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Academia Espírito-santense de Letras revista Novembro | 2014 Textos Acadêmicos Textos e Crônicas

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Novembro | 2014

T e x t o s A c a d ê m i c o s

T e x t o s e C r ô n i c a s

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É impressionante como o Estado do Espírito Santo se tornou in-

visível no cenário nacional, um processo histórico e político

construído ao longo do tempo. No início, a capitania era uma

das mais promissoras, por suas terras férteis, abundância de

rios, fauna e flora exuberantes. Pero de Magalhães Gandavo a descre-

veu como “a mais fértil Capitania e a mais bem provida de todas as da

Costa” e Fernão Cardin narrou sobre sua riqueza “em terra, gado, algo-

dões e madeira de lei, seus engenhos de açúcar”, em 1583. A partir daí,

começa a desconstrução do nosso Estado. Gabriel Soares de Souza, Frei

Vicente do Salvador e todos os outros historiadores posteriores descreve-

ram o Espírito Santo como uma capitania fracassada, malsucedida e sua

história passou a ser ignorada nos livros de História do Brasil. Até hoje,

o Brasil desconhece o Espírito Santo, e até mesmo os capixabas pouco

sabem de sua história, de seu passado e de sua cultura miscigenada, tal-

vez a que melhor represente o Brasil, pela diversidade étnica e cultural.

A charge do Amarildo em A Gazeta, logo após o resultado da últi-

ma eleição presidencial, bem ilustra esse fato. Dilma olha o mapa do

Brasil e se pergunta: “Que pontinho azul é este?”. Pois é, é isso mes-

mo que somos no mapa do Brasil, um pontinho no mapa, às vezes,

azul de protesto, vermelho de indignação, verde de esperança. Não

somos apenas, um pequeno empecilho para os que querem ir do Rio

à Bahia, ou a praia dos mineiros, mas um pequeno estado com um

enorme potencial econômico, turístico, e uma posição estratégica de

logística para um Brasil que precisa escoar suas riquezas e importar

suas necessidades, com nossa costa atlântica de 450 km e diversifi-

cados portos. Somos o segundo maior produtor nacional de petróleo

e de café, o primeiro de mármore e granito e isso não pode ser igno-

rado não, políticos e políticas.

Olhar Sobre o Espírito Santo

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Brasileiros, em geral, e capixabas, em particular, precisam conhecer

mais nossa história e respeitar nosso passado e nossa riqueza cultu-

ral. Aqui se iniciou a primeira devoção mariana, no Brasil, com frei

Pedro Palácios, em 1558. Foi ele o primeiro homem santo a chegar

às terras brasílicas, respeitado até por Anchieta. Se tivesse ido para

São Paulo, Rio ou Salvador, já teria sido canonizado, como outros

que foram para esses centros e tiveram sua santidade reconhecida

oficialmente. Em Vila Velha, temos o mais importante monumento

religioso, artístico e arquitetônico do Brasil, o Convento da Penha,

tombado pelo patrimônio Histórico Nacional, mas não ainda pelas

leis municipais e estaduais.

Foram os capixabas que socorreram os cariocas quando o Rio de Ja-

neiro foi tomado pelos franceses. Daqui saiu Arariboia, cacique dos

Temiminós, com duzentos arqueiros, que ajudou os portugueses na

expulsão dos franceses e fundou Niterói. Anchieta escreveu e encenou

oito de suas peças teatrais no Espírito Santo, que foi um centro de es-

tudos das línguas indígenas, de que resultou a primeira gramática pu-

blicada por Anchieta, 1595. Maria Ortiz (1603-46) não é lenda, mas

personagem histórica, e é o primeiro caso registrado da participação

feminina na História do Brasil. Em Vitória, nasceu o primeiro escritor

didático calígrafo, pensador, Manuel Andrade de Figueiredo, e a fon-

te, divulgada por ele em Nova Escola para Aprender a Ler e a Contar,

1722, é a mais usada na escrita formal. São muitas histórias que tor-

nam o nosso estado, como disse Vasco Fernandes, “meu vilão farto”.

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5Revista da Academia Espirito-santense de Letras

Conversa na Cozinha

Ailse Therezinha Cypreste Romanelli - AFEL

O Espírito Santo, encostado, à oeste, no restinho das montanhas da Serra do Mar e coberto pela Mata Atlân-tica, onde dominavam os índios botocudos, viveu longo tempo fechado em si mesmo. Mas não foram so-mente as serras, a mata e os índios os únicos responsáveis por esse isolamento. Por longo tempo servi-mos como Estado tampão, proibido de abrir estradas para o interior ,na tentativa de impedir que piratas

e contrabandistas acessassem o território das minas gerais. Assim nos tornamos uma terra voltada para o mar, nos costumes, nos hábitos, na vida.

Sem amplas planícies para pastagens, para a cana de açúcar e grandes engenhos, tivemos poucos escravos e nossa culinária não sofreu a forte influência africana que caracteriza a culinária baiana e nordestina.

A culinária do Espírito Santo tem sua fama - moqueca, torta da Semana Santa e outros -, mas não podemos deixar de citar certa iguaria, encontrada em textos antigos que descrevem como nossos antepassados antropófagos prepa-ravam o inimigo capturado a ser servido no almoço.

Em primeiro lugar, era preciso que a vítima fosse um guerreiro forte, que lutasse com bravura e audácia. Para o ban-quete, não interessava se a carne era, ou não, macia e suculenta, porque o objetivo era absorver as qualidades do morto, por isto, covardes e choramingas eram desprezados, sobrevivendo como escravos.

O corpo, depois de esquartejado, tinha os pedaços dispostos sobre o moquém, uma armação de varas que sustenta-vam uma espécie de grelha, sobre o fogo que “devia ser pouco e ajuntado com lenha seca para não fazer fumaça” nos diz o cronista. Tripas e miúdos iam diretamente sobre as brasas.

Nossas tribos, vivendo no litoral, usavam o sal, encontrado nas pedras, eventualmente cobertas pela maré, mas ele não era usado nas carnes cruas, mas misturado com uma farofa feita de farinha de pau e pimenta vermelha socada, recolhida com os dedos e atirada na boca, o que muito impressionava os portugueses que tentavam imita-los sem sucesso, “sujando o rosto, as ventas e bochechas e barbas”. Não se venerava a picanha, os pedaços nobres eram as “coxinha dos polegares”, reservadas ao chefe, juntamente com o coração.

Esta receitinha de churrasco de branco, pode ser encontrada na História de uma Viagem Feita às Terras do Brasil, de Jean de Léry, um francês que por aqui andou por volta de 1556.

No moquém, a carne dourava lentamente, e segundo alguns autores, este é o significado da palavra. Com o mesmo princípio do moquém, nossos índios preparavam seu peixe. Eliminavam as tripas mas não tiravam as escamas; as peças eram arrumadas no fundo de uma cuia de barro e levadas ao fogo, para cozinhar devagar. Como acompanhamento, usavam a farinha de pau ou o aypi, massa de mandioca mansa que se formava depois que a raiz era ralada e amas-sada em bolas, tudo temperado com sal e muita pimenta. Assim nasceu nossa moqueca com pirão, sem pimentão, sem leite de coco e sem dendê. De Portugal, veio o azeite doce, o coentro e, talvez, os tomates. A cor foi dada pelo urucum, usado pelos índios para pintar o corpo.

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A tinta, como é conhecido o colorau no sul do estado, pode ser obtida fritando-se um punhado de sementes de uru-cum em um pouco de óleo, a ser guardada na geladeira para uso posterior. Poucas pessoas ainda usam esse proces-so, considerado perigoso porque durante a fritura, as sementes em contato com o óleo fervente costumam espirrar muito, podendo causar queimaduras dolorosas. Mais fácil é pegar um pacotinho no supermercado.

Fiel às origens, a moqueca deve ser feita em panela de barro, sem água, e sem refogado. No máximo, pode-se fritar as cebolas, acrescentar a tinta, e desligar o fogo. Então, sobre o leito macio das cebolas, é arrumar, delicadamente, as postas de peixe, entremeadas de temperos e levar ao fogo baixo, porque é a textura do barro da panela que per-mite que o cozimento se faça lentamente, enquanto vão se formando os sucos e se encorpando o molho perfumado com o coentro, que a carne vai absorvendo aos poucos, até que fique macia e suculenta. Observando bem, a pane-la de barro vem para a mesa com os caldos ainda ferventes, e assim permanece durante algum tempo. Este é o es-pírito do moquém.

Descendente direto da massa indígena de aypi, é o pirão, feito com o caldo da cabeça dos peixes e farinha de man-dioca. A pimenta, e só serve a malagueta, faz parte integrante dos temperos mas, como nem todos gostam, hoje é servida separadamente. A verdade é que todo capixaba tem sua própria receita de moqueca, e será moqueca desde que não leve pimentão, leite de coco e dendê.

De tempos mais recentes, já com requintes portugueses, temos como “prato principal, da maior importância, a glo-riosa torta capixaba, preparada com bacalhau e mariscos, o único prato brasileiro de cunho religioso cristão, servi-do em todo o Espírito Santo, desde sempre”, assim descrito por Ivone Pedrinha de Carvalho Amorim.

Uma vez preparada, a massa não devia ser levada ao forno, mas assada em frigideira, sobre uma das bocas do fogão, “coberta com folhas de flandres sobre as quais iam as brasas” que completariam o cozimento.

Quando minha família se mudou para o interior, a falta dos mariscos, lamentada por meu pai, não impediu que se mantivesse a torta da Semana Santa. O camarão vinha em latas, as sardinhas substituíam os sururus e a carne de ca-ranguejo. Segundo a tradição a torta devia ser preparada em quantidade tal que atendesse à família e ainda fosse distribuída aos amigos, vizinhos e/ou parentes. Os mimos eram retribuídos, às vezes com alguns outros quitutes, fa-voritos para a ocasião: canjica de milho branco, temperada com canela, ou muxá cortado em tijolinhos.

Como o palmito era ingrediente fundamental, grande quantidade de cascas se empilhava nos quintais, fazendo a delícia da criançada. A diversão consistia em escrever nossos nomes, ou pequenos textos, ou qualquer tipo de de-senho que, a princípio, quase invisíveis, logo se acendiam em fortes traços marrons. Orgulhosamente, eram exibi-dos apoiados nos muros e paredes até que algum lixeiro os recolhesse. Como os palmitos só apareciam na Sema-na Santa eram, de fato, uma festa!

Parece mentira, mas em priscas eras, o bacalhau, já foi um peixe barato. Quando virou prato chique, inacessí-vel a muitas pessoas, surgiram versões mais simples da torta, em que o peixe foi substituído por repolho, ou até mesmo dobradinha, tudo cortado bem fino e cozido na água das cabeças de camarão, para ser misturado ao pal-mito e seguir com a receita. É claro que não terão o mesmo sabor, mas cumpriam seu papel no rigor do antigo jejum da Semana Santa.

No campo das sobremesas, meu pai era fã de uma tal de machacota, segundo ele, uma delícia. Feita com rapadura derretida em água, fervia no fogo até formar uma calda grossa, temperada com gengibre, onde se cozinhava farinha de mandioca adquirindo a consistência de um creme denso.

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Sendo uma sobremesa tão elogiada, foi uma decepção quando provamos! Ninguém gostou, nem achou graça no tal “doce”. Meu pai ficou frustrado e nunca mais foi feito. Muito melhor era a torta de banana da terra, cuja receita resgatada de um velho caderno da tia Stella, rivalizava com a receita copiada dos cadernos de Ivone Amorim. Nun-ca mais vi, nem ouvi falar, mas era presença obrigatória nos almoços de domingo, junto com o frango e a macarro-nada. Será que caiu em desgraça porque a banana era frita? Mas não precisa fritar, basta assar no forno com canela. Depois as fatias são gentilmente colocadas em camadas macias e aveludadas de creme inglês, intercaladas de goia-bada ao vinho. Tudo coberto com claras batidas em castelo, como diriam os portugueses, vai ao forno para dourar. Dos deuses! Ao diabo com as dietas!

Menos popular era o muxá, feito com canjiquinha de milho amarelo, socado no pilão. Foi pouco difundido porque “nem todos sabiam pilar o milho da maneira certa”. Cozido no leite, com açúcar e coco ralado, regado com um molho feito com o leite do coco, era servido cortado em tijolinhos brilhantes, deliciosamente dourados e macios.

Eis algumas, das muitas receitas capixabas. Muitas, por serem caras ou trabalhosas, foram deixadas de lado, outras se perderam, porque consideradas segredos de família, não deveriam ser ”espalhados por aí”. Minha bisavó um dia quis saber das escravas de uma fazenda, em Castelo, como é que as fatias do doce de laranja se mantinham linda-mente verdes. A escrava, então lhe disse: “É segredo vovó, dá cor no tacho,” e minha bisavó não entendeu nada. Anos depois, quando meu avô comprou um tacho de cobre, o segredo foi desvendado.

Preferi falar da cozinha e não de tradições históricas, de folclore, ou de economia. Porque é a cozinha é uma ativi-dade típica e diferente para cada lugar, cada região e até de cada família. Porque é especial visitar o passado, revi-rar os cadernos de receita de uma velha avó, que falam de dúzias de ovos e quartas de farinha, compotas que le-vam dias para serem terminadas, ou os biscoitinhos servidos no casamento da tia, que só conhecemos de um retra-to amarelo. São preparações com história, com passado, servidas em cuias indígenas ou travessas portuguesas, mas nossas, irremediavelmente capixabas.

Referências

AMORIM, Ivone Pedrinha. A Cozinha Capixaba: suas origens. Vitória, s/d.

FREYRE, Gilberto. Açúcar, uma Sociologia do doce. São Paulo: Global, 2007

LOBO, Luiz e FERNANDES, Carlos Alberto. A Cozinha Brasileira. Abril Ltda. São Paulo,1971.

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Um nome que homenageia

Álvaro José Silva - Cadeira 14

Era um carrinho metálico e do tipo que se usava naqueles tempos. Imitava uma espécie de perua e as laterais, também de metal, tinham sido pintadas imitando madeira. Muitos “carros de família” da época eram assim dos lados. Todos eles norte-americanos, como o meu, que imitava um deles. Tinha pedais, volante, e a gente fazia um pouco de força para que andasse, ainda mais em pisos irregulares. Mas era o meu carrinho! Só meu!

A empregada da casa da minha avó, Hélia, nos ajudava a descer com ele. Vovó sozinha não suportava e eu tinha, à época, qualquer coisa em torno de sete, oito anos de idade. O carrinho me havia sido dado de presente de aniver-sário. Minha avó era minha madrinha e eu, seu xodó. Então Vitória era o lugar do presente ficar. Embora meus pais morassem então em São Paulo, o “chamariz” me trazia sempre para passar as férias no Espírito Santo.

Quando podia, meu avô descia junto. Explico melhor: eles moravam na Rua Francisco Araújo, bem atrás do Palácio Anchieta. Para chegarmos ao Parque Moscoso, onde o carrinho andava, era preciso alcançar a parte plana da rua, descer a escadaria, passar pelo então Centro de Saúde e chegar lá.

Eu me encantava com aquele parque, tão bonito, com caminhos de cascalho e o lago que serpenteava junto às pon-tes cujo concreto imitava troncos de madeira. Como a pintura da lateral do meu carrinho. Havia os lambe-lambe que tiravam fotos de vida útil curta. Mas era bonito, pelo menos para mim, ver aqueles homens se cobrindo com o pano que os colocava em contato direto com a objetiva da máquina e o objeto da foto.

Meu avô era português. Havia vindo para o Brasil aos 18 anos de idade, fugindo da miséria em seu país, a bordo de um “vapor”. Trabalhava como fiscal alfandegário depois de viver uns tempos na Bahia onde conheceu minha avó, com ela se casou e a trouxe para viver com ele no Espírito Santo pelo resto da vida dos dois. Aqui, quando ainda tra-balhava, todos os dias tinha que pegar um barco para ir até a Ilha da Fumaça. Lá os navios que iriam aportar para carga e descarga eram vistoriados por aquele “português chato”.

Ele amava Vitória. O Parque Moscoso. Aquele Centro Velho tão bonito com as igrejas que visitava todas. O Cais do Porto, o Penedo, as praças Oito e Costa Pereira. Quando não estávamos no parque, ele me pegava pelo braço e ia até a Praça Costa Pereira. Lá a gente embarcava no bonde e passeava até a Praia do Suá. Visitávamos amigos da fa-mília como o senhor José Ramos, dono de uma chapelaria na Avenida Jerônimo Monteiro. Ponto de encontro, du-rante décadas, de homens de negócios.

Depois voltávamos pelo mesmo meio de transporte, embora houvesse também os ônibus. Meu avô, que iniciou a vida no Brasil como motorista de taxi em Salvador, mas depois nunca mais teve carro, dizia que o bonde tinha grandes vantagens sobre os ônibus: andava lento, permitia apreciar as paisagens urbanas, parava mais vezes e era muito “bucólico”.

Um dia ele me disse que das palavras da língua portuguesa aprendidas no Brasil, a que ele mais gostava, pois de-finia Vitória era “bucólica”. Principalmente o Centro. Àquela época, ainda não destruído em parte e conservando

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uma boa quantidade do casario antigo na parte alta, próximo ao Colégio São Vicente de Paula. E também mais abai-xo, nas proximidades do Colégio Americano Batista, onde estudei por dois anos, os dois que passei em Vitória antes de deixar São Paulo definitivamente.

Vovô, o velho José Maria dos Santos, gostava de conversar. Recordava-se de ter nascido e vivido em uma Fregue-sia do Norte de Portugal, próxima à fronteira com a Espanha. Região rural na qual portugueses e galegos se mistu-ravam, na maioria das vezes para fazer escambo. Ele deixava que as lágrimas escorressem pelo rosto principalmen-te quando se lembrava da mãe, Dulce, em homenagem a quem batizou a minha mãe com o mesmo nome. Ela ha-via sido a perda maior.

Chegou a voltar a Portugal para vê-la em 1939, também num “vapor”. Depois, por volta de 1944, recebeu uma car-ta de uma irmã na qual esta dizia ser a quarta vez que escrevia e que dona Dulce tinha morrido em 1942. A II Guer-ra Mundial tornava quase impossível enviar correspondências.

Olhando Vitória não se cansava de dizer que o Estado que adotara e que o havia adotado era lindo. Não pensava em sair jamais dele. Aqui, sobretudo em Vitória, estavam a mulher e os filhos embora alguns desses, na idade adulta e por força de trabalho, houvessem se mudado para outros estados. As migrações internas sempre existirão.

Como ganhava pouco, não podia frequentar restaurantes. Mas amava uma boa moqueca capixaba. Fazia-as em casa mesmo. Carnívoro por excelência devorava peixes quase com a mesma disposição que outras carnes. As de boi ele comprava em peças inteiras. Bom de faca retalhava e separava os pedaços das peças compradas, perfeitamente cor-tados, para forno ou bifes e que iam sendo usados por vovó nas refeições.

Sentamo-nos um belo dia na varanda da frente da casa em início de noite, depois que ele fechou a sorveteria que montou após se aposentar e que funcionava na garagem da casa. A garagem que jamais vira carros. Abriu os bra-ços como quem quer abarcar tudo e disse mais ou menos o seguinte, segundo a memória ainda me permite resga-tar, tantos anos passados:

- Deus me deu um prêmio. O de atravessar um oceano e conhecer um País como esse. Minha mulher. Ter meus fi-lhos. E depois vir viver num Estado como esse. Como é lindo. Como é rica essa cultura. Aqui quase todo mundo é descendente de estrangeiros. Notou? Fico honrado em saber, em poder dizer a todo mundo que nós portugueses des-cobrimos o Brasil, o colonizamos para que parte dele se tornasse esse Espírito Santo que até no nome homenageia meu Deus. Aliás, está na hora da missa.

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Breve Histórico da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras (AJEL)

Anaximandro Oliveira Santos Amorim. Cadeira 40

1. INTRODUÇÃO

A Academia Jovem Espírito-Santense de Letras (AJEL) nasceu do projeto do escritor Leonardo Monjardim, bacharel em Direito e então presidente da Associação Filatélica e Numismática do Espírito Santo. Em parceria com a Academia Espírito-Santense de Letras (AEL)1, Monjardim tinha como proposta “reunir a juventude que aprecia literatura e pesquisa, além de colocá-la em contato perene com a experiência de

escritores e pesquisadores acadêmicos”2.

A AJEL tinha como referência a Academia Espírito-Santense, que, por sua vez, baseia-se na Académie Française, com 40 cadeiras, cada qual batizada com o nome de um patrono e de posse de 40 escritores, membros vitalícios, daí o apelido de “imortais”, visto que o ingresso de novos membros se dá pelo óbito dos anteriores. Entretanto, por razões de sua própria natureza, a Academia Jovem congregaria 40 autores de idade entre 16 a 32 anos, com livros publi-cados ou em publicação e que, completando a idade limite, cederiam espaços para outros, daí não haver “imorta-lidade” na instituição.

Inicialmente, a Academia ofereceria 20 vagas, que seriam completadas até o número máximo de 40. As inscrições se deram na própria sede da Academia Espírito-Santense, na Praça João Clímaco, s/nº, Cidade Alta, das 14 às 18h00 do dia 30 de abril a 25 de maio de 2001. Foram aceitas obras impressas ou em “bonecas”, como no jargão editorial, quando o autor ainda não tem o livro pronto, mas uma prova. Foram os próprios acadêmicos da AEL que promove-ram a escolha dos membros fundadores, tendo sido escolhidos 25 autores, dentre 33 concorrentes3.

1 | “A proposta de criação de uma Academia de Letras só para jovens surgiu-me no início daquele ano [2001], quando elaborei o projeto e o apre-sentei ao então Presidente da Academia Espírito-Santense de Letras, o Professor Francisco Aurélio Ribeiro, que gentilmente o expôs em reunião aos demais membros da Instituição, subsequentemente aprovando e confirmando a parceria entre as duas Academias – as dos Jovens e as dos Consagrados”. AJEL. Antologia dos Jovens Escritores Capixabas 2002. Vitória, 2002.

2 | A Gazeta, Em busca de jovens escritores, Caderno 2, segunda-feira, 30 de abril de 2001, página 4.

3 | AJEL. Idem, p. 7.

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11Revista da Academia Espirito-santense de Letras

2. A PRIMEIRA REUNIÃO

A primeira reunião da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras (AJEL) se deu na sede da Academia Espírito-San-tense de Letras (AEL), no dia 23 de julho de 2001, um sábado, fato, inclusive, alardeado pela mídia4. Presentes à reu-nião os seguintes escritores:

• Anaximandro Oliveira Santos Amorim; • Leonardo Monjardim;• Ávila Jane Santos da Rosa; • Leonardo Ferreira;• Evandro Santana dos Anjos; • Marcelo dos Santos Netto;• Fernanda Rangel de Aquino; • Marconi Fonseca de Almeida;• Hanor Franklin Silva dos Santos; • Michelle de Oliveira Soares;• João Batista Ramos; • Rafael Porto Rossi da Silva;• Joacles Costa Bento; • Renata de Carvalho Ribeiro;• Jória Motta Scolforo; • Roberto Cerutti Novaes;• Laudelina Rodrigues Ferreira; • Sílvia Ferreira de Almeida.5

• Leone Dias Delfino;

É visível que o número de autores presentes à primeira reunião é inferior a vinte, no entanto, cabe ressaltar que alguns jovens acadêmicos não puderam comparecer, por motivos pessoais ou mesmo profissionais. Além disso, saliente-se que, dessa lista original, alguns também não puderam continuar no projeto da AJEL, como Laudelina Rodrigues Fer-reira, por exemplo.

A primeira reunião teve como mote a apresentação dos acadêmicos e as perspectivas de uma Academia Jovem no cenário literário capixaba. Foi realizada uma grande troca de ideias, com o questionamento sobre como funcionava o mercado editorial (visto que muitos acadêmicos ainda não tinham obras publicadas), além da formação de uma rede perene de escritores e pesquisadores6. Além disso, foi salientado, sobretudo pelo escritor Evandro Santana dos Anjos, o momento histórico para as Letras Capixabas, visto que a Academia era a primeira do Brasil a congregar jo-vens autores naqueles moldes7.

3. A PREPARAÇÃO PARA A POSSE

As reuniões que se seguiram, em período de aproximadamente três meses, ao contrário de que se pensa, foram mui-to mais administrativas do que propriamente literárias. Fixadas aos sábados, à tarde, geralmente a partir das 14h30, na sede da Academia Espírito-Santense de Letras, tinham como principais pontos de pauta:

• Organização da instituição; • Redação de um Estatuto Social;• Confecção dos Símbolos da Academia; • Cerimônia de Posse dos Acadêmicos

4 | A Gazeta, A primeira reunião, Caderno 2, domingo, 8 de julho de 2001, página 3.

5 | AJEL, Relação de Membros da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras, julho de 2001.

6 | A Gazeta, idem, p.4.

7 | AMORIM, Anaximandro. Dez anos de Literatura Capixaba: um levantamento das Letras do Espírito Santo da última década (2000 – 2010). Revista da Academia Espírito-Santense de Letras, especial de 90 anos. Vitória, 2011.

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3.1 ORGANIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

Uma Academia de Letras que se prezasse não poderia funcionar sem um número definido de Acadêmicos, além de uma quantidade mínima de cadeiras e seus patronos. Assim, após fixado o número de autores e confirmada sua pre-sença na AJEL, foi realizada, com o auxílio da AEL e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES)8, a relação de cadeiras, com número, acadêmicos e patronos:

Patronos e AcadêmicosCadeira Acadêmico Patrono

01 Leonardo Passos Monjardim José Francisco Monjardim

02 Joacles da Costa Bento Augusto Ruschi

03 Anaximandro Oliveira Santos Amorim Atílio Vivacqua

04 Marconi Fonseca de Almeida Rubem Braga

05 Fernanda Rangel de Aquino Guilherme Santos Neves

06 Renata de Carvalho Ribeiro Fraga Carlos Faria Monteiro Lindemberg

07 Roberto Cerutti Novaes José Moysés

08 Rafael Porto Rossi da Silva Beresford Martins Moreira

09 Jória Motta Scolforo Leonor Feu Rosa

10 Nilkerlly Constantino Simão Barão de Monjardim

11 Michelle de Oliveira Soares e Favare Carlos Xavier Paes Barreto

12 Leonardo Dutra Ferreira Kosciusko Barbosa Leão

13 Daniele Braga Pinheiro Eurico Vieira de Resende

14 Gabriel Menotti Gonring Placidino Passos

15 Edmar Santos de Souza Elmo Elton S. Zamprogno

16 Silvia Ferreira de Almeida Alberto Stange Júnior

17 Ezequias Miller do Prado Homero Mafra

18 Leoni Dias Delfino Luiz Serafim Derenzi

19 Ávila Jane Santos da Rosa Marzia Neves F. Figueira

20 Marcelo dos Santos Netto Eurípedes Queiroz do Vale

21 João Batista Ramos Afonso Correia Lyrio

22 Hanor Franklin Silva dos Santos Alarico de Freitas

23 Deane Monteiro Vieira da Costa Miguel Depes Tallon

24 Evandro Santana dos Anjos Elpídio Pimentel

25 Paulo Jovânio dos Santos Archimino Martins de Mattos9

Além de fixado o número de cadeiras, os patronos e os acadêmicos, a próxima preocupação foi com a organização administrativa da Academia. Por aclamação, foi escolhido o nome do escritor Leonardo Monjardim como presiden-te. Ficou a cargo de Anaximandro Amorim a elaboração do Estatuto Social, cujo teor foi amplamente debatido nos três meses dentre a primeira reunião e a posse.

Com 27 artigos, o Estatuto Social da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras (ESAJEL) previa, no seu artigo pri-meiro, que a instituição, de sigla AJEL, teria como data de fundamento a de sua primeira reunião, qual seja, no dia 23 de junho de 2001, sendo uma instituição de caráter científico e literário, com duração ilimitada.

8 | A Gazeta, id. ibid.

9 | AJEL. Op. cit., p. 119.

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O segundo artigo listava como objetivos, alguns até ousados para os jovens autores: Incentivar inteligências nos do-mínios da cultura; Orientar o movimento intelectual, principalmente dos jovens talentos da literatura e pesquisa capi-xabas; Promover e animar a criação de eventos relativos à cultura, no Brasil e, principalmente, no Estado do Espírito Santo; Divulgar o livro capixaba e brasileiro; Sugerir medidas de auxílio para a publicação de livros e revistas de alto objetivo; Promover concursos literários; Realizar cursos de altos estudos; Realizar a História Literária e o Dicionário Biobibliográfico do Estado; Reeditar as obras de seus patronos; Coordenar elementos destinados à geografia, à lin-guística, à pesquisa e estudos do folclore regional; Manter a publicação de uma revista, órgão da instituição; Manter correspondência e permuta de publicações com sociedades congêneres nacionais e estrangeiras; celebrar reuniões e conferências nas quais se discutirão assuntos de natureza científica e literária e manter biblioteca e arquivos próprios.

Certamente que nem todos os objetivos foram cumpridos, uma vez que, em sua maioria, eles eram ousados demais para pouco mais de uma vintena de jovens inexperientes, mas com muita verve literária. É de se salientar que a maio-ria deles foi tomada de empréstimo do estatuto da Academia Espírito-Santense, com adaptações. Alguns, no entanto, saíram do papel, como foi o caso da Revista da Academia, da qual três números foram publicados, em 2002, 2007 e 2008, com trabalhos da maioria dos acadêmicos.

O artigo 4º do Estatuto Social, curiosamente, previa um total de 30 cadeiras, que não foram preenchidas de pronto, sendo que a instituição ganharia novos membros mais tarde. O parágrafo terceiro do mesmo artigo previu um au-mento em dez cadeiras, a posteriori, totalizando 40 acadêmicos.

A AJEL, em seu artigo 16, era formada por uma Assembleia Geral, um Conselho Diretor, uma Secretaria Executiva, uma Tesouraria e uma Biblioteca. A Assembleia era o órgão máximo da entidade, podendo, também, se reunir ex-traordinariamente, em caso de necessidade, fato que se deu em poucas vezes. O artigo 22 do mesmo documento pugnou pela necessidade de um regimento interno, fato que também se concretizou.

3.2 REDAÇÃO DE UM REGIMENTO INTERNO

A redação do Regimento Interno da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras (RIAJEL) também ficou a cargo do acadêmico Anaximandro Amorim, ainda estudante de Direito. Contando com 107 artigos e sendo aprovado no dia 11 de agosto de 2001, era um documento completo que explicitava exaustivamente os 27 artigos do Esta-tuto Social. Além disso, versava outros temas, como eleições, comissões e até mesmo punições para os acadêmi-cos, com direito à defesa.

O que mais chama atenção no documento é, não apenas a disposição dos órgãos, mas também as comissões. O Con-selho Diretor da Academia foi desdobrado em Diretoria Executiva, a cargo de Leonardo Monjardim, e em Diretoria Jurídica, a cargo de Anaximandro Amorim. A Tesouraria ficou a cargo de Michelle de Oliveira Soares e Favare, a Se-cretaria a cargo de Renata de Carvalho Ribeiro Fraga e a Biblioteca de Deane Monteiro Vieira da Costa.

Foram previstas quatro comissões, quais sejam: de Ética, para Assuntos Literários, de Pesquisa e de Eventos. É um pou-co complicado dizer quais eram os integrantes de cada, uma vez que muitos passaram por elas, fato esse, inclusive, vedado pelo próprio regimento, segundo seu art. 35. Pode-se dizer, no entanto, que, para a Comissão de Ética, ficou o escritor Anaximandro Amorim, para a de Assuntos Literários, Renata de Carvalho Ribeiro Fraga, para a de Pesqui-sa, Leonardo Monjardim e para a de Eventos, Roberto Cerutti Novaes.

Apesar dos nomes acima, outros acadêmicos auxiliaram na condução da Diretoria da Academia, como, por exem-plo, Hanor Franklin Silva dos Santos, Daniele Braga Pinheiro, Ezequias Miller do Prado ou Fernanda Rangel de Aqui-

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no, seja na organização de eventos, seja coadjuvando a Secretaria ou até mesmo a Diretoria. Em um órgão criado por jovens, com todos os obstáculos naturais para sua condução, vários escritores se revezaram, oficial ou extrao-ficialmente, dentre os membros fundadores, sem contar com os outros que mais tarde fizeram parte da instituição, após outras eleições.

3.3 CONFECÇÃO DOS SÍMBOLOS DA ACADEMIA

Entre os aproximadamente três meses de reuniões entre a reunião de fundação e a posse, um dos assuntos mais re-correntes foi o da adoção dos símbolos da Academia. Dentre várias propostas, ficou definido que a Academia Jovem Espírito-Santense de Letras seria representada por uma logomarca que contaria com um desenho do Convento da Pe-nha, circundado por duas folhas de louro, tendo acima a máxima latina Historia Facienda, cuja tradução significava “Fazendo História”, lema, aliás, muito apropriado para aquele momento. Em torno da figura, um dístico contendo o nome da instituição e a data de fundação, separados por duas estrelas, uma de cada lado.

Também foi aprovada a criação de um fardão. A necessidade de criação de uma indumentária foi colocada como forma de distinguir os acadêmicos, sobretudo na hora da posse, uma vez que muitas foram as discussões sobre como “padronizar” os escritores durante o evento. Pensou-se, inicialmente, numa “opa”, espécie de capa colocada sobre os ombros e fechada por um broche ou camafeu. Porém, optou-se por um fardão.

A ideia do fardão surgiu de um grupo de acadêmicos que resolveram manter a tradição da Academia Brasileira de Le-tras (ABL). Tratava-se de uma peça azul marinho, composta de paletó e calça, para os homens, e tailleur e saia, para as mulheres, com o símbolo da instituição bordado em dourado. Roupa bonita e elegante, ela ainda seria usada em outras solenidades, além de algumas matérias jornalísticas sobre a Academia.

3.4 CERIMÔNIA DE POSSE DOS ACADÊMICOS

Vencidas as etapas preparatórias (confecção de estatutos, escolha dos símbolos, fixação do número de cadeiras e pa-tronos e definição da diretoria), fazia-se urgente organizar e marcar a posse dos acadêmicos, chancelando, assim, a existência da instituição.

Segundo pauta da 3ª Reunião Ordinária da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras, do dia 17 de julho de 2001, sobre o assunto, os itens a ser discutidos foram:

• Local para a cerimônia• Divulgação na imprensa• Mestre de Cerimônias• Decoração• Confecção dos convites• Confecção do diploma• Fotógrafo• Postagem• Cantora lírica para hinos estadual e nacional• Tempo do discurso dos acadêmicos• Coquetel• Livro de autógrafos para os participantes.

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Também figurava como item de pauta a confecção da opa que, como visto, foi substituída pelo fardão. Praticamen-te todos os itens foram atendidos, sendo que, como espaço para realização da posse, foi escolhido o Plenário da As-sembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo (ALES), com capacidade para aproximadamente 400 pessoas, além da utilização do serviço do Mestre de Cerimônias da Casa.

Ficou definido também que todos os acadêmicos profeririam seus discursos. Assim, para que o evento não se esten-desse mais do que o previsto, foi outorgado um tempo de dois minutos para cada um dos 25 escritores que toma-riam posse naquela noite, sendo que cada discurso foi lido em reunião, cronometrado e, se atendidos os requisitos, poderia ser proferido no evento. Era condição fazer uma alusão ao patrono. Obviamente que, mesmo com tantos critérios, houve alguns imprevistos – e até improvisos, mas nada que botasse o evento em xeque, sendo que a maio-ria aconteceu dentro do previsto.

Outro obstáculo a ser vencido foi a falta de patrocínio, problema, aliás, constante na cultura não apenas capixaba, mas também nacional. Ainda que a AJEL contasse com uma mensalidade, o caixa da Academia não dispunha de re-cursos necessários para custear uma cerimônia como se pensava, no que os acadêmicos foram a campo para captá--los. Assim, como forma de homenagear aquelas pessoas, tanto físicas quanto jurídicas, que doaram um pouco de si para ajudar na concretização do projeto da Academia Jovem, foi instituído o título de “Amigo da Academia”, sendo lembrados, na antologia do ano seguinte, os nomes daqueles que tanto fizeram para a cultura jovem:

• Aida Passos Monjardim• Centro de Diagnóstico Odontológico• Carlos César Silva Marques• Casas Ermelino• Companhia Siderúrgica de Tubarão

(hoje, ArcelorMittal Tubarão)• Cretovale• Dionete Oliveira Santos Amorim• Dumilho S/A• Ester Abreu Vieira de Oliveira• Fátima Maria Luchi• Fernanda Nascimento Baptista• Gabriel Augusto de Mello Bittencourt• Gladys Eleutério Gontijo

• Gráfica Espírito Santo• Gráfica e Editora JEP• Iara Lopes Martins• Igor Rodrigues Britto• Irislane Rodrigues de Figueiredo• Ivana da Penha Demuner das Neves• Jadmilson Teodoro Pontes• José Wedson Ferreira Amorim• Lea Brígida de Alvarenga Rosa• Luiz Alberto Barcellos• Magno Araújo• Maria Aparecida Albani• Maria Beatriz Figueiredo Abaurre• Maria da Penha Nielsen

• Maria das Graças Monteiro Barbosa• Maria José Vasconcellos de Araújo• Milton Monjardim Filho• Odete Gontigo Flores• Orli Rocha• Rodrigo Fermiano Soares• Tereza Norma Tommasi• Valsema Rodrigues Costa• Vagner dos Santos Rocha• Veruska Seibbel• Vicente Nolasco Costa• Waldmar de Souza Monteiro.10

A posse dos acadêmicos foi marcada para o dia 13 de setembro de 2001, às 18h30, no Plenário da Assembleia Le-gislativa11, em evento concorrido e televisionado, que contou com a seguinte programação:

• Abertura da solenidade;• Composição da mesa;• Execução do Hino Nacional;• Pronunciamento dos Componentes da Mesa;• Posse do Presidente da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras;

10 | AJEL, op. cit., p. 117.

11 | AJEL, Convite de posse..

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• Homenagem ao Padrinho e à Madrinha da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras;• Posse dos membros da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras e• Encerramento da solenidade com a apresentação da Cantata Roças de Milho12.

Como curiosidade, o Presidente da AJEL foi chamado primeiramente, sendo que os demais acadêmicos foram chamados pelo “Padrinho da Academia”, o escritor Francisco Aurélio Ribeiro, que, de seu discurso para os acadêmicos, ressaltou:

“Se me couber algum papel, neste momento, é o de aconselhá-los. Primeiro: não se

iludam com o ‘fardão’ e o título de ‘acadêmico’; isso não tem a menor importância;

segundo: não se preocupem com as críticas; só atiram pedras em árvores que dão fru-

tos, já nos diz o vulgo e, por último, leiam muito. Borges, o grande escritor argentino,

nos ensina que é mais importante ler do que escrever. Não se preocupem em publi-

car, logo. Deixem os textos amadurecerem.”13

Ganhou o título de “Madrinha da Academia” a escritora Maria das Graças Silva Neves. Além desses autores, fizeram-se presentes e foram igualmente homenageados Maria Helena Teixeira de Siqueira, Maria Beatriz Figueiredo Abaur-re, Gabriel Augusto de Mello Bittencourt, Maria José de Vasconcellos e Valsema Rodrigues.

Após o discurso dos 25 membros, o evento terminou em um grande coquetel, não sem antes ser executada a can-tata “Roças de Milho”, cuja temática era a História do Espírito Santo, de autoria do acadêmico Roberto Cerutti No-vaes, com música deste e de Rodrigo Dutra Milholi, arranjos do maestro Modesto Flavio e vozes de Renato Gonçal-ves, Adalgisa Rosa e Meire Norma14.

Estava chancelada a existência da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras.

4. AS AÇÕES DA ACADEMIA JOVEM

Cônscios de que a vida de acadêmicos não terminaria com a posse, os 25 jovens escritores trataram botar em práti-ca as várias ações previstas dentre os objetivos de seus Estatutos.

Segundo programação da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras15, somente no final daquele ano de 2001, no dia 04 de outubro, às 15h30min, foi dada, oficialmente, posse à primeira diretoria; no dia 05 de dezembro haveria um “I Encontro Estadual de Jovens Escritores” e no dia 15 do mesmo mês haveria uma confraternização com os acadêmicos. Além disso, várias reuniões ordinárias foram marcadas, como as de 29 de setembro, 13 de outubro, 10 de novembro e 1º de dezembro.

Além dessas, outras reuniões foram organizadas, com urgência, para preenchimento dos quadros faltantes, em nú-mero de cinco, naquele ano. Para tanto, foi organizado um Concurso Literário, com trabalhos publicados ou inédi-tos, nos estilos romance, conto, crônica, poesia ou pesquisa, para seleção dos novos acadêmicos, tendo como ter-mo final o dia 14 de novembro de 2001.

12 | AJEL, Roteiro da Solenidade de Posse. 13 de setembro de 2001.

13 | AJEL, op. cit., p. 106.

14 | AJEL. Roças de Milho. Cantata. Sinopse. 13 de setembro de 2001.

15 | AJEL. Programação Outubro/Dezembro 01. 27 de setembro de 2001.

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Foram escolhidos, daí, os cinco novos acadêmicos, que tomariam posse no dia 28 de agosto de 2002, às 19h30min, no Plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, ficando o quadro de Patronos e Acadêmicos da seguinte maneira:

Patronos e AcadêmicosCadeira Acadêmico Patrono

26 Evandro Albani Ribeiro Ciro Vieira da Cunha

27 Melissa Luchi Nelson Abel de Almeida

28 Brendda dos Santos Neves Carlos Nicoletti Madeira

29 Guilherme Gontinjo Flores Almir dos Santos Gonçalves

30 Mauro Freitas Quintão Fernando Abreu16

Mais tarde, em dezembro de 2003, foram escolhidos os últimos acadêmicos, fechando o quadro de 40, completan-do, assim, o disposto no Estatuto Social da Academia, com os seguintes membros:

Patronos e AcadêmicosCadeira Acadêmico Patrono

25 Gabriel Raposo Guimarães Archimino Martins de Mattos

31 Thalita Alves Ferreira Silva Afonso Cláudio de Freitas Rosa

32 Alyne Mendonça Marques Silva Heráclito Amâncio Pereira

33 Gabriela Zorzal Aristeu Borges de Aguiar

34 Bruno Amâncio Martins Vial Abner Mourão

35 Lorena Colodette Pessanha Augusto Emílio Estellita Lins

36 Flávia Barcellos de Passos Ceciliano Abel de Almeida

37 Bernardo Silva Barbosa José Marcelino Pereira de Vasconcellos

38 Lindemberg Oderic Gomes Serynes Pereira Franco

39 Priscilla Reges Ferreira José Madeira de Freitas

40 Désirée Dávila Freitas Cícero Moraes17

Outras ações de destaque foram o lançamento das Antologias da Academia Jovem, sendo a primeira publicada sole-nemente no dia 06 de dezembro de 2002, às 19h, no Plenário da ALES. Dividida em poesia e prosa, contou com 21 participações em poesia e 10 em prosa, além de seis convidados (Francisco Aurélio Ribeiro, Maria das Graças Silva Neves, Maria Helena Teixeira de Siqueira, Maria Beatriz Figueiredo Abaurre, Gabriel Augusto de Mello Bittencourt e Valsema Rodrigues da Costa), mais anexos com o quadro de “Amigos da AJEL” e “Patronos e Acadêmicos”. Mais tar-de, seria lançadas outras duas antologias, em 2007 e 2008.

Importante iniciativa, que se perpetuou por muitos anos, foi o “Sarau da Academia Jovem Espírito-Santense de Le-tras”, que acontecia em periodicidade mensal, a partir do início de 2002, dentro de dois Shoppings da capital ca-pixaba, sucessivamente, e que reunia um grande número de participantes. O Sarau da AJEL marcou época, sendo o ponto de encontro de pessoas que queriam recitar seus poemas ou poemas de terceiros, ou apenas ouvir poesia. O evento também serviu de laboratório para a escolha dos quadros da Academia e de incentivo para que muitos lan-

16 | AJEL. Op. cit, p. 119.

17 | Disponível em: <poetas.capixabas.nom.br>, acesso em 2 de janeiro de 2013.

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çassem suas obras. A Academia Jovem chegou, inclusive, a se apresentar num evento cultural do Banco do Brasil, em 2003, e a ser objeto do programa-piloto de um de seus membros, o “Jovens Escritores”, de Anaximandro Amorim18.

Primo-irmão do Sarau da AJEL, há também é o sarau “O Quinze”, que começou em Agosto de 2002, idealizado pe-los poetas Evandro Albani, Marconi Fonseca e Guilherme Gontijo, membros da Academia Jovem Espírito-Santen-se de Letras. Teve este nome porque ocorria quinzenalmente; aconteceu sem interrupção até o final de outubro de 2010, mantendo este mesmo nome e periodicidade. Muitos poetas importantes já participaram do sarau, tais como Ítalo Campos, Milson Henriques, Alexander Nassau, Renato Fraga, Cida Ramaldes, Alvarito Mendes, Waldo Motta, Miguel Marvilla, Andrey Mozzer, Marina Zancheta. Em determinadas reuniões, chegou a agrupar mais de 70 pes-soas, entre poetas e ouvintes. As duas revistas intituladas Revista Literária “O Quinze” foram lançadas respectiva-mente em Março e em Abril de 2007.

Os membros da Academia Jovem também se envolveram com o projeto “Viagem pela Literatura”, da Prefeitura de Vitória (organizado pela Biblioteca Adelpho Poli Monjardim), projeto “Viajando por Vitória”, apresentações de poe-sia (Vila de Araguaia, Vagão de Poesias), além de ações de incentivo à leitura em escolas.

5. O LEGADO DA ACADEMIA JOVEM

Dos jovens autores com publicação a integrar os quadros da AJEL, destaca-se Anaximandro Oliveira Santos Amorim (1978 - ), advogado, professor. Anaximandro Amorim havia publicado dois livros na década anterior (“Brasil de On-tem, Hoje e Sempre”, poemas, de 1994 e “Asas de Cera”, romance, de 1995, este, com recursos da Lei Rubem Bra-ga). Durante seu período ativo na Academia Jovem, Anaximandro lançou outro romance, o livro “Concupiscência”, em 2003, também com recursos da LRB. Vítima de um grave acidente automobilístico em 07 de setembro de 2009, Amorim lançou, no ano seguinte, o livro “A História de um Sobrevivente” (2010), relatando sua experiência de supe-ração. O livro, prefaciado pelo titular da Delegacia de Trânsito Fabiano Contarato, marcou a entrada de Anaximan-dro nos quadros da Academia Espírito-Santense de Letras, naquele mesmo ano. Foi o segundo membro da Acade-mia Jovem a fazê-lo. Mais tarde, o escritor lança “O Livro dos Poemas” (2013) e “A Máquina do Tempo e outras his-tórias” (2014), de contos e crônicas, este, pela Editora Pedregulho.

Outra jovem autora a ter se lançado ainda antes de sua entrada na AJEL foi Alyne Mendonça (1986 - ), que, aos 16 anos, publicou o livro de poemas “Princípio Vital” (2003, Editora Litteris/RJ), tendo entrado na Academia no mesmo ano. Mendonça também participou de outros trabalhos, de cunho coletivo: “A nova literatura virtual” (2003), “Amor para sempre presente” (2004), “Sonhos para os novos 365 dias” (2004), “Palavras além do tempo” (2004), “Poetas brasileiros” (2004), “Anuário dos escritores”(2004), “Antologia da Academia Jovem Espírito-santense de Letras” – 2ª Edição (2007), “Antologia da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras” – 3ª Edição (2008).

Além de Alyne, destaca-se Gabriela Zorzal (1988 - ), jornalista, tendo publicado o romance “O Verdadeiro Sentido” em 2002. Já como acadêmica, publicou o divertidíssimo “Os Micos da Mamãe – baseado em fatos reais” (2007), co-letânea de contos em que transcreve histórias engraçadas de situações vexatórias ocorridas com sua mãe e com as mães de suas colegas.

18 | O Programa “Jovens Escritores” foi apresentado pelo escritor Anaximandro Amorim de 2003 a 2005 no extinto canal a cabo DTV, da RCA Company. Apesar do nome inusitado, tinha como objetivo promover a divulgação dos escritores do Espírito Santo, de todas as idades. Inicia-tiva pioneira na TV estadual, perfez um total de 105 edições.

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Outro a ter publicado antes da entrada na Academia Jovem foi o odontólogo Evandro Albani (1973 -), com o livro de poemas “Um dia te encontro, Volúpia” (1999). Albani lançou, em 2003, outro livro de poemas, “O Abismo”, pela Editora Flor e Cultura, um dos melhores produzidos na década. Flertando com o concretismo dos anos 1970, Evan-dro apresenta, nessa obra, uma grande maturidade literária, num jogo de palavras em que até os espaços em branco fazem parte do texto. O autor é, também, um dos fundadores do sarau “O Quinze”.

Além de Evandro, destaca-se Gabriel Menotti, jornalista e cineasta (1983 - ). Filho do jornalista e escritor José Irmo Gonring, Menotti publicou, ainda na década de 1990, os livros “A Unidade do Todo” (1998), romance e “Ensaios para taxidermia (uma breve coletânea de artefatos encantados e engenhocas bizarras)”, poemas, de 1999. Mais tar-de, lançou outro livro de poemas, “Yù”, de 2010, com recursos dos Editais da Cultura da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo.

A maioria dos membros da AJEL, no entanto, estrearam na Literatura após sua entrada nos quadros daquela institui-ção. A começar pelo próprio presidente, Leonardo Monjardim, que lançou, em 2001, os livros “A publicidade na re-lação de consumo” (monografia) e “História política da família Monjardim” (pesquisa). Foi organizador da primeira antologia da Academia Jovem, a “Antologia Jovens Escritores Capixabas”, de 2002. Em 2003, publicou “Patrimônios e logradouros de Fradinhos” (pesquisa), “O antigo casarão” (pesquisa), “Reflexões sobre o poder” (pensamentos), “A justiça tarda mas não falha”, “100 anos de Aldelpho Monjardim” (biografia) e “Catálogo da Política do Estado do Es-pírito Santo”. Foi o primeiro membro da AJEL a ascender à Academia Espírito-Santense de Letras.

Marcelo Santos Netto (1978 - ), jornalista, lançou o livro de contos “Corações de Barro”, com apoio da Lei Rubem Braga e do Colégio Darwin. Trata-se de uma obra de grande maturidade literária para um autor estreante, contando com boa aceitação da crítica. Santos Netto é, hoje, também membro da Academia de Vila Velha, instância máxima das Letras daquele município capixaba. Ao contrário de Santos Netto e de Monjardim, o texto poético é bem mais encontradiço dentre os membros da AJEL, a começar por Sílvia Ferreira de Almeida, que, em 2002, lançou o livro “Fragmentos” com o pseudônimo de Sílvia Tallus.

Daniele Braga Pinheiro (1978 – 2009), bacharel em direito, falecida precocemente às vésperas de completar 31 anos de idade, deixou-nos seu “Vida Sonho e Poesia” (2003). Com introdução de Leonardo Monjardim e orelha de Anaxi-mandro Amorim, o livro tem uma influência muito grande de Vinícius de Moraes. Também em 2003 foi a vez de Leo-nardo Dutra Ferreira (1979 - ), professor de Letras, publicar o seu “Duelo”. O também acadêmico Franklin dos San-tos Moura (1977 - ) lançou, em 2013, o livro “Primavera Primaveras”, de poemas.

Em 2004, Joacles Costa Bento (1985 - ) lançou “Crônicas Poéticas”. Mais tarde, publicou “Crônicas Poéticas” (2004), “Quando Deus fala o Homem se cala” (2008, autoajuda), “Carlitos e os nossos sentidos” (2012) e “Carlitos e o am-biente” (2013), os dois últimos infantis e em edição bilíngue (português/inglês). Em 2005, Ezequias Miller do Prado (1980 - ) lançou “Gotas de Insonescência”. Em 2008 foi a vez de Lorena Colodetti (1978 - ) com “Olhares”, publica-do com recursos da Lei Rubem Braga e em 2009, Hanor Franklin Silva dos Santos com “Um beijo meu na boca tua” e Thalita Ferreira (1982 - ) com “Elucidação numa página em branco”, com patrocínio da Lei Rubem Braga. Thalita é, atualmente, membro da Academia de Vila Velha.

Pode-se dizer, também, que a Academia Jovem Espírito-Santense de Letras é caudatária da antiga “Academia Capi-xaba dos Novos”, dos anos 1940. À guisa de um esclarecimento histórico, os jovens da década de 40, envolvidos com a literatura fundaram, em 1946, a sua agremiação, a que chamaram Academia Capixaba dos Novos19. Foi fun-

19 | A Academia Capixaba dos Novos. Disponível em: <www.estacaocapixaba.com.br>, acesso em 04 de janeiro de 2013.

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dada por Antenor de Carvalho, Renato Pacheco e Nélio Faria Espíndula e logo arregimentaram Rômulo Salles de Sá, Orlando Cariello, Cristiano Dias Lopes Filho, Durval Cardoso, Waldir Magalhães Pires, Valério Leão de Lima, Wal-dir Ribeiro do Val, Alvino Gatti, José Carlos Fonseca, José Garajau da Silva, Setembrino Pelissari, Guilherme Montei-ro de Sá, Renato Bastos Vieira, João Francisco Gonçalves, José Wandevaldo Hora, Carlos Augusto de Góes, Hermí-nio Blackman, jovens, principalmente, saídos dos quadros dos primeiros anos da Faculdade de Direito e dos últimos anos do Colégio Estadual do Espírito Santo, na faixa etária dos 18 aos 25 anos. O primeiro presidente da Academia foi Orlando Cariello. Quatro anos depois, o grupo inicial da Academia Capixaba dos Novos foi substituído por uma nova geração de escritores que, já no final da década de 50, houve por bem extinguir a Academia e criar o Clube do Olho, de que participaram Jeová de Barros (último presidente da ACN), Xerxes Gusmão Neto, Cláudio Antônio La-chini, Olival Mattos Pessanha, Carlos Chenier.

Tal quadro mostra a grande dificuldade com que movimentos literários criados por jovens possa perdurar. Caso se-melhante aconteceu com a Academia Jovem Espírito-Santense de Letras pois, com o tempo, seus membros também adquiriram outras obrigações, o que, gradualmente, culminou por comprometer a existência da instituição. Ade-mais, problemas de transição fizeram com que a Academia entrasse em um estado de letargia, com uma tentativa de reanimação no biênio 2007-2008, quando as duas últimas antologias foram publicadas. A presidência ficou a car-go da escritora Thalita Ferreira, tendo como vice Marcelo Santos Netto, no entanto, entraves burocráticos inviabili-zaram essa retomada, no que a AJEL conseguiu perdurar até aproximadamente o final daquele ano, somando sete anos de existência.

Hoje, a Academia Jovem ainda existe, porém, na lembrança e na vontade de alguns de seus membros de não dei-xar a chama que moveu originalmente a instituição morrer. Assim, pode-se dizer que a AJEL deixou, ainda que não oficialmente, uma descendência, com o grupo lítero-performático “Confraria dos Bardos”20. Formado inicialmente pelos jovens poetas André Serrano, Andressa Takao, Gabriel Vieira, Jackson Libardi e Yan Siqueira, o grupo teve iní-cio em meados de Agosto de 2011, data do primeiro encontro, com um diálogo inicial entre Libardi e Siqueira so-bre a carência de espaços para ler os próprios textos, de modo organizado, além de uma leitura crítica de textos do grupo e de outros autores. O nome do grupo foi ideia de Libardi. Atualmente, pode-se considerar a confraria como um “coletivo”, vez que, dos integrantes iniciais, após algumas mudanças de formação, a Confraria conta, até a edi-ção deste artigo, com os seguintes membros: André Serrano (declamador); Andressa Takao (declamadora); Daniel Romanelli (violoncelista); Gabriel Vieira (declamador); Isabella Rodrigues (cantora); Kelly Cristina (dançarina); Lor-raine Paixão Lopes (design gráfico); Nívea Sophia (Maquiadora e diretora teatral); Vinicius Gonçalves (guitarrista) ; e Yan Siqueira (declamador).

Cônscios da frequente dificuldade com que se vê o jovem ao tentar publicar seu primeiro livro, o grupo criou o cha-mado “Manifesto da Gaveta”, uma espécie de “grito de guerra” com o fim de incentivar o surgimento de novos au-tores. Eis o texto, na íntegra:

Convocamos você, escritor, a abrir sua gaveta, recolher cacos e fragmentos de tempo

e personalidade perdidos entre os grampos retorcidos; e permitir que o mundo conhe-

ça todo o potencial retido nas palavras escritas com tanto esmero e espírito por você!

Como disse uma vez o compositor capixaba Sérgio Sampaio:

Um livro de poesia na gaveta não adianta nada,

Lugar de poesia na calçada.

É nisto que acreditamos.

20 | Confraria dos Bardos. Disponível em: <http://confrariadosbardos.wordpress.com> , acesso em 22 de setembro de 2014.

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Entenda-se por poesia, a literatura. Sejam versos, crônicas, romances, contos, rotei-

ros ou textos de gênero indefinível. O ideal da Confraria é fazer com que as palavras,

que se mantêm sólidas no papel, voem. Voem por um momento, um instante, e de-

pois se cristalizem nas páginas e nas mentes atentas, deixando o legado do que um

dia foram. Mas antes de tudo, que as palavras voem – pois só assim a literatura tem

alguma pertinência!

Tire o texto da gaveta, escritor!

A “Confraria dos Bardos” apesar de criada há pouco tempo, já tem um portfólio de ações, dentre saraus, encontros e lançamentos. Sua maior ação, no entanto, é, certamente, o evento “Poesia na Calçada”, uma grande reunião de ta-lentos, dentre músicos, artistas plásticos, bailarinos e, claro, escritores. A iniciativa, em sua segunda edição, contou com o apoio do Funcultura, do Governo do Estado do Espírito Santo.

Ademais, a Confraria começa a dar frutos: o jovem Yan Siqueira (1990 - ) lançou, em 2014, seu livro de contos “Yan-ni”, pela Editora Pedregulho, com recursos do mesmo fundo de incentivo e sob orientação do escritor Marcos Tava-res, da Academia Espírito-Santense de Letras (1957 - ).

6. CONCLUSÃO

Conclui-se, assim, que movimentos literários dessa natureza (criados e conduzidos por jovens autores) são cíclicos e que, ainda que não oficialmente, um grupo acaba sucedendo o outro no desejo de agitar a cena literária local, ou de simplesmente congregar pessoas com os mesmos ideais, para que juntos enfrentem os obstáculos do mercado literário.

Ademais, esses movimentos são importantes para renovar os quadros da Literatura feita no Espírito Santo, uma vez que alguns autores, mais engajados, acabam por fazer carreira literária, alguns fazendo parte, até mesmo, de insti-tuições culturais tradicionais de nosso Estado.

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Referências

A Academia Capixaba dos Novos. Disponível em: <www.estacaocapixaba.com.br>, acesso em 04 de janeiro de 2013.

A Gazeta, A primeira reunião, Caderno 2, domingo, 8 de julho de 2001, página 3.

A Gazeta, Em busca de jovens escritores, Caderno 2, segunda-feira, 30 de abril de 2001, página 4.

Academia Jovem Espírito-Santense de Letras. disponível em: <poetas.capixabas.nom.br>, acesso em 2 de janeiro de 2013

AJEL, Convite de posse.

AJEL, Relação de Membros da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras, julho de 2001

AJEL, Roteiro da Solenidade de Posse. 13 de setembro de 2001.

AJEL. Antologia dos Jovens Escritores Capixabas 2002. Vitória, 2002.

AJEL. Programação Outubro/Dezembro 01. 27 de setembro de 2001.

AJEL. Roças de Milho. Cantata. Sinopse. 13 de setembro de 2001.

AMORIM, Anaximandro. Dez anos de Literatura Capixaba: um levantamento das Letras do Espírito Santo da última década (2000 – 2010). Revista da Academia Espírito-Santense de Letras, especial de 90 anos. Vitória, 2011.

Confraria dos Bardos. Disponível em: <http://confrariadosbardos.wordpress.com>

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23Revista da Academia Espirito-santense de Letras

Duas Crônicas

Carlos Nejar@ Cadeira 16

RETORNEI A VITÓRIA

Ninguém sabe do destino, nem o destino sabe de nós. E se soubesse, não resistiria. Nos tomaria de surpre-sa. Mas ele também é surpreendido. Porque a ordem vem do Alto. Ou alguém poderá dizer que das in-visíveis esferas, ou de um sonho de Deus. Não importa. Diz o poeta pernambucano e universal, João Ca-bral de Melo Neto, que ”o que vive incomoda de vida” .Porque viver é de incrível apetência e desco-

berta. E o choque de viver, a perturbação que o existir causa em nós e aos que nos circundam não conhece meio termo. Como se as coisas acontecessem, antes de acontecer. Ou alguma flor pudesse crescer, antes do nascimento.

Comecei essas considerações por um sucedido. Voltei a viver em Vitória, a partir de fevereiro deste ano. Retornei com alegria de quem aprendeu a amar esta cidade e este povo.

E o amor só se conta nas estrelas. E quem me ensinou muito sobre isso foi Elza, a que tem amor em mim.

E amor não possui voo de pássaro que alcance. Mas não importa o mistério que nos rodeia e nem há que desven-dá-lo, porque ele que nos desvenda.

Retornei ao pouso das ruas quietas de Vitória, das praças calmas e de suas pupilas longas de mar. E uma cidade como Vitória não carece de nada. Floresce por florescer.

E a espuma copiosa do céu desce nas árvores. A mão que é mais forte me trouxe e sou dócil aos seus movimentos. Como uma nuvem. Ou um sol com nuvens.E as nuvens são benditas( ainda mais a que reconheci, Letícia!) . Mas não impede que na horta chovam pensamentos. Luiz Fernando Verissimo diz que escrever crônicas é como andar de bi-cicleta. Para mim, escrevê-las é andar numa nuvem.

Mas ao acordar nos quinhões de claridade, não há peso na luz. E sobre a sacada, a manhã é um enxame que flutua no ar e acende os girassóis.

Respiro Vitória, como se respirasse na boca do vento, na boca do coração e a cidade é igual a um cavalo no peito. Andando, andando.

E o coração na boca germina. Mas quantos fôlegos tem o coração?

E não existe água tão limpa como esta que bebo de aqui ficar, mina de água com a nascente do alvorecer. E a sola da lua na calçada e a calçada do firmamento que não para de cintilar .Com o som do progresso e da memória , que escapa diferente do que vem do violino da infância, nos versos do saudoso Miguel Tallon. Ou o haicai do poeta Ma-rien Calixte, que vaticinou, em belíssima e generosa entrevista (julho/1992),que adotei Vitória: ”Melhor o céu/se a

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terra/ é de amigos”. Sim, voltei, voltei a Vitória. E é agora também minha terra. Onde, no dizer de Guimarães Rosa, ”Deus é definitivamente”.

SOLETRAR A TERRA

A língua do pampa se grudou em mim, como segunda e terceira natureza. Quanto mais envelheço, mais em apro-ximo da terra e mesmo que esteja longe, o que sonho vem dela, como de seu povo. E disso não quero, nem posso defender-me. Nem caberia fazê-lo. Jamais nos defendemos do fogo que nos eleva e nos concede asas. E como di-zia Luiz Vaz de Camões:

“Atado ao remo tenho a paciência.”

E com ela vivo neste Rio de Janeiro, junto à Urca, que se assemelha a uma aldeia selada, com a severa impressão de andar de passagem : locatário de uma casa que não é minha.

E a verdadeira casa talvez se instale nalguma peregrina estrela, de tanto que vaguei na vida.

Não escolhi ser pampiano, como não escolhi esta pátria, nem este lábaro de aragens e jardins, ainda que não haja desperdício na esperança.

Também não existe falta de sentido, no que já teve significado de alma .Ainda mais na primavera a derramar os po-lens do dia.

E confesso quanto me apraz o Espírito Santo, onde morei mais de vinte anos e sempre retorno, tal um sítio da infân-cia, onde fomos plantados e aos poucos, nos reinventamos com inevitáveis palavras .

Nem esqueço as paisagens de Vitória, nem os amigos (mesmo que não os veja) , a impecável moqueca e o inebrian-te mel da Ilha com sua enseada do coração. Não só por Elza, que nasceu em Vitória, mas pelo novo homem que respira em mim. E somos nossas ambições e insônias.

Sim, viver é ir soletrando a eternidade, embora nosso alfabeto humano se vá desgastando com o tempo e o tempo roendo o alfabeto. Soletramos o que não sabemos de tanto existir ou amar. Porque há um segredo que não se balbu-cia ao acaso, o de reagir diante do medo ou do infortúnio.

É quando não sou eu mais, “cuidando em quanto quiser o pensamento”.

E o mundo é o pampa e o pampa, o mundo. E o que parece ser do universo, passa a nos pertencer. Porque viver é soletrar a eternidade.

E ao soprar, infatigavelmente, o Minuano se reconhece no Vento do Espírito Santo, com a aberta mão do horizonte. E ao apertá-la, não há palavras suficientes para o ritual da terra e sua exigência materna.

Nem temos saída: viver é soletrar a eternidade.

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25Revista da Academia Espirito-santense de Letras

A Literatura feita no Espírito Santo nos últimos vinte anos (1994-2014)

Francisco Aurelio Ribeiro (Cadeira 6)

De acordo com Gilles Lipovetsky, que analisa a sociedade contemporânea sob a perspectiva do “consumo”, vivemos uma terceira fase da modernidade: a primeira, correspondente à primeira metade do século XX, caracterizou-se pelo aumento da produção industrial, a difusão de produtos possibilitada pelo progresso dos transportes e da comunicação e pelo aparecimento dos métodos comerciais característicos do capita-

lismo moderno (marketing, grandes lojas, marcas, publicidade); a segunda fase começou na segunda metade do sé-culo passado e caracterizou-se pela produção e consumo de massa, antes reservados a uma classe de privilegiados, pela promoção do fútil e do frívolo, pelo culto ao bem-estar e pela ideologia do individualismo narcísico e hedonis-ta. A essa segunda fase ele chama de “era do vazio”, em que Narciso é a figura dominante. A partir do final do sécu-lo XX e, nestas primeiras décadas do XXI, Lipovetsky identifica um terceiro momento da modernidade, a que chama “hipermodernidade”. Para ele, vários sinais nos indicam estarmos vivendo a cultura do excesso, do “hiperconsumo”, do “hipernarcisismo”, uma “hipermodernidade” que se seguiu à “pós-modernidade” da segunda fase e à primeira “modernidade”, o mais conhecido modernismo do início do século XX. Creio que o fenômeno das redes sociais, da febre mundial das selfies, dos facebooks e do uso de tablets e iphones, com seus whatsapps e comunicações instan-tâneas sobre o tudo e o nada de nossos cotidianos por si só validam a lucidez da análise filosófica e sociológica de Gilles Lipovetsky (In: Os tempos hipermodernos, 2004).

Acho pertinente a reflexão de Lipovetsky também para refletirmos sobre a literatura produzida no Espírito Santo, nos últimos vinte anos (1994-2014). Na primeira metade do século XX, escritores e leitores, restritos a uma elite cultural e burguesa, conviviam com a ausência de qualquer aparelho cultural, em nosso estado. Era o período da “falta”, a que Monteiro Lobato chamou de “ficção literária”. O melhor caminho para os que queriam escrever e ser lidos, no Espírito Santo, era embarcar num vapor no porto de Vitória ou no trem da Leopoldina e desembarcar, vinte e qua-tro horas depois, ou mais, no Rio de Janeiro, a capital da nova república. Foi o que fizeram Afonso Cláudio, Narci-so Araújo, Madeira de Freitas, Haydée Nicolussi, Rubem e Newton Braga, Carlinhos Oliveira, Geir Campos, Marly de Oliveira, Jairo Leão, o pai de Danusa e Nara, Kátia Bento e tantos outros escritores capixabas que se tornaram fa-mosos porque saíram daqui. Nesse período, o Espírito Santo saía da indigência em que vivia no século dezenove e graças à boa gestão de Jerônimo Monteiro e de outros que se destacaram na gestão da coisa pública, iniciou-se um processo de industrialização e de investimentos sociais que irão refletir nas décadas seguintes. Nesse período, o Es-pírito Santo formou uma elite cultural academicista que criou o Instituto Histórico e Geográfico (1916), a Academia Espírito-santense de Letras (1921), a revista Vida Capichaba (1923), o jornal A Gazeta (1928), a Faculdade de Direi-to (1930), os Grêmios Literários Domingos Martins e Ruy Barbosa (1933), o jornal A Tribuna (1938), a Academia Es-pírito-santense dos Novos (1946), a Arcádia Espírito-santense (1945), a Academia Feminina Espírito-santense de Le-tras (1949) e a Universidade Estadual do Espírito Santo (1954), federalizada em 1961.

Criado um aparelho cultural que dava embasamento e sustentação à produção artística e literária capixaba, num se-gundo momento, foi em torno da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da UFES, a FAFI, e não mais exclusivamen-te a partir das academias, que girava a vida cultural de Vitória, praticamente o único centro cultural capixaba, com

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o declínio econômico de Cachoeiro e de Colatina, devido à decadência da monocultura cafeeira, até então o ali-cerce da economia capixaba. Grande êxodo rural provocou a vinda de milhares de pessoas para a capital, acaban-do com o bucolismo da cidade presépio, de Areobaldo Lellis, da cidade “liliputiana e teteia” de Haydée Nicolus-si. Os jovens universitários revolucionaram os costumes burgueses com uma nova postura mais comprometida com a realidade político-social e uma nova maneira de escrever poesias e de representá-la nos palcos. Dentre esses jo-vens rebeldes dos anos sessenta estavam Xerxes Gusmão, Claudio Lacchini, Carlos Chenier, José Irmo, Miguel Deps, Renato Soares, a quem aderiram Renato Pacheco, Marien Calixte, mais velhos, ou Carmélia Maria de Souza, Amyl-ton de Almeida e Milson Henriques, não universitários. Bons escritores surgiram dessa geração como o já esquecido Olival Matos Pessanha, na poesia, e o sempre lembrado revolucionário marginal Luiz Fernando Tatagiba, na prosa.

A partir da década de 1970 e em toda década de 1980, e sobretudo devido à atuação da UFES e sua editora, a da FCAA, surgiu intensa produção editorial no cenário capixaba, marcado, até então, pela carência e pela falta. Se, na década de 1960, a poesia-manifesto foi a marca principal e na de 1970, o teatro-protesto, com encenação de peças escritas por Toninho Neves, Milson Henriques, Paulo de Paula, Amylton de Almeida, Gilson Sarmento, a década de 1980 ficou marcada pela melhor produção literária capixaba, tanto na prosa de ficção quanto na poesia. Revelaram-se os nomes de Bernadette Lyra, Reinaldo e Luiz Guilherme Santos Neves, Adilson Vilaça, Francisco Grijó, Luiz Bu-satto, Miguel Marvilla, Paulo Roberto Sodré, Waldo Motta, Sérgio Blank e dezenas de outros sobejamente conheci-dos de todos os que leem a produção literária dos autores capixabas.

A década de 1990 se iniciou com a débâcle econômica da era Collor. Uma hiperinflação e a desestruturação dos aparelhos culturais então existentes deixavam a todos os produtores culturais sem perspectiva futura. Editoras e livra-rias entraram em crise. Após a estabilização econômica conseguida com o plano Real, em 1994, novo cenário co-meçou a ser desenhado. As prefeituras começaram a criar leis de incentivo à produção e à difusão cultural, sendo a primeira delas a Lei Rubem Braga, da Prefeitura Municipal de Vitória. A Secretaria de Produção e Difusão Cultu-ral da Ufes criou a Revista Você, que passou a ocupar um papel semelhante ao da Vida Capichaba, do início do sé-culo como divulgador da cultura literária capixaba, e publicou mais de quarenta livros de literatura, no período de 1992 a 1996. A editora da FCAA, praticamente extinta, nos primeiros anos da década de 1990, foi substituída pela EDUFES, criada em 1995. Também foram criadas leis municipais de incentivo à cultura nas prefeituras de Serra, Ca-riacica, Vila Velha e Cachoeiro de Itapemirim. O Estado do Espírito Santo fomentou a política cultural do incentivo à produção e à circulação de bens culturais, através de editais, com recursos crescentes, a cada ano, e investimento de mais de oito milhões de reais, em 2014.

Outro fenômeno cultural jamais visto na história da humanidade foi o advento da informatização e da popularização da internet e das redes sociais, nos últimos anos. O suporte “papel” perdeu o lugar que lhe destinou Gutemberg, há quinhentos anos, para a impressão eletrônica. Hoje, a publicação literária divulgada em blogs, homepages, tweeters e todas as suas possibilidades eletrônicas é infinitamente superior à publicada em papel, por maior que ela seja. E esse fenômeno ocorre também em nosso Estado. Nunca tivemos tantos textos publicados, seja em sua forma tradicional, o papel, seja em forma eletrônica. A produção editorial publicada no Espírito Santo, nos últimos anos, apresenta dados que demonstram a quantidade dessa produção. A lei Rubem Braga, da Prefeitura Municipal de Vitória, aprovou 349 projetos de Literatura, no período de 1993 a 2013, com mais de dois milhões e meio de reais investidos. Desse total, de diferentes gêneros e modalidades literários, cerca de um terço é na modalidade “Poesia”, conforme RELATÓRIO DE MATERIAL POR LOCALIZAÇÃO emitido pelo Sistema Integrado de Bibliotecas da PMV em 07/05/2014. A Lei Chico Prego, da Prefeitura Municipal da Serra, aprovou a publicação de 98 livros, de 2007 a 2013, sendo a metade de livros de poesias. O Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo publicou, em sua coleção Almeida Cousin, iniciada em 1997 e dedicada à publicação de obras literárias de diferentes gêneros e modalidades, 55 volumes, até 2014, sendo 31 de poemas, 04 de ensaios, 04 de folclore, 04 romances, 06 de contos, 01 de crônicas, 01 dicionário e 02 de temá-tica histórica, conforme seu Presidente, em publicação de 2014 (NEVES, Getúlio Marcos P. Reflexões sobre o IHGES.)

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27Revista da Academia Espirito-santense de Letras

A Academia Espírito-santense de Letras realizou publicações periódicas desde 1998, mas, através de convênio com a Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal de Vitória, feito em 2007 e renovado, anualmente, deu con-tinuidade às publicações literárias da SEM/PMV, tendo publicado, nesse período, 07 títulos da Col. Escritos de Vitó-ria, 17 da col. José Costa e 18 da col. Roberto Almada, num total de 42 títulos. A Prefeitura Municipal de Vila Velha também criou a sua Lei de Cultura e Arte, tendo apoiado 14 projetos na área de Literatura, de diferentes gêneros e modalidades literárias, em 2008, num total de R$ 86.630,00 investidos, naquele ano; 12 projetos foram aprovados em 2009, 07 em 2010 e 07 em 2012. A EDUFES, criada em 1995 para substituir a Editora da FCAA, publicou uma centena de livros, em sua maioria, científicos ou acadêmicos, mas, nos últimos anos, tem realizado concursos e pu-blicado textos literários. Quanto à publicação estadual de livros através de editais, só no ano de 2013, centenas de autores inscreveram seus textos, concorrendo às benesses da lei. O Instituto SINCADES, criado em 2008, publicou, em seus seis anos de existência 135 livros de autores locais, número que será ampliado em breve com o lançamento ainda em 2014, segundo seu Presidente, Idalberto Moro. (Revista do Instituto Sincades. 21ed. Set.2014).

Há uma produção editorial, hoje, no Espírito Santo, espalhada em seus principais municípios de dezenas de livros produzidos em pequenas gráficas e editoras, muitas vezes com circulação apenas local. Há escritores que têm edi-ções de milhares de livros vendidos entre os leitores de sua cidade. Outros têm um público específico, como os que escrevem sobre gastronomia, por exemplo. Enfim, retomando o Lipovetsky, do primeiro parágrafo, vivemos a cultu-ra do excesso. Nunca se publicou tanto quanto nos tempos atuais. Temos uma infinidade de poetas, de cronistas, de escritores de literatura infantojuvenil, os mais cultivados, de romancistas, de contistas, de ensaístas, de artistas pro-dutores de história em quadrinhos e poucos dramaturgos, ao contrário do final do século XIX e início do século XX, à época do teatro Melpômene. Reclamamos da falta ou da inexistência de leitores, mas eles existem, pois nos lan-çamentos de livros eles comparecem e, se os livros estão sendo publicados, alguém os lê, nem que sejam os amigos ou parentes. O que falta, ainda, no Espírito Santo, é uma política de circulação e de divulgação dos livros capixabas, lugares públicos e privados onde possam ser vistos e conhecidos e uma política de aquisição de livros de autores ca-pixabas para as escolas, presídios e bibliotecas públicas. Certamente, diante da centena de livros capixabas publi-cados, anualmente, há uma dezena de obras de qualidade, que merece ser lida e apreciada por um público maior, além dos amigos e dos colegas de profissão, leitores de sempre.

Por outro lado, se a política estadual dos editais e a política municipal de leis de incentivo à cultura propiciaram a publicação de uma grande quantidade de livros, com critérios de qualidade bem flexíveis, municípios e estado pa-raram ou diminuíram a aquisição de livros para as bibliotecas públicas e escolares, como se aqueles publicados por leis e editais suprissem essa necessidade. Todavia, isso não é verdade, pois muitos escritores publicam por edito-ras privadas ou por si mesmos e, com isso, não têm seus livros adquiridos para as bibliotecas públicas, impedindo aos leitores capixabas de lerem, por exemplo, os excelentes romances “A longa história” ou “A ceia dominicana”, de Reinaldo Santos Neves, publicados pela Bertrand Brasil e “A Capitoa”, de Bernadette Lyra, editado pela “Casa da Palavra”. A Editora Nova Alexandria, de São Paulo, fez uma coleção de dez títulos escritos por autores capixa-bas sobre temas regionais como a fundação de Vitória, a insurreição do Queimado, Maria Ortiz, Caboclo Bernar-do, Anchieta, dentre outros, e, no entanto, não conseguiu, até agora, comercializar esses livros para os órgãos pú-blicos capixabas. Tudo isso nos leva a concluir que é preciso repensar a política estadual e municipal em relação ao livro, à leitura, à literatura e à biblioteca, em nosso estado, que, até hoje, ainda não criou um Plano Estadual do Livro, da Leitura, da Literatura e da Biblioteca, bem como os municípios. Como consolo, o governo estadual lan-çou, em julho de 2014, edital de chamamento para aquisição de cinquenta títulos de obras de autores capixabas, fato inédito na história de nosso estado.

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Introdução ao Tema Imigração no Espírito Santo

Gabriel Bittencourt- Cadeira 12

O tema imigração, na sua vertente terra e mão de obra substitutiva do trabalho servil e expansão agrícola, li-gada aos aspectos econômicos da História do Espírito Santo, apesar da sua importância para a memória lo-cal e regional, é relativamente pouco pesquisado, aparecendo de forma localizada quanto a grupos étnicos e/ou difusa nos grandes painéis da historiografia capixaba, mas já antigos e carentes de atualização. Nes-

se sentido, necessário se torna lembrar que a própria publicação da nossa lavra “O Café na Formação da Infraestrutura Capixaba (1870/1889)”, obra premiada pelo Instituto Brasileiro do Café, na qual ensaiamos uma abordagem ao tema, data de 1978; mais de três décadas, portanto, durante a qual, a produção da literatura histórica do gênero tornou-se pal-co de grandes modificações, muito embora sejam tais obras suscetíveis de melhores análises da crítica historiográfica.

Por outro lado, no âmbito da historiografia capixaba, ao longo das modificações ocorridas conforme podemos obser-var mudou também a temática. Se antes era voltada aos fatos coloniais, de há muito, sobressai os temas imigração, economia cafeeira, indústria, a infraestrutura material, a transição para o trabalho assalariado, cujas balizas tempo-rais privilegiam o século dezenove e as primeiras décadas do século vinte. É que no Espírito Santo, a imensa “em-presa comercial” que caracterizou a colonização brasileira ficou nos justos limites da ação dos interesses metropo-litanos, que privilegiarão o Nordeste açucareiro, o centro-sul minerador, ou os centros administrativos da colônia li-gados à economia predominante. Tudo isso relegou a terra capixaba a uma economia de sobrevivência, ou mesmo à condição de cinturão armado de sua própria hinterlândia (Minas Gerais), impedido, paradoxalmente, da explora-ção de seu território para oeste, e sem condições de atrair uma população expressiva.

O açúcar foi, até meado do século XIX, o produto responsável pela manutenção das vilas e povoados litorâneos, se-cundado pelas culturas agrícolas de subsistência, tais como, mandioca, arroz, feijão, milho, legumes diversos e pe-quena criação de gado, além da pesca artesanal.

Por outro lado, a independência política preservou as feições que distinguiam a economia, estrutura e posse da ter-ra do País, desde aquele período. Isto é, a orientação para o mercado exterior, atribuindo importância primordial aos estímulos do intercâmbio comercial. Apenas substituído o objetivo de formação de saldos da balança comercial da metrópole pela interdependência no sistema da “divisão internacional do trabalho”. Ou seja, da suplementação da agricultura européia de gêneros alimentícios e matérias-primas em troca da importação de artigos fabricados para uso direto do consumidor, dos países em avançado estágio do processo tecnológico e de capitalização.

Assim, a orientação econômica que terminou por prevalecer no Brasil, no século XIX, e que redundou no abandono das práticas mercantilistas, não implicará “na mudança da estrutura básica da produção que ao capitalismo indus-trial convinha manter nas grandes linhas.”

Durante todo século XIX, as exportações do Império ficaram concentradas em cerca de meia dúzia de produtos agrí-colas, dos quais o café assumiu o papel hegemônico em substituição do açúcar, na dinâmica econômica nacional.

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29Revista da Academia Espirito-santense de Letras

Nas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, a exceção da zona de Campos (RJ) e de outros pontos dos vales ribeirinhos próximos à costa, as lavouras cafeeiras suplantaram e substituíram a antiga cober-tura de canaviais, ou dilataram a fronteira agrícola em detrimento da mata nativa original. Resultando daí a grande expansão latifundiária, aproveitando-se da estrutura fundiária jacente, na qual a nova economia se ajustou.

Destarte, nas novas áreas abertas à agricultura no século XIX, preservou-se a organização da produção distinguida desde o período colonial: da lavoura tropical estabelecida como monocultura, da exploração escravista, e baseado na grande propriedade de origem “sesmarial”.

Assim sendo, para o Brasil, o projeto da imigração estrangeira, aliada à economia cafeeira implantada nos núcleos das colônias de imigrantes, a dilatação da fronteira agrícola com base nesses mesmos núcleos agrícolas, será funda-mental para a modificação desse panorama.

Logo, o tema imigração também se tornou imprescindível ao estudo da formação espírito-santense, sobretudo aque-le referente aos principais grupos europeus que contribuíram para a formação histórica do Espírito Santo. Tema tam-bém que vale a pena abordar principalmente a partir do substrato representado pela estrutura e posse da terra e da carência da mão-de-obra, na conjuntura da agrícola do século XIX e início do século XX.

Assim sendo, o marco inicial das pesquisas pode ficar localizado desde o final do século XVIII e início do século XIX quando começam a ganhar corpo os decisivos esforços de dilatação da fronteira agrícola do Espírito Santo por meio de projetos sistematizados de introdução de colonos estrangeiros em levas organizadas. Isto é, um período que per-meia o processo para a abolição do tráfico e a da própria escravidão. Enquanto o limite término pode ficar fixado to-mando-se em consideração as últimas levas de imigrantes aqui aportados, ainda no período denomina de República Velha. Isto é, devido às meditas restritivas ou ainda a falta de interesse por parte das políticas públicas que levaram ao arrefecimento do impacto causado pelas grandes correntes migratórias ocorridas na região.

Devemos também esclarecer que esses estudos, em nosso caso, deverá também estar fundamentado em estudos an-teriores a propósito do tema, publicados em obras e estudos regionais que vêm sendo realizadas ao longo de mais de trinta anos sobre a história do Espírito Santo, sobretudo na nossa História geral e econômica do Espírito Santo (2006). Sendo o mérito de um novo estudo o de organizar, sistematizar e atualizar, inclusive com novos enfoques, aquilo que vimos produzindo sobre dilatação da fronteira agrícola, ocupação do solo e os esforços para imigração e estrutura e posse da terra capixaba. Fica também esclarecido que, na elaboração de um trabalho específico a pro-pósito da imigração regional, obrigatoriamente deverá objetivar a apresentação dos fatos historiográficos, com vis-tas à produção de um texto introdutório e acessível àqueles que se interessem pelo papel da imigração para a região capixaba, sem prejuízo, no entanto, da abordagem aos demais grupos étnicos - ameríndios e negros - precedentes e substratos na base da população local, sob os quais se organizou a terra e o trabalho nas fases colonial e imperial.

Para a reconstrução do nosso passado histórico, o método técnico empregado poderá ser também, a pesquisa ampla e profunda das fontes e sua articulação às hipóteses formuladas e que se encontram implícitas e substrato nos estu-dos, pertinentes no sentido de testá-las e embasá-las empiricamente. Deve-se esclarecer, ainda, que as hipóteses ao processo histórico da imigração regional deverão ser identificadas a partir da compreensão prévia dos problemas in-fraestruturais da economia local, pela importância determinante que lhes são atribuídas nesse processo. Nesse senti-do, deve-se também utilizar as publicações clássicas da historiografia capixaba, periódicos, relatórios, indicadores e outros estudos, que forem confrontados com os estudos mais recentes de grande valia ao estudo do tema, e que de-verão ficar relacionadas nas referências bibliográficas das obras em estudo.

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Por fim, nunca é demais lembrar que, em outras palavras, o fenômeno imigração pode ser compreendido diferen-cialmente de daquele caracterizado como colonização. Entendido este como conceito de um grupo de migrantes que se estabelece em terra estranha “Ele representou no caso do Brasil, a transferência de uma população destina-da a ocupar e povoar uma região onde não se constatava a presença de indivíduos pertencentes nãos segmentos ét-nicos de origem caucasiana”

Muito embora, desde o início da fase colonial, têm-se notícias da presença de estrangeiros não portugueses na co-lônia brasileira. É de se destacar que a própria expedição de Cabral, em 1500, já existe registro da presença germâ-nica no Brasil, quando com ele vieram 35 artilheiros desta etnia, armados de bombardas e arcabuzes. Notória, tam-bém, foi a presença de Hans Staden, originário de Homberg, no Hessen, a quem devemos os importantes registros dos costumes indígenas que habitam a terra descoberta. Também aqueles que vieram sob os auspícios da Igreja como catequizadores ou, pelos empreendimentos invasores, ou mesmo como “imigrantes” forçados, no modo de produ-ção escravista, oriundos do tráfico de escravos africanos.

A imigração da qual falamos, embora possa ficar captada desde o período colonial brasileiro, isto é ainda no sécu-lo XVIII, ela faz parte do sistema de povoamento, denominado “colonização”, que inicialmente desempenhou pa-pel destacado na ocupação da ilha de Santa Catarina, parte do Rio Grande do Sul e mesmo no extremo Norte; para onde foram enviados açorianos e soldados desertores casados com portuguesas (vale do Amazonas). Mais tarde, essa política de Estado português tanto no período “joanino” como no Estado brasileiro do Império, ela se faz presente em diferentes regiões do país, sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná e, assim como também, no Espírito Santo, num processo que se estendera até as primeiras décadas do século XX e que constituirá importante capítulo da historiografia capixaba.

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Viagem que se fez no mês de junho à foz do Rio Doce, num dia de mar alto

Getulio Marcos Pereira Neves - Cadeira 33

Era a ideia inicial assistir ao encontro das bandas de congo em Regência; consta que se percebe ligeira dife-rença na batida, entre os grupos da Grande Vitória e a daqueles grupos de mais ao norte, como me infor-maram certa vez. Além disso, a festa haveria de ser bonita de fato, naquele início de junho, no encerramen-to das comemorações em honra ao Caboclo Bernardo, o salvador da tripulação do Cruzador Imperial Mari-

nheiro, em 7 de setembro de 1887.

Domingo, de sol, pela manhã, toca para a Vila de Regência, em Linhares. Distante trinta e oito quilômetros da BR-101, dos quais apenas aproximadamente dez são asfaltados, os buracos no caminho não conseguem estragar a gra-ça da paisagem quase vespertina, de capinzais com vacas pastando e de raros coqueiros margeando a estrada. Na chegada à Vila, uns bons trinta ou quarenta minutos depois, o grosso do movimento de brincantes do congo parecia já ter-se dirigido para o local do encontro, ficando para trás uns raros retardatários: algumas meninas integrantes de bandas, com seus vestidos coloridos, entrando e saindo de um caminho que ia dar à pousada de Dona Mariquinha - organizadora da festa e responsável pela manutenção da memória do herói capixaba nativo do lugar.

À vista desse desencontro, restava ao viajante ver outra atração maior da Vila (para quem não faz muito bem o surf), que é a foz do Rio Doce. A famosa foz do Rio Doce, de tantas histó-rias sinistras para a navegação costeira do Espírito Santo e do Brasil. Cujos bancos de areia, traiçoeiros por se moverem com os ventos e com a maré, passam uma falsa impressão de se-gurança, mas desafiam sempre a perícia de pilotos e práticos daquela barra. Não por outro motivo contavam os antigos habitantes de Regência que na época companhias inescrupulo-sas, querendo se desfazer de velhos barcos condenados, mas devidamente segurados, man-davam-nos transpor aquelas águas perigosas...

A foz do Rio Doce é local de difícil navegação e, por isto mesmo, de naufrágios famosos. A primeira ocorrência de que se tem notícia se deu em 1573, quando os padres jesuítas Luís da Grã e Inácio de Tolosa escaparam ali de um si-nistro. Prosseguiram, então, em romaria, à ermida da Penha, em Vila Velha (fiz referência ao fato no texto “Nos Pas-sos da Romaria, na Festa da Penha”).

O Acadêmico Norbertino Bahiense, em seu O Caboclo Bernardo e o Naufrágio do Imperial Marinheiro (2.ª ed, Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1971, p. 190/196), lista outras ocorrências da mesma espécie naquelas plagas: citando Ba-sílio Daemon, refere-se a naufrágio ocorrido em 1837, de uma expedição vinda da Inglaterra, em que se perderam “todos os instrumentos e muitos objetos de valor”; coincidentemente a 7 de setembro de 1876, mesmo dia em que onze anos depois se daria o episódio do “Imperial Marinheiro”, naufragou a lancha “Vencedora”, com cinco pes-

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soas a bordo, quando morreram quatro, inclusive o filho do proprietário. Junto ao Serviço de Documentação da Ma-rinha, Bahiense, que também pertencia aos quadros do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, levantou dados sobre o naufrágio do vapor “Irene”, que se verificou a 1 de novembro de 1899, véspera do Dia de Todos os Santos, felizmente tendo-se salvo vidas e cargas, mas não a embarcação. Em 14 de setembro de 1905 naufragava no mesmo local o “Santa Cruz”, de que foram resgatados, no dia seguinte, todos os passageiros, depois de uma noite de tempestade e desespero, perecendo alguns tripulantes que tentaram alcançar a costa a nado.

Não fosse pelo solene da natureza, é local para se visitar com respeito, tantas foram as ocorrências náuticas funes-tas. Do centro da Vila de Regência vai-se a pé até a praia, forte, de mar aberto, como o Pontal do Ipiranga ali adian-te e mais a norte a ilha de Guriri, em São Mateus: aliás quanto mais ao norte do Espírito Santo se vai, mais as praias deixam de se desmanchar em enseadas, como as de Guarapari, e se tornam cada vez mais retilíneas e a perder de vista, como acontece no litoral do nordeste. A caminhada, pela areia grossa da praia, batida pelos ventos, não dei-xa de ser puxada; mas procurando internar-se mais em direção ao continente, em vez de seguir em linha reta o re-corte costeiro, o viajante logo avista as águas do Rio Doce, abaixo do nível das dunas e envolvidas por uma moldu-ra de vegetação nativa de restinga.

Tudo ali é impressionante, de fato. Amplidão; descampado. À frente o mar aberto, constantemente varrido pelos ven-tos, ventos estes que deviam ser propícios aos veleiros bem conduzidos de qualquer calado. Num dia de ressaca, as condições do mar remexido fazem imaginar as lamentáveis cenas de desespero das vítimas de todos aqueles sinis-tros. E fazem lembrar a coragem do pescador Bernardo José do Santos, que naquele dia por quatro vezes jogou-se ao mar, a nado, para tentar levar uma corda até o Cruzador da Marinha Imperial, só logrando êxito na quinta inves-tida mar adentro. Por seus esforços, que se adivinham dali, é que Bernardo, já feito herói, dirigindo-se ao Rio de Ja-neiro para se avistar com a Princesa Imperial Regente, foi acolhido em Vitória, com préstito e honras, pelo Presiden-te da Província, como se lê da cobertura do jornal Província do Espírito Santo entre os dias 18 a 29 de setembro da-quele ano de 18871.

Eis aí o final do curso do Rio Doce por terras de Minas Gerais e Espírito Santo, oitocentos e cinquenta e três quilô-metros desde a nascente, na Serra da Mantiqueira: a mais importante bacia hidrográfica localizada inteiramente na região sudeste. Toda a pujança do grande Rio desemboca numa área de aproximados 1,97 km² de foz, onde o en-contro das águas doces e salgadas forma um espetáculo grandioso. Em certos dias, a altura da maré determina a van-tagem das águas marinhas e estas nesses dias sobrepujam sem esforço as águas do rio. Mas não sem se tingirem da coloração barrenta que vem suspensa nos sedimentos arrastados dos interiores do continente.

Passando algumas horas por ali, absorvido na observação da paisagem e na captação de imagens, com alguma sor-te pode-se testemunhar mudança de tempo que vai a pouco e pouco tornando baço o ar, resultado da potente mare-sia soprada do mar alto. E não deixando, ao fazer descer uma cortina cinzenta sobre o espetáculo – que era inicial-mente só fulgores de luz - de pintar reflexos e sombreados interessantes naquela amplidão de descampado. A trilha sonora à base do sopro forte do vento, levantando areia e assobiando à volta de tudo num crescendo, ajuda a com-por nessas ocasiões um quadro quase terrível e, pela fúria do mar, chegando a se mostrar um tanto assustador. Mes-mo para quem conhece o mar de outras paragens.

Com um pouco de sorte este clima pode ser atenuado, tendo-se a oportunidade de testemunhar em sua atividade a placidez de algumas aves aquáticas nativas do local. Contraste interessantíssimo: sem pressa, vão cuidando de ali-

1 | Num adendo, o Caboclo Bernardo voltou à sua vida simples em Regência até o seu infausto fim, que neste ano de 2014, completa cem anos. Integra o panteão dos vultos notáveis da Marinha do Brasil.

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mentar-se, enquanto a maré não sobe e lhes tira a possibilidade de petiscarem a esmo pelos arroios formados nas poças e cursos d’água. Sítios fugazes estes, porque rapidamente preenchidos pelo volume líquido crescente que se espraia pela terra adentro, represando e forçando a porção de água doce a retroceder e esperar melhor ocasião para se misturar ao oceano lá adiante, na boca da barra.

Esta, encapelada pelos ventos e pela ressaca, mostra-se em dias desses quase que invencível. Às vezes tem-se a pos-sibilidade de observá-lo na prática: terra de lida da pesca e de pescadores, de que era exemplo o catraieiro Bernardo José dos Santos, não raro veem-se embarcações lançando àquela mistura de águas de sabores distintos suas redes de pesca - ou tentando fazê-lo, como é o caso nessas ocasiões. Ocasiões em que os homens do rio/mar preferem não se aventurar ao largo, não chegando a deixar os limites seguros da quase bacia que forma ali o grande curso d’água. Que, de uma forma ou de outra, os protegem das ondas que se arremessam furiosas contra ele mesmo, como a ten-tar fazê-lo retroceder às entranhas dos sertões que no final o conduzem ali, ao desaguadouro terrível. Em ocasiões dessas, vencidas pela barra formidável, as lanchas retrocedem à segurança de dentro da pequena baía de água doce, para se retirarem em seguida, momentaneamente vencidas, ao porto de onde saíram.

Já perto do fim do dia se conclui que não é este um espetáculo comum, não é este um lugar comum. As lembranças de tantos episódios de desespero é capaz de terem gestado histórias e tradições interessantes no lugar. O esplendor da natureza também. Não se consegue saber de umas e outras estando apenas de passagem, poucas horas, a captar imagens na região. Mas pressente-se no ar certo riscado mágico e solene ao mesmo tempo, como a exigir daquele que se deixou impressionar pelo espetáculo que venha se aprofundar mais e mais nos mistérios do lugar. Um ape-lo quase que irresistível.

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Homenagem ao nosso escritor Rubem Braga

Gracinha Neves- Cadeira 23

Em 12 de fevereiro de 1982, tive a honra e a felicidade de conhecer Rubem Braga, durante o lançamento do livro “Uma Viagem Capixaba de Carybé e Rubem Braga” numa realização do Departamento Estadual de Cultura do Espírito Santo (DEC). Eu já o admirava desde criança, quando frequentava o curso primário no “Grupo Escolar Irmã Maria Horta”, dirigido por minha mãe, a professora e educadora Hilda Figueiredo da

Silva, que nos fazia ler os autores capixabas, dentre outros.

Eu ouvia as professoras Elza e Conceição falarem muito de Rubem Braga, pois ele era irmão de Gracinha Bra-ga, cunhado do Secretário de Educação na época, Dr. Bolivar de Abreu, que nos visitava frequentemente, pois os seus filhos também estudavam no Grupo Escolar. Nós éramos moradores do bairro Praia do Canto, local do Colégio até os dias de hoje. Passava horas mergulhada nas leituras de suas crônicas cheias de beleza e ironia, expostas na pequena biblioteca do Grupo e, maravilhada com os termos que mal entendia, mas já sentia um sabor poético invejável.

Rubem Braga é com certeza um dos grandes escritores dos últimos tempos, um dos maiores mestres da literatura ca-pixaba. Participamos recentemente das comemorações dos seus cem anos, com uma exposição belíssima realiza-da no Palácio do Governo do ES, onde foram feitos registros com profundas marcas de um saudosista que revivia o seu lado menino das terras cachoeirenses. Ele foi o mestre dos mestres para todos os escritores capixabas. Foi flagra-do pelo pintor Portinari que o reverenciou com seu autorretrato. Queremos saudar o nosso mestre, transcrevendo trechos de suas crônicas do livro A Borboleta Amarela, publicadas entre janeiro de 1950 e dezembro de 1952, com ilustrações de Carybé. Uma fase vivida entre a França e a cidade do Rio de Janeiro.

Inicio com a crônica O estrangeiro (Paris, abril 1950) , cuja leitura me fascinou, dando-me a sensação de estar en-trando no texto e me envolvendo nos ares tristes e frios dos dias parisienses. Reporto-me aos dias em que o frio che-ga a zero grau, e que para uma brasileira, a sensação térmica é ainda mais forte e baixa.

Eu acordara cansado e triste; sai para a rua, o céu estava cinzento e sujo, e um vento

frio me atacou na esquina. Em qualquer outro dia isso não teria importância, mas não

deviam ter me dito que este era o primeiro da primavera. Bonita primavera me ofere-

cem os senhores! Tive vontade de gritar ao povo de Paris; mas fiquei em silêncio, co-

mendo sozinho no fundo de um velho “bistrô”. [...] Pode-se criticar de muitos mo-

dos a cidade de Paris, mas acho indiscutível que é uma boa cidade para se falar sozi-

nho na rua, mesmo em português.[...]Mas que importa um homem, e o que ele pen-

sa? Nem as nuvens do céu nem as de meu peito impediam que a primavera estives-

se na verdade desenvolvendo seus mistérios; ela agia, [...]

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A cidade luz, a bela Paris, ainda hoje não é tão diferente daquela cidade em que o autor viveu, as temperaturas frias nos transportam causando-nos a dor da saudade, mesmo na Primavera, quando as flores desabrocham em cores ma-tizadas, apesar de brilhar um sol opaco e triste. Eu tinha alguns anos de idade e já me sentia filha da terra parisien-se, pois aos 11 anos passei a estudar no Colégio “Sacré Coeur de Marie” e me encantei com a língua francesa e sua cultura, com a langue et civilization française!!

Passados mais de sessenta anos em que Rubem Braga viveu na cidade parisiense, vislumbro Paris, envolvida em seus mistérios... percorro emudecida as ruas da cidade à procura do sol de nosso Brasil, o sol de calor humano, sem hora marcada e sem protocolos, o sol que reflete singularmente no verde e brilho das nossas árvores. Cresci, segui os ru-mos da vida e, levada por impulsos, decido vivenciar esse grande e antigo amor e admiração por Paris.

Ao acordar na Cidade Luz, em uma manhã primaveril, abro os olhos e procuro o céu... mas o encontro tão cinzento e feio que desperta em mim, me faz triste e a falta de coragem de sair. A saudade aperta, um nó na garganta me su-foca e procuro imaginar um céu sem nuvens plúmbeas no despertar de um novo dia, que trará consigo despontando o azul de anil. Relendo ainda as crônicas, plenas dos dias frios parisienses, nas quais Rubem Braga relata os tempos vividos naquela cidade distante, vejo-me acolhida em locais aquecidos e imagino o seu navegar por uma casa triste e mórbida, guiada pela A navegação da casa” (Paris, abril, 1950)

Muitos invernos rudes já viveu esta casa. E os que a habitaram através dos tempos lu-

taram longamente contra o frio entre essas paredes que hoje abrigam um triste senhor

do Brasil.[...] Chamei amigos para conhecer a casa. [...] eu vou ternamente misturan-

do aos presentes os fantasmas cordiais que vivem em minha saudade. Quando a fes-

ta é finda e todos partem, não tenho coragem de sair. Sinto o obscuro dever de ficar

só nesse velho barco [...] Eu disse que os moradores antigos lutaram duramente con-

tra o inverno, através das gerações. Imagino os invernos das guerras que passaram [...]

O inverno voltou de súbito, gelado, com seu vento ruim a esbofetear a gente despre-

venida pelas esquinas. Hesitei longamente, dentro da casa gelada: qual daqueles apa-

relhos usaria? O mais belo, revestido de porcelana, não funcionava, e talvez nunca ti-

vesse funcionado; era apenas um enfeite [...]

Tenho vivido Paris em várias estações do ano e, nos dias de inverno, sempre procuro enfrentar o frio aquecida por capas e capotes pesados. Passo o dia a visitar museus, tentando compreender as obras de grandes pintores, os gigan-tes da pintura renascentista até os contemporâneos. Ainda nesses dias frios, considero o melhor passeio estar com os mestres, quer revendo Monet, Boudin, Degas, Manet ou Renoir - adoro os impressionistas. Não deixo, porém, de vi-sitar Rodin, Picasso... vivencio cada quadro com sua história e os flashes de uma época que se fixam em minha me-mória, de um tempo mágico, como se eu lá estivera...

Adentro os mistérios dos grandes castelos de Versailles e do Vaux le Vicomte; imagino e fico curiosa para conhe-cer um pouco da rivalidade entre Nicolas Fouquet e Luís XIV, com seus jardins magníficos criados por André Le Nôtre. Paris comemorou os 400 anos de Nôtre, seu grande autor desses jardins mais lindos da Europa.Busco den-tro de mim mesma a fé, fortalecendo-a com um passeio pelas igrejas, onde compartilho em cada detalhe todos os enigmas da Igreja católica, apreciando as célebres Medalha Milagrosa e Notre Dame, ouvindo o som mais puro do órgão de tubos, majestoso e imponente e me rendo à beleza da Igreja do Sacré Coeur em Montmartre.Tudo é místico, tudo é belo!

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De repente, me deparo com a crônica Ruão (Paris, setembro, 1950), que em francês é Rouen, a bela Catedral. Sin-to-me, então como se estivesse ao lado do escritor, que lamentavelmente a encontrou fechada.

É preciso ter paciência com as catedrais; Monet o sabia; entretanto Verlaine as acusa-

va de loucas.Devemos percorrê- las carinhosamente, de passo humilde e guia na mão;

e depois voltar em outra hora e perambular em suas sombras. [...] Rondei vagamente

sob a chuva, só, na tarde escura, o monstro escuro.[...] Quando Chegamos perto co-

meçou a escurecer e a chover, e a catedral estava fechada.[...]A chuva é mais forte.Es-

condo-me sob um toldo. Olho ainda a catedral já noturna; a água despenca das gár-

gulas e chora nas pedras negras.[...].

Entro no texto de Rubem Braga e reconheço o seu olhar para uma das mais belas catedrais da França. Lá estive e des-lumbrada, percebi que é realmente indescritível a obra de Monet que a interpretou em quadros durante dias e noites nas diversas fases da claridade com brilhos transparentes e opacos. Um amor infinito que fez Monet se prostrar dian-te de tão bela obra arquitetônica. As sombras cobrem a catedral no cair da tarde. Momentos de emoção, fazem-me perder o fôlego e, em um único instante, percebo a existência de Deus... vejo-me atônita e sinto que vendo a Cate-dral de perto, constato o que Monet presenciou. No olhar poético do artista, ele transmite em cada pincelada os tra-ços da luminosidade do sol encoberta pelas nuvens... É o que vejo e percebo também!

Li e reli as crônicas do livro e me senti revivendo um tempo entre a década de 60 e 70, período em que morei no Rio de janeiro. Senti-me presente, em cada frase e em cada página, traços de recordações e momentos de nostalgia, numa grande coincidência foi escrita no ano em que nasci. Ele descreve em O afogado (Rio, novembro de 1949)

Não. Não dá pé. Ele se sente cansado, mas compreende que ainda precisa nadar

um pouco. Dá cinco ou seis braçadas, e tem a impressão de que não saiu do lugar.

Pior: parece que está sendo arrastado para fora. Continua a dar braçadas, mas está

exausto. A força dos músculos esgotou-se; sua respiração está curta e opressa. É pre-

ciso ter calma. Vira-se de barriga para cima e tenta se manter assim, sem exigir ne-

nhum esforço do braços doloridos. Mas sente que uma onda grande se aproxima.

[...] Tem dificuldade de respirar, e vê que já vem outra onda. [...] Olha a praia e as

pedras; vê muitos rapazes e moças, tem a impressão de que alguns o olham com in-

diferença. [...] A idéia de que precisará ser salvo incomoda-o muito. [...] Olha ainda

para as pedras, e vê aquela gente confusamente; a água lhe bate nos olhos. Percebe,

entretanto, que a água o está levando para o lado das pedras. Uma onda mais for-

te pode arremassá-lo contra o rochedo, mas, apesar de tudo, essa ideia lhe agrada.

Sim, êle prefere ser lançado contra as pedras, ainda que se arrebente todo. [...] Vê

então que foi jogado sobre a pedra sem se ferir; talvez instintivamente tivesse usado

sua experiência de menino...[...]

Foi numa manhã de sol de 40 graus no Rio de Janeiro, que passei por uma experiência semelhante a do nosso Ru-bem Braga, talvez as mesmas aflições e quase também um afogamento. Estava em Ipanema com o meu amigo da França, e fomos nos banhar próximo às pedras do Arpoador. Impulsionados pelo prazer, nos jogamos às águas límpi-das do mar e as ondas pareciam pequenas e aparentemente calmas. Em instantes, fomos levados pela correnteza e, em poucos segundos, o mar se tornou agitado e as ondas se enrolavam subitamente cada vez mais altas. Não con-seguíamos voltar, tentávamos pedir ajuda, mas ninguém parecia ver o que se passava... havia muita gente nas pe-

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dras e na areia, distantes da água. No desespero, me joguei sobre as pedras e ensanguentada, chamei a atenção de alguns banhistas que correram a chamar um salva-vidas para retirar o meu amigo do mar. Foram momentos de pâ-nico, mas felizmente nos salvamos.

Imagino o que o nosso poeta maior, passou quando também por pouco, não era levado pela correnteza do mar de Ipanema. Nos múltiplos cenários e contextos em que se desenrolam suas crônicas, Braga se revela mais e mais, ex-pressando seu amor pela música clássica, pelo romantismo de Beethoven, num período em que se instala no Rio de Janeiro, a capital do Brasil à época. Beethoven (Rio, dezembro de 1952), declara que

Teu reino não é o da Música. Sempre olhastes com certo assombro os que vão a um

concerto como quem vai a um ato de religião e, afundados em suas poltronas, gozam

e sofrem em silêncio, e se entregam a um mundo misterioso de sensações e sentimen-

tos de onde emergem com olhos brilhantes, dizendo coisas estranhas. [...] “Eles têm

um outro mundo, maravilhoso e infinito, onde jamais entrarei”_ pensaste com des-

peito. Mas a graça, e o gozo, e as aflições deste mundo em que vives sempre basta-

ram para te prender e te perder. Foi assim. Ao acaso de uma tarde vadia, que te dei-

xastes ficar sozinho, na rede a ouvir um desses discos “long playing” [...] uma sona-

ta de Beethoven. [...] ”Beethoven” - pensaste um instante - um alemão nascido em

Bonn, que andou muito em castelos de príncipes e arquiduques, que dizem que era

gênio [...] E apenas despertas ao ruído seco da vitrola rodando depois do disco aca-

bado_runc, runc, runc_ e na paz vesperal do sábado de Ipanema (na árvore, perto,

há um casal de sanhaços azulados) tens vontade de agradecer e de pedir desculpas

a esse homem rei de um mundo estranho, Ludwig van Beethoven, natural de Bonn.

Em muitas das noites, o sono não vem, me viro e reviro, sinto frio...me cubro, descubro e recubro, ligo a vitrola an-tiga do meu quarto, e ouço uma das sonatas de Beethoven, A tempestade , Opus 31, n. 2 ”e por momentos de lu-cidez me interrogo: - Eu que já toquei tão bem essa sonata, por que não toco mais? Terá a vida sido tão dura comi-go, que meus dedos não me obedecem mais e eu desperdicei inadvertidamente horas e horas de longos dias de uma vida de estudos e técnicas diárias?!...

De súbito, me vêm os pensamentos longínquos daquela realidade de estudante no Rio de Janeiro, a insônia persiste e já escuto o allegretto, terceiro movimento da sonata, com suas nuanças e velocidade que me percebo incapaz de executar como Pollini, o intérprete do CD. Tenho a sensação de ver uma sombra no quarto, entre o meu eu e o ou-tro, a sensação de medo e toques descompassados batem fortemente no meu coração, fazendo-me sentir o fantas-ma oculto de Beethoven. Os sons soam como notas pesadas retratando raios e trovões em dia de tempestade, exata-mente como Beethoven simbolizou nessa impetuosa e majestosa obra. Aos poucos a sonata chega ao final e já não a ouço mais, o meu sonho se apaga e o sono chega bem de mansinho.

Ao acordar, uma vontade imensa de sentar-me ao piano, para dizer ao nosso escritor Rubem Braga que apesar de entender bem música, também gosto de escrever... Como ele não está mais entre nós, não posso lhe dizer, mas en-contro nos meus arquivos a foto que me transporta para uma época distante, em que tive a felicidade e o privilégio de conhecer e ficar bem próxima do escritor de Cachoeiro de Itapemirim, cidade ao sul do Espírito Santo, que se fez conhecido no mundo e o grande orgulho dos capixabas.

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Rubem Braga, Gracinha e Carybé

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Poemas

Humberto Del Maestro - Cadeira 20

ITABIRA

Erecto, sobre o púbis da colina,exibe altivo o excesso de vigorpela manhã, à noite e no ruborda tarde voluptosa que declina.

*Granítica figura, tem por sina

vencer o tempo, as águas e o calor.E qual um deus pagão, em rico andor,da base ao topo a vastidão domina.

*Orgulho-me de ti, rude Itabira

(denso bastão no cio que delirade luxúria, num hábito griséu),

*porque entre nuvens, qual tensor jucundo,

não te intimidas de mostrar ao mundoo imenso falo a deflorar o céu.

BASÍLICA DE SANTO ANTÔNIO

Suntuosa e bela, no alto da esplanada,fruto do amor cristão, pérola rara,

ergue-se altiva, em placidez que aclara,do paduano a esplêndida morada.

*Prônuba chama, vênera, cercada

do orvalho de orações, alva, preclara.Mira-lhe o voo o milenar Mochuara;busca o infinito, sobe, indene, alada.

*E lá no espaço, esbelta, compassiva,

aio divino que, às manhãs, avivatoda a doçura do azulado véu,

*

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branda, sorrindo ao coração da gente,parece mais as emoções de um crente

a vasculhar as amplidões do céu.

O FRADE E A FREIRA

Quando passo na estrada e vejo no altoesses dois monumentos de granito,

meu pensamento empolga-se e, contrito,não contém repentino sobressalto.

*É mensagem divina ou simples mitoque distingo surpreso deste asfalto?

Tocou a mão de Deus nesse planaltoou mera fantasia agora fito?

*O que sei é que o coração risonho,enlevado talvez por almo sonho,

impulso ganha e ao topo me conduz*

para escutar a confissão serenadesses amantes castos, cuja pena

sublime cumprem, num altar de luz.

O PENEDO

Monumental e másculo gigantea contemplar a terra da vitória.És testemunha vívida da históriadesta gente operosa e cativante.

*Quem, senão tu, conhece de memória

os feitos deste povo edificantee a beleza desta ilha fascinante,

onde o cantor consegue palma e glória!?*

O mar beija teus pés; a brisa, a fronte.Imponente, mais alto que o horizonte,num silêncio profícuo, sem cansaço,

*vigias a cidade, frente a frente...

E aí tu ficarás, eternamente,como um dedo granítico, no espaço.

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Quadras capixabas

Jorge Elias Neto, cadeira 2

Para Renato Pacheco e Guilherme Santos Neves

Capixaba bota o íaté no meio do arroizpoca a boca do balão

sente gastura depois

Nossa terra tem moquecasem azeite de dendê,

herança de outra épocados irmãos tupi e gê.

*Tem os passos de Anchieta

e poemas nas areias,Saint-Hilaire pelas matas,Marvilla e suas sereias.

*Tangará na mata Atlântica

canta a biodiversidadejá na areia se levanta

Iemanjá e os estandartes. *

Canela verde de algasnas mãos o café torrado

na pele o bronze das tardesrosto de urucum pintado.

*Banda de congo, casaca,Garças do Jacarenema,Madalena, Madalena,

belas, lustrosas morenas. *

Nossa terra tem a Penhaa lembrar Pedro Palácios

que a imagem da Virgem Santadeixou no alto penhasco.

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Tem Chico Prego, Elisárioe a insurreição de Queimados

festa de São Beneditoe o povo puxando o mastro.

*São Pedro recebe as barcassacro-profanas, ardentes,bandeirolas, fogos, velas

e o andor do povo crente. *

São Benedito, eu protestosou peroá do Rosáriosua imagem, atesto

merece o azul no mastro. *

Cá eu discordo, meu Santocabe ser verde o estandarte

da ladeira do ConventoCaramurus, irmandade.

*Era no Carmo de outrora

e sua capela barrocaque das mãos do Padre Airola

as hóstias iam às bocas. *

Bravo caboclo Bernardona barra do Rio Doce

resgatou na raça, a nado,marinheiros da serpente.l

*Zacimba Gaba, a princesa

a salvar aves de Angolaàs margens do Riacho Doce

fez-se um quilombo pra história. *

Maria Ortiz lava escadapirata pra todo lado

Corda suspensa, Penedopôs inglês todo molhado.

*Na limpeza do Rosário

encontraram um pergaminhomistério do relicário

dos Santos ossos, caminho.

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43Revista da Academia Espirito-santense de Letras

Eram dez burros de cargana frente o burro de guia

desbrava o tropeiro a matacangalha, fumo, farinha.

* Lá pras bandas de Calçadosboi de coice que é sabidoreconhece o cabeçalhoe capricha no gemido.

*Coletar dejeto humanoEntregar água de bica

Em Vitoria, sem enganojá fez muita gente rica.

*Pelo mar, distante Venetoenviou seus descendentesa buscar por cá sustentopela foz do Beneventes.

*Rerigtiba, mar e ostras

aportaram sem proventosescutar promessas toscas

e enveredar mata a dentro.*

Nossa terra tem cronistaque é Maratimba da gema

tem Carlinhos Oliveirabarba, bigode, dilema.

*Tem Emoções, tem Roberto,

Cachoeiro, Cachoeiro,capital, reino secreto,

conquistada já no berço. *

Pomerânia cá nos trópicosorquídeas, noivas de negroem Campinho o orquidófilonas Hortênsias o Berredo.

*E o Puto Waldo Mottao bardo culto, OrfeuCricaré, pitu, tapioca

no Porto de São Mateus.

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Vilaça de gato pardovolta com a carta na manga

da guerra do Contestadopras bandas de Ecoporanga.

* Bernadette toca a Lyrae anuncia a Capitoaque dessa capitania

foi de viúva à patroa. *

Nossa terra tem um Reinau oculta na baía

a contar A longa história,santos e neves, poesia.

* Gama a viajar na proa

do galeão inauditona praia de Itaparica

beija a musa, solta o grito. *

Milson e a charmosa MarlyAmilton ,cais do aviãoCarmélia e o Vento sulElmo Elton, tradição.

*Blank é saber das coisasSodré estar aqui já basta

Mazzini o alvorecerCaê entre nós, ilha em festa.

*Zé linguista, tece a línguaBuzatto desvenda o OrfeuGraciano desce o malho

no jogo do dá que é meu. *

Maria Nilce – a panterae Maria “tomba homem”

mostraram pros moços feraquem cospe fogo e tem fome.

*E na imaginária mesa

do tempo que não se esgotaSouto pede uma cerveja

- Por conta! David do Copa.

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45Revista da Academia Espirito-santense de Letras

Natércia arrisca uma áriapara um Nejar profundoOtinho puxa a cadeira,

senta e admira o Mundo. *

No eterno Britz de outroraeis o encontro inusitadodo guerreiro Arariboia

com nosso poeta Hilário. *

Um diz do arco perdidopras bandas lá do Saldanha

e que sentiu-se despidopara uma nova façanha.

* O outro em Estradas curvas

de Ibiraçu foi chegandona valise as aventuras

no corpo, vida clamando.*

Pedro Caetano sambou E arrastou a multidão

De quebra deixou um hinoCidade Sol, nosso chão.

*Se das rochas desta ilha fez-se um filho arquitetoCais das artes, maravilha

- Paulo Mendes, com afeto. *

Luz del Fuego, Dora amadados naturistas madrinha

Baía da Guanabarailha, serpente, armadilha.

*Nossa terra, pequeninasó passa despercebida

aos que dependem de lupapor ter problema de vista.

*Gente com os olhos cobertos

cortina da indiferença gente de mente cativa

que de pensar tem preguiça.

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Torta, palmito pupunharoda de bamba no morro Pedra dos Olhos, Penedo

catraieiro lá no porto. *

Presépio, a doce ilha,iluminura divina

De Achiamé, mel de abelhapede benção Guananira.

* Paneleira esquenta a lenha

que o siri já tá catadonas Caieiras , no horizonteo Mestre Álvaro enfeitado.

* Nossa terra bate palmas

se despede com dois beijosquem parte cá deixa a alma

leva amor, corpo refeito.

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47Revista da Academia Espirito-santense de Letras

Marien Calixte, o doce imortal

José Roberto Santos Neves- Cadeira 26

Por entre pés de manacás e murtas, uma bananeira e um diminuto coqueiro, ele passeava no jardim de sua casa. Na trilha sonora, naturalmente, o som do jazz. Ao seu lado, a esposa Terezinha, companhei-ra de 50 anos e responsável pela sólida base emocional e amorosa sobre a qual o mestre edificou sua notável carreira.

Foi assim que Marien Calixte me recebeu, há 10 anos, para uma entrevista que serviu como fonte para o livro “May-sa”. Com a habitual generosidade, contou episódios pitorescos sobre a carreira da cantora que ele teve a primazia de entrevistar, no auge da carreira, no final dos anos 50. Em seu escritório, a exuberante coleção de discos dividia espaço com livros de poesia, ficção científica, pinturas, revistas sobre cinema e quadros com fotos de ídolos do jazz.

Esse é o retrato que guardo com carinho deste que foi um dos maiores intelectuais do Espírito Santo no século XX. Impossível falar sobre o desenvolvimento das artes no Estado nas últimas seis décadas sem falar em Marien Calixte: jornalista, radialista, escritor, produtor cultural, gestor público, pintor e pesquisador musical, ele deixou um legado admirável em todas as áreas em que atuou, conciliando o olhar cosmopolita de quem sempre vicejou o futuro com o amor declarado pela terra que o acolheu desde a mais tenra idade.

Nascido no Méier, Rio de Janeiro, a 20 de outubro de 1935, Marien Calixte herdou do pai francês o patronímico – uma mistura de Marien, nome franco-austríaco que significa Mariano, e Calixte, de origem árabe – e também a arte da jardinagem, que cultivou durante anos em sua casa, na Mata da Praia. Apaixonado por Vitória, cidade à qual che-gou ainda na infância, dedicou boa parte de sua vida a exaltar as belezas da ilha que o acolheu e na qual construiu, com inefável brilhantismo, uma carreira pessoal e profissional marcada por uma série de êxitos – ou, melhor dizen-do, de vitórias -, ratificando esse amor com visões múltiplas, coroadas de delicadeza. Talvez o mais conhecido des-ses olhares seja o slogan “Viver é ver Vitória”, criado por Marien em 1968, quando exercia o cargo de diretor de Tu-rismo e Certames da Prefeitura Municipal de Vitória.

Marien Calixte – o filho do jardineiro - cresceu rodeado de música, livros, revistas sobre cinema e, principalmente, daquele companheiro inseparável que o acompanharia por toda a vida: o rádio. Na juventude, enquanto o cinema americano refletia os horrores da Segunda Guerra Mundial, ele elaborava seu conhecimento sobre a sétima arte a partir da leitura da revista Cahiers Du Cinema, influência direta do irmão mais velho, Darcy.

O JORNALISTA

A paixão pelo cinema, o jornalismo e o radialismo levou-o à sede do jornal A Tribuna, então situada na Av. Capixaba, em frente ao Mercado da Capixaba, onde também estava instalada a Rádio Espírito Santo, motivado pelo desejo de oferecer seus serviços como repórter e crítico de cinema. É verdade que nunca fizera uma entrevista antes. No en-tanto, diante da audácia do jovem aspirante a jornalista, o secretário de redação, Adam Emil Czartorisky, lhe propôs um teste: entrevistar um violonista capixaba que acabara de retornar da Europa com uma merecida distinção na ba-

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gagem. Seu nome? Mauricio de Oliveira. Quiseram os deuses do destino que Marien Calixte estreasse na imprensa lançando luz sobre o maior músico do Espírito Santo, que, naquele ano de 1955, chegara da Polônia com o troféu de segundo lugar conquistado no Festival de Música de Varsóvia com a sua “Canção da Paz”.

Uma vez contratado por A Tribuna, Marien Calixte usou do seu habitual entusiasmo para fazer um teste como rádio--ator na Rádio Espírito Santo. Aprovado novamente, passa a desempenhar as funções de repórter e locutor comercial. Foi na Rádio Espírito Santo que veio a criar, em 1958, o programa “O Som do Jazz”, que manteve no ar por 55 anos ininterruptos, em diversas emissoras, atividade que o credenciaria a entrar para o “Guinness – o Livro dos Recordes”.

No final dos anos de 1950, o múltiplo Marien Calixte inova novamente ao se firmar como o primeiro disc-jóquei de Vitória. Seu palco é a boate do Clube Vitória, onde promove a discotecagem de animados bailes para a alta socieda-de capixaba. Na mesma época, a convite de Setembrino Pelissari, transfere-se para O Diário, onde faz carreira como colunista, crítico de cinema, Secretário de Redação e Chefe de Redação, e onde amplia o espaço para o noticiário cultural com a publicação de poesias.

Na vida pessoal, em 1960, Calixte conheceu a jovem jornalista Terezinha, com quem veio a se casar quatro anos mais tarde. O casal de jornalistas solidificou os laços matrimoniais em uma celebração no Colégio Salesiano, e a união gerou dois filhos: Daniela, nascida em 1966, e Luís Henrique, em 1968.

Em 1973, atendendo ao chamado de Carlos Lindenberg Filho, o Cariê, Marien Calixte chega à redação de A Gazeta com a tarefa de implementar uma grande reforma no jornal. Entre suas principais intervenções destacam-se o moder-no projeto de diagramação, inspirado em O Jornal do Brasil; a criação do segundo caderno, com o nome de Agenda; a divisão do periódico em editorias, a criação da charge e da tira em quadrinhos de Milson Henriques, com a perso-nagem Marly; e a inserção do nome do fundador do jornal, Thiers Velloso, na primeira página, bem como a criação de uma logomarca para o veículo.

Diante desse conjunto de ações, é justo que receba o título de “pai do jornalismo cultural do Espírito Santo”, honra-ria que o próprio recusou em vida, apesar de ele reconhecer o seu papel na construção de um conceito voltado para a difusão das artes na imprensa capixaba.

O GESTOR CULTURAL

Marien Calixte levou para o serviço público a mesma excelência com a qual construiu sua carreira no jornalismo. Nos anos 1970, torna-se diretor do Teatro Carlos Gomes e diretor-presidente da Fundação Cultural, atual Secretaria de Estado da Cultura, na gestão do governador Elcio Alvares (1975-1979). Durante os dois últimos anos de governo, desenvolve uma série de ações que marcaram profundamente a vida cultural do Estado, dentre as quais podem se elencar a reforma no Teatro Carlos Gomes, o Projeto Pixinguinha, o Projeto Moqueca e a vinda de astros da música mundial a Vitória: Sarah Vaughan, Dave Brubeck, Art Blakey and Jazz Messengers, Astor Piazzola.

A paixão pela música, em especial o jazz, levou-o a impulsionar numerosos movimentos musicais em Vitória. Um dos mais representativos deles foi o Vitória Jazz Festival, que começou na década de 1980 e ganhou contornos pro-fissionais com uma série de 10 edições anuais, encerrada no início dos anos 1990 por falta de apoio governamen-tal. Mais um fruto do mestre que deixou saudades.

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49Revista da Academia Espirito-santense de Letras

O POETA

Marien Calixte é o responsável por introduzir dois gêneros na literatura capixaba: a ficção científica e a poesia haikai. O primeiro teve como marco o livro “Alguma coisa no céu”, de 1985, que ganhou três edições: no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Itália. Composto por seis contos, o volume conjuga nomes e lugares verdadeiros com narrativa ficcio-nal, valendo-se da beleza geográfica do Espírito Santo como cenário. A excelência das suas narrativas curtas rendeu-lhe o convite para integrar as antologias “Enquanto Houver Natal – Oito estórias de ficção científica” (1989, Editora GRD); “Estranhos Contatos: Um Panorama da Ufologia em 15 Narrativas Extraordinárias” (1998, Caioá Antologia) e o segundo volume dos “Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica” (2010, Editora Devir).

A poesia haikai entrou na vida de Marien Calixte na década de 1950, por meio de um filme de Akira Kurosawa. Des-de então, o jornalista sempre manteve o encantamento por essa forma poética de origem japonesa, que valoriza a concisão e a objetividade. Em 1990, incentivado pelo editor Massao Ohno, reuniu algumas dessas criações acalen-tadas há anos na obra “O Livro de Haikais”, que ganhou versão bilíngue, em português e italiano, em 1994, deno-minada “Atlântico”. Em “O Livro de Haikais”, o leitor encontrará um recorte da expressão poética de Marien Calix-te em versos repletos de lirismo, sensibilidade e precisão. Transcrevo, a seguir, alguns deles:

Dorme comigo a palavra sem

temor do sonho. *

Tropeço e caio levanto

me distraio.*

Só me douse me é dado

amando.

Complementam a sua produção poética as obras Não Amarás, São Paulo, editada por Massao Ohno, em 1991; Lua Imaginária, São Paulo, novamente pela Editora Massao Ohno, de 1994; Le Vent de L’Autre Nuit - “O Vento de outra Noite”: poemas bilíngües: francês e português, Vitória: Aliança Francesa, 1996; a edição alemã deste livro, de 1997; e Evocação da Ilha de Vitória, em duas edições, de 1995 e 1999, do qual extraímos esta singela demonstração de amor pela capital do Espírito Santo:

Para apreciar uma ilharecomenda-se ficar a sós

Quando partilhada,Uma outra ilha será.

E, por fim, o derradeiro livro, Herança do Vento, lançado em 13 de dezembro de 2006, sob a chancela da editora Cidade Alta, uma coleção de haikais de seus livros anteriores, como esse belo exemplar que parece dialogar com a canção “Preciso aprender a ser só”, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle:

Amar não excluia solidão, esse indivi-

sível fardo

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O BIÓGRAFO

No campo da biografia e dos estudos sobre a cultura e a história do Espírito Santo, a contribuição de Marien Calix-te também se faz significativa. A mesma se verifica, inicialmente, com a biografia “Florentino Avidos”, publicada em 2001, sobre o presidente do Espírito Santo (1924-1928) e senador (1929-1930) durante a República Velha.

A biografia seguinte representou um reencontro do jornalista e escritor com o seu passado afetivo e a celebração de uma amizade que atravessou cinco décadas: em “O Pescador de Sons”, Marien Calixte descreveu, com razão e sen-sibilidade - parafraseando a romancista britânica Jane Austen -, a vida e a obra do violonista e compositor Maurício de Oliveira, considerado o maior músico do Espírito Santo.

Já a terceira biografia, Marien Calixte a fez por convite formulado pelo conselheiro do Tribunal de Contas, Enivaldo dos Anjos, que o incentivou a escrever sobre o promotor público e deputado estadual Edson Machado, por quem o jornalista nutria profundo respeito.

Seu espectro literário estendeu-se à literatura infantil, gênero no qual o autor desenvolveu, juntamente com Milson Henriques e Celso Mathias, uma coleção de títulos de caráter eminentemente lúdico, entre os anos de 1970 e 1980. Compõem esse mosaico de letras e ilustrações voltados para a pureza das crianças os volumes “Os dois anjos da guarda de Luísa”, “O vagalume e o violinista”, “O caracol e a plantinha”, “O Coelho Zélio inventa uma orquestra”, “O cabrito bebê passeia na nuvem”, todos publicados pela editora Sem Fronteiras.

O MODERNISTA

Das letras, partimos para as artes visuais. O modernismo na pintura do Espírito Santo inaugura-se com Marien Cali-xte, Maurício Salgueiro, Raphael Samu e Carlos Chenier, e essa afirmação parte de uma das maiores estudiosas das artes plásticas no Estado, a professora da Universidade Federal do Espírito Santo, Almerinda da Silva Lopes.

O contato de Marien Calixte com a vanguarda artística estreitou-se na década de 1960, por intermédio do artista es-panhol Robert Newman, que se radicou em Vitória, trazendo, na bagagem, elementos da pintura abstrata até então inacessíveis ao público capixaba.

Incentivado por Newman, com quem fez grande amizade, Marien Calixte arriscou-se a transpor suas emoções para a tela, e o resultado de sua primeira série de cinco quadros foi o prêmio de Menção Honrosa no Salão Nacional de Ar-tes. Pintor bissexto, autodidata, expôs um acervo de 32 trabalhos na Galeria Homero Massena, vendeu muitas obras, presenteou colegas, realizou doações. Ocasionalmente, retornava aos pincéis, prática que via como um refúgio de prazer e contemplação, livre das amarras e da pressão do tempo que a atividade diária do jornalismo lhe impunha.

Com toda a lucidez inerente aos sábios, indagado por Jeanne Bilich e Xerxes Gusmão Neto sobre sua visão de mun-do, sua “filosofia de viver”, em entrevista para a Revista Essa, edição de fevereiro de 2006, ele deixa transparecer em sua resposta – consciente ou inconscientemente – como gostaria de ser lembrado por aqueles que desfrutaram do privilégio de conviver com a sua pessoa:

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“O homem, como na ficção científica, é um mero objeto de experiência da nature-

za. Estamos aqui em experiência. (...) Mas, se dispormos de um pouco de lucidez

- e creio, sem falsa vaidade, que eu tive um pouco de inteligência e sensibilidade

que se somaram aos ensinamentos passados por minha mãe – então é possível fazer

uma análise: e eu guardo a firme convicção de que estou muito feliz comigo mes-

mo! Porque, inclusive, pude também fazer outras pessoas felizes. E, talvez – quem

sabe? – algumas infelizes. Principalmente, em decorrência da minha atividade pro-

fissional, o jornalismo, quando necessita-se publicar coisas que nem sempre agra-

dam. Faz-se amigos e também inimigos! Mas, creio que semeei mais para o bom,

do que para o ruim. (...) Espero, sinceramente que eu esteja correto nesta avaliação,

porque não gostaria de ter magoado tão profundamente algumas pessoas que che-

gasse a incomodar da minha bela sepultura.”

Marien Calixte - o filho do jardineiro – que, um dia, sonhou ser astronauta, se despediu de nós a 25 de dezembro de 2013.

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Personagens Capixabas

Marcos Tavares - Cadeira 15

BERNARDO JOSÉ DOS SANTOS

Conhecido como Caboclo Bernardo, dados os seus traços físicos de mestiçagem de branco com índio, Bernardo José dos Santos nascera na Vila de Regência (Linhares,ES), em 1859. Notabilizou-se quando, em 1987, num naufrá-gio de grande navio de guerra(o cruzador “Imperial Marinheiro”), salvou 128 marinheiros.

Era uma tempestuosa madrugada de 7 de Setembro e, por estar bem revolto o mar, a embarcação imperial, em mis-são a caminho do Arquipélago dos Abrolhos,sul da Bahia, nas proximidades de Regência chocara-se contra o pontal sul do Rio Doce. A fim de buscar socorro em terra, baixado ao mar um barco tipo escaler com 12 tripulantes, ape-nas 8 chegaram à praia. Sensibilizada, população local empenhara-se em auxiliar.

Debalde os esforços, tamanha a fúria marinha, já na manhã Bernardo ousadamente dispôs-se a, indo a nado, levar até o cruzador um cabo que possibilitasse resgate de um por um, pendurados, até à praia. Quatro investidas fez e on-das o impediram de êxito obter.Somente na quinta teve sucesso, amarrado ao navio o tal cabo. Agora já mais seguro, aí afixado, junto com três outros marinheiros participara de todo o processo de resgate, num pequeno bote acom-panhando cada um dos resgatados. Assim, dos 142 tripulantes do “Imperial Marinheiro” não passaram de 14 as víti-mas fatais, que seriam em bem maior número não fosse a heróica intervenção do Caboclo Bernardo.

Recebera homernagem pública em Vitória(ES). Concedera entrevista ao jornal “A Província do Espírito Santo”. Fora recebido, no Rio(RJ), pela alta cúpula da Marinha de Guerra. Em audiência fora recebido pela Princesa Isabel, sen-do condecorado com medalha de ouro e vistoso diploma.

Retornara à rotina de pescador. Noutros resgates de naufrágio, de menor monta, atuara.

Vitimado por um desentendimento de ordem passional, em Barra do Riacho um tiro de garrucha, desfechado por um desafeto, pôs termo à sua vida, aos 54 anos. Era 3 de junho de 1914.

MAGNO BRITO DE ASSIS

Magno Brito de Assis os estudos iniciais fizera-os no proficiente Colégio Americano, aonde, talvez, muito tivesse exer-citado o seu talento para a escrita. Era filho do portuário Gilberto, alcunhado “Sifu”, um tipo popular, bem falante, extrovertido, membro fundador do “Clube da Língua”, uma confraria de anedotário, de escárnio e maldizer, já uma tradição no Bairro Santo Antônio.

Também Magno seguira o ofício do pai, sendo no Porto de Vitória um trabalhador avulso. Aficionado por futebol, talvez daí tenha adquirido o cognome Luca. Era frequentemente visto em aguerridas “peladas” tanto no campo do

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Alagoano quanto no do Santuário (hoje Basílica), naquele bairro, aonde fora cofundador do “Alegria, Alegria”, um bloco carnavalesco

Em 1976, um samba-enredo de sua autoria (“Lendas e Maravilhas do Espírito Santo”), fizera brilhar , na Avenida Prin-cesa Isabel, o GRES “Novo Império”.

Em póstuma homenagem, essa mesma agremiação de Caratoíra, então com 1.500 integrantes, novamente trazia no desfile de 2012, agora já no Sambódromo, uma releitura do consagrado Carnaval de 1976. Na sua composição le-trística exaltava-se a cultura indígena, o Ticumbi, as belezas da região serrana, além das figuras históricas, sacras e lendárias que muito contribuíram para a multifacetada cultura capixaba.

Quando, no Centro da Capital capixaba, Magno Brito de Assis, o Luca, sagrara-se campeão de um concurso de mar-chas de Carnaval, então realizado na Praça Oito, encerrado o certame, em ombros de admiradores e fãs, troféu à mão, daí foi ele conduzido até a Vila Rubim, em autêntica apoteose cantados os seus sucessos. E a rumorosa tur-ba assim foi caminhando, sempre cantando e em algazarra, até o seu reduto sambístico, no Bairro Santo Antônio.

Desconhecida a origem de seu alcunha(Luca),que lho fizeram adotar por nome artístico, tinha frequentes rompantes talvez oriundos de crise de identidade. Costumava, em alto e bom som, bradar:---- Eu sou Magno Brito de Assis, o Luca !

Ainda, certa vez, contam testemunhas, em pleno campo do Santuário, enquanto alto gritava o seu nome próprio, com graveto à mão vigorosamente o escrevia no solo. Luca, ou melhor, Magno Brito de Assis, enquanto vivera, fora uma literal “lenda viva” na passarela do samba local.

Deixara filhos, e, dentre eles, uma herdeira de seu pendor para a música, sobretudo para o samba: a também com-positora e cantora Nanda Assis.

MANUEL DE ANDRADE DE FIGUEIREDO

Por volta de 1674, na então Capitania do Espírito Santo, vinha à luz o primeiro poeta capixaba autenticamente nativo. Era a maior autoridade local o seu pai Antônio Mendes de Figueiredo, Capitão-mor que governou de 1667 a 1671. Ainda rapazinho saiu Manuel para estudos em Lisboa (Portugal), onde literato, calígrafo e educador, fez-se notável após ter ofertado ao Rei D. João V um método pedagógico que praticamente revolucionaria todo o modus faciendi nas salas de aula daquela nação. Presumivelmente impressa em 1722, pela Oficina Real, na própria capital portu-guesa, essa Cartilha, intitulada “Nova Escola para aprender a ler, escrever & contar”, continha 156 páginas de texto mais 44 gravuras em estilo barroco.

Primeira obra no gênero a ser editada no país, por meio de manuais suprira a grande lacuna então existente na difu-são da caligrafia, da ortografia e da aritmética. No uso de um estilo coloquial, facilmente acessível a qualquer leitor, evitando a linguagem erudita ora em voga, dividia-se em quatro Tratados esse seu livro. Se o primeiro deles o idioma português ensina, objetivando a ler e a escrever perfeitamente, já o segundo apresenta os diversos caracteres e tipos de letras usuais naqueles tempos, sendo que o terceiro as regras da ortografia portuguesa expõe, enquanto ministra o quarto as noções básicas de aritmética.

Ousado, corajoso, ao despreparo metodológico dos docentes de então atribuía ele o fato de os discípulos penarem longamente nas escolas sem, no entanto, obtiverem eficaz aprendizado na leitura e na escrita.

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Na última gravura desse volume, na de número 44, fizera questão de registrar: “Manuel de Andrade de Fi-gueiredo fez,escreveu e inventou na era de 1718.” Muito reputado é, até os dias atuais, o estilo de caligrafia criado por Figueiredo e representado nas numerosas pranchas gravadas que enfeitam e ilustram a bem cuidada edição.

Reconhecido em todo o Reino o seu elevado talento, bastante difundida a sua obra, sendo obrigatória refe-rência para outras, falecera em Lisboa, em 4 de Julho de 1735.

BERTINO ALVES DE SOUZA

Bertino Alves de Souza, embora natural de Encruzilhada (BA,1933), cedo veio para o Espírito Santo. Praticou diver-sos esportes, mas, já aos 20 anos, aprendeu a atirar e a gostar da prática de “tiro esportivo”, logo se associando ao Clube de Regatas “Saldanha da Gama” e participando de uma equipe de capixabas bons atiradores. Na modalidade “pistola livre a 50 metros”, numa competição entre 32 países, conquistou medalha de ouro em tiro ao alvo. Fora no VI Pan-Americano (1971), em Cáli (Colombia), que obtivera a excelente marca de 552 pontos, estabelecendo uma novo recorde brasileiro e pan-americano.

Também em “pistola de ar” era um dos melhores; nessa categoria, nos Jogos Pan-Americanos de San Juan de Porto Rico(1979), fazendo jus a medalha de prata. Participara, ainda, sempre com sucesso, de outras edições desses Jogos: México (1975) e Indianópolis (1987).

Competiu nos XX Jogos Olímpicos de Munique (1972). No certame seguinte, em Montreal (1976), classificara-se em 9º lugar, com 556 pontos.

Em prova coletiva, estabelecendo um novo recorde brasileiro por equipe, no 42º Campeonato Mundial em Seul (1978) angariou medalha de prata. Disputou em vários Torneios “Benito Juarez” (1973, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980,1982, 1985 e 1989), conquistando cinco medalhas de bronze e uma de prata. Foi oito vezes campeão brasileiro em várias modalidades de tiro esportivo.

Juntamente com o atirador Athos Pisoni (Sumaré-SP) foram os únicos brasileiros a vencer provas de tiro esportivo nos Jogos Pan-Americanos. Na modalidade skeet (tiro ao prato de barro), no Pan de 1975, Pisoni alcançou ouro.

Vitimado por um aneurisma cerebral, Bertino submetera-se a uma cirurgia. Suspeita-se que incompatibilidade san-guínea, por ocasião da transfusão pré-cirúrgica, o tenha levado a óbito. Assim, em 17/06/1999, aos 66 anos, em Vila Velha(ES), seus dias findaram.

TANECO

Filho de Maria Stella do Rosário e de Manoel Angelo de Oliveira. Ela, mãe, espanhola de nascimento, a Dona Es-trela.. O pai, sergipano, de profissão ignorada. Nasceu José Hygino de Oliveira em 11-01-1913, em Vitória(ES). Esse pós-nome Hygino derivaria de um dos 2 aviadores (Zanchetti e Hygino) que, justo naquele dia de seu natalício, trou-xeram à Capital capixaba, pela primeira vez, um avião.

A Vila Rubim de sua época tinha casas de estuque, de barro batido, penduradas nos morros, cobertas de palha, ou , quando muito, um telhado de zinco. Devido a essa peculiar arquitetura cognominou-a Cidade de Palha, e assim se refere, em muitos textos, à Vila com ruas louvativas de santos: ele próprio nascera na Rua São João.

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Entre os seus 8 anos a 10 anos de idade, quando já ausente em casa o seu pai, a necessidade de prover alimentos o empurrou para a rua, foi , assim, vendedor de amendoim, de doces, carregador de trouxa de roupa(a mãe , mui so-licitada lavadeira), entregador de recados, fazedor de pequenos carretos, guia de cego, enfim, de pequenos serviços que propiciassem provisões ao lar extremamente pobre.

No aprendizado das primeiras letras, desprovido de material próprio, parcos os recursos, era na Cartilha de um colega que podia ler, após esse outro ter decorado a lição, ter feito os exercícios. Uma bondosa Professora dividia com ele a merenda.

Alimentava José Hygino de Oliveira um recorrente sonho: ser jornalista. Uma compulsão por escrever tudo quan-to lhe ocorresse tinha ele . Queria registrar o microcosmo em que vivia. Irreverente (“Vitória é uma ilha cercada de funcionários públicos por todos os lados”), destemido, talvez a sua melhor faceta picaresca tenha aflorado quando a serviço militar (Exército) no Rio de Janeiro, conforme relatos contidos num dos seus livros: Soldado 2284. Em com-petições de corrida, sua destreza arrancara elogio de seus comandantes.

Tal o seu corte preciso, meticuloso, de aprendiz de alfaiate galgou a posição de oficial de costura muito preferido por várias autoridades, até Governadores. Assim, prosperou no ofício, ao mesmo tempo em que, mantendo o seu pen-dor para as coisas espirituais, sobretudo para as Letras, constituiu a empresa que vislumbrava: uma oficina de Artes Gráficas. Era a famosa “Tipografia Taneco”.

Embora um excluído de berço, soube incluir-se, independentemente de qualquer política pública de inclusão, ine-xistente à época. Assim, o menino desvalido, mas “endiabrado”(donde o alcunha “Taneco”, um sinônimo de Dia-bo), tornou-se homem de alto nível sob todos os aspectos( econômico, social e intelectual): Presidente de sindicatos e de clubes sociais; tesoureiro e vogal de entidades públicas; e até membro do Instituto Histórico e Geográfico do ES e da Academia Espírito-santense Letras(AEL) .

Não é modesta a sua bibliografia: Vida(1992), Meus versos (1995),Cidade de Palha(1997), Obrando com a cabe-ça(1998), De tudo um pouquinho(1999),Sombra e silêncio(2000), Recuerdos(2004), Dedicado à minha Vila Ru-bim(2005) e Memórias(2011).

Por motivo de múltipla falência de órgãos, faleceu em 09-01-2011, sendo, na citada Academia(AEL), na sua cadeira 15, sucedido pelo infracitado autor deste artiguete.

KÁTIA BENTO

Filha de Antonio Raymundo Bento e Argentina Maria Rochetti Paresqui Bento, nasceu Katia Bento (08-09-1941) em Castelo(sul do ES). Estudo primário, fê-lo no Grupo Escolar “Nestor Gomes” e, o secundário, no Colégio “João Bley”.

Almejando ampliar estudos, na mocidade transfere-se para o Rio de Janeiro (então Estado da Guanabara), passan-do a cursar Enfermagem na antiga Escola “Ana Nery”, na Universidade do Brasil (atual UFRJ). Por certo, rendeu-lhe o curso alguma inspiração ainda que mórbida, conforme se lerá na Revista LETRA(1987), às páginas 31e 32: “Ao in-testinal esgoto / junta-se o dejeto / que a úlcera secreta // (...)”, no poema “ Melena”. Ou ainda: “A úlcera, antes que salte / na radiografia / se fotografa no grifo / da algia // (...)”, no poema “ Duoden/Ais”.

Desde infanta, vivo interesse por Literatura nutria, tanto escrevendo poemas quanto se interessando, autodidati-camente, pela expressão poética. Essa dava vazão a um estilo inicial ainda lírico e subjetivo que perduraria pela adolescência, o que a fez publicar, com recursos próprios, “O Azul das Montanhas ao Longe” (poemas, 1968).

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Com essa estreia em livro, conhece outros jovens poetas, alguns com livros já lançados, e com eles estreita relacio-namentos, passando a marcar reuniões semanais, sempre para leitura de poemas e troca de experiências. Mãos à obra catequética, em busca de prosélitos, entregou-se / integrou-se a um grupo autocognominado AdVersos. Nes-sa fase de “poetriz, performática”, atuava em grandes happenings em que a leitura de poesia procurou o espaço das ruas, antecipando-se às hoje teleconhecidas declamadoras.

Inserida na ebulição cultural e ideológica dos anos 60 e 70, Kátia Bento não optou pelo verso inacabado, qual diamante em estado bruto; antes, na busca de brilho próprio, burilou-o. Cerrou fileiras como febril operária fabril. Em tempos de “poesia marginal” bradando catilinárias contra uma ditadura, se alienada às reivindicações não esteve, também não se quis meramente panfletista. Concebia o poema como arte da palavra(“ópio do ofício ”). Logo, deve-ria ser elaborado não apenas com bons sentimentos, mas, também, com técnica. O poema é um objeto e a lingua-gem é a fôrma que irá moldá-lo (ou melhor: plasmá-lo). Com a problemática existencial funde-se, pois, a sua preo-cupação metalinguística.

Versejando, quase que elabora, em metapoemas, a sua poética, a sua “profissão de fé”(cf. Bilac): “Um poema tem que ser exato/ : dois e dois e quatro./ Traçado com fibra forte,/ se artesanato ”. E rompe com o seu então grupo ca-rioca, o AdVersos.

Robustecida por sucessivas opiniões, sempre positivas, e devido à excelência estética de seus poemas, que falavam por si, passou Kátia a publicar em revistas, antologias, coletâneas, suplementos e jornais literários de todo o país, e até do exterior. Verdade é que a castelense dotou dos melhores recursos estilísticos a sua escritura poética. Há nes-ta, conciliados, aqueles tão desejáveis conceitos poundianos: a melopeia, a logopeia e a fanopeia. Admirável é a sua adequação vocabular, a palavra certa (le mot juste, como a querem os franceses). Enfim, uma esteta do verso. En-tre os admiradores de sua poesia perfeita, com economia verbal, sempre esteve o poeta paranaense Paulo Leminski.

Detentora de muitos prêmios e menções especiais, algumas vezes no concorrido Prêmio Fernando Chinaglia (Bloco de Poemas ,1978; Jogo da Velha, 1980). Por concurso da revista Escrita (SP), emblemática nos anos 70, fez jus a pu-blicação na antologia Cem Poemas Brasileiros (Ed. Vertente, 1980), ali emplacando os 2 melhores textos.

Entre outros títulos, Kátia Bento publicou: Principalmente Etc. (1972), Bebeto Bélico(1973), Geração Verde(1973), Contrafala(1980), Romanceiro de Amuia (1980)e Bichuim(1981).

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Alguns aspectos da descendência de Vasco Fernandes Coutinho1

Paulo Stuck Moraes- IHGES

De Vasco Fernandes Coutinho muito pouco se sabe. Sabe-se, por exemplo, que recebeu em doação, a 01 de Junho de 1534, 50 léguas na costa do Brasil e que aqui chegou a 23 de Maio de 1535. Já de sua esposa, concubinas e descendência, o pouco que se sabe permanece envolto nas brumas mis-teriosas do tempo.

Felgueiras Gayo (1750-1831)2, cita sua ascendência, seu casamento e sua descendência legítima e apenas um bas-tardo (Vasco Fernandes Coutinho), sem, no entanto indicar quem seria a mãe.

Consta do testamento desse segundo Vasco3, datado de 05 de Agosto de 1588, o nome de Ana Vaz, como sendo sua mãe, para a qual destina uma tença, após sua morte. Salvador4 confirma esse nome, acrescentando “de Almada” ao mesmo, além de lhe atribuir mais uma filha (a seguir, veremos que não se confirma essa hipótese), Maria de Melo Coutinho, que viria a ser esposa de Marcos de Azeredo.

Essa pequena introdução vem apenas recordar o que a historiografia capixaba sabe a respeito, uma vez que pesqui-sas genealógicas realizadas nos últimos anos, apesar de não ser em terras capixabas, vem lançar novas luzes sobre a descendência do primeiro donatário da capitania do Espírito Santo.

A Genealogia é uma das ciências auxiliares da História. Quando levada a sério, sem o intuito de, simplesmente, encontrar um ancestral nobre, pode revelar dados históricos antes não percebidos, que, às vezes, podem tornar-se surpreendentes.

Um estudo sobre a Genealogia de um dos próceres argentinos, levado a público em 1995, por González Bonorino5, membro do Instituto Argentino de Ciências Genealógicas, nos remete ao Espírito Santo, ao observarmos o contrato de casamento acertado a 07 de Maio de 15906, em La Plata, entre Juana Holguin de Ulloa (neta de um dos conquis-tadores do Alto Peru (Bolívia) Pedro Alvarez Holguin e Beatriz Tupac Yupangui, princesa inca, sobrinha de Atahual-pa, décimo terceiro Inca7) e João de Melo Coutinho.

1 | Artigo publicado na RIHGES nº 56 de 2002 e no livro Tópicos de Genealogia Capixaba (2012), revisto e atualizado.

2 | Felgueiras Gayo, Manuel José da Costa. Nobiliário das famílias de Portugal

3 | Oliveira, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo

4 | Salvador, José Gonçalves. A Capitania do Espírito Santo e seus engenhos de açúcar (1535-1700)

5 | González Bonorino, Jorge F. Lima. Don Juan de Melo Coutinho y Da. Juana Holguin de Ulloa. In: Boletin 191, do Instituto Argentino de Ciências Genealógicas, pgs, 40 a 46.

6 | Carta de Dote - Arquivo Nacional da Bolívia. Escritura n. 41.

7 | Cunha Bueno, Antonio Henrique, e Barata, Carlos de Almeida. Dicionário das famílias brasileiras, em CD.

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João de Melo Coutinho nasceu em Vitória, entre 1565 e 1570, e seria filho de Catarina de Melo e Manoel Fernandes, e neto materno de Vasco Fernandes Coutinho e Ana Vaz Almada.

Seria, também, irmão de Maria de Melo Coutinho, acima citada, casada com Marcos de Azeredo (esse consórcio ori-ginou a família Azeredo Coutinho, com descendência até nossos dias).

Segundo González Bonorino, João de Melo Coutinho teria acompanhado sua tia Yamar (Guiomar?) de Melo (outra filha de Vasco Fernandes Coutinho e Ana Vaz Almada), que era casada com Ruano Tellez, fiscal da Real Audiência de Charcas, em La Plata. Teria esse Ruano Tellez partido das Ilhas Canárias em 1581, para assumir seu cargo de fis-cal, e passado por Vitória, onde acabaria de casando com Yamar de Melo. Sabe-se que já estava no efetivo exercí-cio do cargo em 1583, em Charcas.

João passa sua juventude em La Plata, onde acaba se casando em 1590, com Juana Holguin de Ulloa. Nessa cidade teria tido uma filha natural, Isabel de Melo Coutinho, que, de seus dois casamentos, deixou numerosa descendência.

O casamento com Juana Holguin de Ulloa deu-lhe outros dois filhos:

1. Ana de Melo Coutinho, nascida em Buenos Aires, c. de 1591, casada duas vezes:

a primeira, com Juan Diaz de Ojeda, a 05 de Junho de 16058, em Buenos Aires,

sem descendência, e, a segunda, com Antonio Hurtado de Melo, a 22 de Agosto

de 1611, com descendência (Ana faleceu depois de Março de 16389), (entre seus

descendentes está a atual rainha da Holanda, Máxima Zorreguieta Cerruti10 – dé-

cima segunda avó) e,

2. Francisco de Melo Coutinho, nascido em Buenos Aires, c. de 1593, casado com Jua-

na Gómez de Saravia, a 24 de Novembro de 1611, deixando numerosíssima des-

cendência (Máxima Zorreguieta Cerruti também se encontra entre seus descenden-

tes - décimo segundo avô).

Sua estada em Buenos Aires é comprovada em 1594, pois em uma planta da cidade, desse ano, aparece seu nome como dono de um dos solares.

João de Melo Coutinho faleceu em 1601, vitimado em um duelo, no qual se bateu contra Jácome Ferrufino.

Os primeiros tempos da colonização do solo sul americano continuam envoltos em mistérios, alguns dos quais nunca serão totalmente esclarecidos. Apenas hipóteses serão levantadas, mas nunca comprovadas. A Carta de Dote de Juana

8 | Carta de Dote (Arquivo Geral Nacional, Sala IX, 48-1-3, Fs.232) (Para casar com Juan Diaz de Ojeda – 16.05.1611) – Outor-gada por Juana Holguin de Ulloa e seu segundo marido: (Detalhe) -...cento e cinquenta arrobas de açúcar que deve Marcos de Azeredo a minha esposa, ... e o dito Marcos de Azeredo é morador do Espírito Santo, costa do Brasil.

9 | Testamento (Arquivo Geral Nacional, Sala IX, 48-4-1, Fs.189) – (Detalhe) – Em Buenos Aires, 10.03.1638: “Declaro que o licen-ciado Ruano Tello, fiscal que foi da Real Audiência de La Plata, foi casado com Yamar de Melo, tia de meu pai João de Melo...”. “Declaro que o dito meu pai (quando de casou com a dita minha mãe), lhe devia, na capitania do Espírito Santo, o capitão Aze-redo, que o era na dita capitania, que é nos estados do Brasil, e que estava casado com a irmã do dito meu pai, seiscentas ar-robas de açúcar e destas, me deu em dote a dita minha mãe quando me casou com o primeiro marido trezentas arrobas, e que não foram cobradas até agora. Que se cobre tudo agora e herdem meu filho e minhas filhas em partes iguais.”

10 | Lux-Wurm, Hernán Carlos. Ascendência de D. Máxima Zorreguieta, Princesa de La Corona de los Países Bajos, 2002.

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Holguin de Ulloa não deixa dúvidas quanto à filiação de João de Melo Coutinho, segundo os pesquisadores que a ela tiveram acesso. A Carta de Dote e o Testamento de sua filha Ana de Melo Coutinho confirmam outros dados genealógicos.

No Brasil, o Dr. Gilson Nazareth11 tratou do assunto em sua tese de doutoramento, de 1998. No Espírito Santo, ao que me consta, nada se sabia. Em Buenos Aires, sob os auspícios do Instituto Argentino de Ciências Genealógicas, várias tem sido as pesquisas e artigos publicados, em seus boletins. Espero que essa divulgação possa vir a ser o iní-cio de uma série de outras pesquisas, que visem a aclarar o passado distante dos primórdios da nossa (permitam-me assim dizer, apesar de não ser capixaba de nascimento) antiga capitania, ainda tão obscuro, tão pouco pesquisado, tão carente de esclarecimentos.

De resto, apenas que não poderemos mais execrar os argentinos: segundo as pesquisas dos genealogistas platinos, não existe, hoje, na Argentina, argentinos de origem criolla12 que não sejam descendentes de João de Melo Couti-nho, ou seja, são todos descendentes de um capixaba...

11 | Nazareth, Gilson. O imaginário fidalgo de uma sociedade burguesa – tese de doutoramento – 1998 – UFRJ - INÈDITA

12 | Criollo – diz-se do espanhol radicado definitivamente na América. Passaram a compor a elite local, apesar de não exercerem o poder, de fato, entregue este que era, aos representantes da Coroa espanhola, que retornavam à Corte, após o término de seus mandatos.

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Um Olhar sobre a Revista Vida Capichaba na Década de 1930: uma questão de gênero

Sônia Maria Barreto –AFEL

As publicações que emergiam das tipografias capixabas na década de 1930 não traziam um padrão defi-nido de distribuição de suas matérias: as notícias se misturavam: literatura – crônicas e poesias – varie-dades, capítulos de romances, atos oficiais, anúncios de chegada e saída de navios, humor, anúncios ge-rais, polêmicas com réplicas por motivo de rixas pessoais.

Os pasquins e similares existentes iam de encontro à classe dominante que investiu em sufocar jornais irreverentes e inquietos que minavam o seu campo de interesse, tomando atitudes disciplinares e arbitrárias.

Motivada pelo sopro de prosperidade da Revolução Industrial, a imprensa entra, a partir da metade do século XIX, numa nova etapa mais moderna e arrojada, em que se mesclaram inovações tecnológicas ao espírito empresarial e um contexto social em mutação. A fase industrial do mercantilismo, a consolidação do poder de consumo da clas-se média, a legião de novos leitores formados pela educação e as tecnologias jornalísticas de impressão permitiram a produção maciça de exemplares de jornais e revistas a serem lançados no mercado.

As transformações que ocorreram nos jornais e revistas após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), revelaram dois poderes fortes: o da dominação e o da propaganda. Passada a fase crítica, pós-guerra, as mudanças na sociedade, provocaram grande avanço na produção de revistas e jornais, bem como nas relações das pessoas. O movimento modernista também apresentou importantes desdobramentos, inclusive no âmbito político e econômico, tendo a im-prensa como propagadora desses processos.

A evolução da imprensa se justifica por fatores econômicos, políticos e sociais, como o investimento no ensino pú-blico, a decorrente elevação do nível cultural, a expansão das cidades, a especialização profissional que gera o au-mento da massa salarial, e consequentemente, o maior consumo de jornais.

A informação, difundida pela cultura de massas, tornou-se mais enfática a partir de meados do século XX,1 quando jornais e revistas alcançaram tiragens significativas para a época, com característica empresarial apresentando o seu produto. Muitas publicações apareceram em cidades do interior e na Capital: antologias literárias, jornais e revistas humorísticas, de críticas, de costumes, religiosas, patrióticas, edições comemorativas, carnavalescas, pasquinescas, aquelas para atender ao público feminino e as revistas esportivas.

Apesar dessa diversidade de publicações, é importante registrar a fundação da Revista do Instituto Histórico e Geo-

1 | Foram pioneiros na área: Marshall, MacLuhan, Theodor Adorno, Paul Lazarsfeld.

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gráfico do Espírito Santo (IHGES), ainda em circulação, com sua primeira edição em 1917, registrando a história do Espírito Santo e publicando artigos escritos por seus membros e colaboradores, relacionados com a vida cultural e acadêmica da sociedade capixaba, e também pesquisas de seus sócios.

Nessa fase, a imprensa brasileira não pode mais omitir a participação das mulheres como escritoras e jornalistas. A leitura foi o primeiro instrumento para a libertação da mulher, numa sociedade em que a maioria era analfabeta. Sua integração na vida literária deu-se por um processo lento: a princípio como leitoras e mais tarde, como participantes e produtoras. A escrita feminina aparece camuflada não só pelas letras de seus nomes, mas em pseudônimos,2 im-portante recurso literário que foi utilizado por várias escritoras, a título de proteger a identidade.

Há registro que, de forma arrojada, Maria Leonídia Pereira publica, em Vitória/ES (1913), o Alvorada, jornal domini-cal e ilustrado que, segundo Pacheco ([19--], p. 352). Foi o primeiro jornal capixaba redigido por uma mulher e pro-punha, em suas colunas, produções literárias de ambos os sexos, e Eugenia Moreira foi a primeira mulher a ser con-tratada, em 1914, como repórter de jornal.

A imprensa capixaba viu a fundação e o desaparecimento de muitos jornais e revistas, registrando significativo movi-mento nas publicações em diversos municípios do Estado. Das publicações nesse período, a revista Vida Capichaba3 foi a que permaneceu mais tempo no mercado e que, por sua característica literária, noticiosa e de mundanismo, consolidou formas de ver a sociedade e contribuiu para a formação do imaginário social da época.

A construção histórica da imprensa permite-nos mostrar de maneira linear as fases por que passaram os periódicos num determinado espaço social e também perceber o complexo sistema de relações que envolvem o aparecimento e o desaparecimento das publicações, considerado um elo que vai do produto ao leitor, passando pelas formas de apropriação das mensagens.

Com características modernas, a revista Vida Capichaba aceitava contribuições de mulheres que escreviam crôni-cas, colunas e matérias, embora se ocultassem sob pseudônimos. As intelectuais capixabas, apesar das dificuldades, aos poucos, iam surgindo e conseguindo também a sua emancipação política. “[...] a primeira eleitora do Brasil foi Dona Celina Guimarães Viana, residente à época de seu alistamento em Mossoró, RN, em novembro de 1927 [...] A segunda eleitora foi a estudante de Direito mineira Mietta Santiago”,4 e o Espírito Santo, embora provinciano, tam-bém se fez representar nessa conquista, como registra o texto jornalístico 01.

2 | A função dos pseudônimos era a de proteger as autoras e suas famílias das “maledicências e da inveja.”

3 | A revista Vida Capichaba foi fundada em abril de 1923, sob a direção de Garcia Resende, e circulou até o n. 3, reaparecendo dois meses de-pois de interrompida a sua circulação, sob a direção de Manoel Lopes Pimenta e Elpídio Pimentel

4 | Cf. VEJA, 12-11-1986, p. 15.

Fotografia 01 - Capa da revista Vida CapichabaFonte: Revista Vida Capichaba, n. 133, de 26-7-1928

A revista Vida Capichaba foi fundada em abril de 1923, sob a direção de Garcia Resende, e circulou até o n. 3, reaparecendo dois meses depois de interrompida a

sua circulação, sob a direção de Manoel Lopes Pimenta e Elpídio Pimentel. Re-gistrou o cotidiano da alta sociedade e se fez presente no contexto sócio/polí-tico/cultural do Espírito Santo de 1923 a 1957.

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A revista Vida Capichaba estava sempre acompanhando suas congêneres cariocas: Fon-Fon, A Cigarra, Jornal das Mo-ças, Vida Doméstica. De certa forma, constituiu-se também, como parte da história da imprensa nacional. Entretan-to, a Revolução de 1930 deixou saldos negativos. No período de 1930-1945 – ditadura Vargas, travestida de Estado Novo – a imprensa esteve sujeita a uma censura rígida, conduzida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),5 e a censura se encarregou de invadir as redações dos jornais, fechar as suas oficinas e prender os jornalistas.

Apesar das dificuldades de se editar, a Revista Vida Capichaba teve vida longa e, em seus textos verbais e visuais, deu ao leitor condições de obter informações. Hoje ela é um arquivo raro que documenta parte da história dos meios de comunicação social e da historiografia do Espírito Santo.

Referência

PACHECO, Renato. As primeiras eleitoras do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Vitória, n. 41, 1991-1992.

5 |“A sigla correspondia bem às atividades do órgão, que clandestinamente promovia comícios e manifestações públicas de interesse do Governo, bem como se ocupava com a imprensa procurando mantê-la dentro dos limites do interesse da ditadura” (PESSALI, 1992, p.14).

Texto jornalístico 01 - A primeira mulher eleitora no Espírito SantoFonte: Revista Vida Capichaba, n. 185, de 25-7-1929

“[...] A terceira eleitora do Brasil é a capixaba, de Guaçuí, Dona Emiliana Vian-na Emery, valorosa e prestante cidadã, que, à época, foi efusivamente felicitada por Dona Bertha Luz, pioneira do feminismo nacional” (PACHECO, 1991/92, s/p).

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Quem Não tem Cão Caça com Gato: A Academia Espírito-Santense de Letras e o Cenário Literário Capixaba

Yves Figueiredo de Oliveira (Professor da rede estadual. Mestre e Doutorando UFES)

RESUMO

Este trabalho objetiva traçar um paralelo entre as atividades literárias desenvolvidas pela Academia Espírito-santen-se de Letras (AEL) e o atual cenário literário capixaba, numa perspectiva analítica, enfocando os desafios quase que diários de subsistência e manutenção da tradição literária e cultural no Estado.

PALAVRAS-CHAVE

Academia Espírito-santense de Letras, Literatura capixaba, Cultura capixaba.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

De uma perspectiva histórica, a existência de provérbios remonta a muitos séculos passados, compondo a filosofia egípcia, grega e romana. Steinberg (1985) relata que já na Grécia antiga era costume a escri-ta de provérbios nas paredes das casas. Grandes pensadores e filósofos, como Pitágoras, Platão, Hesío-do e Aristóteles, valeram-se de provérbios em suas obras. Os romanos eram, como atestam as obras de

Zenóbio e Diogenânio, admiradores da sabedoria propagada por meio dos provérbios. Obelkevich (1997) cita a perspectiva de Aristóteles em relação aos provérbios, ao declarar que, por intermédio deles, a sabedoria dos poe-tas e dos filósofos se torna a sabedoria cotidiana da população em geral, considerando os enunciados proverbiais a linguagem primitiva da humanidade.

O provérbio utilizado no título deste artigo lembra que em alguns momentos há que se lutar com todas as armas dis-poníveis em favor de um objetivo. Em outras palavras, a carência de meios e a falta de recursos podem ser compen-sadas com um pouco de esforço e criatividade. Tal provérbio também foi utilizado sabiamente para ilustrar e emba-sar a tese de doutorado do antropólogo holandês Geert Banck ao estudar a realidade capixaba no início da década de 70, obra valiosa e muito importante para suscitar as ideias expostas aqui.

Nesse estudo pretendemos aproximar as reflexões de Banck ao contexto histórico da Academia Espírito-santense de Letras, assim como da cena literária capixaba, destacando as estratégias de fomento às publicações de obras literá-rias no último quinquênio.

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1. ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS: HISTÓRIA LITERÁRIA

No ano de 1921, no mês de junho, três corajosos cidadãos capixabas idealizaram uma instituição que resistiria ao tempo e às instabilidades políticas, culturais e econômicas do Estado: a Academia Espírito-santense de Letras (AEL).

O advogado Alarico de Freitas, o jornalista Sezefredo Garcia de Rezende, juntamente com o professor Elpídio Pi-mentel propuseram inicialmente a criação de vinte cadeiras titulares na Academia, ocupadas posteriormente pelos maiores expoentes da cena cultural capixaba do período, como Afonso Cláudio de Freitas Rosa, Archimimo Martins de Mattos, Aristóbulo Leão, Luiz Adolpho Thiers Veloso, Heráclito Amâncio Pereira, bem como pelos três fundado-res citados. A sessão realizada no dia 04 de setembro daquele ano, em que se aprovou os estatutos da instituição, fi-cou registrada como marco de sua fundação.

Após um período de aproximadamente um ano de inatividade a instituição volta a se reunir e as sessões são ampla-mente noticiadas na mídia local e em alguns veículos do Rio de Janeiro. Nesse momento a Academia vivia um mo-mento de “estima por aqueles que dela iam tomando conhecimento” (RIBEIRO, 2006, p.9).

Atualmente, a AEL, inspirada na Academia Brasileira de Letras e na Academie Française, é composta por 40 (quarenta) acadêmicos, denominados imortais. Em seus 92 anos de existência, registrou-se a passagem de pelo menos 150 (cento e cinquenta) representantes das letras capixabas. Definida como uma associação cultural sem fins lucrativos, a Acade-mia constitui-se como um espaço de preservação e memória das letras, cultura, educação e informação da sociedade.

Desde 1985 conta com sede própria, o palacete conhecido como Casa Kosciuszko Barbosa Leão1, localizado na praça João Clímaco, ao lado do Palácio Anchieta, Centro da Capital. A instituição não recebe nenhum tipo de apoio financei-ro governamental e se mantém ativa com a verba proveniente das contribuições mensais de seus membros integrantes.

2. OS ÁUREOS ANOS 20 CAPIXABA

Nos anos 20 do Século XX, período em que a AEL foi fundada, o Estado do Espírito Santo passava por uma fase otimis-ta em relação à economia. Devido ao alto preço do café as exportações do produto, assim como de madeira, conse-guiram estabilizar as finanças públicas e garantiram uma administração bem sucedida do governo Florentino Avidos.2

Nesse momento, presenciou-se o desenvolvimento de grandes projetos viários, como a construção de malha viária, ligando as regiões do estado. Para Perrone e Moreira (2003, p.74), em sua gestão Florentino Avidos foi responsável pela construção de 35 estradas. Menciona-se, ainda, a construção de importantes pontes em Vitória (Cinco Pontes), Santa Leopoldina, Colatina e Bom Jesus do Itabapoana, marcos decisivos do progresso do Espírito Santo no período.

O porto de Vitória também foi mais bem aparelhado e a obra do cais, iniciada no governo anterior e paralisada devido à eclosão da 1ª Guerra mundial, foi concluída, “utilizando-se de serviços de drenagem” (PERRONE e MOREIRA, 2003, p. 76).

1 | Com a demolição do prédio do antigo Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo, local onde se realizavam as reuniões da AEL (3º andar), os acadêmicos veem-se sem lugar para reuniões e parte do acervo da Academia extravia-se até que o escritor Kosciuszko Barbosa Leão convida os colegas acadêmicos a promoverem as sessões mensais em seu palacete. Ali passaram a ter continuidade as atividades da agremiação. O mencio-nado escritor e sua distinta esposa, senhora Laura Madeira de Freitas Leão, acabaram por doar o dito imóvel à AEL, que, a partir de 1985, passou a ser conhecida, também, como Casa Kosciuszco Barbosa Leão, numa justa homenagem ao saudoso doador, falecido em 20 de maio de 1979.

2 | OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2008, p. 449.

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A capital Vitória, considerada até então uma “cidade suja, com forte coeficiente de letalidade”3 também passou por obras de melhorias, como a ampliação dos serviços de telefonia e abastecimento de água, edificação dos mercados da Capixaba e Vila Rubim, criação de novos bairros residenciais e “construção de centenas de moradias para funcionários e classe média” (OLIVEIRA, 2008, p.450). É nesse contexto que a capital do Estado recebe a alcunha de “cidade presépio”.

Percebe-se ao longo da história brasileira a intrínseca relação entre desenvolvimento socioeconômico e desenvolvi-mento artístico-cultural, isto é, geralmente há desenvolvimento cultural quando há fartura material. Desde sua colo-nização, no século XVI, o Brasil passou por vários ciclos econômicos que favoreceram e fortaleceram o setor cultu-ral dos locais abrangidos pela prosperidade econômica.4

Os exemplos mais conhecidos são o ciclo do açúcar no nordeste (séculos XVI e XVII), o descobrimento de minerais, sobretudo de ouro, em Minas Gerais (século XVIII), a exploração de borracha no Amazonas (fim do século XIX e iní-cio do século XX) e o ciclo do café no sudeste do país (do século XIX até hoje). Em São Paulo, além do setor agrope-cuário destaca-se a consolidação da industrialização. Na cidade do Rio de Janeiro soma-se ao fato de concentrar du-rante muito tempo o centro político do país, a descoberta recente de grandes jazidas de petróleo, contribuindo ain-da mais para a solidificação econômica do estado e, consequentemente, fortalecendo seu espaço artístico-cultural.

Nos anos 20 do século XX, como já mencionamos, o Espírito Santo gozava de relativa estabilidade econômica devi-do à extensa produção cafeeira e sua valorização internacional, possibilitando investimentos em áreas culturais e ar-tísticas. Nos últimos anos o Estado, após várias décadas de parco crescimento, voltou a sonhar com novas possibili-dades tendo em vista a descoberta e início da exploração de reservas de petróleo em seu litoral. Tal fato pode gerar dentro de alguns anos relativo reflorescimento e maior valorização das artes capixabas.

2.1 CULTURA E SOCIEDADE

No âmbito cultural, a década de 20 foi marcada pela inauguração, em 1927, do Teatro Carlos Gomes, no centro da capital, preenchendo o espaço deixado pelo Teatro Melpômene, demolido após um incêndio. Projetado pelo arqui-teto italiano André Carloni, sua arquitetura de estilo neorrenascentista foi inspirada no Teatro Alla Scala, de Milão.

Outro marco cultural dos anos 20 é a fundação da Revista Vida Capichaba, em 1923, por Manoel Lopes Pimenta e El-pídio Pimentel. Ela abordava temas diversos, sobretudo literários atrelados a notícias e ao colunismo social, sendo que muitos intelectuais capixabas colaboravam com a referida revista. Influenciada pela Semana de Arte Moderna de 1922, é considerada a maior representante do movimento modernista no estado. (ALVES; OLIOZI; RADAELLI, 2013, p. 4).

Para o historiador Willis de Faria5, apesar de a revista ser voltada para toda a população de Vitória, tratava, em es-pecial, das peculiaridades de uma elite social. Segundo o mencionado estudioso a publicação muito influenciou “e modelou ideias e valores da sociedade capixaba entre o período de 1923 e 1957, sendo considerada a publicação de maior longevidade no Estado até os dias atuais.” Nessa revista, inclusive, já na década de 1920 o Carnaval de Vi-tória era tratado com seriedade e tinha visibilidade na mídia local.

3 | DERENZI, Luiz. Biografia de uma ilha, p. 222. Apud OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Esta-do do Espírito Santo, 2008, p. 449.

4 | Observações discutidas nas aulas da disciplina “Mapeamento da Produção Literária Contemporânea no Espírito Santo”, integrante da grade curricular do Doutorado em Letras da UFES, ministrada pelo Prof. Dr. Orlando Lopes, no 1º semestre de 2013.

5 | Disponível em <http://deolhonailha-vix.blogspot.com.br/2012/03/vida-capichaba-um-veiculo-de.html>. Acesso em 25/10/2013.

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Segundo Alves; Oliozi; Radaelli (2013)6 existia uma grande preocupação com a estética da revista. A publicação era impressa em cores, em papel couché, geralmente tinha 36 páginas e era repleta de imagens. Além disso, suas capas e seu design geral eram influenciados pelo estilo artnouveau. Com relação à fotografia, existia uma preocupação em colocar fotos de paisagem do interior do estado, com o intuito de atrair também quem vivia fora da capital Vitória.

3. CAÇAR COM GATO: CRIATIVIDADE E INVENTIVIDADE

Nos anos 70 do Século XX o antropólogo holandês Geert Banck7 desenvolveu estudo antropológico resultante de pes-quisa de campo no Espírito Santo, sobretudo no município de Vila Velha, com pequenas incursões por Venda Nova do Imigrante e Alto Corumbá, distrito de Castelo.

Segundo o pesquisador, seu objetivo inicial era realizar o estudo em terras baianas, mais especificamente em Salva-dor, porém, um colega inglês o advertiu que já havia muitas pesquisas sendo feitas por aquelas terras, aconselhan-do-o a procurar um local menos visado. Ao ler uma reportagem sobre a cidade de Vitória na revista Cruzeiro, teve a certeza de que era o lugar ideal para ser utilizado como corpus de sua pesquisa.

Nesse trabalho o citado antropólogo parte do provérbio “Quem não tem cão caça com gato” para analisar a capa-cidade de adaptação dos indivíduos frente aos escassos recursos disponíveis. Do ponto de vista material, o estudio-so cita exemplos de como a criatividade e inventividade estão a serviço da necessidade, assim como do bem-estar, das pessoas. Segundo ele

“Tampinhas de refrigerante invertidas e pregadas numa tábua compõem o material

para um capacho à entrada de uma casa. Um fio de arame farpado serve como va-

ral de roupa: as farpas dispensam os prendedores. Sacos plásticos de leite são usados

para fabricar aventais, bolsas, pastas escolares, toalhas de mesa, capas de chuva...”

(BANCK, 1977, p.11)

Entretanto, partindo da materialidade exposta acima para os padrões das relações pessoais nota-se que o provérbio em tela também possui significação relevante. Em meio a condições socioeconômicas adversas, os indivíduos preci-sam recorrer às oportunidades possíveis como forma de assegurar sucesso em seus intentos.

Dessa forma, Banck observou que a utilização de redes interpessoais de relacionamento garantia relativos benefícios, em-bora houvesse pessoas que consideravam tal prática condenável do ponto de vista moral. Porém, segundo o pesquisador,

“quando a necessidade torna-se realmente premen-

te, os princípios muitas vezes são esquecidos.”.

(BANCK,1977, p.12)

6 | Apud Martinuzzo (2005, p.285).

7 | Pesquisa de campo realizada em duas etapas: de abril a dezembro de 1970 e de abril a outubro de 1971, publicada em 1977. Título original: Jagen met een kat. Schaarse middelen en sociale relaties in de Braziliaanse deelstaat Espírito Santo. Amsterdam: CEDLA. 1977. CEDLA Inciden-tele Publicaties 9. pp. 198. Tese de doutorado em Ciências Sociais, Universidade de Amsterdam.

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A tese de doutorado defendida há mais de quarenta anos, tendo o estado do Espírito Santo como pano de fundo, pode ser aproximada e comparada ao cenário atual das letras capixabas, bem como da realidade vivida pela AEL, objeto deste trabalho. Com criatividade e senso de oportunidade a AEL mantém a publicação de suas revistas anuais, assim como de obras e de coleções literárias idealizadas em parceria com outras instituições, no intuito de preser-var a memória das letras capixabas.

Além da veiculação de revista própria anual, nos últimos cinco anos a Academia Espírito-santense de Letras (AEL) logrou êxito na organização e publicação de exemplares de suas três principais coleções. Ao todo foram 11 (onze) obras da Coleção José Costa, referente à história capixaba (memórias); 13 (treze) livros da Coleção Roberto Almada, cujo foco é a apresentação biográfica dos autores deste estado; e 04 (quatro) edições da Coleção Escritos de Vitória, reunindo textos sobre teatro, cinema e música.8

Tendo em vista que a AEL não possui recursos financeiros fixos suficientes para realizar o trabalho de publicação de forma esperada pelos membros da instituição (“Quem não tem cão...”), ela estabelece convênios e parcerias com insti-tuições públicas e privadas com vistas a dar sequência ao ritmo de difusão das edições literárias (“... caça com gato.”).

Um exemplo é a parceria estabelecida com a Secretaria Municipal de Cultura (Semc) da Prefeitura de Vitória/ES, per-mitindo o lançamento de várias obras literárias nos últimos anos. Ressalta-se, ainda, a importância da Lei Rubem Braga, em vigor desde 1991, cuja finalidade é fomentar diversas áreas culturais e artísticas da capital capixaba, tam-bém responsável pela publicação de vários livros da AEL.

A Academia realiza, ainda, em parceria com o Instituto SINCADES9, a edição anual da “Revista Academia Espíri-to-santense de Letras” contendo textos dos imortais acadêmicos e textos vencedores de concurso literário promovi-do pelo citado instituto entre os colaboradores das empresas filiadas ao sindicato, tendo como integrantes da banca julgadora alguns membros da AEL.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Completando 92 anos de história no ano de 2013 a Academia Espírito-santense de Letras (AEL) é a segunda entidade cultural em atividade mais antiga do Espírito Santo, ficando atrás apenas do Instituto Histórico e Geográfico do Espí-rito Santo (IHGES), fundado em 1916. Atualmente a AEL tem como perspectiva a continuidade incansável do traba-lho realizado ao longo de décadas.

A intenção da diretoria da instituição é permanecer com a parceria da Secretaria Municipal de Cultura (Semc) da Prefeitura de Vitória/ES. Pretende-se, ainda, continuar a parceria de sucesso com o Instituto SINCADES, dando se-quência à assessoria e à composição de banca julgadora dos concursos literários promovidos pelo referido instituto.

Entretanto, não se pode esquecer que há ainda uma enorme distância entre a produção de obras literárias no Estado e seu público-alvo em geral. Dentre os desafios apontados pela diretoria da AEL está a urgência de uma política es-tadual para a formação de leitores, bem como de divulgação e recepção das publicações.

8 | Números obtidos por meio de entrevista concedida pelo Prof. Dr. Francisco Aurélio Ribeiro, atual presidente da Academia Espírito-santense de Letras, no dia 03/09/2013, na sede da referida instituição.

9 | Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo (SINCADES).

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Assim, dos áureos anos 20 capixaba até a contemporaneidade a AEL, bem como a cena literária do Espírito Santo, viveu momentos de ascensão e declínio. Cabe ressaltar que mesmo com toda essa oscilação sócio-histórica, a Aca-demia mantém firme suas atividades, constituindo-se como espaço de valorização da memória e preservação das le-tras, cultura, educação e informação da sociedade capixaba.

Referências

ALVES, Gabriela S.; OLIOZI, Ana Carolina C.; RADAELLI, Esther R. Nas páginas da Revista Vida Capichaba: mídia e história no Espírito Santo. Disponível em < http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/ar-tigos/gt-historia-da-midia-impressa/nas-paginas-da-revista-vida-capichaba-midia-e-historia-no-espirito-santo>. Aces-so em 05/10/2013.

BANCK, Geert. Caçar com gato: escassez de recursos e relações sociais no Espírito Santo. 1977, 198f., Tese (Dou-torado em Ciências Sociais). Universidade de Amsterdam. Disponível em <http://www.estacaocapixaba.com.br/wp-content/uploads/2011/12/Tese-de-Geert-Banck.pdf>. Acesso em 02/09/2013.

FARIA, Willis de. Vida Capichaba - um veículo de comunicação ( 1923-1957). Disponível em <http://deolhonailha-vix.blogspot.com.br/2012/03/vida-capichaba-um-veiculo-de.html>. Acesso em 20/09/2013.

LACERDA, R. C.; LACERDA, H. R. C.; ABREU, E. S. Dicionário de provérbios – francês, português, inglês. Rio de Ja-neiro: Lacerda, 1999.

MARTINUZZO, J. A. (Org.). Impressões Capixabas: 165 anos de jornalismo no Espírito Santo. Vitória - ES: Imprensa Oficial do ES, 2005. Disponível em:

<http://www.comunicacaocapixaba.com.br/impressoesc.htm>. Acesso em 5 maio 2012.

OBELKEVICH, J. Provérbios e História Social. In BURKE, P.; PORTER, R (Orgs.). História social da linguagem. São Paulo: UNESP, 1997, p. 43-81.

OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2008.

PERRONE, Adriano; MOREIRA, Thais Helena Leite. História e Geografia do Espírito Santo. Vitória: Gráfica Sodré, 2003.

RIBEIRO, Francisco Aurélio (Org.). Academia Espírito-santense de Letras. Patronos & Acadêmicos. Vitória: Prefeitu-ra Municipal de Vitória/Lei Rubem Braga, 2006.

STEINBERG, M. 1001 provérbios em contraste. São Paulo: Ática, 1985.

XAVIER, Kella Rivetria Lucena. Mulher e poder nas páginas da revista Vida Capichaba (1923-1945). 2008, 82f. Dis-sertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Espírito Santo. Disponível em <http://www.ufes.br/ppghis/Documentos/2005-2/11.pdf>. Acesso em 02/09/2013.

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Paneleira

Silvana Pinheiro • Escritora • Professora

Ei, senta aqui e olha.

É artesã. Mão que femininaMente segredo.

Caldeira de terracota De orla baixa e fundo raso.

É do Mulembá. É do mangue.É de barro. É de lei.

Na eira, filha e mãe modelamTradição. Anel queimado ao sol

A céu aberto e fogo.Aliança polida com seixos e o mútuo desgaste.

Junto. Panela. Açoite de iraDe tinta escura. E cura.

Recipiente de arte e saber de índio a cor tanina.Na casca, latino. Capixaba por destino, sob o nome.

O sabor de colher os frutos do mar.Há um cheiro de peixe no ar

A gosto de coentro e sal. Unguento.Ei, senta aqui e prova.

É arte sã. Mão que femininaMente segredo.

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PresidenteIdalberto Moro

Gerente ExecutivoDorval Uliana

Coordenadora de Programas e ProjetosIvete Paganini

Coordenadora de ProjetosLívia Caetano Brunoro

Coordenadora Administrativo FinanceiroPatrícia Castro Henrique

JornalistaRoberta Fachetti

Assistente de ProjetosBruna Casoli Patrícia Soares Lucio

Assistente Administrativo FinanceiroRoberta de Carli

Presidente Idalberto Luiz Moro

SuperintendenteCezar Wagner Pinto

Coordenadora Administrativo FinanceiroPatrícia Castro Henrique

Coordenadora do Programa ConviverJulyana Gobbi

Analista de MarketingMarcelle Polito

JornalistaRoberta Fachetti

AssessoraLívia Bernabé

Assistente Administrativo FinanceiroValéria Cristina Mattos Santos

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73Revista da Academia Espirito-santense de Letras

6º Concurso Literário | Instituto Sincades

A Academia Espírito-santense de Letras é a ins-tituição parceira do Instituto Sincades para a realização do Concurso Literário, destina-do a incentivar o hábito da leitura e a escri-

ta. E, consequentemente, possibilitar a formação e capa-citação das pessoas – colaboradores e familiares do seg-mento atacadista e distribuidor capixaba.

Temos conseguido alcançar este objetivo. Comemora-mos seis anos de atividades. Celebramos a realização, com grande êxito, da sexta edição do Concurso Literário do Instituto Sincades. Passamos de mil textos inscritos em todas as edições e encontramos textos primorosos, que publicamos na revista da Academia Espírito-santense de Letras. Um motivo de orgulho, tanto para os premiados quanto para nós do Instituto Sincades.

Nosso mais longevo projeto e a mais duradoura parceria continuam. A leitura é, sem dúvida, a melhor forma de viajarmos, de nos encantarmos, emocionarmos, de co-nhecer novas ideias. A escrita é, com certeza, uma for-ma de expressarmos nossas opiniões, nossa compreen-são sobre fatos, sobre o mundo, sobre sentimentos. As-sim crescemos, assim contribuímos para um mundo me-lhor e mais humano.

Muito obrigado a todos os que contribuem, direta ou in-diretamente, para manter viva esta iniciativa.

Palavra do Presidente

Idalberto Moro • Presidente • Instituto Sincades

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Narração

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75Revista da Academia Espirito-santense de Letras

6º Concurso Literário | Instituto Sincades

Se eu fosse...

Se eu fosse uma flor, queria ser plantada em terra fofinha para ser de cores diversas. Ora amarela, ora branquinha ou quem sabe rosinha. Seria pequenina, a mais bela de todas, a mais formosa e certamente a mais cheirosa.

Eu seria uma flor que nasceria em qualquer lugar deste meu lindo Estado, dando a ele ainda mais beleza e leveza em todo canto com certeza.

No Convento da Penha em Vila Velha eu ia encantar os fiéis com as minhas cores e perfumes, no Museu Mello Lei-tão em Santa Tereza seria um alimento saboroso aos beija flores e um cheiro maravilhoso aos seus visitantes.

No Parque do Moxuara em Cariacica, no Parque Horto de Maruípe e no Parque Moscoso, ambos em Vitória, eu ia habitar e abrilhantar todos os cantinhos deles, trazendo a cada espaço um toque todo especial, novamente, com mi-nhas cores e perfumes inesquecíveis.

Em Domingos Martins eu ia colorir a Praça do Colono todinha, fazendo dela o lugar perfeito para estar com quem se gosta e ter uma boa conversa no fim de tarde.

Eu queria estar em todos os lugares, mas o lugar que mais me fascina e encanta é o Parque Pedra da Cebola. Ele é um dos parques mais bonitos e preservados da Grande Vitória e a minha estadia por lá só o deixaria ainda mais belo e acolhedor.

Lá eu ia embelezar muitas fotos de crianças brincando e de casais apaixonados se abraçando.

Além de perfumar e embelezar todos estes lugares eu teria uma missão em especial, que seria cuidar para que ne-nhuma espécie de plantas e flores fossem desmatadas, pois todas as vezes que alguém tentasse arrancar a mim ou uma de minhas colegas eu ia exalar um cheiro horrível e furaria a pessoa com espinhos, e assim, elas iam desistir de arrancar toda e qualquer planta em todo canto do meu Espírito Santo, pois ele é a minha, a sua, a nossa Terra.

Categoria: Infantil | Modalidade: Narração

Lailla Costa MachadoEmpresa que o pai ou a mãe trabalham

Belmax Comercial

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Se eu fosse...Augusto Ruschi

Se eu fosse Augusto Ruschi também cuidaria de plantas e animais, também seria uma grande conhecedora de diversos ramos da biologia como ele foi, me tornaria respeitada, uma grande especialista em beija-flo-res e orquídeas do Brasil.

Também iria ser professora e pesquisadora do Museu Nacional. Seria pioneira no combate ao desmatamen-to da Amazônia, no reflorestamento.

Ajudaria no combate as pragas na agricultura, implantaria diversas reservas ecológicas, como o Parque Nacional do Caparaó entre nosso Estado e Minas Gerais.

Criaria instituições de pesquisas igual as que ele fez, como Museu de Biologia Professor Mello Leitão e a Estação de Biologia Marinha Ruschi.

Se eu fosse Augusto Ruschi iria falar para todos que não destruíssem a natureza, não poluíssem nossos mangues.

Se eu fosse Augusto Ruschi iria me orgulhar de ser capixaba, porque nosso Espírito Santo é muito bonito e cheio de vida, e, como nas ideias dele, temos que manter a beleza de nossa natureza, nossos animais.

Seria uma lutadora contra quem quisesse destruir nosso meio ambiente para criar empresas poluidoras jogando lixo em nossos rios, em nossas florestas.

Eu gostei muito da sua história porque ele é do nosso Estado, assim como eu, e foi uma grande pessoa ajudando bas-tante o nosso país, é um grande valor da nossa terra e da nossa história.

Acho que todos queriam ser como Augusto Ruschi, porque todos amam o meio ambiente e também querem ver sua terra linda e preservada.

Se eu fosse Augusto Ruschi, seria genial assim como ele foi!!!

Categoria: Infantil | Modalidade: Narração

Yasmim dos Santos Durao Empresa que o pai ou a mãe trabalham

RDG Aços do Brasil S/A

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77Revista da Academia Espirito-santense de Letras

6º Concurso Literário | Instituto Sincades

Se eu fosse...

Se eu fosse um super herói com certeza seria o super Victor, pelo fato do meu nome ser o masculino de Vi-tória, é ai que começa minha história. Vitória do Espirito Santo, terra de muitos sabores, terra de grandes valores, com histórias surpreendentes.

Há tempos atrás desbravaria estas terras com bravura e curiosidade, junto aos colonizadores que aqui che-garam, com o poder das descobertas, que aqui fizeram, ao encontrar índios que viviam nestas terras, algo novo e di-ferente. Se houvessem super heróis nesta época, imaginem como seria: ajudaria a carregar pedras para a construção do convento lá no alto do penhasco, imagino que seria de grande ajuda e muita rapidez. Com meus super poderes protegeria nossa terra contra qualquer coisa de ruim que pudesse acontecer.

Mas como vivo na atualidade tenho que usar meus super poderes para desbravar e conhecer as delícias do Espiri-to Santo: nossa terra nossos valores, de tantos sabores e de grandes amores, pois quem conhece não se esquece da ilha do mel.

Com lindas paisagens, inesquecíveis imagens as quais guardei e desbravei, eu super Victor me orgulho de pertencer a esta terra abençoada, Vitória do Espirito Santo, acompanhada de seus municípios, cada qual com seus encantos.

Mesmo sendo criança já me orgulho de viver aqui a minha infância, uso meus super poderes de curiosidades para aprender e conhecer o que de melhor nosso estado tem a nos oferecer.

Museus, pontes, conventos, tudo construído com passar dos tempos, erguidos fortes por mãos de muita gente.

Aqui deixo minha admiração, contando que num futuro próximo estarei ainda como super Victor a contar sempre com emoção as belas histórias que vivi, histórias que conheci, e que passarei adiante, sobre o espírito santo: nossa terra, nossos valores e nossos amores por esta terra querida.

Categoria: Infantil | Modalidade: Narração

Victor Emanuel Vieira Trabach Empresa que o pai ou a mãe trabalham

Bressan Distribuidora

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Crônica

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79Revista da Academia Espirito-santense de Letras

6º Concurso Literário | Instituto Sincades

Uma saudade inesperada

São duas e meia da tarde quando olho o relógio e espero silenciosamente o avião pousar na pista. Saio de uma longa viagem, e nem imagino o quanto sentirei saudade de minha terra. Pouca falta senti da diversão em conjunto ou da voz das pessoas mais próximas de mim. Eu amo São Paulo, e desejo estar lá até entrar no carro para ir para casa.

Moro literalmente perto da praia, e enquanto o carro me leva de volta, posso ver o sol da tarde batendo na janela do carro e sendo refletido com igual intensidade no mar ao meu lado. Um momento único está prestes a vir, um momento que eu mal tinha me importado em sentir a poucos minutos. Porém, fito a areia e observo as pessoas caminharem lentamente, com suas roupas de praia das mais diversificadas cores, seus semblantes calmos junto à maresia, o som das ondas como música em seus ouvidos, em meus ouvidos. Risos, música e diversão em fren-te à praia, tão próxima a mim.

Como não sentir falta do céu limpo, e de ter o oceano te acompanhando para onde quer que vá? Apaixono-me no-vamente, como um recém-nascido se apaixona pelo som da voz da sua mãe e pela vontade de viver ao nascer. Apai-xono-me pelo que vejo, como me apaixonei na primeira vez em que senti o gosto do chocolate, doce e com um leve tom de saudade quando você não come mais.

Quero provar aquela sensação, bem ali e naquele momento. Saio do carro, pois eu não tenho nada a perder. Viven-cio a brisa úmida em meu rosto, em convívio com vários rostos desconhecidos, sombras em minha mente e temos o mesmo em comum: a paixão pelo sol e pelo mar bem na frente de casa.

Percebo então, em meio aquele turbilhão de pensamentos, em meio aqueles vários capixabas aproveitando o sol ao meu redor, que acabo de errar em dizer que não sentiria falta de minha terra. Sinto a saudade chegar, e tam-bém a sinto desaparecer, à medida que descubro o quão bom é estar de volta. Que outro lugar pode ser tão perfei-to como o meu Espírito Santo? Minha Vitória? Nós capixabas somos uma mistura de tudo que há de bom, de toda a música, do congo, da ginga, do frevo, do teatro, da cultura. Somos a mistura da mistura do Brasil, se é que você, caro leitor, me compreende.

Categoria: Juvenil | Modalidade: Crônica

Carla Gabriela Almeida PereiraEmpresa que o pai ou a mãe trabalham

Eletrovan

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Nascer Capixaba

Eu sou da terra do “POCÁ”, do “VAMOS PRO ROCK”, da “MOQUECA”, do “CONGO”. Eu sou o índio, o branco, o negro, sou uma diversidade cultural, pois tenho o mundo representado em minhas raízes.

Possuo uma variedade ambiental, que apaixona a todos os meus vizinhos. Isso porque em poucos quilôme-tros quadrados, tenho uma variação climática que lembra desde a Europa até o deserto do Saara. Sem falar

nas belas praias e lugarejos que representam várias cidades ao redor do mundo.

Minha biodiversidade encanta a todos, pois trago em mim a Mata Atlântica, representada pela variedade de vidas presentes em meu território.

Quer curtir uma bela praia? Tenho um litoral de vários quilômetros repleto de belas paisagens, encantando crianças dos nove aos noventa anos. Você curte esporte? Ofereço uma variedade de práticas esportivas nos mais variados am-bientes, desde o mais radical ao mais simples.

Quer um lugar para relaxar? Minhas montanhas e seus lugarejos são agradáveis durante todo o ano. Quer visitar um lugar mágico? Eu tenho uma montanha azul, tenho Dunas que lembram os desertos, grutas, lugares inexplorados e ilhas encantadas.

Sou da terra que o Padre Anchieta escolheu viver e morrer, trago em mim a religiosidade característica de um povo que escolheu colocar a vista de todos, em cima de um monte, o poder da sua fé.

Sou da terra de Rubem Braga e em cada conto escrito um pouco de mim foi falado... Em minhas entranhas um rei foi gerado e hoje o mundo se rende aos seus pés.

Sou um povo alegre e sorridente, hospitaleiro e amigável, que se destaca pelo orgulho de ser capixaba.

Categoria: Juvenil | Modalidade: Crônica

Thiago Lovo dos SantosEmpresa que o pai ou a mãe trabalham

Via Brasil Distribuidora Ltda

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6º Concurso Literário | Instituto Sincades

Uma Viagem Capixaba

Quem fala aqui é uma capixaba nata, apreciadora das belezas tão exuberantes que o nos-so estado tem para mostrar.

E como já dizia o saudoso cronista Rubem Braga: “Os jornais noticiam tudo, menos uma coisa tão banal que ninguém se lembra: A vida”. Nessa fase de tempos difíceis, não se acha mais tempo pra falar de nos-

sa terra, nem dos valores que ela tem.

Assim como eu, o povo espírito-santense tem muito do que se orgulhar, história é o que não falta pra gente contar! São muitos lugares deslumbrantes espalhados pela Cidade Sol, atraindo muitos turistas, que se apaixonam e por aqui querem ficar.

Podemos falar com propriedade do frio das montanhas de Domingos Martins, com seu clima ameno que agrada a todos os gostos, além de ser uma das exuberâncias do estado.

O extenso litoral capixaba pode ser desfrutado pelas praias de Guarapari, Balneário de Meaípe, as Dunas de Itaúnas, pelo congo da Barra do Jucu, entre outras praias paradisíacas que são os cartões postais do Espírito Santo.

Também contribui para o intenso fluxo de turistas que contemplam a formosura da terra capixaba, o interior do esta-do, com a hospitalidade do povo pomerano, as cachoeiras de Santa Leopoldina, Matilde e tantas outras.

Não se pode deixar de mencionar a tão reconhecida cidade de Cachoeiro de Itapemirim, terra do Rei Roberto Car-los e do já citado e eterno cronista capixaba, Rubem Braga.

Também temos a graça e a magnificência das Igrejas históricas tombadas no estado, como as tão visitadas igrejas da Cidade Alta, no Centro de Vitória. Igreja de São Gonçalo, Capela de Santa Luzia, Convento de São Francisco, Cate-dral Metropolitana, dentre outros monumentos históricos.

E para a viagem de um turista que passa pelo Espírito Santo ser perfeita, não pode faltar a tão famosa Moqueca Capixaba, prato típico dessa região.

Um estado com tantos encantos não pode ser esquecido e merece ser viajado pelos admiradores dessa terra de mui-tos valores e que não para de crescer. Quem a conhece nunca mais esquece!

Categoria: Juvenil | Modalidade: Crônica

Kézia Alves Moreira DutraEmpresa que o pai ou a mãe trabalham

Composé

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6º Concurso Literário | Instituto Sincades

A história e literatura do Espírito Santo e sua importância para os valores da cultura local

Privilegiado é o povo espírito-santense, contemplado pela perfeita sintonia entre as belas criações da natureza e do homem e pelas riquezas e oportunidades que sua terra lhe oferece. Como se não bastasse, ainda nas-ce cercado de uma cultura influenciada por tradições indígenas, africanas e europeias que a tornaram, ao longo da história do Estado do Espírito Santo, plural e única, desde a sua culinária, apreciada nacional e in-

ternacionalmente, até o seu folclore, práticas religiosas, construções arquitetônicas, música, arte popular e literatura.

No entanto, boa parte da história e da literatura do Espírito Santo ainda permanece desconhecida do público em ge-ral, em razão da falta de estímulos financeiros e de divulgação, além da inexistência ou precariedade da abordagem de seus aspectos nas escolas estaduais de ensino médio.

A literatura espírito-santense cumpre importante papel no relato de cada contexto e acontecimentos que permeiam a história do Espírito Santo, desde os escritos dos padres jesuítas, no período colonial, e pode propiciar o conheci-mento e a identificação social e cultural dos cidadãos do Estado.

Tal identificação é extremamente importante, já que, dessa forma, o indivíduo poderá sentir-se como integrante de uma sociedade e de uma cultura e lhe colocará em condições de interação com os demais, ultrapassando as barrei-ras do puro individualismo. Além disso, a identificação social e cultural influenciam nos comportamentos dos indi-víduos que se sentem inseridos nesses contextos e absorvem os valores sociais e culturais, o que pode auxiliar na re-solução ou, pelo menos, na atenuação de vários dos impasses que a sociedade vivencia nos tempos atuais, como o aumento da violência nas cidades.

Dessa forma, é importante a tomada de ações que permitam e facilitem a publicação de títulos literários que tratem da nossa história e cultura, a fim de que as bibliotecas das escolas e de terminais de ônibus e as livrarias sejam do-tadas de um acervo amplo e diversificado, que permita o acesso e estimule na população o hábito da busca por in-formações acerca de suas origens e de sua cultura.

Categoria: Adulto | Modalidade: Dissertação

Welliton Luis Conceição Empresa

Atacado União Ltda

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Outrossim, também são imprescindíveis as ações nas escolas de ensino fundamental e médio, com atividades inter-disciplinares e atrativas, que despertem o interesse das crianças e adolescentes pela história e literatura espírito-san-tense, que estão umbilicalmente ligadas, como já se afirmou.

Por outro lado, as atividades e espaços culturais locais, como os museus e teatros, em que pese os avanços nos últi-mos anos e uma melhora significativa em suas estruturas, também necessitam de maiores incentivos e intensificação na divulgação, a fim de alcançar um público maior e mais fiel. Da mesma forma, fora dos espaços culturais “conven-cionais”, os espaços públicos devem ser ocupados por essas atividades, especialmente as grandes praças, que, em outros tempos, eram locais de profunda interação entre as pessoas e entretenimento acessível e gratuito.

Por tudo isso, é de suma importância que o Governo do Estado e as Prefeituras Municipais firmem parcerias com em-presas e entidades interessadas em disseminar o conhecimento histórico do Espírito Santo e as atividades culturais, dados os benefícios pessoais e sociais que a identificação dos indivíduos com a sua cultura e história pode trazer e a importância dessa herança para as futuras gerações.

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6º Concurso Literário | Instituto Sincades

Espirito Santo: Nossa terra, nossos valores!

O Espirito Santo fica localizado na região sudeste do país, possui uma área de 46.095,583 km² com uma população estimada em 3.885.049 habitantes distribuídos em 78 municí-pios (IBGE, 2014). Esse território possui características muito distintas que enriquecem a região, constituído de uma múltipla formação com inúmeras etnias.

Essa terra carrega em seu bojo riquezas que assumem sua existência, história e crenças. De cultura rica e diversifi-cada que possuem características do povo que compõem o território, merecem destaque: a moqueca capixaba e a panela de barro (a moqueca é o prato mais conhecida do Espirito Santo conhecida nacionalmente e internacional-mente, a panela é usada para o preparo da moqueca, ambas de origem indígena). Ressalvo a contribuição dos imi-grantes italianos que tiveram a maior influência com: o anholini, o risoto e a polenta e a contribuição dos mineiros e baianos com pratos típicos como péla-égua e Vatapá.

Cabe ressaltar os espaços culturais que retratam um pouco de cada povo que aqui viveu e vive as lutas que enfren-taram e a junção de valores que se formaram em nossa terra contribuindo para a arte, dentre outros. Destaco: O Tea-tro Carlos Gomes, Museu de Arte, Galeria Homero Massena, Museu do colono, Bibliotecas públicas, Arquivo Públi-co Estadual e Orquestra Filarmônica. Terra de história, de arte e luta. Relembrem alguns de seus personagens históri-cos: Vasco Fernandes Coutinho (1º donatário da capitania do Espirito Santo em 1935), Frei Pedro Palácios (a ele atri-bui-se a fundação do Convento da Penha), Araribóia (importante militante, cacique da tribo dos temimimós), Padre José de Anchieta (promoveu a fé no estado), Maria Ortiz (considerada uma heroína brasileira, iniciou a resistência a um ataque surpresa holandês em 1925, jogando agua fervente nos invasores de cima de uma escada), Elisíario (es-cravo que chefiou a principal revolta dos escravos no estado, a Inssureição de Queimados em 1849), Caboclo Ber-nardo (pescador simples, ajudou salvar 128 tripulantes de um navio em 1887) e por fim Augusto Ruschi (patrono da Ecologia do Brasil, fundou no Espirito Santo o Museu de Biologia Mello Leitão). Adentremos em importantes perso-nagens e obras literárias que merecem destaque para que seja reforçada a importância de nossa cultura literária, res-salto: Pero de Magalhães Gandavo (1576), Fernão Cardim (1583), Carta Foral do Rei Dom Joao III, romances sobre a vida do primeiro donatário (Claudio Vasco Lacchini em 2009), Barroco (1601-1768), Romantismo (1836-1880).

Enfim, o povo capixaba possui uma identidade cultural peculiar, pois a população é composta por junção de negros, índios, alemães, pomeranos, holandeses, dentre outros. Essa junção enriquece nossa cultura, sem falar que nossa ter-ra é riquíssima, por exemplo, temos o petróleo, onde o estado é um dos maiores produtores do país. Em suma, o Es-pirito Santo é estado rico pela cultura culinária e literária, personagens importantíssimos que contribuíram para for-talecer a região local, pontos turísticos, entre tantas outras belezas que compõe o patrimônio do estado. Não pode-mos deixar cair no esquecimento à importância dos nossos valores, pois é necessário mantermos nossa cultura viva!

Categoria: Adulto | Modalidade: Dissertação

Otoniel de LimaEmpresa

Unilider

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Congo capixaba, o ritmo de nossas raízes

Que capixaba nunca acompanhou o ritmo contagiante de uma banda de congo? Com suas batidas caracte-rísticas, esse ritmo é um legado deixado por nossos antepassados para a posteridade, que a geração atual recebeu e o tem representado muito bem. Sucesso absoluto na voz de Martinho da Vila, a música Mada-lena Madalena é uma autêntica música de congo, que apesar de citar a Barra do Jucú foi feita por um ser-

rano. Quem desta terra não vibrou quando o robô Spirit, da Nasa, foi ativado em Marte ao som de Da Da Da, da ban-da Casaca? Nossos ancestrais ficariam orgulhosos em saber que seus filhos já levaram sua cultura até outro planeta.

Atualmente bem preservado, o congo surgiu no estado através dos negros, que, ao serem trazidos para trabalhar nos en-genhos, trouxeram consigo seus costumes e crenças. Uma referência foi feita em 1858 por um francês chamado François Biard no livro Deux années eu Brásil. Nele, o autor relata um encontro com indígenas por ocasião da festa de congo, sendo essa a mais antiga referência que se tem notícia a respeito desse ritmo no Espirito Santo. No entanto, segundo vários histo-riadores, o mesmo nasceu com o sincretismo entre a adoração destes aos deuses africanos mais os santos da igreja católica.

Os instrumentos são feitos de maneira artesanal exatamente como eram no passado. A casaca, criada pelos índios, também chamada de reco-reco, é feita em um pedaço de madeira de aproximadamente 70 centímetros, tendo uma cabeça esculpida na parte superior. Na parte inferior tem esculpidos talhos transversais, por onde o instrumentista passa uma vareta, produzindo assim um som com o atrito. Segundo histórias locais, os negros seguravam um desses pelo pescoço como se estivessem enforcando os senhores que lhes tivessem castigado e passavam as varetas como se tivessem machucando as costelas do mesmo. Na visita a Nova Almeida, o imperador Dom Pedro II desenhou uma “cassáca”, segundo consta nos arquivos do império. Outros instrumentos utilizados são os tambores, no qual o ins-trumentista senta em cima, cavalgando-o, a cuíca, o chocalho e o apito, que é utilizado pelo mestre no começo e no fim das toadas. Uma das festas mais tradicionais é realizada na Serra, na festa de São Benedito. Conta-se que o na-vio Palermo naufragou nas proximidades de Nova Almeida e 25 escravos se salvaram agarrados no mastro que tinha a imagem de São Benedito, daí nome da festa, que ocorre entre os dias 25 e 26 de dezembro e a quantidade de to-cadores. São famosas também as comemorações na Barra do Jucú, onde surgiram alguns grupos como a banda Ca-saca, a interprete da música que tocou em marte.

Enfim, uma bela festa de folclore com contribuições de índios, brancos e negros, representando nossas raízes, de es-pírito-santenses felizes e festeiros.

Categoria: Adulto | Modalidade: Dissertação

Polliana Lima MolinariEmpresa

Unilider

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