, e as traduções de seus contos e romances paraas línguas estrangeiras modernas. A sua obra desperta interessecomo objeto de análise em dissertações e teses e deste seminário.

A Academia de Letras da Bahia começa este ano acadêmicode 2009 com estatuto e regimento reformados. Com ocrescimento dos centros urbanos da Bahia de expressividadedemográfica e cultural, não caberia mais a condição restritiva

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do domicilio na capital baiana, para o ingresso nesta Companhia.A reforma retirou a dependência da residência na capital,reforçando o topônimo Bahia, explicite-se que a Academia deLetras é de toda a Bahia e não tão somente de sua capitalsoteropolitana.

Já o ano passado, realizamos com sucesso, graças ao trabalhoescolar da nossa confrade Evelina de Carvalho Sá Hoisel, o Colóquioda poesia de Myriam Fraga, concluindo-o com a sua Poesia reunida,editada conjuntamente com a Assembleia Legislativa da Bahia.

O passo seguinte, para 2009, foi projetar o Seminário HelenaParente Cunha: as formas informes do desejo. Veremos, na medidado possível, a obra e a autora, no seu conjunto temático. O nossodesejo é buscar a obra plena da professora de teoria da literaturanas suas múltiplas manifestações em poemas, contos, romances,ensaios e traduções.

Dando continuidade à inclinação para o estudo dos nossosautores, pensamos, dentre muitos outros, na obra franco-brasileirade Cláudio Veiga, no significado da contribuição literária de RuyEspinheira Filho e Hélio Pólvora.

Helena volta, exatamente, depois de dez anos a esta Academia,confirmando o estatuto da correspondência. É a permanênciada presença da escritora e da docente com a excelência de sua tãoapreciada scholarship. Diria que não é tanto um retorno. Não.Percebo, sinto, desejo e chego até a querer que seja uma chamada.Uma completa chamada da obra, da pessoa e também da amizade.E nessa chamada ela vem acompanhada das irmãs Zilma Barrose Moema Augel.

O tempo universitário é também o momento do nascimentodas amizades, decantadas pela admiração dos talentos e pelasafinidades eletivas. À fraternidade estudantil com Moema seguiu-se o escolar diálogo acadêmico com Zilma, ambas se integramna crescente admiração erudita e afetiva a Helena.

Não sou tão somente eu, idiograficamente, desejando, mas é aprópria Academia de Letras da Bahia, nomoteticamente, atuante

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que, distingue Helena pelo conjunto da obra, pelo peso significanteda construção científica e artística.

Dentro dos novos paradigmas kuhneanos da Academia,considere-se o conjunto da sua obra. A escritora Helena ParenteCunha é a primeira ensaísta e ficcionista que tem os trabalhosacadêmicos conjuntamente apreciados neste seminário. Oprimeiro ensaio de conjunto foi a poesia de nossa Myriam Fraga.

Toda Academia exercita-se pela palavra, pela convivência epelos prêmios, pois, não premiar é punir. E punir pelo silêncio.

Assim, tomo a iniciativa de propor que a Academia de Letrasda Bahia crie e conceda pela primeira vez o prêmio pelo conjuntoda obra a Helena Parente Cunha, referente ao ano de 2009.

Palavra de abertura do Seminário Parente Cunha – As formas informes dodesejo, Academia de Letras da Bahia, Salvador, 20 a 22 de maio de 2009.

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Esta é uma noite transfigurada pela passagem do legado deJorge Calmon a Samuel Celestino. De mestre a discípulo assegura-se a herança maior da liberdade de expressão.

Estamos, de um lado, em face da herança acadêmica de JorgeCalmon, cuja sombra realizadora cobre de lembranças edificantesa Academia, e, do outro, a chegada alvissareira de Samuel Celestinoda Silva Filho.

A liderança de Jorge Calmon desenvolveu-se plenamente naimprensa, alcançou os mais elevados postos em A Tarde. Do jornal,transbordou para a comunidade a sua capacidade de servir.

Dentre as muitas organizações de que participou, destacam-se o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a AssociaçãoBahiana de Imprensa e a Academia de Letras da Bahia. Nestaingressou em 7 de julho de 1965, quando completava cinquentaanos. Como servidor da cultura, foi um mestre da tradição.

Com ele obtivemos a sede, este belo Solar Góes Calmon. Como seu apoio, ampliamos a biblioteca, cujo novo pavilhão, commuita justiça, tem o seu nome. Era sócio titular, acadêmico denúmero e membro benfeitor. Serviu a esta instituição comabnegada dedicação. Quando presidente, de 1977 a 1979, instituiucursos permanentes como o Curso Castro Alves, que funcionaaté hoje. Um de seus últimos gestos de carinho foi restituir o

Saudação a Samuel Celestino

Edivaldo M. Boaventura

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requinte da antiga sala de jantar com pratos brasonados,embelezando o nosso sítio predileto de reunião.

Se grandes foram as suas contribuições, maiores, os contributosmorais no engrandecimento deste sodalício. O processo de escolhade candidatos, defensivamente, por ele concebido, é um exemploque bem atesta o seu estilo.

Iniciamos o processo sucessório com a declaração da vacânciada cadeira número 23. Somos reconhecidos à acadêmica ConsueloPondé de Sena pela tocante oração da saudade. Naquele singularmomento, Jorge Calmon Filho depositou na Academia medalhase insígnias de seu pai. A Academia agradece mais uma vez à famíliaa significativa doação.

A Academia encontrava-se em face do dilema de transmitir oseu legado de realizações. Cuidadosamente, preparamos asucessão, conforme o rito por ele prescrito. Sucessão que implicaescolha em um restrito universo de números fechados (numerusclausus). Recorde-se que sucessão se aproxima de sucesso, ambosos lexemas têm a mesma raiz latina: successione, successu.

A Cadeira número 23, que de hoje em diante será de SamuelCelestino, tem como patrono Antônio Januário de Faria, oradorimaginoso e fluente, componente da Escola Médica Baiana.Também foi médico o seu fundador, João Américo Garcez Fróes,professor de Medicina Legal. O poeta Sílvio Valente, que nãopoupou os seus professores da Faculdade de Direito, excepcionou:“O velho Fróes é uma instituição”.

Na Bahia culta, para onde nos movemos, sempre encontramosmédicos. A cultura médica é uma constante no contexto eruditobaiano e a pesquisa médica é pioneira e talvez seja ainda a maisdesenvolvida entre nós. Há médicos na literatura, na educação e,também, na política, com inúmeros desses profissionais exercendoo cargo de prefeitos municipais. Nesta Companhia, o partido dosmédicos é forte, tanto ontem como hoje. Presentemente, parahonra da Companhia, contamos com o reitor e governadorRoberto Santos, com Aramis Ribeiro Costa, conhecedor dos atos

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constitutivos, o qual nos presta relevantes serviços na revisão dasnormas da Casa, e com José Carlos Capinan, poeta e compositor,também formado em Medicina.

O jornalista Jorge Calmon sucedeu a um médico. A propósito,Paul Valéry, conhecedor dos mistérios e das funções dosSodalícios, ensina que não há especialidade nas Academias; pelocontrário, existe plena liberdade na escolha dos candidatos. Podeum poeta suceder a um general e um romancista, a um historiador.Assim procede a Academia Francesa, nosso paradigma maior.

Não havendo obrigação de tomar novos membros dentro deuma mesma categoria profissional, surgem, comunitariamente,personalidades significativas que trescalam tendências, tradições,desejos e anseios de convivência acadêmica. Jornalistasprofissionais que se expressam muito bem pelas letras têm sidobem vindos a esta Academia.

Como toda sucessão, a de Jorge Calmon foi ponderada, poisnão se tratava apenas de uma simples substituição. A instituiçãofundada por Arlindo Fragoso pesou e indagou: a quem entregaro legado de Jorge Calmon Moniz de Bittencourt? Era o nossoproblema.

Um nome se impôs pelo consenso à nossa consideração. Umnome de talento ligado ao antecessor por fortes laços profissionais,de amizade, de competência e de credibilidade. Confessadamente,Samuel Celestino tem não somente reconhecido como enaltecidoo aprendizado com Jorge Calmon. A sucessão aconteceu dentroda mesma linha de ocupação profissional, de jornalista parajornalista, ambos profissionais de imprensa, ambos de A Tarde.

Em uma palavra, a sucessão se efetivou pelo vínculo daaprendizagem envolvida pelo respeito e aquecida pela saudade.

O jornalismo entrou na vida do recipiendário em razão dapolítica. Samuel Celestino é baiano de Itabuna, fez o cursosecundário, em Salvador, nos Colégios Estaduais Severino Vieirae Central da Bahia. Em 1965, estudava Direito e participava domovimento estudantil universitário quando foi trabalhar como

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“foca” no Jornal da Bahia, o aguerrido jornal fundado pelo feirenseJoão Falcão.

O que o conduziu a procurar este jornal elaborado por umgrupo de jovens idealistas “foi, basicamente, a necessidade deuma maior participação política, a partir do jornalismo”.

Uma vez formado em Direito pela Universidade Federal daBahia,em 1967, Celestino encontrava-se entre a carreira jurídicae o jornalismo. O jornalismo venceu o jovem advogado. No finalde 1968, quando foi exarado o Ato Institucional nº 5, noschamados anos de chumbo, passou a dedicar-se ao jornalismopolítico. De repórter especial e repórter político do Jornal da Bahia,passou algum tempo no Diário de Notícias, prestou assessoriajurídica e jornalística e chegou a ser gerente do extinto Banco doEstado da Bahia (Baneb); efetivamente, a sua vocação sempre foio jornalismo político.

Em 1975, ingressou em A Tarde para chefiar a editoria depolítica. Já era, então, comentarista político. Anos depois,demite-se como repórter e cria a sua empresa de consultoriaem 1988, a Fórum Comunicações, e passa a assinar a colunadiária Samuel Celestino Comenta. Foi um momento decisivo nasua carreira de jornalista. Por algum tempo, chefia a sucursalda Empresa Brasileira de Noticias (EBN), do Ministério daJustiça.

Em 1999, quando deu à estampa o seu livro Política, fatos etendências, Samuel conta como aconteceu o chamado:

Meu querido mestre Jorge Calmon trouxe-me para A Tardepara ser o editor político do jornal, posto em que permanecidurante 14 anos, ininterruptos, até que, cansado das duras tarefasda redação, sem horário para, à noite, concluí-las, resolvi parar.

E mudar.Já redigia e assinava, enquanto editor, artigos e comentários

políticos para o jornal. Uma, duas vezes por semana. Jorge gostavado meu estilo, então, me propôs a coluna, como uma forma deme “alforriar” da redação.

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Um novo desafio, aceito de imediato. Em 1988 deixei, então, aeditoria trocando-a pela coluna diária.

E o sucesso da coluna tem sido marcante, digo eu.Mas Samuel escreve para o jornal todos os dias, há mais de

trinta anos. Desenvolve, em estilo direto e bem fundamentado, oacontecer da vida política, quer a política nacional e especialmentea política baiana, que conhece profundamente, quer a vidapartidária. Discute, preferencialmente, os problemas econômicos,como os da região cacaueira, privatizações, transportes,comunicações, turismo.

Conduzido pelo hábito e pelo gosto de escrever, currente calamo,afirma-se cada vez mais como um profissional, intelectualmenteindependente. A redação foi sua tenda de aprendiz. Odesenvolvimento profissional possibilitou o sucesso em váriasfrentes da comunicação. Ilustra bem a sua capacidade criativa oseu site Bahia Notícias com 13 a 150000 acessos/dia.

Ainda é Jorge Calmon, jornalista experimentado, que, ao tratardo comentarista de política, traçou o perfil de Samuel Celestino:

O comentarista político é esse profissional. Afora a autonomiade texto, que é condição elementar, tem de possuir maturidade,para opinar com segurança, independência – ou seja,desvinculação de compromissos – e amplo conhecimento dosfatos ocorridos na cena pública. Deve, também, saber o suficientede Ciência Política e de Direito Público.

A formação jurídica adquirida na Faculdade de Direito dotouo jornalista Samuel do lastro teórico indispensável ao comentáriopolítico.

Além desses reconhecidos requisitos, o espírito público e acredibilidade o credenciaram junto aos políticos, aos leitores deA Tarde e aos colegas. A determinação do seu temperamentoenérgico e a imparcialidade no informar o qualificam como umdos melhores críticos brasileiros da política. Como dizia GetúlioVargas: “Entendida, como deve ser, a profissão de jornalistaconfina com o exercício de um sacerdócio”.

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A classe dos profissionais da imprensa acatou a sua liderançae o escolheu, primeiramente, para presidente da Associação Baianade Cronistas Políticos (1968-1970); em seguida, para vice-presidente e, logo, para presidente da Associação Baiana deImprensa (ABI), a partir de 1986 até o momento. Neste posto deliderança, distingue-se pelo prestígio e pelo respeito dacomunidade baiana.

Sempre reconhecido ao seu mestre, empreendeu pela ABI olevantamento da memória da imprensa baiana, iniciando pelo bemlançado vídeo “Jorge Calmon”, recentemente exibido.

O reconhecimento do destacado papel na imprensa deste novoacadêmico expressa-se em inúmeros títulos, medalhas econdecorações recebidos.

As suas colunas são testemunhas do tempo. Transmudam-seem fontes de pesquisa. Os acontecimentos políticos,diuturnamente comentados, documentam vivamente a históriapolítica baiana, matéria do maior interesse de nossa confreiraConsuelo Novais Sampaio. É um exemplo, como fonte deinformação, o comentário sobre a tentativa de pacificação dogovernador Luiz Viana Filho. Textualmente, observa Samuel:

Não foi contado, até onde eu li neste final de semana em quese reverenciou o centenário de nascimento de Luiz Viana Filho,que, como governador da Bahia, após ter sido chefe da Casa Civildo primeiro presidente do ciclo militar, marechal Humberto deAlencar Castelo Branco, foi ele quem tentou realizar [...] ummovimento rotulado de “Pacificação Nacional”.

A ditadura só iria recrudescer com o AI-5, em dezembro de 1968.Luiz Viana Filho e o governador de São Paulo, Abreu Sodré,

tão elegante quanto o governador baiano, iniciaram conversaçõespolíticas que tinham como propósito introduzir, na classe política,um clima de concórdia, de modo que pudesse haver umainterlocução aberta, cujo objetivo era o retorno à democracia. Omovimento fracassou, como a história registra, e veio a renascerno governo Ernesto Geisel, com Golbery do Couto e Silva e a

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tese da “distensão política, lenta e gradual”, passo importantepara a revogação do AI-5.

Com a desenvoltura com que escreve, Samuel traça umsimpático perfil do político e escritor Luiz Viana Filho, com quemtinha “atritos afáveis” e explica: “porque a ele dirigia muitasperguntas, algumas das quais impertinentes e ousadas para aépoca”. Constantemente, em suas crônicas, escreve pequenostópicos, aprecia personalidades e narra curiosidades que dão maiscolorido à sua coluna.

Ao concluir esta resposta, como se denomina a saudaçãoacadêmica, começo por dizer que a escolha de Samuel Celestinoreforça a presença dos jornalistas na Academia. A tradição vemde longe. Desde a criação deste sodalício tivemos jornalistas entreos fundadores do nível de Simões Filho, Aloysio de CarvalhoFilho (Lulu Parola); Virgílio de Lemos; o próprio Arlindo Fragoso,fundador da Academia e, ainda, Torquato Bahia e Homero Pires.Mais recentemente, Altamirando Requião, Lafayette Spínola,Leopoldo Braga, Luiz Monteiro da Costa, Odorico Tavares,Antônio Loureiro de Souza, Cruz Rios, Guido Guerra. A tradiçãocontinua, presentemente, com Florisvaldo Mattos, poeta agrárioe editor-chefe de A Tarde, Hélio Pólvora, pena de prata ecompetente editorialista do jornal de Simões Filho, e João CarlosTeixeira Gomes, lutador destemido da imprensa e excelentearticulista.

Há jornalistas que buscam, fora das redações, a sua afirmaçãode escritor, produzindo e publicando pelo hábito e pelo prazerde escrever. Por outro lado, dificilmente encontraremosestudiosos, professores, críticos literários, homens de letras eacadêmicos que não se tenham exercitado em crônicas, artigos ecolaborações para o jornal. O consenso demonstra orelacionamento universal muito estreito entre o jornal e a literatura.

Nesta tomada de posse, percebemos a sua trajetória plena deafirmações com veredas florescentes de uma liderançaconfirmada.

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A Academia entrega-lhe o legado de Jorge Calmon e o inserena ilustre coorte dos jornalistas.

A convivência é o nosso mister.A Academia é uma honraria, mas é, também, serviço.A Academia tem por missão construir e disseminar o

conhecimento sem fronteiras.A Academia de Letras da Bahia está aberta à comunidade

baiana porque tem muito a receber e, mais ainda, a doar.A nossa Academia é uma encarnação coletiva da Bahia e o

símbolo de sua cultura diante do Brasil.Seja bem vindo ao nosso convívio, meu caro confrade Samuel

Celestino.

Discurso de saudação a Samuel Celestino Silva Filho, em sua posse na cadeiranº 23 da Academia de Letras da Bahia – Sessão solene, em 21 de agosto de2008. Edivaldo M. Boaventura ocupa a cadeira nº 39 da ALB.

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Duas vezes hesitei ao ouvir, não um convite, muito menos umaconvocação, mas apenas uma citação que vinculava meu nome aesta Academia de Letras da Bahia, casa da inteligência, da erudiçãoe do talento, que abrigou – e acolhe – personagens notáveisrepresentantes de gerações sucessivas, a partir de 1917.

Na primeira, tentei fazer de conta que não ouvi quando JorgeCalmon, meu antecessor na cadeira número 23, citou a Academia.A segunda, ouvi atentamente olhando nos olhos do meu queridoamigo, acadêmico e presidente Edivaldo Boaventura, mas nadadisse.

Estava, então, mergulhado na tristeza. Aconteceu na porta daIgreja do Campo Santo, no dia do funeral de Jorge.

No início, o impacto se diluiu, quase instantaneamente, nosentimento de perda que me asfixiava. Depois, o que dissera Jorgeem vida, e o que me confidenciara Edivaldo, no início da tardedo dia da morte do meu querido amigo, ganhou forma com opassar dos meses.

Sempre com a minha presença à distância, não raras vezes,dispersa.

Nunca, em momento algum da minha já longa trajetória comojornalista, absolutamente dedicado e arrebatado pela profissão,estabeleci objetivos. As coisas e os fatos aconteceram em minha

O legado de Jorge CalmonDiscurso de posse na

Academia de Letras da Bahia

Samuel Celestino

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vida simplesmente porque tiveram que acontecer, na maioria dasvezes independente da minha vontade.

Meus objetivos nunca se situaram em postos, cargos,conquistas, mas sim em princípios que procurei trilhar da melhorforma possível, sempre aprofundando as minhas convicções ecrenças.

Verão, mais adiante, no relato que farei, que assim foi. Estouplenamente convencido de que esses princípios transformam aminha vida numa pena, senão numa folha, impulsionada pelomovimento dos ventos.

Entendo, porém, para diluir a crença no destino, nodeterminismo, que os ventos que impelem a vida muitas vezesnão surgem simplesmente da calmaria. Eles precisam ser soprados.

Nasci no sul da Bahia, em Itabuna, onde se desenvolveu umacultura peculiar no Estado. Para a região migraram, nosprimórdios, os tropeiros, a maioria deles oriunda de Sergipe, quepenetraram na Mata Atlântica, então intacta e exuberante,recolhendo o cacau nos caçuás de cipó, com aselhas que osprendiam às cangalhas acomodadas nos costados dos burros.

Cacau era então quase nativo. O macaco jupará, que nãochegava a ser propriamente um macaco, apenas a ele seassemelhava, espécie infelizmente extinta, se encarregava dedisseminar o fruto lançando, mata a dentro, os caroços dasamêndoas com as quais se alimentava.

À sombra daqueles cacauais surgiu uma cultura diferenciada,formada por tropeiros, sírio-libaneses, e jagunços que ganharamvida na obra de Jorge Amado e Adonias Filho, entre outrosescritores da região.

Com o passar do tempo – é sempre assim – a memória dainfância se aviva e nos devolve, numa dimensão imensa,absolutamente fora do real, aos limites dos primeiros tempos. Ascrianças têm essa força mágica da fantasia que, pelo menos nomeu caso, mantenho e a cultivo, às vezes até aumentando aindamais os limites de menino.

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É a fantasia que me ajuda – e muito – a escrever, oferecendo-me saídas para temperar os temas áridos do jornalismo político.

Para uma criança, tudo é imenso e novo, sempre com osignificado da descoberta. Quando vi Itabuna, já com olhos deadulto, me decepcionei. Tive a nítida percepção de que o meumundo havia encolhido. A casa dos meus pais, a rua da picula –que se chamava, curiosamente, Rua dos Artistas – ou, oficialmente,Rua Querubim Oliveira, para onde eles se mudaram ao deixar obairro do Pontalzinho.

A velha padaria, batizada com o nome de Padaria Liberal, numaevidente alusão à política, depois Padaria Celeste. A casa da avóJosefa, ou Zefinha, como a chamavam – que eu imaginava umsítio com um jardim imenso. No entanto, era pequena, mas tinhapés de romãs no quintal, que me fascinavam.

Fui alfabetizado numa escolinha na própria casa da avó. Fiz oprimário na escola pública Lúcia Oliveira, que brincávamosdizendo "Lúcia Oliveira pega o pinto na carreira, pega aqui, pegaacolá, mas deixa o pinto no lugar"...

Já adulto, percebi que não havia mais o Padre Nestor, o maisfamoso da cidade, senão o único, subindo a ladeira da Santa Casada Misericórdia, a ladeira da padaria, com a sua batina que já nãoera negra, mas avermelhada pelo sol e pelo tempo, entregando amão direita para a reverência dos meninos e distribuindo bênçãos.

Não havia mais o taciturno e mentecapto Jupará, nome domacaco a que me referi, que carregava na cabeça caixõesmortuários, ocupados ou não. Era uma figura esquisita que trajavasempre uma capa pesada de lã, que os guardas noturnos da épocausavam nas noites úmidas, e às vezes frias, da região.

Foi um susto, uma fascinação que invadiu os meus sentidos,ao chegar pela velha estrada de rodagem, vindo de Itabuna, numaboléia de caminhão, e avistei, em Ilhéus, o mar pela primeira vez.A impressão que senti foi como se o mar nascesse na areia dapraia e fosse crescendo, crescendo, sempre para cima. O mar,para mim, era uma ladeira.

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Naqueles tempos – tempos de muita riqueza – o dinheirobrotava das matas do cacau. Uma, duas, três vezes por ano. Meupai também se embrenhou naquelas matas.

O velho Jeremias Celestino da Silva, avô paterno e patriarcada família, casado com Jardelina Paganelli da Silva, chegou aItabuna com dez filhos decidido a criá-los. Isso lá pela primeiradécada do século passado. Eram seus filhos oito homens eduas mulheres, com nomes estranhos que eu nunca entendi oporquê.

Jeremias, presbiteriano de formação rígida, batizou a sua prolecom nomes bíblicos e, curiosamente, com nomes tambémgermânicos.

Samuel, meu pai, ganhou nome bíblico e se associou nosnegócios ao irmão Otto, de nome germânico. Transformaram-seem comerciantes. Cabia ao pai percorrer as trilhas dos cacauaispara vender, nas roças, máquinas de costura.

Eram, então, representantes da Singer. O comércio prosperou.Durante a segunda guerra, a Singer desativou a sua linha demontagem para fabricar armamento bélico para os aliados.

Os irmãos experimentaram o comércio da torrefação de cafée, posteriormente, transformaram-se em padeiros, proprietáriosda Padaria Celeste.

Minha mãe, Adalgisa, tinha as suas raízes fincadas nas terrasde Ilhéus. Filha do Coronel Abdias Lúcio de Carvalho, cuja figura,na fotografia envelhecida onde o conheci, me impressionava pelobigode espesso e pelo fardão bonito da Guarda Nacional, e daavó Josefa, a quem já me referi.

Foi a família que me despertou para a política, para o jornalismopolítico. Meu tio, Jeremias, mesmo nome do avô, era conhecidopelo apelido de Mimia, teimoso candidato à prefeitura de Itabuna.

Mimia foi um autêntico tropicalista. Tropicalista e o primeirodemagogo que conheci. Perdia todas as campanhas eleitorais, masnão se abatia. Logo, depois da derrota, mandava pichar as ruasda cidade com o slogan “Mimia vem aí”.

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Em uma de suas campanhas políticas, Mimia adoeceu. Trazidopara Salvador, os médicos diagnosticaram câncer pulmonar. Seusadversários, impiedosos, picharam o muro do cemitério com oslogan que ele criara: “Mimia vem aí!”

O slogan que o levaria à prefeitura levou-o ao cemitério.Assimilei aquela lição da atividade política. Nasci na Rua doPontalzinho, aparado pela parteira Dona Otaciana, no dia 26 desetembro de 1943. Fui o primeiro filho homem de meus pais,Samuel Celestino da Silva e Adalgisa Carvalho da Silva. Presto-lhes homenagem e dedico-lhes imensa saudade. Ambos mortos,me transportam até aonde cheguei, inclusive transpor os umbraisdesta insigne Academia de Letras, que sintetiza a cultura e, comoassinalou, sabiamente, o acadêmico Geraldo Machado, no seudiscurso, ao assumir a cadeira número 4 desta Casa, "o diálogoentre épocas, movimentos e mentalidades". Sei que Samuel eAdalgisa estariam felizes sabendo que alastrei meus limites, comos instrumentos da educação e da cultura que me ajudaram aadquirir.

Tinha eu, então, 11 anos de idade. Foi em 1955, quando afamília se mudara para Salvador. Minha irmã mais velha, Yara, jáestudando na Capital, passara no vestibular de Direito.

Iracy e Ines, brilhantes estudantes do colégio Ação Fraternalde Itabuna, estavam no mesmo caminho e haveriam de se formarem Medicina, também com brilho invulgar. Foi assim, e em razão,que meus pais deixaram Itabuna, para educar os seus seis filhosem Salvador.

Eu era o do meio. Abaixo de mim, em idade, seguem-se Ires e,por último, o caçula, Reub. Ela arquiteta; ele economista. Todosformados conforme queriam os pais. Com exceção de Ires e Ines,que se encontram no exterior, os demais estão aqui presentesnesta solenidade.

Foi difícil entender Salvador e a ela me acostumar.Repentinamente, descobri o quanto Itabuna era pequena e foiassim que encerrei o meu ciclo de vida nas terras grapiúnas.

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Fomos todos educados em escola pública. Fiz o ginásio noentão Instituto Normal da Bahia, hoje Isaias Alves, e no SeverinoVieira. No Colégio Estadual da Bahia, Central, comecei no entãocurso Científico, pensando em me encaminhar para Medicina ouEngenharia. Passei, no entanto, para o curso Clássico no terceiroano, para estudar latim e francês, porque mudara a minha direçãopara o curso de Direito. E acabei, sempre em processo demudança, apaixonado pelo jornalismo. Vê-se, por aí, que eu sótinha como certeza a vida e os princípios que me foram legados,sem estabelecer, ou determinar, um objetivo fixo no futuro paratomá-lo como meta, como objetivo.

Assim posto, chego a esta Academia, para minha honra,impulsionado estranhamente pelo destino.

Em 1963, aprovado no vestibular de Direito da UFBA,ingressei na Faculdade acompanhado de um bando de meninos emeninas alegres, soltos e sonhadores, vindos de escolas diferentes,de Salvador e do interior baiano. Da minha parte, estava dispostosimplesmente a ser. O quê, só teria resposta no ano seguinte,quando procurei o Jornal da Bahia, para fazer testes, juntamentecom outros estudantes universitários. Fui aprovado, depois dequatro meses "focando", ou seja, trabalhando de graça.

O contato com a Universidade e com a redação do jornal, afermentação intelectual e política na qual mergulhei; e a ditaduraque eclodiu no rompimento institucional de 1964, marcaram omeu caminho, definitivamente.

Amava a Escola de Direito e amava o jornalismo. O Direitoera a formação intelectual com professores magistrais; o jornalera a prática, a vida correndo rápida em minhas veias em formade notícia, em forma de indignação política, sentindo a força doautoritarismo me asfixiar, ao tempo em que gerava em mim umaforça rebelde que até então desconhecia.

Era a força da liberdade que me invadia. Não estava somenteem mim. Eletrizava a redação do jornal, penetrava na escola deDireito, na Universidade, levava-me às ruas em passeatas, guiava

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os meus dedos na redação de panfletos da resistência política.Esta foi a luta da juventude de uma geração.

Foi a geração dos anos 60. Aprendi a amar tudo o quesignificasse ser livre, e a odiar a prepotência, a arrogância e aforça. Detesto a prepotência, como tento traduzir no exercíciodo meu jornalismo.

Creio que foi esse conjunto de sentimentos que forjou ojornalista e me puxou inteiro do Direito, ao me formar em 1967,e gritou no meu coração que meu caminho estava ali, na redaçãode um jornal.

O curioso é que o Direito também continuou presente, e a meinteressar. Era uma coisa e outra, mas numa só atividade.Enquanto a ditadura fora o fator sufocante que realimentava aminha indignação, e me conduzia sempre à resistência e a merebelar, o jornalismo se tornou o estuário desse sentimento.

Na legalidade, somente o jornalismo poderia me conceder essaoportunidade de estar vinculado a duas situações paradoxais quese entrelaçavam e se excluíam, porque era o bem contra o mau; odireito contra as trevas; a liberdade contra os grilhões da força.

Fiquei no Jornal da Bahia até 1970. Depois de um pequenoperíodo de pouco mais de um ano no Diário de Notícias, jornalintegrante da Rede dos Diários e Emissoras Associados, me afasteido jornalismo por três anos, para ser o que jamais imaginei, atépor ser um mundo para mim estranho: gerente do Banco doEstado da Bahia.

Aguentei três anos cumprindo ordens, emprestando dinheiroe pedindo depósitos, ao invés de juntar letras e formar palavraspara relatar ou analisar fatos. Em 1974, a minha vida se cruzoucom a do meu grande mestre, Jorge Calmon.

Permitam-me, agora, um corte nesta crônica para homenageare honrar meus antecessores nesta cadeira de nº. 23, reverenciaras suas memórias. Permitam-me, também, alertá-los a todos, que,para completar o que pretendo, voltarei, justo com Jorge Calmon,falecido no dia 18 de dezembro de 2006, o último acadêmico a

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honrar, não somente esta cadeira, mas o sodalício, e este palaceteque abriga a Academia de Letras da Bahia.

Ao ser fundada em 1917, cuidaram os seus iniciadores deorganizar a Academia de Letras da Bahia obedecendo ao modeloclássico francês de estabelecer, para cada uma das suas quarentacadeiras, um patrono ilustre da sua época e tempo.

Para a cadeira n.23, a escolha do patrono recaiu sobre o nomeilustre de Antônio Januário de Faria, personagem hoje poucoreferenciado em razão da memória que o tempo, implacávelmesmo com os ditos imortais, se encarrega de apagar, para darespaço às gerações que se sucedem, no constante e eternoprocesso estabelecido pelo Criador.

Januário de Faria fora médico e cientista, mas, também, cultordas letras, além de ser considerado um orador fluente. Duranteoito anos foi Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, queajudara a fundar e a fazer a Gazeta Médica da Bahia. SegundoJorge Calmon, foi "Homem do mundo, galante e espirituoso, masgozara, entretanto, do acatamento da sociedade do seu tempo,que lhe perdoava as veleidades de leão da moda, tolerando osseus anéis de brilhantes e suas gravatas primaveris", autêntico"produto e símbolo da fase romântica, dourado período em queo sentimento revestia as coisas e as idéias, numa fuga à novarealidade imposta pela ciência e pelo revolucionário processoindustrial".

Uma personalidade complexa mesmo para a época, porqueconseguia reunir as condições de faceiro e austero; extravagantee respeitável; afetado e sóbrio; desprezando a província, maspreocupado com os seus problemas.

Um homem, como os intelectuais do século XIX, voltado paraa França, embora de grande brasilidade. Enfim, uma personalidadecontraditória que, exatamente por isso, exerceu profundafascinação sobre seus contemporâneos.

Morreu em 1873. Sobreviveu-lhe a reputação de homem detalento cultivada pelos discípulos, de um dos quais terá partido,

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certamente, a lembrança do seu nome para compor a galeria dospatronos da Academia, como um dos representantes da culturamédica.

Deve ser ele considerado um dos vanguardeiros da estirpe deprofessores, cientistas, grandes médicos, que foram tambémhomens de cultura geral e de inteligência atuante.

O primeiro ocupante da cadeira 23 foi o médico João AméricoGarcez Fróes, um homem então considerado brilhante desde osseus aprendizados no engenho do pai, Coronel Américo de SouzaFróes, de onde fora trazido para Salvador, de modo a darcontinuidade aos seus estudos e formação no então Colégio Setede Setembro, que se situava no Portão da Piedade aonde,posteriormente, viria se instalar o Colégio Antônio Vieira, queteria, mais tarde entre os seus alunos, o nosso Jorge Calmon.

Extremamente inteligente e estudioso João Fróes acumuloumedalhas de mérito e outras tantas medalhas de ouro na suacarreira estudantil, até se tornar Doutor em Medicina, catedráticode duas Faculdades. A segunda seria a Faculdade de Direito. Deambas fora professor emérito. Foi presidente desta Academia deLetras da Bahia; membro da Academia Nacional de Medicina;contemplado com a Medalha de Ouro da Exposição Nacional de1908 e a Medalha Pirajá da Silva, Oficial da Ordem do MéritoMédico Nacional, entre outros títulos e homenagens queacumulou.

Foi um destacado baiano da juventude à morte, já nonagenário.Iluminou-se com invulgar arrebatamento para as letras e a cultura,que foram, realmente, o seu grande interesse. Ao que consta,deixou, cedo, a clínica, no auge da notoriedade.

Aposentou-se da cátedra médica, para mais adiante, afastar-sepor força da idade, da outra cátedra, na Faculdade de Direito.

Quero findar a minha abordagem sobre João Fróes com umrelato de Jorge Calmon. Escreveu o jornalista: "Conheci-o, aindana minha infância, debruçado sobre o leito de meu pai arquejantede dispnéia, procurando amenizar-lhe o sofrimento, vencer a crise

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com a proficiência do médico e o carinho do amigo. Tinha ao seulado, com ela conferindo opiniões, a esposa, médica também,igualmente grande figura da medicina da Bahia, Dra. FranciscaPraguer Fróes, mulher singular, cujo recato, ou aparente frieza,ocultava, por timidez ou por formação, um oceano de ternura,sobretudo uma generosidade de reconhecida lembrança".

Esta cadeira que a generosidade dos meus queridos confradesacadêmicos neste dia me entrega, teve apenas dois ocupantes:João Fróes e Jorge Calmon, ambos de invulgar esplendor. Ambosdeixaram esta vida nonagenários, depois de trajetórias que aBahia soube reverenciar. Deles não imagino – não tenho estapretensão – ser herdeiro também de um pouco do seubrilhantismo.

Desejo que me iluminem e me ensinem o caminho da longavida. Que o meu sucessor espere, e espere muito, porque almejoocupar esta cadeira 23 ainda por longo tempo, assim Deus queira,nonagenário também.

Jorge Calmon Moniz de Bittencourt, segundo ocupante dacadeira 23, nasceu em Salvador no dia 7 de julho de 1915, últimofilho do casal Pedro Calmon Freire de Bittencourt e Maria RomanaMoniz de Aragão Calmon de Bittencourt. Bacharel em Direito,exerceu inúmeros cargos públicos, de natureza cultural,educacional e política, entre os quais Secretário de Interior eJustiça, ministro do Tribunal de Contas da Bahia, professor titularde História da América da Faculdade de Filosofia e CiênciasHumanas da Ufba.

Membro desta Academia, foi seu presidente e sóciobenemérito. Na política, foi deputado à Assembleia Constituintede 1947, deputado da mesma Assembléia e líder da maioria.

Jorge foi, sobretudo, um jornalista. Ingressou em A Tarde como"foca" a convite do fundador do jornal, Ernesto Simões Filho,de quem foi amigo e discípulo, amizade que perdurou com osfilhos do fundador, Dona Regina de Mello Leitão, que costumavachamar de "minha patroa", e Renato Simões.

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Por longos anos foi diretor redator-chefe do maior jornalbaiano de todos os tempos. Presidiu a Associação Bahiana deImprensa, da qual foi também sócio benemérito e morreu nacondição de presidente da Assembleia Geral da entidade que tantoamava, assim como amava a ALB. Como presidente da AssembléiaGeral, sentava-se sempre ao meu lado esquerdo, nasenriquecedoras e democráticas reuniões da ABI que eu presido,pronto a segurar no meu braço, e com um leve aperto, dizerbaixinho: "Assim que puder, passe-me a palavra".

Era um grande momento, e a certeza de que ouviríamospalavras sóbrias, ponderadas, mas, sobretudo, sábias. Nuncareclamou nas inúmeras vezes em que, findas as manhãs, asreuniões invadiam o início das tardes. Depois do quê,confraternizávamos com comportadas doses de uísque – o delesempre sem gelo – e, a seguir, o almoço da diretoria.

Jorge Calmon recebeu inúmeras condecorações, entre as quaisa Ordem do Mérito do Congresso Nacional, no grau decomendador; Ordem do Mérito da Bahia, no grau de GrandeOficial; Ordem do Mérito das Comunicações, como GrandeOficial; Medalha Machado de Assis, da Academia Brasileira deLetras e Medalha do Mérito Jornalístico da Associação Bahianade Imprensa.

Desde muito moço foi sócio do Instituto Geográfico e Históricoda Bahia, do qual foi, até a morte, seu presidente de honra.

Feita está síntese biográfica do mestre, retorno ao corte quefiz neste meu falar para homenagear meus ilustres antecessores.

Ressalto um dos fatos mais marcantes da minha vida: o meuencontro definitivo com Jorge Calmon, em 1974, quando estavatorto na vida, gerenciando uma agência de banco, no único ecurto período em que fiquei longe de uma redação de jornal.

A política levou-me àquela situação imposta pela minhainabalável crença na liberdade e na independência da profissão.Jorge me convidou a ir ao seu gabinete em A Tarde. Para a minhasurpresa, mal sentara à sua frente, sem entender muito aquele

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convite, declarou à queima roupa: "Quero-o, aqui, como editorde política.".

Meditei um minuto e o respondi com um "não".Perguntou ele: "Você quer mesmo continuar como gerente de

banco?"Respondi de outra maneira, imaginando que escaparia:– "Tenho problemas pessoais e políticos com o governador

do Estado. Não posso ser editor de política".Devolveu o redator-chefe: "Aqui ele não interfere, asseguro".Ofereceu-me, assim, a sua primeira lição de independência

jornalística, em plena ditadura militar, independência que cultiveie preguei ao longo da minha já extensa carreira.

Continuei na minha posição:– "Não, Dr. Jorge".A Tarde tinha, então, uma linha muito conservadora para as

minhas posições políticas. Revelei a ele este meu pensamento,que rebateu:

– "Não tenho um nome para a editoria, Samuel.Sorriu e arrematou:– "Arrisco com você".Sem saída, aquiesci ficar um mês, até que ele encontrasse um

editor menos contestador e menos brigão do que eu.Findou o prazo de 30 dias, ele não procurara ninguém e jamais

permitiu que eu me afastasse do jornalismo, ligando-se a mimnos puxões de orelha com que constantemente me brindava; nospoucos elogios que me fazia diretamente, e no imenso afeto comque me distinguia.

Virou mestre, amigo, conselheiro e só vez por outra fazia ummimo, repetindo o mesmo, sempre a mesma adjetivo, a um textomais cuidadoso que produzia, sem que o consultasse antes depublicar: "Magnífico". Ou, então, uma repreensão, através de umdos seus bilhetinhos à redação: "Mais atenção, você faz melhor".

Situação semelhante aconteceria 10 anos depois, em 1984. Assimfoi quando me convidou para ser candidato a vice-presidente, numa

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chapa para a presidência da Associação Bahiana de Imprensa, ABI,cujo presidente era, então, o seu querido amigo Afonso MacielNeto, a quem sucedi, dois anos depois, em 1986 e lá estou, nomesmo posto, há 22 anos, já no 11° mandato.

Estou lá apenas como consequência da teimosia de JorgeCalmon, que nunca aceitou meus insistentes pedidos deafastamento do cargo, ele que fora presidente da entidade e, atémorrer, presidente da Assembleia Geral. Respondia-me,invariavelmente, da mesma forma, sempre que eu anunciava aminha saída, às vezes sem esconder certa irritação:

– "Então me indique um substituto, ou espere eu morrer.Quando isso acontecer, faça o que bem entender com a entidade."E arrematava sempre: "Mas não espere que eu morra tão cedo."

Cumpri e cumpro a sua vontade, mas avisei aos meus pares,que farei o último mandato, abrindo, assim, o processo sucessóriona minha querida ABI, de tão grandes tradições e lutas.

De outra feita, o mesmo Jorge, elegantemente teimoso eimpositor, ligou-me e disparou:

– "Samuel, vamos comemorar o aniversário dos 80 anos doJosaphat Marinho!"

– "Estou informado" – respondeu.– "Nem tanto" – atalhou. "A Comissão organizadora do evento

escolheu você, por unanimidade, para saudá-lo. Prepare odiscurso!".

– "Que unanimidade?" – questionei atônito.E ele, dando risada:– "A unanimidade de 800 pessoas ausentes e dos cinco amigos

presentes à reunião!" – E desligou o aparelho.Fiz o discurso, mas o iniciei desviando meus olhos do mestre

Josaphat para os dele e disparei:– "É uma honra saudar um homem da inteligência e da

integridade do senador Josaphat Marinho. Estou aqui, nesta noite,em nome de 800 pessoas ausentes que, certamente, por motivode força maior, não puderam participar de uma estranha reunião

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da Comissão Organizadora deste evento. É um prazer falar emnome delas sobre um homem de cultura invulgar que completa80 anos de idade servindo à Bahia e ao Brasil, com absolutacoerência política, ética e intelectual."

Jorge, na mesa, não conteve o riso, cochichando com seuamigo, o saudoso baiano e mestre Josaphat Marinho.

Meus caros meus amigos.Meu mestre em jornalismo, ao ingressar nesta Academia de

Letras da Bahia, anotou, com notável precisão, em seu discursode posse, que "o jornalista é o depositário do contrato feito pelasociedade com uma instituição particular – a imprensa – paraque proteja o interesse público, fiscalize os governos, denuncieos abusos, clame contra as violências, ampare as liberdades,advogue pelos desprotegidos, zele pelo Direito, propugne peloprogresso, pela prosperidade coletiva, para a construção pacificae harmoniosa do futuro".

É uma bela síntese!Ser jornalista é, de fato, ser detentor de um mandato público,

conseqüência daquele contrato tácito a que aludiu Jorge Calmon,entre a sociedade e a imprensa, entre os cidadãos e a imprensa,exatamente para defender, de forma intransigente, os princípiosdemocráticos, razão maior dos valores da liberdade e da cidadania.

O fascinante exercício do jornalismo diário permite que seconheçam pessoas notáveis, extraordinárias; travar diálogos etrocar pensamentos; entender formas de pensar e as suas lógicas,mas, também, conhecer escroques escondidos falsamente sob aproteção do manto dos bons.

Seria absolutamente impossível desfilar, aqui, nomes depersonalidades que conheci ao longo da profissão que abracei.Para não cometer deslizes, citarei apenas um dos maiores; umgrande estadista a quem dediquei grande admiração, desde acampanha da anti-candidatura no momento mais crítico daditadura militar: o bravo andarilho das liberdades, um dos maioresconstrutores da nova democracia brasileira. E o cito porque foi

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tragado pelo mar imenso, que jamais o devolveu. O caçador denuvens, como se referiu a si próprio, o deputado UlyssesGuimarães. O grande mascate das liberdades, desaparecido numacidente aéreo próximo à Praia dos Sonhos. O destino não poderiaoferecer-lhe lugar com nome mais apropriado.

Recorria, nos momentos de mau agouro, nos momentos domedo que ameaçava se alastrar pelo Brasil que mal saíra do regimemilitar, a uma citação que me ocorre lembrá-la. Ulysses Guimarãesse escudava no genial Luís de Camões. Passeava pelos Lusíadas efalava sobre o velho do Restelo. Um personagem camoniano, queera a antítese do deputado.

O velho apareceu na praia lisboeta do Restelo amaldiçoando econdenando a expedição de Vasco da Gama, que partiria paradescobrir o Caminho Marítimo das Índias. Surgiu, também, emoutras ocasiões, quando as naus lusas zarpavam para abrir oshorizontes do mundo, desbravando mares "nunca dantesnavegados".

O velho, ranzinza, dobrado sobre seu próprio corpo,esbravejava, rogava pragas, dizia que a expedição não ia dar certo.

Esganiçava gritando aos bravos navegantes que eles seriamtragados pelos demônios do mar. Se os valentes marujosportugueses o ouvissem, não teriam conquistado os mares. Se osbrasileiros se acovardassem diante dos tiranos, não chegariam àdemocracia. Cito o velho do Restelo e cito Ulysses para dizerque, em momento algum da minha profissão, dei importânciamaior ao ouvir as vozes do mau agouro, aos impropérios dostiranos e dos arrogantes.

Jamais duvidei da nobreza do jornalismo. Em razão, nuncame abati diante das adversidades episódicas; das ameaças e dasbravatas dos prepotentes. Para mim, meu mar sempre foi maiordo que o esganiçar e as insolências dos poderosos.

Considero que exercício do jornalismo diário exige basicamentetrês pressupostos que transferem credibilidade ao profissional:independência em relação aos fatos e às circunstâncias; a ética; e

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o compromisso inarredável com a verdade. Há quem se vincule ànotícia, dando-lhe prioridade. É um erro. Prioridade à notícia éeleger o sensacionalismo, correndo-se o risco do cometimentode injustiças, às vezes irreparáveis. A notícia, sim, mas quando elafor o exato reflexo da verdade.

A imprensa, aqui e no mundo, está, como sempre esteve, emconstante processo de transição. Ao chegar nesta Casa, nestaAcademia, Jorge Calmon anotara que, desde que ingressara naimprensa, três décadas antes de ocupar a cadeira 23,transformações sensíveis se operaram.

Disse ele: "A imprensa foi deixando, de ser apenas uminstrumento de ação política, de ser uma aventura romântica dehomens que empenhavam sua inteligência a troco de nada, parase tornar a empresa sui-generis que atualmente é, metade espírito,metade matéria; metade serviço público, metade indústria; metadeopinião e notícia e metade anúncio".

E perguntou:– "O que será do jornalismo, futuramente?– "Não é fácil predizer" – respondeu ele mesmo – "A técnica

está impondo alterações profundas na área das comunicações.Desde que, no século passado – isto no século XIX – com ainvenção do telégrafo e do telefone, as comunicações deixaramde depender dos meios de transporte. Foram-se sucedendoinovações no aspecto material, que trouxeram modificações aténa própria natureza dos veículos de publicidade.

Sem prejuízo da sobrevivência do jornal, surgiram o rádio,primeiro, e a televisão, depois. Nem um, nem outra importaram,em verdade, no sacrifício do jornal, que continuou existindo.Mas – dizia ele – para que o rádio e, ultimamente, a televisãopudessem ocupar os seus lugares, o jornal teve de fazerconcessões; teve ceder parte de um território de que dantes eleera senhor absoluto.

Acentuou, então, com a sua percepção e inteligênciainigualáveis sobre a imprensa: "A técnica ainda não se deu por

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satisfeita. Não parou; não parará. Descobertas tão surpreendentesquanto as já conseguidas, estão à vista. Depois de ter alcançado acomunicação de longa distância e o transporte mais rápido que osom, a técnica está cuidando substituir as fontes de energia emuso, pela energia solar, que já alimentou as 3.600 células do Telstar,na sua viagem pioneira, abrindo o caminho para que outrossatélites comandem, do espaço, o complexo diálogo dos povos."

Se Jorge fosse um pouquinho, somente um pouquinho alémdo que antecipara, chegaria fatalmente à conclusão de que ahumanidade estava dando um passo para mergulhar no epicentrode mais um revolução da comunicação, a mais importante dajornada do Homem no Planeta, uma revolução que não terá fim,porque ela é a essência do próprio homem.

A linearidade da comunicação instantânea, em rede, a Web,quebrou a curvatura do mundo. Bill Gates, em A Estrada do Futuroafirma que a revolução das comunicações está tão-somente nocomeço e vai durar muitas e muitas décadas, recebendo muitasferramentas, ou aplicações para atender às necessidades porenquanto ainda imprevistas.

Para mim, como afirmei acima, a revolução da comunicaçãojamais terá fim. A discussão sobre o futuro da imprensa, aludidapor Jorge Calmon, ainda é uma pergunta presente, mas já hárespostas no horizonte com a avassaladora invasão da internet,produzindo informação limpa, real e instantânea, a ameaçar, sim,o jornal, revolução que nasceu com a invenção de JohannGutenberg, com a prensa mecânica, em meados do século XV.

Observem com Jorge foi importante. Escrevi, após a sua morte,que ele foi um homem singularíssimo. Na verdade, direi, ele foipluralíssimo na sua singularidade. Não foi apenas o homem deimprensa. Afirmo, com absoluta segurança, que ele foi o maiorincentivador da cultura, especialmente das artes e das letrasbaianas. Incrível como poderia estar como se fosse quaseonipresente, envolvido em tantos projetos, eventos emanifestações da cultura na Bahia.

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Um político disse-me um dia: “Jorge Calmon transcendeu àprofissão de jornalista. Ele extrapolou da sua arte e hoje é o maiordefensor da cultura no Estado.”

“Nos seus últimos anos, num estranho pacto com o tempo,ele conseguia – além das suas inúmeras atividades culturais eprofissionais – encontrar momentos livres para brindar os leitoresde A Tarde com crônicas semanais publicadas às segundas feiras.Isso, se não bastassem as suas inúmeras responsabilidades diárias.

Anotei então, numa crônica publicada, tentando desvendar oseu enigma:

“Acho que o seu segredo, o segredo de Jorge, estava numapequena caderneta que ele guardava no bolso esquerdo internodo seu paletó. Ali, com letra miúda, que mal escondia sua extremapaciência, anotava absolutamente tudo.”

Creio que foi naquela pequenina agenda que Jorge aprisionouo tempo, para permanecer eternamente jovem e conseguir ser oincansável combatente pela imprensa e pela cultura, até o fimdos seus dias, aos 92 anos de idade.

A minha rebeldia e a minha combatividade como jornalista,encontravam nele uma espécie de cúmplice silencioso. Ou quase.Ria quando eu me rebelava, mas com os lábios fechados tentandoesconder ou disfarçar o riso. Batia em meu ombro e dizia:

– “Vá em frente, não deixe nada sem resposta”.Foi quem me incentivou a escrever alguns livros para

documentar a história política contemporânea da Bahia e doBrasil que vivi e vivo. Parei no primeiro volume, ao publicarPolítica, Fatos e Tendências, em 1999. Se o tempo me permitir, ireiadiante.

Foi ele quem, também, pela primeira vez, falou para mimsobre esta Academia de Letras.

Fatos supervenientes, entretanto, fizeram-no nunca mais tocarna questão, mas eu o entendi perfeitamente e tenho a certeza deque ele sabia que eu compreendia as suas razões, porque elas seprendiam aos cuidados que tinha com esta Casa, um de seus

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arrebatamentos, um dos seus amores, assim como a ABI e oInstituto Histórico e Geográfico da Bahia.

Volto ao que já disse no início. Foi no dia do seu sepultamento,na manhã em que eu, segurando na alça do seu ataúde, o tirei,com seus filhos e os genros, do veículo que o levou do necrotériodo à capela do Campo Santo.

Por ali fiquei, no portal da Igreja, aguardado os amigoschegarem, mergulhado na tristeza do discípulo que perdera omestre.

Já não era manhã, passara a ser tarde, quando o meu queridoamigo Edivaldo Boaventura, honrado presidente desta Academia,a quem particularmente agradeço nesta hora e por quem tenhoespecial carinho, disse-me sereno e triste:

– “Samuel, ele gostaria de tê-lo como sucessor na sua cadeirada Academia de Letras.”

Permaneci calado, porque o agradecimento ficou preso nagarganta. Retornei, pedi à família para cobrir o caixão com abandeira da Associação Bahiana da Imprensa, onde consta ainscrição: In primis veritas. Ou, traduzindo, “A verdade em primeirolugar”.

Senhores acadêmicos, meus amigos,Estou chegando ao fim deste já longo discurso. Peço, no

entanto que me permitam olhar, daqui de cima, deste púlpito,para a minha querida Mirella, e confessar que a amo, agradecendopelos seus cuidados e paciência comigo. Beijar e agradecer aosmeus filhos Vanessa, Leonardo, Ariel, e o pequeninho Daniel, onosso Dandan, com seis anos apenas, alegria de Mirella, e minhade todos os dias

Peço, agora, caro presidente, permissão para quebrar o ritodesta solenidade e pedir a Mirella que o traga Dandan para pertode mim, de maneira que eu conclua, ao seu lado este discurso.

Agradeço, também, aos meus irmãos já citados, Yara, Iraci,Ines, Ires e Reub, aos meus cunhados Fernando, Luís Lessa, MauroMenezes e Lucinha, à minha sogra Ineide e reverenciar, saudoso,

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o meu sogro Edson que, se vivo estivesse, seria, seguramente,uma das mais alegres e felizes presenças neste auditório.

Abraçar os meus amigos que aqui estão. Permitam que, emnome deles, cite José Henrique Ramos representando a todos.

A vocês, caros e queridos acadêmicos, quero agradecer porme fazer chegar, numa estranha e bela coincidência, à cadeiranúmero 23. Creio que jamais poderei resgatar o débito destagenerosidade, mas os afianço que honrarei as melhores e as maiselevadas tradições desta casa, desta Academia de Letras.

Devo reafirmar, por fim, que nada mais sou do que uma merapena aliada do vento, num bailado efêmero ditado pelo destino.Com este sentimento de liberdade, assumo o sodalício, para deixá-lo somente quando a pena repousar em qualquer canto, emqualquer espaço, e a Academia de Letras da Bahia, então enovamente, declarar vaga a cadeira 23, que pertenceu a JoãoAmérico Garcez Fróes e ao meu grande mestre, último nomeque cito neste discurso, por ter para mim um significado maior:Jorge Calmon Moniz de Bittencourt.

Muito obrigado.

Discurso do acadêmico Samuel Celestino Silva Filho, proferida na Academia deLetras da Bahia, no dia 21 de agosto de 2008, ao tomar posse na cadeira nº 23.

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As Duas Históriasdo Povoamento da Cidade

do SalvadorPaulo Ormindo de Azevedo

Alguém da família teria que falar nesta solenidade de doaçãoda biblioteca de Thales de Azevedo a esta casa, atendendo auma vontade expressa de sua esposa e parceira, D. Mariá,solenidade que coincide com os 60 anos da publicação doPovoamento da Cidade do Salvador. Gostaria que cada um dos meusirmãos aqui presentes pudesse dar seu testemunho sobre amemória que guarda de nossos pais. Na impossibilidade destemosaico, resolveram os mesmos confiar a mim esta honrosa,mas difícil missão. Fui o escolhido provavelmente por ser umaprendiz de alarife, aquele que se supõe deve saber reunir ostijolinhos da memória na reconstrução virtual de seu gabinete-biblioteca na sua nova casa.

Que posso oferecer de novo a este auditório qualificado deestudiosos de sua obra, ex-alunos, bibliotecários, leitores, amigose familiares? Não sou um historiador nem antropólogo para avaliaro conteúdo de sua obra. Só posso dar aqui um depoimentopessoal, falar de seu trabalho solitário, de sua curiosidade lúdica eatenção para tudo que ocorria em sua volta, de onde advém adiversidade de sua obra. Mas essa historia afetiva pode permitirum insight da elaboração do Povoamento da Cidade do Salvador, nãode todo inútil para os aqui presentes.

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Thales de Azevedo publicou o Povoamento da Cidade do Salvadorquando tinha 45 anos, vinha do interior, onde praticou a medicinaem Castro Alves, era basicamente um funcionário publico e haviapublicado apenas alguns artigos sobre catolicismo e medicina eum único livrinho, Gaúchos (76p.), em 1943, sobre áreas culturaisdo Estado do Rio Grande do Sul, província que ele mais amou ese ocupou depois da Bahia, berço de sua esposa e onde viveudurante alguns anos sua avó, uma cabocla sergipana filha de umalferes que lutou na malfadada Guerra do Paraguai. Quandoiniciou o trabalho já tinha uma família grande e ao entregar osoriginais do livro possuía oito filhos e quase igual numero deagregados.

Ele havia resistido à tentação de “pegar um Ita no norte e irpara o Rio morar” como fizera seu irmão Renato e os amigosAnísio Teixeira, Herbert Fortes, Pirajá da Silva, Rômulo Almeidae outros, que tentar a sorte longe de sua Bahia, pois “pobre dequem acredita na gloria e o dinheiro para ser feliz”, comoconfessaria, mais tarde, o mesmo Caymmi.

Por esta razão recusou convite de Josué de Castro, com quemestagiou no Rio, e permaneceu na Bahia, tendo aceito, em 1942,convite do Prof. Isaias Alves para fundar e reger a 1ª Cadeira deAntropologia e Etnografia na recém criada Faculdade de Filosofia,mais tarde incorporada à UFBA. Como outros antropólogos eetnógrafos nordestinos, a exemplo de Gilberto Freyre e CâmaraCascudo, ele estava mais interessado em desvendar os segredosde seu povo, que tentar uma aventura na velha capital do país, oRio de Janeiro.

Salvador tinha na época cerca de 274.910 habitantes e serviçospúblicos e abastecimento alimentar muito deficientes. Estavaisolada na costa brasileira, com poucas e péssimas estradas debarro no interior. Economicamente vivia o marasmo de uma criseque se arrastava desde o final do século anterior, com o apagardas fornalhas dos engenhos do Recôncavo e a queda vertiginosado preço do cacau pelo crack da Bolsa de Nova York. Com a

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entrada do Brasil na guerra muitos baianos vão para a Itália e nãoretornam e instala-se na cidade a Base Baker da marinha norte-americana. A francesia baiana de antanho (1985) cede lugar aamericanização e o consumo. A ditadura Vargas agonizava comás derrotas do nazi-fascismo na Europa.

Mas a partir de 1946, a Bahia passa a viver um período deabertura democrática, de modernização administrativa erenovação cultural, com Otavio Mangabeira no Governo doEstado da Bahia, tendo como secretários de estado intelectuaisde sua geração e amizade, como Anísio Teixeira, querevolucionaria a educação e a cultura baiana, e Nestor Duarte,que criaria as primeiras colônias agrícolas e pesqueiras, no interior,com imigrantes europeus e japoneses.

O preço do cacau começava a se recuperar, o ConselhoNacional de Petróleo intensificava a prospecção do óleo negrona Bahia e os estudos para a construção da Refinaria de Mataripe.A Hidrelétrica de Paulo Afonso começa a sair do papel e EdgarSantos criava, em 1946, a Universidade da Bahia, atual UFBA.

O convite de Oswaldo Valente, diretor do Arquivo Municipal,em 1943, para escrever uma das dez monografias comemorativasdos 400 anos de Salvador era uma honra, um desafio e,principalmente, uma maneira de reforçar o orçamento da famíliagrande, milagrosamente multiplicado por D. Mariá. A elaboraçãodo Povoamento de Salvador, entre 1943 e 1949, ocorreu numdos períodos de maior atividade profissional, acadêmica ejornalística de Thales de Azevedo.

Nós, seus filhos, somos testemunhas de quanto esforço lhedemandou cumprir, no prazo, o contratado e conciliar as múltiplasatividades de médico do Serviço de Saúde Publica; clinicoparticular com consultório no Ed. de A Tarde, na Praça CastroAlves, e depois no Ed. da Farmácia Caldas; professor deAntropologia e Etnografia da Faculdade de Filosofia, hojeintegrante da UFBA; diretor e professor de Pesquisa Social daEscola de Serviço Social, depois incorporada a UCSAL ecolaborador semanal do jornal A Tarde.

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Tal diversidade de atividades se devia não só a sua inquietaçãointelectual como à necessidade de amealhar recursos para mantera família numerosa. Em carta de 1948 ele se queixava dadificuldade de dar forma final a enorme quantidade de dados eobservações que anotara nos cinco anos anteriores de pesquisaem arquivos e livros.

Acrescente-se a isso os transtornos com a ampliação e reformacontinuada da Vila Augusta, na Princesa Isabel no. 31, e onascimento de mais três filhos. Primeiro foi a aquisição e reformada casa vizinha gêmea, seguida da construção de um segundoandar nos dois imóveis, para aluguel e reforço do orçamentofamiliar. Depois a construção de um anexo quase tão grandequanto a casa original. Obras concebidas e administradas por D.Mariá, embora desenhadas e calculadas pelo amigo da família,Eng. Jaime Cerqueira Lima.

Mas apesar desses transtornos, D. Mariá, provedora de tudoda família, deu a meu pai a condição de um intelectual emdedicação exclusiva, não obstante as obras, sua condição defuncionário público mal remunerado e médico à contra gosto. Àtia Belinha, professora solteirona reprimida, que a criara desde osquatro anos quando ficou órfã de mãe, Mariá atribuiu a funçãode explicadora dos meninos, dispensando meu pai de um dospoucos encargos que lhe caberia.

Ela multiplicou o orçamento familiar criando um patrimôniodo nada. Esse tino para os empreendimentos imobiliários ela haviaherdado do avô, Eng. Pedro Julio David, um dos colaboradoresde Antonio Lacerda na construção do Parafuso e de seu filho,Eng. Jaime David.

Em meio a esse canteiro de obras permanente, meu paitrabalhava em seu gabinete no Povoamento da Cidade do Salvador. Oritual de trabalho era eventualmente interrompido para chuparcana, sentado em seu banquinho, rodeado pelos filhos. Este eraum dos poucos momentos que ele brincava com nós contandohistórias de sua infância e adolescência. Fora do gabinete a poeira

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era tanta, que os brinquedos que nós ganhávamos nos aniversárioseram guardados no porão para a “casa nova”. Quando esta ficoupronta já éramos adolescentes e os brinquedos haviam perdido agraça.

O gabinete era um santuário onde poucas pessoas podiamentrar e ele passava a maior parte do dia quando estava em casa,dormindo inclusive ali a sesta. Nele ele guardava livros e as últimasnovidades em maquinas fotográficas, projetores de slides,gravadores de som e por ultimo uma copiadora de mão compradanos Estados Unidos com a qual copiava trechos de documentose jornais em arquivos para uso próprio e para presentear os alunose amigos pesquisadores.

Num armário, que era uma verdadeira pandora, escondiapreciosidades como um bebê japonês que dormia imperturbávelqualquer que fosse a posição em que caísse, um microscópio comlaminas diversas, minerais, insetos dessecados, slides e umepidiascópio e um radio de galena feitos por ele próprio. Osmeninos, nas raras oportunidades que entravam no gabinete, seencantavam não só com essas curiosidades como com uma estantegiratória que mugia como um boi, quando acionada.

Os livros se acomodavam de forma precisa, mas aparentementedesordenada, em cadeiras, tamboretes e em estantes que subiamaté o teto. Ali e na sala vizinha ele recebia amigos e orientandos,mesmo depois que foi aposentado compulsoriamente.Apreciando perplexo uma foto de seu labiríntico gabinete, que seexibe nesta casa, o então diretor da Biblioteca Nacional, escritorAffonso Romano de Sant’Anna, sentiu um estalo e sentenciou:“é natural, toda criação é precedida do caos”.

Meu pai era um tímido e um workholic, o que deu a muitaspessoas a falsa impressão de homem muito austero e fechado.Para D. Mariá, ao contrario, a vida era literalmente uma festa.Enquanto construía, ela fazia, nas horas vagas, balões para o SãoJoão, fantasias para os filhos brincarem o carnaval, bolos paraaniversários de todos os filhos e empregados, além de opíperos

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jantares baianos para visitantes ilustres. A meu pai era reservadaa redação do testamento de Judas e a confecção do presépio deNatal.

De todas as festas ele participava, com exceção do carnaval,que detestava. Não obstante a diversidade de temperamentos, ocasamento funcionava muito bem, com uma divisão de trabalhomuito clara e um pacto tácito de um não interferir nas atividadesdo outro. Outra paixão de minha mãe eram as viagens. Numerosasforam as férias com toda a família na longínqua Porto Alegre, nacasa do seu tio Firmo e da irmã Belita, de onde surgiu o interessede meu pai pelo Rio Grande do Sul.

Frequentes foram também as férias nas casas de Dona Lôla edo tio João, em Itaparica, na fazenda Rio Seco, em Alagoinhas,do tio Carlos, ou na casa de férias adquirida na Rua DomingosRabelo, em Itapagipe, com fundos para o Estaleiro, atual Alagados,locais onde meu pai aproveitava o tempo para dedicar-se a seuhobby predileto, a pintura, e a longas conversas com os vizinhoscom indisfarçável interesse sociológico.

Mas me permita vos contar, agora, outra história menosfamiliar. Foi neste cenário e circunstancias que foi escrito oPovoamento da Cidade do Salvador. A Bahia não tinha bibliotecasespecializadas e ele se valeu do acervo do historiador etupinicólogo Frederico Edelweiss, que conheceu e se tornouamigo na Casa Tude, de sua madrinha Isabel, onde trabalhoucomo caixeiro, enquanto estudava medicina, e voltara a seencontrar como colega na Faculdade de Filosofia. Ali estavamtodos os livros de história baiana e etnologia indígena queprecisava. Passava horas na casa de Frederico e Margaridaanotando informações.

Paralelamente formava sua própria biblioteca com os títulosmais atuais das ciências sociais, em inglês e em francês, importadospelos correios. As notas tomadas nos arquivos eram interpretadasà luz das ciências sociais para escrever o livro que o projetarianacionalmente. Na bibliografia do Povoamento da Cidade do Salvador

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não faltam referencia aos fundadores da antropologia culturalnorte-americana, como Franz Boas, Melville Herskovits, MargaretMead, Ruth Benedict e Charles Wagley, da chamada Escola daColumbia e aos sociólogos Robert Park, Donald Pierson e LynnSmith, da Escola de Chicago, ou ainda de cientistas sociaiseuropeus, como Alfred Métraux e Paul Rivet ligados à UNESCO.

No isolamento baiano, sem ninguém da área para trocar ideias,esse autodidata em ciências sociais e historia recriaria, sem saber,a História Nova, aquela iniciada por Marc Bloch e Lucien Lebvrecom a fundação da revista Annales na década de 1930, na França,que iria revolucionar esta disciplina, mas que sofreria um severorevés durante a II Grande Guerra, com o próprio Bloch sendofuzilado pelos nazistas, em 1944. Thales de Azevedo não tinhanenhum conhecimento deste movimento, nem podia ter. Asegunda fase desta escola, que é considerada a mais importante,iniciada por Ferdinand Braudel com sua famosa tese “OMediterrâneo”, onde introduz o conceito de “longa duração”, sóseria publicado na França em 1949, mesmo ano de Povoamentoda Cidade do Salvador.1

Como a Escola dos Annaes, ele via uma unidade metodológicaentre a História e as Ciências Sociais, rejeitando a crônica linear,positivista, ainda vigente entre os historiadores brasileiros. Maistarde ele diria:

Foram vários anos de esforço que deram lugar a escreverPovoamento da Cidade do Salvador, em que fatos históricosforam tratados na perspectiva sócio-antropológica, tentandoexplicações e interpretações dos eventos no quadro diacrônicoda sociedade em que se verificaram.2

E faz isso sem alarde, como um fato natural, tão evidente quedispensava uma polêmica “desconstrução” da historiografiatradicional. A Historia é tratada nesse livro como ciênciamultidisciplinar, que se valia da economia, da antropologia, da

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sociologia e da ecologia humana como atestam os capítulos SéculoXVII – Riquezas e reveses, O sustento da infantaria, Mecanismos deintegração biossocial, Começa a mestiçagem e O processo ecológico. Comrigor cientifico, lança mão dos dados demográficos disponíveispara quantificar a marcha do povoamento, como nos capítulosEm muito crescimento, Os censos do século XVIII, Séculos XIX e XX eCausas de morte. Em seu livro nenhuma tentativa de rígidaperiodização. Os temas ligados por sutis relações são tratadoscomo um grande painel. E nisto e na remissão de citações e dadoscomprobatórios para notas de roda-pé está um de seus maioresméritos. O livro é um trabalho de rigor cientifico e, ao mesmotempo, uma obra literária, que dá enorme prazer de se ler.

Com uma visão que se poderia dizer marxista, ele relativiza aimportância dos grandes protagonistas para focar a dinâmica sociale o povo. Isto é evidente em capítulos como Católica e boa tenção,Antigos habitantes, Portugal despovoado e pobre, Reexportação e vadiagem,e na importância dada à vida cotidiana, tema tão caro à Escolados Annaes, com capítulos como a Cidade do Salvador, O problemada carne, Condimentos, sal e preguiça, Pão de trigo e vinho, Os jejuns, ouainda aos problemas ambientais, como em o Cansaço da terra,derrubadas e clima, Água e A formiga.

Caramuru não é tratado como um herói ou protagonista, senãocomo um simples agente social, fazendo algumas vezes o jogodos contrabandistas franceses e outras dos colonizadoresportugueses. É possível identificar neste livro preocupaçõesexpressas em artigos anteriores, especialmente referentes adoenças transmitidas pelos brancos aos índios, deficiênciasalimentares da população e mestiçagem.

Esta foi a sua grande obra seminal, cujos temas seriam, maistarde, aprofundados e muitas vezes revistos, em trabalhos comoCivilização e mestiçagem (1951), Les élites de couleur dans une ville brésilliene(1953, 1955), Catolicismo no Brasil um campo para a pesquisa social(1955), Democracia racial: ideologia e realidade (1975) e Social change inBrazil (1963), além de novos temas de vida cotidiana, como Namoro

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á Antiga: tradição e mudança (1970,1975, 1986) e A praia, espaço desocialidade (1988)3.

Povoamento da Cidade do Salvador foi um dos três únicoslivros entregues no prazo e publicados pela Prefeitura Municipaldo Salvador em 1949, dos dez encomendados. Mas, seis mesesdepois, eram quinze as obras entregues à comissão julgadora dopremio literário instituído pela Companhia Aliança da Bahia paracomemorar o quarto centenário da fundação da cidade, no valorde Cr$ 100.000,00. A Comissão formada pelo Governador OtávioMangabeira (presidente), Lucia Miguel Pereira (relatora), AugustoFrederico Schmidt, Alceu de Amoroso Lima e Anísio Teixeira,após a leitura de todas as obras apresentadas “com a maior atençãoe simpatia” assim se pronunciou:

Afinal, considerando não só a importância das pesquisasoriginais realizadas pelo concorrente Thales de Azevedo paraa elaboração do seu trabalho, como também o alcance do temadeste, pareceu de justiça à Comissão classificá-lo em primeirolugar4.

Um ilustre concorrente propôs à Comissão dividir o premio,mas foi rejeitado. O livro ganhou ainda mais dois prêmios:Caminhoá, do Governo do Estado da Bahia, no mesmo ano, eLarragoiti Junior, de Interpretação do Brasil e Portugal, daAcademia Brasileira de Letras, em 1951, e três edições, a últimade 19695. Seu sucesso foi imediato e introduziu seu autor emuniversidades brasileiras, norte-americanas e européias. Para istoconcorreu também a intuição e generosidade de Anísio Teixeira,então Secretario de Educação e Saúde, de convidá-lo para dirigirjuntamente com o professor norte americano Charles Wagley oconvenio Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia –Columbia University (1949-53), de adequação do sistemaeducacional a diversidade cultural do estado, e integrar a equipeda Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, por

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ele criada em 1951, para onde foi transferido o convenio e ondeocupou os cargos de Secretário Geral, Vice-Presidente ePresidente (1951-67).

O Prof. Charles Wagley, por sua vez, abriu as portas da ColumbiaUniversity convidando-o a realizar seminários, na transição dos anos50 para 60, e examinar a tese de PhD de Marvin Harris, seuorientando na Bahia, sobre Rio de Contas. Harris viria a ser umdos teóricos da antropologia mais festejados na America do Norte.Por outro lado, o mesmo programa viria a se ocupar de relaçõesraciais, a pedido de Alfred Métraux, do Departamento de CiênciasSociais da UNESCO e Thales foi encarregado de escrever Les élitesde couleur dans une ville brésiliene, publicado no ano de 1953.

Em consequência desses sucessos e de uma intensa produçãointelectual ele foi convidado na década de 1960 a dirigir umseminário de pós-graduação no Luso-Brasilian Center daUniversity of Wisconsin (1960-61) de que resultou Social Changein Brasil, de 1963, e recebeu convites para dar cursos e conferenciasem universidades do Peru, Espanha e Portugal terminando comum curso sobre Brasil na Columbia University, durante todo oano de 1971. Na mesma década de 1960, foi convidado a integrarbancas de exames de livre docência e doutorado da USP, tendocomo postulantes nomes do porte de Egon Schaden, Maria IsauraPereira de Queiroz, Otavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso eFlorestan Fernandes.

Povoamento da Cidade do Salvador mudaria, de uma horapara outra, a vida da família, com tantos prêmios, viagens e estadiasfora acompanhado de grande parte da prole. De família modesta,com uma vida semi-rural, com casa de fogão a lenha, sem carronem geladeira e quintal de uma tarefa onde o inesquecível AntonioBispo caçava sariguês e juritis e produzia grande parte daalimentação doméstica, lavrando a horta, cuidando das plantaçõese fruteiras, limpando a cocheira, o chiqueiro e o galinheiro,passamos à condição de uma família bem viajada, com uma dascasas mais bem apetrechadas da cidade.

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Os direitos autorais de Les elites de couleur dans une ville brésilienese converteriam em uma reluzente station wagon Chevrolet 1953,que Thales nunca quis dirigir e Mariá sempre se mal disse pornão ter aprendido, para não depender dos filhos. Antes dodesembarque da camionete, que ficara com Wagley e Cecilia emNova York cumprindo quarentena de uso, e fora por elespremunitoriamente batizada de Good Luck, chegou à Barra Avenidaum enorme container de madeira com o recheio de uma casainteira, que minha mãe havia comprado naquela cidade. Fogãoelétrico GE, geladeira Westinghouse, lavadora de roupa Thor,toca disco Hi-Fi, radio Halicraft para ouvir a BBC, cadeiras emesas de jardim, presentes e uma espreguiçadeira basculante dealumínio e lona que meu pai adorava dormir a sesta no seugabinete, com os pés acima da cabeça.

Estas são as duas histórias do Povoamento da Cidade do Salvador,que vos prometi contar. Uma familiar que para nos filhos é muitocara, mas que será inevitavelmente esquecida, e outra cujo interessesó tem aumentado com os anos e não passará, pois a parir deagora será estudada e preservada nesta biblioteca, que homenageiao seu nome, Thales de Azevedo.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1. Ferdinand Braudel estivera no Brasil, entre 1935 e 1937, com outrosintelectuais franceses, inclusive Levy-Strauss, assessorando aestruturação da Universidade de São Paulo (USP), mas os dois nãodevem ter publicado nada importante no país, pois Thales não o incluiuentre os autores citados ligados àquela universidade, como RogerBastide, Herbert Baldus, Emílio Willems, Egon Schaden e o estreanteFlorestan Fernandes.2. AZEVEDO, Thales. Roteiro de trabalho in BRANDÃO, Maria deAzevedo Thales de Azevedo, dados de uma assinatura. Salvador: ABA;UFBA,1993, p. 56.3.Vide BRANDÃO, Maria de Azevedo. Thales de Azevedo, dados de umaassinatura. Salvador: ABA;UFBA, 1993.

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4.Premio Aliança da Bahia in Povoamento da Cidade do Salvador. S. Paulo:Cia. Editora Nacional, Serie 5ª, Brasiliana, vol. 281, 1955.5 - Povoamento da Cidade do Salvador. Salvador: Prefeitura Municipal deSalvador, 1949; Povoamento da Cidade do Salvador. 2ª edição revista ecom índices de autores, localidades e assuntos. S. Paulo: Cia. EditoraNacional, Serie 5ª, Brasiliana, vol. 281, 1955; Povoamento da Cidade doSalvador, 3ª edição com um longo Prefacio, onde o autor revisa toda abibliografia surgida depois da publicação da 2ª edição. Salvador: EditoraItapuã, 1969.

Discurso proferido na solenidade de comemoração de 60 anos da publicaçãode Povoamento da Cidade do Salvador e doação do acervo bibliográfico do autorà Biblioteca Estadual Thales de Azevedo, no dia 26 de agosto de 2009, quan-do ele, se vivo, completaria 105 anos.

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Discurso do RetratoO Acadêmico Xavier Marques

Aramis Ribeiro Costa

Na fantasia imortal de Oscar Wilde, ao ver-se magnificamenteretratado, no esplendor de sua mocidade, pelo pintor BasílioHallward, o jovem Dorian Gray deseja ardentemente que o re-trato envelheça em seu lugar. A paixão do artista ao pintá-lo e ointenso desejo do vaidoso Dorian realizam o milagre. Posta naparede, a imagem amorosamente criada por Hallward vai semodificando com o passar dos anos, adquirindo os traços devas-tadores do tempo, enquanto o modelo conserva o aspecto moçoe belo. Mas não apenas isso: o rosto da tela passa a suportar opeso de suas paixões e de seus pecados, registra as marcas da dore dos pensamentos, enquanto ele próprio mantém o seu aspectojovem e sem máculas. Se possuíssem os retratos pintados esseestranho poder, certamente seriam poucas as paredes no mundopara contê-los, e a profissão de pintor a mais valorizada entretodas as outras. Infelizmente os retratos, magistralmente execu-tados por excelentes artistas ou capturados por prosaicas câma-ras fotográficas, a não ser na fantasia de Wilde e no desejo doperverso Dorian, não assumem nossas velhices em nosso lugar.Têm, entretanto, o poder igualmente valioso de reter a nossaimagem num instante específico e levá-la para além de nós mes-mos, aos tempos ignotos da posteridade. Cada instante é uminstante único que os retratos imortalizam, enquanto duram. Epor isso e para isso é que posamos esperançosos para eles.

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Por mais imaginoso que tenha sido o autor d“A Noiva doGolfinho”, jamais lhe terá passado pela cabeça repetir a faça-nha do personagem Dorian Gray. Mas, ao posar com seu vis-toso fardão verde-musgo da Academia Brasileira para o pintorGuttmann Bicho, pseudônimo do petropolitano Galdino daCosta Bicho, terá pensado certamente na posteridade, e no co-nhecimento que essa posteridade devia ter da sua imagem. Apresunção talvez se destinasse modestamente aos meios fami-liares, tendo sido a família a responsável por estendê-la à Aca-demia, ciente do valor do parente retratado para as nossas le-tras, e da responsabilidade desta instituição como portadorade tão precioso legado. Dessa forma, fez bem o acadêmicoXavier Marques e fez melhor a sua família ao nos doar o retra-to, pois agora podemos contemplá-lo como ele o fora num deseus mais luminosos momentos, nem tão jovem quanto DorianGray, nem tão idoso quanto ao partir para sempre nesta Cida-de do Salvador que ele tão bem recriou em seus contos, nove-las e romances.

Senhor presidente, senhores acadêmicos, senhoras e senhores:Francisco Xavier Ferreira Marques nasceu em Itaparica – A

Intrépida – em 3 de dezembro de 1861, uma terça-feira, filhode Vicente Avelino Ferreira Marques, um proprietário de em-barcação, um barqueiro que fazia o transporte de pessoas e car-gas entre a ilha e a cidade, e Florinda Agripina Ferreira Mar-ques. Era no tempo do rei. O segundo imperador, apesar demuito moço, já era velho no trono. E a província da Bahia en-contrava-se presidida pelo advogado Joaquim Antão FernandesLeão, que logo no ano seguinte seria substituído pelo proprie-tário rural Antônio Coelho de Sá e Albuquerque. Os presiden-tes de província, nomeados pelo imperador e vindos muitas vezesde outras partes, duravam pouco e pouco se comprometiamem seus governos, bem mais motivados por suas próprias car-reiras políticas, no oceano encapelado de influências e privilégi-os que era a monarquia.

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Não será difícil imaginar a Ilha de Itaparica, a maior dascinquenta e seis ilhas da Baía de Todos-os-Santos, em meados doséculo dezenove, quando as águas imensas da baía eram cortadaspor incontáveis vapores e barcos a vela, o mar o único meio decomunicação da Cidade do Salvador com o mundo. Em toda ailha dois ou três arrabaldes rústicos de marítimos e praieiros, pes-soas que viviam de maneira simples do mar de fauna riquíssima,um mar que oferecia em abundância dos mariscos diversos e crus-táceos saborosíssimos às magníficas baleias que enriqueceram osgrandes armadores daquele tempo. Aquele ambiente desaveirisitas, barqueiros, pescadores, baleeiros, tratadores e vende-dores de peixes seria de fundamental importância para a obra dofuturo escritor, em particular para o segmento que ele própriodenominou de “Praieiros”, conjunto de ficções-curtas que en-volve algumas de suas obras mais notáveis, entre elas a mais co-nhecida, Jana e Joel. Na convivência daqueles homens e mulhereshumildes, mas também orgulhosos de suas capacidades e do pa-pel histórico da gente da ilha nas lutas pela independência daBahia, episódios de menos de quarenta anos antes de seu nasci-mento, Xavier Marques aprendeu costumes, histórias e segredosdo mar que serviriam de subsídio para essas ficções praieiras emarítimas, algumas de invulgar conhecimento do assunto. E nãofoi uma convivência pequena, pois só aos vinte e um anos deidade é que deixou a ilha para morar em Salvador.

Órfão de mãe aos seis anos, educado pelo pai com importanteajuda dos tios maternos, sobretudo uma tia materna, as únicasreferências que se tem da escolaridade de Francisco Xavier FerreiraMarques são a orientação de seus estudos pelo cônego Bernardinode Sousa, que o acompanhou quando ele se transferiu para Sal-vador, e os seus estudos primários em Itaparica com o professorGenuíno da Silva Rosa Embiruçu Camacã, um ensino que, alémdo latim e do francês, deve ter sido da mais alta qualidade, poislhe deu a base dos seus conhecimentos de língua e de escrita,habilitando-o a lecionar também em escolas primárias ao chegar

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à capital. Dos povoados praieiros e pesqueiros de sua ilha natal,da convivência com aquela gente simples e humilde que vivia domar, de suas próprias incursões no mar na embarcação do pai, omoço Francisco, além do aprendizado curricular com o compe-tente professor e do conhecimento daquelas línguas de funda-mental importância para a cultura da época, trouxe o gosto e opendor da literatura. A falta de outras referências curricularesleva a crer num grande empenho autodidata para adquirir o seuinegável aprendizado literário. A julgar por seu vocabulário eru-dito e seu estilo escorreito, devia ser um grande leitor. Escreviapoesia e pequenos contos. Também aqui não será difícil identifi-car, pelo estilo de seus escritos, a leitura e a admiração por CamiloCastelo Branco, aliás, uma admiração nacional que sobreviveu aoséculo do escritor lusitano. Discreto, retraído, ainda assim XavierMarques, já com este nome literário definido, começou a publi-car as poesias no Jornal de Notícias, e logo, graças ao apoio doredator João Augusto Neiva, tornou-se um colaborador efetivodaquele vespertino de apenas seis anos de existência, mas já depúblico cativo. Em 1884, aos vinte e três anos de idade, publicouo seu primeiro livro, Temas e Variações, de poesias, pela Litho-Typografia de João Gonçalves Tourinho, um volume de cento enoventa e três páginas, hoje uma raridade bibliográfica. Suas co-laborações no Jornal de Notícias deviam ser de qualidade, e grandeo seu interesse pela atividade jornalística, pois aquele mesmo re-dator João Augusto Neiva, ao deixar o cargo, conseguiu que ele osubstituísse. Iniciava-se dessa forma a carreira do jornalista.

Da redação à direção do jornal foi um passo. E como, juntocom o jornalista seguia o escritor, foi nas oficinas do Jornal deNotícias que ele imprimiu, em 1886, o seu primeiro livro em prosade ficção, Simples Histórias, um conjunto de doze contos em volu-me de formato pequeno e fino, quinze centímetros por dez eoitenta e duas páginas. Um livro que, mais tarde, ele próprio ex-cluiria da sua bibliografia, sem se dar conta, talvez, da sua impor-tância histórica para a literatura baiana. Sacramento Blake, em

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seu extenso e quase esquecido Dicionário Bibliográfico Brasileiro, re-gistra um ou dois nomes de supostos autores de prosa de ficçãona Bahia antes dele. Autores cujas obras hoje dificilmente encon-traríamos em alguma biblioteca. Porém Xavier Marques, com essepequeno livro que ele próprio injustamente desprezou, tornou-se, de fato e de direito, pela existência ainda hoje palpável dessatambém raridade bibliográfica e por seu próprio nome de autormais tarde conhecido e respeitado, o fundador da prosa de ficçãona Bahia, o iniciador de uma nova, fecunda e altamente qualifica-da fase na história da literatura baiana.

Começou a se destacar como jornalista e ao mesmo tempocomo escritor. Em 1887 publicou, pela Tipografia eEncadernadora Empresa Editora, o romance Uma Família Baiana;no ano seguinte, pela Imprensa Popular, um novo romance, Botoe Cia, no qual recriou, com a precisão do jornalista e a criatividadedo ficcionista, a Bahia do século, com suas figuras característicasde comerciantes, funcionários, cabos eleitorais, beatas e pais-de-santo; nesse mesmo ano, publicou Melo Moraes Filho, um estu-do biobibliográfico. Em meados de 1890, foi nomeado terceirooficial da Câmara dos Deputados, um cargo que exerceria até aaposentadoria, na condição de primeiro oficial. E em 1891 dei-xou o Jornal de Notícias pelo Diário da Bahia, para exercer a funçãode redator político. Jornal mais antigo e de maior prestígio, delinha abolicionista e republicana, contava àquela época com oapoio e a colaboração de personalidades notáveis como Ruy Bar-bosa, Manuel Vitorino e Luiz Vianna, e tinha a direção de AugustoÁlvares Guimarães, grande amigo e cunhado de Castro Alves,casado com a irmã predileta do poeta, Adelaide. E fazia acirradaconcorrência à Gazeta da Bahia, numa demonstração da vitalida-de e do prestígio social da imprensa diária em Salvador na segun-da metade do século XIX, período em que não menos de vinte eoito jornais disputaram, de forma concomitante ou sucessiva, apreferência do público. A editora situava-se à Rua dos Capitães,na tipografia de Epifânio Pedrosa, e foi ali que Xavier Marques

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imprimiu, em 1896, Insulares, seu segundo livro de poesias, se-gunda e última incursão editorial no gênero que iria abandonardefinitivamente pela prosa de ficção.

Permaneceu no Diário da Bahia até 1896, daí transferindo-se, por um curto período, para o jornal A Bahia. Fez parte docorpo de redatores do Diário de Notícias e da Gazeta do Povo e,certamente graças à sua atividade de redator político e de seusrelacionamentos políticos, particularmente com José JoaquimSeabra, que exercia o seu primeiro governo na condição de maisinfluente líder político da Bahia e do qual se tornou um correligi-onário, elegeu-se em 1915 deputado estadual, reelegendo-se se-guidamente em mais duas legislaturas. No início de 1916 ingres-sou em O Democrata, órgão do Partido Republicano Democrata,tornando-se redator-chefe e diretor. Nesse período de dez anos,de 1896 a 1916, de intensas atividades jornalísticas e políticas,não esqueceu o escritor. Pelo contrário. É desse período a produ-ção dos Praieiros, com a publicação, em 1899, pela TypographiaBahiana, de Cincinnato Melchiades, da novela Jana e Joel, sua obrade maior repercussão; e em 1902 das novelas mais curtas “MariaRosa” e “O Arpoador”, apresentadas num único volume tam-bém pela Typographia Bahiana. Da publicação de Pindorama, em1900, ainda pela Typographia Bahiana, romance da época do des-cobrimento à feição indianista de Alencar, obra premiada pelaComissão do IV Centenário do Brasil, na Bahia. Do romanceHolocausto, no mesmo ano, por H. Garnier, Livreiro-Editor, doRio de Janeiro. Da edição de seu romance histórico O SargentoPedro, em 1910, mais uma vez pela Typographia Bahiana. D’AVida de Castro Alves, em 1911, pelo Instituto Geográfico e Histó-rico da Bahia, deliciosa biografia, uma das primeiras do Poetados Escravos, que serviu de referência a todas as outras após ela,por haver o seu autor conhecido e entrevistado as irmãs, o cu-nhado, e vários amigos do poeta. E finalmente de dois ensaios, AArte de Escrever, Teoria do Estilo, em 1913, pela Livraria FranciscoAlves do Rio de Janeiro, e Dois Filósofos Brasileiros, em 1916, pela

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Revista dos Tribunais, também do Rio. A aceitação de suas obrasfez com que algumas delas alcançassem, nesse mesmo período,novas edições.

Compreensível, portanto, que Arlindo Coelho Fragoso não oesquecesse ao compor a famosa lista dos quarenta para a funda-ção da Academia de Letras da Bahia. Aqui, uma curiosidade queenvolve a história desta Casa. Ao convocar os quarenta para afundação da Academia, entre os quais elegantemente não se in-cluiu, Arlindo Fragoso enviou aos seus convidados dois modelosde carta. Um deles para os que moravam na Bahia, e outro paraos que aqui não residiam, e que eram apenas quatro, Ruy Barbo-sa, Afrânio Peixoto, Clementino Fraga e Almáquio Diniz, resi-dentes no Rio de Janeiro. Se hoje conhecemos o teor da cartaenviada aos que moravam na Bahia, isso se deve justamente àque ele remeteu a Xavier Marques, cujo original foi encontradopor Renato Berbert de Castro, quem mais e melhor até agoraregistrou a história desta Casa. Dizia a carta:

Bahia, 2 de março de 1917.Exmo. Sr. Xavier Marques:

Tenho a honra de solicitar, como fineza que muito sa-berei agradecer, o comparecimento de V. Exa. à reuniãoque, em 7 do corrente, deverá ser realizada, às 8 horas danoite, na sala de sessões da Câmara dos Snrs. Deputados, àLadeira da Praça, para o fim especial de se instituir, comum limitado número de representantes, e sob o alto patro-cínio, que é justo presumir não lhe faltará, do Governo doEstado, uma Associação de Homens de Letras, em cujoquadro não me era lícito esquecer o nome de V. Exa., queas tem servido com indiscutível realce.

Nenhuma condição de escola ou doutrina, ou preferên-cia de ideias políticas, religiosas ou filosóficas, impedirá ofuncionamento de uma nova sociedade, que reunindo es-

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píritos superiores, terá como indiscutível dever o mais ab-soluto respeito à independência mental dos que deverãocompô-la.

Digne V. Exa. aceitar por tão distinto obséquio o teste-munho veraz do meu mais sincero reconhecimento.

Arlindo Fragoso

Deu-lhe Arlindo Fragoso a Cadeira de número 33, cujo patronoé Castro Alves, justa escolha que homenageava o biógrafo.

Curioso que só em 1918, aos cinquenta e sete anos de idade,Xavier Marques viajou pela primeira vez ao Rio de Janeiro. Istoé significativo, pois, já no ano seguinte, do dia 24 de julho, foieleito para a Academia Brasileira de Letras, o que atesta o reco-nhecimento dos imortais daquela Casa à sua obra de escritor,mesmo estando ele à distância. Eleito para a Cadeira de núme-ro 28, cujo patrono é Manuel Antônio de Almeida, na vaga dofundador Inglês de Sousa, foi empossado em 17 de setembrode 1920, tendo sido recebido por Goulart de Andrade. Em 1919,quando se retirou do jornal O Democrata, abandonou a impren-sa diária para tornar-se um colaborador. Nesse ano publicoudois livros, o romance A Boa Madrasta, pela Livraria Castilho,do Rio de Janeiro, e o excelente livro de contos A Cidade Encan-tada, pela Livraria Catilina, na Bahia. É n’A Cidade Encantadaque se encontra o mais antologiado de seus contos, “A Noivado Golfinho”, além do ótimo “Mariquita”, que reconstitui epreserva de forma encantadora o bairro do Rio Vermelho doinício do século passado, quando era um arrabalde de pescado-res e local de banhos para enfermos. Em 1921 foi eleito depu-tado federal, e durante esse mandato residiu no Rio de Janeiro,tendo exercido, nesse período, a função de secretário da Acade-mia Brasileira, mantendo, à semelhança do que fazia na Bahia,uma fecunda colaboração com a imprensa, em particular o Cor-reio da Manhã, o Jornal do Brasil, a Revista da Semana, e A Tribuna.Em 1922, reeditou o romance Boto & Cia pela Livraria Editora

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Leite Ribeiro, do Rio de Janeiro, agora totalmente reescrito ecom novo título: O Feiticeiro. Também nesse período de residên-cia na Capital Federal, na vertente do seu constante interessepela História do Brasil ligada à Bahia, que já lhe motivara oromance O Sargento Pedro, publicou, em 1924, pela Livraria Fran-cisco Alves, o Ensaio Histórico Sobre a Independência. Ao términodo mandato, voltou a residir num dos ambientes preferidos desuas histórias, em meio à gente de seus personagens, a Cidadedo Salvador. Daí por diante, casado com dona Georgina Coe-lho Dórea, pai de Rute Georgina, Olga e Hugo, Xavier Mar-ques dedicou-se à continuidade de sua obra de escritor, à publi-cação de novos livros e, tão importante quanto, à republicaçãode outros. Mais difícil que editar livros, é reeditá-los.

Em 1930 publicou o romance As Voltas da Estrada, pela Li-vraria Freitas Bastos, do Rio de Janeiro; em 1933, Letras Acadêmi-cas, também no Rio; ainda em 1933, pela Escola de AprendizesArtífices, na Bahia, o volume Cultura da Língua Nacional; e final-mente, em 1936, Terras Mortas, livro de contos, publicado pelaLivraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro. Uma produ-ção, portanto, vasta e de qualidade, quase toda voltada à fixaçãoe recriação ficcional do povo, da terra e da história da Bahia, àqual se somaram os livros publicados após a sua morte, comoos dois volumes de Ensaios editados pela Academia Brasileiraem 1944.

Senhor presidente, senhores acadêmicos, senhoras e senhores:O acadêmico Xavier Marques, era, no seu tempo, um dos

que frequentavam a Academia de Letras da Bahia. Nem mes-mo quando houve o famoso cisma de 1938, com a entrada dedona Edith Mendes da Gama e Abreu, quando parte dos aca-dêmicos afastou-se para fundar a Ala das Letras e das Artes,deixou a Academia de contar com a sua interessada presença.Por outro lado, o respeito e a consideração desta Casa porXavier Marques não se encerraram com sua morte em 30 deoutubro de 1942. Além das sessões regimentais, das habituais

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datas comemorativas e da colocação de seu nome em concur-so literário, a Academia fez publicar, em 1997, na presidência deCláudio Veiga, uma primorosa reedição d’A Vida de Castro Alves,obra há muito esgotada. E, já neste palácio de cultura que con-fortavelmente nos abriga, seu retrato, este mesmo que hojereinauguramos, era um dos três que, por longos anos, no alto daescada de acesso à maior de nossas bibliotecas, davam as boasvindas àqueles que buscavam nosso bem mais precioso, os livros.

Se o tempo não imprimiu nesse retrato as marcas das dores,dos pensamentos, das paixões, dos eventuais pecados e do enve-lhecimento físico do escritor retratado, como na fábula perversade Oscar Wilde e seu personagem Dorian Gray, por outro ladofoi implacável na devastação da própria tela. Esses bichinhosmiúdos e gigantescos, bem mais imortais que os próprios acadê-micos, que rivalizam com a humanidade em poder de destruiçãoe que, um dia, poderão superá-la, como os cupins, as traças e asbrocas, além do mofo e do desgaste natural das tintas, foram im-placáveis com a imagem a óleo do nosso ilustre romancista. Feliz-mente acudiu-a o presidente Edivaldo Boaventura, que não medeo olhar e a mão, quando se trata de preservar os bens preciosos daAcademia. Entregue ao artista José Dirson Argolo, a imagem es-guia, imponente e respeitável de Xavier Marques, no seu fardãoverde-musgo da Academia Brasileira, nos ressurge na tela com obrilho e a beleza artística do passado. O brilho e a beleza artísticado primeiro escritor a recriar ficcionalmente a Bahia em seus con-tos, novelas e romances.

À semelhança da obra, a imagem também se imortaliza.

__________Discurso proferido no salão nobre da Academia de Letras da Bahia no dia 1ºde outubro de 2009, na sessão de inauguração do retrato restaurado do escri-tor Xavier Marques.

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Discurso de Saudaçãoa Joaci Góes

João Carlos Teixeira Gomes

Prezado amigo e confrade, Prof. Edivaldo Boaventura, eficien-te e devotado presidente desta instituição; demais componentesda ilustre mesa que preside os trabalhos; caro e operoso amigoJoaci Góes, que neste momento aqui se empossa; senhoras esenhores,

Hoje é mais um dia de festa para a nossa Academia, tradicionalcentro aglutinador das tradições humanísticas da Bahia, bem maisdo que um simples cenáculo de cultivadores da literatura. Éoportuno destacar este fato no início do meu discurso, pois nãodevemos esquecer nunca, nesta época de amargo empobrecimentoda vida cultural baiana, se comparada a décadas ainda tão próximas,que a Bahia sempre foi considerada um centro irradiador de culturano plano nacional, reverente aos seus valores. Mas já dizia Camõesque mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Hoje,convivemos mais com zoada do que com refinamento. Entretanto,não sejamos nunca resignados.

A Academia abre suas portas para receber o seu mais novointegrante, Joaci Góes, baiano de Ipirá, de prestigioso currículo,e cuja personalidade tem-se projetado, ao longo de uma vidalaboriosa, sobre os múltiplos vetores de empresário, político,jornalista e escritor. Ocupa hoje a vaga aberta com o falecimentodo nosso sempre lembrado e querido amigo Pedro Moacir Maia,

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em cadeira que tem a pródiga tradição dos luminares já mencionadospelo nosso homenageado, ao me preceder na tribuna.

É pois uma data de alegria para sua vasta legião de admiradorese amigos. Autor de dois livros sobre a inveja e o ódio, raros nabibliografia brasileira, em ambos Joaci Góes esmiúça, comcompetência e erudição, os desvãos da misteriosa alma humana,sob o embate de algumas das suas emoções mais perturbadoras eviolentas. Nada mais precisaria escrever para que ingressasse nestacasa, mas já nos brinda com opulenta obra sobre vocação.

Ao completar a leitura dos dois volumes citados, tomei, pois,do Rio de Janeiro, a iniciativa de indicar o nome de Joaci Góes auma das vagas existentes na Academia, sem favorecimentos, pelocritério exclusivo do mérito. Foi um compromisso de elementarjustiça. Atentei para o fato de que vivemos hoje na Bahia e noBrasil uma lamentável época de retração da crítica, de pobreza debons resenhistas de suplementos literários, que aliás escasseiam,da perda de qualidade dos leitores interessados em comentar oslivros importantes, muitas vezes negligenciados.

Já não temos hoje em nosso universo de leitores nomes doporte de Carlos Chiacchio, Pinto de Aguiar, que de tão obcecadoleitor acabou transformando-se em grande editor, fundador damemorável editora baiana “Progresso”, Carvalho Filho,Godofredo Filho e Hélio Simões, que, sendo escritores, tantodignificavam também o exercício da leitura, com preciosas críticase sugestões aos autores, nascidas de conhecimento e desensibilidade humanística. Reina frequentemente nos meiosliterários a insidiosa conspiração do silêncio, morte da literatura.Era preciso vencê-la e por isso fiz a presente indicação, afinalvitoriosa, numa decisão que honra a Academia.

Não posso nem devo alongar-me, porque a festa é do confradeque chega. Mas, para evitar a pecha de usurpador, não queroincorrer na de omisso.

É da praxe acadêmica que falemos ao público sobre os aspectosmais destacados da vida e da obra do novo conviva, por mais

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conhecidas e louvadas sejam as suas qualificações. Tenho o deverprotocolar de fazê-lo, mas esta obrigação é também um prazer eum privilégio, pela causa da boa literatura.

E já que falei em praxe, não pretendo observá-la, entretanto,no tratamento, suprimindo as “excelências” e os “ilustríssimos”.A Academia é sobretudo uma amorável reunião de pessoasdedicadas às letras e às humanidades, que se organizam paraperpetuar a tradição do saber e da escrita. Os credos e as distânciasaqui se anulam. É, enfim, uma confraria de iguais, que detestam aretumbância das etiquetas e o desnivelamento das hierarquias.

Se os fatos ligados a mim são hoje e aqui irrelevantes, queroiniciar, contudo, com uma confissão pessoal. Jornalista como JoaciGóes, também, como ele, em determinado momento da minhavida, quis ser político. E isto porque Joaci encarnou, para mim, oideal do político em seu mais alto sentido, em seu significado maisprofundo: o daquele que, sacralizado na carreira pelo voto do povo,soube colocar-se a serviço das aspirações públicas, com uma atitudeinédita, eu diria mesmo assombrosa, nos dias que correm: no augedo seu prestígio, tendo à sua disposição a força eleitoral e os votosque quisesse para reeleger-se à Câmara Federal, Joaci Góesrenunciou à vida pública, desiludido com o que testemunhara naconvivência parlamentar. E olhem que ele integrava a Constituinteque tinha o dever de levar o Brasil à redemocratização, após a longanoite política da ditadura de 64.

Fazia parte de um grupo de deputados comprometidos com aabertura, alguns devotados e até mesmo heróicos nos seuscompromissos para com os destinos do País, outros unsoportunistas que iludiram a consciência democrática da Nação.Assim, entretanto, é a vida pública, numa dualidade que, mais,talvez, do que uma realidade política, traduz as oscilações do frágilcaráter humano, quando confrontado com seus interesses.

Joaci Goés integrava, ao lado de Ulysses Guimarães, TeotônioVilela, Leonel Brizola, Mário Covas, Tancredo Neves, Sobral Pinto,Barbosa Lima Sobrinho, Rômulo Almeida, Waldir Pires e outros

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pró-homens da resistência ao militarismo recalcitrante, apoiadopela subserviência e pelo oportunismo dos políticos beneficiáriosdo golpe, a grei ilustre dos combatentes que fustigavam a opressãoe se recusavam a viver sob as trevas. Espero não ter resvalado nasomissões indesejáveis, mas não era certamente muito mais extensaessa lista de bravos.

No âmago daquelas duras lutas políticas, em anos de aindadúbia e dificultosa definição de rumos para o país angustiado,destacou-se, inclusive, como coordenador da Bancada Federaldo PMDB da Bahia, que iria ajudar nossa terra a libertar-se datirania local, e sobretudo como o relator do Código de Defesado Consumidor, cuja Comissão presidiu no Parla-mento,obtendo-lhe, enfim, a aprovação, para o que foi decisiva suapresença em debates e palestras realizados em todo País, em1991. Foi o itinerante cruzado da defesa do bolso do povo,num país que apenas privilegiava o interesse de quemproduzia e vendia, mesmo produzindo com defeito evendendo sem ética.

Só essa notável vitória seria em si mesma suficiente paraconsagrá-lo como representante da sociedade brasileira noCongresso. Tendo ajudado a redefinir os caminhos do País apóso regime de exceção, prestigiado como o parlamentar que obtevea elevação de recursos orçamentários de modestos onze por centopara quarenta, destinados especificamente ao Nordeste, conhecidopela ampla difusão do Código de Defesa do Consumidor e comseu nome sempre lembrado para o Senado ou para o governo doEstado, certos rumos da vida congressual ainda assim não secoadunavam com a sua visão da função social e dos objetivos dapolítica, e por isso mesmo Joaci Góes encerrou por moto próprioa militância. Foi cuidar dos negócios privados e fundar umauniversidade.

Já antes, em l969, por seu convite, o arquiteto Lúcio Costa, umdos construtores de Brasília, veio a Salvador para projetar o bairroPatamares, uma das mais significativas realizações da Goés-Cohabita,

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por ele fundada e presidida, dentro do espírito empreendedor legadopelo seu pai, o Sr. João Góes, o estimado “Sêo” Goesinho. Temposdepois, tendo realizado um curso em 1975 em Stanford, construiuem Porto Seguro uma universidade, tomando como modelo o campusnorte-americano, cujo funcionamento observou nos EUA. Oprimeiro complexo das Faculdades do Descobrimento, esse o nomeda nova instituição, recebeu o nome de Roberto Santos, emhomenagem ao grande governador, padrão de moralidade política ede respeito à coisa pública. Não satisfeito, Joaci doou ainda a PortoSeguro uma magnífica biblioteca aberta ao público, a que deu o nomede “João Ubaldo Ribeiro”, numa homenagem ao escritor jáprestigiado nacionalmente.

O lugar comum do jargão político costuma definir oParlamento como “o eixo da democracia”, “o suporte dademocracia” e coisas do mesmo gênero. Mas não são necessáriastantas palavras: o Parlamento É a democracia. Até os pioresregimes autoritários que o mundo já conheceu, como o nazismode Hitler e o comunismo stalinista, não dispensavam o ornamentoe a simulação de presumíveis casas congressuais, como o Reichstage a Duma, para fingir que ouviam representantes do povo, todossilenciados pela obediência servil ou pelo medo do chicoteopressor, o látego dos tiranos.

Por isso, senhoras e senhores, já encerrada a minha atividadejornalística numa redação, pensei certo dia em candidatar-me adeputado federal. Movia-me o idealismo. Achava digno continuara dura luta jornalística de toda a minha vida – mais de 20 anos depresença diuturna num matutino, em tempos temerários, comolembrava o belo título do livro de Nestor Duarte – no cenário doParlamento Nacional.

Peço licença ao nosso homenageado, que lá esteve e não quiscontinuar, para ampliar esta breve confissão, pela primeira veztornada público: no início dos anos 90, agendei no Rio de Janeirouma reunião com Leonel Brizola para discutir as bases da minhacandidatura. Eu o admirava pela coerência política e pela bravura

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revelada no episódio traumático da deposição de Jango. O brevesonho logo se dissipou. Um dia antes do encontro, com prazodefinido e generoso, Brizola anunciava em jornais cariocas queapoiaria, na Bahia, forças políticas que eu consideravaretrógradas e abomináveis, com as quais nunca subiria numpalanque. Acabei ficando de uma vez no Rio, para não ter quetestemunhar no plano baiano o retorno da hipocrisia, daimpostura e da opressão.

Não tive, pois, a ventura de Joaci Góes e não pude tornar-me deputado em luta pela consolidação democrática. Masconfesso que, em meus livros e artigos de jornal, sempre usei apalavra “democracia” no Brasil com grandes reservas.

Nem sei mesmo ainda hoje se, salvo de referência ao curtohiato do governo Juscelino, podemos empregá-la no País semconstrangimento conceitual. Não me refiro à democracia formal,aquela fundada na presumível partição dos poderes e noambivalente jogo das simulações institucionais, no jogo, enfim,do faz de conta. Penso efetivamente na democracia como opredomínio do império das leis a serviço da plenitude dacidadania e das aspirações coletivas. Já escrevi em meu livroMemórias das Trevas, e o repeti várias vezes em artigos, que noBrasil o poder não está nunca a serviço da sociedade, mas simdo grupo que o detém.

É uma contrafação histórica, cujo desdobramento levouà degradação que todos os brasileiros estão testemunhandonos dias que correm, sob o espanto da desmoralizaçãoprogressiva do Parlamento, incluindo Câmara e Senado, daderrocada das instituições, sem excluir parte da imprensa, edos tribunais. Predomina hoje no País, mais do que nunca, aideologia do oportunismo, acintosa e corrosiva, promovidapor conhecidos (e diar iamente c i tados) pol í t icosdesavergonhados, íntimos dos cofres públicos e privados. Sónão os cito nominalmente aqui porque, além de notoriamenteconhecidos, não pretendo perturbar com revelações óbvias

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este clima de confraternização e de festa. Mas todo momentoé importante quando se trata de denunciar e combater afraude das instituições e o esvaziamento da democracia. Aconsciência social não pode acomodar-se e deve agir como uminstrumento de libertação.

Creio, meu bravo amigo Joaci Góes, que não estoudeslustrando a sua investidura ou tampouco importunando oauditório que veio ouvi-lo, pois, afinal, estou evocando fatosque em sua trajetória política foram tenazmente combatidos.Da sua atividade no Congresso recebemos um legado derealizações e decência parlamentar, coroado pela auto-desejadae refletida interrupção de uma carreira vitoriosa, como protesto.Neste particular, pôde o amigo mostrar-se digno das lições decompostura e honradez pessoal historicamente legadas à Bahiapelo grande líder Otávio Mangabeira, o “democrata irredutível”,como bem o definiu Paulo Segundo da Costa na biografia quelhe dedicou, e do qual o ágil poeta Sílvio Valente disse, comgraça, nestes tercetos:

Jamais no peito a grande voz calou-se!E árvore antiga, hoje se enflora e exulta,Dando a mangaba cada vez mais doce.

São de Otávio Mangabeira estas palavras proféticas:“Amaldiçoada a corrupção, desgraçadamente a grande lepra daatualidade na República!”. Se vivo estivesse e avaliasse a vidanacional, estou convencido de que acharia ter despencado, hoje,num leprosário. Não nos esqueçamos de que dele também é afrase famosa, segundo a qual “pense em um absurdo, na Bahia háum precedente”. Basta evocarmos a inconcebível mudança donome do aeroporto Dois de Julho, data sagrada e intocável dosbaianos, para sentirmos a dura veracidade da frase. Nenhumaterra esquece o que deve aos seus heróis.

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X X X

Preciso agora falar do nosso homenageado como o jornalistaque, durante tantos anos, a partir de 1975, orientou e dirigiu,num clima de ameaças da ditadura, sempre hostil à imprensa, ojornal Tribuna da Bahia, fundada em 1969 pelo saudoso ElmanoCastro, com sentido renovador. Foi a Tribuna, suplantando oveículo cuja redação eu comandava, o Jornal da Bahia, iniciado em1958, o primeiro órgão da imprensa baiana a usar o sistema “off-set” de impressão, considerável avanço tecnológico para a época.Sua redação era integrada por jovens competentes e dedicados,sob a chefia, primeiro, do saudoso jornalista Quintino de Carvalho,e, tempos depois, por João Ubaldo Ribeiro, que já começava atrajetória literária que o consagraria como romancista.

Foi a Tribuna, sob a direção de Joaci Góes, o jornal peloqual respirava o Governo Democrático de Waldir Pires, acossadonoite e dia pelo desrespeito e pelas agressões, não só políticascomo pessoais, do seu rival e implacável opositor, derrotado nasurnas. Mas, através de uma transação indecente, conseguira esteretransmitir na Bahia a programação de poderosa emissora deTV, cujo noticiário local usava para difamar o novo governo.

Eu o integrava, então, como discreto assessor, mas,incomodado com a falta de reação, inclusive na AssembléiaLegislativa da Bahia, fui procurar um dia Joaci Góes, que merecebeu gentilmente em seu apartamento na Federação. Disse-lhe que estava acontecendo um desastre e que era preciso reagircom firmeza às seguidas tentativas de humilhação e deboche.

Propus, então, escrever na Tribuna uma série de artigoscontestando as infâmias. Como se tratava de iniciativaexclusivamente pessoal, deveria fazê-lo sob pseudônimo. Essavelha prática do jornalismo brasileiro não me agradava e eu jamaisa utilizara antes na minha carreira, mas a ela precisava recorrer,porque não tinha nenhuma autorização oficial para lançar-meàquele tipo de luta. Joaci Góes entendeu minha posição,

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concordou e organizamos ali, espontaneamente, uma espécie decomplô embrionário da resistência. São fatos trazidos a públicopela primeira vez e engrandecem a trajetória do jornalismoindependente.

Lembro outro episódio: foi a Tribuna o jornal que noticioucom mais destaque a vitória que obtive em 1972 – um dos anosmais tenebrosos da ditadura, com mortes seguidas nas prisões –triunfando, num Tribunal Militar, sobre os arreganhos do entãogovernador da Bahia, desejoso de encarcerar-me numa dasmasmorras do golpe. Escapei graças à competência do advogadoHeleno Fragoso, em julgamento de grande repercussão nacional.

Também Joaci Góes teve que enfrentar as intimidações dogovernador e do regime que o sustentava, particularmente nomomento em que assinou um manifesto contra a cassação dodeputado Francisco Pinto, alvo da fúria castrense porque secolocara contra a vinda, ao Brasil, do general Pinochet, o nazistaque comandava o Chile, depois de matar Allende.

Essa ocorrência impediu que o nosso homenageado pudesseinscrever-se num curso na Escola Superior de Guerra, por vetodo Serviço Nacional de Informações, o SNI, órgão ativo darepressão. Eram assim tratados os jornalistas independentes,naqueles tempos selvagens. Lutávamos como podíamos, pois,segundo a frase de Leonor Roosevelt que nosso homenageadogosta de lembrar, “ninguém é capaz de humilhá-lo sem o seuconsentimento”. Não consentíamos, nunca consentimos, mas aluta era muito perigosa e desigual. Entretanto, lutamos. Não nosdeve preocupar o medo de perder as batalhas, mas sim o de nãoparticipar delas.

É preciso registrar inclusive, fato pouco divulgado, que acensura se tornava bem mais intolerante e drástica em relação àimprensa do Norte e Nordeste, pois o golpe era mais cautelosoao vigiar os jornais do Sul, para evitar a repercussão internacionaldas interdições e dos vetos. Um grupo de homens despóticos sejulgava no direito, que jamais pode existir numa sociedade

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civilizada, de dizer aos cidadãos o que eles deviam pensar oufazer. A tirania é a mais repulsiva das manifestações do poder.

Mas certas discriminações, sobretudo no plano cultural,continuam presentes na vida do Brasil. Os valores regionais, esão muitos em variados domínios, precisam deixar suas áreas paratriunfar nacionalmente. A Bahia, por exemplo, quase não existehoje para os jornais, os suplementos, as editoras e as iniciativasculturais do Rio e de São Paulo, a não ser como a terra extravagantedo acarajé, do coco e da axé.

Não há duvida de que vamos perdendo, há anos, densidadecultural. E se somos propositadamente isolados, pois é óbvio ointuito de colonialismo interno, era o caso de reagirmos fazendodo nosso rincão uma comunidade cada vez mais sólida,independente e determinada, social e culturalmente.

X X X

É o momento de falarmos de Joaci Góes como escritor,prestigiado por suas duas obras básicas, os livros A inveja nossa decada dia e Anatomia do ódio, respectivamente de 2001 e 2004, amboseditados pela Topbooks de José Mario Pereira, aqui presente, oeditor do qual o reputado crítico Wilson Martins disse ser o único,no Brasil, com visão e competência cultural, presentes em tantasobras já divulgadas, inclusive de autores do passado.

O grosso volume de 526 páginas que o nosso homenageadodedicou ao estudo da inveja é livro que lemos com delícia e...temor.

A cada passo receamos identificar-nos naquelas páginasrecheadas de invejas e invejosos célebres nas crônicas do mundo,imemorialmente. Nas ciências, na literatura, nas artes, na música,nos esportes, nas universidades, nos laboratórios, na política, nasadministrações públicas e privadas, nas academias, é claro, nãohá quem já não tenha sentido inveja de uma descoberta, um livro,um soneto, um quadro, uma melodia inspirada, uma jogadamagistral, uma conquista, um avanço, uma excepcional realização,

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qualquer maravilha, em suma, que tenha sido concebida já nãodiríamos por um rival, mas por um simples mortal que nos superouem capacitação, fantasia, força criadora, inventividade, domíniodos seus meios de expressão.

A república das letras e das artes, por exemplo, costuma serpovoada não por convictos democratas, mas por monarcasabsolutistas, cada qual desejoso de impor a todos as suas leis (poristo são implacáveis as teorias e as escolas) e levantar todos ostroféus. É no terreno da criação artística, das letras e dashumanidades, sempre propensas a exaltar formalmente adignidade da convivência humana, que a inveja costuma espalharsuas tropas mais aguerridas. Um romance de excepcional êxitode público e crítica pode fulminar um rival ou levá-lo a uma longadepressão. O grande Borges lembrou, com exatidão, que diantede um belo verso sentimo-nos inclinados a recitá-lo em voz alta.Eis uma forma sutil de apropriação, pois, na verdade, gostaríamosde tê-lo escrito. Já os pastiches, por sua vez, são invejasdissimuladas.

Joaci Góes começa o seu alentado livro, elogiado peloprefaciador José Ângelo Gaiarsa, psicanalista afamado, que logoo considerou exemplo de “documentação e argumentaçãoimpecáveis”, lembrando que “a inveja é o mais presente e o maisnocivo de todos os sentimentos (...), o maior segredo (...) e omais inconfessável de todos os pecados”. Também “um modode ver carregado de amargura”, presente desde os tempos bíblicos,pois nos Evangelhos ficamos sabendo que Lúcifer acabou sendoum anjo amaldiçoado e decaído, por revelar-se enciumado com opoder de Deus. O demônio nasceu da inveja.

Efetuando exaustivo levantamento da longa crônica da invejaem todos os tipos de atividade, estudando o que sobre elaescreveram ou como a ela reagiram filósofos, publicistas, poetas,músicos, chefes de Estado e uma densa relação de fontesestudadas, Joaci a revelou como uma realidade transistórica,imutável e permanente na vida humana. Ela se instala como um

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lobo feroz no universo emocional de homens e mulheres, emgeral com efeitos devastadores.

Mostra o nosso homenageado, com pena detalhista, que àinveja não ficaram imunes os mais altos poetas, os mais inspiradospintores e músicos, cientistas, descobridores, gênios de todas asépocas e lugares. É um fenômeno que transcende os homenspara instaurar-se entre nações, citando o autor o anti-judaísmode Hilter como expressão de antiga inveja da Alemanha para comas práticas e as tradições dos judeus, execrados longo tempo pelocristianismo.

Em trecho relevante, a investigação nos adverte que éunicamente em virtude dos mecanismos sociais de convivênciaque o ser humano invejoso (potencialmente, todos nós) contémos seus impulsos destrutivos diante do objeto que o subjuga. Dizele: “A convivência social exerceria um papel imperativamenterepressivo do qual nasce o conformismo.” Quer dizer:invejosos...mas conformados com o êxito alheio, fato que não semanifesta apenas na órbita das altas criações, mas nas simplesrelações entre vizinhos, em que um lamenta e deseja o carro novodo outro....

Num plano mais ambicioso, a inveja seria até mesmo, no roldas reações humanas em escala universal, “um modelador emgrande medida da História”. Fato curioso: na longa lista depersonalidades citadas no livro para fundamentar a amplaconceituação da inveja e suas consequências, nosso autor relacionaapenas homens, todos luminares e famosos. Não surpreende asua generosidade para com as mulheres, desde quando, entre assuas teses mais estimulantes, está a de que a inveja do homemnasce basicamente da rivalidade que eles exercitam entre sí, levadospelo instinto de competição e de dominação “de coisas e pessoas”,o que naturalmente inclui a luta pela posse das fêmeas. “O macho– diz ele – encararia a vida como se fosse um campeonatointerminável”, com o objetivo do “controle da hierarquia”.Controle, enfim, nos negócios, na política, na guerra, na criação,

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na vida e, naturalmente, no amor, que exacerba sentimentos dedisputa, confronto e posse.

Não devo mais, como é claro, por questões de limite de tempo,estender-me sobre o livro de estréia do nosso homenageado, queassim começou onde muita gente acaba. Mas se há uma palavraque define com absoluta propriedade o que acabei de analisar, sóme cabe dizer: é uma obra...invejável!

X X X

Gostaria de ressaltar que não me movem, neste discurso, asobrigações acadêmicas de recipiendário, mas sim a formação e ointeresse do obstinado leitor e crítico literário que sempre fui, nojornalismo, nos livros e no magistério, fato que me levou a indicaro nome de Joaci Góes para a Academia como um ato de justiçaintelectual e cultural.

Seu segundo livro, o também alentado Anatomia do ódio, decompactas 471 páginas, constitui a reafirmação das suas qualidadesde ensaísta, integrando-se numa linha pouco usual na literaturabrasileira, onde são raras as obras de reflexão sobre a condiçãohumana no quadro das suas emoções fundamentais, fora,naturalmente, da ficção. Por este aspecto, de certa forma Joacivincula-se a uma tradição que vem da literatura ibérica doschamados Séculos de Ouro, na vertente do ensaísmo moralizante,em que se destacou, por exemplo, Baltasar Gracián, com projeçõesna poesia cáustica de Francisco de Quevedo. Reformadores daalma, empenhados em neutralizar-lhe os venenos com o antídotoda literatura, numa tradição que remonta ao estoicismo de Sêneca.

Não se preocupem, porém, que não vim aqui para fazer críticaliterária. O que desejo é apenas destacar o interesse pela leiturade um livro que nos fala do ódio com uma profundidade e vastidãorara em nossas letras (ou em outras, certamente), além de trazersobre o tema, no final, uma relação de breves pensamentos, algunsdeliciosos, como este de Byron: “O ódio é, de longe, o prazerque dura mais. Os homens amam com pressa, mas odeiam

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devagar”. Reflitam também sobre esta jóia de Gandhi: “Olhopor olho e o mundo acabará cego”.

E, no entanto, apesar de tanto sabermos do mal que essesentimento nos causa, não há dúvida de que a história do mundo,desde os tempos primitivos, é uma história de ódios. Esta liçãoeu e nosso homenageado aprendemos diariamente à frente deum jornal, onde nos acostumamos a conviver com “a cobiça e adesordem do mundo”, para usar a expressão de Gay Talese, aoestudar a trajetória do New York Times. Raro era o dia em quenão nos obrigávamos a noticiar uma agressão, um homicídiotenebroso, a irrupção de uma guerra ou de um atentado, egoísmos,injustiças de governos, perseguições religiosas ou políticas,racismo, discriminações etárias, supressão de direitos, expansãodo terrorismo e dos crimes políticos ou habituais.

Nossa experiência jornalística já nos havia revelado aintensidade do ódio político que se voltou contra nós na Bahia.Joaci Góes, pois, ao escrever seu livro, não se entregou a ummero exercício intelectual, mas sim exprimiu o que lhe foi dadoapreender no enfrentamento pessoal do rancor e da intimidação.Livros assim nascidos ajudam a compreender melhor a condiçãohumana com o objetivo de aperfeiçoá-la.

O grande reformador Luís Calvino, em sua obra fundamentalA instituição da religião cristã, asseverou que Deus permitiu aoshomens as guerras, os crimes e a violência para que elespercebessem que este mundo é falso, precário e fugaz, e sevoltassem para a vida eterna. Mas não é possível esquecer que apátria do homem é antes o mundo físico e que ele tem aqui umcompromisso com a dignidade e a decência da vida.

Anatomia do ódio é uma codificação da trajetória da violênciahumana sobre os destinos do mundo, pontilhado de crueldades,permanentes conflitos devastadores, acumulação progressiva dosarsenais de destruição e dos aparelhos repressivos de governos,instauração de regimes despóticos com seus sistemasinstitucionalizados de tortura e morte, esmagando os princípios

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universais do Direito e da dignidade humana, sempre aviltados pelastiranias. Vivemos sob o temor de que a vastidão dos arsenaisatômicos acabe rompendo o equilíbrio mantido a custo pelo serhumano, dilacerado entre o impulso da violência e o instinto desobrevivência que as guerras neutralizam. A insânia do homem jáo fez despejar duas bombas atômicas sobre populações civis.Milhares de pessoas morreram carbonizadas ou se evaporaram emsegundos, sob o impacto de um turbilhão de fogo e radiotividade.Esse hediondo crime levou quem o autorizou a ser consideradoherói em seu país, da mesma forma que as praças do mundo inteiroestão repletas de estátuas de guerreiros, invasores e assassinos. Nãoespanta que seja assim, se o homem, semeador de desertos e demundos mortos, é também capaz de destruir os santuários danatureza de que ele precisa para sobreviver.

“O ódio é uma das emoções mais dolorosas e das mais difíceisde lidar com sabedoria”, diz-nos Joaci, para, mais adiante, analisaro ódio que nasce da opressão, não apenas a política, mas a que seinstaura também nas relações familiares ou de trabalho, além dosódios universais nascidos das guerras e das invasões, como arecente, do Iraque, pelos Estados Unidos, que plantaram nomundo árabe um caldeirão de ódios e de ressentimentos, embriõesde retaliação e vingança.

O ódio é a usina de ódios, mostra-nos a história dos povos,inclusive nas nações mais cultas. A notável França de escritores,pintores e filósofos, eixo da cultura universal, foi também asanguinária França dos massacres dos protestantes, na noite deSão Bartolomeu, e dos banhos de sangue do Grande Terrorrevolucionário, quando, como canibais, os cidadãos de Paris,entusiastas da guilhotina, também decapitavam cabeças “lentamentecom serras”, marchavam com elas na ponta de chuços e estacas,obrigavam as vítimas “a beber o sangue dos mortos” e promoviam“estupros em série”, segundo revela David Andress no livro OTerror. No seu famoso Dicionário Filosófico, Voltaire faz uma revelaçãosurpreendente: o rei judeu David, o “Ungido do Senhor”, vencedor

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de Golias, era um homem que, dominado pela violência, degolava“crianças de peito”, chefiava 600 bandidos invadindo terras dosaliados e matando velhos, mulheres e meninos, traía amigos eespalhava a morte e a carnificina nas disputas tribais, revelandouma personalidade desequilibrada e agressiva.

Com maior ou menor amplitude, Joaci Góes assinala osconfrontos nascidos das discriminações políticas, religiosas, étnicas,econômicas, gerando os guetos da miséria e da exclusão social.Parte relevante é aquela em que aborda os efeitos da socializaçãosobre a maneira com que homens e mulheres reagem ao sentimentode ódio, os condicionamentos do sexo no contexto das reaçõesviolentas, não raro traduzindo bloqueios e interdições religiosas,éticas ou históricas. Em suma, efetua um levantamento exaustivo,mas sempre aliciante, da humana condição diante das solicitaçõesextremas do ódio, da raiva, da ira e da cólera, sob cujo influxo,diríamos nós, o homem libera a sua congênita animalidade depredador. Em alguns momentos, nosso homenageado aproximaas preocupações de análise presentes nos dois livros citados, quandodiz, por exemplo: “A inveja (...) é um tipo de ódio contínuo, secreto,ardendo em banho-maria”. Ou ainda: “A ira interage com muitasemoções, tais como: temor, compaixão, arrependimento, alegria,vergonha, remorso, amor, culpa, tristeza, ciúme, cobiça,ressentimento, inveja. Estas emoções tanto podem preceder quantosuceder o sentimento de cólera”.

Busquei, pois, passar ao público uma idéia do conteúdo doslivros iniciais de Joaci Góes, seus salvo-condutos para a cadeiraque hoje assume, e bem sei que outros estão chegando, inclusive“A força da vocação”, em que, lembrando Confúcio, ele nos dizque “escolha bem sua profissão, e você não terá que trabalhar umdia sequer em sua vida”. Em gestação já se encontra o seu livro dememórias, que pressupõe o registro de uma vida dinâmica,completada nas atividades de articulista e comentarista.

Nós o saudamos, pois, com emoção e com alegria, desejandoque, no convívio acadêmico, possa encontrar novos estímulos à

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sua vocação de escritor, empenhado em transformar a educaçãonum fator de elevação moral e intelectual do povo brasileiro, comoé do seu confessado propósito.

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Minhas senhoras e meus senhores, caro homenageado: ohomem tem a obsessão de tudo catalogar, classificar e dividir.Até o seu breve percurso existencial é fracionado em idades, aúltima das quais recebe as ultrajantes palavras com que se execrama velhice e a proximidade da morte inapelável. Mas a idade dohomem, a partir de quando ele adquire a consciência do mundo,é uma só, inconsútil. Todo o tempo fugaz do ser humano deveser o tempo do amor e da amizade, da reverência à beleza e aoimpulso mágico que nos impele ao grande balé da vida, comofrágeis dançarinos do acaso.

Não nascemos para a lamúria, para a renúncia ou para odesespero. E nós, escritores, que de alguma forma fomoscontemplados com o dom da palavra, devemos procurar usá-lapara iluminar a obscura consciência do homem, sempreindecifrável em seus desvãos. Por mais irrelevantes que sejamesse dom e o nosso papel, temos todos o dever de, com a magiae o mistério do verbo, conduzir para além essa luz abençoada,farol do mundo, que nos ajuda a dilatar as nossas esperanças econstruir os nossos destinos, sob o império dos sonhos, matrizdas utopias, mas também da lucidez e da vontade soberana.

Muito obrigado a todos os presentes e ao nosso homenageado,o novo acadêmico Joaci Góes.

_____________Discurso de saudação a Joaci Góes, em sua posse na cadeira nº 7 da Academiade Letras da Bahia – Sessão solene, em 24 de setembro de 2009. João CarlosTeixeira Gomes ocupa a cadeira nº 15 da ALB.

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Discurso de possena Academia de Letras da Bahia

Joaci Góes

A cadeira que passamos a ocupar nesta augusta Academia temcomo patrono e ocupantes algumas das figuras maiores dainteligência nacional, nas pessoas de José da Silva Lisboa, ovisconde de Cairu, o filólogo Ernesto Carneiro Ribeiro, ohistoriador Francisco Borges de Barros, o jurista Aloísio deCarvalho Filho, o cientista político Nelson de Souza Sampaio e omeu antecessor imediato, o homem de letras e esteta Pedro MoacirMaia, que nos deixou em 8 de janeiro de 2008. É de evidênciapalmar que o ciclo de notáveis que ocuparam a cadeira númerosete sofre interrupção na solenidade desta noite.

A admissão de nossa presença meio a tantas figuras ilustresdo passado e do presente, na vida intelectual da Bahia e do Brasil,decorre, para mim, de uma afortunada associação entre agenerosidade e o culto à diversidade dos membros desta casa quefazem dela um corte transversal exemplar da inteligência baiana,em múltiplos campos de ação.

Nos idos da adolescência acompanhei com encantamento opensador católico Gustavo Corção, discorrer em seu livro Nasfronteiras da técnica sobre o caráter necessariamente intelectual detodo obrar humano, não havendo razão, segundo sustentava, paraa distinção corrente entre trabalho físico e trabalho intelectual. Otrabalho do operário, do ourives, do cientista, do escritor, doempresário, do artista ou do filósofo, seria igualmente intelectual,

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variando, apenas, o modo de aplicação da inteligência e o nível dequalidade da atividade executada.

Aos membros desta Academia que sufragaram nosso nome, aquem nunca terei como ser suficientemente reconhecido,certamente não se aplica a advertência de Ludwig von Mises,luminar da escola de economia de Viena, cada vez maisreconhecido como um dos maiores economistas de todos ostempos – sucessor de Carl Menger e mestre do Nobel FrederickHayek –, ao verberar em A mentalidade capitalista que: “a inútilarrogância dos escritores e dos artistas boêmios considera asatividades dos homens de negócios como pouco intelectuais eenriquecedoras. A verdade é que os empresários e osorganizadores de empresas comerciais demonstram maiorcapacidade intelectual e intuitiva do que o escritor e o pintormédios. A inferioridade de muitos intelectuais se manifestaexatamente no fato de não reconhecerem o quanto de capacidadee raciocínio é necessário para desenvolver e fazer funcionar comsucesso uma empresa comercial.... A corrupção moral, alicenciosidade e a esterilidade intelectual de uma classe depretensos autores e artistas é o preço que a humanidade devepagar a fim de que pioneiros inventivos não sejam impedidos deconcluir seus trabalhos”.

Não terá sido como empresário, apenas, que fomos admitidosnessa confraria de mulheres e homens notáveis. Nossa já longaexperiência empresarial haverá de ter somado ao conjunto dosatributos que compõem nossa modesta biografia, seja comojornalista ou político que não cederam quando o guante daintolerância se abateu sobre a alma da Bahia, emasculando-a, sejacomo articulista e conferencista, seja, ainda, como relator doCódigo do Consumidor, a lei mais popular do País, ou comoautor de alguns ensaios.

Essas pequenas credenciais, suficientes para manter em bomnível minha auto-estima, nem de longe se aproximam do mínimonecessário para emparelhar com meus notáveis antecessores.

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Ainda que não possam ser avaliados para ingresso emacademias, há outros fatores em minha vida largamentecontributivos para a elevação de minha auto-estima. A começarpela qualidade dos pais de quem nasci, João Góes, o velho e bomSeu Gosinho e Mariana, a extraordinária D. Zilu, exemplosincomparáveis de retidão, amor ao trabalho e dedicação à família.Deles absorvi, por síntese osmótica, o exercício do entendimentointuitivo de que integridade é obediência ao que não é exigido, detal modo que se o mundo fosse feito de gente como eles, nãohaveria, então, necessidade do aparato de instituições como apolícia e o Poder Judiciário. Seguiu-se a comunidade de meusirmãos, caldo de cultura simulador e antecipatório das alegrias edores do mundo, comunidade composta pelo primogênito esaudoso Joilson, há seis meses tragado pela gratuita, cruel ecrescente violência das ruas, Jacira, Jéferson, Julival e os gêmeosJoildo e Joilda. Desse núcleo, já considerável, formou-se famílianumerosa de cunhados e sobrinhos que aí estão, para satisfaçãodo outono de minha existência, concorrendo com sua criatividadee trabalho diversificado e fecundo para o progresso de nossa terra.Sinto-me feliz também por ter nascido na fazenda São Bento, nomunicípio de Ipirá, berço, dentre outros homens e mulheresilustres, de Eugênio Gomes, um dos mais sofisticados críticosliterários do País e membro da Academia Brasileira de Letras,bem como do desembargador Carlos Dultra Cintra, com quem aBahia contraiu o débito irresgatável de haver libertado o seu PoderJudiciário da submissão a forças que desnaturaram ecomprometeram sua missão, ao lado de outros magistrados, aquem homenageio na pessoa do irrepreensível Ministro doSuperior Tribunal de Justiça Paulo Furtado, aqui presente napessoa de sua mulher a competente juíza Verônica Furtado.

Em Lídice, companheira querida de toda a vida, encontrei odestino do meu coração, e com ela tive os amados filhos Joaci,que me substitui com a vantagem de muitos corpos na atividadeempresarial e Alex, poeta, cantor e compositor dos melhores.

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Por último, fui premiado com a indizível felicidade do nascimentode Maria Eduarda e Daniel, Duda e Dan, a quem dediquei o meuúltimo livro, A força da vocação, estendendo a dedicatória aospais Jô e Gabriela e a todos que concorrem para o aprimoramentoda educação deles e de todas as crianças do Brasil.

E como classificar o bem que faz a minh’alma a legião dosamigos queridos aqui presentes?

Voltemos, porém, à memória dos meus antecessores na cadeiran° 7, começando pelo patrono.

José da Silva Lisboa, figura notória nos livros de história doBrasil, como o visconde de Cairu, nasceu em Salvador a 16 dejulho de 1756 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro a 20 de agostode 1835, aos setenta e nove anos, portanto. Como a enriquecer amoldura de sua excepcional biografia, ele que conquistou obaronato em 1825, e o viscondado no ano seguinte, aos setentaanos, nasceu na capital do Brasil-colônia e morreu na capital doBrasil-império.

O visconde de Cairu, patrono dos economistas brasileiros, éreconhecido como um dos maiores vultos do Brasil em todos ostempos, tendo se distinguido como economista, historiador,publicista, jurista e político eminente, com acentuada vocaçãopara o exercício das relações humanas de que são testemunho asações diplomáticas que empreendeu com êxito. Segundo Alceude Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, Cairu foi o “verdadeiropatriarca da independência moral e intelectual do Brasil”.

Filho do arquiteto português Henrique da Silva Lisboa e deHelena Nunes de Jesus, aqui fez os estudos preparatórios, comênfase em filosofia, música e piano, como era o padrão da época.

Seguiu para Portugal, aos dezoito anos, onde se graduou emfilosofia e direito aos vinte e dois, em 1778, na Universidade deCoimbra. No mesmo ano de sua formatura, foi nomeadoprofessor assistente das cadeiras de grego e de hebraico do Colégiodas Artes de Coimbra e designado professor de filosofia nacionale moral para a cidade do Salvador, na Bahia, cadeira que regeu

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por 19 anos, paralelamente ao ensino de grego, ao longo de cincoanos. Na sequência de sua formatura, bacharelou-se em cânonespela Universidade de Coimbra, onde concluiu os cursos deFilosofia e Medicina.

Atento ao surgimento das teorias que agitavam o Século XVIII,José da Silva Lisboa, aderiu ao pensamento liberal do pai daeconomia, o escocês Adam Smith, seu contemporâneo, trinta etrês anos mais velho, ainda hoje aclamado como o maior doseconomistas, cujas ideias centrais permanecem atuais.

Na linha da arguição do autor do conceito da mão invisível aguiar a conduta do homo-economicus, o visconde de Cairupregava que um país só progride se seus agentes econômicosdispuserem do máximo de liberdade para acumular riqueza egastar o que ganharem como quiserem.

Sob a inspiração dessa crença, tão logo D. João desembarcouno Brasil em 1808, Cairu pediu-lhe audiência para propor aabertura dos portos brasileiros ao comércio internacional. OVisconde desconhecia que, por razões estratégicas, ditadas pelaguerra contra Napoleão, a corte portuguesa, em sintonia com aInglaterra, sua aliada histórica, já se decidira pela abertura dosportos na denominada “Convenção Secreta de Londres”.

Aos quarenta e cinco anos, em 1801, José da Silva Lisboapublicou, em Portugal, o primeiro de sete volumes de sua obrainaugural sob o caudaloso título de Princípios do Direito Mercantil eLeis da Marinha para uso da mocidade portuguesa, que compreende o seguromarítimo, o câmbio marítimo, as avarias, as letras de câmbio, os contratosmercantes, os tribunais e as causas de comércio. Os outros seis tomosviriam a lume até 1808, quando publicou, também, as Observaçõessobre o comércio franco no Brasil, em dois volumes.

Em sua obra máxima, o tratado Princípios de economia política,primeiro livro do gênero escrito em língua portuguesa, publicadaem 1804, abraçou, pioneiramente as ideias expostas por Smithem A riqueza das nações, sendo, portanto, o primeiro a divulgar osprincípios clássicos da economia liberal. Nessa obra, entre as várias

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causas da infelicidade dos povos, destacou as seguintes: 1) “Acrença de que os metais preciosos constituem a única e verdadeirariqueza dos indivíduos e países”; 2) “A esperança de que serámais seguro e vasto emprego quanto menores forem as trocasinternacionais”; 3) “A opinião de que os Estados são como osjogadores e que um não pode ganhar sem que o outro perca,nem ser rico sem que os mais se empobreçam”; 4) “A persuasãode que a quantidade de trabalho mecânico e penoso e o esforçode viver – e não a inteligência que bem dirige e alivia o trabalhocom auxílio de instrumentos e máquinas e o esforço de melhorara condição e ter gozos da vida – são as principais causas daindústria e riqueza das Nações”.

Aos seus múltiplos títulos como hebraísta, helenista,economista e jurista, o patrono da cadeira que passamos a ocuparera, também, adepto da ortodoxia católica em matéria de política.Nesse mesmo ano escreveu Observações apologéticas acerca da críticaque faz contra Smith o autor das Memórias Políticas sobre as verdadeirasbases da Grandeza das Nações. Nessa obra, Silva Lisboa invectivavaas críticas que então Rodrigues de Brito dirigira ao pai daeconomia, no terceiro volume de sua obra intitulada MemóriasPolíticas.

Quando o Príncipe Regente D. João chegou à Bahia, em 1808,José da Silva Lisboa era funcionário da Mesa de Inspeção daAgricultura e Comércio. A ele os comerciantes de Salvadorincumbiram de redigir e fundamentar as razões pelas quaispleiteavam a suspensão do embargo do comércio com Portugal,então sob ocupação francesa. A Carta Régia de 24 de janeiro de1808 oficializou a medida.

Um mês depois de chegar ao Rio de Janeiro, na comitiva de D.João, José da silva Lisboa foi nomeado desembargador do Paço eda Consciência e Ordens. Quatro meses mais tarde tornou-sedeputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas eNavegação do Estado do Brasil. Em 1809 recebeu a incumbênciade organizar um código de comércio. Em 1810 foi agraciado com

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a mercê do hábito de Cristo. Em 1815 foi encarregado das obraspara a impressão. Em 1821 integrou a lista dos membros da juntapara o exame das leis constitucionais e inspetor-geral dosestabelecimentos literários.

Para colaborar no seu propósito de evitar a separação do Brasilde Portugal, Silva Lisboa fundou o jornal O Conciliador do ReinoUnido, onde defendeu os direitos do Príncipe e enfatizou asvantagens da monarquia continental. Ao perceber, porém, airreversível marcha do Brasil pela autonomia política, entregou-se ao combate pela independência, publicando o livro Asreclamações, de grande repercussão, onde expôs suas idéiasindependentistas.

Advogado da centralização do poder, combateu através doseu Rebate brasileiro a Confederação do Equador e o TyphisPernambucano de Frei Caneca, hebdomadário que teve 29 edições,em sua curta vida de sete meses e meio, de dezembro de 1823 aagosto de 1824. É dessa época a publicação do Apelo à honrabrasileira contra a facção Federalista de Pernambuco.

Mais tarde foi escolhido, sucessivamente, deputado e senadordo Império. Em 1832 pugnou pela criação de uma universidadeno Rio de Janeiro, fato que só veio a ocorrer quase um séculodepois.

José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, foi ainda um argutohistoriador dos fastos do seu tempo.

Em 1815 publicou as Memórias sobre a vida de Lord Wellington; em1818, as Memórias sobre os benefícios políticos de El-Rey Dom João VI; aolongo da década de 1820 trouxe a lume vários volumes de suainacabada História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil.

Nosso patrono o é também da última das vinte cadeiras desócios correspondentes que a Academia Brasileira de Letras crioupara corrigir imperdoáveis omissões quando de sua fundação.

Ernesto Carneiro Ribeiro, fundador, primeiro ocupante dacadeira n° 7 e primeiro presidente da Academia, autor do clássicoSerões Gramaticais, um marco da língua portuguesa, nasceu em 12

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de setembro de 1839, na ilha de Itaparica, e morreu em Salvadorem 13 de novembro de 1920. Observe-se que, além de CarneiroRibeiro, a ilha de Itaparica tem sido um berçário de notáveis, aexemplo do frade franciscano e poeta barroco do século XVIII,o Frei Manuel de Santa Maria, conhecido como Frei Itaparica,o historiador Ubaldo Osório, o romancista Xavier Marques e afigura solar de João Ubaldo Ribeiro, um dos maiores romancistasdo mundo. Isso sem falar em Maria Felipa de Oliveira, valentemulher negra, envolvida na lenda e na aura de grande e polêmicaheroína da Guerra da Independência do Brasil. A crédito desua existência, militam os registros pioneiros de Ubaldo Osório,em sua história sobre A ilha de Itaparica, e de Xavier Marquesque a fez personagem do seu romance Sargento Pedro. De talmodo Ubaldo Osório se impressionou com as façanhasatribuídas a Maria Felipa, que batizou uma filha, mãe de JoãoUbaldo, com o nome de nossa heroína. As personagens Mariada Fé, em Viva o Povo Brasileiro, de Ubaldo, e Rosa Palmeirão,em Mar Morto, de Jorge Amado, certamente se inspiraram emnossa Joana D´Arc.

Carneiro Ribeiro formou-se em Medicina em 1864. Cursou aciência de Hipócrates porque à época não havia escola de Direitona Bahia. Os estudos filológicos, porém, a que se dedicou desdecedo, constituíam sua verdadeira vocação, sendo o magistério aprofissão de toda a sua vida.

Entre seus alunos, além de Francisco Borges de Barros, seusucessor nesta Academia, destacam-se o oceânico Ruy Barbosa,Euclides da Cunha e o virtuoso homem público Rodrigues Lima.O momento mais alto de sua biografia, sem dúvida, foi a polêmicaque sustentou com o mais famoso de seus discípulos, Ruy Barbosa,tendo a língua portuguesa como tema, a partir da redação donovo código civil. Se um dia o Brasil e a língua portuguesa seimpuserem ao mundo, essa discussão histórica, composta d´Asprimeiras impressões, da Réplica e da Tréplica, será reconhecida comoo maior monumento filológico de todos os tempos.

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Francisco Borges de Barros, sucessor do mestre e amigoErnesto Carneiro Ribeiro, não é um nome conhecido do grandepúblico, não obstante o prestígio que desfrutou junto a seus coevose que desfruta, hoje, junto aos estudiosos da nossa história.

Esta figura singular, cuja biografia contribui para aureolar omunicípio de Santo Amaro, também como berço de notáveis,morreu pobre, depois de prolongada moléstia. O longotratamento médico a que se submeteu, bem como as despesasdos seus funerais, foi custeado por amigos e instituições a queserviu com competência e desvelo. Morto pouco antes decompletar 53 anos, dedicou sua vida íntegra ao trabalho e aoestudo, fazendo quase sempre do seu trabalho, como diretor doarquivo público, o objeto dos estudos que tanto enriqueceramnossa historiografia. Destacou-se pelas pesquisas que realizou nasáreas da História, Geografia e Genealogia.

Nascido em 1882, Borges de Barros renunciou às maciezasda aristocracia rural de que era herdeiro por longa tradiçãofamiliar, para graduar-se em direito em 1903, tendo realizadocurso brilhante, ao lado de seu parente ilustre, Moniz Sodré,futuro senador e governador da Bahia, famoso criminalista, autordo clássico As três escolas Penais, leitura obrigatória para osestudantes de direito. Foi dos primeiros a trabalhar pela criaçãoda pinacoteca do Estado, de qualidade reconhecida. Pareciainspirar-se em Leon Tolstoi que recomendava o conhecimentoda própria aldeia, antes de aventurarmo-nos à exploração domundo, de tal modo se dedicava ao estudo da realidade à suavolta. Nessa linha de operosidade, legou-nos extensa bibliografia,parte substancial dela em suas contribuições aos jornais ORegenerador, A Tarde, Gazeta do Povo, A Notícia, Jornal de Notícias,A Cidade e outras publicações. Em 1913 publicou seu primeirolivro O Duque de Caxias na Política do Império, seguindo-se Memóriae História de Ilhéus, em 1914, Anais da Capitania de Ilhéus, em 1915,À Margem dos Assuntos e À Margem da História da Bahia, em 1916.O ano de sua mais copiosa produção foi 1923, com Terras da

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Bahia, Penetração das Terras Baianas, Bandeirantes e Sertanistas eaquele que é, provavelmente, seu magnum opus, o DicionárioGeográfico e Histórico da Bahia.

Publicou ainda Esboço Coreográfico da Bahia; Memória Histórica doMunicípio de Belmonte; J.J. Seabra; O Castelo da Torre de Garcia d´Ávila;Do Amazonas ao Paraná, obra dedicada à excursão política de Seabracomo candidato a vice-presidente da República; Documentos sobrea Independência na Bahia; A Revolução de 1798; Antigas Capitanias daBahia; Povoadores dos Sertões da Bahia; Revolução Republicana de 1817;Revolução dos Farrapos; Recursos Minerais da Bahia; O Comércio da Bahiana Época Colonial; Confederação dos Guerens; Batalha de Pirajá; Sesmariasda Bahia; Primórdios das Sociedades Secretas na Bahia.

Conquistou o prêmio Caminhoá de literatura histórica.Merece destaque, pelo seu caráter afetivo, o estudo que realizou

de seu pago, Patatiba, que ele descreveu como “imensa faixa deterra, que se prolonga do sudoeste ao nordeste do município de Santo Amaro,desde o arraial de São Braz até os engenhos Brejos, Glória, Vitória e Pedra,daí seguindo para o nordeste até as matas seculares que bordam as cabeceirasdos Sergi-mirim e Paraúna”.

Borges de Barros foi diretor do Arquivo Público, Inspetor deMonumentos do Estado, presidente da Associação dosfuncionários Públicos, conselheiro interino do Tribunal de Contas,Grão-mestre da Maçonaria local e chefe de gabinete nos doisquatriênios do governo de J.J. Seabra.

A edição de A Tarde de 16 de fevereiro de 1935, ao noticiar osepultamento de Borges de Barros, assinala: “Como dissemosontem, o inditoso escritor morreu paupérrimo, tendo a Maçonaria,de que foi grão-mestre, custeado as despesas dos funerais. Porsua vez, a Associação dos funcionários Públicos teria avocadooutras despesas com a moléstia e tratamento de seu beneméritopresidente”.

Pelo que transparece dos escândalos em turbilhão quediariamente nos indignam, já não há tantos servidores públicoshonrados como antigamente.

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Aloísio de Carvalho Filho, nascido e morto em Salvador, em03 de março de 1901 e 28 de fevereiro de 1970, respectivamente,a princípio eleito para a cadeira 26, permutou-a pela 7 com oMonsenhor Francisco de Paiva Marques, com apoio no argumentode que “as afinidades espirituais que, dada a forma de atividadeintelectual de cada um, os colocam melhor nos lugares quesolicitam”.

Aloísio de Carvalho Filho que já muito antes de sua mortegozava da reputação de ser um dos maiores penalistas brasileiros,foi também, jornalista, advogado e um político ilustre. Deputadofederal de 1934 a 35, foi colhido pela morte na metade do terceiromandato de senador da República, sendo substituído pelo seusuplente, Antônio da Silva Fernandes, personalidade modelarcomo pecuarista inovador e deputado estadual em sucessivaslegislaturas. Em paralelo ao brilho invulgar no cumprimento dequalquer dessas atribuições, o jurisconsulto Aloísio de CarvalhoFilho primava pela exemplaridade de sua postura. Tenho paramim que o rigor comportamental com que Aloísio de CarvalhoFilho vestia sua conduta trazia a subliminar intenção de realçar ocontraste entre seu comportamento pessoal e o de seu famosopai, o jornalista Aloísio de Carvalho, conhecido como Lulu Parola,personalidade singularmente heterodoxapara os costumes dotempo.

À frente do coro das mais respeitáveis vozes que proclamam,à unanimidade, o valor moral e intelectual de Aloísio, recordo-me do carinho, admiração, respeito e vigor apologético com queseu discípulo e substituto na Cátedra de Direito Penal da Faculdadede Direito, Raul Affonso Nogueira Chaves, meu mestre, paraninfoe amigo querido, referia-se ao louvado comentarista do CódigoPenal.

O saudoso mestre Raul Chaves incorporava ao seu rico acervopedagógico a prática de apontar em obras da literatura universal,situações, passagens e personagens típicas do delito sob exame.Dentre muitas, lá estavam as de Shakespeare, Agatha Christie,

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Balzac, Dostoyewisky, Morris West e do nosso Machado de Assis.O estudo da galeria de personagens delinqüentes na obramachadiana era enormemente facilitada pelos trabalhosproduzidos por Aloísio, como Crime e criminosos na obra de Machadode Assis, e o seu delicioso O processo Penal de Capitu, que continuama correr mundo.

Nelson de Souza Sampaio foi o amigo e discípulo querido deAloísio que o substituiu nesta Academia. Amizade e mútuaadmiração iniciadas quando Nelson, ainda cursando os primeirosanos da Faculdade de Direito, saudou, em nome da classe, o mestreAloísio que se ausentaria do magistério, para cumprir mandatode deputado constituinte, como registrou Pedro Moacir Maia,meu eminente antecessor, no seu magnífico discurso de possenesta Casa, estampado no número 48 da Revista da Academia deLetras da Bahia, cujo pleno teor subscrevo e incorporo a estaarenga.

Um pequeno trecho do discurso, então proferido por Nelson,que contava, apenas, dezenove anos, serve para dar a medida dointelectual erudito, culto, refinado e preciso que viria a enriquecera Ciência Política em nosso País: “Queremos que a lei traga em sio sentido dinâmico que lhe permita acompanhar a evolução sempôr em risco a sua estabilidade; a lei que traga em si as forças desua contínua adaptação”. E numa demonstração do espírito detolerância que estava na base da inabalável higidez democráticaque o acompanhou ao túmulo: “Pregamos, sim, o justo equilíbrioentre as forças renovadoras e as forças conservadoras dasociedade, no sentido de uma colaboração recíproca para a criaçãoe a seleção de valores”.

Fui aluno de Ciência Política do professor Nelson Sampaio,no primeiro ano do curso de Direito da Universidade Federal daBahia. Nele, todos admirávamos o scholar, excepcionalmentedotado de pendor para as lides acadêmicas, além do cavalheirode gestos pausados, impecavelmente vestido, dono do tempo, detal modo a lufa-lufa não fazia parte de sua vida.

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Meio a extensa e qualificada bibliografia que nos legou, sendoo excelente Ideologia e ciência política o título mais conhecido,há uma monografia que merece destaque especial. Antes demenciona-la, narrarei sugestivo episódio.

Corriam o ano de 1987 e os trabalhos da Constituinte para aqual me elegera. Encontrava-me jantando, em Brasília, com odeputado Miro Teixeira, quando se aproxima o advogado SauloRamos, então Consultor Geral da República do governo Sarney,com o qual o PMDB baiano começava a se desentender. Feitas asapresentações, Saulo Ramos exclamou: “Bahia! Terra do juristabrasileiro de maior prestígio internacional”. Em lugar dosesperados Augusto Teixeira de Freitas, o Jurisconsulto do Império,Ruy Barbosa ou Orlando Gomes, Saulo arrematou: -Nelson deSouza Sampaio! Fiquei muito surpreso. Nome reconhecido comogrande autoridade em Ciência Política, Nelson não figurava entrenossos maiores juristas. Seguiu-se a explicação de Saulo: “Participeide um congresso de Direito Constitucional em Paris, em que onome do professor Nelson Sampaio foi unanimemente aclamadocomo autor de trabalho definitivo sobre os limites do poder dereforma constitucional. Não sei de outro brasileiro que tenharealizado façanha semelhante para a formação de um dos ramosdo conhecimento jurídico.”

Se, em 1980, não tivesse prevalecido o viés burocrático denossa universidade ao indeferir requerimento de Nelson Sampaiopara dedicar-se em regime de tempo integral, durante, apenas,um ano, à preparação de um tratado, a partir do desenvolvimentode seu conhecido estudo “Prerrogativas do Poder Legislativo”,em lugar de um, possivelmente teríamos dois clássicos de suaautoria de reconhecimento universal.

Sucedendo a Nelson Sampaio, tragicamente desaparecido em20 de dezembro de 1985, Pedro Moacir Maia toma posse dacadeira n° 7 em 10 de março de 1987, sendo saudado peloinesquecível Jorge Calmon Moniz de Bittencourt. Ao chegar aesta Academia, Pedro Moacir juntou-se ao seu querido irmão, já

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acadêmico, e o melhor dos seus amigos, o consagrado contistaCarlos Vasconcelos Maia, de saudosa memória.

Filho caçula do comerciante Manoel de Almeida Maia eAsterolina Vasconcelos Maia, Pedro Moacir nasceu em Salvador,a 27 de junho de 1929. Órfão de mãe em plena infância, a avó e atia Zeca dividiram com seu pai a tarefa de cria-lo e educa-lo.Ingressou na escola de Direito, em atenção às solicitações paternas,abandonando-a dois anos depois de frequenta-la, para graduar-se em línguas neolatinas e letras, em 1956, pela Faculdade deFilosofia Ciências e Letras da Universidade Federal da Bahia, ondemais tarde ensinaria Literatura Portuguesa, paralelamente aoensino de Português, entre 1957 e 1960, no Colégio Estadual daBahia, onde cursou o secundário. Entre 1959 e 1960, publicouartigos no Jornal da Bahia, sob a rubrica comum de “Livros erevistas de arte”. Dedicou toda sua existência fecunda aos laboresintelectuais vinculados à educação e à cultura em geral, comoprofessor, contista, crítico literário, cronista, tradutor e historiadorda arte. No exercício desse variado mister, encontrou o leito desua verdadeira vocação.

Iniciou sua atividade magisterial pelo Colégio Estadual daBahia, o mesmo velho Central de Abílio César Borges, CarneiroRibeiro, Castro Alves, Rui Barbosa e de tantas personalidadesilustres que integram a história da Bahia contemporânea em suasmúltiplas dimensões, algumas delas integrantes desta Academia emuitas outras presentes a esta solenidade. Foi aí que tive a honrade ser seu aluno, integrando uma de suas primeiras turmas.

Logo depois ocupou a secretaria do Instituto de EstudosPortugueses da faculdade em que se formou, daí seguindo paralecionar no Senegal, na Faculté de Lettres et Sciences Humaines,da Université de Dakar, de janeiro de 1961 a julho de 1970,encarregando-se, paralelamente, dos assuntos culturais daEmbaixada do Brasil naquele país africano, entre 1964 e 1970.

Suas atividades em Dakar incluíam conferências, a publicaçãode artigos e a organização e montagem de exposições diversas

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sobre assuntos brasileiros, na Universidade e em outras instituiçõessenegalesas.

Fazendo coro com o regozijo expresso pelo reitor EdgardSantos por havê-lo recomendado ao professor Pierre Nardin,diretor da Faculdade de Letras e Ciências Humanas daUniversidade de Dakar, que logo reconheceu o grande valor dojovem mestre brasileiro, o jornalista Márcio Moreira Alvespublicou na revista Visão, em 14 de setembro de 1962, artigo sobo título “O magricela de Dacar” em que exaltou a atuação dePedro Moacir no continente africano, conforme reproduzido pelaA Tarde, em março de 2008. Moreira Alves dá testemunho dainteligência e do empenho diuturno de Pedro Moacir empromover as coisas brasileiras, fazendo de sua sala um mostruáriode fotos, de artes plásticas e de livros, entre os quais centenas deobras dos principais romancistas, poetas e sociólogos brasileiros.Moreira Alves, o mesmo que em 1968, como deputado federal,deu a justificativa que os militares queriam para editar o AI 5, aoconcitar as jovens brasileiras a não namorarem os integrantes dasforças armadas, nem comparecerem às festas do sete de setembro,destacou a indignação de Pedro Moacir contra quatro dos seisoutros brasileiros que também lá se encontravam, por gazetear otrabalho e dar vazão a velhos preconceitos, inclusive raciais.

Observou Moreira Alves que Pedro Moacir fazia do campusda própria universidade onde residia, “um escritório depropaganda unitário e móvel”.

Da África, o difusor maior do significado histórico e valorestético de nossa azulejaria migrou para a embaixada do Brasil naArgentina, onde respondeu de 1970 a 1976 como diretor do Centrode Estudos Brasileiros, ensinou português, deu cursos diversos sobreas artes no Brasil, organizou e montou exposições de variadatemática, particularmente de autores argentinos e brasileiros. Éoportuno destacar os cursos que ofereceu, sobre a literatura doNordeste brasileiro, para graduados no Instituto de Letras daFacultad de Letras de la Universidad de Buenos Aires, as

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conferências que proferiu sobre arte e literatura brasileiras, bemcomo cursos sobre o nosso Modernismo e sobre Castro Alves.

Completou Pedro Moacir seu périplo diplomático-cultural naAmérica Latina como diretor do Centro de Estudos Brasileirosda Embaixada do Brasil, em Santiago do Chile, entre setembrode 1976 e dezembro de 1981, onde, além de ensinar português,deu vários cursos, como “Algunos momentos o aspectos del arteem Brasil”, no Departamento de História da Universidade doChile, em 1978; “Cristianismo y Barroco”, na Facultad de Teologiade la Universidad Católica de Chile, em 1980, repetindo-o em1981. A exemplo do que fizera em Buenos Aires, organizou emontou diversas exposições de artistas ou temas brasileiros echilenos, deu entrevistas, escreveu artigos e proferiu conferênciaspara difundir a cultura brasileira.

Foram, portanto, vinte anos de vida no exterior, dedicados aatividades como professor, conferencista, tradutor, curador deexposições e organizador de seminários e congressos. Foi membroda College Art Association of América, da American Society forHispanic Art and Historical Studies, da Tile Heritage Foundation,dos Estados Unidos e da Tiles and Architectural Ceramics Societyda Inglaterra. Foi condecorado pelos governos do Brasil, Senegal,Argentina, Chile e Portugal.

Acrescido dessa rica bagagem, Pedro Moacir retornou aSalvador, querido torrão natal, onde assumiu a direção do Museude Arte Sacra, aí permanecendo de 1982 a 1989, e reassumiu omagistério no Instituto de Letras, até sua aposentadoria.

Foi no momento do retorno que se deu o acontecimento maiorde sua vida: a realização do grande e velho amor com a desdesempre eleita do seu coração, Celeste Aída Galeão, mulherexemplar pela beleza, inteligência, caráter, erudição, a mais dereconhecida pela sua qualificada germanofilia. Para merecer esteencontro definitivo de sua´lma, Pedro Moacir esperou vinte eum anos, sete a mais do que Jacob serviu a Labão para merecerRaquel, serrana bela.

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A atividade intelectual de Pedro Moacir à frente do Museu deArte Sacra, mais uma vez, evidenciou-se intensa. Já a partir de1982, aí organizou encontros, conferências, cursos diversos comoum sobre “A arte paleocristã”, exposições, lançamentos de livrose discos, concertos ao vivo. Instituiu o (novo) Livro do Tombodo acervo artístico do Museu, além da fototeca completa dessasmesmas obras de arte.

Esta figura exemplar de nossas letras, a exemplo de Freud, emlugar de fazer da publicação de livros seu objetivo principal,preferiu entregar-se à produção de textos específicos, sob a formade artigos, destinados a publicações especializadas – livros, revistasou jornais-, com marcante presença no caderno cultural de ATarde, nos últimos vinte e cinco anos da vida.

Sua produção como editor-amador compreende dezessetelivros, e cerca de cento e vinte plaquettes, sob a marca EdiçãoDinamene, entre 1949 e 1981, fim do seu périplo no exterior.

Entre 1982 e 2005, a partir de quando sua saúde começou adeclinar, produziu cinco livros sobre artes na Bahia.

A fotografia, como arte, integrava o amplo leque de seusinteresses intelectuais, de que é exemplo a grande quantidade delivros, estatuetas e quadros sobre o assunto que enriqueciam seuhabitat estético.

Em 1987, sob o patrocínio de importante organização bancária,editou o melhor trabalho existente sobre o Museu de Arte Sacra,com textos e fotos que enchem os olhos e esclarecem o significadodos seus altares, pinturas e afrescos, lápides tumulares, azulejaria,esculturas, crucifixos, calvários, ourivesaria e prataria, utensíliosreligiosos, móveis e diferentes ângulos de sua exuberantearquitetura.

São de 1990 seus textos sobre “Os cinco sentidos, os trabalhos dosmeses e as quatro partes do mundo em painéis de azulejos, no Convento deSão Francisco em Salvador”. Data de 1995 o livro Adoração dos Pastorese dos Magos em Painéis de Azulejos.

Em 2002, publicou Vistas e festas lisboetas em azulejos na Bahia,em que faz um estudo completo da azulejaria inspirada no tema

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do título, encontradiça na Ordem Terceira de São Francisco, seuclaustro e seu consistório.

Muito no estilo de sua vocação de infatigável caçador demanifestações estéticas, participou, em 2003, da reedição do livroAzulejos – Reitoria da Universidade Federal da Bahia, como editor eautor das legendas explicativas da azulejaria daquele paláciouniversitário.

Membro altamente participativo da vida da ALB, como seusegundo-secretário, no biênio 1989/90, e primeiro-secretário embiênios seguintes, organizou exposições de livros raros e/ouilustrados de autores como Jorge Amado (1985), Manuel Bandeira(1986), Castro Alves (1986) e Machado de Assis (1989). Ainda nasede da ALB, proferiu conferências sobre obras e autoresbrasileiros, tendo, igualmente, organizado e escrito textos paracatálogos de diversas exposições.

Graças à vitoriosa iniciativa do poeta Fernando da Rocha Peres,autor do prefácio, veio a lume, postumamente, em maio de 2008,o livro Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seus tradutores argentinosBenjamin de Garay e Raúl Navarro, com introdução, ensaios e notasde Pedro Moacir, que adquiriu essa correspondência quandoexercia o cargo de adido cultural na embaixada brasileira naArgentina. Impresso na Ufba, foi lançado aqui mesmo, nestaAcademia. Prova adicional de seu gosto requintado é o preitodedicado a dois vasos sang-de-boeuf, em porcelana rubra, de suapropriedade, reputados seu bem mais valioso, conformetestemunho de Celeste Aída Galeão, que escreveu a orelha,companheira e musa nos derradeiros 25 anos de uma existênciadedicada à fruição dos valores e prazeres da estética.

Pedro Moacir deixou alguns trabalhos inéditos, como umaAntologia comentada de Manuel Botelho de Oliveira, O Movimento Cadernoda Bahia (1948-1952) e O tema da natividade em azulejos portugueses naBahia.

Consoante seu desejo, sua biblioteca foi doada ao Mosteirode São Bento.

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Meio à rica galeria de vultos das artes cujas obras reverenciava,Pedro Moacir nutria especial admiração pelos artistas plásticosaustríacos Gustav Klimt e Egon Schiele que, à exceção do talento,nada tinham em comum. Enquanto Klimt exaltava a beleza dedelicadas e frágeis figuras humanas, Schiele dilacerava tragicamenteas figuras de suas construções pictóricas.

Produto de sua infatigável vocação de esteta, as artesanaisedições Dinamene tiveram tiragens limitadas, de acesso restrito aamigos e colecionadores, dentre os quais o empresário e seuadmirador José Mindlin, o mais famoso bibliófilo brasileiro, queafirmou serem elas “pequenos primores gráficos que celebram asupranacionalidade da poesia”.

José Mindlin recorda, no caderno cultural de A Tarde de 29 demarço de 2008, em memória de Pedro Moacir, os trinta anos deamizade com ele, amizade construída a partir do interesse comumsobre o livro, seu conteúdo e formatos gráficos: “Nossosencontros, tanto em Salvador como em São Paulo, sempre foramfonte de prazer, agradáveis, estimulantes. Admirava-o de longadata, como excelente artista gráfico e polivalente homem decultura. O amor aos livros é um poderoso fator de uniãoespiritual; e ele nos uniu desde o longínquo primeiro encontro.Antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, admirava suasplaquetas avulsas da Dinamene, caprichosamente impressas,sempre em tipo uniforme, com que divulgou poesias preferidasde Bandeira, Drumond e João Cabral, entre outros... A existênciade Pedro Moacir foi profícua para o meio cultural brasileiro evai fazer muita falta a nós, seus amigos, e ao desenvolvimentoda sensibilidade baiana”. Entre os amigos referidos por Mindlinencontravam-se o médico memorialista Pedro Nava e o críticobaiano Wilson Rocha.

O historiador e acadêmico Waldir Freitas Oliveira, ao ensejoda morte de Pedro Moacir, observou: “Que posso dizer dele,senão que sempre o considerei um dos mais sérios intelectuais daminha geração? Não fazia alardes do seu vasto conhecimento.

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Não era de falar muito. Mas como sabia das coisas! Poucos eramos assuntos sobre os quais não tivesse opinião formada.”

Segundo a consagradora expressão de Carlos Drummond deAndrade na conhecida crônica escrita no já remoto 1973, sob otítulo “Dinamene e seu anjo músico”, as edições Dinamene seriam“ourivesaria gráfica”. Advertiu, ainda, Drummond: “Bibliófilos,já sei que estais excitadíssimos, de gula e olhos acesos. As tiragenssão limitadíssimas, e eu preveni que Maia não vende”... .. “Comoum príncipe, oferece as edições aos amigos do verbo, que sãotambém seus amigos”.

A escritora austríaca Glória Kaiser, no seu discurso de possecomo Membro Correspondente Estrangeira desta Academia, emmaio de 2006, disse que “os ensaios de Pedro Moacir Maia sobreazulejos são preciosos e conduzem nosso olhar para obras muitoespeciais da cultura lusitana. Além disso, os textos escritos peloprofessor Pedro Moacir são obras de arte que podem ser lidas erelidas com prazer. Cada uma de suas frases é carregada de sentidoprofundo e de poesia. Trazem-me à lembrança um ensaiomaravilhoso sobre Antônio Vieira e Christina da Suécia.”

Mas é com a opinião da psicanalista Urânia Maria Tourinhoque mais me identifico, ao arrematar em feliz síntese: “Para mim,Pedro foi um professor da beleza”.

Dinamene foi a pranteada amante chinesa de Luís Vaz deCamões que naufragou com ele na viagem que o transportavapara ser julgado em Goa pelos delitos administrativos que teriacometido em Macau, onde se encontrava. Segundo a lenda, entresalvar os manuscritos dos Lusíadas ou a amante, Camões preferiua literatura. Atormentado pelo remorso de sua Escolha de Sofia,passou a dedicar o melhor do seu estro a cantar a desditosa amada.

A esse conjunto de manifestações públicas, apropriadamentelaudatórias de Pedro Moacir, gostaria de acrescentar algumasmemórias do tempo em que dele fui aluno em 1958, no ColégioCentral, no curso de literatura que deu aos que concorreriam aovestibular daquele ano.

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A admiração que provocava em seus alunos o então jovemprofessor, formado há, apenas, dois anos, era unânime, peladidática, pela capacidade de despertar genuíno interesse pelo temaexposto, pela espontânea camaradagem da convivência e,sobretudo, pela enorme sensibilidade para identificar o belo emcontextos triviais ou incomuns. Intuitivamente, Pedro Moacirorientava o seu magistério pelo reconhecimento da supremaciada compreensão sobre o aprendizado papagueado, irrefletido,consoante a distinção piagetiana entre o simples aprender e ocompreender profundo.

Registre-se que o Central regurgitava de animação cultural,com a presença de jovens talentosos que logo despontariam paraas letras e as artes, como João Ubaldo Ribeiro, Glauber Rocha,Raymundo Pinto, Raimundo Laranjeira, Ciro Matos, AntônioGuerra Lima, João Carlos Teixeira Gomes, Hélio Contreiras,Glauber e Anecy Rocha, Fernando da Rocha Peres, Affonso MantaAlves Dias e muito mais. A Jogralesca e a geração Mapa saíramdessa tropa de elite que enchia as paredes do Central com muraisque abrigavam suas criações, sob a forma de crônicas, artigos epoesias.

Recordo-me de um verso de Iracy Celestino em que ela falavado sofrimento pelo contraste entre seu abatimento emocional“enquanto a natureza arrebenta lá fora em gargalhadas de sol”.No dia seguinte, o seu namorado e depois marido Joca escrevia:“Que os teus ouvidos sejam como esponjas às minhas palavrasmolhadas de amor”.

Pedro Moacir vibrava com a atmosfera intelectual do velhoCentral. Em uma aluna do primeiro ano, Ana Maria, Pedropespegou o apelido de Capitu, que permanece até hoje, referindo-se sucessivas vezes a ela para explicar o que Machado de Assisqueria dizer quando se referia aos olhos de ressaca de sua maisfamosa personagem.

De outra feita, amigavelmente questionado no dia seguinte àeleição, pelo seu voto de Minerva, da miss Primavera do Central,

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argumentou: “Entendo que vocês prefeririam aquela garotamorena, dotada de curvas generosas, no que teriam razão se ascandidatas desfilassem nuas. Como desfilaram vestidas, nãopodemos excluir do julgamento o todo formado pela beleza docorpo, o vestuário e suas cores, incluindo as meias, os sapatos, openteado, os adereços, o modo de andar, a dicção, o conteúdo daconversa e o modo de falar. O sentido de beleza que se devevalorizar não pode estar dissociado da harmonia do conjunto”.Ali se manifestava, naquele pequeno episódio, na plenitude desua vocação primeira, o refinado esteta que seria por toda vida.

O jovem poeta Affonso Manta, então com dezessete anos,que dividia comigo a tarefa de editar o mural “O Alvorada”, memostrava, diariamente suas criações poéticas. Ao ler algumaspoesias de Affonso, a meu pedido, Pedro Moacir concluiu que ogaroto de Poções era um bom poeta. Elogiou particularmenteuma em que Affonso inquiria à mãe e ao mundo onde ficara oseu segredo, aquele momento mágico e indefinível que molda odestino dos homens. E, às tantas, Affonso indagava, “Onde ficoumeu segredo, minha mãe, onde ficou? Será que ficou no monte,nas cercanias, na fonte? Será que ficou no sino, no sino do velhoJacó? Jacó Sineiro era velho, morreu de triste, coitado, era quembatia o sino nas festas do povoado. Com seu jornal de notícias,estridente e galhofeiro, celebrava casamento de Janeiro até Janeiro.E quanto noiva feliz Jacó não levou no sino, quanto velho, quantavelha, quanto corpo de menino. Um dia a notícia veio e espalhou-se pelo outeiro. Quem bateu o sino velho que enterrou JacóSineiro?”

Inspirado na sensibilidade de Pedro Moacir e em homenagema ele, Affonso escreveu em nosso “O Alvorada” estes versos:

“A beleza, poeta, existe na aparência das coisas mais sutis, dasbrisas mais caladas, existe no mistério incluso da inocência, nodespudor das rosas desfolhadas”.

Em outra oportunidade, quando se falava dos grandesromancistas vivos, veio à baila o nome de William Somerset

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Maugham, à época com 84 anos de idade, cujo romance ServidãoHumana, figurava desde 1915, ano de sua publicação, como umadas obras mais aplaudidas do século XX. Para estupefação geral,Pedro Moacir, serenamente, como sempre, disse que à exceçãode alguns contos integrantes do livro Contos dos mares do sul, tudoo mais produzido por Maugham não passava de bem compostasub-literatura. Muitos anos decorridos daquela que me pareceuuma afirmação pretensiosa, tomei conhecimento de que odiagnóstico literário de Pedro Moacir passou a ser o conceitoassentado por parcela ponderável da crítica revisionista da obrado famoso escritor inglês nascido em Paris.

Personalidade avessa aos extremos, Pedro Moacir eramoderado no aplauso como na crítica. Amante de uma boa piada,sorria, no entanto, com a discrição dos pudorosos. Não obstantesua circunspecção, certa vez, ao falar da poesia brasileira do SéculoXIX, com a expressão revestida da habitual seriedadedescontraída, disse que o pernambucano (Antonio Peregrino)Maciel Monteiro (1804-1868), médico, político, diplomata e poetabissexto, considerado o introdutor da sensualidade e do lirismoerótico em nossa poesia, discípulo de Lamartine e Victor Hugo,autor do conhecido soneto “formosa, qual pincel em tela fina”,apesar do caráter circunstancial de sua poesia, era muito invejadopelo sucesso que fazia com as mulheres, a ponto de Silvio Romeroter dito dele que “trazia as mãos calosas de arribar saias de seda”.

Senhoras e senhores acadêmicos, senhoras e senhoresconvidados:

Consciente do muito que tenho a fazer, para reduzir a distânciaabissal que me separa dos vultos ilustres que me antecederamnesta cadeira de n° 7, assumo nesta noite, tão grata aos meussentimentos, o solene compromisso de fazer dela o púlpito paracontinuar defendendo, com ênfase crescente, o significado daeducação para a redenção dos povos, a nossa redenção.

O primeiro passo consiste em assoalhar a denúncia docontinuado declínio do prestígio cultural e político de nossa terra,

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nas últimas décadas, em compasso com a queda da qualidade doensino no estado. As sucessivas avaliações do MEC vêmapontando a Bahia como detentora de um dos mais baixosrendimentos educacionais no Brasil. Consectário inelutável dessepanorama desolador é a própria Universidade Federal da Bahiaque caiu de uma das primeiras posições, quando a cursei, para o37° lugar entre as universidades brasileiras.

Quero observar que nunca uma Faculdade de Direito reuniu,a um só tempo, em qualquer lugar ou época, no Brasil, uma plêiadede professores com a qualidade dos mestres do meu tempo, donosso tempo, a exemplo de Orlando Gomes de quem no correnteano a Bahia e o Brasil cultos celebram o centenário de nascimento.Temos aqui, nesta noite, os dois remanescentes daquele time denotáveis, os professores e queridos amigos Edson O´Dwyer eLuis Viana Neto.

O pior de tudo é que estamos em baixa, na qualidade e naquantidade, já que à exceção da Universidade Federal doRecôncavo, em implantação, contamos, apenas, com a UFBA,ao tempo em que estados como Pernambuco e Minas Gerais,contam, respectivamente, com 3 e 7 universidades federais. Aprestação jurisdicional em nossa terra vem de ser consideradapelo CNJ como a de mais baixo desempenho entre as vinte esete unidades da Federação. A segurança em nosso estado saiudo plano da preocupação para um clima de alarme permanentee geral, de tal modo se agigantam o crime e a violência em suasmais torpes e cruéis modalidades. Enquanto não formos capazesde dar conseqüência ao entendimento de que fora da educaçãonão há solução possível para os males que nos afligem, e de quea educação é o caminho mais curto entre a pobreza e aprosperidade, a barbárie em que nos encontramos e o patamarde civilidade que almejamos, seremos, desgraçadamente,condenados a conviver com o inquietante cisma social queameaça e compromete quando não destrói nossa paz individuale coletiva.

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Já em 1989, no discurso de posse na cadeira 15, João CarlosTeixeira Gomes, o Joca, romancista, crítico literário, grande poetamaior e um dos mais talentosos jornalistas brasileiros,denunciando nossa perda de prestígio cultural, observava que “asinstituições de cultura da Bahia têm uma responsabilidade muitogrande. Vivemos numa terra apontada como centro culturalimportante em todo o país, mas há muitos anos não temos sabidojustificar essa fama. Tudo nos falta. Não temos editoras, rarassão as revistas especializadas, entre as quais merecem louvor a daEmpresa Gráfica da Bahia e a da Fundação Casa de Jorge Amado,as bibliotecas enfrentam dificuldades para preservar e atualizarseu acervo. Nossa vida cultural é fragmentária e dispersa, comsuas manifestações tratadas como se fossem algo de supérfluo,mero luxo ou adorno de civilização.”

Decorridos vinte anos do diagnóstico de Joca, o cenário parao livro e o escritor no Brasil, em geral, e na Bahia, em particular,se afigura ainda mais difícil, como se depreende da inteligenteanálise da excepcional poeta Myriam Fraga no seu discurso desaudação ao ingresso de Evelina Hoisel nesta Academia:

“Frente aos surpreendentes avanços das artes ditas industriais,no seio de uma sociedade que parecia mais disposta a privilegiaras manifestações culturais protagonizadas através do espetáculo,alicerçando assim uma postura que conduzia à festa, àcarnavalização, às manifestações coletivas, o livro, comoinstrumento tradicional de veiculação de literatura, parecia estarcada vez mais condenado à marginalidade e à exclusão.

Protagonistas do solitário ato de recriar o mundo através dosilêncio, aos escritores caberia apenas o lado escuro do palco.”

É oportuno lembrar que das três maiores fontes de poder – aforça, a riqueza e o conhecimento –, a força predominou dosprimórdios da história até o início da Revolução Industrial, a partirde quando o dinheiro assumiu a supremacia como a principalfonte de poder, liderando até o começo da década de 1970. Desdeentão, o conhecimento desbancou a força e o dinheiro como o

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centro do poder. Hoje, como nunca, em função do conhecimento,os ricos, pessoas, empresas e povos, podem ser os pobres deamanhã e vice-versa.

A baixa prioridade atribuída na prática à educação pública,em gritante conflito com os discursos eleitoreiros, como o meiomais confiável para vencermos nossas crescentes desigualdades,a corrupção e a violência, caracteriza fenômeno merecedor dediagnóstico no campo da psiquiatria social, uma vez que insistimosna perseguição de resultados diferenciados a partir das mesmascausas, atitude característica dos portadores de doenças mentais.

Todas as pessoas esclarecidas sabem, no Brasil e no mundo,que nesta quadra da história em que vivemos, o conhecimento é,acima da força e das riquezas materiais, a principal fonte de poder,dos indivíduos e dos povos, como nos ensinam países como oJapão, a Coréia do Sul e todos os países europeus. As exceçõessão Estados Unidos e Noruega que têm feito uso inteligente desuas riquezas naturais, particularmente o petróleo, ao aplicaremos recursos delas originados no desenvolvimento de sua infra-estrutura física e educacional, entendida a educação como oamálgama de conhecimento e valores éticos e morais.

Ao partilhar com moderado entusiasmo das prometidasriquezas do pré-sal, atento para a experiência histórica que adverteque as riquezas naturais podem ser uma maldição, a exemplo dospaíses do Oriente Médio e da vizinha Venezuela que nada,absolutamente nada, conseguem produzir, além do óleo que jorrado sub-solo. Exauridas as reservas ou condenado o petróleo àobsolescência, o que restará desses povos infelizes será umamultidão errante e esfomeada a clamar por abrigo e esmolasinternacionais.

Atuar na contramão desta verdade universal constitui, sim,caso que reclama ajuda da psiquiatria social.

Senhoras e senhores,Menos de dois lustros separam esta augusta Casa do seu

centenário. “Servir à Pátria, honrando as letras”, este o nosso

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comando supremo. Penso que serviremos com vigor redobradoa esses dois elevados valores, se fizermos da educação o objetivomaior de nossa ação coletiva. Até porque o processo educacionalexige atenção permanente, o que significa dizer que sua boacondução depende da compreensão e da sensibilidade de cadaum dos sucessivos e passageiros governos. A Academia de Letrasda Bahia é uma instituição comprometida com a perenidade. Adocemente ilusória imortalidade dos seus membros será alcançadana medida do significado de suas obras para a construção sólidado presente e do futuro. E nada há que possa competir com ocompromisso com a educação como meio para alcança-la. Aíentão, a Academia poderia passar a incluir, como prática, na lápidetumular de cada um dos seus saudosos membros, a iniciar-se pelade Pedro Moacir Maia, que dedicou toda a sua vida a educação, oimortal verso de Horácio” “Exegi monumentum aere perenius”.“Eu construí um monumento mais duradouro do que o bronze”.

Discurso do acadêmico Joaci Góes, proferida na Academia de Letras da Bahia,no dia 24 de setembro de 2009, ao tomar posse na cadeira nº 7.

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Roteiro encantadoda cidade do Salvador

Florisvaldo Mattos

Recebo com orgulho e extremamente honrado o Título deCidadão da Cidade do Salvador, que me concede nesta solenidadea Câmara Municipal, nos termos da Resolução nº 1.914/09, comque a ilustre vereadora Vânia Galvão entendeu coroar a minhacondição de habitante deste venerável lugar. A ela com estaspalavras iniciais manifesto minha profunda gratidão, extensiva atodos os seus pares que acataram este benévolo gesto.

A lei do eterno retorno, de inspiração estóica, mas tão bemacolhida, reformada e consagrada por Nietzsche, pressupõe quetudo no universo se reduz a um ciclo de repetições. Enredadosnos labirintos de um niilismo cíclico, estaríamos todos eternamentecondenados a repetir exatamente o que eternamente estamoscondenados a repetir.

Diz Nietzsche, no aforismo 341 de seu Zaratustra: “Esta vida,tal como tu a vives agora e tal como a viveste, terás que vivê-laainda uma vez mais e um número infinito de vezes; nada de novohaverá nela, senão que cada dor e cada prazer, cada pensamentoe cada gemido, e todo o infinitamente pequeno e grande de tuavida terá que retornar para ti, e tudo na mesma ordem e na mesmasucessão (...)”. Para o filósofo, o eterno relógio de areia daexistência não cessará de se inverter sempre.

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Perdoem-me este pedantismo, mas evoco tais palavras,porque, neste egrégio momento, se repete no meu coração umaimensidade, a mesma que a história pode registrar, mas a poesia,com seus misteriosos poderes, talvez inverter. Aludo a uma fraseque, num poema, transportei para a voz de um guerreirodefensor desta cidade, quando ocupada e humilhada pelosholandeses, e a este exortavam os salvos pelas armas que sequeimassem os barcos com os vencidos dentro. A tão ácidopleito se negava atender Dom Fradique de Toledo Osório, ovencedor espanhol, nesta mesma gloriosa praça onde se ergueesta veneranda Casa, matriz do poder legislativo no Brasil. Emresposta à demanda, vocativos versos no ano de 2000 calam osrudes clamores: “Não é celebração que dignifique/ o instante que medeiaimensidades,/ as duas, a do oceano que rompemos/ com graves riscos, dore sofrimentos,/ e a outra tão grande quanto mais completa/ que é a glóriade salvar esta cidade (...).

Valendo-me de faculdade que nos permitem os arcanos dapoesia, ousei inverter a lei do eterno retorno, pondo na fala deum guerreiro do século 17 o conteúdo de uma frase pronunciadapor J. J. Seabra, ao retornar de um dos exílios a que a dura regrapolítica baiana de então o forçara. Recebido com vivas porcorreligionários no porto de Salvador, segundo relatos confiáveis,a retórica de Seabra esculpiu a idéia de que aquele instante refletiaa apoteose de duas imensidades – a do mar que acabara deatravessar e a da glória que era para ele viver na cidade do Salvador.

Servi-me do mesmo recurso poético com que KonstantinosKaváfis, em um poema evocativo do célebre episódio dasTermópilas, beirando o inefável, adverte os 300 infelizes hoplitasali massacrados “que Efialtes finalmente há de surgir,/ e que os medasfinalmente passarão”. Ou outro poema em que este grego moderno,invocando os idos de março, assinala quão diverso teria sido odestino de Júlio César, se a caminho do Senado parasse e ouvisseo apressado Artemidoro com “as momentosas novas” daconspiração de que seria vítima logo mais. “(...) Lê sem mais demora,/

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são coisas capitais que te interessam muito”, adverte César a voz domodernismo restaurador de Kaváfis.

Em pleno século 20, poeta alerta os espartanos sobre aiminência da traição que os levaria à derrota ante os persas, e aCésar estar o seu filho Brutus logo ali ardiloso à espreita, adesmonstrarem ambas construções poéticas, imperativamente,como ensina o cubano Nicolás Guillén, que o passado passadonão passou. E, por isso, é possível repeti-lo, posto que, nestafantástica imensidade, que é Salvador, o passado, com sua forçahistórica, o presente, com as problemáticas que o injuriam, e ofuturo, com sua luminosa carga de esperanças, dialogam e secomungam.

São exercícios da imaginação que cometo nesta augustacerimônia, urdida pela generosidade da vereadora Vânia Galvão,que eu, em lance piegas, quase infantil, de minha inveteradaresistência a beneplácitos que se traduzam em prêmios e honrarias,surpreso, de logo, com sinceridade e sem falsa modéstia, lheconfessei não me sentir merecedor. Mas antes que se consumasseimperdoável gesto de deselegância, tive a iluminação de mecorrigir, para que se efetivasse, nesta noite, a nobreza e a dignidadeda entrega desta honrosa láurea. E aqui estou a viver esta minhaimensidade particular que é tornar-me um jamais sonhadoCidadão da Cidade do Salvador.

Os do interior, venhamos todos de abrasantes sertões lapeadosde caatingas e mandacarus ou de verdejantes terras prenhes dechuva e vasto úbere produtivo, travamos com esta vetusta cidadeum compromisso para o qual só vejo uma palavra capaz detraduzi-lo – amor.

Nasci na hoje Uruçuca, antiga vila de Água Preta do Mocambo,de que muito também me orgulho, na gloriosa e sofrida regiãocacaueira, embora a autoridade jurídica de um cartório me tenhatornado ilheense para toda a vida. A imensidade de Salvadorentrará na minha magra biografia por efeito de uma desigualdadecultural. Nos primeiros anos 50, a riqueza do cacau não permitia

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privilégios de curso preparatório de vestibular e universidade aseus filhos. E é assim que, por obra de um desequilíbrio regional,me vi certa noite desembarcando em Salvador, justamente numavertiginosa segunda-feira gorda de Carnaval, quando o trio-elétricoera novidade e já uma comoção, arrastando multidões pela PraçaCastro Alves e Rua Chile.

É ali que a imensidade de Salvador me acolhe, me envolve eme conquistará definitivamente. Aqui obtive diploma universitário,tornei-me jornalista profissional, constituí família, tive filhos etenho netos; aqui desempenhei cargos, públicos e privados,compus o corpo docente da Facom-UFBA; e hoje estou editor-chefe de A Tarde, que acaba de completar 97 anos de fundação ede liderança em jornalismo impresso. Escrevi e publiquei livrosde poesia e ensaio, capazes de despertar em muitos espíritos agenerosidade ou a afoiteza de me reconhecer poeta e escritor. Eé nesta condição que desejo referir-me a esta imensidade que,histórica, política e culturalmente, identifica-se pelo topônimo deSalvador.

Estou convencido de que, bem mais que políticos eadministradores ágeis e sábios, fizeram por esta imen-cidade muitosartistas – escritores, pintores, músicos e poetas. Os melhoresdiscursos, decretos e obras subsistiram através da pintura deCarybé, José Rescala, Diógenes Rebouças, Calasans Neto, SanteScaldaferri e Mestre Didi; da música de Caymmi, Batatinha,Waltinho Queiroz e Gerônimo; da escrita sensual ou transgressorade Jorge Amado, Vasconcelos Maia, João Ubaldo Ribeiro, GuidoGuerra, e também do canto entoado por um randioso rol depoetas. Se fosse olhá-la pelas lentes da antropologia, diria queSalvador, mais que um sítio urbano, um município, é uma naçãoou, talvez, uma coalizão multicultural.

Desde os primeiros vagidos que animaram a consciência dabrasilidade, a poesia fez desta cidade um de seus mais comoventestemas. De viola a tiracolo, frequentando bodegas e bordéis erefletindo os humores de seu tempo, o século 17 colonial,

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decantou-a Gregório de Mattos em clave bárbara de sátira esarcasmo, como que a despertar-lhe a consciência ou puni-la emsuas dessemelhanças. E, por isso, via ele “a cada canto um grandeconselheiro/ Que nos quer governar cabana e vinha/ Não sabem governarsua cozinha,/ E podem governar o mundo inteiro”; gente “que a vida dovizinho e da vizinha” (...) “Pesquisa, escuta e esquadrinha,/ Para levar àPraça, e ao Terreiro” (a praça, esta aqui mesmo defronte, e ali adianteo Terreiro de Jesus). Ou a célebre entrada do poema, que, noséculo 20, serviria de emblema à contracultura: “Triste Bahia! Ohquão dessemelhante/ Estás, e estou do nosso antigo estado!/ Pobre te vejo ati, tu a mi empenhado,/ Rico te vejo eu já, tu a mi abundante. // A titocou-te a máquina mercante,/ Que em tua larga barra tem entrado,/ Amim foi-me trocando, e tem trocado/ Tanto negócio, e tanto negociante.”

Deixo de lado as referências de Manoel Botelho de Oliveira eFrei Manuel de Santa Maria Itaparica, que, cantando maravilhasda Baía de Todos os Santos e suas ilhas, lantejoularam Salvadorde luminosidade e aromas, e salto para o século 19, quando atéum retraído frade romântico, Junqueira Freire, entre círios de altare visões de torres solitárias, ao sopro de serenas brisas salitradas,captava “a insaciável vista” e nela o “sussurro das travessas vagas”.Mas é o estro épico de Castro Alves que deixará seu rastro nascercanias heróicas, hoje nossos subúrbios ferroviários, ao cantar“a pugna imensa,/ que se travara nos cerros da Bahia”, onde o “Anjo damorte pálido cozia/ Uma vasta mortalha em Pirajá”, e sentir a voz da“Liberdade peregrina” elevar-se “clara e divina” , “subida napirâmide/ Formada pelos mortos de Cabrito”, no aceso de batalhas queiriam perenizar independência do Brasil.

Este roteiro sensível manda-me também evocar os sons deliras e atabaques modernistas, daqui e de fora, começando pelosacordes sensuais do alagoano Jorge de Lima, que em 1915, entãoestudante da veneranda Escola de Medicina do Terreiro, já cantavaesta soteramadapólis, “a Bahia do Salvador”, para ele “tão cheia dealtos e baixos”, mas “Bahia, gostosa dos dendês, jilós, acaçás e pimentas-de-cheiro”, desconhecida dos turistas de mau gosto, que não iam “além

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de tua Rua Chile asfaltada, de tuas avenidas que o Seabra alargou”; umaBahia de professores retóricos e médicos literatos, injetando nojovem de 17 anos “a ampola de água suja de doutrinas sem fé”, mastambém “Bahia de ruas santas”, de “fortes bem-aventurados”,do “acarajé de feijão branco, dos aberéns de milho e dos carurus de quiabos”;da feira de Água de Meninos, dos “campeões negros de regatas, e depoisdisso tudo, o Bonfim”.

Jorge de Lima parece ter encontrado a chave, pois éjustamente o espírito reformista de Seabra, a se espalhar porum novo espaço urbano, que irá bifurcar o canto da cidade, sejacom poetas a celebrarem sua totalidade plástica, centrados naexuberante paisagem, seja com os que penetrarão em seusrecantos, fazendo emergir bairros, ruas, praças, monumentos,sancionando comportamentos, consagrando costumes. O poetaagora é deveras um habitante, e os olhos da poesia, seguindofirmemente a rota das mudanças, miram horizontes que levamà padronização e burocratização dos ambientes. Agoradescobrem pontos de confraternização, bares e cafésmovimentados; o luxo dos clubes e dos cabarés, portas e fundosde livraria. Bafejados pela luz elétrica, parece mesmo que ossobrados e as igrejas sobem nos montes e agora os espiam decima através das janelas acesas. A velha a urbe semelha expressartoda a originalidade do mundo.

Este mover-se entre o sagrado e o profano, de flerte com osensual e o virtuoso, vai perdurar no olhar sociológico deGilberto Freyre, hóspede de Salvador em 1944, num poemainfartado de cor local, a radiografar férvido e dengoso cenáriourbano, quando proclama: “Bahia de cores quentes, carnes/ morenas,gostos picantes/ eu detesto teus oradores. Bahia/ de Todos os Santos/teus ruibarbosas, teus/ otavios mangabeiras/ mas gosto de tuas iaiás,tuas/ mulatas, teus angus/ tabuleiros, flor de papel,/ candeeirinhos/ tudoà sombra de tuas igrejas/ todas cheias de anjinhos/ bochechudos/ sãojoõessãojosés meninozinhos/ deus/ e com senhoras gordas se/ confessando afrades mais magros/ do que eu”.

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A lira bissexta do pernambucano arremata seus acordesmodernistas com a sincera promessa de um dia voltar a vagarpelo “seio moreno brasileiro” da cidade, pelos “tabuleiros escancarados/em x (esse x é o futuro do Brasil)”, a casas e sobrados “cheirando aincenso comida alfazema e cacau”.

Talvez repercutindo as andanças de Marinetti pela CidadeBaixa, o feirense Eurico Alves enxerga a velha urbe com lentesde utopia futurista; vislumbra “gestos orgulhosos em ânsia de mãosmetálicas e, pela escalada da altura, a dança alucinada de fumo, no ar,sobrea larga/ paisagem cúbica dos arranha-céus”, “gritos petrificados de torresaltas”, muito altas, com “alucinações humanas borborinhando nas avenidaslongas” para enfim revelar-se “a pulsação mágica das fábricas/ cantando;e a gritaria ensurdecedora de lanchas e transatlânticos no porto,/ gindastesrilhando, arquejando./ Buzinas, apitos, sirenas, guinchos./ E o céu cinzentode massas enormes de cimento armado. // Bahia! // E, à noite, o caminhode Sant´Iago/ dos reclamos, titulos e dísticos luminosos”. Pode pareceralucinação futurista, mas não para quem numa Bahia de 1930escrevia em versos convictos: “Ao som nervoso das sirenes orgulhosas,/eu vou pelas usinas, pelas fábricas, pelos bas-fonds e oficinas. (...) “O meucanto é o canto das usinas, dos operários macerados que verei passar/empurrados e mordidos ela fome de crianças que os esperam chorando”...

Mais adiante, dois outros modernos irão cobrir a cidade comuma pátina de boemia. Godofredo Filho, outro feirense, um íconena defesa do patrimônio histórico-cultural, detém-se na Ladeirade Misericórdia, que para ele “é ladeira sem princípio/ ou por princípiosem fim”, mas “é ladeira da Bahia,/ cruel ladeira perdida, que por boca daironia/ se diz da Misericórdia”. Inverossímel ladeira, também “oíngreme caminho/ por onde outrora subiram,/ coléricos e espantados,/ tantosnegros sofredores,/ sob o relho dos feitores” (...). Ladeira de vozes perdidas,de histórias e, por isso, também até de sombrios ardores renovadosna memória: “Ah, quantos sábados tristes/ do amor estival das tardes/não rolei nas pedras lisas/ de teu ardente convite,/ buscando Lalu dormindo,/afagando Durvalina,/ ou, na carne incandescida,/ sentindo a pua dos ossos/do prenúncio do esqueleto/ de Eva Maria Fernandes”.

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No mesmo timbre hedonista, de sensorialidade explícita, oconquistense Camillo de Jesus Lima cifra num soneto o dia-a-dia do porto, onde “dormem os barcos, como que sonhando”, paraexaltar a cidade-musa, “cheia de ladeiras como a vida”, como tambéminvocar delícias do paladar: “Ah! Meu sarapatel das Sete Portas!/Negras velhas mercando, num lamento/ Triste e guiado, pelas horasmortas”.

Atingiria o infinito, se prosseguisse na listagem dos quelançaram aos quatro pontos cardeais desta imensidade urbanaversos pungentes de denso lirismo, os da minha geração, ou osde antes e depois. Dos de antes, ainda com moldura parnasiana,ao sul, Bráulio de Abreu saúda o planger do sino da Penha, queacorda fiéis para a missa das sete, enquanto uma fábrica apita e acerração é forte e, “longe, os barcos estão no Porto dos Tainheiros”. Dosmeus, dos que comigo vibraram nos símbolos tipográficos darevista Mapa, Fernando da Rocha Peres, ferrenho vigilante deincolumidades barrocas, descortina “esta cidade ao mar deitada”, areceber “a maresia como dádiva/ de um sal que é seu”; “ esta cidade iguala nenhuma/ lugar como não existe/ no mapa é só na imaginação/ nos becosdo meu delírio”.

Voltados para o norte, líricos em dicção também modernista,navegam Myriam Fraga e Ruy Espinheira Filho. Ela avistando“Na ponta do Padrão/ Dois olhos cegos/ De desespero acendem/ Todo omar”, “ou fálica escultura”, que embebeda a cidade de azul, com“ouro duro de escama”; enquanto dele, em tempos de trevadiscricionária, os olhos testemunham “a invisibilidade das ondinas/a lenta morte dos arrecifes/ e os canhões de Amaralina”; mas, para opoeta, “parece a vida estar completa/ na paz que o azul ensina” e “a brisailude a vigilância/ dos canhões de Amaralina”. E, se também fosseevocar os crepúsculos, aí então se instalaria em sua plenitude oinfinito, na voz de um Jair Gramacho postado nos altos do RioVermelho, a mirar rebanhos de nuvens e a indagar perplexo: “Quefaço aqui sozinho neste monte/ À beira deste abismo ensanguentado?”; e“como num passe/ a noite irmã do sono mostra a face”.

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Não poderia encerrar esta fala sem referir a outra imensidadeque me liga a Salvador, pois foi aqui perto, na rua Virgílio Damásio,nº 3, que, compondo a equipe de repórteres estreante de umnovo jornal, já com o diploma de bacharel em direito na mão, háprecisos cinquenta e um anos, agarrou-me a fatalidade de serjornalista para toda a vida, condição a que permaneço agradecido,sincero e fiel.

Aproveito a ocasião para uma profissão de fé. Proclamofirmemente a crença de que os jornais diários impressos nãodesaparecerão, mesmo diante da avassaladora concorrência dosmeios eletrônicos, os antigos (reformulados) e os novos em suamarcha de fascínios. Assim como foram capazes de enfrentar evencer sucessiva concorrência do rádio e da televisão, estou certode que eles subsistirão. Para tanto, como ensina a história,estratégias e novas atitudes se impõem, de acordo com asexigências de mercado. É a consciência de que se tomou nestadécada “A Tarde”, um jornal que nos seus 97 anos não para de serenovar, de cogitar e adotar opções editoriais e gráficas quevitalizem e acelerem a sua relação e identificação com o leitor.Não para ser refém de suas veleidades e caprichos, mas paraacompanhar as suas demandas e, pela informação responsável etecnicamente aprimorada, indicar-lhe os caminhos por onde possasuperar seus dramas e carências.

Provam-no diuturnamente as árduas reuniões de suas equipesintegradas de profissionais,em trabalhos de planejamento,programação e avaliação, para levar aos leitores a informação dequalidade, atual, atraente e veraz, identificada com seus anseios,suas preocupações, o seu dia-a-dia.

Se obrigatoriamente voltado para o Mundo e o País, em defesada democracia, dos direitos humanos e da paz entre os povos, atravésda notícia confiável, da opinião oportuna e sensata, contrário aosensacionalismo duvidoso e, como disse certa feita aqui nestemesmo recinto o saudoso jornalista Jorge Calmon, “cioso da honrae dignidade alheias, mais amigo dos fracos que dos poderosos, fiel,

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sinceramente fiel, ao interesse público”, A Tarde muito intensamentese mostra um jornal empenhado na defesa e promoção dodesenvolvimento da Bahia, e notadamente desta sua capital, de suapluralidade sóciocultural, como um diário digno de suacontemporaneidade.

Sou de um tempo de repórteres de paletó e gravata pela cidade,no contato com as fontes, em que a ética do jornalista seemparelhava com a do cidadão, infensa a modismos e estrelismos,mas, recordando a interrogação de um verso de Sá de Miranda –Ó cousas todas vãs, todas mudaves/ qual é o coração que em vós confia?” –, talvez pelos trinta e três anos de magistério, ministrando teoria eprática de jornalismo, me tenha acostumado, e disto fiz um modopessoal e calmo de ser, a acompanhar a marcha de tempos incertose eletrizantes, em cenários do que hoje foi ontem e será amanhã.

Finalmente, encerro, parafraseando um pensamento de MinoCarta, acerca de outro grande jornalista, Cláudio Abramo, quepara mim define a essência do jornalismo: opera nas esquinas doefêmero, sem perder de vista a perspectiva do perene.

Discurso pronunciado em sessão solene, em 22/10/2009, por ocasião daconcessão do Título de Cidadão do Salvador pela Câmara Municipal.

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DepoimentoSobre Pedro Moacir Maia

Celeste Aída Galeão

Quero dar um curto depoimento de alguém que conviveuintimamente com Pedro Moacir Maia por vinte e cinco anos.

Nesse tempo a seu lado pude testemunhar seu prazer na buscado conhecimento, seu extremo amor aos livros, sua dignidade,sua honestidade moral e intelectual, sua integridade, ao lado desua finíssima sensibilidade estética. Tais qualidades, ele asconservou mesmo quando já ciente de que morreria em breve,vítima do câncer que o corroía, a ponto de o cirurgiãooncologista frisar que muito admirava seu comportamento tãodigno.

Aliando essa dignidade a seus conhecimentos literários e aseu senso estético, Pedro lia para si e, enriquecendo sua fruiçãotambém para mim, nos seus últimos dias de vida, o poema“Sonho póstumo”, de Vicente de Carvalho, cujo eu-lírico queriamorrer num belo dia de sol e dizia-me que Bilac, que sabemosser outro parnasiano, esperava ao contrário morrer num diaturvo e sombrio. Peço licença para ler aqui as duas estrofesiniciais da primeira parte de “Sonho póstumo” e as duas finais,ou seja, a sexta parte:

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I

Poupem-me, quando morto, a sepultura: odeioA cova, escura e fria.Ah! deixem-me acabar alegremente, em meioDa luz, em pleno dia.

o meu último sono eu quero assim dormi-lo:– Num largo descampado,Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo.E a primavera ao lado.

VI

O derradeiro sono, eu quero assim dormi-lo:Num largo descampado,Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquiloE a primavera ao lado.

Amortalhe-me a noute estrelada; arda o diaDepois, claro e risonho;E seja a dispersão na luz e na alegriaO meu último sonho.

Pedro lia-me também naqueles dias um soneto de MartinsFontes, da coletânea Guanabara, cujo eu-lírico desejava queimar-se no braseiro de uma tarde de verão. Assim diz esse poema deMartins Fontes:

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Meu coração em oferenda ao sol

Sol, sacrificador, cremante amigo,Incendeia, incinera-me, sem dó!Em meu último adeus, eu te bendigo,beijo-te a luz, ao reduzir-me a pó!

Livre das impurezas do jazigo,Lázaro não serei, nem serei Jó.Comigo fica, ou leva-me contigo.Até na morte não me deixes só.

Candentissimamente brasileiro,chamejando a ofertar-te o coração,ouro quero tornar-me em teu braseiro!

Faze que eu reproduza a combustãode uma tarde no Rio de Janeiro,de um ocaso escarlate no verão!

Era Pedro preparando-se para a morte como outrorapreparava-se para os concertos, as peças teatrais, os filmes a queiria assistir ou as exposições de arte que iria visitar. Mas ele nãome disse como queria que fosse o dia em que se findaria,provavelmente para não me fazer ainda mais doer a alma.

Pedro orgulhava-se de possuir os muitos volumes da coleçãocompleta das revistas L’Oe il e Master drawings e de ser membroassociado do Metropolitan Museum of Art, do College ArtAssociation e de outras instituições de renome internacional. DoMetropolitan ele encomendava todo fim-de-ano cartões de Natale calendários e contava que, cada uma das muitas vezes que visitarao museu, adquirira objetos com os quais presenteava amigos eamigas, além daqueles que guardava para si, para deleite próprio.

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Recebia regularmente os catálogos da Scholar's Bookshelf(literatura e história) e escolhia com cuidado os livros que iriaencomendar. Era emocionante vê-lo abrir as caixas cheias doslivros que chegavam e, a cada um que pegava, tecer comentáriosque demonstravam sua erudição. Depois desse ritual, ele sentava-se para folhear e ler de início diagonalmente um a um, inebriando-se com as ilustrações, segunda fase do contato com as “oferendas”que selecionava para leitura cuidadosa e aprofundada posterior.

Seu gosto apurado tinha prazer na champagne, no bom vinho,no lagostim, na lagosta e no camarão, que desfrutávamosreligiosamente todo domingo. Dentre nossas viagens à Europapodemos destacar duas que o fizeram orgulhoso de mim: umaaos arquivos de Erich Fried, de quem eu traduzira alguns poemase sobre o qual escrevera um artigo e a outra, de novo a Viena,para o lançamento do livro de Aloïs Hergott, edição bilíngue emalemão e em tradução minha para o português. E como era grandeo interesse de Pedro pelo meu trabalho!

Pedro o companheiro, Pedro o amigo, Pedro o professor.Tomou a si a paternidade da obra de seu queridíssimo irmão

Vasconcelos Maia e todos aqueles que o foram procurar pedindo-lhe informações e aconselhamentos sobre essa obra encontraramnele o informante capaz, responsável, generoso e incansável aseu respeito. Principalmente a respeito de Vasconcelos Maia, masnão só sobre ele; sobre qualquer um que Pedro conhecesse bem.E eram muitos.

Certa vez em que Pedro fez aqui mesmo nesta sala da Academiauma conferência sobre Debret, mostrando lindas aquarelas epinturas, o já falecido acadêmico, professor Helio Simões, disse denosso Pedro numa entonação entusiástica: “tem gosto para tudo!”.

É assim que, tomada pela mesma admiração, se manifesta emmim de repente uma saudade infindável, de repente um orgulhoimenso de sua pessoa.

Discurso proferido na Sessão da Saudade dedicada a Pedro Moacir Maia, naAcademia de Letras da Bahia, em 2009.

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Diversos

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INSTITUIÇÃO DE PRÊMIOS E DISTINÇÕES

RESOLUÇÃO N° 01/2010

ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA

Cria prêmios e distinções

O presidente da Academia de Letras da Bahia, no uso de suasatribuições e com fundamento no Art.71 do seu Regimento,institui os seguintes prêmios e distinções.

Considerando que, além de outros meios que possa adotaroportunamente, para preenchimento dos seus fins, propõe-se aAcademia a promover a concessão de prêmios, ou concedê-los,para composições literárias, bem assim, a outorga de distinções.

Considerando que é muito próprio à vida acadêmica o estímulode premiação como forma de apoio à criação literária e artística.

Art.1º Fica criada a Medalha Arlindo Fragoso, distinção máximaa ser concedida por este Sodalício em homenagem ao seufundador.

Art.2° Fica, igualmente, instituídos o Diploma de Honra ao Mérito aser outorgado a confrade ou a terceiro em reconhecimento àexcepcionalidade da qualidade do trabalho prestado à Academiaou ao desenvolvimento cultural da Bahia, e o Diploma de Amigoda Academia de Letras da Bahia a ser concedido a pessoa física oujurídica que tenha prestado relevantes serviços ao funcionamentoda Academia.

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Art.3º Anualmente e em conformidade com o parecer da comissãoadrede nomeada para esse específico fim, a Academia,reconhecendo e distinguindo o mérito do escritor, devidamenteavaliado pelas produções publicadas ao longo de sua vida,outorgará o Prêmio pelo Conjunto da Obra, referente ao ano, no valorde R$5.000,00 (cinco mil reais), com o devido apoio financeiro einstitucional da empresa Eletrogóes.

Art.4° Continuam mantidos os demais prêmios em vigor e emfuturo próximo a Academia instituirá premiações por categoriasliterárias, especificadamente, literatura infantil, ficção, tradução,teatro, memória, ensaio, viagem e outros.

Art.5º Revogam-se as disposições em contrário.

Salvador, Bahia, 02 de setembro de 2010.

Edivaldo M. Boaventura

Acadêmico de número, benfeitor e Presidente

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ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA

RESOLUÇÃO Nº 1 / 2009DE 1º DE DEZEMBRO DE 2009

Institui a MEDALHA ARLINDO FRAGOSO FUNDADORDA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA.

O Presidente da Academia de Letras da Bahia, no uso de suasatribuições/legais,

RESOLVE:

Art. 1º - Fica instituída a MEDALHA ARLINDO FRAGOSOFUNDADOR DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, coma finalidade de galardoar pessoas físicas e jurídicas, nacionais ouestrangeira, que, por seus méritos hajam prestados relevantesserviços as letras nacionais ou a esta Academia.

Art. 2º - A Medalha instituída por esta Resolução terá ascaracterísticas e especificações de formato indicadas em Ato únicoda Diretoria da Academia.

Art. 3º - A concessão da condecoração será precedida de indicaçãofeita à Diretoria acompanhada de justificativa, que deliberará pormaioria de votos.

Art. 4º - A entrega da Medalha dar-se-á, solenemente, aosagraciados ou aos seus representantes.

MEDALHA ARLINDO FRAGOSO

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- Parágrafo Único: A Medalha poderá ser, também,concedidaPost mortem, sendo a entrega feita aos familiares ourepresentantes do homenageado.

Art. 5º - Ao Presidente da Academia caberá diligenciar os demaisatos que se fizerem necessários ao cumprimento desta Resolução.

Art. 6º - Esta Resolução entrará em vigor na data da suapublicação, revogadas as disposições em contrário.

Salvador, 1º de dezembro de 2009.

Edivaldo M. BoaventuraPresidente da Academia de Letras da Bahia

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DESCRIÇÃO DA MEDALHA ARLINDO FRAGOSOFundador da Academia de Letras da Bahia

DESCRIÇÃO DA MEDALHA

I – 1. INSÍGNIA

Elíptica, de prata dourada, com 56 mm de altura, 46 mm de largurae, pendente de fita disposta em colar.

I – 2. Anverso: no centro, a efígie em perfil, do Professor ArlindoFragoso. Em volta, bordadura duplamente perfilada, contendo otítulo ‘‘ARLINDO FRAGOSO - FUNDADOR DAACADEMIA’’, pontuado por uma estrela colocada no centroDa curva superior da bordadura. As letras serão romanas emaiúsculas.

REVERSO ANVERSO

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I – 3. Reverso: no reverso, três tochas acesas e cruzadas,sobrepostas, em curva, a dois ramos de oliveira, folhados, frutadose, laçados em ponta. Em volta, bordadura duplamente perfilada,contendo as inscrições: ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIAe, separada por dois pontos, a data ‘‘7 - III – 1917’’ colocada noCentro inferior da bordadura.

II – PASSADEIRA

Para segurar a Insígnia, é composta ao alto, de garra, argola epresilha, permitindo a passagem da Fita.

III – FITA

De gorgorão grosso ou seda chamalotada, escarlate, com largurade 40 mm.

IV – ROSETA DE LAPELA

Integrará esta Condecoração, uma Roseta de lapela, com 10mmde diâmetro, recoberta com o tecido da Fita, em sua cor.

Salvador, 23 de novembro de 2009.

Victor Hugo Carneiro Lopes.

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INFORMAÇÔES: MEDALHA ARLINDO FRAGOSOFundador da Academia de Letras da Bahia

(INFORMAÇOES FÍSICAS PARA SEREM REMETIDAS ÀEMPRESA CUNHADORA, ACOMPANHADAS DE UMACÓPIA DE RETRATO DO PROF. ARLINDO FRAGOSO)

FORMATO, DIMENSÕES E ACABAMENTO.

1. DA INSÍGNIA DA MEDALHA.

Elíptica, de prata dourada, com eixos de 56 mm X 46mm e espessura de 2 mm.

No Anverso: centro fosco, com figuras, letras e perfisdivisórios, em relevo polido; sob as letras, fundo fosco.

No reverso: centro fosco, com figuras em relevopolido; em volta, letras e perfis periféricos também emrelevo polido.

2. DA PASSADEIRA

Garra, argola, presilha, conforme desenho da Medalha.

3. DA FITA

De seda chamalotada ou gorgorão grosso, de cor escarlate,medindo 40 mm de largura.

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4. DA ROSETA DE LAPELA

Circular, com 10 mm de diâmetro, coberta com tecido daFita em sua cor.

5. DO ESTOJO

Estojo ‘‘comendador’’, forrado internamente com veludoazul e, externamente com percalina azul.

OBSERVAÇÃO:

Todas as partes metálicas serão inteiramente douradas, mediantea banho eletrolítico.

Salvador, 23 de novembro de 2009.

Victor Hugo Carneiro Lopes

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Efemérides2008

Março

13 – Sessão especial de abertura do ano acadêmico: a) entregado Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia/Braskem/Poesia 2007; b) Lançamento do novo Prêmio/Conto 2008; c)Lançamento do livro Floração de Imaginário: o romance baianono século 20 do escritor Jorge de Souza Araújo, vencedor doPrêmio/Ensaio 2006; entrega do título de Membro Benfeitor doacadêmico, Professor Doutor Cláudio de Andrade Veiga.

13 – Reunião da Diretoria

28 – Centenário do Governador e acadêmico Luiz Viana Fi-lho, sessão solene na Reitoria da UFBA.

Abril

09 – Reunião da Diretoria

10 – Sessão solene para a posse da Professora Doutora YedaAntonita Pessoa de Castro na cadeira nº11, de que foi últimoocupante o professor Oldegar Franco Vieira, sendo saudada pelaacadêmica Consuelo Pondé de Sena.

11 – Visita dos alunos da 8ª série do Colégio Adventista deSalvador. Na oportunidade o acadêmico Carlos Ribeiro proferiuuma palestra sobre a crônica.

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16 – Lançamento do livro Micropoderes e macroviolências,da jornalista Suzana Varjão.

17 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicosConsuelo Pondé de Sena, Cláudio Veiga, João Eurico Matta,Aleilton Fonseca e convidados. Palestra do Padre Gilson Magno:A cultura latina na contemporaneidade.

Maio

08 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmico WaldirFreitas Oliveira, Cláudio Veiga, Aramis Ribeiro Costa, EdivaldoM. Boaventura, João Eurico Matta. Palestra do acadêmico Wal-dir Freitas Oliveira: A ilha de Robinson Crusoé.

13 – Seminário sobre a vinda de D. João VI para o Brasil/IGHB/ALB.

29 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos RubemNogueira, Roberto Santos, Aramis Ribeiro Costa, ConsueloSampaio, Cláudio Veiga, Waldir Freitas Oliveira, Luis HenriqueDias Tavares, Consuelo Pondé de Sena, João Eurico Matta,Myriam Fraga, Evelina Hoisel, Cid Teixeira. Palestra da acadêmi-ca Consuelo Pondé de Sena: Dom João VI, a cultura e a Bahia.

Junho

04 a 06 – Poesia e Memória: Seminário Myriam Fraga: Prof.Dr. Edivaldo Boaventura (ALB) e Profª. Drª. Evelina Hoisel, co-ordenadora do Seminário. (ALB/UFBA): Abertura; Prof. Dr.Boris Schnaiderman (USP): Uma leitura da poesia de MyriamFraga; Mesa-redonda: Mútiplos olhares sobre as paisagens líri-cas: Profª. Drª. Angélica Soares (UFRJ): Vias e desvios da viagemerótica-amorosa na poesia de Myriam Fraga: Uma leitura eco-feminista; Profª. Drª. Cleise Mendes (UFBA): Sensibilidade

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histriônica e imagem poética em Myriam Fraga; Profª. Drª. CássiaLopes (UFBA): A trouxa de sonhos de Myriam Fraga; Mesa-re-donda poesia, mito e memória - professores Jerusa Pires Ferreira(PUC/SP) - O livro dos Adynata; Evelina Hoisel (UFBA/ALB) -A memória nas paisagens líricas; Antonia Torreão Herrera (UFBA)– Um olhar lírico sobre o mito; coordenadora: Profª Drª. NancyRita Ferreira Vieira - (UFBA). Depoimentos de escritores:Fernando da Rocha Peres (ALB). Florisvaldo Mattos (ALB); Co-ordenador: Aleilton Fonseca (ALB). Depoimentos de escritores:José Carlos Capinan (ALB): Claudius Portugal; coordenador: Ruyespinheira Filho (ALB); conferência da Profª. Drª. Helena Paren-te Cunha (UFRJ): A polifonia poética de Myriam Fraga nadissonância pós-moderna. Coordenador Prof. Dr. Francisco Lima(UEFS); lançamento do livro Poesia reunida, de Myriam Fraga.

12 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos EdivaldoBoaventura, Waldir Freitas Oliveira, Rubem Nogueira, ConsueloPondé de Sena, Cláudio Veiga, Myriam Fraga, João Eurico Matta.Palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira: Relendo RobinsonCrusoé.

18 – Sessão especial para comemoração ao centenário de nas-cimento do poeta e acadêmico José Luiz de Carvalho Filho (1908-2008), sendo orador o confrade João Eurico Matta.

Julho

10 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicosEdivaldo M. Boaventura, Evelina Hoisel, Geraldo Machado,Consuelo Pondé de Sena, Cláudio Veiga, Roberto Santos, WaldirFreitas Oliveira, Aramis Ribeiro Costa, Paulo Ormindo, ConsueloSampaio, Aleilton Fonseca, Carlos Ribeiro, Myriam Fraga, JoãoEurico Matta. Discussão e votação da proposta de reforma doEstatuto e do Regimento.

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25 – Sessão especial para apresentação da Camerata Castro Alves.

28 a 31 – Curso de Línguas e culturas Africanas. Coordenado-ra: Yeda Pessoa de Castro. Promoção ALB e UNEB.

31 – Lançamento do livro Música na rua e outros poemas, doProf. Samuel Leandro Oliveira de Mattos (Editus 2008).

Agosto

1º – Curso de Línguas Africanas ministrado pela acadêmicaYeda Pessoa de Castro (ALB/UNEB).

07 – Lançamento do livro Amores partidos de Antonio Linsem homenagem à memória do acadêmico Wilson Lins.

14 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicosAramis Ribeiro Costa, Cláudio Veiga, Edivaldo M. Boaventura,Paulo Ormindo, Hélio Pólvora, Consuelo Sampaio, João EuricoMatta, Myriam Fraga. Discussão e aprovação do projeto de re-forma do Regimento, nos termos dos artigos 80 e 81 do Regi-mento aprovado em 04 de agosto de 1988.

21 – Sessão solene para a posse do jornalista Samuel Celestinoda Silva Filho na cadeira nº23 de que foi último ocupante o aca-dêmico Jorge Calmon, sendo saudado pelo confrade EdivaldoM. Boaventura.

27 – Sessão especial para a Conferência Afrânio Peixoto omédico, escritor e o homem público. Palestras: Afrânio Peixoto:Mestre da arte de escrever: Profª. Drª. Dalila Machado; AfrânioPeixoto e a Psiquiatria Brasileira: Prof. Dr. Augusto C. Concei-ção; Afrânio Peixoto e a Medicina Legal: Prof. Dr. EduardoSaback; A Dimensão Pública de Afrânio Peixoto: Prof. Dr.

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Lamartine de Andrade Lima. Lançamento do livro Paranóia, deAfrânio Peixoto, edição fac-similar.

Setembro

04 – Homenagem póstuma ao acadêmico Pedro Moacir Maia,cad. nº07; sendo orador o acadêmico Fernando da Rocha Peres.Lançamento do livro Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seustradutores argentinos: Bejamin de Garay e Raul Navarro.

11 – Homenagem póstuma à acadêmica Zélia Gattai Amado(1916-2008), cad. nº21; sendo oradora a confreira Myriam Fraga.

23 – Visita dos alunos do curso de arquivologia/UFBA, acom-panhados da Profª. Zeny Duarte.

24 a 26 - Curso Castro Alves/2008 - III Colóquio de Literatu-ra Baiana. Sessões de comunicações de Literatura Baiana 1, 2 e 3e a conferência do poeta e ensaísta Alexei Bueno: O caráter dra-mático e a coreografia da poesia de Castro Alves; sessões de co-municação de Literatura Baiana 4, 5 e 6; Prof. Artur Bispo dos S.Neto (UFAL): As imagens oníricas da violência no poema O na-vio negreiro de Castro Alves; Prof. Adeítalo Manoel Pinho(UEFS): Castro Alves como esteio do Sistema Literário Baiano;Sessões de comunicações de Literatura baiana 7, 8 e 9; Dr.Edivaldo M. Boaventura (ALB): Leitores de Castro Alves: depo-imentos, leituras e comentários de poemas; juntamente com osprofessores: Consuelo Pondé de Sena (ALB), João Eurico Matta(ALB); Lançamento O olhar de Castro Alves - ensaios críticos deliteratura baiana de Aleilton Fonseca (organizador).

25 – Visita do Ministro do Tribunal de Contas da União eimortal da ABL, Dr. Marcos Vinícios Vilaça, à ALB, sendo rece-bido pelo Presidente Dr. Edivaldo M. Boaventura.

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Outubro

02 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos EdivaldoM. Boaventura, Aleilton Fonseca, Consuelo Sampaio, Fernandoda Rocha Peres, Luis Henrique Dias Tavares, Cláudio Veiga,Consuelo Pondé de Sena, Aramis Ribeiro Costa, João EuricoMatta, Paulo Ormindo, Carlos Ribeiro. Palestra do acadêmicoWaldir Freitas Oliveira: Idealizando os mares do Sul.

09 – Inauguração da galeria em homenagem aos seus Presi-dentes: Ernesto Carneiro Ribeiro, Gonçalo Moniz, Braz doAmaral, José Joaquim Seabra, Carlos Ribeiro, João Garcez Fróes,Pinto de Carvalho, Aloysio de carvalho Filho, Thales de Azeve-do, José Calasans, Mons. Manoel de Aquino Barbosa, Estáciode Lima, Jorge Calmon, Hélio Simões, Cláudio Veiga e EdivaldoM. Boaventura, sendo oradora a acadêmica Consuelo Pondé deSena.

16 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicosGeraldo Machado, Consuelo Sampaio, Luis Henrique DiasTavares, Aramis Ribeiro Costa, Waldir Freitas Oliveira,Consuelo Pondé de Sena, Yeda Pessoa de Castro, Edivaldo M.Boaventura, Cláudio Veiga, Evelina Hoisel, Samuel Celestino,Florisvaldo Mattos, Fernando da Rocha Peres, ArmandoAvena, Myriam Fraga, Anna Amélia Vieira Nascimento, JoãoEurico Matta. Indicação de candidatos à vaga do acadêmicoAntônio Carlos Magalhães.

30 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos EdivaldoM. Boaventura, Cláudio Veiga, Consuelo Pondé de Sena, AramisRibeiro Costa João Eurico Matta. Palestra da escritora e jornalis-ta-brasilianista italiana Antonella Rita Roscilli: A vida da lembrança:Zélia Gattai Amado.

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Novembro

06 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicosEdivaldo M. Boaventura, Cláudio Veiga, Consuelo Pondé de Sena,Evelina Hoisel, João Eurico Matta, Ubiratan Castro. Palestra dopoeta José Carlos Limeira: Literatura de expressão negra.

13 – Reunião da Diretoria

18 – Seminário Machado de Assis e Guimarães Rosa: diálogoe aproximações. Profº. Marli Fantini (UFMG/CNPq): Testemu-nho poético em grande sertão: veredas, de Guimarães rosa;Reescritura de Machado de Assis depoimentos dos escritores:Rinaldo de Fernandes, Hélio Pólvora, Carlos Ribeiro, Suênio deCampos Lucena, Aleilton Fonseca; Hélio de Seixas Guimarães(USP): Machado de Assis e seus leitores: Quem lê quem; Lança-mento dos livros; Capitu mandou flores: conto para Machado deAssis nos cem anos de sua morte; (contos de Machado de Assis erecriações de vários autores); Rita no pomar romance de Rinaldode Fernandes. Coordenação: Mirella Márcia (UFBA) e AleiltonFonseca (UEFS/ALB).

20 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicosRubem Nogueira, Florisvaldo Mattos, Waldir Freitas Oliveira,Aramis Ribeiro Costa, Edivaldo M. Boaventura, Mons. GasparSadoc, Hélio Pólvora, Roberto Santos, Samuel Celestino, CidTeixeira, Consuelo Pondé de Sena, Consuelo Sampaio, LuisHenrique Dias Tavares, Cláudio Veiga, Francisco Senna, EvelinaHoisel, Anna Amélia Vieira Nascimento, Yeda Pessoa de Castro,Myriam Fraga, Fernando da Rocha Peres, João Eurico Matta,Geraldo Machado. Eleição para sucessão ao acadêmico AntonioCarlos Magalhães, cadeira nº37.

21 – Lançamento do livro Entre nós da poeta paraibana e Pro-fessora Universitária Regina Lyra.

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24 – Colóquio Internacional Vieira na Bahia: comemoraçãodo quarto centenário do padre Antonio Vieira. Profº. Dr. EdivaldoM. Boaventura; Minicurso: A retórica do sermão da sexagésima:a hermenêutica bíblica como fundamento da argumentação e daestilística - Prof. Murilo Cavalcante (UFAL); Antonio Vieira e asrelações de poder - Profª. Drª. Miguel Maria Corrêa Monteiro(Univ. de Lisboa); Lançamento da Revista Estudos Lingüísticos eLiterários (número dedicado ao estudo da obra do Padre Anto-nio Vieira); Minicurso - A retórica de Vieira e o cânone literário -Prof. Dr. José Nivaldo Farias (UFAL); Mesa redonda: Leitura deVieira. Vieira e Mattos: aproximações - Prof. Dr. Fernando daRocha Peres (UFBA/ALB); Vieira: quando o púlpito é clamor -Prof.ª Drª. Maria Teresa Abelha Alves (UFRJ/CNPq); Vieira noIV Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiro - Profª.Drª. Maria de Fátima Ribeiro (UFBA); Minicurso: A retórica sa-grada vieirense - Profª. Drª Ana Cláudia Aymoré; Mesa-redonda:Vieira na Bahia (grupo de Estudos Vieiranos) O perfil biográficode Antonio Vieira através dos sermões - Profª. Drª. Ana CláudiaAymoré (UFAL); Viera nos arquivos de Salvador - Profª. Drª.Célia Marques Telles (UFBA); A retórica de Vieira - Profº. Dr.José Nivaldo de faria (UFAL); Vieira e a Inquisição - Profª. Drª.Adma Fadul Muhana (USP); Encerramento.

Dezembro

04 – Lançamento do livro Travessias singulares: pais e filhos.Coletânea de contos com a participação dos acadêmicos Arman-do Avena, Aramis Ribeiro Costa, Carlos Ribeiro, Hélio Pólvora eAleilton Fonseca.

09 – Sessão comemorativa do cinquentenário de jornalismodo acadêmico João Carlos Teixeira Gomes, sendo orador oconfrade Samuel Celestino da Silva Filho.

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11 – Reunião da Assembleia Geral para eleição da Diretoriapara o biênio 2009/2010 e confraternização de Natal.

18 – Sessão especial para o recebimento da doação da RevistaSeiva pelo Dr. João Falcão e lançamento do livro A história daRevista Seiva: a primeira revista comunista do Brasil.

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Efemérides2009

Março

05 – Reunião da Diretoria

19 – Sessão especial de abertura do ano acadêmico: a) Posse daDiretoria para o biênio 2009-2010; b) entrega do Prêmio NacionalAcademia de Letras/Braskem /Conto 2008; c) lançamento do livroVenho de um país selvagem, do poeta paulista Rodrigo PetrônioRibeiro, vencedor do Prêmio Poesia/2007.

23 – Curso Manuel Querino – Personalidades negras. Prof. EdivaldoBoaventura; Profª. Drª. Maria das Graças de A. Leal (UNEB):Manuel Querino: Vida e obra; Profª. Msc. Sabrina Glendhill (PósAfro CEAO/UFBA): Manuel Querino e a luta contra o racismo científico;Prof. Msc. Carlos Antonio Reis (UNESP): Raça, identidade nacionale interpretação do Brasil na visão de Manuel Querino; Prof. Luis AlbertoFreire (UFBA): Manuel Querino como Vasari: a história da arte comobiografia dos artistas; Debate e encerramento; Profª. JaquelineMelo de Souza (UEFS): O molde de um homem: debates acadêmicose embates pessoais de Theodoro Sampaio na capital do Impériobrasileiro: Prof. José Carlos Santana (Magnífico Reitor daUniversidade Estadual de Feira de Santana), Prof. Esp. Moisésde Oliveira Santana (UNEB) e Francisco Dias Coelho: O coronelnegro da Chapada Diamantina. Debates: Profª. Msc. Mônica Celestinodos Santos (FSBA): Cosme de Farias, anjo da guarda dos excluídos daBahia; Prof. Dr. Jorge Araújo (UEFS): Jorge de Lima e o idioma poéticoafro-nordestino; Profª. Drª. Florentina da Silva Souza (UFBA):Aspectos da obra do escritor Lima Barreto; Prof. Dr. João Eurico Matta

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(ALB): A sociologia das organizações de Alberto Guerreiro Ramos;Debate e encerramento.

26 – Lançamento da Revista da ALB nº48.

Abril

16 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos WaldirFreitas Oliveira, Consuelo Pondé de Sena. Palestra do acadêmicoWaldir Freitas Oliveira: Lúcio Cardoso, o corcel de fogo.

29 – 1º Oficina do Circulo Baiano de Leitura – Palestra sobre a leitura,proferida pela escritora Maria Lúcia Martins e entrega do 1ºromance – Essa terra, do escritor Antonio Torres.

30 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos PresidenteEdivaldo M. Boaventura, Hélio Pólvora, Cláudio Veiga,Florisvaldo Mattos, Ubiratan Castro, Cid Teixeira, Mons. GasparSadoc, Francisco Senna, Luis Henrique Dias Tavares, WaldirFreitas Oliveira, Rui Espinheira Filho, Roberto Santos, ConsueloPondé de Sena, Evelina Hoisel, João Eurico Matta, AramisRibeiro Costa, Geraldo Machado Myriam Fraga, Carlos Ribeiro.Indicação de candidatos à vaga do acadêmico Pedro MoacirMaia, cadeira nº07.

Maio

7 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos PresidenteEdivaldo M. Boaventura, Consuelo Pondé de Sena, FlorisvaldoMattos, Cláudio Veiga, Rui Espinheira Filho, Aramis RibeiroCosta, Luis Henrique Dias Tavares, Evelina Hoisel, Myriam Fraga,Paulo Ormindo, Aleilton Fonseca, João Eurico Matta, GeraldoMachado, Carlos Ribeiro. Indicação de candidatos à vaga daacadêmica Zélia Gattai Amado, cadeira nº21.

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20 a 22 – Seminário Helena Parente Cunha. Abertura: Prof. Dr.Edivaldo M. Boaventura (ALB) e Profª. Drª. Evelina Hoiselcoordenadora do seminário (ALB); Mesa-redonda: Profª. Drª.Célia Marques Telles (UFBA) Estilhaços e espelhos; Profª. Drª. IsabelBrandão (UFAL): Convergências entre o real e simbólico em as doze coresdo vermelho, de Helena Parente Cunha; Profª. Drª. Antonia TorreãoHerrera (UFBA): Cem mentiras de verdade: sem mentiras, de verdade?;Profª. Drª. Lúcia Leiro (UNEB): Rasgos e estilhaços: uma leiturados personagens mulheres nas narrativas de Helena ParenteCunha; Profª. Drª. Rosana Ribeiro Patrício (UEFS): Cantos e cantares– rituais das palavras na poesia de Helena Parente Cunha.Depoimentos: No entre-espaço da afetividade e do saber, coordenação:Prof. Dr. Aleilton Fonseca (ALB/UEFS). Profª. Drª. MoemaAngel (Alemanha), Profª. Drª. Ivia Alves (UFBA), Profª. Drª.Angélica Soares (UFRJ); Mesa-redonda: Mulheres inventadas –Coordenação: Profª. Drª. Márcia Rios (UNEB); Profª. Drª.Eliana Mata Chiossi (UFBA): As escrituras de Helena em doze estaçõesradicais; Profª. Drª. Nancy Rita F. Vieira (UFBA): A casa, seussilêncios, seus desejos; Profª. Ms. Lílian Almeida de O. Lima (UNEB):Femina – perfis femininos na contística de Helena parente Cunha; Prof.Dr. Aurélio Gonçalves (UFBA): A poética de Helena Parente Cunha:evocação da figura paterna; Fala da escritora Helena ParenteCunha. Coordenação: Profª. Myriam Fraga (ALB); noite deautógrafos.

27 – Seminário Novas Letras – Intimidade e confissão na literaturafeminina. Mesa-redonda com Renata Belmonte, Angela Vilma,Vanessa Buffone, Adelice Souza, Mônica Menezes e Kátia BorgesRealização ALB/Fundação Pedro Calmon.

28 – Sessão solene para posse do arquiabade Dom Emanuel d’Able do Amaral na cadeira nº37 de que foi último ocupante oacadêmico Antonio Carlos Magalhães, sendo saudado peloconfrade Fernando da Rocha Peres.

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29 – Segunda reunião do Círculo de Baiano de Leitura. Coordenação:escritora Maria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).

Junho

1º - Sessão ordinária coma presença dos acadêmicos CláudioVeiga, Florisvaldo Mattos, Samuel Celestino, Yeda Pessoa deCastro, Carlos Ribeiro, Edivaldo Boaventura, Anna Amélia VieiraNascimento, João Carlos Teixeira Gomes, Waldir Freitas Oliveira,Luis Henrique Dias Tavares, Mons. Gaspar Sadoc, Evelina Hoisel,Consuelo Novais Sampaio, Dom Emanuel d’ Able do Amaral,Fernando Peres, Myriam Fraga, Roberto Santos, Aramis RibeiroCosta, Hélio Pólvora, Consuelo Pondé de Sena, João Eurico Matta,Paulo Ormindo Azevedo. Eleição para à vaga do acadêmico PedroMoacir Maia, cadeira nº07.

08 – Sessão ordinária a que estiveram presentes os acadêmicosCláudio Veiga, Geraldo Machado, Aleilton Fonseca, FlorisvaldoMattos, Samuel Celestino, João Eurico Matta, Waldir FreitasOliveira, Edivaldo Boaventura, Dom Emanuel d’ Able do Amaral,Mons. Gaspar Sadoc, Consuelo Pondé de Sena, Ruy EspinheiraFilho, Evelina Hoisel, Aramis Ribeiro Costa, Fernando da RochaPeres, Myriam Fraga, Armando Avena, Ubiratan Castro, JoséCarlos Capinan, Consuelo Sampaio. Eleição à vaga da acadêmicaZélia Gattai Amado, cadeira nº21.

17 – Seminário Novas Letras – Novos meios de mídia, cinema eliteratura. Conferências: A explosão de blogs e sites literários comGerana Damulakis e Goulart Gomes; A narrativa literária ecinematográfica nos games com Thiago Pereira Falcão; Tecnologia,educação, cultura e o nosso momento histórico com Edvaldo Souza Couto;Lançamento do livro A luz das narrativas de Carlos Ribeiro.

18 – Reunião da Diretoria.

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Julho

10 – Seminário 100 anos do Manifesto Futurista e suas Repercussões noBrasil. Mesa-redonda Perfil e contribuições de Almáquio Diniz,coordenação: Prof. Dr. Aleilton Fonseca (UEFS/ALB); ManifestoFuturista e o papel de Almáquio Diniz Gonçalves: Profº. Dr. BeneditoJosé de Araújo Veiga (UEFS); Almáquio Diniz: Perfis eComentários – Prof. Dr. Adeítalo Manoel Pinho (UEFS). Mesade encerramento – Um mundo novo: o cinema segundo os futuristase os modernistas – coordenação: Prof. Dr. Cláudio CledsonNovais (UEFS) – Prof. Dr. Andrea Santurbano (UFSC) – Prof.Me. Idmar Boaventura (UEFS).

16 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos EdivaldoM. Boaventura, Cláudio Veiga, Waldir Freitas Oliveira, ConsueloPondé, Dom Emanuel d’ Able do Amaral, José Carlos Capinan,Consuelo Sampaio, Luis Henrique Dias Tavares, Myriam Fraga,Eveliva Hoisel, Aramis Ribeiro Costa, João Eurico Matta, CleiseMendes. Palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira: RogerCasement, um rebelde irlandês no Brasil do século passado.

27 – 3ª Reunião do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação: escritoraMaria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).

29 – Seminário Novas Letras – A ficção baiana e o mar. Conferências:A transição ornamental em Jana e Joel, de Xavier Marques, na visãocrítica de David Salles com Jacques Salah; O mar na literatura baianacom Aramis Ribeiro Costa; A correspondência entre a realidade e aficção no léxico de Jana e Joel com Denise Gomes.

30 – Reunião informal dos acadêmicos para discussão e trocasde ponto de vista sobre os candidatos à sucessão do saudosoacadêmico Ary Guimarães.

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Agosto

06 – Homenagem póstuma ao saudoso acadêmico Ary Guimarães(1933-2009), cadeira nº08 sendo orador o confrade Luis HenriqueDias Tavares.

13 – Reunião da Diretoria com a programação: Situação financeira,Ponto de Cultura, Revista nº49, selo editorial, site da ALB,Biblioteca e Arquivo.

19 a 20 – Seminário Políticas Públicas, Movimentos Sociais, Gêneroe Políticas Públicas com Márcia Tavares – Doutoranda pela UFBA;Bárbara Caldeira – Doutoranda pela Univ. Burgos/Espanha;Helaine Souza – Mestranda UCSAL e Movimentos Sociais, Mídia egoverno com Jorge Almeida – Doutor pela UFBA; Pedro Caribé –Centro de Comunicação Democrática e Cidadania FACOM/UFBA e Shayana Busson – Mestranda UCSAL; Políticas Públicasde /para/ com juventude – Mary Castro – Doutoranda pela Univ.Flórida /EUA, Éden Valadares – Coord. Estadual da Juventude,Augusto Vasconcelos – Mestre pela UCSAL e Reflexões sobrecidadania – Denise Vitale – Doutora pela USP, Haroldo Cajazeira– Mestre pela UFBA – Leandro Paraense – Mestre pela UFBA.

24 – Lançamento do livro Histórias de negro, 2ª edição revisada eaumentada do acadêmico Ubiratan Castro de Araújo.

26 - Seminário Novas Letras – A atualidade de Jorge Amado. Lívia,substituta simbólica de Guma com Nancy Vieira; Do recente milagredos pássaros. Uma leitura de um conto de Jorge Amado com EdileneDias Matos; Jorge Amado e Roberto Drummond: Quincas Berro D’Água e mortos não dançam valsa com Eliana Mara Chiossi.Lançamento do livro Construções identitárias na obra de João UbaldoRibeiro, de autoria da Profª. Rita Olivieri – Godet, titular da cadeira

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de literatura brasileira da Universidade de Rennes II, na França;A sonoridade e o silêncio em narrativas de Jorge Amado – João EdsonRufino; Jorge Amado; 40 anos de Tenda dos Milagres – BeneditoVeiga; - Jorge Amado, escritor de sua gente – Charles Kiefer.

31 – 1ª visita guiada à ALB, pelos alunos da Escola de EngenhariaEletromecânica da Bahia – Coordenação da bibliotecária Genildade Oliveira Santana (ALB) – Ponto de Cultura.

- 4ª Oficina do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação: escritoraMaria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).

Setembro

1º - Sessão solene para a posse do escritor francês DominiqueStoenesco, como membro correspondente, sendo saudado peloconfrade Aleilton Fonseca.

04 – Encontros Literários na ALB: Hélio Pólvora e Mayrant Gallo(ficção), comentários: Antonia Herrera e Gerana Damulakis,coordenação do poeta Luis Antonio Cajazeiras Ramos. (Pontede Cultura).

16 a 18 – Curso Castro Alves – IV Colóquio de Literatura Baiana,coordenação acadêmico Aleilton Fonseca. Sessões decomunicações de Literatura Baiana; Leituras de Castro Alves:depoimento e comentários de poemas, Aleilton Fonseca (UEFS/ALB); Myriam Fraga (FCJA/ALB); Sessões de comunicação deLiteratura Baiana; Leituras de Castro Alves: Depoimento ecomentários de poemas, João Eurico Matta (ALB); Lançamentodo livro Jorge Amado e os ritos de baianidade; Sessões de comunicaçãode Literatura Baiana; Em torno do poema a Maciel Pinheiro, de CastroAlves, Waldir Freitas Oliveira (ALB); Toque Lírico: Castro Alves eoutros tons de amor; voz: Suely Kantto e violão: Cau Cruz.

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17 – Lançamento dos livros Poética e De Marti a Fidel do acadêmicocorrespondente de Alberto Moniz Bandeira.

21 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos FranciscoSenna, Consuelo Novais, João Carlos Texeira Gomes, SamuelCelestino, Rubem Nougueira, Cláudio Veiga, Waldir FreitasOliveira, Luis Henrique Dias Tavares, Cid Teixeira, ConsueloPondé de Sena, Evelina Hoisel, Edivaldo Boaventura, RuiEspiheira Filho, Fernando da Rocha Peres, Myriam Fraga,Ubiratan Castro, Roberto Santos, Paulo Ormindo, Cleise Mendes,Aleilton Fonseca, Mons. Gaspar Sadoc, Carlos Ribeiro, AramisRibeiro Costa, Dom Emanuel d’ Able do Amaral, Hélio Pólvora,João Eurico Matta, Geraldo Machado. Indicação de candidatos àvaga do acadêmico Ary Guimarães, cadeira nº08.

24 – Sessão solene para a posse do bacharel em Direito, empresárioe escritor Joaci Góes na cadeira nº07 de que foi o último ocupanteo acadêmico Pedro Moacir Maia, sendo saudado pelo confradeJoão Carlos Teixeira Gomes.

29 – 5ª Oficina do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação da escritoraMaria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).

30 – Seminário Novas Letras: poesia na Bahia, hoje e ontem. Mesa-redonda com Ruy Espinheira Filho, Roberval Pereyr, Kátia Borgese Myriam Fraga.

Outubro

1º - Sessão especial. Programação: Palestra do acadêmico AramisRibeiro Costa: O acadêmico Xavier Marques, com inauguração doretrato restaurado pelo Prof. José Dirson – Apresentação dacantora soprano Guiomar Contente, interpretando Memórias aoescritor Xavier Marques, acompanhada do violonista Francisco

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Pinheiro Reis – Apresentação especial da Banda de MúsicaMaestro Cap. P.M João Antonio Wanderley, da Polícia Militardo estado da Bahia, executando o Hino Nacional Brasileiro eos seguintes dobrados: Memória do escritor Xavier Marques, OSargento Pedro, Mulheres militares, Tenete P.M Antonio Borges Gomes,(Ten. Borges), composições inéditas lembrando livros eromances do autor, da autoria do seu neto Maestro e compositorCelso Xavier Marques e a Célere canção invicta Hino da PolíciaMilitar.

02 – Encontros Literários na ALB: Ruy Espinheira Filho e MariaLúcia Martins, comentários de Ligia Teles e Valdomiro Santana/coordenação do poeta Luis Antonio Cajazeira Ramos (Ponto deCultura).

06 – Reunião da Secretaria da Cultura / Fundo de Cultura.

14 – Seminário Novas Letras – A literatura infanto-juvenil: Seminárioo Lobo mau. – Mesa-redonda, Lilica Gramacho, Gláucia Lemos,Maria Antonia Ramos Coutinho, Gal Meirelles e Antonio CarlosBarreto. Recital de poesia: Grupo de crianças da BibliotecaCalabar.

19 – Semana Hermann Hesse. Palestra inaugural: Hermann Hesse –Nas estepes do século XX: Prof. Dr. Tércio Redondo – FIED/SP.Realização ALB/Goethe Institut.

21 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos CláudioVeiga, Joaci Góes, Anna Amélia Vieira Nascimento, SamuelCelestino, Mons. Gaspar Sadoc, Consuelo Pondé, EdivaldoMachado Boaventura, Francisco Senna, Geraldo Machado, LuisHenrique Dias Tavares, Consuelo Sampaio, Paulo Ormindo,Fernando Peres, Waldir Freitas, D. Emanuel d’ Able do Amaral,Cleise Mendes, Roberto Santos, Carlos Ribeiro, Myriam Fraga,

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José Carlos Capinan, Ubiratan Castro, Armando Avena, AleiltonFonseca, João Eurico Matta, Evelina Hoisel. Eleição de sucessãoao acadêmico Ary Guimarães, cadeira nº08.

29 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos ConsueloPondé, Edivaldo Boaventura, Myriam Fraga, João Eurico Mattae convidados. Palestra da escritora italiana Antonella Rita Roscilli,Anarquista graças a Deus de Zélia Gattai: da palavra à imagem.Exibição de trechos da mini-série Anarquistas, graças a Deus (TVGlobo, 1984).

30 – Colóquio Euclides da Cunha pelos Cem anos de sua ausência epelos Cinquenta anos do confrade Aleilton Fonseca. Mesa-redonda: coordenação: Edivaldo Boaventura (ALB); O Parque deCanudos: Edivaldo Boaventura (ALB); A formação intelectual deEuclides da Cunha: José Carlos Barreto (UEFS); Aleilton Fonseca fazCanudos redivivo: Maria Lúcia Martins (ALJ); o lançamento do livroO Pêndulo de Euclides, romance de Aleilton Fonseca.

Novembro

05 – Comemoração dos 160 anos de nascimento de Rui Barbosa. Debatee lançamento do livro A raiz das coisas, Rui Barbosa: o Brasil nomundo, do embaixador – Carlos Cardim, com participação deAntonio Luis Calmon Teixeira (IGHB e IAB) César Faria (ALJB)e Edivaldo Boaventura (ALB); Lançamento do livro O advogadoRui Barbosa (5. ed.) acadêmico Rubem Nogueira entrega doDiploma de Honra ao Mérito aos autores.

06 – Encontros Literários na ALB (ficção): Luis Henrique DiasTavares e Adelice Souza, comentários de Cássia Lopes e JoãoEurico Matta. Com a coordenação do poeta: Luís AntonioCajazeira Ramos. (Atividade vinculada ao Ponto de CulturaEspaço das Letras).

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12 – Reunião da Diretoria.

- 7ª Oficina do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação: escritoraMaria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).

18 – Sessão solene para a posse do escritor e membro da ABL,Antonio Carlos Secchin, como membro correspondente, sendosaudado pelo confrade Aleilton Fonseca.

19 – Seminário Novas Letras – Novembro Negro – A arte Negra:literatura e cinema. Letras Biopóliticas: José Eduardo Aqualusa,Ferréz e Mv. Bill na cena afro-brasileira, Henrique Freitas (UFBA)– O protagonismo do negro no filme etnográfico e na etnoficção, MohamedBamba (UFBA) – O Ritual afro-brasileiro de matar e de comernum texto de ficção, Valdomiro Santana (FPC).

25 – Lançamento do livro A força da vocação – no desenvolvimentodas pessoas e dos povos, do acadêmico Joaci Góes.

26 – Homenagem dos Centenários dos acadêmicos Lafaiete Spinola,Eloyvaldo Chagas Oliveira e Ortando Gomes, sendo oradores osacadêmicos: Aleilton Fonseca, Waldir Freitas oliveira e João EuricoMatta.

30 – Curso Quilombo no Brasil, ministarado pela Profª. e acadêmicaYeda Pessoa de Castro (ALB/UNEB).

Dezembro

1º a 04 – Curso Quilombo no Brasil, ministarado pela Profª. eacadêmica Yeda Pessoa de Castro (ALB/UNEB).02 – Sessão especial. Com a palavra o escritor – Antonio Miranda,apresentação de Myriam Fraga. Lançamento do Catálogo do acervo

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de documentos, volume I, reunindo a produção ativa do escritorJorge Amado. Evento realizado pela Fundação Casa de JorgeAmado.

04 – Encontros Literários na ALB (poesia): Myriam Fraga e IldásioTavares, comentários de Evelina Hoisel e Gustavo Felicíssimo;coord. do poeta Luis Antonio Cajazeira Ramos (Ponto de Cultura).

10 – Lançamento do livro A construção da Uniersidade Baiana doacadêmico Edivaldo Boaventura, na biblioteca Reitor MacedoCosta, Campus de Ondina.

15 – Congraçamento de acadêmicos e funcionários, entrega dedistinção Diploma de Honra ao mérito à Marcelo Nilo, JoséDirson Argolo, Sylvia Athayde, Waldir F. Oliveira e João EuricoMatta; entrega de certificados à Carlos Paiva, José Raimundo Lima,Levi Vasconcelos, Marcos Lessa, José Antonio cajazeira Ramos,Maria Lúcia Martins, Antonella Roschilli, José Nilton C. Pereira,Ubiratan Castro, Fernanda Bezerra; entrega de Diploma amigoda ALB, ao Prof. José Nilton C. Pereira e ao Presidente daAssembleia Legislativa da Bahia, Marcelo Nilo.

16 – Seminário Novas Letras – Variedades Culturais literatura, músicae cordel. Palestras: O trânsito dos poetas faústicos na literatura Ocidental(Dêmisson Padilha Filho); A ludicidade na literatura de cordel (AntonioCarlos Barreto); Cartas contemporâneas (Sapiranga e Fabrício Riosinterpretam Elomar).

17 – Sessão solene para a posse do compositor Paulo Costa Limana cadeira nº08, de que foi o último ocupante o acadêmico AryGuimarães, sendo saudado pelo confrade Edivaldo MachadoBoaventura.

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Quadro Social da ALB

Cadeira 1 Patrono: Frei Vicente de SalvadorFundador: José de Oliveira Campos2º Titular: Júlio Afrânio Peixoto, fundador da Cadeira 25, portransferência consentida pela Academia3º Titular: José Wanderley de Araújo PinhoTitular atual: Luís Henrique Dias TavaresPosse em 14.06.1968

Cadeira 2 Patrono: Gregório de Mattos e GuerraFundador: Aloysio Lopes Pereira de Carvalho, conhecido porLulu Parola2º Titular: Luis Viana FilhoTitular atual: Paulo Ormindo David de AzevedoPosse em 20.06.1991

O quadro dos titulares da Academia de Letras da Bahia foi eleborado e revisa-do pelo acadêmico Renato Berbert de Castro (1924-1999), sendo sempre atu-alizado pela Secretaria da ALB.

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Cadeira 3 Patrono: Manuel Botelho de OliveiraFundador: Arthur Gonçalves de Sales2º Titular: Eloywaldo Chagas de OliveiraTitular atual: Anna Amélia Vieira NascimentoPosse em 26.03.1992

Cadeira 4 Patrono: Sebastião da Rocha PitaFundador: Braz Hermenegildo do Amaral2º Titular: João da Costa Pinto Dantas Júnior3º Titular: Jayme de Sá MenezesTitular atual: Geraldo Magalhães MachadoPosse em 31.10.2003

Cadeira 5 Patrono: Luís Antônio de Oliveira MendesFundador: Carlos Chiacchio2º Titular: Antônio Luís Cavalcanti Albuquerque de BarrosBarreto3º Titular: Carlos Benjamin de Viveiros4º Titular: José Silveira5º Titular: Guido GuerraTitular atual: Carlos Jesus RibeiroPosse em 31.05.2007

Cadeira 6 Patrono: Alexandre Rodrigues FerreiraFundador: Manoel Augusto Pirajá da Silva2º Titular: Thales Olímpio Góes de Azevedo3º Titular: Dom Lucas Cardeal Moreira NevesTitular atual: Cleise Furtado MendesPosse em 15.04.2004.

Cadeira 7 Patrono: José da Silva Lisboa Visconde de CairuFundador: Ernesto Carneiro Ribeiro2º Titular: Francisco Borges de Barros3º Titular: Aloísio de Carvalho Filho. Eleito para a Cadeira 26,

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permutou esta, obtendo acordo da Academia, pela Cadeira 7,com monsenhor Francisco de Paiva Marques, quando ambosainda não-empossados.4º Titular: Nélson de Souza Sampaio5º Titular: Pedro Moacir MaiaTitular atual: Joaci Fonseca de GóesPosse em: 24.09.2009

Cadeira 8 Patrono: Cipriano José Barata de AlmeidaFundador: Luís Anselmo da Fonseca2º Titular: Francisco Peixoto de Magalhães Netto3º Titular: Adriano de Azevedo Pondé4º Titular: Ari GuimarãesTitular atual: Paulo Costa LimaPosse em 17.12.2009

Cadeira 9 Patrono: Antônio Ferreira FrançaFundador: José Alfredo de Campos França2º Titular: Edgard Ribeiro Sanches3º Titular: Antônio Luís Machado NetoTitular atual: Cláudio de Andrade VeigaPosse em 18.05.1978

Cadeira 10 Patrono: José Lino dos Santos CoutinhoFundador: Antônio Muniz Sodré de Aragão2º Titular: Altamirando Alves da Silva RequiãoTitular atual: Monsenhor Gaspar SadocPosse em 16.10.1990

Cadeira 11 Patrono: Francisco gê Acaiaba de Montezuma, Visconde deJequitinhonhaFundador: Antônio Ferrão Moniz de Aragão2º Titular: Otávio Torres3º Titular: Oldegar Franco VieiraTitular atual: Yeda Pessoa de CastroPosse em 10.04.2008

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Cadeira 12 Patrono: Miguel Calmon, Marquês de AbrantesFundador: Miguel Calmon du Pin e Almeida2º Titular: Alberto Francisco de Assis3º Titular: Afonso Rui de Sousa4º Titular: Itazil Benício dos SantosTitular atual: Aramis de Almada Ribeiro CostaPosse em 25.11.1999

Cadeira 13 Patrono: Francisco Moniz BarretoFundador: Egas Moniz Barreto de Aragão, literariamenteconhecido por Pethion de Villar2º Titular: Afonso de Castro Rebelo Filho3º Titular: Walter Raulino da Silveira4º Titular: Odorico Montenegro Tavares da Silva5º Titular: Luís Fernando Seixas de Macedo CostaTitular atual: Myriam de Castro Lima FragaPosse em 30.07.1985

Cadeira 14 Patrono: Francisco Gonçalves Martins, Visconde de SãoLourençoFundador: Bernardino José de Sousa2º Titular: Alberto Alves Silva3º Titular: Edgard Rego Santos4º Titular: Raul Batista de Almeida5º Titular: Carlos Vasconcelos Maia6º Titular. Epaminondas CostalimaTitular atual: Gláucia Maria de LemosPosse em 21.10.2010

Cadeira 15 Patrono: Ângelo Moniz da Silva Ferraz, Barão deUruguaianaFundador: Otaviano Moniz Barreto2º Titular: Hèlio Gomes SimõesTitular atual: João Carlos Teixeira GomesPosse em 08.06.1989

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Cadeira 16 Patrono: José Tomáz Nabuco de AraújoFundador: Eduardo Godinho Espínola2º Titular: Orlando Gomes dos SantosTitular atual: João Eurico MattaPosse em 10.05.1989

Cadeira 17 Patrono: Antônio Ferrão MonizFundador: Gonçalo Moniz Sodré de Aragão2º Titular: Leopoldo Braga3º Titular: Carlos Eduardo da RochaTitular atual: Ruy Espinheira FilhoPosse em 15.09.2000

Cadeira 18 Patrono: Zacarias de Góes e VasconcelosFundador: José Joaquim Seabra2º Titular: Augusto Alexandre Machado3º Titular: Dom Avelar Brandão VilelaTitular atual: Waldir Freitas OliveiraPosse em 27.10.1987

Cadeira 19 Patrono: João Maurício Vanderley, Barão de CotegipeFundador: Severino dos Santos Vieira2º Titular: Arlindo Coelho Fragoso. Fundador da Cadeira 41,criada em caráter provisório, transferiu-se para esta, após a mortede Severino Vieira, ocorrida a 27 de setembro de 1917, a fim deque fosse extinta a temporária.3º Titular: Deraldo Dias de Morais4º Titular: Guilherme Antônio Freire de Andrade Filho5º Titular: Godofredo Rebelo de Figueiredo FilhoTitular atual: Cid José Teixeira CavalcantiPosse em 25.03.1993

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Cadeira 20 Patrono: Augusto Teixeira de FreitasFundador: Carlos Gonçalves Fernandes Ribeiro2º Titular: Epaminondas Berbert de Castro3º Titular: Lafayette Ferreira Spínola4º Titular: Ivan Americano da Costa5º Titular: Joaquim Alves da Cruz RiosTitular atual: Aleilton Santana da FonsecaPosse em 15.04.2005

Cadeira 21 Patrono: Francisco Bonifácio de Abreu, Barão da Vila daBarraFundador: Filinto Justiniano Ferreira Barros2º Titular: Estácio Luís Valente de Lima3º Titular: Jorge Amado4º titular: Zélia Gattai AmadoTitular atual: Antonio Brasileiro BorgesPosse em: 10.06.2010

Cadeira 22 Patrono: José Maria da Silva Paranhos, Visconde do RioBrancoFundador: Ruy Barbosa2º Titular: Ernesto Carneiro Ribeiro Filho3º Titular: Aloísio Henrique de Barros PortoTitular atual: Clóvis Álvares LimaPosse em 08.05.1980

Cadeira 23 Patrono: Antônio Januário de FariaFundador: João Américo Garcez Fróes2º Titular: Jorge Calmon Moniz de Bittencourt2º Titular atual: Samuel Celestino Silva FilhoPosse em 21.08.2008

Cadeira 24 Patrono: Demétrio Ciriaco TourinhoFundador: Luís Pinto de Carvalho

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2º Titular: Luís Menezes Monteiro da Costa3º Titular: Renato Berbert de CastroTitular atual: Francisco Soares de SennaPosse em 27.04.2000

Cadeira 25 Patrono: Pedro Eunápio da Silva DeiróFundador: Júlio Afrânio Peixoto. Com o consentimento daAcademia, transferiu-se para a Cadeira 1 após a morte de seufundador, José de Oliveira Campos.2º Titular: Francisco Hermano Santana3º Titular: Raimundo de Sousa Brito4º Titular: Luís Augusto Fraga Navarro de BritoTitular atual: Fernando da Rocha PeresPosse em 16.06.1988

Cadeira 26 Patrono: Dom Antônio de Macedo CostaFundador: Padre José Cupertino de Lacerda2º Titular: Alberto Moreira Rabelo, único membro daAcademia que faleceu antes de tomar posse.3º Titular: Monsenhor Francisco de Paiva Marques.Eleito para a Cadeira 7, permutou esta pela Cadeira 26, comAloísio de Carvalho Filho, quando ambos ainda não-empossados.4º titular: César Augusto de AraújoTitular atual: Roberto Figueira SantosPosse em 10.08.1971

Cadeira 27 Patrono: Francisco Rodrigues da SilvaFundador: Frederico de Castro Rebelo2º Titular: Antônio Gonçalves Vianna Júnior3º Titular: Jaime Tourinho Junqueira Aires4º Titular: Antônio Loureiro de SouzaTitular atual: James AmadoPosse em 26.04.1990

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Cadeira 28 Patrono: Luís José Junqueira FreireFundador: Francisco Torquato Bahia da Silva Araújo2º Titular: Homero Pires de Oliveira e Silva3º Titular: José Calasans Brandão e SilvaTitular atual: Consuelo Pondé de SenaPosse em 14.03.2002

Cadeira 29 Patrono: Agrário de Souza MenezesFundador: Antônio Alexandre Borges dos Reis2º Titular: Manços Chastinet Contreiras3º Titular: Colombo Moreira Spínola4º Titular: Jorge Faria GóesTitular atual: Hélio PólvoraPosse em 08.03.1994

Cadeira 30 Patrono: Joaquim Monteiro CaminhoáFundador: Antônio do Prado Valadares. Permutou a cadeiracom Roberto José Correia, titular da 38.2º Titular: Roberto José Correia3º Titular: Alfredo Vieira Pimentel4º Titular: Nestor Duarte Guimarães5º Titular: Josaphat Ramos MarinhoTitular atual: Paulo FurtadoPosse em 24.04.2003

Cadeira 31 Patrono: Belarmino BarretoFundador: Ernesto Simões da Silva Freitas Filho2º Titular: José Luís de Carvalho FilhoTitular atual: Florisvaldo MattosPosse em 23.11.1995

Cadeira 32 Patrono: André Pinto RebouçasFundador: Teodoro Fernandes Sampaio2º Titular: Isaías Alves de Almeida3º Titular: Zitelmann José Santos de Oliva

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Titular atual: Gérson Pereira dos SantosPosse em 28.11.1991

Cadeira 33 Patrono: Antônio de Castro AlvesFundador: Francisco Xavier Ferreira Marques2º Titular: Heitor Praguer Fróes. Tomou posse em 15 denovembro de 1931, na Cadeira 34, transferindo-se para esta,após a morte de Xavier Marques3º Titular: Waldemar Magalhães MattosTitular atual: Ubiratan CastroPosse em 17.11.2004

Cadeira 34 Patrono: Domingos Guedes CabralFundador: José Virgílio da Silva Lemos2º Titular: Heitor Pragues Fróes. Transferiu-se para a Cadeira33, depois do desparecimento de Xavier Marques3º Titular: Adalício Coelho Nogueira4º Titular: Walfrido MoraesTitular atual: Evelina de Carvalho Sá HoiselPosse em 27.10.2005

Cadeira 35 Patrono: Manoel Vitorino PereiraFundador: Antônio Pacífico Pereira2º Titular: Afonso Costa3º Titular: Rui Santos4º Titular. Rubem Rodrigues NogueiraTitular atual: João da Costa FalcãoPosse em 09.09.2010

Cadeira 36 Patrono: Joaquim Jerônimo Fernandes da CunhaFundador: Afonso de Castro Rebelo2º Titular: Mosenhor Manuel de Aquino Barbosa3º Titular: Hildegardes ViannaTitular atual: José Carlos CapinanPosse em 17.08.2006

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Cadeira 37 Patrono: João Batista de Castro Rebelo JúniorFundador: Almachio Diniz Gonçalves2º Titular: Edith Mendes da Gama e Abreu3º Titular. Antonio Carlos MagalhãesTitular atual: Dom Emanuel d’Able do AmaralPosse em: 28.05.2009

Cadeira 38 Patrono: Alfredo Tomé de BritoFundador: Oscar Freire de Carvalho2º Titular: Roberto José Correia. Permutou sua cadeira comPrado Valadares, fundador da Cadeira 30.3º Titular: Antônio do Prado Valadares4º Titular: Cristiano Alberto Müller5º Titular: Wilson Mascarenhas Lins de AlbuquerqueTitular atual: Armando Avena FilhoPosse em 28.04.2005

Cadeira 39 Patrono: Francisco de CastroFundador: Clementino Rocha Fraga FilhoTitular atual: Edivaldo Machado BoaventuraPosse em 06.08.1971

Cadeira 40 Patrono: Francisco Cavalcanti MangabeiraFundador: Otávio Cavalcanti Mangabeira2º Titular: Manoel Pinto de AguiarTitular atual: Consuelo Novais SampaioPosse em 26.11.1992

Obs.:Cadeira 41 Criada em caráter provisório para que Arlindo Fragoso,idealizador e organizador da Academia, não lhe ficasse de fora, devendoser extinta com o falecimento de qualquer um dos 41 fundadores.Patrono: Manuel Alves Branco, Visconde de Caravelas (2º). FundadorArlindo Coelho Fragoso. Com a morte de Severino Vieira, em 27 desetembro de 1917, para a sua Cadeira, de número 19, foi transferidoArlindo Fragoso, e supressa a cadeira provisória.

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Endereços dos acadêmicos

LUIZ HENRIQUE DIAS TAVARES

Princ. Leopoldina, 214, aptº 1003, GraçaSalvador - BA - 40150-080

(71) [email protected]

PAULO ORMINDO DE AZEVEDO

Rua João da Silva Campos, 1132, ItaigaraSalvador - BA - 41840-060

(71) 3358 [email protected]

ANNA AMÉLIA VIEIRA NASCIMENTO

Rua Cândido Portinari, 19, BarraSalvador - BA - 40140-680

(71) 3247 [email protected]

GERALDO MAGALHÃES MACHADO

R. Edith Mendes da Gama e Abreu, nº300Edfº. Port Saint James, aptoº1403, ItaigaraSalvador - BA - 41815-010

(71) [email protected]

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CARLOS RIBEIRO

R. do Timbó, 680 Edf. Villa Etruska, aptoº503Caminho das ÁrvoresSalvador - BA - 41820-660

(71) 3011-7019/ (71) [email protected]

CLEISE MENDES

Av. Araújo Pinho, 114/1301, CanelaSalvador - BA - 40110-050

(71)3337 [email protected]

JOACI GÓES

Av. Amaralina, 885 – Edf. Amaralina Center – Loja 9Salvador -BA - 41900-020

(71) 3444-2308 / (71)[email protected]; [email protected]

Paulo Costa LimaRua Sabino Silva, nº282, Edf. Saint Mathieu, aptoº401 Jardim Apipema - Salvador -BA - 40155-250

(71) 8832-1545 /(71)[email protected]

CLÁUDIO VEIGA

Rua Luís de Camões, 51, MatatuSalvador - BA - 40270-090

(71) 3244 [email protected]

YEDA PESSOA DE CASTRO

Rua Rodrigues Dórea, Qd 23 Lt 3 - Jardim ArmaçãoSalvador -BA - 41750-030

(71) [email protected]

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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, n. 49, 2010

395

MONSENHOR GASPAR SADOC

Rua Crisipo de Aguiar, 12, aptº 102Salvador - BA - 40080-310

(71)3336 0346

ARAMIS RIBEIRO COSTA

Rua Piauí, 439, aptº 1103, PitubaSalvador - BA - 41830-280

71-3240 [email protected]

MYRIAM FRAGA

Rua Waldemar Falcão, 761, aptº 301, BrotasSalvador - BA - 40295-001

(71) 3356 [email protected]

GLÁUCIA LEMOS

Rua Ceará, 853, apto. 203 - PitubaSalvador -BA 4l830-450

(71)3240-3688/(71)[email protected]

JOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES

Rua Espírito Santo, 15, aptº 802, PitubaSalvador - BA - 41830-190

(71) 3240 1712 / (21) 2246-0790

JOÃO EURICO MATTA

Rua Afonso Celso, nº301, Edf. Concórdia, aptoº302 - BarraSalvador - BA - 40140-080

(71) 3247-0869/ (71)[email protected]

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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, n. 49, 2010

396

RUY ESPINHEIRA FILHO

Caixa Postal 10333Salvador - BA - 41520-970 (71)3287 2225/ (71) [email protected]

WALDIR FREITAS OLIVEIRA

Rua Tiradentes, 52, AbrantesCamaçari - BA - 42840-000

(71) 3623 [email protected]

CID TEIXEIRA

Rua das Violetas, 85, PitubaSalvador - BA - 41810-080

(71) 3452 [email protected]

ALEILTON FONSECA

Rua Rubem Berta, 267, aptº 402, Pituba41810-045

(71) 3345 1519 / (71)[email protected]

ANTONIO BRASILEIRO

Rua Alto do Paraná, 300 – Bairro Sim44.042-000 Feira de Santana - BA 44042-000

(75)[email protected]

CLÓVIS LIMA

Av. Sete de Setembro, 750, aptº 404, MercêsSalvador - BA - 40060-001

(71) 3329 4178

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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, n. 49, 2010

397

SAMUEL CELESTINO

Rua do Ébano, nº159 - Edf. Henri Matisse Aptº.1301Caminho das ÁrvoresSalvador - BA - 41820-370

(71) 3341-4485 / 71- [email protected]

FRANCISCO SENNA

Rua Prof. Milton Oliveira, nº73Edf. Palazzo Anacapri, aptoº202 - BarraSalvador - BA -40.140-100

(71)9967-0685

FERNANDO DA ROCHA PERES

Av. Sete, 2901, ala norte, aptº 202, Ladeira da BarraSalvador - BA - 40130-000

(71)3336 3670

ROBERTO SANTOS

Rua Basílio Catalã de Castro, Quinta do Candeal, quadra B, lote 19Salvador - Bahia - 40280-550

(71) 3276 [email protected]

JAMES AMADO

Rua Edith Gama Abreu, 53, aptº 1203 - ItaigaraSalvador - BA - 41815-010

(71) 3358 5203

CONSUELO PONDÉ DE SENA

Av. Princ. Leopoldina, 288, aptº 301, GraçaSalvador - Ba - 40150-080

(71) 3336 [email protected]

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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, n. 49, 2010

398

HÉLIO PÓLVORA

Av. Sete de Setembro, 1862/1202, Corredor da VitóriaSalvador - BA - 40080-004

(71) 3337 [email protected]

PAULO FURTADO

Orlando Gomes, Costa Verde, Rua A, q. H, 1.3Salvador - BA - 41650-120

(71) 3367 [email protected]

FLORISVALDO MATTOS

Rua Sócrates Guanaes Gomes, 107,Aptº 1901, Cidade JardimSalavador - BA - 40296-720

(71) 3353 [email protected]

GÉRSON PEREIRA DOS SANTOS

Rua Dr. João Ponde, 86, aptº 501, BarraSalvador - BA - 40150-810

(71) 3264 3436

UBIRATAN CASTRO

Rua Dr. Clemente Ferreira, 117, aptº 11Salvador - BA - 41110-200

(71) 3237 [email protected]

EVELINA HOISEL

Rua Mons. Gaspar Sadoc, 48, Jardim de AláSalvador - BA - 41750-200

(71) 3343 [email protected]

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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, n. 49, 2010

399

JOÃO FALCÃO

R. Profº Clementino Fraga, 163/301 - Jd. AtlânticoOndina -Salvador - BA - 40170-050

(71) 3356 [email protected]

JOSÉ CARLOS CAPINAN

Rua Tamoios, 96, Rio Vermelho41940-040 – Salvador - BA - 41940-040

(71) 3345 [email protected]

DOM EMANUEL D’ABLE DO AMARAL

Largo São Bento, 01 CentroSalvador - BA - 41205-220

(71) 2106-5272 /[email protected]

ARMANDO AVENA

Jardim Gantois, 346, Rua C, PiatãSalvador - BA - 41680-170

(71)3115 [email protected]

EDIVALDO M. BOAVENTURA

Rua Dr. José Carlos, 99, aptº 801, AcupeSalvador - BA -40290-040

(71)3276 [email protected]

CONSUELO NOVAIS SAMPAIO

R. Catarina Paraguaçu nº02 aptoº805 - GraçaSalvador - BA - 40150-200

(71)3331-3694/3012-1010/[email protected]

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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, n. 49, 2010

400

MEMBROS CORRESPONDENTES

ANTONIO CARLOS SECCHIN

Av. Atlântica, 2112, aptº801Copacabana - Rio de Janeiro - RJ - 22021-001

(21) [email protected]

ANTONIO CELESTINO

Casa do Ribeiro – São João Del Rei4830 – Póvoa do Lanhoso – Portugal

ÁTICO FROTA VILLAS-BOAS DA MOTA

Rua Dr. Manoel Vitorino, 411 - CoitéMacaúbas -BA - 46500-000

(77) 3473-1292

CYRO DE MATTOS

Travessa Rosenaide, 40 / 101 – Zildolândia45600-395 – Itabuna – BA

(73) 3211-1902 /(73) [email protected]

DOMINIQUE STOENESCO

26 bis, allée Guy Mocquet - 94170Le Perreux-sur-MarneFrança

(003133) 1 48 72 16 56 / (003133) 06 08 65 50 [email protected]

FLANKLIN W. KNIGHT

2902 W. Strathmore AvenueBaltimore, Maryland 21209 -USA

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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, n. 49, 2010

401

GLÓRIA KAISER

Dr. Robert Siegerst, 15A 8010 – GrazÁustria – Europa

HELENA PARENTE CUNHA

Rua das Laranjeiras, 280/200Rio de Janeiro- RJ -22240-001((21) 2285 2130 / (21) 9974 [email protected]

ISA MARIA CARNEIRO GONÇALVES

Rua Milton Melo, 413 - Santa MônicaFeira de Santana -BA - 44050-560

(75) [email protected]

LUIS ALBERTO VIANNA MONIZ BANDEIRA

Reilinger Strasse, 19, D - 68789DEUTSCHLAND – Alemanha

VAMIREH CHACON

Universidade de BrasíliaInstituto de Ciência PolíticaBrasília - DF - 70910-900

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Revisão e acompanhamento gráfico:ALEILTON FONSECA

Digitação:LUCIA PAIM

Preparação e fechamento de arquivosMARCEL SANTOS

Impressão:VIA LITTERARUM

Tiragem600 exemplares

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