Revista de Conjuntura, n. 43
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1
julho / setembro / 2010
ISSN
167
7-06
68AN
O XI
• Nº
43
• jul
ho/se
tem
bro
de 2
010
Revista de
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
Dércio Munhoz comenta como se deu a formação econômica da cidade e as questões
apontadas por ele de maior importância e urgência como a saúde, a problemática da
expansão urbana e a questão do sistema de transportes.
ARTIGOS
ENTREVISTA
Tempos Keynesianos
Luiz Fernando de Paula e Fernando Ferrari Filho
Real Forte: Benção ou Maldição?
Carlos Eduardo de Freitas
“Guerra Cambial”: Causas e
Consequências
Newton Marques
A (incrível) rentabilidade dos
bancos brasilieros
Leda Maria Paulani
Aspectos sobre a especulação
Simone Maciel Cuiabano
A intervenção do Estado na
economia por meio das políticas
públicas fi scal e monetária - Uma
abordagem Keynesiana
Carlos Frederico Alverga
O Processo Legislativo Federal
Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto
11111111111111111111111111111111CORECON-DF realiza XXII
SINCE com grande
participação dos
CORECONs
Foram aprovadas, durante o evento, inúmeras propostas que irão promover a evolução dos
CORECONs e do exercício da pro% ssão do economista, considerando as transformações
aceleradas no mercado de trabalho.
COMECE A FAZER PARTE DESDE JÁ DA SUA COMUNIDADE PROFISSIONAL!
Compareça ao Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e obtenha sua Carteira de Estudante de Ciências Econômicas.
O estudante credenciado terá os mesmos benefícios oferecidos aos economistas registrados, em igualdade de condições, exceto aqueles diretamente relacionados ao exercício profissional que sejam privativos dos profissionais registrados por determinação da lei.
Ao apresentar a credencial em qualquer Conselho Regional de Economia, o portador poderá consultar a legislação regulamentadora da profissão do economista, extrair cópias de artigos sobre temas de economia e ter acesso às publicações do Sistema COFECON/CORECONs, videotecas e bibliotecas, além de conseguir descontos nos eventos do Sistema COFECON/CORECONs.
Documentos necessários:
• Declaração de matrícula e frequência da Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia);• Documento de identidade (original e cópia);• CPF;• 2 fotos 3x4 coloridas;• comprovante de residência (original e cópia);• preenchimento do requerimento da credencial.
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 / 3964-8366 / 3964-8368Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)E-mail: [email protected]
-8368ervalo)
Aluno e aluna de
de qualquer período ou sériede qualquer período ou sérieCiências Econômicas
Tãmnia Tãmnia
A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon/DF.
07 Tempos Keynesianos
Luiz Fernando de Paula e Fernando Ferrari Filho
11Real Forte: Benção ou Maldição?
Carlos Eduardo de Freitas
31“GUERRA CAMBIAL”: CAUSAS E
CONSEQUÊNCIASNewton Marques
37A (incrível) rentabilidade dos bancos
brasilieros Leda Maria Paulani
39Aspectos sobre a especulação
Simone Maciel Cuiabano
45A intervenção do Estado na economia
por meio das políticas públicas fi scal e monetária - Uma abordagem
KeynesianaCarlos Frederico Alverga
51O PROCESSO LEGISLATIVO FEDERAL
Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto
2 editorial3 entrevista
Dércio Munhoz
26 capaPropostas do CORECON-DF
apresentadas no XXII SINCE
ÍndicePublicação do Conselho Regional de
Economia do Distrito Federal
ANO XI • Nº 43 • julho/setembro de 2010
ConjunturaRevista de
Nesta edição
Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat
Conselho editorialCarlos Eduardo de FreitasElder Linton Alves de AtaújoJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de AlmeidaHumberto Vendelino RichterMaurício Barata de Paula PintoNewton Ferreira da Silva MarquesOscar Henrinque Belo SantosTito Belchior Silva Moreira
Jornalista responsávelCamila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851)
Redação e Editoração eletrônicaCamila Fiorese
Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refl etem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF
PresidenteJosé Luiz Pagnussat
Vice-presidenteJusçânio Umbelino de Souza
Conselheiros efetivosMônica Beraldo Fabrício da SilvaMaurício Barata de Paula PintoHomero Gustavo Reginaldo LimaJosé Luiz PagnussatJusçanio Umbelino de SouzaHumberto Vendelino RichterCarlos Eduardo de FreitasOscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira
Conselheiros suplentesGuilherme Costa DelgadoNewton Ferreira da Silva MarquesVictor José HohlÉrton Birk TeixeiraDiones Alves CerqueiraRonalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyElder Linton Alves de Araujo
Gerente ExecutivoGeraldo Andrade da Silva
Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro Camila FioreseIraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares
EstagiárioJosé Luiz Cordeiro Cruz
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)
O Conselho Regional de Economia do DF (CORECON/DF) realizou o XXII Simpósio
Nacional dos Conselhos de Economia – SINCE no período de 1º a 3 de setembro de
2010, com grande participação de delegados dos demais conselhos regionais.
O XXII SINCE foi organizado em três grupos de trabalho para debater, aprovar ou
rejeitar propostas recebidas, previamente, de todos os Conselhos Regionais. O grupo
1 debateu a formação profi ssional e o mercado de trabalho do economista. Neste
tema foram analisadas e aprovadas várias propostas que normatizam novos campos
de atuação dos economistas. As mudanças no mercado de trabalho e a invasão de
profi ssionais de outras áreas em atividades para as quais os economistas têm melhor
formação exigem dos conselhos a revisão e aperfeiçoamento da legislação específi ca,
no sentido de viabilizar a fi scalização do exercício profi ssional e permitir que os
conselhos cumpram sua função de defesa da sociedade frente aos maus profi ssionais
que oferecem os seus serviços sem a formação necessária.
Neste tema debateu-se também a formação do economista e a adequação dos
currículos frente às mudanças no mercado de trabalho. Observou-se que os cursos
de economia têm ajustado os seus currículos buscando defi nir o perfi l específi co de
cada curso ao mercado regional de trabalho. Entretanto, observa-se uma continua
queda na demanda pelos cursos de economia e o fechamento de muitos, ao mesmo
tempo em que proliferam cursos de mestrado e doutorado em economia. Este é o
caso de Brasília, que tem mais do dobro de instituições que oferecem pós-graduação
strictu sensu do que de graduação em economia. Tal tendência pode evidenciar
uma evolução na formação dos economistas, que no passado foi um curso técnico,
evoluiu para o bacharelato e hoje o mercado está demandando o profi ssional de
economia com formação mais apurada e/ou especializada. Constatou-se, também,
uma ampliação da demanda por profi ssionais de economia, a começar pela oferta de
estágios não preenchidos em várias áreas de atuação dos economistas. As demandas
por economistas não estão sendo atendidas plenamente não só nos estágios, mas
principalmente em níveis estratégicos de “economista sênior” e especializado, como
mercado de capitais e fi nanceiro, entre outros.
Neste sentido, o Conselho de Economia do DF propôs o reconhecimento de
especialistas em campos do saber específi co na área de economia para efeito de
registro de mestres e doutores e profi ssionais atuantes em áreas afi ns. As propostas
não foram aprovadas, mas o debate foi intenso e certamente fará parte da agenda
dos conselhos nos próximos SINCEs. Este é o tema da matéria da Revista para a qual
convido todos os economistas de Brasília a contribuírem para o aperfeiçoamento do
assunto.
O grupo 2 debateu o aperfeiçoamento dos sistema de Conselhos. Foram
aprovados propostas que ampliarão a articulação entre os conselhos regionais em
várias atividades como a fi scalização profi ssional, além da revisão da legislação básica
da profi ssão.
O grupo 3 debateu a conjuntura econômica e social do País, com quatro palestras
de grandes nomes nacionais que levantaram questões relacionadas com a política
econômica e social do País, cuja síntese está na “Carta de Brasília” aprovada na plenária
fi nal do SINCE e reproduzida na Revista.
EditorialEditorialPublicação do Conselho Regional
de Economia do Distrito Federal
ConjunturaRevista de
Desenvolvimento econômico de
Brasília em 50 anos
ENTREVISTA
5
julho / setembro / 2010
Dércio Munhoz
Ainda em comemoração ao cinquentenário de Brasília
a Revista de Conjuntura do CORECON-DF entrevista o
Professor Dércio Garcia Munhoz, “Cidadão Honorário de
Brasília” (1999) e um dos mais respeitados economistas
do País, que comenta entre outros pontos, como se deu a
formação econômica da cidade e as questões apontadas
por ele de maior importância e urgência como a saúde,
a problemática da expansão urbana e a questão do sis-
tema de transportes.
O Professor Dércio Munhoz graduou-se em economia
na Universidade de Brasília (UnB) em 1966, obteve o título
de Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo
(USP) em 1971 e o Reconhecimento de Notório Saber,
pelo Conselho Federal de Educação, em 1980. Iniciou
suas atividades acadêmicas, ainda, na década de sessenta
na UnB, onde foi Professor Titular do Departamento de
Economia até 1996. Foi professor, também, de outras ins-
tituições de ensino do País, como a Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Escola de Administração Fazendária,
Escola Nacional de Administração Pública, Instituto Rio
Branco, entre outras.
Entre suas atividades fora da universidade se desta-
cam: a de funcionário concursado, em 1954, do Banco
do Brasil; presidente do Conselho Federal de Economia
(COFECON) em 1986 e presidente do Conselho Superior
da Previdência em 1988, dentre outras importantes fun-
ções públicas que o professor Dércio Munhoz exerceu.
Com aproximadamente 280 artigos publicados em
revistas especializadas e Séries Monográfi cas, desde 1971,
o Professor Dércio ainda tem em seu currículo quase
70 textos didáticos, centenas de artigos para jornais e
colunas na Internet e diversos livros como Economia
Agrícola – Agricultura: uma defesa dos subsídios (1982),
Divida Externa: a crise rediscutida e Economia Aplicada -
Técnicas de Pesquisa e Análise Econômica.
Conjuntura - Como se deu a formação econômi-
ca de Brasília? E também as tendências de expan-
são dos diversos setores econômicos?
Dércio Munhoz - A base econômica de Brasília nos
anos 60 se sustentava sobre dois eixos: grandes e peque-
nas construtoras e atividades afi ns (de instalações elé-
tricas, hidráulicas, de esquadrias metálicas e de madei-
ras, de impermeabilização, marmorarias, etc.), comércio
de materiais de construção produzidos em outras regi-
ões, indústria extrativa – todas voltadas predominante-
mente para o setor de construção civil – na construção
dos prédios públicos e na intensa atividade de edifi ca-
ções privadas que num primeiro momento preenche-
riam as duas asas do Plano Piloto – a Asa Norte num
ritmo mais moderado; restaurantes, mercados, lojas de
roupas e calçados, de móveis e de eletrodomésticos,
papelarias e as primeiras escolas privadas, além de um
diversifi cado e crescente setor de serviços – no aten-
dimento às necessidades das pessoas e das famílias.
Começam então a surgir grandes empresas locais
no setor de transformação, como serralherias e fábricas
de móveis e estofados. Aos poucos, nas décadas se-
guintes, a economia do Distrito Federal foi se asseme-
lhando às das regiões mais antigas, ainda que com des-
taque especial para a construção civil, pois longo seria
o caminho de ocupação do Plano Piloto e de expansão
e criação de novas cidades satélites, dentro de um fe-
nômeno migratório que faria a população do Distrito
Federal triplicar nos dez primeiros anos, ultrapassando
já em 1970 a meta fi nal de quinhentos mil habitantes.
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Conjuntura - Em sua opinião quais as vocações
econômicas de Brasília? Dentre elas, qual teria mais
destaque no ponto de vista econômico e por que?
Dércio Munhoz - Perdura ainda com grande
dinamismo o setor da construção civil, e consoli-
dou-se o grande comércio voltado para o abas-
tecimento da população. Tomou vulto, por outro
lado, um setor de serviços white collar (“colarinho
branco”) muito específi co, porque ligado à centrali-
zação administrativa dos poderes Executivo, Legis-
lativo e Judiciário, própria de uma capital federal.
É evidente, por outro lado, que a indústria jamais será
uma vocação local – salvo manufaturas leves na área de
alimentos, vestuário e calçados e mobiliário, voltados
para a demanda local, e que, aliás, já tem presença mar-
cante. Destacando-se o comércio – num mix de gran-
des e pequenos estabelecimentos – e serviços blue
collar, tais como o de manutenção e reparo de veículos,
cuja importância decorre do tamanho e crescimento
da frota de automóveis na região do Distrito Federal.
Fora disso Brasília oferece, dada a posição geográ-
fi ca, condições favoráveis para funcionar como centro
distribuidor de produtos transformados na direção de
uma ampla região compreendendo o Centro Oeste, o
Norte e parte do Nordeste. Mas nesse aspecto é forço-
so reconhecer a presença, como fortes concorrentes,
de alguns grandes centros urbanos do Estado de Goiás.
Conjuntura - Qual o impacto de Brasília na inte-
riorização do desenvolvimento do Brasil (Brasília
como pólo de desenvolvimento regional)?
Dércio Munhoz - Quando Carlos Lacerda, um feroz
crítico da construção de Brasília e de vias de integração
como a Belém, ainda nos anos 60, ao percorrer parte
da rodovia – até Ceres ao que parece – reconheceu o
papel integracionista da estrada e o seu impacto no de-
senvolvimento do Centro Oeste, indiretamente Brasília
e diretamente JK recebiam os louros pelo sucesso do
grande desafi o da interiorização do país. Não foi por
outra razão que, quando uma Junta Militar assumiu
o Governo em 1969, com a doença de Costa e Silva e
instalação do governo provisório no Rio de Janeiro,
logo foram afastados os temores de retorno defi ni-
tivo da Capital Federal, pois seria um contrasenso in-
terromper o processo histórico de interiorização admi-
nistrativa visando a tão ansiada integração territorial.
Conjuntura - Qual a sua opinião sobre a formação
de um novo grande eixo de desenvolvimento -
Brasília - Goiânia?
Dércio Munhoz - Brasília-Goiânia repete um pro-
cesso de conurbação que se desenvolve no Norte do
Paraná, na região Londrina-Maringá, e constitui extra-
ordinária experiência da integração de várias cidades –
incluindo, dentre elas, Rolândia, Arapongas, Mandaguari
e Sarandi - num eixo relativamente pequeno, em torno
de cem quilômetros, com Londrina e Maringá, nos ex-
tremos, funcionando como pólos mais dinâmicos. Aliás,
o desenvolvimento integrado das cidades do norte do
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a
6 ‘‘... a indústria jamais será uma vocação local – salvo manufaturas leves na área
de alimentos, vestuário e calçados e mobiliário,
voltados para a demanda local, e que, aliás, já tem
presença marcante.
‘‘
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Paraná, para o qual se analisa agora a viabilidade de im-
plantação de uma ferrovia - deveria ser estudado como
fenômeno raro que é visando o planejamento para o
desenvolvimento integrado futuro do eixo Brasília.
Afi nal é urgente o acúmulo de conhecimentos sobre
os problemas e soluções integradas entre várias cida-
des, mesmo porque o desenvolvimento econômico do
Vale do Paraíba, refl etindo em extensas áreas urbanas,
vem transformando o eixo Rio - São Paulo num mega
caso de conurbação. Requerendo uma presença mais
atuante e uma ação mais integrada dos municipais da
região com os governos estaduais e o Governo Federal.
Conjuntura - Que questões de maior importân-
cia e urgência se poderiam apontar como preocu-
pantes na fase atual de consolidação do complexo
urbano do Distrito Federal?
Dércio Munhoz - Além da questão da saúde, en-
volvendo graves defi ciências da rede pública no
atendimento ambulatorial e hospitalar, dois outros
são os pontos que me parecem essenciais: a pro-
blemática da expansão urbana e a questão do sis-
tema de transportes. E ambos são como irmãos
siameses, pois requerem encaminhamento conjun-
to, soluções harmônicas, coincidências temporais.
Quando no início dos anos 70 um grupo Francês pre-
sente no Brasil foi contatado pelo governo local visan-
do o planejamento do sistema de transportes no Distri-
to Federal, havia plena consciência de que a expansão
urbana deveria obedecer a uma lógica que permitisse a
implantação de eixos de transportes – condição primei-
ra para sistemas de transporte de massa. Assim se pen-
sava evitar que os caóticos sistemas de transporte do Rio
e São Paulo se reproduzissem no futuro na nova capital.
Quando Brasília completa 50 anos da fundação o
que se percebe é que sucessivos governos locais per-
deram a perspectiva do que representa o planejamen-
to urbano em microrregiões com as características do
Distrito Federal. E com isso permitiu-se um processo
anárquico de expansão urbana, onde até mesmo a
ocupação de áreas especiais setorizando atividades
econômicas foi tratada como mera moeda de troca de
interesses políticos. E, dada a ausência de instrumen-
tos de controle, coordenação e supervisão por parte
do Governo Federal – num inexplicável abandono da
Capital Federal a condenáveis conluios paroquiais - a
ação predatória tomou vulto, fortaleceu-se com alian-
ças sinistras entre o poder público e interesses volta-
dos para a mais abjeta especulação imobiliária. Daí
resultando um processo de rápida desfi guração ur-
bana do Distrito Federal, com a mutilação do modelo
de ocupação urbana da grande Brasília, que se traduz
na mudança de destinação de áreas nobres, de com-
prometimento de regras de preservação ambiental
ou de equilíbrio nas taxas de densidade demográfi ca,
tal como ocorreu com as áreas rurais de Vicente Pires
– protegidas deste a construção de Brasília para impe-
dir a contaminação da bacia do Paranoá; ou as faixas
de terras entre o Guará e a via EPIA, ou entre Guará/
Núcleo Bandeirantes e Guará/Via Estrutural, ou nas
áreas que circundam a região do Setor Policial Sul.
E isso se repete em todas as direções. Sem contar
a expansão desordenada dos condomínios, as inten-
ções mais recentes da CEB de alienar extensa área
em frente ao Carrefour Norte, para onde avançariam
novos edifícios residenciais, quando a destinação nor-
mal do lote e áreas próximas deveria ser a ampliação
do Parque Burle Max. Especialmente para impedir
que o avanço da especulação imobiliária mutile ain-
da mais as áreas verdes urbanas do Distrito Federal,
que constituem um patrimônio que não pode fi car
sujeito a decisões intempestivas de governantes.
‘‘ Quando Brasília completa
50 anos da fundação o que
se percebe é que sucessivos
governos locais perderam
a perspectiva do que
representa o planejamento
urbano em microrregiões
com as características do
Distrito Federal.
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a
Conjuntura - E quanto às cidades Satélites?
Dércio Munhoz - Após a criação do primeiro nú-
cleo habitacional permanente fora do Plano Piloto
– a cidade de Taguatinga se consolidou o modelo de
um conjunto de cidades satélites em torno de Brasília
para absorver o crescimento populacional. E a cria-
ção de novas cidades satélites procurava obedecer a
um ritmo que permitisse o desafogo diante das pres-
sões sobre as cidades-satélites já existentes. Com isso
se evitava um crescimento explosivo que pusesse a
expansão dos núcleos fora de controle das autorida-
des. Mas se algum sucesso foi alcançado – a despei-
to das distorções decorrentes do alargamento dos
perímetros urbanos para atender interesses políticos
dos mais rasteiros – hoje o modelo enfrenta novos
desafi os, diante da proliferação dos espigões, compro-
metendo, pelas mudanças na densidade demográfi ca,
os serviços de saúde e saneamento, e os sistemas de
abastecimento e transporte, dentre outras distorções.
Os critérios de ocupação territorial terão de ser revistos
– diante de um PDOT (Plano Diretor de Ordenamento
Territorial do DF) novíssimo e precocemente envelhe-
cido – com a criação de mecanismos, inclusive com a
participação do Governo Federal, para impedir que
questões de extrema importância muitas vezes sejam
decididas mais pelos interesses de construtoras e in-
corporadores, criando prejuízos irreparáveis para a po-
pulação. E o descontrole institucional sobre a questão
do uso das terras do Distrito Federal é tão grave que a
Terracap desde 2007 deixou de colocar em seus sites
os resultados das licitações de terrenos – o que é ex-
tremamente preocupante quando áreas nobres como
o Setor Noroeste entraram na “linha de produção”.
Conjuntura - Mas e a questão dos transportes urbanos?
Dércio Munhoz - E se na questão da expansão ur-
bana Brasília de há muito virou uma terra de ninguém
– do que se tem aproveitado sem pudor grande par-
te dos membros da Câmara Legislativa no aspecto
do transporte urbano o quadro não é menos desani-
mador. O metrô é antigo, mas funciona com inexpli-
cável defi ciência porque até hoje não houve interesse
na implantação do sistema de integração com ônibus,
que faria a alimentação nas cidades satélites, nem os
ganchos que fariam o metrô atender às áreas dos mi-
nistérios e todo o eixo monumental; e para essa dis-
sídia se alega a insufi ciência no número de vagões,
quando se descobre, surpreendentemente, que novos
trens não foram adquiridos em coordenação tempo-
ral com as novas linhas e estações. Por outro lado, no
eixo Brasília, de extraordinária demanda de transpor-
te, sucessivos governos do Distrito Federal jamais ti-
veram interesse em implantar sistemas de transporte
de massa, embora os custos minimizados com o apro-
veitando da linha férrea existente desde o inicio de
Brasília e que chega à antiga gare, hoje funcionando
precariamente como estação rodoviária interestadual.
Nos seus 50 anos Brasília traz, portanto, ao me-
nos aos que a viram nascer, a nostalgia de relembrar
com saudades um futuro que em grande parte fi cou
apenas como uma vã esperança. Às gerações mais
recentes fi ca o desafi o de, através de organizações
da sociedade civil ainda não submetidas aos pro-
jetos políticos de falsas lideranças, atuar coordena-
damente para resgatar o possível dos sonhos de JK.
Nos seus 50 anos Brasília traz, portanto, ao menos aos que a viram nascer, a nostalgia
de relembrar com saudades um futuro que em grande parte fi cou apenas como uma vã
esperança.
Dércio Munhoz‘‘8
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Tempos Keynesianos*Luiz Fernando de Paula e Fernando Ferrari Filho
O processo de globalização fi nanceira, em que
os mercados fi nanceiros são integrados de tal forma
a criar um “único” mercado mundial de dinheiro e
crédito, diante de um quadro em que inexistem regras
monetário-fi nanceiras e cambiais estabilizantes e os
instrumentos tradicionais de política macroeconômica
tornam-se crescentemente insufi cientes para conter
os colapsos fi nanceiros (e cambiais) em nível mundial,
tem resultado em frequentes crises de demanda
efetiva, determinado fundamentalmente por “forças
fi nanceiras”.
De fato, a crise fi nanceira que emergiu em 2007-
2008, cujos desdobramentos ainda se fazem sentir
nos dias de hoje – exemplifi cando, os Estados
Unidos continuam enfrentando difi culdades para se
recuperar e o sistema fi nanceiro dos países da zona do
euro apresenta sérias instabilidades, principalmente
devido à crise fi scal dos chamados PIIGS (Portugal,
Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), é, sobretudo, a crise
da globalização fi nanceira, entendida como uma
tendência à criação de um mercado fi nanceiro global
e de intensifi cação no fl uxo de capitais entre países.
Esse processo remonta a crise do sistema de Bretton
Woods e a formação do mercado de eurodólares,
que, diga-se de passagem, acabou contribuindo
para a desregulamentação doméstica dos sistemas
fi nanceiros – com o fi m da segmentação entre
mercados – e a liberalização dos fl uxos de capitais.
Como resultado do processo de
desregulamentação fi nanceira, observou-se um
acirramento na concorrência entre instituições
bancárias e, por conseguinte, queda nas margens
de intermediação fi nanceira, tendo como resposta
uma tendência à conglomeração fi nanceira e um
aumento na escala de operação, via fusões e aquisições.
Assim, instituições fi nanceiras passaram a explorar
diferentes mercados, inclusive de mais baixa renda.
No mercado de títulos, desenvolveram-se mecanismos
de securitização, estimulados pelo crescimento de
investidores institucionais, em que fi rmas e bancos
se fi nanciam “empacotando” rendas a receber. Em
suma, uma vez que a securitização permitia a diluição
de riscos no mercado, as instituições fi nanceiras
passaram a aumentar sua alavancagem, supondo que
os mecanismos de auto-regulação do mercado seriam
capazes de continuar avaliando corretamente os riscos
inerentes às atividades fi nanceiras.
A crise do subprime – mercado de fi nanciamento
imobiliário de maior risco – acabou por expressar todas
as contradições deste processo. A necessidade de
ampliação de escala levou as instituições fi nanceiras a
incorporarem segmentos de baixa renda em condições
de “exploração fi nanceira” – no caso do subprime, com
taxas de juros variáveis (baixas no início e se elevando
ao longo do tempo) – que acabou resultando em um
processo de estrangulamento fi nanceiro do tomador de
crédito. A securitização, que serviria para diluir riscos, na
prática serviu para esconder riscos – títulos lastreados
em hipotecas eram emitidos por instituições fi nanceiras
de grande porte, sendo tais ativos classifi cados como
grau de investimento por uma agência de rating. Esses
ativos, como resultado da globalização fi nanceira,
passaram, por sua vez, a ser comprados por investidores
de diferentes nacionalidades. Criaram-se, assim, novos
instrumentos fi nanceiros que não foram devidamente
regulamentados pelas autoridades monetárias.
Mecanismos de auto-regulação mostraram-se falhos
devido ao caráter pró-cíclico da tomada de risco:
* Este artigo é uma adaptação da apresentação do Dossiê da Crise II editado pela Associação Keynesiana Brasileira (AKB) e disponível em http://
www.ppge.ufrgs.br/akb.
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a
projetos que eram considerados ruins na desaceleração
passaram a ser visto como bons no boom cíclico.
John Maynard Keynes, em sua Teoria Geral do
Emprego, do Juros e da Moeda (TG) de 1936, chamava a
atenção para o fato de que, em economias monetárias
da produção, a organização dos mercados fi nanceiros
enfrenta um trade-off entre liquidez e investimento:
por um lado, eles estimulam o desenvolvimento da
atividade produtiva ao tornar os ativos mais líquidos,
liberando, portanto, o investidor da irreversibilidade
do investimento; por outro, aumenta as possibilidades
de ganhos especulativos. Assim, ao estabelecer uma
conexão entre os mercados fi nanceiro e real da
economia, Keynes na TG (1964, p.159) escreve que
“a posição é séria quando o empreendimento torna-
se uma bolha sobre o redemoinho da especulação.
Quando o desenvolvimento das atividades de um país
torna-se o subproduto das atividades de um cassino, o
trabalho provavelmente será mal-feito”1.
Indo ao encontro de Keynes, nos dias de hoje,
a ação dos global players, em um mercado mais
liberalizado e integrado, faz com que os mercados
fi nanceiros convertam-se em uma espécie de grande
cassino global. Especulação, em uma economia global,
tem caráter disruptivo não somente em mercados
domésticos, mas sobre países como um todo, criando
uma espécie de cassino fi nanceiro ampliado. Na
perspectiva keynesiana, instabilidade fi nanceira não
é vista como “anomalia”, mas como resultante da
própria forma de operação dos mercados fi nanceiros
em um sistema no qual não existe uma estrutura de
salvaguarda que exerça o papel de um market marker
global. Assim, o formato institucional específi co dos
mercados fi nanceiros determina as possibilidades
de se ter um ambiente em que a especulação possa
fl orescer. Crises fi nanceiras não são apenas resultados
de comportamentos “irracionais” dos agentes, mas
resultam da própria forma de operação dos mercados
fi nanceiros globais liberalizados sem um sistema de
regulação adequado.
A crise fi nanceira internacional, cuja origem está
nas perdas causadas pelo crescente default dos
empréstimos das hipotecas de alto risco do mercado
subprime americano e que, devido ao fato de que
grande parte dessas hipotecas foram securitizadas e
distribuídas a investidores do mercado global, acabou
tornando-se global, nos induz a duas refl exões.
Em primeiro lugar, ela põe em xeque os benefícios
concretos da globalização fi nanceira, com mercados
fi nanceiros desregulados, inclusive nos países
desenvolvidos. Em segundo lugar, ela nos remete,
a partir das medidas de natureza fi scal e monetária
implementadas pelos países desenvolvidos e, em
menor grau, por países em desenvolvimento – tais
como injeção de liquidez e de capital nos sistemas
fi nanceiros por parte das autoridades econômicas
destes países e redução sincronizada da taxa
básica de juros dos principais bancos centrais
mundiais – para se evitar a repetição de uma grande
depressão, tanto a repensar o próprio papel do
Estado na economia, quanto à necessidade de re-
regulamentar os sistemas fi nanceiros domésticos
e reestruturar o sistema monetário internacional2.
Recentemente, um artigo escrito por economistas
do Fundo Monetário Internacional (Blanchard, O. et al,
“Rethinking macroeconomic policy”, fevereiro de 2010)
defende, em tempos pós-crise, uma nova agenda
de política econômica alternativa ao “consenso
macroeconômico” prevalecente até a crise econômica
de 20083. Segundo este trabalho, os fundamentos
desse consenso foram seriamente abalados com a
crise econômica. Em primeiro lugar, a crise mostrou aos
formuladores de política econômica que a manutenção
de uma taxa estável de infl ação não é condição
sufi ciente para a estabilidade macroeconômica. Isso
porque o comportamento dos preços dos ativos, dos
* ¹ Keynes, J.M. (1964). The General Theory of Employment, Interest and Money. New York, HBJ Book.
*² Nossa análise sobre a crise fi nanceira mundial está aprofundada em Ferrari Filho, F. e Paula, L.F. (2009). “Crise fi nanceira e reestruturação do
sistema monetário internacional”. Indicadores Econômicos, 37(1): 113-118.
*³ Para o referido consenso a política macroeconômica deveria ser conduzida com base nos seguintes princípios: 1) fi xação de um único objetivo
para a política monetária: obtenção de uma taxa de infl ação baixa e estável; 2) a política monetária, conduzida sob um regime de metas de infl a-
ção, deve ter como único instrumento a taxa de juros de curto prazo; 3) o único objetivo da política fi scal deve ser a estabilização da dívida bruta
do setor público como proporção do PIB; e 4) a regulação fi nanceira deve ser pensada de forma independente dos impactos macroeconômicos
da mesma.
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agregados de crédito e, até mesmo, a composição da
produção podem criar forças desestabilizadoras dentro
do sistema econômico que levam, a médio e longo-
prazo, à ocorrência de uma crise fi nanceira de grandes
proporções. Em segundo lugar, a fi xação de uma meta
de infl ação muito baixa reduz consideravelmente
o espaço para a redução da taxa nominal de juros
quando a mesma for necessária para se lidar com os
efeitos de uma crise fi nanceira. Assim, os custos da
perda de fl exibilidade de uma meta de infl ação muito
baixa superam, em muito, os possíveis ganhos de
credibilidade que possam gerar. Em terceiro lugar, a
manutenção de um “espaço fi scal” – entendido como
uma relação dívida bruta/PIB entre baixa e moderada
– se mostrou de importância fundamental para uma
pronta e decisiva resposta da política fi scal à crise
fi nanceira. Por fi m, o escopo limitado da regulação
fi nanceira forneceu os incentivos necessários para
os bancos criarem operações “exóticas” fora do
seu balanço, de forma a contornar os limites de
alavancagem estabelecidos pelo Acordo da Basileia, o
que acabou por aumentar a fragilidade fi nanceira do
sistema como um todo4.
Enfi m, o próprio mainstream, ou parte dele,
questiona os fundamentos da política econômica
convencional e mesmo os próprios fundamentos
da teoria econômica ortodoxa, como a fé cega no
funcionamento do mercado, em que a ação de
agentes racionais conduziria a resultados “ótimos”
(ou próximos a esses) do ponto de vista econômico-
social. De fato, há muito economistas keynesianos
vêm questionando tais preceitos, chamando a
atenção que o modelo “neoliberal” não garante um
crescimento econômico robusto e fi nanceiramente
estável, além de gerar um crescimento incompatível
com a melhoria na distribuição de renda. Para esses
economistas, não só Keynes e seus seguidores têm
muito a dizer sobre a “economia da depressão”, como
também sobre caminhos possíveis para se alcançar
uma “economia da prosperidade”. Está claro que
vivemos “tempos keynesianos”, embora os contornos
da política econômica que assegure a saída defi nitiva
da crise e, sobretudo, para um mundo pós-crise não
estejam muito claros no debate econômico atual.
Afi nal, os sinais de recuperação econômica mundial
têm sido contrastados com sinais preocupantes,
como a crise européia dos PIIGS, e o fato de que a
moderada recuperação econômica no mundo tem
sido acompanhada de hesitante diminuição no
desemprego.
Diante desse contexto, a Associação Keynesiana
Brasileira (AKB) elaborou o Dossiê da Crise II, contendo
artigos de vários economistas brasileiros keynesianos
associados à referida Instituição, além de convidados
internacionais (Gary Dymski, Jan Kregel, Philip Arestis
e Thomas Palley) – todos conhecidos economistas
keynesianos que têm participado ativamente das
atividades da AKB –, cujo objetivo consiste em avaliar
os desdobramentos da crise fi nanceira internacional,
no mundo em geral e no Brasil, assim como avaliar
algumas alternativas de políticas. Nele, algumas
questões centrais são analisadas, tais como: a crise
fi nanceira internacional resulta de uma crise de um
paradigma econômico liberal? Quais os motivos da
hesitante recuperação econômica mundial? O que está
por detrás da crise na Europa? No caso do Brasil, quais
foram os fatores determinantes na superação da crise?
Passado o susto, quais problemas econômicos devem
ser enfrentados e quais devem ser as soluções para os
mesmos?
O Dossiê da Crise II está dividido em duas partes. Uma
primeira parte analisa a natureza e os desdobramentos
da crise fi nanceira no mundo. Uma segunda focaliza os
* 4 Veja a respeito., Oreiro, J.L. e Paula, L.F. “Um novo arcabouço de política econômica”, Valor 30/03/2010.
‘‘ ‘‘
Como resultado
do processo de
desregulamentação
fi nanceira, observou-
se um acirramento na
concorrência entre
instituições bancárias...
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a
impactos da crise no Brasil e os caminhos de superação
para um novo ciclo de crescimento sustentado.
No que se refere à primeira parte, alguns questões
importantes são apresentadas. Em primeiro lugar,
sustenta-se que a crise da economia americana
signifi cou a exaustão de um modelo de ciclo
econômico baseado na combinação de infl ação de
ativos com elevações persistentes no endividamento.
A crise fi nanceira, de modo geral, revelou uma crise do
próprio modelo liberal, em que falharam os princípios
de efi ciência dos mercados e sua capacidade de auto-
regulação. Em segundo, aponta-se que as vacilações
nas políticas implementadas, como uma preocupação
possivelmente prematura com os défi cits públicos e
crescimento das dívidas públicas, acabam por gerar
incertezas ainda maiores em relação à recuperação
econômica mundial, podendo até mesmo levar a uma
nova contração econômica. Em terceiro lugar, a crise
dos PIIGS revela os problemas relacionados à rigidez
nas políticas macroeconômicas e às assimetrias nas
realidades econômicas na zona do euro, entre países
com condições estruturais bastantes diferenciadas,
gerando um problema crônico de competitividade
externa, uma vez que a adesão ao euro eliminou a
possibilidade de se usar a desvalorização do câmbio
como instrumento de política econômica. Saídas
para a crise são apontadas através da utilização de
diversos mecanismos de coordenação de políticas,
como adoção de uma política de juros baixos na zona
do euro, e países superavitários comprometendo-se
a adotar estímulos fi scais e aumentos salariais para
estimular o comércio intra-europeu. Não se descarta,
inclusive, a possibilidade de reestruturação de dívida
pública grega dentro do euro.
Na segundo parte deste Dossiê o foco é o Brasil.
Avalia-se, em particular, as condições que possibilitaram
a economia brasileira a superar o contágio da crise
mundial, onde se destaca a importância do papel anti-
cíclico dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e
Caixa Econômica Federal) que evitaram uma contração
mais signifi cativa do crédito global na economia
e, junto com a manutenção e aumento do nível do
investimento e do gasto público, foram determinantes
na rapidez da resposta à crise internacional. Aponta-
se, ainda, que se a política monetária tivesse sido
fl exibilizada prontamente aos efeitos da crise ainda em
2008, possivelmente a economia brasileira nem teria
sofrido uma recessão em 2009.
Ademais, algumas proposições de política
econômica são feitas no sentido de permitir que a
economia brasileira pós-crise entre em uma rota de
crescimento econômico sustentado e fi nanceiramente
estável, sem esbarrar em problemas crônicos de
restrição externa (leia-se sustentabilidade de longo
prazo do balanço de pagamentos) ao crescimento,
gerados tanto por défi cits crescentes na conta
comercial e de serviços, como também em função da
própria volatilidade nos fl uxos de capitais externos.
Neste sentido, avalia-se, entre outras proposições, o
uso de políticas de controle de demanda agregada
via coordenação de políticas monetária e fi scal
(com uso contra-cíclico), a criação de um Fundo de
Estabilização Cambial, com recursos fornecidos pelo
Tesouro Nacional na forma de títulos de dívida pública,
e a implementação de regulamentação sobre fl uxos
de capitais que permita reduzir a volatilidade na taxa
de câmbio e ajude e reduzir pressões advindas de
uma excessiva entrada de capitais externos. Enfi m,
abre-se a discussão para uma nova agenda de política
econômica, diga-se de passagem, importante de ser
avaliada no momento em que, no início de 2011, um
novo governo tomará posse.
Fernando Ferrari Filho [email protected]
Economista formado pela UERJ, com mestrado na UFRGs e Douto-
rado na USP em Economia. Pós-doutorado em Economia na Univer-
sity of Tennesse. Professor titular da UFRGS e pesquisador do CNPq.
Atuaelmente vice-presidente da Associação Keynesiana brasileira.
Luiz Fernando de Paula [email protected] formado pela UERJ e professor da mesma. Pesquisador
do CNPq, com doutorado pelo IE/UNICAMP e pós-doutorado pela
Universidade de Oxford. É autor do livro “Financial Liberalization
and Economic Performance: Brazil at the crossroads” (Routledge).
Presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
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1. Introdução.
A partir de novembro de 2002, vencidos os piores
momentos das desconfi anças em relação ao futuro
Governo do Partido dos Trabalhadores, o real (R$) en-
trou numa trajetória sustentada de apreciação, como
resultado basicamente de superávits de balança co-
mercial que se traduziram em saldos signifi cativos no
Balanço de Pagamentos em Transações Correntes2.
Em 2006 a Conta de Capital e Financeira do Balan-
ço torna-se positiva com forte ingresso de capitais
estrangeiros, antecipando, inclusive, a promoção do
Brasil, em 2008, a grau de investimento pela Stan-
dard & Poor’s (S&P) e pela Fitch Ratings, duas das prin-
cipais agências de classifi cação de risco do mundo.
Real Forte: Benção ou Maldição?1
Carlos Eduardo de Freitas
2006 e 2007 tiveram superávits simultâneos na
Conta Financeira e na Conta Corrente, sendo que em
2006 superávits expressivos em ambas. Em 2007 o su-
perávit fi nanceiro foi extravagante (US$ 89,2 bilhões),
mas o saldo de Transações Correntes caiu a US$ 1,5 bi-
lhão na esteira da elevação do crescimento do PIB, pre-
nunciando os défi cits de 2008 em diante. Em setembro
de 2008 a crise fi nanceira internacional provocou um
colapso do crédito e da demanda mundiais. O R$ atra-
vessou um curto período de signifi cativa desvaloriza-
ção, de setembro a dezembro daquele ano. Contudo,
os fl uxos de capitais retornaram já em 2009 com a po-
lítica monetária e fi scal expansionista dos Estados Uni-
dos e de outras economias desenvolvidas, e o atrativo
* ¹ O autor agradece ao Ministro Odacir Klein a oportunidade de apresentar esse documento de trabalho ao Workshop por ele organizado em
Brasília, bem como a autorização para publicação do texto como artigo para a Revista de Conjuntura, nº 43 (julho-setembro de 2010) Ano XI,
publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal – CORECON/DF.
* ² Ver Carlos Eduardo de Freitas, Grau de Investimento,in Revista de Conjuntura, Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (CORECON/
DF), Ano VIII, nº 34, abril/junho de 2008, pp.30-40.
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das oportunidades de investimento no Brasil. A preco-
ce recuperação econômica do País, em função, dentre
outros fatores, da sustentação do ritmo de atividade
econômica da China, foi instrumental nesse processo.
O Gráfi co 1 mostra a evolução do índice da
taxa de câmbio efetiva real da moeda brasileira de
dez/1998 a out/2010. O barateamento do dólar e
de um conjunto amplo de moedas frente ao R$ vem
sendo visto como fato negativo, que simplesmen-
te retira competitividade da indústria brasileira. Isto
não é verdade. O fortalecimento do Real refl ete, em
última análise, o enriquecimento brasileiro favoreci-
do pela mudança estrutural da economia mundial,
semeada desde o início da década de 80 do século
XX e que afl orou na primeira década do século XXI.
O R$ mais valorizado aumenta o poder
de compra da poupança brasileira, baratean-
do a formação de capital fi xo, um dos gargalos
mais importantes do desenvolvimento do País.
Vale notar, talvez para surpresa geral, que em ou-
tubro de 2010 o R$ encontrava-se mais valorizado
que em dezembro de 983, último mês do regime cam-
bial de bandas ajustáveis, com taxas semifi xas, que
caracterizou fase de notória sobrevalorização da mo-
eda nacional, entre julho de 1994 e janeiro de 1999.
Mas esse dado, embora até possa ter al-
gum impacto jornalístico, tem que ter seu signi-
fi cado econômico ponderado com mais cuida-
do, porque se está a comparar situações distintas.
Em dezembro de 1998 a taxa de câmbio era dita-
da pelo Banco Central. A sobrevalorização resultava
de uma política deliberada do governo, e a taxa de
R$ 1,2046/US$ era artifi cial. O mercado não acre-
ditava nela, e as reservas internacionais já estavam
esgotadas em janeiro de 1999, quando o governo
determinou ao Banco Central que abandonasse a
sustentação daquela taxa e daquele regime cambial.
Em 2010, ao contrário, a taxa de câmbio é fl utuante
e não há artifi cialismo na política cambial. A valoriza-
ção vem desde o início da década, é comum a vários
países, decorre de uma nova estrutura econômica in-
ternacional com signifi cativos ganhos para o Brasil
nos termos do intercâmbio, as reservas internacionais
encontram-se em nível recorde, e os ingressos de in-
vestimentos externos diretos e de investimentos em
ações também são recordes. Antes do baque provoca-
do pela crise do fi nal de 2008, as exportações de manu-
faturados se expandiam na contramão da valorização
cambial (Gráfi co 1-A), e, não obstante as reclamações
setoriais voltam a aumentar em 2010, com expansão
de 9,6% no quantum acumulado jan/set, ou de 3,5%
nos 12 meses terminados em setembro de 2010 (dados
da FUNCEX, Boletim de Comércio Exterior, out/2010).
*³ A valorização era de 13,1% de acordo com o cálculo da taxa real efetiva de câmbio do BIS.
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A primarização da pauta de exportações de fato
ocorreu, mas em intensidade menor que a indicada
pela simples comparação de valores correntes. E foi re-
sultante de sinais autênticos de preços. O parque pro-
dutivo brasileiro respondeu a esses estímulos seguindo
as práticas recomendadas pela literatura, isto é, inves-
tindo no agribusiness e em setores ligados à mineração,
segmentos onde, vale lembrar, o País detém óbvias
vantagens competitivas e robusta bagagem de pesqui-
sas acumuladas. Ainda assim, as exportações de manu-
faturados cresceram à taxa média anual de 7%, a preços
constantes, entre 1998 e 2010 (valores projetados pelo
autor), e continuam a representar em 2010 a catego-
ria mais importante da pauta se considerados os va-
lores defl acionados (49,3% contra 39,4% dos básicos).
Quadro 1-AParticipações Percentuais no Total das Exportações
Básicos Semimanufaturados Manufaturados
1998 25,40% 15,90% 57,50%
2010
(est)
Preços
correntes43,20% 14,20% 42,70%
2010
(est)
Preços
constantes39,40% 11,40% 49,30%
Evidentemente, há o fato novo, pós-crise fi nanceira,
representado pela resposta expansionista da política
monetária norte-americana à crise fi nanceira de 2008
que aumenta a oferta global de dólares, e, de outro lado,
a rígida posição chinesa de atrelar o renminbi ao dólar
– a chamada guerra cambial. É ponto relevante, porque
se trata de políticas que, combinadas, podem acabar
convergindo para ações classifi cadas como beggar my
neighbor, se não na intenção, mas nas conseqüências.
Esses fatores podem condicionar um excesso de va-
lorização do R$, além do que se justifi caria em decorrên-
cia dos novos fundamentos da economia mundial. Esse
excesso é que é preocupante porque, tendo caráter tran-
sitório e lastro numa guerra cambial, isto é, lastro arti-
fi cial, divorciado dos “fundamentals” , pode caracterizar
uma bolha, com possibilidade de evoluir para uma crise.
Colocada a questão, o texto divide-se em quatro
seções, a saber:
a) Seção 2: Análise do papel da taxa de juros e da guer-
ra cambial na apreciação do Real;
b) Seção 3: Uso do IOF para enfrentar pressões transi-
tórias sobre a taxa de câmbio decorrentes de fatores
externos, fora do controle do governo, ou que exijam
um prazo mais longo para terem suas causas corrigi-
das;
c) Seção 4: A questão do ajuste fi scal como remédio
para os juros altos;
d) Seção 5: Conclusões.
2. Juros, Guerra Cambial e Apreciação do Real.
O conventional wisdom hoje prevalecente no
Brasil é de que o afl uxo excessivo de capital estran-
geiro se deve à elevada taxa de juros interna. Por
conseguinte, a forma de resolver o problema se-
ria fazer com que os juros internos baixassem ao
nível internacional. O instrumento seria uma re-
estruturação fi scal que reduzisse a dívida pública.
Ninguém discute a relevância de um programa fi s-
cal de médio prazo, com metas claras e exeqüíveis, e
transparência dos instrumentos. O novo governo que
se inaugura em 1º/01/2011 sem dúvida apresentará um
plano desse tipo à sociedade. Não há descalabro fi scal,
como se verá adiante, e, portanto, não há necessidade de
ajustes fi scais draconianos, como, aliás, muito bem assi-
nalou o Ministro Delfi m Netto em artigo no jornal Valor4.
Mas também não há razão para duvidar que taxas
altas de juros atraiam capitais do exterior e que dívi-
das públicas percebidas como elevadas pelos inves-
tidores exijam juros mais elevados para sua rolagem.
Aceitas as hipóteses acima seria preciso estimar
a elasticidade dos ingressos de capitais em relação
à taxa de juros, e por aí avaliar o impacto da taxa de
juros sobre a apreciação cambial brasileira. Isso exigi-
ria exercícios econométricos complexos que fogem
ao escopo desse estudo. Nada obstante, o economista
Alexandre Schwartsman alerta5, em artigo a ser publi-
* 4 Antonio Delfi m Netto, “Voto de Confi ança”, Valor, 30/11/2010, p. A2. * 5 Conforme Ségio Leo, “Estratégias para a guerra cambial”, Valor, 29/11/2010, p. A2.
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cado no número do quarto trimestre de 2010 da Revis-
ta Brasileira de Comércio Exterior (RBCE)6, que a infl u-
ência dos juros pode não ser tão grande como alguns
poderiam esperar: “a queda de 4 pontos percentuais nos
juros elevaria o dólar a apenas R$ 1,75, exemplifi ca”7.
Esta conclusão é compatível com o que se pode
ver de um conjunto de dados aqui apresentados no
Quadro 1 e Gráfi co 2. A reta de tendência ajustada no
diagrama de dispersão do Gráfi co 2 construído com
os dados do Quadro 1 sugere uma relação positiva,
embora fraca, entre taxa de juros real e valorização da
taxa de câmbio. Um país pode apresentar valorizações
cambiais expressivas, caso da Coréia do Sul (14,52%) e
do Canadá (12,81%) e, ao mesmo tempo, ter taxas de
juros negativas ou extremamente reduzidas – exem-
plo do Chile, quarto colocado em valorização cam-
bial da amostra de 10 países do Quadro 1 (0,72%a.a.
de juros reais e 16,99% de valorização do peso).
Dos três líderes de apreciação da moeda, ape-
nas o Brasil tem juros elevados. África do Sul, pri-
meira colocada com 41,66% de valorização do
rand, tem juros reais de 1,39%a.a., e Austrália, se-
gunda colocada, com 34,47% de valorização do dó-
lar australiano, tem 1,62%a.a. de taxa de juros reais.
Isto posto, é importante ressalvar que o Quadro 1
pode encerrar alguns problemas de especifi cação de da-
dos, que não invalidam as conclusões acima, mas acon-
selham certa cautela. Por exemplo, os bancos centrais
de alguns países podem ter acumulado mais ou menos
reservas do que outros, intervindo com maior ou menor
intensidade nos mercados cambiários e, assim, infl uen-
ciando as tendências das respectivas taxas de câmbio.
A imposição de eventuais controles de entra-
da ou saída de capitais, de natureza tributária, ou
não, seriam outras variáveis a serem consideradas.
Por isso, um exercício de regressão múl-
tipla, envolvendo outras variáveis explicati-
vas dos movimentos das taxas de câmbio, além
das taxas de juros, daria uma idéia mais clara da
sua contribuição na determinação do câmbio.
A novidade do Quadro 2 em relação ao Quadro 1
é a informação das desvalorizações cambiais de Es-
tados Unidos, Reino Unido, Venezuela e Argentina,
ademais do Euro. Além disso, não traz a informação
das taxas de juros, embora certamente Estados Uni-
dos e Reino Unido tenham reduzido os juros nas suas
economias, o que reforçaria a hipótese de correlação
juros/valorização cambial. Aliás, em nenhum momen-
to refutamos tal hipótese, apenas registramos vários
indícios de que a relação pode ser fraca. Inclusive no
caso específi co do Brasil a taxa de juros parece expli-
car uma parcela bem menor da valorização cambial
do que a sabedoria convencional vem alardeando.
Chamam atenção o peso argentino e o Bolívar
venezuelano. Ambas as moedas seriam típicas com-
modity currencies, e os dois países deveriam estar em
um período de prosperidade e valorização cambial.
Ao contrário, apresentaram fortes desvalorizações –
18,52% do peso e 25,45% do bolívar – e o desempe-
nho das duas economias é sujeito a controvérsias.
Finalmente, a desvalorização do Dólar, 9,95%, asso-
ciada à do Renminbi, 3,89% como já visto no Quadro 1,
sugere, se não a existência de guerra cambial, ao menos
a constatação de movimentos de política econômica
das duas maiores economias do planeta que podem
ser danosos ao Brasil e a outras nações emergentes.
A política monetária expansionista dos Estados
Unidos inaugurada aos primeiros sinais da crise e
aprofundada no fi nal de 2008 vem produzindo efei-
tos de desvalorização do dólar. Este era um dos des-
dobramentos esperados e não deveria surpreender
ninguém que tivesse suas exportações concentradas
no mercado norte-americano. Nesse sentido, é sem-
pre aconselhável separar, nos casos de perdas com o
comércio exterior, empresas que estivessem com foco
no mercado americano e não redirecionaram suas
vendas em função da crise. Estas enfrentarão perí-
odo de difi culdades e a solução está nas mãos delas.
Não há nada que o governo possa ou deva fazer, ex-
ceto algumas medidas paliativas de crédito direcio-
nado para ajudar a fi nanciar mudanças de linhas de
produtos e/ou desenvolvimento de novos mercados.
* 6 Revista Brasileira de Comércio Exterior (RBCE), editada pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (FUNCEX).* 7 In Sérgio Leo, idem, idem.
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O problema é que a China atrelou sua moeda ao
dólar e usa todo o seu poder de coação interna para
produzir a elevada taxa de poupança, que, associada a
um regime cambial controlado, viabiliza essa política.
Dessa forma, como os produtos americanos conti-
nuam caros na China, a pressão exportadora se faz so-
bre o resto do mundo, e o Brasil é um alvo privilegiado.
Assim, os Balanços de Pagamentos de Brasil, América do
Sul e Central, incluindo o México, Europa, África e outros
países da Ásia teriam que acomodar um volume muito
maior de exportações americanas, comparativamente a
uma situação onde a China estivesse expandindo sua-
absorção (consumo e investimento internos). E ao fi nal
responder pelo reequilíbrio dos Estados Unidos sem a
participação da segunda maior economia do planeta.
Ora, isto está acima das forças daqueles países e
poderia levá-los a uma crise fi nanceira semelhante à
de 1982, se houver fi nanciamento continuado a défi -
cits crescentes de Balanços de Pagamentos em Transa-
ções Correntes como na segunda metade dos anos 70
do século XX cuja resultante foi a crise referida acima.
A apreciação da moeda local em relação ao Dólar
é instrumental nesse processo. No caso brasileiro seria
de se esperar que a taxa de câmbio fl utuante reagis-
se em algum momento e o Real perdesse valor, esta-
bilizando o Balanço de Pagamentos em Conta Cor-
rente, e trazendo o ritmo de expansão do PIB a nível
consentâneo com os fundamentos econômicos do
País. Nessas condições os fl uxos de investimentos ex-
ternos também deveriam se reduzir pela queda na-
tural das taxas de retorno para as novas aplicações.
Quadro 1Taxas de Juros e Apreciação Cambial
Taxa de Juros
Nominal
Infl ação
Preços ao ConsumidorTaxa de Juros Real
Sinal (+) apreciação.
Sinal (-) desvalorização
%a.a. %a.a. %a.a. out/08 a out/10
África do Sul 7,24 5,77 1,39 41,66%
Austrália 4,02 2,36 1,62 34,47%
Brasil 9,82 4,89 4,70 33,33%
Chile 1,44 0,71 0,72 16,99%
Coréia do Sul 2,64 2,75 -0,11 14,52%
Canadá 0,69 0,96 -0,27 12,81%
Índia 7,5 11,99 -4,01 10,40%
Indonésia 8,14 4,56 3,43 8,48%
Rússia 9,26 9,05 0,19 -5,30%
China 1,92 1,71 0,21 -3,89%
Fontes e Observações:
(i) Exceto para o Brasil, os dados são da OECD.
(ii)Para taxas de juros e taxas de infl ação seguir o link abaixo e acessar, (1) Finance/Financial
Indicators/Interest Rates, (2) Prices and Purchasing Power Parities/Prices and Price Indices/
Price Indices/Consumer Prices Annual Infl ation.
http://stats.oecd.org/index.aspx
(iii) Conforme os metadados do site, as estatísticas são originárias dos bancos centrais
nacionais e se referem a taxas de juros ou yields de operações de 3 meses , CDB's,
títulos dos tesouros nacionais, transações interbancárias, etc. Foram usadas médias
2009/2010 (jan/out/ jan/set/jan/ago, jan/jun de acordo com a disponibiliade dos dados).
(iv) Para o Brasil, Website do Banco Central. Taxa de juros: Swap DI x Pré 90 dias. Infl ação:IPCA.
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Porém, a literatura das crises fi nanceiras sugere que
o mercado pode agir contra si próprio, e os investidores
prosseguirem colocando ativos líquidos em projetos cada
vez mais ilíquidos. Foi o que aconteceu de 1974 a 19828.
Se isso ocorrer, os controles cambiais devem ser
usados. A relação dos juros com o câmbio existe, mas os
dados sugerem que pode ser mais fraca do que a sabe-
doria convencional esperaria. Além disso, há as intercor-
rências decorrentes da ausência de coordenação entre
as políticas econômicas dos Estados Unidos e da China
que desequilibram o Balanço de Pagamentos brasileiro.
A redução da dívida pública dentro de um pro-
grama de médio prazo é bem vinda sob todos os
ângulos, porém insufi ciente e lenta para rever-
ter o presente processo de valorização cambial
* 8 Na verdade os mercados fi nanceiros internacionais já estavam ra-refeitos para o Brasil e América Latina em geral desde fi ns de 1979. No nosso caso, começava a fi car difícil apresentar projetos genui-namente interessantes à comunidade fi nanceira, e iniciamos um período de artifi cialismos com manobras táticas para estimular o interesse dos investidores. Internamente, o setor privado não tinha mais condições de suportar o risco cambial associado ao endivi-damento externo, de modo que o setor público assumiu o coman-do total das novas captações de recursos externos, num processo crescentemente desgastante até o colapso em fevereiro de 1983.
Quadro 2
Índice das Taxas de Câmbio Efetivas Reais
Unidades de moedas estrangeiras por moeda nacional
out/08 out/10 Variação Moeda
Países que valorizaram a moeda
África do Sul 69,56 98,54 41,66% Rand
Austrália 87,46 117,61 34,47% Dólar
Brasil 111,2 148,26 33,33% Real
Chile 94,34 110,37 16,99% Peso
Coréia do Sul 71,82 82,25 14,52% Won
Canadá 97,3 109,76 12,81% Dólar
Índia 95,77 105,73 10,40% Rupee
Nova Zelândia 85,01 92,75 9,10% Dólar
Japão 96,12 104,36 8,57% Yen
Indonésia 112,14 121,65 8,48% Rupiah
México 86,88 90,97 4,71% Peso
Países que desvalorizaram a moeda
Venezuela 163,89 122,18 -25,45% Bolívar
Argentina 99,96 81,45 -18,52% Peso
Estados Unidos 96,22 86,65 -9,95% Dólar
Reino Unido 87,7 79,2 -9,69% Pound
Rússia 127 120,27 -5,30% Rublo
China 122,99 118,2 -3,89% Yuan
Zona do Euro 99,35 97,42 -1,94% Euro
Fonte: BIS - Website - Real Effective Exchange Rates
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julho / setembro / 2010
3. Uso dos Controles Cambiais – O IOF
Assinalou-se acima, ao fi nal da Seção 2 que os contro-
les cambiais são o instrumento adequado para lidar com
as pressões de apreciação do Real decorrentes do derra-
me de Dólares nos mercados fi nanceiros internacionais.
O governo limitou-se até o momento9 a usar o IOF
- Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Se-
guro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários como
mecanismo de controle cambial com o objetivo bási-
co de aumentar o prazo dos investimentos em títulos
de renda fi xa (os investimentos diretos e em ações
já costumam ter horizontes de mais longo prazo).
Originalmente, e de acordo com o Decreto 6.306,
de 14/12/2007, não havia cobrança de IOF sobre os
ingressos de recursos externos. Com a abertura da
possibilidade de investimentos externos em títulos
da dívida mobiliária federal em Reais, e dada a isenção
do imposto de renda, houve uma avalanche de inves-
timentos externos com esse fi m, e em 12/05/2008 o
governo editou o Decreto 6.453, taxando em 1,5% to-
dos os investimentos em carteira, tanto de renda fi xa
como em ações. Com a eclosão da crise fi nanceira o
governo voltou atrás e isentou essas operações do tri-
buto, por intermédio do Decreto 6.613, de 2/10/2008.
Em 19/10/2009, recuperados os fl uxos de entradas de
capitais e com o R$ se valorizando 34% em relação ao
fundo do poço da crise, em dezembro de 2008, o go-
verno anuncia a volta da taxação dos ingressos para os
mercados fi nanceiros e de capitais (investimentos em
ações e de renda fi xa), à alíquota de 2%. Um ano depois,
em 4/10/2010, essa alíquota passa a 4%, apenas sobre
renda fi xa, permanecendo a de 2% nas aplicações em
renda variável. Note-se que a alíquota de 4% incide
também sobre Fundos de Ações, Fundos Multimerca-
do, porque misturam renda fi xa com renda variável, e
debêntures (Decreto 7.323). Logo em seguida, possivel-
mente achando que as entradas de recursos não esta-
vam reagindo como esperado, o governo aumentou a
alíquota da renda fi xa para 6%, com incidência esten-
dida às garantias exigidas em contratos de derivativos.
A rentabilidade das aplicações externas em renda
fi xa, também chamada de cupom cambial, depende
do diferencial dos juros internos e externos e da dife-
rença entre a taxa de câmbio de entrada e de saída.
Dessas quatro variáveis, três são conhecidas a priori:
juros internos e externos e taxa de câmbio de ingres-
so. A incógnita é a taxa de câmbio de saída. A BM&F
oferece cotações até 3 meses à frente com base em
contratos fechados e negócios efetivamente realiza-
dos. Daí em diante as cotações disponíveis são indi-
cativas, não estando lastreadas em contratos fi rmes.
Para esse prazo de 3 meses é fácil para os investi-
dores fazerem arbitragens, onde realizam lucro pratica-
mente sem risco. Por exemplo, entram com os dólares,
fazem a conversão em R$ e aplicam em LTN’s ou NTNF’s,
que são títulos da dívida mobiliária federal de juros pré-
fi xados e compram dólares no mercado futuro. A ope-
ração está toda fechada e o lucro determinado a priori.
A alternativa, que aparentemente é a mais usada,
consiste em especular com a taxa de câmbio futura.
Como o R$ vem se apreciando, o lucro do diferencial
de juros pode ser maior. Normalmente, quando uma
moeda paga juros signifi cativamente maiores que
outras moedas é porque representa um risco propor-
cionalmente maior que costuma se refl etir em taxas
de câmbio mais desvalorizadas à frente. Quando esse
quadro não se confi gura, o especulador eventual-
mente aposta que a taxa de câmbio irá se depreciar
pouco ou até se apreciar no futuro e fi ca com a po-
sição aberta. A especulação, ao contrário da arbitra-
gem, caracteriza uma transação com uma ponta aber-
ta, onde se concentra o risco, o lucro ou o prejuízo.
O Quadro 3 mostra duas simulações de investimen-
tos em títulos de renda fi xa – LTN’s e NTN-F’s – base-
adas em arbitragens para operações de até 3 meses,
e nas taxas de câmbio referenciais da BM&F para os
prazos mais largos, até 3 anos. Uma simulação com o
IOF à alíquota atual de 6%, e outra, considerando, ape-
nas para efeito ilustrativo, a alíquota máxima de 25%,
conforme art. 15 do Decreto 6.306, de 14/12/2007.
* 9 Novembro de 2010.
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À alíquota de 6%, a aplicação só se tornaria rentável
se o capital permanecesse mais de 3 anos no Brasil. Logo,
no pressuposto de que todos os ingressos de dólares, ou
pelo menos a maioria esmagadora fosse de capitais es-
peculativos de curto prazo, os fl uxos já teriam cessado.
Mas não pararam, embora tenham se reduzido
caindo de US$ 3,4 bilhões em setembro para US$
2,5 bilhões em outubro, representando queda de
26%. Mais importante até foi a ausência de investi-
dores estrangeiros que levou o Tesouro a cancelar
dois dos quatro leilões de títulos programados para
* 10 Valor, 10/11/2010, Finanças, reportagem de Claudia Safatle. * 11 Idem, idem.
novembro10, sendo que as taxas de juros subiram
nos que foram realizados. Os aplicadores do exte-
rior detêm 10% da dívida pública mobiliária federal e
50% da dívida prefi xada de prazos acima de 5 anos11.
Os dados sugerem que houve uma retração nas
aplicações de renda fi xa, provavelmente naquelas de
prazo mais curto, abaixo de três anos. Mas como os in-
gressos líquidos de capital fi nanceiro dirigidos a papéis
de renda fi xa ainda se mantiveram no patamar acima
de 70% do valor de setembro, quando a alíquota era
de 2%, aparentemente não se tratava simplesmente de
Quadro 3
O IOF e a Rentabilidade do Investº Externo em Títulos de Renda Fixa Data de referência: 30/11/2010
Simulação conforme expectativas apresentadas pela BM&FBovespa
(arbitragens apenas até 3 meses - março/2011)
Prazo em
Meses
Rendimento
Nominal LTN/
NTN-F
Taxa de Câmbio
Futura R$/US$
Custo do
dinheiro
externo
Rentabilidade IOF
6%
Rentabilidade
IOF 25%
LTN/NTN-F LTN/NTN-F
col. (1) col. (2) col. (3)
% a.a. R$ % a.a. % a.a. % a.a.
3 10,79% 1,752 0,16% -20,58% -67,83%
6 11,66% 1,7877922 0,21% -9,33% -42,31%
9 12,17% 1,8294921 0,21% -5,39% -30,03%
24 12,53% 2,0370713 0,51% -0,39% -11,14%
36 12,49% 2,2012002 1,51% -0,10% -7,70%
Fontes e Observações:
Col. (1) - Tesouro Nacional Tabela de Rentabilidade Rentabilidade do Tesouro Direto - Posição 30/11/2010. Taxa do Dia - Venda
Proxies utlizadas: 3 meses LTN 01/01/2011; 6 meses LTN 01/07/2011; 9 meses LTN 01/01/2012; 24 meses LTN 01/01/13;
36 meses NTN-F 01/01/2014.
Col. (2) - Para 3 meses: BM&FBOVESPA Mercados-Mercadorias e Futuros-Cotações e Volume-Cotações online-Boletim Online- Dólar
Comercial 3 meses Mar/2011. Para 6 meses inclusive, em diante - BM&F Taxas Referenciais Link abaixo 6 meses = taxa referencial 181 d; 9
meses = idem 272 d; 24 meses = idem 720 d; 36 meses = idem 1.080 d.
Col. (3) - Custo de oportunidade dos recursos externos - Proxies: 3 meses T-Bill (3 meses); 6 meses T-Bill (6 meses); 9 meses (idem);
24 meses T-Note (2 anos); 36 meses T-Note (5 anos). [cf. Valor econômico 30/11/2010 p. C-3].
Ptax 30/11/2010 (média de compra e venda) 1,7157
http://www.bmfbovespa.com.br/shared/iframeBoletim.aspx?altura=3000&idioma=pt-br&url=www2.bmf.com.br/pages/portal/bmfbo-
vespa/boletim1/TxRef1.asp
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julho / setembro / 2010
smart money, ou dinheiro especulativo de curto pra-
zo. Há recursos mais estáveis nesse capital fi nanceiro.
Fizemos ainda uma simulação – Quadro 4 – consi-
derando trajetória mais suave da taxa de câmbio, isto
é, supondo que as desvalorizações nominais seriam
menores do que as indicadas pela taxas referenciais
da BM&F. Para isso usamos a Pesquisa Focus do Ban-
co Central e associamos a expectativa de dezembro
de 2010, à taxa de 3 meses, a de dezembro de 2011,
à taxa de 9 meses, e a de dezembro de 2012, à taxa
de 24 meses. Feito isso, obtivemos a taxa de 6 meses
por interpolação e a de 36 meses, por extrapolação.
Se um investidor imaginasse que essa seria
uma trajetória esperada do câmbio, sua rentabi-
lidade em dois anos, em dólares, superaria 5%a.a.
já descontado o custo de oportunidade. Para neu-
tralizar uma expectativa dessa natureza seria ne-
cessária uma alíquota de 16% do IOF (Quadro 4).
E tal comportamento da taxa cambial pode não ser
conjectura absurda. Os ingressos de recursos externos
por conta de investimentos diretos e de renda variável
(ações) têm se mantido elevados. Por outro lado, as po-
líticas monetária e fi scal de 2011 deverão ser mais aus-
teras que as de 2009/2010, o que reduzirá o ritmo de
crescimento da absorção na economia brasileira, condi-
cionando uma pausa nos aumentos do défi cit em tran-
sações correntes. Contudo, é difícil prever o comporta-
mento das taxas de retorno dos novos investimentos.
Uma hipótese seria de que começassem a se reduzir, in-
clusive pelo volume maciço de capital que vem ingres-
sando no País desde 2007. Mas pode ocorrer o contrá-
rio, se a economia brasileira ganhar momentum e con-
tinuar avançando, com PIB crescendo entre 5 e 6%a.a.
E mais ainda, seja qual for o cenário de expan-
são da Renda Nacional e a evolução das taxas de
retorno esperadas dos novos projetos, os investi-
mentos externos diretos e por intermédio de apli-
cações em ações das empresas podem continuar
elevados, conforme salientado ao fi nal da Seção 2,
refl etindo comportamentos formadores de bolhas.
Quadro 4O IOF e a Rentabilidade do Investº Externo
em Títulos de Renda Fixa Data de referência: 30/11/2010
Simulação conforme expectativas expectativas
da Pesquisa Focus do Banco Central
Prazo em
Meses
Rendimento
Nominal LTN/
NTN-F
Taxa de
Câmbio
Futura R$/
US$
Custo do
dinheiro
externo
Rentabilidade
IOF 6%
Rentabilidade
IOF 16%
col. (1) col. (2) col. (3) LTN/NTN-F LTN/NTN-F
% a.a. R$ % a.a. % a.a. % a.a.
3 10,79% 1,7100 0,16% -12,49% -44,21%
6 11,66% 1,7199 0,21% -2,02% -21,78%
9 12,17% 1,7600 0,21% -0,37% -14,27%
24 12,53% 1,8200 0,51% 5,44% -0,38%
36 12,49% 1,9666 1,51% 3,89% -0,09%
Fontes e Observações: Col. (1) - Tesouro Nacional Tabela de
Rentabilidade Rentabilidade do Tesouro Direto - Posição
30/11/2010. Taxa do Dia - Venda Proxies utlizadas: 3 meses LTN
01/01/2011; 6 meses LTN 01/07/2011; 9 meses LTN 01/01/2012; 24
meses LTN 01/01/13; 36 meses NTN-F 01/01/2014.
Col. (2) - Pesquisa Focus com interpolação para 6 meses e extrapola-
ção para 36 meses.
Col. (3) - Custo de oportunidade dos recursos externos - Proxies: 3
meses T-Bill (3 meses); 6 meses T-Bill (6 meses); 9 meses (idem);
24 meses T-Note (2 anos); 36 meses T-Note (5 anos). [cf. Valor econô-
mico 30/11/2010 p. C-3].
Ptax 30/11/2010 (média de compra e venda) 1,7157
Portanto, é possível que o governo tenha que
considerar a hipótese de aumentar as alíquo-
tas do IOF sobre entradas de capital, ainda que
as taxas de juros internas sustentem a trajetó-
ria de queda consistente observada desde 2006.
4. Os Juros Altos e o Programa Fiscal
É intuitivo que o diagnóstico dos problemas
econômicos deve pautar as políticas voltadas à sua
solução. No caso do R$ a causa básica da aprecia-
ção reside na nova estrutura da economia mun-
dial, com o ingresso, ainda que paulatino, de 1/3 da
população mundial nos mercados de consumo. Se
considerássemos apenas os 13% mais ricos desse
contingente, tudo se passaria como se um novo Es-
tados Unidos estivesse desembarcando no planeta
Terra. O mundo enriquece, e o Brasil junto com ele.
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É claro que também foi importante o equilíbrio
macroeconômico brasileiro para a atração dos gran-
des volumes de investimentos externos, principal-
mente investimentos diretos e em ações, e, portanto,
para que o máximo proveito pudesse ser extraído da
virada favorável da estrutura econômica mundial.
Mas pode estar ocorrendo overshooting (excesso)
de apreciação. Essa é nossa percepção. Dois fatores po-
dem estar concorrendo para esse plus de valorização.
A política monetária norte-americana associada ao
atrelamento do renminbi ao dólar, fenômeno descrito
na Seção 2, e as taxas de juros domésticas elevadas.
O Dólar depreciou-se internacionalmente em 10%
de outubro/2008 a outubro/2010 (Quadro 2). É fora de
dúvida, portanto, que a política monetária americana
expansionista explica alguma coisa da valorização do
Real. Entretanto, o Real vem ganhando poder de com-
pra internacional desde antes das reduções radicais
de taxa de juros nos Estados Unidos e dos programas
de expansão monetária, conhecidos como Quantita-
tive Easing. Aliás, o R$ inicia sua trajetória de valoriza-
ção numa fase em que a taxa de juros americana era
crescente (Gráfi co 3). Esse gráfi co sugere que a políti-
ca monetária americana explica parte da valorização
do R$, principalmente desde o fi nal de 2008, mas não
parece ser variável decisiva. A mesma coisa pode-
ria ser dita dos juros, como já examinado na Seção 2.
Aliás, caberia acrescentar dois aspectos impor-
tantes que reforçam a hipótese de que os juros in-
ternos não são protagonistas de primeira grande-
za na avalanche de dólares do triênio 2008/2010.
Fonte: Federal Reserve Bank link: http://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/openmarket.htm
O primeiro ponto é que apenas 24% das entra-
das de capital de 2008 a 2010 (jan/set) se destina-
ram a investimentos de renda fi xa. As aplicações
de renda variável (ações) responderam por 32%
e os investimentos diretos por 46% (Quadro 5).
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julho / setembro / 2010
O segundo ponto refere-se à própria taxa de juros
interna que vem caindo na contramão da valoriza-
ção cambial. Senão, vejamos. O Gráfi co 1 demonstra
que a escalada do R$ começa em junho de 2004. O
Gráfi co 4 mostra inequivocamente a queda da SE-
LIC acumulada em cada ano defl acionada pelo IPCA
ponta-a-ponta. Registra-se uma forte queda dos juros
em 2004, coincidentemente o ano em que o câmbio
Quadro 5
Balanço de Pagamentos
Valores em US$ bilhões
2008 2008 2009 2009 2010 TOTAL
col. (1) col. (2) col. (3) col. (4) col. (5)Col.(6)=
(2)+(4)+(5)
col.7)=% s/
total Conta
Financeira
Transações Correntes (líquido) -22,9 -28,2 -12,1 -24,3 -35,1 -87,6
Conta Financeira 53,4 28,3 38,5 70,2 70,1 168,6 100,00%
Investimento Direto (líquido) 15,4 24,6 22,8 36 17 77,6 46,03%
Ações (2) 1,3 -7,3 16,9 39,7 21,1 53,5 31,73%
Renda Fixa (3) 15,8 8,4 4,7 10,6 21,9 40,9 24,26%
Outros Investimentos (1) 21,3 2,9 -6,1 -16,3 10,1 -3,3 -1,96%
Derivativos -0,4 -0,3 0,2 0,2 0 -0,1 -0,06%
Conta Capital + Erros e Omissões -6,6 2,9 2,7 0,8 -0,4 3,3
Resultado do Balanço 23,9 3 29,1 46,7 34,6 84,3
Variação de Reservas do Banco Central 13,5 44,7 36,7
Fonte: Website do Banco Central - Economia e Finanças - Indicadores Econômicos e Boletins do Banco Central.
Obs.: Pode haver diferenças mínimas em alguns valores em relação aos números do Banco Central devido a arredondamentos.
(1) Empréstimos, depósitos, créditos comerciais, etc. /(2) Inclui ações negociadas no exterior. /(3) Inclui títulos de renda fi xa negociados no
exterior, como bônus.
começa sua marcha de valorização. Mas eles sobem
em 2005 praticamente para o mesmo patamar de
2003 e o câmbio acelera a trajetória de apreciação.
Nesse ano específi co teríamos uma correlação posi-
tiva de juros e câmbio. Entretanto, de 2006, inclusive,
em diante, a redução da taxa de juros real é perma-
nente e signifi cativa, ano após ano, enquanto a taxa
de câmbio continua sua trajetória de valorização.
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Os dados levantados, portanto, não confi rmam
a dominância, nem dos juros domésticos, nem da
guerra cambial, como variáveis explicativas do pro-
cesso de valorização do R$. Entretanto, trata-se de
coadjuvantes que não podem ser simplesmen-
te desprezados e precisam ser objeto de cuidados.
No que se refere à guerra cambial, já na Se-
ção 3 enfatizamos que os controles cambiais
são os instrumentos apropriados para neutra-
lização dos impactos sobre a moeda brasileira.
No que concerne aos juros elevados, também os
controles cambiais são indicados, porque não há como,
em prazos curtos, trazer as taxas de juros domésticas aos
patamares usuais internacionalmente. Isto nada obs-
tante, um programa fi scal de médio prazo, equilibrado
e sensato, é algo bem vindo por todas as razões e con-
tribuirá para que a taxa de juros interna continue a cair.
Não se está imaginando nenhum ajuste cava-
lar, até porque não se justifi caria uma vez que não
se registra qualquer iminência de crise fi scal. Nes-
se sentido, é importante passar em revista algumas
estatísticas fi scais básicas do Governo Federal, para
um melhor entendimento do que está ocorrendo
de fato nessa área, e compreensão do por que do
desconforto dos analistas e da própria opinião pú-
blica com o desempenho fi scal do Governo e suas
conseqüências sobre a infl ação e taxa de juros.
Não se vê indícios de “gastança”, no sentido de des-
perdício e desídia, como vem sendo propalado pela
mídia. Entretanto, houve um aumento considerável no
total das despesas não fi nanceiras do Governo Federal
(Quadro 6), principalmente em 2009 e 2010, se enten-
dermos os vultosos empréstimos do Tesouro ao BNDES
como capitalizações daquela instituição fi nanceira,
ainda que sob a forma de capital de segunda linha. O
Tesouro Nacional registrou essas operações como em-
préstimos simples. Assim, compensou o aumento de dí-
vida mobiliária destinado ao levantamento dos recur-
sos, com créditos junto ao banco, não impactando, des-
se modo, nem a dívida líquida do setor público, nem as
Necessidades de Financiamento Primárias do governo.
Contudo, essas operações embora de jure possam se
assemelhar a créditos da mesma natureza, por exem-
plo, que as reservas internacionais do Banco Central,
e com igual liquidez, de facto são completamente dis-
tintas e se identifi cam com os aportes de capital que o
Tesouro faz às empresas de sua propriedade e controle.
O Objetivo é proporcionar funding às instituições
fi nanceiras ofi ciais federais, basicamente ao BNDES
para impulsionar investimentos do setor privado,
do próprio setor público, de empresas estatais, etc..
Essas despesas estiveram ligadas ao conjunto
de medidas anticíclicas de enfrentamento da cri-
se fi nanceira internacional e são reversíveis, isto é,
podem ser estancadas e podem até reverter em
receitas extraordinárias no futuro, se e quando
os empréstimos forem amortizados pelo BNDES.
O problema é que as Necessidades de Financia-
mento foram afetadas, e em montantes signifi cativos,
a taxa de infl ação acabou subindo, forçou um aumen-
to de juros no Iº semestre de 2010, e possivelmente
também agora novamente no fi nal do ano ou no iní-
cio de 2011. De passagem assinale-se que as pressões
infl acionárias só não se fi zeram sentir de maneira
mais intensa até agora graças à valorização cambial.
* 12 Existem créditos também para a Caixa Econômica na forma de híbridos de capital e dívida (capital de segunda linha). Mas o grosso dos
recursos foi direcionado ao BNDES.
‘‘ ‘‘
Não se está
imaginando nenhum
ajuste cavalar, até porque
não se justifi caria uma
vez que não se registra
qualquer iminência de
crise fi scal.
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25
julho / setembro / 2010
O exercício consubstanciado no Quadro 6 consistiu
em acrescentar às despesas da rubrica Custeio & Capi-
tal as variações dos créditos do Tesouro junto ao BN-
DES e Caixa, implicitamente considerando-os como se
fossem capitalizações de empresas estatais, a exemplo
dos R$ 42,9 bilhões da subscrição e integralização do
aumento de capital de Petrobrás em setembro de 2010.
Se retirarmos da rubrica Custeio & Capital os re-
cursos aplicados junto ao BNDES e Caixa Econômica,
ademais do aumento de capital da Petrobrás de 2010,
o item fi ca, em 2010, somente 0,55 pontos de percenta-
gem do PIB acima da média do qüinqüênio 2004/2008
e o total das despesas não fi nanceiras do governo
central cai de 26,72% do PIB em 2010, para 22,42%,
uma redução de 4,3 pontos de percentagem do PIB.
Em resumo, em 2010, as despesas totais não fi nan-
ceiras do governo central em 2010 deverão alcançar,
computando-se os aportes às instituições fi nanceiras,
26,72% do PIB, registrando acréscimo equivalente a
6,11 pontos de percentagem do PIB na comparação
com o período 2004/2008. Esse crescimento de des-
pesas distribui-se da seguinte maneira, de acordo com
nossas estimativas: o direcionamento de capital para
as instituições fi nanceiras e Petrobrás responde por
4,29 pontos; em segundo lugar o próprio item Custeio
& Capital excluindo os aportes extraordinários com
0,55 pontos; em seguida, Seguridade Social, com au-
mento de 0,39 pontos; em quarto lugar, Pessoal, com
aumento de 0,31 pontos de percentagem; a rubrica In-
vestimentos cresceu bastante, projetando-se que atin-
ja 1,3% do PIB em 2010. Comparando-se com a média
do triênio 2006/2008 a expansão seria de 0,46 pontos,
equivalentes a 55% de crescimento o que é importante
para a infra-estrutura econômica (não estavam dispo-
níveis os dados de Investimentos para 2004 e 2005).
O Quadro 7 mostra o que teriam sido as Necessi-
dades de Financiamento Primárias do Setor Público
Federal, não fosse a contabilização dos aportes ao BN-
DES e Caixa Econômica como empréstimos, em vez de
na categoria de capital. Em 2009 teríamos registrado
Quadro 6
Despesas do Governo Federal
Em % do PIB
Ano Pessoal & Encargos Investimento Custeio & CapitalTransf.Estados
& Municípios
Seguridade
SocialTotal
2004 4,31% ... 4,69% 3,48% 6,48% 18,96%
2005 4,30% ... 5,18% 3,91% 6,80% 20,18%
2006 4,45% 0,74% 4,78% 3,92% 6,99% 20,87%
2007 4,37% 0,83% 5,05% 3,97% 6,96% 21,18%
2008 4,35% 0,94% 5,48% 4,43% 6,64% 21,85%
2009 4,83% 1,09% 8,25% 4,06% 7,15% 25,37%
2010 4,67% 1,30% 9,63% 3,95% 7,16% 26,72%
Média 04/08 4,36% 5,03% 3,94% 6,77% 20,61%
Fonte: Banco Central Website - Indicadores Econômicos - Tabelas IE-4-02, IE-4-04 e IE-1-51.
A rubrica Custeio & Capital inclui, em 2010, a capitalização da Petrobrás (R$ 42,9 bilhões), devidamente registrada na contabilidade ofi cial, mais
R$ 109,8 bilhões de capitalizações do BNDES não computados como investimento nas contas ofi ciais, mas como empréstimo.
Para 2010, estimativas com base nos dados observados até set. Os empréstimos ao BNDES e à Caixa Econômica, inaugurados em 2006, estão
devidamente acrescentados aos valores da contabilidade ofi cial desde aquele ano, pelos seguintes montantes: 2006, R$ 2,4 bilhões; 2007, R$
5,1 bilhões; 2008, R$ 28,9 bilhões; 2009, R$ 101,7 bilhões.
Não foram computadas as transferências do Tesouro ao BC, nem as suas respectivas despesas, por insignifi cantes e deixarem dúvidas quanto a
dupla contagem.
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défi cit primário de 1,89% do PIB, em vez do superávit
de 1,35%, o que somado aos resultados primários dos
governos estaduais e municipais, além das estatais, to-
talizaria um défi cit primário de 1,18% do PIB, e adicio-
nando-se os juros, um défi cit nominal de 6,62% do PIB.
Fazendo os mesmos cálculos para 2010,
chegaríamos à projeção de um défi cit primá-
rio do setor público consolidado de 0,12%
do PIB e de défi cit nominal de 5,54% do PIB.
Ambos os resultados seriam sufi cientes para explicar
pressões infl acionárias até maiores do que as que esta-
mos assistindo nesse fi nal de 2010. Embora demandem
atenção das autoridades, o que se vê dos números fi s-
cais federais é resultado basicamente de medidas anti-
cíclicas, sendo os valores elevados dos défi cits nominais
reais de 2009 e 2010 reversíveis sem maiores problemas.
Fundamentalmente, esses empréstimos
ás instituições fi nanceiras devem ser estanca-
dos; não há razão alguma para continuarem.
Os 0,55 pontos de percentagem do PIB de aumento
nas demais despesas de Custeio & Capital, juntamente
com os 0,31 pontos dos gastos de pessoal poderiam ser
revertidos no bojo de um programa de dois a três anos
de duração. As despesas na área de Seguridade Social,
impropriamente chamada de Previdência poderiam
ser deixadas onde se encontram em 2010, isto é, na fai-
xa de 7,2% do PIB, embora para esse efeito fosse neces-
sária uma pausa nos aumentos reais do salário mínimo.
Um programa fi scal com esse feitio recuperaria a
credibilidade da política fi scal, a infl ação retornaria ao
centro da meta, que poderia eventualmente ser reduzi-
da, e a taxa de juros retornaria a sua trajetória de queda.
5. Conclusões
Adotou-se no presente trabalho um “enfoque socrá-
tico” colocando em dúvida a sabedoria convencional
sobre o tema. Fomos a campo, levantamos os dados e
apareceram alguns achados interessantes. Exemplos:
as exportações brasileiras de manufaturados vêm cres-
cendo na contramão do real mais forte; a primarização
da pauta das exportações realmente ocorreu, mas os
manufaturados continuam a dominar a pauta com
49,3% do total, se tomadas as variáveis a preços cons-
tantes; este número contrasta com os 42,7% apurados a
preços correntes, e que corresponderiam a uma segun-
da colocação, enganosa, comparativamente aos produ-
tos básicos; a política monetária americana sem dúvida
contribui para o fortalecimento do real, mas ele se valo-
rizou, e de forma expressiva, entre 2004 e 2007, período
que coincide com a subida da taxa de juros nos Estados
Unidos que antecedeu a eclosão da crise fi nanceira; o
nosso diferencial de juros explica alguma coisa da valo-
rização, mas uma amostra de países, principalmente do
G-20, mostra economias com baixas e baixíssimas taxas
de juros e valorizações cambiais expressivas, tais como
África do Sul e Austrália (ambas liderando o ranking
das valorizações, com o Brasil em 3º), ademais de Chile,
Canadá, etc.; além disso, 78% dos ingressos líquidos de
recursos do exterior no período 2008/2010 se referiram
a investimentos diretos (46%) e investimentos de ren-
da variável em ações (32%); somente 24% se destina-
ram a renda fi xa (“Outros Investimentos” contribuíram
negativamente com o equivalente a 2% das entradas
líquidas totais).; fi nalmente, no qüinqüênio 2006/2010,
a taxa Selic despencou de mais de 12%a.a. para menos
de 5%a.a., e o real não tomou conhecimento da que-
da, apreciando-se signifi cativamente nesse período.
Quadro 7
Governo Central
NFSP em % do PIB
Conceito Primário
Estimativa
Ofi cial
NFSP % do
PIB
Empréstimos do
Tesouro BNDES
e Caixa Econ.
Variação de
Saldos % do PIB
NFSP ajus-
tadas % do
PIB
col. (1) col. (2)col.(3)=col.
(1)+col.(2)
2006 -2,2 0,1 -2,1
2007 -2,32 0,19 -2,13
2008 -2,37 0,96 -1,41
2009 -1,35 3,24 1,89
2010 -2,13 3,11 0,98
Sinal (+) = défi cit. Sinal (-) = superávit
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julho / setembro / 2010
Conclusões básicas:
a) As razões fundamentais do processo de
apreciação cambial persistente que vem desde o
início da década não estão, nem no diferencial de
juros, embora ele tenha certa infl uência, nem na po-
lítica monetária americana (guerra cambial); mas
esta última, em relação à qual a infl uência brasileira
é praticamente nula, pode crescer de importância;
b) Até agora não são aparentes impactos ma-
croeconômicos negativos relevantes do processo de
valorização cambial; os efeitos positivos da aprecia-
ção podem estar compensando os malefícios; isto,
entretanto, não quer dizer que daqui para frente, se
persistir a valorização, as coisas continuem assim;
c) E a valorização pode persistir principal-
mente em função da guerra fi scal e das oportunida-
des de retornos atraentes no Brasil, seja diretamen-
te em empreendimentos comerciais e industriais,
seja por intermédio de investimentos em ações;
d) Se for assim, a recomendação, no mo-
mento, seria persistir no uso de controles cambiais
combinados com alguma acumulação de reservas,
para dosar o grau de valorização; uma maior fl exi-
bilização de investimentos no exterior de institui-
ções fi nanceiras, fundos de investimento e fundos de
pensão deveria ser avaliada (já houve liberalização
nesse campo e valeria a pena investigar qual o es-
paço que ainda existiria para medidas adicionais);
e) O diferencial de juros, embora não apare-
ça como variável dominante deve ter um tratamento
prioritário por intermédio de programa fi scal de médio
prazo (não confundir com ajustes fi scais cavalares su-
geridos por economistas de viés marcadamente con-
servador; não há necessidade disso, nem a sociedade
espera ou deseja algo assim no momento). Tal progra-
ma é fundamental não apenas por causa da proble-
mática cambial, mas em benefício do próprio desen-
volvimento econômico brasileiro com inclusão social;
f ) Entendemos desaconselhável o estabeleci-
mento de metas cambiais quantitativas. A conduta
que parece mais sensata seria o monitoramento dos
efeitos econômicos da volatilidade cambial, tratando
os sintomas, porque as causas fundamentais residem
não em aspectos negativos da economia brasileira,
mas em seus aspectos positivos. Quanto mais as políti-
cas econômicas fortalecerem esses aspectos positivos,
tanto do ponto de vista microeconômico como sob o
ângulo do equilíbrio macroeconômico, o câmbio pode
até se valorizar um pouco mais. Não necessariamente a
taxa de câmbio era “correta” em 2000, ou 2004, e agora
estaria “errada”. A hipótese fundamental do artigo é de
que aquela taxa estava correta para o Brasil do fi nal do
século XX, e a de agora, também está correta, só que para
o Brasil que se projeta na segunda década do século XXI.
Carlos Eduardo de [email protected]
Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1966) com mestrado em Economia pela EPGE/FGV (1970). Foi
Diretor do Banco Central (Área Externa - 1985 a 1988 / Área de
Liquidações e Desestatização - 1999 a 2003) e
Secretário de Política Econômica (1993).
Conselheiro do Corecon-DF
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Propostas apresentadas pelo CORECON/DF no SINCE1 Utilização obrigatória de 20% do orçamento (abatidos os 20% do COFECON) e do COFECON p/ subsidiar a formação / atualização dos economistas e divulgar a profi ssão junto aos possíveis tomadores de serviços da cate-goria. (CORECONs DF e SP)
2) Conceder o registro profi ssional de ECONOMISTA aos portadores de Diploma de Mestrado ou de Doutorado Acadêmico em Economia, do Brasil ou do exterior devidamente reconhecido nos foros competentes (MEC, CAPES).
3) Conceder o registro de Especialista em Campo de Saber aos portadores de Diploma de Mestrado Profi ssional no campo profi ssional do economista devidamente reconhecido nos foros competentes (MEC, CAPES)
4) Conceder o registro de Especialista em Campo de Saber aos portadores de Certifi cados de conclusão de Cursos de Pós-Graduação lato sensu vinculados ao campo profi ssional do Economista, com mínimo de 360 horas/aula, obedecidas as mesmas condições de registro dos egressos de cursos seqüenciais ou superiores de tecnólogos, tais como credenciamento do respectivo Curso junto ao COFECON, aprovação de grade curricular, emissão do Certifi cado por instituição de ensino credenciada junto ao MEC, e todas as demais normas, acrescentando-se a exigência de diploma de graduação em Curso de Bacharelado ofi cialmente reconhecido, em área afi m, emitido por instituição de ensino credenciada junto ao MEC.Referências: Capítulo VI, Seções 6.1.1.2 e 6.1.1.4 da Consolidação da Legislação da Profi ssão de Economista que tratam, respectivamente, do registro de egressos dos cursos seqüenciais e de cursos superiores de tecnólogos.
5) Conceder o registro de Especialista em Valores Mobiliários aos portadores de certifi cação de Analista de Valores Mobiliários, com o devido credenciamento junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O Diploma de curso superior já é uma exigência desta certifi cação. Verifi car-se-ia, por conseguinte, se o curso apresentado ostenta o devido reconhecimento ofi cial (MEC) e se a instituição de ensino estava ofi cialmente credenciada.
6) Conceder o registro de Analista Financeiro aos portadores de certifi cação CFA (Chartered Financial Analyst) Level I, II ou III (?), concedida pelo CFA Institute. Adicionar-se-ia a exigência de Diploma de Bacharelado em curso ofi cialmente reconhecido em área afi m, emitido por instituição de ensino credenciada junto ao MEC, admitindo-se o reconhecimento de cursos no exterior, na forma da legislação.
7) Conceder o registro de Especialista em Gestão de Ativos aos portadores do CGA � Certifi cação de Gestores ANBIMA. A CGA se destina a certifi car o profi ssional que desempenha atividade de gestão remunerada de recur-sos de terceiros, possuindo poderes para tomar decisões de investimento.O Diploma de curso superior já é uma exigência desta certifi cação. Verifi car-se-ia, por conseguinte, se o curso apresentado é contemplado com o devido reconhecimento ofi cial (MEC) e se a instituição de ensino estava ofi -cialmente credenciada, admitindo-se o reconhecimento de cursos no exterior, na forma da legislação.
8) Permitir que o TECNÓLOGO, o ANALISTA, ou o ESPECIALISTA avançasse para o título de Economista registrado nos CORECONs, independentemente de graduar-se num Curso Superior de Economia, ou da conclusão de um Mestrado ou Doutorado em Economia, mediante um Exame supervisionado pelo COFECON e aplicado pelos CORECONs.
9) Abrir uma janela de um ano de duração para registro profi ssional de ECONOMISTA:a) Para portadores de Diploma de Mestrado ou Doutorado no exterior, mediante apresentação direta dos referi-dos documentos ao COFECON; e, b) Para Economistas de notório saber no campo profi ssional mediante rito a ser estabelecido pelo COFECON.
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formação / atualalalalalizizizizizizaçaçaçãoãoão d d d d dos economistas e divulgar a profi ssão junto aos possíveis tomadores de serviços goria.a.a.a.a. ( ( (CORECOCOCOCOCOCONsNsNsNsNs D D D DF F e e e e SPSPSPSPSPSPSPSP))))
2)2)2)2)2)2) C C Conononcececededededer r o registro profi fi fi ssssioioioionananal l dededede E E E E E E ECOCOCOCONOMISTA aos portadores de Diploma de Mestrado ou de DoAcAcAcAcAcAcAcAcAcAcAcadadadadadadadadadadadêmico emem Economia, do BrBrBrBrBrasasasasasasasasasasililililililililil o ou u dodododododododo exterior devidamemememememememememente reconhecido nos foros competentes (MEC
3)3)3)3)3)3)3)3)3)3)3) C C C C C C C C C C C C Cononononononononcecececececececededededededededededer r r r r r r o o o rereregigigigigigigigigigistststrororororororororororororororororo d d d d d d d d d d d d d d d d d d d de e e e e e e EsEsEsEsEsEsEsEsEspepepepecicialalalalalistata e e e em m m m m m Campmpmpmpmpmpmpmpmpo o o o o o o o o dedededede S S S S S S Sababababababererererer a a a a a aos portadores de Diploma de Mestrado Prononononono c c c c c c c c c c c c c camamamamamampopopopopopopopopopopopopopopopopopo p p p p p p p p p p p p p p prorororofi fi fi ssssssssssssssssssssioioioioioioioioioioionananananananananananal dodododo e e e ecocococononononononononononononononomimimimimimimimimimimimimimimista dedededevivivivivivivividadadadadadadadadadadadamemememememememente reconhecececececececececececidididididido nos foros competentes (MEC, CAPES)
4)4) C C C C C C C C C C C C C C C C C C C Conononononononononononononononononcecececececedededer r r r r r r o o o o o o o o o o o o o o o rerererererererereregigigigigigigiststststroro d d d d de e Especicicicialalalalalalalalisisisisisisisisisistatatatatatatatata em CaCaCaCampmpmpmpo o o o dededededede Saberererererererer a a a a a a a a a aosososososososos p p p p p p p p porororororortatatatatatadores de Certifi cados de conclusão ddedededededededede P P P P Pósósósósósósósósósósósósósós-G-G-G-G-G-Grararadudududududududududududuaçaçaçaçaçaçaçaçaçaçaçaçaçaçaçaçãoãoãoão l l l l latatatatato o o o sesesensnsnsnsu u u u vivivivivivivivivivivincncncnculululululadadadadadadadadados ao o campmpmpmpmpmpmpmpmpmpmpo prprprprprprprprprofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofi s s s s s s s s s s s ssisisisisisisisisisisisiononononononononononononalalalalalalalalalalal d d d d d d d d d do o o o o o o o Econononononononomomomomomomomomista, com mínimo de 360 hoobobobobobobobobedededecececececececidididididididididasasasasasasasasasasas a as s memememesmasas c condididiçõçõçõçõçõçõçõçõçõçõçõçõçõeseses d de e e e e e registrorororororororo d d d dosososososososos e e e e e e e e e e egrgresessos s s dededededededededededededede c c c c c c cursos seqüqüenenenenenenenenenciais ou superiores de tectatatatatataisisisisis c c comomomomomomomomomomomomomomomomomomomomomo o crededededenenenenciciciamentototo d d d d d d d d do o o o o o o o o o o o o o o o o o o rererererererererererererererererespspspspspspspspecececececectitititititivo Curururururursosososososososososososo j junto ao COFECOCOCOCOCOCOCOCOCOCON,N,N,N,N,N,N,N,N, aprovaçaçaçaçaçaçaçaçãoãoão de grgradadadadadade e cucucucucucucucurricular, emCeCeCeCertrtrtrtifiifiifiifiifi c c c c c c c c c c c c c c cadadadadadadadado o o o o popopopor ininststititituição o o o dededededededededede e ensnsnsininininininininininininino o o crcrcrcrcrcrcredenciciciciciciciciciciadadadadadadada a a jujujujujujujuntntntntntntntntnto o o o o o o o o o o aoaoaoaoaoao M M M M M M M M M M MECECECECECECEC, , , , , e e totodadadadadadadadadas s s s s s s s s as demais normas, acacacacacacrererererererescentaexexexexexexexexexigigigigigênênênênênênênênênênênênênênêncicicia a a a dededede d d d diplomamamama d d d d d d de e e e e e e grgradaduaçãçãçãçãçãçãção o o o o emememememememem Cururursososo d d d d d de e e e e e e e BaBaBaBaBacharelado ofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofi c c c c c c c c c c c ciaiaiaiaiaiaiaialmlmlmlmentetetetetete r r r r r r r r rececececonhecido, em área afiafiafiafiafiafiafiafiafi m m m m m m m mpopopopopopopopopopopor r ininininststststitititituiçãçãçãção o o dedededede e e e e e e e e e e e e ensnsnsnsnsnsnsnsnsnsininininino o o o o o o o o crcrcrcredededededededenenenciciadadadadadadadadadadadadadadadadadadada a a a jujunto o o aoaoao M M M M M M M M M MECEC.ReReReReReReRefefefefefefefefefefefefefefefeferêrêrêrêrêrêrêrêrêncncncncncncncncncncncncncnciaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaias:s:s:s:s: C C C C C C C C C C Capapapítítítululululo o o VIVIVIVIVIVI, , , , SeSeSeSeSeSeçõçõeseseseseseses 6 6.1.1.1.1.1.1.1.1.1.2.2 e e 6 6 6 6 6 6.1.1.1.1.1.1.1.1.1.1.4.4.4.4.4.4.4.4.4.4.4 d d d d d d d d d d da Consolidação da Legigigigigigigigigigigigigigislslslslslslslaçação da PrPrPrPrPrPrPrPrProfiofiofiofiofiofiofiofiofiofi s s s s s s ssão de Econonomimimimitrtratatamamamamamamam, , , , , rerererererespspspspspspspspspspspspspspspspecectititivavamemementnte,e,e,e,e,e, do regigigigiststststststststststststrororororororo de e egegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegegrererererererererererererererererererereressssssssssssssssssssssssssssssssssososososososososososososos d d d d d d d d d d d d d dosososososososososososososos c c c c c c c c c c c cururururururururursososososososososososososososososososos s s s s s s s s s s s s seseseseseseseseseseseseseseseqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüqüenenenenenenenenenenenenenenenenciciciciciciciciciciciciciciciciais e e e e e e e dededededededededede cursos superiririririririririororororororororororororeseses de tecncncncncncncncncncnólólól
5)5)5)5)5)5)5)5) C Concededededededer r r r r r o o o o o o o o rerererererererererererererererereregigigigigigigigiststststro d d d de e e e e e e e Espepepepecialisisisisisisista e e e em m m m m m m m m m m m m m m m m m m VaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaVaValololololololololololololololololololorererererererereres s s s MoMoMoMoMoMoMoMobibibibibibilililililililililiárárárárárárárárárárioioioioioioioioioioioioioioioios s s s s s s s s s s s s aoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaoaos s s s s s s s s s s s s s s s popopopopopopopopopopopopopopopopopopopopoportrtrtrtrtrtrtrtrtadadadadadadadadadadadadadadadadadadadadadorororororororororororororororororororororeseseseseseseseseseseseseseseseseseseses d d de certifi cação de AnAnAnAnAnAnAnAnAnAnalalalalalalalalalalalalalisisisisisisisisisisistatatatatatatatatatatata dMoMoMoMobibibililiárários, c comom o d devevevevevevevevididididididididido o o o o o o o o o o o o o o o crcredenciciciciciciciciciamamamamenenenenenenenenenenenenenentotototototototototo j j j j j j j j j j j jununto à Comissão de V V V V Valalalalalalalalalalalalalorororororororeseseseseseseseseseseseseseseseseseses M M M M M M M M M M M M M M M M M M M M Mobobobobobobobobobobobobobobobobobiliários (CVM). O O O O O DiDiDiDiplplplplplplplplomomomomomoma a a a a a a a a dededededededede c c curso supupupupuperererererererererererioioioioior r já é u u u u u u u u umamamamamamamamamama e e e e e e e e e e e e e exixigência d d d d d d d d d d d desesesesesestatatatatatata c c c c c c c c c c c c cerererererererererererertitifi cação.o. V V V V V V V V V V V Verererererererererererererifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifiifi c c c c c c car-se-ia, por coconsnsnsnsnsnsnsnsnsnsnsegegegegegegegegegegegegegegegegeguinte, se apresentado ososososostentnta o o o o o o o dededededededevivivividodo r receconononhehehecicicicicicicicicimememememememememementntntntntntntntntntntntntntntnto o o o o o o o o o ofi ciaial l l l l l l l (M(M(M(M(M(M(M(M(M(M(M(M(M(M(MECEC) e e sesesesesesesesesesesesese a a a a a a a a a a i i i i i i i i insnsnsnsnsnsnsnsnsnsnsnsnsnsnstititititituição de enenenenenenenenenensisisisisisisisisisinononononononononononono estava ofi ccredenciada.
6) Conceder o registro de Analistatatata F F F F F F F F F F F Fininininininanananananceiro aoaoaoaoaos s s s s s s s s s popopopopopopopopopopopoportrtrtrtrtrtrtadadadororororororeseseseseseseseseses d d d d d d d d d d d d d d de e e e e e e e cececertifi caçaçaçaçaçaçãoãoãoãoãoãoãoão C C C C C C C CFA (Chartetetetetetetered Financial Level I, II ou III (?), concedida pelo CFA Insnsnsnsnsnsnsnsnsnsnsnsnstititititititititititititititititututute. Adicionar-se-ia a exigênênênênênêncicicicicicicicicicia a a a de Diploma d de e e e e e e e e e Bacharelado emofi cialmente reconhecido em área afi m, e e e e e e emimimimimimimitititititititititidodododododododododo p por instituição de e e e enenenenenenenenenensisisino credenciada j j jununununununununununto ao MEC, admse o reconhecimento de cursos no exterioioioioioioior, na foformrmrmrmrmrmrmrmrmrma a a a a a a a dada legislalalalalalalaçãçãçãçãçãçãçãçãção.
7) Conceder o registro de Especialista em m m m m m m Gestão de AtAtAtAtAtAtAtAtAtAtivivivivivivivivivivos aos portadores do CGAGAGAGAGAGAGAGAGAGAGAGAGAGAGA � Certifi cação de GANBIMA. A CGA se destina a certifi car o prprprprprprprprofiofiofiofiofiofiofiofiofiofiofi s s s s s s s s ssisisisisisisional que desempenha atividade dededede g g g g g g g g g g gestão remunerada dsos de terceiros, possuindo poderes para tomarararararararar d d d d d dececisões de investimento.o.o.o.o.o.O Diploma de curso superior já é uma exigência d d d d d desta certifi caçãçãçãçãçãçãção.o.o.o.o.o.o.o.o.o.o.o.o. V V V V V V V V V V V Verererifi car-se-ia, por conseguinte, se apresentado é contemplado com o devido reconononhehehehehehehehehecimento ofiofiofiofiofiofiofiofiofi c c c c c c c c c c c ciaiaiaiaiaiaiaiaiaial (MEC) e se a instituição de ensino ecialmente credenciada, admitindo-se o reconhecimimimenenenenenenenenento de cursrsrsrsrsrsrsrsrsos no exterior, na forma da legislação.
8) Permitir que o TECNÓLOGO, o ANALISTA, ou o o o o o o ESESESPECIALISTATATATATATATATA a a a a a a a a avançasse para o título de Economista regnos CORECONs, independentemente de grarararararararadudududududududuar-se num CuCuCuCuCuCuCuCuCuCuCuCuCuCursrsrsrsrsrso Superior de Economia, ou da conclusãMestrado ou Doutorado em Economia, medededededededediaiaiaiaiaiaiaiaiantntntntntntntntnte um E E E E E E E E E Exaxaxaxaxaxaxame supervisionado pelo COFECON e aplicadCORECONs.
9) Abrir uma janela de um ano de duração para registststststststststrorororororororo profi ssional de ECONOMISTA:
Propostas do CORECON/DF apresentadas no
XXII SINCE
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29
julho / setembro / 2010
29
jjulho / setembbro / 2010
Propostas do CORECON/DF apresentadas no
XXII SINCEpor Camila Fiorese
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Realizado no início do mês de setembro, em
Brasília, o XXII Simpósio dos Conselhos de Economia,
que teve como tema “Desenvolvimento Econômico
com Justiça Social”, foi a oportunidade dos CORECONs
debaterem diversas questões relevantes à formação
profi ssional dos economistas, mercado de trabalho,
aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e a
Estrutura e Conjuntura Econômica, Política e Social do
Brasil.
O Conselho Regional de Economia do Distrito
Federal (CORECON/DF) levou para o Grupo de Trabalho
que discutiu o a Formação Profi ssional e Mercado de
Trabalho do Economista, três propostas (a terceira era
desdobrada em 8 partes) sendo uma em conjunto com
o CORECON/SP. Uma foi aprovada e as outras rejeitadas
pelos delegados do GT.
Para o presidente do CORECON/DF, José Luiz
Pagnussat, a ideia das propostas foi a de ampliar a
atuação dos Conselhos e incorporar na fi scalização
todos os profi ssionais que tenham na sua formação um
perfi l próximo ao do economista ou que desenvolvam
atividades correlatas. “Já fi zemos isso nas relações
internacionais, pois os profi ssionais são registrados e
nos Corecons que fi scalizam o exercício profi ssional”
destacou.
José Luiz disse ainda aos economistas, em sua
apresentação no evento, que os Conselhos vivem no
momento uma encruzilhada. “Se não avançarmos, nos
ajustarmos às transformações do mercado de trabalho
e dar formação aos nossos profi ssionais, nós vamos
continuar minguando” disse.
A elaboração das propostas do CORECON/DF foi
coordenada pelo conselheiro Carlos Eduardo de Frei-
tas, além dele outros economistas que contribuíram
para a elaboração pensam que as situações existem
e estão em pleno crescimento. Para o vice-presidente
do CORECON/DF, Jusçanio de Souza, não reconhecer
as situações, é fechar os olhos para a realidade e dei-
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As matérias aprovadas na plenária fi nal do SINCE foram:
GT1: Formação,
aperfeiçoamento,
profi ssional, e
mercado de
trabalho do
economista:
1. Campanha Interna (para os economistas e professores de economia) e externa (para
tomadores de serviços dos economistas) quanto às qualifi cações e atribuições profi ssio-nais do economista.
2. Aproveitamento da marca “Economistas” em favor dos inscritos nos CORECONs e SINDECONs.
3. Instituição da ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) para os economistas, a
exemplo do CREA, CRC e outros Conselhos Regionais Profi ssionais.
4. Campanha Institucional dos Corecons, Cofecon, procurando parcerias com Sindecons
e Fenecon com o objetivo de garantir o mercado de trabalho do economista:
a) na elaboração e análise de projetos de viabilidade econômico fi nanceira;
b) na atuação direta de elaboração de planejamento, orçamento e controle das fi nanças
públicas;
5. O COFECON deverá realizar pesquisa para conhecer a demanda por economistas, junto
aos principais demandantes e atualizar a pesquisa do perfi l dos economistas e conhecer
o perfi l dos bacharéis em economia.
6. Indução às faculdades de Economia para que incluam na grade curricular disciplinas
mais práticas e aplicadas, como Perícia, Auditoria, Finanças etc.
7. Parceria Ange/Anpec/Cofecon/Corecons, para atuação no sentido de fornecer apoio às
Instituições de Ensino, com o objetivo de elevar a qualidade da formação do Economista.
GT2:
Aperfeiçoamento
do Sistema
COFECON/
CORECONS
1. Estrutura mínima para CORECON’s e Delegacias como forma de atuar adequadamente,
tendo como foco principal a fi scalização e a recuperação do crédito.
2. Atualização e encaminhamento do Projeto de Lei (PL); com a seguinte estratégia: -
Procurar o parlamentar que apadrinhou o PL para que retire-o de pauta; - A Comissão
elabora a proposta de PL no COFECON. Desce para os Conselhos Regionais e outras enti-
dades, como Sindicatos, ANGE, etc., recolhe as contribuições, consolida-as e retorna as entidades para conhecimento e suporte ao processo de convencimento dos deputados de cada Estado, dando entrada no PL;
3. Premiação de boas práticas de gestão no Sistema COFECON/CORECON’s
mular a imigração de doutores estrangeiros para o Bra-
sil: o País precisa de mão-de-obra qualifi cada” ressalta.
O conselheiro Carlos Eduardo de Freitas destaca
que oito propostas representam desdobramentos e
subdivisões de uma única proposta fundamental bá-
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xar que ocorra uma invasão no campo de atuação
dos economistas sem que os conselhos possam, de
forma legal e fundamentada, exercer a devida fi sca-
lização do exercício profi ssional nessa área cinzenta.
Na visão do professor José Roberto Novaes a ten-
dência no mundo é o aumento de áreas interdisciplina-
res. Segundo ele, os Mestrados e Doutorados acadêmi-
cos brasileiros são duros e levam anos. “Não há dados
brasileiros, mas suspeito que o número de anos neces-
sário para se fazer um doutorado no Brasil, na área de
Ciências Humanas, deve ser próximo ao dos EUA, com
seis anos e meio na média. Há tempo nesse período
do profi ssional aprender a base da Economia, ou seja,
teoria macroeconômica e teoria microeconômica que
são ensinados na graduação. Devemos também esti-
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sica, que era a de alterar a Lei 1.411/51, e por via de
conseqüência, o Decreto 31.794, de 17/11/52 (Lei e
Decreto que regulamentaram a profi ssão de econo-
mista), ademais de ajustes em alguns regulamentos
do COFECON, de modo a adequar as idéias e conceitos
do que seriam as atribuições próprias dos economis-
tas agora no início da segunda década do século XXI.
Para ele, os quase 60 anos que se passaram, desde
a promulgação da Lei 1.411, assistiram a grandes trans-
formações econômicas no Brasil e no mundo em geral,
ademais de signifi cativo desenvolvimento nas técnicas
de análise econômica, inclusive com a utilização cada vez
mais intensa de modelos matemáticos e da econometria.
Carlos Eduardo lembra que a evolução da análise
econômica, enfatizando conhecimentos de matemática
e até de física, como embasamento para o estudo da eco-
nomia, terminou por privilegiar cursos de graduação em
engenharia, matemática etc., na marcha em direção aos
Mestrados e Doutorados em economia. Não de forma
excludente, mas de forma complementar e signifi cativa.
Com o objetivo de atualizar a visão do COFECON so-
bre o estado da profi ssão, o CORECON/DF apresentou
sua proposta de abertura da discussão sobre as forma-
ções acadêmicas compatíveis com o exercício das ativi-
dades profi ssionais do economista. De acordo com Car-
los Eduardo, o propósito do CORECON/DF não era de
colocar em prática imediatamente as propostas, mas
apenas e tão somente abrir uma discussão. “Os Conse-
lhos Regionais recusaram a idéia de discutir a profi ssão
60 anos depois da conceituação inicial, anos estes ca-
racterizados por grande ebulição intelectual e evolução
na estrutura metodológica da análise econômica, ade-
mais de expressiva sofi sticação no arcabouço institu-
cional da economia brasileira” lamenta Carlos Eduardo.
O que os CORECONs perdem
Diante da não aprovação das propostas, os
economistas destacam que os CORECONs per-
manecem ignorando a realidade profi ssio-
nal e com isso perdem prestígio, pois se isolam
no não reconhecimento desses profi ssionais.
Muitos nomes reconhecidos pela sociedade brasi-
leira como grandes economistas não tem a graduação
em economia, mas sim mestrado ou doutorado. Esse é o
caso, por exemplo, de Cristovão Buarque, Pedro Malan,
Bresser Pereira, José Serra e muitos outros professores
consagrados de economia. José Luiz Pagnussat desta-
ca que ignorar a realidade existente é excluir mestres e
doutores em economia do registro nos Corecons além
de contrariar a função básica dos conselhos que é a fi s-
calização do exercício profi ssional para a defesa da so-
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)ciedade contra maus profi ssionais que atuam na área
e, portanto, impede o cumprimento efetivo de sua mis-
são comprometendo fortemente a credibilidade dos
conselhos e fortalece a tese da desregulamentação do
exercício profi ssional e a extinção dos conselhos” diz.
Jusçanio de Souza, alerta ainda “o fato é que temos
pessoas ilustres e de notório saber e respeito profi ssio-
nal em economia, não registrados no CORECON, situa-
ção em que o não reconhecimento por parte dos con-
selhos profi ssionais só traz perdas aos conselhos” disse.
Para Carlos Eduardo o perigo está nos Conselhos
irem se tornando irrelevante do ponto de vista da pro-
fi ssão. “Continuamos convencidos que é fundamental
abrir-se a discussão do estado da profi ssão. Ainda que
a conclusão viesse a ser de que ainda não estivéssemos
maduros para mudanças. Veja-se o que ocorreu com os
jornalistas. A obrigatoriedade de formação acadêmica
específi ca de graduação em jornalismo para o registro
profi ssional acabou derrubada no Supremo” completa.
Jusçanio de Souza considerou ainda que o tempo
foi limitado para defesa das propostas e impossibilitou
melhor entendimento da situação contemporânea.
“Mas a decisão do SINCE é soberana e devemos res-
peitar. No entanto, acredito que esse assunto deverá
voltar a entrar na pauta do próximo SINCE, uma vez
que não foi apresentada alternativa para superar essa
situação de fato que vem ganhando proporções” disse.
Na opinião do professor José Roberto Novaes os
Conselhos perdem por não trazer gente muito compe-
tente, que são os expoentes da profi ssão. “Esses douto-
res muito trariam para oxigenar os conselhos” destaca.
Continuar com luta
Jusçanio ainda alerta que se for manti-
da o posicionamento do não reconhecimen-
to, que se venha então ampliar as discussões
visando encontrar alternativas satisfatórias.
Para José Roberto o CORECON/DF precisa continu-
ar tentando. “Nós economistas somos ideologicamente
e cientifi camente favoráveis à mobilidade de mão-de-
obra como forma de aumentar a produtividade. Só admi-
timos restrições em casos extremos, de natureza médi-
ca, por exemplo, onde o charlatanismo e a incompetên-
cia têm resultado imediato na morte dos pacientes” diz.
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Carta de Brasília
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO COM JUSTIÇA
SOCIAL
A divulgação da taxa de crescimento do PIB do se-
gundo trimestre de 2010 hoje pelo IBGE, reforça a per-
cepção geral de que o Brasil alcançará neste ano uma
expansão da ordem de 7% em seu produto interno
bruto, fortemente ancorado na expansão do mercado
interno, não obstante a crise econômica internacional.
Dessa forma, não há razão teórica ou política que
justifi que limitar o crescimento brasileiro a patamares
de no máximo 5% a.a., como querem alguns setores
desligados dos interesses maiores da sociedade, como
o mercado fi nanceiro. A infl ação não pode funcionar
como pretexto para a limitação da expansão do país,
seu controle é necessário, mas deve estar condiciona-
do a metas de crescimento econômico que pode per-
feitamente ser, e até ultrapassar, 7% a.a. e essa deve
ser a meta que condiciona todos os demais objetivos.
Importantes mudanças tem se processado na socie-
dade brasileira com progressos institucionais e econô-
micos de grande infl uência no seu horizonte de bem
estar: a estabilização dos preços e controle da infl ação; a
recuperação da confi ança externa na economia brasilei-
ra e um novo paradigma da política econômica com re-
gime de metas de infl ação, taxa de câmbio fl exível e con-
trole da dívida pública por meio de superávit primário.
Mas de todos os avanços, um dos mais importante
foi sem dúvida a adoção de mecanismos que visam a
redução da pobreza e da desigualdade: a instituição do
Bolsa Família; a forte geração de empregos formais; a
universalização da aposentadoria rural e os aumentos
reais do salário mínimo – que evoluiu do equivalente
a 70 dólares para algo em torno de US$ 300 – e que
têm sido fundamentais para a modernização do país.
Outros mecanismos, além da simples transferência de
renda, devem ser adotados, a exemplo da oferta de bens
públicos e semi-públicos à população, com efi ciência ca-
paz de concorrer com a oferta privada, em saúde, educa-
ção, por exemplo, dando oportunidade iguais para todos.
Deve ser ressaltado que, embora os gastos sociais,
como o Bolsa Família, devam ser mantidos nos primei-
ros anos do processo de desenvolvimento econômico e
social, em função de seu baixo custo comparativamente
ao bem que proporcionam, é por meio do emprego e
da justa remuneração que as pessoas serão plenamen-
te acolhidas no meio social. Em síntese, a avaliação do
sucesso das políticas sociais deve ser feita pela redução
do número de benefi ciários do Bolsa Família, na medi-
da em que sejam criados para eles postos de trabalho.
Daí ser prioridade máxima o crescimento econômico
A sociedade brasileira alcançou um pata-
mar de criticidade tal que não aceitará adiar a su-
peração do subdesenvolvimento. Por tal razão
acreditamos que o foco da política econômica
deve ser o desenvolvimento econômico e social.
Dessa forma, as “metas de superávit primário” não
podem travar as necessidades de ampliação dos inves-
timentos públicos, até mesmo porque as políticas de re-
distribuição de renda ocorrida no país ainda são insufi -
cientes e ainda foi pequena a redução da desigualdade.
Torna-se igualmente necessário a queda da taxa
de juros, vital para reduzir o elevado custo do capital,
o que concorre para o aumento da taxa de investimen-
to e para a redução dos gastos governamentais com
pagamento de juros da dívida pública, liberando re-
cursos para a ampliação dos gastos sociais e a expan-
são e melhoria da infra-estrutura econômica do país.
Essencial é que todo o processo de desenvolvi-
mento econômico se dè de forma sustentável, com
irrestrita obediência ao uso racional dos recursos na-
turais e à conservação e preservação ambiental. Do
mesmo modo, o país só estará rumando para o ple-
no desenvolvimento se reduzir de forma substan-
tiva as enormes desigualdades entre suas regiões.
Necessária também é a melhoria da qualidade dos
serviços de utilidade pública, que passa pelo fortaleci-
mento das agências reguladoras e de uma total trans-
parência nas suas atividades, assim como tornou-se
inadiável a aplicação pelas instituições fi nanceiras
de mecanismos de controle da concessão de crédito.
Por fi m, devemos também alertar para a ameaça
de retorno da vulnerabilidade em nossas contas ex-
ternas, decorrente da apreciação do real em relação às
demais moedas, o que, de um lado, restringe nossas
exportações e provoca a reprimarização da pauta, e,
de outro, geram elevados défi cits em conta corrente.
Essas são as contribuições dos economistas brasilei-
ros, que oferecem a força de sua ciência, não apenas para
a geração dos lucros das empresas, mas também, funda-
mentalmente, para os ganhos sociais, como agentes que
são do desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Brasília, 03 de setembro de 2010
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“GUERRA CAMBIAL”: CAUSAS E
CONSEQUÊNCIAS
1.Introdução
Entre 1970 e 2007, o mundo sofreu 127 crises
bancárias sistêmicas; 208 crises cambiais e 63
episódios de não pagamento de dívida soberana.
Esses indicadores representam três crises bancárias,
cinco crises cambiais e aproximadamente dois eventos
de não pagamento de dívida soberana por ano.
Vivemos a era das bolhas, o mais novo veneno
produzido pela fi nanceirização da economia. As bolhas
da chamada “nova economia” ou “ponto com”, nos anos
90, e a mais recente, a “bolha imobiliária”, nos Estados
Unidos, em 2008, levaram à ruína economias de
importantes nações em todo o mundo, com repercussão
avassaladora sobre países periféricos, dependentes de
fi nanciamento externo e do comércio internacional.
Vimos desmoronar nesta crise
sólidas instituições fi nanceiras e grandes
empresas industriais nos Estados Unidos.
Vimos o governo daquele país injetar na economia
trilhões de dólares dos cidadãos contribuintes
norte-americanos, na tentativa de salvá-las.
Praticamente todas as grandes empresas e grandes
bancos estão salvos, mas o problema não foi resolvido.
Os bancos anunciaram altos lucros, bônus foram
pagos e fraudes fi caram sem investigação. O Federal
Reserve injetou US$ 2,3 trilhões em ativos, em 2007,
e a economia ainda não reagiu convincentemente.
Recentemente injetou mais US$ 600 bilhões
na compra mensal de títulos públicos. Deixou
o mundo mais inseguro e apreensivo quanto
Newton Marques
ao impacto dessa medida na economia interna
dos Estados Unidos e no comércio internacional.
As empresas americanas estão com caixa de sobra,
da ordem de US$ 3 trilhões, e os bancos também estão
com reservas em níveis recordes, superiores a US$ 1
trilhão. Mas os bancos não estão emprestando dinheiro.
O problema do setor imobiliário nos Estados
Unidos, que levou as famílias a endividamento
estratosférico, com a especulação, não foi equacionado.
Persiste, os preços das casas voltaram a
subir, mas o problema não será resolvido tão
cedo. As famílias estão impedidas de consumir
devido ao alto nível de endividamento.
O Fed procura comprar os títulos da dívida do
setor imobiliário, e reestruturá-la, para evitar um
rombo maior no sistema fi nanceiro internacional.
O fato é que a crise leva de roldão países da União
Européia. Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal, (agora
Itália e no futuro a Espanha), hoje submetidos a
drásticos regimes fi scais e a cortes de investimentos,
estão sem perspectiva de retomada do crescimento,
porque dependem da melhoria da economia
norte-americana e do apoio da Alemanha e França.
A dívida pública dos países ricos ainda está
em nível sustentável, mas o endividamento
aponta para um longo período de estagnação.
Nos anos 80 vivemos a crise da dívida dos países
periféricos, quando, sob o governo Reagan, as taxas
de juros nos Estados Unidos foram elevadas a níveis
inimagináveis, multiplicando as dívidas de todos eles.
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Agora, diferentemente daquele período, a
crise fi nanceira se transformou em uma crise da
dívida dos países ricos. E não há defi nição como
será equacionado o crescente endividamento.
Governos e organismos internacionais pouco
avançaram na tomada de medidas capazes
de deter os danos que a crise cambial está
causando às economias em todo o mundo.
Não há convergência no debate. São fortes as
resistências, principalmente de organismos fi nanceiros
internacionais e governos de nações centrais, em adotar
medidas que benefi ciem o conjunto da economia global.
Preferem se autoproteger, para não contrariar os
princípios da globalização fi nanceira idealizada por
grandes grupos fi nanceiros internacionais. Sequer
avançaram no controle da volatilidade do capital.
Não obstante, a evolução da conjuntura
econômico-fi nanceira brasileira nos últimos dez anos,
alcançou fase madura na globalização comercial e
fi nanceira com a obtenção do “grau de investimento”
(investment grade), atribuído pelas Agências de Rating
de Risco de Crédito, auferindo vantagens na captação
de recursos do mercado fi nanceiro internacional.
Por um lado, reduz o custo do endividamento
externo dos empréstimos de dívida soberana, pois
não precisa pagar taxas de risco, conhecidas como
spreads, além das taxas de juros dos títulos do Tesouro
norte-americano, de dez anos. Por outro, atrai elevados
volumes de capitais estrangeiros, conhecidos como
Investimentos Diretos Estrangeiros-IDE, não só por
apresentar políticas consistentes de estabilidade
macroeconômica, como também os denominados
capitais especulativos, atraídos pela ainda elevada
taxa de juros das aplicações de renda fi xa, em relação
aos demais países, provocando apreciação da taxa de
câmbio, o que prejudica as exportações e estimula
as importações de bens e serviços, comprometendo
o resultado do balanço de pagamentos.
2. “GUERRA CAMBIAL” E REUNIÃO DOS PAÍSES DO
G-20
A “guerra cambial” é consequência de alguns
fatores, como o excesso de fl uxos de capitais externos
em dólares norte-americanos oriundos de superávits
da conta-corrente do balanço de pagamentos da
Alemanha, Japão e China; das operações de arbitragem
de capitais especulativos (operações denominadas de
“carry-trade”1), atraídos pelas elevadas taxas de juros
das aplicações de renda fi xa de países emergentes,
em relação aos demais países; e; pela própria
emissão desenfreada de dólares por parte dos EUA,
como estratégia de recuperação de sua combalida
economia, mesmo correndo o risco infl acionário.
Como resultado de tudo isso, provoca-
se desvalorização do dólar norte-americano e
apreciação da taxa de câmbio dos países emergentes,
prejudicando a competitividade das exportações
e estimulando as importações de bens e serviços,
comprometendo o resultado do balanço de
pagamentos. Como, também, desestabilizam-se
as políticas macroeconômicas de diversos países.
Alguns analistas também, consideram que é
consequência das políticas cambial e externa da
China, cujo câmbio fi xo (yuan/US$) está atrelado
à direção tomada pelo dólar norte-americano,
* 1 Caracterizam-se por operações por meio de empréstimos em países com baixas taxas de juros que são aplicadas em mercados de alta liqui-
dez onde existam elevadas taxas de juros, desde que se consiga especular quando a taxa de câmbio futura é menor do que a taxa de câmbio
presente.
A dívida pública dos
países ricos ainda está
em nível sustentável, mas
o endividamento aponta
para um longo período
de estagnação.
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resultando em elevados superávits comerciais
externos com aumento da competitividade,
sem contarmos as suas práticas de “dumping” 2.
Depois da negação do Estado nacional,
especialmente nos anos de 1980 e 1990, quando
ganharam força as idéias neoliberais, vimos em 2008,
no pico da crise, desmoronar sólidas instituições
fi nanceiras e grandes empresas industriais nos
Estados Unidos. E, no desespero, o Estado norte-
americano procurar salvá-las com trilhões de
dólares dos cidadãos contribuintes. Na mesma
linha, nações européias praticamente estatizaram
direta e indiretamente seus sistemas fi nanceiros.
Hoje, nos fóruns internacionais, são discutidas
medidas de controle da volatilidade do capital,
mas pouco se avançou. São fortes as resistências
às mudanças principalmente nas nações centrais,
por serem regras que contrariam os princípios
da globalização fi nanceira idealizada pelos
grandes grupos fi nanceiros internacionais.
Porém, cresce, entre lideranças das nações
em desenvolvimento, a convicção de que é
necessária a retomada da regulação. Ficou claro
nesta crise, para autoridades políticas e para
agentes econômicos, em sua maioria, que, se não
tomarmos providências estabelecendo medidas
perenes de proteção das economias, teremos outras
crises, certamente de maiores proporções com
consequências ainda mais danosas para todo o mundo.
O mundo quer estabilidade, segurança para os
investimentos e produção, bem como garantias
para o desenvolvimento econômico sustentável.
Mas, neste ano, foi atropelado pelo surgimento
desse fenômeno mundial conhecido como “guerra
cambial”, derivado do processo de desequilíbrio das
contas-correntes dos balanços de pagamento dos
países do G-20 e das políticas de ajuste das economias
americanas e européias. Enquanto uns apuravam
elevados superávits (Alemanha, Japão e China); outros,
imensos défi cits (EUA, países da Europa e emergentes).
Assim, a “guerra cambial” fi cou conhecida
como resultado do forte ingresso de dólares
norte-americanos nas economias emergentes
(notadamente os BRICS, exceto China), provocando a
valorização cambial de suas moedas, com repercussão
negativa nas exportações desses países, dado
que a desvalorização do dólar provoca perda de
competitividade dessas mercadorias exportadas.
Por outro lado, é consequência das políticas
cambial e externa da China, cujo câmbio fi xo (yuan/
US$) está atrelado à direção tomada pelo dólar
norte-americano, resultando em elevados superávits
comerciais externos com aumento da competitividade,
sem contarmos as suas práticas de “dumping” .
Como consequência dessa “guerra cambial”
existem estudos no Brasil que admitem que
está acontecendo a desindustrialização no país.
Argumenta-se ser evidente a “reprimarização”
da pauta de exportações (predomínio de bens
primários, como minério de ferro, soja e grãos).
A desindustrialização não se caracteriza pela queda
na produção física da indústria, que pode até aumentar,
mas sim pela perda relativa de dinamismo da indústria
na geração de renda e emprego na economia.
* 2 É entendida quando um bem ou mercadoria é vendido no exterior a preço inferior àquele praticado no mercado doméstico do país exporta-dor. Tanto serve para o “dumping” comercial (preço abaixo do praticado nos seus mercados); “dumping” cambial (taxa de câmbio excessivamen-te desvalorizada); como também para o “dumping” social (mão-de-obra semi-escravagista).* 3 Argentina, Australia, Brasil, Canada, China, França, Alemanha, India, Indonesia, Italia, Japão, Mexico, Coréia, Federação Russa, Arabia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido, EUA, e União Européia.
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O mundo quer
estabilidade, segurança
para os investimentos
e produção, bem
como garantias para
o desenvolvimento
econômico sustentável.
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A “reprimarização” ameaça o país desde 2007. Isso
fi cou evidente no primeiro semestre de 2010, quando a
participação dos produtos manufaturados (máquinas,
veículos, eletrodomésticos) no total das exportações
foi de 40,5%, abaixo dos 43,4% da participação de
produtos básicos, retrocedendo ao patamar de 2008.
A questão cambial provocou, recentemente, reunião
dos líderes do G-203, em Seul, Coréia do Sul. Esses
países levaram suas propostas para serem discutidas
saídas para minimizar suas graves repercussões sobre o
comércio mundial. Entretanto, o resultado dessa reunião
por meio do comunicado THE G20 SEOUL SUMMIT
LEADERS’ DECLARA TION, NOVEMBER 11 – 12, 2010,
não surtiu efeitos desejados para resolver essa questão.
Ficou decidido que cada país tomaria internamente
as devidas providências para impedir a valorização
cambial, desde que evitassem a desvalorização
competitiva de moedas para aumentar as exportações
e fosse fortalecida a cooperação multilateral. O que
desagradou inúmeros países, principalmente o
Brasil que tinha sido um dos que exigiam rápida e
pronta decisão dos líderes do G-20 com medidas que
fossem adotadas para minimizar essa “guerra cambial”.
3. MEDIDAS DE POLÍTICA CAMBIAL TOMADAS PELO
GOVERNO E DESAFIOS PARA O FUTURO CAMBIAL
DO BRASIL
Segundo documento da Conferência das Nações
Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD),
Policy Briefs nº 17, nov/10, a correta abordagem para
os problemas gêmeos: desequilíbrios do comércio
global e fl uxos de capital desestabilizadores de
curto prazo, é adaptar o ajustamento das taxas de
câmbio nominal em linha com as regras de taxa de
câmbio real 4 . Essa regra seria adequada, por um
lado, para o acordo multilateral sobre o padrão das
taxas de câmbio ótimas ou razoáveis. Por outro, a
ação concertada dos bancos centrais manteria esse
padrão auxiliando a remover o incentivo para a
especulação de moedas estrangeiras no curto prazo.
O Brasil propôs na Reunião do G-20 que o
dólar deixasse de ser a moeda de referência dos
mercados, e que uma cesta de moedas ocupasse esse
lugar no comércio internacional. Com isso, evitar-
se-ia que os EUA, com a emissão descontrolada
de dólares, repassassem os custos dos seus
ajustes internos e externos aos demais países.
Recentemente, Taiwan impôs limites para a
aplicação de estrangeiros em títulos de dívida.
Em outubro, o Brasil e a Tailândia aumentaram
o imposto para investimentos estrangeiros em
títulos locais. Em junho, a Coréia do Sul restringiu as
operações com derivativos, enquanto a Indonésia
limitou que investidores vendessem alguns títulos
de curto prazo. Enquanto isso, os bancos centrais
de Israel e da África do Sul estão comprando
dólares para coibir a valorização de suas moedas.
As medidas sob análise nos países emergentes
que sofrem com a valorização cambial têm
sido conhecidas como controle de capitais
estrangeiros ou intervenção macroprudencial.
Não obstante todas essas medidas, existem
economistas que acreditam somente na combinação
* 4 Ver Trade and Development Report 2009 and UNCTAD Policy Brief 12, em w w w . u n c t a d . o r g.
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da diminuição dos gastos públicos e da carga
tributária, e até mesmo da reforma tributária, como
decisivo para permitir a baixa da taxa básica de
juros e aumentar a competitividade das exportações
brasileiras, evitando dessa forma o excesso
indesejável do forte ingresso de capitais estrangeiros.
Outros economistas sugerem que seja elevada a
alíquota do IOF de 6% para 8%; retornar a tributação
do imposto de renda sobre o lucros das operações do
capital estrangeiros em aplicações fi nanceiras; elevar
o IOF para os investimentos externos em ações, que
hoje está em 2%; restringir os limites de transações
com exposição a variação cambial dos bancos; e,
a utilização de linhas externas que dão suporte às
posições “vendidas” no mercado à vista cambial.
Recentemente, foi publicado na mídia, estudo do
professor José Luiz Conrado Vieira sugerindo que fosse
adotada medida de depósitos compulsórios junto ao
BC variando de 30% a 50% sobre os novos capitais
estrangeiros. Isto quer dizer que esses recursos fi cariam
no exterior em conta do BC e seriam devolvidos,
ao fi nal, na mesma moeda. Os seus rendimentos
aplicados pelo BC ajudariam a mitigar, indiretamente,
o custo de manutenção das reservas cambiais.
A Coréia do Sul decidiu que vai recolocar um
imposto de renda na fonte sobre os lucros de
investidores estrangeiros em títulos públicos da
dívida soberana, com alíquota de 14%, como controle
de capital estrangeiro. Esse imposto tinha sido
abandonado em 2009, após a decisão em manter o
won desvalorizado. Indonésia e Tailândia, também,
estão estudando medidas com o mesmo objetivo. A
Malásia, em 1998, para proteger sua moeda durante a
crise fi nanceira asiática, impôs controles sobre capitais.
Segundo informes do Programa da ONU para a Ásia
ao jornal Financial Times, admite-se que as economias
asiáticas recorrerão cada vez mais a controles de
capital para se protegerem das “guerras cambiais”.
Nos EUA, em setembro de 2010, o Comitê de Meios
e Recursos da Câmara de Representantes aprovou um
projeto de lei que considera a manipulação da taxa
de câmbio um subsídio acionável e que, portanto,
permite a imposição de medidas compensatórias
(taxação) nas importações vindas de países com
moedas “artifi cialmente” desvalorizadas. Parlamentares
norte-americanos afi rmam que essa nova legislação é
compatível com as normas da Organização Mundial do
Comércio (OMC). Ainda que a iniciativa não prospere, ela
contribuirá para estimular um debate em curso entre
especialistas em regulação do comércio internacional
sobre se as atuais normas da OMC são compatíveis
com a adoção de medidas unilaterais desse tipo.
Analistas defendem as regras da OMC em não
admitir que os países frustrem os compromissos
assumidos com a liberalização comercial, e que sua
manipulação pode ser considerada como subsídio
às exportações. Interpretação essa que está longe
de ser consensual. A hipótese de negociação de um
novo acordo no âmbito da OMC, que permitisse aos
países lidarem explicitamente com efeitos adversos
da manipulação cambial, parece pouco realista e
arriscada. A OMC já está pressionada pelas atuais
tensões protecionistas no comércio mundial e pelas
difi culdades em avançar na Rodada Doha, com temas
menos explosivos que esse conhecido como “guerra
cambial”. Assim, portanto, as chances de se obter acordo
num tema tão controverso e radicalmente novo na
agenda multilateral de comércio são muito reduzidas.
Entretanto, é do conhecimento de todos que existem
medidas compensatórias (tarifárias e não-tarifárias)5
que podem ser adotadas sem incorrer em sanções
da OMC, quando ocorrerem algumas situações que
provoquem desequilíbrios nos mercados internacionais.
Há dois tipos de práticas comerciais desleais. A
primeira é a utilização de preços com dumping, ou seja, a
colocação de mercadoria em outro país a preço inferior
ao praticado no mercado doméstico do país exportador.
A segunda modalidade é aplicação de subsídios à
produção ou à exportação, tornando irreal o preço
fi nal da mercadoria destinada ao mercado externo.
* 5 Por barreiras tarifárias entendem-se as tarifas incidentes sobre os produtos importados, ou seja, os impostos de importação. Já as barreiras não-tarifárias são restrições como regulamentos sanitários, de saúde, ambientais, normas técnicas e padrões de seguran-ça, isto é, práticas que discriminam o produto estrangeiro. São exemplos de barreiras não tarifárias: proibição a importações em ca-ráter geral ou seletivo, ou em função da origem; cotas de importação (em quantidade ou valor); exigência de depósitos compul-sórios; controles de preços; controles cambiais; exigências quanto a embalagem e marcas de origem; regulamentações sanitárias; normas de qualidade (aplicadas a produtos, serviços e meio ambiente); normas e especifi cações técnicas; regras de segurança industrial.
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julho / setembro / 2010
Todavia, a imposição de uma medida
compensatória não é imediata, ela só é permitida
se comprovado o dano ou ameaça de dano à
indústria local, em razão direta de sua ocorrência,
e seguindo-se as disposições legais pertinentes.
Os direitos compensatórios são utilizados para
neutralizar o efeito do dano ou ameaça de dano em
decorrência da prática de subsídios no mercado. Os
referidos direitos são aplicados às importações, sendo
adicionados ao imposto de importação já existente.
Isso resulta em um preço mais elevado de aquisição
da mercadoria estrangeira pelo importador. O pedido
de imposição de uma medida compensatória é feito
mediante ação administrativa. Essas ações possuem
trâmite próprio, com prazos específi cos para as
determinações, audiência entre as partes, e, fi nalmente,
uma decisão sobre a imposição ou não de uma medida.
O que poderia ainda ser feito pelo Governo
brasileiros com relação à “guerra cambial”? Muito
pouco. O Governo brasileiro aumentou a alíquota
de 4% para 6% do IOF sobre a entrada de capitais
estrangeiros para aplicações fi nanceiras. Também
foi decidido pelo Conselho Monetário Nacional-
CMN, em outubro, mudanças nas regras para
investidores não-residentes nas contratações de
câmbio para aplicação nos mercados fi nanceiros
e de capitais, tais como vedação de operações de
aluguel, troca, e empréstimo de títulos e valores
mobiliários(Resoluções nºs 3.911 a 3.915), entre outras.
Adicionalmente, o governo poderia retomar a
negociação de operações de swaps cambiais reversos,
que consistem na venda pelo BC de contratos
fi nanceiros para acertos diários de fl uxos de recursos
oferecendo ganhos para aqueles que tiverem títulos
públicos, desde que a taxa Selic fi que superior à variação
cambial, caso contrário quem ganha é o Banco Central.
Também, a autoridade monetária pode realizar
leilões de moeda estrangeira com mais freqüência e
atuar nos mercados futuros de câmbio. A valorização
cambial tem sido conseqüência de fortes movimentos
de ingressos de capital estrangeiro (alguns oriundos
de operações conhecidas no mercado fi nanceiro
internacional como “carry-trade”) atraídos basicamente
pelo elevado nível da taxa de juros das aplicações
fi nanceiras, bem como pelo atraente mercado de
capitais que possibilita ganhos no curto prazo.
CONCLUSÃO
Com vistas a resolver a “guerra cambial”, ou seja,
a desvalorização do dólar, que é oriunda da ação
deliberada das políticas econômicas dos EUA e
China, os países emergentes, como o Brasil, devem
tomar um conjunto de medidas que limitem as
posições especulativas associadas à taxa de câmbio.
Neste sentido, impõe-se urgentemente que seja
tomado um conjunto de medidas regulatórias, tributárias,
ao lado da intervenção do Banco Central no mercado
cambial, minimizando assim esses nocivos efeitos da
“guerra cambial”, mesmo com regime cambial fl utuante.
Enfi m, se não tomarmos providências estabelecendo
medidas perenes de proteção das economias, teremos
outras crises, certamente de maiores proporções
com consequências ainda mais danosas para todo o
mundo. O mundo quer estabilidade, segurança para
os investimentos e produção, bem como garantias
para o desenvolvimento econômico sustentável.
Newton Marques [email protected]
Economista formado pela Universidade de Brasília (UnB), com
mestrado e doutorado em economia pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), membro do Corecon-DF e do COFECON.
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A (incrível) rentabilidade dos bancos brasileiros
Leda Maria Paulani
As considerações que se seguem foram escritas em
abril deste ano de 2010 para uma publicação do MST, a
revista bimensal �Sem Terra�, na qual eu orgulhosamente
tinha uma coluna. Não chegou, no entanto, a ser publicado,
pois o referido periódico teve sua vida precocemente
interrompida por absoluta (e previsível) falta de recursos.
Convidada mais uma vez pelo meu amigo de longa
data José Luiz Pagnussat para publicar nesta excelente
revista do Corecon do Distrito Federal, lembrei-me deste
defunto insepulto, talvez um pouco anacrônico, pois faz
referência a matérias que estavam saindo na imprensa
especializada há seis meses, mas cuja publicação
pareceu-me, de qualquer forma, pertinente, em tempos de
quebra de banco. Perdoem-me a linguagem mais simples,
pois foi escrito para leigos.
***
Estudo recente de uma renomada consultoria
econômica indica que, considerado o conjunto formado
pelos bancos dos Estados Unidos e os de todos os
países da América Latina, os brasileiros destacaram-se
como os mais rentáveis em 2009. O conceito utilizado
nesse ranking foi o de rentabilidade patrimonial, ou seja,
lucro dividido pelo patrimônio, ou, em outras palavras,
taxa de lucro. Mais ainda, bancos brasileiros ocupam,
segundo esse critério, as três primeiras posições da
tabela e são os únicos latinos no conjunto, uma vez que
o estudo só considerou as 20 instituições que possuem
ativos com valor superior a US$ 100 bilhões.
Como explicar tais resultados? Para encontrar as
respostas é preciso, em primeiro lugar, retroceder um
pouco no tempo. Na época das altas taxas de infl ação,
o lucro dos bancos devia-se em grande parte ao
imposto infl acionário – o ganho que existe por parte
de quem emite moeda, ou seja, o governo, que emite
a moeda manual ou corrente (as notas e moedinhas
que carregamos conosco), e os bancos comerciais, que
emitem a moeda escritural (os cheques e cartões de
débito com os quais também pagamos à vista nossas
despesas). Quem carrega moeda, não importa se
manual ou escritural, sofre a desvalorização desse ativo
quando ocorre infl ação, perda essa que é apropriada,
como se fosse um imposto, por quem emite a moeda.
Assim, quanto mais elevada a infl ação, maior o imposto
infl acionário e maior o ganho dos emissores de moeda.
Considerados os elevadíssimos níveis de infl ação
experimentados pela economia brasileira nos 15 anos
que antecederam a adoção do Plano Real, os bancos
praticamente não precisavam de outro tipo de ganho
que não fosse o imposto infl acionário para ter sua
lucratividade garantida. Assim, apesar de uma legislação
governamental bastante rígida, que restringia quase
completamente a cobrança de tarifas pelos serviços
bancários, os bancos viviam uma situação bastante
confortável. Por isso se especulava na época que,
quando a infl ação fosse debelada, o sistema bancário
brasileiro passaria por sérios problemas.
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julho / setembro / 2010
Mas tão logo o Plano Real surtiu efeito
estabilizando monetariamente a economia, o governo
de FHC resolveu a questão concedendo às instituições
bancárias a auto-regulamentação para tarifar, ou seja,
os bancos passaram a decidir de forma inteiramente
independente o que cobrar e quanto cobrar de seus
clientes. Em 2008, tentando conter um pouco esse
movimento, mudanças nas regras de tarifação dos
serviços foram impostas pelo Banco Central aos bancos,
mas os resultados não apareceram. Ao contrário,
estudo recente do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (IDEC) mostra que, de abril de 2008 até
fevereiro deste ano, os aumentos dos pacotes de
serviços bancários chegaram a alcançar até 65,8% e os
das tarifas avulsas até 328%, números evidentemente
muitíssimo superiores à infl ação do período, que não
chegou a somar 10%.
A outra razão que explica o desmesurado lucro dos
bancos brasileiros é o tamanho do spread, ou seja, a
diferença que existe entre o rendimento que eles pagam
a quem aplica seus recursos e o que eles recebem
daqueles que os tomam emprestados. Segundo estudo
do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial) realizado o ano passado, o spread brasileiro
é o maior do planeta, em média 11 vezes o dos países
desenvolvidos e mais de 5 vezes o dos países em
desenvolvimento. A esse respeito é preciso lembrar que
uma das reformas neoliberais apoiadas, impulsionadas
e sancionadas pelo governo Lula foi a alteração da Lei
de Falências, sob o argumento de que ela era muito
condescendente com os devedores, enfraquecendo os
contratos e produzindo um ambiente de incerteza, que
acabava redundando nos elevados spreads bancários
verifi cados. Feita a reforma, em 2005, nada mudou
nessa situação e estudos do próprio Banco Central
realizados ao fi nal do ano passado mostram que a
participação do lucro dos bancos no tamanho desse
spread só tem feito crescer e encontra-se hoje em nível
recorde.
Bastaria vontade política para que o governo
barateasse tanto o crédito quanto os serviços bancários,
mas ele prefere se manter à distância, sob a alegação
de que a concorrência vai fazer seu papel e disciplinar
esses preços. Essa postura pode parecer irracional, já
que a realidade cansa de mostrar o contrário, mas é
absolutamente coerente com uma política econômica
que tem operado, há quase duas décadas, sob a batuta
do capital fi nanceiro e do grande capital em geral.
Leda Maria Paulani [email protected]
Economista professora titular do Departamento
de Economia da FEA-USP e da Pós-graduação em
Economia do IPE-USP. É bolsista de produtividade em
pesquisa do CNPq e publica regularmente em revistas
nacionais e estrangeiras. É autora, entre outros, de
Modernidade e Discurso Econômico, 2005 e Brasil
Delivery, 2008, ambos pela Boitempo Editorial. Foi vice-
presidente (1998-2000) e presidente (2004-2008) da
Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP).
‘‘ ‘‘Assim, quanto mais
elevada a infl ação,
maior o imposto
infl acionário e maior o
ganho dos emissores
de moeda.
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ASPECTOS SOBRE A
ESPECULAÇÃO1
Simone Maciel Cuiabano
Resumo: o objetivo desse trabalho é fazer uma análise
sucinta da especulação fi nanceira e como ela pode
afetar o lado real da economia. O aumento nos preços
do petróleo, em 2008, ilustra essa relação. A análise do
comportamento do preço do petróleo mostra como
é complicado atribuir somente à especulação a causa
para a elevação dos preços das commodities. Por fi m,
esse trabalho sugere algumas medidas para inibir o
lado negativo que a especulação pode causar.
1 – CONCEITUAÇÃO
Especulação é o processo de selecionar
investimentos mais arriscados, sejam eles ativos
móveis ou imóveis, de modo a obter maior retorno,
antecipando o movimento de preços. É baseado
em informações obtidas no mercado o qual se quer
investir e não são caracterizados como investimentos
convencionais porque o risco adquirido é maior que a
média.
Um conceito clássico de especulação é a compra
ou venda de mercadorias tendo em vista a revenda (ou
recompra) em data posterior quando o motivo de tal
ação é a antecipação de uma mudança nos preços em
vigor e não uma vantagem resultante de seu uso ou
uma transformação ou transferência de um mercado
para o outro. A base da especulação é, portanto, a
expectativa dos agentes quanto a mudanças nos níveis
de preços.
O desenvolvimento de atividades especulativas está
ligado ao desenvolvimento do mercado de derivativos.
É comum, nesse mercado, ações de hedge, ou cobertura
de risco, dos ativos negociados para reduzir o risco da
variação de preços, principalmente diante da incerteza
do mercado com o qual se trabalha. Contudo, atividades
especulativas utilizam-se do mercado de derivativos
para maximizar o retorno ou investimento, o que
termina por ocasionar aumentos nos preços dos ativos
reais sem que haja qualquer desequilíbrio entre oferta
e demanda dos mesmos no tempo presente.
2 – HISTÓRICO
O mercado de derivativos2, no mundo, tem sua
origem vinculada à necessidade de administração do
risco de alterações nos preços dos ativos, originalmente
produtos agrícolas (recentemente também ativos
fi nanceiros e imobiliários). As mercadorias eram
negociadas em um período t e deveriam ser entregues
em um período t+1, de modo que o contrato deve
refl etir os riscos de se conseguir entregar ou não a
mercadoria contratada e dar garantia ao comprador
de entrega, bem como antecipar ao produtor o crédito
necessário à produção. Esse tipo de negociação
tem registros históricos na Idade Média; contudo, o
mercado futuro organizado teve início em 1848, em
Chicago, quando contratos de milho foram negociados.
* 1 Este trabalho expressa a opinião da autora e não necessariamente refl ete as posições ofi ciais da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda– SEAE/MF.* 2 Derivativos são ativos fi nanceiros que derivam, integralmente ou não, do valor de outro ativo ou mercadoria, como os contratos futuros, a termo, opções e swaps.
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julho / setembro / 2010
Até a década de 70, a maior parte do mercado futuro
estava baseada em mercadorias, quando foi lançado o
primeiro contrato futuro de taxas de câmbio.
A busca de proteção contra a forte volatilidade das
taxas de câmbio e de juro registrada desde o fi m dos
acordos de Bretton Woods, na década de 40, está na
origem da criação e da enorme expansão de mercados
de derivativos fi nanceiros muito diversifi cados e amplos.
Essa volatilidade causou mudanças no comportamento
dos agentes econômicos, que passaram a formar
expectativas sobre a evolução de curto prazo das
principais variáveis fi nanceiras para a condução normal
das atividades econômicas. A existência dos mercados
de derivativos permitiu que os agentes cobrissem seus
riscos fi nanceiros ao transferi-los para outros.
Para a realização, numa escala signifi cativa,
das operações de hedge. foi indispensável o
desenvolvimento de mercados nos quais se negociem,
para entrega e liquidação futuras, os mesmos ativos que
nos mercados à vista. Antes da criação dos mercados de
derivativos fi nanceiros, era possível efetuar operações
de hedge, empregando-se os contratos a termo junto
às instituições bancárias. Mas sua importância era
limitada pela pequena variedade de ativos cobertos
por esses contratos (quase exclusivamente de taxas
de câmbio), pelo número reduzido de agentes que
a eles tinham acesso (clientes de primeira linha dos
bancos), pelo alto custo das operações e pela pouca
fl exibilidade do instrumento (a liquidação só é possível
no vencimento).
A criação da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F),
em 1986, deu início à negociação de derivativos em
balcão, principalmente para os contratos vinculados
ao comércio futuro do algodão. Contudo, somente em
2001, com a Lei 10.303, o conceito de valores mobiliários
passou a incluir os derivativos, permitindo a regulação
por parte da Câmara de Valores Mobiliários (CVM).
A partir de então, as operações de hedge puderam
emergir; paralelamente, ações especulativas puderam
emergir no Brasil, no qual se busca não proteger o ativo,
mas obter ganhos rápidos a curto prazo.
3 – FUNCIONAMENTO
A antecipação do especulador sobre a situação do
ativo determina o tipo de estratégia a ser tomada pelo
mesmo. Se ele acredita que o valor do ativo irá aumentar
no futuro, ele adquire o ativo, normalmente a um preço
inferior ao que ele imagina no futuro, objetivando a sua
venda em período posterior. Esse tipo de ação pode ser
encontrada em qualquer negociação de mercadorias,
sejam elas commodities, imóveis, moeda, ações, etc.
No mercado de derivativos, os contratos futuros e a
termo necessitam que o valor do ativo a ser entregue
esteja previamente determinado. Se o agente acredita
que esse valor pré-contratado estará abaixo do
esperado, há uma demanda maior por esses contratos
e vice-e-versa. Os contratos de compra e venda de
opções, que oferecem o direito de compra ou venda
de ativos, também permitem ao agente se precaver
da volatilidade dos preços dos ativos reais: se o agente
acredita que o preço do ativo irá aumentar, ele pode
adquirir a opção de compra cujo preço do ativo pré-
contratado seja inferior ao valor que ele espera. Caso o
preço não aumente, ele pode não exercer a opção de
compra. Se ao contrário, o esperado é uma queda nos
preços, ele pode adquirir uma opção de venda com o
preço mais alto a ser realizado no futuro.
Esse tipo de ação também pode ser feita com o
objetivo de especular sobre os valores futuros a fi m de
obter ganhos. Nos casos das opções, por exemplo, um
especulador pode, ao invés de realizar os direitos de
compra e venda, vender as opções por um preço cujo
valor seja o ganho a ser obtido pela diferença de preços
contratado e o de mercado.
‘‘ ‘‘A existência dos
mercados de derivativos
permitiu que os agentes
cobrissem seus riscos
fi nanceiros ao transferi-
los para outros.
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4 – IMPACTOS SOBRE O LADO REAL DA ECONOMIA
Ações que atinjam os preços futuros de ativos
tendem a modifi car o valor presente dos mesmos. No
mercado de commodities, por exemplo, a determinação
do preço das mercadorias adquiridas no balcão3 é
feita com base nos preços dos contratos futuros. Desse
modo, quando um grande volume de agentes passa
a demandar contratos futuros, o valor do ativo futuro
tende a se valorizar e, por conseguinte, aumentar o
preço presente do ativo.
Esse movimento de aumento de preços foge da
tradicional visão de que os preços são determinados
conforme a oferta e a demanda: pode haver um
perfeito equilíbrio no mercado, todavia, se houver a
especulação a respeito de uma provável queda ou
elevação de preço do bem que ocasione uma corrida
pela compra ou venda do ativo, o preço pode aumentar
ou cair, respectivamente, de forma substantiva. A
atual elevação dos preços das commodities está
sendo observada não somente como um choque de
demanda ocasionado pelo crescimento dos países
(principalmente China), mas também como um novo
tipo de choque de demanda, oriundo de investimentos
de grandes fundos de pensões e investidores
institucionais com grande volume de dinheiro que, na
busca por obter ganhos reais, passaram a investir no
mercado futuro de commodities. Ou seja, com objetivos
especulativos.
Uma vez que os preços futuros tendem a balizar o
preço atual, é necessário avaliar as conseqüências sobre
o mercado real. No Brasil, os principais índices de infl ação
possuem, na sua cesta de bens, commodities negociadas
no mercado internacional com peso relativamente alto.
Itens baseados nos derivados de petróleo (que, por
sua vez afetam uma variada gama de produtos, como
têxteis, fertilizantes, combustíveis, energia), alimentos,
metais, quando sofrem um aumento de preço no
mercado internacional, ocasionado por movimentos
especulativos, tendem a causar elevações nos índices
de infl ação. Mesmo se forem commodities produzidas e
comercializadas no país, se há um mercado futuro que
o baliza, os preços nacionais tendem a acompanhar os
preços comercializados no exterior.
Essa elevação nos índices de preços ocasiona o
aumento da infl ação que, diante do regime de metas
de infl ação estabelecido pelo Banco Central, tende a
elevar os juros básicos da economia para conter o lado
da demanda e evitar com que a infl ação ultrapasse os
limites da meta. A elevação dos juros nominais gera
um aumento dos juros reais, diminui o interesse por
investimentos em ativos reais e pode causar uma queda
geral no nível da atividade econômica de um país.
5 – ESPECULAÇÃO E O RECENTE COMPORTAMENTO
DOS PREÇOS DO PETRÓLEO: UM EXEMPLO
A notícia de que o barril de petróleo atingiu
preço nunca visto até então vinha se tornando
rotina. Quando foram feitas previsões de que o
barril atingiria US$ 200,00, alguns duvidaram. Os
recordes sucessivos observados nos meses de
junho e julho de 2008 evidenciaram a possível
confi rmação desta previsão. Embora os últimos
dez dias, tenham mostrado uma signifi cativa
redução do preço do barril, cujo preço voltou aos
patamares observados em maio (US$ 120,00), o fato
é que houve uma mudança estrutural no mercado de
commodities, onde o petróleo é o melhor exemplo.
Inicialmente, a elevação dos preços do petróleo foi
relacionada às tensões políticas nos países produtores.
Baixos estoques também eram responsabilizados
pelas elevações nos preços, assim como a
desvalorização do dólar frente a outras moedas.
Posteriormente, nova explicação foi adicionada: o
aumento da demanda mundial, provocada pelo
crescimento mundial e, sobretudo, de países como
a China e a Índia, não era compatível com a oferta,
que tinha difi culdades de ser elevada no curto prazo.
Recentemente, analistas de mercado e economistas
começaram a defender que o aumento dos preços
do petróleo poderia ser atribuído a outro fator: a
especulação. De fato, a constatação de que a elevação
dos preços não era capaz de reduzir os estoques
fez com que muitos economistas atribuíssem à
especulação fi nanceira a razão pelos constantes
aumentos. Declarações da Arábia Saudita de que não
haveria escassez de oferta reforçariam essa tese.
* 3 Para mercadorias negociadas via contratos, os preços podem ser negociados conforme volume e tempo de aquisição.
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Nesse sentido, cabe citar estudo realizado pelo
Congresso dos Estados Unidos (2009). Esse documento
afi rmou que estaria ocorrendo um aumento dos
investimentos de fundos de pensão, fundos de
investimentos e bancos em contratos futuros de
petróleo. Segundo apurado, agentes especulativos
teriam aumentado suas participações em contratos
futuros de petróleo: de 37%, em 2000, para 71% em
2008. A contrapartida foi uma queda na participação
dos usuários tradicionais de petróleo. O estudo em
questão aponta que alguns especialistas chegaram a
atestar que a especulação com contratos responderia
por até 50% da elevação do preço do petróleo.
Diante dessas constatações, o estudo sugeriu a
adoção de medidas, legais ou meramente regulatórias,
que limitassem a operação de especuladores em
commodities. Os instrumentos para tal seriam o aumento
nos requerimentos de margens, adoção de limites à
exposição ou à posição bruta e maior transparência na
comercialização de contratos de balcão.
Contudo, deve ser mencionado que não está claro se
a especulação ou fuga para ativos reais se deve à baixa
taxa de juros nos EUA (fator conjuntural), à mudança
nos preços relativos diante do aumento na demanda
por parte de emergentes e no custo de extração de
petróleo (fator estrutural) ou ambos.
A perspectiva de que a elevação dos preços das
commodities, dentre as quais o petróleo, não está
relacionada à escassez de oferta é compartilhada por
analistas de mercado. Por exemplo, Michael Masters
(2008), em depoimento no Congresso dos EUA,
apontou o papel dos especuladores de índices (que
somente compram e vendem posições por meio de
calendar spreads), que teriam causado um choque de
demanda positivo no mercado futuro de commodities,
que se tornou atrativo após o colapso das bolsas e dos
imóveis. O aumento na demanda de “barris virtuais”
por parte desses agentes é aproximadamente igual
ao aumento na demanda de “barris reais” por parte da
China. Esses agentes teriam poderes para infl uenciar
preços porque o volume de recursos que movimentam
é grande comparado ao mercado de commodities.
Masters argumenta que os movimentos no mercado
futuro são imediatamente sentidos no mercado spot.
Jeffrey Frankel (2008) também aponta outro motivo
que não a escassez de oferta para a elevação dos
preços. Frankel argumenta que, embora o aumento da
demanda seja um elemento importante na elevação
dos preços das commodities, a causa principal seria a
baixa taxa de juros nos países centrais, sobretudo nos
EUA, e a desvalorização do dólar. A baixa taxa de juros
desestimula a extração de recursos não renováveis
e reduz o custo de carregamento de estoques. No
caso de minérios e petróleo, a “estocagem” pode ser
simplesmente não extrair o produto (deixar no solo).
Esse movimento de alta dos preços continuaria até
o ponto em que os preços chegassem a um patamar
que as expectativas se tornariam majoritariamente
“baixistas”, isto é, o mercado passaria a esperar uma
queda no preço.
Guillermo Calvo (2008) também tem posição similiar
a Frankel. A diferença é a ênfase na inelasticidade da
demanda por commodities. Calvo destaca que, embora
o movimento de elevação nos preços se refl ita no
aumento de contratos futuros negociados, a causa
principal não seria a especulação e sim a política
monetária. Para ele, as baixas taxas de juros reais
estariam causando uma fuga para os ativos reais (sejam
por causa das baixas taxas de juros nominais ou pela
aceleração da infl ação). O mercado spot sentiria o efeito
da elevação no mercado futuro porque a demanda por
commodities é inelástica no curto prazo.
Thomas Palley (1999) também defende que
especulação tem forte infl uência na elevação do preço
do petróleo pelo fato de o aumento no preço do
petróleo verifi cado ser desproporcional ao aumento
da demanda. Logo, como a demanda é inelástica no
curto prazo, a solução passa por retração do nível de
atividade econômica. Argumenta que, apesar de vários
economistas dizerem que não há aumento nos estoques
que confi rme a hipótese da bolha especulativa, o fato é
que os estoques deveriam ter caído diante de preços
tão elevados. Como isso não tem ocorrido, haveria sim
um aumento relativo nos estoques. Palley aponta como
solução a limitação da operação de especuladores de
índice nos mercados futuros de commodities.
Em que pese os entendimentos acima reproduzidos,
importa destacar que ainda não há consenso acerca
do papel da especulação na elevação dos preços
entre os economistas. Paul Krugman (2008), por
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exemplo, argumenta que a especulação não seria o
fator determinante, pois não haveria evidência de
acumulação de estoques. Embora seja verdade que no
caso do petróleo e dos minérios, os estoques podem ser
deixados no solo, o fato de os preços futuros estarem
abaixo dos preços correntes não confi rmaria a hipótese
de bolha especulativa no mercado de petróleo. Nesse
sentido, para que o preço futuro infl uencie o preço
spot, alguém que tem petróleo deve sancionar a
“especulação”, o que somente aconteceria se houvesse
razões objetivas para tanto (fundamentos do mercado).
Como há uma mudança nos fundamentos devido a
maior demanda mundial e à elevação dos custos de
produção, poderia ser concluído que seriam esses
fatores que estariam empurrando os preços para cima
e não a especulação.
Recentemente, no Congresso Mundial de Petróleo,
ocorrido em Madri, vários agentes afi rmaram que
a especulação não seria a causa das elevações de
preços, endossando o posicionamento de Krugman.
6 – CONCLUSÃO
A análise do comportamento do preço do petróleo
mostra como é complicado atribuir somente à
especulação a causa para a elevação dos preços das
commodities. É preciso estar atento a isso para que não
sejam impostos remédios equivocados para conter
esse movimento ou contornar seus efeitos perversos.
Analisando o cenário mundial, consta-se que
houve uma mudança estrutural no mercado de
commodities devido a maior demanda por parte de
países emergentes, sobretudo na Ásia, e ao aumento
dos custos de produção, sobretudo do petróleo. Essa
mudança explica, em grande parte, a infl ação de
commodities até 2006. Porém, o recente aumento tem
mais relação com a conjuntura dos EUA, pois as baixas
taxas de juro e a ausência de ganhos nos mercados
de ações e de imóveis estão direcionando recursos
para os mercados de commodities. As baixas taxas de
juro estimulam a especulação ao provocar uma fuga
para ativos reais e ao baratear o carregamento (a
manutenção) de estoques de petróleo e minério “no
solo”.
Como a desregulamentação fi nanceira nos EUA
(desde os anos 90) contribuiu para aumentar o “poder
de fogo” dos fundos de investimento nos mercados de
derivativos, e diante do vultoso volume de recursos
desses fundos, o fato é que os fundos de investimento
têm poder de causar elevação substancial nos
preços das commodities. Há indícios de que é isso
que está ocorrendo desde o início da crise subprime
e a subseqüente acomodação monetária por parte
do FED (Federal Reserve System). Esse movimento
no mercado futuro é sancionado no mercado spot
porque a demanda por alimentos e por combustíveis é
altamente inelástica.
Alguns economistas entendem que a “solução” ou
o “estouro da bolha” acontecerá se e quando os EUA
resolverem estancar a perda de valor do dólar por
meio do aumento na taxa de juros. Isso derrubará os
preços das commodities, ainda que não para o nível dos
anos 90, pois os fundamentos do mercado mudaram.
Contudo, o ajuste monetário dos EUA poderá trazer
prejuízos ao Brasil no curto prazo, pois os preços das
exportações brasileiras cairão e a taxa de câmbio
irá se desvalorizar, causando pressão infl acionária e
conseqüente elevação nos juros.
Dado esse cenário, o que se pode fazer? Grosso
modo, duas ordens de medidas podem ser adotadas.
1 – Aumento do poder de supervisão governamental/
estatal:
- Aumentar a supervisão estatal mediante a adoção
de mecanismos que tornem obrigatório o registro dos
contratos futuros. É sabido que nos Estados Unidos
existem um número signifi cativo de contratos de
‘‘ ‘‘
A perspectiva de que a elevação dos preços
das commodities, dentre as quais o petróleo,
não está relacionada à escassez de oferta é compartilhada por analistas de mercado.
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transações futuras de balcão que passam ao largo
do controle do órgão regulador (CFTC – Commodity
Futures Trading Comission). Trazer esses contratos para a
supervisão dos órgãos reguladores é imperativo como
forma de assegurar maior controle e transparência a
essas transações;
- Criação de uma bolsa específi ca para realização de
transações correntes e futuras para as commodities;
- Fixação de mecanismos que estimulem uma maior
cooperação internacional. A idéia, por exemplo, é que
a Bolsa de Valores de Nova Iorque conheça o volume
e perfi l das transações ocorridas na Bolsa de Londres e
vice-versa; e
2 – Introdução de mecanismos destinados à inibição
da especulação:
- Aumento da margem. A proposta aqui é a fi xação
de um limite à operação de especuladores em
commodities por intermédio do aumento nos
requerimentos de margens;
- Como conseqüência da primeira medida haverá um
limite à exposição, ou à posição bruta, do especulador,
o que conferirá maior transparência aos contratos de
balcão.
Por fi m, deve ser observado que medidas de
combate à especulação são normalmente inócuas,
pois os agentes encontram brechas para operar,
sobretudo em um ambiente de baixas taxas de juro
e alta de demanda mundial. No entanto, pode e deve
haver avanços em direção a maior transparência das
operações, de modo clarifi car as bases reais para
as apostas em andamento, sendo importante ser
ressaltado que o Estado brasileiro não tem instrumentos
para coibir a especulação internacional. É preciso que
as grandes economias em conjunto com os países
em desenvolvimento procurem soluções conjuntas
para que os países pobres não sejam prejudicados
ainda mais com a situação conjuntural atual.
REFERÊNCIAS
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monetary policy, and sovereign wealth funds. Disponível em: http://www.voxeu.org/index.php?q=node/1244
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Sociedade, Universidade de Campinas (Unicamp), nº 13.
FRANKEL, J. (2008), Commodity Prices, Again:
Are Speculators to Blame? Jeff Frankels Weblog. Disponível em:
http://content.ksg.harvard.edu/blog/jeff_frankels_weblog/2008/07/25/commodity-prices-again-are-speculators-to-blame/
KRUGMAN, P. (2008), Speculation and Signatures.
Disponível em:
http://www.princeton.edu/~pkrugman/Speculation%20and%20Signatures.pdf
MASTERS, M. (2008), Testimony before the
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Affairs.
PALLEY, T. (1999), Speculation and Tobin Taxes: Why Sand in the Wheels can Increase
Economic Effi ciency in: Journal of Economics, 69, pp. 113-126.
SANTANA, P., (2007), Operações de Derivativos
na Perspectiva do Direito Comercial. Dissertação de Mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp).
US Congress (2009), Text of S. 447: Prevent
Excessive Speculation Act.
Sites
Portal do Investidor http://www.portaldoinvestidor.gov.br
Investopedia http:// www.investopedia.com
Govtrack.us http://www.govtrack.us/congress/billtext.xpd?bill=s111-447
Simone Maciel [email protected]
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), com mestado em
Economia pela UCB. Doutoranda em Economia pela UnB e Analista de Finanças e Controle .
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A intervenção do Estado na economia por meio das políticas
públicas fi scal e monetária – Uma abordagem keynesiana.
Carlos Frederico Alverga
intervenção do Estado na
RESUMO
O artigo trata da intervenção do Estado na economia,
por meio da execução das políticas fi scal e monetária,
com a fi nalidade de atenuar distorções características
da economia capitalista e do livre funcionamento
do mercado. A principal dessas distorções é a
incompatibilidade entre a oferta e a demanda
agregadas, cujas conseqüências mais relevantes podem
ser os dois mais importantes problemas econômicos,
que são a infl ação e o desemprego. As referidas políticas
fi scal e monetária são mecanismos pelos quais o Estado,
por meio do Governo, tenta abrandar os efeitos dos
citados desequilíbrios. A primeira consiste na política
das receitas públicas, a política tributária, e na política
dos dispêndios públicos, a política orçamentária. A
segunda consiste no controle da oferta de moeda da
economia e da taxa de juros.
1 – Introdução:
A economia de mercado capitalista funciona
em ciclos econômicos de expansão e contração da
produção, da renda, do investimento e do emprego. A
intervenção do Estado na economia se faz necessária
para estabilizar os preços, o nível de emprego, a renda
e outras variáveis macroeconômicas relevantes. Porém,
até a crise de 1929, que foi uma crise de superprodução
do capitalismo, prevalecia a teoria neoclássica de
Marshall, a qual preconizava a tese do equilíbrio
automático do mercado, pela qual a “mão invisível”
deste último ajustaria os níveis de oferta e demanda
agregadas. A teoria neoclássica também se baseava na
lei de Say, pela qual a oferta cria a sua própria demanda,
o que teria por conseqüência a impossibilidade da
ocorrência de crises de superprodução.
É importante caracterizar a crise de 1.929. Foi uma
crise de superprodução, já que não havia demanda
sufi ciente para absorver toda a oferta, o que fez com que
sobrassem muitos produtos sem serem consumidos, o
que teve como conseqüência uma queda generalizada
dos preços (acentuada defl ação) que, por sua vez, teve
como decorrência uma redução expressiva da renda
dos empresários que, por causa do prejuízo que tiveram,
diminuíram substancialmente os investimentos, o que
fez decrescer signifi cativamente o nível de emprego.
Toda essa conjuntura depressiva da economia resultou
numa diminuição acentuada do valor das ações das
empresas, o que causou um movimento de venda
generalizada no mercado acionário, a Bolsa de Valores,
acarretando queda no valor das ações e alastrando, por
toda a economia, as conseqüências da depressão.
Pode-se considerar, então, que foi uma crise
de excesso de oferta, que teve como efeitos uma
signifi cativa queda dos preços, da renda e do emprego.
Os dogmas neoclássicos da “mão invisível”, do equilíbrio
automático dos mercados e da lei de Say perderam
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quer diminuí-la; pelo segundo mecanismo, o Governo
obriga os bancos comerciais a manterem depositados,
no Banco Central, uma porcentagem maior ou menor
dos seus depósitos à vista, para assim aumentar
ou diminuir a oferta de moeda para empréstimos,
de acordo com as circunstâncias, e, fi nalmente, o
redesconto consiste num fi nanciamento que o Banco
Central concede às instituições fi nanceiras privadas
que estão com difi culdades de liquidez e de honrar
seus empréstimos de curto prazo. Em relação a esse
último ponto, o Banco Central atua como emprestador
de “última instância” dos bancos comerciais, como
um “banqueiro dos bancos”. Keynes enfatizava mais a
política fi scal do que a monetária, mas a existência de
uma autoridade monetária pública exercendo controle
sobre a oferta de moeda é tópico relevante na sua
teoria econômica. Para respaldar esta última assertiva,
cito Ferrari e Terra (2.010:3), que informam que Keynes
concedia “signifi cativa importância à condução da
política monetária”. Porém, segundo os mesmos
autores, “a intervenção estatal para Keynes, apresenta-
se, principalmente, na forma de política fi scal. Esta se
ancora tanto na administração dos gastos públicos
– algo completamente diverso de défi cit público –
quanto na política de tributação. Por conseguinte, a
política fi scal keynesiana recai, diretamente, sobre
a demanda agregada da sociedade, isto é, sobre o
investimento e o consumo, público e privado” (Ferrari
e Terra, 2.010:4).
‘‘ ‘‘
Pode-se considerar,
então, que foi uma crise
de excesso de oferta, que
teve como efeitos uma
signifi cativa queda dos
preços, da renda e do
emprego.
a credibilidade, e surgiu Keynes defendendo a
intervenção do Estado na economia para ajustar a oferta
à demanda, principalmente para aumentar a demanda
agregada na fase recessiva do ciclo econômico. Assim,
de acordo com Vieira e Campos (2.007:1), “Keynes
rejeita os preceitos de equilíbrio, com pleno emprego,
ajustável automaticamente (Lei de Say e lei da oferta
e da procura)”. No caso do início da década de 30, com
a economia atravessando uma depressão terrível,
era imperativo que houvesse incremento dos gastos
públicos para que a produção, a renda e o emprego
se recuperassem. Os instrumentos para concretizar a
intervenção do Estado na economia passaram a ser as
políticas fi scal e monetária.
2 – Defi nição dos conceitos de políticas fi scal e
monetária:
É conveniente defi nir os signifi cados das políticas
fi scal e monetária. A política fi scal é o componente
da política econômica que se refere, por um lado, às
receitas públicas, ou seja, à arrecadação dos tributos
do Estado sobre a renda, o patrimônio e o consumo
das pessoas físicas e jurídicas, e, por outro lado, aos
dispêndios do Governo, os quais estão explicitados
no orçamento público. Desta forma, a política fi scal
abrange dois componentes distintos, o relativo à
política tributária, concernente à receita pública, e a
política orçamentária, pertinente à despesa pública.
Pereira (2.006:52) defi ne a política fi scal keynesiana
como “o uso consciente dos meios fi scais do governo
– tributação, gastos e dívida pública, com o objetivo
de neutralizar as tendências cíclicas da economia,
traduzidas por infl ação e recessão”. Cardim (2.008:14)
afi rma que a política fi scal é aquela “em que o governo
age sobre a demanda diretamente através de seus
gastos, ou indiretamente, através de tributos sobre os
agentes privados”.
Com relação à política monetária, ela concerne ao
controle da oferta de moeda e da taxa de juros, o que
tem conseqüências para os níveis de investimento,
emprego e consumo da economia. O Governo
implementa a política monetária por meio de três
mecanismos principais: o mercado aberto, o depósito
compulsório e o redesconto. No caso do primeiro
instrumento, o Governo vende títulos da dívida pública
quando quer aumentar a taxa de juros e compra quando
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3 – Prescrições keynesianas de políticas fi scal e
monetária de acordo com a fase do ciclo econômico:
Na fase expansiva do ciclo econômico, segundo
a ortodoxia keynesiana, a política monetária deve
ser restritiva, com taxas de juros mais altas e redução
da quantidade de moeda na economia, o que é feito
mediante a venda, pelo Banco Central, de títulos
da dívida pública, e a política fi scal deve ser mais
austera, com redução dos gastos públicos, e aumento
da tributação, da carga tributária, sobre os fatores de
produção, como forma de combater a maior ameaça
da fase expansionista do ciclo econômico, que é a
infl ação. Ambas as políticas se direcionam para conter
a demanda agregada e evitar o aumento generalizado
dos preços. No que concerne à política fi scal, tal
combinação de maior tributação com menor despesa
pública contribui para a ocorrência de superávit fi scal
nas contas do Governo. Conforme nos informa Pereira
(2.006:49), Keynes propunha “a utilização da política
fi scal compensatória, na qual pregava (...) a geração de
superávits diante de ameaças de infl ação”.
Na fase recessiva do ciclo econômico, segundo
os keynesianos, a política monetária deve ser
expansionista, com taxas de juros mais baixas para
incentivar o investimento, e se caracterizar pelo
aumento da quantidade de moeda na economia,
o que é efetivado por meio da compra, pelo Banco
Central, de títulos da dívida pública, e a política fi scal
deve ser mais expansiva, com incremento dos gastos
públicos, como forma de combater a maior ameaça
da fase contracionista do ciclo econômico, que é o
desemprego. Além disso, nessas circunstâncias, o outro
componente da política fi scal, que é a tributação sobre
os fatores de produção, deveria ser implementado
no sentido da redução da carga tributária. Ambas as
políticas se direcionam para estimular a demanda
agregada e evitar o aumento generalizado do
desemprego. No que é pertinente à política fi scal, tal
combinação de menor tributação com maior despesa
pública contribui para a ocorrência de défi cit fi scal nas
contas do Governo. De acordo com Pereira (2.006:49),
Keynes propunha “a utilização da política fi scal
compensatória, na qual pregava o aumento do défi cit
público em épocas de recessão”. Ainda segundo o
mesmo autor, Keynes advogava que, “quando ocorresse
insufi ciência de demanda, o governo deveria assumir
um papel ativo de complementar os gastos privados,
ou reduzindo impostos ou realizando investimentos”
(Pereira, 2.006:51). A política fi scal expansionista na
fase de contração da produção, do emprego e da renda
da economia como remédio para a crise é também
apontada por Vieira e Campos (2.007:1), que afi rmam
que “Os gastos com obras públicas contribuiriam para
multiplicar a renda; gerando empregos para alguns,
criar-se-ia indiretamente empregos para uma grande
parcela da população”.
Os parágrafos precedentes referem-se à
instabilidade da oferta da economia capitalista (que
é, basicamente, o motivo da existência dos ciclos
econômicos), a qual é causada, fundamentalmente,
pelo descasamento existente entre a oferta e a
demanda agregadas, fenômeno denominado por
Marx como sendo a “anarquia da produção”, gerado
pela incerteza de que padece o empresário capitalista
ao tomar suas decisões sobre o quanto investir, as
quais são infl uenciadas signifi cativamente pelas
expectativas empresariais. Neste contexto é que surge
a necessidade de intervenção do Estado na economia,
por meio do exercício das políticas fi scal e monetária,
principalmente a primeira, para fazer o ajuste entre
a oferta e a demanda agregadas por intermédio do
desempenho da função estabilizadora do Governo –
Caracterização dos fundamentos da teoria econômica
keynesiana:
Segundo Dillard (1.989), para Keynes, os níveis de
renda, emprego e investimento eram funções de três
variáveis: a propensão marginal a consumir (c), a efi cácia
marginal do capital, que seria, aproximadamente,
correspondente à taxa de lucro, e a taxa de juros. Ou
seja, as variáveis dependentes ou explicadas seriam
a renda, o emprego e o investimento, e as variáveis
independentes ou explicativas do modelo seriam a
propensão marginal a consumir (c), a efi cácia marginal
do capital e a taxa de juros.
O investimento produtivo só seria racional se a
efi cácia marginal do capital fosse maior do que a
taxa de juros. Caso contrário, o empresário capitalista
preferiria investir em títulos da dívida pública do
Governo remunerados pela taxa de juros do que arriscar
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seu capital no investimento produtivo. A efi cácia
marginal do capital seria a rentabilidade esperada
do investimento em bens de capital. A instabilidade
da efi cácia marginal do capital seria, também, uma
causa importante para a ocorrência das fl utuações do
investimento e dos ciclos econômicos.
Sendo assim, conforme Dillard (1.989), pode-se
perceber que as políticas monetária e fi scal agiriam
sobre as três variáveis independentes do modelo
keynesiano. A carga tributária do Governo infl uenciaria
o consumo, infl uindo, também, no investimento, o qual
seria também afetado pela taxa de juros da economia,
determinada pela política monetária do Governo, o
que também afetaria o nível de emprego. A política
fi scal, que envolve, simultaneamente, a receita e a
despesa públicas, também infl uenciaria a demanda,
o investimento e o nível de emprego. Um movimento
de política econômica que o Governo pode fazer é
o de aumentar a carga tributária sobre as camadas
mais abastadas da população e, com esses recursos,
conceder repasses destes últimos, por meio de políticas
sociais compensatórias, para as camadas mais pobres
da população, estimulando a demanda dos segmentos
de baixa renda. Seria o caso, no Brasil, do bolsa família,
pelo qual o Estado exerce sua função redistributiva
na economia. Por meio do incremento da renda das
camadas menos favorecidas da população, o Governo
estimula o consumo e contribui para aumentar o
investimento e o nível de emprego da economia. Um
simples aumento dos gastos públicos já contribuiria
para aquecer a demanda agregada e ajudar a economia
a sair da recessão, da mesma forma que uma redução
da carga tributária sobre o investimento privado
contribuiria para elevar o investimento e diminuir o
desemprego. Estes seriam dois exemplos de ação do
Governo via política fi scal, denominada anticíclica, por
se contrapor à ocorrência do ciclo econômico. Segundo
os economistas, a ação da política fi scal do Governo via
incremento dos gastos públicos é mais efi caz, ou seja,
acarreta maior aumento na renda da economia, do
que a ação da política fi scal do Governo via redução da
carga tributária.
Mas fi ca uma pergunta: de que maneira poderia
o aumento do investimento do Governo infl uenciar
no aumento da renda da economia? Respondendo
a essa indagação, Keynes descobriu o elemento que
denominou de efeito multiplicador, pelo qual um
aumento do investimento causaria um aumento
da renda correspondente a (k=1/s * o aumento do
investimento), sendo que k é o multiplicador e s é
a propensão marginal a poupar da economia. No
contexto de uma recessão econômica e do exercício,
pelo Governo, de uma política fi scal expansionista, o
multiplicador é assim explicado por Singer (1.996:46):
“As compras adicionais do governo proporcionam
receitas adicionais às empresas vendedoras, que as
usam para pagar matérias-primas e salários e distribuir
lucros; os agentes que obtêm estas rendas adicionais
usam ao menos parte delas para comprar bens de
produção (as empresas) e de consumo (os indivíduos).
Estas novas compras dão lugar a novas receitas e
ainda a novas compras, etc. Este é o mecanismo do
multiplicador da demanda”.
Por exemplo, vamos supor que a propensão marginal
a consumir (c) seja de 0,6, a renda da economia seja de
y=500, e o nível de investimento fosse de i=200. Caso
o investimento aumentasse em 70, de quanto seria a
nova renda de equilíbrio da economia?
Assim, se temos que c=0,6, s=0,4, pois c+s=1.
O multiplicador k=1/s seria k=1/0,4=2,5, ou seja, o
multiplicador dessa economia é de 2,5; assim, caso
‘‘
‘‘
O investimento produtivo
só seria racional se a efi cácia
marginal do capital fosse
maior do que a taxa de juros.
Caso contrário, o empresário
capitalista preferiria investir
em títulos da dívida pública
do Governo remunerados pela
taxa de juros do que arriscar
seu capital no investimento
produtivo.
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haja um aumento do investimento de 70, a renda da
economia aumentaria de 70*2,5=175. Logo a nova
renda de equilíbrio da economia seria aquela de antes
do aumento do investimento, 500 + 175 = 675.
Convém ressaltar que, no caso de haver uma
redução do montante do investimento também de 70, a
renda de equilíbrio da economia, ao invés de aumentar
em 175 unidades monetárias, iria diminuir em 175,
passando a ser de 500-175=325. Isto poderia ocorrer
no caso de, num momento de excessiva expansão
da oferta do ciclo econômico, em que exista risco de
infl ação, o Governo resolver combatê-la reduzindo os
gastos públicos e a demanda agregada, numa tentativa
de conter a escalada dos preços.
Tanto na fase expansionista quanto na contracionista
do ciclo econômico, o Governo pode atuar na política
fi scal aumentando ou reduzindo a carga tributária
sobre a economia e, também, fazendo o mesmo em
relação aos seus gastos. Na fase expansionista, na
qual pode ocorrer infl ação, o Governo pode aumentar
a carga tributária para conter o investimento e,
até, causar uma pequena recessão, para “esfriar” a
economia, além de reduzir os dispêndios públicos.
No período contracionista, pode fazer o contrário, ou
seja, reduzir a tributação para estimular o investimento
e aquecer a economia, além de aumentar os gastos
públicos. Essa combinação de redução da tributação,
com menor receita pública, e aumento das despesas
públicas, para combater a recessão, provoca elevação
da dívida e do défi cit públicos, e foi o que o Governo
brasileiro fez durante a crise de 2.008/2.009 para conter
o desemprego. Foi o caso da retirada da incidência
do IPI na fabricação dos automóveis, o que manteve
os empregos dos metalúrgicos trabalhadores das
indústrias automobilísticas montadoras multinacionais.
Um autor que faz referência aos instrumentos de
política econômica prescritos por Keynes para auxiliar
na reativação da economia quando da ocorrência de
depressão é Eaton (1.958:157), o qual nos informa que
“De um modo geral, são de quatro tipos os remédios
keynesianos: I – Aumento da capacidade do consumo
popular, para assim manter a procura de mercadoria; II
– Controle das inversões; III – Uso dos gastos públicos
para aumentar a atividade econômica; IV – Aumento
da propensão a consumir pela redistribuição da renda
em favor dos grupos de renda mais baixa.” Desta
forma, podemos sintetizar os remédios keynesianos
para combater a depressão econômica, como sendo
a recuperação da demanda agregada da economia
pela redistribuição, às camadas menos favorecidas da
população, dos recursos provenientes da tributação
progressiva dos ricos, e o incremento do investimento,
da renda e do nível de emprego por intermédio do
aumento das despesas do Governo.
Pela argumentação exposta, pode-se concluir que
a intervenção do Estado na economia de mercado
capitalista propugnada por Keynes não é no sentido de
o Estado atuar no sistema econômico como produtor
direto de bens e serviços, ou seja, como Estado
“empresário”, proprietário e administrador de empresas
produtoras dos mencionados bens e serviços, e sim
como regulador do investimento mediante o exercício
das políticas fi scal e monetária, com a fi nalidade de
tentar compatibilizar a demanda agregada com a
oferta agregada, de modo a atenuar os problemas mais
graves que ocorrem no sistema capitalista, que são a
infl ação e o desemprego. Caso o Estado negligencie o
desempenho da sua função reguladora, estabilizadora,
do sistema econômico capitalista, não exercendo, da
maneira apropriada, as políticas fi scal e monetária antes
mencionadas, as conseqüências serão deletérias para a
sociedade, assim como aconteceu na crise econômico-
fi nanceira ocorrida no ano de dois mil e oito, a qual
propagou seus efeitos para as principais economias do
mundo capitalista.
5 – Considerações Finais:
Por fi m, cabe destacar um importante aspecto
da teoria keynesiana levantado por Afonso (2.010),
e que constitui uma interpretação equivocada
dos postulados keynesianos, e que consiste no
juízo de que Keynes defende a política fi scal
expansionista e o incremento dos gastos públicos
em qualquer circunstância ou conjuntura econômica.
Sobre o assunto, o referido autor escreve que
“Para Keynes, a política fi scal deve assumir papéis
diversos em conjunturas diferentes, ao contrário do
senso comum que supõe que o economista defendeu
uma expansão permanente do gasto público em
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qualquer contexto. Tal situação era recomendada
para uma situação bastante específi ca: o Estado tendo
que assumir o comando da decisão de investir e de
fomentar a demanda efetiva, depois que a economia
tivesse entrado em colapso e como reação à crise”
(Afonso, 2.010:2,3).
Outro trecho em que o autor supracitado faz
referência ao mesmo assunto é o a seguir transcrito:
“Entende-se que Keynes não pregou um aumento
do gasto público permanente, ou no longo prazo –
como muitos vieram a interpretar a partir de sua obra.
É correto, sim, atribuir a ele o ideal de uma política
fi scal anticíclica, em que acumula superávits na fase
de expansão do ciclo, para ampliar o gasto na fase da
depressão” (Afonso, 2.010:6).
Desta forma, pode-se concluir que, de acordo com
a fase do ciclo econômico, o caráter da política fi scal
vai variar; na fase recessiva do ciclo, será expansionista
para auxiliar a economia a sair da recessão, por meio do
incremento dos dispêndios do Governo e da redução
da tributação sobre o investimento privado, o que
vai aumentar o investimento, o nível de emprego e a
renda. Esta foi a característica que fi cou mais famosa
ou popular do receituário keynesiano. Mas este último
não se restringe a esse argumento, tanto que, na fase
expansiva do ciclo, ocorrerá o oposto: a política fi scal
será contracionista, com redução dos gastos públicos
e aumento da tributação sobre o investimento privado,
para combater a ameaça de alta generalizada dos
preços, a infl ação, a qual pode ocorrer na etapa de
expansão do ciclo econômico.
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2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/
texto/9355>. Acesso em: 13 dez. 2010.
Carlos Frederico [email protected]
Economista graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília
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Con
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O PROCESSO LEGISLATIVO
FEDERALMiguel Gerônimo da Nóbrega Netto
Doutrinados para reverenciar as normas legais
e constitucionais já prontas, os advogados, os
magistrados, os estudantes de Direito, economistas
e outros agentes vinculados à atividade jurídica,
fi nanceira e econômica dão pouca importância
ao papel desempenhado pelo Poder Legislativo,
principalmente em relação à produção e modifi cação
das normas jurídicas. Nestes termos, o presente artigo
se propõe a apresentar as fases e os procedimentos
pelos quais se submetem as proposições até
entrarem defi nitivamente no mundo jurídico, além de
dispor sobre outros institutos que compõem a função
legislativa, particularmente quanto à fi scalização
das ações das autoridades governamentais. A
importância desse assunto torna-se mais relevante
quando associado ao fato de que acabamos de
passar por um importante processo eleitoral
em que boa parte dos Deputados e Senadores
foram renovados e que eles têm a incumbência
de elaborarem as normas federais de nosso País.
A cada legislatura1, a sociedade transfere aos
novos representantes eleitos suas esperanças de
transformar o Brasil em uma Nação mais justa.
Assim, faz-se necessário compreender qual o papel
a ser desempenhado pelos congressistas, a partir
do entendimento de como se opera o sistema
legislativo. Nestes termos, ao Poder Legislativo federal
cabe elaborar as normas legais e constitucionais.
Essa importância se expande além das fronteiras da
União, uma vez que a norma federal sobrepõe-se às
estaduais e municipais no que lhe forem contrárias2.
Além disso, o Legislativo cumpre papel primordial ao
exercer a fi scalização fi nanceira, operacional, contábil,
orçamentária e patrimonial dos poderes da União.
Este estudo resumido concentra suas análises
no processo de elaboração dos diplomas jurídicos,
numa tentativa de mostrar as particularidades
desenvolvidas pelas duas Casas do Congresso
Nacional. Primeiramente, cabe defi nir em que
consiste o processo de formação do ordenamento,
entendendo-se como o conjunto de atos e regras
– iniciativa, emendamento, discussão, votação,
sanção, promulgação, publicação, veto etc –
praticados pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado Federal, bem como com a participação,
no que couber, do Presidente da República.
Para que o leitor melhor se situe neste exame
e para permitir a obtenção de mais informações
sobre a matéria, ressalta-se que a base do processo
legislativo federal encontra-se na Constituição
Federal, principalmente nos arts. 44 a 75. Mais
precisamente, nos arts. 44 a 58, a Constituição dispõe
sobre os aspectos básicos do Congresso Nacional
– composição, atribuições, limites da atuação dos
parlamentares, reuniões etc. A partir do art. 59 até
* 1 A legislatura corresponde ao período de quatro anos. Art. 44, parágrafo único, da Constituição Federal.
* 2 Art. 24, § 4º, da Constituição Federal.
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o 75, a Carta Magna estabelece as regras básicas
inerentes ao processo legislativo propriamente
dito, ao tratá-lo de forma genérica, remetendo aos
Regimentos Internos das duas Casas e do Congresso
Nacional, os detalhes sobre a tramitação das matérias3.
Além disso, em outros dispositivos, a Constituição
dispõe sobre importantes temas, como a competência
da União para legislar – arts. 22 e 24 -, e a elaboração
das leis que tratam sobre o processo orçamentário –
arts. 165 a 169 – consideradas estas, por especialistas,
como sendo as principais peças infraconstitucionais4.
O processo legislativo federal brasileiro é
organizado sob a égide de um sistema bicameral,
em que uma Casa Legislativa inicia o processo,
enquanto a outra o revisa, apresentando
também modifi cações, por meio de emendas5.
Preliminarmente, cabe apresentar aspectos
meritórios da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal. Segundo o art. 45 da Carta Magna, a Câmara
dos Deputados compõe-se representantes do povo,
eleitos segundo o sistema proporcional, em cada
unidade de federação. Atualmente, esta Casa conta com
513 parlamentares, sendo que cada Estado e o Distrito
Federal terão no mínimo oito deputados e no máximo
setenta6, eleitos para um mandato de quatro anos.
Por sua vez o Senado Federal conta com 81
Senadores (três por cada unidade da federação),
eleitos segundo o princípio majoritário, por um
período de oito anos, renovado a cada quatro
anos, alternadamente, por um e dois terços.
O objetivo do processo legislativo é a produção
de emendas à Constituição, leis complementares,
leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos
e resoluções, como resultado da aprovação das
proposições que tramitam nas diversas instâncias das
Casas legislativas. Segundo o art. 100, § 1º, do Regimento
da Câmara dos Deputados, constituem proposições
as propostas de emendas à Constituição - PECs, as
indicações, os requerimentos, os recursos, os pareceres,
as propostas de fi scalização e controle e os projetos.
Por sua vez, os projetos podem ser de lei ordinária, de
lei complementar, de decreto legislativo e de resolução.
Há distinções entre os diversos tipos de normas.
No caso das leis complementares e ordinárias,
destaca-se a característica de que as primeiras só
devem ser utilizadas como instrumento legislativo
quando a Constituição, expressamente, assim
determina. São exemplos desta particularidade
os arts. 59, parágrafo único e o art. 165, § 9º. Além
disso, os projetos de leis complementares devem
ser aprovados por maioria absoluta7 e, em regra, em
dois turnos8, ao passo que as ordinárias, por maioria
simples9 e em apenas uma rodada de discussão e
* 3 Os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados, do Senado e o Regimento Comum foram aprovados, respectivamente, pelas Resoluções
nº 17, de 1989 - CD, nº 93, de 1970 – SF e nº 1, de 1970 – CN.
* 4 Sobre a matéria orçamentária, recomenda-se observar também os mandamentos contidos no art. 35, § 2º, I a III, dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitorias – ADCT.
* 5 Emenda é a proposição apresentada como acessória de outra principal, podendo ser supressivas, aglutinativas, substitutivas, modifi cativas e
aditivas.
* 6 Por ser o Estado mais populoso do País, apenas São Paulo elege setenta deputados, por força da Lei Complementar nº 78, de 30 de dezem-
bro de 1993.
* 7 Na Câmara a maioria absoluta é representada por 257 deputados; no Senado, por 41 senadores.
* 8 Art. 148 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
* 9 Art. 47 da Constituição Federal.
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A cada legislatura, a
sociedade transfere aos
novos representantes
eleitos suas esperanças
de transformar o
Brasil em uma Nação
mais justa.
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a
votação. Uma vez rejeitadas, as matérias constantes
dos projetos não poderão ser reapresentadas na
mesma sessão legislativa, salvo manifestação de
apoio da maioria absoluta de qualquer das Casas.
Em geral, as matérias tramitam nas duas Casas
separadamente, mas há temas que devem ser
decididos em sessões ou em reuniões conjuntas, onde
se juntam os deputados e senadores em um mesmo
momento e lugar. São os casos das proposições que
tratam do orçamento federal, das delegações do
Congresso para permitir o Presidente da República
legislar10, da apreciação do veto presidencial aos
projetos de lei, da inauguração da sessão legislativa,
da posse do Presidente da República e de seu Vice,
da elaboração e modifi cação do Regimento Comum
e da promulgação das emendas à Constituição.
A primeira fase do processo legislativo
consubstancia-se com iniciativa de qualquer
parlamentar – individual ou coletivamente - ou
comissão da Câmara, do Senado ou do Congresso
Nacional, do Presidente da República, do Supremo
Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, do
Procurador-Geral da República e dos cidadãos, na
forma e nos casos previstos na Carta Magna11 - para
os projetos de lei ordinárias e complementares.
No caso das propostas de emenda à Constituição,
caberá ao Presidente da República, às Assembléias
Legislativas e a um terço de Deputados ou
Senadores12 darem partida ao processo.
Por força do art. 64, caput13, da Constituição,
a maioria dos projetos de lei14 iniciam-se pela
Câmara dos Deputados. Além disso, os projetos de
iniciativa popular e as medidas provisórias também
têm ingresso prioritário por esta Casa legislativa.
Ao receber as proposições, os Presidentes
da Câmara ou do Senado, interessados em dar
encaminhamento às matérias, fazem a distribuição às
Comissões – permanentes15 ou temporárias16 – para
que essas possam emitir suas avaliações mediante a
apresentação de um parecer17. Estas desempenham
papel primordial na tramitação, principalmente pela
inovação instituída pela Carta de 1988, ao estabelecer
poder conclusivo para os projetos de lei ordinária. Esta
prerrogativa trata da dispensa do pronunciamento
do Plenário das respectivas Casas legislativas, ao
* 10 Art. 68 da Constituição Federal.
* 11 Art. 61 da Constituição Federal.
* 12 Art. 60, I a III, da Constituição Federal.
* 13 A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores
terão início pela Câmara dos Deputados.
* 14 Os projetos de lei podem ser: ordinária e complementar. Art. 109 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
* 15 Comissões permanentes são as de caráter técnico-legislativo ou especializado integrantes da estrutura institucional da Casa a que pertença,
agentes do processo legislativo, com diversas competências constitucionais e regimentais. Art. 22, I, do Regimento da Câmara.
* 16 Entende-se por comissões temporárias as criadas para apreciar determinado assunto, que se extinguem ao término da legislatura, ou antes,
quando alcançado o fi m a que se destinam ou expirado seu prazo de duração. Art. 22, II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
* 17 Parecer é a proposição com que uma Comissão se pronuncia sobre qualquer matéria sujeita a seu estudo. Art. 126, caput, do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados.
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O objetivo do processo
legislativo é a produção de
emendas à Constituição,
leis complementares, leis
ordinárias, leis delegadas,
decretos legislativos
e resoluções, como
resultado da aprovação das
proposições que tramitam
nas diversas instâncias das
Casas legislativas.
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concentrar os debates e as deliberações no âmbito
das comissões, dando mais celeridade ao processo.
Após toda a tramitação no âmbito da Câmara e do
Senado, os projetos de lei ordinária e complementar
– estatisticamente, são os projetos mais utilizados
na práxis legislativa – seguem para avaliação do
Presidente da República. Cabe ao Chefe do Poder
Executivo sancionar, promulgar e publicar o
instrumento legislativo. Caso considere o projeto ou
parte dele inconstitucional ou contrário ao interesse
público, poderá vetá-lo total ou parcialmente,
conforme o caso, informando ao Presidente do
Senado Federal18 em que consiste as suas restrições.
O veto deverá ser apreciado pelos membros
do Congresso Nacional, em sessão conjunta, que
somente será rejeitado pela maioria absoluta
dos Deputados e Senadores, em votação secreta.
Para facilitar a visualização e o entendimento
de como se procede a tramitação legislativa
federal, apresenta-se, a seguir, um fl uxograma
constitucional com as diversas fases percorridas
pelos projetos de lei ordinária e complementar.
Além da criação de leis19, o Legislativo pode
modifi car as normas em vigor, com destaque para as
alterações na Lei Maior, devendo, para isso, observar
determinados procedimentos, sem os quais as
tentativas de mudanças no texto constitucional
tornam-se improdutivas. Segundo o art. 60 da própria
Constituição, além de dois turnos20, serão necessários
pelo menos três quintos de votos favoráveis dos
membros de ambas as Casas21 para a aprovação da
proposta. Além disso, a Constituição não poderá ser
emendada na vigência de intervenção federal, de
estado de defesa ou de sítio22. Também não serão
admitidas propostas tendentes a abolir a forma
federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal
e periódico, a separação dos poderes e os direitos
e garantias individuais23 - cláusulas pétreas. Caso a
proposição tenha sido rejeitada ou prejudicada, não
* 18 O Presidente do Senado Federal é também o Presidente da Mesa do Congresso Nacional.
* 19 Lei em sentido genérico, pois esse é um dos tipos de normas que formam o ordenamento jurídico nacional.
* 20 Cada turno é constituído de discussão e votação. Art. 149, caput, do Regimento da Câmara.
* 21 Na Câmara, 308 votos; no Senado 49.
* 22 Art. 60, § 1º, da Constituição.
* 23 Art. 60, § 4º, da Constituição.
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será admitida a apresentação de nova proposta na
mesma sessão legislativa24 . É de salientar que as PECs são
promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal, em sessão conjunta e solene25.
Instrumento legislativo de grande utilidade para o
Presidente da República são as medidas provisórias,
recurso que deveria ser utilizado apenas em caso de
relevância e urgência. Meio de grandes controvérsias
e discussões, trata-se de uma proposição que, uma
vez adotada, passa a ter força de lei, até ser apreciada
defi nitivamente pelas Casas legislativas. Grande
avanço foi alcançado pelo advento da Emenda
Constitucional nº 32, de 2001, que apresentou
importantes modifi cações quanto a sua adoção,
como a observância do prazo de sua vigência -
sessenta dias, permitida apenas uma prorrogação
por igual período, eliminando de vez o artifício das
intermináveis reedições -, sem a qual a medida perde
a sua validade. Também as vedações para tratar
sobre determinados assuntos mostrou-se de grande
utilidade para inibir abusos no tratamento legislativo
de determinadas matérias. Dessa maneira, não mais
poderão ser reeditadas ilimitadamente, nem poderão
dispor, por exemplo, sobre a detenção ou seqüestro
de poupança popular. Após a aprovação da medida
provisória o instrumento tornar-se uma lei ordinária.
Em consonância com as regras democráticas
instituídas pela Carta promulgada em 5 de outubro
de 1988, possibilitou-se ao cidadão exercitar a
democracia direta26 mediante a apresentação de
projeto de lei ordinária. Infelizmente as barreiras
a serem transpostas para o efetivo exercício desta
prerrogativa têm tornado o instrumento pouco
prático, uma vez que é necessária a reunião de um
por cento de assinaturas do eleitorado nacional –
cerca de 1.350.00027 -, distribuídas em pelo menos
cinco unidades da federação, com não menos de
três milésimos de assinaturas em cada um deles.
Sensíveis a essa realidade, as Casas legislativas
têm colocado à disposição dos cidadãos outras
alternativas. Para isso, a Câmara dos Deputados
criou a Comissão de Legislação Participativa, bem
como a Ouvidoria Parlamentar com o objetivo de
receber propostas e sugestões que possam vir a
serem adotadas pela Casa representativa do povo.
Além da competência para legislar, o Parlamento
vale-se de poder para fi scalizar e investigar as ações
das autoridades públicas. Um dos instrumentos mais
conhecidos consiste na instituição de Comissões
Parlamentares de Inquérito, mais conhecidas como
CPIs. Elas podem ser criadas no âmbito da Câmara, do
Senado ou reunindo em uma só comissão deputados
e senadores – as mistas. Têm poderes próprios de
investigação das autoridades judiciais - somente de
investigação -, para apurarem fatos determinados em
prazos defi nidos – em regra por 120 dias, podendo
ser prorrogado por até mais sessenta28. Para que o
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Instrumento legislativo
de grande utilidade
para o Presidente
da República são as
medidas provisórias,
recurso que deveria ser
utilizado apenas em caso
de relevância e urgência.
* 24 As sessões legislativas podem ser ordinárias e extraordinárias. As primeiras compreendem o período de 15 de fevereiro a 30 de junho e 1º de agosto a 15 de dezembro. As extraordinárias, no intervalo desses períodos.* 25 Art. 60, § 3º, da Constituição, combinado com o art. 85 do Regimento Comum.* 26 Segundo o art. 14, I a III, a democracia direta pode ser exercida por meio de plebiscito, referendo e iniciativa popular.* 27 Para as eleições de 2010 estavam registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral 135.804.433 eleitores.* 28 A jurisprudência tem permitido o funcionamento das CPIs até o encerramento da legislatura.
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Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto
Economista e Advogado. Servidor da Câmara dos Deputados,
ex-Chefe de Gabinete de Liderança partidária. Atual assessor da
Diretoria Legislativa, professor de processo legislativo em cursos
regulares e de pós-graduação junto do Centro de Formação,
Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara e em outras instituições
de ensino superior. É autor de cinco livros sobre o assunto e
elaborador e editor do Programa da Rádio Câmara intitulado
Conheça o Processo legislativo.
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seu uso não seja banalizado, devem ser cumpridas
determinadas exigências para a sua instituição, como o
apoio de um terço dos parlamentares – 171 assinaturas
na Câmara ou 27 no Senado. Aprovam um relatório
fi nal que deverá ser encaminhado, conforme o caso, ao
Ministério Publico para promover a responsabilidade
civil ou criminal por infrações apuradas, bem como
outras, em função de sua competência institucional,
ao Poder Executivo para as providências saneadoras
de caráter disciplinar e administrativo, e aos
demais órgãos pertinentes do Congresso Nacional.
Ainda no âmbito da competência constitucional
de fi scalização, o art. 70 da Constituição Federal
dispõe que cabe ao Congresso Nacional a
incumbência da fi scalização contábil, fi nanceira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União
e das entidades da administração direta e indireta,
quanto à legalidade, legitimidade e economicidade.
Para isso, o Poder Legislativo federal conta com
auxílio do Tribunal de Contas da União que pode
realizar por iniciativa própria ou das Casas do
Congresso Nacional, inspeções e auditorias em
qualquer órgão federal da Administração Pública.
É notória a grandeza, a importância e a
complexidade do processo legislativo federal.
Acima de tudo, viabiliza práticas democráticas
que levam ao exercício da cidadania mediante
um mosaico de medidas e possibilidades. Com o
esforço das autoridades, dos cidadãos e de seus
representantes, o aperfeiçoamento do Legislativo
deve ser perseguido para que este Poder possa
aprimorar, a cada dia, o seu papel institucional da
maneira mais transparente possível para satisfazer os
interesses dos cidadãos nas áreas social e econômica.
Rev
ista
de C
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ntur
a
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429
3964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364
E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.br
O Corecon/DF defende os
interesses da categoria e
trabalha pela valorização dos
economistas.
Mas, para que esta luta seja
bem-sucedida, é importante
a participação de todos.
Visite o seu Conselho.
Critique. Dê sugestões.
Participe! A conquista é de todos.
Não quebre a corrente!
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