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RDA | Ano X | Nº 19 | 394p | Nov 14 Revista de Direito da ADVOCEF Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

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RDA | Ano X | Nº 19 | 394p | Nov 14

Revista de Direitoda ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados

da Caixa Econômica Federal

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Capa: Marcelo TorrecillasEditoração Eletrônica: José Roberto Vazquez ElmoPreparadora de Originais: Simone Diefenbach BorgesTiragem: 2.300 exemplaresPeriodicidade: semestralImpressão: Athalaia Gráfica e EditoraSolicita-se Permuta

Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre, ADVOCEF, v.1, n.19, 2014

SemestralISSN: 1808-5822

1. Advogado. 2. Direito. 3. Legislação. 4. Banco. I. Associação Nacional dosAdvogados da Caixa Econômica Federal. II. Título.

343.03343.8103

ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Salas 510 e 511Edifício João Carlos Saad, CEP 70070-120Fones (61) 3224-3020 e [email protected]

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DIRETORIA EXECUTIVA DA ADVOCEF

PresidenteÁlvaro Sérgio Weiler Júnior (Porto Alegre)

Vice-PresidenteMaria Rosa de Carvalho Leite Neta (Fortaleza)

1ª TesoureiraMarta Bufaiçal Rosa (Brasília)

2º TesoureiroJosé de Anchieta Bandeira Moreira Filho (Belém)

1º SecretárioEduardo Jorge Sarmento Mendes (Brasília)

2º SecretárioMagdiel Jeus Gomes Araújo (João Pessoa)

Diretor de Relacionamento InstitucionalCarlos Antonio Silva (Brasília)

Diretor de Comunicação Social e EventosHenrique Chagas (Presidente Prudente/SP)

Diretor de HonoráriosMarcelo Quevedo do Amaral (Novo Hamburgo/RS)

Diretor de Negociação ColetivaMarcos Nogueira Barcellos (Rio de Janeiro)

Diretor de PrerrogativasJustiniano Dias da Silva Júnior (Recife)

Diretor JurídicoRenato Luiz Harmi Hino (Curitiba)

Diretora SocialRoberta Mariana Barros de Aguiar Corrêa (Rio de Janeiro)

CONSELHO EXECUTIVO DA REVISTA

Altair Rodrigues de PaulaHenrique ChagasPatrícia Raquel Caíres Jost GuadanhimRoberto Maia

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Membros EfetivosDavi Duarte (Porto Alegre)Carlos Castro (Recife)Marcelo Dutra Victor (Belo Horizonte)Patrícia Raquel Caires Jost Guadanhim (Londrina)Antônio Xavier de Moraes Primo (Recife)Fernando da Silva Abs da Cruz (Porto Alegre)Dione Lima da Silva (Porto Alegre)Membros SuplentesÉlida Fabrícia Oliveira Machado Franklin (Teresina)Anna Claudia de Vasconcellos (Florianópolis)Luiz Fernando Schmidt (Goiânia)

CONSELHO DELIBERATIVO

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA

Alaim Giovani Fortes StefanelloDoutor em Direito Econômico e Sociobambiental PUC/PR.Mestre em Direito Ambiental - UEA/AM. Vice-presidente daComissão de Direito Ambiental da OAB-PR.

Antonio Carlos FerreiraMinistro do Superior Tribunal de Justiça. Ex-Diretor Jurídico daCaixa Econômica Federal. Ex-Presidente do Conselho da Escolade Advocacia da Universidade Caixa.

Bruno Queiroz OliveiraDoutorando em Direito Constitucional pela Unifor. Mestre emDireito Público pela Universidade Federal do Ceará. Conselheiroda OAB/CE. Presidente da Comissão de Reforma do CódigoPenal da OAB-CE. Membro titular do Comitê de Prevenção eCombate à Tortura no Estado do Ceará.

Davi DuarteEspecialista em Direito Público pelo Centro de EstudosFortium/Faculdade Projeção-DF.

Iliane Rosa PagliariniMestre em Direito Processual e Cidadania pela UniversidadeParanaense - UNIPAR. Especialista em Direito Tributário pelaUniversidade da Amazônia.

João Pedro SilvestrinDesembargador do Trabalho no TRT da Quarta Região.Pós-graduado em Direito e Economia e da Empresa pelaFundação Getúlio Vargas e Especialista em Direito do Trabalho,Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário - UNISC.

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Membros EfetivosAdonias Melo de Cordeiro (Fortaleza)Alfredo Ambrósio Neto (Goiânia)Melissa Santos Pinheiro Vassoler Silva (Porto Velho)Membros SuplentesEdson Pereira da Silva (Brasília)Rogério Rubim de Miranda Magalhães (Belo Horizonte)

CONSELHO FISCAL

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 11

PARTE 1 – ARTIGOS

Responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vidado produto prevista na Lei nº 12.305/2010 – PolíticaNacional de Resíduos Sólidos – repercussões naresponsabilidade pós-consumo

Vera Regina Hippler................................................................. 13

Da irrelevância da ordem de termos na cláusulamandatícia para receber e dar quitação

Luís Gustavo Franco ................................................................. 49

O protesto extrajudicial e suas inconstitucionalidadesMartiane Jaques La-Flor .......................................................... 65

Do periculum in mora inverso (reverso)Reis Friede ................................................................................ 89

A questão do dano moralCarolina Mello Suave e Danielle Caroline Silva ................... 127

Cessão fiduciária de direitos creditórios narecuperação judicial

Eduardo Araujo Bruzzi Vianna ............................................. 153

A desconsideração da personalidade jurídica.Reflexões acerca da afirmação histórica da pressuposiçãode personalidade jurídica como meio para imputaçãode responsabilidade dos sócios

José Gabriel Boschi ................................................................. 179

Recursos prematuros nos Tribunais SuperioresJosé Linhares Prado Neto ...................................................... 197

Da TR como índice de correção monetária naJustiça do Trabalho

Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza ........................ 229

O atual papel do Ministério Público do Trabalho brasileirona efetivação dos princípios da prevençãoe da precaução no meio ambiente do trabalho

Jeremias Pinto Arantes de Souza .......................................... 243

Medicamentos com isonomiaNanaidê Fidalgo Souza ......................................................... 263

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SUMÁRIO

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PARTE 2 – JURISPRUDÊNCIA

Superior Tribunal de JustiçaRecurso repetitivo. Expurgos inflacionários. Caderneta depoupança. Cumprimento de sentença. Exibição de extratosbancários. Astreintes. Descabimento. Coisa julgada.Inocorrência ........................................................................... 283

Superior Tribunal de JustiçaRecurso repetitivo. Cancelamento de protesto extrajudical.Ônus do cancelamento do protesto legitimamenteefetuado do devedor. Art. 2º da Lei n.9492/1997 ............... 293

Superior Tribunal de JustiçaRecurso repetitivo. Alienação fiduciária em garantia. Açãode busca e apreensão. Decreto-lei n. 911/1969. Alteraçãointroduzida pela Lei n. 10.931/2004. Purgação da mora.Impossibilidade. Necessidade de pagamento daintegralidade da dívida no prazo de 5 dias após aexecução da liminar ............................................................... 311

Superior Tribunal de JustiçaRecurso repetitivo. Previdência privada. Plano de benefíciossubmetido à LC 108/2001, já operante por ocasião do adventoda Lei. Vedação de repasse de abono e vantagens de qualquernatureza para os benefícios em manutenção. Concessão deverba não prevista no regulamento do plano de benefícios deprevidência privada, ainda que não seja patrocinado porentidade da administração pública. Impossibilidade ............ 337

Superior Tribunal de JustiçaRecurso repetitivo. SFH. Saldo residual. Ausência decobertura pelo FCVS. Responsabilidade do mutuário ......... 359

Tribunal Superior do TrabalhoAção civil pública. CEF. Correspondentes bancários. Casaslotéricas. Equiparação às agências bancárias e a postos deatendimento para efeito de segurança. Inviabilidade.Lei n. 7.102/83. Vigilância armada ........................................ 373

PARTE 3 – NORMAS EDITORIAIS DE PUBLICAÇÃO .............................. 389

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APRESENTAÇÃO

Oferecemos à comunidade jurídica brasileira mais uma ediçãoda Revista de Direito da ADVOCEF.

Editada desde 2005 pela Associação Nacional dos Advogadosda Caixa Econômica Federal, a obra é distribuída aos advogadosda CAIXA, às universidades e aos órgãos do Poder Judiciário, alémde entidades associativas da advocacia.

Com renovado orgulho, este número é lançado, uma vez mais,na casa do advogado brasileiro, o Conselho Federal da OAB, palcode tantos e tão representativos episódios da vida nacional.

As páginas que seguem ilustram mais do que a profusão dosaber de seus autores. Os trabalhos publicados revelam, com pro-fundidade e proficiência, assuntos atuais, polêmicos ou inovado-res, primando pela diversidade de pensamentos e multiplicidadede formas.

Advogados integrantes dos quadros da CAIXA, acompanha-dos por representantes da magistratura e da advocacia liberal, dou-tores, mestres e especialistas, todos em conjunto conferem à publi-cação o brilho único de uma composição plural. A Revista buscatanto fomentar o debate acadêmico quanto abrir espaço para aparticipação crescente dos advogados militantes, que têm na ativi-dade forense a máxima externalização do desempenho profissio-nal.

Além da circulação na forma impressa, a ADVOCEF mais umavez inova e valoriza as novas gerações de profissionais. A partirdesta edição, a entidade amplia os meios de divulgação da Revistapara as plataformas mais atuais, em sintonia com uma advocaciamoderna e que valoriza os meios digitais como ferramental para aeficiência e a constante atualização de seus exercentes.

Recebam, nossos leitores, mais este número e desfrutem de boaleitura.

Diretoria Executiva da ADVOCEF

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PARTE 1

ARTIGOS

PARTE 1

ARTIGOS

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1313131313Revista de Direito da ADVOCEF – Ano X – Nº 19 – Nov 14

RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

Responsabilidade compartilhada pelociclo de vida do produto prevista na

Lei nº 12.305/2010 – Política Nacionalde Resíduos Sólidos – repercussões na

responsabilidade pós-consumo1

Vera Regina HipplerAdvogada da CAIXA no Rio Grande do Sul

Mestre e doutora em Direito do Estado pela PUC-SPsubárea de concentração Direito Administrativo

Especialista em Direito Constitucional pela UNIFIA/SP

RESUMO

Este esboço trata da responsabilidade compartilhada pelociclo de vida do produto definida pela Política Nacional de ResíduosSólidos – Lei nº 12.305/2010, como o conjunto de atribuiçõesindividualizadas e encadeadas dos fabricantes, dos importadores,dos distribuidores e dos comerciantes, dos consumidores e dostitulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo deresíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos erejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados àsaúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo devida dos produtos. A proposta é tratar a responsabilidadecompartilhada e a responsabilidade pós-consumo como sistemasde responsabilidade diferenciados e enxergar a responsabilidadepós-consumo como uma responsabilidade de retaguarda cujomomento de incidência objetiva reequilibrar o sistema. Porderradeiro, afigura-se a situação jurídica almejada ou ponto ótimona gestão compartilhada de resíduos: a não incidência daresponsabilidade pós-consumo.

Palavras-chave: Resíduos sólidos. Ciclo de vida do produto.Responsabilidade compartilhada. Responsabilidade pós-consumo.

1 Este artigo é um esboço rudimentar da nossa tese de doutorado defendidana PUC-SP em 13 de junho de 2013, intitulada: Contornos jurídicos da res-ponsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto prevista na Lei12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos – repercussões na res-ponsabilidade pós-consumo, sob a orientação do professor Carlos AriSundfeld.

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VERA REGINA HIPPLER ARTIGO

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ABSTRACT

This paper examines the shared responsibility for productlife cycles defined by the National Policy on Solid Waste, Law 12,305/2010, as a set of individual or collective responsibilities enjoyed bymanufacturers, importers, distributors, retailers, consumers, andpublic waste management agencies, in order to minimize thevolume of solid waste and refuse as well as to reduce the publichealth and environmental impact throughout a product’s life cycle.The paper proposes to treat the shared responsibility and thepost-consumption responsibility as distinct systems ofresponsibilities in which the post-consumption responsibility is seenas a responsibility of last resort, as a tool to restore balance to thesystem. Lastly, the paper concludes that the desirable legal position,the ultimate goal for the shared responsibilities of solid waste, isto avoid the use of post-consumer responsibility.

Keywords: Solid waste. Product life cycles. Shared responsi-bility. Post-consumption responsibility.

Introdução

A concentração das populações nas cidades (quase metade dapopulação mundial vive atualmente em áreas urbanas e a estimati-va é que em 2050 tal cifra chegue a 65%, e nas regiões mais pobresdo planeta) traz consequências como a urbanização exacerbada edesordenada com aumento do desemprego e da pobreza, defici-ência de infraestrutura e de serviços públicos e degradaçãoambiental. Para manter a qualidade do meio ambiente ecologica-mente equilibrado2 (inclui a qualidade da vida3) e lograr o desen-volvimento sustentável, a gestão ambientalmente racional dos re-síduos comparece como questão central. Vários são os fatores queafetam a produção de resíduos. O aumento da população é umdeles, mas não o único. O aumento da renda e, consequentemente,de consumo também leva a maior geração de resíduos. Também

2 Conforme determina o art. 225, caput, da Constituição Federal/88. “Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bemde uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se aoPoder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para aspresentes e futuras gerações.”

3 Indiferentemente se humana, animal ou vegetal, em decorrência da previ-são do art. 225, § 1º, inc. VII, da CF/88, porque em se tratando de meioambiente tudo está inter-relacionado. “Art. 225. [...] § 1º - Para assegurar aefetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VII - proteger afauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em riscosua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam osanimais a crueldade.”

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

mudanças sociais, como menor número de pessoas por domicí1io,que demanda uso de determinados produtos como mobiliário,equipamentos domésticos, aumentando a geração de resíduos percapita; a preferência maior por itens descartáveis – as famigeradassacolas plásticas, pratos, copos e fraldas, passando pelas embala-gens ditas secundárias, que nada agregam em proteção ao produ-to –; e a obsolescência tecnológica programada4, prática das em-presas produtoras de bens que torna a durabilidade dos objetosmenor e faz com que o conserto seja mais caro que a compra de umnovo produto. No enfrentamento dessa questão de manejo de re-síduos, os países têm publicado leis que obrigam os produtores aatentar para as externalidades negativas geradas pelos produtosque fabricam, obrigando-os a reinserir no mercado o que remanescedo produto que ainda possa ser reutilizável ou reaproveitável apóso seu uso pelo consumidor ou dar-lhe a disposição adequada, comoem aterros controlados, por exemplo.5

No Brasil, constata-se, há muito, uma crise de efetividade naaplicação das normas de proteção ambientais geratriz de certa frus-tração ambiental (ANDRADE, 2009; BARROSO, 2003), já que naquestão do trato dos resíduos (o lixo nosso de todos os dias) a fer-ramenta de gestão tradicionalmente empregada pelo Poder Públi-co é a técnica do comando e controle, de cunho corretivo e repres-sivo e que não é suficiente para coibir danos ao meio ambiente.Consequência dessa frustração é a perda de funcionalidade da clas-sificação tradicional da responsabilidade cumulativa civil, adminis-trativa e penal pelas condutas e atividades lesivas ao meio ambien-te de cunho ressarcitório e repressivo na gestão do risco ambiental(YOSHIDA, 2012). Para tentar sanar a sensação de que as normasambientais estão descoladas da realidade e não se materializam

4 O tema da obsolescência programada foi recentemente analisado pelo Su-perior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do REsp 984.106/SC, rel.min. Luis Felipe Salomão, j. 04.10.2012. 4.ª Turma. Inteiro teor do acórdãoestá disponível na página do Tribunal. Divulgado no Informativo do STJ n.506. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp>. Acesso em:26 fev. 2013.

5 De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente(PNUMA), em publicação conjunta com o centro GRID-Arendal (UNEP, 2006),“[...] a vida útil de vários produtos está diminuindo. Cerca de 80% do que éfabricado é descartado em até seis meses após a produção. Os produtoscontêm mais componentes de curta vida útil e estes em geral têm umabiodegradabilidade mais difícil do que antes. Tudo isso complica a formacomo os produtos são processados quando se tornam resíduo”. Quer dizer:para alguns produtos o ciclo da gestão de resíduos é mais longo do que o ciclode vida de muitos produtos. Disponível em: <http://www.grida.no/files/publications/vital-waste2/VWG2_p20and21.pdf>. Acesso em: 27 out. 2012.

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em proveitos reais e visíveis para os cidadãos6, o legislador brasilei-ro cunhou na Lei 12.305/2010 - Política Nacional de Resíduos Sóli-dos – PNRS um conceito inovador7 ao lado das já conhecidas res-ponsabilidade individualizada e responsabilidade solidária, a cha-mada responsabilidade compartilhada, com o objetivo de entrela-çar as responsabilidades de todos os geradores de resíduos sóli-dos8, mas dividi-las nos limites de atuação de cada partícipe citadona lei. Referida lei constitui o marco legal para os resíduos sólidos einclui-se como um dos instrumentos jurídicos que tentam superar aantagônica relação entre progresso material e meio ambiente, coma adoção pelo legislador de preceito da chamada economia circu-lar9, em razão de a norma considerar a relação entre os usos dosrecursos e a consequente reinserção e descarte dos mesmos na ca-deia produtiva.

6 Situação visível pela prática funesta de ainda se depositar de forma inade-quada os resíduos em lixões causadores de todo tipo de poluição: do solo, doar, das águas subterrâneas etc. Para saber mais sobre resíduos e a sociedadede risco – a chamada sociedade pós-industrial –, ler Beck (2010).

7 O termo inovador deve ser lido com ressalvas. Antes da promulgação da PNRS,havia diplomas outros que atribuíam aos fornecedores a responsabilidade pelorecolhimento das embalagens e demais resíduos gerados em razão da utiliza-ção de determinados produtos, tais como a Lei nº 7.802/1989, que dispõe sobreagrotóxicos, a Lei nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para sa-neamento básico e dispõe brevemente sobre resíduos sólidos, e as Resoluçõesdo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que disciplinam a destinaçãode pneus inservíveis, óleos lubrificantes, pilhas e baterias, entre outros, e aindaregramentos estaduais e municipais. Um grande volume de normas dispersas.Para saber sobre a tipologia dos resíduos, a legislação e normas brasileirasaplicáveis a cada tipo ver: Guia para Elaboração dos Planos de Gestão de Resídu-os Sólidos. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/srhu_urbano/_ar-quivos/guia_elaborao_plano_de_gesto_de_resduos_rev_29nov11_125.pdf>.Acesso em: 31 jan. 2012.

8 “Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX - geradores deresíduos sólidos: pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado,que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído oconsumo; [...] XV - rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas todasas possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicosdisponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidadeque não a disposição final ambientalmente adequada; XVI - resíduos sólidos:material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividadeshumanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proce-der ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bemcomo gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades torneminviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água,ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em faceda melhor tecnologia disponível.”

9 Economia circular contrapõe-se a economia linear, visto que esta última nãoconsidera dentro do processo de produção a reinserção e descarte dos resíduos.

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

A lei trata o resíduo sólido com um bem socioambiental10 epropõe uma desconstrução semântica do significado do termo lixopara requalificar o que a sociedade moderna tem rotulado comomateriais inúteis, respondendo contrariamente a uma lógica dedescartabilidade legitimadora do surgimento de montanhas derefugos.

1 Direito comparado – a chamada responsabilidade alargadado produtor

A gestão dos resíduos é considerada pelo Programa das Na-ções Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), no relatório “Rumoa uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento susten-tável e a erradicação da pobreza”, um dos setores-chave para in-vestimentos na transição da atual “economia marrom” para a “eco-nomia verde”, definida como “aquela que resulta na melhoria dobem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo quereduz significativamente os riscos ambientais e as carências ecoló-gicas”.11 Nesse documento, o PNUMA recomenda expressamente aadoção de uma responsabilidade alargada do produtor, extendedproducer responsability.12 A Organização para a Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE)13 define essa responsabilidadecomo

10 “Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: [...] VIII - oreconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bemeconômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor decidadania”.

11 Disponível em: <http://www.pnuma.org.br/comunicados_detalhar.php?id_comunicados=125>. Acesso em: 11 out. 2012.

12 Termo cunhado por pelo sueco Thomas Lindhqvist, que, em sua tese dedoutoramento de 2000, Extended Producer Responsibility in CleanerProduction, define a responsabilidade alargada do produtor como “um prin-cípio estratégico para promover aperfeiçoamentos ambientais em todo ociclo de vida dos sistemas de produtos, por meio da extensão das responsa-bilidades do fabricante do produto para várias partes de todo o ciclo de vidado produto e, especialmente, para o recolhimento, a reciclagem e a disposi-ção final do produto” (LINDHQVIST, 2000 apud MOREIRA, 2013, p. 112-113).Nos EUA, o termo tem se convencionado chamar extended productresponsibility. É de Thomas Lindhqvist e de Karl Lidgren a expressão “doberço ao túmulo” (from cradle to grave), hoje corrente para ilustrar a di-mensão que se quer dar à responsabilidade do produtor.

13 A OCDE publicou um manual sobre o tema em 2001: OECD. ExtendedProducer Responsibility: A Guidance Manual for Governments. Paris: OECDPublishing, 2001. Disponível em: <http://www.oecdbookshop.org/oecd/display.asp?lang=EN&sf1=identifiers&st1=972001041p1>. Acesso em: 11out. 2012.

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uma abordagem ambiental estratégica em que a res-ponsabilidade do produtor pelo produto é estendida aoestágio pós-consumo do ciclo de vida do produto. Umapolítica de Responsabilidade Estendida do Produtor écaracterizada por: (1) alteração da responsabilidade (fí-sica e/ou econômica; total ou parcial) em direção ao pro-dutor e afastando-se das municipalidades; e (2) provi-são de incentivos aos produtores para que levem emconta considerações ambientais no design de seus pro-dutos.14

No âmbito europeu, a Diretiva 2008/98/CE, que estabeleceu oenquadramento legal para o tratamento dos resíduos em geral,tendo em vista todo o ciclo dos resíduos, desde a geração até odescarte, com ênfase na sua valorização e reciclagem, encampouesse conceito. Trata-se de proposta que desafia a ideia tradicionalde que o fabricante só tem a preocupação com um dos sentidos dacadeia de produção e consumo: aquela que inicia com a fabrica-ção do bem, passa pela sua distribuição e termina com o consumo,e que não tem qualquer responsabilidade pela disposição final doproduto (resíduo), após a sua inserção no mercado.

A lógica que a extended producer responsability contemplaadiciona às atribuições do fabricante a responsabilização pelos re-síduos oriundos de seus produtos. Trata-se de estratégia que ressal-ta a importância da estruturação de sistemas de logística reversaadequados para o recolhimento do que restar do produto após oseu uso. A responsabilidade alargada do produtor, portanto, teminício com a concepção do produto, etapa anterior ao consumo, eencontra repercussão em três diferentes fases do ciclo de produçãoe consumo: o design e a confecção do produto, a gestão dos resí-duos e a reparação dos danos. Para evitar a diluição de responsabi-lidades ao longo da cadeia de produção, essa forma deresponsabilização reconhece que o produtor se encontra em me-lhor posição técnica e econômica para influenciar o restante dacadeia no sentido de reduzir os impactos ambientais do ciclo devida dos produtos. O conceito de responsabilidade pós-consumono Brasil está inserido dentro do conceito de responsabilidade

14 No original: “an environmental policy approach in which a producer’sresponsibility for a product is extended to the post-consumer stage of aproduct’s life cycle. An EPR policy is characterized by: (1) the shifting ofresponsibility (physically and/or economically; fully or partially) upstreamtoward the producer and away from municipalities; and (2) the provision ofincentives to producers to take into account environmental considerationswhen designing their products”. Disponível em: <http://www.oecd.org/document/19/0,3343,en_2649_34281_35158227_1_1_1_1,00.html>. Acessoem: 11 out. 2012.

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

alargada do produtor, na etapa da reparação dos danos. A res-ponsabilidade compartilhada trazida pela lei brasileira não se con-funde nem com a responsabilidade alargada do produtor do direi-to europeu, nem com a responsabilidade pós-consumo.15

2 Definição, objetivos e natureza jurídica16 daresponsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dosprodutos

A PNRS define responsabilidade compartilhada no artigo 3º,XVII, e no artigo 30. Dispõe a lei:

é o conjunto de atribuições individualizadas eencadeadas dos fabricantes, importadores, distribuido-res e comerciantes, dos consumidores e dos titularesdos serviços públicos de limpeza urbana e de manejodos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resí-duos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduziros impactos causados à saúde humana e à qualidadeambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.

A definição nomeia as pessoas envolvidas (indiferente se físi-cas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado), atribuiresponsabilidade a elas durante o ciclo de vida dos produtos17 efinaliza com os objetivos perseguidos: reduzir os impactos causa-dos à saúde humana e ao meio ambiente. Com isso, a responsabi-lidade com a gestão de resíduos sólidos deixou de ser exclusivida-de do Poder Público e passa a ser compartilhada por todos os en-volvidos e abrange as etapas desde o desenvolvimento do produ-to, obtenção de matérias-primas e insumos, processo produtivo,consumo e disposição final ambientalmente adequada.

A lei traz uma novidadeira forma de dar cumprimento à fun-ção socioambiental da propriedade ao incluir como atribuição doproprietário do bem a responsabilidade por seu resíduo e com issoeliminar situação frequente enfrentada quando presente o danoambiental, a conhecida “irresponsabilidade organizada”. Loubet

15 Para compreender essas distinções e conhecer sobre legislação estrangeirarelativa à responsabilidade pela destinação de resíduos sólidos, ver Juras(2012).

16 Ver também Araújo e Juras (2011; 2012), Lemos (2011), Soler e Silva Filho(2012) e Moreira (2011).

17 “Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:[...] IV - ciclo de vida doproduto: série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, aobtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo ea disposição final”.

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(2011) traz conceito doutrinário que identifica a responsabilidadecompartilhada com a logística reversa18 “a faceta prática de suaaplicação”, forma de conceituar dita responsabilidade de certamaneira estreita19pelo fato de confundir um instrumento com umprincípio, como adiante se verá.

Os objetivos da responsabilidade compartilhada estãoelencados no art. 30, parágrafo único da lei. São eles: compatibilizarinteresses entre os agentes econômicos e sociais e os processos degestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental,desenvolvendo estratégias sustentáveis; promover o aproveitamentode resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtivaou para outras cadeias produtivas; reduzir a geração de resíduossólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais;incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meioambiente e de maior sustentabilidade; estimular o desenvolvimen-to de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados demateriais reciclados e recicláveis; propiciar que as atividades pro-dutivas alcancem eficiência e sustentabilidade e incentivar as boaspráticas de responsabilidade socioambiental.

A natureza jurídica da responsabilidade compartilhada é deprincípio, conforme dispõe o artigo 6.º, VII, da Lei nº 12.305/201020,e tem fundamento nos princípios do poluidor-pagador e do pro-tetor-recebedor. De certa forma, dá mais sentido àquele primeiro,segundo o qual o custo da poluição deve ser preferencialmenteatribuído àquele que aufere os benefícios da sua geração. A pro-posta-chave da lei é dar uma função objetiva aos citados princípiosnão os definindo em termos absolutos, com a tradicional visão deelevada carga axiológica e reduzida densidade normativa, tão dis-tantes quanto o Olimpo.21 Não é esse o objetivo. O fundamentoestá na difusidade do conteúdo jurídico da responsabilização, istoé, na aceitação da imprescindibilidade do sistema de responsabili-

118 “Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] XII - logística reversa:instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por umconjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta ea restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, parareaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outradestinação final ambientalmente adequada”.

19 Para saber mais sobre logística reversa, ver também Leite (2012).20 “Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos:[...] VII - a

responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”.21 Para ler uma crítica bem-humorada sobre princípios jurídicos e a

indeterminação deles decorrente na interpretação e consequente aplicaçãode tais normas jurídicas ver Sundfeld (2012). Na página 67 da citada obra, oautor ironiza: “E a fábrica de princípios lança produtos sem parar, o trabalhode absorvê-los é permanente e ruidoso” (grifo do autor).

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dade compartilhada para a defesa do meio ambiente construídocom o emprego de um modelo de relação jurídica poligonal forja-do sob vínculos de atributividade específicos e determinados pelalei, pelos acordos setoriais22, pelos termos de compromisso23 e pelosregulamentos24,25, os quais detalham as específicas responsabilida-des de cada integrante.

3 Obrigações dos geradores de resíduos sólidos

O legislador inseriu as obrigações dos geradores e do Po-der Público em duas Seções, do Capítulo III, do Título III da Lei nº12.305/2010. Na Seção I são tratadas as responsabilidades do PoderPúblico e dos vários setores da economia quanto aos resíduos sóli-dos gerados em suas atividades. Na Seção II, a Lei trata da respon-sabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, que en-volve fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, as-sim como os consumidores e os titulares dos serviços públicos delimpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos e o Poder Públi-

22 “Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: I - acordo setorial: ato denatureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importa-dores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da res-ponsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto”. O Acordo Setorialpara implantação do sistema de logística reversa de embalagens plásticasde óleos lubrificantes foi assinado pelos sindicatos representativos do setorempresarial e pela ministra do Meio Ambiente no dia 19 de dezembro de2012. O Acordo Setorial para implantação de logística reversa de medica-mentos foi prorrogado, conforme EDITAL Nº 01/2014 do MINISTÉRIO DOMEIO AMBIENTE - SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS E AMBIENTE URBA-NO - DEPARTAMENTO DE AMBIENTE URBANO. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/images/editais_e_chamadas/SRHU/2014/fevereiro/prorrogado_edital_medicamentos_01_2014.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2014.

23 “Art. 32. O Poder Público poderá celebrar termos de compromisso com osfabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes referidos no art.18, visando o estabelecimento de sistema de logística reversa: I - nas hipóte-ses em que não houver, em uma mesma área de abrangência, acordo setorialou regulamento específico, consoante estabelecido neste Decreto; ou II -para a fixação de compromissos e metas mais exigentes que o previsto emacordo setorial ou regulamento.”

24 Art. 15 do Decreto 7.404, de 2010 - “Os sistemas de logística reversa serãoimplementados e operacionalizados por meio dos seguintes instrumentos:I - acordos setoriais; II - regulamentos expedidos pelo Poder Público; ou III - termos de compromisso.” Art. 30 do Decreto 7.404, de 2010 - ”Sem preju-ízo do disposto na Subseção I, a logística reversa poderá ser implantadadiretamente por regulamento, veiculado por decreto editado pelo PoderExecutivo.”

25 Para saber mais sobre acordos setoriais, termos de compromisso e regula-mentos ver Soler, Machado Filho e Lemos (2012).

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co no exercício de poder de polícia. Por que essa separação? Ora,porque a determinados tipos de resíduos aplicam-se regras dife-renciadas. Nessas duas seções é que a lei lista as diferentes respon-sabilidades dos geradores de resíduos sólidos: responsabilidadesdo Poder Público no exercício do poder de polícia; responsabilida-des pelos serviços públicos de limpeza urbana e manejo dos resídu-os sólidos e pelos resíduos gerados em instalações públicas; res-ponsabilidades dos entes privados pelos resíduos gerados em am-bientes sob sua gestão; responsabilidades decorrentes da logísticareversa e da implementação de Plano de Gerenciamento obrigató-rio e responsabilidades do consumidor/gerador domiciliar.

A primeira seção é inaugurada com “uma normaprincipiológica, que visa a determinar a interpretação das demaisnormas no sentido da necessidade de atuação conjunta de todosos setores como condição fundamental para o funcionamento dapolítica proposta, cada qual responsável pelas obrigações e fun-ções que lhes são atribuídas por lei” (SOUZA; CASTRO, 2010, p. 9).

O Poder Público, o setor empresarial e a coletividade são res-ponsáveis pela efetividade das ações voltadas para assegurar aobservância da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretri-zes e demais determinações estabelecidas na Lei 12.305/2010 e noDecreto 7.404/2010 (art. 25).

Nessa seção, o legislador incumbiu ao titular dos serviços pú-blicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos a res-ponsabilidade pela organização e prestação direta ou indiretadesses serviços (art. 26).

Também na primeira seção estão as responsabilidades dos ge-radores de resíduos, pessoas físicas ou jurídicas referidas no art. 20da Lei, obrigados à elaboração, implementação e operaciona-lização integral do plano de gerenciamento de resíduos sólidosaprovado pelo órgão competente na forma do art. 24 (art. 27 daPNRS). Essa responsabilidade não é uma “responsabilidade com-partilhada”, mas é “responsabilidade pós-consumo”, revestida dascaracterísticas da responsabilidade cumulativa tradicional objetiva,solidária, de risco e que pede reparação integral conforme art. 14,§ 1.º, da Lei nº 6.938/1981, como adiante será visto. A responsabili-dade compartilhada só virá na seção seguinte, aí sim, como institu-to inovador.

Assim, segundo o art. 20 da PNRS, são responsáveis pela ela-boração, implementação e operacionalização dos planos degerenciamento de resíduos sólidos os geradores de resíduos sóli-dos de serviços públicos de saneamento básico, industriais, de ser-viços de saúde e de mineração; os estabelecimentos comerciais e deprestação de serviços que gerem resíduos perigosos ou gerem resí-

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duos que, mesmo caracterizados como não perigosos, por sua na-tureza, composição ou volume, não sejam equiparados aos resídu-os domiciliares pelo Poder Público municipal; as empresas de cons-trução civil; os responsáveis por portos, aeroportos, terminais al-fandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteiras; asempresas de transporte e os responsáveis por atividadesagrossilvopastoris. Se houver contratação de serviços de coleta,armazenamento, transporte, transbordo, tratamento ou destinaçãofinal de resíduos sólidos, ou de disposição final de rejeitos, essaspessoas referidas no art. 20 continuam responsáveis por danos quevierem a ser provocados pelo gerenciamento inadequado dos res-pectivos resíduos ou rejeitos (art. 27, § 1.º, da PNRS).

O gerador de resíduo domiciliar tem cessada sua responsabili-dade pelos resíduos caso proceda com a disponibilização adequa-da para a coleta ou mediante a devolução dos resíduos sujeitos àlogística reversa (art. 28 da PNRS). A obrigação é muito simples noprimeiro caso e no segundo exige que o consumidor devolva osresíduos aos fluxos estabelecidos pelos fabricantes, importadores,distribuidores e comerciantes, uma vez que o gerenciamento detais resíduos não será mais incluído no sistema de limpeza urbana.

Segundo Milaré (2011, p. 890-891), “a lei inovou na matéria(da responsabilidade), ao estabelecer uma linha de corte para aresponsabilidade do gerador de resíduo sólido domiciliar” no art.28 anteriormente citado. Para ele,

Essa previsão provoca, em nosso sentir, verdadeira re-volução no sistema da responsabilidade objetiva emmatéria ambiental, na medida em que possibilita o afas-tamento da teoria do risco integral, que sempre defen-demos como imperante no sistema de responsabilida-de civil, ambiental, e impõe a adoção da teoria do riscocriado, adotada pelo Código Civil de 2002, ao permitir aincidência de uma excludente de responsabilidade(MILARÉ, 2011, p. 890-891).

O legislador, nas palavras de Milaré (2011), “delimitou exata-mente a abrangência das circunstâncias a serem consideradas parao estabelecimento do nexo causal entre a atividade danosa e odano ambiental propriamente dito” para “eximir a responsabili-dade do poluidor indireto”.

Apesar da crítica, o Decreto nº 7.404/2010 prevê no art. 84 queos consumidores que descumprirem suas obrigações estarão sujei-tos a advertência e, em reincidência, a multas de R$ 50,00 a R$500,00, que poderá ser convertida em prestação de serviços.

O Decreto nº 7.404/2010 prevê no art. 9º, §§ 1º e 2º que aimplantação do sistema de coleta seletiva é instrumento essencial

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para se atingir a meta de disposição final ambientalmente ade-quada dos rejeitos e o programa deve ser implantado pelo titulardo serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidose deverá estabelecer, no mínimo, a separação de resíduos secos eúmidos e, progressivamente, ser estendido à separação dos resídu-os secos em suas parcelas específicas, segundo metas estabelecidasnos respectivos planos. Segundo ainda o art. 12 do mesmo Decre-to, a coleta seletiva poderá ser implementada sem prejuízo da im-plantação de sistemas de logística reversa.

A PNRS determina no art. 29 a chamada responsabilidade sub-sidiária do Poder Público, que deve atuar com vistas a minimizarou cessar o dano, logo que tome conhecimento de evento lesivoao meio ambiente ou à saúde pública relacionado aogerenciamento de resíduos sólidos. Os gastos havidos deverão serressarcidos integralmente pelos responsáveis.

A responsabilidade do Poder Público não se encontra somen-te nos dispositivos atrás citados. Ela é ampla, basta ler o artigo 36da PNRS mais adiante, que inclui os agentes com responsabilidadepelo serviço público a ser prestado (limpeza urbana e o manejo deresíduos sólidos domiciliares), responsabilidade pública como ge-rador público e responsabilidades privadas nos níveis da geração,transporte e recepção de resíduos. Então, a Lei impõe responsabili-dades ao Poder Público como principal articulador da política, alémde ente responsável pelo tratamento final da questão “resíduossólidos”.

Na situação do Poder Público como principal articulador dapolítica, cabe ao ente público, dentro da sua esfera de compe-tência, exigir dos demais atores da cadeia a assunção das suasresponsabilidades. Exigências essas, de início, na forma da res-ponsabilidade compartilhada e, ao final, se falha a implantaçãoda gestão dos resíduos por acordos setoriais, termos de compro-misso ou regulamentos, pela responsabilidade pós-consumo cu-mulativa e tradicional: civil, administrativa e penal, como adianteserá visto. É do Poder Público, das diferentes pessoas políticas, aobrigação de elaborar os planos de gestão integrada de resíduossólidos.

No tocante às responsabilidades do Poder Público pelos servi-ços públicos de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos do-miciliares, dita responsabilidade poderá ser exercida de forma di-reta pelo órgão público competente (autarquia intermunicipal naforma de Consórcio Público ou órgão municipal, isoladamente);ou de forma indireta, por empresa privada contratada. Entram aquitambém os serviços públicos de saneamento básico – tratamentode água e esgotos e sistemas de drenagem urbana.

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Naquilo que concerne à responsabilidade do Poder Públicopelos resíduos gerados em instalações públicas – prédios públicos –responsabilidade do gestor específico (resíduos sólidos de saúdegerados em hospitais públicos, resíduos sólidos de construção civilgerados em obras públicas, resíduos de prédios administrativos etc.),o Poder Público age como se partícula fosse, já que também é obri-gado a estruturar e implementar planos de gerenciamento se ge-rador de resíduos listados no art. 20 da PNRS.

Ainda com relação às obrigações do Poder Público, mas agorapara o órgão competente integrante do Sistema Nacional do MeioAmbiente (Sisnama)26, cabe: (i) exigir do gerador de resíduos a ela-boração do respectivo plano de gerenciamento (art. 20); (ii) avali-ar e aprovar tal plano, observado ao menos o conteúdo mínimoprevisto no artigo 21, sem prejuízo, portanto, de exigências adicio-nais, segundo seu juízo discricionário; e, ademais, (iii) inserir talplano no âmbito da licença ambiental concedida ao gerador, ouobjeto de renovação, exigindo o seu pleno cumprimento comocondição para o regular exercício da atividade licenciada.27

Apenas para recordar, no âmbito do Poder Executivo Federal,o Decreto Federal nº 5.940/2006 instituiu a separação dos resíduosrecicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administraçãopública federal direta e indireta na fonte geradora e a suadestinação às cooperativas de catadores. Especial interesse nessaseara é a atuação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, que instituiuno âmbito da Empresa a coleta seletiva solidária. A CAIXA, tal qualo Poder Judiciário, também participa do principal programa daadministração pública de gestão socioambiental, a AgendaAmbiental na Administração Pública – A3P. Como empresa pública,integrante da administração indireta, tem a responsabilidade decontribuir no enfrentamento das questões ambientais, buscandoestratégias inovadoras que auxiliam no crescimento econômicoconcomitantemente ao desenvolvimento sustentável. Diante dessanecessidade, a empresa pública tem implementado iniciativas es-pecíficas e desenvolve programas que promovam a adoção de umapolítica de Responsabilidade Socioambiental auxiliada por visível

26 Art. 24 da Lei nº 12.305/2010.27 De acordo com Moreira (2011, p. 126), “Esta exigência se dá inclusive à vista

do disposto no artigo 60 da Lei 9.605/98, conforme o qual constitui crime,punível com pena de detenção ou multa de um a seis meses, ou multa, ouambas as penas, cumulativamente, ‘construir, reformar, ampliar, instalar oufazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimen-tos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autoriza-ção dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais eregulamentares pertinentes’”.

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capacidade de indução e poder de mobilização buscando a redu-ção dos impactos socioambientais negativos gerados pela ativida-de pública/privada28 pelo ente exercida.

4 Limites à incidência da responsabilidade compartilhadaconcernentes às obrigações assumidas pelos geradores deresíduos sólidos

A segunda seção do Capítulo III do Título III da PNRS é inau-gurada com a instituição da responsabilidade compartilhada pelociclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma indivi-dualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores,distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dosserviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sóli-dos, consoante as atribuições e procedimentos previstos nessa se-ção.

É de suma importância a definição dos deveres, das obriga-ções, dos ônus comuns e específicos e dos limites da responsabili-dade que recai em cada integrante da cadeia, seja ele público ouprivado.

Conforme art. 31 da Lei nº 12.305/2010 (grifos nossos):

Sem prejuízo das obrigações estabelecidas no plano degerenciamento de resíduos sólidos e com vistas a forta-lecer a responsabilidade compartilhada e seus objeti-vos, os fabricantes, importadores, distribuidores ecomerciantes têm responsabilidade que abrange:I – investimento no desenvolvimento, na fabricação ena colocação no mercado de produtos:a) que sejam aptos, após o uso pelo consumidor, àreutilização, à reciclagem ou a outra forma dedestinação ambientalmente adequada;b) cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade deresíduos sólidos possível;II – divulgação de informações relativas às formas deevitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associadosa seus respectivos produtos;III – recolhimento dos produtos e dos resíduos remanes-centes após o uso, assim como sua subsequentedestinação final ambientalmente adequada, no caso deprodutos objeto de sistema de logística reversa na for-ma do art. 33;IV – compromisso de, quando firmados acordos ou ter-mos de compromisso com o Município, participar dasações previstas no plano municipal de gestão integradade resíduos sólidos, no caso de produtos ainda não inclu-sos no sistema de logística reversa.

28 Dado o regime jurídico híbrido a que se submete como empresa estatal.

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

O legislador estipulou no artigo antecedente que a responsa-bilidade compartilhada engloba também obrigações de cunho maisgeral, não só as previstas para a logística reversa.

Os fabricantes, importadores, distribuidores e comercian-tes dos produtos listados no art. 33 da Lei nº 12.305/2010 são obri-gados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa. Osprodutos são I – agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim comooutros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduoperigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos peri-gosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidaspelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técni-cas; II – pilhas e baterias; III – pneus; IV – óleos lubrificantes, seusresíduos e embalagens; V – lâmpadas fluorescentes, de vapor desódio e mercúrio e de luz mista; VI – produtos eletroeletrônicos eseus componentes. Também são abrangidos os produtoscomercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro eos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente,o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambien-te dos resíduos gerados, mas conforme o disposto em regulamentoou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre oPoder Público e o setor empresarial (art. 33, § 1.º). A ideia é impul-sionar atitudes proativas do setor empresarial, que poderá propora contratação dos acordos setoriais mais abrangentes, ou de com-promisso envolvendo um ou mais fabricantes. Assume-se que a pró-pria logística reversa gerará aprendizado no sentido de sua exten-são a outros tipos de produtos e embalagens (ARAÚJO; JURAS, 2012,p. 71).

Cabe, ainda, aos fabricantes, importadores, distribuidorese comerciantes de pilhas e baterias, de pneus, de lâmpadas fluo-rescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista, de produtoseletroeletrônicos e seus componentes, de agrotóxicos, seus resídu-os e embalagens, assim como de outros produtos cuja embalagem,após o uso, constitua resíduo perigoso, e de óleos lubrificantes,seus resíduos e embalagens tomar todas as medidas necessárias paraassegurar a implementação e operacionalização do sistema delogística reversa sob seu encargo, podendo, entre outras medidas(art. 33, § 3º):

I – implantar procedimentos de compra de produtos ouembalagens usados;II – disponibilizar postos de entrega de resíduosreutilizáveis e recicláveis;III – atuar em parceria com cooperativas ou outras for-mas de associação de catadores de materiaisreutilizáveis e recicláveis, nos casos de que trata o § 1º.

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Hoje, é sabido que aumentou significativamente a geração deresíduos em razão do uso de embalagens ditas secundárias, desne-cessárias, que não se prestam a proteger o produto das mazelas dotransporte, umidade, agentes biológicos, químicos etc. A PNRS obri-ga (o legislador empregou “devem ser”) que as embalagens sejamfabricadas com materiais que propiciem a reutilização ou areciclagem (art. 32). O legislador deixou expresso que cabe aos res-pectivos responsáveis assegurar que as embalagens sejam restritasem volume e peso às dimensões requeridas à proteção do conteú-do e à comercialização do produto; projetadas de forma a seremreutilizadas de maneira tecnicamente viável e compatível com asexigências aplicáveis ao produto que contêm e recicladas, se areutilização não for possível (art. 32, § 1º). Hoje, no Brasil, não émais admitida a fabricação de embalagens descartáveis e queextrapolem o necessário para proteger o produto. O legislador tra-ta desses invólucros com acurada atenção dado que responsabilizaquem manufatura embalagens ou fornece materiais para a fabri-cação de embalagens e quem coloca em circulação embalagens,materiais para a fabricação de embalagens ou produtos embala-dos, em qualquer fase da cadeia de comércio (art. 32, § 3º).

Então, pelo lado das empresas, a PNRS obriga o desenvolvi-mento de produtos/embalagens com menor impacto ambiental (ochamado ecodesign) e sem artifícios enganosos, declarações vagasou não específicas para atrair consumidores, do tipo ambientalmenteseguro, amigo da natureza, não poluente. Esse ato de induzir o con-sumidor ao erro chama-se greenswashing, prática que deve serabolida pelas empresas que a empregam porque ilegais. O consumi-dor tem direito à informação clara, correta e que não seja abusivaou enganosa – arts. 6º, 7º, 8º, 12, 14, 18 e 37, todos do Código deDefesa do Consumidor. A PNRS traz como um de seus princípios odireito da sociedade à informação e ao controle social (art. 6º, X).

Os consumidores deverão efetuar a devolução, após o uso,dos produtos e das embalagens objeto de logística reversa aos co-merciantes ou distribuidores, e estes deverão efetuar a devolu-ção aos fabricantes ou aos importadores dos produtos e emba-lagens reunidos ou devolvidos (art. 32, §§ 4º e 5º). Os fabricantese os importadores darão destinação ambientalmente adequadaaos produtos e às embalagens reunidos ou devolvidos, sendo orejeito encaminhado para a disposição final ambientalmente ade-quada, na forma estabelecida pelo órgão competente do Sisnamae, se houver, pelo plano municipal de gestão integrada de resídu-os sólidos (art. 32, § 6º).

Se o titular do serviço público de limpeza urbana e de manejode resíduos sólidos, por acordo setorial ou termo de compromisso

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

firmado com o setor empresarial, encarregar-se de atividades deresponsabilidade dos fabricantes, importadores, distribuidores ecomerciantes nos sistemas de logística reversa dos produtos e em-balagens, as ações do Poder Público serão devidamente remunera-das, na forma previamente acordada entre as partes (art. 33, § 7º).

Com exceção dos consumidores, todos os participantes dos sis-temas de logística reversa manterão atualizadas e disponíveis aoórgão municipal competente e a outras autoridades informaçõescompletas sobre a realização das ações sob sua responsabilidade(art. 32, § 8º).

Sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva29 pelo pla-no municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, os consumi-dores são obrigados a (art. 35):

I – acondicionar adequadamente e de forma diferencia-da os resíduos sólidos gerados;II – disponibilizar adequadamente os resíduos sólidosreutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.

O Poder Público municipal pode instituir incentivos econômi-cos aos consumidores que participam do sistema de coleta seletivana forma de lei municipal (art. 35, parágrafo único).

Cabe ao titular dos serviços públicos de limpeza urbana ede manejo de resíduos sólidos, observado, se houver, o planomunicipal de gestão integrada de resíduos sólidos (art. 36):

I – adotar procedimentos para reaproveitar os resíduossólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviçospúblicos de limpeza urbana e de manejo de resíduossólidos;II – estabelecer sistema de coleta seletiva;III – articular com os agentes econômicos e sociais medi-das para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos resí-duos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos ser-viços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sóli-dos;IV – realizar as atividades definidas por acordo setorialou termo de compromisso na forma do § 7º do art. 33,mediante a devida remuneração pelo setor empresari-al;V – implantar sistema de compostagem para resíduossólidos orgânicos e articular com os agentes econômicose sociais formas de utilização do composto produzido;VI – dar disposição final ambientalmente adequada aos

29 Sobre coleta seletiva, cf. art. 3º, V; art. 8º, III; art. 16, § 3º; art. 17, § 3º; art. 18,§ 1º, II; art. 19, XIV e XV; art. 35; art. 36, II; e art. 42, V, todos da Lei nº 12.305,bem como art. 6º; arts. 9º a 12; art. 40; art. 51, XVIII, XIX e XII; art. 77, § 2º, IIIe VIII, e § 3º; art. 79, II, b; e art. 84, todos do Decreto nº 7.404/10.

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resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de lim-peza urbana e de manejo de resíduos sólidos.

Para o cumprimento das disposições do citado art. 36, o titulardos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduossólidos priorizará a organização e o funcionamento de cooperati-vas ou de outras formas de associação de catadores de materiaisreutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa ren-da, bem como sua contratação, dispensada a licitação nos termosdo inciso XXVII do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (art. 36, §§ 1º e 2º).

A PNRS traz uma série de disposições relativas aos geradoresde resíduos sólidos, como sói acontecer em se tratando dessatipologia de resíduos e, especificamente, para a necessidade deobservância das regras aplicáveis aos resíduos perigosos30 sempreque os resíduos submetidos à responsabilidade compartilhada pelociclo de vida dos produtos sejam assim classificados.

Para concluir, apesar de designada “responsabilidade compar-tilhada”, em realidade, essa responsabilização “deve ser entendi-da não no sentido tradicional de responsabilidade – obrigaçãodecorrente de um descumprimento de lei – mas como obrigaçãopositiva, imponível a todos – agentes públicos e privados – de to-mar medidas voltadas à adequada destinação e disposição dos re-síduos” (SOUZA; CASTRO, 2010, p. 3).

Daí sua função preventiva (não repressiva) que necessita dedesenvolvimento normativo adicional e que se fará de forma dis-tinta conforme o tipo de resíduo, se obrigatório ou não à logísticareversa, faceta operacional da responsabilidade compartilhada. Seobrigatório, o desenvolvimento normativo adicional será feito atra-vés de acordos setoriais, termos de compromisso e regulamentos.Se não obrigatório, os fabricantes, importadores, distribuidores ecomerciantes têm o compromisso de, quando firmados acordos outermos de compromisso com o Município, participar das ações pre-vistas no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidose sem prejuízo das obrigações estabelecidas nos planos degerenciamento daqueles geradores obrigados a sua elaboração (art.31, IV, da PNRS).31

30 Arts. 37 a 41 da Lei nº 12.305/10 e arts. 64 a 67 do Decreto nº 7.404/10.31 “Art. 31. Sem prejuízo das obrigações estabelecidas no plano de

gerenciamento de resíduos sólidos e com vistas a fortalecer a responsabili-dade compartilhada e seus objetivos, os fabricantes, importadores, distri-buidores e comerciantes têm responsabilidade que abrange: [...] IV - com-promisso de, quando firmados acordos ou termos de compromisso com oMunicípio, participar das ações previstas no plano municipal de gestão inte-grada de resíduos sólidos, no caso de produtos ainda não inclusos no sistemade logística reversa.”

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

Um exemplo simples esclarece como se pode dar a coordena-ção de ações dos geradores de resíduos sólidos de forma segregada:

Por essa razão, cabe aos produtores fabricar produtosque gerem a menor quantidade de resíduos possível ecujos resíduos possam ser reaproveitados, reciclados oudispostos com reduzido impacto ambiental. Os pontos devenda podem contribuir com disponibilização de estrutu-ra de coleta e entrega voluntária de resíduos e servircomo uma espécie de “entreposto logístico”. Ao consu-midor cabe separar os resíduos descartados segundo oscritérios estabelecidos, pois é isso que proporcionará acoleta adequada pelo Poder Público e empresas priva-das, quando for o caso. A coleta separada e adequada énecessária, por outro lado, para viabilizar atividades dereciclagem ou a implantação de sistemas de reciclageme logística reversa. Estas atividades proporcionarão umnovo ciclo de vida ao produto e agregarão valor à cadeiaeconômica (SOUZA; CASTRO, 2010, p. 7).

Todos, portanto, têm responsabilidades segundo a PNRS: o Po-der Público deve apresentar planos de gestão para o manejo corre-to dos materiais (com adoção de processos participativos na sua ela-boração e adoção de tecnologias apropriadas); às empresas compe-te o recolhimento dos produtos após o uso; e à sociedade cabe par-ticipar dos programas de coleta seletiva (acondicionando os resídu-os adequadamente e de forma diferenciada) e incorporar mudançasde hábitos para reduzir o consumo e a consequente geração.

5 Responsabilidade compartilhada e responsabilidade pós-consumo como sistemas de responsabilidade diferenciados

No 18º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, Licencia-mento, Ética e Sustentabilidade, realizado na cidade de São Pauloem 2013, os organizadores32 redigiram documento (a Carta de SãoPaulo)que trouxe nele encartada esta recomendação:

4. A responsabilidade compartilhada, prevista na Lei12.305/10 (Resíduos sólidos), tem natureza preventivae pressupõe a atribuição de diversas tarefas aos gestorespúblicos e aos empreendedores que, de alguma forma,concorrem para a geração dos resíduos sólidos, não de-vendo ser confundida com a responsabilidade civil soli-dária, incidente após a ocorrência do dano ambiental(BENJAMIN et al., 2013).

32 Coordenadores científicos do evento: Antonio Herman Benjamin, CarlosTeodoro, Jose Hugueney Irigaray, Eladio Lecey, Jose Eduardo Ismael Lutti eSilvia Cappelli.

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A responsabilidade compartilhada e a responsabilidade pós-consumo são, portanto, “responsabilidades” distintas com mo-mentos de incidência/configuração do ilícito, delimitação dasconsequências jurídicas, processo estatal impositivo e âmbitos es-pacial, material e de espécies normativas sancionatórias diferen-tes.33 Coincidem apenas quanto aos bens jurídicos protegidos:saúde das populações, proteção ao meio ambiente e à vida emtodas as suas configurações. São sistemas com funções e objeti-vos diversos.

Responsabilidade compartilhada pode ser entendida comoresponsabilidade preventiva na cadeia produtiva, em razão deincidir antes do dano ambiental, ao contrário da responsabilidadepós-consumo, que deflagra seus mecanismos sancionatórios após aocorrência do dano ambiental. Para alguns, trata-se de “mecanis-mo de concretização preventiva da responsabilidade pós-consu-mo” (MOREIRA, 2011, p. 113). Com a devida vênia, não se trata demecanismo, mas verdadeiramente de outra forma de respon-sabilização que a PNRS considera como exceção à responsabilida-de ambiental civil tradicional, objetiva e solidária. Se as obrigaçõespositivas estipuladas na Lei, nos acordos setoriais, termos de com-promisso e regulamentos forem cumpridas de forma alinhada coma hierarquia na gestão dos resíduos34 por todos os elos da cadeiade produção e consumo, fica afastada a responsabilidade pós-con-sumo de tais geradores de resíduos sólidos e incide a responsabili-dade compartilhada, imbuída que é de todas as suas características– responsabilidade subjetiva e não solidária. Prejuízo (danoambiental), se houver, será daquele gerador que não cumpriu comsua responsabilidade individualizada, embora encadeada com osdemais geradores, e responderá somente pela parte que lhe cabena cadeia de gestão de resíduos, conforme a disciplina legal. Pre-valecem, portanto, as responsabilidades específicas estabelecidaspara os sistemas de logística reversa de cunho predominantementepreventivo, antecipatório de danos e pela lei.

33 Impossível aqui reproduzir em reduzido espaço todas essas diferenças. Oque se fará é trazer o necessário para distingui-las. Para melhor entendê-las, ver nossa tese de doutorado defendida na PUC-SP, em 13 de junho de2013, intitulada Contornos jurídicos da responsabilidade compartilhada pelociclo de vida do produto prevista na Lei 12.305/2010 – Política Nacional deResíduos Sólidos – repercussões na responsabilidade pós-consumo, sob a ori-entação do professor Carlos Ari Sundfeld.

34 “Art. 9º. Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observadaa seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização,reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição finalambientalmente adequada dos rejeitos.”

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

Responsabilidade pós-consumo é um termo recorrente empolíticas de gestão ambiental de resíduos e toma como definição amplaa responsabilidade do produtor/fabricante/importador de arcar como ônus da gestão ambiental de seu produto após ser consumido.

Especificamente para os resíduos sólidos, cujo marco legal é aLei nº 12.305/2010, pode-se também chamar responsabilidade pós-consumo de responsabilidade de retaguarda, cujo momento deincidência ocorrerá somente se a responsabilidade compartilhadaentre os geradores de resíduos sólidos prevista na lei falhar.

O reconhecimento do direito de reparação vem revestido dascaracterísticas próprias da responsabilidade pós-consumo: objeti-va, com fundamento no risco da atividade, solidária e com previ-são de reparação integral do dano. Melhor dizer: responsabilida-de cumulativa civil, administrativa e penal, de cunho predominan-temente ressarcitório/repressivo pelas condutas reprováveis causa-doras de danosidade ambiental. A responsabilidade pós-consumocumpre, portanto, função repressiva e com todos os contornos jurí-dicos da responsabilidade prevista no artigo 14, § 1º, da Lei nº6.938/198135: responsabilidade objetiva e solidária.

No dizer de Yoshida (2012, p. 37):

A responsabilidade objetiva possibilita a responsabilizaçãodos poluidores diretos e indiretos pelos danos causados,independentemente de culpa, e a solidariedade passivaconsiste em benefício e facilidade instituídos em favor docredor (no caso a sociedade e os terceiros lesados pelosdanos ambientais e sociais), pois possibilita imputar a umsó coobrigado (geralmente o de maior capacidade eco-nômica), a responsabilidade pela totalidade da obriga-ção de regularizar e reparar tais passivos decorrentes dodescumprimento, por qualquer dos coobrigados, das nor-mas e exigências ambientais e sociais. Sobra para o deve-dor solidário, que arcar com a reparação dos passivos, avia do regresso e da responsabilidade subjetiva para rea-ver dos demais codevedores a respectiva cota-parte.

Esse sistema de responsabilidade civil objetiva em prol dos in-teresses transindividuais amplia-se sobremaneira quando aliado àdefinição legal de poluição e de poluidor direto e indireto de for-ma abrangente disposta no art. 3º da Lei nº 6.938/198136, e,

35 Art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981: “Sem obstar a aplicação das penalidadesprevistas neste artigo, é o produtor obrigado, independentemente da exis-tência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambientee a terceiros, afetados por sua atividade”.

36 “Art 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: […] IV – poluidor, apessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ouindiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”

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consequentemente, do nexo de causalidade, e é facilitado pelaadoção dos institutos da solidariedade passiva, da obrigação propterrem, da inversão do ônus da prova, entre outros.

A Lei nº 12.305/2010 trata da incidência da responsabilidadepós-consumo nas disposições transitórias e finais (arts. 51 a 53), dis-positivos em que o legislador fez referência expressa à aplicaçãodas responsabilidades civil objetiva, administrativa e penalambientais com a introdução de disposições específicas no art. 56da Lei nº 9.605/1998, o que enfatiza o momento de incidência daresponsabilidade pós-consumo, quando todo o sistema preventivoprevisto para a responsabilidade compartilhada nos atos normativos(acordos setoriais, termos de compromisso e regulamentos)instituidores da logística reversa falhar. As metas estabelecidas nosreferidos vínculos de atributividade não foram cumpridas, isto é,não houve observância da hierarquia na gestão dos resíduos pre-vista no art. 9º da PNRS. Nos termos da lei:

Art. 51. Sem prejuízo da obrigação de, independente-mente da existência de culpa, reparar os danos causa-dos, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicasque importe inobservância aos preceitos desta Lei oude seu regulamento sujeita os infratores às sanções pre-vistas em lei, em especial às fixadas na Lei 9.605, de 12de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre as sanções pe-nais e administrativas derivadas de condutas e ativida-des lesivas ao meio ambiente, e dá outras providênci-as”, e em seu regulamento.

Também o art. 52 assim dispõe: “A observância do disposto nocaput do art. 23 e no § 2º do art. 39 desta Lei é considerada obriga-ção de relevante interesse ambiental para efeitos do art. 68 da Lei9.605, de 1998, sem prejuízo da aplicação de outras sanções cabí-veis nas esferas penal e administrativa”. No art. 53 introduz altera-ção no § 1º do art. 56 da Lei nº 9.605/1998, que passa a vigorar coma seguinte redação:

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar,comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar,ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica,perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambien-te, em desacordo com as exigências estabelecidas em leisou nos seus regulamentos: Pena – reclusão, de um a qua-tro anos, e multa. 1.º Nas mesmas penas incorre quem: I– abandona os produtos ou substâncias referidos no caputou os utiliza em desacordo com as normas ambientais oude segurança; II – manipula, acondiciona, armazena, cole-ta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final aresíduos perigosos de forma diversa da estabelecida emlei ou regulamento.

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

Portanto, se a situação fática exigir a análise dessas circunstân-cias é porque venceu o prejuízo, o dano ambiental ocorreu, e ouniversal princípio neminem laedere37 esmoreceu.

Como é cediço, há grandes dificuldades no estabelecimentodo nexo de causalidade e do dano ambiental na responsabilidadepós-consumo. Segundo Benjamin (1998, p. 12, grifos nossos),

há quatro ordens de dificuldade propriamente ditas re-quisitando uma disciplina especial para o dano ambiental:a) a difícil identificação dos sujeitos da relação jurídicaobrigacional, pois a “dobradinha” autor/vítima quasenunca aparece com seus contornos bem definidos (atu-ação coletiva e vitimização também coletiva, com aconsequente fragmentação da responsabilidade e datitularidade), na medida que estamos diante de rela-ções jurídicas poligonais ou multilaterais, próprias dasociedade pós-industrial; b) a exigência de caracteriza-ção da culpa do degradador, naqueles sistemas que ain-da a exigem (não é o caso brasileiro38, após a promulga-ção da Lei 6.938/81 e da Constituição Federal de 1988)[...]; c) a complexidade do nexo causal; d) o caráter fluidoe esquivo do dano ambiental em si mesmo considerado.

O autor nomina as dificuldades na reparação do dano ambiental:

causadores plúrimos, quando não incertos (com múltiplascausas contribuindo para um efeito singular e causas sin-gulares produzindo múltiplos efeitos), vítimas pulveriza-das e por vezes totalmente anônimas, e dano de manifes-tação retardada ou de caráter cumulativo, atingindo nãoapenas a integridade patrimonial ou física de indivíduos,presentes e futuros, mas também interesses da socieda-de em geral ou até a realidade abstrata do meio ambien-te (dano ecológico puro) (BENJAMIN, 1998, p. 12).

Especificamente sobre os danos causados por resíduos gera-dos após o consumo, duas características bastante comuns são acaracterização após o transcurso de um longo período de tempo ea manifestação em locais longínquos daqueles em que estão insta-ladas as atividades produtoras.39

37 Não lesar a outrem.38 Agora passa também a existir com a previsão da responsabilidade compar-

tilhada prevista na Lei nº 12.305/2010 – PNRS.39 Para saber sobre dano ambiental futuro, isto é, “é a expectativa de dano de

caráter individual ou transindividual ao meio ambiente”, consultar Carvalho(2013). Segundo esse autor, os geradores de resíduos sólidos poderão res-ponder civilmente frente a duas situações bem distintas: “uma situaçãolesiva atual capaz de irradiar efeitos (patrimoniais ou extrapatrimoniais)futuros e uma situação lesiva futura cuja probabilidade de ocorrência é des-de já visualizada”. Situações em que o dano não é certo nem atual.

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Apesar dessa ordem de dificuldade, existe a possibilidade dereconhecimento de responsabilidade sem dano e dano sem res-ponsabilidade.40

Responsabilidade sem dano é aquela responsabilidade pre-ventiva justificável quando se tratar de riscos inaceitáveis (graves eirreversíveis). A aparente contradição é resolvida porque os siste-mas de sancionamento separam responsabilidade de indenização.Responsabilidade é responder por conduta reprovável, e indeni-zação é o modo como o infrator irá efetivar essa resposta e se daráconforme o sistema. Pode ser respondendo in natura, de modoindenizatório etc. No Direito Ambiental, os princípios da preven-ção e precaução justificam a implementação da responsabilidadecivil em face de atividades potencialmente poluidoras, ainda quenão haja um dano concreto (CARVALHO, 2013, p. 152-153), comoé o caso de armazenamento inadequado de resíduos industriais.41

O inverso também pode ocorrer, dano sem responsabilidade.Implantado um sistema de logística reversa e com acordo/termo ouregulamento estruturando os vínculos entre os geradores confor-me previsto na Lei nº 12.305/2010 e, mesmo assim, há dano. Osresíduos e rejeitos não diminuem. O consumidor não descarta ade-quadamente os materiais apesar de ter acesso a redes de coleta esuficiente informação sobre o descarte. Nesta situação, o fabrican-te do produto que compõe o sistema de fluxo reverso (pilha, lâm-pada fluorescente, embalagem plástica de óleo lubrificante etc.)continua responsável, porque o Poder Público aplicará a responsa-bilidade objetiva e solidária (pós-consumo) e justamente em facedo integrante do elo da cadeia detentor das melhores condiçõesde reparar o dano, normalmente o produtor.

40 Hipóteses retiradas de Lemos (2011, p. 203-208), mas com respaldo emLopez (2010, p. 127-143).

41 Ilustra-se essa possibilidade com julgado do desembargador Torres de Car-valho do TJ-SP, relativo à imposição de multa por infração administrativa:“Anulatória – Multa ambiental – Caçapava – LE 997/76. DE 8.468/76, art. 2,3, V, 51, 52 e 55. Armazenamento inadequado de resíduos industriais. 1 ... 2...3. Poluição ambiental. Armazenamento de resíduos sólidos. Nos termos doart. 51 e 52 do DE 8.468/76, não é permitido depositar, dispor, descarregar,enterrar ou infiltrar no solo resíduos em qualquer estado da matéria, desdeque poluentes; e o solo só poderá ser utilizado como resíduo final de resíduosde qualquer natureza, se na forma adequada, sendo vedada a simples des-carga ou depósito em propriedade pública ou particular. Tais resíduos sãopoluentes ‘per se’. Dada a natureza orgânica ou inorgânica (borra dodissolutor de sal), pois focos de alteração da biota. – Sentença que extinguiuo processo sem análise do mérito (ilegitimidade passiva do DAEE), Recursoda autora desprovido em relação à CETESB” (ApCiv c/Ver 965.069-5/0-00.Comarca de Caçapava, Cam. Esp. do Meio Ambiente, j. 17.12.2009).

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Yoshida (2012, p. 37) bem resume esses dois sistemas deresponsabilização. Para ela trata-se da

utilização integrada dos sistemas de comando e contro-le e de responsabilidade ambiental repressivos (respon-sabilidade pós-consumo) e preventivos (reponsabilidadecompartilhada) respectivamente. Transição da lógica dodescumprimento para a lógica do cumprimento das nor-mas ambientais.

5.1 Operacionalização da distinção: direito subjetivo de exigira implantação da logística reversa como mecanismo decontrole social frente à danosidade ambiental

O art. 33 da PNRS dispõe que estão obrigados a estruturar eimplementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dosprodutos após o uso pelo consumidor, de forma independente doserviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sóli-dos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes deagrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros pro-dutos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, pi-lhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, seus resíduos e embala-gens, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e deluz mista e produtos eletroeletrônicos e seus componentes. O pará-grafo primeiro do mesmo artigo dispõe:

na forma do disposto em regulamento ou em acordossetoriais e termos de compromisso firmados entre o po-der público e o setor empresarial, os sistemas previstosno caput serão estendidos a produtos comercializadosem embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aosdemais produtos e embalagens, considerando,prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saú-de pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados.

Pode o cidadão exigir dos grandes geradores de resíduos sóli-dos a implantação de sistemas de logística reversa por via judicial?A PNRS trabalha com uma visão prospectiva que privilegia a via doconsenso, e não com uma visão retrospectiva que privilegia a viado dissenso. A previsão na lei da responsabilidade compartilhadaestá aí para provar essa afirmação. Todavia, nada impede a partici-pação cidadã na implementação dessa política pública, se omisso oEstado ou os fabricantes/importadores prioritariamente permane-cerem inertes em não incluir em sistemas de logística reversa pro-dutos outros causadores de danos à saúde pública e ao meio ambi-ente. Os instrumentos são amplamente conhecidos: no caso do ci-dadão, por meio da ação popular prevista no art. 5º, LXIII, da CF e

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no art. 1º da Lei nº 4.717/1965 e, no caso de uma associação, pormeio da ação civil pública prevista no art. 5º da Lei nº 7.347/1985.42

Situação como a há pouco referida já ocorreu antes mesmo daedição da PNRS para imputar responsabilização à empresa fabri-cante do produto que gerou a poluição, muito embora esta não atenha causado diretamente. Trata-se de julgado singular do Tribu-nal de Justiça do Paraná, em acórdão de relatoria do des. IvanBortoleto (Apelação Cível 118.652-1), que firmou o entendimentode que a ré, uma engarrafadora de refrigerantes, deveria ser con-denada a recolher 50% (cinquenta por cento) das embalagens PETque vendia, além de dever aplicar 20% (vinte por cento) de suaverba publicitária em propaganda sobre a necessidade de devolu-ção das garrafas vazias.43

Com relação às lâmpadas fluorescentes já foi também ajuiza-da ação civil pública pelo Ministério Público do Rio Grande do Sulem face de diversas empresas fabricantes desses produtos lá nosidos de 2006.44 O juízo de 1º Grau deferiu a antecipação da tutelapleiteada pelo Ministério Público, mas o Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul cassou a liminar, sob o argumento de que não haviaprovas suficientes a caracterizar a verossimilhança das alegações. Oprocesso foi extinto, sem resolução de mérito, nos termos do incisoVIII do art. 267 do Código de Processo Civil".45

Como se escreveu atrás, nesse momento reativo da sociedade, odano já ocorreu e então do que se fala aqui já não é mais responsa-bilidade compartilhada, e sim responsabilidade pós-consumo, mo-mento do sancionamento repressivo. É isso que a responsabilidadecompartilhada procura evitar. O relator decidiu com o rigor previstopara aplicação da responsabilidade pós-consumo, portanto nadamais prudente para os geradores de resíduos sólidos do que visualizaro futuro sob as asas de um ato de natureza negocial como é o acor-do setorial ou regulamento que obrigatoriamente devem percorrerinstância consensual prevista no Decreto nº 7.404/2010: ambos de-verão ser objeto de consulta pública. O termo de compromisso nãotem essa previsão, mas como visa possibilitar o retorno dos resíduos

42 Artigo que faz um apanhado da jurisprudência brasileira sobre o tema res-ponsabilidade pós-consumo é o de autoria de Pinz, A responsabilidadeambiental pós-consumo e sua concretização na jurisprudência brasileira, de2012.

43 Esse acórdão é comentado por Leitzinger (2010).44 TJ-RS, Processo 001/1.06.0143732-6, 16ª Vara Cível do Foro Central. Autor:

Ministério Público. Rés: General Eletric do Brasil Ltda, Osram do Brasil Com-panhia de Lâmpadas Elétricas Ltda, Philips do Brasil Ltda, SadpkinEletroeletrônica Ltda e Sylvania do Brasil Iluminação Ltda. Disponível em:<http//www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2010.

45 Ver Steigleder et al. (2007).

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

sólidos para o setor empresarial, para fins de destinaçãoambientalmente adequada, é poderoso instrumento preventivo queos geradores de resíduos possuem para evitar a incidência da res-ponsabilidade pós-consumo inclusive na hipótese de divergênciascom relação a sistemas de fluxos reversos já implantados.

6 Alguns problemas que se avizinham em decorrência dotrato legal dado ao resíduo e ao rejeito

O Art. 3º, XVI, da PNRS define resíduos sólidos como material,substância, objeto ou bem descartado resultante de atividadeshumanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se pro-põe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólidoou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidoscujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na redepública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso solu-ções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhortecnologia disponível.

Ora, há um grande problema a enfrentar na elaboração dosacordos setoriais, termos de compromisso e regulamentos, o qualjá acarreta muita discussão. Qual fundamento empregar para esta-belecer percentual de retorno de produtos para o fabricante/im-portador num edital de chamamento: obrigatoriedade de reciclarum percentual sobre os produtos que forem colocados no mercadoou sobre os produtos entregues pelo consumidor nos pontos decoleta? O consumidor pode não querer se desfazer dos produtosque adquiriu, e as indústrias, por consequência, não tem como sa-ber com quem estão os produtos após a sua vida útil. A meta deretorno de produtos que parece mais viável é o percentual que osconsumidores entregaram nos pontos de coleta.

Outra questão que trará sérios embates é a indefinição que aPNRS trouxe ao definir rejeito como resíduos sólidos que, depoisde esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperaçãopor processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis,não apresentem outra possibilidade que não a disposição finalambientalmente adequada (Art. 3º, XV). Por consequência, enten-de-se que o legislador não definiu rejeito, forneceu as determina-ções mínimas e essenciais e, portanto, deu ares de conceito ao ter-mo, isto é, de conceito jurídico indeterminado. Essa afirmação temsuporte nos termos empregados pela lei. São eles: “depois de es-gotadas todas as possibilidades”, “processos tecnológicos disponí-veis e economicamente viáveis” e “não apresentem outra possibili-dade que não [...]”. O legislador não descreve o que está abarcadopelas expressões. Essa subjetividade, como registra Del Bel (2012,

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p. 490), “deixa sob incerteza jurídica diversas situações”. O autorcita como exemplos:

Situação 1: aterro sanitário, privado ou municipal, queatende um único município, o qual não adotou aindametas de reciclagem nem elaborou o plano municipalde gestão. Poderá continuar recebendo resíduos urba-nos reaproveitáveis?Situação 2: aterro sanitário, privado ou municipal, queatende vários municípios, cada qual em estágios dife-rentes de cobertura de coleta seletiva e capacidade detriagem de recicláveis. Poderá continuar recebendo re-síduos urbanos reaproveitáveis?Situação 3: município com usina de compostagem efici-ente, mas sem mercado próximo para absorver toda aprodução de composto. Poderá compostar só parte dosresíduos, classificar o restante como rejeito e dispô-loem aterro sanitário?Situação 4: indústria em região distante de empresasrecicladoras. Poderá classificar seus resíduos industriaiscomo rejeitos e dispô-los em aterro sanitário, alegandorecuperação economicamente inviável em face do seucusto de transporte?Situação 5: indústria em região próxima de empresasrecicladoras, mas operando com prejuízo. Poderá classi-ficar seus resíduos industriais como rejeitos e dispô-losem aterro, alegando recuperação economicamenteinviável em face de sua própria situação econômica?(DEL BEL, 2012, p. 490-491)

Como afirma Del Bel (2012, p. 491):

Essa incerteza jurídica prejudicará indistintamente gerado-res, destinadores, serviços de limpeza urbana e agentes dosórgãos ambientais, pois todas as ações relacionadas aosrejeitos estarão sujeitas a interpretações imprevisíveis. Domesmo modo, poderá servir de brecha para manter práti-cas inadequadas, seja no setor público ou no privado. Seriamuito importante para o país fixar rapidamente uma in-terpretação clara do novo termo rejeito.

Por certo, essas questões serão destrinchadas com o porvir daaplicação da lei.

7 Situação jurídica almejada ou ponto ótimo na gestão deresíduos: não incidência da responsabilidade pós-consumopelo uso da chamada “governança” e a participação cidadãno trato dos resíduos

Sinais de que o sistema do comando e controle repressivo/ressarcitório previsto para a responsabilidade pós-consumo pode

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dar lugar a uma atuação preventiva/integradora e de sucesso peloemprego da chamada “governança” há vários.

A Comissão sobre Governança Global da Organização das Na-ções Unidas conceitua governança como:

[...] totalidade das diversas maneiras pelas quais os indi-víduos e as instituições, públicas e privadas, administramseus problemas comuns. É processo contínuo pelo qual épossível realizar ações cooperativas. Governança dizrespeito não só a instituições e regimes formais autori-zados a impor obediência, mas também a acordos in-formais que atendam aos interesses das pessoas e insti-tuições (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL,1996. p. 2).

Afirma Ribeiro (2011, p. 501) que “o maior sucesso em termosde efetividade dos instrumentos de responsabilidade ambiental estána desnecessidade de seu uso”.46

Para Yoshida (2012), “O novo cenário que se descortina é o daconstrução da sustentabilidade em cadeia, alcançando os setorespúblico e privado e buscando incentivar a disseminação da culturado cumprimento das normas ambientais positivadas no direito bra-sileiro, de cunho obrigatório (normas de ordem pública), bem comodos compromissos voluntariamente assumidos pelos diferentes ato-res interessados”. Nas atuações da Administração Ambiental, doMinistério Público47 e do Judiciário ganham espaço a celebração e

46 Para saber mais sobre o uso da governança sob a ótica de atuação do Minis-tério Público, ver RIBEIRO (2011).

47 A título de exemplo, recorda-se do caso relativo ao envase de cerveja emgarrafas PET. Trata-se da Ação Civil Pública 2002.61.11.001467-2, em cursona Justiça Federal no Estado de São Paulo. A ação foi proposta pelo Ministé-rio Publico Federal em face da União Federal e do Ibama, com o objetivo decondicionar o licenciamento ambiental de atividades de envase de cervejaem embalagens plásticas à adoção de medidas, pelo empreendedor, desti-nadas a evitar os danos ambientais decorrentes da utilização dessas emba-lagens plásticas. Os pedidos foram julgados procedentes, determinando-seque (i) o Ministério da Agricultura condicione o registro de cerveja embaladaem garrafa tipo PET – ou qualquer outra espécie de plástico – ao licenciamentoambiental junto ao Ibama, de modo a que este ultimo (ii) condicione a con-cessão da licença ambiental à adoção, por parte dos empreendedores, demedidas eficazes, devidamente estabelecidas em Estudo Prévio de ImpactoAmbiental e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA/Rima), destinadas a evitar os danos ambientais que decorram da utilizaçãode embalagens plásticas para o engarrafamento de cerveja. Trecho da sen-tença está disponível no Diário Eletrônico de Sentença de 05/06/08: <http://www.jfsp.gov.br/cgi-bin/consulta.cgi?Consulta=12&Mostra=1&Forum=16&NaoFrames=&Proc=200261110014672&Nr_Fase=115&Maximo=100>. Aces-so em: 11 out. 2012.

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o cumprimento adequados do Termo de Compromisso Ambiental(TCA), Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e acordos judici-ais, respectivamente, abrangendo os setores público e privados,conforme o caso. Entre os agentes financeiros e econômicos sur-gem instrumentos “além do comando e controle estatais”, cuja ce-lebração e implementação adequadas são movidas pelas vantagenseconômicas (Avaliação Custo-Benefício – ACB) e pela lógica domercado. São exemplos a adoção das políticas de responsabilidadesocioambiental corporativa, dos sistemas de gestão ambiental (ISO14.000, Produção Mais Limpa, entre outras), os “protocolosambientais e, mais recentemente, os acordos setoriais previstos pelaPolítica Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Lei 12.305/2010)”(YOSHIDA, 2012, p. 44, grifos nossos).

Ainda para Yoshida (2012, p. 45, grifos nossos),

o envolvimento deve ser de todos. Embora indispensá-vel, não é suficiente a atuação do Ministério Público edas Organizações Não Governamentais na defesa dosinteresses da coletividade. É preciso também fomentara mobilização e o envolvimento dos agentes financei-ros, econômicos, sociais e dos consumidores, organiza-dos por setores de atividades e em cadeia, parapotencialização dos resultados. Os agentes financiadorese os consumidores são os elos inicial e final da cadeia etêm papel fundamental na indução de comportamen-tos pautados pelos critérios de sustentabilidade, comoexigência crescente do mercado e da sociedade contem-porânea. Entre nós as atenções se voltam para aconscientização do consumidor, e as políticas e progra-mas para o desenvolvimento do consumo consciente ouresponsável estão ainda em fase incipiente e são deevolução complexa.

Reveste-se de suma importância a participação da CAIXA ECO-NÔMICA FEDERAL como promotora da sustentabilidade ao inte-grar/dispor dos instrumentos descritos, em razão de ser o principalagente promotor das políticas de fomento do Governo Federal dis-seminadas em singular rede capilar que a empresa possui no terri-tório nacional. O poder indutor que a estatal detém é incomum (!)e, se bem trabalhado, com eficiência e eficácia, ajusta-se com per-feição aos ditames da novel Lei nº 12.305/2010 e ao que ela prioriza:a função preventiva e não repressiva no trato da questão dos resí-duos sólidos.

Deve prevalecer, portanto, o incentivo à contínua formaçãode uma cidadania participativa. Fora a governança, a participaçãocidadã na vigilância de manutenção de um ambiente ecologica-mente equilibrado e, portanto, sem a ocorrência de danos

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

ambientais intoleráveis incapazes de fomentar a regeneração domeio ambiente degradado pode se dar pelo emprego de instru-mentos jurídicos aos quais já se fez referência e que são, no caso docidadão, a ação popular prevista no art. 5º, LXIII, da CF e no art. 1ºda Lei nº 4.717/1965 e, no caso de uma associação, por meio daação civil pública prevista no art. 5º da Lei nº 7.347/1985.48

Conclusão

A sociedade produz resíduos demais em consequência de pa-drões de produção e consumo insustentáveis. Resíduo é custo. Emuma elementar fórmula aritmética, resíduo é matéria-prima menoso produto fabricado. A produção é mais rentável se há redução deresíduo com base no ciclo de vida dos produtos. A PNRS é a lei dereferência na matéria sobre resíduos sólidos e instaura noordenamento jurídico brasileiro o marco regulatório sobre essaquestão crucial para o desenvolvimento sustentável do Brasil.

Como se disse, há uma mudança de paradigma da tutelaressarcitória/repressiva amparada por uma responsabilidade obje-tiva e solidária para ênfase em uma tutela preventiva calcada emuma responsabilidade subjetiva, não solidária, dos gestores de ris-co e a consequente ampliação das esferas de responsabilizaçãocumulativas – civil, administrativa, penal e de improbidadeambiental, incidentes na responsabilidade “de retaguarda” pós-consumo, para incluir agora a chamada responsabilidade “de guar-da” compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Diz-se “de guar-da” porque compactua com a função promocional do Direito de-fendida por Norberto Bobbio.

A PNRS traz ínsitos estímulos à sociedade desenvolver-se.Exemplifica-se:

1 – Pela expansão da atividade de fomento em razão da atua-ção estatal diferenciada que a incidência das prescrições da PNRSpromove nos serviços públicos, como é o caso da educação, porexemplo. Não custa lembrar que fomento é uma função adminis-trativa caracterizada pela ausência de compulsoriedade na ação

48 Exemplo: Processo 2013.01.1.016885-2. “O Instituto Brasileiro de Política eDireito da Informática ajuizou ação contra a Apple acusando-a de realizar“prática comercial abusiva” no lançamento do iPad de quarta geração. Aação está na 12ª Vara Cível de Brasília e o juízo negou a liminar requerida. Naação, foi citado o conceito de ‘obsolescência programada’. Do modelo origi-nal para o iPad 2 foram 14 meses; o da terceira geração chegou um anodepois e sete meses depois veio um novo modelo.” Também disponível em:<http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI172979,11049-Apple+e+processada+por+evoluir+o+iPad+rapido+demais>. Acesso em: 24 abr. 2014.

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do Estado. Não é uma função social imposta à sociedade. O Estadoa ninguém obriga valer-se dos instrumentos jurídicos de incentivo,“pois se está no campo da administração consensual, que se distin-gue da imperativa e de certa forma pode superá-la em eficiência,dependendo do objetivo que se proponha a alcançar”, nas pala-vras de Moreira Neto (2006, p. 524);

2 – Pela importância do apoio à implantação de consórciosinterfederativos, consubstanciada no art. 45 da PNRS. (Ver relató-rio de monitoramento do TCU – Tribunal de Contas da União029.173/2010-8, ACÓRDÃO 2.067/2008 e a instituição de medidasindutoras e linhas de financiamento para atendimento das diretri-zes preconizadas na lei49);

3 – Pelo amplo emprego das competências das pessoas políti-cas na concessão de incentivos fiscais, financeiros ou creditícios pre-visto no art. 44 da Lei;

4 – Pelo estímulo à formação de novos mercados entre os ge-radores de resíduos sólidos privados, mas que devem observar osprincípios da atividade econômica nas suas novas formas associativas,para que não haja violação à concorrência,50 situação que ocorrequando o comportamento da nova pessoa jurídica constituída im-plique ou possa implicar distorção das estruturas concorrenciais domercado. Exemplo: constituição da Associação Brasileira deReciclagem de Eletrodomésticos e Eletroeletrônicos (ABREE) auto-rizada pelo Ato de Concentração n. 08012.007477/2011-50 do Con-selho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) reunindo asempresas de eletrodomésticos e eletroeletrônicos.51

A Lei nº 12.305/2010 obrigará que haja revisão dos contratos deconcessão (comum e PPP – Parcerias Público-Privadas, instituídas pela

49 Acórdão 2.067/2008-Plenário, prolatado quando da apreciação do Relatóriode Auditoria Operacional na Funasa sobre a Ação “Implantação e Melhoriade Sistemas Públicos de Manejo de Resíduos Sólidos em Municípios de até50.000 Habitantes”. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/saneamento>.Acesso em: 24 abr. 2014.

50 Art. 173, § 4º da CF: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise àdominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbi-trário dos lucros”.

51 Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) – A possibilidade deconstituição da Associação Brasileira de Reciclagem de Eletrodomésticos eEletroeletrônicos. Ato de Concentração n. 08012.007477/2011-50 do Conse-lho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Requerentes: Eletrolux doBrasil S.A., Mabe do Brasil Eletrodomésticos Ltda., Panasonic do Brasil Ltda.,Philips do Brasil Ltda., Grupo SEB do Brasil – Produtos Domésticos Ltda.,Springer Carrier Ltda., Tec Toy S.A. e Whirlpool S.A. Relator: ConselheiroAlessandro Octaviani Luis. Publicado na Revista de Direito Administrativo,Editora FGV Direito Rio, p. 361 a 380, maio-ago. 2012.

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RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA PELO CICLO DE VIDA DO PRODUTO PREVISTA NA LEI N. 12.305/2010

Lei nº 11.079/2004) vigentes em razão de os concessionários assumi-rem obrigações novas neles não previstas (TURSI, 2012, p. 15-16).

A Lei prevê término dos “lixões” em agosto de 2014. Não ha-verá mais depósito de resíduos, somente de rejeitos.

A PNRS obrigará também uma readequação da legislação an-terior com ela conflitante por constituir-se no marco regulatóriodos resíduos sólidos, conforme § 2º do art. 2º da Lei de Introdução– Decreto-Lei nº 4.657/1942, “lex specialis derogat legi generali”.

E, em último fôlego e com auxílio de Benjamin (2011, p. 70),pergunta-se: “as alterações legislativas ou políticas deimplementação (da PNRS) mantêm ou ampliam as garantias do meioambiente?” Se a resposta for sim, a PNRS não é política que con-duz à degradação ambiental, ao contrário, dá concretude ao prin-cípio da proibição do retrocesso por não promover dispêndios deescassos recursos financeiros públicos, mas em poupança dos recur-sos materiais que ainda existem pela melhoria da qualidadeambiental.

Com base na perspectiva de afirmação de um modelo deresponsabilização preventivo no trato dos resíduos – antes da ocor-rência do dano ambiental – é que esse esboço foi elaborado.

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O PROTESTO EXTRAJUDICIAL E SUAS INCONSTITUCIONALIDADES

Da irrelevância da ordem de termosna cláusula mandatícia para

receber e dar quitação

Luís Gustavo FrancoAdvogado da CAIXA no Distrito Federal

Mestre em Direito pela Universidade Federalde Santa Catarina

RESUMO

A partir de um alerta sobre a hipotética dissonância de conteúdoentre cláusulas mandatícias expressas de forma diferente, realizamosum estudo doutrinário e jurisprudencial sobre o caso. A questão é umtanto específica, porém bastante presente na lide forense, com relatode vários advogados que já enfrentaram dificuldades no momentode levantar depósitos judiciais, por pretensa ausência de poderespara realização do ato. Este artigo busca construir, com argumentostécnicos, um entendimento capaz de gerar consenso entre as diversaspartes envolvidas (clientes, advogados, Poder Judiciário e instituiçõesdepositárias) em torno da equivalência das cláusulas “receber e darquitação” e “dar e receber quitação”.

Palavras-chave: Mandato. Procuração ad judicia. Poderesespeciais e expressos. Pagamento e quitação.

ABSTRACT

After an alert issued over the hypothetical dissonance of termsincluded in the clauses of power of attorney expressed differently,we then proceeded to a doctrinaire and jurisprudential study ofcase. It’s a somewhat specific question, although quite explicitlypresent in forensic daily chores, for we’ve had notice of a considerablenumber of fellow lawyers who have undergone a number ofdifficulties to withdraw money in judicial deposit due to the supposedabsence of specific powers to do so. This article means to achieve anunderstanding able to attract broad consensus among stakeholders(clients, lawyers, the Judiciary and depository institutions), based oncomprehensive technical arguments about the equivalency of theclause terms “receiving and giving discharge” and “giving andreceiving discharge”.1

1 Em inglês, essa controvérsia não existiria, uma vez que existe o termo“acquittance” como sinônimo de “dar quitação”. Então, ou se teria a cláusu-la “receiving and acquittance”, em que “receber” seria de fato situaçãodiversa e independente de “dar quitação”, ou a cláusula “receiving and

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LUÍS GUSTAVO FRANCO ARTIGO

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Keywords: Mandate. Power of attorney with an ad judiciaclause. Special and express powers. Payment and discharge.

Introdução

Sempre que um ato jurídico se realize por interposta pessoa,coloca-se o problema da análise da legitimidade da pessoa para arealização do ato. No caso de poderes conferidos por meio de pro-curação, põe-se a questão adicional de interpretar o teor do man-dato, por meio da análise de cláusulas específicas e sua extensão.

A preocupação de terceiros tem razão de ser, sobretudo em setratando de levantamento de depósitos judiciais, caso em que oPoder Judiciário e instituição financeira depositária podem ser con-denados solidariamente a restituir valores pagos de forma não au-torizada ou em desacordo com o conteúdo da procuração.

Ocorre que essa preocupação não pode se mostrar exacerba-da, a ponto de negar validade ao negócio firmado entre cliente(mandante) e advogado (mandatário), em desarrazoada ditadurada forma em detrimento do conteúdo, como se poder algum fosseconferido se determinados termos não estivessem transcritos desteou daquele modo.

Neste sentido, passo a analisar a eficácia jurídica de cláusulamandatícia, disposta em procuração ad judicia, acerca de poderesespeciais para “receber e dar quitação”, como forma substancial-mente equivalente a “dar e receber quitação”, em contrário àtese de que ambas teriam significados diversos e somente a pri-meira expressão autorizaria o recebimento de valores pelo man-datário.

1 Da controvérsia aparente

Em pesquisa sobre o tema, não identifiquei repercussão rele-vante ou conflito jurisprudencial significativo em instância supe-rior. No Superior Tribunal de Justiça existem apenas dois julgadosque referem a existência de poderes de “dar e receber quitação”,não sendo qualquer deles tido como impeditivo para a realiza-ção do ato que se pretendia ao argumento de que a legitimida-de decorreria apenas se constantes poderes para “receber e darquitação”.

No primeiro caso, a despeito do advogado ter poderes para“dar e receber quitação”, o problema havido foi o estado fático de

giving discharge” / “giving and receiving discharge” com o mesmo sentido(receber e dar quitação / dar e receber quitação), como se defende no pre-sente artigo.

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desaparecimento do representado, caso em que o valor levantadonão poderia ser repassado ao cliente:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. ADVOGADO.PROCURAÇÃO. PODERES PARA DAR E RECEBER QUI-TAÇÃO. DIREITO AO LEVANTAMENTO DA VERBA DE-POSITADA. SEGURADO NÃO ENCONTRADO.I - Afigura-se correta a decisão que indefere o pedi-do formulado pelo advogado para o levantamen-to integral do dinheiro depositado pelo INSS emfavor do segurado, tendo em vista que este seencontra desaparecido, e o profissional não terácomo repassar a quantia ao seu cliente.II - Hipótese em que, ademais, foi deferida a retiradade 15% sobre o montante, referentes aos honoráriosadvocatícios.Recurso desprovido. (REsp 212.694/SP, Rel. Ministro FelixFischer, Quinta Turma, julgado em 11/04/2000, DJ 15/05/2000, p. 182, grifos nossos).

No caso mais recente, é igualmente referida a existência deprocuração com poderes para “dar e receber quitação”, sendo ocerne do julgamento a autonomia do advogado para executarverbas honorárias devidas a título de sucumbência:

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIALPROMOVIDA PELA PARTE – HONORÁRIOS ADVOCA-TÍCIOS: LEVANTAMENTO PELO ADVOGADO – ART. 23DA LEI 8.906/94 – EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DEPROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS PARA DAR ERECEBER QUITAÇÃO – DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO.1. Não se configura o dissídio jurisprudencial quandonão demonstrada a similitude fática entre acórdãosconfrontados.2. Acórdão recorrido que indeferiu expedição dealvará em nome de advogado, em execução detítulo judicial promovida pela parte, porque nãoapresentada procuração com poderes especiaispara dar e receber quitação.3. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido deque, a teor do art. 23 da Lei 8.906/94, os honoráriossucumbenciais fixados na sentença transitada em julgadoé direito autônomo do advogado, podendo a exe-cução, nesse particular, ser promovida tanto pelaparte quanto pelo próprio advogado. Assim, mes-mo promovida pela parte, é possível o levantamen-to ou expedição de precatório dos honorários emnome do advogado, independentemente da apre-sentação de procuração com poderes especiais.4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte,provido. (REsp 874.462/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon,Segunda Turma, julgado em 21/10/2008, DJe 18/11/2008).

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Note-se que, em ambos os casos, não somente não houve dis-cussão em relação à ordem dos poderes, como também a existênciade poderes de “dar e receber quitação” foi entendida como con-dição satisfativa da exigência legal de poderes especiais para a prá-tica do ato.

2 Dos precedentes jurisprudenciais em sentido diverso

Uma vez que a divergência não é conhecida atualmente peloSuperior Tribunal de Justiça, efetuei pesquisa mais ampla intentan-do localizar precedente jurisprudencial alinhado à diversa inter-pretação. Novamente, encontrei referência a dois julgados.

O primeiro julgado é do Tribunal de Justiça do antigo DistritoFederal, então sediado no Rio de Janeiro, e data de 9 de abril de1957, época em que ainda vigia o Código de Processo Civil de 1939(a redação do artigo 108 corresponde à atual redação do artigo 38do Código de Processo Civil de 1973).

Trata-se da Apelação Cível 39797, indicada por De Paula (1976,p. 163). Moniz de Aragão (2003, p. 85-90) completa a referênciaindicando a publicação do julgado no DJ de 27/03/1958, p. 1357.

Nesse julgado, a controvérsia girava em torno de pagamentode perdas e danos. O advogado do exequente levantou a contada parte líquida da sentença e apresentou artigos para liquida-ção do restante, dispondo de poderes de “dar recibos e quita-ções”. A parte executada alegou que nada mais devia, em facede recibo em que se deu “plena e geral quitação para nada maisreclamar, de quem quer que seja, sob qualquer fundamento oupretexto”. O Tribunal decidiu que a quitação ficava restrita aosvalores líquidos levantados da conta, uma vez que o advogadotinha poderes para “dar recibos e quitações”, mas não os tinhapara “transigir”. Ou seja: com poderes para “dar recibos e quita-ções”, o advogado foi julgado apto a receber o pagamento, mui-to embora a procuração sequer referisse o termo “receber”, talcomo existente no artigo 108 do então Código de Processo Civilde 1939.

O segundo julgado é do igualmente extinto Tribunal Federalde Recursos, data de 30/11/1988 e é citado em comentários de doiseminentes processualistas ora transcritos:

Art. 38, 11a: Há um acórdão entendendo que “Acláusula de ‘dar e receber quitação’, evidentemen-te, não é a mesma que ‘receber e dar quitação’.Somente esta última é que confere ao advogadopoder de receber importância em nome de seu cli-ente”. (TFR, 1ª Seção, MS 124706-RS, rel. Min. CarlosThibau, v. u., j. 30.11.1988, DJU 20.3.1989, p. 3726).

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Art. 38, 11b: “O advogado legalmente constituído, compoderes na procuração para receber e dar quitação, temdireito inviolável à expedição de alvará em seu nome, afim de levantar depósitos judiciais e extrajudiciais” (RSTJ53/413 e STJ-RJ 195/55, Bol. AASP 1942/81j). O voto dorelator, em RSTJ 53/413, invoca os arts. 653 a 661 §1º doCC (CC rev. 934, 1288 e 1295 §1º), 36 e 38 do CPC e 70§5º da Lei 4215/63 (esta última foi revogada).No mesmo sentido: STJ-Bol. AASP 2049/524j, maioria;RT 704/139, 722/220, 824/281.É ilegal a portaria judicial determinando que o paga-mento seja feito à parte e não ao seu advogado, se aprocuração deste expressamente lhe conferir poderespara receber e dar quitação (RTRF 3ª Região 5/219).(NEGRÃO; GOUVÊA, 2006, p. 172, grifos nossos).

5. Receber e dar quitação. Da procuração deve constara cláusula que confere poderes ao procurador para re-ceber e dar quitação, independentemente da ordemem que essas expressões constem do instrumento domandato (“receber e dar quitação” ou “dar e receberquitação”). O procurador que receber esses poderes estáautorizado tanto a fazer como receber pagamento: “Seo receber, dará quitação; se o efetuar, receberá quita-ção” (Moniz de Aragão, RP 111/15). Em sentido con-trário, entendendo que para que sejam conferi-dos os poderes de receber e dar quitação serianecessário que essas expressões estivessem con-tidas, nessa ordem, na procuração: ex-TFR, 1ª Se-ção, MS 124706-RS, rel. Min. Carlos Thibau, v. u., j.30.11.1988, DJU 20.3.1989, p. 3726, in Negrão, CPC, art.38, nota 11a, p. 151. (NERY JUNIOR, 2008, p. 245, grifosnossos).

Nesse caso, com poderes para “dar e receber quitação” os ad-vogados do feito foram tidos como não habilitados a receber pa-gamento, porque “em suas procurações não constaria o poder es-pecial de receber importâncias”.

A respeito desse julgado, transcrevemos a definitiva lição domestre Moniz de Aragão, no já citado estudo, que por amplamen-te referenciado pela doutrina especializada, assim como pelo ab-soluto rigor técnico, vasta fundamentação e completo exercícioargumentativo em sucintas páginas, recomendamos como leituracomplementar sobre o assunto:

Passando à equação e solução do problema inicialmen-te posto, tenho na conta de irrecusável que a outorgaao procurador de poderes para dar ou para receberquitação habilita-o tanto a receber pagamento – latosensu – como a efetuá-lo. Se o receber, dará quitação;se o efetuar, receberá quitação. Pelo que julgou o Tribu-

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nal Federal de Recursos, para poder receber pagamen-to seria indispensável que o verbo receber fosse não sóinserido no texto como nele inscrito na mesma posição,na mesma ordem em que o situa a lei em seu teor. Poisbem, aplicado esse raciocínio formalístico à ditacláusula, teríamos esta conseqüência: procuradorhabilitado a receber pagamento não está autori-zado a efetuá-lo. Logo, o mesmo tribunal não re-putaria eficaz pagamento efetuado por quem nãotem poderes expressos e explícitos para pagar. Maisainda: quem paga, recebe, não dá quitação. Peloentendimento formalístico do Tribunal, quem ti-ver poderes para dar, não os tem para receber qui-tação. Essas considerações, parece-me, mostram que,por levar a letra da lei a ferro e fogo, a Corte lançou odisco muito além do ponto a que ela própria chegaria semeditasse o que afirmou – afirmação esta que o Tri-bunal teve na conta de evidente, o que me pareceinadmissível, pois tal vocábulo exprime o graumáximo da certeza (“a evidência é o resplendor doverdadeiro”) [Régis Jolivet, Curso de Filosofia, trad. deEduardo Prado de Mendonça, 11ª edição, Rio de Janei-ro, Liv. Agir Ed., 1972, n. 39, p. 69] e só poderia serempregado, portanto, se a conclusão (inaceitável,insista-se) não comportasse a mais mínima dúvi-da, o que obviamente não acontece.Examinemos a questão por outro ângulo: o outorgantedo mandato confere poderes para “dar e receberquitação” e descobre, depois, que poder algum con-cedera, visto que, pelo raciocínio do Tribunal Fede-ral de Recursos, o procurador assim constituído nadapoderia receber; por conseqüência, nenhuma quita-ção poderia dar. Do mesmo modo, desprovido fica-ria ele de autoridade para efetuar pagamento, atode disposição patrimonial que também exige pode-res expressos e explícitos (para o Tribunal, o de “pa-gar”) e, por conseguinte, não poderia receber qui-tação. Em suma: a outorga de tais poderes – dar e rece-ber quitação – seria inócua na medida em que prevaleça origor exasperadamente formal das impensadas afirma-ções contidas no aludido julgamento. […]Convenhamos que não é sensato reduzir a zero aeficácia da manifestação de vontade do mandan-te, que confere poderes ao mandatário para darquitação e este não pode fazê-lo por ausência depoderes para “receber” pagamento; e que lhe con-fere poderes para receber quitação mas esta nãopode ser recebida, por ausência de poderes para“efetuar” pagamento. […]Sensato parece-me, isto sim, a decisão do Tribunal deJustiça do antigo Distrito Federal, que não se enredouem formalismos e nada viu de irregular em o advogadoda parte “receber” pagamento, provido que estava de

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poderes para “dar recibos e quitações. (MONIZ DEARAGÃO, 2003, p. 87-88, grifos nossos).

3 Do atual tratamento jurisprudencial sobre a questão

A fim de atualizar o debate, permitimo-nos consultar e repro-duzir a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul(na ordem inversa de julgados, do mais recente ao mais antigo),considerada significativa dada a recorrência das manifestações e adiversidade de argumentos lançados em ementas que conduzem,inequivocamente, sempre à mesma conclusão:

DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO.PREVIDÊNCIA PÚBLICA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EXI-GÊNCIA DE QUE O ADVOGADO APRESENTE PROCURA-ÇÃO CONTENDO OS PODERES DE RECEBER E DAR QUI-TAÇÃO DE VALORES QUANDO O INSTRUMENTOPROCURATÓRIO DOS AUTOS JÁ CONTÉM OS PODERESDE DAR E RECEBER QUITAÇÃO. FORMALISMO EXCESSI-VO. Contendo a procuração anexada aos autos ospoderes previstos no artigo 38 do CPC, mais os definalidade específica e os especiais de dar e rece-ber quitação, é dispensável a apresentação de novoinstrumento contendo os poderes específicos dedar e receber quitação de valores, uma vez quequem pode dar e receber quitação pode fazê-loquanto ao montante recebido através de alvará.AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, NA FORMA DOARTIGO 557, §1-A, DO CPC. (Agravo de Instrumento Nº70058016809, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunalde Justiça do RS, relator: Laís Ethel Corrêa Pias, julgadoem 25/04/2014, grifos nossos).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTEN-ÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. JUNTADA DE PRO-CURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS PARA “RECEBER EDAR QUITAÇÃO”. DESNECESSIDADE. Se a parte credo-ra outorga poderes especiais ao seu procurador para“dar e receber quitação”, como se verifica na espécie,patente que se trata de poderes para receber o valor edar a quitação da dívida e não somente para receber aquitação e dar a quitação. Interpretação diversa seafigura inócua, uma vez que “receber quitação”não se configura um poder especial, mas meraconsequência que decorre do ato de pagar a dívi-da por parte do devedor. DERAM PROVIMENTO AORECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento Nº 70047188966, VigésimaQuinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator:Helena Marta Suarez Maciel, julgado em 22/05/2012,grifos nossos).

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO. EXECU-ÇÃO. LEVANTAMENTO DOS VALORES. PROCURAÇÃO.ART. 38 DO CPC. Inexiste diferença entre as expres-sões “dar e receber quitação” e “receber e darquitação”, devendo ser afastado tal formalismo.AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Ins-trumento Nº 70048240436, Terceira Câmara EspecialCível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Angela MariaSilveira, julgado em 11/04/2012, grifos nossos).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMEN-TOS. ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DE VALORES.PODERES ESPECIAIS. “RECEBER E DAR QUITAÇÃO”. Ospoderes especiais para “receber e dar quitação”dirigem-se a uma mesma pessoa, qual seja, o cre-dor. É o credor quem recebe (o valor) e “dá quita-ção” (da dívida). Se a parte credora outorga pode-res especiais aos seus procuradores para “dar ereceber quitação”, por evidente, trata-se de pode-res para receber o valor e dar a quitação da dívi-da, e não receber a quitação e dar a quitação. A inter-pretação a contrário sensu não encontra significado ló-gico, porquanto “receber quitação”, no caso, não é umpoder especial, mas mera consequência que decorre doato de pagar a dívida por parte do devedor. AGRAVOPROVIDO. EM MONOCRÁTICA. (Agravo de InstrumentoNº 70031929003, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Jus-tiça do RS, relator: Rui Portanova, julgado em 28/08/2009, grifos nossos).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSTRUMENTO DE MAN-DADO. PODERES ESPECIAIS PARA DAR E RECEBER QUI-TAÇÃO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ EM NOME DE ADVO-GADO. É cabível a expedição de alvará em nome deadvogado regularmente constituído com poderes espe-ciais para receber e dar quitação, nos termos do art. 38do CPC e do art. 623 da Consolidação Normativa Judici-al. Caso em que o fato de constar da procuraçãopoderes para “dar quitação, receber...“ em vez de“receber e dar quitação”, não impede a expediçãodo alvará em nome do procurador, pois o desloca-mento dos termos não alterou a interpretação aser extraída. Agravo de instrumento provido, de pla-no. (Agravo de Instrumento Nº 70023120116, SextaCâmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: ArturArnildo Ludwig, julgado em 14/02/2008, grifos nossos).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO. PODERES ES-PECIAIS PARA DAR E RECEBER QUITAÇÃO. EXPEDIÇÃODE ALVARÁ EM NOME DE ADVOGADO. POSSIBILIDA-DE. É cabível a expedição de alvará em nome de advo-gado regularmente constituído com poderes especiaispara receber e dar quitação, nos termos do art. 38 doCPC e do art. 623 do CNCGJ. Hipótese em que o fato

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de constar da procuração poderes para dar e rece-ber quitação, em detrimento de receber e dar qui-tação, não impede a expedição do alvará em nomedo procurador, pois têm o mesmo significado.Agravo de instrumento provido, de plano. (Agravo deInstrumento Nº 70011036480, Décima Sétima CâmaraCível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Jorge LuísDall’Agnol, julgado em 02/03/2005).

Por certo que é de se admitir o dissenso em torno de alguns dosargumentos apresentados, razão pela qual buscarei objetivar a dis-cussão, valendo-me dos conhecidos critérios de exegese, a fim dedeterminar se existe, do ponto de vista técnico, melhor hermenêuticaa se extrair como interpretação definitiva para a questão.

4 Da análise do problema posto à luz dos métodos deinterpretação

Do ponto de vista histórico, a questão já foi devidamentereconstruída por meio dos julgados referidos ao longo da presentemanifestação. Com efeito, considerando que a mais representativaexpressão da interpretação em sentido adverso é de um julgadocom mais de 25 anos e de um tribunal extinto, temos que padecede robustez e significância a corrente defendida a contrario sensu.

Em termos de interpretação gramatical, manda-nos a técnicaque a interpretação se faça de forma literal e restritiva. Essaliteralidade e restritividade não se tomam por exigência de maiorespecificidade na estipulação dos poderes, caso em que o manda-tário que detivesse poderes de simplesmente “receber” não os te-ria para receber “valores (1) em moeda corrente (2) nacional (3)”,dadas as três condicionantes passíveis de explicitação e especializa-ção. Isso inauguraria um caminho sem fim (e aparentemente é atrilha que se segue ao suscitar que “valores” seria o complementode “receber”).

Veja-se que a literalidade e restritividade impostas pela inter-pretação gramatical se cumprem justamente quando não se auto-riza a expansão do quanto dito, não se permitindo incluir elemen-tos diversos ou subentender complementos implícitos (como se fazem relação a “receber (valores)”), tanto mais estando expresso umcomplemento posterior que é plenamente cabível (“receber (e dar)quitação”).

Se “receber” fosse verbo intransitivo, admitir-se-ia que “rece-ber” e “dar quitação” seriam situações autônomas e que qualquercoisa pudesse ser recebida (inclusive “valores”), mas considerandoque “receber” e “dar” são verbos transitivos diretos, ligados poruma conjunção aditiva “e”, é corolário lógico que ambos têm o

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mesmo complemento (“quitação”), sendo a mesma coisa “recebere dar quitação” ou “dar e receber quitação”.

Essa interpretação confere significado jurídico distinto às ex-pressões “dar quitação” e “receber quitação”, no que fica eviden-te o dissenso referido a um dos argumentos utilizados pelo Tribu-nal de Justiça do Rio Grande do Sul (de que “receber quitação”não seria um poder especial e mera consequência do ato de pa-gar), o qual será oportunamente enfrentado.

Ademais, se fosse legítima a inserção de elemento estranho(“valor”, “importância” ou “pagamento”), qualquer outro pode-ria ser invocado, inclusive de modo mais apropriado, como recebi-mento de “alvará”, de “ordem de levantamento” ou de “manda-do judicial”, dos quais efetivamente o advogado estaria a dar qui-tação em nome da parte (lembremos estar tratando de poderesconferidos em procuração ad judicia, portanto para prática de atosprocessuais).

De igual modo, é de se considerar que “receber pagamento”não é ato processual em sentido estrito, uma vez que não ocorrenaturalmente em todo processo, logo não haveria como se estipu-lar por meio do Código de Processo Civil que fosse erigido à condi-ção de ato cuja prática demandasse poder especial.

Por fim, interpretação nesse sentido afastaria a riqueza de hi-póteses em que se poderia invocar o vocábulo, como todos os atosdecorrentes de cumprimento de obrigações de dar (diferente de“valor”, “importância”, “dinheiro”) ou de obrigações de fazer. Cito,a título de ilustração, todos os casos em que os advogados nãoestariam legitimados a dar ou receber quitação em causas com na-tureza satisfativa, como prestação de contas ou exibição de docu-mentos (valeriam apenas se e quando feitos pessoalmente à parterepresentada, fora dos autos).

A solução que adiante apresentamos pretende conjugar oselementos lógico, argumentativo, sistemático e teleológico, razãopor que se a reputa a tecnicamente mais adequada para o caso emconcreto.

Está fora de controvérsia que para receber pagamento, consi-derado em sentido lato, carece o advogado de poderes expressos eespeciais. Tal realidade se depreende de uma interpretação siste-mática, quando buscamos elementos de convencimento na doutri-na e jurisprudência civilistas (veja-se que tanto o Código Civil comoo Estatuto da OAB não dispõem pormenorizadamente acerca dospoderes especiais, como o faz o Código de Processo Civil):

Em doutrina, afirma-se a necessidade de poderes es-peciais para a prática de diversos atos, consideradosfora do âmbito dos poderes ordinários de administra-

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ção: i) celebração de casamento (v. arts. 1535 e 1542);ii) representação do testamenteiro (v. art. 1985); iii)concessão de fiança (v. arts. 818-839) (RT 188/812 e114/158); iv) oferecimento de queixa-crime (art. 44 doCPP e art. 40, “c” da L. 5250/67); v) aceitação do per-dão (art. 55 do CPP); vi) emissão de cheques (RTRF 83/130), aceite de cambial (RF 68/141 e RF 101/137) oulevantamento de dinheiro (RF 92/121); vii) confis-são de dívidas (RF 68/148) (Serpa Lopes, Curso, vol. IV,p. 286, e Washington de Barros Monteiro, Curso, p.272; para lista mais extensa, v. Carvalho Santos, pp.173-179). (TEPEDINO; BARBOSA; BODIN DE MORAES,2006, p. 434, grifos nossos).

Questão prévia a ser esclarecida, portanto, é justamente oconteúdo do que sejam esses “poderes especiais e expressos”.Mais uma vez, suscitemos o que resume a doutrina em relaçãoao tema:

Todavia, outra questão ainda se coloca e está na exatacompreensão do que sejam poderes especiais e expres-sos, inclusive para verificação sobre se possuem signifi-cado diverso e próprio ou se, ao referi-los, ambos, olegislador apenas pretendeu reforçar a cautela com atosde disposição ou gravação praticados por mandatário.Pois, se a propósito na doutrina e, em especial, na juris-prudência, grassa grande divergência, deve-se partir dosuposto de que a lei não contém termos inúteis, semsignificação própria. Por isso é que, para muitos, as ex-pressões têm conteúdo próprio. Assim, poderes expres-sos identificam, de forma explícita (não implícita ou tá-cita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo,o poder de vender). Já os poderes serão especiais quan-do determinados, particularizados, individualizados osnegócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, opoder de vender tal ou qual imóvel). Destarte, se nomandato se outorgam poderes de venda, mas sem pre-cisão do imóvel a ser vendido, haverá poderes expres-sos mas não especiais, inviabilizando então a consuma-ção do negócio por procurador. É certo, porém, comoCarvalho Santos adverte (Código Civil brasileiro inter-pretado, 5ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v.XVIII, p. 163), que, se o mandato envolve a outorga depoderes para venda de todos os imóveis do mandante,terá sido cumprida a exigência de poderes especiais. Jáquanto à identificação da pessoa com quem haverá omandatário de negociar, a exigência tem sido restritaaos atos de liberalidade (v.g., PONTES DE MIRANDA,Tratado de Direito Privado, 3ª. ed., São Paulo, RT, 1984,t. XLIII, § 4679, n. 3, p. 38), porquanto intuitu personae,como sucede com a doação, por exemplo (ver ALVIM,Agostinho. Da doação, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1972,p. 31-3). (PELUSO, 2008, p. 615-616).

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Ora, se o poder de “vender” não se entende como especial eexpresso pelo só fato de não haver determinação do que possa servendido, em verdade, o poder que se confere é nenhum. Admitirque quem detenha poderes de vender não o possa fazer porquenão esteja individualizada a coisa a ser vendida é retirar por com-pleto o conteúdo do mandato conferido, reduzindo a nada a ma-nifestação de vontade do outorgante e tornando absolutamenteinócua a colocação do termo em qualquer procuração. Será umpoder havido como expresso e especial (porque tem de constar emprocuração) e totalmente ineficaz (porque jamais poderá ser exer-cido). Nesse entendimento estamos igualmente acompanhados dadoutrina:

Veja-se que toda a matéria é controversa, por exemplo,sustentando De Plácido e Silva [Tratado do mandato eprática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989,v. I.] a desnecessidade do que considera ser um reforçode expressões, já que, a seu ver, o sentido de poderespecial já integra o sentido de expresso (op. cit., p. 216),de seu turno defendendo Sílvio Rodrigues que sejade todo ocioso identificar-se, em mandato que jácontenha poderes para a venda, o exato bem a servendido (Direito Civil, 28ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002,v. III, p. 291). De toda sorte, menos discutível que a ou-torga de poderes especiais deva ser interpretada deforma restritiva, a fim de que não se admita deduzidodo poder de vender o de hipotecar, ou vice-versa, dopoder de vender o de prometer vender, como de resto opróprio §2º do artigo em comento explicita não se com-preender no poder de transigir o de firmar compromis-so, verdadeiro regulamento de arbitragem (Lei n. 9307/96). (PELUSO, 2008, p. 616, grifos nossos).

Tal consideração conduz a uma conclusão interessante. Nãose aceita que poderes especiais expressamente mencionados emlei e que caracterizam negócios jurídicos distintos decorram unsdos outros (vender de hipotecar, vender de prometer vender,transigir de firmar compromisso). Mas, considerando uma pre-missa teleológica, em vista do imperativo de se encontrar algu-ma racionalidade para as disposições de vontade, de dar a elasum significado útil e, sobretudo, prover as necessidades práti-cas da vida, admite a doutrina que determinados poderesabranjam outros, tidos como complementares ao que se tomapor principal, ou quando lhes sejam meramente instrumentaisou consequentes:

Excepcionalmente, todavia, poder-se-á deduzirpoderes implícitos de outro especialmente confe-rido, quando lhe seja instrumental ou conseqüen-

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te. Assim, por exemplo, compreende-se no poderde vender o de receber o preço e dar quitação, node comprar o de receber a coisa, no de cobrar le-tras o de protestá-las.2

Em termos de analogia, temos aqui um precedente importan-te. Se, no âmbito do direito material, quem pode vender está habi-litado a receber o preço e dar quitação (que exigiria poderes pro-cessuais especiais), quem tem poderes para dar quitação, por ób-vio, está igualmente legitimado a receber o preço (valor levanta-do, no caso dos depósitos judiciais).

Entretanto, não precisamos lançar mão desse recurso, uma vezque tal entendimento é também sufragado pela doutrinaprocessualista. Verificamos, assim, que tanto civilistas quantoprocessualistas acordam sobre o ponto:

Ao tempo do CPC/39, De Plácido e Silva [Comentários aoCódigo de Processo Civil (de 1939), 3ª ed., vol. I, Curitiba,Ed. Guaíra Ltda., 1949, n. 278, p. 212] foi além da sim-ples alusão ao texto das leis civil e processual comque outros se satisfizeram. Para ele, “casos há emque, mesmo não determinado de modo claro ouexplícito, o poder está implicitamente contido oué consequente dos poderes dados. Assim, porexemplo, quando se outorga mandato, mesmo adjudicia, para cobrar executivamente uma letra decâmbio, sem dúvida que o mandatário, mesmoque não se tenha feito referência específica ao atode receber e dar quitação, está autorizado a rece-ber toda soma cambial do título e a dar quitaçãoao aceitante ou ao coobrigado que se executou”.Para Carvalho Santos [Código de Processo Civil Interpre-tado (de 1939), 4ª ed., vol. II, Rio de Janeiro, Liv. Ed. FreitasBastos, 1954, p. 92], igualmente, “quem tem poderespara receber, os tem igualmente para dar reciboou quitação de quantia recebida, mesmo porqueo devedor não é obrigado a pagar sem que lheseja dada quitação regular, nos termos do art. 939”(do Cód. Civil [de 1916, atual artigo 319 do Cód. Civil de2002]).Segue nesse rumo a lição de Pontes de Miranda [Trata-do de Direito Privado, 3ª ed., vol. 43, Rio de Janeiro, Ed.Borsoi, 1972, § 4679, n. 3, p. 33-34], posto não refirapagamento e quitação: “Por vezes, o poder especial,que se outorga, supõe outro, que dele depende.Por exemplo: o poder de hipotecar é poder que vemapós o de contrair dívida, que se garanta com a hipote-ca (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 21 de outu-bro de 1949, RF 129/407), salvo se alguma dívida já exis-

2 Peluzo, Cezar (coord.). Idem, ibidem.

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te, ou vai existir, e se haja de pré-excluir outorga depoder para a assunção. O poder de administrar imóveislocáveis compreende o de dar em locação (2ª Turma, 24de dezembro de 1943, AJ 72,19)”. Essa é a linha depensamento adotada por Serpa Lopes [Curso de DireitoCivil, vol. IV, Rio de Janeiro, Ed. Freitas Bastos, 1958, n.538, p. 249]: “O mandato não só atinge os atos paraos quais foi concedido como ainda se estende aquantos forem necessários à sua boa execução”; eSilvio Rodrigues [Direito Civil, 7ª ed., vol. III, São Paulo,Ed. Saraiva, 1977, n. 126, p. 292]: “É claro que a outor-ga de alguns poderes implica necessariamente ade outros, que lhes são conexos”. (MONIZ DEARAGÃO, 2003, p. 88-89, grifos nossos).

Por fim, do ponto de vista lógico e argumentativo, receber(ainda que fosse o valor correspondente à condenação) seria pres-suposto lógico, condição necessária e suficiente à quitação (só sepode dar quitação de algo que se recebe). Quem pode o mais,pode o menos; se posso “dar quitação” é lógico que posso rece-ber aquilo que corresponde e autoriza a entrega da quitação.

Toda a linha de raciocínio ora delineada obriga-nos, por ho-nestidade científica, ao enfrentamento de uma hipótese extraor-dinária que se coloca. Admitimos anteriormente que “receber” serefere à “quitação”, diante do que podemos ter três situaçõesautônomas: a de constituição de poderes exclusivamente para “darquitação”, exclusivamente para “receber quitação” ou para “re-ceber e dar quitação” (equivalente, para todos os efeitos, a “dare receber quitação”).

Pode-se naturalmente cogitar de situação em que o mandantereserve a si o direito de receber o pagamento e confira ao mandatá-rio o poder de dar quitação. Imaginemos que determinado deve-dor, na pendência de ação de cobrança, procure o credor para fazerum pagamento (por qualquer motivo: liberação de um bem jáconstrito judicialmente; evitar que outros sejam penhorados etc.). Éjuridicamente possível e perfeitamente crível supor que o credor-mandante tenha todo o interesse em receber o pagamento, assimcomo queira reservar ao advogado-mandatário o encargo de, cien-te da realidade processual, dar a respectiva quitação (total ou parci-al, conforme o caso). Por certo que a razoabilidade de tal procederdeverá ser aferida caso a caso, de modo que o devedor não se sujei-te ao mero capricho do credor, considerando que – a despeito domandato – ele continua com poderes para praticar pessoalmente oato de dar quitação e não pode usar da prerrogativa em abuso dedireito, como subterfúgio para, em termos práticos, recusar ouinjustificadamente dificultar o exercício do direito do devedor emobter a quitação.

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Da mesma forma, poderá ocorrer a situação inversa. Podemosconceber situação em que o mandante prefira reservar-se o direitode efetuar o pagamento e conceder ao mandatário o poder dereceber a quitação. Basta imaginar um caso que envolva a mitigaçãode risco jurídico, como o empregador doméstico que realiza o pa-gamento de determinadas verbas (salariais, rescisórias etc.) e solici-te que a respectiva quitação seja dada por advogado, nos termosda lei (com plena, geral e irrestrita quitação de quaisquer outrasverbas devidas em função do contrato de trabalho, comespecificação das respectivas rubricas em que o valor global foi pagoetc.). Disso decorre a conclusão, adiantada anteriormente, de con-ferirmos juridicidade à cláusula “receber quitação” não como meradecorrência do ato de receber pagamento.

Esse também é o entendimento da doutrina:

Nessa linha de raciocínio, figuremos as hipóteses de omandante haver recebido, ele próprio, o pagamen-to e conferir poderes ao mandatário para “darquitação”; ou de haver efetuado o pagamento econferir poderes para “receber quitação”. É natu-ral, como salienta Pontes, que nessa situação os po-deres não podem ser interpretados fora dos limi-tes da peculiaridade que cerca e informa a outor-ga. Em suma, o exame do caso fornecerá as coor-denadas da exegese do conteúdo da procuração.Mas não é descabido, ao contrário, é perfeitamentenormal, extrair de poderes “especiais e expressos”a verdadeira gama de atribuições delegadas atra-vés do mandato (MONIZ DE ARAGÃO, 2003, p. 89,grifos nossos).

Conclusão

De todo o exposto, temos que:a) para levantamento de valores depositados judicialmente

com procuração ad judicia, devem ser aceitas – indistintamente –,por equivalentes, as previsões expressas de poderes especiais para“receber e dar quitação” e “dar e receber quitação”;

b) juridicamente, basta inclusive que o advogado detenha opoder de “dar quitação”, uma vez que o ato de receber o valorcorrespondente é um poder conexo implícito e antecedente lógicoda quitação que se está habilitado a dar;

c) em nenhuma hipótese poderá ser considerada suficiente aprevisão de poderes exclusivamente para “receber quitação”, umavez que esta apenas autoriza que o mandatário efetue o paga-mento do valor devido pelo mandante e obtenha, em nome deste,a respectiva quitação do valor pago.

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Referências

DE PAULA, Alexandre. Código deProcesso Civil Anotado. São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 1976. vol.1.

MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu.Dar e receber quitação. Revista Fo-rense, Rio de Janeiro, ano 99, v.367, p. 85-90, maio-junho de 2003.

NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, Jo-sé Roberto F. Código de Proces-so Civil e legislação processualem vigor. São Paulo: Saraiva,2006.

NERY JUNIOR, Nelson. Código deProcesso Civil comentado e le-gislação extravagante. São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 2008.

PELUSO, Cezar (coord.). CódigoCivil comentado: doutrina e ju-risprudência. 2ª ed. rev. e atual.Barueri, SP: Manole, 2008.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOSA,Heloisa Helena; BODIN DEMORAES, Maria Celina. CódigoCivil interpretado conforme aConstituição da República. Riode Janeiro: Renovar, 2006. vol. II.

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O PROTESTO EXTRAJUDICIAL E SUAS INCONSTITUCIONALIDADES

O protesto extrajudicial e suasinconstitucionalidades

Martiane Jaques La-FlorMestre em Direito pela Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS)Especialista em Direito Imobiliário e em Direito

Notarial e Registral

RESUMO

O presente trabalho de investigação científica tem comoobjetivo compreender e aprofundar os estudos sobre a lei doprotesto extrajudicial – LP (Lei 9.492/97), cotejando-a com a lei dosnotários e dos registradores – LNR (Lei 8.935/94), Código de ProcessoCivil – CPC (Lei 5.869/73) e Constituição Federal de 1988. Dessecotejo vislumbraremos possíveis incoerências encontradas na Leique rege o serviço delegado de protestos de títulos e outrosdocumentos de dívida. O diálogo com os princípios da igualdade eda dignidade humana trará o fim da celeuma quanto àresponsabilização do tabelião de protesto, bem como quanto aintimação e prazo do protesto.

Palavras-chave: Protesto. Cartório. Lei 9.492/97. Direitoempresarial.

ABSTRACT

This scientific research aimed at understanding and to deepenthe studies about the law of extrajudicial protest - LP (Law 9.492/97), comparing it with the law notaries and registrars - LNR (Law8.935/94), Code Civil Procedure - CCP (Law 5.869/73) and the FederalConstitution of 1988. From this collating we will observe possibleinconsistencies found in the delegate service of protests law. Thedialogue with the principles of equality and human dignity willbring an end to a stir regarding to the liability of the notary protest,as well as the summons and of the protest term.

Keywords: Protest. Notary. Law 9.492/97. Business law.

Introdução

O presente trabalho explora as particularidades dos atos la-vrados nos tabelionato de protestos, erroneamente denominadosde cartórios, de maneira a aclarar sobre suas incompatibilidadescom outras fontes normativas existentes no ordenamento jurídico.

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MARTIANE JAQUES LA-FLOR ARTIGO

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Justifica-se a realização deste trabalho por este buscar dirimiros questionamentos enfrentados sobre a utilização ou não da leide protesto.

A Lei que regulamenta os serviços notariais e de registros noBrasil, Lei 8.935/94, traz algumas discrepâncias referentes à Lei espe-cial que regulamenta o protesto de títulos, Lei 9.492/97, especifica-mente quando trata da responsabilidade advinda da prática profis-sional desse serviço público delegado. Nesse diapasão será analisa-da tal celeuma, bem como seus reflexos jurídicos notariais e registrais.

A doutrina é escassa ou muitas vezes rasa ao abordar o protes-to de títulos, limitando-se muitas vezes a apenas transcrever a leide protesto, não se debruçando sobre questões latentes e quiçáinconstitucionais como a referente ao ato de intimação realizadopelo tabelionato de protesto quando do protesto lavrado, lacunaque o presente trabalho tem a pretensão de preencher.

Do mesmo modo, o prazo exíguo de três dias para pagamentoda dívida no tabelionato sob pena de protesto é perfunctoriamen-te abordado por apenas duas Corregedorias Gerais de Justiça doBrasil, as quais modificaram o termo inicial, promovendo certo alon-gamento no prazo.

Busca-se, por conseguinte, analisar as discrepâncias da Lei 9.492/97 com os princípios constitucionais, mandados de otimização namoderna constitucionalização dos Direitos.

1 Do protesto de títulos e outros documentos de dívida

Os serviços notariais e de registros, expressão trazida por de-terminação do artigo 236, parágrafo primeiro da Constituição Fe-deral de 1988, devem ser regulamentados por meio de lei federal1,consequentemente, em novembro de 1994 foi promulgada a Lei8.935, denominada Lei dos Notários e dos Registradores.

Os serviços notariais são gênero dos quais o tabelionato denotas e o tabelionato de protesto são espécies, da mesma maneiraque o serviço registral é gênero das espécies registro civil de pesso-as naturais, registro civil de pessoas jurídicas, registro de títulos edocumentos, registro de imóveis e tabelionato e registro de con-tratos marítimos (art. 2º, LRP e 5º, LNR).

Trataremos neste trabalho do serviço extrajudicial da lavraturado protesto exercido no Tabelionato de Protesto, antigamentedenominado cartório de protesto, de maneira que quando nosreferirmos ao termo “tabelionato” este estará apenas designandodita espécie.

1 A competência constitucional para legislar sobre registros públicos é privati-va da União, segundo artigo 22, XXV, CF.

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O PROTESTO EXTRAJUDICIAL E SUAS INCONSTITUCIONALIDADES

1.1 Sistematização do protesto

Entre todas as atribuições privativas2 elencadas no artigo 11da Lei 8.935/943, e artigo 3º da Lei 9.492/974, fica a cargo dotabelionato de protesto a lavratura do protesto.

O protesto pode ser judicial ou extrajudicial, este último é pro-cessado perante o tabelião de protesto sem intervenção do juiz e édefinido pelo art. 1º da lei de protesto como “ato formal e solenepelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obri-gação originada em títulos e outros documentos de dívida”. PorCoelho (1998, p. 415) é definido como “ato praticado pelo credorperante o competente cartório, para fim de incorporar ao título decrédito a prova de fato relevante para as relações cambiais”. Me-lhor definição fica com Rosa Junior (2007, p. 384):

é ato cambiário público, formal, extrajudicial e unitárioque tem por finalidade comprovar a falta ou recusa deaceite ou de pagamento, bem como outros fatos rele-vantes para as relações cambiais, visando principalmen-te à salvaguarda dos direitos cambiários do portador.

O procedimento de lavratura do protesto é multifásico, pri-meiramente temos a denominada apresentação do título ou docu-mento de dívida perante o tabelião de protesto. Anota-se que, emmunicípios onde exista mais de um tabelionato de protesto, os ofí-cios distribuidores são obrigatórios (art. 7º, LP).5 Esses ofícios fazem

2 Competência privativa diz respeito à matéria de competência própria e com-petência exclusiva afasta qualquer possibilidade de outro órgão ou pessoapraticar ato em questão.

3 “Art. 11. Aos tabeliães de protesto de título compete privativamente: I -protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova dodescumprimento da obrigação; II - intimar os devedores dos títulos paraaceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto; III - receber o paga-mento dos títulos protocolizados, dando quitação; IV - lavrar o protesto,registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma dedocumentação; V - acatar o pedido de desistência do protesto formuladopelo apresentante; VI - averbar: a) o cancelamento do protesto; b) as altera-ções necessárias para atualização dos registros efetuados; VII - expedir cer-tidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.”

4 “Art. 3º Compete privativamente ao Tabelião de Protesto de Títulos, natutela dos interesses públicos e privados, a protocolização, a intimação, oacolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, dotítulo e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar oprotesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, procederàs averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos osatos praticados, na forma desta Lei.”

5 “Art. 7º Os títulos e documentos de dívida destinados a protesto somenteestarão sujeitos a prévia distribuição obrigatória nas localidades onde hou-ver mais de um Tabelionato de Protesto de Títulos.

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a distribuição dos títulos e dos documentos a serem protestados emrazão de quantidade e qualidade (art. 8º, LP e art. 13, LNR)6 demaneira que haja uma distribuição equânime entre os tabelionatosda cidade, evitando competições descabidas entre os tabeliães.

No ato de apresentação é feita a análise da competência. Sen-do verificada a incompetência, deve-se devolver o título ou docu-mento de dívida, o que muitas vezes ocasiona o procedimento dedúvida inversa.7

Portanto, apresentado o título ou no tabelionato ou no ofíciodistribuidor, pelo portador do título sujeito a protesto (frisa-se queé portador, não necessariamente interessado), este será apontadoou protocolizado (art. 9º, LP)8 no prazo impreterível de 24 horas

Parágrafo único. Onde houver mais de um Tabelionato de Protesto de Títu-los, a distribuição será feita por um Serviço instalado e mantido pelos própri-os Tabelionatos, salvo se já existir Ofício Distribuidor organizado antes dapromulgação desta Lei.”

6 “Art. 8º Os títulos e documentos de dívida serão recepcionados, distribuídose entregues na mesma data aos Tabelionatos de Protesto, obedecidos oscritérios de quantidade e qualidade.Parágrafo único. Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos dasDuplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou degravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade doapresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a merainstrumentalização das mesmas.”“Art. 13. Aos oficiais de registro de distribuição compete privativamente: I -quando previamente exigida, proceder à distribuição eqüitativa pelos servi-ços da mesma natureza, registrando os atos praticados; em caso contrário,registrar as comunicações recebidas dos órgãos e serviços competentes; II -efetuar as averbações e os cancelamentos de sua competência; III - expedircertidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.”

7 À parte o debate de ser ou não possível o procedimento de dúvida nostabelionatos de notas, o procedimento de dúvida tem previsibilidade notabelionato de protesto no artigo 18, LP: “As dúvidas do Tabelião de Protes-to serão resolvidas pelo Juízo competente”. Já a dúvida inversa é aquela emque o apresentante desgostoso com a recusa do tabelião ingressa direta-mente no Judiciário para ver sua pretensão de protestar aceita. Sobre pro-cedimento de dúvida verificar artigo 198 (“Havendo exigência a ser satisfei-ta, o oficial indicá-la-á [sic] por escrito. Não se conformando o apresentantecom a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seurequerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competentepara dirimí-la [sic], obedecendo-se ao seguinte: [...]”) e seguintes da Lei deRegistros Públicos – Lei 6.015/73.

8 “Art. 9º Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão exami-nados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios,não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescriçãoou caducidade.Parágrafo único. Qualquer irregularidade formal observada pelo Tabeliãoobstará o registro do protesto.”

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O PROTESTO EXTRAJUDICIAL E SUAS INCONSTITUCIONALIDADES

(art. 5º, LP)9, ou seja, ingressará no livro de protocolo da serventia(art. 32, LP)10, constando o número de ordem, a natureza do títuloou documento de dívida, o valor a ser protestado, o nome doapresentante do título a protesto, o nome do devedor11 e possíveisocorrências, tais como ser o título protestado, sustado, irregular oupago. Na prática acrescenta-se ainda mais uma coluna, a do “tipode protesto”, que poderá ser comum ou falimentar (art. 23, LP).12,13

O livro de protocolo nada mais é do que um indicador pessoal e aomesmo tempo objetivo, uma vez que nele figurará o nome dosdevedores e apresentantes e os documentos levados a protesto.

Protocolizado, receberá o apresentante recibo com as caracte-rísticas essenciais do título (§ ún., art. 5º, LP) e o título será analisa-do formalmente pelo tabelião ou escrevente autorizado.14 Essa

9 “Art. 5º Todos os documentos apresentados ou distribuídos no horário regu-lamentar serão protocolizados dentro de vinte e quatro horas, obedecendoà ordem cronológica de entrega.Parágrafo único. Ao apresentante será entregue recibo com as característi-cas essenciais do título ou documento de dívida, sendo de sua responsabilida-de os dados fornecidos.”

10 “Art. 32. O livro de Protocolo poderá ser escriturado mediante processomanual, mecânico, eletrônico ou informatizado, em folhas soltas e com colu-nas destinadas às seguintes anotações: número de ordem, natureza do títu-lo ou documento de dívida, valor, apresentante, devedor e ocorrências.Parágrafo único. A escrituração será diária, constando do termo de encerra-mento o número de documentos apresentados no dia, sendo a data daprotocolização a mesma do termo diário do encerramento.”

11 São responsabilidade do apresentante os dados fornecidos (§ único do art.5º, LP). Até mesmo quanto ao valor protestado: art. 11, LP – “Tratando-se detítulos ou documentos de dívida sujeitos a qualquer tipo de correção, o paga-mento será feito pela conversão vigorante no dia da apresentação, no valorindicado pelo apresentante”.

12 “Art. 23. Os termos dos protestos lavrados, inclusive para fins especiais, porfalta de pagamento, de aceite ou de devolução serão registrados em umúnico livro e conterão as anotações do tipo e do motivo do protesto, alémdos requisitos previstos no artigo anterior.Parágrafo único. Somente poderão ser protestados, para fins falimentares,os títulos ou documentos de dívida de responsabilidade das pessoas sujeitasàs conseqüências da legislação falimentar.”

13 Segundo Afonso (2006, p. 63), há três tipos de protesto para fim especial: opara mera comprovação da data do aceite; os títulos com vencimento acerto termo de vista; e o para fim falimentar.

14 A remuneração dos empregados é livremente ajustada e está sob o regimeda legislação do trabalho. Tais empregados estão divididos, coforme Ceneviva(2010, p.73), em: “auxiliar”, empregado contratado para serviços gerais,com ou sem capacitação técnica para o oficio registrário ou notarial; “escre-vente”, empregado com capacitação técnica para o serviço – e aqui o autorfaz a ressalva que este não poderá lavrar testamentos no caso do Tabelionatode Notas; “escrevente substituto”, empregado com capacitação técnica ple-

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análise formal não diz respeito à prescrição ou caducidade do títu-lo (art. 9º, LP), mas sim a caracteres necessários para que o títuloseja considerado um título de dívida. Por exemplo, sendo apresen-tada uma letra de câmbio, deverá constar o nome do sacado, apalavra “letra” e todos os requisitos para que tal título exista comoletra de câmbio, conforme art. 1º do Dec. 57.663/66; do mesmomodo o cheque deverá possuir os requisitos do art. 1º da Lei 7.357/85. O tabelião também deverá averiguar sobre traduçãojuramentada de títulos e outros documentos de dívida em moedaestrangeira emitidos fora do Brasil (art. 10, LP)15,16.

Ato contínuo, ocorrerá a intimação do devedor para compa-recer ao tabelionato para aceitar17, pagar ou devolver18 no prazode três dias úteis (art. 12, LP)19, considerando-se cumprida quando

na, habilitado a praticar simultaneamente com o titular todos os atos daatividade tabelioa; “escrevente encarregado”, um dos substitutos que su-pre o titular em suas ausências e impedimentos. Havendo extinção da dele-gação, o substituto mais antigo assumirá a responsabilidade frente à serventia(art. 39, § 2º, LNR).

15 “Art. 10. Poderão ser protestados títulos e outros documentos de dívida emmoeda estrangeira, emitidos fora do Brasil, desde que acompanhados detradução efetuada por tradutor público juramentado. § 1º Constarão obri-gatoriamente do registro do protesto a descrição do documento e sua tra-dução. § 2º Em caso de pagamento, este será efetuado em moeda correntenacional, cumprindo ao apresentante a conversão na data de apresentaçãodo documento para protesto. § 3º Tratando-se de títulos ou documentos dedívidas emitidos no Brasil, em moeda estrangeira, cuidará o Tabelião deobservar as disposições do Decreto-lei nº 857, de 11 de setembro de 1969, elegislação complementar ou superveniente.”

16 Há quem defenda (AZEVEDO, 2008, p. 27) que, além da tradução juramentada,o título deve estar previamente registrado no Registro de Títulos e Documen-tos, forte na Lei de Registros Públicos em seu artigo 129 (“Estão sujeitos aregistro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relaçãoa terceiros: [...] 6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompa-nhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições daUnião, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou emqualquer instância, juízo ou tribunal”).

17 Aceite é ato cambial privativo do sacado, possível em títulos que denotamordem de pagamento (duplicata, letra de câmbio), ou seja, só aquele querecebe uma ordem é que pode concordar ou não com ela. Concordando coma ordem de pagamento que o sacador emite, o sacado dará o seu aceite,tornando-se devedor principal da obrigação.

18 Quando um título é enviado para aceite, poderá o devedor, além de não oaceitar, retê-lo.

19 “Art. 12. O protesto será registrado dentro de três dias úteis contados daprotocolização do título ou documento de dívida. § 1º Na contagem do prazoa que se refere o caput exclui-se o dia da protocolização e inclui-se o dovencimento. § 2º Considera-se não útil o dia em que não houver expedientebancário para o público ou aquele em que este não obedecer ao horárionormal.”

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comprovada a sua entrega no endereço indicado pelo apresentante(art. 14, LP).20 O ato de intimar visa levar ao conhecimento do deve-dor, a pedido da parte credora, que o título ou documento dedívida foi apresentado para protesto.

Após a intimação, o devedor, comparecendo ao tabelionato,poderá aceitar ou pagar o título extinguindo o processo de protes-to. Será dada a quitação21, e o valor apurado será entregue aocredor, no primeiro dia útil subsequente ao recebimento (§ 2º, art.19, LP).22

Por outro lado, poderá ocorrer a sustação do protesto querpor meio de decisão judicial (art. 17, § 1º, LP)23, quer por ato do

20 “Art. 14. Protocolizado o título ou documento de dívida, o Tabelião de Pro-testo expedirá a intimação ao devedor, no endereço fornecido peloapresentante do título ou documento, considerando-se cumprida quandocomprovada a sua entrega no mesmo endereço. § 1º A remessa da intimaçãopoderá ser feita por portador do próprio tabelião, ou por qualquer outromeio, desde que o recebimento fique assegurado e comprovado através deprotocolo, aviso de recepção (AR) ou documento equivalente. § 2º A intimaçãodeverá conter nome e endereço do devedor, elementos de identificação dotítulo ou documento de dívida, e prazo limite para cumprimento da obriga-ção no Tabelionato, bem como número do protocolo e valor a ser pago.”

21 Arts. 319 e 320, CC.22 “Art. 19. O pagamento do título ou do documento de dívida apresentado para

protesto será feito diretamente no Tabelionato competente, no valor igualao declarado pelo apresentante, acrescido dos emolumentos e demais despe-sas. § 1º Não poderá ser recusado pagamento oferecido dentro do prazolegal, desde que feito no Tabelionato de Protesto competente e no horário defuncionamento dos serviços. § 2º No ato do pagamento, o Tabelionato deProtesto dará a respectiva quitação, e o valor devido será colocado à disposi-ção do apresentante no primeiro dia útil subseqüente ao do recebimento. § 3ºQuando for adotado sistema de recebimento do pagamento por meio decheque, ainda que de emissão de estabelecimento bancário, a quitação dadapelo Tabelionato fica condicionada à efetiva liquidação. § 4º Quando do paga-mento no Tabelionato ainda subsistirem parcelas vincendas, será dada quita-ção da parcela paga em apartado, devolvendo-se o original ao apresentante.”

23 “Art. 17. Permanecerão no Tabelionato, à disposição do Juízo respectivo, ostítulos ou documentos de dívida cujo protesto for judicialmente sustado. § 1º Otítulo do documento de dívida cujo protesto tiver sido sustado judicialmente sópoderá ser pago, protestado ou retirado com autorização judicial. § 2º Revogadaa ordem de sustação, não há necessidade de se proceder a nova intimação dodevedor, sendo a lavratura e o registro do protesto efetivados até o primeirodia útil subseqüente ao do recebimento da revogação, salvo se a materializaçãodo ato depender de consulta a ser formulada ao apresentante, caso em que omesmo prazo será contado da data da resposta dada. § 3º Tornada definitiva aordem de sustação, o título ou o documento de dívida será encaminhado aoJuízo respectivo, quando não constar determinação expressa a qual das parteso mesmo deverá ser entregue, ou se decorridos trinta dias sem que a parteautorizada tenha comparecido no Tabelionato para retirá-lo.”

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próprio tabelião de protesto, que verificou por si alguma irregula-ridade. Ou mesmo, poderá o apresentante desistir do protesto (art.16, LP)24, ato esse voluntário e cuja conveniência pertence somenteao apresentante.

Não pagando, não aceitando ou não devolvendo o título (art.21, LP), no prazo de três dias úteis contados da sua protocolização,será lavrado o seu protesto, salvo se a intimação for realizada no últi-mo dia ou além do prazo legal, fato que retarda a lavratura do pro-testo para o primeiro dia útil subsequente (art.13, LRP)25, com anota-ção específica do motivo da extrapolação do prazo (art. 20, LP).26

O ato de lavratura do termo de protesto ocorrerá no livro deprotesto da serventia (arts. 23 e 33 LP)27, devendo conter colunaspara as seguintes informações (art. 22, LP): I - data e número deprotocolização; II - nome do apresentante e endereço; III - repro-dução ou transcrição do documento ou das indicações feitas peloapresentante e declarações nele inseridas; IV - certidão dasintimações feitas e das respostas eventualmente oferecidas, ou seja,referir se foi intimado pessoalmente ou por edital; V - indicaçãodos intervenientes voluntários e das firmas por eles honradas, istoé, interveniente voluntário é aquele que aceita um título para evi-tar o protesto e honrar o nome daquele que figura no título comodevedor; VI - a aquiescência do portador ao aceite por honra, querdizer, nos casos de intervenção voluntária o portador do título poderecusar o aceite por intervenção, razão de ser obrigatória a suaaquiescência; VII - nome, número do documento de identificaçãodo devedor e endereço; VIII - data e assinatura do tabelião de pro-testo, de seus substitutos ou de escrevente autorizado.

Posteriormente, poderá ainda ocorrer o cancelamento do pro-testo (art. 26, LP)28, note-se que a sustação do protesto ocorrerá

24 “Art. 16. Antes da lavratura do protesto, poderá o apresentante retirar otítulo ou documento de dívida, pagos os emolumentos e demais despesas.”

25 “Art. 13. Quando a intimação for efetivada excepcionalmente no último diado prazo ou além dele, por motivo de força maior, o protesto será tirado noprimeiro dia útil subseqüente.”

26 “Art. 20. Esgotado o prazo previsto no art. 12, sem que tenham ocorrido ashipóteses dos Capítulos VII e VIII, o Tabelião lavrará e registrará o protesto,sendo o respectivo instrumento entregue ao apresentante.”

27 “Art. 33. Os livros de Registros de Protesto serão abertos e encerrados peloTabelião de Protestos ou seus Substitutos, ou ainda por Escrevente autoriza-do, com suas folhas numeradas e rubricadas.”

28 “Art. 26. O cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamen-te no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado, median-te apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará arquivada. § 1ºNa impossibilidade de apresentação do original do título ou documento dedívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificaçãoe firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como

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antes da lavratura deste, enquanto o cancelamento ocorrerá após.O cancelamento decorre ou do pagamento do título, ou por de-terminação judicial com trânsito em julgado.

É possível haver averbações junto ao instrumento de protesto(art. 25, LP)29, que são atos de retificações de informações erronea-mente contidas nos livros de protesto ou anotações necessárias aocumprimento adequado do trabalho na serventia. Segundo Silva(2005, p. 183):

a averbação quando feita em assento ou documentoanterior registrado tem a mesma função do assento oudo registro originário: o de dar publicidade ao ato, quevem, por qualquer modo, modificar, alterar ou ampliaro mesmo assento ou registro, que se cumpriu, anterior-mente, pela inscrição, pela transcrição, pelo arquivamen-to ou pelo registro, ao mesmo tempo para que possavaler contra terceiros.

No mesmo sentido, Ceneviva (2010, p. 78): “Averbação é atoacessório da lavratura do protesto [...] consiste em realizar nota, àmargem do assento originário, mencionando a finalidade [...]”. Oato de cancelamento do protesto, por exemplo, é feito por meiode averbação junto ao seu registro.

Conquanto a responsabilidade advinda de protesto irregularrecaia, geralmente, sobre o apresentante, há casos em que ela éproveniente de ações efetuadas na serventia extrajudicial.

credor, originário ou por endosso translativo. § 2º Na hipótese de protestoem que tenha figurado apresentante por endosso-mandato, será suficientea declaração de anuência passada pelo credor endossante. § 3º O cancela-mento do registro do protesto, se fundado em outro motivo que não nopagamento do título ou documento de dívida, será efetivado por determi-nação judicial, pagos os emolumentos devidos ao Tabelião. § 4º Quando aextinção da obrigação decorrer de processo judicial, o cancelamento do re-gistro do protesto poderá ser solicitado com a apresentação da certidãoexpedida pelo Juízo processante, com menção do trânsito em julgado, quesubstituirá o título ou o documento de dívida protestado. § 5º O cancelamen-to do registro do protesto será feito pelo Tabelião titular, por seus Substitu-tos ou por Escrevente autorizado. § 6º Quando o protesto lavrado for regis-trado sob forma de microfilme ou gravação eletrônica, o termo do cancela-mento será lançado em documento apartado, que será arquivado junta-mente com os documentos que instruíram o pedido, e anotado no índicerespectivo.”

29 “Art. 25. A averbação de retificação de erros materiais pelo serviço poderáser efetuada de ofício ou a requerimento do interessado, sob responsabili-dade do Tabelião de Protesto de Títulos. § 1º Para a averbação da retificaçãoserá indispensável a apresentação do instrumento eventualmente expedi-do e de documentos que comprovem o erro. § 2º Não são devidosemolumentos pela averbação prevista neste artigo.”

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1.2 Responsabilidade do titular

A Lei 8.935/94 traça apenas competências, infrações e deveresa que os serventuários extrajudiciais estão submetidos. É lei geralsobre os serviços notariais. Quanto ao serviço notarial de protestode títulos, há uma lei especial, promulgada em 20 de setembro de1997, a Lei 9.492, denominada Lei do Protesto.

Após a Constituição de 5 de outubro de 1988, o termo “car-tório” foi substituído pela expressão “Serviços Notariais eRegistrais” e o regime jurídico do Notariado modificou-se, sendoa partir de então exercido em caráter privado, por delegação doPoder Público, ou seja, uma pessoa física (tabelião ou registra-dor) veio a ser investida na função pública, configurando-se comoagente público, o que “não transforma o delegado em servidorpúblico. Apenas investe o particular nos poderes para a práticade ato considerado como função pública” (GRAEFF JUNIOR, 1998,p. 90).

A doutrina de direito administrativo, com ênfase em HelyLopes30 e Celso Bandeira de Mello31, o denomina particular comcolaboração com o Poder Público, ou seja, agente público que exer-ce função estatal.

Os delegados de notas e registros não são servidores públicoscomo há muito tem entendido o Supremo Tribunal Federal32; são,opostamente, agentes públicos que exercem função estatal dele-gada por meio de concurso público de provas e títulos (arts. 14, I e15 da Lei 8.935/94). Ceneviva (2009, p. 14) leciona: “O caráter pri-vado os distingue do serviço público oficial ou oficializado, sub-

30 “Agentes delegados: são particulares - pessoas físicas ou jurídicas, que nãose enquadram na acepção própria de agentes públicos - que recebem aincumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço públicoe o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normasdo estado e sob a permanente fiscalização do delegante. [...] constituemuma categoria à parte de colaboradores do Poder Público” (MEIRELLES, 2009,p. 82).

31 Dentro dessa categoria, o autor abre uma subclassificação, enquadrando osnotários como “delegados de função ou ofício público”, ressaltando queestes não se confundem com os concessionários e permissionários, pois nes-tes a atividade desempenhada é material e naqueles, jurídica. E segue oautor afirmando que a delegação não se confunde com uma simples habili-tação, ou seja, ato meramente recognitivo de atributos pessoais para odesempenho de tais funções. A habilitação aferida em concurso público épressuposto para a investidura, já que a delegação propriamente dita é atosucessivo ao concurso no qual adjudica um serviço a dado sujeito, perdendo-a somente nas hipóteses elencadas na Lei 8.935/94 em seu artigo 28 (MELLO,2010, p. 252-253).

32 Não se incluem na regra de aposentadoria compulsória: ADI 2602.

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metido a servidores públicos, integrados na administração direta eem cargos de carreira, nos moldes do art. 37, CF”. Segue ainda:

O notário e o registrador não exercem cargo público,mas são agentes públicos. Agem como representantesda autoridade pública, eles mesmos providos de autori-dade, posto que substituem, por delegação, o Estado,em serviços deste (CENEVIVA, 2010, p.49.)

Desde a edição da Lei 6.015, de 1973, que somente veio avigorar em 1976, a responsabilidade desses agentes era considera-da subjetiva, diga-se, havia a análise de dolo ou culpa para even-tual responsabilização. Esse argumento era corroborado pelo arti-go 28 da citada lei: “Art. 28. Além dos casos expressamente consig-nados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuí-zos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indi-carem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro”.

Com o advento da Constituição Federal em 1988, muitos pas-saram a defender que havia uma responsabilidade objetiva porparte do Estado, com fulcro no artigo 37, § 6º desta, com direitoregressivo contra o titular com base em responsabilidade subjetiva.É o que sustenta Ceneviva (2010, p. 175):

à vista do que determina o art. 37, § 6º, da Constituiçãoe da interpretação dada pelo Pleno do Supremo Tribu-nal Federal quanto à natureza da relação entre o dele-gado notarial ou registrário e o Estado, este responde,nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direitoregressivo contra o titular do serviço em caso de dolo ouculpa.

Em 1994, por exigência do artigo 236, § 1 º, CF, promulgou-se a Lei 8.935, cujo artigo 22 tratou da responsabilidade dos no-tários e dos registradores, trazendo-a expressamente como obje-tiva frente ao titular e subjetiva quando do regresso contra osprepostos.33 Isso se valida em razão de que apesar de os “cartóri-os” possuírem cadastro nacional de pessoa jurídica – CNPJ – sãoconsiderados entes despersonalizados34, sendo a pessoa física ti-

33 Art. 22 da LNR: “Os notários e oficiais de registro responderão pelos danosque eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios daserventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ouculpa dos prepostos”.

34 “Processo Civil. Cartório De Notas. Pessoa Formal. Ação Indenizatória. Reco-nhecimento De Firma Falsificada. Ilegitimidade Passiva. O tabelionato nãodetém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoaldo titular da serventia.” (STJ 4ª Turma. Recurso Especial nº 545.613-MG. Rel.Min. César Asfor Rocha).

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tular que exercerá a atividade de forma pessoal e permanente(art. 14 LNR).

O debate, porém, ocorre porque a Lei 9.492/97 trouxe para ostabeliães de protesto uma responsabilidade subjetiva, destoandodo que a lei geral do notariado havia apregoado: “Art. 38. OsTabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis portodos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmen-te, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que autoriza-rem, assegurado o direito de regresso”.

A maioria dos doutrinadores defende a prevalência da lei ge-ral (Lei 8.925/94), contrariando a regra da lei de introdução dasnormas do direito brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), na qual a leiespecial prevaleceria sobre a lei geral. Acautelam-se nos princípios,primordialmente no da igualdade, pois seria incongruente um ta-belião de notas responder objetivamente, com fulcro no artigo 22da Lei 8.935/94, e um tabelião de protestos responder subjetiva-mente, com fulcro no artigo 38 da Lei 9.492/97, notários que são,profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegadoo exercício da atividade notarial (art. 3º, LNR) com iguaiscapacitações: dar forma jurídica à vontade das partes, intervir deforma imparcial nos atos aos quais as partes querem dar forma le-gal ou autenticidade, com expedição de cópias fidedignas e au-tenticar fatos (art. 6º, LNR).

Ressalta-se que quem figurará no polo passivo da demanda éo tabelião, pois, conforme mencionado, a serventia não detémpersonalidade jurídica:

RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO – DANOMORAL – TABELIONATO – ILEGITIMIDADE PASSIVA –RECONHECIMENTO. O Tabelionato de Protesto de Tí-tulos é ente desprovido de personalidade jurídica, nãosendo parte passiva legítima para responder à ação deindenização por dano moral e patrimonial. Preceden-tes deste Tribunal e do STF. Apelação provida, ao efei-to de acolher-se a preliminar de ilegitimidade passivasuscitada. (TJ/RS - Apelação Cível n.º 70011320058, Rel.Des. Umberto Guaspari Sudbrack, julgado em 28/04/2005).

Atrelados aos princípios, que são mandados de otimização quese irradiam sobre as normas, percebemos outros dissensos na Lei9.492/97.

2 Das inconstitucionalidades da lei de protesto

Para uma lei ser tida por constitucional, ela não poderá mediataou imediatamente afrontar o texto constitucional. E, quando fala-

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mos em texto constitucional, albergamos, além das normas, tam-bém os princípios.

Ávila (2009, p. 39) explica que os princípios são normasfinalísticas, visto que estabelecem um fim a ser atingido, enquantoas regras são normas descritivas para cuja aplicação se exige a ava-liação da correspondência entre a construção conceitual da descri-ção normativa e a construção conceitual dos fatos, tudo embasadoem princípios que lhe dão suporte.

Destarte devemos fazer interpretação conforme a Constitui-ção Federal, movimento que no Direito civil ganhou o nome de“constitucionalização do Direito privado” e que hoje já inclui oDireito público. Ou, como prefere Marques (2012, p. 16), devemosbuscar um “diálogo das fontes” de maneira a colocar os direitosfundamentais como ponto de partida para qualquer leitura denormas.

2.1 Intimação – conflito com o princípio da igualdade

Conforme esboçado na seção anterior, após a protocolizaçãodo título ou documento de dívida, o tabelião deverá intimar odevedor. O processo desse ato de intimação, nos termos da Lei 9.492/97, merece algumas considerações.

A primeira delas diz respeito ao modo pelo qual pode ocorrera intimação. De acordo com o parágrafo primeiro do artigo 14 daLei de Protesto, a intimação poderá ser feita pessoalmente pelopróprio tabelião ou funcionário, aviso de recebimento (AR) ouequivalente.

Tendo a lei autorizado o uso do AR, não prospera a justificati-va de que sendo a pessoa residente ou domiciliada fora da compe-tência territorial do tabelionato a intimação deva se dar por edital,conforme exigência do artigo 15 da mesma lei. Tal entendimentoainda não é compartilhado pelos Tribunais, vejamos:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RESPONSABI-LIDADE CIVIL. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. REPARA-ÇÃO DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. RESPONSABILI-DADE CIVIL DO TABELIÃO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.LEI 9.492/97. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PROTES-TO. LETRA DE CÂMBIO. FALTA DE ACEITE. SACADODOMICILIADO FORA DA COMPETÊNCIA TERRITO-RIAL DO TABELIONATO. INTIMAÇÃO POR EDITAL. RE-GULARIDADE DO PROTESTO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCI-TO. DEVER DE REPARAR INEXISTENTE. OMISSÃO NÃOCONFIGURADA. Inexistência dos vícios previstos no art.535 do CPC, não se prestando os embargos à redis-cussão de matéria já apreciada. EMBARGOS DE DE-CLARAÇÃO NÃO ACOLHIDOS. (Embargos de Declara-

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ção Nº 70047817838, Nona Câmara Cível, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, julgadoem 28/03/2012).

O mesmo Tribunal, todavia, aceita a intimação por AR fora dacompetência territorial quando se tratar de comprovação de morade contrato com garantia de alienação fiduciária, em evidenteafronta à isonomia:

Ementa: AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE BUSCA E APRE-ENSÃO. PROTESTO DE TÍTULO EFETUADOPOR TABELIONATO LOCALIZADO EM COMARCA DI-VERSA DAQUELA EM QUE O CONSUMIDOR RESIDE,ARTIGO 15 DA LEI 9.492/97. POSSIBILIDADE. Paracomprovação da mora, nos contratos de financiamentocom garantia de alienação fiduciária, é necessária anotificação extrajudicial do devedor por intermédiode carta expedida por Cartório de Títulos e Documen-tos ou o protesto do título, a critério do credor (§ 2ºdo art. 2º do Decreto-Lei 911/69). A própria lei queregulamenta os serviços concernentes ao protesto detítulos autoriza a realização de protesto pelo Tabe-lião de local diverso, no caso de a pessoa ser domiciliadaou residente em Comarca que não está incluída nacompetência territorial do Tabelionato onde o títulofoi apresentado para protesto. AGRAVO INTERNOPROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo Nº 70051741155,Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça doRS, Relator: Sejalmo Sebastião de Paula Nery, julgadoem 08/11/2012).

A exposição do nome do devedor em edital que será pu-blicado em jornal e afixado na serventia (art. 15, § 1º, LP) fereo princípio da dignidade humana. Oliveira e Barbosa (2009, p.72) afirmam que tal artigo “não condiz com os princípios pro-cessuais, afastando do devedor, ou suposto devedor, o diretoda ampla defesa e do contraditório, exposto no art. 5º, LV, danossa Carta Magna”. Do mesmo pensar é Darold (1998, p. 64):“não dá efetividade às garantias constitucionais [...] ressenti-do-se o art. 15, com efeito e nesta parte, de flagrante inconsti-tucionalidade”.

O princípio da dignidade tem por amparo os princípios daampla defesa e do contraditório. A Constituição Federal garan-te a ampla defesa e o contraditório em todos os procedimentosjudiciais e administrativos. O ato de protesto no tabelionato deprotesto é ato administrativo, vinculando-se também às regrasdo art. 5, LV, CF, motivo que reclama uma efetiva e corretaintimação do possível devedor, para que, primeiramente, ob-tendo conhecimento de demanda contra sua pessoa, possa de-

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fender-se ao verificar não ser ele o responsável pela obrigaçãoveiculada no título. Somente assim terá tempo hábil para pedi-do de sustação do protesto.

A Corregedoria-Geral de Justiça do Distrito Federal, vislum-brando esse disparate, editou em suas normas a obrigatoriedadeda prévia tentativa postal antes da expedição do edital, até mes-mo porque a função do instituto da intimação é dar ciência aalguém dos atos e termos de um processo, para que faça ou deixede fazer alguma coisa (art. 234, CPC):

Art. 90. A intimação será feita por edital se a pessoaindicada para aceitar ou pagar for desconhecida, residirem lugar incerto ou não-sabido, tiver residência ou do-micílio fora do Distrito Federal ou, ainda, ninguém sedispuser a recebê-la no endereço fornecido peloapresentante.§ 1°. No caso de o devedor ser domiciliado fora do Dis-trito Federal, sua intimação se dará por edital depois defrustrada a tentada por via postal.

O princípio da dignidade humana ocupa um lugar de desta-que no nosso ordenamento, fazendo da pessoa um titular de di-reitos e garantias que deverão ser assegurados pelo Estado Demo-crático de Direito não somente de forma negativa (ao impedirsupressões) como também de forma positiva (ao garantir efetiva-mente esses direitos).

Em relação à eficácia dos direitos fundamentais, Sarlet (2007,p. 470) ressalta o cunho eminentemente principiológico da nor-ma contida no art. 5, § 1º, CF, que impõe aos órgãos estatais eparticulares que “outorguem a máxima eficácia e efetividade aosdireitos fundamentais, em favor dos quais milita uma presunçãode imediata aplicabilidade e plenitude eficacial”.

Todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-sevinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana (SARLET,2009, p. 121) e, sendo o notário um delegado do Poder Públicoque exerce atividade estatal, está inserido nessa sentença junta-mente com o Legislativo e o Judiciário.

A mais, percebe-se afronta ao princípio da igualdade, quepara Moraes (2005, p. 82) sofre uma tríplice finalidade limitadora:limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e aoparticular. Ao legislador, no exercício constitucional de ediçãonormativa, sob pena de flagrante inconstitucionalidade; ao in-térprete/autoridade pública, que não poderá aplicar as leis eatos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumen-tar desigualdades arbitrárias; e ao particular, o qual não poderáguiar-se em condutas discriminatórias, preconceituosas ou racis-

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tas, sob pena de responsabilidade civil e penal. (MORAES, 2005,p.82).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é incisiva sobreas finalidades do princípio da igualdade:

O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamen-tal de nossa ordem político-jurídica – suscetível de re-gulamentação ou de complementação normativa. Esseprincípio – cuja observância vincula, incondicionalmen-te, todas as manifestações do Poder Público – deve serconsiderado, em sua precípua função de obstar discri-minações e de extingüir privilégios (RDA 55/114), sobduplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igual-dade perante a lei. A igualdade na lei – que operanuma fase de generalidade puramente abstrata – cons-titui exigência destinada ao legislador que, no proces-so de sua formação, nela não poderá incluir fatores dediscriminação, responsáveis pela ruptura da ordemisonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressu-pondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aosdemais poderes estatais, que, na aplicação da normalegal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejemtratamento seletivo ou discriminatório. A eventualinobservância desse postulado pelo legislador imporáao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva deinconstitucionalidade. (STF – MI n. 58-DF – Pleno – m. v.– 14.12.90 – rel. p/ acórdão Min. Celso de Mello, DJU de19.4.91, p. 4.580).

Uma diferenciação que não se sustenta: AR para quem estános limites territoriais, edital para quem não está; AR para contra-tos de alienação fiduciária, edital para os demais. O certo seria exi-gir esgotamento das diligências para localização do devedor.35 Di-videm do mesmo voto Oliveira e Barbosa (2009, p. 67): “A solução

35 “Ementa: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ARRENDAMENTO MER-CANTIL. PROTESTO INVÁLIDO. INTIMAÇÃO POR EDITAL. AUSÊNCIA DE PRO-VA DE ESGOTAMENTO DAS DILIGÊNCIAS PARA A LOCALIZAÇÃO DO DEVE-DOR. EXTINÇÃO DO PROCESSO MANTIDA. I. O direito de o credor arrendantereaver o bem que se encontra na posse do devedor está diretamente ligadoà caracterização da mora do último. Súmula 369, do STJ. II. Constituição dodevedor em mora que pode ser realizada pela simples entrega da notifica-ção no endereço do devedor, informado no contrato, sendo desnecessário oseu recebimento pessoal, ou pelo protesto do título. Em se tratando dereintegração de posse de bem objeto de contrato de arrendamento mer-cantil, não se exige que a notificação extrajudicial se dê por meio de Cartóriode Títulos e Documentos, tal como ocorre na ação de busca e apreensão. III.É inválida a intimação do protesto por edital quando não configuradas ashipóteses do art. 15 da Lei n° 9.492/97 e não demonstrado que o credoresgotou as possibilidades de localização da devedora. IV. Não comprovada a

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mais plausível para todo esse imbróglio seria uma mudança na le-gislação, preservando o mesmo tríduo legal, com a contagem doprazo semelhante ao previsto no art. 241 do CPC”.

O ato de protesto perde sua característica de ser prova deinadimplência, passando a aniquilador de crédito de um devedorem potencial, visto que poderá ele já ter pagado o título ou havererro ou dolo que aniquilem o direito de crédito do credor. A inse-gurança jurídica é evidente, o conhecimento efetivo de débito nãoé levado ao, em tese, devedor.

Outra contradição é encontrada no prazo posterior à lavraturado protesto.

2.2 Prazo do protesto - uma afronta à dignidade

Segundo o artigo 12 da lei 9.492/97, o protesto será registra-do dentro de três dias úteis contados da protocolização do títuloou documento de dívida. Sublinha-se que o tríduo legal não serácontado da data em que o devedor tiver ciência do futuro protes-to, mas sim da data do apontamento do título na serventia.

A regra é essa, podendo levar à situação esdrúxula de o deve-dor apenas ter um dia para levantar o valor necessário para saldarsua dívida e não ter o seu nome restrito nos cadastros de crédito.Explico: se protocolado o título ou documento de dívida no dia 2,teremos como data limite para pagamento o dia 5, entretanto podeocorrer de o devedor somente ser intimado no dia 4, ou mesmo nodia 5 ou outro dia além dessa data, circunstância que lhe dará ape-nas um dia para saldar o débito no tabelionato de protesto. Co-mentando essa regra, Oliveira e Barbosa (2009, p. 63) afirmam:

Ora, sob esse prisma, o devedor teria claramente cerce-ado o seu direito de contestar o protesto perante otabelião e não teria tempo para invocar o Judiciário,caso tivesse interesse em discutir a existência ou não daobrigação de pagar. Nesse diapasão, é evidente que anorma fere princípios constitucionais [...].

Parizatto (2002, p. 44) também elucida: “tal prazo, que cons-tará obrigatoriamente da intimação, deverá ser três dias úteis, con-tados da intimação”.36

regular constituição em mora do devedor, cabível a extinção da ação, mas porausência dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e re-gular do processo, na forma do art. 267, IV, do CPC. APELAÇÃO DESPROVIDA.”(Apelação Cível Nº 70045193109, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, julgado em 13/09/2012).

36 No mesmo sentido, Abrão (2004, p. 37) e Müller (2006, p. 45).

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Percebe-se o caráter mais sancionatório que saneador do ar-tigo 12 da Lei de Protesto, pois a lei não visa buscar a satisfaçãodo crédito, mas colocar o devedor em uma situação de total ur-gência e desespero. Não se quer aqui defender o não pagamen-to, mas sim uma forma humanizada de cumpri-lo, de possibilitarao devedor ao menos três dias para a adimplência. Esse foi o en-tendimento esboçado pela Corregedoria-Geral de Justiça do RioGrande do Sul, que na sua Consolidação Normativa Notarial eRegistral estatuiu:

Art. 741 – O protesto será lavrado e registrado:I – dentro de três dias úteis, contados da data daintimação do devedor;II – no primeiro dia útil subseqüente, quando o pro-testo sustado por ordem judicial deva ser lavrado ouquando o pagamento do título não se tenha consu-mado, por devolução do cheque pela Câmara de Com-pensação.§ 1º – Na contagem do prazo, exclui-se o dia do aponta-mento e inclui-se o do vencimento.§ 2º – Não será considerado útil o dia em que o expedi-ente bancário para o público não obedeça ao horárionormal. (RIO GRANDE DO SUL, 2013, p. 161-162, grifonosso).

A Corregedoria de Justiça do Distrito Federal perfilhou o mes-mo entendimento:

Art. 101. O prazo de três dias úteis para pagamento,aceite, devolução ou manifestação da recusa contar-se-á:I “ da ciência do fato, quando a intimação houver sidopessoal ou por carta, excluído o dia do começo e compu-tado o do vencimento;II “ da publicação da intimação por edital, excluído o diada publicação e incluído o do vencimento. (DISTRITO FE-DERAL, 2014, p. 27).

A desistência e o reapontamento do título foram um meio en-contrado para burlar essa incoerência, conforme explana Wolffenbüttel(2000, p. 51):

com o escopo de poder cumprir a obrigação, sem haverperigo de ser lavrado o instrumento de protesto, o de-vedor solicita ao apresentante que retire o título e oapresente novamente, dilatando o prazo para satisfa-ção da obrigação, pois será novamente intimado, ob-tendo, assim, mais três dias, contados da novaprotocolização do documento.

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Essa situação do modo que se apresenta na lei, fere, sim, adignidade do devedor, que é surpreendido com um prazo enxutopara cumprimento de sua dívida. E não unicamente a dignidade,mas a igualdade novamente é atingida, pois, se verificamos as re-gras de citação37 de devedor arroladas pelo Código de ProcessoCivil com redação dada pela Lei 11.382/2006 (arts. 652 e ss.), obser-vamos que ao devedor é dado no mínimo os três dias para levantaro numerário (art. 241, CPC).

Outra diferenciação desarrazoada: de um lado, um devedorprotestado no tabelionato; de outro, um devedor cobrado no Ju-diciário. Ambos devedores, mesmas características e com implica-ções diferentes.

Lembra-se que as funções dos princípios são de interpretaçãoe integração, valendo-se deles o intérprete para orientar a inter-pretação das leis de teor obscuro ou para suprir-lhes o silêncio. Égraças a eles que os sistemas constitucionais cultivam a unidade desentido e auferem a valoração de sua ordem normativa. Os princí-pios são mandamentos que se irradiam sobre as normas, dando-lhes sentido, harmonia e lógica, constituindo, dessa forma, o pró-prio espírito do sistema jurídico constitucional.

Da constitucionalização do direito civil deriva a repersonalizaçãodo próprio direito civil, ou, de outra monta, a despatrimonializaçãodo direito civil: realoca-se no centro do direito civil o ser humano esuas emanações (FACCHINI NETO, 2003, p. 53.), ou seja, busca-se aefetividade do princípio da dignidade da pessoa humana.

Ainda que a legislação seja federal, há competência esta-dual para emitir normatizações, ofícios e regimentos, até mesmoa remuneração devida aos titulares em razão do exercício dafunção pública (emolumentos) fica a cargo dos Estados.38 Foi oque a vanguardista Corregedoria de Justiça do Rio Grande doSul fez, infelizmente não seguida da douta Corregedoria de Jus-tiça de São Paulo (art. 12, provimento nº 58/89, CGJ/SP),tampouco pela do Estado do Rio de Janeiro (art. 987, Consoli-dação Normativa RJ).

Não se averigua aqui neste trabalho a competência de taisCorregedorias poder ou não modificar texto legal, já que ofícios

37 A citação (art. 213, CPC) não se confunde com a intimação (art. 234, CPC),porém ambas têm a finalidade de dar conhecimento.

38 A Constituição Federal de 1988 no artigo 236, § 2º clama por lei federal quetrace normas gerais sobre emolumentos: Lei no 10.169, de 29 de dezembrode 2000, ficando a cargo dos Estados as particularidades, conforme reza oartigo 24, IV, CF. No Estado do Rio Grande do Sul há a Lei nº 12.692, de 29 dedezembro de 2006, complementada pela Consolidação Normativa Notariale Registral do referido Estado.

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estariam na hierarquia piramidal das normas abaixo das leis – mui-to embora ditas leis deveriam estar de acordo com a ConstituiçãoFederal, que habita o topo da pirâmide e de onde deveriam ema-nar todos os demais atos normativos. Acredita-se ser de louvor aatitude da sobredita Corregedoria, que por seus meios está afas-tando inconstitucionalidades legais.

Na ADI 1378 MC/ES, o Min. Relator Celso de Mello (DJ de30.05.97, p. 23175) esclarece que “a atividade notarial e registral,ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais nãooficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza,função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo,a um regime jurídico de direito público”. Se o serviço é público,se a função cartorária é longa manus do Estado, deve se subor-dinar às finalidades deste, ou seja, assegurar, entre outros, osprincípios da igualdade material e da dignidade da pessoa hu-mana.

Conclusão

Com o desenvolvimento do presente trabalho procurou-seanalisar a questão das incompatibilidades da Lei de Protesto (Lei9.492/97) frente aos princípios constitucionais da igualdade e dadignidade humana.

Neste contexto verificou-se o ato de registro do protesto nasserventias extrajudiciais denominadas tabelionato de protestos e aresponsabilização dos titulares desses “cartórios”, fazendo um co-tejo da lei dos notários e dos registradores com a lei de protestos.

O trabalho teve como corolário a busca de isonomia deintimação para aquele que figura no registro do protesto tal quaisaqueles que são executados judicialmente.

O prazo exíguo para solução da dívida foi também colocadoem cheque diante da dignidade do devedor.

Como solução foi proposta a interface dos princípios cons-titucionais que constituem a base fundamental e estrutural detodo o ordenamento, de toda a interpretação ou processohermenêutico.

Uma leitura constitucional da lei de protestos foi defendidaaté que a lei seja modificada. Nesse escopo, convoca-se primeira-mente o Legislativo para inovar a ordem jurídica nesses pontos eem segundo as Corregedorias de Justiça de cada Estado para quetenham a coragem de oficiar contra a lei de protesto para a melhoradaptação desta à realidade constitucional.

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DA IRRELEVÂNCIA DA ORDEM DE TERMOS NA CLÁUSULA MANDATÍCIA PARA RECEBER E DAR QUITAÇÃO

Do periculum in morainverso (reverso)

Reis FriedeDesembargador federal e ex-membro

do Ministério PúblicoEx-professor adjunto da Faculdade

Nacional de Direito - UFRJProfessor titular e pesquisador do Programa de

Mestrado (MDL) da UNISUAM e da UVAMestre e doutor em Direito

RESUMO

O presente artigo analisa o conceito do periculum in morainverso (reverso), examinando, primeiramente, os requisitosclássicos para a concessão de medidas liminares, quais sejam, opericulum in mora e o fumus boni iuris. Em seguida, aborda arelevância do fundamento do pedido e a possibilidade ampla deconcessão ex officio da tutela cautelar em forma de liminar,ressaltando a identificação da relevância do fundamento do pedidocom o fumus boni iuris e o periculum in mora. Posteriormente,passa ao estudo específico do periculum in mora inverso, analisandoa relação desse conceito com a grave lesão à ordem pública. Porfim, aprecia a cautela e contracautela.

Palavras-chave: Medidas liminares. Periculum in mora. Fumusboni iuris. Periculum in mora reverso ou inverso.

ABSTRACT

This article analyzes the concept of periculum in mora inreverse (reverse) by examining, first, the requirements for grantingInjunctive relief measures, namely, live and in the periculum iurisfacie case. Then discusses the relevance of the merits of the requestand the wide possibility of granting ex officio of injunctive relief inthe form of an injunction, emphasizing the importance ofidentifying the substance of the application with iuris facie caseand periculum in arrears. Subsequently, passes the specific studyof periculum in live opposite, analyzing the relationship of thisconcept with the serious injury to the public order. Finally, appreciatethe caution and contracautela.

Keywords: Measures injunctions. Periculum in mora. Iuris faciecase. Periculum lives in reverse or inverse.

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REIS FRIEDE ARTIGO

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Introdução

Ao registrar, de forma inédita, na literatura jurídico-brasileira– quando da ocasião do lançamento da 1ª edição da nossa obraAspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado deSegurança, Ação Cautelar, Ação Civil Pública e Ação Popular, p.106 –, a expressão periculum in mora inverso (reverso), não poderí-amos imaginar, para nossa grata satisfação, como pesquisadores daCiência Processual, que a mesma viesse a se tornar, com o passardos anos, não somente uma designação técnica consagrada pelaacademia nacional, mas, particularmente, objeto das mais variadase amplas citações jurisprudenciais e doutrinárias em todo o país.

A ideia original, concebida há mais 20 anos – numa época emque existiam poucos estudos mais aprofundados sobre o tema –,era forjar, por imperiosa necessidade, uma concepção conceitual,com elevado rigor técnico, que traduzisse, com a almejada preci-são, uma designação genérica a abranger as mais variadas (e dife-rentes) designações específicas (existentes à época) que buscavamnominar, naquele momento histórico de desenvolvimento do es-tudo da disciplina processual, o inconteste fenômeno dos efeitosinversos (ou reversos) do eventual deferimento das medidasliminares em Mandado de Segurança (art. 1º da Lei nº 191 de 1936,art. 1º da Lei nº 1.533 de 1951, art. 1º da Lei nº 12.016 de 2009),Ação Popular (art. 5º, § 4º da Lei nº 4.717 de 1965 com a redaçãoampliada pela Lei nº 6.513, de 1977) e Ação Civil Pública (art. 12da Lei nº 7.347 de 1985) ou das denominadas antecipações in limine(art. 804 do CPC de 1973) nas Ações Cautelares.

Ainda que reste evidente que tal efeito também se manifestano eventual deferimento de outras medidas liminares (em açõesespecíficas), com idêntica previsão cautelar implícita, é de se re-gistrar, por dever de lealdade, que nossa análise originária foiconduzida exclusivamente sobre o comportamento restritivo dasmedidas liminares nas mencionadas ações, o que, entretanto, emnecessário reforço ao já afirmado, não exclui a possibilidade dese conceder a necessária extensão conclusiva a todas as demaisações congêneres, inclusive ao posterior advento, em 1994 (Lei nº8.952, de 13/12/94), do instituto jurídico-processual da Tutela An-tecipada.

1 Requisitos para a concessão de medidas liminares

Muito embora nem sempre, na prática cotidiana, a decisão fi-nal pela concessão de medidas liminares implique a plena e totalobservância, por parte do julgador, de específicos limites existentespara a prolação final do decisum – ou seja, os requisitos tradicio-

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DO PERICULUM IN MORA INVERSO (REVERSO)

nais do periculum in mora1 e do fumus boni iuris2 –, é cediço con-cluir que a legislação autorizadora do provimento liminar3,4 em

1 O conceito técnico de periculum in mora pode ser traduzido pelo fundadoreceio da existência de um dano jurídico, de difícil ou impossível reparação,durante o curso da ação cautelar e, por extensão, da ação principal (no casode ações cautelares típicas ou atípicas) ou no decorrer do curso do mandadode segurança e de outras ações que admitem o provimento liminar, aferidoatravés do juízo próprio de probabilidade, com comprovada plausibilidadede existência de dano, justificado receio de lesão de direito e/ou existênciade direito ameaçado – e nunca no genérico juízo de possibilidade (que, pelaextrema amplitude, não permite a imposição do princípio da segurança e docontrole mínimo dos acontecimentos).

2 Fumus boni iuris pode ser conceituado como a probabilidade plausível (e nãomera e genérica possibilidade) de exercício presente ou futuro do direito deação com provimento de mérito favorável, considerando que pequenas in-certezas e eventuais imprecisões a respeito do direito material do autor(requerente ou impetrante) não devem assumir a força de impedir-lhe oacesso à tutela cautelar. “A tutela cautelar só é viável se a pretensão deduzidaou a ser deduzida no processo principal caracteriza-se como provável, nãobastando que seja razoável e muito menos que seja simplesmente possível”(Aldo Magalhães; JTACivSP 99/267).

3 Caráter administrativo do provimento liminarDe um modo geral, considera-se que o provimento liminar de conteúdocautelar possui um inconteste caráter administrativo. De fato, embora ca-racterizado como providência determinada pelo órgão judicial – provimentocom escopo de prevenção –, em muitos casos a medida é concedida indepen-dentemente da observância formal do princípio do contraditório. Assim o étanto no mandado de segurança e nas demais ações que expressamenteadmitem a liminar, como também, de modo geral, nas medidas cautelares.Diante de certas situações de urgência, e para evitar o perecimento dedireitos, a lei autoriza ao juiz a concessão de liminares, sem ouvir a partecontrária. Na concessão dessas medidas inaudita altera pars, ocorre, emgrande medida, o que Nery Júnior (1992, p. 133) denomina “limitaçãoimanente à bilateralidade da audiência no processo civil, e que se exterioriza,quando a natureza e finalidade do provimento jurisdicional almejadoensejarem a necessidade de concessão de medida liminar, inaudita alterapars, como é o caso do provimento cautelar, em forma ou não de liminares,em ação possessória, mandado de segurança, ação popular, ação coletiva(art. 81, parágrafo único, CDC) e ação civil pública”.

4 Liminar como “mera prevenção do direito”É importante salientar, por oportuno, que alguns autores – aparentementeconfundindo o fato da inexistência de efetivo processo cautelar nos provimen-tos assecuratórios previstos, em forma de liminar, em algumas ações cognitivas(como, por exemplo, o habeas corpus, o mandado de segurança, a ação popu-lar etc.), com a irrefutável natureza jurídica cautelar destes mesmos procedi-mentos – têm sugerido (confundindo, inclusive, os conceitos de processo epro-cedimento) a sinérgica inexistência de nítido procedimento de feiçãocautelar (exte-riorizado por intermédio de medidas liminares) nos writs cons-titucionais, insinuando, de maneira visivelmente equivocada, que, nesses ca-sos, os respectivos provimentos liminares, expres-samente previstos, se cons-

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nenhuma hipótese permite o excepcional5 deferimento do institu-to sem a devida comprovação de seus pessupostos vinculantes po-sitivos, além do seu requisito negativo implícito.

Em outras palavras, a existência efetiva da relevância dos motivosalegados pelo impetrante (no caso de mandado de segurança) oupelo requerente (no caso de medida cautelar) deve ser sempre cons-tatada em perfeita consonância com a efetiva presença docondicionante inafastável da não produção do denominado periculumin mora inverso (a con-cretização de grave risco de ocorrência de danoirreparável, ou de difícil reparação, contra o impetrado ou requerido,como consequência direta da própria concessão da medida liminardeferida ao impetrante ou ao requerente).

Uma vez que o deferimento da medida liminar possui carátermeramente preservatório (de exclusivo objetivo de garantia da in-teireza da sentença), cuja reconhecida função social é exatamentefazer cessar, em caráter temporário, o ato impugnado, até que –em face da indiscutibilidade do direito invocado e comprovado –possa o magistrado decidir, sem incorrer em error in judicando, nãopode, em nenhuma hipótese, por efeito, a concessão da medidapretendida produzir o que, há muito, passou-se a denominar gra-ve lesão à ordem pública, compreendendo nesse conceito a cha-mada ordem administrativa em geral, ou seja, o normal andamen-to da execução do serviço público, o regular prosseguimento dasobras públicas e o devido exercício das funções da administraçãopelas autoridades constituídas (TFR, suspensão da segurança no

4405-SP, DJU 7.12.79, p. 9.221).Em se tratando especificamente de medidas cautelares, de pro-

cedimento sumário, operacionalizadas através de ação autônomae de processo próprio – mas com as características particulares daprovisoriedade, instrumentabilidade e assessorabilidade (art. 796do CPC) –, a concessão da medida liminar (na qualidade de simplesantecipação da medida cautelar), além de necessitar da efetiva com-provação da presença dos requisitos indispensáveis do periculumin mora, do fumus boni iuris (requisitos positivos) e da não produ-ção do denominado periculum in mora inverso (requisito negati-

tituem em “meras prevenções do próprio direito”: “A liminar no mandado desegurança, na ação popular, na declaração de inconstitucionalidade de lei émera prevenção do próprio direito, em nada se caracterizando como umamedida cautelar. Servem ao processo em que são proferidas, e não têm se-quer procedimento cautelar, inseridas que estão no contexto da própria ação”(CASTRO VILLAR, 1988, p. 79).

5 É importante registrar que o deferimento da medida liminar é sempre ex-cepcional, até porque está umbilicalmente ligado à sinérgica demonstraçãoquanto à efetiva presença de seus requisitos ensejadores, em decisão fun-damentada pelo magistrado.

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vo), incluindo o anterior conceito restritivo da “grave lesão à or-dem pública”, encontra-se irremediavelmente condicionada à ob-servância adicional da especial restrição imposta pelo art. 804 c/cart. 797, ambos do CPC, que só permite o deferimento da anteci-pação cautelar (em forma de liminar), à guisa de sua própriaexcepcionalidade, nas comprovadas situações em que a citação dorequerido possa vir a tornar a medida ineficaz, caso em que pode-rá o magistrado (e, nos casos de o requerido ser parte integranteda Fazenda Pública, deverá obrigatoriamente) determinar que orequerente preste caução real ou fidejussória, objetivando garan-tir o ressarcimento dos eventuais danos que o requerido possa vir asofrer com o futuro julgamento pela improcedência do pedidocautelar definitivo (medida cautelar típica ou atípica).

Portanto, a concessão de liminar, tanto em mandado de segu-rança, como na qualidade de antecipação da tutela cautelar (asdenominadas antecipações in limine), é medida de absolutaexcepcionalidade e, por consequência, nítida vinculação à efetivapresença de todos os pressupostos indispensáveis – o que inclui,além dos requisitos tradicionais do periculum in mora e do fumusboni iuris, a concreta e indiscutível relevância dos motivos alega-dos –, em combinação com a não produção do denominadopericulum in mora inverso (incluindo nesse conceito a não produ-ção da chamada “grave lesão à ordem pública”), além do requisitoespecífico para a concessão de antecipações cautelares em formade liminar prevista no art. 804 do CPC. Ademais, nesse diapasãoanalítico, a mesma jamais pode ser deferida – ainda que mediantecaução – quando ausentes quaisquer dos requisitos apontados, quese encontram expressos ou implícitos na atual legislação constituci-onal e infraconstitucional em vigor, independente da vontade,imposição de ordem moral, senso de justiça ou qualquer outrocondicionante subjetivo que possa estar adstrito ao magistrado nomomento de seu julgamento.6,7

6 Ônus probatório quanto aos requisitos da medida liminarDeve ser assinalado – evitando qualquer dúvida a respeito – que o ônus da provaquanto à efetiva presença, no caso concreto, dos requisitos autorizadores daprovidência cautelar (em forma ou não de liminar) é de exclusiva responsabili-dade da parte requerente.Cabe à mesma, sob esse prisma, portanto, a inequívoca e compulsória compro-vação de que se encontram sempre presentes, na hipótese trazida à colação,todos os pressupostos que viabilizam o legítimo deferimento da medida pre-tendida, ou seja, os requisitos positivos (que devem sempre estar presentes):periculum in mora, fumus boni iuris (e relevância do fundamento jurídico dopedido – para quem entende se constituir o mesmo em pressuposto autônomo)e, no caso particular de antecipação in limine de medida cautelar, a condiçãoespecial consubstanciada no art. 804 do CPC e o requisito negativo (que,

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1.1 Do Periculum in mora

Sem a menor sombra de dúvida, o periculum in mora8 consti-tui-se no primeiro e mais importante dos requisitos indispensáveis

ao contrário, deve sempre se encontrar ausente): não produção do denomina-do periculum in mora inverso ou, em outras palavras, a grave lesão à ordempública (incluindo, nessa classificação, a lesão à ordem administrativa etc.).Não comprovado qualquer dos pressupostos permissivos da medida vindicada,deve o julgador proceder ao imediato indeferimento da mesma, considerando,sobretudo, o caráter excepcional que sempre reveste a concessão da segurançacautelar, exteriorizado ou não através da medida liminar. A regra, por efeitoconclusivo, deve ser o indeferimento da providência cautelar, notadamentequando houver razoável dúvida quanto à prova (que deve ser relativamenteinsofismável) de seus requisitos autorizadores.Essa é exatamente a razão segundo a qual é lícito ao juiz fundamentar sumari-amente (“pela ausência de efetiva comprovação dos requisitos autorizados”) opronunciamento judicial indeferitório da medida liminar, pois doutra formaocorreria efetiva inversão do ônus probatório, ou seja – em lugar de a parterequerente ter de comprovar a presença de todos os requisitos autorizadoresda medida liminar – restaria ao juiz demonstrar, de forma inequívoca, a ausên-cia de pelo menos um dos pressupostos condicionantes do deferimento da pro-vidência cautelar requerida.

7 Deve ser consignado, por oportuno, que o constante deferimento de medidasliminares, em sinérgica afronta aos mandamentos legais restritivos do empregodo instituto (pressupostos de admissibilidade da proteção cautelar), tem contri-buído, sobremaneira, para o desprestígio do Poder Judiciário, conforme amplo econstante noticiário crítico a respeito do tema, com destaque especial no caso dacassação do deputado Sérgio Naya: “Compreende-se que os advogados do depu-tado Sérgio Naya usem toda sorte de artifício – até desaparecer de sessões daComissão de Justiça – para impedir ou adiar a cassação de seu mandato.São recursos de quem tem evidentes dificuldades para discutir a procedência daacusação.É desalentador, por outro lado, que essa estratégia seja beneficiada pela facili-dade com que a Justiça concede liminares. O próprio ministro Ilmar Galvão, doSupremo Tribunal Federal, forneceu a prova de que não existia motivo para amedida que ele mesmo assinara quinta-feira: ouvindo argumentos de parla-mentares, não demorou mais de 40 minutos para redigir segunda decisão,cancelando a primeira.Fica o ministro com o mérito de polidamente reconhecer o seu lapso.Seria melhor ainda se o episódio tivesse efeito pedagógico, o de convencerjuízes e ministros de que liminares – capazes de trancar procedimentos judiciais,às vezes por muito tempo, sem que seja discutido o mérito do caso – não podemser concedidas apenas porque alguém pediu, e com base unicamente nas alega-ções do interessado”.

8 Periculum in moraPara alguns, como Castro Villar (1988, p. 128), este perigo da mora não é umperigo genérico de dano jurídico, mas, especificamente, o perigo de dano poste-rior, derivante do retardamento da medida definitiva, ou, como disse Calaman-drei (1945, p. 42), é a impossibilidade prática de acelerar a emanação da provi-dência definitiva que faz surgir o interesse da emanação de uma medida provi-

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para a concessão de medidas liminares em mandado de segurançaou como antecipação de cautela, no caso de medida cautelar emação com idêntica designação.

[...] Indeterminado o perigo na demora não há comosubsistir decisão concessiva de liminar (ac. 3a T/TFR – 2a

R.: A.I. 90.02.24586 – RJ (p/m), rel. Des. Arnaldo Lima,RTRF 2a Região no 1).

Tendo-se como não configurado o pressuposto de exis-tência de grave dano de incerta reparação, embora pos-sam ser relevantes os fundamentos que dão base à ação,é de negar a medida cautelar (ac. SP/STF, Ação Direta deInconstitucionalidade 33-1/DF (u), rel. Min. Aldir Passari-nho, Adcoas BJA t (28.2.90), 126.439, p. 86).

O periculum in mora é, nesse contexto, sobremaneira, a condi-ção necessária – porém não suficiente – para o eventual deferi-mento da medida liminar vindicada ou mesmo para a concessão exofficio, operada através do denominado Poder Cautelar Genérico,inerente à própria função do magistrado, na qualidade de repre-sentante do Estado-Juiz.

Para a obtenção da medida liminar e, consequentemente, datutela cautelar implícita, portanto, a parte requerente obrigatoria-mente deverá de-monstrar fundado temor de que, enquanto aguar-da a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato fa-voráveis à própria tutela (LIEBMAN, 1968, p. 92). E isso somentepode ocorrer, conforme leciona Calvosa (1960, p. 66), quando hou-ver efetivamente o risco de perecimento, destruição, desvio,deterio-ração ou qualquer tipo de alteração no estado das pesso-as, bens ou provas necessários para a perfeita e eficiente atuaçãodo provimento final de mérito.

Dois são os requisitos indispensáveis para a concessãoda liminar em mandado de segurança, previstos no inc.1o, do art. 7o, da Lei no 1.531/51: 1) a relevância do fun-damento (fumus boni iuris); 2) e perigo de um prejuízo,do ato impugnado poder resultar a ineficácia da medi-da caso seja deferida a segurança (periculum in mora).Concorrendo ambos, o juiz, em decisão fundamentada,concederá a liminar. Isto significa que, na falta de qual-quer um dos requisitos, a providência liminar deve sernegada.O professor e magistrado federal Reis Friede, lecionan-do sobre exame do periculum in mora que autoriza a

sória. É a mora dessa providência definitiva, considerada em si mesma comopossível causa de dano ulterior, que se trata de prevenir com uma medidacautelar, que antecipe provisoriamente os efeitos da providência definitiva.

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concessão das liminares em geral, inclusive o mandadode segurança, ensina com precisão:“Para a obtenção da medida liminar e conseqüentemen-te da tutela cautelar implícita, portanto, a parte reque-rente obrigatoriamente deverá demonstrar fundadotemor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, ve-nham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à pró-pria tutela. E isto somente pode ocorrer, conforme lecio-na Carlos Calvosa (in Sequestro Giudiziario, NovissimoDigesto Italiano, vol. XVII, p. 66), quando haja efetiva-mente o risco do perecimento e destruição, desvio, dete-rioração ou qualquer tipo de alteração no estado daspessoas, bens ou provas necessárias para a perfeita eeficiente atuação do provimento final de mérito” (inAspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Man-dado de Segurança, Ação Cautelar, Ação Civil Pública eAção Popular, 2a ed., Forense Universitária, 1993, p. 97).No caso, sem muito esforço percebe-se ausência da pro-babilidade do dano irreparável ou de difícil reparação parao deferimento da liminar (TJMS, no julg. do MS 38438-9,DJ 8.8.94, p. 3.847, rel. Des. Helvécio Chaves Martins).

A redação conceitual do instituto, como um dos pressupostosfundamentais para o deferimento da medida liminar – ou seja, fun-dado receio da existência de um dano jurídico (e não propriamen-te “fundado receio de da-no ao direito de uma das partes”, comodisciplina o art. 798 do CPC/73, considerando que, enquanto nãoacontecer o julgamento do mérito da chamada “questão de fun-do”, com a solução da lide, não se pode, ainda, falar em efetivodireito da parte que, eventualmente, pode até não ser reconheci-do em decisão terminativa (sentença)) de difícil ou impossível re-paração9 durante o curso da ação que contém o pedido meritório

9 Dano jurídico de difícil ou impossível reparaçãoPara a perfeita caracterização do dano jurídico de difícil ou impossível repa-ração não é suficiente, apenas, a simples prova da eventual existência de umposterior dano jurídico no curso da lide, mas, além deste, a indubitável difi-culdade ou mesmo impossibilidade de efetiva reparação se o mesmo vier aocorrer: “Sem que ocorrentes os pressupostos de aparência de bom direitoe de perigo da demora da prestação jurisdicional, não se defere liminarmentemedida cautelar, requerida no curso da lide, quando não evidenciada airreparabilidade do dano” (ac. unân. da 1a T. do TFR, de 10.6.88, no agr.56.647-PR, rel. Min. Dias Trindade; RTFR 165/83, grifos nossos).“São requisitos específicos da tutela cautelar o risco objetivamente apurável,de não ser a ação principal útil ao interesse demonstrado pela parte – danopotencial – em razão do periculum in mora; e a plausibilidade do direitosubstancial invocado pelo pretendente à segurança, ou fumus boni iuris. Se ojuiz, em face da prova, se convence da existência de fundado receio de queuma parte, antes do julgamento da lide, poderá causar ao direito da outralesão grave e de difícil reparação, deve conceder a tutela” (MELLO, 1980,p. 91, grifos do autor).

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–, refere-se sempre ao interesse processual (e jamais material oumeritório) presente na busca permanente da obtenção de uma realgarantia quanto à própria efetividade da solução final (prestaçãodas tutelas jurisdicionais cognitiva e executiva) a ser ditada peloPoder Judiciário, inspirado, em última análise, no que Sidou (1983,p. 255) entendeu por bem denominar “instituto cardeal de asse-gurar matéria à sentença a ser editada”.

A medida liminar não tem por objeto o mérito da causa,mas a garantia da eficácia do julgado caso favorável aoimpetrante. (ac. S. Plen./STF, MS 20900-3/DF (ag. reg.)rel. Min. Rafael Mayer. JB no 163, Ed. Juruá, p. 90, grifosnossos)

Para a concessão de medida cautelar há necessidade dese demonstrar, initio litis, a ocorrência dos requisitosessenciais que configurem o temor de dano jurídico imi-nente e o interesse na preservação da situação de fato,enquanto não advém a solução de mérito, o quecorresponde ao fumus boni iuris [...] (ac. unân. 6.458 da2a Câm. do TJPR de 16.8.89, no agr. 298, rel. Des. NegiCalixto, Adcoas, 1989, no 126.185, grifos nossos).

Processual civil. Liminar deferida, inaudita altera pars,em ação cautelar, rea-justando aposentadoriaprevidenciária em 147,06%. Ilegalidade. Segurança con-cedida para atribuição de efeito suspensivo a agravo deinstrumento. A liminar, na hipótese, é contra legem,afrontando os arts. 797, 798 e 804 do CPC, posto que alesão admite reparação futura, específica e plena, e odevedor é solvente. O caráter alimentar dos proventosnão justifica aumento de aposentadoria através deliminares. Mandado de segurança deferido para atri-buição de efeito suspensivo a agravo aviado contra aliminar (ac. TRF da 1a R., MS 91.01.15810-4/MG (u), rel.juiz Hércules Quasímodo, DJ 13.4.92, Seção II, p. 9.098).

A apreciação da efetiva presença do periculum in mora é rea-lizada, como ensina Liebman (apud CASTRO VILLAR, 1971, p. 62),através de apenas um único julgamento valorativo denominadoprobabilidade sobre possibilidade do dano ao provável direitopedido em via principal. Por efeito, o dano deve ser aferido sem-pre pelo juízo de probabilidade e jamais pelo simples e genéricojuízo amplo de possibilidade.10

10 Juízo de probabilidade de danoLopes da Costa (apud THEODORO JR., 1976, p. 77, grifo do autor) lembracom muita propriedade que “o dano deve ser provável” e “não basta apossibilidade, a eventualidade”. E explica: “possível é tudo, na contingênciadas cousas criadas, sujeitas à interferência das forças naturais e da

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O denominado receio de dano há, pois, que ser objetivamen-te fundado, calculado, da forma mais precisa possível, pelo examedas causas já postas em evidência, capazes de realizar ou operar oefeito indesejado que deve ser, por consequência, afastado. A com-provação de seu fundamento, não obstante não permitir, por suaprópria natureza, a certeza, deve permitir, no mínimo, aplausibilidade (justificação), sem o que o juízo restritivo de proba-bilidade acabaria, no exercício da prática, transmutando-se no ge-nérico e amplo juízo de possibilidade.

Ação direta de inconstitucionalidade. Pedágio. Rodovi-as federais. Medida liminar. Pedágio destinado à con-servação das rodovias federais. Pedido de suspensãoliminar. Ausência de periculum in mora visto que nãoirreversível o desembolso (ADIn no 24-1-SP – MedidaLiminar – rel. Min. Francisco Rezek. Plenário, decisãounânime, in DJU de 9.6.89, p. 10.095).

A avaliação da plausibilidade para a aferição do próprio juízode probabilidade na apreciação da presença ou não do requisitoem questão, não ensejando a certeza (prova irrefutável), evidente-mente permite ao magistrado uma determinada margem dediscricionariedade, mas jamais verdadeiro arbítrio que se constitui-ria através da utilização do referido juízo amplo da possibilidadede dano que, assim, estaria apenas subjetivamente fundado, cal-culado de uma forma absolutamente imprecisa.11 Por outro lado,como adverte Reis (1985, p. 26), não faria sentido que o juiz, para

vontade dos homens. O possível abrange assim, até mesmo, o querarissimamente acontece. Dentro dele cabem as mais abstratas e longín-quas hipóteses. A probabilidade é o que, de regra, se consegue alcançar naprevisão. Já não é um estado de consciência, vago, indeciso, entre afirmar enegar, indiferente. Já caminha na direção da certeza. Já para ela propende,apoiado nas regras da experiência comum ou da experiência técnica”.

11 Juízo de possibilidade de danoNão obstante o elogiável esforço da doutrina e da jurisprudência, nos últimosanos, no sentido de precisar a margem de discricionariedade dos julgadospara a avaliação da presença ou não do requisito do periculum in mora, atra-vés especialmente do esta-belecimento dos conceitos dos diferentes juízos deprobabilidade e de possibilidade e, sobretudo, da questão da plausibilidade dofundamento invocado, uma parte extremamente mino-ritária e praticamen-te isolada, tanto na doutrina como na jurisprudência, ainda insiste na utiliza-ção da expressão genérica “possibilidade” para registrar a presença ou nãode dano a que alude o periculum in mora. “No âmbito da cautelar cabe,apenas, ao julgador perquirir da possibilidade do dano grave conseqüente àineficácia do processo principal periculum in mora e dos indícios de um possíveldireito fumus boni iuris a ser acautelados. Tais são as condições ou requisitosespecíficos da tutela cautelar” (ac. unân. da 8a Câm. do TJRJ, de 22.10.85, noagr. 9.476, rel. Des. Eugênio Sigaud, grifos nossos).

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efeito de certificação do direito à cautela, houvesse de realizar umexame tão longo e tão refletido como o que efetua no processoprincipal. A proceder de tal forma, o processo cautelar perderia suarazão de ser e mais valeria à parte esperar pela decisão definitiva.

A plausibilidade do dano é avaliada pelo juiz, segundo as re-gras do livre convencimento, de modo que não dispense a funda-mentação ou motivação de seu conhecimento; mas isso se dará commuito maior liberdade de ação do que na formação de certezaque se exige no processo definitivo (THEODORO JR., 1976, p. 78).

De qualquer maneira, conforme Lopes da Costa (apudTHEODORO JR., 1976, p. 45, grifos do autor), “a decisão deve serobjetiva”, isto é, “deve atender aos fatos provados, dos quais re-sulte aquela plausibilidade”.

É ponto tranquilo na doutrina, por outro lado, que o risco dedano deve corresponder sempre a fatos que venham desequilibrarefetivamente uma situação preestabelecida entre as partes, de modoque o perigo preexistente ou coexistente com o nascimento da pre-tensão realmente justifique a tutela cautelar, em forma de medidaliminar.12

12 Deve ser assinalado, por oportuno, que o motivo determinante (objetivofinalístico) do deferimento da medida liminar em mandado de segurança (aexemplo de outras ações que admitem tal provimento administrativo-cautelar) é, sobretudo, o acautelamento quanto à possibilidade (em verda-de, probabilidade-plausível ou simplesmente plausibilidade) de o provimen-to final (meritório) tornar-se ineficaz ou, em outras palavras, uma garantiacautelar quanto à plena inteireza da sentença, afastando, desta feita, odenominado dano processual de impossível reparação (irreparável) ou, nomínimo, de difícil reparação.Por efeito – de forma diversa do que pode parecer à primeira vista –, o danoa que alude a legislação vertente para caracterizar o principal requisito deconcessão da ordem liminar, necessariamente, concerne ao chamado danoprocessual, ou seja, dano à efetividade do provimento jurisdicional meritórioque, a seu tempo, venha a reconhecer o direito autoral. Não se trata, pois,de dano à coisa ou às pessoas (hipótese excepcional presente apenas nasdenominadas cautelares administrativas) e nem mesmo de dano necessari-amente irreparável, bastando ser de difícil reparação, posto que o danoprocessual de fácil reparação permitiria a plena e adequada correção nomomento imediatamente subsequente à prolação do pronunciamento judi-cial sentencial.Por essa sorte de considerações, é condenável, como bem adverte Machado(2001), a decisão do TRF da 5ª R. (AI 25.660-PE, julg. 19.9.2000, Boletim deJurisp. nº 132/2001, p. 59), que concluiu que “a cobrança de tributos nãoconfigura dano irreparável, pois é franqueada ao contribuinte a via da açãode repetição de indébito, o que torna perfeitamente possível o retorno aostatus quo ante”, considerando que a exigência da lei in casu cinge-se ape-nas ao dano processual de difícil reparação, e não à ampla possibilidade – esim à plena e restrita plausibilidade – de completo retorno ao status quo

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A ineficácia da sentença que defere o mandado de se-gurança não ocorre apenas quando o dano decorrentedo ato impugnado seja irreparável. Para que se possaafirmar tal ineficácia, basta que a sentença que defereo mandado de segurança não tenha a aptidão de, elaprópria, corrigir a ilegalidade de modo útil, vale dizer,determinando desde logo a reparação do dano (MA-CHADO, 2000, p. 114).

Como bem lembra Coniglio (apud THEODORO JR., 1976,p. 79), a insolvência iminente que justifica um arresto não é a mes-ma que preexistia e era conhecida do credor ao tempo da consti-tuição da dívida. O perigo de se tornar inexequível o crédito devesurgir após sua criação, como fato novo, que agrave as condiçõeseconômicas do devedor.

Nessa mesma ordem de ideias, Pontes de Miranda (2000, p. 312,grifos do autor) reafirma que as medidas cautelares supõem“superveniência dos fatos e necessidade de se afastar o óbice daantecedência ou mesmo da coexistência do perigo de dano”.

Acertada, pois, é a conclusão de Silva (1974, p. 70-71), segun-do a qual,

o perigo de perda do interesse, ou de graves danos pos-teriores ao nascimento do próprio direito, ou devecorresponder, pelo menos, a um agravamento da situa-ção perigosa preexistente, ou, finalmente, sendo ante-rior à constituição da pretensão, era de tal naturezaque o pretendente à segurança não poderia razoavel-mente conhecer.

1.2 Do fumus boni iuris

Logo em seguida ao exame da indispensável presença do re-quisito fundamental do periculum in mora, a comprovação da efe-tiva existência do pressuposto do fumus boni iuris faz-se mister paraa conclusão final da primeira fase do exame de viabilidade da me-dida liminar (em mandado de segurança, habeas corpus, ação po-pular, ação civil pública, entre outras, ou como antecipação de tu-

ante, o que, em muitas situações, resta improvável pela via do ajuizamento(posterior) da ação de repetição de indébito ou de qualquer outro processocognitivo. Portanto, como bem já decidiram o STF (ADIn nº 567-DF, rel. Min.Ilmar Galvão, julg. em 12.9.91, DJ de 4.10.91, p. 13.779; RTJ Gen 138/60) e opróprio TRF da 5ª R. (MS 48.557-PE, julg. em 7.4.95), o dano processual,caracterizador do pressuposto cautelar, é todo aquele cuja reparação nãopode ser determinada plenamente (em sua efetiva inteireza) pela própriasentença proferida na sede da ação principal (mandamental ou de outranatureza, conforme o caso), traduzindo a sua necessária e sinérgicaefetividade jurisdicional.

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tela na ação cautelar) vindicada ou derivada do Poder CautelarGenérico.

Conforme estabelece o nosso sistema jurídico, na açãocautelar para a concessão de liminar não basta, tão-somente, a afirmação de sua necessidade formuladapelo requerente, a qual, mais das vezes, constitui umaopinião puramente subjetiva, mas, principalmente, dademonstração do requerente, da existência dos requisi-tos específicos da tutela cautelar, para que o juiz possarealizar a sua indispensável avalia-ção e se convencerou não da necessidade de conceder a liminar requerida(ac. unân. 1.105/88 da 1a Câm. do TJAL no agr. 5.618, rel.Des. Paulo da Rocha Mendes; DJAL de 1.9.89; Adcoas1990, no 128.860, grifos nossos).

Em temas de cautelar, não demonstrada satisfatoria-mente a presença do fumus boni iuris e do periculum inmora, escorreito o decisum de primeiro grau que dápela sua improcedência (ac. unân. da 1a T. do TJMS, de1.8.89, na apel. 263/89, rel. Des. Milton Malulei).

Segundo o pensamento de Calamandrei (1945), que já tivemosa oportunidade de expor neste trabalho, o objetivo último da pro-vidência cautelar, ínsito na medida liminar (seja nas ações de ritoespecial que a provêem, seja na ação, de rito especial sumário,cautelar), é exatamente o de antecipar os efei-tos da providênciadefinitiva, com o propósito derradeiro de prevenir o dano que, emúltima instância, poderá advir com a demora natural da solução fi-nal do litígio ou até mesmo em decorrência de má-fé de uma daspartes.

Dada a própria urgência da medida preventiva, evidentemen-te não é possível ao julgador o exame pleno do direito materialinvocado pelo interessado (mesmo porque isso é objetivo do jul-gamento de mérito na ação principal, e não do procedimentoliminar), restando, apenas, uma rápida avaliação quanto a uma“provável (não simplesmente possível) existência de um direito” –a ser verificada pelo juízo próprio de plausibilidade –, que, emúltima análise, será oportunamente tutelado no momento da apre-ciação do pedido meritório principal, ou seja, quando do julga-mento da segurança no mandamus, da sentença no habeas corpusna ação popular e na ação civil pública, entre outras ações queadmitem liminar, ou, ainda, no julgamento do processo principalno caso da ação cautelar.

É exatamente isso, por efeito, que constitui o denominadofumus boni iuris, ou seja, “o juízo de probabilidade e verossimi-lhança do direito cautelar a ser acertado” (CASTRO VILLAR, 1971,p. 59, grifos do autor).

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Fiel a seu entendimento de que a cautela é medida anteci-patória da eficácia do provimento definitivo, ensina Calamandrei(apud CASTRO VILLAR, 1971, p. 59-60, grifos do autor) que a de-claração de certeza de existência do direito é função do processoprincipal: “para a providência cautelar basta que, segundo um cál-culo de probabilidades, possa-se prever que a providência princi-pal declarará o direito em sentido favorável àquele que solicita amedida cautelar”.

Mas esse não é, contudo, o único entendimento aceito pelamoderna doutrina a respeito do tema. Segundo o pensamento devários autores que seguem os ensinamentos de Carnelutti (1958, p.356), não se deve ver na tutela cautelar qualquer tipo deacertamento da lide, nem mesmo provisório, mas sim “uma verda-deira tutela ao processo”, a fim de lhe assegurar unicamente eficá-cia e utilidade práticas ou, em outras palavras, uma tutela específi-ca que busca apenas e tão somente “evitar, no limite do possível,qualquer alteração no equilíbrio inicial das partes, que possa re-sultar da duração do processo”.

Comungamos, no entanto, do ponto de vista de que a essên-cia da verdade sobre tão complexa questão não esteja, data maximavenia, definitivamente firmada, de forma irredutível, nas posiçõesextremadas de ambas as doutrinas sobre a matéria em epígrafe.Entendemos possuir a medida liminar, conforme anteriormente nosreferimos, uma natureza jurídica tipicamente administrativo-cautelar, com conteúdo de julgamento discricionário, fundado naprudente valoração do magistrado (e não no simples arbítrio) emtorno da oportunidade e da conveniência da decretação da medi-da, e com nítido objetivo de provisão cautelar, por excelência, ga-rantidora, em última análise, da efetividade da sentença – sem al-mejar, por outro lado, tocar diretamente no seio do conflito, aindaque o faça, de forma limitada e por vias transversas –, em flagrantecaráter excepcional, como antecipação parcial e provisória da pró-pria decisão meritória (e, por consequência, não se constitui numasimples “tutela do processo”, desprovida de qualquer essência maisabrangente, como doutrina Carnelutti), mas que, ao mesmo tem-po e em nenhuma hipótese, pode ser confundida, em sua plenitu-de, com o mérito do pedido principal (como, em parte, defendeCalamandrei), por corresponder exatamente a um conteúdo espe-cífico e particular, inerente à própria natureza da medida liminar,de forma ímpar e, portanto, dotada do atributo de exclusividade.

O fumus boni iuris consiste na probabilidade de existên-cia do direito invocado pelo autor da ação cautelar. Di-reito a ser examinado aprofundadamente em termosde certeza, apenas no processo principal já existente,

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ou então a ser instaurado. A existência do direito acau-telado é, no processo cautelar, aferida em termos deprobabilidade e, por isso, seu exame é menosaprofundado, superficial mesmo – sumaria cognitio (ac.unân. da 15a Câm. do TJSP, de 7.6.89, na apel. 144.007-2,rel. Des. Ruy Camilo; RJTJSP 121/104, grifos nossos).

A existência do direito acautelado é, no processo cautelar,aferida em termos de probabilidade e por isso seu exa-me é menos aprofundado, superficial mesmo – sumariacognitio. Sobre o insucesso da ação principal, diga-se, emtese, que o Código admite, expressamente, a possibilida-de de que alguém obtenha uma providência cautelar e,no entanto, venha depois a sucumbir no processo princi-pal. Que mostra isso? Mostra exatamente que a conces-são da providência cautelar não está condicionada à de-monstração plena da existência do direito alegado pelaparte. Pode acontecer que o juiz, diante dos elementosque lhe foram trazidos, suponha provável a existênciadesse direito, e, no entanto, mais tarde, através de inves-tigação aprofundada que vai fazer sobre a matéria, che-gue à convicção de que na realidade o suposto direitonão existia. Agora, é evidente que pelo menos tem dehaver elementos capazes, prima facie, de tornar razoá-vel, aos olhos do juiz, a suposição da existência do direito– o fumus boni iuris (ac. da 18a Câm. do TJSP, de 16.3.87,nos embs. 89.820-2, rel. Des. Benini Cabral; Adcoas, 1987,no 115.982, grifos nossos).

É exatamente sob essa ótica que o requisito do fumus boniiuris possui seu destaque, criando o verdadeiro liame subjetivo queassocia o mérito do pedido principal (mérito primário) ao méritoda providência cautelar (mérito secundário), cuja absoluta coinci-dência – em casos flagran-temente excepcionais – pode vir até mes-mo (em situações limítrofes) a dar origem às chamadas medidascautelares satisfativas.13

13 Fumus boni iuris como elemento de ligação entre o mérito cautelare o mérito da ação principalÉ evidente que não estamos aqui a sustentar que o fundamento da pre-tensão cautelar seja exatamente o mesmo do fundamento material ale-gado pela parte. Mas, ao mesmo tempo, negar, por completo, qualquerrelação entre os diversos fundamentos de ambas as pretensões (a princi-pal e a cautelar) através do fumus boni iuris (liame subjetivo que incontes-tavelmente as une), como deseja Liebman (1968, p. 36), amparado nadoutrina de Carnelutti – ao defender na providência cautelar a existênciade uma “mera ação” à base de simples interesse, e não de autêntico direi-to subjetivo (especialmente no caso das ações cautelares) –, é permitirnegar a própria existência do requisito em questão (o fumus boni iuris) nasações cautelares, como chegou a defender Campos (1974, p. 128, grifos doautor): “Se o processo cautelar tem por fim tutelar o processo, o

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O fumus boni iuris – correspondendo exatamente a um juízoespecí-fico de exame de probabilidade de efetiva existência do direi-to material reclamado (e não simplesmente, como deseja RonaldoCampos (1974, p. 132), “simples verificação de que a parte realmentedispõe do direito de ação” (que, em essência, se constitui numa ga-rantia constitucional que nenhuma norma infraconstitucional pode-ria, a priori, restringir)) –, ao lado do periculum in mora, se constitui,portanto, no próprio e específico conteúdo de fundo (coloquial econvencionalmente chamado de “meritório”) da providência cautelar(e da ação cautelar, em especial14), não podendo ser entendido, emnenhuma hipótese, apenas como simples condição específica da açãoinstrumental autônoma cautelar ou de seu substrato liminar, salvoquando o juízo valorativo dirige-se única e exclusivamente para osrequisitos de concessão, e não para o seu conteúdo.15,16

que se acerta no seu decorrer é a existência de ameaça ao direito da parteao processo, isto é, ao direito de ação, que não se confunde de forma algumacom o direito subjetivo material”.

14 Equivalência da sentença na ação cautelar à medida liminar nos writsconstitucionaisNa verdade, a medida liminar em mandado de segurança, ação popular eação civil pública é muito mais aproximada, em termos de equivalência, àmedida cautelar, ínsita na ação cautelar, do que propriamente, como su-põem os menos avisados, equivalente à medida liminar prevista no art. 804do CPC, cuja natureza jurídica é de simples antecipação da própria medidacautelar.Não obstante a medida liminar, nas ações de rito especial que a preveem,não estar associada a um processo autônomo – como a medida cautelar naação com idêntica designação –, a exemplo desta última, a medida liminarnos writs também possui um conteúdo meritório próprio e específico (cujoliame subjetivo que o associa com o mérito do pedido principal é exatamen-te o fumus boni iuris), considerando que, muito embora esteja inserida nomesmo processo e, por efeito, na mesma ação, possui, em qualquer hipóte-se, em seu procedimento peculiar, um relativo e elevado grau de autonomia.

15 Periculum in mora e fumus boni iuris como condições específicas daação cautelarEm sentido contrário, no que tange especificamente às ações cautelares, te-mos, entretanto, as seguintes opiniões: “as cautelares sujeitam-se às condiçõescomuns a toda ação e subordinam-se a requisitos específicos consubstanciadosno fumus boni iuris e no periculum in mora, gerando carência de ação ainexistência destas condições, a serem examinados ao prudente arbítrio dojuiz” (ac. unân. da 2a Câm. do TAMG, de 21.12.88, na apel. 42.409, rel. juiz GarciaLeão; RJTAMG 34 e 37/340; Adcoas, 1989, no 125.490, grifos nossos).

16 Fumus boni iuris como condição específica e particular da açãocautelarDigna de menção, entretanto, é a posição de Campos (defendida em partepor Theodoro Júnior) e assente com Castro Villar, para quem, “ao acertar ofumus boni iuris, o juiz acerta apenas a probabilidade e verossimilhança dopedido cautelar e não do pedido de fundo” (CASTRO VILLAR, 1971, p. 61).

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Tratando-se de medida cautelar, deverá ser a preten-são objetivamente razoável, dependendo da presençados pressupostos especiais de periculum in mora e fumusboni iuris, sem o que faltará interesse para agir, impon-do-se a extinção do processo por carência de postulação(ac. unân. da 1a Câm. do 2o TACivSP, de 1.6.88, na apel.221.433-4, rel. juiz Quaglia Barbosa; JTACivSP 11/382,grifos nossos).

[...] além das condições gerais, comuns a todas as ações– legitimidade de parte, possibilidade jurídica do pedi-do e interesse processual –, as medidas cautelares de-vem ter duas outras condições especiais, o fumus boniiuris situado no campo da possibilidade jurídica e opericulum in mora situado no campo do interesse pro-cessual. [...] considerados o periculum in mora e o fumusboni iuris como condições especiais de admissibilidadeda ação cautelar, ou como o próprio mérito desta, oque mais interessa é que não será tutela jurisdicionalcautelar prestada, sem que tais requisitos estejam pre-sentes (ac. unân. da 14a Câm. do TJSP, de 29.12.86, naapel. 112.879-2, rel. Des. Marcus Vinicius; RJTJSP 106/175, grifos nossos).

1.3 Relevância do fundamento do pedido e possibilidadeampla de concessão ex officio da tutela cautelar emforma de liminar

O direito positivo vigente explicita, de forma peremptória, oduplo fundamento da providência cautelar e, especificamente, osrequisitos básicos da suspensão liminar do ato impugnado na açãomandamental, a saber: a) a relevância do fundamento do pedidoou a relevância dos motivos alegados (expressões sinônimas); e b)a irreparabilidade (ou, no mínimo, a extrema dificuldade dereparabilidade) futura do eventual dano produzido pelo ato im-pugnado, caso, mais tarde, fosse deferida a ordem (no julgamentoda segurança vindicada), que seria, neste caso, totalmente inócua

Em suma, o requisito da ação cautelar, tradicionalmente apontado como ofumus boni iuris, deve, na verdade, corresponder não propriamente à pro-babilidade de existência do direito material – pois qualquer exame a respei-to só é próprio da ação principal –, mas sim à verificação efetiva de que,realmente, a parte dispõe do direito de ação, direto ao processo principal aser tutelado (CAMPOS, 1974, p. 132).É importante mencionar, a propósito, que, para esses autores, o fumus boniiuris é mera condição específica da ação cautelar, não se constituindo emmérito da mesma, o que nos remete a uma curiosa conclusão: a ação cautelar,embora possua pressupostos processuais e condições genéricas e específi-cas, não possui qualquer conteúdo meritório e, portanto, talvez nem “açãopossa ser considerada”.

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(porque extemporânea), ineficaz e inidônea para restabelecer ostatus quo ante.17

No mesmo sentido, as leis anteriores de 1936 e de 1939 pu-nham em relevo as condições em que seria concedida a liminar:“quando se evidenciar desde logo a relevância do fundamento dopedido, decorrendo do ato impugnado lesão grave irreparável dodireito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmoimpetrante, mandar preliminarmente sobrestar ou suspender o atoaludido” (Lei no 191, de 16.1.36, arts. 8º, 9º apud CRETELLA JR.,1980, p. 189, grifos nossos); “quando se evidenciar a relevância dofundamento do pedido e puder do ato impugnado resultar lesãograve ou irreparável do direito do requerente, o juiz mandará, desdelogo, suspender o ato” (Lei no 1.608, de 18.9.39, art. 324, § 2º, queinstituiu o CPC, apud CRETELLA JR., 1980, p. 189).18

A Lei no 1.533, de 31 de dezembro de 1951, entretanto, afas-tou quaisquer dúvidas quanto à possibilidade ampla de o magis-trado proceder ex officio na prestação da tutela cautelar, em formade liminar, ao afirmar simplesmente que, “ao despachar a inicial, ojuiz ordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido,quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puderresultar a ineficácia da medida, caso seja deferida” (art. 7o, inc. II).A nova Lei no 12.016, igualmente, em seu art. 7o, inc. III, reforçou amencionada tese jurídica.

É o magistrado, portanto, quem irá, em última análise, valoraro fundamento do pedido – como bem lembra Cretella Jr. (1980, p.190) – ao apreciar o caso, em concreto, e julgar se o sobrestamentodo ato impugnado é indispensável para que o deferimentoextemporâneo da medida não se torne inócuo, ou ineficaz. A liminarnão tem, portanto, de ser, necessariamente, objeto do pedido. De-corre da própria natureza do ato a ser desfeito. E quem decide isso éunicamente o juiz, sponte sua, dispensando a anterior necessidadeinafastável de provocação pelo impetrante no mandamus.

17 Lei no 12.016, de 07.08.2009, art. 7o, inc. III: “Ao despachar a inicial, o juizordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houverfundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia damedida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrantecaução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento àpessoa jurídica”.

18 É importante ressaltar que no regime de vigência da Lei n° 191, de 1936, aliminar era concedida tão somente mediante iniciativa do impetrante (arts.8º, 9º), considerando-se decisão ultra petita aquela que ordenasse a suspen-são do ato, sem aquela solicitação da parte. O Código de Processo Civil de1939, é interessante notar, prestigiava esse modo de considerar as coisas, aopreceituar que “o juiz não pode pronunciar-se sobre o que não constituaobjeto do pedido”.

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O impetrante pode, como leciona Cretella Jr., muitas vezes,nem atinar com a necessidade da liminar. O impetrante dá os fatos,assinala, ao mesmo tempo, a natureza lesiva do ato impugnado.Prova, documentalmente, o alegado. O juiz decidirá, em últimaanálise, se o socorro é urgentíssimo ou apenas urgente.19

Não tem razão, portanto, Santos (1973, p. 158), quando dizque “a suspensão liminar do ato depende de requerimento da partea ser formulado com a inicial, ou em qualquer fase do processo”.

Muito pelo contrário, a razão está, certamente, com a doutri-na de Nunes (1956, p. 348), quando escreve que

a suspensão liminar está facultada ao juiz para que nãose frustre o direito reclamado, quando bem fundado opedido, considerando ser esta uma apreciação em queo juiz terá que se mover necessariamente com certaliberdade.20 Se for motivo de razoável receio que o man-dado a ser ulteriormente concedido já se encontreirreparavelmente comprometido quanto ao direito re-clamado – como no caso em que se desse posse ao fun-cionário nomeado, com preterição do impetrante –, éfato que a eventual irreparabilidade, ainda que relati-va (porque menos atingido o impetrante do que o erá-rio público que teria que suportar o ônus do pagamentodos funcionários), já seria razão suficiente para suspen-são liminar.

No mesmo sentido, Sidou (1983, p. 347) esclarece que o fun-damento é de ordem subjetiva e não processual. Postule ou não oqueixoso a suspensão do ato lesivo, o juiz diligenciará nesse senti-do, sob pena de, não o fazendo, esbarrar em casos diante dos quaissua sentença não terá razão de ser. “Será um julgamento vazio.”

Por efeito conclusivo, a apreciação do fundamento relevanteé facultas do magistrado, através de sua competência discricionáriaprópria, que permite a livre apreciação de sua própria existência e,a partir daí, a sinér-gica operacionalização de um móvel capaz de –em conjunto com os de-mais requisitos indispensáveis ao deferi-

19 O exemplo do mandado de segurança se aplica, por perfeita analogia, aosdemais casos de ação popular, ação civil pública e ação cautelar, esta última,inclusive, por específica disposição legal do CPC, interpretada por extensãoquanto ao seu alcance.

20 Concessão ex officio da tutela cautelar em forma ou não de medidaliminar pelo juizEsta posição doutrinária, flagrantemente majoritária, segundo a qual a tu-tela cautelar, em forma de medida liminar ou não, pode ser concedida exofficio pelo magistrado, independentemente de provocação pelas partes, éimportante lembrar, já foi por nós exaustivamente abordada no capítuloespecífico de Friede (2002) que trata do poder cautelar geral e genérico.

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mento da medida liminar – fazer cessar, em caráter imediato, o atoque se supõe lesivo, inclusive ex officio e, portanto, independen-temente de qualquer provocação das partes interessadas, não dei-xando de ter em mente, por outro lado, os objetivos específicos damedida liminar, de natureza cautelar, que não se confundem, noseu conjunto, com a questão meritória central.

A cautelar visa à segurança e não ao reconhecimentodo direito (ac. unân. da 7a Câm. do TJRJ, de 21.5.85, naapel. 36.501, rel. Des. Graccho Aurélio; RF 291/243).

A medida liminar é provimento cautelar de segurança,quando sejam relevantes os fundamentos daimpetração e do ato impugnado puder resultar a inefi-cácia da ordem judicial, se concedida a final (art. 7o, inc.II). Para a concessão da liminar devem concorrer os doisrequisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos emque se assenta o pedido na inicial e a possibilidade daocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante,se vier a ser reconhecido na decisão de mérito. A medi-da liminar não é concedida como antecipação dos efei-tos da sentença final; é procedimento acautelador dopossível direito do impetrante, justificado pela iminênciade dano irreversível de ordem patrimonial, funcional oumoral, se mantido o ato coator até a apreciação defini-tiva da causa. Por isso mesmo, não importa emprejulgamento; não afirma direitos; nem nega poderesà administração. Preserva apenas o impetrante de le-são irreparável, sustando provisoriamente os efeitos doato impugnado” (MEIRELLES, 1988).

1.3.1 Relevância do fundamento do pedido, fumus boni iuris epericulum in mora

A doutrina majoritária tem entendido que os requisitos para asuspensão liminar do ato impugnado no mandamus, consoante oart. 7o, inc. III, da Lei no 12.016/0921, se identificam perfeitamentecom os pressupostos genéricos para a concessão da medida liminar,ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Como se depreende claramente da norma referida, a provi-dência liminar visa a “paralisar a prática de ato lesivo até o pro-nunciamento definitivo do Poder Judiciário” (TEMER, 1989, p. 76)

21 “Art. 7o Ao despachar a inicial o juiz ordenará: [...] III – que se suspenda oato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e doato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmentedeferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito,com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica” (grifos

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ou à “incolumidade da sentença” (SIDOU, 1980, p. 31-42), assegu-rando consequentemente “a possibilidade de satisfação a serdecla-rada em sentença, do direito do impetrante” (NUNES, 1956,p. 349), o que se constituiria visivelmente nos mesmos objetivos dasmedidas cautelares de modo geral (e, por efeito, seus requisitosseriam os mesmos).

O problema do relacionamento da providência cautelarcom o mandado de segurança não é propriamente decompatibilidade. Que esta existe, não resta a menor dú-vida, haja vista a natureza essencialmente cautelar nasliminares pró-prias do mandado. A liminar aí funcionacomo autêntica cautela inibitória atípica, de enorme im-portância e extensão, como imperativo mesmo de cará-ter constitucional da segurança, inserida, como é, no ca-pítulo dos direitos e garantias individuais. Pode-se afir-mar, pois, sem exagero, que a medida cautelar encontrano mandado de segurança o reconhecimento mais im-portante de sua imprescindibilidade, já que, na maioriados casos, só através dela deixará de frustrar-se o direitosubjetivo que a Constituição ampara com a ação de segu-rança contra os atos ile-gais ou abusivos da autoridadepública” (LIMA, 1986, p. 7, grifos do autor).

Quanto ao fato de ter a medida liminar em mandado de segu-rança, pelas suas próprias características e finalidades, a mesma fei-ção nítida de igual providência em ação cautelar – nominada ouinominada, com as vantagens e ônus decorrentes do próprio ato,praticamente, ninguém tem qualquer dúvida.

A questão coloca-se exatamente em saber se o requisito da“relevância do fundamento do pedido” corresponde ou não exa-tamente ao fumus boni iuris – ou, até mesmo, em parte, aopericulum in mora – em qualquer medida liminar, presente indis-tintamente nos writs constitucionais ou mesmo na ação cautelar,na qualidade de antecipadora de tutela cautelar.

Embora estejamos – possivelmente pela primeira vez neste tra-balho – em posição francamente minoritária, entendemos peladoutrina segundo a qual a “relevância do fundamento do pedi-do”22 constitui-se em um terceiro e autônomo requisito para o de-ferimento da medida liminar, tanto no mandado de segurança (dis-posição legal expressa) como na ação popular, na ação civil públi-

22 Fundamento jurídico do pedido e fundamento relevanteBeznos (1982) traça um interessante paralelo entre o fundamento relevan-te, como requisito da liminar, e o “fundamento jurídico do pedido”, como umdos requisitos preconizados pelo art. 282 do CPC. O autor afirma que ofundamento jurídico nada mais é que uma relação de adequação lógicaentre os fatos descritos e as consequências pedidas.

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ca e na ação cautelar, perfazendo – em conjunto com o quartorequisito (a não produção do periculum in mora inverso) – a se-gunda fase do juízo próprio de admissibilidade da medida liminar.

1.4 Periculum in mora inverso

Durante a segunda fase do exame do juízo de admissibilidadeda medida cautelar, em forma de liminar ou não – ao lado do re-quisito da “relevância do fundamento do pedido” e, necessaria-mente, após a comprovação dos requisitos do periculum in mora edo fumus boni iuris (relativos à primeira fase do exame do juízo deadmissibilidade da medida) –, resta o imperativo e criterioso examedo requisito consubstanciado no denominado periculum in morainverso ou, mais especificamente, na sua “não produção”, consis-tente, exatamente, no afastamento, por seu turno, da eventualconcretização de grave risco de ocorrência de dano irreparável (oude difícil reparação) contra o réu (impetrado ou requerido), comoconsequência direta da própria concessão da medida liminar even-tualmente deferida ao autor (impetrante ou requerente).

[...] considero, na verdade, que o periculum in mora exis-tente no mandado de segurança não é uma via de mãoúnica. O periculum in mora é uma via de dupla mão dedireção. Há que se atentar que, à medida que possaexistir o perigo da demora ao direito do administrado,muitas vezes pode concorrer o periculum in mora aodireito de administração (BENZOS, 1986, p. 117-118).

Na concessão de liminar, pela ampla discrição com queage, deve o juiz redobrar de cautelas sopesando madu-ramente a gravidade e a extensão do prejuízo, alega-do, que será imposto aos requeridos [...] (ac. unân. da 1ªCâm. do TJRS, de 26.2.85, no agr. 584.044.135, rel. Des.Athos Gusmão Carneiro; RT 598/191).

Embora não se refira nominalmente ao periculum in mora in-verso, sem a menor sombra de dúvida, salta aos olhos a competen-

Quanto à relevância que se pode exigir desse fundamento jurídico, Beznosentende que ela consiste apenas na viabilidade aparente (e daí a confusãocom o requisito do fumus boni iuris) de que os fatos descritos possam redun-dar na consequência pedida no mandamus. Exigir mais do que isso seriaimpor um prejulgamento do mérito da segurança, para a outorga ou não daliminar. Arrematando: relevante será o fundamento possível dentro doordenamento jurídico, capaz de levar à conclusão pedida pelo impetrante.Por fim, alerta o ilustre articulista que, presente essa relação de adequaçãoentre os fatos narrados e a providência pedida, deve o juiz atentar muitomais para o periculum in mora sob pena de, em muitas circunstâncias, ani-quilar o direito constitucional de defesa pelo writ.

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te afirmação assente com a doutrina, do Ex-desembargador do TJRSe Ministro aposentado do STJ, Athos Gusmão Carneiro, a respeitodo tema e que traduz, com absoluta fidelidade, a essência destequarto e não menos importante requisito, ainda que sem a expres-sa alusão ao seu nomen iuris.

Vale colacionar no ensejo a norma do art. 401 do CPC dePortugal em que o juiz é aconselhado a, ocorrentes aplausibilidade do bom direito e o perigo na demora, con-ceder a liminar “salvo se o prejuízo resultante da provi-dência exceder o dano que com ela se quer evitar”. Emsuma, por vezes a concessão da liminar poderá ser maisdanosa ao réu, do que a não-concessão ao autor. Portan-to, tudo aconselha o magistrado prudentemente perqui-rir sobre o fumus boni iuris, sobre o periculum in mora etambém sobre a proporcionalidade entre o dano invoca-do pelo impetrante e o dano que poderá sofrer oimpetrado (ou, de modo geral, o réu em ações cautelares)(CARNEIRO, 1992, 24, grifos nossos).

No mesmo sentido, relaciona Lacerda (1998, p. 340), tratandodo Poder Cautelar Geral e afirmando a prudência com que deveráagir o juiz, no que tange à observação do requisito do periculum inmora inverso: “as exigências contrastantes das partes com o interesseda administração da justiça, sempre ínsito nas providências cautelares”,devem ser sempre observadas bilateralmente, eis que se encontra di-retamente em jogo “o bom nome e até a seriedade da justiça”.

De forma inclusive mais contundente, adverte também Aragão(1990, p. 33) que “há certas liminares que trazem resultados pioresque aqueles que visavam evitar”.

A não produção do denominado periculum in mora inverso,necessa-riamente implícito no próprio bom senso do julgador, por-tanto, desponta inegavelmente como um pressuposto inafastávelpara a decisão final pela concessão da medida liminar – a ser sem-pre e obrigatoriamente verificado, de forma compulsória –, umavez que, em nenhuma hipótese, poderia ser entendido como umprocedimento lícito a modificação de uma situação de fato perigo-sa para uma parte – mas tranquila para outra – por uma nova queapenas invertesse a equação original, salvaguardando os interes-ses de uma das partes em detrimento da outra e ao elevado custoda imposição de gravames (até então inexistentes e por vezes atémesmo insuportáveis).23

23 Escolha na imposição do gravame à parte pelo julgadorO próprio princípio da imparcialidade do julgador jamais poderia licita-mente permitir a “escolha” consciente da imposição de qualquergravame a uma das partes, até porque este não é o verdadeiro objetivo

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Ação cautelar. Liminar. Cassação, pois que o fumus boniiuris e o periculum in mora militam, no caso, em favorda parte contrária. Se o fumus boni iuris e o periculumin mora militam em favor do requerido, dá-se provi-mento ao agravo para cassar-se a liminar deferida emfavor dos requerentes (ac. 2ª T./TRF - 1ª R., A.I.91.01.06748-6/MG (u)., rel. juiz Hércules Quasímodo,DJ 13.4.92, Seção II, p. 9.112).

Por outro lado, a ausência de um estudo mais apurado sobre aefetiva presença dos principais requisitos autorizadores para o de-ferimento da medida liminar vindicada (relativo ao que entende-mos por bem denominar primeira fase, ou seja, periculum in morae fumus boni iuris), além de um juízo reflexivo mais abrangentequanto à relevância do fundamento do pedido (relativo à chama-da segunda fase ou fase subsequente da avaliação), pode ensejar,por parte do magistrado, uma indesejável análise superficial daquestão, conduzindo-o a um eventual e leviano deferimento damedida (que sempre sustenta caráter de absoluta excepcionalidade,ou seja, em caso de dúvida, quanto à efetiva presença dos pressu-postos, a não concessão da medida liminar deve ser a regra) emvirtual prejuízo do próprio instituto cautelar, com flagrante resul-tado de desprestígio à justiça, em termos gerais, e ao Poder Judici-ário, em particular, podendo até mesmo vir a constituir-se em ins-trumento capaz de produzir uma excepcional e teórica situaçãoanalógica de periculum in mora inverso contra a, em princípio, in-tangível acepção maior do Estado-juiz.24

do processo cautelar autônomo ou do procedimento cautelar em formade liminar que visa exatamente a encerrar a eventual situação de risco,garantindo a certeza da decisão final e, por consequência, a efetividadeda sentença.

24 Condições fundamentais para a ampla aceitação do Judiciário pelasociedadeLuhman (apud FALCÃO, 1992, p. 7) aponta três condições fundamentaispara o Poder Judiciário ser aceito pela sociedade: a) produzir decisões (sen-tenças); b) implementar decisões; e c) solucionar ou minorar, de forma real,o conflito aparentemente resolvido na sentença.Embora a primeira condição pareça óbvia porque todos, aparentemente,vão ao Judiciário para buscar uma decisão (na realidade fática), esta condi-ção preliminar não só não é óbvia, como ainda é de difícil operacionalizaçãoporquanto (talvez, até na maioria dos casos) os jurisdicionados não buscamno Poder Judiciário propriamente uma decisão e, sim, buscam, na maioriados casos, evitar esta mesma decisão.O aparente paradoxo, no entanto, é resolvido pela simples observação daprática judiciária do dia a dia. Por exemplo, quantas pessoas, de fato, prefe-rem recorrer à Justiça, através de medidas cautelares (com previsão liminar),para, através de pseudogarantias de fiança bancária, deixar – ou pelo me-nos adiar sine die – de recolher importante volume de tributos ao fisco, sob

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A concessão, indiscriminadamente transformada em ver-dadeira benesse, vem retirando a seriedade do denomi-nado remédio heróico, enfraquecendo o writ comoremedium iuris excepcional, em desprestígio da própriajustiça enquanto instituição. E, não raras vezes, após aconcessão da liminar, o mandado não é provido, mas ofato já se tornou irreversível e consumado. A concessão deliminar há, portanto, de ser precedida de criterioso estu-do, só se concedendo em caso de iminente e irreparávellesão. A concessão indiscriminada de medidas liminarespoderá levar ao referendo de caprichos e procrastinações,às vezes irreversíveis, com desprestígio do próprio PoderJudiciário [...] (OLIVEIRA, 1988, p. 194, grifos nossos).

1.4.1 Periculum in mora inverso e grave lesão à ordem pública

Não obstante ser considerada tradicional a nomenclatura gra-ve lesão à ordem pública, consagrada pela redação do art. 4º, daLei nº 4.338/6425, é importante advertir que essa expressão não éabsolutamente sinônima do termo periculum in mora inverso (naqualidade de pressuposto fundamental para a concessão da medi-da liminar), guardando, na verdade, em relação a este, uma íntimarelação de espécie e gênero.

Por efeito, o requisito da não produção do denominadopericulum in mora inverso abrange, em sua plenitude, o chamadorisco de grave lesão à ordem pública (incluindo, neste último, aordem administrativa em geral26), sem, no entanto, esgotar o insti-

os mais diversos argumentos que mais tarde – ou mesmo concomitantementeem processo equivalentes – são julgados improcedentes ou, na verdade, nãopossuíam qualquer chance real de êxito? Quantos inquilinos, segundo o pró-prio exemplo de Falcão (1992), preferem recorrer ao Judiciário a pagar oaumento do aluguel contratado, apostando num eventual acordo com oproprietário premido pela lentidão de uma solução final (ou de uma eventu-al anistia fiscal, no primeiro caso)? Portanto, nem mesmo podemos afir-mar que a primeira condição para o Judiciário ser aceito pela sociedade encon-tra-se, de forma plena e absoluta, satisfeita.

25 “Art. 4º Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público inte-ressada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e economiapública, o presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respec-tivo recurso, poderá suspender, em despacho fundamentado, a execução daliminar e da sentença; dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo,no prazo de 10 (dez) dias, contados da publicação do ato” (grifos nossos).

26 Ordem públicaInterpretando construtivamente e com largueza a ordem pública, o então pre-sidente do TFR e posteriormente Ministro do STF, José Neri da Silveira, explicitou:“Nesse conceito se compreende a ordem administrativa em geral, ou seja, anormal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, odevido exercício das funções da administração pelas autoridades constituídas”(TFR, Suspensão de Segurança nº 4.405 - SP, DJU de 7.12.79, p. 9.221).

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tuto, uma vez que, reconhecidamente, pode também existir a hi-pótese em que o gravame (ou prejuízo efetivo irreparável ou dedifícil reparação) derivado do eventual deferimento da medidaliminar (sobretudo como antecipação de tutela cautelar na açãoprópria) venha a atingir apenas um particular e, por consequência,um inte-resse eminentemente privado.

A conclusão, portanto, é no sentido de que o pressuposto ge-nérico da não produção do periculum in mora inverso (ou reverso)possui uma dimensão muito mais ampla que, necessariamente, trans-cende ao simples requisito, expresso em lei, da suspensão da medi-da liminar no mandamus, a exemplo de outras disposiçõesnormativas dotadas de nítida especificidade que, exatamente poressa razão, somente a qualificam como espécie do gênero maior.

1.4.2 Das divergências perceptivas sobre o periculum in morainverso

Não obstante a mencionada consagração da expressão“periculum in mora inverso”, é importante ressaltar que muitosequívocos e uma certa incompreensão do novel requisito aindacontinuam a existir no seio da nossa comunidade acadêmica.

Muito provavelmente, a confusão mais comum é exatamen-te a de não compreender que o periculum in mora inverso éprecisamente a concepção reversa do mais importante pressu-posto autorizativo para a concessão da tutela cautelar ouantecipatória, em forma de provimento liminar, ou seja, o“periculum in mora”.

Neste sentido, alguns articulistas têm apontado, em evidenteequívoco, que o requisito negativo consubstanciado no periculumin mora inverso se traduz pela previsão original ínsita no art. 273, §2º, do CPC (“Não se concederá a antecipação da tutela quandohouver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”)(CAMPOS, C., 2008; CHAVES, 2012; LEME, 2013), ainda que curio-samente alguns autores aparentem, em suas respectivas disserta-ções, compreender a natureza intrínseca do periculum in mora in-verso na qualidade de verdadeiro contraponto ao requisito básicoe fundamental do “periculum in mora”.

[...] situação em que há risco para ambas as partes, de-vendo o magistrado, nos moldes dos princípios darazoabilidade e da proporcionalidade, aferir apotencialidade ou intensidade desses riscos para cadalado [...] (LEME, 2013, p. 5).

Oportuno ressaltar que o instituto da Tutela Antecipada,de forma diversa da Tutela de Segurança Cautelar, possui, além

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do requisito do periculum in mora e do fumus boni iuris (aindaque com uma roupagem diversa27), a necessária reversibilidadedos efeitos28 do provimento antecipatório, ou, em outras pala-vras, o instituto da tutela antecipada, além de possuir o impedi-

27 Muitas vezes têm sido confundidos os diferentes conceitos da verossimilhan-ça da alegação (típico requisito autorizador para a concessão de tutelaantecipatória) com o tradicional fumus boni iuris (relativo ao pressupostopara o deferimento de tutela cautelar). Se é certo que ambos os institutosprocessuais guardam suas indiscutíveis semelhanças, é igualmente corretoafirmar que não são idênticos por outro prisma, não obstante algumas vo-zes discordantes nesse particular.Na verdade – através de uma arriscada simplificação –, seria razoável con-cluir que a verossimilhança da alegação (na qualidade de inconteste juízo deconvencimento a ser procedido sobre o quadro fático apresentado pela par-te) nada mais é do que um fumus boni iuris ampliado que melhor se traduzpela “semelhança ou aparência de verdade” do que propriamente pelorestrito conceito de “fumaça do bom direito”.Essencialmente, trata-se de conceito menos abrangente do que o juízo am-plo de possibilidade (veja a propósito maiores detalhes em Friede (2002)),porém mais elástico do que o juízo próprio de probabilidade plausível, ine-rente ao requisito cautelar do fumus boni iuris.

28 Segundo lições de Dinamarco (1995, p. 176-177, grifos do autor), “as medi-das inerentes à tutela antecipada, como já tivemos a oportunidade de con-signar, têm nítido e deliberado caráter satisfativo, sendo impertinentes quan-to a elas as restrições que se fazem à satisfatividade em matéria cautelar.Elas incidem sobre o próprio direito e não consistem em meios colaterais deampará-los, como se dá com as cautelares.Nem por isso o exercício dos direitos antes do seu seguro reconhecimentoem sentença deve ser liberado a ponto de criar situações danosas ao adver-sário, cuja razão na causa ainda não ficou descartada. É difícil conciliar ocaráter satisfativo da antecipação e a norma que a condiciona à reversi-bilidade dos efeitos do ato concessivo (art. 273, § 2º). (Fala a lei em ‘irreversi-bilidade do provimento antecipado’, mas não é da irreversibilidade do provi-mento que se cogita. A superveniência da sentença final, ou eventualreconsideração pelo juiz, ou o julgamento de algum agravo podem revertero provimento, mas nem sempre eliminarão do mundo dos fatos e das rela-ções entre as pessoas os efeitos já produzidos).Some-se ainda a necessidade de preservar os efeitos da sentença que virá afinal, a qual ficará prejudicada quando não for possível restabelecer a situa-ção primitiva.Uma cautela contra a irreversibilidade reside na aplicação de regras ineren-tes à execução provisória das sentenças. O § 3º do art. 273 manda aplicá-laspara impedir a alienação de bens do réu e para condicionar à prévia cauçãoidônea o levantamento de dinheiro. Dita a reversão à situação anterior emcaso de desfazimento do título executivo, aplicando-se também essa regra àexecução antecipada. Mas, ao remeter-se somente aos incisos II e III do art.588 do Código de Processo Civil, aquele § 3º exclui a exigência de caução paradar início à execução provisória. De todo o disposto no § 3º resulta, pois, quea execução provisória das decisões antecipatórias com caráter condenatóriofar-se-á sem prévia caução mas não chegará à expropriação de bens penho-

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mento relativo29 da não produção do denominado periculum inmora inverso, também possui, em adição, o impedimento abso-luto30 quanto à reversibilidade do provimento antecipatório, nãose confundindo, portanto, o primeiro – simples contraponto dorequisito básico do periculum in mora – com o segundo, requisi-to expresso e específico vocacionado para as hipóteses de tutelaantecipada.

Em qualquer hipótese, a verdade é, acima de tudo, que o re-quisito negativo do periculum in mora inverso é anterior ao pró-prio advento do instituto da Tutela Antecipada (1994) e alude,genericamente, nas palavras de Ferraz (1996, p. 143), ao simplesfato de que “a liminar não deve ser concedida se o dano resultan-te do deferimento for superior ao que se deseja evitar”.

Havendo dúvidas objetivas sobre a localização efetivada área ocupada, objeto de reintegração de posse, maisaconselha que se mantenha o status atual, afastando-se a demolição pretendida até que se ultimem as pro-vas na ação de retomada, evitando o estabelecimentode periculum in mora inverso com a medida drásticareferida (TJSC; AI 222992 SC 2011.022299-2; relator:Gilberto Gomes de Oliveira; 2ª Câmara; 30/01/2012, grifosdo autor).

Restando ausente a demonstração, de plano, da pro-va inequívoca da verossimilhança da alegação, bem

rados e, propiciando embora o levantamento de dinheiro, condiciona-o acaução. (Nesses casos, estando assim satisfatoriamente garantida areversibilidade, inexistem males a temer. A lei deixou de fora qualquerdisposição sobre a responsabilidade civil do exeqüente, mas resulta dasnormas gerais de direito privado que, se prejuízos houver, por eles respon-derá quem se valeu da tutela antecipada e depois se provou que não tinhadireito).Cautelas análogas o juiz adotará em relação a qualquer outro direito cujogozo autorizar por antecipação. Determinando-se a entrega de bem mó-vel, exigirá caução idônea que assegure a devolução. Se for entreguebem imóvel, o risco é menor. O cumprimento das obrigações de não fazerpoderá ser exigido desde logo quando a atividade vetada é contínua eassim for puramente pecuniário o possível prejuízo (exige-se caução, sefor o caso).Sendo necessário conciliar o caráter satisfativo da tutela antecipada com oveto a possíveis efeitos irreversíveis da decisão que a concede, cabe ao juizem cada caso impor as medidas assecuratórias que sejam capazes de res-guardar adequadamente a esfera de direitos do réu (cauções, etc.).”

29 Necessário contraponto ao requisito do periculum in mora originário e,portanto, necessariamente adstrito aos efeitos colaterais que o mesmopossa vir a produzir.

30 Impedimento autônomo que alude à necessária reversibilidade da anteci-pação dos efeitos jurídicos de natureza meritória (direito material).

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como presente o periculum in mora inverso, tendoem vista o caráter alimentar dos adicionais por servi-ços extraordinários devidos aos filiados ao Sindicato-réu, deve ser mantida a decisão que indeferiu o pedi-do de tutela antecipada (STJ; AgRg na AR 4076 PE2008/0209876-0; relatora: Ministra Maria Thereza deAssis Moura; 23/02/2011; 3ª Seção; DJe 03/03/2011,grifos do autor)

[...] “O periculum in mora inverso e o princípio daproporcionalidade devem ser considerados, pois ‘háliminares que trazem resultados piores que aqueles quevisam evitar’ (Egas Moniz de Aragão)”. (TJSC; AG 67784SC 2009.006778-4; relator: Luiz Cézar Medeiros; 3ª Cam.;12/02/2010).

Neste prisma analítico, sintetizou bem a noção conceitual depericulum in mora inverso Carpena (1999, p. 10) quando preconi-za, de forma resumida, que

periculum in mora inverso nada mais é do que a verifi-cação da possibilidade de deferimento da liminar cau-sar mais dano à parte requerida do que visa evitar arequerente; [...] nenhum magistrado deferirá uma me-dida initio litis se averiguar que os efeitos de sua conces-são poderão causar danos nefastos e deveras mais vio-lentos do que visa evitar.

Em necessário reforço, o já citado Carneiro (1992, p. 24) relem-bra, com mérita propriedade, que

por vezes a concessão de liminar poderá ser maisgravosa ao réu do que a não concessão ao autor. Por-tanto, tudo aconselha ao magistrado perquirir sobre ofumus boni juris e o periculum in mora e também sobrea proporcionalidade entre o dano invocado peloimpetrante e o dano que poderá sofrer o impetrado.

Igualmente, Dias (2005, p. 55) reconhece – inclusive citandoCarneiro – que “há setores na doutrina, contudo, que apontampara a necessidade de não gerar, a concessão, um efeito mais gravosoque o que se pretende evitar com a providência cautelar”.

E continua o mencionado autor, afirmando que “essa posiçãose impõe, porque, em princípio, o que se busca tutelar é a eficáciada decisão de mérito, e não os interesses materiais das partes”.

O escopo último da tutela cautelar é garantir a higidezprática da decisão judicial meritória, sendo, em últi-ma instância, mais uma garantia assecuratória daefetividade jurisdicional que, por assim dizer, um modode deferimento sumário e parcial da pretensão da

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parte. Embora não haja expressa previsão legal acer-ca do tema, a doutrina tem colocado em evidênciaque há a necessidade de garantia do tratamentoisonômico das partes também no processo civil (DIAS,2005, p. 55).

Em idêntico sentido, Schaefer Martins (2003, p. 77) pontua:

O princípio da igualdade integra o princípio do devidoprocesso legal, pois preconiza pela igualdade formalperante o Juiz que torna concreta a norma legal e pelaigualdade processual no interior do processo. Este prin-cípio realiza-se com o tratamento paritário dos litigan-tes no processo.

Prossegue Dias (2005, p. 129, grifos nossos), ainda sobre o tema:

se de fato é assim, não há como se pensar em umatutela cautelar que acabe por produzir um efeito le-sivo mais grave que aquilo que pretende evitar ouque simplesmente transfere de uma parte a outra oônus conservativo decorrente do acautelamento dasituação litigiosa. A situação de produção de efeitode maior gravidade do aquele que se pretende acau-telar ou mera transferência constitui-se em inequí-voca violação da isonomia das partes, sobretudo quan-do se leva em consideração que no âmbito cautelarnão há espaço para a proteção dos direitos alegadospelas partes. Embora o fundamento constitucionalseja evidente, não se deve deixar de considerar que opróprio sistema positivo estabeleceu meios de com-pensação dos riscos quando a decisão cautelar conti-ver risco de quebra da isonomia processual. Essesmeios são desdobramentos do princípio da isonomiaprocessual e que se convencionou chamar de procedi-mentos de contracautela.

É, portanto, através do instituto da contracautela que é possí-vel, pelo menos em tese, se estabelecer um mecanismo que se, porum lado, não afasta por completo o periculum in mora inverso naqualidade de requisito impeditivo para a concessão de providênci-as cautelares ou antecipatórias, em forma de medida liminar, aomenos minimiza seus efeitos.

Tais institutos autorizam que em determinadas hipóte-ses o juiz possa fixar um meio de garantia de não produ-ção do risco, ou pelo menos, criar um meio deminimização do perigo por meio de uma salvaguardade cunho patrimonial (DIAS, 2005, p. 129).

Antecipando algumas vezes o resultado final do proces-so, a medida cautelar, ao mesmo tempo em que afasta

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o periculum in mora, pode trazer o risco de prejuízopara a parte que deve sofrer os efeitos dessa antecipa-ção. [...] Em tais hipóteses, como observa Calamandrei,a caução funciona como cautela da cautela oucontracautela. (MARQUES, 2000, p. 437).

Neste sentido, o já citado Dias (2005, p. 55-56, grifos do autor)afirma também que

do mesmo modo, que está assente na mais modernadoutrina que não existe discricionariedade na ofertada proteção cautelar, quando verificar o juiz que acautela ofertada induzir a situação mais grave que aoriginariamente reclamada, estará obrigado a exigira prestação de caução ou outro meio adequado. Nãose trata de um requisito genérico que deve ser avali-ado pelo juiz no momento da concessão da tutelacautelar, mas a inversão do risco, gerando situaçãomais grave que a acautelanda demanda do juiz, coma finalidade de garantir a isonomia processual, acontracautela mais adequada. Admitir-se que possao juiz determinar com a cautela ofertada situaçãomais grave ou apena mero deslocamento subjetivodo risco importaria em reconhecer a insubsistênciado princípio da isonomia processual e tanto quantoisso desconfiguraria o caráter conservativo das açõescautelares. O Superior Tribunal de Justiça já decidiuque as contracautelas típicas (art. 804 do CPC) sãoinstitutos relacionados ao processo cautelar, não seestendendo a ações especiais como, por exemplo, oMandado de Segurança. Assim, por via de exclusão,fixou que essas medidas são pertinentes no âmbitocautelar sempre que verificados os seus pressupos-tos. Ainda mais especificamente quanto ao âmbitocautelar, contudo, o Superior Tribunal de Justiça assu-miu posição de que estando presente o efeito maisgrave decorrente da concessão da proteção cautelarou importando ela em mero deslocamento do risco éde se exigir a contracautela, não sendo, assim, merafaculdade judicial. Assim, a contracautela é vinculanteao juízo quando evidenciada a situação de inversãodo periculum in mora.”

Tais institutos – as medida cautelares e ascontracautelas – representam duas faces da mesmamoeda; elas se complementam de tal sorte que a com-preensão dos limites e alcance das medidas cautelaresimbrica-se com a percepção das fronteiras e exten-são das contracautelas. (CAVALCANTE apud DIAS,2005, p. 54)

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1.4.3 Cautela e contracautela

Muito embora as normas infraconstitucionais relativas às me-didas cautelares, em termos gerais, e às medidas liminares, em ter-mos particulares, disciplinem diversas sanções para os eventuais pre-juízos provocados pelo deferimento da providência cautelar – des-de que promovida de forma maliciosa ou por erro grosseiro pelaparte vindicante –, nem sempre a indenização prevista na lei pode-rá alcançar a própria irreparabilidade de determinados danos im-portantes impostos ao requerido/impetrado (ou mesmo a tercei-ros) pela própria efetivação da medida.

A concessão de liminar, inúmeras vezes, causa danos aterceiros, atingidos pelos efeitos da medida, o que em-penha a obrigação de indenizar, se o impetrante agiucom culpa (A parte que, maliciosamente, ou por errogrosseiro, promover medida preventiva responderátambém pelos prejuízos que causar) – CPC de 1939, art.688, parágrafo único (CRETELLA JR., 1980, p. 193).

Nesses casos – ou ainda nas situações em que os eventuais preju-ízos não são indenizáveis por ausência dos requisitos para tanto –,nem mesmo a chamada caução em garantia ou contracautela, previs-ta em vários dispositivos da legislação infraconstitucional, especial-mente o art. 804 do CPC/73 (e exigida ou não ao sabor do prudentearbítrio do juiz), pode ser indicada como efetiva solução ao problemaque, por seu turno, somente poderá ser realmente evitado através darigorosa observância do anteriormente mencionado requisito indis-pensável da não produção do periculum in mora inverso.

A contracautela não é conditio sine qua non do deferi-mento da medida liminar e sim providência destinada aevitar o periculum in mora resultante da concessão ime-diata da providência cautelar. Do contrário, acabariamneutralizados os efeitos das medidas liminares, ou sedificultaria demasiadamente sua concessão [...] (MAR-QUES, 1976, p. 370, grifos nossos).

É evidente, entretanto, que em certas situações a caução, oucontracautela exigida pelo julgador, perfaz-se em providência su-ficientemente eficaz para afirmar, em última análise, o difícil e al-mejado equilíbrio cautelar no processo em discussão, garantindo aplena viabilidade do mesmo, no sentido da efetividade final dodecisum meritório objetivado; como também é verdade que, emcertos casos, o deferimento da medida liminar a uma das partesnão possui o condão de impor qualquer ônus excepcional à outraparte, mantendo o desequilíbrio original que se buscava corrigircom a concessão da medida.

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Por todas essas razões, é importante entendermos que a pró-pria diversidade das situações não permite uma espécie de “regrageral” que vincule, de forma absoluta, o deferimento da medidaliminar à apresentação de uma garantia ou, por outro lado, que aprodução de uma contracautela necessariamente obrigue o magis-trado à concessão da medida liminar vindicada.31,32,33

Caução fidejussória ou real é condição que fica a critériodo magistrado que concede a liminar, já que o art. 804do CPC encerra norma meramente facultativa e não

31 É oportuno registrar o fato de que o condicionamento compulsório da liminarà caução prévia existe no direito alemão (§§ 921 e 936 do ZPO) e no argen-tino (art. 199 do CPC federal).

32 É importante frisar que embora o Código de 1939 não cogitasse a cauçãocomo contracautela, a jurisprudência, durante sua vigência, passou a exigi-la, principalmente como condição de deferimento liminar da medidainominada da sustação do protesto cambial. Como se lê em acórdão da 5ªCâmara do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, datado de 16.5.73, “oabuso dos pedidos de sustação, como meio de ganhar tempo para cobrirfundos bancários, insuficientes, prolongando a mora sem sanção, fez comque os magistrados passassem a exigir o depósito prévio da quantiaobjetivada, como meio de cortar os excessos” (RT, 456/122).

33 Conforme salienta Lacerda (1998, p. 345-346), caução constitui meio genéri-co de garantia. O Código usa a expressão “caução real ou fidejussória”, jáempregada pelo Código Civil nos arts. 419 e 729, para abranger as duasespécies destacadas pela doutrina. Como exemplos de caução real, citam-sea hipoteca, o penhor, a anticrese e o depósito de títulos de crédito, equiparávela penhor pelos arts. 789 e segs. do Código Civil, bem como o de outros títulose valores mercantis. Consideram-se também cauções reais os depósitos judi-ciais em garantia, feitos em dinheiro ou em outros bens móveis ou imóveis,embora não formalizados em penhor ou hipoteca. As cauções fidejussóriaspossuem natureza pessoal. Seu exemplo típico é a fiança, mas nelas incluem-se igualmente outros negócios jurídicos de garantia, como a cessão ou pro-messa de cessão condicional de créditos ou direitos de outra natureza. Qual-quer dessas modalidades serve à contracautela, apesar de serem mais co-muns e usuais a fiança e o depósito em dinheiro. A jurisprudência tem admi-tido, também, o depósito de mercadorias e o penhor (RT, 500/112 e 114).Na caução do art. 804 deparamos com a interessante figura de cautelaenxertada em cautela, por exigência de ofício do juiz (art. 797), sem audiên-cia do requerido, de cujo interesse cuida-se. Não se confunde essa medidacom as cauções do art. 799 e dos arts. 826 e segs. As primeiras resultam deprovidência inominada, não prevista em lei material, ao passo que as últi-mas constituem projeção processual das cauções prescritas ou autorizadasno direito material ou no contrato, como instrumentos de garantia em facede relações principais litigiosas. Por isso, bem andou o congresso de magis-trados realizado em agosto de 1974 no Rio de Janeiro, quando concluiu quea caução do art. 804, porque prestada direta e imediatamente por ordemjudicial, sem citação do réu, nada tem a ver com o procedimento cautelar decaução tratado pelos arts. 826 a 838.

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imperativa (ac. unân. 5.564 da 1a Câm. do TJPR, de10.3.87, no agr. 517/86, rel. Des. Oto Luiz Sponholz;Adcoas, 1988, no 116.596, grifos nossos).

Pelo art. 804 do CPC, a prestação de caução é ato quefica a critério do juiz [...] (ac. unân. da 1a Câm. do TJSC, de8.11.88, no agr. 4.724, rel. Des. Protásio Leal; Jurisp. Cat.62/204, grifos nossos).

O instituto da caução tem por finalidade evitar o riscode abusos nas medidas cautelares, cuja concessão per-tence exclusivamente à discrição do juiz. Assim como aconcessão de medida cautelar sem audiência da partecontrária é faculdade que a lei concede ao juiz, da mes-ma forma a exigência de caução, ou dispensa, para arespectiva concessão liminar, fica exclusivamente aoarbítrio do magistrado, sem que se possa ter como ofen-siva ao direito do interessado uma ou outra solução es-colhida pelo julgador. [...]

Desde que conscientizado da existência do bom direitoem favor do autor e inexistindo risco de lesão grave ede difícil reparação, pode o juiz dispensar a caução, semque sua decisão implique ofensa ao direito da partecontrária (do voto do juiz Ney Paolinelli, rel. do ac. unân.da 3a Câm. do TAMG, de 25.11.86, no agr. 5.002; RJTAMG29/73, grifos nossos).

A providência estabelecida no art. 804 do CPC, comocontracautela eventual, representa mera faculdadeatribuída ao julgador, a quem se reserva, no exame decada caso concreto, prudência e discrição na avaliaçãoda sua necessidade. O fato de o Código estabelecer aobrigação de indenizar por parte dos que sucumbiremnas medidas cautelares quando a execução destas pos-sa causar prejuízo aos requeridos – art. 811, do CPC –não implica, necessariamente, o dever de o juiz sempredeterminar a prestação de caução pelos respectivos re-querentes (ac. unân. da 4a Câm. do 1o TACivSP, de 28.5.86,no agr. 357/84, rel. juiz José Bedran; JTACivSP 99/161).

Conclusão

A concessão da tutela de acautelamento, em forma de provi-mento liminar, tanto em mandado de segurança e nas demais açõesque a admitem, como na qualidade de antecipação da tutelacautelar, é medida de absoluta excepcionalidade e vinculação àpresença de todos os pressupostos indispensáveis, o que inclui,além dos requisitos tradicionais do periculum in mora e do fumusboni iuris, a rigorosa observância quanto à nãoprodução do de-nominado periculum in mora inverso (além do requisito específi-co para a concessão de antecipações cautelares em forma de

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liminar prevista no art. 804 do CPC), sendo certo que a mesmajamais pode ser deferida (ainda que mediante caução) quandoausentes quaisquer dos requisitos apontados, que se encontramexpressos ou implícitos na atual legislação constitucional einfraconstitucional em vigor, independente da vontade, imposi-ção de ordem moral, senso de justiça ou qualquer outrocondicionante subjetivo que possa estar adstrito ao magistradono momento de seu julgamento.

Outrossim, resta importante consignar que a apreciação dospressupostos autorizadores do provimento cautelar é facultas domagistrado, através de sua competência discricionária própria, quepermite a livre apreciação de sua própria existência e, a partir daí,a operacionalização de um móvel capaz de fazer cessar, em caráterimediato, o ato que se supõe lesivo, inclusive ex officio e, portan-to, independentemente de qualquer provocação das partes inte-ressadas, não deixando de ter em mente, por outro lado, os objeti-vos específicos da medida liminar, de natureza cautelar, que não seconfundem, no seu conjunto, com a questão meritória central.

Cumpre observar que o requisito genérico da não produçãodo periculum in mora inverso (ou reverso), neste sentido, em ne-cessário reforço argumentativo, possui uma dimensão muito maisampla que necessariamente transcende ao simples requisito, ex-presso em lei, da suspensão da medida liminar no mandamus, aexemplo de outras disposições normativas dotadas de nítidaespecificidade que, exatamente por essa razão, somente a quali-ficam como espécie do gênero maior, o que importa concluir quea própria diversidade das situações não permite uma espécie de“regra geral” que vincule, de forma absoluta, o deferimento damedida liminar à apresentação de uma garantia ou, por outrolado, que a produção de uma contracautela necessariamente obri-gue o magistrado à concessão da medida liminar vindicada, umavez que não necessariamente tal possibilidade afaste, de formaderradeira, o obstáculo desse novel requisito negativo à conces-são da medida acautelatória, em forma ou não de provimentoliminar.

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A QUESTÃO DO DANO MORAL

A questão do dano moral

Carolina Mello SuaveAdvogada em Minas Gerais

Mestranda pela PUC-MGDanielle Caroline Silva

Advogada em Minas GeraisEspecialista em Direito Civil, Processo Civil e

Direito do TrabalhoMestranda pela PUC-MG

RESUMO

Diariamente, os advogados deparam-se com pedidos deindenização por dano moral. Tem-se visto que tal instituto, noentanto, vem sendo abordado de maneira equivocada, como sefizesse parte do instituto do dano material. O dano moralapresenta peculiaridades que devem ser analisadas e consideradas,para que o devido tratamento seja dado e as respostas jurisdicionaissejam adequadas. Tanto os procuradores da vítima quanto os doofensor devem conhecer o dano moral como ele é, por quaisfundamentos sustenta-se, para que não haja discrepância entre arealidade dos fatos e dos direitos envolvidos e a solução do casoconcreto. O presente estudo tem por objetivo esclarecer umaparcela das questões que envolvem dano moral, visando,humildemente, reforçar conhecimentos e sanar equívocos.

Palavras-chave: Dano Moral. Peculiaridades do instituto.Abordagens. Fundamentos.

ABSTRACT

Daily, lawyers come across moral damages claims. It has beenseen that such an institute, however, has been approached in aninappropriate way, as it was a part of the material damagesinstitute. The moral damages institute has peculiarities that mustbe analyzed and considered by these perspectives, so that propertreatment is given as well as the judicial responses. Bothprosecutors of the victims as the offenders must know the moraldamages as they are, and on what reasons they are sustained, sothere will be no discrepancy between the reality of the facts andof the rights involved and the solution of the case. The presentstudy aims to clarify a portion of issues involving moral damages,aiming humbly strengthen knowledge and clarify misconceptions.

Keywords: Moral Damages. Peculiarities of the institute.Approaches. Fundamentals.

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1 Princípio da dignidade da pessoa humana: fundamento daindenização do dano moral

A consagração ao direito à indenização ao dano moral, talqual conhecemos hoje e que será esmiuçado na presente obra,só foi possível no Brasil após a Constituição Federal de 1988,que elencou a dignidade da pessoa humana como princípiobasilar na ordem constitucional e valorizou o ser em detrimentodo ter.

Até o Código Civil de 1916, não havia uma regra clara queprevia a possibilidade de indenização por danos morais, o que exis-tia eram alguns artigos, como o 76, 1.543 e 1.547, entre outros,que previam de forma pontual a possibilidade de indenizaçõesserem impostas.

Assim, a Constituição Federal abriu um leque para que o legis-lador infraconstitucional pudesse em diversas áreas do direito esta-belecer normas genéricas para a reparabilidade do dano moral,como foi feito no Código Civil, no Código de Defesa do Consumi-dor e em muitas outras legislações infraconstitucionais.

Só foi possível normatizar o dano moral com a valorizaçãodo ser humano através do princípio da dignidade da pessoa hu-mana, pois os direitos do homem e do cidadão evoluíram após aSegunda Guerra Mundial e, sobretudo, após o nazismo, com umabusca incessante dos povos pela valorização do ser humano epelo repúdio a toda e qualquer manifestação arbitrária e altru-ísta do Estado, dos seus governantes e de homens comuns. Fo-ram se tornando cada dia mais fortes o sentimento e a necessi-dade de que deveria ser assegurada pelo Estado a vida digna,protegendo todo valor moral, espiritual e social presente emsociedade.

A dignidade da pessoa humana passou a ser vista como umdireito mútuo de todos os seres humanos, que devem conviver comrespeito, a fim de buscar a paz social, sendo uma qualidadeirrenunciável e inalienável. Sarlet (2004, p. 32) define-a como:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humanoque o faz merecedor do mesmo respeito e considera-ção por parte do Estado e da comunidade, implicando,neste sentido, um complexo de direitos e deveres fun-damentais que asseguram a pessoa tanto contra todo equalquer ato de cunho degradante ou desumano, comovenham a lhe garantir as condições existentes mínimaspara uma vida saudável, além de propiciar e promoversua participação ativa e co-responsável nos destinos daprópria existência e da vida em comunhão com os de-mais seres humanos.

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A QUESTÃO DO DANO MORAL

É necessário, portanto, para a efetiva compreensão do valordo homem na sociedade ocidental contemporânea, reconhecer quea dignidade da pessoa humana é um valor inerente e insubstituível,fazendo parte do seu patrimônio pessoal, devendo ser protegida egarantida pelo Estado como fonte primária de todo e qualquerhomem.

A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa hu-mana, é irrenunciável e inalienável, constituindo ele-mento que qualifica o ser humano como tal e dele nãopode ser destacado, de tal sorte que não pode cogitarna possibilidade de determinada pessoa ser titular deuma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade(SARLET, 2004, p. 41).

Para Canotilho (1999, p. 1090), o respeito à dignidade huma-na constitui um preceito fundamental que encontrou “recepçãoexpressa ou implícita no texto constitucional”.

Resta claro, portanto, que a presença do princípio da dignida-de da pessoa humana dentro do texto constitucional é importantepara a efetiva proteção do Estado e desenvolvimento de políticaspúblicas, porém a dignidade precede o direito, como bem explicitaSarlet (2001, p. 71): “a dignidade evidentemente não existe ape-nas onde é reconhecida pelo Direito e na medida em que este areconhece, já que constitui dado prévio, não esquecendo, toda-via, que o direito poderá exercer papel crucial na sua proteção epromoção”.

Diante de toda a importância acima demonstrada do princí-pio da dignidade da pessoa humana, nota-se que, apesar de omesmo ter aplicação direta, ele impregna todas as normas doordenamento jurídico pátrio, destacando-se mais entre os direitosda personalidade e os direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais configuram a positivação dos direi-tos dos homens em uma dada Constituição. Segundo Sarlet (2001,p. 31), a expressão “direitos fundamentais” deveria ser reservada“para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivadosna esfera do direito constitucional positivo de um determinadoEstado”.

Já no que se refere aos direitos da personalidade, parte dadoutrina acredita que são direitos inerentes de todo homem, nãonecessitando de positivação; esta se limitaria a apenas reconhecê-los e sancioná-los.

Ocorre que após o fim da Segunda Guerra, devido às grandesatrocidades cometidas contra o homem, os Estados viram necessi-dade de admitir a existência de um direito geral de personalidade,passando a positivá-lo de forma mais clara e direta. Foi o que ocor-

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reu com a nossa Constituição, que estabeleceu no art. 5º, inciso X,direitos especiais da personalidade: a intimidade, a vida privada, ahonra e a imagem.

Porém, limitar os direitos da personalidade aos acima elencadosé menosprezar a personalidade humana, pois a todo tempo sur-gem novas situações que merecem ser juridicamente protegidas.

Para Perlingieri (1999, p. 155), os direitos da personalidadeconstituem um valor que “está na base de uma série aberta desituações existenciais, nas quais se traduz a sua incessante mutávelexigência de tutela”. Essa constante exigência de tutela dos direi-tos da personalidade permite extrair duas premissas sobre o direitoà indenização gerado pela ofensa a qualquer desses direitos.

A primeira refere-se ao fato de que qualquer pessoa, apenaspela condição de ser humano, tem direito à indenização por danomoral, seja ela um adulto, uma criança, um portador de doençamental ou alguém mentalmente são, entre outros. Da segunda pre-missa, pode-se concluir que qualquer violação à dignidade da pes-soa humana, para fins de indenização por danos morais, abarcatodas as ofensas à pessoa, tanto na sua dimensão individual quan-to social.

2 Aspectos relevantes sobre o dano moral

2.1 Conceitos de dano moral

Atualmente já não se contesta a existência do direito à indeni-zação pelo dano moral sofrido. O problema existente entre osdoutrinadores refere-se ao seu conceito.

A doutrina não conseguiu assentar em bases sólidas e consis-tentes um conceito que abarque todas as possibilidades de danossofridos, o que leva a uma grande oscilação por parte da jurispru-dência, que às vezes reconhece determinada situação como gera-dora do dano e em outras iguais nega tal direito.

Os três conceitos mais relevantes na doutrina são conceito ne-gativo ou excludente, o dano moral como dor ou alteração nega-tiva do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa e, porfim, o dano moral como lesão a uma determinada categoria dedireitos: os direitos da personalidade.

No conceito negativo ou excludente do dano moral, a doutri-na afirma que o que não for dano patrimonial é dano moral. Silva(1999, p. 1), seguindo essa linha, define dano moral como “lesõessofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seupatrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, emcontraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquiloque não seja suscetível de valor econômico”.

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Dizer que o dano moral é um prejuízo que não afeta opatrimônio e causa tão somente uma dor moral à vítima é umaideia negativa e tautológica, pois, ao referir por exclusão que osdanos morais são os que não podem considerar-se patrimoniais ecausam tão somente uma dor moral, repete a ideia com uma trocade palavras, e não conceitua de forma satisfatória o dano moral.

Já o dano moral como dor ou alteração negativa do estadoanímico, psicológico ou espiritual da pessoa relaciona o dano mo-ral com a dor, em todos os sentidos, tanto física quanto moral, en-globando sentimentos negativos como a tristeza ou a humilhação.Para Alsina (1993, p. 237), “podemos definir, então, o dano moralcomo lesão aos sentimentos que determina dor ou sofrimentos físi-cos, inquietude espiritual ou agravo às afeições legítimas e, em geral,toda classe de padecimentos insuscetíveis de apreciação pecuniária”.

A crítica contra essa corrente reside no fato de a mesma enten-der que não existe dano moral sem dor, sofrimento físico ou moral.Sendo assim, esse conceito não consegue atingir situações em quea perda patrimonial também pode provocar o dano moral ou quan-do a vítima da lesão é a pessoa jurídica.

Por fim, existe ainda o conceito de dano moral como lesão adeterminada categoria de direitos: os direitos da personalidade.Esse é o conceito mais difundido entre os doutrinadores que acre-ditam que o dano moral é caracterizado quando há ofensa a umdeterminado grupo de direitos fundamentais para o homem, quesão os direitos da personalidade.

Para Cavalieri Filho (2004, p. 74), “o dano moral é lesão debem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, asaúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, triste-za, vexame e humilhação à vítima”.

Os que se posicionam contrariamente a esse conceito acredi-tam que, para verificar se ocorreu o dano moral, deve-se analisar oque o ato lesivo causou no espírito da vítima, pouco importando anatureza ou a índole dos direitos lesionados.

2.2 Espécies de dano moral

Utilizando critérios distintos, o dano moral pode ser classifica-do de várias formas, entre elas: dano moral individual e dano mo-ral coletivo, dano moral subjetivo e dano moral objetivo, danomoral transitório e dano moral permanente, dano moral atual edano moral futuro, dano moral direto e dano moral indireto e, porfim, dano moral imediato e dano moral em ricochete.

O dano moral individual e o dano moral coletivo levam emconsideração a extensão subjetiva do dano. O primeiro consiste na

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violação ao patrimônio ideal de uma pessoa; já o segundo é aque-le que atinge o patrimônio imaterial de uma coletividade ou deuma categoria de pessoas, não deixando, é claro, de ser individual,na hipótese de serem várias vítimas do mesmo ato lesivo; é o queocorre nos acidentes de transporte coletivo, como ônibus e avião.

Já o dano moral subjetivo e o dano moral objetivo diferenci-am-se pelos aspectos social e individual da personalidade. O pri-meiro ocorre quando a lesão atinge a individualidade biológicaou psíquica das pessoas; já o segundo, quando é afetada a dimen-são social, ou seja, como é vista a pessoa perante a sociedade, afe-tando a sua credibilidade perante terceiros.

O dano moral transitório caracteriza-se pela lesão, seja ela físi-ca ou moral, que após algum tempo torna-se apenas uma lem-brança para a pessoa que sofreu. Já o dano moral permanente étodo aquele que deixa marcas de difícil reparação que atormen-tam muito as lembranças, como ocorre, por exemplo, nos casos deamputação.

Quanto ao dano moral atual e dano moral futuro, o primeiroocorre no momento em que se caracteriza a lesão, já o segundoseria aquele cujos efeitos serão sentidos no futuro, ou desenvol-ver-se-ão e agravar-se-ão no mesmo. Isso pode ocorrer, por exem-plo, no caso de uma lesão corporal grave que evolui para a morte.

Já o dano moral direto e o dano moral indireto são classifica-dos de acordo com a natureza do bem jurídico afetado diretamen-te pela conduta lesiva. Ocorre dano moral direto quando são ata-cados os direitos da personalidade, como a vida, a honra, a intimi-dade, a imagem, a integridade corporal. De outro lado, o danomoral indireto apresenta-se quando é lesionado o patrimônio,porém tal dano possui grande valor afetivo, como ocorre, por exem-plo, com a perda de um objeto ligado à família por muitas gera-ções.

E, por fim, serão tratados de forma mais minuciosa o danomoral imediato e o dano moral em ricochete.

É imediato quando a lesão atinge a vítima de forma direta,como em uma lesão grave causada por um acidente de carro. Já odano moral em ricochete é aquele que de forma indireta atinge avítima, como em um acidente de carro que mata um pai de família,lesionando de forma indireta toda a sua família, na qual os filhoscresceram sem pai e a esposa será obrigada a cuidar de todos sozi-nha.

Um dos grandes problemas trazidos pelo dano em ricocheteconsiste em saber quem tem legitimidade para propor a açãoindenizatória no caso de morte da vítima direta. A legitimidadedos filhos ou cônjuge para propor a ação não é questionável pela

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doutrina ou jurisprudência. Em contrapartida, não há entendimen-to assentado sobre a legitimidade dos irmãos, ascendentes, outrosparentes e, ainda, das pessoas sem grau de parentesco, como noi-vo, namorado ou um amigo íntimo, gerando grande discussãodoutrinária e jurisprudencial.

Em alguns ordenamentos jurídicos, como o argentino e oparaguaio, foi restringida a legitimidade aos herdeiros necessári-os. Já o português conferiu legitimidade ao cônjuge e aos paren-tes, tendo uma ordem de preferência entre eles, enquanto o fran-cês concede legitimidade a todas as pessoas próximas da vítima,bastando que comprovem o dano moral sofrido devido à proximi-dade existente com a vítima direta.

No Brasil, por causa da norma constitucional presente no art.5º, V e X, que prevê o direito à indenização decorrente do danomoral, não há restrição quanto à legitimidade para propositura daação. A nossa jurisprudência tem analisado cada caso concreto, as-sim como faz a francesa.

Quando existem vários legitimados, todos eles têm direito, in-dividualmente, a receber uma indenização pelo dano moral sofri-do, devendo o Tribunal avaliar o dano psíquico de cada um nocaso de morte do ente querido.

Outro problema vislumbrado quanto ao direito de indeniza-ção decorrente do dano moral em ricochete ocorre quando a víti-ma direta sobrevive ao ato lesivo. Diversos ordenamentos, como oinglês, o argentino, o português ou, ainda, o venezuelano, nãoadmitem a indenização quando a vítima direta sofreu apenas le-são, não vindo ao óbito.

O Conselho da Europa reconhece o direito dos pais e cônju-ges da vítima direta pleitearem indenização, porém deve-se provarum sofrimento excepcional decorrente da lesão.

A França, mais uma vez demonstrando o caráter liberal e pre-cursor dos seus julgados, admite o direito à indenização do danomoral em ricochete sofrido, não sendo necessária a prova de umgrande sofrimento, bastando apenas que o autor prove o vínculocom a vítima direta.

A jurisprudência brasileira ainda não assentou entendimentosobre o dano moral reflexo ou em ricochete em caso de lesões cor-porais graves da vítima direta, porém já existem alguns Tribunaiscomo o carioca que vêm admitindo sistematicamente as indeniza-ções a pessoas próximas, sem nenhuma restrição aos filhos e aocônjuge, devendo fazer prova do vínculo e prejuízo as demais pes-soas.

E, por fim, ainda existe uma situação bem particular, que é apossibilidade de indenização por dano moral em ricochete decor-

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rente da incapacidade sexual do cônjuge ou companheiro. A víti-ma direta devido à lesão sofrida fica impossibilitada de manter re-lação sexual ou mesmo procriar. É inegável que nessa situação ocônjuge sofre o dano moral de forma em ricochete, fazendo jus àindenização.

2.3 Possibilidade de cumulação de dano moral e material

A Constituição Federal em seu art. 5º, incisos V e X, deixa claroque a violação dos bens ou direitos personalíssimos provoca o di-reito de indenização tanto por danos morais quanto materiais. Issopode ocorrer em situações como a de um artista que deixa de fe-char um contrato publicitário por ter seu nome envolvido em falsasacusações ou boatos.

Na situação apresentada, é fácil perceber que os direitospersonalíssimos, apesar de não serem passíveis de alienação, pos-suem um valor econômico, pois a imagem, o nome, a saúde, entreoutros direitos, podem ser fonte de renda para o seu titular. Con-forme bem pontua Pontes de Miranda (1974, p. 155), “nunca se háde deixar de atender a que o dano não patrimonial, o dano moral,pode atingir o patrimônio, através de alguma repercussão ou dealgumas repercussões”.

A possibilidade de cumulação dos danos morais e materiais foisumulada pela jurisprudência do STJ através da Súmula 37: “Sãocumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriun-dos do mesmo fato”, pacificando o entendimento a respeito dofato.

Pode-se, concluir, portanto, que o dano patrimonial pode terorigem em um bem personalíssimo, já o dano moral sempre terácomo fonte a violação a esse bem.

2.4 Dano moral da pessoa jurídica

Sendo indiscutível a proposição de que o dano moral tem comopressuposto a ofensa ou violação a algum dos direitos da persona-lidade, cabe analisar o cabimento da indenização por dano moralquando a pessoa jurídica sofre alguma lesão aos seus direitos, ten-do em vista que esta não sofre nenhum abalo psicológico ouanímico.

Segundo Cavalieri Filho (2004, p. 78), nem todo aborrecimen-to é capaz de gerar dano moral:

Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sen-sibilidade exarcebada estão fora da órbita do danomoral, porquanto, além de fazerem parte da normali-

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dade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entreamigos e até no ambiente familiar, tais situações nãosão intensas e duradouras, a ponto de romper o equilí-brio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender,acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando açõesjudiciais em busca de indenizações pelos mais triviaisaborrecimentos.

Lado outro, pode ser configurado o direito ao dano moralsem necessariamente a vítima experimentar a sensação de dor, tris-teza, mágoa, vexame.

As pessoas jurídicas não são passíveis de experimentar nenhumdos sentimentos acima expostos, não é possível que ocorra a per-turbação psíquica ou do espírito, que é inerente ao homem. Po-rém, justamente pelo fato de esses sentimentos não se confundi-rem com o direito ao dano moral, é possível que a pessoa jurídicaseja detentora do direito de indenização por qualquer lesão sofri-da. Esse é o entendimento de Santos (2001, p. 151):

Outro equívoco, no entender que a pessoa jurídica nãopode padecer dano moral, é a conclusão errônea, semembargos da fama de seus adeptos, na direção de quea configuração do dano moral somente ocorre quandoexiste repercussão na psique da pessoa. Também é danomoral qualquer violação a direitos personalíssimos e,estes, por analogia, as pessoas jurídicas os têm.

Apesar de as pessoas jurídicas não possuírem atributos e direitospróprios dos homens, como a integridade física, psíquica ou mental,possuem outros, como a honra, o decoro, o nome, a reputação, quesão tuteláveis juridicamente, sendo possível o arbitramento de inde-nização por dano moral quando presente a lesão.

Segundo Pontes de Miranda (1967, p. 79):

As pessoas jurídicas podem ser lesadas nos seus patri-mônios, como as pessoas físicas. São pessoas, como es-sas; de modo que têm direitos de personalidade, quefatos ilícitos podem atingir, tais como direito ao nome, àreputação. A ofensa à reputação da pessoa jurídica é aela, e não aos membros da sua diretoria, ou há ofensa àreputação dela e à dos membros da sua diretoria. Asofensivas moralmente danosas podem dar ensejo aações de reparação que toquem a empresas por açõesou fundações, como a outras sociedades, que sejam depessoas. Não se há de pretender que só se tenha decogitar de pessoas individuais, por serem as pessoas ju-rídicas abstrações ou espetros.

Contrário ao entendimento majoritário encontra-se o nobrecivilista Gustavo Tepedino, para o qual:

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As lesões atinentes às pessoas jurídicas, quando não atingem,diretamente, as pessoas dos sócios ou acionistas, repercutem exclu-sivamente no desenvolvimento de suas atividades econômicas, es-tando a merecer, por isso mesmo, técnicas de reparação específicase eficazes, não se confundindo, contudo, com os bens jurídicos tra-duzidos na personalidade humana (a lesão à reputação de umaempresa comercial atinge – mediata ou imediatamente – os seusresultados econômicos, em nada se assemelhando, por isso mesmo,à chamada honra objetiva, com os direitos da personalidade).(TEPEDINO, 2001, p. 52).

Cabe pontuar, por fim, que a possibilidade de a pessoajurídica ser detentora do direito à indenização por danomoral possui raízes diferentes da pessoa física. Enquan-to esta, como já explicitado anteriormente, funda seudireito no princípio da dignidade da pessoa humana,aquela tem o seu direito garantido como consequênciado princípio constitucional garantidor da tutelajurisdicional contra toda e qualquer lesão ou ameaça delesão a direito.

2.5 Formas de expressão do dano

A Constituição Federal traz o direito da personalidade de for-ma generalizada no princípio da dignidade humana. Mas tambémé possível falar-se em direitos da personalidade aludindo a cadaum dos diversos atributos da pessoa humana especificamenteelencados como direitos da personalidade pelo CC/02 e legislaçõesespecíficas (como ECA ou Estatuto do Idoso).

De mesmo modo, dano moral pode ser nomeado no singularou no plural, a depender da perspectiva pela qual o fenômenoseja analisado, apesar de alguns autores tratarem-no como institu-to jurídico singular e outros diferenciarem o dano moral do danoestético, ou do dano à imagem, entre tantos outros.

De qualquer forma, ainda que a lei refira-se a dano moral nosingular, é indispensável que sejam apresentadas todas as diversasformas pelas quais o fenômeno estiver manifestado no caso, paraque a fixação do quantum indenizatório seja definida adequada-mente.

2.5.1 Dano estético

Trata-se da deformidade, do defeito ou da alteração da apa-rência física que causa um resultado estético na vítima ou lhe émotivo de humilhação ou complexo. De acordo com Silva (1999),não é apenas o aleijão, mas é também qualquer deformação, ain-da que mínima, que implique na vítima uma simples lesão

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desgastante, ou permanente motivo de exposição ao ridículo, ou,ainda, gere complexos inferiorizantes.

2.5.1.1 A cumulação do dano estético com o dano materialDe acordo com Andrade (2009), não há nenhuma dificuldade

em aceitar-se a cumulação do dano estético com o dano material, apar do que regimenta a Súmula 37 do STJ, ainda no que tange àsdespesas médicas e a questões de cunho indireto eventualmentedecorrentes da ofensa. Aqui tratamos do clássico exemplo de ummodelo fotográfico que, em virtude de deformidades, ainda quemínimas, deixa de ser contratado para novos trabalhos. Assim, par-te-se da premissa de que muitas vezes os bens e direitospersonalíssimos estão aptos a gerar vantagem econômica, de modoque sua lesão, além de constituir dano moral, pode gerar danopatrimonial.

Porém há ainda os que questionam a cumulação de indeni-zação por dano estético e dano patrimonial por assumirem que odano moral como dor psíquica faz com que o dano estético tenhanatureza híbrida, devendo ser indenizado como dano moral oudano patrimonial, a depender de sua repercussão. É o que assu-me Dias (1987, p. 868) ao dizer que “deve ser indenizado, pois,como dano patrimonial o resultado da ofensa ao aspecto estéticosempre que se traduza em repercussão de ordem material, por-que a lesão a sentimento ou dor psíquica, com repercussõespatrimoniais, traduzem dano patrimonial”. Constituiria danomoral, no entanto, no que diz respeito à “penosa sensação daofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, nos efei-tos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítimado dano”.

Essa tese, apesar de não ser majoritariamente aceita, convémao ofensor e lhe dá a possibilidade de redução do quantumindenizatório.

2.5.1.2 A questão da cumulação do dano estético com o danomoral

A princípio, negou-se a possibilidade de cumulação de danoestético e dano moral por considerar-se a caracterização de bis inidem. No entanto, por jurisprudência do STJ, o entendimento atu-almente dominante nessa corte pode ser assim demonstrado: “Nostermos em que veio a orientar-se a jurisprudência das Turmas queintegram a Seção de Direito Privado deste Tribunal, as indeniza-ções pelos danos moral e estético podem ser cumuladas, mesmoquando derivadas do mesmo fato, se inconfundíveis suas causas e

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passíveis de apuração em separado” (REsp 228244/SP, rel.: min.Salvio Figueiredo Teixeira, DJ de 17/12/1999).1

Nesse diapasão, a ideia central é que o dano estético seria umaespécie do gênero dano moral e constituiria uma manifestaçãoparticular deste, devendo ser separadamente considerado. O danoestético pode constituir um agravamento do sofrimento da vítima,que já faria jus à indenização pelo simples fato de haver ofensa àsua integridade física, independente da deformação eventualmentecausada pela lesão.

No entanto, há doutrina em sentido contrário. Para Andrade(2009, p. 84),

o dano moral é a própria ofensa ao direito integranteda personalidade, ou seja, na hipótese de dano estéticoé a própria lesão à integridade física da vítima. O sofri-mento, o padecimento, a dor e outros sentimentos ne-gativos constituem, em tal situação, a simples repercus-são desse dano. Assim, não há que se falar no danoestético como outro dano, distinto do moral. Há um sódano, de natureza moral, do qual o denominado danoestético nada mais é do que um desdobramento ou umaspecto singular, a ser considerado na estimativa da in-denização.

Nesse sentido, o dano estético seria apenas um fator de au-mento do quantum indenizatório por dano moral ao se considerarsua extensão e repercussão na vida da vítima.

2.5.2 Perda de chance

A perda de uma chance seria modalidade específica de danofuturo, consistente na perda, pela vítima do dano, da oportunida-de de obter um benefício ou evitar um prejuízo.

No âmbito do dano material ou patrimonial, a perda de chanceaproxima-se do lucro cessante, uma vez que ambos institutos refe-rem-se a benefício pressuposto e provável que seria alcançado, nãofosse pelo evento lesivo. A diferença entre eles, no entanto, teriabase no grau de probabilidade. Enquanto no segundo há umaprobabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dosacontecimentos, consideradas as circunstâncias naturais da vida davítima, no primeiro a probabilidade seria suficiente ou mínima paraobtenção do benefício, não fosse o dano causado.

Vislumbra-se relação, ainda, entre a perda da chance e o danomoral, pela angústia passível de ser experimentada pela pessoa emface de conduta que lhe acarrete frustração em suas expectativas

1 No mesmo sentido, REsp 264119/RJ.

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legítimas. Aqui a perda da chance seria causa de dano moral, nãose constituindo, propriamente, em espécie autônoma.

Em todo caso, a responsabilização civil em decorrência de atoque gere a perda de uma chance tem sido admitida em relação àshipóteses em que da perda de uma chance decorre inequivoca-mente prejuízo, decorrente do resultado que adviria certamentecaso a conduta ilícita não tivesse sido praticada. Nesse sentido, éilustrativo acórdão do STJ:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DEPERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVI-SÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento,em programa de perguntas e respostas, pela televisão,sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Fe-deral não indica percentual relativo às terras reserva-das aos índios, acarreta, como decidido pelas instânciasordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa dodevedor, impondo o dever de ressarcir o participantepelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pelaperda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em par-te, provido (REsp 788.459/BA, rel.: ministro FERNANDOGONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 08/11/2005,DJ de 13/03/2006, p. 334).

2.5.3 Dano à vida de relação

Originada em doutrina francesa da década de 1950, a deno-minação préjudice d’agrément é espécie de dano que designa oconjunto de dificuldades que a vítima de lesão corporal tem deenfrentar no exercício dos atos essenciais à vida cotidiana, nas ati-vidades afetivas, familiares, esportivas, escolares ou profissionais,ou no lazer2, ou que sofre incapacidade para procriar e manterrelações sexuais (préjudice sexuel).

Na doutrina e jurisprudência pátria, esse tipo de dano nãoconfigura espécie à parte, mas constitui dano moral com uma espe-cial forma de manifestação de dano imaterial, que interfere direta-mente na fixação dos valores indenizatórios.

2.5.4 Dano ao projeto de vida

Nas palavras de Andrade (2009, p. 89),

2 Seria o caso, por exemplo, de uma vítima de acidente que fica tetraplégica,sofrendo dramática perda em sua qualidade de vida, uma vez que perde aautonomia para tudo e passa a depender de terceiros para sair da cama,vestir-se, tomar banho, comer, trabalhar; enfim, para exercitar sua identi-dade e todas as atividades cotidianas.

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denomina-se dano ao projeto de vida aquele que, afe-tando a integridade psicossomática da pessoa, traz,como consequência, a frustração de seu projeto de vida.Tem como causa ou origem um dano psicossomático,mas com esse não se confunde. O dano aqui em refe-rência reside no “vazio existencial” provocado pela le-são, pelo aniquilamento daquilo que dava sentido ourazão à vida da pessoa lesada.

Seria uma espécie de dano certo e atual que traria consequênciasprolongadas no futuro de modo continuado ou sucessivo.

Para Sassarego (2004), o dano ao projeto de vida distingue-sedo dano moral: enquanto este incidiria sobre a esfera afetiva ouemocional da vítima, aquele afetaria a existência da vida em si. Oautor pondera que a dor advinda do dano moral, ainda que mui-to intensa, tende a dissipar-se com o transcurso do tempo, transfor-mando-se em outros sentimentos. Já o dano ao projeto de vida,por sua magnitude, acompanha a vítima por toda a vida, compro-metendo-lhe o futuro e sua própria identidade. Seria o caso de umpianista que vive exclusivamente para o exercício de sua arte, rea-liza execuções musicais distintas, leciona e tem na carreira profissio-nal todo o sentido de sua vida. A perda de alguns dedos decorren-te de acidente não apenas o privará do exercício profissional, masdesconstituirá sua identidade e sua razão de viver.

2.6 Descumprimento de obrigação contratual e dano moralsupostamente decorrente

Indaga-se, ainda, quanto à existência de obrigação legal dereparação em caso de inadimplemento contratual. É certo que oscontratos obrigam às partes, que esperam seu cumprimento. Con-tudo, é certo, também, que as partes estipulem com base na auto-nomia da vontade sanções para o caso de inadimplemento de suasobrigações (normas convencionais), além dos instrumentos existentesno sistema jurídico para a coerção da parte inadimplente (normascogentes). Daí a resistência doutrinária e jurisprudencial em admi-tir cumulação, a essas sanções, de danos morais em decorrência doinadimplemento contratual, que se reputa dessabor natural da vidaem sociedade. No escólio de Theodoro Júnior (2010, p. 137):

Dentro do prisma da relevância necessária da dor mo-ral para justificar o ressarcimento da lesão nãopatrimonial, a advertência pretoriana é no sentido deque esse tipo de reparação não pode ser banalizado aponto de se juntar sempre ao pedido de danos materi-ais no caso de inadimplemento de contrato.

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A orientação quanto à ausência de dano moral peloinadimplemento contratual é forte, até mesmo em se tratando deinadimplemento de contrato de emprego, no qual salários deixamde ser pagos ao empregado.

Alega o autor que o inadimplemento dos salários nosúltimos meses do contrato de trabalho e da rescisãocontratual lhe causou dificuldades econômicas, diantede seus compromissos particulares, caracterizando odano moral e lhe causando dano material, oriundo doconsequente endividamento. Sem razão. [...] O atrasono pagamento de salários é ato penalizado com o paga-mento de correção monetária e juros. Entende-se que odeferimento das parcelas salariais tidas por devidas cons-titui a reparação do próprio dano, como tal entendido oinadimplemento de salários e demais obrigações decor-rentes do contrato de trabalho (TRT-4, RO 00976-2008-662-04-00-1, 5ª Turma, rel.: juiz Leonardo Meurer Bra-sil, j. 30/04/2009).

CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. OBRIGAÇÕESDECORRENTES. DANO MORAL. Inviável a aferição dealegada violação aos artigos 5º, incisos V e X, da Consti-tuição Federal, 186 e 927 do Código Civil, ou mesmo dadivergência jurisprudencial, uma vez que o Acórdão Regi-onal constata não haver nenhuma alegação concreta deatos que firam a integridade, a honra ou outro bem moraldo reclamante (TST, RR - 7000-80.2008.5.09.0459, relator:ministro Emmanoel Pereira, data de julgamento: 30/03/2011, 5ª Turma, data de publicação: DEJT 08/04/2011).

Pondera-se, contudo, a existência de situações que ensejamdano moral pelo inadimplemento do contrato, em razão das parti-cularidades da situação jurídica. Segundo Andrade (2009), são re-quisitos para essa configuração: obrigação preexistente,inadimplemento da obrigação, existência de um fator de atribui-ção de responsabilidade e relação entre a lesão e ofensa a direitoda personalidade. E é na aferição do fator de atribuição de res-ponsabilidade que reside a dificuldade em fixar parâmetros de con-trole para a identificação das situações que admitem, ou não, quese caracterizem danos morais por inadimplemento contratual. Ocomportamento do ofensor deve ser abusivo para a caracterizaçãodo dano moral.

2.7 Mora no cumprimento de obrigação contratual oudescumprimento relativo

Atualmente vários julgados têm reconhecido fatoindenizador em casos como o atraso na entrega de imóvel ou em

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atrasos consideráveis de voos, principalmente quando implicar aperda de conexão para o passageiro, assim como em casos de de-mora desarrazoada para instalação ou conserto de linha telefôni-ca, quando não houver problemas técnicos graves que justifiquemo atraso.

3 A indenização do dano moral

3.1 Sanções previstas pelo dever originário de conduta

A modernidade afirmou a liberdade e olvidou-se de outrosvalores fundamentais. O filósofo Zigmund Bauman percebe no in-divíduo o pior inimigo do cidadão, pois

Enquanto este é uma pessoa que tende a buscar o seupróprio bem-estar através do bem-estar da cidade, oindivíduo tende a ser cético em relação ao “bem co-mum”. Qual o sentido de interesses comuns senão per-mitir que cada indivíduo satisfaça seus próprios inte-resses? O que quer que os indivíduos façam quando seunem, e por mais benefícios que seu trabalho conjuntopossa trazer, eles o perceberão como limitação à sualiberdade de buscar o que quer que lhes pareça ade-quado separadamente, e não auxiliarão (BAUMAN,2001, p. 47).

O Direito tem como função precípua a proteção do ser huma-no e potencialização dos valores de uma sociedade.Deontologicamente, regula condutas externas e possibilita o con-vívio social. A ordem jurídica caracteriza-se pela imperatividade,expressada pela exigência incondicional de aplicação de seus pre-ceitos normativos. Essa imperatividade é condição sine qua non davida em sociedade.

Vinculada à imperatividade e à coercibilidade do ordenamentojurídico está a sanção, que se define como consequência desfavo-rável para o caso de violação de norma e pela qual se reforça suaprópria imperatividade.

O ordenamento jurídico é estruturado por um complexo siste-ma de regras e princípios que atuam como parâmetros nas relaçõestravadas entre os indivíduos que compõem uma sociedade. O ob-jetivo normativo é a paz social. Entretanto, vez que a norma é vio-lada e um dano é causado a outrem, o ofensor tem o dever dereparar o mal causado, na tentativa de restabelecer o status quoante da relação, ou, diante de sua impossibilidade, deve tomarpara si a responsabilidade pelo ato e compensar ou indenizar avítima, para que atenue os prejuízos suportados. Segundo CavalieriFilho (2012, p. 2),

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A QUESTÃO DO DANO MORAL

a violação de um dever jurídico configura o ilícito que, qua-se sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novodever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim,um dever originário, chamado por alguns de primário, cujaviolação gera um dever jurídico sucessivo, também cha-mado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo.

A responsabilidade civil é o dever jurídico sucessivo da quebrado dever originário, que pode decorrer da lei (dever de comporta-mento imposto a todos) ou de contrato que prevê a obrigação origi-nária. O Código Civil, no art. 389, prevê que o devedor da obrigaçãooriginária responde por perdas e danos. Conforme apregoa CavalieriFilho (2012, p. 3), esse dispositivo é aplicável tanto à responsabilidadecontratual como à extracontratual (cuja obrigação originária decorreda lei). Pondere-se desde logo um ponto: a sanção não pode ser con-cebida como um preço estabelecido em proveito daqueles que este-jam dispostos a pagar para violar as normas primárias de conduta, masdeve ser encarada como uma forma de proteção de um preceito queencerra um dever primário ou originário.

As sanções podem ser classificadas como compulsória,reconstitutiva, compensatória, punitiva e preventiva.

A primeira diz respeito à medida que compele o devedor àrealização, ainda que tardia, da conduta primária que deveria terrealizado. Seria o caso, a exemplo, da prisão do devedor de ali-mentos.

A sanção reconstitutiva impõe a reconstituição em espécie dasituação anterior à transgressão da ordem jurídica, como, por exem-plo, a apreensão de um bem móvel que se encontre em poder dodevedor.

A sanção compensatória, por sua vez, é aquela que, diante daimpossibilidade de reconstituição do status quo ante, impõe o pa-gamento em dinheiro como equivalente do dano patrimonial so-frido ou atenuação do dano moral.

A sanção punitiva, como o próprio nome diz, representa umareprovação jurídica da conduta ilícita que serve ao ofensor comocastigo ou retribuição.

A seu turno, a sanção preventiva é a medida jurídica que tempor finalidade precípua prevenir violações futuras por parte dequem já incorreu em um ilícito, cuja reiteração receia-se.

Para o presente estudo, cabe averiguar mais profundamente apena e a reparação.

3.2 A pena

A análise das finalidades da pena é fundamental para o exa-me crítico dialético da questão aqui enfocada. O cabimento de uma

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indenização de caráter punitivo depende, necessariamente, dacompatibilidade das finalidades da pena com os objetivos da res-ponsabilidade civil, no que concerne ao dano moral em si.

Há três classes de teorias que buscam explicar os fundamentosda pena: as absolutas (de retribuição ou retributivistas), as relativas(utilitárias e utilitaristas) e as mistas (unitárias ou ecléticas). Todaselas gravitam em torno de duas premissas: a retribuição e a preven-ção, senão vejamos.

3.2.1 Teorias absolutas

Elas fundamentam-se na retribuição. É a exigência da justiçaem caráter moral: ao mal do crime ou do dano deve contrapor-se omal da pena, e só assim será restaurada a igualdade no ordenamentojurídico. Restabelecer-se-ia, por meio da pena, o próprio Direito.

As teorias retributivistas modernas apresentam grande preo-cupação com a questão da justiça, tanto para o ofensor quantopara a vítima. Essas teorias contribuíram para o desenvolvimentodo princípio da culpabilidade. Não deixam de carregar em si umsentimento de vingança e não conseguem distanciar-se da marcanegativa do talião.

3.2.2 Teorias relativas

Aqui, a pena tem uma finalidade essencialmente prática ouutilitária. O cerne está não no porquê da pena, mas no “para quê”.Assim, deve ser racional, e sua finalidade é impedir a prática decrimes ou danos através da coação psíquica (ameaça) ou física (se-gregação).

Nesse sentido, fala-se em prevenção geral e prevenção especi-al. A primeira baseia-se na suposição de que a pena cominada emabstrato consiste em uma intimidação a todos. O resultado almeja-do é intimidativo-dissuasivo em relação a qualquer potencialofensor. Já a prevenção especial atua sobre o agente em concreto,tentando impedi-lo e intimidando-o para que não volte a ofendera ordem jurídica. Assim, com a aplicação de pena em concreto, estateria um cunho intimidativo-dissuasivo em relação ao agente emconcreto.

3.2.3 Teorias mistas

Estas procuram a conciliação entre as ideias de retribuição eprevenção; a pena tem duplo efeito. Essas teorias mistas têm preva-lecido no âmbito penal da legislação moderna ocidental e servemcomo balizadoras do direito civil.

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3.3 A reparação

Toda a construção moderna da teoria da responsabilidade ci-vil encontra-se fundamentada na ideia de reparação. O mais im-portante é a vítima, e não o ofensor; e assegurar a ela a recompo-sição da situação anterior ao dano sofrido é a principal função daresponsabilidade civil. No mesmo sentido, o art. 944 do CC/02: “aindenização mede-se pela extensão do dano”. Não fala sobre ograu de culpabilidade do ofensor, mas sobre o dano sofrido pelavítima.

Indenizar, ressarcir ou compensar são vocábulos comumenteutilizados na esfera da responsabilidade civil. Todos contêm a mes-ma ideia: trazer a vítima à condição de in dene, ou sem dano; aostatus em que se encontraria não fosse o evento danoso.

Isso pode ocorrer de duas formas, como anteriormente dito:reparação específica (em espécie, natural ou in natura), que geral-mente se traduz em obrigação de dar ou fazer; ou reparação porequivalente, quando é imutável a situação danosa causada, o quegeralmente se traduz no pagamento de soma em dinheiro, peloqual se busca restabelecer em termos econômicos patrimônio dimi-nuído da vítima. É o que diz o art. 947 do Código Civil: “Se o deve-dor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”.

3.4 A reparação do dano moral

Os bens integrantes da personalidade não são quantificáveisem pecúnia, não têm preço. Por isso, é complicado aceitar a ideiada reparação por equivalente, uma vez que não há em que se ba-sear como equivalente.

Essa é uma das razões pelas quais durante muito tempo ne-gou-se a reparação do dano moral. No entanto, o problema dodano moral sempre se sobressaindo em múltiplos casos concretosgerou a necessidade de uma resposta jurídica a essa espécie ofensi-va, e jurisprudência e doutrina, ainda que imperfeitamente, ao fi-nal, admitiram uma possibilidade de indenização devida do ofensorà vítima como forma de sanção. Muitas teorias foram formadas arespeito.

3.4.1 Teorias negativistas da reparação do dano moral

Em que pese a consagração, pela ordem jurídica brasileira apósa Constituição de 1988, da teoria da reparação de todo e qualquerdano civil, há diversas correntes contrárias ao modelo, cuja rele-vância histórica impende mencionar.

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Por muito tempo sustentou-se a incerteza a respeito da exis-tência do dano, havendo confusão entre a dor (impalpável) e asua manifestação (sujeita a falseamento) com o fundamento dareparação. Essa linha de pensamento foi atacada, principalmente,após o desenvolvimento da teoria dos direitos da personalidade,que indicou a existência do dever de reparar não pela dor causadaà pessoa, mas pela violação de aspectos inerentes à dignidade dapessoa humana.

Seguiram-se críticas, ainda, sobre a imoralidade da compensa-ção pecuniária, acompanhada da impossibilidade de precificaçãodo dano dessa natureza a acarretar enriquecimento ilícito do ofen-dido. Essas críticas – em que pese superadas pela constatação deque a ausência de resposta em face da infração é, por si só, imora-lidade maior e, diante da barbárie da retaliação, deve-se seguir ocaminho da reparação pecuniária – ainda são muito lembradas pelasociedade, sendo tratadas pela mídia de forma equivocada (a res-peito, confira-se o filme-vídeo Hot Coffee, de 2011).

3.4.2 Teorias restritivas da reparação do dano moral

Após longo período de negação da possibilidade de reparar-se um dano moral, gradualmente foram desenvolvendo-se teoriasque assumiam essa possibilidade em casos muito específicos, somen-te diante daqueles suportados expressamente pela lei. Os pionei-ros foram os Códigos Civis da Alemanha e da Itália.

Também eram restritivas as teorias que excluíam o direito àreparação em casos como os de descumprimento de obrigaçãocontratual.

O CC/16 também adotava a teoria restritiva, até a consagraçãodos novos parâmetros constitucionais, com a promulgação da CF/88, que prevê genericamente a indenização para essa espécie dedano nos incisos V e X do art. 5º e superou o impasse.

3.4.3 Indenização do dano moral como pena privada

A sanção punitiva no direito privado tem origem remota. Napré-história da responsabilidade civil, a primeira forma de reaçãocontra comportamentos lesivos era a vingança. Sucessivamente, aLei do Talião rigidamente punia ofensores de qualquer natureza.Apenas em momento posterior, as primitivas formas de autotutelaforam substituídas por compensação pecuniária.

Foi com o passar do tempo que se começou a fazer a distinçãoentre o direito civil e o direito penal, e, a partir de então, enquan-to gravíssimas ofensas foram tuteladas pelo direito penal, solidifi-caram-se teorias inspiradas no princípio da reparação no âmbito

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A QUESTÃO DO DANO MORAL

civil. Assim, enquanto uma ciência passou a preocupar-se prepon-derantemente com o ofensor e a devida punição, a outra passou ater no seu cerne a vítima e seu interesse precípuo: a reparação dodano causado.

Muitos teóricos defendem um caráter punitivo à sanção civil.Entre eles, Ripert (2000) considera que se o indivíduo for vítima dedano moral puro, sem cumulação com dano material, as ações seri-am vindictam spirantes, ou seja, seriam inspiradas unicamente pelodesejo de obter alguma forma de punição do autor do dano.

Savatier (1951), de forma mais branda, argumenta a repugnân-cia de consciência moral geral a ideia de que qualquer soma emdinheiro poderia de alguma forma compensar a vítima de um gravedano, a exemplo da perda de um filho. Para ele, os tribunais, imbu-ídos de um instinto de justiça e de equilíbrio, sancionariam aqueleque fosse responsável por ato que tenha causado grave dano.

Esse tema é ainda tratado por muitos autores, e as argumenta-ções são inesgotáveis. Para entendê-las de maneira adequada, sãonecessários estudos mais profundos do que aqui se propõe.

A maioria doutrinária não apresenta adesão à teoria da inde-nização do dano moral como pena privada.

3.4.4 A indenização como compensação ou satisfação

Majoritariamente superadas as teorias negativistas e restriti-vas, e vencida (em parte) a aludida tese penalista, a indenizaçãodo dano moral passou a ser considerada como forma de satisfaçãoou compensação3 ao ofendido, ainda que imperfeitamente.

Existiria, então, uma grande diferença entre a função da inde-nização por dano material e por dano moral: enquanto a primeirarege-se pela teoria da equivalência, a segunda considera a possibili-dade de compensação da vítima pela ofensa sofrida. O dinheiro, nodano moral, serviria para que a vítima procurasse satisfaçõessubstitutivas. Assim, a vítima teria sua dor amenizada. Não se tratade prostituir a dor colocando-lhe um preço, mas de oferecer umaresposta razoável, sob a ótica jurídica, através de uma compensação.

3.4.5 Tese mista ou funcional: a dupla função da indenizaçãodo dano moral

A doutrina, em sua maioria, acentua a dupla função da inde-nização por dano moral: do lado da vítima, a indenização atuariacomo compensação; para o ofensor, funcionaria como uma puni-

3 Apesar da distinção doutrinária feita entre os vocábulos satisfação e com-pensação, eles são considerados aqui como intercambiáveis.

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ção por haver ofendido um bem jurídico daquela. Para Pereira(1990, p. 338), “a isso é de acrescer que, na reparação por danomoral, insere-se a solidariedade social à vítima”. Gomes (1988), namesma linha, reconhece que a indenização por dano moral exercea função de expiação em relação ao culpado e de satisfação emrelação à vítima.

Vários autores seguem a mesma visão a respeito da dúplicefunção dessa indenização. Cahali (1998, p. 175) vai além, aludindoa ela uma função tríplice: “a indenizibilidade do dano moral de-sempenha uma função tríplice: reparar, punir e admoestar ou pre-venir”.

Entendem os ministros do STJ que

Cabe ao Superior Tribunal de Justiça o controle do valorfixado a título de indenização por dano moral, que nãopode ser ínfimo ou abusivo, diante das peculiaridadesde cada caso, mas sim proporcional à dúplice funçãodeste instituto: reparação do dano, buscando minimizara dor da vítima, e punição do ofensor, para que nãovolte a reincidir (STJ, REsp 487749/RS, DJU de 12.5.2003,2ª Turma, rel.: min. Eliana Calmon).

A jurisprudência do STF não está bem determinada. Mas emdecisão monocrática, o ministro Celso de Mello, ao referendar atese do caráter punitivo ou inibitório da indenização do dano moral,reconhece também a sua função reparatória, enfatizando “a ne-cessária correlação entre o caráter punitivo da obrigação de inde-nizar, de um lado, e a natureza compensatória referente ao deverde proceder à reparação patrimonial, de outro” (STF, AI 455846,DJU de 21.10.2004. V. Informativo STF nº 364).

3.5 Sanção reparatória híbrida

Aduz Andrade (2009, p. 163):

Assim, no que diz respeito especificamente ao danomoral, a afirmação de que a indenização, quando fixa-da em montante que busca tão somente satisfazer oucompensar a vítima, já traz em si a finalidade punitivadeve ser recebida com reservas. Apenas abstratamen-te, de forma secundária e contingente tal indenizaçãoestaria a desempenhar um papel de punição. O queimprime, concretamente, de forma primária e necessá-ria o caráter de punição ao montante fixado pelo juízo éexatamente a inexistência de equivalência entre o danoe a indenização, com atribuição de maior peso para estaúltima. Assim, somente quando o agente fosse conde-nado ao pagamento de uma quantia cujo valor ultra-passe o montante considerado necessário para a com-

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A QUESTÃO DO DANO MORAL

pensação do dano seria possível falar, legitimamente,em indenização com caráter punitivo ou que tivesse opropósito concreto e primário de punir o ofensor. Domesmo modo, poderia ser considerada punitiva, em es-sência, a indenização que constituísse um montante, dequalquer valor, acrescido à indenização compensatória.

3.6 A função complexa

A tutela de bens personalíssimos não se realiza do mesmo modoque a tutela dos bens materiais ou patrimoniais. Dessa forma, aconcepção clássica da responsabilidade civil como exclusiva fontede reparação do dano ou ressarcimento da vítima não pode se ajus-tar ao dano moral sem prejuízos e reducionismos.

Dois objetivos podem ser identificados nessa peculiar espéciede sanção: a compensação e a punição. Mas não é certa a ideia deque sempre desempenhará as duas funções. A indenização por danomoral exerce papel multifacetado, que variará de acordo com ocaso concreto.

Examinemos o caso de dano moral em relação a vítimas quenão são passíveis de detrimento anímico, como se dá com os doen-tes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou que, em razão dopróprio dano, tenham ficado em coma; ou ainda crianças muitonovas, o nascituro, ou a pessoa jurídica. Aqui fica evidente que ocaráter compensatório ou ressarcitório não tem sentido. A repara-ção sequer será notada pela vítima. Portanto, poder-se-ia consta-tar que, ainda que não expressamente, a imposição de indeniza-ção por dano moral teria caráter aflitivo, de punição ao ofensorpelo mal causado.

Ainda, considerando que não há vinculação de dor física oupsíquica no conceito de dano moral, poder-se-ia falar em danomoral coletivo, que se caracterizaria “pela ofensa a padrões éticosdos indivíduos, considerados em sua dimensão coletiva” (ANDRADE,2009, p. 164). Nesses casos, a falta de individualização da vítima deforma concreta realça, no dano moral coletivo, a ideia depunitividade da indenização.

Ao contrário da indenização por dano patrimonial, a despei-to da motivação da vítima, que nunca assume condição de pena,no dano moral é possível separar casos em que a função seja unica-mente punitiva ou unicamente reparatória.

Conclui-se que cabe ao julgador, reconhecendo os argumen-tos das partes e sobrepesando todas as circunstâncias envolvidas,identificar se “a indenização do dano moral deve ser fixada a títu-lo de compensação ou satisfação da vítima; ou se deve ser empre-gada como forma de punição ao ofensor; ou, finalmente, se deverealizar ambas as funções” (ANDRADE, 2009, p. 167).

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Conclusão

Consideremos o que aduz Andrade (2009, p. 136), ao dizer que

com o desenvolvimento social e a consequente evolu-ção dos direitos da personalidade o conceito de danomoral tende a ser ampliado para alcançar situações hojeainda não consideradas. Essa ampliação, a despeito dasresistências doutrinárias e jurisprudenciais, ao que tudoindica, é inevitável. Do mesmo modo, afigura-se inevi-tável o redimensionamento do papel da indenização dodano moral. Associando a ideia de punição do ofensor àde compensação do dano, a indenização revela-se im-portante mecanismo de prevenção do dano moral [...].

Qual seria a real função da indenização por dano moral? Im-porta maiores estudos sobre o tema, sobretudo se observando odireito comparado e as teorias propostas.

O certo é que o Direito, enquanto ciência, não pode se limi-tar ao exame da norma como entidade autônoma, desvinculadados fenômenos sociais e dos valores que permeiam a sociedade. Ofenômeno jurídico, como aduz Andrade (2009), nunca é exclusiva-mente jurídico.

Um estudo abrangente da responsabilidade civil deve consi-derar fenômenos de várias naturezas, analisando criticamente opapel desempenhado por esse ramo do Direito na perspectiva domundo atual, sem apegos a dogmas e tradições que não mais aten-dem às expectativas sociais.

Os juristas devem construir suas teses, caso a caso, levando emconta todas as questões envolvidas, para que o dano moral nãoseja exaltado e não haja abusos em sua desconsideração.

Para Dworkin (1999), a ciência não elimina problemas, mascom ela mais problemas são produzidos, exatamente para enfren-tar o próprio problema, pois não há ciência sem crítica. É por essaperspectiva que se propõe a reflexão sobre alguns aspectos do exer-cício jurídico, vez que o Direito é ciência e, por essência, deve serestudado sob a ótica crítica do pensamento.

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Cessão fiduciária de direitoscreditórios na recuperação judicial

Eduardo Araujo Bruzzi ViannaAdvogado da CAIXA no Rio de Janeiro

Pós-Graduado em Direito Societário eMercado de Capitais pela FGV/RJ

RESUMO

O presente artigo tem por escopo analisar se o créditofiduciário decorrente de contrato de cessão fiduciária de direitoscreditórios deve se submeter aos efeitos da recuperação judicial.Primeiramente, define-se o conceito do instituto da cessãofiduciária de crédito e seus principais requisitos e características.Em seguida, é estudada a controvérsia quanto à possibilidade desubmissão de tais créditos à recuperação judicial e ao seu respectivoplano, mediante o cotejo entre o disposto na lei e a interpretaçãodoutrinária e jurisprudencial. Por fim, é analisada a questãoenvolvendo a liberação da “trava bancária” pelo Poder Judiciário,de forma a viabilizar o Plano de Recuperação Judicial, e suaimplicação prática à luz dos princípios da preservação da empresa,do ato jurídico perfeito e da proteção ao Sistema FinanceiroNacional.

Palavras-chave: Direito empresarial. Recuperação judicial.Cessão fiduciária. Direitos creditórios.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to assess if credit rights derivingfrom fiduciary assignment agreements are subject to the legaleffects of judicial reorganization. Firstly, it shall be presented theconcept of the fiduciary assignment agreement, alongside with itsrequirements and characteristics. It will be followed by the legalanalysis of the controversy on whether such credits rights areindeed subject to judicial reorganization and its respective plan,where it will be provided a three-folded view, i.e., law, doctrineand jurisprudence. At last, this piece shall tackle the release of the“bank lock” by the Judiciary as a way of making the JudicialReorganization Plan viable and its pragmatic effects under thelenses of the principles of company preservation, the perfectjuridical act and the National Financial System protection.

Keywords: Business law. Judicial reorganization. Fiduciaryassignment. Credit rights.

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EDUARDO ARAUJO BRUZZI VIANNA ARTIGO

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Introdução

A cessão fiduciária de direitos creditórios, atualmente, éuma das garantias mais utilizadas no bojo de financiamentosempresariais. Tal fato decorre diretamente do regramento le-gal que o referido instituto recebeu do legislador, o que acabapor fazer com que os juros praticados em tais financiamentossejam um dos mais interessantes do mercado, tendo em vista obaixo risco de crédito em relação a outras modalidades de fi-nanciamento e a expectativa de retorno de capital pelas insti-tuições financeiras.

No entanto, a manutenção desse cenário depende diretamenteda interpretação que se dá a determinados dispositivos legais. Nopresente estudo, será analisado especificamente o artigo 49, § 3º,da Lei nº 11.101/2005, de forma a definir se a garantia pactuadaatravés de cessão fiduciária de direitos creditórios se submete ounão aos efeitos da recuperação judicial.

Para isso, o presente trabalho, inicialmente, apresentará osdelineamentos conceituais, bem como as principais características erequisitos da cessão fiduciária de direitos creditórios.

Em seguida, o presente estudo se debruçará sobre o artigo49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, analisando detalhadamente oseu âmbito de aplicação e as demais consequências legais daíadvindas, esclarecendo a controvérsia ligada à possibilidade ounão de o crédito fiduciário se submeter aos efeitos da recupera-ção judicial.

Por fim, será estudado o tema de maior repercussão práticaenvolvendo sociedades empresárias em recuperação judicial e seuscredores fiduciários: a legalidade da liberação (total ou parcial)da “trava bancária” para fins de implementação do Plano de Re-cuperação Judicial. A questão será analisada sob a ótica do con-flito de princípios envolvidos, ou seja, mediante o cotejo entre oprincípio da preservação da empresa e os princípios do ato jurídi-co perfeito, da legalidade e da proteção ao Sistema FinanceiroNacional.

1 Cessão fiduciária de direitos creditórios

1.1 Conceito e natureza jurídica

A primeira questão a ser examinada se refere à natureza jurí-dica da cessão fiduciária de crédito, uma vez que, a partir destadefinição, será possível concluir pelo seu enquadramento ou nãona exceção legal prevista no artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005.

O referido dispositivo legal possui a seguinte redação:

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos oscréditos existentes na data do pedido, ainda que nãovencidos.[...]§ 3º. Tratando-se de credor titular da posição deproprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis,de arrendador mercantil, de proprietário ou promitentevendedor de imóvel cujos respectivos contratos conte-nham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade,inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprie-tário em contrato de venda com reserva de domínio,seu crédito não se submeterá aos efeitos da recu-peração judicial e prevalecerão os direitos de pro-priedade sobre a coisa e as condições contratuais,observada a legislação respectiva, não se permitin-do, contudo, durante o prazo de suspensão a que serefere o § 4o do art. 6º desta Lei, a venda ou a retiradado estabelecimento do devedor dos bens de capital es-senciais a sua atividade empresarial. (Grifos nossos).

É preciso, portanto, analisar se a cessão fiduciária de créditoconfere ao cessionário a posição jurídica de proprietáriofiduciário, para fins de exclusão do respectivo crédito da recupe-ração judicial.

Faz-se necessário, ainda, verificar se o direito de crédito (ou otítulo de crédito) se enquadra no conceito legal de bem móvel.Para isso, primeiramente, há que se conceituar o instituto da cessãofiduciária de crédito e definir suas principais características.

A cessão fiduciária de crédito é espécie do gênero negóciofiduciário. Conforme definição de Chalhub (2009, p. 32, grifos doautor):

Entende-se por negócio fiduciário o negócio jurídicoinominado pelo qual uma pessoa (fiduciante) transmitea propriedade de uma coisa ou a titularidade de umdireito a outra (fiduciário), que se obriga a dar-lhe de-terminada destinação e, cumprido esse encargo,retransmitir a coisa ou direito ao fiduciante ou a umbeneficiário indicado no pacto fiduciário.

A realização de um negócio fiduciário faz surgir a figura dapropriedade fiduciária, instituto que se encontra disciplinado, deforma geral, no Código Civil (artigos 1.361 a 1.368-A), bem comoem leis específicas aplicáveis sobre determinados ramos de negócio(como, por exemplo, na Lei nº 4.728/65 e na Lei nº 9.514/97).

A propriedade fiduciária surge quando, por meio de deter-minado contrato, é estabelecida alienação fiduciária e/ou ces-são fiduciária sobre determinado bem, em que o credor-fiduciárioadquire a propriedade (resolúvel) desse bem como garantia, até

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que se implemente o integral adimplemento da obrigação ga-rantida.

Nas precisas palavras de Farias e Rosenvald (2009, p. 380), oobjetivo da propriedade fiduciária consiste em

[...] garantir uma obrigação assumida pelo alienante,em prol do adquirente. O credor fiduciário converte-seautomaticamente em proprietário, tendo no valor dobem dado em garantia o eventual numerário para sa-tisfazer-se na hipótese de inadimplemento do débitopelo devedor fiduciante.

Na propriedade fiduciária, o titular de um bem transmite apropriedade ao credor sob condição resolutiva com o objetivo deprestar uma garantia. Com o adimplemento da obrigação, resolve-se a propriedade do credor, passando o devedor a gozar nova-mente da plena propriedade sobre o referido bem.

No caso específico da cessão fiduciária de crédito, a referidamodalidade de negócio fiduciário é formalizada no bojo de con-tratos de empréstimo com cláusula específica estabelecendo comogarantia da operação a cessão fiduciária de direitos de crédito, tí-tulos de crédito e/ou recebíveis do mutuário. O devedor-fiduciantetransmite ao credor-fiduciário (instituição financeira) um direito(crédito) em garantia do referido empréstimo.

A cessão fiduciária de crédito encontra previsão legal noordenamento jurídico brasileiro na Lei nº 4.728/65 (artigo 66-B, §§3º e 4º, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004) e na Lei nº9.514/97 (artigos 18 a 20).

Os referidos dispositivos legais possuem a seguinte redação:

Lei nº 4.728/65[...]Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebradono âmbito do mercado financeiro e de capitais, bemcomo em garantia de créditos fiscais e previdenciários,deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a taxa dejuros, a cláusula penal, o índice de atualização monetá-ria, se houver, e as demais comissões e encargos.[...]§ 3º É admitida a alienação fiduciária de coisa fungívele a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis,bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, sal-vo disposição em contrário, a posse direta e indiretado bem objeto da propriedade fiduciária ou do títulorepresentativo do direito ou do crédito é atribuída aocredor, que, em caso de inadimplemento ou mora daobrigação garantida, poderá vender a terceiros o bemobjeto da propriedade fiduciária independente de lei-

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

lão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ouextrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pa-gamento do seu crédito e das despesas decorrentes darealização da garantia, entregando ao devedor o sal-do, se houver, acompanhado do demonstrativo da ope-ração realizada.§ 4º No tocante à cessão fiduciária de direitos sobrecoisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se, tam-bém, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei nº 9.514, de 20de novembro de 1997.

Lei nº 9.514/97[...]Art. 18. O contrato de cessão fiduciária em garantiaopera a transferência ao credor da titularidade dos cré-ditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida, econterá, além de outros elementos, os seguintes:I - o total da dívida ou sua estimativa;II - o local, a data e a forma de pagamento;III - a taxa de juros;IV - a identificação dos direitos creditórios objeto dacessão fiduciária.

Art. 19. Ao credor fiduciário compete o direito de:I - conservar e recuperar a posse dos títulos representa-tivos dos créditos cedidos, contra qualquer detentor, in-clusive o próprio cedente;II - promover a intimação dos devedores que não pa-guem ao cedente, enquanto durar a cessão fiduciária;III - usar das ações, recursos e execuções, judiciais eextrajudiciais, para receber os créditos cedidos e exer-cer os demais direitos conferidos ao cedente no contra-to de alienação do imóvel;IV - receber diretamente dos devedores os créditos ce-didos fiduciariamente.

§ 1º As importâncias recebidas na forma do inciso IVdeste artigo, depois de deduzidas as despesas de co-brança e de administração, serão creditadas ao deve-dor cedente, na operação objeto da cessão fiduciária,até final liquidação da dívida e encargos, responsabili-zando-se o credor fiduciário perante o cedente, comodepositário, pelo que receber além do que este lhedevia.

§ 2º Se as importâncias recebidas, a que se refere o pará-grafo anterior, não bastarem para o pagamento inte-gral da dívida e seus encargos, bem como das despesasde cobrança e de administração daqueles créditos, o de-vedor continuará obrigado a resgatar o saldo remanes-cente nas condições convencionadas no contrato.

Art. 20. Na hipótese de falência do devedor cedente ese não tiver havido a tradição dos títulos representati-

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vos dos créditos cedidos fiduciariamente, ficará assegu-rada ao cessionário fiduciário a restituição na forma dalegislação pertinente.

Parágrafo único. Efetivada a restituição, prosseguirá ocessionário fiduciário no exercício de seus direitos naforma do disposto nesta seção.

A Lei nº 10.931/2004, ao incluir o artigo 66-B na Lei nº 4.728/65, criou o instituto da cessão fiduciária de título de crédito noâmbito do mercado financeiro e de capitais. A partir daí, passou aexistir no ordenamento jurídico brasileiro mais uma espécie de ne-gócio fiduciário.

No que tange ao novo panorama legal, em decorrência doadvento da Lei nº 10.931/2004, são precisas as lições de Fernandes(2010, p. 194-195):

Com isso, o sistema legal brasileiro passou a contar comduas espécies do gênero ‘negócio fiduciário’: 1) a aliena-ção fiduciária de coisa, que pode ser móvel ou imóvel, e2) a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis oude título de crédito.

Assim, pode-se concluir que o ordenamento jurídico bra-sileiro contempla as seguintes modalidades, sob a rubri-ca de propriedade fiduciária:1) alienação fiduciária: a) de bens móveis infungíveis(Código Civil); b) bens móveis fungíveis (Lei de Mer-cado de Capitais); c) de bens imóveis, bens enfitêuticos,direito de uso especial para fins de moradia, direito realde uso e propriedade superficiária (Lei nº 9.514, de1997); d) de ações, debêntures, partes beneficiárias ebônus de subscrição (Lei nº 6.404, de 1976); e) de aero-naves e embarcações (Decreto-lei nº 413, de 1969, Leinº 7.565, de 1986, e Lei nº 7.652, de 1988);2) titularidade fiduciária: a) cessão fiduciária de di-reitos e títulos de crédito (Lei de Mercado de Ca-pitais); b) regime fiduciário sobre créditos ou recebíveisimobiliários (Lei nº 9.514, de 1997); c) cessão fiduciáriade crédito para fomento da construção civil (Lei nº 4.864,de 1965, e Decreto-lei nº 70, de 1966); d) cessãofiduciária de recebíveis pra financiamentos concedidosàs concessionárias de serviço (Leis nº 8.987, de 1995, e11.079, de 2004).É inquestionável, portanto, que alienaçãofiduciária e a cessão fiduciária são modalidadesde negócio fiduciário de constituição de proprie-dade fiduciária, preferindo-se, por técnica jurídica,quando se tratar de cessão fiduciária de direitos, falar-se em titularidade de direitos, deixando-se o termo pro-priedade para quando a garantia incidir sobre bensmóveis ou imóveis. (Grifos nossos).

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

No contrato de cessão fiduciária de crédito, conforme o dis-posto no artigo 66-B, § 3º, da Lei nº 4.728/65, a posse direta eindireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do títulorepresentativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor.

Inclusive, o credor, nos termos dos incisos do artigo 19 da Leinº 9.514/97 (aplicável à cessão fiduciária de crédito por força dodisposto no artigo 66-B, § 4º, da Lei nº 4.728/65), poderá, entreoutros direitos, conservar e recuperar a posse dos títulos represen-tativos dos créditos cedidos, contra qualquer detentor, inclusive opróprio cedente; usar das ações, recursos e execuções, judiciais eextrajudiciais, para receber os créditos cedidos e exercer os demaisdireitos conferidos ao cedente no contrato de alienação do imó-vel; e receber diretamente dos devedores os créditos cedidosfiduciariamente.

Não restam dúvidas, portanto, que a cessão fiduciária de direi-tos creditórios e/ou títulos de crédito dá origem à propriedadefiduciária, conferindo ao credor-cessionário a posição jurídica deproprietário fiduciário.

Esse tem sido o entendimento manifestado pelas 3a e 4a Tur-mas, que compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Jus-tiça, seção especializada e competente para apreciar as matériasconcernentes ao Direito Privado.

O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator no julgamentodo Recurso Especial nº 1.202.918/SP, assim se manifestou em seuvoto ao apreciar o tema:

[...] Conclui-se, assim, que a alienação fiduciária de coisafungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisasmóveis, bem como de títulos de crédito, afiguram-secomo (ou possuem a natureza jurídica de) propriedadefiduciária. (STJ, Terceira Turma, REsp 1.202.918/SP, Rel.Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 10/04/2013).

A Ministra Maria Isabel Gallotti, relatora no julgamento doRecurso Especial nº 1.370.540/RJ, em sede de decisão monocrática,também tratou expressamente da questão ao afirmar: “Esta Corte,todavia, tem entendido que a cessão fiduciária de créditos tem amesma natureza jurídica da propriedade fiduciária [...]” (STJ, REsp1.370.540/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 24/06/2013).

Uma vez estabelecido que o credor-cessionário, no contratode cessão fiduciária de crédito, assume a posição jurídica de propri-etário fiduciário, resta analisar, ainda, se o crédito (ou título decrédito) objeto da avença possui natureza jurídica de bem móvel,para fins de enquadramento na norma legal do artigo 49, § 3º, daLei nº 11.101/2005, de forma a permitir a exclusão do respectivocrédito do âmbito da recuperação judicial.

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A propriedade fiduciária pode ter como objeto bens corpóreos(móveis ou imóveis) e incorpóreos, incluindo-se aí os direitos sobrebens móveis e os títulos de crédito (CHALHUB, 2012, p. 228).

O artigo 83, inciso III, do Código Civil considera como bensmóveis os direitos pessoais de caráter patrimonial e respecti-vas ações.

Não há dúvidas, portanto, de que o direito de crédito ou otítulo de crédito possuem natureza jurídica de bem móvel. Nocenário jurídico brasileiro, esse é o entendimento doutrinário ejurisprudencial dominante.

Na doutrina, é sempre bom lembrar as eternas lições do pro-fessor Caio Mário da Silva Pereira, que, em sua notória obra Insti-tuições de Direito Civil, aborda a questão com a costumeira maestria:

No comércio social, os indivíduos travam relações queproduzem efeitos econômicos, ora adquirindo a facul-dade de exigir uma prestação, ora assumindo, a seuturno, o compromisso de prestar. Qualquer destas ope-rações, de uma ou de outra categoria, tem o que sepode chamar reflexo patrimonial, por implicar uma de-terminada projeção de natureza econômica: quandouma pessoa entra em comércio com outra e realiza umnegócio, gera-se um fenômeno econômico ou de natu-reza patrimonial, mesmo que não se saiba de antemãose o resultado será positivo ou negativo.[...]Como observação genérica, pode-se dizer que a classi-ficação dos bens em móveis e imóveis tem sentido uni-versal na acepção de que absorve todo objeto de qual-quer relação jurídica. Todos os bens têm lugar nela,porque, ou são móveis, ou são imóveis (PEREIRA, 1999,p. 246 e 260).

Nessa linha de raciocínio, não há espaço para dúvidas quantoà natureza jurídica do direito de crédito e/ou título de crédito ob-jeto de cessão fiduciária, uma vez que, inequivocamente, se tratade bem móvel, representado por um direito pessoal de caráterpatrimonial.

Vale a pena destacar, ainda, as precisas palavras de Chalhub(2012, p. 234) ao analisar o presente tema em obra específica sobrenegócio fiduciário:

[...] os direitos e títulos de crédito são classificados comobens móveis para os efeitos legais, nos termos do incisoIII do art. 83 do Código Civil (art. 48 do Código Civil de1916), e, assim sendo, os créditos objeto de cessãofiduciária qualificam-se como bens objeto da proprie-dade fiduciária a que se refere o § 3º do art. 49 e, por-tanto, estão excluídos do plano de recuperação.

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Em sede jurisprudencial, o Tribunal de Justiça de São Paulosedimentou seu posicionamento por meio da Súmula nº 59, cujoteor é o seguinte: “Classificados como bens móveis, para os efeitoslegais, os direitos de créditos podem ser objeto de cessão fiduciária”.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se filia a esseentendimento. De forma a ilustrar o que ora se afirma, é válida aleitura de trecho do voto da Ministra Maria Isabel Gallotti, proferi-do nos autos do Recurso Especial nº 1.263.500/ES, diante de suaprecisão ao tratar especificamente desse ponto:

Não se pretende e nem seria razoável sustentar quetítulos de crédito não configurem “direitos pessoais decaráter patrimonial”, bens móveis, portanto.

Mencionando o § 3º do art. 49 da LFR o gênero - bensmóveis - não haveria, data venia, por que especificarsuas categorias arroladas nos arts. 82 e 83 do CódigoCivil, assim como não se fez necessário discriminar osentido legal de “bens imóveis” (CC, arts. 79 a 81).

[...]

Com efeito, a explicitação contida na oração “prevale-cerão os direitos de propriedade sobre a coisa” temcomo escopo deixar claro que, no caso de bens corpóreos,estes poderão ser retomados pelo credor para a execu-ção da garantia, salvo em se tratando de bens de capi-tal essenciais à atividade empresarial, hipótese em quea lei concede o prazo de cento e oitenta dias durante oqual é vedada a sua retirada do estabelecimento dodevedor.

Em se tratando de cessão fiduciária de crédito, bemmóvel incorpóreo, não seria necessária a explicitação enem a consequente ressalva, pois o art. 18 da Lei 9.514/97, aplicável à cessão fiduciária de títulos de crédito(66-B, § 4º, da Lei 4.728/65, com a redação dada pelaLei 10.931/2004, acima transcrito), dispõe que “o con-trato de cessão fiduciária em garantia opera a trans-ferência ao credor da titularidade dos créditos cedi-dos, até a liquidação da dívida garantida [...]”, seguin-do-se o art. 19, o qual defere ao credor o direito deposse do título, a qual pode ser conservada e recupera-da “inclusive contra o próprio cedente” (inciso I), bemcomo o direito de “receber diretamente dos devedo-res os créditos cedidos fiduciariamente” (inciso IV),outorgando-lhe ainda o uso de todas as ações e instru-mentos, judiciais e extrajudiciais, para receber os cré-ditos cedidos (inciso III).

Conclui-se, portanto, que a explicitação legal das garan-tias dos titulares de propriedade fiduciária de bens

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corpóreos (coisas) em nada diminui a garantia outorga-da por lei aos titulares de cessão fiduciária de bensincorpóreos. (STJ, Quarta Turma, REsp 1.263.500/ES, Rel.Min. Isabel Gallotti, DJe 12/04/2013).

Constata-se, dessa forma, que a cessão fiduciária de créditoconfere ao cessionário a posição jurídica de proprietáriofiduciário, sendo certo que o direito de crédito (ou o título decrédito) se enquadra no conceito legal de bem móvel, em perfei-ta harmonia com os ditames legais previstos no artigo 49, § 3º, daLei nº 11.101/2005.

1.2 Requisito formal indispensável para sua constituição

O artigo 66-B da Lei nº 4.728/65 (incluído pela Lei nº 10.931/2004), ao tratar da cessão fiduciária em garantia no âmbito domercado financeiro e de capitais, estabeleceu os requisitos parasua constituição da seguinte forma:

O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbitodo mercado financeiro e de capitais, bem como em ga-rantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá con-ter, além dos requisitos definidos na Lei nº 10.406,de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa dejuros, a cláusula penal, o índice de atualização monetá-ria, se houver, e as demais comissões e encargos. (Grifosnossos).

Tal dispositivo deve ser harmonizado com o disposto no artigo1.368-A do Código Civil:

As demais espécies de propriedade fiduciária ou detitularidade fiduciária submetem-se à disciplina especí-fica das respectivas leis especiais, somente se aplican-do as disposições deste Código naquilo que nãofor incompatível com a legislação especial (grifosnossos).

O Código Civil, por sua vez, em seu artigo 1.361, § 1º, ao tratardo instituto da propriedade fiduciária sobre coisa móvel infungível,assim determina:

Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro docontrato, celebrado por instrumento público ou parti-cular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos eDocumentos do domicílio do devedor [...] (grifosnossos).

Por força da aplicação sistemática dos dispositivos legais acimamencionados, conclui-se que, para o aperfeiçoamento da proprie-

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

dade fiduciária, além dos requisitos ordinários atinentes à forma-ção do negócio jurídico, bem como dos elementos específicoselencados no artigo 66-B da Lei nº 4.728/65, é necessário levar aregistro o contrato de cessão fiduciária de direitos creditórios noRegistro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor.

O registro do contrato, nessa situação, gera efeito constitutivoda propriedade fiduciária. Nesse ponto, também, doutrina e ju-risprudência compartilham do mesmo entendimento.

Em recente obra, os professores Luiz Roberto Ayoub e CássioCavalli abordaram o tema de forma extremamente objetiva eesclarecedora, conforme se observa no trecho abaixo destacado:

A propriedade fiduciária é constituída com o registro docontrato, nos termos do art. 1.361, 1º, CC. Logo, se ocontrato não foi registrado, não há constituiçãode propriedade fiduciária e, portanto, o créditosujeita-se à recuperação judicial. Ademais, se o con-trato é registrado após o deferimento doprocessamento da recuperação judicial, o crédito per-manece sujeito à recuperação judicial (AYOUB; CAVALLI,2013, p. 77, grifos nossos).

No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade dese manifestar sobre o tema, conforme se observa no trecho do voto doDesembargador Nagib Slaibi proferido nos autos do Agravo de Ins-trumento nº 00047523-23.2011.8.19.0000, abaixo colacionado:

No que diz respeito à natureza da cessão fiduciária decréditos, conforme orientação jurisprudencial há enten-dimento de que o disposto no artigo 49, § 3º, da Lei nº11.101/2005 deve ser aplicado em conjunto com o dis-posto no artigo 1.361, § 1º, do Código Civil, no sentidode que a cessão fiduciária pode ter por objeto direitosde créditos, títulos de créditos recebíveis, que têm natu-reza jurídica de bens móveis (artigo 83, III, Código Civil),sendo necessário o registro do contrato no Cartório deRegistro de Títulos e Documentos para a constituiçãoda garantia real.[...]O registro do contrato de cessão fiduciária no Cartóriode Títulos e Documentos, que antes visava dar publici-dade ao ato a terceiros, hoje passou a ser requisito paraa formalização do negócio.[...]Daí porque, sem o registro, ineficaz a alienação fiduciáriados créditos representados pelos títulos, afastando aincidência do art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005. (TJ/RJ,6a Câmara Cível, Agravo de Instrumento n. 0047523-23.2011.8.19.0000, Rel. Des. Nagib Slaibi, DJe 12/12/2011).

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O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, também pos-sui diversos precedentes que respaldam o posicionamento anteri-ormente aludido:

Este E. Tribunal de Justiça firmou entendimento no sen-tido de que o disposto no art. 49, § 3º, da Lei nº11.101/05 deve ter aplicação conjunta com a deter-minação do art. 1.361, § 1º, do CC, de modo que aconstituição da garantia é regularmente efetiva-da apenas com o registro do contrato no Registrode Títulos e Documentos, já que os direitos decrédito possuem natureza legal de bens móveis(TJ/SP, 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial,Agravo de Instrumento n. 0012540-32.2013.8.26.0000,Rel. Des. Fed. Enio Zuliani, DJE 18/06/2013, p. 1.053,grifos nossos).

Orienta a súmula nº 60 deste e. TJSP: a propriedadefiduciária constitui-se com o registro do instrumento noregistro de títulos e documentos do domicílio do devedor.A edição da súmula nº 60 é consequência de inúmerosjulgados que reconhecem a exclusão da recuperaçãojudicial dos créditos garantidos por contrato de ces-são de crédito (“trava bancária”), com amparo no art.49 § 3º da Lei 11.101/05, mas desde que regular-mente registrados no Registro Público. (TJ/SP, 1a

Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo deInstrumento n. 0115218-28.2013.8.26.0000, Rel. Des.Fed. Teixeira Leite, DJE 11/07/2013, p. 88, grifos doautor).

Conforme se observa nos julgados supracitados, o Tribunalde Justiça de São Paulo sedimentou seu posicionamento com aedição da Súmula nº 60, ao afirmar que “a propriedade fiduciáriaconstitui-se com o registro do instrumento no registro de títulosde documentos do domicílio do devedor”.

Constata-se, portanto, que há a necessidade de o registrodo contrato ser realizado anteriormente ao deferimento doprocessamento da recuperação judicial, de forma a permitir aaplicação da norma excepcional prevista no art. 49, § 3º, da Leinº 11.101/2005.

Trata-se, obviamente, de um requisito que, apesar de sermeramente formal, é extremamente importante, em decorrên-cia da repercussão extrema que traz para o enquadramento docrédito no bojo do processo de recuperação judicial, uma vezque, caso o referido registro não seja levado a efeito, é muitoprovável que, além de o crédito se submeter aos efeitos da re-cuperação judicial, o mesmo seja enquadrado como créditoquirografário.

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2 Submissão à recuperação judicial

2.1 Aplicação e abrangência do artigo 49, § 3º, da Lei nº11.101/2005

Com a devida conceituação do instituto, a sua delimitação e aanálise de seus requisitos, torna-se possível abordar a questão quan-to ao enquadramento ou não na exceção legal prevista no artigo49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 em relação aos contratos de cessãofiduciária de direitos creditórios e/ou títulos de crédito.

Conforme já mencionado na seção 1 do presente artigo, o re-ferido dispositivo legal possui a seguinte redação:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos oscréditos existentes na data do pedido, ainda que nãovencidos.[...]§ 3º. Tratando-se de credor titular da posição deproprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis,de arrendador mercantil, de proprietário ou promitentevendedor de imóvel cujos respectivos contratos conte-nham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade,inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprie-tário em contrato de venda com reserva de domínio,seu crédito não se submeterá aos efeitos da recu-peração judicial e prevalecerão os direitos de pro-priedade sobre a coisa e as condições contratuais,observada a legislação respectiva, não se permitin-do, contudo, durante o prazo de suspensão a que serefere o § 4o do art. 6º desta Lei, a venda ou a retiradado estabelecimento do devedor dos bens de capital es-senciais a sua atividade empresarial. (Grifos nossos).

Conforme restou explicitado nos tópicos anteriores, o contra-to de cessão fiduciária de direitos creditórios e/ou de títulos de cré-dito garante ao credor-cessionário a posição jurídica de proprietá-rio fiduciário. Além disso, é indubitável que o direito creditório e/ou o título de crédito possuem natureza jurídica de bem móvel.

Com fundamento nessa base conceitual e teórica, é possívelconcluir que o crédito objeto de cessão fiduciária não se submeteaos efeitos da recuperação judicial, desde que o referido con-trato tenha sido regularmente registrado em data anterior ao de-ferimento do processamento da recuperação judicial.

Esse é o atual entendimento da Segunda Seção do SuperiorTribunal de Justiça, seção especializada e competente para apreci-ar as matérias concernentes ao Direito Privado, composta pelas 3a e4a Turmas, conforme se observa nos dois leading cases abaixocolacionados:

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EDUARDO ARAUJO BRUZZI VIANNA ARTIGO

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RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CÉDULA DECRÉDITO BANCÁRIO GARANTIDA POR CESSÃOFIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS. NATUREZA JURÍ-DICA. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA. NÃO SUJEIÇÃO AO PRO-CESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. “TRAVA BANCÁRIA”.1. A alienação fiduciária de coisa fungível e a cessãofiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como detítulos de crédito, possuem a natureza jurídica de pro-priedade fiduciária, não se sujeitando aos efeitosda recuperação judicial, nos termos do art. 49, §3º, da Lei nº 11.101/2005.2. Recurso especial não provido. (STJ, Terceira Turma,REsp 1.202.918/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,DJe 10/04/2013, grifos nossos).

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONTRA-TO DE CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. INCIDÊN-CIA DA EXCEÇÃO DO ART. 49, § 3º DA LEI 11.101/2005.ART. 66-B, § 3º DA LEI 4.728/1965.1. Em face da regra do art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005, não se submetem aos efeitos da recupera-ção judicial os créditos garantidos por cessãofiduciária.2. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1.263.500/ES,Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 12/04/2013, grifos nossos).

Diante desse posicionamento jurisprudencial do Superior Tri-bunal de Justiça, seus Ministros já vêm julgando casos similares deforma monocrática, com base no art. 557 do CPC, conforme se ob-serva nos trechos de decisões abaixo reproduzidas:

Esta Corte, todavia, tem entendido que a cessãofiduciária de créditos tem a mesma natureza jurídica dapropriedade fiduciária, a afastar tais créditos da recu-peração judicial, de modo que aí não devem ser incluí-dos. (REsp 1.370.540/RJ, Min. Maria Isabel Gallotti, DJe24/06/2013).

Com efeito, o Acórdão recorrido está em descon-formidade com a jurisprudência das Turmas que com-põem a Segunda Seção desta Corte, que se firmou nosentido de que o crédito garantido por cessão fiduciárianão se submete ao processo de recuperação judicial,uma vez que possui a mesma natureza de propriedadefiduciária, podendo o credor valer-se da chamada travabancária. (REsp 1.369.958/MG, Min. Sidnei Beneti, DJe08/10/2013).

No Tribunal de Justiça de São Paulo, o cenário se assemelha aoexistente no Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa nosjulgados abaixo selecionados:

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Recuperação Judicial – Despacho judicial que, além dedeferir processamento da recuperação judicial da em-presa Supermercado Gimenes S/A, deferiu também tu-telas de urgência requeridas pela recuperanda, ou seja,deferiu, em caráter excepcional, o pedido cautelar de“liberação das travas bancárias” instituídas através decontratos celebrados entre o autor e as instituições fi-nanceiras mencionadas nos autos – Inadmissibilidade –Cédulas de crédito bancário garantidas por Instrumen-to Particular de Cessão Fiduciária de Direitos sobre Con-ta Vinculada e Outras Avenças – Visanet, por Instru-mento Particular de Contrato de Cessão Fiduciária deCréditos e Outras Avenças – Redecard e, finalmente,por Instrumento Particular de Cessão Fiduciária de Quo-tas de Fundos de Investimentos e Outras Avenças – 20%(vinte por cento) – Os direitos de créditos são bens mó-veis para os efeitos legais (art. 83, III, do CC) e se incluemno § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005 – Propriedadefiduciária constituída com o registro do contrato – Apli-cação do disposto no art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005 –Possibilidade de alienação fiduciária de bens futuros –Agravo de instrumento provido. (TJ/SP, Câmara Especialde Falências e Recuperações Judiciais, Agravo de Instru-mento n. 627.659-4/3-00, Rel. Des. Fed. Romeo Ricupero,DJE 08/09/2009, p. 1.170).

Esta Câmara tem pacífico e reiterado entendimentoque reconhece ter a cessão fiduciária de crédito ou detítulos de crédito a mesma natureza jurídica de aliena-ção fiduciária de bem móvel, mercê do que vem decidin-do que está ela excluída dos efeitos da recuperação ju-dicial, a teor do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. (TJ/SP, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Agra-vo de Instrumento n. 0294738-16.2011.8.26.0000, Rel.Des. Fed. Pereira Calças, DJE 05/07/2012, p. 772).

Entretanto, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a ques-tão não se encontra pacificada, tendo em vista o posicionamentode alguns julgadores no sentido de que a cessão fiduciária de cré-dito teria natureza de verdadeiro penhor de crédito, motivo peloqual seria inaplicável o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005.

Tal corrente jurisprudencial defende a aplicação do § 5º doart. 49 da referida lei, fazendo com que os créditos objeto de con-trato de cessão fiduciária se submetam aos efeitos da recuperaçãojudicial da forma como estipulada no referido dispositivo legal.

O § 5º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005 possui a seguinteredação:

Art. 49.[...]§ 5º Tratando-se de crédito garantido por penhor sobretítulos de crédito, direitos creditórios, aplicações finan-

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ceiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídasou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas du-rante a recuperação judicial e, enquanto não renovadasou substituídas, o valor eventualmente recebido empagamento das garantias permanecerá em conta vin-culada durante o período de suspensão de que trata o §4º do art. 6º desta Lei.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ganhoudestaque o acórdão da lavra do Desembargador Alexandre FreitasCâmara proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 0020343-03.2009.8.19.0000. Sua ementa ficou assim redigida:

Direito Empresarial. Recuperação Judicial de empresa.Credor que se apresenta como proprietáriofiduciário mas, na verdade, é credor pignoratício.Sujeição dos créditos garantidos por penhor aoprocesso de recuperação. Legitimidade da decisãojudicial que autoriza o levantamento de metade dosrecebíveis, liberando tais verbas do mecanismo conheci-do como “trava bancária”. Aplicação dos princípios dapreservação da empresa e da função social do contrato.Recurso a que se nega provimento. (TJ/RJ, 2a CâmaraCível, Agravo de Instrumento nº 0020343-03.2009.8.19.0000, Rel. Des. Alexandre Freitas Câma-ra, DJe 30/03/2009, grifos nossos).

O posicionamento ali ilustrado, acompanhado posteriormen-te em diversos outros julgados (como, por exemplo, nos Agravosde Instrumento n. 0060653-46.2012.8.19.0000 e 0042658-20.2012.8.19.0000), defende que o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 não seria aplicável pelo simples motivo de que o contrato decessão fiduciária de recebíveis (direitos creditórios) teria naturezajurídica de penhor de crédito, uma vez que a garantia seria essen-cialmente pignoratícia.

Ademais, afirma-se que a propriedade fiduciária tratada noart. 49, § 3º, da Lei nº. 11.101/2005 seria, tão somente, aquela pre-vista no art. 1.361 do Código Civil, ou seja, de coisa móvel infungível,e não a das leis especiais, como é o caso da Lei nº 4.728/65 e da Leinº 9.514/97, uma vez que a mencionada norma da Lei nº 11.101/2005 seria uma exceção à regra geral prevista no caput do art. 49,fato que demandaria interpretação restritiva.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça e o próprio Tri-bunal de Justiça do Rio de Janeiro já tiveram a oportunidade de semanifestar de forma contrária a esse entendimento, afirmando quea cessão fiduciária de direitos creditórios não possui natureza depenhor de crédito, mas sim verdadeira propriedade fiduciária, nostermos do art. 1.368-A do Código Civil, motivo pelo qual seria per-

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

feitamente aplicável a regra excepcional prevista no art. 49, § 3º,da Lei nº 11.101/2005.

A Desembargadora Luisa Cristina Bottrel Souza, no julgamen-to do Agravo de Instrumento nº 0000109-97.2009.8.19.0000, foiprecisa em seu voto ao tratar da questão, conforme se observa notrecho abaixo destacado:

Propriedade fiduciária é o gênero, podendo recair so-bre coisa móvel ou imóvel, sobre coisa fungível ouinfungível, sobre bens corpóreos ou incorpóreos. O arti-go 1361 do CC refere-se a uma das espécies de proprie-dade fiduciária, que recai sobre coisa móvel infungível.Mas a admite o ordenamento pátrio sobre coisa móvelfungível, sobre coisa móvel, sobre crédito. Daí porque épossível dizer que do gênero – propriedade fiduciária –são espécies, a alienação fiduciária e a cessão fiduciária.Sendo a cessão fiduciária espécie da propriedadefiduciária que recai sobre bem móvel, o crédito se vêtransferido à titularidade do credor, passa a integrar opatrimônio do cessionário, razão pela qual se vê excluí-do da recuperação judicial, por expressa determinaçãolegal. (TJ/RJ, 17a Câmara Cível, Agravo de Instrumenton. 0000109-97.2009.8.19.0000, Rel. Des. Luisa CristinaBottrel Souza, DJe 16/07/2009).

Tal posicionamento, além de ter sido aplicado em outros casossimilares no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (con-forme se observa nos Agravos de Instrumento nº 2009.002.21927 enº 2009.002.34272), restou respaldado pelo Superior Tribunal deJustiça.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.263.500/ES, leadingcase mencionado anteriormente, a Ministra Maria Isabel Gallotti,ao tratar da questão, fez ponderações extremamente pertinentesem seu voto, conforme se constata neste trecho destacado:

Anoto, ainda, que parte expressiva da doutrina especi-alizada e acórdãos de alguns Tribunais de Justiça (Rio deJaneiro e Paraná) têm considerado aplicável à cessãofiduciária de crédito a disciplina do § 5º do art. 49 daLFR, relativa ao penhor sobre títulos de crédito.Além de não se afeiçoar a cessão fiduciária à disciplinalegal da garantia pignoratícia, em cujo conceito não secompreende a transferência da titularidade do bem (cri-tério legal definidor da generalidade dos tipos de ga-rantia fiduciária), penso que tal solução, incompatível,data máxima vênia, com o texto legal, não seria provei-tosa à empresa recuperanda (a qual continuaria priva-da do uso dos recursos, mantidos em conta vinculada) enem ao credor, destituído do recebimento imediato dosvalores nos termos da garantia contratada. (STJ, REsp

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1.263.500/ES, Quarta Turma, Rel. Min. Maria IsabelGallotti, DJe 12/04/2013).

Constata-se, assim, que o crédito garantido por cessão fiduciáriade direitos creditórios não se sujeita à recuperação judicial, porforça do disposto no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005.

Por conta disso, há um forte incentivo para que essa modali-dade de garantia seja utilizada pelo mercado, sendo fato notórioque a constituição de penhor sobre títulos de crédito cedeu lugarà cessão fiduciária como forma de garantia das operações de mú-tuo bancário, tratando-se, portanto, de institutos diversos, com efei-tos jurídicos distintos (AYOUB; CAVALLI, 2013, p. 79).

Com base no exposto, não se vislumbra a existência de argu-mento jurídico forte o suficiente para impedir a aplicação do art.49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 nos contratos de cessão fiduciária dedireitos creditórios e/ou títulos de crédito, uma vez que, conformea dicção legal, o crédito de titular da posição de proprietáriofiduciário de bens móveis não se submete aos efeitos da recupera-ção judicial.

2.2 Princípio da preservação da empresa viável e a “travabancária”

Na verdade, toda a polêmica envolvendo a aplicação ou nãoda regra excepcional prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005aos contratos de cessão fiduciária de direitos creditícios e/ou títulosde crédito se justifica pelo fato de que as sociedades empresáriasrecuperandas, que figuram como devedores nesse tipo de contra-to, têm o interesse urgente de liberar o seu fluxo de caixa da travade domicílio bancário, mais comumente denominada apenas de“trava bancária”.

O objetivo final é permitir a utilização do referido fluxo decaixa para a consecução do Plano de Recuperação Judicial, sob oargumento de que a manutenção da “trava bancária” engessariao desempenho da atividade empresarial e dificultaria osoerguimento da empresa.

Inicialmente, cumpre definir o conceito de “trava bancária”.Tal expressão é utilizada para designar a operação negocial reali-zada no bojo da cessão fiduciária de direitos creditórios. Na verda-de, o que se observa é a estipulação contratual da trava de domicí-lio bancário, de forma que os referidos direitos creditórios (ourecebíveis) sejam depositados em conta bancária da instituição fi-nanceira que figura como credora-cessionária, conta vinculada aoreferido contrato, na qual esta efetuará a satisfação do seu crédito,não se submetendo aos efeitos da recuperação judicial.

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Nos processos de recuperação judicial, o afastamento ou amitigação da norma prevista no artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 são comumente solicitados pelo devedor, acompanhados depedido de liberação total e/ou parcial da “trava bancária” comosolução viabilizadora do plano de recuperação judicial, com a fi-nalidade de evitar a imediata utilização dos recursos pelo credor-cessionário para a satisfação do seu crédito.

Nesse ponto, é possível observar o choque entre interesses di-versos envolvendo, de um lado, a preservação da empresa viável e,de outro, a proteção do ato jurídico perfeito e do sistema financei-ro como um todo.

O artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, ao inaugurar o capítuloreferente à Recuperação Judicial, definiu, de forma clara, a finali-dade primordial do instituto, qual seja, viabilizar a superação decrise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manu-tenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dosinteresses dos credores, promovendo, assim, a preservação daempresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Aqui, vale lembrar as precisas lições de Campinho (2006,p. 120), ao se referir ao princípio da preservação da empresa:

O instituto da recuperação vem desenhado justamentecom o objetivo de promover a viabilização da superaçãodesse estado de crise, motivado por um interesse napreservação da empresa desenvolvida pelo devedor.Enfatize-se a figura da empresa sob a ótica de umaunidade econômica que interessa manter, como um cen-tro de equilíbrio econômico-social. É, reconhecidamen-te, fonte produtora de bens, serviços, empregos e tribu-tos que garantem o desenvolvimento econômico e soci-al de um país. A sua manutenção consiste em conservaro ‘ativo social’ por ela gerado. A empresa não interessaapenas a seu titular – o empresário –, mas a diversosoutros atores do palco econômico, como os trabalhado-res, investidores, fornecedores, instituições de crédito,ao Estado, e, em suma, aos agentes econômicos emgeral.

Dentro desse conceito de se procurar a preservação da empresa,é importante salientar que, na verdade, o que a Lei nº 11.101/2005busca é conferir meios capazes de permitir o soerguimento da em-presa viável.

A viabilidade da recuperação da empresa deve sempre seridentificada, não devendo o instituto da recuperação judicial serutilizado em benefício de sociedades empresárias que, pela dimen-são de sua situação de crise, não tenham possibilidade real de sereerguerem e sanarem seus problemas.

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Nessa linha de raciocínio, Campinho (2006, p. 121) faz umaabordagem muito lúcida quanto aos objetivos e princípios trazi-dos pela Lei nº 11.101/2005:

A recuperação vai sempre supor a empresa viável, quepassa por um estado de crise temporária e superávelpela vontade dos credores. Um dos requisitos para sepreferir a recuperação judicial à falência é justamentea confiança dos credores na demonstração de que aempresa se afigura ativa, produzindo meios capazes desuperar a sua debilidade financeira. Haverá uma natu-ral seleção entre aqueles agentes econômicos viáveis ecapazes, que merecem apoio, e aqueles que devem seralijados do convívio no mercado. Nessa ordem de fato-res é que na prática, acreditamos, ter-se-á mais proces-sos de falência do que de recuperação; mas a vocaçãoda lei deve repousar, sempre, na prevalência do concei-to recuperatório sobre o liquidatório. Conceitualmente,a recuperação é a regra e a falência a exceção. Esse é oespírito a conduzir a exegese dos preceitos da Lei nº11.101/2005.

Justamente com base nessa interpretação favorável à manu-tenção da empresa viável, fundada nos objetivos traçados pela Leinº 11.101/2005, é que se observam algumas decisões judiciais ondehá o deferimento do pedido de liberação parcial ou total da “tra-va bancária”.

O Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justi-ça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.263.500/ES, apesar deseu voto ter restado vencido, fez considerações relevantes no exa-me da presente questão, defendendo a possibilidade de, no casoconcreto, se flexibilizar a “trava bancária” em benefício do princí-pio da preservação da empresa, conforme se observa no trechoabaixo:

Com efeito, a solução que se me afigura correta é a queharmoniza a situação da empresa em crise e as garanti-as do credor fiduciário, de modo que os valores recebíveismediante o instrumento de cessão fiduciária não sejamsimplesmente diluídos para o pagamento dos outroscredores submetidos ao Plano, tampouco liquidadosextrajudicialmente pelo credor fiduciário na satisfaçãodo próprio crédito, sem a interferência judicial.Assim, reconheço que o crédito garantido por cessãofiduciária de título não faz parte do Plano de Recupera-ção Judicial, mas sua liquidação deverá ser sindicada peloJuízo da recuperação, a partir da seguinte solução:

(i) os valores deverão ser depositados em con-ta vinculada ao Juízo da recuperação, os quaisnão serão rateados para o pagamento dos de-mais credores submetidos ao Plano;

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

(ii) o credor fiduciário deverá pleitear ao Juízoo levantamento dos valores, ocasião em que serádecidida, de forma fundamentada, suaessencialidade ou não – no todo ou em parte – aofuncionamento da empresa;

(iii) no caso de os valores depositados não semostrarem essenciais ao funcionamento da em-presa, deverá ser deferido o levantamento embenefício do credor fiduciário.

[...] é o Juízo da recuperação que vai ponderar, emcada caso, os interesses em conflito, o de preser-var a empresa, mediante a retenção de bens es-senciais ao seu funcionamento, e o de satisfaçãodo crédito tido pela Lei como de especialíssimaimportância. (Luis Felipe Salomão, voto vencido no Re-curso Especial nº 1.263.500/ES, DJe 12/04/2013, grifosnossos).

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possui diversos julga-dos no sentido da liberação parcial da “trava bancária” sempreque esta se colocar no caminho da implementação do Plano deRecuperação Judicial.

A título de exemplo, vale a pena trazer à baila trecho do votodo Desembargador Alexandre Freitas Câmara proferido nos autosdo Agravo de Instrumento nº 0020343-03.2009.8.19.0000:

E isto porque a Lei nº 11.101/2005 consagra o princípioda recuperação da empresa, como se pode ver daliteralidade de seu art. 47. Para que se preserve a em-presa (o que, no caso em exame, significa preservar nãosó os empreendimentos mas, também, pelo menos oi-tenta e cinco empregos diretos), é perfeitamente possí-vel que o juízo reveja os termos de uma relaçãocontratual (como a existente entre as partes), de formaa adaptá-la às necessidades da empresa em recupera-ção.Ademais, a decisão agravada mostra-se em total con-sonância com o princípio da função social do contrato,expressamente previsto no Código Civil de 2002.É, pois, juridicamente adequada a decisão que autorizao levantamento de metade dos recebíveis da empresadecorrentes de vendas feitas com cartão de crédito, li-berando tais verbas da “trava bancária. (TJ/RJ, 2a Câ-mara Cível, Agravo de Instrumento nº 0020343-03.2009.8.19.0000, Rel. Des. Alexandre Freitas Câma-ra, DJe 30/03/2009).

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, apesar do entendi-mento do Ministro Luis Felipe Salomão, antes aludido, parece seinclinar no sentido de que o contrato de cessão fiduciária e a ga-

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rantia ali estipulada, consistente em verdadeiro ato jurídico perfei-to, devem ser respeitados, não sendo possível a liberação da “travabancária”, por consistir, na prática, em fragilização da garantiafiduciária e descumprimento à regra legal prevista no art. 49, § 3º,da Lei nº 11.101/2005.

De fato, o cerne da questão não reside apenas na necessidadede se respeitar o ato jurídico perfeito, consubstanciado na garan-tia contratualmente estabelecida entre as partes, mas também naimportante visão econômica do Direito, consistente na manuten-ção do bom funcionamento do sistema financeiro como um todo,uma vez que a não submissão do crédito garantido por cessãofiduciária aos efeitos da recuperação judicial, conforme previsãolegal, é fator essencial para a estipulação da taxa de juros e para aanálise de risco de crédito, repercutindo diretamente na oferta decrédito e no spread bancário, influenciando diretamente no de-senvolvimento da atividade empresarial no país.

Essa abordagem mais ampla foi percebida pelo Superior Tri-bunal de Justiça. Conforme já afirmado aqui, os acórdãos proferi-dos nos Recursos Especiais nº 1.202.918/SP e nº 1.263.500/ES, julga-dos pela 3a e 4a Turmas, respectivamente, ilustram o posicionamentoda Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

Os Ministros-relatores Ricardo Villas Bôas Cueva e Maria IsabelGallotti, em seus respectivos votos, foram extremamente claros eprecisos, abordando esse ponto de vista, conforme se observa nostrechos abaixo colacionados:

[...] Se, por um lado, a disciplina legal da cessão fiduciáriade título de crédito coloca os bancos em situação extre-mamente privilegiada em relação aos demais credores,até mesmo aos titulares de garantia real (cujo bem podeser considerado indispensável à atividade empresarial),e dificulta a recuperação da empresa, por outro, não sepode desconsiderar que a forte expectativa de re-torno do capital decorrente deste tipo de garantiapermite a concessão de financiamentos com me-nor taxa de risco e, portanto, induz à diminuiçãodo spread bancário, o que beneficia a atividadeempresarial e o sistema financeiro nacional comoum todo.

[...] entendo que seria grande a subjetividade na análisejudicial preconizada acerca de ser aquela quantia emdinheiro necessária ou não ao processo de recuperaçãojudicial. Recursos financeiros são sempre necessários,sobretudo para empresas em dificuldades, em processode recuperação. Tenho que essa ressalva praticamentedescaracterizaria esse tipo de garantia que se preten-de bastante forte, de fato, mas que foi pactuada den-

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

tro dos termos autorizados em lei, deixando ao alvedriodo Juiz dizer, em cada caso, se o dinheiro será ou nãonecessário à recuperação da empresa, sendo que, a meuver, dificilmente se poderá afirmar que não seja neces-sário à recuperação da empresa contar com mais recur-sos financeiros.

[...] Penso que isso daria uma grande subjetividade, in-certeza, a essa garantia que a lei quis objetiva. (REsp1.263.500/ES, Quarta Turma, Rel. Min. Maria IsabelGallotti, DJe 12/04/2013, grifos nossos).

Em outra perspectiva, não há falar em ofensa ao princí-pio da preservação da empresa, pois a análise evolutivada legislação relacionada aos institutos jurídicos ora emestudo evidencia que o intento da lei ao criar um meca-nismo jurídico que permite a obtenção de empréstimosa juros mais baixos é o de promover um ambiente pro-pício ao desenvolvimento econômico, especialmente emcasos em que a ausência de lastro patrimonial, em re-gra, impossibilitava essa alternativa. (REsp 1.202.918/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,DJe 10/04/2013).

Por todo o exposto, é possível concluir que, ponderando osinteresses jurídicos em conflito, deve prevalecer não apenas o res-peito ao ato jurídico perfeito e à legalidade da norma previstano art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, como também a proteçãodo sistema financeiro, que, de acordo com o art. 192 da Constitui-ção Federal, deve ser “estruturado de forma a promover o desen-volvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coleti-vidade”.

Não podem tais interesses ser fragilizados com base no princí-pio da preservação da empresa, diante do risco sistêmico envolvidonesse tipo de flexibilização de regras legais, sendo certo que omercado financeiro e de capitais presume a validade e eficácia doart. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 ao desenvolver sua atividade naoferta de crédito.

Conclusão

O art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, ao regular o procedi-mento da recuperação judicial, excluiu do seu âmbito os créditosgarantidos por propriedade fiduciária, assegurando ao credorfiduciário a continuidade da percepção do produto da cobrançaaté o limite do seu crédito.

Os direitos creditórios são considerados bens móveis por de-finição legal, na esteira do disposto no art. 83, inciso III, do Có-

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EDUARDO ARAUJO BRUZZI VIANNA ARTIGO

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digo Civil, e, portanto, estão abrangidos pelo art. 49, § 3º, daLei nº 11.101/2005.

Ademais, é inaplicável a regra do art. 49, § 5º, da Lei nº 11.101/2005 porque essa se refere exclusivamente aos créditos garantidospor penhor, no qual o devedor empenha o crédito, mas conserva apropriedade. Assim, encontrando-se no patrimônio do devedor, oscréditos pignoratícios se submetem ao processo de recuperação ju-dicial.

A exclusão dos créditos fiduciários dos efeitos da recuperaçãojudicial se baseia no fato de que tais créditos não integram opatrimônio do devedor fiduciante, mas sim o patrimônio do credorfiduciário, nos termos do art. 18 da Lei nº 9.514/97.

Ao afastar o crédito do proprietário fiduciário dos efeitos darecuperação judicial e determinar que seja observada a legislaçãorespectiva, o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005 refere-se aos §§3º e 4º do art. 66-B da Lei nº 4.728/65 e aos arts. 17 a 20 da Lei nº9.514/97, e é em articulação com esses dispositivos que deve serinterpretada a regra de exclusão do crédito fiduciário (CHALHUB,2012, p. 237-238).

Por conta disso, o instituto da cessão fiduciária de crédito, tra-zido ao ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº 10.931/2004, vemsendo amplamente utilizado pelo Sistema Financeiro na concessãode crédito ao setor empresarial, tendo em vista que a proteção dagarantia fiduciária facilita a recuperação do crédito em favor docredor e, exatamente por conta disso, opera com taxas de jurosmais atrativas do que outras modalidades de financiamento.

Essa realidade de mercado, conforme restou demonstrado nostópicos deste artigo, não passou despercebida pelo Superior Tribu-nal de Justiça, havendo diversos precedentes no sentido de que ocontrato de cessão fiduciária de direitos creditórios e/ou de títulosde crédito (regularmente registrada) não se submete à recupera-ção judicial.

A discussão acerca do enquadramento da cessão fiduciária decrédito na exceção legal prevista no artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 não se mostra com perfil meramente jurídico e/ou acadêmico,acarretando, por certo, consequências diretas no sistema financei-ro como um todo e atingindo a economia real, motivo pelo qual énecessário, com a maior celeridade possível, que o Poder Judiciáriopacifique a questão, garantindo à atividade empresarial a tão pre-ciosa segurança jurídica.

Para isso, mostra-se necessário pacificar de forma definitiva aquestão e dirimir a controvérsia por meio da sistemática do recursorepetitivo, previsto no artigo 543-C do CPC, evitando-se, assim, queos credores fiduciários tenham que percorrer todo o moroso trâmite

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

recursal para obter pronunciamento favorável pelo Superior Tribu-nal de Justiça nas hipóteses em que o Tribunal local tenha entendi-mento diverso daquele fixado pelo referido Tribunal Superior.

Referências

AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI,Cássio. A Construção Jurispru-dencial da Recuperação Judici-al de Empresas. Rio de Janeiro:Forense, 2013.

CAMPINHO, Sérgio. Falência eRecuperação de Empresa: ONovo Regime da Insolvência Em-presarial. 1. ed. Rio de Janeiro:Renovar, 2006.

CHALHUB, Melhim Namem. Alie-nação Fiduciária, IncorporaçãoImobiliária e Mercado de Capi-tais: Estudos e Pareceres. Rio deJaneiro: Renovar, 2012.

______. Negócio Fiduciário. 4.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSEN-VALD, Nelson. Direitos Reais. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2009. 2. tiragem.

FERNANDES, Jean Carlos. CessãoFiduciária de Títulos de Crédi-to: a Posição do Credor Fiduciáriona Recuperação Judicial da Empre-sa. 2. ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2010.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Insti-tuições de Direito Civil. 19. ed. Riode Janeiro: Forense, 1999. vol. I.

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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A desconsideração da personalidadejurídica. Reflexões acerca da

afirmação histórica da pressuposiçãode personalidade jurídica como

meio para imputação deresponsabilidade dos sócios

José Gabriel BoschiAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Especialista em Direito dos Negóciospela Universidade do

Vale do Rio dos Sinos - Unisinos/RS

RESUMO

O estudo histórico das formas societárias, no direitocomercial, comprova que a limitação de responsabilidade dos sóciospor dívida social não era decorrência do reconhecimento externodo ente coletivo (ou da sua personificação, após o período da IdadeMédia, quando esse conceito surge no direito moderno), mas simdo fato de serem titulares de direito de crédito sobre a sociedade,ante os meios de produção investidos. Por outro lado, a ausênciade limitação de responsabilidade no que diz respeito a outros tipossocietários decorria do fato de que todos eram gestores dos meiosde produção, juntamente com o próprio ente coletivo assumindodaí a responsabilidade plena pelo negócio. O que sucedeu nahistória, após, foi uma crise de limitação de responsabilidade, pois,ao mesmo tempo em que a doutrina passou a atribuir,equivocadamente, o dogma de que ausência de limitação deresponsabilidade dos sócios, nas sociedades em nome coletivo,decorria da ausência de personificação do ente coletivo, a lei e ajurisprudência passaram a utilizar juízo político para, emdeterminadas matérias, atribuir-se responsabilidade aos sócios desociedade com responsabilidade limitada (limitada e sociedadeanônima).

Palavras-chave: Evolução histórica dos tipos societários.Desconsideração da personalidade jurídica. Imputação deresponsabilidade aos sócios. Aquisição da posição de controle social.

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JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

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ABSTRACT

The historical study of firms forms, in commercial law, provesthat the limitation of liability of partners for social debt was notdue to the external recognition of the collective entity (or itspersonification, after the period of the Middle Ages, when thisconcept appears in modern law), but due to the fact that they arethe rightful creditors of the company because they invested in themeans of production. On the other hand, the absence of limitationof liability with respect to other corporate types stemmed fromthe fact that all managers were the means of production, alongwith the collective entity itself thus assuming full responsibility forthe business. What happened in history after was a crisis oflimitation of liability, because at the same time that the doctrinebegan to be allocated, mistakenly, the dogma that no limitationof liability of partners in societies collective name stemmed fromthe absence of personification of the collective being, the lawjurisprudence began to use political judgment, in certain matters,attributed to liability to the members of society with limited liability(limited and corporation).

Keywords: Historical evolution of corporate types. Piercingthe corporate veil. Imputation of liability to the members.Acquisition of social control position.

Introdução

A desconsideração da personalidade jurídica, a exemplo deinúmeros outros institutos jurídicos, sempre foi objeto de debateacadêmico e pretoriano. Desde o seu surgimento, essa teoria sem-pre passou por reflexões que, não raras vezes, alteraram-lhe ocampo de aplicação. Aliás, esse fenômeno já ocorrera, também,com o estudo da limitação de responsabilidade dos sócios, emrazão do surgimento frequente, na história, de novas formassocietárias.

O dogma consagrado na doutrina e práxis pretoriana semprefoi o de que a limitação (ou ausência de limitação, a depender dotipo societário) sempre esteve vinculada à preexistência (ou não)de personalidade jurídica societária. Haveria, nessa linha, limita-ção de responsabilidade aos sócios de sociedade personificada, oque não ocorreria, contudo, em favor do sócio de sociedade nãopersonificada. Para a confirmação, ou crítica, a essa conclusão, im-põe-se um estudo investigativo e histórico, embora sintético, anteos limites deste artigo, do reconhecimento da sociedade como entediverso de seus sócios e com eficácia externa perante terceiros, bemcomo das hipóteses de limitação nos diversos tipos societários exis-tentes.

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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Atualmente, verifica-se que há nítido aumento da incidên-cia da desconsideração da personalidade jurídica nas decisõesjudiciais, em razão da influência de outros ramos do direito e daconfluência de princípios comuns. Como é notório, adesconsideração da personalidade jurídica tem ocorrência naárea tributária, administrativa, trabalhista, consumerista, entreoutras, o que, notadamente, não ocorria em épocas passadas.De qualquer sorte, esses fenômenos reproduzem, ao nosso sen-tir, simples imputação de responsabilidade ao sócio, sem que hajanecessária desconsideração de personalidade jurídica, a qual,ademais, como será visto, sequer é pressuposto para dita impu-tação.

Assim, no presente trabalho, após rápida investigação his-tórica acerca da limitação de responsabilidade dos sócios, bus-car-se-á elencar as hipóteses legais e pretorianas utilizadas paraimputar ao sócio responsabilidade por ato da sociedade para,ao final, concluir-se acerca de adequação e congruência entreteoria e prática, bem como se a imputação de responsabilidadepressupunha personalidade jurídica (a ser “desconsiderada”).

No ponto, é fundamental aludir que a produção do presen-te trabalho assenta-se na obra do professor Walfrido Jorge WardeJúnior, que em sua tese de doutoramento perante a Universida-de de São Paulo sustentou, em síntese, que a imputação de res-ponsabilidade aos sócios jamais passou, na história, pelo pressu-posto da existência de personalidade jurídica societária, ao con-trário do que apregoado no meio jurídico.

Por fim, não se pode perder de vista que a complexidadedo tema e a limitação extensiva do presente artigo não lhe con-ferem, por conseguinte, completude acadêmica. Este artigo pro-põe-se ser, na essência, descritivo e informativo, de modo que acrítica deve ser sopesada sob esse viés.

1 Evolução histórica dos tipos societários e da limitação deresponsabilidade dos sócios

Antes que se possa proceder à análise do instituto dadesconsideração da personalidade jurídica, é imperativo tecer bre-ves comentários acerca da evolução histórica da limitação de res-ponsabilidade dos sócios, bem como do conceito de pessoa jurí-dica. Há, inevitavelmente, a necessidade de se firmar e compreen-der, como pressuposto (ou não) para ocorrência da desconsi-deração da personalidade jurídica, a evolução histórica da impu-tação de responsabilidade aos sócios por dívida social, bem comoo conceito de personalidade jurídica societária.

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A sociedade, entendida sinteticamente como a união de pes-soas para a realização de um objetivo comum, tem origens históri-cas muito remotas, desde quando os homens, por razões impostaspelo meio em que viviam, fundamentalmente para sua sobrevi-vência, associavam-se entre si.

Para parte dos historiadores, a primeira aparição de uma soci-edade com patrimônio destinado à persecução de fins mercantiscomuns surge em Roma, através da societas. Havia uma comunhãovoluntária do patrimônio dos sócios para consecução de fins co-muns. Porém, a sociedade não era dotada de qualquer relevânciaexterna, ou seja, não era reconhecida perante terceiros (sequer acomunhão patrimonial). Somente o sócio que realizasse o negóciorespondia pelas obrigações daí decorrentes, as quais não eram ex-tensivas aos demais. O sócio dedicado à gestão da sociedade dis-punha, por conseguinte, de todo o patrimônio social, como se donofosse, aproveitando-se direta e pessoalmente dos resultados da ati-vidade. Quanto aos demais sócios, havia limitação de responsabili-dade, que obviamente não decorria de personificação da societas(que sequer tinha reconhecimento social e, portanto, personalida-de), mas sim do fato de assumirem a posição de credores da socie-dade ante o capital investido, à semelhança dos demais credoresexternos. Eram, assim, simples credores, titulares de crédito, quantoaos proveitos auferidos (resultado) pelo sócio que, no exercício daempresa, deu-lhes causa.

Com a queda do Império Romano, inaugurou-se período deflagrante declínio comercial na Europa, sendo as vilas romanas subs-tituídas por comunidades agrícolas autossuficientes, naquilo queposteriormente vieram a se constituir em feudos, com predomínioda troca de produtos entre os envolvidos (LIMA LOPES, 2011).

Quanto ao âmbito das formas societárias, os povos bárbarostrouxeram em sua cultura o vínculo associativo familiar, no qualtodos respondiam pelos atos negociais praticados. A fraternaesocietatis dos povos germânicos, assim, inaugura um período deeficácia externa da sociedade, com reconhecimento por parte deterceiros. Recebe ela, ademais, influência da societas romana demodo a atribuir a todos os sócios solidariedade ativa e passiva pe-los atos negociais, bem como ausência de limitação de responsabi-lidade. Como se vê, ainda que houvesse reconhecimento externoda sociedade, com plena eficácia perante terceiros como ente au-tônomo, os sócios, por outro lado, passaram a ser responsáveis ili-mitadamente pelos atos negociais. Quem dispunha do patrimôniocomum, no exercício da empresa, eram, presumidamente, todos ossócios, de modo que se aproveitando diretamente dos resultadosdeixavam de ser meros titulares de direito de crédito em face do

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gestor. Em verdade, é a responsabilidade solidária que permitededuzir o reconhecimento externo desse tipo societário, visto quedo contrário remanesceriam, da mesma forma que a societas roma-na, irresponsáveis os sócios não atuantes na gestão do negócio.Logo, natural que fosse ilimitada a responsabilidade, dada a jáanterior relação estabelecida em Roma entre o patrimônio social eos proveitos da empresa.

Há, no período da Baixa Idade Média, o ressurgimento docomércio e o aparecimento do direito medieval europeu, bem comode novos tipos societários.

Surgem, nesse contexto, assim, as primeiras companhias medi-evais, as quais sofreram influência do espírito fraterno das socieda-des parentais da Alta Idade Média. Os componentes da sociedadenão eram mais apenas do grupo familiar, mas sim se incluíam ter-ceiros. Havia, nessa forma societária, responsabilidade solidária eilimitada de todos os membros da família e também dos sócios es-tranhos a ela, em nítida derivação da fraternae societatis. Nessesentido é a lição de Walfrido Jorge Warde Júnior:

Na verdade, a responsabilidade ilimitada dos sócios dascompanhias medievais decorre do mesmo princípio quedetermina entre as sociedades parentais, i.e., da natu-reza real dos direitos de todos os sócios sobre opatrimônio social e os resultados decorrentes do exercí-cio da empresa. O forte liame jurídico, que se aperfeiço-ava figurativamente entre os membros da companhiapela partilha do pão, determinava a constituição depatrimônio comum, com o qual todos entretinham umarelação de domínio, que alcançava também os frutos daatividade empresarial. Dessa forma, o exemplo das com-panhias medievais confirma a regra na determinaçãoda irresponsabilidade dos sócios não dedicados à gestãoda societas romana, visto que eram meros credores dogestor, sem quaisquer direitos reais sobre os resultadosda empresa, equiparando-se, por isso, aos demais cre-dores da sociedade (WARDE JÚNIOR, 2007, p. 69).

Em linha evolutiva, nas cidades litorâneas da Itália, como de-corrência do fomentado comércio marítimo, surge o contrato decomenda, que mais tarde ensejará as sociedades em comandita, naqual o sócio capitalista (comanditário) e o comanditado almeja-vam explorar o resultado de viagens marítimas da época. Em sínte-se, o dono do navio, comanditado, que muitas vezes era o capitãoda embarcação, necessitando financiamento para exercer a sua ati-vidade mercantil, socorria-se ao comanditário, que aportava recur-sos no negócio. Este, a seu turno, fazia a alocação de recursos deforma sigilosa, seja porque era um nobre sem permissão para práti-

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ca do comércio (o comércio, naquela época, era algo não dignoaos nobres e políticos, que se limitavam a gerenciar terras e heran-ça), seja porque o empréstimo a juros era algo pecaminoso peran-te a Igreja Católica (o dinheiro não poderia se valorizar no tempo,já que, como sabido, segundo o dogma canônico, o “Tempo so-mente a Deus pertence”). Logo, como forma de investimento sigi-loso, alocava recursos na empreitada marítima. O comerciante in-vestidor, contudo, tinha interesse nessa forma de negócio desdeque fosse limitada a sua responsabilidade, de modo, então, quetransferia o seu direito real sobre as entradas de capital aocomanditado e recebia deste, em contraprestação, direito de crédi-to correspondente ao valor do aporte, acrescido de juros. Tornava-se devida a sua equiparação aos demais credores da sociedade pe-rante terceiros, limitadamente responsável pela perda de seu in-vestimento. Vê-se, assim, que a autonomia privada dos comercian-tes permitiu uma alteração na forma de limitação de responsabili-dade dos sócios; porquanto diferente das companhias, a socieda-de em comandita apresentava, agora, sócios com diferente nívelde responsabilidade. E essa limitação, inovadora, tem origem, as-sim, em síntese, em dois aspectos: limitação pelo risco do negócioda época e limitação como burla à proibição das regras canônicasao uso do dinheiro no tempo (usura). Os titulares de direitos decrédito sobre os resultados da empresa, os comanditários, e outroseram proprietários dos resultados e do patrimônio dedicado à ati-vidade, pagando estes aqueles juros pelo capital emprestado, casoexitosa a atividade. Sendo o comanditário simples credor da socie-dade, seria injustificado que respondesse, para além da não satis-fação dos seus direitos de crédito e do perdimento das entradasfundantes de tais direitos, também com o seu patrimônio pessoal(WARDE JÚNIOR, 2007, p. 81). Mais uma vez, portanto, reforça-se aalegação de que a regra imposta pela societas romana orienta aregra de limitação de responsabilidade dos sócios.

A respeito desse momento histórico e da importância do insti-tuto, importa colacionar novamente a lição de Warde Júnior (2007,p. 77):

O comanditário foi, primeiro, fornecedor de capitais,credor do comerciante, para se tornar, depois, seu sócio,sem que se modificasse essencialmente a naturezacreditória de seu direito em relação aos resultados daempresa. E mesmo quando já havia sociedade, era soci-edade entre o emprestador do capital ou o fornecedorde mercadorias e o terceiro, comerciante, sem existên-cia anterior. Tratava-se, explica Waldemar Ferreira, doque, no direito medieval, chamou-se sociedade anôni-ma, e hoje se qualifica como sociedade em conta de

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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

participação. Não era, ainda, sociedade em comandita.Passou a sê-lo, ensina Ferreira, depois que foi fixada aresponsabilidade pessoal de todos os seus componen-tes para com terceiros, e limitada a dos comanditáriosao valor de suas entradas, em razão de sua condição decredor dos resultados da sociedade.

Outra não é a lição de Requião (2003, p. 356):

O processo de limitação de responsabilidade, que hojedomina o campo do direito comercial, formou-se lenta-mente na Idade Média. É de notar-se que o princípio oupreocupação de ocultação dos sócios parece não ter sur-gido somente do propósito de restrição e limitação daresponsabilidade, mas como decorrência também daprática dos que, impedidos de comerciar, acobertavam-se mediante a organização de sociedade com outrem.Esse ardil, como acentua o Prof. Huvelin, havia sido no-tado em Roma, onde a nobreza, os senadores e altosmagistrados procuravam enriquecer não só em seuscargos e latifúndios, como ainda ‘participando indireta-mente nas atividades comerciais, seja como membrosde sociedades mercantis, seja por meio de propostasresponsáveis, comumente libertos’. A sociedade comocultação de sócio, entretanto, que deu margem aoaperfeiçoamento do qual resultou a comandita simples,tomou incremento e definiu-se na Idade Média, após oséculo XI. Alguns autores atribuem, na verdade, a for-mação desses tipos de sociedade ao deliberado propósi-to de burlar aquelas regras éticas e canônicas, proibitivasdo comércio a determinada classe de cidadão.

Vê-se, assim, que o direito comercial foi demonstrando, nodecorrer de sua história, que o surgimento dos tipos societáriosimplicava, inexoravelmente, análise acerca dos limites de impu-tação de responsabilidade aos sócios. O surgimento das compa-nhias por ações, como consequência desse processo, não foi di-ferente.

Muitos autores atribuem à Companhia das Índias Ociden-tais a titularidade de ser a primeira organização societária maispróxima das modernas sociedades por ações. Essa companhiaapresentou, como inovação, uma estrutura complexa, com ór-gãos e deliberações assemblares até então não vistos, tendo osacionistas como irresponsáveis perante terceiros, por serem con-siderados espécies de credores da empresa. Porém a inovaçãoocorre no que diz respeito ao sócio administrador, que, por nãoser mais considerado proprietário da riqueza social, mas meromandatário dos demais sócios, passa a ter responsabilidade limi-tada por atos negociais. Havia, nesse contexto, portanto, socie-dade personificada e ausência de limitação de responsabilida-

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JOSÉ GABRIEL BOSCHI ARTIGO

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de, tanto de sócio quanto de administrador. Conforme lição deWarde Júnior (2007, p. 89):

Os acionistas eram irresponsáveis perante terceiros porserem considerados espécie de credores da empresa.Os administradores, todavia, deixaram de ser ilimitada-mente responsáveis quando perderam a condição depatrões e passaram a ser mandatários dos acionistas,devido ao tratamento que lhes foi conferido a partir daCompanhia das Índias Ocidentais.1

A esse respeito importa colacionar também a lição de Assis Neto(2007, p. 108):

A limitação da responsabilidade de todos os sócios, rela-tivamente às obrigações da sociedade, embora esboçadano século XV, com o Banco de São Jorge, veio a consoli-dar-se em momento ulterior, com o aparecimento dasgrandes companhias coloniais dos séculos XVII e XVIII,especialmente constituídas para a exploração do comér-cio marítimo e, mais tarde, para as conquistas da nave-gação (verdadeiras sociedades de economia mista, for-madas pela aglutinação de recursos públicos com oscoletados do povo), que deram origem às atuais compa-nhias ou sociedades anônimas.

Nas sociedades por ações, portanto, afirmar-se a ideia de quetodos os membros são privados de uma posição dominial sobre opatrimônio. Não há mais distinção entre sócios donos do patrimônioe sócios financiadores. Há apenas uma pluralidade (muitas vezesanônima) de interessados, uma pulverização dos direitos sobre osresultados que torna todos externamente responsáveis apenas nolimite das suas entradas. A limitação de responsabilidade dos acio-nistas decorre, assim como a dos comanditários, da aplicação deum princípio equitativo e pré-jurídico que se funda na naturezameramente creditória dos direitos aos resultados da empresa. Essaque já era, então, a principal causa de limitação de responsabilida-de na Idade Média persiste, na modernidade, como seu primeirofundamento (WARDE JÚNIOR, 2007, p. 97).

Vê-se, assim, nesse breve histórico, que a evolução societáriafoi uma constante no direito mercantil, não ficando à margemdisso a forma de responsabilização dos sócios e administradores.No início, a sociedade não era reconhecida como ente externo e,

1 Importante destacar, ainda, a referência histórica feita pelo referido autorao Banco de São Jorge – Il monte o la società delle compere e de banchi di S.Giorgio –, fundado em 1407 e que assegurou, igualmente, irresponsabilidadeaos sócios investidores e administradores perante terceiros.

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portanto, não possuía eficácia perante terceiros. Quem contrata-va assumia, em síntese, a responsabilidade pelo negócio de for-ma ilimitada, sendo gestor do negócio. Os demais sócios, nessalinha, eram meros credores daquele, na medida em que simples-mente aportavam entradas de capital. Havia, nos primórdios, li-mitação de responsabilidade, sem que sequer se cogitasse, naépoca, de personalidade jurídica societária. Posteriormente, a so-ciedade passa a ser reconhecida por terceiros e os seus sócios pas-sam a responder pelo negócio ilimitadamente. Já não havendomais confusão entre sociedade e sócio, ao final, chega-se em pe-ríodo histórico no qual assume ela a titularidade dos negócioscelebrados, com rigoroso sistema de limitação de responsabilida-de e preservação dos sócios.

Dito isso, verifica-se, portanto, que a limitação de responsabi-lidade dos sócios jamais teve como pressuposto, nos modelossocietários do passado, bem como nos modelos atuais, a existênciade personalidade jurídica da sociedade de que compunham. De-corria ela, como visto, da natureza creditória dos direitos dos sóciossobre os resultados da empresa. A limitação de responsabilidadeteve (e tem) causas outras que não a personificação de formassocietárias.

Em prosseguimento, o conceito de pessoa jurídica não serviu,à semelhança da noção de personalidade jurídica, como métodode limitação de responsabilidade. Teve ele, em síntese, a despeitodas inúmeras teorias que lhe emprestaram conceito e definição, omérito de: a) atribuir direitos e deveres a entes diversos dos huma-nos (Pufendorf); b) solucionar o problema técnico do negócio ce-lebrado entre sócios e sociedade, para se atribuir àqueles direitode crédito sobre as participações societárias e a esta titularidade daatividade e da entrada de capitas (Savigny, que assim criou um su-jeito de direitos); e c) justificar a importância de corpos econômi-cos, distintos dos homens, com capacidade jurídica própria (Gierke)(WARDE JÚNIOR, 2007, p. 102-103; 106-107; 111)2.

Aliás, tão desimportante foi o conceito de pessoa jurídica paraa definição de limitação de responsabilidade que esta surgiu, nodireito inglês, para as corporations, no fim do século XVIII, por in-termédio da concessão de charters pela coroa inglesa, o que deter-minava a limitação de responsabilidade (WARDE JÚNIOR, 2007,p. 192).

No direito norte-americano a situação não foi diversa, princi-palmente após a guerra civil, quando por ordem legislativa os Es-

2 Outras teorias são abordadas pelo autor, para o que remetemos a leitura,não sendo possível reproduzi-las ante os limites deste artigo.

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tados permitiram a difusão de charters e a constituição simplificadade corporations, o que se consolidou em meados do século XIX, nocaso Wood vs. Dummer (WARDE JÚNIOR, 2007, p. 194). Na época,na qual se vivia o latente período da Revolução Industrial, houveincremento da indústria acompanhado do pedido de limitação deresponsabilidade, em oposição às leis trabalhistas e protecionistasjá em vigor.

Assim, verifica-se que a limitação de responsabilidade surge,no período de revolução industrial, como resposta à solicitaçãoempresarial, e não como consequência necessária ao conceito depessoa jurídica personificada. Nas palavras de Warde Júnior (2007,p. 194), “prevalece, portanto – entre importantes autores america-nos –, a opinião que confirma nossa ideia de que a responsabilida-de limitada não tem causa na personificação”.

E segue o autor:

Decorreram então do entendimento impreciso das cau-sas da limitação de responsabilidade as técnicas que –como recebidas do direito anglo-americano – foram em-pregadas na eventual supressão. Por se crer que a limi-tação de responsabilidade decorria da personalidadejurídica, o desejo de imputar responsabilidade aos sóci-os passou, obrigatoriamente, pela despersonificação(WARDE JÚNIOR, 2007, p. 202).

Por fim, importa destacar que no sistema jurídico nacional, comocediço, a personalidade jurídica se inicia com o seu registro no ór-gão competente, na dicção dos arts. 45, 968, 997 e 998 do CódigoCivil. Contudo, como já dito alhures, tal ato não é fator constitutivoda limitação de responsabilidade dos sócios, embora a dogmática,em sentido clássico, sustente o inverso.

2 Imputação de responsabilidade aos sócios

2.1 Casuística no direito comparado

A doutrina, de forma bastante ampla, atribui ao caso Salomonvs. Salomon & Co. LTDA o precedente de desconsideração de per-sonalidade jurídica no direito inglês, em 1987. Com efeito, naque-la ocasião, em síntese, a Salomon Co. LTDA, constituída pelo co-merciante Aaron Salomon e mais seis membros de sua família, ce-deu a este, em troca do fundo de comércio, 20.000 ações represen-tativas de sua contribuição ao capital, enquanto para cada um dosoutros membros foi distribuída apenas uma ação. Aaron Salomonainda recebeu 10 mil libras esterlinas pela integralização do aporteefetuado, e após inadimplência da sociedade verificou-se que os

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seus bens eram insuficientes para pagamento dos credores, de modoque havia fraude na constituição do fundo do comércio, que ain-da era de Aaron Salomon, sendo ele responsabilizado pelo paga-mento dos credores. Tal decisão, contudo, foi reformada pela Cor-te, que entendeu válida a operação societária. Logo, paradoxal-mente, o precedente do direito inglês reconhecido como hipótesede desconsideração não foi, ao final, reconhecido na prática pelaCasa dos Lords.

No direito norte-americano, o poder de controle societáriosempre atribuiu aos respectivos sócios responsabilidade quandohouvesse apropriação dos meios de produção, prática de atos ilíci-tos ou confusão patrimonial. O controle, por si só, não implica res-ponsabilidade, mas o uso abusivo representou as primeiras hipóte-ses de desconsideração no direito norte-americano, no final do sé-culo XIX.3

Outra hipótese consagrada no direito comparado, especial-mente no direito norte-americano, é a chamada subcapitalização,na qual, em síntese, o capital social constituído é insuficiente paraa atividade econômica específica da sociedade.4

No direito alemão, as primeiras manifestações acerca da teoriada desconsideração da personalidade jurídica ganharam força emmeados do século passado, iniciando-se os estudos pelos prece-dentes do Supremo Tribunal alemão. Lá, à semelhança do que su-cedera nos Estados Unidos, a subcapitalização foi fator de atribui-ção da responsabilidade aos sócios, com base no princípio da boa-fé (§ 242 BGB) – com a particularidade de que na Alemanha osprecedentes tinham origem em sociedades unipessoais.

3 A respeito do poder de controle, é importante referir Berle e Means (1984,p. 85), os quais aduziram: “Até aqui falamos em termos familiares sobre asociedade anônima, seu tamanho, a propriedade de suas ações. Emboratenhamos descrito uma nova forma de organização econômica, nossa des-crição foi feita com elementos bem conhecidos. Mas o divórcio entre contro-le e propriedade não é uma idéia familiar. O controle é um produto caracte-rístico do sistema de sociedade anônima. Como a soberania, seu equivalenteno campo político, é um conceito fugidio, pois raramente se consegue isolarou definir o poder com clareza. Como a direção de uma sociedade anônimaé exercida por um conselho de diretores, podemos dizer, para simplificar,que o controle está nas mãos do indivíduo ou grupo que tem o poder efetivode selecionar o conselho de diretores (ou sua maioria), seja mobilizando odireito legal de escolhê-los – “controlando” a maioria de votos de formadireta ou através de algum mecanismo legal –, seja exercendo pressão queinfluencie sua escolha”.

4 Leading case Walkovszky vs. Carlton, in Warde Júnior (2007, p. 211).

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2.2 Apropriação e organização dos meios de produção dasociedade em nome coletivo

Na hipótese de o sócio apropriar-se dos meios de produção dasociedade, a imputação de responsabilidade lhe é imposta pelacondição de empresário.

Com efeito, em se tratando de sociedade em nome coletivo,por força do art. 997, III, CC, as entradas de capital injetadas pelossócios não são transferidas para a formação do capital social, ini-bindo-os de gerir tal acervo. O que ocorre, de fato, é que sócios esociedade agem em conjunto para organizar os meios de produ-ção necessários ao exercício da empresa. O tipo societário permiteafirmar que a gestão conjunta do patrimônio é dos sócios, de modoque agem, nesse contexto, como se donos fossem. Não há falar-seque, por administrar os fatores de produção, os sócios são respon-sáveis. O que há, nesse contexto, é que tanto a administração quan-to a responsabilidade são decorrências do elemento propriedade,ou seja, da relação dominial que se estabelece entre sócios e osbens dedicados à empresa e os resultados dela decorrentes. Ao or-ganizarem a empresa, como se donos fossem, todos os sócios pas-sam a ser responsáveis pela prática empresarial. Esse mesmo con-texto já havia sucedido com as fraternae societatis e as primeirascompanhias medievais, tal como referido anteriormente.

A respeito disso importa colecionar a elucidativa lição de WardeJúnior (2007, p. 265):

Não se trata de negar que as sociedades em nome cole-tivo sejam titulares de um capital que, no caso brasilei-ro, tem, por força da norma do art. 997, III, do CódigoCivil, constituição obrigatória. Nesse caso, todavia, asentradas de capital (meios essências de produção) nãosão alienadas, para a formação do capital, sem que de-las os sócios retenham um poder residual de disposição.Em verdade, os sócios remanescem agindo como donosdo patrimônio, pela determinação conjunta de seu usoempresarial. A personificação da sociedade é, dessa for-ma, determinante apenas para que integre o conjuntode coempresários. Sócio e sociedade organizam – emmão comum – os meios de produção necessários ao exer-cício da empresa. Apropriam-se conjuntamente dos fa-tores de produção. Disso decorre a responsabilidadesolidária e ilimitada a que se refere o artigo 1.039 doCódigo Civil.

É importante destacar que a apropriação dos meios de produ-ção na sociedade em nome coletivo tem matriz diversa da apropri-ação dos meios de produção na limitada ou por ações. Embora emambos os casos a apropriação dos meios de produção atribua limi-

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tação de responsabilidade aos sócios, no primeiro caso aquilo éalgo natural ao modelo societário, enquanto no segundo caso hádeturpação do modelo societário. Haverá, no caso de limitada eS.A., assunção do controle empresarial da sociedade ao sócio quese apropria dos meios de produção. A responsabilidade, como vis-to, é imputada pela aquisição e exercício do poder de dispor, comose dono fosse, dos meios de produção. As sociedades de capitalnão compartilham com os seus sócios os meios de produção, já quan-do integralizado o capital os sócios renunciam a quaisquer pode-res de disposição das entradas e demais meios de produção, cujaorganização é direito exclusivo da sociedade. Assim agindo serãoirresponsáveis, pois não são empresários, são sócios. Empresária é asociedade. Quando, contudo, apropriam-se de meios de produ-ção, passam, em razão da consequente aquisição do controle em-presarial, a agir como sócios de sociedades de pessoas. Serão assimempresários, não mais meros credores da sociedade pelas entradasde capital anteriormente injetadas, o que será determinante paralhes ser imputada a responsabilidade ilimitada.

2.3 Juízo político legal e jurisprudencial para se imputarresponsabilidade aos sócios de sociedade de capital

Atualmente, conforme se extrai da sistemática legal emprega-da pelo legislador nacional, cremos, com apoio em Warde Júnior,que se vive um período de crise de limitação. Primeiro, porque equi-vocadamente atribui-se à personalidade jurídica o pressuposto dalimitação, o que, como dito, não é verdade. Em segundo lugar, oque se vê é um alargamento legal e jurisprudencial acerca das hi-póteses de imputação de responsabilidade.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, oudisregard of legal entity, surge, segundo doutrina comercialista,como forma de, diante de determinada situação jurídica,desconsiderar-se os efeitos da personificação social para se atingira responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios. Ela surge, assim,como instrumento destinado a suprimir o fenômeno da limitaçãoda responsabilidade dos sócios.

Como referiu Requião (2003, p. 378, grifo do autor), “não setrata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personifi-cação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos”5.

5 No Brasil, atribui-se como marco específico do estudo da teoria o artigo deRubens Requião, publicado ao final da década de 60, que traduziu monografiade Rolf Serick, sob o título “Abuso de Direito e Fraude através da Personali-dade Jurídica”.

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No Brasil, a regulação da responsabilidade dos sócios por dívi-das sociais já remonta ao início do século passado, embora aindanão se estivesse, naquela época, tecnicamente, a se falar emdesconsideração de personalidade. Assim, já se previa, no Decretonº 3.708/19, que regulamentava a constituição das sociedades porcotas de responsabilidade limitada, a responsabilidade dos sóciospor dívidas sociais em caso de excesso de mandato ou atos contrá-rios ao contrato social ou à lei.6

Posteriormente, por intermédio da Consolidação das Leis doTrabalho – CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 01/05/1943), previu-se, noâmbito do Direito do Trabalho, a responsabilização, como empre-gador, de sociedade que, embora possuísse personalidade jurídicadistinta, integrasse o mesmo grupo econômico da sociedade em-pregadora.7 Aqui, é importante destacar os precedentes jurispru-denciais em que, independentemente das causas, verificada ainadimplência da sociedade ou insuficiência de patrimônio a satis-fazer o crédito trabalhista, há imputação de responsabilidade aossócios.8

De grande relevância, também, foi a edição do Código Tribu-tário Nacional (CTN, Lei nº 5.172, de 25/10/1966), ao prever aresponsabilização pessoal dos sócios por dívidas tributárias quan-do agissem com excesso de poder ou infração legal ou contratual/estatutária.9 Neste ponto, cabe referir que, corretamente, entendeo STJ que o simples inadimplemento não configura desconsideraçãoda personalidade societária e consequente responsabilização dossócios.10

6 “Art. 10 Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondempessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas res-pondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente peloexcesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou dalei.”

7 “Art. 2 Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige aprestação pessoal de serviço. § 1º [...] § 2º - Sempre que uma ou mais empre-sas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estive-rem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupoindustrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, paraos efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresaprincipal e cada uma das subordinadas.”

8 TST, Recurso de Revista nº 572516; Recurso Ordinário nº 545348.9 “Art. 135 São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a

obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderesou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - [...]; II - [...]; III - os diretores,gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

10 Embargos de Divergência no REsp. 260.107/RS.

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Entretanto, foi somente em momento posterior a 1988, sob aégide da nova ordem constitucional, sob influência do princípioda função social da propriedade, que se impulsionou a incipientedespatrimonialização do direito civil e, assim, previu-se expressa-mente a desconsideração da personalidade jurídica, conformeCódigo de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11/09/1990), art.28, § 5º.11

Acompanhando a positivação da teoria, o art. 18 da Lei Anti-truste (Lei 8.884/9412) fez também menção à teoria da descon-sideração, seguindo-se a Lei de Proteção ao Meio Ambiente, art. 4(Lei 9.605/9813).

No ponto, é importante salientar que a lei consumerista e a leiambiental inauguraram, no direito brasileiro, aquilo que a doutri-na de Fábio Ulhoa Coelho veio a denominar “teoria menor”, se-gundo a qual a imputação de responsabilidade jurídica aos sóciosdecorre de simples inadimplemento de obrigação legal da socie-dade, não importando a ocorrência de ato fraudulento ou de má-fé por parte dos sócios.14

Por fim, foi editado o Código Civil de 2003, que no seu art. 50trouxe novos contornos à imputação de responsabilidade, atribu-indo responsabilidade aos sócios e aos administradores da pessoajurídica.15

11 “Art. 28 O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedadequando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso depoder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contra-to social. A desconsideração também será efetivada quando houver falên-cia, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídicaprovocados por má administração. [...] § 5º Também poderá serdesconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de algu-ma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumi-dores.”

12 “Art. 18 A personalidade jurídica do responsável por infração da ordemeconômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abusode direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dosestatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivadaquando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inativida-de da pessoa jurídica provocados por má administração.”

13 “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua perso-nalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidadedo meio ambiente.”

14 “Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qualo juiz é autorizado a ignorar a autonomia das pessoas jurídicas, como formade coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em que sim-ples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial” (CO-ELHO, 2004, p. 35).

15 “Art. 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelodesvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a

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requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervirno processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigaçõessejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios dapessoa jurídica.”

Vê-se, assim, que inúmeros diplomas legais inseriam, em seubojo, sob a rubrica desconsideração de personalidade jurídica, apossibilidade de imputação de responsabilidade aos sócios. A ten-dência legislativa, ao que parece, é acentuar a imputação de res-ponsabilidade independentemente da ocorrência de fraude ou abu-so da atividade empresária, ante um juízo político de distribuiçãodos prejuízos (custos) do mercado. Como referido, os tribunais têmproferido decisões com fundamentos ético-econômicos de que, emsíntese, o crédito do trabalhador ou consumidor, ou então a repa-ração financeira por dano ambiental, por exemplo, é mais impor-tante que a limitação de responsabilidade dos sócios. Ainda, hipó-teses como suposta confusão patrimonial são frequentemente uti-lizadas como critério para imputação de responsabilidade, sem quese proceda, com cautela, a análise jurídica acerca da natureza dasociedade e da existência de patrimônios distintos ou não.

Conclusão

Diante do que foi posto, conclui-se que a limitação de respon-sabilidade dos sócios é decorrência da posição assumida frente àsociedade, com a transferência dos direitos patrimoniais quandoda integralização dos meios de produção, assumindo a posição decredores da sociedade, juntamente com terceiros, e não sendo res-ponsáveis, assim, pelos resultados da atividade.

Em contrapartida, na sociedade em nome coletivo, a ausênciade limitação de responsabilidade é decorrência da gestão comumentre os sócios e o próprio ente coletivo. Como visto, nesse caso, osócio age como se dono fosse e, consequentemente, responde pe-los atos praticados pela sociedade.

De qualquer sorte, a limitação de responsabilidade não passa,necessariamente, pela personificação da sociedade. A história com-provou tal afirmação, conforme se pode ver, por exemplo, com asocieta romana. Por outro lado, a ausência de limitação de respon-sabilidade não pressupõe ausência de personificação, porquantoa sociedade em nome coletivo, por exemplo, possui personificaçãoe, como referido, ilimitação de responsabilidade de seus sócios.

Ademais, conforme se percebe das normas postas no direitonacional, bem como das decisões jurisprudenciais, houve um claroobjetivo de admitir como ineficientes economicamente as limita-ções de responsabilidade, atribuindo-se aos sócios responsabilida-

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de por fato da sociedade, sem que sequer se cogite prévia despa-trimonialização do ente coletivo.

Assim, com o presente artigo, propôs-se, de forma absoluta-mente enxuta, dados os limites objetivos do trabalho, uma refle-xão acerca de postulados consagrados na doutrina, de modo a sequestionar a validade da afirmação de que a desconsideração dapersonalidade jurídica pressupunha personalidade social e somen-te através dela haveria imputação de responsabilidade aos sóciosoriginalmente irresponsáveis.

Referências

ASSIS NETO, Alfredo Gonçalves.Direito de Empresa. São Paulo:RT, 2007.

BERLE, Adolf, A.; MEANS, GardinerC. A moderna sociedade anôni-ma e a propriedade privada. OsEconomistas. São Paulo: Abril Cul-tural, 1984.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso deDireito Comercial. 7ª ed. São Pau-lo: Saraiva, 2004. v. 2.

LIMA LOPES, José Reinaldo de. ODireito na História. 3ª ed. SãoPaulo: Atlas, 2011.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Di-reito Comercial. São Paulo: Sarai-va, 2003. v. 1.

WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge.A Responsabilidade dos Sócios.Belo Horizonte, Del Rey, 2007.

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RECURSOS PREMATUROS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Recursos prematuros nosTribunais Superiores

José Linhares Prado NetoAdvogado da CAIXA no Distrito Federal

Pós-graduado em Direito Processual Civil pelaUniversidade Anhanguera – Uniderp

Pós-graduado em Direito Público pelaFaculdade Fortium

RESUMO

O ensaio sistematiza, compara e analisa a jurispru-dência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunalde Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema“recurso prematuro”. Muito embora apoiado nasinsurgências doutrinárias, é o próprio conflito jurispru-dencial a fonte dos fundamentos para demonstrar aextemporaneidade do recurso interposto antes dapublicação do acórdão no órgão oficial ou quando aindapendente julgamento de embargos de declaração.

Palavras-chave: Recursos prematuros. Ratificação. Tempes-tividade. Prestação jurisdicional.

ABSTRACT

The essay systemizes, compares and analyses thejurisprudence of Federal Supreme Court, Superior Court of Justiceand Superior Court of Labor on the topic “premature appeal”.Although supported in doctrine, the work takes its foundationfrom conflicting decisions of Supremes Courts to show the viabilityof ruling an appeal processed before publication of the decision inthe official press or when there is a pending decision about amotion to clarify, without the necessity of renewing the appeal.

Keywords: Premature appeal. Ratification. Seasonable.Jurisdictional service.

Introdução

O advento da Constituição Federal de 1988 representou ummarco emblemático do fim do período de exceção pelo qual o Es-tado brasileiro passou de março de 1964 até janeiro de 1985. Den-tre as inúmeras inovações promovidas pela nova Carta, ganhouespecial relevo a garantia inserida no artigo 5º, inciso XXXV, da

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JOSÉ LINHARES PRADO NETO ARTIGO

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CF/88, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesãoou ameaça a direito”.

A inovação garantiu aos cidadãos o amplo acesso ao PoderJudiciário para postular a prestação jurisdicional preventiva oureparatória quanto a um direito, consagrando o princípio dainafastabilidade do controle jurisdicional, também conhecidocomo princípio do direito de ação, definido por Nery Júnior (2009,p. 175) como “[...] um direito cívico e abstrato, vale dizer, é umdireito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimentoou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condiçõesda ação”.

Decorridos 26 anos desde a promulgação da novel Carta Políti-ca, constata-se que o Estado-Juiz, não raramente, se furta ao deverde ofertar a devida prestação jurisdicional por meio da invocaçãodos obstáculos que formam a jurisprudência defensiva1, voltados paraa exacerbação da forma em detrimento do direito material.

O decreto de extemporaneidade do recurso prematuro, quan-do (1) interposto antes da publicação do acórdão no órgão oficial,sem posterior ratificação, ou (2) interposto quando ainda penden-te julgamento de embargos de declaração, sem ratificação do ape-lo depois da publicação do acórdão integrativo, é um dos contro-vertidos óbices processuais que reclamam melhor reflexão.

A intempestividade do apelo na primeira modalidade –prematuridade porque interposto antes da publicação do acórdãono órgão oficial, sem posterior ratificação – corresponde ao enten-dimento predominante nos tribunais superiores, salvo isoladas de-cisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo TribunalFederal (STF).

Quanto à segunda modalidade – o recurso interposto quandoainda pendente julgamento de embargos de declaração, sem ratifi-

1 A expressão foi citada pelo então Ministro Presidente do STJ, HumbertoGomes de Barros, em seu discurso de posse: “Preso ao infernal dilema, vê-sena iminência de fazer uma de duas opções: a) consolidar-se como líder efiador da segurança jurídica, ou b) transformar-se em reles terceira instân-cia, com a única serventia de alongar o curso dos processos e dificultar aindamais a prestação jurisdicional. Intoxicado pelos vícios do processualismo efragilizado pela ineficácia de suas decisões, o Tribunal mergulha em direçãoa essa última hipótese.Para fugir a tão aviltante destino, o STJ adotou a denominada ‘jurisprudên-cia defensiva’ consistente na criação de entraves e pretextos para impedir achegada e conhecimento de recursos que lhe são dirigidos”.A íntegra desse discurso está disponível na Biblioteca Digital Jurídica do STJ(BDJUR): <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/16933/Discurso_Posse;jsessionid=ED0F604A8FF3F74527A9FA5F52AE230B?sequence=1>.Acesso em: 28 out. 2010, p. 23-24.

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cação do apelo depois da publicação do acórdão integrativo –, so-mente o Tribunal Superior do Trabalho (TST) considera tempestiva.

A propósito, em recente acórdão, publicado no DEJT de 7 demarço de 2014, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais(SbDI 1) avançou inclusive para reconhecer a tempestividade derecurso de revista interposto, quando ainda pendente julgamentode embargos de declaração da própria parte recorrente.

O notório conflito de interpretação da mesma questão pelostribunais é um forte indício da presença de um excesso deformalismo. São antagonismos pouco compreensíveis frente aosmodernos e judiciosos princípios processuais que prestigiam aceleridade processual, instrumentalidade, aproveitamento dos atosprocessuais.

Afora o demasiado apego ao rigor processual, a adoção deentraves processuais como medida de controle do crescimento doacervo de processos é outra inquestionável causa para a existênciade entendimentos conflitantes entre os tribunais na análise datempestividade dos recursos prematuros.

O presente ensaio objetiva sistematizar a jurisprudência dasCortes Superiores sobre esse tema, delinear a visão de cada tribu-nal e indicar, à luz dos princípios gerais do direito e das normaslegais vigentes, a viabilidade de avanços a respeito da matéria.

1 Marco inicial do prazo recursal – teoria da ciênciainequívoca

A admissibilidade dos recursos depende do preenchimento deuma série de pressupostos previstos em lei e na jurisprudência dostribunais para conhecimento do apelo.2 A tempestividade insere-se entre os pressupostos objetivos ou extrínsecos, que se não obser-vados impedem o exame de mérito pelo órgão ad quem.

A normatização do Código de Processo Civil brasileiro(CPC) sobre a contagem dos prazos, prevista nos artigos 2403,

2 Leite (2005, p. 511-512) expõe que os pressupostos genéricos são divididosem subjetivos (ou intrínsecos) ou objetivos (ou extrínsecos). Os subjetivos sãoa legitimidade, a capacidade e o interesse; os requisitos objetivos são o cabi-mento, a tempestividade, o preparo, a regularidade formal e a contrarieda-de da sentença com relação à jurisprudência consolidada nas Súmulas do STJou do STF ou, ainda, a inexistência de Súmula de tais Tribunais sobre a maté-ria decidida. São específicos o prequestionamento, a delimitação de maté-ria, a existência de divergência jurisprudencial etc.

3 “Art. 240. Salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazen-da Pública e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação. Parágrafoúnico. As intimações consideram-se realizadas no primeiro dia útil seguinte, setiverem ocorrido em dia em que não tenha havido expediente forense.”

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2414, 2425 e 5066, apesar de detalhar a definição do início (dies aquo) e do fim (dies ad quem) dos prazos processuais, não conse-gue abarcar determinados fatos, não dá a solução para algunsimpasses, a exemplo do que ocorre com a intempestividade dorecurso prematuro e a contagem do prazo quando hálitisconsortes com advogados diferentes.7

Para preencher uma dessas lacunas processuais, os tribunaissedimentaram o entendimento de que a noção de publicação nãose restringe apenas a publicação nos órgãos da imprensa oficial,como observado no pronunciamento da Primeira Turma do STJ8 arespeito do alcance do artigo 241 do CPC:

2. “A regra geral do artigo 241 do CPC não exclui, masao revés, convive, com outras hipóteses especiais emque se considera efetivada a intimação. Nesse sentido,enquadra-se a teoria de ‘ciência inequívoca’. Assim, ini-cia-se o prazo da ciência inequívoca que o advogadotenha do ato, decisão ou sentença, como, v.g., a retirada

4 “Art. 241. Começa a correr o prazo: I - quando a citação ou intimação forpelo correio, da data de juntada aos autos do aviso de recebimento; II -quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntadaaos autos do mandado cumprido; III - quando houver vários réus, da data dejuntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatóriocumprido; IV - quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem,precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamentecumprida; V - quando a citação for por edital, finda a dilação assinada pelojuiz.”

5 “Art. 242. O prazo para a interposição de recurso conta-se da data, em queos advogados são intimados da decisão, da sentença ou do acórdão.§ 1o

Reputam-se intimados na audiência, quando nesta é publicada a decisão oua sentença; § 2o Havendo antecipação da audiência, o juiz, de ofício ou arequerimento da parte, mandará intimar pessoalmente os advogados paraciência da nova designação.”

6 “Art. 506. O prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos oscasos o disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-á da data: I - daleitura da sentença em audiência; II - da intimação às partes, quando asentença não for proferida em audiência; III - da publicação do dispositivodo acórdão no órgão oficial. Parágrafo único. No prazo para a interposiçãodo recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a normade organização judiciária, ressalvado o disposto no § 2o do art. 525 destaLei.”

7 Fredie Didier cita, entre outros, quatro exemplos de questões polêmicas:intempestividade do recurso prematuro, contagem do prazo quando hálitisconsortes com advogados diferentes, Enunciado 256 do STJ e o “protoco-lo integrado” (essa polêmica foi superada com o cancelamento da súmulaem maio de 2008) e recurso interposto via fac-símile (DIDIER JÚNIOR; CU-NHA, 2008, p.55-58).

8 STJ. 1ª Turma, REsp 1055100AgRg/DF, Relator Min. Luiz Fux, j. 17.03.2009 -DJe 27.03.2009.

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dos autos do cartório, o pedido de restituição do prazo,etc”. (FUX, Luiz; Curso de Direito Processual Civil, 3ª Ed.Rio de Janeiro, Forense, 2005, pág. 358).

Na mesma linha, o STF reconhece cumprida a intimação quan-do evidenciada a “ciência inequívoca”, como assentado no AI204517 Ag/DF9, acórdão da Segunda Turma da Corte Excelsa:

EMENTA: (omissis) - A fluência do prazo recursal - queé peremptório e preclusivo (RT 611/155 - RT 698/209) -também tem início com a ciência inequívoca, pela par-te, da decisão que lhe é desfavorável. Se a parte in-gressa nos autos somente para argüir a irregularidadede sua intimação e, ao assim proceder, demonstra pos-suir conhecimento pleno e inquestionável do atodecisório que lhe foi contrário, abstendo-se, no entan-to, de impugná-lo, mediante recurso adequado, inicia-se, aí, a partir desse momento, o curso do prazorecursal. Jurisprudência.

Não é outra a lição da Corte Trabalhista, expressa no acórdãoda SbDI 1 nos autos E-RR 3166200-04.2008.5.09.002910:

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO ANTES DA PU-BLICAÇÃO DA SENTENÇA - TEMPESTIVIDADE -INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 434, I, DO TST (CON-VERSÃO DA OJ 357 DA SBDI-1 DESTA CORTE). 1. ASúmula 434, I, do TST (resultante da conversão da OJ357 da SBDI-1 do TST) assenta que é extemporâneorecurso interposto antes de publicado o acórdão im-pugnado. 2. No caso, a Reclamada, embora ausentena audiência de julgamento, se deu por ciente antesde sua intimação no órgão oficial, porquanto houvea juntada da decisão aos autos e a disponibilizaçãodo seu inteiro teor no endereço eletrônico do Regio-nal, possibilitando a imediata interposição do recur-so ordinário. 3. Ora, na hipótese de recurso interpos-to contra sentença, o prazo para sua apresentação écontado da intimação, em seu significado genérico,podendo ser feita pela leitura em audiência, pelapublicação em órgão oficial, por via postal, porintimação em cartório ou mediante a ciência inequí-voca das partes, nos termos dos arts. 852 da CLT,238, 242, § 1º, c/c o art. 506, I e II, do CPC. 4. Assim, oreferido verbete deve ser interpretadorestritivamente, aplicando-se somente aos recursosinterpostos em face de acórdãos prolatados pelos

9 STF. 2ª Turma, AI 204517 Ag/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 21.11.2006, DJ02.02.2007.

10 TST. SbDI 1, E-RR - 3166200-04.2008.5.09.0029, Rel. Min. Ives Gandra MartinsFilho, j. 20.09.2012, DJET 28.09.2012.

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Tribunais Laborais, como induz a sua literalidade, nãose aplicando a recurso ordinário interposto em facede decisão de primeira instância. 5. Desse modo, con-clui-se que, ao não conhecer do recurso de revista doReclamante, por não vislumbrar contrariada a OJ 357da SBDI-1 do TST (atual Súmula 434, I, do TST), emface da sua inespecificidade, a decisão embargadaconsona com o entendimento predominante nestaCorte Superior. Embargos desprovidos.

As controvérsias e questionamentos somente vêm à tonaquando está em discussão os modos como se pode dar a “ciênciainequívoca”, alterados sobremaneira com o advento datecnologia da informação, que possibilita rápida disponibilizaçãoe fácil acesso aos andamentos processuais, despachos, senten-ças/acórdãos, e até mesmo o acompanhamento de julgamentosem tempo real, sem necessidade da presença da parte na sededo órgão julgador.

Como se pode depreender do comentário de Negrão e Gouvêa(2008, p. 360) ao art. 241 do CPC, é viável admitir novas formas depublicidade das decisões que não impliquem perda da segurançajurídica ou abandono de caros princípios processuais e constitucio-nais:

Para a aferição da tempestividade do recurso, a noçãode publicação a ser considerada não é apenas a deveiculação da decisão nos órgãos da imprensa oficial.Uma vez tornada pública a decisão, por qualquer for-ma, ela se torna recorrível e tempestivo é o recursocontra ela dirigido nessas circunstâncias, desde que ob-servado o respectivo prazo, contado da ciência inequí-voca [...].

2 Objetivo dos prazos processuais

Os prazos processuais essencialmente objetivam fomentar oandamento, desenvolvimento e solução do processo. Evitam a es-tagnação da demanda judicial, que seria eterna sem a fixação detempo para a prática dos atos processuais.

Na lição de Leite (2005, p. 267), como o processo é um cami-nhar adiante que tem seu ponto culminante com a sentença ousatisfação do credor, seria ilógico que os atos processuais não tives-sem de observar determinadas regras relativas ao tempo, pois issodesaguaria na perpetuação da lide, colocando em risco a própriasegurança da atividade jurisdicional do Estado.

Para obtenção de celeridade na marcha processual eefetividade da prestação jurisdicional, o sistema adota o regime de

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preclusão disciplinado no art. 183 do CPC11. Os prazos em geral,sejam legais, judiciais ou convencionais, peremptórios ou dilatórios,devem ser observados pelas partes, sob pena de perda da faculda-de de praticar ou abster-se do ato processual, que será decretadasem necessidade de requerimento da parte nem de declaração dojuiz.

Dinamarco (2003, p. 19, grifos do autor), que prefere o adjeti-vo aceleratório em contraposição a dilatório, oferta o seguinteensinamento:

[...] sabe-se que em direito processual há prazosdilatórios, caracterizados como distâncias mínimas fixa-das em lei, não devendo o ato ser praticado antes (p.ex., a audiência no procedimento sumário não pode serrealizada antes de decorridos dez dias da citação – CPC,art. 278) e prazos aceleratórios, que são a distância má-xima entre dois atos, de modo que o segundo deles deveocorrer antes que haja decorrido um tempo maior. Asregras instituidoras de prazos impõem esperas (oudilações); as instituidoras de prazos aceleratórios impe-dem demoras e impõe preclusões, para que o procedi-mento caminhe avante e chegue aos resultados deseja-dos em um tempo razoável, são sendo lícito às partesretardar indefinidamente seus atos segundo seu pró-prio desejo ou conveniência.

Resulta incontroverso que o prazo peremptório12 destina-sea dar previsibilidade ao procedimento, evitar o retardamentoda decisão final. Na precisa tradução do jurista Machado (2003,p. 64):

Não se trata, porém, de um prazo estabelecido paraimpedir a prática imediata do ato, mas para impedirsua prática serôdia. Assim, é evidente que não impedea prática imediata do ato, vale dizer, não impede ainterposição do recurso antes do seu início.

11 “Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declara-ção judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provarque o não realizou por justa causa. § 1º Reputa-se justa causa o eventoimprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato porsi ou por mandatário.§ 2º Verificada a justa causa o juiz permitirá à parte aprática do ato no prazo que lhe assinar.”

12 “Art. 182. É defeso às partes, ainda que todas estejam de acordo, reduzirou prorrogar os prazos peremptórios. O juiz poderá, nas comarcas ondefor difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos, mas nunca por mais de60 (sessenta) dias. Parágrafo único. Em caso de calamidade pública, pode-rá ser excedido o limite previsto neste artigo para a prorrogação de pra-zos.”

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3 Recurso interposto antes da publicação do acórdão noórgão oficial

3.1 Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, já na década de 70, no julga-mento do RE 86.936/CE13, assentou um dos primeiros fundamentosinvocados para negar conhecimento aos recursos interpostos antesda publicação do acórdão no órgão oficial, sem posterior ratifica-ção do apelo.

O caso não foi propriamente de recurso prematuro. Na espé-cie, o recorrido requereu o não conhecimento do recurso porintempestividade, ao argumento de que o termo a quo para ainterposição era a data da publicação da notícia do julgamento, enão a data da publicação no órgão oficial.

A Segunda Turma do STF afastou a preliminar deintempestividade ao fundamento de que seria indispensável aguar-dar a publicação do acórdão em órgão oficial, lavrado, assinado,com exposição das suas conclusões, para início da contagem doprazo processual, sendo insuficiente a simples notícia do julgamen-to: “O termo inicial do prazo para recorrer extraordinariamentepressupõe que o acórdão tenha sido lavrado, assinado e publicadasas suas conclusões, não bastando a simples publicação da notíciado julgamento, ainda que em minuciosa súmula do decidido”.

O fundamento desse julgado é comumente invocado pelaSuprema Corte para negar conhecimento aos recursos prematuros,como se nota, dentre outros14, na ementa do acórdão no RE 347837AgRg/PE15:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRA-ORDINÁRIO. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO INTER-POSTO PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO-CO-NHECIMENTO. O termo inicial do prazo para recorrerextraordinariamente pressupõe que o acórdão tenhasido lavrado, assinado e publicadas as suas conclusões,não bastando a simples publicação da notícia do julga-mento, ainda que em minuciosa súmula do decidido.Precedentes. Agravo regimental não provido.

13 STF. 2ª Turma, RE 86.936/CE, Rel. Min. Co0rdeiro Guerra, j. 29.08.1978, DJ20.10.1978.

14 STF. Pleno, ADI 2.075-ED/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 22.02.2001, DJU27.06.2003; STF. 2ª Turma, AI 449723 AgRg /SP, Rel. Min. Celso de Mello, j.04.12.2007, DJE 01.02.2008; STF. 2ª Turma, AI 730073 AgRg/MG, Rel. AyresBritto, j. 17.08.2010, DJE 17.09.2010.

15 STF. 2ª Turma, RE 347837/PE, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 03.09.2002, DJ27.09.2002.

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No agravo regimental contra decisão no AI 653882/SP16, foiratificada a obrigatoriedade de protocolização dos recursos exclu-sivamente dentro do prazo estritamente legal, por entender tam-bém que a falta de objeto não legitima a prematura interposiçãode recurso antes de publicado o acórdão:

A intempestividade dos recursos tanto pode derivar deimpugnações prematuras (que se antecipam à publica-ção dos acórdãos) quanto decorrer de oposições tardias(que se registram após o decurso dos prazos recursais).Em qualquer das duas situações - impugnação prema-tura ou oposição tardia -, a conseqüência de ordem pro-cessual é uma só: o não-conhecimento do recurso, porefeito de sua extemporânea interposição. - A jurispru-dência do Supremo Tribunal Federal tem advertido quea simples notícia do julgamento, além de não dar inícioà fluência do prazo recursal, também não legitima aprematura interposição de recurso, por absoluta faltade objeto.

Do mesmo modo, no AI 765493 AgR-ED/PR17, o Ministro Joa-quim Barbosa ratificou a obrigatoriedade de aguardar a publica-ção formal para começo do termo inicial do prazo recursal:

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTEMPESTI-VIDADE. O presente recurso de embargos é intem-pestivo, porquanto interposto prematuramente, antesda publicação do acórdão recorrido no órgão oficial. Pre-valece nesta Corte o entendimento de que o prazo parainterposição de recurso se inicia com a publicação, noórgão oficial, da decisão recorrida. Embargos de decla-ração não conhecidos.

Diferente posição é adotada nas insurgências prematuras con-tra decisões monocráticas. Nesses casos, devido à disponibilizaçãodo teor da decisão, o STF reconhece a ocorrência da “ciência ine-quívoca”, conforme acórdão do Pleno no AgRg no AgRg na AçãoOriginária nº 1133/DF18:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO DERELATOR QUE, POR INTEMPESTIVIDADE, NEGOU SEGUI-MENTO A OUTRO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSONÃO RATIFICADO OPORTUNAMENTE. Conforme enten-dimento predominante nesta colenda Corte, o prazo

16 STF. 2ª Turma, AI 653882 AgRg/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j.03.06.2008, DJe15.08.2008.

17 STF. 2ª Turma, AI 765493 AgR-ED/PR, Rel. Ministro Joaquim Barbosa,j.12.04.2011, DJ-e 10.05.2011.

18 STF. Pleno, AO 1133/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 16.06.2005, DJU 24.03.2006.

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para recorrer só começa a fluir com a publicação doacórdão no órgão oficial, sendo prematuro o recursoque o antecede. Entendimento que não se aplica nocaso de decisão monocrática, a cujo inteiro teor as par-tes têm acesso nos próprios autos, antes da respectivapublicação. Recurso provido para, afastada aintempestividade do primeiro agravo, dar-se-lhe segui-mento.

3.1.1 Pseudoevolução da jurisprudência do Supremo TribunalFederal

O acórdão da 1ª Turma do STF, da lavra do Min. Luiz Fux, profe-rido no HC 101132 ED19, processo julgado em 24 de abril de 2012,divulgado no DJe de 21 de maio de 2012, publicado em 22 de maiode 2012, reconheceu a tempestividade de embargos de declaraçãointerpostos mesmo antes da publicação do acórdão. In verbis:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INTER-POSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. CONHE-CIMENTO. INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL.PRECLUSÃO QUE NÃO PODE PREJUDICAR A PARTE QUECONTRIBUI PARA A CELERIDADE DO PROCESSO. BOA-FÉEXIGIDA DO ESTADO-JUIZ. DOUTRINA. RECENTE JURIS-PRUDÊNCIA DO PLENÁRIO. MÉRITO. ALEGAÇÃO DEOMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. RECURSOCONHECIDO E REJEITADO. 1. A doutrina moderna res-salta o advento da fase instrumentalista do Direito Pro-cessual, ante a necessidade de interpretar os seus insti-tutos sempre do modo mais favorável ao acesso à justiça(art. 5º, XXXV, CRFB) e à efetividade dos direitos materi-ais (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In:Revista de Processo, São Paulo: RT, n.º 137, p. 7-31, 2006;DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade doprocesso. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009; BEDAQUE,José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Téc-nica Processual. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010). 2. “Aforma, se imposta rigidamente, sem dúvidas conduz aoperigo do arbítrio das leis, nos moldes do velho brocardodura lex, sed lex” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Simpli-ficação e adaptabilidade no anteprojeto do novo CPCbrasileiro. In: O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito emExpectativa. Org. Luiz Fux. Rio de Janeiro: Forense, 2011.p. 76). 3. As preclusões se destinam a permitir o regular ecélere desenvolvimento do feito, por isso que não é pos-sível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui parao progresso da marcha processual com o não conheci-mento do recurso, arriscando conferir o direito à parteque não faz jus em razão de um purismo formal

19 STF. 1ª Turma, ED HC 101132, Rel. Min. Luiz Fux, j. 24.04.2012, DJe 22.05.2012.

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injustificado. 4. O formalismo desmesurado ignora a boa-fé processual que se exige de todos os sujeitos do proces-so, inclusive, e com maior razão, do Estado-Juiz, bemcomo se afasta da visão neoconstitucionalista do direito,cuja teoria proscreve o legicentrismo e o formalismointerpretativo na análise do sistema jurídico, desenvol-vendo mecanismos para a efetividade dos princípios cons-titucionais que abarcam os valores mais caros à nossasociedade (COMANDUCCI, Paolo. Formas de(neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. Trad.Miguel Carbonell. In: “Isonomía. Revista de Teoría yFilosofía del Derecho”, nº 16, 2002). 5. O Supremo Tribu-nal Federal, recentemente, sob o influxo doinstrumentalismo, modificou a sua jurisprudência parapermitir a comprovação posterior de tempestividade doRecurso Extraordinário, quando reconhecida a suaextemporaneidade em virtude de feriados locais ou desuspensão de expediente forense no Tribunal a quo (REnº 626.358-AgR/MG, rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Ple-no, julg. 22/03/2012). 6. In casu: (i) os embargos de decla-ração foram opostos, mediante fac-símile, em 13/06/2011,sendo que o acórdão recorrido somente veio a ser publi-cado em 01/07/2011; (ii) o paciente foi denunciado pelasuposta prática do crime do art. 12 da Lei nº 6.368/79, emrazão do alegado comércio de 2.110 g (dois mil cento edez gramas) de cocaína; (iii) no acórdão embargado, aTurma reconheceu a legalidade do decreto prisional ex-pedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhãoem face do paciente, para assegurar a aplicação da leipenal, em razão de se tratar de réu evadido do distritoda culpa, e para garantia da ordem pública; (iv) alega oembargante que houve omissão, porquanto não teriasido analisado o excesso de prazo para a instrução pro-cessual, assim como contradição, por não ter sido consi-derado que à época dos fatos não estavam em vigor aLei nº 11.343/06 e a Lei nº 11.464/07. 7. O recurso merececonhecimento, na medida em que a parte, diligente, opôsos embargos de declaração mesmo antes da publicaçãodo acórdão, contribuindo para a celeridade processual. 8.No mérito, os embargos devem ser rejeitados, pois o ex-cesso de prazo não foi alegado na exordial nem aprecia-do pelo Superior Tribunal de Justiça, além do que a Lei nº11.343/06 e a Lei nº 11.464/07 em nada interferem nojulgamento, visto que a prisão foi decretada com basenos requisitos do art. 312 do CPP identificados concreta-mente, e não com base na vedação abstrata à liberdadeprovisória, prevista no art. 44 da Lei de Drogas de 2006.9. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados. (Grifosnossos).

Apesar desse precedente, festejado como sinal de um novorumo, não há indícios de que a jurisprudência do STF tenha evolu-ído para afastar a intempestividade do recurso prematuro.

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Noutro acórdão posterior da 1ª turma do STF, também da lavrado Min. Luiz Fux, processo julgado em 26 de junho de 2012, divul-gado no DJe 29 de agosto de 2012, publicado em 30 de agosto de2012, foi declarado extemporâneo um recurso apresentado antesda publicação do acórdão recorrido, na linha da sedimentada ju-risprudência:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRA-ORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. PROFES-SOR. CONTRATO TEMPORÁRIO SOB A ÉGIDE DA VIGEN-TE CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍ-QUIDO E CERTO À ESTABILIDADE. DECISÃO AGRAVA-DA NÃO IMPUGNADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 287/STF. RECURSO EXTEMPORÂNEO. INTERPOSIÇÃO ANTESDE PUBLICADA A DECISÃO AGRAVADA. PRECEDENTES.1. [...] 2. É extemporâneo o recurso apresentado antesda publicação do acórdão recorrido, revelando-se pre-maturo e, a fortiori, inadmissível. Precedentes: AI n.796118-AgR, Plenário, Relator o Ministro Cezar Peluso,DJe de 08.08.2011 e RE n. 461.505-AgR, Primeira Tur-ma, Relator o Ministro Dias Toffolli, DJe de 10.05.2011.3. [...] 4. Agravo regimental a que se nega provimento.(ARE 665977 AgR, Relator (a): Min. LUIZ FUX, PrimeiraTurma, julgado em 26/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICODJe-171 DIVULG 29-08-2012 PUBLIC 30-08-2012)

Por enquanto, não é possível assegurar que a Corte Suprematenha abandonado a tradicional concepção de que o processo éum fim em si mesmo, malgrado a usual pomposa invocação dosprincípios da boa-fé, da celeridade e da economicidade processualem diversos julgados.

De toda sorte, os efeitos de uma eventual evolução do enten-dimento do STF seriam de extrema valia, na medida em que con-cretizariam o discurso sobre a importância do aproveitamento aomáximo dos atos processuais regulares, como corolário dos princí-pios da instrumentalidade das formas (artigos 15420, 24421 e 24822

do CPC), do devido processo legal, da celeridade (art. 5º, inc. LIV23

20 “Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determi-nada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos osque, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.”

21 “Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação denulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhealcançar a finalidade.”

22 “Art. 248. Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subse-qüentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato nãoprejudicará as outras, que dela sejam independentes.”

23 “Art. 5º [...] Inciso LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus benssem o devido processo legal.”

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e LXXVIII24 da CF), da economia processual e observância do ele-mento teleológico das normas que dispõem sobre os prazos pro-cessuais.

3.2 A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho

O Tribunal Superior do Trabalho segue as lições do SupremoTribunal Federal. No acórdão proferido no E-ED-RR 54430/2002-900-01-0025, a SbDI 1 objetivamente revela o pensamento do Tri-bunal:

RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTES DA PU-BLICAÇÃO DA DECISÃO IMPUGNADA.INTEMPESTIVIDADE. HIPÓTESE DE NÃO-CONHECIMEN-TO. RECURSO PREMATURO. É intempestivo recurso in-terposto antes da publicação do acórdão impugnado.Recurso de Embargos de que não se conhece.

A Corte Trabalhista firmou entendimento de que éintempestivo recurso interposto antes da publicação oficial em de-cisão proferida pelo Tribunal Pleno do TST, em 04 de maio de 2006,nos autos ED-ROAR-11.607/2002-000-02-00.4, em sede de inciden-te de uniformização de jurisprudência.

O acórdão da 8ª Turma do TST26, proferido no julgamento doRR 160700-40.2008.5.06.0013-06, apresenta uma síntese das razõespara decretar a intempestividade do recurso prematuro:

a) a parte precisa conhecer os fundamentos da decisãopara apresentar o recurso;b) o recurso interposto prematuramente implicadescompasso nos prazos em relação à parte contráriana ação, podendo desencadear discussões processuaisque poderiam ser evitadas;c) depois de conhecer os fundamentos do acórdão, a par-te vencida pode ficar convencida e desistir de recorrer;d) a publicação no órgão oficial é pressuposto de valida-de o acórdão.

Por fim, ainda ressalta que o STJ evoluiu o entendimento paraaceitar o recurso prematuro apenas porque adota a sistemática depublicar os acórdãos na internet antes da publicação:

24 “Art. 5º [...] Inciso LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, sãoassegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam aceleridade de sua tramitação.”

25 TST. SbDI 1, E-ED-RR 54430/2002-900-01-00, Rel. Min. João Batista Brito Pe-reira, j. 09.06.2008, DJET 13.06.2008.

26 TST. 8ª Turma, RR 160700-40.2008.5.06.0013-06, Rel. Min. Dora Maria daCosta, j. 06.10.2010, DJET 08.10.2010.

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O fundamento norteador da modificação da jurispru-dência naquele Tribunal, segundo o voto-vencedor, en-contra-se relacionado com o sistema inaugurado naque-le Tribunal no ano de 2004, de publicação imediata dadecisão, logo após o julgamento, pela via eletrônica. Tra-ta-se, portanto, de uma situação particularizada, nãopodendo ser analogicamente aplicada aos tribunais quenão dispõem desse sistema.

Por força desses fundamentos, a Corte Trabalhista editou oEnunciado da Súmula n. 434, antiga Orientação Jurisprudencial357 da SbDI 1, divulgada no DEJT de 14 de fevereiro de 2012, paraexternar no item I: “É extemporâneo recurso interposto antes depublicado o acórdão impugnado”.

SÚMULA 434RECURSO. INTERPOSIÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO DOACÓRDÃO IMPUGNADO. EXTEMPORANEIDADE. (Con-versão da Orientação Jurisprudencial nº 357 da SBDI-1 einserção do item II à redação) - Res. 177/2012, DEJT di-vulgado em 13, 14 e 15.02.2012I) É extemporâneo recurso interposto antes de publica-do o acórdão impugnado. (ex-OJ n 357 da SBDI-1 –inserida em 14.03.2008)II) A interrupção do prazo recursal em razão dainterposição de embargos de declaração pela parte ad-versa não acarreta qualquer prejuízo àquele que apre-sentou seu recurso tempestivamente.

3.3 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça é muito oscilante a respeito damatéria. Como noticia o acórdão do agravo regimental no REsp858952/RS27, até o julgamento do agravo regimental no EREsp492.461/MG28, o STJ também acompanhava a jurisprudência do STF:

[...] 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça,no julgamento do AgRg no EREsp 492.461/MG, revendoposicionamento anterior, passou a considerar tempestivorecurso interposto antes da publicação da decisão re-corrida.

A mudança ocorrida a partir do julgamento do EREsp 492.461/MG decorreu dos seguintes fundamentos expostos no voto vence-dor da lavra da Ministra Eliana Calmon:

27 STJ. 1ª Turma, REsp 858952AgRg/RS, Relatora Min. Denise Arruda,j. 18.11.2008, DJe 16.12.2008.

28 STJ. Corte Especial. EREsp 492461AgRg/MG, Rel. Min. Eliana Calmon,j. 17.11.2004, DJ 23.10.2006.

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Este Tribunal é uma Corte de precedentes, cuja funçãoconstitucional precípua é a uniformização do direito fe-deral. Entretanto, não se pode aceitar que, em nomeda segurança jurídica, fique a jurisprudência defasadada realidade, como ocorre na hipótese em apreciação.Modernamente, com a utilização da INTERNET na divul-gação das decisões dos Tribunais e na divulgação de todoo andamento dos processos, possibilitando não só aosadvogados da causa, mas a todos os interessadosacessarem os julgamentos do STJ, não mais se espera apublicação do Diário de Justiça para recorrer, na medi-da em que é ele muitíssimo mais lento que a informa-ção eletrônica. O sistema vem sendo implantado e man-tido com prioridade pelos tribunais, tendo o STJ, inclusi-ve, inaugurado, neste ano, o sistema de publicação ime-diata, após o julgamento, por via eletrônica.A atual fase de publicidade das decisões judiciais nãomais se adequa à jurisprudência que, em razão disso,deve ser devidamente atualizada.Assim, nesta oportunidade em que a Corte Especial vema apreciar a questão, parece-me de absoluta pertinênciaque se faça a correção de rumo, a fim de prevalecer acorrente minoritária e que se levanta em torno do en-tendimento seguinte: as decisões judiciais, sejammonocráticas ou colegiadas, depois de divulgadas ofici-almente, por qualquer meio, podem ser alvo de recur-so, independentemente de publicação no Diário de Jus-tiça.

Nesse julgado houve superação exatamente do fundamento,regularmente invocado pelo STF e TST, de que a simples notícianão legitima a interposição de recurso. No voto vencido do Minis-tro Gilson Dipp, esse fundamentado foi usado para tentar mantero antigo entendimento:

A simples notícia do julgamento não legitima ainterposição de recurso. A existência jurídica e o conteú-do material do acórdão somente se configuram com asua publicação, sendo certo que somente a partir desta- ou da ocorrência de ciência inequívoca - é que se podeter conhecimento do inteiro teor do julgado. Quanto aotema o Superior Tribunal de Justiça, secundando orien-tação do Supremo Tribunal Federal, já se manifestouanteriormente em que em casos análogos ao presente.

O Ministro Franciulli Netto, ao acompanhar o voto vencedor,deixou claro que o pressuposto para interposição do recurso é aciência da decisão. In verbis:

Sr. Presidente, entendo, na mesma linha do Sr. MinistroAri Pargendler, que se trata de contradictio in adjectoentender que quem recorreu antes do prazo, fê-lo

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intempestiva ou extemporaneamente. Foi queimadauma etapa. O pressuposto é que o recorrente tomouciência da decisão, porque não sei como alguém recor-reria sem conhecer o teor da sentença, do acórdão ouda decisão atacada.

O Ministro Luiz Fux, então membro daquela Corte, ao decli-nar apoio ao voto vencedor, discorreu exatamente sobre o direitode recorrer com a prolação da decisão e sobre a viabilidade de aparte dispor do prazo concedido:

Toda a doutrina clássica assenta que o direito de recor-rer nasce com a decisão e, a partir desse momento, orecorrente, lesado pela decisão judicial, pode recorrer,tendo um prazo do qual pode dispor. Seria o mesmo queindagar se o réu tem quinze dias para contestar, poderáfazê-lo no sétimo ou no oitavo dia. Em sendo assim,será considerada a contestação do réu intempestiva?

Para afastar qualquer dúvida, no acórdão dos embargos dedeclaração interpostos no REsp 1015855/SP29, a 1ª Turma afirma sertempestivo recurso interposto após a sessão de julgamento, e nãodepois da divulgação na internet:

2. Não há omissão no decisum no atinente àextemporaneidade do recurso especial. Essa condiçãode admissibilidade foi observada, mesmo que de formaimplícita. Ademais, a interposição foi feita após a ses-são de julgamento do acórdão de apelação e não houveoposição de embargos de declaração de nenhuma daspartes, motivo pelo qual entende-se que a hipótese seamolda ao AgRg nos EREsp 492.461/MG, julgados pelaCorte Especial, DJ de 23.10.2006, o qual consideroutempestivo recurso interposto antes da publicação dadecisão recorrida. (Grifos nossos).

Ocorre que no julgamento dos embargos de declaração na sen-tença estrangeira contestada – SEC nº3660, divulgado no DJe de 05de março de 2010, a Corte Especial do STJ, por unanimidade, retroce-deu, para decretar a intempestividade do apelo prematuro. In verbis:

EDcl na SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA Nº3.660 – GB (2008/0218282-4)RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMAEMENTAPROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTES-TADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INTER-

29 STJ. 1ª Turma, REsp 1015855 ED/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 16.04.2009,DJe 08.05.2009.

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POSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. INTEM-PESTIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. EMBAR-GOS NÃO-CONHECIDOS.1. É assente na jurisprudência do STF e do STJ que aintempestividade recursal advém não só de manifesta-ção tardia da parte, mas, igualmente, da impugnaçãoprematura.2. Embargos de declaração não-conhecidos.ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos em que são par-tes as acima indicadas,acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do SuperiorTribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer dosembargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Minis-tro Relator. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Fernando Gon-çalves, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, HamiltonCarvalhido, Eliana Calmon, Francisco Falcão, NancyAndrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha eTeori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp e,ocasionalmente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler.Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2010 (Data do Julga-mento).

Recentemente, no entanto, no julgamento realizado em21/11/2013, acórdão divulgado no DJe 28/11/2013, a 5ª Turma do STJreavivou o entendimento proferido nos embargos de divergêncian. 492.461/MG, em obediência aos princípios da instrumentalidadedas formas, da igualdade, da boa-fé objetiva, celeridade e lealdadeprocessuais:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NOSEMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECUR-SO ESPECIAL. REGIMENTAL ANALISADO MONOCRATI-CAMENTE.RECONSIDERAÇÃO. LESÃO CORPORAL GRAVE. RECUR-SO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DOACÓRDÃO RECORRIDO EM ÓRGÃO OFICIAL.TEMPESTIVIDADE. QUALIFICADORA DO INCISO I DO § 1ºDO ART. 129 DO CP.EXAME PERICIAL COMPLEMENTAR. PRESCINDIBILI-DADE. CIRCUNSTÂNCIA AFERIDA POR OUTROS MEIOSDE PROVA. AGRAVO IMPROVIDO.1. A interposição de agravo regimental torna necessá-ria a remessa do feito para apreciação pelo órgãocolegiado. Reconsideração da decisão que analisoumonocraticamente o recurso de agravo regimental, coma consequente submissão da matéria ao exame pelaQuinta Turma deste Tribunal.2. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento dosEmbargos de Divergência n. 492.461/MG, mudando en-tendimento há muito consolidado, passou a considerar

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tempestivo o recurso especial interposto antes da pu-blicação oficial, haja vista a nova realidade da publicida-de das decisões judiciais em meio eletrônico que possibi-litam às partes o conhecimento prévio do acórdão an-tes mesmo de sua veiculação oficial. Referido entendi-mento foi novamente modificado pela Corte Especialno julgamento dos EDcl na SEC 3660/GB, entendendo-se como intempestivo o especial interposto antes dapublicação do acórdão recorrido no Diário Oficial. Hánecessidade de revisão do entendimento sobre a maté-ria, em obediência aos princípios da instrumentalidadedas formas, da igualdade, da boa-fé objetiva, celeridadee lealdade processuais.3. A função precípua dos atos processuais de comunica-ção é dar conhecimento da decisão às partes e à socie-dade, razão pela qual não se pode exigir que o recor-rente, após conhecimento do acórdão, tenha que aguar-dar, desnecessariamente, sua publicação em órgão ofi-cial para exercer o direito de recurso, sob pena de viola-ção aos princípios da efetiva prestação jurisdicional e daceleridade processual.4. Atingida a finalidade do ato processual, com a efeti-va ciência pela parte interessada do teor e resultado dadecisão judicial, não é possível considerar intempestivoo recurso por ela interposto antes da publicação da de-cisão no órgão oficial.[...]7. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no AgRg nos EDcl no AREsp 243.849/PR, Rel. Mi-nistro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em21/11/2013, DJe 28/11/2013)

3.4 Viabilidade de evolução da jurisprudência dos tribunais

É curioso observar a abstração dos fundamentos do Supre-mo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho paraafirmar a intempestividade do recurso prematuro. Nenhum dostribunais demonstra o efetivo prejuízo acaso fosse reconhecidaa tempestividade do recurso interposto antes da oficial divul-gação.

A gangorra jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça jábasta para expor a fragilidade dos fundamentos, sempre calcadosem razões de natureza formal, com ênfase numa interpretação li-teral da norma, afastados do elemento teleológico das regras pro-cessuais.

Como lecionam Negrão e Gouvêa (2008), em nota ao art. 172do CPC, as disposições processuais sobre prazo não encerram umcomando rígido, devendo o intérprete estar atento aos comandosdos princípios da efetividade e da instrumentalidade, como meiode prestigiar o exame do direito material:

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Em se tratando de prazos, o intérprete, sempre que pos-sível, deve orientar-se pela exegese mais liberal, atentoàs tendências do processo civil contemporâneo – calcadonos princípios da efetividade e da instrumentalidade – àadvertência da doutrina de que as sutilezas da lei nuncadevem servir para impedir o exercício de um direito (RSTJ34/362 e STJ-RT 686/199).

A importância que os Tribunais atribuem à publicação, comocondição de existência jurídica da decisão e fixação do conteúdomaterial, está atrelada exclusivamente ao valor abstrato do regis-tro, documentação e burocratização do procedimento. Além depropositadamente ignorarem que o prazo é estabelecido em prolda parte, sendo inclusive renunciável30, também desprezam as vári-as formas de uma parte tomar ciência inequívoca do teor de umadecisão e considerar-se em condições de interpor o recurso, sejapela presença na sessão de julgamento, ou acompanhamento pormeio eletrônico, ou até mesmo devido à previsibilidade do resulta-do de casos repetitivos.

Se o recorrente foi capaz de impugnar a decisão antes da pu-blicação, como ensina o eminente professor Moreira (2006, p. 158),é sinal certo de que já conhece o teor. Logo, está alcançada a fina-lidade essencial do ato destinado a dar ciência do pronunciamen-to aos interessados.

A finalidade essencial da publicação é dar ciência inequívocada decisão. Todavia, se, de outro modo, a parte teve conhecimen-to completo do julgado e interpôs o recurso antes da publicação,quando muito, deverá arcar com os eventuais prejuízos processuaisdecorrentes, a exemplo da falta de ataque aos fundamentos dadecisão recorrida.31

Netto (2009, p. 74-75) destaca que o acórdão, como pronunci-amento judicial nos termos do art. 556 do CPC32, passa a existir no

30 “Art. 186. A parte poderá renunciar ao prazo estabelecido exclusivamenteem seu favor.”

31 STF. “Súmula nº 283 É inadmissível o Recurso Extraordinário, quando a deci-são recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso nãoabrange todos eles.” STF. “Súmula nº 284 É inadmissível o Recurso Extraordi-nário, quando a deficiência na sua fundamentação não” permitir a exatacompreensão da controvérsia.” TST. “Súmula nº 422 RECURSO. APELO QUENÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. NÃO CONHECI-MENTO. ART. 514, II, do CPC - Não se conhece de recurso para o TST, pelaausência do requisito de admissibilidade inscrito no art. 514, II, do CPC, quan-do as razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão re-corrida, nos termos em que fora proposta.”

32 “Art. 556. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julga-mento, designando para redigir o acórdão o relator, ou, se este for vencido,o autor do primeiro voto vencedor. Parágrafo único. Os votos, acórdãos e

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processo com o anúncio do resultado do julgamento, e não com apublicação. Acrescenta:

[...] cabe esclarecer que a decisão é pública desde o mo-mento que foi proclamado o seu resultado, em sessãoaberta e pública de julgamento. Acaso assim não fosse,estar-se-ia violando o princípio da publicidade que go-verna o processo, instrumento público de prestação detutela jurisdicional (art. 93, IX, da Constituição Federal,e art. 155 do CPC). Estão vedadas, inclusive, alteraçõesdos votos ou do resultado, salvo se for para correção deerros materiais ou por ser acolhido pedido formuladoem embargos de declaração (art. 463 do CPC). (Grifo doautor).

O entendimento cristalizado em inúmeros precedentes, em queos tribunais consideram realizada a intimação diante da “ciênciainequívoca” da parte, como medida consentânea com os princípi-os da celeridade e da efetividade processual, pode, sem qualquerprejuízo, ser estendido para atenuar a exigência da publicaçãoformal como único marco do início da contagem do prazo recursal.

Prova dessa viabilidade é vista no julgamento dos embargosde declaração no AI 426.27133, no qual foi considerado existente oacórdão proferido em um leading case, mesmo não publicado noórgão oficial. Senão, vejamos:

A existência de precedente firmado pelo Plenário doSTF autoriza o julgamento imediato de causas que ver-sem o mesmo tema (RI/STF, art. 101), ainda que oacórdão do leading case, proferido pelo Plenário, nãotenha sido publicado, ou, caso já publicado, ainda nãohaja transitado em julgado.

Dinamarco (2003, p. 19, grifos do autor), em contundente erespeitável crítica, reclama coerência das decisões do STF, perfeita-mente extensível ao demais colegiados:

Diante dessa tão forte e invariável linha jurisprudencial,chega-se agora a um reclamo pela coerência das deci-sões do Supremo Tribunal Federal, porque não é coeren-te a) negar conhecimento a um recurso porque a parteteve ciência antes da publicação da sentença mas contouo prazo a partir desta0, b) e ao mesmo tempo, contradi-toriamente, negar-lhe também conhecimento nos casosem que a parte se antecipa à publicação, demonstrando

demais atos processuais podem ser registrados em arquivo eletrônicoinviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser impres-sos para juntada aos autos do processo quando este não for eletrônico.”

33 STF. 2ª Turma, AI 426.271 ED/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 03.06.2003, DJU27.6.2003.

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RECURSOS PREMATUROS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

conhecimento do ato e efetivamente recorrendo semque haja sido feita a intimação pela imprensa. Se a faltadessa intimação deixasse o julgamento à margem do di-reito, como naqueles acórdãos se disse (com a conseqüen-te intempestividade por prematuridade), não haveriacomo dizer, depois de decorrido o prazo contado da ciên-cia inequívoca, que o recurso seja intempestivo por tersido interposto tardiamente. Ou a ciência inequívoca dis-pensa a intimação e abre prazo para recorrer, ou não; ouela fixa o dies a quo dos prazos recursais, ou não o fixa.

Como professado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, no cita-do julgamento do AgRg no AgRg nos EDcl no AREsp 243.849/PR,DJe 28/11/2013:

A função precípua dos atos processuais de comunicaçãoé dar conhecimento da decisão às partes e à sociedade,razão pela qual não se pode exigir que o recorrente,após conhecimento do acórdão, tenha que aguardar,desnecessariamente, sua publicação em órgão oficialpara exercer o direito de recurso, sob pena de violaçãoaos princípios da efetiva prestação jurisdicional e daceleridade processual.[...]Atingida a finalidade do ato processual, com a efetivaciência pela parte interessada do teor e resultado dadecisão judicial, não é possível considerar intempestivoo recurso por ela interposto antes da publicação da de-cisão no órgão oficial.

Ademais, o decreto de intempestividade do recurso interpostoprematuramente, com fundamento na falta de posterior ratifica-ção após a publicação do acórdão, resulta no danoso efeito deconsiderar que a parte aceitou tacitamente a decisão, mesmo ten-do praticado um inequívoco ato compatível com a vontade de re-correr, quando é cediço que, para caracterização da aquiescênciatácita com uma decisão, o parágrafo único do artigo 503 do CPC34

exige a prática de um ato incompatível com a vontade de recorrer,que deve ser inferida de fatos inequívocos e inconciliáveis com aimpugnação da decisão.

A proteção inscrita no artigo 5º, incisos XXXV, LIV e LV35, da CF,que assegura ao jurisdicionado o direito de saber por que perdeu

34 “Art. 503. A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou adecisão, não poderá recorrer. Parágrafo único. Considera-se aceitação tácitaa prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade derecorrer.”

35 “Art. 5º [...] Inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,com os meios e recursos a ela inerentes.”

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ou ganhou, para que possa exercer o amplo direito de recorrer deforma válida e eficaz, não pode ser interpretada restritivamente,com excessivo apego ao formalismo, de forma a prejudicar um re-curso interposto antes da publicação formal.

Por óbvio, não defendemos que apenas a notícia do julga-mento, a presença do advogado na sessão de julgamento ou qual-quer outro meio alternativo de conhecimento da decisão substituaa regra geral da contagem de prazo prevista na legislação proces-sual, mas que, em respeito aos princípios do devido processo legal,da instrumentalidade da formas e da celeridade, não seja negadaa prestação jurisdicional àquele que, por se encontrar em condi-ções de interpor o recurso, se antecipou à publicação oficial.

4 Recurso interposto quando pendente julgamento deembargos de declaração e sem ratificação posterior

4.1 Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

A modalidade de recurso prematuro mais comum nos tribu-nais é o interposto quando ainda pendente julgamento de em-bargos de declaração36, interpostos contra o mesmo acórdão já re-corrido, sem posterior ratificação do apelo depois da publicaçãodo acórdão integrativo.

A remansosa e pacífica jurisprudência do STF37 nega seguimentoao apelo interposto nessas condições por falta de exaurimento dainstância a quo, com a publicação da decisão final no órgão ofici-al, apta a ensejar a abertura da via extraordinária, na forma doinciso III do art. 102 da Lei Maior.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INS-TRUMENTO. APELO EXTREMO EXTEMPORÂNEO.INTERPOSIÇÃO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBAR-GOS DECLARATÓRIOS OPOSTOS CONTRA O ARESTOQUE JULGOU A APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE RATIFICA-ÇÃO. CRÉDITO-PRÊMIO DO IPI. DECRETO-LEI 469/1969.

36 O STJ tem precedentes em que considera, de modo igual ao que ocorre nosEmbargos de Declaração, prematura a interposição de Recurso Especial an-tes do julgamento dos Embargos Infringentes, sem posterior ratificação.Ver: STJ. 1ª Turma, AgRg no Ag 1109212/BA. Relator Min. Benedito Gonçal-ves, j. 15.09.2009, DJe 22.09.2009.

37 STF. 2ª Turma, AI 664080 AgR/SP. Rel. Carlos Ayres Britto, j. 12.04.2011, DJe17.08.2011. No mesmo sentido: STF. 1ª Turma, AI 795683 AgR-ED/PE. Rel.Ricardo Lewandowski, j. 15.02.2011, DJe 10.03.2011; STF. 2ª Turma, RE400975 AgR/DF. Rel. Carlos Ayres Britto, j. 08.02.2011, DJe 25.04.2011; STF.1ª Turma, AI 502004 AgRg/MG. Rel. Carlos Ayres Britto, j. 19.04.2005, DJ04.11.2005.

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RECURSOS PREMATUROS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

VIGÊNCIA ATÉ 04/10/1990. 1. Conforme entendimentopredominante nesta nossa Casa de Justiça, o prazo pararecorrer só começa a fluir com a publicação da decisãono órgão oficial, sendo prematuro o recurso que a ante-cede. A insurgência, nessa hipótese, não se dirige con-tra decisão final da causa, apta a ensejar a abertura davia extraordinária, na forma do inciso III do art. 102 daCarta Magna.

4.2 Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

O STJ alinha-se com o entendimento do STF. Em notíciapublicada no sítio eletrônico do tribunal no dia 05 de março de201038, consta a informação da pacificação do tema por meio daedição da Súmula 418, com o seguinte enunciado: “É inadmissívelo recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dosembargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Segundo o informe, o entendimento começou a ser cristaliza-do desde 2003, no julgamento do AgRg no Ag 479830/SP.39 Noentanto, colhe-se no acórdão do AgRg no Ag 871810/SP40 a infor-mação de que a Corte Especial dirimiu a questão no julgamentodo REsp 776265/SC41, da relatoria originária do Min. HumbertoGomes de Barros.

O Ministro José Delgado, relator, justifica a necessidade de ra-tificação do recurso especial com base no art. 105, III, da CF42, queautoriza o recurso somente em causas decididas em última instân-cia, combinado com o art. 538 do CPC43, que dispõe sobre interrup-

38 Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=96190>. Acesso em: 10 out. 2010.

39 STJ. 3ª Turma, Ag 479830 AgRg/SP. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,j. 22.05.2003, DJ 30.06.2003.

40 STJ. 1ª Turma, Ag 871810 AgRg/SP. Rel. Min. José Delgado, j. 21.06.2007, DJ02.08.2007. Em trecho do voto, lê-se: “No entanto, a distinta Corte Especialdeste Sodalício, ao julgar, em 18/04/2007 (pendente de publicação), por mai-oria, o REsp nº 776265/SC, Rel. originário Min. Humberto Gomes de Barros,Rel. p/o acórdão Min. César Asfor Rocha, entendeu em sentido oposto, id est,que o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos dedeclaração, ou seja, antes de esgotada a jurisdição prestada pelo tribunal deorigem, é prematuro e incabível, por isso ele deve ser reiterado ou ratificadono prazo recursal”.

41 STJ. Corte Especial. REsp 776265/SC, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 18.04.2007,DJ 06.08.2007.

42 “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] III - julgar, em recursoespecial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos TribunaisRegionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Ter-ritórios, quando a decisão recorrida [...].”

43 “Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para ainterposição de outros recursos, por qualquer das partes.”

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ção do prazo para a interposição de outros recursos por qualquerdas partes ante a oposição de embargos de declaração.

Na ótica do Ministro Humberto Martins44, a admissão do recur-so especial quando ainda pendente julgamento de embargos dedeclaração viola o artigo 498 do CPC45, que não permite a conces-são de dois prazos recursais às partes.

Em apertada síntese, é soberana no STJ a compreensão de queo acórdão nos embargos de declaração, independentemente doconteúdo, integra o aresto já atacado, formando a última decisãoexigida na CF. Assim, ocorrida a intimação do julgamento, oembargado passa a ter ciência inequívoca da interrupção do prazorecursal, devendo ratificar ou mesmo complementar eventual re-curso interposto anteriormente. Nesse sentido:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMEN-TAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. OMISSÃO NÃOCONFIGURAÇÃO. RECURSO PREMATURO. SÚMULA 418/STJ. REJEIÇÃO.1. É extemporâneo, por prematuro, o recurso interpos-to antes da data da publicação do acórdão dos embar-gos de declaração, sem posterior ratificação.2. Acórdão recorrido proferido com base na jurispru-dência reiterada desta Corte, não havendo falar, por-tanto, em omissão do julgado.3. Embargos de declaração rejeitados.(EDcl no AgRg no AREsp 428.079/SP, Rel. Ministra MA-RIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 25/03/2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APELA-ÇÃO INTERPOSTA ANTES DO JULGAMENTO DA SEN-TENÇA DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REITERA-ÇÃO. NECESSIDADE. SÚMULA Nº 418/STJ.1. É extemporâneo o recurso especial interposto antesdo julgamento dos embargos de declaração, ainda queopostos pela parte contrária, se, após a intimação doaresto dos declaratórios, não for reiterado ou ratifica-do no respectivo prazo recursal.2. Este Tribunal aplica a orientação acima também paraoutros recursos. Precedentes expressos em relação àApelação e ao Agravo Regimental.3. Agravo regimental não provido.

44 STJ. 2ª Turma, AgRg no Ag 1393411/RS. Rel. Ministro Humberto Martins, j.10.05.2011, DJe 13.05.2011.

45 “Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioriade votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes,o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente aojulgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos em-bargos.”

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RECURSOS PREMATUROS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

(AgRg no AREsp 198.067/RJ, Rel. Ministro RICARDOVILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2012, DJe 24/10/2012)

4.3 Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho

O Tribunal Superior do Trabalho, não obstante julgar recursoscontra decisões de última instância e submetido também aos dita-mes do art. 538 do CPC, diverge frontalmente com os demais tribu-nais. Para a Corte Trabalhista, embora os embargos de declaraçãointerrompam o prazo recursal para ambas as partes, o recorrentenão está obrigado a ratificar ou renovar as razões de recurso inter-posto anteriormente após a publicação de julgamento de embar-gos de declaração da parte contrária.

Com o fito de evitar prejuízo àquele que interpôstempestivamente seu recurso na seara trabalhista46, a Corte pacifi-cou a discussão no item II da Súmula 434 do TST, que claramenteinforma que a interposição de embargos de declaração pela parteadversa não enseja a extemporaneidade do recurso interposto pelaoutra parte tempestivamente:

Súmula nº 434 do TSTRECURSO. INTERPOSIÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO DOACÓRDÃO IMPUGNADO. EXTEMPORANEIDADE. (Con-versão da Orientação Jurisprudencial nº 357 da SBDI-1 einserção do item II à redação) - Res. 177/2012, DEJT di-vulgado em 13, 14 e 15.02.2012I) [...]II) A interrupção do prazo recursal em razão dainterposição de embargos de declaração pela parte ad-versa não acarreta qualquer prejuízo àquele que apre-sentou seu recurso tempestivamente.

46 RECURSO DE EMBARGOS - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO APÓS A PU-BLICAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE JULGOU O RECURSO ORDINÁRIO, MAS AN-TERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE ANALISOU OS EMBAR-GOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA OUTRA PARTE - TEMPESTIVIDADE.De acordo com a orientação constante da Súmula nº 434, II, do TST, mostra-se tempestivo o recurso de revista interposto pelo reclamante após o julga-mento do recurso ordinário, mas anteriormente ao julgamento dos embar-gos de declaração opostos pela reclamada. Os embargos esbarram no óbiceda parte final do inciso II do art. 894 da CLT. Recurso de embargos não conhe-cido. (E-ED-RR - 256200-28.2008.5.09.0021, Relator Ministro: Luiz PhilippeVieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 04/04/2013, Subseção I Especi-alizada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 19/04/2013)

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4.3.1 Ampliação do entendimento do Tribunal Superior doTrabalho

A jurisprudência do TST sempre foi uníssona em considerarintempestivo o recurso interposto na pendência de publicação deacórdão relativo a julgamento de embargos de declaração apre-sentados pela mesma parte recorrente, como confirma o preceden-te abaixo:

RECURSO PREMATURO. INTEMPESTIVIDADE. INTERPO-SIÇÃO CONCOMITANTE DE EMBARGOS DE DECLARA-ÇÃO E EMBARGOS. AUSÊNCIA DE POSTERIOR RATIFI-CAÇÃO DOS EMBARGOS. SÚMULA Nº 434, I, DO TST 1.Considera-se prematuro o recurso interposto na pen-dência de publicação de acórdão relativo a embargosde declaração apresentados pela mesma parte. Ape-nas com a publicação do acórdão de embargos de decla-ração, o órgão julgador cuja decisão é objeto deimpugnação, em tese, aperfeiçoa e exaure a prestaçãojurisdicional. Incidência da Súmula nº 434, I, do TST. 2.Afiguram-se intempestivos embargos não ratificadosno prazo recursal contado da publicação do acórdãoturmário que julgou os embargos de declaração inter-postos concomitantemente pela mesma parte. Prece-dentes da SbDI-1 do TST. 3. Embargos de que não seconhece.(E-ED-RR - 103500-98.2009.5.16.0001, Relator Ministro:João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 17/10/2013,Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Datade Publicação: DEJT 25/10/2013)

A SbDI 1, no entanto, em 14 de março de 2014, ampliou ainterpretação do item II da súmula 434, de modo a reconhecer atempestividade de um recurso de revista interposto na pendênciade julgamento de embargos de declaração da mesma parte:

INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DE REVISTA INTER-POSTO PELA RECLAMADA. INTERPOSIÇÃO PREMATU-RA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1. Publicado o acórdão pro-ferido pelo Tribunal Regional, foram opostos Embargosde Declaração pelo reclamante e foi interposto Recursode Revista pela reclamada. 2. Publicada a decisão pro-ferida no julgamento dos Embargos de Declaração opos-tos pelo reclamante, que foram acolhidos com a conces-são de efeito modificativo, houve a oposição de Embar-gos de Declaração pela reclamada. 3. A posterior oposi-ção de Embargos de Declaração pela reclamada, moti-vada pela concessão de efeito modificativo aos Embar-gos de Declaração anteriormente opostos pela partecontrária, não acarreta, por si só, nenhum prejuízo àrecorrente, porquanto o recurso de revista foi regular-

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mente interposto após a publicação do acórdão do re-curso ordinário. 4. Tendo a reclamada se conformadocom o acréscimo à condenação decorrente da conces-são de efeito modificativo aos Embargos de Declaraçãoopostos pelo reclamante, não é razoável se exigir daparte a reiteração ou a repetição do ato anteriormentepraticado de forma regular.[...](E-ED-RR - 206600-55.1992.5.01.0010, Relator Ministro:João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 20/02/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais,Data de Publicação: DEJT 14/03/2014)

Na hipótese, o reclamante interpôs recurso de embargos paraa SbDI 1 sustentando a intempestividade do recurso de revista dareclamada, sob o argumento de que o apelo foi interposto antesda publicação do acórdão de embargos de declaração interpostospor ela mesma.

Salientou que, após a publicação do acórdão regional, a re-clamada interpôs recurso de revista e o reclamante opôs embargosde declaração. Diante do efeito modificado causado pelos embar-gos de declaração, a reclamada também opôs embargos de decla-ração, que não atingiram o propósito de reverter a modificaçãoimprimida.

Sustentou que o acórdão recorrido, ao deixar de declarar aintempestividade do recurso de revista, contrariou a súmula 434,itens I e II, da Corte (este por má aplicação), porque a reclamadadeveria ter interposto novo recurso de revista ou ratificar o recursoanterior após o julgamento dos embargos de declaração dela, oque não foi feito.

O caso amolda-se perfeitamente ao entendimento destacadoanteriormente no E-ED-RR - 103500-98.2009.5.16.0001, no sentidode que “é prematuro o recurso interposto na pendência de publi-cação de acórdão relativo a embargos de declaração apresentadospela mesma parte”.

Não obstante, numa análise muito criteriosa, o colegiado op-tou por desconsiderar os efeitos da oposição dos embargos de de-claração pela reclamada e afastar a contrariedade à súmula 434 doTST, em síntese, com base nos seguintes motivos:

A oposição dos Embargos de Declaração pela reclama-da, motivada pela concessão de efeito modificativo aosembargos de Declaração anteriormente opostos pelaparte contrária, não acarreta, por si só, nenhum prejuí-zo à recorrente, porquanto a interrupção do prazo re-sultou da oposição dos primeiros Embargos de Declara-ção pela parte adversa. Outrossim, tendo a reclamadase conformado com o acréscimo à condenação decor-

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rente da concessão de efeito modificativo aos Embar-gos de Declaração, não é razoável se exigir da partereiteração ou a repetição do ato anteriormente prati-cado de forma regular.

Aparentemente esse julgado ofende o princípio da unirre-corribilidade, da unicidade, ou da singularidade dos recursos,segundo o qual cada decisão judicial pode desafiar um recurso,à medida que um acórdão foi impugnado por meio de dois re-cursos da mesma parte: recurso de revista e embargos de decla-ração.

Contudo, o colegiado interpretou que o recurso de revista foiregularmente interposto após a publicação da decisão impugna-da, atacando capítulos da sentença diferentes daquele objeto dosembargos de declaração.

A ampliação da compreensão sobre a matéria não implicamenosprezo ao princípio adotado pelo sistema processual brasilei-ro, mas revela um esforço voltado para prestigiar o debate em tor-no do direito material, respeitar ao máximo os atos validamentepraticados pelas partes, sem excessiva preocupação com entravesprocessuais.

Oportuno destacar, para prevenir eventual e precipitada críti-ca à decisão, centrada no caráter protecionista da justiça laboral,que a ampliação do entendimento nesse processo preservou o co-nhecimento do recurso de revista do empregador, e não do em-pregado.

4.4 Viabilidade de evolução da jurisprudência

A obrigatoriedade de ratificação do recurso após o julgamen-to dos embargos de declaração da parte contrária é uma exigênciailógica, prejudicial ao jurisdicionado, sem qualquer sentido práti-co. O recorrente, que já não tinha qualquer pretensão perante ojuízo prolator da decisão recorrida, será afetado pela conduta daoutra parte, que ainda não estava plenamente satisfeita com a pres-tação jurisdicional daquela instância.

O não conhecimento do recurso por extemporaneidade nes-sas circunstâncias, a toda evidência, equivale a afirmar que a parteaceitou tacitamente a decisão, na contramão do comando do pa-rágrafo único do artigo 503 do CPC, que condiciona a aquiescên-cia tácita com uma decisão à prática de um ato incompatível com avontade de recorrer.

Nessa linha, se, após o julgamento dos embargos de declara-ção da parte contrária, não houve manifesta e inequívoca vontadedo recorrente em desistir do recurso já interposto, deve prevalecer

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a presunção de ratificação tácita, cabendo ao recorrente suportareventual ônus da não atenção ao princípio da dialeticidaderecursal.47

A jurisprudência trabalhista é prova da viabilidade jurídica dereconhecimento da tempestividade do recurso interposto quandoainda pendente julgamento de embargos de declaração da partecontrária, com a adoção dos princípios no ordenamento jurídicopara seguir uma interpretação menos restritiva das normas proces-suais.

O Ministro Luiz Fux, no julgamento do REsp 776265/SC, quan-do ainda era membro do STJ, emitiu um sensato juízo sobre a ques-tão:

Sr. Presidente, gostaria de pedir venia, porque entendia colocação do Sr. Ministro Ari Pargendler. Na essência,uma parte vai ser prejudicada porque a outra precisoude esclarecimento e ela se deu por esclarecida. Então,ela ofereceu o seu recurso especial. E a outra, que pre-cisava ainda se esclarecer, ofereceu embargos de decla-ração. Então, se entendemos que o recurso especial dequem interpôs em primeiro lugar, e tem necessidade deum esclarecimento, fica considerado intempestivo por-que os embargos de declaração da outra parte aindanão foram julgados, isso é o mesmo que imputar a umaparte o prejuízo causado pela outra. Então, cada partecuida do seu recurso; se não há necessidade de a outraparte aguardar o esclarecimento de que a outra plei-teou tanto que ela se encontra plenamente esclarecida,por isso que recorreu, não se pode considerar o seu re-curso intempestivo.

Nesse mesmo julgado, o pronunciamento do Ministro AriPargendler nos assegura que não é mera retórica a preocupaçãocom a negativa de prestação jurisdicional, externada ao longo desteensaio. Importa sublinhar a solução que propõe:

47 “Súmula nº 422 do TST - RECURSO. APELO QUE NÃO ATACA OS FUNDA-MENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. NÃO CONHECIMENTO. ART. 514, II, doCPC - Não se conhece de recurso para o TST, pela ausência do requisito deadmissibilidade inscrito no art. 514, II, do CPC, quando as razões do recorren-te não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em quefora proposta.”STF “Súmula nº 284 - Recurso Extraordinário - Admissibilidade - Deficiênciana Fundamentação - Compreensão da Controvérsia - É inadmissível o recur-so extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitira exata compreensão da controvérsia.”STJ “Súmula nº 182 - Agravo - Fundamentos da Decisão Agravada - É inviávelo agravo do Art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os funda-mentos da decisão agravada.”

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Sr. Presidente, a técnica do recurso especial não podeser levada a tanta sofisticação, a ponto de chegarmos anão conhecer de nenhum recurso. A meu Juízo, a ques-tão é simples: publicado o acórdão, a parte que nãotiver o propósito de opor embargos de declaração játem o direito de interpor o recurso. Ora, se a outra par-te opuser embargos de declaração, duas situações sepõem: primeiro, não há modificação do julgado; nessecaso, não há necessidade de reiteração, figura não pre-vista no código. Se houver a modificação, estará preju-dicado o recurso, se não for interposto outro. (Grifosnossos).

Conclusão

A presença de conflitos de interesses é um traço característicoda vida em sociedade, uma nódoa indelével da história da huma-nidade, marcada pelo cultivo da violência em suas múltiplas faces:guerras, regimes totalitários, abusos de poder, intolerâncias, desi-gualdades sociais.

Os férteis campos do subdesenvolvimento socioeconômico sãoum dos principais fatores responsáveis pelo aprofundamento dosconflitos sociais nas áreas Cível, Penal, Trabalhista, Administrativa,Tributária, Previdenciária.

No Brasil, onde a inobservância de basilares direitos é umaconstante na esfera pública e nas relações privadas, o Poder Judici-ário ainda é a instituição da República que desfruta de elevadoprestígio e confiabilidade entre os cidadãos.

É inconteste a importância da adoção de medidas para contero crescente volume de recursos recebidos nos tribunais pátrios, taiscomo o instituto da repercussão geral no STF, criado pela Lei 11.418/2006, e a instituição do julgamento uniforme de recursos repetitivosno STJ, Lei nº 11.672/2008, especialmente voltados para a celeridadeprocessual.

Contudo, não é razoável controlar o acervo de processos pormeio de uma jurisprudência defensiva, notadamente caracteriza-da pela exacerbação da forma, com um proposital desvirtuamentoda finalidade do processo, redirecionado para servir de obstáculoà solução de mérito das questões.

Além de contrariar as expectativas dos jurisdicionados, essasmedidas afetam sobremaneira o propósito do próprio legislador,que não assentou nos diplomas legais nenhum dos incontáveisóbices processuais criados pelos tribunais.

O decreto de intempestividade dos recursos prematuros nãoencontra guarida na legislação processual vigente ou em qualquerprincípio de direito. Não há razão plausível que justifique e ampa-

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RECURSOS PREMATUROS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

re a discrepância de entendimentos entre os Tribunais Superiores,que, mutatis mutandis, estão sob regência de idêntico regramentoprocessual.

Não há qualquer pretensão de mitigar a independência e aautonomia intelectual dos julgadores, mas somente cobrar deci-sões vinculadas às regras de direito processual e material vigentes,com especial valoração dos princípios do devido processo legal eda instrumentalidade das formas, julgamentos sem surpresas, umpleno acesso ao Poder Judiciário.

Referências

DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA,Leonardo José Carneiro. Curso deDireito Processual Civil: Meiosde Impugnação às Decisões Judici-ais e Processo nos Tribunais. 6ª ed.Salvador: JusPODIVM, 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel.Tempestividade dos Recursos. Re-vista Dialética de Direito Pro-cessual, São Paulo, n. 16, p. 9-23,nov. 2003.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra.Curso de Direito Processual doTrabalho. 3ª ed. São Paulo: LTR,2005.

MACHADO, Hugo de Brito.Extemporaneidade de Recurso Pre-maturo. Revista Dialética de Di-reito Processual, São Paulo, n. 8,p. 58-66, nov. 2003.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Res-trições ilegítimas ao conhecimen-to dos recursos. Revista Forense,Rio de Janeiro, n. 386, p. 153-162,jul./ago. 2006.

NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA,José Roberto Ferreira. Código deProcesso Civil e legislação pro-cessual em vigor. 40ª ed. SãoPaulo: Saraiva, 2008.

NERY JR., Nelson. Princípios doProcesso Civil na ConstituiçãoFederal. 9ª ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2009.

NETTO, Nelson Rodrigues. Os“Quora” nos Tribunais Superiorese a Legitimidade de seus preceden-tes: a Decisão sobre o Recurso Pre-maturo no Superior Tribunal deJustiça. Revista Dialética de Di-reito Processual, São Paulo, n.78, p. 70-80, set. 2009.

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DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Da TR como índice de correçãomonetária na

Justiça do Trabalho

Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de SouzaAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Pós-Graduado em Direito Notarial e Registralpela Anhanguera-Uniderp

Pós-Graduado em Direito Tributário pela UNPPós-Graduado em Direito Constitucional pela UNP

RESUMO

O Conselho Superior da Justiça do Trabalho pacificou o temada correção monetária na esfera do processo do trabalho. Atravésda Resolução 08/2005, consolidou-se o entendimento de ser a TR oíndice a ser utilizado na correção dos débitos trabalhistas. Nãoobstante, após decisão do Supremo Tribunal Federal envolvendo otema de compensação tributária em precatórios, a matéria deixoude ser uníssona em alguns Tribunais Regionais. Há quem defendaa utilização de índices diversos do acima exposto. No decorrer dopresente artigo, demonstrar-se-á a imperiosidade de manutençãoda TR para o consectário em apreço.

Palavras-chave: Processo do trabalho. Correção monetária.TR. INPC.

ABSTRACT

The Superior Council of the Labor Court consolidated its standon the matter of monetary correction or adjustment in the fieldof labor procedural law. By means of resolution 08/2005, the “TR”has been consolidated as the Index to be applied for the purposeof calculating the correction or adjustment on debts derived fromthe labor law. Nevertheless, after the Federal Supreme Court (STF)decision concerning the offsetting of taxes in writs of payment(precatórios), this matter is no longer unified in some regionalcourts. There are those who defend the use of different Indexfrom the one addressed above. The present article seeks todemonstrate the need to maintain the “TR” for the outcome inquestion.

Keywords: Labor procedural law. Monetary correction oradjustment. TR. INPC.

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DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA ARTIGO

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Introdução

O presente estudo tem por desiderato traçar algumas conside-rações iniciais sobre a correção monetária, bem como destacar arespeito da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida nas ADIs4.357 e 4.425 e a sua influência (ou não) sobre os rumos da corre-ção monetária no âmbito da Justiça do Trabalho.

Tem-se por fito demonstrar que a aludida decisão do Supremoversava sobre precatórios, não tendo qualquer correlação lógicacom a sistemática hoje existente na esfera trabalhista.

O tema enfrentado possui importante relevo na execução tra-balhista, pois já está sendo objeto de debates nos Tribunais Regio-nais, em especial no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Re-gião.

1 Breves considerações sobre a correção monetária

A correção monetária nem sempre existiu em nosso sistemajurídico, mas exsurgiu da história inflacionária brasileira, em decor-rência da desvalorização sistemática da moeda. Para o MinistroMoreira Alves (apud ASSIS, 2011, grifos nossos), a correção mone-tária é um dos grandes vilões da inflação:

Esse foi o grande mal que se fez ao Brasil com a adoçãoda correção monetária institucionalizada. Criou-se amentalidade de que onde há inflação não se pode so-breviver sem correção monetária, embora não hajanenhum País do mundo que tenha adotado essa políti-ca. A Alemanha, na segunda década do século, quandoa inflação era muito mais grave do que a nossa, nãoadotou correção monetária institucionalizada, até por-que os alemães sabiam que isto é a pior das pragas,pela circunstância de que a correção monetária éfator realimentador da inflação, além de criar esta-do psicológico favorável a ela, com a falsa sensação deenriquecimento que ela propicia. Para combater a in-flação, para se sentir na carne os males da inflação, deimediato, é preciso acabar com a correção monetária.Então combate-se a inflação, porque todos sofrem; sónão sofre o devedor relapso. A correção monetária éum jeitinho de convivência com a inflação. Adesindexação total torna indispensável o efetivo com-bate à inflação, sem que os menos favorecidos sejamengodados com a ilusão do enriquecimento pelas ca-dernetas de poupança, nem que o capital seja desviadopara a ‘ciranda financeira’. Ademais, a verdadeira atu-alização monetária só se faz com um índice que delamais se aproxime e não, evidentemente, com diversoscomo tivemos, pois a simples multiplicidade mostra que

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ou todos são falsos pelos métodos e expurgos que seadotam para chegar a eles, ou só um é que se aproximada realidade e os demais são elementos de manobra(ADIn 493-0/91, RT 690/187).

Segundo Assis (2011), a correção monetária foi criada parapreservar o valor real do crédito. Wald (1959, p. 81) obtempera,verbo ad verbum:

Na realidade, nenhuma dessas cláusulas garante, demodo absoluto, o credor contra a desvalorização da dí-vida. Não é só a moeda nacional que oscila, tambémpode oscilar o valor do ouro e das moedas estrangeiras.A cláusula de escala móvel, que fixa o quantum da dívi-da, em relação ao índice de variação do custo de vida oudos salários ou de algumas mercadorias, atenderia me-lhor ao anseio de dar certa estabilidade à dívida mone-tária, de manter o seu poder aquisitivo, ou seja, o seuvalor. Como o valor da moeda varia em proporção in-versa aos preços, a cláusula de escala móvel, que fizessevariar certa obrigação de acordo com o índice de custode vida, alcançaria o seu objetivo, que é a estabilidade ea segurança.

A correção monetária restou instituída em nosso país atra-vés da Lei Federal nº 4.357, de 16 de junho de 1964, ocasião emque foi criada a ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Na-cional).

Dias (2000) alude:

Nesse quadrante, as construções pretorianas sempreexplicitaram que a correção monetária não constituiparcela que se agrega ao principal, mas simples recom-posição do valor e poder aquisitivo do mesmo. Trata-se,na verdade, de adequação numérica do valor monetá-rio aviltado pela inflação.

Por conseguinte, a correção monetária surgiu no Brasil emdecorrência da inflação, objetivando preservar o poder aquisiti-vo da moeda.

2 Da adoção da TR como índice de correção monetáriapelo CSJT

O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), com odesiderato de pacificar a jurisprudência, unificar procedimentos eproporcionar segurança jurídica, editou a Resolução 08/2005, aqual, em síntese, determina ser a TR (Taxa Referencial) o índicede correção monetária a ser adotado nos processos trabalhistas.

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Pela Resolução mencionada, foi criada e aprovada a Tabelaúnica para atualização e conversão dos débitos trabalhistas, a serutilizada em todos os cálculos de débitos trabalhistas no âmbito daJustiça do Trabalho. Essa tabela é atualizada, mensalmente, pelaTR. Reza a norma:

Art. 1º. É aprovada a Tabela Única para Atualização eConversão de Débitos Trabalhistas, constante do AnexoI, que será aplicada na elaboração de todos os cálculosde débitos trabalhistas no âmbito da Justiça do Traba-lho. § 1º: A Tabela Única será disponibilizada a todos os inte-ressados nos sítios da internet do Conselho Superior daJustiça do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho. 2º. Caberá à Assessoria Econômica do Tribunal Superiordo Trabalho: I - promover a atualização da Tabela Única, até o tercei-ro dia útil de cada mês, de acordo com a variação da TR,ou mediante outro índice por que venha a ser substitu-ída, do dia 1º ao último dia de cada mês; II - incorporar os novos coeficientes de atualização mo-netária à Tabela Única disponibilizada na forma do §1º. Art. 2º. É aprovado, integrado pela Tabela Única a quese refere o art. 1º, o Sistema Único de Cálculos da Justi-ça do Trabalho - SUCJT (versão 2.4), que serádisponibilizado a todos os interessados nos sítios dainternet do Conselho Superior da Justiça do Trabalho edo Tribunal Superior do Trabalho. Art. 3º. A Tabela Única para Atualização e Conversãode Débitos Trabalhistas vigerá a partir de 1º de novem-bro de 2005 e sucederá a todas as demais tabelas afinseditadas pelos Tribunais Regionais do Trabalho.

Indubitavelmente, a Resolução em testilha recebe amparo noartigo 39 da Lei Federal nº 8.177/91 (publicada em 01 de março de1991), que estabelecia a TRD (Taxa Referencial Diária) como índicede correção monetária dos débitos trabalhistas. A TRD foi substitu-ída pela TR, com supedâneo na Lei Federal nº 8.660/93 (publicadaem 28 de maio de 1993).

A TR é aplicada na Tabela de Fatores de Atualização e Conver-são de Débitos Trabalhistas (FACDT), a qual se constitui em lista deatualização diária dos débitos trabalhistas.

Outrossim, consoante dispôs o Ministério Público Federal noparecer de lavra do eminente Procurador da República Dr. AndréPimentel Filho:

Declarar o direito à determinada correção monetária,como cláusula ínsita ao direito de propriedade, e assimincentivar a indexação de preços, é abrir espaço para a

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insegurança jurídica e para a desvalorização disfuncionalda moeda.Deveria o Poder Judiciário reconhecer que o assunto éintrinsecamente complexo, naturalmente da esfera deespecialistas, deixando para o legislador a tarefa de dis-por sobre os índices, prima facie válidos desde que nãopatente abuso consistente na expropriação de valoresou no desrespeito a direitos adquiridos. Afora essas hi-póteses, em que seria cabível intervenção jurisdicionalpara a preservação de axiomas constitucionais, ao legis-lador deveria ser facultado, livremente, a escolha deíndice de atualização da moeda, mesmo porque não éraro em determinadas situações, para o bem comumda economia, a imposição de medidas de restrição deliquidez (e de redução dos níveis de indexação), parasalvaguardar a moeda.A primeira dificuldade do Judiciário se arvorar emdefinidor do melhor índice de correção monetária é aprópria e imanente intangibilidade de seu conceito econgêneres, como as distintas espécies de juros. Os ín-dices de inflação são sempre imperfeitos, relati-vos, na medida em que são uma média, tendo cadaqual uma metodologia. Gandra Martins, falando sobreas diferenças entre juros e correção monetária, reco-nhece que “não há conceito definitivo e absoluto nadoutrina sobre juros, visto que o nominalismo da moe-da, cujo empréstimo é remunerado por juros, pode seratingido por variados fatores”, e que “não há formafiel e absoluta para se medir a inflação, de tal maneiraque são inúmeros os indexadores capazes de,setorialmente, apresentar soluções parciais, conviven-do o País com inúmeros indexadores relativos, como oIPC, INVV, INPC, OTN, FGV, URP etc.” (parecer prolatadoem 07/02/2014, nos autos da ação coletiva nº2013.50.01.107229-7, que tramita perante a 4ª VaraFederal de Vitória, grifos nossos).

Dessa feita, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho,objetivando segurança jurídica, pacificação social e decisões equâ-nimes para os jurisdicionados, pacificou o tema da correção mone-tária na esfera trabalhista. Não obstante, tal decisão vem sendoinfundadamente questionada, em razão da decisão proferida nasADIs 4.357 e 4.425.

3 Da inaplicabilidade da decisão do STF ao processo dotrabalho

Em julgamento conjunto das ADIs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425,no Supremo Tribunal Federal, os Ministros declararam, em 2013, aparcial procedente das ações, julgando inconstitucional o regimede compensação de precatórios da forma prevista na Emenda Cons-

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titucional 62/2009 e determinando, quanto aos precatórios de na-tureza tributária, que fossem “aplicados os mesmos juros de moraincidentes sobre todo e qualquer crédito tributário”.

Sem dúvida, a decisão proferida não guarda qualquer relaçãológica ou fático-jurídica com o processo do trabalho, pois trata dedireito tributário. Efetivamente, ficou assentada, no acórdão, ainaplicabilidade da TR apenas no tocante à compensação tributá-ria através dos precatórios.

Ademais, a decisão do STF objetivou acabar com a distorçãoque estava ocorrendo. Enquanto credor, os créditos da FazendaPública estavam sendo corrigidos pela SELIC e, enquanto devedor,as dívidas da Fazenda eram corrigidas pela TR. Ineludivelmente,havia grande distorção nesse critério, havendo quebra do princí-pio da isonomia e do igual tratamento entre as partes. Assim, comrazão o Pretório Excelso. E importa destacar que a TR e a SELIC sãoinstrumentos bem distintos; enquanto o primeiro é um índice decorreção monetária, o segundo é um índice híbrido, que abarcacorreção monetária e também juros.

O que se percebe, diante desses fatos, são situações jurídi-cas distintas as tratadas na decisão do Supremo e a correção dosdébitos trabalhistas. E, como bem asseverou a advogada BiancaZoehler Baumgart Crestani nas razões de recurso de revista apre-sentadas na RT 0124000-13.2008.5.04.0016, em 14 de julho de2014:

Verifica-se que as pretensões abarcadas pela Resoluçãofustigada não se tratam [sic] de uma relação jurídico-tributária como no precedente da Corte ventilado. Odiscrímen fundamental e motivador da decisão do STF éque o crédito de precatórios poderá ser utilizado comoinstrumento de compensação de dívidas tributárias, cujosíndices de correção monetária alcançam patamares ma-nifestamente superiores aos de correção dosprecatórios. Tal fato importava na quebra da isonomiaentre o credor e o devedor, repita-se, para fins de com-pensação, mote da decisão do Supremo.

O grande erro da aplicação destemperada dessa decisão doSTF aos demais casos decorre da aplicação de situação sui generisdo regime de compensação de precatórios ao regime distinto epróprio da Justiça do Trabalho.

Gize-se: a decisão do STF não revogou, não declarou a ilegali-dade nem a inconstitucionalidade da TR, apenas a sua não aplica-ção a um caso peculiar, em que dois sistemas distintos de correçãode valor de débito eram utilizados. Assim, incorre em grave errodizer que a TR foi afastada do ordenamento jurídico.

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DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Transcreve-se parte do voto do Relator Ayres Britto1 na ADI4.425 (p. 19):

14. Prossigo neste voto para assentar, agora, ainconstitucionalidade parcial do atual § 12 do art. 100da Constituição da República. Dispositivo assimvernacularmente posto pela Emenda Constitucional nº62/2009:“§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitu-cional, a atualização de valores de requisitórios, apóssua expedição, até o efetivo pagamento, independen-temente de sua natureza, será feita pelo índice ofici-al de remuneração básica da caderneta de pou-pança, e, para fins de compensação da mora, incidirãojuros simples no mesmo percentual de juros incidentessobre a caderneta de poupança, ficando excluída a inci-dência de juros compensatórios.” (Grifou-se) [...]16. Observa-se, então, que, em princípio, o novo § 12 doart. 100 da Constituição Federal retratou a jurisprudên-cia consolidada desta nossa Corte, ao deixar mais clara:a) a exigência da “atualização de valores de requisitóri-os, após sua expedição [e] até o efetivo pagamento”; b)a incidência de juros simples “para fins de compensaçãoda mora”; c) a não incidência de juros compensatórios(parte final do § 12 do art. 100 da CF).Mas o fato é que o dispositivo em exame foi além: fixou,desde logo, como referência para correção monetária,o índice oficial de remuneração básica da caderneta depoupança, bem como, “para fins de compensaçãode mora”, o mesmo percentual de juros incidentes so-bre a caderneta de poupança. E contra esse plusnormativo é que se insurge a requerente.

Considerando a importância e relevância da decisão da ADI4.425 para o estudo do tema proposto, passa-se a transcrever ointeiro teor da ementa:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXE-CUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO.EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. [...] INCONS-TITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA.INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNI-MO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMEN-DAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º). CONSTITUCIO-NALIDADE DA SISTEMÁTICA DE “SUPERPREFERÊNCIA”A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDO-SOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO ÀDIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPOR-CIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIO-

1 Foi Relator do Acórdão. Aposentou-se em 17/11/2012, antes do término dojulgamento.

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NAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUECOMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃODO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIO-LAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTI-TUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE COMPENSAÇÃODE DÉBITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS EM PROVEI-TO EXCLUSIVO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARAÇO ÀEFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV), DES-RESPEITO À COISA JULGADA MATERIAL (CF, ART. 5ºXXXVI), OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART.2º) E ULTRAJE À ISONOMIA ENTRE O ESTADO E O PAR-TICULAR (CF, ART. 1º, CAPUT, C/C ART. 5º, CAPUT). IM-POSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICEDE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇACOMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃOAO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART.5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS EFINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DORENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMOÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉ-DITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUN-DOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMI-NAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTREDEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º,CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPE-CIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTI-TUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT),AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (CF, ART.2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT),À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADEDA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AODIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º,XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE. 1.A Constituição Federal de 1988 não fixou um interva-lo temporal mínimo entre os dois turnos de votaçãopara fins de aprovação de emendas à Constituição(CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetroobjetivo que oriente o exame judicial do grau de soli-dez da vontade política de reformar a Lei Maior. Ainterferência judicial no âmago do processo político,verdadeiro locus da atuação típica dos agentes doPoder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e ca-tegórico no que prevê o texto da Constituição Fede-ral. Inexistência de ofensa formal à Constituição bra-sileira. 2. O pagamento prioritário, até certo limite,de precatórios devidos a titulares idosos ou que se-jam portadores de doença grave promove, comrazoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situan-do-se dentro da margem de conformação do legisla-dor constituinte para operacionalização da novel pre-ferência subjetiva criada pela Emenda Constitucionalnº 62/2009. 3. A expressão “na data de expedição doprecatório”, contida no art. 100, §2º, da CF, com reda-

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DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

ção dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporalpara a aplicação da preferência no pagamento de ido-sos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os ci-dadãos credores da Fazenda Pública, na medida emque discrimina, sem qualquer fundamento, aquelesque venham a alcançar a idade de sessenta anos nãona data da expedição do precatório, mas sim posteri-ormente, enquanto pendente este e ainda não ocor-rido o pagamento. 4. O regime de compensação dosdébitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios,previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da ConstituiçãoFederal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça aefetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desres-peita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI),vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofen-de a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF,art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrá-tico de Direito (CF, art. 1º, caput). 5. A atualizaçãomonetária dos débitos fazendários inscritos emprecatórios segundo o índice oficial de remuneraçãoda caderneta de poupança viola o direito fundamen-tal de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida emque é manifestamente incapaz de preservar o valorreal do crédito de que é titular o cidadão. A inflação,fenômeno tipicamente econômico-monetário, mos-tra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante),de modo que o meio escolhido pelo legislador consti-tuinte (remuneração da caderneta de poupança) éinidôneo a promover o fim a que se destina (traduzira inflação do período). 6. A quantificação dos jurosmoratórios relativos a débitos fazendários inscritosem precatórios segundo o índice de remuneração dacaderneta de poupança vulnera o princípio constituci-onal da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobredébitos estatais de natureza tributária, pela discrimi-nação em detrimento da parte processual privada que,salvo expressa determinação em contrário, respondepelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mêsem favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). De-claração de inconstitucionalidade parcial sem redu-ção da expressão “independentemente de sua natu-reza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela ECnº 62/09, para determinar que, quanto aos precatóriosde natureza tributária, sejam aplicados os mesmosjuros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédi-to tributário. 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, comredação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir asregras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetá-ria e à fixação de juros moratórios de créditos inscri-tos em precatórios, incorre nos mesmos vícios dejuridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, ra-zão pela qual se revela inconstitucional porarrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6supra. 8. O regime “especial” de pagamento de

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precatórios para Estados e Municípios criado pela ECnº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dosdébitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor ocontingenciamento de recursos para esse fim, viola acláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º,caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º),o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do aces-so à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF,art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF,art. 5º, XXXVI). 9. Pedido de declaração de inconstitu-cionalidade julgado procedente em parte.

De outra banda, impende destacar que o próprio STF, no Re-curso Extraordinário nº 226.855, já se manifestara pela legalidadeda TR como índice de correção monetária no regime do FGTS (Fun-do de Garantia do Tempo de Serviço), como se verifica na decisãoabaixo:

EMENTA: Fundo de Garantia por [sic] Tempo de Servi-ço - FGTS. Natureza jurídica e direito adquirido. Cor-reções monetárias decorrentes dos planos econômi-cos conhecidos pela denominação Bresser, Verão,Collor I (no concernente aos meses de abril e de maiode 1990) e Collor II. - O Fundo de Garantia por [sic]Tempo de Serviço (FGTS), ao contrário do que sucedecom as cadernetas de poupança, não tem naturezacontratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Leie por ela ser disciplinado. - Assim, é de aplicar-se a elea firme jurisprudência desta Corte no sentido de quenão há direito adquirido a regime jurídico. - Quanto àatualização dos saldos do FGTS relativos aos Planos Ve-rão e Collor I (este no que diz respeito ao mês de abril de1990), não há questão de direito adquirido a ser exami-nada, situando-se a matéria exclusivamente no terrenolegal infraconstitucional. - No tocante, porém, aos Pla-nos Bresser, Collor I (quanto ao mês de maio de 1990) eCollor II, em que a decisão recorrida se fundou na exis-tência de direito adquirido aos índices de correção quemandou observar, é de aplicar-se o princípio de que nãohá direito adquirido a regime jurídico. Recurso extraor-dinário conhecido em parte, e nela provido, para afas-tar da condenação as atualizações dos saldos do FGTSno tocante aos Planos Bresser, Collor I (apenas quanto àatualização no mês de maio de 1990) e Collor II.

A Súmula 459 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por analo-gia, afiança a legalidade da TR como índice de correção monetária:

SÚMULA 459/STJ - A Taxa Referencial (TR) é o índiceaplicável, a título de correção monetária, aos débitoscom o FGTS recolhidos pelo empregador mas não re-passados ao fundo.

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DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Nessa seara argumentativa, podemos mencionar informaçãocontida no sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho –TST (http://www.tst.jus.br/web/guest/tabela-unica-debitos-traba-lhistas):

A atualização de débitos trabalhistas é definida no art.39 da lei 8.177/91, que não sofreu alteração com a lei12.703/12: tal lei modificou os parâmetros para cálculodos rendimentos da caderneta de poupança, mas nãoalterou a TR, índice-base para atualização monetária.

De outra banda, impende destacar a OJ 300 do SDI-1 do TST:

OJ-SDI1-300 EXECUÇÃO TRABALHISTA. CORREÇÃOMONETÁRIA. JUROS. LEI Nº 8.177/91, ART. 39, E LEINº 10.192/01, ART. 15 (nova redação) - DJ 20.04.2005.Não viola norma constitucional (art. 5°, II e XXXVI) adeterminação de aplicação da TRD, como fator de cor-reção monetária dos débitos trabalhistas, cumuladacom juros de mora, previstos no artigo 39 da Leinº 8.177/91 e convalidados pelo artigo 15 da Leinº 10.192/01.

De clareza solar, não houve revogação nem cancelamento daTR como índice oficial de correção monetária. Deixar, pois, de apli-car a taxa em apreço se configura em incorreção e ilegalidade, con-soante se exporá na seção seguinte.

4 Da violação ao princípio da legalidade

Ineludivelmente, a aplicação de outro índice de correção mo-netária que não a TR malfere o disposto nas Leis 8.177/91 e 8.660/93, as quais dão ampla legitimidade à Resolução 8/2005, do Con-selho Superior da Justiça do Trabalho.

Assim, as decisões que não aplicam a TR ferem o princípio dalegalidade, insculpido no artigo 5º, inciso II, da Constituição daRepública, in verbis: “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixarde fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Da alínea pétreada Constituição, observamos ser a lei a criadora de obrigações, de-veres e vedações, aos quais os indivíduos ficam adstritos. No caso, édireito do devedor efetuar o pagamento de seus débitos com aobservância dos índices corretivos previstos em lei; especificamen-te, nas Leis 8.177/91 e 8.660/93.

Alguns reclamantes sustentam a adoção do INPC (Índice Naci-onal de Preços ao Consumidor) ou do IPCA (Índice Nacional dePreços ao Consumidor Amplo) em substituição à TR. O TribunalRegional da Quarta Região, através da Orientação Jurisprudencial

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nº 49, adotou tese mista, isto é, TR até a data da decisão da ADImencionada e, após, INPC, in verbis:2

ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS TRABALHIS-TAS. A partir de 14 de março de 2013, o índice a serutilizado para atualização monetária dos débitos tra-balhistas deve ser o INPC, diante da declaração deinconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, naADI 4357, do uso da TR como fator de atualização mo-netária.

Para Aristóteles: “A paixão perverte os magistrados e os me-lhores homens: a inteligência sem paixão, eis a lei”. Assim, nalição do filósofo, a norma (in casu, a Resolução 08/2005) é a in-teligência sem paixão, devendo, pois, ser respeitada, sob penade arbítrio.

5 Da violação ao princípio da segurança jurídica

O uso de outro índice de correção monetária que não a TRquebra o princípio da segurança jurídica e o da uniformizaçãoprocedimental almejada pela Resolução 08/2005 do CSJT.

Do princípio da segurança jurídica decorrem os mais basilaresprincípios de Justiça. Observa Chacon (2003): “Tal princípio é com-posto por diversos institutos, tais como respeito aos direitos adqui-ridos, o devido processo legal, irretroatividade da lei, entre ou-tros”.

Citando Miguel Reale, Chacon (2003) anota que o princípioda segurança jurídica decorre da ideia de ordem e daobrigatoriedade de vigência do direito:

A segurança jurídica depende da aplicação, ou melhor,da obrigatoriedade do Direito. Miguel Reale, discorren-do acerca da obrigatoriedade ou a [sic] vigência do Di-reito, afirma que a idéia de justiça liga-se intimamenteà idéia de ordem. No próprio conceito de justiça é ine-rente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhe-cida como valor mais urgente, o que está na raiz daescala axiológica, mas é degrau indispensável a qual-quer aperfeiçoamento ético.

O autor aponta os elementos asseguradores da aplicação dasegurança jurídica:

2 A Orientação Jurisprudencial nº 49 do TRT4 foi editada pela Resolução nº 06/2014 do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (disponibilizada no DEJTdias 5, 6 e 9/06/2014, considerada publicada nos dias 6, 9 e 10/06/2014).

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DA TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Acerca dos elementos que dão efetividade ao princípio,temos que a segurança jurídica é assegurada pelos prin-cípios seguintes: irretroatividade da lei, coisa julgada,respeito aos direitos adquiridos, respeito ao ato jurídicoperfeito, outorga de ampla defesa e contraditório aosacusados em geral, ficção do conhecimento obrigatórioda lei, prévia lei para a configuração de crimes e trans-gressões e cominação de penas, declarações de direitose garantias individuais, justiça social, devido processolegal, independência do Poder Judiciário, vedação detribunais de exceção, vedação de julgamentos parciais,etc (CHACON, 2003).

Por conseguinte, a não utilização da Taxa Referencial malfereos princípios basilares da Resolução 08/2005 do CSJT: uniformiza-ção procedimental e segurança jurídica, além de afronta à legali-dade, conforme alhures destacado.

Conclusão

A utilização da TR como índice de correção monetária receberespaldo na Resolução 08/2005 do Conselho Superior da Justiça doTrabalho, bem como no artigo 39 da Lei Federal nº 8.177/91.

Gize-se: a decisão do STF não revogou, não declarou a ilegali-dade nem a inconstitucionalidade da TR, apenas a sua não aplica-ção a um caso peculiar.

A aplicação de outro índice de correção monetária que não aTR malfere o disposto nas Leis 8.177/91 e 8.660/93, as quais dãoampla legitimidade à Resolução 8/2005, do Conselho Superior daJustiça do Trabalho.

É direito do devedor efetuar o pagamento de seus débitoscom a observância dos índices corretivos previstos em lei; no caso,as Leis 8.177/91 e 8.660/93.

Referências

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DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA ARTIGO

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Recurso Extraordinário nº 226.855,Plenário. Recorrente: Caixa Econô-mica Federal. Recorridos: AdemarGomes Mora e outros. Ministro Rel-ator: Moreira Alves. Brasília. Datado julgado: 31 ago. 2000. Data dapublicação: 13 out. 2000. Disponí-vel em: <http://www.stf.jus.br/por-tal/jurisprudencia/visualizarEmen-ta.asp?s1=000099203&base=baseAcordaos>. Acesso em: 12 set. 2014.

CHACON, Paulo Eduardo de Fi-gueiredo. O princípio da segurançajurídica. Jus Navigandi, Teresina,

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DIAS, Luiz Claudio Portinho.Corre-ção monetária dos créditos trabalhis-tas em liquidação de sentença. JusNavigandi, Teresina, ano 5, n. 38, 1jan. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1262>. Acessoem: 6 set. 2014.

WALD, Arnold. A cláusula de es-cala móvel. 2ª ed. Rio de Janeiro:Editora Nacional de Direito, 1959.

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O MPT E E A EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO

O atual papel do Ministério Público doTrabalho brasileiro na efetivação dos

princípios da prevenção e da precauçãono meio ambiente do trabalho

Jeremias Pinto Arantes de SouzaAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalhopela Anhanguera-Uniderp

RESUMO

O presente trabalho trata do papel do Ministério Público doTrabalho na concretização dos postulados fundamentais daprevenção e da precaução no meio ambiente do trabalho. Noprimeiro capítulo, trazemos o ordenamento jurídico constitucional,legal e internacional que trata da matéria para melhor situarmoso leitor na necessidade de proteção ao meio ambiente do trabalhoque transcende a órbita doméstica. Já no segundo capítulo,discorremos sobre os princípios da prevenção e precauçãoressaltando sua aplicação no meio ambiente laboral com a descriçãode situações hipotéticas. E, finalmente, falamos da função doMinistério Público do Trabalho na defesa do direito fundamentalao meio ambiente do trabalho não poluído. Exemplificamos algunscasos concretos nesse sentido e concluímos o presente estudo.

Palavras-chave: Ambiental. Prevenção. Precaução. Trabalho.

ABSTRACT

This work deals with the role of the Ministry of Labor in theimplementation of the fundamental postulates of preventionand precaution in environmental work. In the first chapter wepassed through the constitutional, domestic and internationallaw that deal with the subject to better situate the reader inneed of environmental protection work that transcend the home.In the second chapter describes the principles of precaution andprevention emphasizing its application in the work environmentwith descriptions of hypothetical situations. And finally, we talkabout the role of the Public Ministry of Labor’s to defend thefundamental right of working environment without pollution.After exemplify some cases in this direction and conclude thisstudy.

Keywords: Environmental. Prevention. Caution. Work.

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JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA ARTIGO

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Introdução

Objetivando traçar um mapa para aplicação dos princípiosda prevenção e da precaução pelo Ministério Público do Traba-lho no que tange ao meio ambiente laboral, o presente trabalhopassa pela conceituação de meio ambiente do trabalho, pela fun-damentação no ordenamento jurídico nacional e internacionalda proteção ao ambiente laboral, pelo conceito e exemplos deaplicação dos princípios em questão e, derradeiramente, pela fun-ção do Ministério Público do Trabalho no sentido da finalidadealmejada.

Os princípios da prevenção e da precaução ambientais visamevitar que o dano decorrente do meio ambiente desequilibradoocorra. Assim, ambos exigem que haja ação antecipada que inibapossíveis efeitos danosos do ambiente poluído.

Para que possamos nos antecipar aos prejuízos que sofrem ostrabalhadores é preciso informações referentes a pesquisas científi-cas sobre os efeitos negativos da atividade laboral considerada comsuas especificidades.

Justamente aí é que reside a distinção das normas estruturantesem estudo, na certeza científica do dano que existe quando se tra-ta de prevenção e na incerteza do dano que ocorre no que dizrespeito à precaução. O princípio da precaução trabalha com aausência de pesquisas científicas conclusivas sobre os efeitos da ati-vidade adotando o in dubio pro ambiente, ou seja, não se esperao dano acontecer para que haja prevenção. A inexistência de co-nhecimentos dos efeitos impede a atividade econômica de serexercida.

As normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionaispreveem algumas hipóteses de aplicação desses princípiosconsubstanciando o mínimo necessário para irmos ao encontro doatributo da dignidade da pessoa humana.

Cabe ao Ministério Público do Trabalho, além de buscar aprevalência desse mínimo de dignidade (leia-se normas constituci-onais, infraconstitucionais e internacionais), adotar medidas quedeem máxima efetividade aos postulados fundamentais da preven-ção e da precaução no âmbito do ambiente do trabalho.

1 Conceito do meio ambiente do trabalho

A conceituação de meio ambiente do trabalho abarca todolugar onde é realizado qualquer tipo de atividade laborativa. Nes-ses ambientes serão considerados fatores de ordem física, química,biológica, mecânica, cultural, psicológica etc.

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Nesse sentido, falamos de irrelevância da adjetivização do tra-balho. Em outras palavras, a proteção ao ambiente laboral saudá-vel é direito de todos os trabalhadores, independentemente devínculo jurídico. Com base no direito fundamental à higidezambiental e em princípios constitucionais como a igualdade, nãopodemos tratar trabalhadores de forma diversa em razão do víncu-lo jurídico trabalhista quando falamos de meio ambiente do tra-balho, uma vez que todos que ali se encontram sofrerão os efeitosnegativos de eventual poluição ambiental.

Oportuna se faz aqui a indicação de precedente do SupremoTribunal Federal ao decidir que a competência para tratar de ma-térias relativas a servidores estatutários é da Justiça Comum, repar-tindo a competência em razão do vínculo jurídico trabalhista:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Com-petência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconheci-da. Causas entre o Poder Público e seus servidoresestatutários. Ações que não se reputam oriundas derelação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Fei-tos da competência da Justiça Comum. Interpretaçãodo art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004.Precedentes. Liminar deferida para excluir outra inter-pretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição daRepública, não abrange as causas instauradas entre oPoder Público e servidor que lhe seja vinculado por rela-ção jurídico-estatutária. (ADI 3395 – MC/DF).

Contudo, excepcionando a regra, não é da competência daJustiça Comum ação relativa a meio ambiente do trabalho (causade pedir normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhado-res), ainda que envolva servidores estatutários, conforme sedepreende da súmula 736 desse mesmo Supremo Tribunal: “Com-pete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causade pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à se-gurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.

Portanto, a Suprema Corte corrobora o entendimento de queo vínculo jurídico inerente ao trabalhador e empregador não érelevante quando tratamos do princípio fundamental do meioambiente saudável.

Ainda dentro da definição de meio ambiente do trabalhoencontra-se a sua classificação nas seguintes dimensões: stricto sensu,lato sensu e de terceiros. A primeira diz respeito ao local onde,tradicionalmente, se exerce o ofício, a exemplo do escritório deadvogado, consultório de médico, jardim para jardineiro, residên-cia para doméstica etc. Já a segunda engloba também os locais dedescanso e de trânsito dentro do estabelecimento laboral como,por exemplo, um pátio de estacionamento e uma cantina. O últi-

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JEREMIAS PINTO ARANTES DE SOUZA ARTIGO

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mo se traduz no meio ambiente de terceiros que é atingido pelasexternalidades de outro meio ambiente do trabalho. Por exemplo,meio ambiente de agricultores que é atingido pelos resíduos lan-çados por fábrica poluente.

O elemento teleológico da tutela ao ambiente de trabalhorelaciona-se com a saúde do trabalhador. A concretização do direi-to a uma vida com dignidade está umbilicalmente ligada à ideiade qualidade de vida e para que isso ocorra é essencial um meioambiente equilibrado e com higidez. Ademais, não podemos es-quecer que a efetivação de um ambiente laboral saudável geraefeitos positivos para toda a sociedade como, por exemplo, a dimi-nuição da demanda previdenciária decorrente de acidentes do tra-balho.

2 Normas relativas ao meio ambiente do trabalho

2.1 Previsão constitucional do meio ambiente laboral

O caput do artigo 225 do Texto Maior traz a regra matriz sobremeio ambiente (conceito que abrange o ambiente laboral), da qualdecorrem todos os demais princípios e normas ambientais.

Ao lado do caput do artigo em questão temos normas de ga-rantia e efetivação previstas no parágrafo primeiro e normas espe-cíficas previstas nos parágrafos segundo a sexto.

O direito ao meio ambiente não poluído vem assim previstoconstitucionalmente:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi-camente equilibrado, bem de uso comum do povo e es-sencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao PoderPúblico e à coletividade o dever de defendê-lo epreservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Ressaltando seu caráter difuso, o início do texto constitucionalnos traz a informação de que o ambiente com higidez é direito de“todos”, ou seja, de uma universalidade de pessoas, de brasileirose estrangeiros residentes ou não no País, de homens e mulheres,de brancos, negros e índios, de todos que se encontrem naquelelugar.

Conforme Machado (2007, p.118): “Todos têm direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado. O direito ao meio ambien-te equilibrado é de cada um, como pessoa humana, independen-temente da sua nacionalidade, raça, sexo, idade, estado de saúde,profissão, renda ou residência”.

Ao dispor que “todos têm direito”, a Constituição estabeleceum direito público subjetivo ao ambiente saudável que é oponível

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O MPT E E A EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO

erga omnes. Consequentemente, o indivíduo pode exigir respeitoa essa prerrogativa tanto dos particulares como do Estado.

Nas palavras do mesmo autor: “A locução ‘todos têm direito’cria um direito subjetivo, oponível erga omnes, que é completadopelo direito ao exercício da ação popular ambiental” (MACHADO,2007, p. 118-119).

A menção a “meio ambiente ecologicamente equilibrado” nosremete ao meio ambiente não poluído, ao meio ambiente comhigidez e salubridade.

Faltou tecnicismo ao legislador constitucional na conceituaçãode meio ambiente quando o trata como “bem de uso comum dopovo” (espécie de bem público), pois não se trata de um bem doEstado. Estamos diante de um bem difuso, um bem jurídico autô-nomo que foge ao conceito de bem jurídico, na medida em quenão é possível a sua disposição.

Terminando nossa análise do artigo 225 do Texto Supremo,destacamos que o meio ambiente ecologicamente equilibrado (pre-visto primeiramente na convenção sobre o meio ambiente deEstolcomo em 1972 como direito humano) é relacionado à sadiaqualidade de vida, o que demonstra a sua relevância na efetivaçãodo atributo da dignidade da pessoa humana (fundamento da Re-pública Federativa do Brasil e de todos os direitos fundamentais).

Passamos agora para os artigos 5º, XXIII, 170, VI, e 186, II, to-dos do Diploma Fundamental. A proteção ao meio ambiente é prin-cípio expresso da ordem econômica (170, VI), o que deixa implícitaa previsão do princípio do desenvolvimento sustentável. Ora, se aordem econômica deve levar em conta a proteção do meio ambi-ente, isso significa que essa proteção é um elemento interno da-quela, o que caracteriza a concretização da sustentabilidade daatividade econômica.

No que tange à função social da propriedade (5º, XXIII), a fi-nalidade constitucional é preservar o interesse público primário, oque denota uma alteração de paradigma do individual para o co-letivo. Não é possível uma interpretação constitucional que nãotraga a proteção ao meio ambiente como elemento de cumpri-mento dessa função social. O ambiente em que vivemos é um bemde todos, é um bem difuso cuja proteção tem por essência o inte-resse público. Além disso, ao tratar da propriedade rural, é previ-são constitucional expressa a proteção ambiental como um dos re-quisitos para cumprimento da função social (186, II).

Além dos artigos estudados nos dois parágrafos anteriores, aconstituição prevê, especificamente, a proteção ao meio ambientelaboral em diversas passagens, as quais, nesse momento, passamosa indicar.

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No artigo 200, VIII, a Carta Magna trata do campo de atuaçãodo sistema único de saúde e faz menção expressa ao meio ambien-te do trabalho, exigindo do Poder Público uma atuação eficientenessa área.

Quando determina os direitos do trabalhador no artigo 7º, aConstituição estabelece em seus incisos XXII, XXIII e XXVIII, respecti-vamente, direito à saúde, higiene e segurança do trabalho; direitoa adicionais por trabalho insalubre ou perigoso; e direito a segurocontra acidente de trabalho sem prejuízo da indenização. Com isso,impõe a proteção integral ao meio ambiente laboral. Repare-seque a ordem dos incisos é lógica, primeiro exige-se a redução dosriscos, quando não for possível, adicionais sobre o salário para com-pensação dos riscos não passíveis de redução e, por fim, caso o danoefetivamente ocorra, determina-se o direito à previdência social eà indenização pelo dano ocorrido.

É comum quando tratamos de ambiente laboral falar-se ape-nas em adicionais, auxílios sociais e indenização, contudo isso im-plica uma monetização do risco, o que não é saudável nem para osistema nem para a sociedade. Este trabalho tem o escopo de de-monstrar que é preciso se evitar ao máximo essa patrimonialização,pretendemos, através da aplicação dos princípios da prevenção eda precaução, evitar que o dano ocorra. Exemplos positivos nessesentido já ocorrem, a exemplo das inspeções prévias previstas naConsolidação das Leis do Trabalho, de exames médicos periódicos,de paralisação de obras em que há risco de acidente, da utilizaçãode equipamentos de proteção individual e coletiva etc.

Sabemos que o direito ambiental laboral lida, muitas vezes,com casos trágicos. Percebemos que o trabalho insalubre é social-mente necessário (imagine uma sociedade sem médicos, por exem-plo) e que não é possível que tal atividade seja totalmenteautomatizada. O que defendemos aqui é que haja um maior in-vestimento por toda a sociedade (leia-se Estado e particulares) paraminimizar os efeitos negativos dessa atividade para a saúde do tra-balhador.

2.2 Previsão no ordenamento jurídico internacional do meioambiente laboral

Ao tratarmos das normas internacionais sobre meio ambientedo trabalho, é importante apontar os três marcos históricos no pro-cesso de internacionalização dos direitos humanos.

Em princípio, correspondendo à primeira ocasião em que osEstados Soberanos perceberam a necessidade de direitos fora doâmbito doméstico, surge o direito humanitário que é revelado atra-

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O MPT E E A EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO

vés das convenções de Genebra referindo-se à proteção de pessoasna guerra. A primeira convenção dessa espécie foi organizada deforma não oficial em 1863, relacionando-se com os serviços sanitá-rios nos exércitos em campanha. No ano de 1864 nasce a Conferên-cia de Genebra como a primeira Convenção de Genebra oficialdeterminando que feridos e doentes em guerra sejam tratados deforma indiscriminada. A partir daí, hospitais e ambulâncias são pro-tegidos de atentados e reconhecíveis através do símbolo da cruzvermelha com o fundo branco. A primeira aplicação efetiva dessaconvenção se deu durante a Primeira Guerra Mundial.

Caracterizando o segundo marco histórico, é criada a Ligadas Nações no fim da Primeira Guerra Mundial em 1919. Desdeentão, o direito à proteção dos direitos humanos para além daesfera doméstica se estende para todos os casos, e não só nos ca-sos de guerra.

Finalmente, as convenções da Organização Internacional doTrabalho (órgão criado com a Liga das Nações em 1919) refletem oterceiro momento histórico que deu origem à tutela internacionaldos direitos da pessoa humana.

Conforme Mazzuoli (2010, p.757):

O ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’(International Human Rights Law), fonte da modernasistemática internacional de proteção de direitos, temcomo seu primeiro e mais remoto antecedente históri-co os tratados de paz de Westfália de 1648, que coloca-ram fim a Guerra dos Trinta Anos. Mas pode-se dizerque os precedentes históricos mais concretos do atualsistema internacional de proteção desses mesmos di-reitos são o Direito Humanitário, a Liga das Nações e aOrganização Internacional do Trabalho, situados peladoutrina como os marcos mais importantes da forma-ção do que hoje se conhece por arquitetura internacio-nal dos direitos humanos.

A flexibilização do conceito tradicional de soberania, a mu-dança de posições das agendas externas dos Estados com muitomais temas de direitos humanos e o indivíduo passando a ser sujei-to de direito internacional público ao lado de Estados e Organiza-ções Internacionais são questões que contribuíram substancialmentepara que ocorresse o processo de internacionalização dos direitoshumanos.

Dentro desse panorama, apresentam-se quatro instrumentosbásicos do Sistema Global de Direitos Humanos: a) Carta da Orga-nização das Nações Unidas – ONU; b) Declaração Universal dos Di-reitos Humanos (que consiste na interpretação autêntica da expres-são direitos humanos constante na Carta da ONU); c) Pacto Inter-

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nacional dos Direitos Civis e Políticos; e d) Pacto Internacional dosDireitos Econômicos, Culturais e Sociais.

Ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, o Pacto Inter-nacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais traz previsãoexpressa do meio ambiente laboral:

Artigo 7º. Os Estados-partes no presente pacto reco-nhecem o direito de toda pessoa de gozar de condiçõesde trabalho justas e favoráveis, que assegurem especi-almente: [...] b) Condições de trabalho seguras e higiêni-cas; [...]

Artigo 12. 1. Os Estados-partes no presente Pacto reco-nhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o maiselevado nível de saúde física e mental. 2. As medidasque os Estados-partes no presente Pacto deverão ado-tar, como fim de assegurar o pleno exercício desse direi-to, incluirão as medidas que se façam necessárias paraassegurar: [...] b) A melhoria de todos os aspectos dehigiene do trabalho e do meio ambiente. [...]

A Convenção nº 148 da Organização Internacional do Traba-lho, promulgada no âmbito interno pelo Decreto nº 93.413/86,estabelece o direito dos trabalhadores à proteção de riscos ineren-tes ao lugar onde trabalham:

Artigo 4º. 1. A legislação nacional deverá dispor sobre aadoção de medidas no local de trabalho para prevenir elimitar os riscos profissionais devidos à contaminaçãodo ar, ao ruído e às vibrações, e para proteger os traba-lhadores contra tais riscos. 2. Para a aplicação práticadas medidas assim prescritas poder-se-á recorrer à ado-ção de normas técnicas, repertórios de recomendaçõespráticas e outros meios apropriados.

[...]

Artigo 7º. 1. Deverá obrigar-se aos trabalhadores a ob-servância das normas de segurança destinadas a preve-nir e a limitar os riscos profissionais devidos à contamina-ção do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho, e aassegurar a proteção contra tais riscos. 2. Os trabalhado-res ou seus representantes terão direito a apresentarpropostas, receber informações e orientação, e a recor-rer a instâncias apropriadas, a fim de assegurar a prote-ção contra riscos profissionais devidos à contaminação doar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho.

[...]

Artigo 9º. Na medida do possível, dever-se-á eliminartodo risco devido à contaminação do ar, ao ruído e às

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vibrações no local de trabalho: a) mediante medidastécnicas aplicadas às novas instalações e aos novos mé-todos de sua elaboração ou de sua instalação, ou medi-ante medidas técnicas aduzidas às instalações ou ope-rações existentes, ou quando isto não seja possível; b)mediante medidas complementares de organização dotrabalho.

[...]Artigo 12. A atualização de processos, substâncias, má-quinas ou materiais – que serão especificados pela auto-ridade competente – que impliquem exposição dos tra-balhadores aos riscos profissionais devidos à contamina-ção do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho,deverá ser comunicada à autoridade competente, a qualpoderá, conforme o caso, autorizá-la, de conformidadecom as modalidades determinadas, ou proibi-la.

[...]

Artigo 14. Deverão ser adotadas medidas, tendo emconta as condições e os recursos nacionais, para promo-ver a pesquisa no campo da prevenção e limitação dosriscos devidos à contaminação do ar, ao ruído e/ou àsvibrações no local de trabalho.

Cumpre asseverar que a participação dos trabalhadores na for-mulação de políticas preventivas (que só é possível garantindo-seacesso a informações) prevista no artigo 7º, item 2, vai ao encontroda efetivação do princípio da prevenção ambiental. Trata-se denorma emblemática na tradução do que se entende por democra-cia participativa.

A Convenção nº 155 da Organização Internacional do Traba-lho, introduzida no ordenamento doméstico pelo Decreto nº 1.254/94, trata da segurança, saúde e higiene do trabalho in verbis:

Artigo 4º. 1. Todo Membro deverá, em consulta às orga-nizações mais representativas de empregadores e detrabalhadores, e levando em conta as condições e a prá-tica nacionais, formular, pôr em prática e reexaminarperiodicamente uma política nacional coerente emmatéria de segurança e saúde dos trabalhadores e omeio ambiente de trabalho. 2. Essa política terá comoobjetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde queforem conseqüência do trabalho, tenham relação coma atividade de trabalho, ou se apresentarem durante otrabalho, reduzindo ao mínimo, na medida em que forrazoável e possível, as causas dos riscos inerentes aomeio ambiente de trabalho.

[...]

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Artigo 9º. O controle da aplicação das leis e dos regula-mentos relativos à segurança, à higiene e ao meio am-biente de trabalho deverá estar assegurado por um sis-tema de inspeção das leis ou dos regulamentos.

[...]

Artigo 12. Deverão ser adotadas medidas de conformi-dade com a legislação e a prática nacionais a fim deassegurar que aquelas pessoas que projetam, fabricam,importam, fornecem ou cedem, sob qualquer título,maquinário, equipamentos ou substâncias para uso pro-fissional: a) tenham certeza, na medida do razoável epossível, de que o maquinário, os equipamentos ou assubstâncias em questão não implicarão perigo algumpara a segurança e a saúde das pessoas que fizeremuso correto dos mesmos; b) facilitem informações sobrea instalação e utilização corretas do maquinário e dosequipamentos e sobre o uso correto de substâncias, so-bre os riscos apresentados pelas máquinas e os materi-ais, e sobre as características perigosas das substânciasquímicas, dos agentes ou dos produtos físicos ou biológi-cos, assim como instruções sobre a forma de prevenir osriscos conhecidos; c) façam estudos e pesquisas, ou semantenham a par de qualquer outra forma, da evolu-ção dos conhecimentos científicos e técnicos necessáriospara cumprir com as obrigações expostas nos itens a) eb) do presente artigo.

[...]

Artigo 14. Medidas deverão ser adotadas no sentido depromover, de maneira conforme à pratica e às condi-ções nacionais, a inclusão das questões de segurança,higiene e meio ambiente de trabalho em todos os ní-veis, médio e profissional, com o objetivo de satisfazeras necessidades de treinamento de todos os trabalha-dores.

[...]

Artigo 16. 1. Deverá ser exigido dos empregadores que,na medida que for razoável e possível, garantam que oslocais de trabalho, o maquinário, os equipamentos e asoperações e processos que estiverem sob seu controlesão seguros e não envolvem risco algum para a segu-rança e a saúde dos trabalhadores. 2. Deverá ser exigi-do dos empregadores que, na medida que for razoávele possível, garantam que os agentes e as substânciasquímicas, físicas e biológicas que estiverem sob seu con-trole não envolvem riscos para a saúde quando são to-madas medidas de proteção adequadas. 3. Quando fornecessário, os empregadores deverão fornecer roupase equipamentos de proteção adequados a fim de pre-

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venir, na medida que for razoável e possível, os riscos deacidentes ou de efeitos prejudiciais para a saúde.

[...]

Artigo 21. As medidas de segurança e higiene do traba-lho não deverão implicar nenhum ônus financeiro paraos trabalhadores.

Destaque-se que o artigo 13 determina o direito de interrup-ção do trabalho por parte do trabalhador caso haja perigo grave eiminente para sua saúde (princípio da exceção do contrato nãocumprido). Seguindo essa mesma finalidade legal (proteção da saú-de do trabalhador), é o que dispõe a Consolidação das Leis doTrabalho em seu artigo 483, “c”, com a possibilidade de demissãoindireta pelo risco manifesto de mal considerável.

3 As normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho eEmprego – NRs

A proteção do meio ambiente no ordenamento jurídico na-cional começa nos princípios do Texto Supremo e desce para alegislação infraconstitucional (ex. Consolidação das Leis do Tra-balho nas normas de medicina e segurança do trabalho). Mas issonão basta, é necessária uma regulamentação técnica, pormenori-zada. Não basta, por exemplo, que a norma infraconstitucionalexija o fornecimento e fiscalização do uso de equipamentos deproteção individual, é imprescindível que se diga qual equipa-mento é adequado para cada função específica. Com efeito, asnormas do artigo sétimo da Lei Maior que versam sobre meioambiente laboral não exigem apenas leis, exigem estas e normasregulamentadoras.

Tendo isso e a alteração implementada pela Lei 6.514/77 (alte-rou o artigo 200 da Consolidação das Leis do Trabalho para permi-tir que o Ministério do Trabalho e Emprego pudesse complemen-tar a legislação) em vista, legitima-se o entendimento que as nor-mas regulamentadoras elaboradas por esse órgão do Poder Execu-tivo através da Portaria nº 3.214/78 e suas posteriores alteraçõespossuem fundamento constitucional e legal, não havendo que sefalar em ofensa ao princípio da legalidade consagrado no artigo5º, inciso II, da Constituição Federal.

Passamos agora à análise das principais normasregulamentadoras, a começar pela NR nº 1, que introduz normasgerais sobre o meio ambiente do trabalho. A crítica que se fazaqui é no sentido de que a NR em apreço dá a entender que seriaaplicável apenas para empregados e avulsos, o que é completa-

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mente inaceitável, conforme fartamente demonstrado. O direitoao meio ambiente saudável é um direito de todos, independen-temente de qualquer aspecto. Notadamente difuso, o direito àqualidade ambiental pode ser exigido indistintamente por qual-quer indivíduo que seja passível aos efeitos negativos do ambi-ente em questão.

As Normas Regulamentadoras nº 2 e nº 3 instrumentalizam opoder de polícia no ambiente laboral. De um lado a NR nº 2 regu-lamenta o artigo 160 da Consolidação das Leis do Trabalho (inspe-ção prévia para início de atividade laboral), tratando de poder depolícia de caráter preventivo. De outro lado a NR nº 3 pragmatizao artigo 161 do mesmo diploma legal (interdição de estabeleci-mento e embargo à obra em face de grave e iminente risco para otrabalhador), versando sobre poder de polícia com finalidade re-pressiva.

Estas NRs nº 2 e nº 3 refletem o atributo da autoexecutoriedadedos atos administrativos que se revela como uma exceção à vedaçãoconstitucional do exercício arbitrário das próprias razões. A regra éque diante de pretensão resistida recorra-se ao Poder Judiciário.

Com caráter eminentemente preventivo, as NormasRegulamentadoras nº 4 e nº 5 regulam dois órgãos que se com-plementam, o Serviço Especializado de Engenharia, Segurançae Medicina do Trabalho – SESMT (artigo 162 da CLT) e a Comis-são Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA (artigo 163 daCLT). Os órgãos são essenciais um ao outro na medida em que oprimeiro é formado por um corpo técnico responsável por solu-ções técnicas relativas aos efeitos negativos para a saúde do tra-balhador e o segundo é composto por representantes dos tra-balhadores e do empregador, tendo por atribuição o forneci-mento dos dados práticos que são indispensáveis para que oprimeiro (SESMT) possa identificar os efeitos negativos e indicaras medidas extintivas ou mitigadoras a serem tomadas.

A Norma Regulamentadora nº 6 especifica a utilização de equi-pamentos de proteção individual, determinando questões relacio-nadas à qualidade e especificidade dos equipamentos. Determinaque compete ao SESMT indicar qual é o equipamento adequadoapós ouvida a CIPA.

Por fim, terminando o estudo das principais NormasRegulamentadoras do ambiente laboral, temos as NRs nº 7 e nº 9dispondo, respectivamente, sobre o Programa de Controle Médicode Saúde Ocupacional e o Programa de Prevenção de RiscoAmbiental. Tais NRs impõem a elaboração e implementação dosprogramas visando à promoção e preservação da saúde e da inte-gridade de todos os trabalhadores. Assim como o SESMT e a CIPA,

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os programas aqui tratados também são complementares entre si.O primeiro vincula-se com exames médicos dos trabalhadores, acom-panha o ser humano. Já o segundo acompanha o meio ambiente,visando eliminar ou minimizar o risco ambiental.

Nesse momento é pertinente discorrermos a respeito do de-nominado Atestado de Saúde Ocupacional – ASO. Esse docu-mento é expedido pelo médico do Programa de Controle Médi-co de Saúde Ocupacional e viabiliza a convivência harmônicaentre o direito ao meio ambiente do trabalho não poluído e odireito à intimidade e vida privada. Explico: o médico é contra-tado pelo empregador e tem o dever de sigilo da intimidade evida privada dos trabalhadores a que teve acesso; portanto, asinformações relativas à intimidade e vida privada do trabalha-dor ficam com o médico, que só encaminha ao empregador oAtestado de Saúde Ocupacional, que se limita a dizer se o obrei-ro está apto ou não.

4 Aplicação e efetivação dos princípios da prevenção eprecaução

4.1 Os princípios ambientais da prevenção e precauçãoaplicados no meio ambiente do trabalho

Na busca da efetivação da proteção ao meio ambiente e comfundamento na irreversibilidade do dano ambiental (possibilida-de de morte ou invalidez permanente do trabalhador), dois dosmais importantes princípios ambientais são a prevenção e a pre-caução, ambos previstos na declaração sobre o meio ambiente doRio de Janeiro em 1992, e este último, disposto, ainda, na Lei deCrimes Ambientais.

Esses princípios levam em consideração o binômio de direitoambiental da prevenção e reparação. Assim, o objetivo é evitar odano, caso frustrado e o prejuízo efetivamente ocorra, secundaria-mente, busca-se a reparação.

Prevenção vem do verbo prevenir, que significa agir antecipa-damente. Logo, são impostas medidas acautelatórias e estas só setornam possíveis com dados, informações e pesquisas.

A prevenção e a precaução se concretizam, basicamente, atra-vés de estudos prévios sobre os agentes danosos (possíveis – pre-caução – e comprovados – prevenção) presentes no ambiente detrabalho e seus efeitos no trabalhador. Com esses dados em mãos,passa-se a analisar científica e pragmaticamente medidasextintivas ou, quando não for possível, mitigadoras dos agentesnegativos. Por exemplo, a responsabilidade atribuída ao empre-

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gador pelo fornecimento e fiscalização do uso de equipamen-tos de proteção individual e coletiva reflete a preocupação dalegislação trabalhista com esses princípios.

Os princípios em questão não se confundem, uma vez queenquanto a prevenção trabalha com um dano certo, conhecido(ou porque já ocorreu ou em face da existência de pesquisas cien-tíficas conclusivas de que aquele dano decorre daquela atividade),a precaução trabalha com o perigo em abstrato, com o dano des-conhecido, incerto (campo onde a ciência não dispõe de pesquisasconclusivas sobre os efeitos da atividade).

Observe-se que a precaução adota o chamado in dubio proambiente, onde a inexistência de conhecimento dos possíveis efei-tos danosos da atividade a impede de ser exercida, sendo ônus doempreendedor comprovar o conhecimento científico desses efeitos(inversão do ônus da prova).

Neste sentido, defendemos que caso o empregador não com-prove a certeza científica dos efeitos danosos da atividade aos tra-balhadores ficará impedido de exercer essa atividade. Não pode-mos esperar que o dano ocorra para depois adotarmos medidaspreventivas. Diante da incerteza dos efeitos danosos da atividade,esta não deverá ser realizada.

O bem jurídico tutelado pela proteção ao meio ambientelaboral é a qualidade de vida do trabalhador. Portanto, se nodireito ambiental em seu aspecto natural, artificial e cultural épraticamente uníssona a aplicação do princípio da precaução, damesma forma esta deve se dar na órbita do ambiente laboral, jáque em todas as hipóteses o ordenamento visa salvaguardar obem maior vida.

Nos dias atuais, o trabalho é cada vez mais tenso, denso e in-tenso. Tenso na medida em que se exige o cumprimento de metase cronogramas preestabelecidos. Denso porque o trabalhador con-centra um maior número de atividades dentro de uma única fun-ção. Intenso haja vista a transformação do obreiro pela sociedadeem que vivemos em um viciado em trabalho.

No sistema econômico capitalista em que vivemos no Brasil,precisamos expor aos empregadores o impacto positivo que aadoção da prevenção e da precaução no meio ambiente do tra-balho trará para sua atividade. Uma vez que fique patente oaumento dos lucros e diminuição das perdas (a ex. da ação re-gressiva do Instituto Nacional do Seguro Social) decorrente damelhor qualidade de vida proporcionada aos trabalhadores,teremos um grande aliado na efetivação desse direito funda-mental.

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4.2 Papel do Ministério Público do Trabalho em homenagemaos princípios da prevenção e da precaução no meioambiente do trabalho

O Ministério Público é previsto constitucionalmente como fun-ção essencial à jurisdição, na medida em que esta não existe semautor. Isso ocorre uma vez que vigora em nosso ordenamento ju-rídico o princípio da inércia como decorrência do devido proces-so legal.

Na verdade, o constituinte disse menos do que deveria, oideal seria dizer que o Parquet é essencial à existência do Estado,pois não existe Estado Democrático de Direito sem proteção dosdireitos fundamentais e o Ministério Público protege tais direitos.Além disso, algumas atribuições da Instituição Ministerial não sãovoltadas ao Poder Judiciário, a exemplo dos Termos de Ajusta-mento de Conduta (ligação com a justiça em sentido amplo).

O Ministério Público do Trabalho tem natureza de órgão nãogovernamental extrapoder responsável pela defesa da sociedade.A função institucional do Parquet tem por objeto essencial os di-reitos difusos, coletivos e individuais homogêneos indisponíveis.Assim, a tutela do meio ambiente do trabalho, que se caracterizacomo um direito difuso, é consagrada atribuição do Órgão Minis-terial Trabalhista que deve se pautar em todos os princípiosambientais na sua atuação.

Pretendemos neste trabalho apontar uma direção na efetivaçãodos princípios da prevenção e precaução no meio ambiente dotrabalho. Para tanto, traremos alguns exemplos da atuação do Mi-nistério Público do Trabalho nesse particular, tentando demonstrarseus benefícios e meios adotados.

O primeiro passo no sentido da prevenção e da precaução,como estudado no capítulo anterior, é a obtenção dos dados einformações necessários para que se possa adotar a estratégia ade-quada. Não há prevenção sem informação.

Consequentemente, os dados fornecidos pelo Ministério doTrabalho e Emprego (MTE) no Certificado de Aprovação de Ins-talações (CAI) (artigo 160 da Consolidação das Leis do Trabalhoe Norma Regulamentadora nº 2 do MTE), as informações corres-pondentes à fiscalização in loco realizada pelos membros do Mi-nistério Público e as conclusões científicas são indispensáveis paraque o Ministério Público do Trabalho possa angariar informa-ções confiáveis e estudar a medida cabível para a prevenção e aprecaução ambientais.

Com os dados necessários em mãos, o Parquet estudará qualserá a conduta a ser tomada de acordo com as peculiaridades do

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caso concreto. A partir daqui, enfrentará, a princípio, a questãode ser o caso de adotar o princípio da prevenção ou o princípioda precaução. Existem estudos científicos conclusivos sobre os efei-tos negativos da atividade nos seres humanos? O empregador com-provou que existem tais estudos? Caso a resposta seja negativa,aplica-se a precaução, sendo que o caminho a seguir é o da inter-dição do estabelecimento ou embargo da obra (artigo 161 daConsolidação das Leis do Trabalho e Norma Regulamentadora nº3 do Ministério do Trabalho e Emprego).

No caso de conhecimento dos efeitos da atividade (ou porqueo dano já ocorreu ou porque existem pesquisas científicas conclusi-vas de que aquele dano decorre daquela atividade) aplicar-se-á aprevenção ambiental.

Nas palavras de Leite (2006, p.172-173):

O Ministério Público do Trabalho, norteando-se noconceito de saúde elaborado pela Organização Mun-dial de Saúde – OMS (estado completo de bem-estarfísico, mental e social), nas normas relativas ao tra-balho, à saúde e à segurança regulamentadas pelaOrganização Internacional do Trabalho – OIT,ratificadas pelo Brasil, e naquelas previstas na Cons-tituição da república e na legislação infra-constituci-onal, tem exigido meio ambiente de trabalho ade-quado nas instalações das empresas, de forma a pre-venir os riscos de acidentes com o trabalho perigoso,penoso e insalubre.

Os intervalos estabelecidos na Consolidação das Leis do Traba-lho – a exemplo do intervalo interjornada (artigo 66), descansosemanal remunerado (artigo 67), intervalo intrajornada (artigo 71)e férias (artigo 129 e seguintes) – também visam preservar a saúdefísica e psicológica do trabalhador.

Outro aspecto importante relaciona-se com o assédio moralno ambiente de trabalho. Essa prática deplorável gera graves le-sões ao trabalhador, que tem sua qualidade vida abalada e, muitasvezes, não consegue encontrar uma saída dessa situação. Emboranão exista lei específica regulando a matéria, a tutela contra essaconduta se dá com base em direitos fundamentais previstos na Cons-tituição, entre eles o da prevenção.

Nessa situação específica do assédio moral, a elaboração edivulgação de cartilhas com conceitos e consequências dessa prá-tica abusiva é uma boa linha a seguir na busca de extirparmos talprática do dia a dia do trabalhador brasileiro. Por exemplo, casoo empregador tenha conhecimento de que pode sofrer uma con-denação por dano moral coletivo, fiscalizará intensamente seu

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estabelecimento para que tal tipo de dano não ocorra. Como jáfoi dito anteriormente, precisamos que o empregador fique donosso lado na defesa do meio ambiente laboral com higidez. Esseapoio patronal é de suma importância na proteção desse direitofundamental do trabalhador.

Tendo tudo o que foi exposto em vista, nos casos em queesteja envolvida a qualidade de vida no meio ambiente do tra-balho, cabe ao Ministério Público do Trabalho a fiscalização eo controle do respeito às prescrições legais e constitucionaispelos empregadores visando à prevenção e precaução. Isso podeocorrer através de diversos instrumentos, como cartilhas e cur-sos informativos sobre os riscos ambientais e as medidas de pre-venção; forças-tarefa para fiscalização de estabelecimentos; pro-cedimentos preparatórios de inquérito civil; inquérito civil; ter-mos de ajustamento de conduta; ações civis públicas; entreoutros.

Conclusão

A Carta Fundamental confere a todos o direito ao meio am-biente não poluído, seja no caput do seu artigo 225 (norma-matriz), seja nos parágrafos deste mesmo artigo 225 (normas degarantia e efetivação e normas específicas), seja nos artigos 200,VIII (atuação do poder público na proteção do meio ambientedo trabalho), 170, VI (proteção do meio ambiente como princí-pio da ordem econômica), 5, XXIII (função social da proprieda-de), 186, II (respeito ao meio ambiente previsto expressamentecomo requisito para o cumprimento da função social da propri-edade rural) e 7º, XXII, XXIII e XXVIII (ordem de incisos que privi-legia a prevenção – respectivamente: redução dos riscos ineren-tes ao trabalho através de normas de saúde, higiene e seguran-ça; adicionais pelo exercício de atividades prejudiciais à saúdedo trabalhador; e seguro por acidente de trabalho e sua indeni-zação).

No plano internacional de normas, o meio ambiente laboralganha destaque no tratado internacional conhecido como PactoInternacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais celebra-do em Nova York no ano de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992.Ao lado dessa norma internacional temos também previsão domeio ambiente do trabalho nas Convenções nº 148 e 155 da Or-ganização Internacional do Trabalho.

O próprio legislador constitucional percebeu que as normasambientais infraconstitucionais exigiriam normas regulamentarese previu essa possibilidade nas normas constitucionais. Para não

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restar dúvida, também o legislador infraconstitucional previu ex-pressamente a possibilidade de regulamentação da legislação (Lei6.514/77). Sendo assim, com fundamento constitucional e legal (oque afasta a tese de violação ao princípio da legalidade), as Nor-mas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego esta-belecem meios para efetivação dos princípios objeto deste traba-lho regulamentando as normas infraconstitucionais de saúde, hi-giene e segurança do ambiente laboral.

Os princípios da prevenção e precaução ambientais (previs-tos na Declaração do Rio de Janeiro de 1992 e, o da precaução,também na Lei de Crimes Ambientais) se baseiam no binômioprevenção-reparação, isto é, o primeiro objetivo é evitar que odano ocorra agindo antecipadamente; apenas secundariamen-te, caso o dano ocorra, é que exigiremos a reparação.

A distinção desses princípios é no sentido de que a preven-ção lida com o dano certo, enquanto a precaução lida com odano incerto.

A concretização de tais postulados exige dados, pesquisas einformações científicas. Somente assim será possível agir anteci-padamente.

A incerteza científica impede o exercício da atividade laboralpela aplicação do princípio da precaução (in dubio pro ambi-ente).

O Ministério Público do Trabalho tem fundamental impor-tância na concretização de tudo o que foi exposto neste traba-lho na medida em que é, eminentemente, responsável pela fis-calização, controle e promoção dos direitos fundamentaistransindividuais, conceito que abrange o meio ambientelaboral.

Dispondo de vários instrumentos judiciais (p. ex., ação civilpública) e extrajudiciais (p. ex., termos de ajustamento de con-duta, inquérito civil), o Parquet tutela os direitos sociais e indivi-duais indisponíveis demonstrando a relevância da existência dainstituição para um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Aproteção do meio ambiente com higidez e segurança reflete in-teresse público primário, tendo em vista, por exemplo, a dimi-nuição de demandas previdenciárias (menos benefícios), a re-dução da demanda do serviço de saúde do Estado (ambientesadio, trabalhador mais saudável), maior produtividade (quali-dade ambiental do trabalho gera funcionários mais motivados)etc.

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MACHADO, Paulo Affonso Leme.Direito ambiental brasileiro.15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira.Curso de direito internacionalpúblico. 4ª ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2010.

Referências

LEITE, Carlos Henrique Bezerra.Ministério Público do Trabalho:doutrina, jurisprudência e prática:ação civil pública, ação anulatória,inquérito civil. 3ª ed. São Paulo:LTr, 2006.

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MEDICAMENTOS COM ISONOMIA

Medicamentos com isonomia

Nanaidê Fidalgo SouzaAdvogada em São Paulo

Especialista em Direito Constitucionalpela PUC-SP

RESUMO

A Constituição é muito abrangente, fato que resulta najudicialização, contudo as ações individuais que solicitammedicamentos básicos sobrecarregam o Poder Judiciário comdemandas repetitivas, gerando muitas vezes insegurança emdecorrência de sentenças diversas. O enfoque do trabalho é asolução de tal problema, que seria ingressar com uma ação coletiva,mais especificamente uma Ação Civil Pública, a fim de alterar alista de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde,fornecendo medicamentos melhores a todos. Vale frisar que talfato não impediria a propositura das ações individuais, mas limitariaa casos excepcionais.

Palavras-chave: Lista de medicamentos do SUS. Orçamentopúblico. Isonomia. Judicialização.

ABSTRACT

The Constitution is very comprehensive, fact which results injudicialization, however individual actions requesting basic drugsoverload the judiciary with repetitive demands, generatinginsecurity due to several sentences. The focus of the work is thesolution of this problem would be to join a class action lawsuit,more specifically a public civil action in order to change the list ofdrugs supply by the Unified Health System, providing the bestmedicines for all. It is worth noting that this fact does not precludethe filing of individual actions, but would limit exceptions.

Keywords: List of drugs SUS. Public budget. Equality.Judicialization.

Introdução

O Poder Executivo em diversas vezes se omite ao não aplicarou planejar de forma devida o orçamento público destinado à saú-de, criando oportunidade aos demais Poderes de se manifestarem,a fim de concretizar os mandamentos constitucionais.

No cotidiano, quando há inércia do Poder Executivo, a socie-

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dade recorre ao Poder Judiciário, em virtude da judicialização, jáque o direito à saúde é um direito de todos e deve ser fornecido deforma isonômica pelo Estado.

O Poder Judiciário respalda apenas o direito de quem o pro-voca, quem ingressa com demanda judicial, fornecendo o mesmodireito de forma diferente para as pessoas, beneficiando o indiví-duo em detrimento da coletividade. Assim, há prejuízo para quemnão ingressa na justiça.

Vale destacar que os órgãos públicos visam concretizar o direi-to social da saúde previsto na Constituição de forma igualitária,beneficiando toda a sociedade conforme a igualdade real.

Este trabalho pretende debater como isso é possível.

1 Saúde na Constituição Federal

1.1 Direitos fundamentais

Figueiredo (2006) afirma que os direitos fundamentais são asalmas da Constituição, que vinculam os três Poderes, os órgãospúblicos e os privados, em decorrência da previsão legal do artigo5º, § 1º da Constituição, que prevê a aplicação imediata dos direi-tos fundamentais.

Os direitos fundamentais estão no princípio da dignidadeda pessoa humana, por irradiar do núcleo essencial dos atosnormativos. Tais direitos possuem uma carga axiológica típicade norma-princípio, motivo pelo qual se limitam reciprocamen-te, através da proporcionalidade, a fim de gerar uma maiorefetividade.

Esses direitos fornecem critérios para determinar o mínimo debenefícios a ser disponibilizado para cada indivíduo, ficando adepender da atuação legislativa, para esta definir o conteúdo, deacordo com as prioridades políticas, levando em consideração aescassez dos recursos.

Cabe ressaltar que não existem direitos absolutos, todos pos-suem limites e restrições – um dos limites decorre do custo quetodos os direitos geram –, fato que resulta na colisão de direitos.Utiliza-se a ponderação para solucionar o caso concreto. Não háprevisão expressa na Constituição da ponderação, mas os órgãossuperiores a têm aplicado com a finalidade de minimizar a arbi-tragem.

A doutrina majoritária, como Bonavides (2014), divide os di-reitos fundamentais em três gerações, em direitos individuais, soci-ais e coletivos. Vale ressaltar que os direitos de segunda geraçãoestão relacionados às prestações do Estado, em que as liberdadesformais abstratas passam a ser liberdades materiais concretas.

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Dentro dos direitos fundamentais, destaca-se a saúde, por suanotável importância, diante do poder e do dever Estatal de garan-tir tais direitos. O doutrinador Sarlet (2003) afirma que o direito àsaúde é um direito fundamental em relação tanto ao direito dedefesa quanto ao direito de prestação.

O direito de defesa à saúde visa à proteção desta, através de suagarantia e manutenção, enquanto o direito de prestação à saúdeconsiste em assegurar tal direito, visando a sua atividade fim, atravésde prestações de serviços e de fornecimentos de materiais, em queambos necessitam da disponibilização de políticas públicas.

O Ministro Gilmar Mendes, na Suspensão da Tutela Antecipa-da 175, concluiu que os direitos fundamentais não proíbem ape-nas a intervenção, mas transmitem um postulado de proteção, des-tacando que há uma proibição de excesso acrescida da proibiçãode proteção insuficiente.

Ressalta-se que a proibição de excesso visa ao desenvolvimen-to do direito fundamental, enquanto a proibição de insuficiênciavisa à eficiência de tal direito.

Conclui-se que a Constituição, além de prever, destina umaatenção especial aos direitos fundamentais, que se dividem emgerações; sendo que a segunda geração visa aos direitos sociais,que se baseiam no princípio da igualdade.

1.2 Direitos sociais

Silva (1998) afirma que os direitos sociais requerem que aspolíticas públicas visem à coletividade, à sociedade, fato que nãoocorre na realidade, pois os magistrados não possuem informaçõesessenciais para concretizar tal objetivo.

O Ministro Gilmar Mendes, na STA 175, afirma que os direitossociais devem ser analisados conforme a necessidade de cada indi-víduo, fato que definirá a prestação devida pelo Estado, pois gas-tar mais recursos com uns faz parte do critério distributivo, contudoo ministro não ponderou a isonomia, não podendo sobrepor odireito individual ao coletivo.

Rocha (1999) diferencia os beneficiários dos direitos sociaisem sociedade e cidadão, onde o primeiro se refere a todos e osegundo ao indivíduo. Ele ainda afirma que os recursos financei-ros do Estado são escassos para as políticas públicas necessárias àsaúde da sociedade, contudo o cidadão em estado de penúria enecessidade incontornável e imediata deve ter seu direito socialexercido.

O professor Lopes (2001) destaca que os direitos sociais nãose concretizam com a mera adjudicação, mas com as políticas pú-

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blicas, não bastando saber quais são os direitos, havendo a ne-cessidade de implementá-los, através de dispêndio de recursospúblicos.

Ferraz (2008) frisa que a escassez de recursos não podeinviabilizar os direitos sociais, todavia são feitas escolhas, pois nãoé possível prover todos os direitos sociais em grau máximo a todasas pessoas.

Conclui-se que os direitos fundamentais são exercidos atravésdos direitos sociais, que utilizam a proteção e garantias fornecidaspelo Estado, nesta avaliação utilizando o Poder Judiciário paraaplicar a determinação constitucional. A grande busca é por umavida digna, que se concretiza quando há saúde.

1.3 Direito à saúde

Noronha, Lima e Machado (2008) afirmam que o direito à saú-de é uma concepção ampla, onde o Estado garante esse direitoatravés do Sistema Único de Saúde, que faz parte da estruturainstitucional e decisória para a concretização da democracia, pelocompartilhamento da gestão do sistema de saúde.

Sarlet (2003) destaca a dificuldade de identificar o objetivo dodireito à saúde e consequentemente as obrigações devidas peloEstado. Indaga se a prestação à saúde abrange qualquer tipo deprestação ou se está limitada às prestações vitais. A fim de resolvertal questionamento, analisa quais prestações não podem deixar deser promovidas pelo Estado, sendo estas as necessárias para umavida digna.

A Constituição de 1988 elencou a saúde como um direito soci-al e a detalhou nos artigos 196 a 200, no capítulo da seguridadesocial, contudo tal fato foi criticado, pois a Constituição deve servirexclusivamente para prever diretrizes e parâmetros gerais, deixan-do as minúcias ao campo infraconstitucional.

A Constituição de 1988 efetuou uma ampla proteção à saúde,ao prever como fundamento da República a dignidade da pessoahumana, em seu artigo 1º, III, além de assegurar a inviolabilidadedo direito à vida no artigo 5º, caput, e no § 1º prevê a aplicaçãoimediata dos direitos fundamentais.

Os doutrinadores Carvalho e Santos (2006) destacam que olegislador constituinte salientou a saúde como um estado de bem-estar prioritário, por ser uma condição fundamental para gozar dosdemais direitos.

A Constituição no artigo 196 atribui ao Estado o dever de ga-rantir, a todos, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espé-cie, o direito à saúde de forma integral e igualitária, incluindo a

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assistência farmacêutica. Tal atribuição do Estado é exercida peloSistema Único de Saúde.

1.4 Separação do direito à saúde: atendimento emedicamento

O SUS teve sua criação prevista pela Constituição de 1988 e foiregulamentado pelas Leis Orgânicas nº 8080/90 e nº 8.142/90, como objetivo de diminuir a desigualdade na assistência à saúde.

A Constituição raramente distingue a saúde do atendimento edo medicamento. A Lei 8.080/90 prevê nas atribuições do SistemaPúblico a assistência farmacêutica, frisando o acesso aos medicamen-tos necessários para a manutenção e o restabelecimento da saúde.

A assistência farmacêutica básica deve estar continuamentedisponível à sociedade que dela necessita, sendo o produto indis-pensável para atender aos problemas mais comuns de saúde dapopulação.

Os medicamentos elencados na Relação Nacional de Medica-mentos Essenciais (Rename) estão disponíveis gratuitamente paraos pacientes nas farmácias do SUS, basta uma receita médica, demédico de uma unidade básica de saúde ou de um hospital doSistema Único de Saúde.

Caso o paciente necessite de um medicamento de atençãobásica que consta do Rename, mas que esteja em falta, conforme osite Portal Saúde, a pessoa deve ir até a Secretaria de Saúde e soli-citar o medicamento, onde teoricamente não faltará medicamentoa ninguém.

Para que não ocorra a falta de medicamento, o Supremo Tri-bunal Federal vem se posicionando, como na STA 81, de forma queseja competência da Administração Pública gerenciar as ações naárea da saúde, a fim de haver maior controle.

A União produz as normas gerais, cabendo aos Estados, aoDistrito Federal e aos Municípios delimitar as normas específicas, deacordo com as peculiaridades regionais e locais, tanto que as LeisOrgânicas nº 8.080/90 e nº 8.142/90 são de âmbito federal, desem-penhando o papel de norma geral do SUS, possuindo um papelprimário.

Os Municípios não possuem verba suficiente para suportar oencargo da manutenção da saúde de todos, motivo pelo qual res-tringem o fornecimento de medicamentos à Rename.

1.5 Lista de medicamento do Sistema Único de Saúde

Oliveira, Bermudez e Castro (2007) destacaram que a políticade distribuição de medicamentos se inicia com a escolha dos medi-

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camentos que serão distribuídos na rede pública. Tal escolha avaliaa melhor evidência farmacológica clínica, estuda-se a eficácia, aefetividade e a segurança dos medicamentos, além de analisar ocusto-benefício, havendo um comparativo entre economia e dis-ponibilidade no mercado. Após tais estudos é que um medicamen-to consta da Rename, lista de medicamentos básicos do SUS.

A Organização Mundial da Saúde define medicamentos es-senciais como os que satisfazem às necessidades de saúde prioritáriasepidemiologicamente da população. Estes devem ser fornecidosconstantemente, por refletir as necessidades coletivas e não somentesegmentos específicos.

No Brasil os médicos possuem o hábito, ao prescreverem medi-camentos, de indicar o nome comercial, fato que dificulta o uso domedicamento genérico, contrariando a previsão do artigo 3º daLei nº 9.787/99.

O Poder Público, normalmente, consegue disponibilizar regu-larmente o remédio, contudo, por possuir o nome comercial, talcumprimento não é possível, por determinar o laboratório e nãoapenas o princípio ativo do medicamento; assim como o Formulá-rio Terapêutico Nacional, que orienta os médicos em relação aomanuseio de produtos farmacêuticos disponíveis no mercado.

Vieira e Zucchi (2007) elaboraram uma pesquisa, concluindoque grande número das decisões judicias fornecem medicamentosque não estão previstos na lista do SUS e, desses fornecidos, muitospossuem substitutos mais baratos, os genéricos, mas mesmo assimsão concedidos os mais onerosos. Além disso, quanto aos concedi-dos por magistrados, a comercialização não foi sequer autorizadapela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pois a efetividadenão foi comprovada.

O Ministro Luiz Fux, no Mandado de Segurança 8895, defen-deu que os pareceres médicos não podem ser determinantes parase negar o financiamento do tratamento, pois em outros países jáhá resultados positivos, sendo um “fato notório”. O Ministro in-duz que a burocracia, em vez de gerar uma segurança, apenasdificulta o acesso, fato que não condiz com a realidade, pois defato o tratamento pode ter um sucesso aparente, mas se desco-nhecem seus efeitos colaterais, que podem ser gravosos à saúdedo paciente.

Conclui-se que nem sempre o Poder Público atende as necessi-dades do indivíduo, seja em decorrência da peculiaridade da do-ença, por necessidade de medicamento especial ou simplesmentepelo fato de o medicamento não constar da Rename; fato queenseja demanda judicial. Contudo, no último caso o adequado éuma ação coletiva, afinal todos têm direito a tal medicamento,

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devendo este passar a constar da Rename, respeitando o princípioda isonomia.

2 Efetividade do direito à saúde

2.1 Orçamento público

Os entes federados devem respeitar a previsão orçamentária,em decorrência do princípio da legalidade, e o Estado possui odever de efetivar e proteger a dignidade das pessoas, para isso énecessário haver saúde.

O Ministro Celso de Mello, na ADPF nº 45/DF, destaca o en-cargo governamental de tornar efetivos os direitos econômicos,sociais e culturais, com base no binômio razoabilidade da preten-são e disponibilidade financeira do Estado, pois se faltar algumrequisito o Estado não possuirá condições de colocar em práticatais direitos.

Os gastos públicos voltados para medicamentos têm aumenta-do a cada ano, muitas vezes sem planejamento, como é o caso dacompra ordenada via ação judicial.

A Folha de S.Paulo em 2007 publicou uma reportagem doMinistro da Saúde, José Gomes Temporão, que afirmou que os Es-tados gastaram em média 500 milhões de reais por ano apenaspara cumprir as decisões judiciais referentes a medicamentos e tra-tamentos médicos.

O jornal fez uma comparação, informando que os 86 milhõesde reais gastos no Brasil beneficiaram apenas 10 mil pacientes, en-quanto o gasto governamental federal total, 284 milhões de reais,beneficiou 250 mil pessoas do programa dos medicamentos maiscaros distribuídos pelo SUS.

Os magistrados não percebem que, ao proferir uma decisãoque obriga o Estado a utilizar os recursos para fornecer um bem desaúde com o objetivo de proteger o direito de um indivíduo, pos-sivelmente estarão restringindo o direito à saúde de uma coletivi-dade.

O Ministro Gilmar Mendes, na Suspensão da Tutela Antecipa-da 175, ressaltou que o alto custo do medicamento não é justifica-tiva para o não fornecimento, diante da Política de Dispensaçãode Medicamentos Excepcional, que visa justamente à populaçãoacometida por enfermidades.

Alexy (2008) afirma que o Estado deve fornecer ao indivíduoexatamente o que ele pode exigir da sociedade, de forma quemesmo havendo recursos disponíveis não haverá obrigação do Es-tado se extrapolar os limites do razoável.

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Conclui-se que o orçamento público anual prevê os gastos doEstado naquele ano, contudo, diante de uma situação inesperada,como uma determinação judicial, é necessário remanejar os gastospúblicos predefinidos e, muitas vezes, tal alteração não é viável,sendo alegada a reserva do possível pelos entes públicos.

2.2 Reserva do possível

A partir dos anos 2000 discursava-se a respeito da impossibili-dade da justificativa da reserva do possível como impedimento àefetivação dos direitos sociais, contudo todos concordam com ofato de os direitos sociais necessitarem de custos. Atualmente nãose tem mais o entendimento de tal impossibilidade, tanto que temsido aplicada em sentido contrário, variando conforme o caso con-creto.

Lima (2001) define reserva do possível como uma construçãoda doutrina alemã que visa à possibilidade e extensão da efetivaçãodos direitos sociais e fundamentais, diante da disponibilidade dosrecursos públicos.

Gouvêa (2010) distingue a reserva do possível em fática e jurí-dica. A primeira trata da falta de recursos financeiros, já a segundarefere-se ao contingenciamento financeiro dos direitosprestacionais, onde às vezes há recurso financeiro, contudo faltaprevisão orçamentária que destine o valor para aquela determina-da área.

O artigo 167, I da Constituição veda o início de programas ouprojetos não incluídos na lei orçamentária anual, além de o incisoII do mesmo artigo vedar a realização de despesas que excedam oscréditos orçamentários, assim como a transposição, o remanejamentoou a transferência de recursos de uma categoria de programaçãopara outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorizaçãolegislativa, conforme inciso VI do referido artigo, fato que demonstraa preocupação do constituinte originário em manter o planeja-mento de todas as despesas, a fim de se alcançar o todo esperado.Contudo, como a previsão orçamentária e o direito fundamentalencontram-se no mesmo patamar hierárquico, há conflito de nor-mas, no qual o magistrado pende a beneficiar o direito fundamen-tal diante da superioridade axiológica.

O doutrinador Sarlet (2003) admite a existência de limites àconcretização dos direitos sociais, no entanto tais limites devem serrelativizados conforme o caso concreto, de modo que a reserva dopossível só pode ser aplicada na parte flexível dos direitos funda-mentais, na parte que sofre evolução consonante com as escolhaspolíticas da sociedade.

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Diante de um caso concreto, o Estado sempre se mostrará de-tentor de recursos suficientes, entretanto as pluralidades de açõesindividuais geram um gasto imenso. Se forem manejadas ações co-letivas, obter-se-á maior abrangência, além do fato de a ação cole-tiva diminuir a discricionariedade do Poder Executivo e gerar umaparticipação indireta na elaboração orçamentária das políticas pú-blicas, visando à diminuição da limitação da reserva do possível aolongo do tempo.

2.3 Isonomia

Conforme mencionado pelo Ministério da Saúde brasileiro,houve uma grande evolução na saúde mundial nos últimos anos,contudo os benefícios estão mal distribuídos entre os países.

Pogge (2010) destaca o fato de haver muitas doenças já con-troláveis, mas que continuam a resultar até mesmo em mortes, queseriam evitáveis se houvesse o acesso às ferramentas e tecnologiasexistentes. Atualmente um terço das mortes está relacionado à po-breza, seja de maneira direta ou indireta.

A Constituição prevê o princípio da universalidade, do acessoigualitário e universal em relação ao direito à saúde, independen-te da extensão territorial e da densidade populacional do Brasil,devendo-se garantir políticas públicas contínuas e eficazes a todaa sociedade, de forma integral.

O direito à saúde do ponto de vista social visa à igualdade,através de limitações para que todos tenham os mesmos direitosconcretizados, porém a tutela judicial gera disparidades na distri-buição dos recursos destinados à saúde, pois aplica quantia signifi-cativa dos recursos do Sistema Único de Saúde a uma pequena par-cela populacional.

As autoras Vieira e Zucchi (2007) fizeram uma pesquisa sobreas ações judiciais com pedido de fornecimento de medicamentosem face da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo no ano de2005 e chegaram à conclusão de que 54% das ações foram defen-didas por advogados privados e 63% dos requerentes moravamem áreas com menor grau de exclusão, restando nítido o acessodesigual aos bens públicos.

O professor Sarlet (2003) afirma que a função dos direitossociais é garantir a prestação de serviço por parte do Estado àsociedade, de forma a assegurar uma compensação das desigual-dades fáticas entre as pessoas, visando ao núcleo comum a todos,algo que mantenha a estrutura social, independente dahipercomplexibilidade da sociedade, pelo fato de formarem umaúnica organização política.

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O ato do Poder Judiciário em dar efetividade ao direito à saú-de, normalmente, gera um desrespeito ao princípio da igualdade,pois quem está na fila de espera é preterido, uma vez que a deci-são judicial ordena o atendimento para aquele cidadão que bus-cou o Poder Judiciário.

O grande problema da judicialização da saúde é que o PoderJudiciário só se manifesta diante provocação, fato que gera a ex-clusão das pessoas que permanecem inertes, aguardando nas filas,além de as decisões, normalmente, visarem a um bem singular, enão a um coletivo.

Quem possui informação e escolaridade, conhece os seus di-reitos e, consequentemente, recorre ao Poder Judiciário. As pesso-as com pouca instrução, mesmo quando possuem consciência deseus direitos, tendem a hesitar em recorrer ao Judiciário, seja poracreditar que se trata de procedimentos complicados, comformalismos, seja, até mesmo, por considerar os ambientesintimidadores.

A falta de isonomia pode ser atenuada com o aumento dodiálogo entre os Poderes Judiciário e Executivo, pois haveria umdebate, com maior entendimento, referente às questões médicas,científicas, orçamentárias, de justiça distributiva, assim como àRename, entre outros pontos necessários para se atingir um resul-tado isonômico.

3 Aplicação do direito à saúde

3.1 Ação civil pública

Meirelles (1988) destaca se tratar de um instrumento processu-al que protege os interesses difusos da sociedade, não amparandoos direitos individuais nem reparando prejuízos causados por par-ticulares.

Possui como objetivo a prevenção ou até mesmo a repressãoaos danos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitosde valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qual-quer outro interesse difuso ou coletivo; por infração econômica; àordem urbanística.

Vale observar que o uso da ação civil pública evita julgamen-tos contraditórios em casos semelhantes, aumentando a segurançajurídica, além de gerar uma grande economia processual.

O inquérito civil antecede a ação civil pública, visando a umdiálogo entre as partes para permitir que a Administração corrijaeventual falha de sua parte através de um Termo de Ajustamentode Conduta, mas, caso não haja uma solução prévia, fornece aomagistrado informações com melhor embasamento técnico.

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A ação civil pública possui menor custo e uma velocidade dife-renciada, sendo mais eficaz, além de permitir que interesses maisdifusos e menos organizados se manifestem. Dworkin (1996) refor-ça tal ideia ao afirmar que alguns cidadãos podem contribuir maisem debates públicos do que por meio de um único voto, em rela-ção ao Poder Legislativo.

As ações coletivas, em específico as ações civis públicas, supe-ram a dicotomia entre ganhador e perdedor, posto que buscamuma negociação, através do diálogo entre os Poderes, com objeti-vo de ganho coletivo.

Assim, Poder Judiciário se torna uma opção para a solução deconflitos coletivos, alterando o relacionamento entre os Poderes.

Conclui-se que a ação civil pública é o instrumento processualhábil para se provocar o Poder Judiciário, a fim de garantir o inte-resse difuso, coletivo e individual homogêneo, no qual a decisãojudicial é extensível a todo o grupo, por possuir uma condenaçãogenérica ao Estado; por exemplo, o dever de disponibilizar na redepública determinado medicamento. Além disso, tal ação possui umprocedimento prévio, o inquérito civil, que informa elementos deordem técnica, visando respaldar e motivar o Ministério Público napropositura da ação.

3.2 Separação dos Poderes

A separação de Poderes é cláusula pétrea, prevista no artigo60, § 4º, III da Constituição Federal, contudo permite uma evolu-ção necessária, desde que se preserve o núcleo essencial.

A separação de Poderes visa ao equilíbrio, em que os poderesestabelecem um controle entre si, o freio e contrapeso, a fim deevitar a arbitrariedade. Trata-se de uma interferência pontual deum poder no outro, não sendo vista como uma subordinação, mascomo um controle.

As funções atípicas estão previstas na Constituição, a fim deevitar uma relação de pressão entre os órgãos. Há autonomia, alémdo exercício da função atípica, que corresponde a uma opção po-lítica de governabilidade e de relacionamento entre os Poderes,feita pelo constituinte originário. Esse fato não esvazia a funçãotípica de cada ente, pois não permite interpretação expansiva.

A evolução político-social alterou as estruturas estatais, fatoque atribuiu às instituições governamentais a função de promotorativo de mudanças sociais, não cabendo mais a interpretação es-tanque da teoria da separação de Poderes.

O sentido promocional da atividade estatal visa ao cumpri-mento igualitário da justiça social diante da escassez de recursos, a

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fim de concretizar determinadas políticas públicas tornando as nor-mas jurídicas abstratas e genéricas em técnicas e específicas, o queresultou na judicialização.

O Poder Judiciário deve zelar tanto pelos direitos individuaiscomo pelos coletivos, devendo atuar com cautela, para não alterarsignificativamente as funções dos demais Poderes.

Conclui-se que não há uma violação ao princípio da separa-ção de Poderes em determinados casos, contudo o Poder Judiciárionão teria competência para fazer tal análise, pois trabalha com amicrojustiça, a justiça do caso concreto, não examinando asconsequências globais da destinação de recursos públicos para umindivíduo.

3.3 Judicialização

A Constituição é muito abrangente, motivo pelo qual a pro-blemática dos direitos sociais tem sido solucionada diversas vezesno Poder Judiciário, além do fato político estar normatizado naConstituição.

A Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, porconsequência da necessidade de normatizar uma realidade mutável,de forma que permaneça como um limite geral ao exercício do PoderPúblico, independentemente da orientação política do momento.

O Conselho Nacional de Justiça orienta os magistrados a esgo-tar a via administrativa, a fim de conter as demandas e gerar umaracionalização, onde o controle judicial seria visto como uma me-dida absolutamente excepcional.

O Poder Judiciário, ao efetivar o exercício da cidadania, aoconcretizar os direitos sociais, em específico o direito à saúde, ana-lisa a dignidade da pessoa humana, fato que muitas vezes colidecom a política estabelecida pelos governos.

A judicialização visa a um equilíbrio através da efetivação doque foi determinado pela Constituição e do respeito à concepçãodos demais Poderes, em relação ao que a Constituição exige, ou aoque ela permite.

Fato contrário surge com o ativismo judicial, onde a atuaçãoocorre diante da omissão dos demais Poderes, o que é impróprio,pois não pode haver manifestação do Poder Judiciário sem a de-vida previsão da Constituição, por consequência de a democraciase concretizar com os direitos da maioria.

Barroso (2009) aponta a diferença entre judicialização e ativismojudicial: a primeira é um fato resultante da redemocratização do país,da constitucionalização, do sistema de controle de constitucio-nalidade, sendo uma circunstância do modelo constitucional, en-

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quanto o segundo é um ato do Judiciário diante da omissão dosdemais Poderes.

O Poder Judiciário não interfere na apreciação ou nadiscricionariedade dos demais Poderes, pois, na maioria dos ca-sos, a intervenção judicial não ocorre em razão da omissão abso-luta do direito à saúde, mas da falta do cumprimento de políticaspúblicas já estabelecidas. A determinação judicial, habitualmen-te, apenas determina o cumprimento de políticas públicas já exis-tentes.

A legislação normalmente visa à maioria, contudo a decisãodada pelas cortes analisa o direito da minoria, concretizandocom o melhor argumento.

No caso de a determinação judicial visar a algo que não seencontra nas políticas do SUS, deve-se analisar se tal fato decor-re de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisãoadministrativa de não fornecimento ou de uma vedação legal àdispensação.

3.4 Demandas judiciais que visam a medicamentos

O Poder Judiciário é acionado sempre que um mandamen-to constitucional é desobedecido, o que ocorre quando um entepúblico se nega a prestar um atendimento fundamental à cida-dania.

O Conselho Nacional de Justiça, diante da ausência de co-nhecimento técnico dos magistrados referente à saúde, recomen-dou a criação de uma vara especializada na saúde, onde se pos-suiria um suporte adequado, minimizando o exagero dos direi-tos individuais em prol dos direitos coletivos, fato que decorreda ausência de critérios definidos e da discricionariedade doPoder Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal fez audiências públicas com oapoio técnico de profissionais da saúde, que utilizaram determi-nados critérios. O primeiro foi avaliar se o medicamento consta daRename e se está em falta. Caso o medicamento não conste daRename, verificaram se há remédio similar, podendo o pacienteprovar que o medicamento similar não produz efeito em seu or-ganismo. Lembre-se que, no caso de o medicamento não ter sidoaprovado pelo Ministério da Saúde, não pode o Judiciário deter-minar o fornecimento.

Os juízes que concedem medicamentos inapropriados, seja emdecorrência de não constar das listas de medicamentos do sistemapúblico de saúde, seja por não possuir a eficácia comprovada, oupor não haver autorização da Agência Nacional de Vigilância Sa-

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nitária, expõem a saúde dos pacientes, além de gerar um impactopara o administrador público, que necessitará cortar outros gastosprevistos, para cumprir a decisão judicial.

É indiscutível a prestação material do Estado em fornecer me-dicamento a todos, o que se discute é o meio utilizado para seatingir tal direito, pois, ao passo que se garante proteção jurídica adoenças complexas, pessoas que demandam cuidados simples fi-cam desamparadas em decorrência da falta de acessibilidade jurí-dica. Por esse motivo, deve ser proposta ação coletiva, a fim debeneficiar todos da mesma maneira.

Clève (2003) é adepto de posicionamento similar e afirma sercorreto defender a efetivação dos direitos sociais por ações coleti-vas, especialmente das ações civis públicas, o que compeliria o Po-der Público a um planejamento orçamentário que englobasse asnecessidades dos direitos essenciais, evitando remanejo futuro. OPoder Judiciário, em vez de impor ao Estado o fornecimento demedicamento, apenas obrigaria a cumprir o disposto na lei orça-mentária, havendo uma maior efetivação dos direitos sociais, umareal isonomia e uma diminuição no Judiciário de demandasrepetitivas.

Conclui-se com a afirmação de Krell (2002) de que o PoderJudiciário não cria políticas públicas, mas pode determinar sua exe-cução conforme previsão na Constituição, possuindo uma impor-tante finalidade de direcionar os poderes políticos, sem necessaria-mente ser um Judiciário intervencionista, que controla os serviçosbásicos prestados, mas que respeita a programação orçamentáriaanual e suas previsões legais.

Conclusão

A medicina evolui muito rápido, impondo ao direito à saúdeuma tendência programática, necessitando sempre rever as políti-cas sociais e econômicas, em consequência do surgimento de novasdescobertas, exames, procedimentos cirúrgicos, doenças ou atémesmo a volta de uma doença supostamente erradicada. Tal evo-lução dificulta o acompanhamento pela burocracia administrativa.

O direito à saúde deve ser interpretado com fundamento nosprincípios da equidade e da universalidade, permitindo a igualda-de de acesso à saúde, que é limitada pela escassez de recursos fi-nanceiros, não sendo possível concretizar o atendimento ilimitadoa todos, motivo pelo qual é distribuído com a finalidade de redu-zir as diferenças entre os indivíduos.

Por conduzir tal direito para a esfera individual, ocorreu ajudicialização, que gerou uma intervenção do Poder Judiciário emexcesso, referente às políticas de saúde sobre medicamento.

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MEDICAMENTOS COM ISONOMIA

A Ministra Ellen Gracie, nas decisões de Suspensão de Manda-do de Segurança 3158 do Rio Grande do Norte e 3205 do Amazo-nas, reconsiderou suas decisões, pois a princípio alegou que so-mente os medicamentos da lista do SUS é que possuíam aobrigatoriedade de serem fornecidos. As ações judiciais referentesa medicamentos que são indeferidas possuem uma conotação de-sumana, não sendo bem recepcionadas pela sociedade, por havera equivocada ligação da negativa do fornecimento de medicamentocom a negativa do direito à saúde.

Faria (1994) afirma que o Judiciário sempre se voltou para osinteresses individuais, devendo alterar tal posicionamento e dedi-car atenção especial ao interesse coletivo, saindo do universomicrojurídico para o macrojurídico, de forma que a solução de umasituação individual seja tratada de forma coletiva, por envolveralocação de recursos públicos.

Conclui-se que não há meio de se garantir o direito à saúdeprevisto na Constituição Federal de 1988, diverso do direito daspolíticas públicas, por envolver um grande número de pessoas e dedoenças, com o orçamento limitado. Na realidade, deve-se alterare/ou acrescentar medicamentos na lista do SUS, através de açõescoletivas, conforme a necessidade da sociedade, de forma a possi-bilitar a previsão orçamentária anual condizente à realidade, deacordo com a possibilidade, por haver outros direitos sociais quetambém necessitam de tais recursos financeiros.

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NANAIDÊ FIDALGO SOUZA ARTIGO

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PARTE 2

JURISPRUDÊNCIA

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JURISPRUDÊNCIA

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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES.DESCABIMENTO.

Superior Tribunal de Justiça

Recurso repetitivo. Expurgos inflacionários. Caderneta depoupança. Cumprimento de sentença. Exibição de extratosbancários. Astreintes. Descabimento. Coisa julgada.Inocorrência. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1313314&num_registro=201201441618&data=20140411&formato=PDF> Acesso em: 21 out. 2014.

EMENTA OFICIAL

RECURSO ESPECIAL REPRESEN-TATIVO DA CONTROVÉRSIA. PRO-CESSUAL CIVIL. EXPURGOS INFLA-CIONÁRIOS. CADERNETA DE POU-PANÇA. CUMPRIMENTO DE SEN-TENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOSBANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCA-BIMENTO. COISA JULGADA. INO-CORRÊNCIA.

Para fins do art. 543-C do CPC:1.1. “Descabimento de multa

cominatória na exibição, incidentalou autônoma, de documento rela-tivo a direito disponível.”

1.2. “A decisão que cominaastreintes não preclui, não fazen-do tampouco coisa julgada.” 2.Caso concreto: Exclusão dasastreintes.

3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos emque são partes as acima indicadas,decide a Egrégia SEGUNDA Seçãodo Superior Tribunal de Justiça, porunanimidade, dar provimento aorecurso especial para julgar proce-dente a impugnação ao cumpri-

mento de sentença, a fim de ex-cluir as astreintes, nos termos dovoto do Sr. Ministro Relator.

Para os fins do artigo 543-C, doCódigo de Processo Civil,

foram definidas as seguintesteses: (i.1) “Descabimento de mul-ta cominatória na exibição,incidental ou autônoma, de docu-mento relativo a direito disponí-vel”; e (i.2) “A decisão que cominaastreintes não preclui, não fazen-do tampouco coisa julgada”.

Consignada a presença da Dra.VANESSA CRISTINA CHAVES DA SIL-VA MATIAS SOARES, pelo RECOR-RENTE BANCO ITAÚ UNIBANCO S/A.

Brasília, 09 de abril de 2014.(Data de Julgamento)

MINISTRO PAULO DE TARSOSANSEVERINO.

REsp 1.333.988 - DJe 11.04.2014.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULODE TARSO SANSEVERINO

(Relator):Trata-se de recurso especial afe-

tado ao rito do art. 543-C do Códi-go de Processo Civil para a conso-lidação do entendimento desta

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Corte sobre as seguintes questõesjurídicas:

i) possibilidade de cominação deastreintes na determinaçãoincidental de exibição de docu-mentos durante a fase de cum-primento de sentença;(ii) possibilidade de rediscussãodo cabimento das astreintesapós preclusão do “decisum”que as cominou.

No caso dos autos, BANCO ITAÚUNIBANCO S/A insurge-se contracontra acórdão do Tribunal de Jus-tiça do Estado de São Paulo, assimementado:

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA- Impugnação - Pretensão à mo-dificação de coisa julgada - Im-possibilidade - Interposição derecurso de agravo de instru-mento que não se presta a estafinalidade - Decisão mantida. (fl.220)

Opostos embargos de declara-ção, foram rejeitados.

Em suas razões, alega a parterecorrente violação do art. 461, §§3º, 4º e 5º, do Código de ProcessoCivil, sob o argumento de desca-bimento de cominação de as-treintes para o cumprimento daobrigação de exibir documentos.Aduz, também, dissídio preto-riano.

O prazo para contrarrazõestranscorreu in albis (fl. 278).

Por iniciativa deste relator (fl.570), facultou-se a intervenção, naqualidade de amicus curiae, daOrdem dos Advogados do Brasil -OAB e da Defensoria Pública daUnião - DPU.

A OAB manifestou-se no senti-do de que a Súmula 372/STJ deveser superada, para se admitir a im-posição de multa no caso de des-respeito à ordem de exibição dedocumentos.

O Ministério Público Federalopinou, em tese, pela impossibili-dade de cominação de astreintesna exibição de documentos e pelanão ocorrência de preclusão. Quan-to ao caso concreto, pelo provi-mento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULODE TARSO SANSEVERINO

(Relator):Eminentes colegas, inícioo ana-

lisando a primeira questão jurídi-ca afetada, referente à possibili-dade de cominação deastreintes na determinaçãoincidental de exibição de docu-mentos durante a fase de cum-primento de sentença.

Relativamente à ação de exibi-ção de documentos, esta Corte Su-perior possui entendimento conso-lidado no sentido da impossibili-dade de cominação de astreintes ,conforme se verifica na seguintesúmula:

Súmula 372/STJ - Na ação deexibição de documentos, nãocabe a aplicação de multacominatória.

Entendeu-se que, descumpridaa ordem de exibição, seria cabí-vel a busca e apreensão do docu-mento.

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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES.DESCABIMENTO.

A propósito, merecem transcri-ção precedentes que deram origemà súmula, litteris:

Ação de exibição de documen-tos. Multa cominatória.

1. A multa cominatória é perti-nente quando se trate de obri-gação de fazer ou não fazer,não cabendo na cautelar de exi-bição de documentos, em que,se não cumprida a ordem, se-gundo precedente desta Tercei-ra Turma, é possível a busca eapreensão.2. Recurso especial conhecido eprovido. (REsp 433.711/MS, Rel.Ministro CARLOS ALBERTOMENEZES DIREITO, TERCEIRATURMA, DJ 22/04/2003)Ação de exibição. Processocautelar. No processo cautelar,o desatendimento da determi-nação de que se exiba docu-mento ou coisa não acarreta aconseqüência prevista no arti-go 359 do Código deProcesso Civil. (REsp 204.807/SP,Rel. Ministro EDUARDO RIBEI-RO, TERCEIRA TURMA, DJ 28/08/2000)

Também não é cabível a presun-ção de veracidade do art. 359 doCódigo de Processo Civil, confor-me entendimento firmado pelorito do art. 543-C do Código de Pro-cesso Civil, sintetizado na seguin-te ementa:

AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃODE DOCUMENTOS. ART. 359DO CPC. PRESUNÇÃO DE VERA-CIDADE. NÃO APLICABILIDA-DE. RECURSO ESPECIAL REPE-TITIVO. LEI N. 11.672/2008.RESOLUÇÃO/STJ N. 8, DE07.08.2008. APLICAÇÃO.

1. A presunção de veracidadecontida no art. 359 do Códigode Processo Civil não se aplicaàs ações cautelares de exibiçãode documentos. Precedentes.2. Na ação cautelar de exibição,não cabe aplicar a cominaçãoprevista no art. 359 do CPC,respeitante à confissão fictaquanto aos fatos afirmados,uma vez que ainda não há açãoprincipal em curso e não se re-vela admissível, nesta hipótese,vincular o respectivo órgão ju-diciário, a quem compete a ava-liação da prova, com o presumi-do teor do documento 3. Julga-mento afetado à 2a. Seção combase no Procedimento da Lei n.11.672/2008 e Resolução/STJ n.8/2008 (Lei de RecursosRepetitivos).4. Recurso especial a que se dáprovimento. (REsp 1.094.846/MS, Rel. Ministro CARLOS FER-NANDO MATHIAS (JUIZ FEDE-RAL CONVOCADO DO TRF 1ªREGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO,DJe 03/06/2009)

Em suma, na ação de exibição,o único meio admitido para aefetivação do pedido é a busca eapreensão do documento.

No presente recurso, discute-seo pedido incidental de exibição dedocumentos, ou seja, aquele dedu-zido no curso de uma ação quetenha objeto próprio, distinto daexibição.

O pedido incidental de exibiçãopode ser deduzido contra a parteex adversa ou contra terceiro.

Somente a hipótese do pedidoincidental formulado contra a par-te adversa será analisada no pre-sente recurso.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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A consequência da recusa nes-ses casos de exibição incidental dedocumento é a presunção de vera-cidade, por disposição expressa doart. 359 do Código de Processo Ci-vil, abaixo transcrito:

Art. 359. Ao decidir o pedido, ojuiz admitirá como verdadeirosos fatos que, por meio do docu-mento ou da coisa, a parte pre-tendia provar:I - se o requerido não efetuar aexibição, nem fizer qualquerdeclaração no prazo do art. 357;II - se a recusa for havida porilegítima.

Porém, como a obrigação deexibir documentos é uma obriga-ção de fazer, é frequente a contro-vérsia nos tribunais de apelaçãoacerca da possibilidade decominação de astreintes , com baseno art. 461, § 5º, do Código de Pro-cesso Civil.

No caso dos auto, por exemplo,o Tribunal de origem, no limiar dafase de cumprimento de sentença,determinou a exibição dos extra-tos da caderneta de poupança noprazo de 30 dias, sob pena de mul-ta diária de R$ 300,00.

No entanto, a jurisprudênciadesta Corte orientou-se no sentidodo descabimento de astreintes naexibição incidental de documen-tos, conforme se verifica nos se-guintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO EM RECURSO ESPECI-AL. DETERMINAÇÃO DE EXIBI-ÇÃO INCIDENTAL DE DOCU-MENTOS SOB PENA DE MULTADIÁRIA. NÃO CABIMENTO.

1. A orientação jurisprudencialque prevalece no âmbito deambas as Turmas integrantesda Segunda Seção do SuperiorTribunal de Justiça é no sentidode não ser cabível a aplicaçãode multa em caso de descum-primento de ordem incidentalde exibição de documento.Precedentes.2. Agravo regimental não pro-vido.(AgRg nos EDcl no AREsp355.058/RJ, Rel. Ministro LUISFELIPE SALOMÃO, QUARTATURMA, DJe 25/02/2014)

AGRAVO REGIMENTAL. RECUR-SO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL.CONTRATOS BANCÁRIOS.AÇÃO DE REVISÃO. DETERMI-NAÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCU-MENTOS SOB PENA DE MULTADIÁRIA. NÃO CABIMENTO.1. A imposição da multacominatória prevista no art.461 do CPC é restrita às deman-das que envolvem obrigação defazer e não fazer, sendoincabível em sede de pedidoincidental de exibição de docu-mentos.2. Entendimento pacífico deambas as Turmas da SegundaSeção desta Corte.3. AGRAVO REGIMENTAL DES-PROVIDO.(AgRg no REsp 1.294.856/SP, Rel.Ministro PAULO DE TARSOSANSEVERINO, TERCEIRA TUR-MA, julgado em 26/02/2013,DJe 04/03/2013)

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃODE REVISÃO DE CONTRATOS.FASE DE CUMPRIMENTO DESENTENÇA. ORDEM INCIDEN-TAL DE EXIBIÇÃO DE DOCU-MENTOS. MULTA. NÃO CABI-MENTO.

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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES.DESCABIMENTO.

1.- Não cabe aplicação de mul-ta em caso de descumprimentode ordem incidental de exibiçãode documento ou coisa previs-ta nos arts. 355 a 363 do CPC,porquanto já preveem especi-ficamente tais dispositivos le-gais a presunção ficta em casode recusa considerada ilegíti-ma.2.- Extensão do entendimentocontido na Súmula STJ/372 àsdeterminações incidentais deexibição de documento no pro-cesso, casos em que deverá serobservada a regra prevista noart. 359 do CPC.3.- Agravo Regimental impro-vido.(AgRg no REsp 1284422/SP,Rel. Ministro SIDNEI BENETI,TERCEIRA TURMA, julgado em16/10/2012, DJe 05/11/2012)

AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃODE COBRANÇA EM FASE DECUMPRIMENTO DE SENTENÇA- CADERNETA DE POUPANÇA -CORTELOCAL INDEFERINDOPLEITO DA EXEQUENTE VOL-TADO À EXIBIÇÃO DE EXTRA-TOS PARA PERMITIR CÁLCULODO QUANTUM DEBEATUR -DECISÃO MONOCRÁTICA QUECONHECEU DE AGRAVO DEINSTRUMENTO, PROVENDO,DESDE LOGO, RECURSO ESPE-CIAL DA EXEQUENTE - IRRE-SIGNAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FI-NANCEIRA DEVEDORA.1. Desnecessidade da parte cre-dora efetuar o preparo do re-curso especial por ser benefi-ciária da gratuidade de justiça.2. Inaplicabilidade, ao caso, doóbice contido na Súmula n. 7/STJquanto à possibilidade de exibi-ção de documentos. Matéria aser decidida estritamente emtese.

Corte de origem que entendejusta a recusa da casa bancáriaem apresentar ao juízo extra-tos de caderneta de poupançaunicamente em função do lap-so temporal havido entre a datado advento dos Planos Econô-micos e o pleito exibitório, dei-xando de apontar fato concre-to outro a firmar a escusabili-dade do dever de guarda dosdocumentos.Entendimento manifestamen-te em contradição à orientaçãopacífica deste Superior Tribunalde Justiça, que consagra a obri-gação da instituição financeiraem manter a guarda dos docu-mentos atinentes à escritura-ção das contas mantidas porseus clientes enquanto não pres-critas eventuais pretensões de-rivadas da relação jurídica ban-cária.Ônus do executado exibir osdocumentos indispensáveispara realização de cálculos vol-tados a apurar o quantum dacondenação, sob pena de nãopoder contestar as contas a se-rem formuladas pelo exequen-te. Inteligência do art. 475-B,§2º, do CPC.3. Agravo regimental desprovi-do, impondo-se multa emdesfavor do recorrente.(AgRg no Ag 1.275.771/SP, Rel.Ministro MARCO BUZZI, QUAR-TA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 23/03/2012)

Na exibição incidental de docu-mentos, portanto, a consequênciada recusa é a presunção de veraci-dade, não sendo cabível acominação de astreintes .

Essa presunção, naturalmente,é relativa, podendo o juiz decidirde forma diversa da pretendida

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pelo interessado na exibição, combase em outros elementos de pro-va constantes dos autos.

Nesse caso, no exercício dos seuspoderes instrutórios, pode o juiz,até mesmo, determinar a busca eapreensão do documento, se en-tender necessário para a formaçãodo seu convencimento, conformese verifica no seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRA-VO DE INSTRUMENTO. AÇÃODE CONHECIMENTO. FASEINSTRUTÓRIA.DIFERENÇAS DECORREÇÃO EM CONTA DE POU-PANÇA. EXIBIÇÃO INCIDENTALDE DOCUMENTO. EXTRATOS.1. A ordem incidental de exibi-ção de documentos, na faseinstrutória de ação ordinária decobrança, encontra respaldo, nosistema processual vigente, nãono art. 461 invocado no recursoespecial, mas no art. 355 e se-guintes do CPC, que não prevê-em multa cominatória. Isso por-que o escopo das regrasinstrutórias do Código de Pro-cesso Civil é buscar o caminhoadequado para que as partesproduzam provas de suas ale-gações, ensejando a formaçãoda convicção do magistrado, enão assegurar, de pronto, ocumprimento antecipado (tute-la antecipada) ou definitivo(execução de sentença) de obri-gação de direito material defazer, não fazer ou entrega decoisa.2. Segundo a jurisprudência con-solidada do STJ, na ação de exi-bição de documentos não cabea aplicação de multa comina-tória (Súmula 372). Este enten-dimento aplica-se, pelos mes-mos fundamentos, para afas-tar a cominação de multa diá-

ria para forçar a parte a exibirdocumentos em medida inci-dental no curso de ação ordiná-ria condenatória. Nesta, ao con-trário do que sucede na açãocautelar, cabe a presunção fictade veracidade dos fatos que aparte adversária pretendiacomprovar com o documento(CPC, art. 359), cujas conse-quências serão avaliadas pelojuízo em conjunto com as demaisprovas constantes dos autos,sem prejuízo da possibilida-de de busca e apreensão , noscasos em que a presunção fictado art. 359 não for suficiente,ao prudente critério judicial.3. Agravo regimental não pro-vido.(AgRg no Ag 1.179.249/RJ,Rel. Ministra MARIA ISABELGALLOTTI, QUARTA TURMA,julgado em 14/04/2011, DJe03/05/2011, sem grifos no ori-ginal)

Uma ressalva há de ser feita noque tange aos direitos indisponí-veis.

Nessa hipótese, ainda que tenhahavido recusa ilegítima de exibi-ção, não é cabível a presunção deveracidade, conforme se depreendedo seguinte dispositivo do Códigode Processo Civil:

Art. 319. Se o réu não contes-tar a ação, reputar-se-ão ver-dadeiros os fatos afirmadospelo autor.Art. 320. A revelia não induz,contudo, o efeito mencionadono artigo antecedente:............................................II - se o litígio versar sobre direi-tos indisponíveis;............................................

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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES.DESCABIMENTO.

Restaria ao juiz somente a bus-ca e apreensão.

Porém, na prática, essa medidatem diminuta eficácia, consoanteaponta a doutrina, litteris:

Entretanto, na prática, tal me-dida não se mostra capaz deefetivação do direito, uma vezque, freqüentemente, a buscapara apreensão de documentostorna-se tarefa um tanto difícilou até mesmo impossível. Ima-ginem se as dificuldades queenfrentaria um oficial de justi-ça efetuando a busca de umdocumento numa instituiçãobancária. Há ainda a possibili-dade de a parte ocultar docu-mento que não tem interessede exibir, hipótese em que amedida se tornaria inócua, so-bretudo pelo fato de o requeri-do saber que não sofrerá ne-nhuma conseqüência.(GONÇALVES, CARLOS A.; TEI-XEIRA, JOSSEMARA J. D., Bre-ves considerações sobre as es-pécies de exibição de documen-tos previstas no CPC. RevistaIOB de Direito Civil e ProcessualCivil, Ano VIII, nº 44, nov-dez de2006, p. 86)

Assim, para evitar o sacrifício dodireito da parte interessada, tem-se admitido a cominação deastreintes nos casos que envolvemdireitos indisponíveis, como foi oentendimento desta Corte Superi-or, sob o rito do art. 543-C do Có-digo de Processo Civil, para a hi-pótese de negativa de fornecimen-to dos extratos do FGTS.

Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. ART. 461, §4º, DO CPC. OBRIGAÇÃO DE FA-

ZER. CAIXA ECONÔMICA FEDE-RAL. APRESENTAÇÃO DE EX-TRATOS DE CONTAS VINCULA-DAS AO FGTS. COMINAÇÃO DEMULTA DIÁRIA. ASTREINTES .POSSIBILIDADE.1. Recurso repetitivo julgadopela Primeira Seção do Superi-or Tribunal de Justiça, com ful-cro no art. 543-C do CPC, firmouo entendimento de que “a res-ponsabilidade pela apresenta-ção dos extratos analíticos é daCaixa Econômica Federal - en-quanto gestora do FGTS -, poistem ela total acesso a todos osdocumentos relacionados aoFundo e deve fornecer as pro-vas necessárias ao correto exa-me do pleiteado pelos fun-dis-tas” (REsp 1.108.034/RN, Rel.Min. Humberto Martins, Pri-meira Seção, julgado em28.10.2009, DJe 25.11.2009).2. O presente recurso especialrepetitivo trata da consequên-cia lógica pelo não cumprimen-to da obrigação imposta à CEF,qual seja, a possibilidade de apli-cação de multa diária previstano art. 461, § 4º, do CPC.3. É cabível a fixação de multapelo descumprimento de obri-gação de fazer (astreintes), nostermos do art. 461, § 4º, do CPC,no caso de atraso no forneci-mento em juízo dos extratos decontas vinculadas ao FGTS.4. A ratio essendi da norma édesestimular a inércia injusti-ficada do sujeito passivo emcumprir a determinação dojuízo, mas sem se converter emfonte de enriquecimento doautor/exequente. Por isso quea aplicação das astreintes devenortear-se pelos princípios daproporcionalidade e darazoabilidade.

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5. Precedentes: REsp 998.481/RJ,Rel. Ministra Denise Arruda, Pri-meira Turma, DJe 11.12.2009.AgRg no REsp 1.096.184/RJ,Rel. Min. Mauro Campbell Mar-ques, DJe de 11.3.2009; REsp1.030.522/ES, Rel. MinistraEliana Calmon, Segunda Turma,julgado em 19.2.2009, DJe27.3.2009; REsp 836.349/MG,Rel. Min. José Delgado, DJ de9.11.2006.Recurso especial improvidopara reconhecer a incidência damulta. Acórdão sujeito ao regi-me do art. 543-C do Código deProcesso Civil e da Resolução 8/2008 do Superior Tribunal deJustiça.(REsp 1.112.862/GO, Rel. Mi-nistro HUMBERTO MARTINS,PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em13/04/2011, DJe 04/05/2011)

Feita essa necessária ressalva,propõe-se a consolidação da tesenos seguintes termos: “Desca-bimento de multa cominatória naexibição, incidental ou autônoma,de documento relativo a direitodisponível”.

A tese foi redigida em termosgerais, para englobar o conteúdoda Súmula 372/STJ.

A outra tese de que trata esterecurso especial representativo dacontrovérsia diz respeito à “possi-bilidade de rediscussão do cabi-mento das astreintes após pre-clusão do ‘decisum’ que as comi-nou”.

Quanto a esse ponto, a jurispru-dência desta Corte Superior é pa-cífica no sentido de que a multacominatória não integra a coisajulgada, sendo apenas um meio decoerção indireta ao cumprimento

do julgado, podendo ser comi-nada, alterada ou suprimida pos-teriormente.

Nesse sentido, colaciono,ilustrativamente, os seguintes jul-gados:

RECURSO ESPECIAL - ‘ASTRE-INTE’ - APLICAÇÃO E REVOGA-ÇÃO - DISCRICIONARIEDADEDO JULGADOR - APRECIAÇÃOEM SEDE DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - POSSIBILIDA-DE - RECURSO IMPROVIDO.1 - A decisão que arbitra a as-treinte não faz coisa julgadamaterial, pois ao magistrado éfacultado impor essa coerção,de ofício ou a requerimento daparte, cabendo a ele, da mes-ma forma, a sua revogação noscasos em que a multa se tornardesnecessária.2 - É cabível exceção de pré-executividade com objetivo dediscutir matéria atinente àastreinte.3 - Recurso improvido.(REsp 1.019.455/MT, Rel. Minis-tro MASSAMI UYEDA, TERCEI-RA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 15/12/2011)

AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. FUNDAMEN-TOS INSUFICIENTES PARA RE-FORMAR A DECISÃO AGRAVA-DA.1. O artigo 461, § 6º, do Códigode Processo Civil permite queo magistrado exclua ou altere,de ofício ou a requerimento daparte, a multa quando esta setornar insuficiente, excessiva,ou desnecessária, mesmo apóstransitada em julgado a sen-tença, não se observando a pre-clusão.

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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES.DESCABIMENTO.

2. Aplicável à espécie, portan-to, o óbice da Súmula 83 destaCorte.3. Agravo regimental a que senega provimento.(AgRg no AREsp 408.030/RS, Rel.Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,QUARTA TURMA, julgado em18/02/2014, DJe 24/02/2014)

Destarte, na esteira desses jul-gados acima colacionados, propo-nho a consolidação da tese nos se-guintes termos: “a decisão quecomina astreintes não preclui,tampouco faz coisa julgada”.

Passando ao caso concreto, oTribunal de origem, no limiar documprimento de sentença, deter-minou a exibição dos extratos depoupança no prazo de 30 dias, sobpena de multa diária de R$ 300,00(cf. fl. 126).

A ordem de exibição foi cum-prida com atraso, gerando umasoma de R$ 9.000,00 a título demulta (cf. fl. 188).

No curso da impugnação aocumprimento de sentença, o Tri-bunal de origem reconheceu quea multa seria descabida, em ra-zão da Súmula 372/STJ, mas de-cidiu mantê-la, sob o fundamen-to de que teria havido coisajulgada quanto a esse ponto (cf.fl. 220).

O acórdão recorrido está emdissonância com o entendimentoacima delineado, sendo de rigor oprovimento do recurso especialpara excluir as astreintes .

Ante o exposto, voto nos se-guintes termos:

(i) Para os fins do art. 543-C doCódigo de Processo Civil:

(i.1) “Descabimento de multacominatória na exibição,incidental ou autônoma, de do-cumento relativo a direito dis-ponível”(i.2) “A decisão que cominaastreintes não preclui, não fa-zendo tampouco coisa julgada”.(ii) Caso concreto: dá-se provi-mento ao recurso especial parajulgar procedente aimpugnação ao cumprimentode sentença, a fim de excluir asastreintes .

Custas e honorários pela parteimpugnada (ora recorrida), estesarbitrados em R$ 1.000,00, suspensaa exigibilidade nos termos da Lei1.060/50.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Seção, por unanimidade, deuprovimento ao recurso especialpara julgar procedente aimpugnação ao cumprimento desentença, a fim de excluir asastreintes, nos termos do voto doSr. Ministro Relator.

Para os fins do artigo 543-C, doCódigo de Processo Civil, foramdefinidas as seguintes teses: (i.1)“Descabimento de multacominatória na exibição, incidentalou autônoma, de documento rela-tivo a direito disponível”; e (i.2) “Adecisão que comina astreintes nãopreclui, não fazendo tampoucocoisa julgada”.

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CANCELAMENTO DO PROTESTO EXTRAJUDICIAL. ÔNUS DO DEVEDOR.

Superior Tribunal de Justiça

Recurso repetitivo. Cancelamento de protesto extrajudical. Ônusdo cancelamento do protesto legitimamente efetuado dodevedor. Art. 2º da Lei n. 9.492/1997. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1348042&sReg=201201728380&sData=20140924&formato=PDF> Acesso em: 21 out. 2014.

EMENTA OFICIAL

CANCELAMENTO DE PROTESTOEXTRAJUDICIAL. RECURSO ESPECI-AL REPRESENTATIVO DE CONTRO-VÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. ÔNUSDO CANCELAMENTO DO PROTES-TO LEGITIMAMENTE EFETUADO.DEVEDOR. CONFORME DISPÕE OART. 2º DA LEI N. 9.492/1997, OSSERVIÇOS CONCERNENTES AO PRO-TESTO FICAM SUJEITOS AO REGI-ME ESTABELECIDO NESTA LEI. ALE-GAÇÃO DE O DÉBITO TER SIDOCONTRAÍDO EM RELAÇÃO DE CON-SUMO. IRRELEVÂNCIA, POR SE TRA-TAR DE PROCEDIMENTO SUBMETI-DO A REGRAMENTO ESPECÍFICO.

1. Para fins do art. 543-C do Có-digo de Processo Civil: “No regimepróprio da Lei n. 9.492/1997, legiti-mamente protestado o título de cré-dito ou outro documento de dívida,salvo inequívoca pactuação em sen-tido contrário, incumbe ao devedor,após a quitação da dívida, providen-ciar o cancelamento do protesto.

2. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministrosda SEGUNDA SEÇÃO do SuperiorTribunal de Justiça, por unanimi-dade, negar provimento ao recur-so especial, nos termos do voto doSr. Ministro Relator.

Para os efeitos do artigo 543-C,do Código de Processo Civil, foiaprovada a seguinte tese: “No re-gime próprio da Lei nº 9.492/1997,legitimamente protestado o títulode crédito ou outro documento dedívida, salvo inequívoca pactuaçãoem sentido contrário, incumbe aodevedor, após a quitação da dívi-da, providenciar o cancelamentodo protesto”. Os Srs. Ministros Pau-lo de Tarso Sanseverino, Maria Isa-bel Gallotti, Antonio CarlosFerreira, Ricardo Villas Bôas Cueva,Marco Buzzi, Marco AurélioBellizze, Moura Ribeiro e João Otá-vio de Noronha votaram com o Sr.Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Raul Araújo.

Brasília, 10 de setembro de 2014(data do julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALO-MÃO, Relator.

REsp Nº 1.339.436 - SP (2012/0172838-0). DJe 24.09.2014.

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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Getúlio Fonseca Carvalhoajuizou “ação de indenização pordanos materiais e morais” em facede Varejão Casa da Maçã Ltda - ME.Afirma que emitiu cheque parapagamento de mercadoria adqui-rida no estabelecimento do réu,todavia, por estar desempregado,não pôde honrar o pagamento,tendo a cártula vindo a ser levadaa protesto. Argumenta que, com aobtenção de novo emprego, qui-tou a dívida contraída na relaçãode consumo.

Assevera que caberia ao réu “pe-dir a baixa do protesto do título,considerando-se o pagamentocompleto da dívida”.

Expõe que, como possuía umapequena propriedade rural, ten-tou obter financiamento para re-cuperação de pastagens, cercas eaquisição de 20 novilhas para ini-ciar atividades rurais, todavia,“quando o financiamento estavapor ser liberado constatou-se oprotesto do cheque que já haviasido pago” há muito tempo, semque tenha sido promovido o can-celamento.

Pondera que teve gastos comdespesas de viagens para consecu-ção do financiamento e que tevedano moral, por ser apontadocomo “devedor de dívida já pagae de ter frustrado o sonho” de serempreendedor no município ondenasceu.

O Juízo da 3ª Vara da Comarcade Araras julgou improcedentes ospedidos formulados na inicial.

Interpôs o autor apelação parao Tribunal de Justiça de São Pau-lo, que negou provimento ao re-curso.

A decisão tem a seguinteementa:

BEM MÓVEL/SEMOVENTE -CERCEAMENTO DE DEFESA -OCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DEPREJUÍZO - NULIDADE DA SEN-TENÇA AFASTADA - REVELIA -INOCORRÊNCIA - CONTESTA-ÇÃO EM NOME DO SÓCIO - IR-REGULARIDADE SANÁVEL -RESPONSABILIDADE CIVIL -PROTESTO DE TÍTULO - PAGA-MENTO POSTERIOR AO VENCI-MENTO - ÔNUS DO CANCELA-MENTO - DEVEDOR - PARTEINTERESSADA - INTELIGÊNCIADO ARTIGO 26, DA LEI N”9.492/97 EM CONSONÂNCIACOM A LEI ESTADUAL N.11.331/02 - PRELIMINARES RE-JEITADAS - RECURSO NÃO PRO-VIDO.Ocorrendo de forma licita anegativação do nome do deve-dor junto aos órgãos de prote-ção ao crédito, compete a ele ocancelamento após regular qui-tação.

Opostos embargos de declara-ção, foram rejeitados.

Sobreveio recurso especial doautor, com fundamento no artigo105, inciso III, alíneas “a” e “c”, daConstituição Federal, sustentandodivergência jurisprudencial, omis-são e violação aos arts. 6º, 7º, 14,39, 43 e 73 do CDC; 3º, 273, 297,303, 319, 320, 324, 332, 333, 348,401,402 e 535 do CPC e 186, 187,927, 932 e 933 do CC.

Afirma que o recorrido, “seaproveitando da simplicidade des-

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CANCELAMENTO DO PROTESTO EXTRAJUDICIAL. ÔNUS DO DEVEDOR.

se homem pobre, humilde e semleitura e fugindo completamentede suas obrigações contratuais, nãocuidou de dar baixa no título jun-to ao 2º Cartório de Protestos deAraras, bem como não emitiu acarta de anuência indispensável aoato, mantendo seu nome injusta-mente no ‘Rol dos Devedores’,alijando-o completamente do mer-cado de consumo”.

Pondera que o representantelegal do recorrido - que recebeu ovalor integral da dívida -, apesarde não ser parte no processo, con-testou a ação, contudo, única eexclusivamente a questão dos da-nos morais, confessando, inclusive,o superveniente pagamento da dí-vida vencida - embora não tenhadito a verdade quando afirmou terdevolvido o título protestado eentregue a carta de anuência.

Argumenta que o acórdão re-corrido diverge da jurisprudênciado STJ, que perfilha o entendimen-to de que “não compete ao deve-dor dar a baixa no protesto e simao credor, a jurisprudência já paci-ficou essa questão, competindo aocredor esse encargo”.

Não houve oferecimento decontrarrazões.

Dei provimento ao Agravo deInstrumento 1.383.403/SP para de-terminar a subida do presente re-curso especial.

Verificando a multiplicidade derecursos a versarem sobre a mes-ma controvérsia, submeti o feitoà apreciação da egrégia SegundaSeção, na forma do que preceituao artigo 543-C do CPC. Com issodeterminei a ciência e facultei amanifestação no prazo de 15 (quin-

ze) dias (art. 3º, I, da Resolução n.8/2008) ao Instituto Brasileiro deDefesa do Consumidor - Idec, àFederação Brasileira de Bancos -Febraban, à Confederação Nacio-nal do Comércio de Bens, Serviçose Turismo - CNC, à Associação Na-cional das Sociedades de FomentoMercantil - Anfac, à Anoreg-Brasile à Defensoria Pública da União.

A Defensoria Pública da União,como amicus curiae, opina no se-guinte sentido, in verbis:

Dispõe o art. 26 da Lei nº 9.492/97 que “O cancelamento do re-gistro do protesto será solicita-do diretamente no Tabelionatode Protesto de Títulos, por qual-quer interessado, medianteapresentação do documentoprotestado, cuja cópia ficaráarquivada” .Em análise objetiva e direta, ouseja, pela literalidade do dispo-sitivo, pode-se raciocinar que ocancelamento do protesto ficaa cargo de qualquer das partes,ou seja, pode ser realizado tan-to pelo credor, quanto pelo de-vedor, irrestritamente.Contudo, a lógica, objetividadee facilidade de entendimentoparam por aí. É que o devedorsomente terá condições de re-alizar o cancelamento do pro-testo quando:(i) Apresentar o título protes-tado;(ii) Na falta desse, apresentardeclaração de anuência, comidentificação e firma reconhe-cida, daquele que figurou noregistro de protesto como cre-dor originário ou por endossotranslativo.Vê-se, pois, que a possibilidadede o próprio devedor requerer

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o cancelamento do protesto de-pende necessariamente de atodo credor, sem o qual não lhecaberá o ônus de postular o can-celamento diretamente namedida em que lhe faltará oinstrumento indispensável paraa realização do ato.Vale lembrar, por outro lado,que o devedor nem sempre es-tará diante de cartório que lheseja próximo. Ou seja, a ser-ventia pode mesmo ser em ou-tra unidade da federação, emlocal bem longínquo daqueleque reside o devedor, daí se es-taria impondo ônus a mais aoconsumidor-devedor, já vulne-rável diante da pessoa jurídicaque, certamente, tem aportede técnico, financeiro e admi-nistrativo maior do que ohipossuficiente.De certo que se poderá dizerque atualmente o sistema fun-ciona inclusive por meio eletrô-nico, pela internet, ou até mes-mo por telefone. Ora, de todasorte, estar-se-ia imputandomaior ônus ao devedor, redu-zindo até mesmo a perspectivade negociação de eventuais dí-vidas, quando se tiver em men-te que será muito mais traba-lhoso localizar o órgão de pro-testo e efetuar a baixa.A obrigação deve, por isso, per-manecer com o credor.Nesse sentido, inclusive, embo-ra se tratasse do SERASA/SPC,esse colendo Superior Tribunalde Justiça, por meio das duasTurmas que compõem essa Eg.Seção, já havia firmando o en-tendimento de que o ônus pelocancelamento de inscrição emregistro deve recair sobre o cre-dor.[...]

Portanto, o razoável é que opróprio credor realize o cance-lamento do protesto, não im-pedindo, por óbvio, que o deve-dor possa fazê-lo diante daomissão do credor, que, por isso,deverá ser responsabilizado nasesferas correspondentes.Entende, assim, a DefensoriaPública da União que o ônus derequerer o cancelamento doprotesto, após o pagamento dadívida, é do credor.

A Confederação Nacional doComércio de Bens, Serviços e Tu-rismo - CNC, como amicus curiae,opina no seguinte sentido, inverbis:

A controvérsia exposta nos au-tos do presente recurso especi-al, qual seja, a responsabilida-de pelo cancelamento junto aoscartórios de protesto de títulose demais órgãos de proteção aocrédito, em nosso modesto en-tender, com a devida venia, nãodeveria existir diante da clare-za do artigo 26 da Lei nº 9.492/97, comando norma-tivo emque se baseou a sentença a quoora recorrida.Isto porque o referido dispositi-vo normativo é claro em atri-buir a qualquer “interessado”o cancelamento do registro deprotesto, de forma que possuir“interesse”, que no Conceito deCarnelutti é a “posição favorá-vel à satisfação de uma neces-sidade”, é requisito ex vi legepara ter legitimidade de agir.Ocorre que os credores, após orecebimento de seus créditos,não possuem qualquer interes-se, seja jurídico ou econômico nocancelamento do registro deprotesto realizado, ato cuja efi-

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cácia para o credores se exau-riu com o pagamento docrédito,e como tal, não lhes trazqualquer efeito jurídico.Assim, nos parece restar claroque para o credores há interes-se jurídico e econômico naefetivação do registro de pro-testo, instrumento hábil para acobrança de seus créditos, masnão há qualquer interesse norespectivo cancelamento, atocujos efeitos jurídicos só interes-sam aos devedores ou a tercei-ros eventualmente interessa-dos, tais como seus herdeiros,cônjuges, sócios e etc., que sãoos legitimados a que se refereo caput do artigo 26 da lei nº9.492/97.[...]Assim, diante do exposto, espe-ra a Confederação Nacional doComércio de Bens, Serviços e Tu-rismo ter contribuído para asdiscussões jurídicas acerca doobjeto da controvérsia existen-te nos autos do presente Recur-so Especial, confiando que aofinal seja firmado por estaínclita Corte o entendimen-to de que o cancelamento doregistro do protesto de quetrata o artigo 26 da Lei nº9.492/97 não pode ser atribu-ído ao credor, tendo em vista ainequívoca inexistência de inte-resse deste na realização do ato,que é exigência de legitimaçãolegalmente prevista, por ser me-dida da mais escorreita justiça.

A Associação Nacional das Soci-edades de Fomento Mercantil -Anfac, como amicus curiae, opinano seguinte sentido, in verbis:

4 - Para que se proceda ao can-celamento do protesto de qual-

quer título, incumbe ao interes-sado o pagamento de despesas.5 – A existência de tais despe-sas, decorrente do protesto eseu consequente cancelamen-to, está expressamente previs-ta na Lei n° 9492/97, em seuArtigo 26, parágrafo 3º.6 – O Art. 325 do Código Civil pre-vê a responsabilidade do deve-dor pelo pagamento, “in verbis”:“Presumem-se a cargo do deve-dor as despesas com o pagamen-to e a quitação;.....” G.n.7 – Resta claro que, por talenfoque, diante da existênciade despesas para o cancelamen-to do protesto, cuja responsa-bilidade é atribuída ao devedor,a ele devedor então cabe o ônusde promover o cancelamento enão ao credor.II – DO PRECEDENTE CONTI-DO NA LEI FEDERAL 6.690/798 – A Lei Federal nº 6.690/79,de 25/09/79, disciplina o cance-lamento do protesto de títuloscambiais e expressamente atri-bui a responsabilidade por talcancelamento ao devedor.9 – Com efeito, o art. 2º. do men-cionado diploma legal afirma:“Art 2º Será cancelado o pro-testo de títulos cambiais poste-riormente pagos mediante aexibição e a entrega, pelo de-vedor ou procurador com pode-res especiais, dos títulos protes-tados, devidamente quitados,que serão arquivados em car-tório.” G.n.10 – Não nos resta dúvida deque, sendo o devedor o maiorinteressado no cancelamentodo protesto, cabe a ele e somen-te a ele a responsabilidade pelocancelamento do protesto.V - CONCLUSÃODiante do previsto na Lei Fede-ral nº 9492/97, que prevê o pa-

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gamento de despesas para ocancelamento, combinado como estabelecido no Art. 395 doCódigo Civil, que imputa ao De-vedor tal responsabilidade, con-clui-se que incumbem ao Deve-dor, maior interessado, as pro-vidências de cancelamento doprotesto.A corroborar tal entendimen-to, mister se faz ainda obser-var o que prevê a Lei Federal nº6690/79, que disciplina o cance-lamento do protesto de títuloscambiais, onde está expressa-mente previsto em seu artigo2º, que cabem ao devedor asprovidências relativas ao cance-lamento do protesto.A ANFAC – Associação Nacionalde Fomento Comercial honra-da manifesta-se no sentido de,para a solução da controvérsia,seja reconhecida a responsabi-lidade do devedor quanto àsprovidências ao cancelamentode protesto tirado de formaregular, esperando que os ar-gumentos contidos na presen-te possam contribuir para umamelhor análise da matéria poressa Colenda Corte.

A Federação Brasileira de Ban-cos - Febraban, como amicuscuriae, opina no seguinte sentido,in verbis:

4. Trata-se, na origem, de açãoindenizatória em que GetúlioFonseca Carvalho pleiteia a con-denação de Varejão Casa daMaçã Ltda. em decorrência damanutenção de protesto de tí-tulo (protesto cuja regularida-de não está em dúvida) após opagamento da dívida. Entendeo autor que Varejão deveria terprocedido ao cancelamento do

protesto, uma vez sanada amora.5. O Tribunal de Justiça estadu-al entendeu que cabia ao deve-dor, após o pagamento da dívi-da, o cancelamento do protes-to, nos termos do art. 26 da Leinº 9.492, de 10 de setembro de1997. O acórdão restou assimementado:[...]7. São esses os fatos considera-dos relevantes para o julga-mento do recurso especial, noque respeita à matéria afeta-da com o objetivo de fixação deparadigma para aplicação a re-cursos repetitivos.II. DA RESPONSABILIDADEPELO CANCELAMENTO DE PRO-TESTO REGULARMENTE EFE-TUADO, APÓS A QUITAÇÃO DADÍVIDA8. A Lei nº 9.492, de 1997, defi-ne as competências e regula-menta os serviços relativos aoprotesto de títulos e outros do-cumentos representativos dedívidas. O art. 1º define o pro-testo como “o ato formal e so-lene pelo qual se prova ainadimplência e o descumpri-mento de obrigação originadaem títulos e outros documen-tos de dívida”.9. Em seu art. 26, caput, a refe-rida lei estabelece que “o can-celamento do registro do pro-testo será solicitado diretamen-te no Tabelionato de Protestode Títulos, por qualquer interes-sado, mediando apresentaçãodo documento protestado”(sem grifo no original).10. A lei não dá espaço a dife-rentes interpretações. Vale di-zer, sob o regime da referidalei, o cancelamento do protes-to decorre de pedido formula-do por qualquer interessado. O

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ponto relevante para a presen-te discussão na leitura da lei é ode que ela não impõe a nin-guém a obrigação de providen-ciar o cancelamento. O que a leifaz é tão-somente dar a qual-quer interessado a legitimida-de para requerê-lo, sendo fácilidentificar o interesse do deve-dor em tal medida.11. Alguém poderia imaginarconflito entre o texto da lei e odo art. 43 e § 1º do Código deDefesa do Consumidor, que es-tabelecem:[...]12. Tal conflito, claramente sevê, inexiste. A Lei nº 9.492/97trata de algo distinto do que foiregulado pelo CDC. Chamou-seatenção acima para a definiçãolegal do protesto exatamentepor isso: ele não se confundecom anotações feitas em cadas-tros de consumidores.O protesto é ato formal, sole-ne, e meio de prova de inadim-plência. Os cadastros de consu-midores (seja para proteção decrédito ou qualquer outra fina-lidade) não são mais do quesimples cadastros.13. Em outras palavras, a nor-ma geral do CDC não tem apli-cação no campo do protesto detítulos. Enquanto o CDC foca narelação privada entre consumi-dores e fornecedores de produ-tos e prestadores de serviços, aLei nº 9.492/97, específica eposterior ao CDC, dá atençãoaos efeitos que determinadoseventos ocorridos nessa relaçãoprivada possam ter sobre todaa comunidade, por isso a rele-vância do protesto como atoformal e solene.14. Além disso, uma interpre-tação sistêmica de nosso direi-to, no que tange ao problema

aqui tratado, leva ao dispostono art. 395 do Código Civil, se-gundo o qual “responde o de-vedor pelos prejuízos a que suamora der causa”. Uma vez ocor-rida a mora, os custos decor-rentes da cobrança da dívida (eo protesto é necessário para acobrança) devem ficar a cargodo devedor. Assim, não faz sen-tido, dentro do sistema jurídi-co brasileiro, que o credor sejaobrigado a arcar com os custosrelacionados à cobrança da dí-vida.15. A jurisprudência dessa egré-gia Corte é pacífica sobre otema, tendo já as duas Turmasque compõem a Segunda Seçãotido a oportunidade de exami-nar a questão e declarar o en-tendimento aqui defendido,assim como cada um dos Minis-tros que atualmente as inte-gram. São exemplos dessa ju-risprudência:Da Terceira Turma: MinistraNancy Andrighi: AgRg no Ag nº768.161; AgRg no Ag 883.202;REsp 1.346.428; Ministro SidneiBeneti: AgRg no Ag 768.161;AgRg no Ag 883.202; REsp1.346.428; Ministro Paulo deTarso Sanseverino: AgRg no Ag883.202; REsp 1.346.428; Minis-tro Villas Bôas Cueva: REsp1.346.428; Ministro João Otáviode Noronha: REsp 1.346.428;AgRg no REsp nº 1.140.350; DaQuarta Turma: Ministro LuisFelipe Salomão: AgRg no REspnº 1.140.350; AgRg no AREsp nº217.161; AgRg no REsp nº906.875; Ministro Raul Araújo:AgRg no REsp nº 1.140.350;AgRg no AREsp nº 217.161;AgRg no REsp nº 906.875; Mi-nistra Maria Isabel Gallotti:AgRg no REsp nº 1.140.350;AgRg no AREsp nº 217.161;

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AgRg no REsp nº 906.875; Mi-nistro Antônio Carlos Ferreira:AgRg no AREsp nº 217.161;AgRg no REsp nº 906.875; Mi-nistro Marco Buzzi: AgRg noAREsp nº 217.161; AgRg no REspnº 906.875.[...]17. De todo o exposto, manifes-ta-se a FEBRABAN em absolutasintonia com a jurisprudênciadessa egrégia Corte ao inter-pretar o art. 26 da Lei nº 9.492,de 1997, que não impõe ao cre-dor a obrigação de requerer ocancelamento de regular pro-testo de título, após o paga-mento da dívida.18. Por isso, pede e espera aFEBRABAN que a Segunda Se-ção firme orientação, para finsdo regime de recursos repeti-tivos, no sentido de declararque o cancelamento de protes-to feito de forma regular, apóso pagamento da dívida, nãoconstitui obrigação do credor,representando, antes, respon-sabilidade do devedor e de qual-quer outro interessado.19. Essas as razões que parece-ram próprias à formação doconvencimento de Vossa Exce-lência quanto à matéria objetode apreciação por essa Corte,com o registro do reconheci-mento da relevância da iniciati-va, indiscutivelmente útil a con-ferir ao tema a necessária se-gurança e previsibilidade.

O Ministério Público Federalopina no sentido de que “o pre-sente recurso há de ser parcialmen-te conhecido e, no quanto conhe-cido, deve ser desprovido, preva-lecendo, para os efeitos do artigo543- C, do Código de Processo Ci-vil, a tese de que após o pagamen-

to do débito, o ônus de providen-ciar o cancelamento do protestoextrajudicial regularmente efetua-do, à luz da Lei n. 9.492/1997, in-cumbe ao credor, não ficando, po-rém, o devedor, impedido deprovidenciá-lo”.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Não caracteriza, por si só,omissão, contradição ou obscurida-de quando o tribunal adota outrofundamento que não aquele defen-dido pela parte.

Logo, não há falar em violaçãoao artigo 535 do Código de Pro-cesso Civil,pois o Tribunal de ori-gem dirimiu as questões pertinen-tes ao litígio, afigurando-se dispen-sável que tivesse examinado umaa uma as alegações e fundamen-tos expendidos pelas partes.

Note-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSOESPECIAL. ART. 535 DO CPC. VI-OLAÇÃO. INOCORRÊNCIA.PREQUESTIONAMENTO IMPLÍ-CITO. FATO NOVO. MATÉRIAFÁTICA. SÚMULA 7 DO STJ.1. “Tendo o Acórdão recorridodecidido as questões debatidasno recurso especial, ainda quenão tenham sido apontados ex-pressamente os dispositivos nosquais se fundamentou o aresto,reconhece-se oprequestionamento implícito damatéria, conforme admitidopela jurisprudência desta Cor-te” (AgRg no REsp 1.039.457/RS, 3ª Turma, Min. Sindei Beneti,DJe de 23/09/2008).

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2. O Tribunal de origem mani-festou-se expressamente so-bre o tema, entendendo, noentanto, não haver qualquerfato novo a ensejar a modifi-cação do julgado. Não se deveconfundir, portanto, omissãocom decisão contrária aos in-teresses da parte.[...]4. Agravo regimental a que senega provimento. (AgRg no Ag1047725/SP, Rel. MinistroCARLOS FERNANDO MATHIAS(JUIZ FEDERAL CONVOCADODO TRF 1ª REGIÃO), QUARTATURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 10/11/2008)

3. Quanto ao mérito, o acór-dão recorrido dispôs:

Dentre uma das teses de defe-sa, o apelante admite comopraxe no comércio a devoluçãodo titulo e a entrega de cartade anuência após a quitação dadívida, possibilitando ao pro-testado tomar providênciasquanto ao cancelamento doprotesto.A seguir, todavia, contesta tam-bém o pagamento, alegandoque “não há prova da efetivaquitação do título.” (fls. 54) A r.sentença julgou improcedentea ação porque o autor não trou-xe para os autos comprovaçãodocumental do pagamento.A negativação do nome do au-tor no 20 Tabelião de Protestode Araras decorreu da não-compensação de um chequeemitido pelo autor e entregueao requerido no dia 3 de abrilde 2004. (fls. 08/09)O documento de fls. 217 emiti-do pelo Banco Bradesco com-prova que foi excluída a restri-ção do cheque no Banco

Bradesco, com a via original en-tregue ao autor em 07 de julhode 2005.Dessa forma, resta comprova-do que houve pagamento dadívida, mas depois de protesta-do o título.A negativação do nome do au-tor junto aos órgãos de prote-ção ao crédito ocorreu de for-ma lícita, em razão do inadim-plemento do devedor.Quanto ao apontamento, bas-ta ao devedor, com a prova daquitação, requerer a retifica-ção nos cadastros de inadim-plência, pagando as custas docancelamento conforme ob-servação feita no título protes-tado às fls. 08.[...]Essa norma, por seu turno, guar-da consonância com o artigo 26da Lei n. 9.492/97 que atribui aqualquer interessado o ônus derequerer o cancelamento.O atual Código Civil (art. 325),por sua vez, dispõe claramenteque as despesas com o paga-mento e a quitação do débitopresumem-se a cargo do deve-dor, na verdade o maior inte-ressado.Nesse sentido, posição destaCâmara:

“Bem móvel/semovente -Ação de Indenização - Pro-testo - Manutenção do nomedo devedor no cartório deprotesto - Cancelamentoque competia também aodevedor - Danos morais nãoconfigurados - Exegese doartigo 26, § 1º da Lei nº 9.492/97 - Recurso da autoraimprovido. Recurso da insti-tuição financeira provido.Cabe a qualquer dos interes-sados constantes do titulo opedido extrajudicial tenden-

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te ao cancelamento do pro-testo, nos termos da lei. Seo credor não se opôs abusi-vamente a tal cancelamen-to, a cuja formalização o de-vedor é o maior interessa-do, não há danos moraispassíveis de reconhecimen-to.” (Ap. c/ rev. n0' 1.192.222.00/3, Rei. REINAL-DO CALDAS, J. 21.08.2009).(fls. 299-302)

Assim, a questão controvertidaconsiste em saber se, regularmen-te efetuado o protesto extraju-dicial, após o pagamento do dé-bito concernente ao documentode dívida a que alude o art. 1º daLei n. 9.492/1997, a teor do art.26 do mesmo diploma legal, ordi-nariamente incumbe ao devedorou ao credor providenciar o can-celamento.

4. O art. 26 Lei n. 9.492/1997dispõe:

Art. 26. O cancelamento doregistro do protesto será so-licitado diretamente noTabelionato de Protesto de Tí-tulos, por qualquer interessa-do, mediante apresentaçãodo documento protestado,cuja cópia ficará arquivada.§ 1º Na impossibilidade de apre-sentação do original do título oudocumento de dívida protesta-do, será exigida a declaração deanuência, com identificação efirma reconhecida, daquele quefigurou no registro de protestocomo credor, originário ou porendosso translativo.§ 2º Na hipótese de protesto emque tenha figurado apresen-tante por endosso-mandato,será suficiente a declaração de

anuência passada pelo credorendossante.§ 3º O cancelamento do regis-tro do protesto, se fundado emoutro motivo que não no paga-mento do título ou documentode dívida, será efetivado por de-terminação judicial, pagos osemolumentos devidos ao Tabe-lião.§ 4º Quando a extinção da obri-gação decorrer de processo ju-dicial, o cancelamento do regis-tro do protesto poderá ser soli-citado com a apresentação dacertidão expedida pelo Juízoprocessante, com menção dotrânsito em julgado, que subs-tituirá o título ou o documentode dívida protestado.§ 5º O cancelamento do regis-tro do protesto será feito peloTabelião titular, por seus Subs-titutos ou por Escrevente auto-rizado.§ 6º Quando o protesto lavradofor registrado sob forma demicrofilme ou gravação eletrô-nica, o termo do cancelamentoserá lançado em documentoapartado, que será arquivadojuntamente com os documen-tos que instruíram o pedido, eanotado no índice respectivo.

Por um lado, a teor do art. 1º,caput, da Lei n. 9.492/1997 e dasdemais disposições legais, o protes-to é o ato formal e solene peloqual se prova a inadimplência e odescumprimento de obrigação [oua recusa do aceite] originada emtítulos e outros documentos de dí-vida. Por outro lado, o art. 2º domesmo diploma esclarece que osserviços concernentes ao protesto,garantidores da autenticidade,publicidade, segurança e eficácia

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dos atos jurídicos, ficam sujeitos aoregime estabelecido na referidaLei.

A controvérsia instalada nos pre-sentes autos foi recentementeapreciada no âmbito desta Corte,tendo as Turmas de Direito Priva-do se manifestado a respeito.

Refiro-me ao AgRg no Ag1.383.686/MT, rel. Ministra IsabelGallotti, Quarta Turma e ao AgRgno AREsp 493.196/RS, rel. MinistroSidnei Beneti, Terceira Turma.

Os precedentes têm a seguinteementa:

AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO DE INSTRUMENTO.DECISÃO MANTIDA. RESPON-SÁVEL SOLIDÁRIO. INOVAÇÃO.INADMISSIBILIDADE. PROTES-TO REGULAR. BAIXA. RESPON-SABILIDADE DO DEVEDOR.SÚMULA 7/STJ. ÓBICE. NÃOOCORRÊNCIA. AGRAVO NÃOPROVIDO.1. Não se admite a adição deteses não expostas no recursoespecial em sede agravo regi-mental, por importar em inad-missível inovação recursal. Pre-cedentes.2. A responsabilidade pela bai-xa do protesto, quando regular,é do devedor, não havendo quese falar em obrigação não cum-prida pela instituição financei-ra. Precedentes.3. Agravo regimental a que senega provimento.(AgRg no Ag 1383686/MT,Rel. Ministra MARIA ISABELGALLOTTI, QUARTA TURMA,julgado em 17/10/2013, DJe 28/10/2013)————————————AGRAVO REGIMENTAL. AGRA-VO EM RECURSO ESPECIAL.

AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRO-TESTO REGULAR. OBRIGAÇÃODE BAIXA. DEVEDOR.1.- A jurisprudência desta Cor-te se firmou no sentido de que,se o protesto ocorreu no exer-cício regular de direito, o cre-dor não está obrigado a provi-denciar a baixa do protesto. 2.-Agravo Regimental improvido.(AgRg no AREsp 493.196/RS, Rel.Ministro SIDNEI BENETI, TERCEI-RA TURMA, julgado em 22/05/2014, DJe 09/06/2014)

Ambos os precedentes estãoembasados em outros julgados doSTJ, seguindo-se, em síntese, a tesede que, se o protesto foi regular-mente efetuado, a responsabilida-de/interesse, no tocante ao seu can-celamento, é do devedor.

Registro que, no REsp 1.195.668/RS. Rel. p/ acórdão Ministra MariaIsabel Gallotti, fiquei vencidoquanto ao ponto. Todavia, é bemde ver que a dispersão jurispru-dencial deve ser preocupação detodos e, exatamente por isso, te-nho afirmado que, se a divergên-cia de índole doutrinária é saudá-vel e constitui importante combus-tível ao aprimoramento da ciênciajurídica, todavia o dissídio juris-prudencial é absolutamente inde-sejável (REsp. n. 753.159/MT).

5. De fato, refletindo com maisprofundidade sobre a questão,atento ao caminho tomado pelaiterativa jurisprudência do STJ eao que propugna a doutrina, apósprofunda reflexão, revejo meuposicionamento pessoal.

Como visto, o art. 2º da Lei n.9.492/1997, textualmente cria ummicrorregime próprio para o pro-

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testo de títulos e outros documen-tos de dívida ao dispor que “os ser-viços concernentes ao protesto”“ficam sujeitos ao regime estabe-lecido nesta Lei”.

A doutrina especializada anotaacerca do mencionado dispositivo:

Por força de tal dispositivolegal, as questões atinentesao protesto ficam sujeitasaos termos da Lei n. 9.492,de 10-9-97, desprezando-seoutras disposições.[...]Serviços de protesto, são,pois, todos aqueles cons-tantes da Lei n. 9.492, de 10-9-97, verbi gratia, a distribui-ção, a protocolização, a inti-mação, o recebimento, o regis-tro do protesto, as averba-ções, o cancelamento, o for-necimento de certidões e in-formações do protesto, entreoutras atividades que sãoexercidas no Tabelionato deProtesto e que contam agoracom uma legislação específicasobre o tema. (PARIZATTO,João Roberto. Protesto de tí-tulos de crédito: Lei n. 9.492,de 10-09-97. 2 ed. Ouro Fino:Edipa, 1999, p.14)————————————O presente artigo faz com quenos reportemos ao elencadonas noções históricas, para no-vamente realçar o quão im-portante foi a criação destalei, dado que, a partir dessemomento, não há mais quese falar em leis esparsaspara tratar dos assuntosconcer-nentes a protesto detítulos e outros documentosde dívida. (OLIVEIRA, EversioDonizete de; BARBOSA, Mag-no Luiz. Manual prático do pro-

testo extrajudicial. Belo Hori-zonte: Del Rey, 2002, p. 9 e 10)

Nesse passo, em vista da ênfasedo declinado dispositivo de lei es-pecial, é bem de ver que, consoan-te o abalizado magistério de CarlosMaximiliano, “[a]s disposições ex-cepcionais são estabelecidas pormotivos ou considerações particu-lares, contra outras normas ju-rídicas, ou contra o Direito co-mum”, por isso que se diz que “aexceção confirma a regra nos casosnão excetuados”. (MAXIMILIANO,Carlos. Hermenêutica e aplicaçãodo direito. 20 ed. Rio de Janeiro:Editora Forense, 2011, p. 69, 184,191 e 192)

Com efeito, em vista dos crité-rios hermenêuticos de especialida-de e cronologia, a solução para ocaso deve ser buscada, em primei-ra linha, no Diploma especial quecuida dos serviços de protesto.

Ademais, em reforço de argu-mento, é bem de ver que, do co-tejo entre os diplomas -consumerista e da Lei n. 9.492/1997 -, inequivocamente, a Leiexcepcional adota um regime ni-tidamente diferenciado. Nessepasso, v.g., salta aos olhos o fatode que, enquanto o CDC estabele-ce, no art. 43, que os bancos dedados de cadastros de consumido-res não podem conter informaçõesnegativas referentes a período su-perior a 5 anos e que, consumadaa prescrição, não serão fornecidasinformações pelos sistemas de pro-teção ao crédito que possam difi-cultar novo acesso ao crédito jun-to aos fornecedores; o art. 27 daLei especial dispõe que o tabelião

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de protesto expedirá certidões,“que abrangerão o período míni-mo dos cinco anos anteriores, con-tados da data do pedido”.

A interpretação sistemática doordenamento jurídico tambémconduz à interpretação de que,ordinariamente, incumbe ao deve-dor, após a quitação do débito,proceder ao cancelamento.

Embora o título de crédito, coma sua emissão, liberte-se da relaçãofundamental, em vista do princí-pio da incorporação, o adim-plemento da obrigação cambialtem por consequência extinguir aobrigação subjacente que ensejoua sua emissão, sendo, em regra, prosolvendo; de modo que, salvopactuação em contrário, só extin-gue a dívida, isto é, a obrigaçãoque o título visa satisfazerconsubstanciada em pagamento deimportância em dinheiro, com oseu efetivo pagamento.

Dessarte, como bem observadopela Corte local, tendo em vistaque o protesto regular é efetuadopor decorrência de descumpri-mento da obrigação - ou recusa doaceite -, o art. 325 do CC estabele-ce que as despesas com o paga-mento e quitação presumem-se acargo do devedor.

Outrossim, não se pode igno-rar que a quitação do débito es-tampado em título de crédito im-plica a devolução da cártula aodevedor (o art. 324 do CC, inclusi-ve, dispõe que a entrega do títuloao devedor firma a presunção depagamento).

Com efeito, como o art. 26,caput, da Lei n. 9.492/1997 disci-plina que o cancelamento do re-

gistro do protesto será solicitadomediante a apresentação do do-cumento protestado (conforme oparágrafo 1º, apenas na impossi-bilidade de apresentação do ori-ginal do título ou do documentode dívida protestado é que seráexigida a declaração de anuência),é possível inferir que o ônus docancelamento é mesmo do deve-dor, pois, a interpretação de quea lei especial estivesse dispondoque, mesmo com a quitação dadívida, o título de crédito devessepermanecer em posse do credor,seria temerária para com os inte-resses do devedor e eventuaiscoobrigados.

Nessa linha de intelecção, é bemde ver também que a documenta-ção exigida para o cancelamentodo protesto (título de crédito ououtro documento de dívida protes-tado, ou declaração de anuênciadaquele que figurou no registro deprotesto como credor) tambémpermite concluir que, ordinaria-mente, não é o credor que provi-denciará o cancelamento do pro-testo.

Por fim, arrematando, é bemde ver que o art. 19 da Lei n.9.492/1997 estabelece que o pa-gamento do título ou do docu-mento de dívida apresentadopara protesto será feito direta-mente no tabelionato competen-te, no valor igual ao declaradopelo apresentante, acrescidodos emolumentos e demais des-pesas - isto é, incumbe ao deve-dor que realizar o pagamento dodébito antes do registro do pro-testo pagar emolumentos -; assim,não é razoável imaginar que, para

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o cancelamento após a quitaçãodo débito, tivesse o credor daobrigação extinta que arcar como respectivo montante, acrescidode tributos, que devem ser pagospor ocasião do requerimento decancelamento.

6. Igualmente, não se ignora, àluz da realidade econômica e soci-al, a relevância dos cadastros deinadimplentes, que, a par de ser-vir como um legítimo instrumen-to de que se vale o credor paracompelir o devedor a adimplir aobrigação, propicia de modo refle-xo, a dinamização das relações eco-nômicas e que um número maiorde consumidores - que não estãoem situação de inadimplência - te-nha acesso ao crédito, pois tornaprescindível “o conhecimento pes-soal entre quem dá e quem recebeo crédito” (TOMAZETTE, Marlon.Tílulos de crédito. São Paulo: Atlas,2009. v. 2, p. 161).

No entanto, cumpre observarque o protesto contempla espec-tro mais amplo de efeitos bastan-te relevantes, pois, v.g., faz provada falta de pagamento, devoluçãoou aceite do título, é necessário aopedido de falência porimpontualidade injustificada, com-prova a mora em contrato de alie-nação fiduciária em garantia e, navigência do CC/2002 (art. 202, III),interrompe a prescrição para a exe-cução cambial, tanto no que dizrespeito ao devedor principal quan-to a coobrigados.

Outrossim, o protesto, além deigualmente propiciar que os deve-dores sejam oportunamentealertados acerca de débitos venci-dos e legitimamente compeli-los ao

adimplemento, é bem de ver quedirime plenamente litígios, pois, ateor do art. 19 da Lei n. 9.492/1997,cabe também ao tabelião o rece-bimento do crédito devido, acres-cido dos emolumentos e demaisdespesas, sendo também dever dodelegatário do serviço público dara respectiva quitação.

Ademais, o art. 2º do mesmodiploma esclarece que os serviçosconcernentes ao protesto são ga-rantidores da autenticidade, segu-rança e eficácia dos atos jurídicos.

Dessarte, como observado emrecente precedente da Quarta Tur-ma do STJ, REsp 1.124.709/TO,como o art. 1º da Lei n. 9.492/1997admite o protesto de títulos e ou-tros “documentos de dívida” (en-tenda-se: prova escrita a demons-trar a existência de obrigaçãopecuniária, líquida, certa eexigível), a medida é bem menossevera ao devedor se comparada àexecução, pois não envolve atos deagressão ao patrimônio, sendo cer-to que os órgãos de proteção aocrédito também fazem uso de da-dos de caráter público da distribui-ção do Judiciário, referentes a açõesexecutivas, para “negativação” donome dos executados.

O precedente tem a seguinteementa:

TÍTULO DE CRÉDITO E PROTES-TO CAMBIAL. RECURSO ESPECI-AL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.REEXAME DE PROVAS EM RE-CURSO ESPECIAL. INVIABILI-DADE. INSCRIÇÃO EM CADAS-TRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDI-TO ORIUNDA DE INFORMAÇÃOEXTRAÍDA DE BANCO DEDADO PÚBLICO, PERTENCENTE

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CANCELAMENTO DO PROTESTO EXTRAJUDICIAL. ÔNUS DO DEVEDOR.

A CARTÓRIO DE PROTESTO.PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. DESCA-BIMENTO. CHEQUE. PRAZO DEAPRESENTAÇÃO. OBSERVÂN-CIA À DATA DE EMISSÃO DACÁRTULA. ENDOSSATÁRIOTERCEIRO DE BOA-FÉ. INCIDÊN-CIA DO PRINCÍPIO DA INO-PONIBILIDADE DAS EXCEÇÕESPESSOAIS. PROTESTO DE CHE-QUE À ORDEM, AINDA QUEAPÓS O PRAZO DE APRESEN-TAÇÃO, MAS DENTRO DO PE-RÍODO PARA AJUIZAMENTODE AÇÃO CAMBIAL DE EXECU-ÇÃO. POSSIBILIDADE. PROTES-TO CAMBIAL. NA VIGÊNCIA DOCÓDIGO CIVIL DE 2002, INTER-ROMPE O PRAZO PRESCRI-CIONAL PARA AJUIZAMENTODA AÇÃO CAMBIAL EXECUTI-VA. SUPERAÇÃO, COM O AD-VENTO DO NOVEL DIPLOMACIVILISTA, DA SÚMULA 153/STF.[...]5. Tomadas essas cautelas, ca-racterizando o cheque levado aprotesto título executivoextrajudicial, dotado de inequí-voca certeza e exigibilidade,não se concebe possam os cre-dores de boa-fé verem-se tolhi-dos quanto ao seu lídimo direi-to de resguardarem-se quantoà prescrição, tanto no que tan-ge ao devedor principal quantoa coobrigados; visto que, confor-me disposto no art. 202, III, doCódigo Civil de 2002, o protestocambial interrompe o prazoprescricional para ajuizamentode ação cambial de execução,ficando, com a vigência do novelDiploma, superada a Súmula153/STF.6. Como o cheque levado a pro-testo ainda possuíaexecutividade, a medida é bemmenos severa ao emitente secomparada à execução do títu-

lo de crédito, pois não envolveatos de agressão ao patrimôniodo executado, sendo certo queos órgãos de proteção ao crédi-to também fazem uso de da-dos de caráter público da distri-buição do Judiciário, referentesa ações executivas, para“negativação” do nome dosexecutados. Dessarte, como oart. 1º da Lei 9.492/1997, emcláusula aberta, admite o pro-testo de outros “documentosde dívida” (entenda-se: provaescrita a demonstrar a existên-cia de obrigação pecuniária, lí-quida, certa e exigível), não hárazoabilidade em entender queo protesto, instituto desde a suaorigem concebido para protes-to cambial, seja imprestávelpara o protesto facultativo detítulo de crédito.7. Recurso especial não provido.(REsp 1124709/TO, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, QUAR-TA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 01/07/2013)

7. Por último, cumpre observarque, como o próprio art. 26 da Lein. 9.492/1997 estabelece que o can-celamento do registro do protestopoderá ser solicitado por qualquerinteressado, não se está a dizer quenão possam as partes pactuar queo cancelamento do protesto in-cumbirá ao credor (que passará ater essa obrigação, não por decor-rência da lei de regência, mascontratual).

De todo modo, a impossibilida-de de retenção do documento pro-testado ressai clara, pois, quitadoo débito, notadamente em se tra-tando de título de crédito, incum-be ao credor cambial simultanea-mente devolver o título.

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Com efeito, é entendimentoconsolidado nesta Corte Superiorque, no tocante ao cancelamentodo protesto regularmente efetua-do, não obstante o artigo 26 daLei n. 9.492/97 (Lei de Protestos)faça referência a “qualquer inte-ressado”, a melhor interpretaçãoé a de que este é o devedor, demodo a pesar, ordinariamente,sobre sua pessoa o ônus do cance-lamento.

Esse entendimento foi sufra-gado em inúmeros e recentes pre-cedentes das duas Turmas que com-põem a Segunda Seção. Confiram-se os julgados:

PROTESTO EXTRAJUDICIAL DEDUPLICATAS. RECURSO ESPECI-AL. LOCAL A SER TIRADO PRO-TESTO DE DUPLICATA. PRAÇADE PAGAMENTO CONSTANTEDO TÍTULO. ÔNUS DO CANCE-LAMENTO DO PROTESTO. DE-VEDOR. REEXAME DE PROVAS,EM SEDE DE RECURSO[...]2. Embora o artigo 26 da Lei9.492/97 disponha que o can-celamento do registro do pro-testo será solicitado diretamen-te ao Tabelionato de Protestode Títulos, por “qualquer inte-ressado”, conforme a jurispru-dência do Superior Tribunal deJustiça a melhor interpretaçãoé a de que o maior interessadoé o devedor, de modo a pesarsobre ele o ônus do cancela-mento.3. Orienta a Súmula 7/STJ que apretensão de reexame de pro-vas não enseja recurso especi-al. 4. Recurso especial não pro-vido.(REsp 1015152/RS, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, QUAR-

TA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 30/10/2012)————————————PROTESTO REGULAR. PAGA-MENTO POSTERIOR DO TÍTULO.OBRIGAÇÃO DE CANCELAMEN-TO DO PROTESTO. ART. 26 DALEI Nº 9.492/97. PRECEDENTESDA CORTE.“As turmas que compõem a Se-gunda Seção do Superior Tribu-nal de Justiça já se manifesta-ram no sentido de que cabe aodevedor promover o cancela-mento do protesto regularmen-te lavrado quando de posse dotítulo protestado ou da carta deanuência do credor nos termosdo que artigo 26 da Lei nº 9.492/97”.Agravo Regimental a que senega provimento.(AgRg no Ag 768.161/RS, Rel.Ministro SIDNEI BENETI, TERCEI-RA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 09/03/2009)————————————RECURSO ESPECIAL. DIREITOCIVIL. PROTESTO REALIZADONO EXERCÍCIO REGULAR DE DI-REITO. CANCELAMENTO APÓSA QUITAÇÃO DA DÍVIDA. IN-CUMBÊNCIA DO DEVEDOR.ART. 26, §§ 1º E 2º, DA LEI N.9.294/97.Protestado o título pelo credor,em exercício regular de direito,incumbe ao devedor, principalinteressado, promover o cance-lamento do protesto após a qui-tação da dívida.Recurso especial não conhecido.(REsp 842.092/MG, Rel. MinistroCESAR ASFOR ROCHA, QUARTATURMA, julgado em 27/03/2007, DJ 28/05/2007, p. 360)————————————Protesto. Pagamento efetuadocom atraso. Obrigação de can-celamento do protesto. Art. 26

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CANCELAMENTO DO PROTESTO EXTRAJUDICIAL. ÔNUS DO DEVEDOR.

da Lei nº 9.492/97. Precedenteda Corte.1. Como assentado em preceden-te da Corte, quando o protesto“foi realizado em exercício regu-lar de direito (protesto devido),o posterior pagamento do títulopelo devedor, diretamente aocredor, não retira o ônus daque-le em proceder ao cancelamen-to do registro junto ao cartóriocompetente” (REsp nº 442.641/PB, Relatora a Ministra NancyAndrighi, DJ de 22/9/03).2. Recurso especial conhecido eprovido.(REsp 665.311/RS, Rel. MinistroCARLOS ALBERTO MENEZESDIREITO, TERCEIRA TURMA,julgado em 21/06/2005, DJ03/10/2005, p. 247)————————————Civil. Agravo no agravo no re-curso especial. Ação de compen-sação por danos morais. Protes-to devido de duplicata. Posteri-or demora na baixa do protes-to. Responsabilidade conferidaao devedor.- Se o protesto de duplicata érealizado em exercício regularde direito, a posterior devolu-ção de mercadorias pelo deve-dor não retira dele o ônus deproceder ao cancelamento doregistro junto ao cartório com-petente.Precedentes.Agravo não provido.(AgRg no AgRg no REsp 799.600/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRI-GHI, TERCEIRA TURMA, julgadoem 06/04/2006, DJ 02/05/2006,p. 326)————————————EMBARGOS DE DECLARAÇÃORECEBIDOS COMO AGRAVO RE-GIMENTAL. PRINCÍPIO DAFUNGIBILIDADE. TÍTULO PROTES-TADO. POSTERIOR QUITAÇÃO.

CANCELAMENTO. ÔNUS DO DE-VEDOR. INTERESSADO. RELAÇÃODE CONSUMO. IRRELEVÂNCIA.DANOS MORAIS E DEVER DE IN-DENIZAR. AUSÊNCIA.1. Embargos de declaração re-cebidos como agravo regimen-tal em face do nítido caráterinfringente das razões recur-sais. Aplicação dos princípios dafungibilidade recursal e da eco-nomia processual.2. Consoante jurisprudênciadesta Corte, é ônus do devedor,principal interessado, providen-ciar, após o pagamento da obri-gação, o cancelamento do pro-testo legitimamente efetuadopelo credor, sendo irrelevantea circunstância de tratar-se derelação de consumo.3. Agravo regimental a que senega provimento.(EDcl no Ag 1414906/SC, Rel.Ministro RAUL ARAÚJO, QUAR-TA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 11/03/2013)————————————PROCESSO CIVIL. DIREITO DOCONSUMIDOR. RECURSO ESPE-CIAL. CANCELAMENTO DOPROTESTO. ÔNUS DO DEVE-DOR. RESSALVA DO RELATOR.1. “Legitimamente protestadoo título de crédito, cabe ao de-vedor que paga posteriormen-te a dívida o ônus de providen-ciar a baixa do protesto em car-tório (Lei 9.294/97, art. 26), sen-do irrelevante se a relação erade consumo, pelo que não sehá falar em dano moral pelamanutenção do apontamento”(REsp 1.195.668/RS, Rel. Minis-tro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel.p/ Acórdão Ministra MARIAISABEL GALLOTTI, QUARTATURMA, julgado em 11/9/2012,DJe 17/10/2012). Ressalva doRelator.

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2. Recurso especial provido.(REsp 959.114/MS, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, QUAR-TA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 13/02/2013)

8. Assim, a tese a ser firmadapara efeitos do art. 543-C do Códi-go de Processo Civil, que ora enca-minho, é a seguinte:

“No regime próprio da Lei n.9.492/1997, legitimamenteprotestado o título de créditoou outro documento de dívida,salvo inequívoca pactuação emsentido contrário, incumbe aodevedor, após a quitação da dí-vida, providenciar o cancela-mento do protesto”.

9. No caso concreto, nego pro-vimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizada

nesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Seção, por unanimidade, ne-gou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto do Sr. Mi-nistro Relator.

Para os efeitos do artigo 543-C,do Código de Processo Civil, foiaprovada a seguinte tese: “No re-gime próprio da Lei nº 9.492/1997,legitimamente protestado o títulode crédito ou outro documento dedívida, salvo inequívoca pactuaçãoem sentido contrário, incumbe aodevedor, após a quitação da dívi-da, providenciar o cancelamentodo protesto”.

Os Srs. Ministros Paulo deTarso Sanseverino, Maria IsabelGallotti, Antonio Carlos Ferreira,Ricardo Villas Bôas Cueva, MarcoBuzzi, Marco Aurélio Bellizze,Moura Ribeiro e João Otávio deNoronha votaram com o Sr. Mi-nistro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Raul Araújo.

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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE.

Superior Tribunal de Justiça

Recurso repetitivo. Alienação fiduciária em garantia. Ação debusca e apreensão. Decreto-lei n. 911/1969. Alteração introduzidapela Lei n. 10.931/2004. Purgação da mora. Impossibilidade.Necessidade de pagamento da integralidade da dívida no prazode 5 dias após a execução da liminar. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1320592&num_registro=201303810364&data=20140527&formato=PDF> Acesso em: 21 out. 2014.

EMENTA OFICIAL

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GA-RANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRE-SENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART.543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA EAPREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDAPELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃODA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NE-CESSIDADE DE PAGAMENTO DAINTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRA-ZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DALIMINAR.

1. Para fins do art. 543-C doCódigo de Processo Civil: “Nos con-tratos firmados na vigência da Lein. 10.931/2004, compete ao deve-dor, no prazo de 5 (cinco) dias apósa execução da liminar na ação debusca e apreensão, pagar aintegralidade da dívida - entendi-da esta como os valores apresen-tados e comprovados pelo credorna inicial -, sob pena de consoli-dação da propriedade do bemmóvel objeto de alienaçãofiduciária”.

2. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acimaindicadas, acordam os Ministros daSEGUNDA SEÇÃO do Superior Tri-bunal de Justiça, por unanimida-de, dar provimento ao recurso es-pecial, nos termos do voto do Sr.Ministro Relator.

Para os efeitos do artigo 543-C,do Código de Processo Civil, foi de-finida a seguinte tese: “Nos contra-tos firmados na vigência da Lei n°10.931/2004, compete ao devedor,no prazo de cinco dias após a exe-cução da liminar na ação de buscae apreensão, pagar a integralidadeda dívida - entendida esta como osvalores apresentados e comprova-dos pelo credor na inicial -, sob penade consolidação da propriedade dobem móvel objeto de alienaçãofiduciária”. Os Srs. Ministros Paulode Tarso Sanseverino, Maria IsabelGallotti, Antonio Carlos Ferreira,Ricardo Villas Bôas Cueva, MarcoBuzzi, João Otávio de Noronha eSidnei Beneti votaram com o Sr.Ministro Relator.

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Ausente, justificadamente, a Sra.Ministra Nancy Andrighi.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Raul Araújo.

Brasília, 14 de maio de 2014(data do julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALO-MÃO, Relator.

REsp Nº 1.418.593 - MS (2013/0381036-4). DJe 27.05.2014.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

1. O Banco Bradesco Financia-mentos S.A. interpôs agravo deinstrumento para o Tribunal deJustiça de Mato Grosso do Sul, emface da decisão de primeira instân-cia, prolatada pela 20ª Vara Cívelde Competência Especial daComarca de Campo Grande que,nos autos da ação de busca e apre-ensão do automóvel descrito nainicial, determinou que o veículopermanecesse na Comarca até ul-terior decisão e autorizou a pur-ga da mora, com base apenas nasprestações vencidas. O requeridodeixou de pagar o financiamentoa partir da 14ª parcela, de um to-tal de 60.

Narra que a lei não determinaque o bem permaneça na Comarcaonde fora apreendido - o que lheonera demasiadamente -, e quepermitir ao réu o depósito das pres-tações, sem considerar as demaisparcelas do contrato, desrespeita oart. 3º, § 2º do Decreto-Lei n. 911/1969.

O relator, na origem, em deci-são unipessoal, negou provimen-to ao agravode instrumento. Inter-

pôs o recorrente agravo regimen-tal, que não foi provido.

A decisão tem a seguinte emen-ta:

AGRAVO REGIMENTAL EMAGRAVO DE INSTRUMENTO -AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃOEM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA -PURGAÇÃO DA MORA - PAR-CELAS VENCIDAS - VENDA AN-TECIPADA OU REMOÇÃO DOBEM - NECESSIDADE DE PRÉVIAAUTORIZAÇÃO JUDICIAL.01. Para a purgação da moraem ações de busca e apreensãofundadas em pacto adjeto dealienação fiduciária, é suficien-te o depósito das parcelasvencidas acrescidas dos encar-gos moratórios até a data dodepósito.02. A remoção da comarca ou avenda antecipada do veículoapreendido depende de préviaautorização judicial, em atençãoaos princípios da ampla defesa,do contraditório e do devidoprocesso legal.Agravo regimental conhecido enão provido.

Sobreveio recurso especial doBanco, com fundamento no arti-go 105, inciso III, alínea “c”, daConstituição Federal, sustentandodivergência jurisprudencial, pois asinstâncias ordinárias autorizaram odevedor fiduciário de bem móvela purgar a mora mediante o paga-mento somente das parcelasvencidas.

Afirma que o entendimentoperfilhado pela Corte local diver-ge da jurisprudência do STJ e deoutros tribunais, já que, com oadvento da Lei n. 10.931/2004 - quealterou o art. 3º, § 2º, do Decreto-

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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE.

Lei n. 911/1969 -, não existe mais apossibilidade de purgação da morapelo pagamento somente das par-celas vencidas, devendo ser paga aintegralidade do débito.

Aduz que a decisão recorridadetermina a manutenção do veí-culo na Comarca do Juízo de pri-meira instância, todavia o Decre-to-Lei n. 911/1969 não exige a per-manência dos bens na área de ju-risdição do Juízo do foro compe-tente.

Não houve oferecimento decontrarrazões.

Admitido o recurso especial naorigem, ascenderam os autos a estaCorte Superior e, verificando amultiplicidade de recursos a versa-rem sobre a mesma controvérsia,submeti o feito à apreciação daegrégia Segunda Seção, na formado que preceitua o artigo 543-C doCPC. Com isso determinei a ciên-cia e facultei a manifestação noprazo de 15 (quinze) dias (art. 3º,I, da Resolução n. 08/2008) ao Ins-tituto Brasileiro de Defesa do Con-sumidor - Idec, à Federação Brasi-leira de Bancos - Febraban e àDefensoria Pública da União.

A Defensoria Pública da União,como amicus curiae, opina no se-guinte sentido, in verbis:

Contudo, na presente manifes-tação ouso divergir de tal en-tendimento, eis que emborasuprimida a expressão “purga-ção de mora” utilizada na re-dação anterior dos parágrafosdo art. 3º do DL, as demais mo-dificações inseridas em seu tex-to também estabeleceramduas definições técnicas distin-tas, de “crédito” e de “integra-

lidade da dívida pendente”,que foram utilizadas tambémde forma distinta para discipli-nar os direitos e deveres daspartes nos contratos garantidospor alienação fiduciária, o queimportou na manutenção dapossibilidade de purgação damora.E a primeira destas definições,estabelecida no § 1º do art. 2ºdo Decreto-Lei 911/69, é a de“crédito”, entendido como asoma do “... principal, juros, co-missões, além das taxas, cláu-sula penal e correção monetá-ria...” e, pois, que representa atotalidade do crédito da partecredora e, por questão de sime-tria, também a totalidade dodébito da parte devedora.Note-se que é o pagamentodeste “crédito” que tem sidoconsiderado pela jurisprudênciadominante, inclusive do próprioSTJ, como requisito para que odevedor possa reaver o bem, oque na maioria das vezesinviabiliza a continuidade docontrato e importa em grandesprejuízos para o devedor.Contudo, no exato dispositivoque regula o direito ao paga-mento e recuperação do bem,isto é, no art. 3º, § 2º do Decre-to-Lei 911/69, restou estabele-cido requisito diverso, de paga-mento da “integralidade da dí-vida pendente”, expressão essaque embora não tenha sido de-finida no texto normativo, cla-ramente foi utilizada de formaintencional pelo legislador paradiferenciar o valor aí referidodaquele atribuído ao “crédito”– totalidade da dívida.[...]Desta forma, ante à expressaprevisão de restituição do bema partir de pagamento de valor

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diverso da totalidade do “cré-dito” e, por óbvio, inferior a esse(o que será explicado mais adi-ante), parece-me que estamossim diante da possibilidade depurgação de mora, ainda quenão nominada expressamentecomo tal.E quanto ao ponto ainda meparece importante argumentarque a previsão de restituição dobem “livre de ônus”, determi-nada pela última parte do re-ferido art. 3º, § 2º do DL 911/69não é impedimento para a pur-gação da mora, tal como temsido considerado em algumasdecisões judiciais, eis que tam-bém esse comando comportainterpretação sistêmica paraharmonizá-lo com os demaisdispositivos do Decreto-Lei.Neste sentido, a expressão “li-vre de ônus” não importa emperdão do restante da dívidaainda não vencida e na simplesentrega do bem ao devedor, oque de fato causaria sériodesequilíbrio contratual, massim determina o encerramen-to do processo de busca e apre-ensão, sem condenaçãosucumbencial, bem como a con-tinuidade do contrato, manten-do-se as obrigações assumidaspor ambas as partes, bem comoa garantia através da alienaçãofiduciária.[...]Por outro lado, ainda que seconsidere que a nova redaçãodo DL 911/69 não tenha previs-to a possibilidade de purgaçãoda mora, mesmo em face daaplicação e das consequênciasdos diferentes definições/valo-res acima indicados, de se reco-nhecer que a purgação da mora,tal como estabelecida pelo Có-digo Civil Brasileiro, ainda seria

subsidiariamente aplicável aoscontratos garantidos por alie-nação fiduciária.Neste sentido, e segundo asmais básicas regras de herme-nêutica jurídica, temos que anorma geral se aplica no silen-cio da regra específica, em tudoaquilo que compatível com essa.[...]Note-se, mais uma vez, que talinterpretação é a mais compa-tível com os fins sociais e com asexigências do bem comum, bemcomo é aquela que melhor aten-de à tradição do direito con-tratual brasileiro, pelo que deveprevalecer sobre a atual juris-prudência que inviabiliza a pur-gação da mora nos contratosgarantidos por alienação fidu-ciária.[...]Então, excluídas as parcelasvincendas, o conceito/valor atri-buível à expressão “integrali-dade da dívida pendente” deveestar diretamente relacionadoao valor das parcelas vencidas,acrescidos dos juros e multapactuados, bem como da corre-ção monetária, solução essa,aliás, que espelha tambémaquela fórmula referida no art.401 do CCB, e que mais uma vezcontribui para a manutençãodo equilíbrio contratual. (fls.266-269)

A Federação Brasileira de Ban-cos - Febraban, como amicuscuriae, opina no seguinte sentido,in verbis:

14. Sobre essa questão, deve-se registrar que já há entendi-mento consolidado nesse Supe-rior Tribunal de Justiça, no sen-tido de que compete ao deve-

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dor “pagar a integralidade dadívida” (AgRg no REsp1.249.149/PR, Rel. Ministro Pau-lo de Tarso Sanseverino, 3ª Tur-ma, DJe 09/11/2012).Inúmeros precedentes dessaCorte atestam essa realidade,bastando, para fins de ilustra-ção, a menção à ementa de doisacórdãos, proferidos pela 3ª epela 4ª Turmas:[....]15. Para a FEBRABAN, esse en-tendimento merece ser reafir-mado, fixando-se orientação nosentido de que a faculdade con-cedida ao devedor-fiducianteprevista no §2º do art. 3º doDecreto-Lei nº 911, de 1969,exige o pagamento integral dadívida associada ao contrato dealienação fiduciária em garan-tia.16. Primeiramente, porque éesse o entendimento que con-verge com a intenção legislativaque justificou a modificaçãointroduzida pela Lei nº 10.931,de 2004, no procedimento debusca e apreensão relativo àrecuperação do bem dado emgarantia, por alienação fidu-ciária. Confira-se a justificativacontida na Exposição de Moti-vos, subscrita pelo Ministro deEstado da Fazenda AntonioPalocci Filho (EM 00027/2004-MF):[...]17. Como se vê, a alteraçãolegislativa teve como móvel anecessidade de conferir maiorefetividade processual ao direi-to material de garantia, conce-dendo ao credor, logo no inícioda ação busca e apreensão euma vez constatada a ina-dimplência, a consolidação daposse e da propriedade do bemdado em garantia.

18. Não é necessário, no entan-to, acudir à intenção do legisla-dor para chegar a essa conclu-são. Os mais diversos métodosde interpretação conduzem aomesmo entendimento.19. Deve-se atentar, inicialmen-te, para a circunstância de queo dispositivo legal vincula a pur-gação da mora ao fato de “odevedor fiduciante […] pagar aintegralidade da dívida pen-dente “. A expressão “dívidapendente” remete, inequivoca-mente, a toda a obrigaçãopecuniária ainda não paga pelodevedor e não apenas às pres-tações vencidas.20. Essa conclusão é reforçadaquando se coteja a redação ori-ginal do Decreto- Lei com aque-la advinda da Lei nº 10.931, de2004. Em sua redação original,dispunha o art. 3º:[...]24. Desafia, assim, o texto e alógica pensar que teria havidoum esforço legislativo para al-terar a redação do § 2 do art.3º para que tudo permaneces-se como estava, para permitira purgação da mora no proces-so de busca e apreensão.25. A rigor, como tem enfatica-mente reiterado a jurisprudên-cia da Corte, o novo marco le-gal veio para extinguir essapossibilidade extraordinária depurgação da mora existente nabusca e apreensão.[...]27. É eloquente que o texto le-gal se refira à restituição dobem “livre do ônus”, uma vezpaga a integralidade do débi-to. Não há sentido lógico empensar que a lei teria facultadoao devedor a purgação da mora,dando prosseguimento à rela-ção contratual, e impondo ao

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credor a perda da garantia. Seo bem é restituído ao devedor,livre do ônus da alienaçãofiduciária em garantia é porqueo devedor quitou o contrato,extinguindo-se, pois, o pactoacessório da garantia, deven-do-se transferir a propriedadepara o devedor.[...]32. Se há momento para a pur-gação da mora, ele só pode exis-tir, no regime legal da aliena-ção fiduciária em garantia, atéo momento que antecede oajuizamento da ação. (fls. 334-340)

O Instituto Brasileiro de Defe-sa do Consumidor Bancário -IBDCONB, em subsequentes peti-ções formuladas apenas em 12 e 13de maio do corrente ano, após apublicação da presente pauta dejulgamento, requereu sua admis-são como amicus curiae ou a re-cepção como memoriais da se-guinte argumentação, in verbis:

Veja que já em 1974 a Supre-ma Corte entendia que, exigir-se do consumidor o pagamentointegral do débito consideradoantecipadamente vencido nasua integralidade, sem direitoà purga da mora, como únicaforma de impedir a perda dobem, caracteriza manifesta vi-olação ao devido processo legal,ao direito de acesso à justiça eaos direitos do consumidor.Assim, no caso do presente re-presentativo temos que o De-creto-lei 911/69, tanto em suaredação antiga quanto em suanova redação, advinda das al-terações introduzidas pela Lei1.0931/2004, confere ao deve-dor o direito de purgar a mora

para que lhe seja restituído obem objeto da Busca e Apreen-são.[...]Considerar vencidas todas asprestações, antes mesmo dedar ao devedor a oportunidadede purgar a mora, seria o mes-mo que negar o direito aoinadimplente de redimir-sefrente ao credor, quitando osvalores já efetivamente devi-dos.No entanto, esta exigência, depagamento da integralidadeda dívida para purgar a mora,demanda uma interpretaçãosistemática, porque não condizcom a intenção do legisladorquando elaborou o Código deDefesa do Consumidor, conflitacom o instituto da purgação damora (CC, art. 401, inciso I) efere o princípio da função socialdo contrato.Neste contexto, em consonân-cia com a finalidade da Lei doConsumidor, a partir do qualdeve ser interpretado o contra-to firmado entre as partes,deve-se exigir do devedor oadimplemento das parcelasvencidas, acrescidas de corre-ção monetária e juros de mora,a fim de purgar a mora e reto-mar a normalidade do pacto.[...]Sob essa ótica temos a apli-cabilidade do princípio da fun-ção social do contrato, positi-vado no artigo 421 do NovoCódigo Civil, mas já vigente emnosso ordenamento jurídicodesde a promulgação da Cons-tituição Federal de 1988, emrazão do princípio da funçãosocial da propriedade, impõeque os contratos tenham o seucurso normal, de acordo com opactuado, devendo ser evitado

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ao máximo o desfazimento pre-cipitado do negócio jurídico.[...]Neste contexto, em consonân-cia com a finalidade da Lei doConsumidor, a partir da qualdeve ser interpretado o contra-to firmado entre as partes,deve-se exigir do devedor oadimplemento das parcelasvencidas, acrescidas de corre-ção monetária e juros de mora,a fim de purgar a mora e reto-mar a normalidade do pacto,sob pena de enriquecimento ilí-cito da instituição bancária.[...]Cumpre no caso em tela trazero brilhante voto divergente doMinistro Catarinense MarcoBuzzi, quando do julgamento doREsp 1287402/PR, senão veja-mos:[...]

O Ministério Público Federalopina pelo parcial provimento dorecurso especial para reconhecerque, “em razão das alteraçõestrazidas pela Lei nº 10.931/2004,deixou de existir a purgação damora prevista anteriormente noart. 3º, § 3º, do Decreto-Lei nº 911/1969, e que deu ensejo à edição daSúmula 284, do STJ, pois, sob anova sistemática legal, cinco diasapós executada a liminar de buscae apreensão, consolidar-se-ão apropriedade e a posse plena e ex-clusiva do bem no patrimônio docredor fiduciário, ressalvada” apossibilidade, dentro desse mesmoquinquídio, de pagamento integralda dívida pendente.

Em vista de informações colhi-das nos tribunais estaduais, no sen-tido de que, atualmente, encon-

tram-se pendentes de distribuiçãomilhares de ações que versam so-bre a mesma matéria vertida nopresente recurso especial, determi-nei a suspensão dos processos emque a controvérsia tratada nos pre-sentes autos tenha sido estabe-lecida, na mesma linha dos proce-dimentos adotados nos RecursosEspeciais 1.060.210/SC (Rel. Min.Luiz Fux), 1.251.331/RS (Rel. Min.Maria Isabel Gallotti) e 1.419.697/RS (Rel. Min. Paulo de TarsoSanseverino). Em face dessa deci-são, opôs o recorrente BancoBradesco Financiamentos S.A. em-bargos de declaração (fls. 319-327).

Marcelo Barros de Castro, afir-mando ser terceiro interessado,requereu seja admitida sua inter-venção como assistente simples,pois “o resultando do presente re-curso repetitivo influenciará deci-sivamente na solução dos embar-gos de divergência em que o Re-querente é parte” (fls. 313-412).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Para logo, indefiro, por ma-nifestamente descabido, o pedidode ingresso como assistente sim-ples de Marcelo Barros de Castro.

O fato de ser parte em feito emque se discute tese que será firma-da no presente recurso, evidente-mente, não implica reconhecimen-to de seu interesse jurídico nodeslinde da presente demanda.

Ademais, admissão dessa teseabriria a possibilidade de manifes-tação de todos aqueles que figu-

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ram em feitos que tiveram atramitação suspensa em vista dapresente afetação - o que, eviden-temente, inviabilizaria o julgamen-to de recursos repetitivos.

Outrossim, é bem de ver que orequerente não se enquadra den-tre o rol indicado no artigo 543, §4º, do CPC, sendo certo que nemos elencados no referido dispositi-vo podem ser admitidos como as-sistentes no procedimento de re-cursos representativos da contro-vérsia, não lhes sendo possível nemmesmo a interposição de recursoimpugnando a decisão que vier aser prolatada.

O interesse do peticionário, quese pode vislumbrar no julgamentodo presente recurso, é meramentesubjetivo, quando muito reflexo,de cunho meramente econômico -o que não justifica sua admissãocomo assistente simples:

PROCESSUAL CIVIL. TRANSPOR-TE INTERESTADUAL DE PASSA-GEIROS. EXPLORAÇÃO DE LINHARODOVIÁRIA. IRREGULARIDA-DE. PEDIDO DE ASSISTÊNCIASIMPLES. ART. 50 DO CPC.INDEFERIMENTO. INTERESSE JU-RÍDICO NÃO DEMONSTRADO.[...]2. A jurisprudência desta CorteSuperior de Justiça é no sentidode que para o ingresso de ter-ceiro nos autos como assisten-te simples é necessária a pre-sença de interesse jurídico, ouseja, a demonstração da exis-tência de relação jurídica inte-grada pelo assistente que serádiretamente atingida pelo pro-vimento jurisdicional, não bas-tando o mero interesse econô-mico, moral ou corporativo.

3. O Tribunal a quo, ao decidiracerca da intervenção de ter-ceiro, consignou que eventualinteresse financeiro que a par-te agravante possa ter nodeslinde do feito não se con-funde com o interesse jurídicoa justificar sua presença comoparte no feito. Ora, a falta dedemonstração pelo agravan-te, conforme analisado na ori-gem, do necessário interessejurídico no resultado da de-manda, inviabiliza o seu ingres-so no feito como assistentesimples.4. As pretensões de integrar opólo passivo são motivadas pelaconcorrência supostamentedesleal ocasionada pela atua-ção da empresa autora emsobreposição às linhas por elasoperadas, acarretando supostodesrespeito às permissões quedetêm e ao equilíbrio econômi-co-financeiro dos seus contra-tos, o que denota a existênciade interesse meramente eco-nômico na demanda. Até por-que a concessão de direitos deexploração de uma linha de ôni-bus para uma empresa nãoafronta direitos de terceirossobre as mesmas linhas, umavez que a permissão ou autori-zação de exploração de linhasde ônibus não confere direito àexclusividade. Precedente: REsp762.093/RJ, Rel. Ministro LUIZFUX, PRIMEIRA TURMA, julga-do em 20/05/2008, DJe 18/06/2008.5.Agravo regimental não pro-vido.(AgRg no AREsp 392.006/PR, Rel.Ministro MAURO CAMP-BELLMARQUES, SEGUNDA TURMA,julgado em 05/11/2013, DJe12/11/2013)

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3. Quanto aos embargos dedeclaração opostos pelo recorren-te em face da superveniente deci-são interlocutória de fls. 311-312,estão prejudicados os aclaratóriosde fls. 319-327, diante do julga-mento ora realizado.

4. Iniciando o exame do recur-so especial, observo que não com-porta conhecimento a teserecursal impugnando as condi-ções impostas para a retirada dobem móvel da comarca do Juízode origem, pois não foi aponta-do dispositivo de direito federalviolado, incidindo, por analogia,a Súmula 284/STF a impedir, noponto, o enfrentamento dessatese recursal.

Ademais, o acórdão recorridoestá assentado também em funda-mento constitucional, sem que orecorrente tenha manejado recur-so extraordinário - o que atrai aincidência da Súmula 126/STJ.

5. A questão controvertida con-siste em saber se, com o adventoda Lei n. 10.931/2004, que alterouo art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, nas ações de busca e apreen-são de bem móvel alienadofiduciariamente, é possível a pur-gação da mora pelo pagamentosomente das parcelas vencidas, ouse o dispositivo exige o pagamen-to da integralidade da dívida, istoé, o montante apresentado pelocredor na inicial.

O acórdão recorrido dispôs:

Como se viu do relatório, a agra-vante se limitou a reiterar asalegações expostas no agravode instrumento. Assim sendo, asrazões expostas no apelo são in-suficientes para modificar a

decisão monocrática proferidanos seguintes termos:

[...]Conforme disposto no § 2ºdo artigo 3º do Decreto-Leinº 911/69, com as alteraçõesadvindas da Lei nº 10.931/04,é garantido ao devedorfiduciante a possibilidade dereaver a posse do bem alie-nado, desde que, no prazode 5 dias após o cumprimen-to da medida liminar de bus-ca e apreensão, efetue odepósito da “integralidadeda dívida pendente”.[...]Não há como admitir a limi-tação para purgação damora à quitação integral docontrato, porquanto a ex-pressão “integralidade dadívida pendente” a que serefere o citado dispositivolegal não é sinônimo de dívi-da total do contrato, mas simde dívida vencida até a dataem que for purgada a mora.[...]À purgação da mora deveser efetuada pelo débitoexistente até a elaboraçãoda conta, não podendo serincluídas as parcelas futuras,cujos vencimentos seriam an-tecipados caso a mora nãofosse purgada.Desse modo, caso a agravan-te pretenda retirar o bem dacomarca ou realizar a vendaantecipada, deverá requererexpressa autorização dojuízo, sob pena de ofensaaos incisos LIV e LV do artigo5º da Constituição Federal.(fls. 87-89)

6. Nesse passo, conforme dispos-to no art. 3º, § 8º, do Decreto-Lein. 911/1969, a busca e apreensão

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prevista no mencionado dispositi-vo constitui processo autônomo eindependente de qualquer proce-dimento posterior.

Com efeito, trata-se de ação es-pecial - com elementos tanto decognição como de execução - ins-tituída para a execução da garan-tia real sobre coisas móveis, sob amodalidade de alienação fiduciá-ria, por meio da qual o credor con-segue consolidar a posse e o domí-nio sobre o bem gravado. (THEO-DORO JÚNIOR, Humberto. Cursode direito processual civil: proce-dimentos especiais. 43 ed. Rio deJaneiro: Forense, 2010, vol. 3,p. 575)

De início, consigno que aSúmula 284/STJ, anterior à Lei n.10.931/2004, orienta que a purgada mora, nos contratos de aliena-ção fiduciária, só é permitidaquando já pagos pelo menos 40%(quarenta por cento) do valor fi-nanciado.

No entanto, é bem de ver que aSúmula espelha a redação primiti-va do art. 3º, § 1º, do Decreto-Lein. 911/1969, que tinha a seguinteredação:

Art 3º O Proprietário Fiduciárioou credor, poderá requerer con-tra o devedor ou terceiro abusca e apreensão do bem ali-enado fiduciariamente, a qualserá concedida Iiminarmente,desde que comprovada a moraou o inadimplemento do deve-dor.§ 1º Despachada a inicial e exe-cutada a liminar, o réu será ci-tado para, em três dias, apre-sentar contestação ou, se já ti-ver pago 40% (quarenta por

cento) do preço financiado, re-querer a purgação de mora.

Todavia, após a edição do enun-ciado de Súmula referido, sobre-veio legislação específica regulan-do de modo diverso a mesma ques-tão; e, portanto, na lição do gêniode Pontes de Miranda, a regra jurí-dica determina desde onde e atéonde se opera a eficácia dos fatosjurídicos, por isso tem todo poderno que se refere aos efeitos jurídi-cos dos atos:

1. Alcance da eficácia. A regrajurídica e com ela, o siste-ma jurídico determinam des-de onde e até onde se operaa eficácia dos fatos jurídicos,qual a sua qualidade e quala sua intensidade. A técnicalegislativa, fundada em ex-periências e investigaçõeslógicas, adota, para isso, co-nhecimentos preciosos. Nãohá, porém, princípio a prioride proporcionalidade, ou deequivalência entre fatos eefeitos: fatos distintos, àsvezes assaz diferentes, po-dem ter os mesmos efeitos.Pense-se no efeito “proprieda-de dos móveis” e nos fatos queo sistema jurídico fez fatos jurí-dicos (“ocupação”, “caça”,“pesca”, “achada” ou “inven-ção”, “descobrimento do tesou-ro”, “especificação”, “posse dacoisa como sua durante x anos”).Pense-se na variedade de atosque são punidos com reclusão.O testamento tanto é testa-mento se feito por instrumen-to público, como se feito por ins-trumento privado.A regra jurídica tem todopoder no tocante aos efeitosjurídicos. Quanto aos fatos, é

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menor, porque ou os deforma,o que não pode ir até excluí-los,ou torná-los indiscerníveis dosoutros, ou os toma como seapresentam, ou faz lhescorresponda fato-função (fatojurídico de que o outro é sinal).O silêncio dá-nos muitos casosde tal equivalência, sugeridapor simples comodidade de téc-nica. (MIRANDA, Francisco Ca-valcante Pontes de. Tratado dedireito privado. Campinas:Bookseller, 2000, tomo 5, p. 35-103)

Com a vigência da Lei n. 10.931/2004, o art. 3º, parágrafos 1º e 2º,do Decreto-Lei n. 911/1969 passa-ram a estabelecer, in verbis:

Art 3º O Proprietário Fiduciárioou credor, poderá requerer con-tra o devedor ou terceiro a bus-ca e apreensão do bem aliena-do fiduciàriamente, a qual seráconcedida Iiminarmente, desdeque comprovada a mora ou oinadimplemento do devedor.§ 1o Cinco dias após executa-da a liminar mencionada nocaput, consolidar-se-ão a pro-priedade e a posse plena e ex-clusiva do bem no patrimôniodo credor fiduciário, cabendo àsrepartições competentes, quan-do for o caso, expedir novo cer-tificado de registro de proprie-dade em nome do credor, ou deterceiro por ele indicado, livredo ônus da propriedadefiduciária. (Redação dada pelaLei 10.931, de 2004)§ 2o No prazo do § 1o, o de-vedor fiduciante poderá pa-gar a integralidade da dívi-da pendente, segundo os va-lores apresentados pelo credorfiduciário na inicial, hipótese na

qual o bem lhe será restituí-do livre do ônus. (Redaçãodada pela Lei 10.931, de 2004

O texto atual do art. 3º, pará-grafos 1º e 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 é de clareza solar no tocanteà necessidade de quitação de todoo débito, inclusive as prestaçõesvincendas.

Realizando o cotejo entre a re-dação originária e a atual, ficalímpido que a Lei não faculta maisao devedor a purgação de mora,expressão inclusive suprimida dasdisposições atuais, não se extrain-do do texto legal a interpretaçãode que é possível o pagamentoapenas da dívida vencida.

Dessarte, a redação vigente doart. 3º, parágrafos 1º e 2º, do De-creto-Lei n. 911/1969, segundoentendo, não apenas estabeleceque o devedor fiduciante poderápagar a integralidade da dívi-da pendente, como dispõe que,nessa hipótese, o bem serárestituído livre do ônus - nãohavendo, pois, margem à dúvidaacerca de se tratar de pagamentode toda a dívida, isto é, deextinção da obrigação, relativa àrelação jurídica de direito mate-rial (contratual).

Esse é também, por todos, oentendimento de Humberto Theo-doro Júnior:

e) Purga da mora: era admis-sível ao devedor escapar da bus-ca e apreensão, no sistema doDec.-Lei nº 911/69, recolhendoapenas as prestações vencidas,mas isto só se permitir caso játivessem sido pagos pelo menos40% da dívida. Pela nova siste-

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mática implantada pela Lei nº10.931/2004, não existe mais aantiga purga da mora. O deve-dor executado só escapa dabusca e apreensão pagando ovalor integral do saldo do con-trato, e isto haverá de aconte-cer nos primeiros 5 dias após aexecução da liminar. (THEO-DORO JÚNIOR, Humberto. Cur-so de direito processual civil:procedimentos especiais. 43 ed.Rio de Janeiro: Forense, 2010,vol. 3, p. 575)

Igualmente, como alertado peloamicus curiae Febraban, na expo-sição de motivos relativa à Lei n.10.931/2004, subscrita pelo entãoMinistro de Estado de FazendaAntonio Palocci Filho, constava:

13. Dessa forma, as alteraçõespropostas ao Decreto-Lei nº911, de 1º de outubro de 1969,objetivam agilizar a venda dobem retomado, sem prejuízoao mutuário, inclusive propici-ando-lhe uma forma maiscélere de quitação de sua dívi-da. Ademais, a fim de prevenirabusos por parte do credorfiduciário, foi estabelecida pe-sada multa, caso se constate ir-regularidades na venda pelainstituição credora do bem ali-enado fiduciariamente, semprejuízo de ação de perdas edanos futura. Com isso, garan-te-se ao mutuário a salvaguar-da de receber o equivalentemonetário do bem indevi-damente alienado, mas tam-bém a compensação por qual-quer dano que a venda do bempossa lhe ter provocado.

Arrematando, Melhim NamemChalhub anota que, durante a tra-

mitação do Projeto de Lei, pugnan-do pela manutenção da faculdadeda purgação da mora pelo deve-dor fiduciante, foi proposta, apósgestões do Instituto dos Advoga-dos Brasileiros e da Seção do Riode Janeiro da OAB, a Emenda n.22 ao Projeto de Lei, que não foiacolhida. Outrossim, observa queo Projeto de Lei visou dar celeri-dade à venda do bem apreendido- principalmente para evitar suadeterioração.

Note-se:

Quando da tramitação do Pro-jeto, manifestamo-nos no insti-tuto dos Advogados Brasileirose na Ordem dos Advogados doBrasil, Secção do Estado do Riode Janeiro, e formulamos emen-da visando suprir a omissão demodo a assegurar os direitos dodevedor fiduciante. A propostade emenda foi encaminhada aCongresso Nacional e efetiva-mente apresentada sob o n. 22,mas não foi acolhida, tendo sidoaprovada em seu lugar outraemenda que, embora prevejao pagamento da dívida depoisdo cumprimento da liminar debusca e apreensão, impõe aodevedor o pagamento integraldo financiamento, e não ape-nas o pagamento das presta-ções vencidas.[...]Essa nova redação decorre doProjeto de Lei 3.065/2004, peloqual o Poder Executivo propôsalterações no Dec.-Lei 911/69,visando dar celeridade à vendado bem apreendido, principal-mente para evitar sua deterio-ração. (TEPEDINO, Gustavo;FACHIN, Luiz Edson (Orgs.).Doutrinas essenciais. Obriga-

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ções e contratos, contratos emespécie: atribuição patrimoniale garantia. São Paulo: Revistados Tribunais, 2011, vol. V, p.440-442)

7. É bem de ver que, em realceao argumento de natureza consti-tucional, se de um lado a Lei n.10.931/2004 visou dar celeridade àvenda do bem apreendido paraevitar a sua deterioração, por ou-tro, modificou a redação art. 3º,parágrafo 6º, do Decreto-Lei n. 911/1969 para estabelecer que, na sen-tença que decretar a improcedên-cia da ação de busca e apreensão,o juiz condenará o credor fidu-ciário ao pagamento de multa, emfavor do devedor fiduciante, equi-valente a 50% do valor original-mente financiado, devidamenteatualizado, caso o bem já tenhasido alienado.

Konrad Hesse observa que, or-dinariamente, é o legislador demo-crático que está devidamente apa-relhado para a apreciação das li-mitações necessárias à autonomiaprivada em face dos outros valo-res e direitos constitucionais.(HESSE, Konrad. Elementos de di-reito constitucional da RepúblicaFederal da Alemanha. Trad. LuísAfonso Heck. Porto Alegre: SérgioAntonio Fabris, 1998, p. 285).

Nisso consiste a tarefa específi-ca da normatização de direito pri-vado, que desenvolveu nesse em-penho uma pronunciada autono-mia com relação à Constituição,tanto em perspectiva histórica,quanto também no tocante ao con-teúdo, haja vista que o direito pri-vado, em regra, disponibiliza so-

luções muito mais diferenciadaspara conflitos entre os seus sujei-tos do que a Constituição poderiafazer. (CANARIS, Claus-Wilhelm.SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).Constituição, direitos fundamen-tais e direito privado. Porto Ale-gre: Livraria do Advogado, 2003,p. 225).

Dessarte, não se pode presumira imprevidência do legislador que,democraticamente eleito, em ma-téria de competência do PoderLegislativo, presumivelmente sope-sando as implicações sociais, jurí-dicas e econômicas da modificaçãodo ordenamento jurídico, vedou,para alienação fiduciária de bemmóvel, a purga da mora, sendo,pois, matéria insuscetível ao con-trole jurisdicional (infraconstitu-cional).

Nesse passo, a título de regis-tro, vale transcrever o voto profe-rido no REsp 1.287.402/PR, relatorp/ acórdão Ministro Antonio CarlosFerrreira. Sua Excelência alinha-vou:

A hipótese legal, para mim, émuito clara. O devedor pode,nos 5 (cinco) dias previstos emlei, pagar a integralidade da dí-vida pendente. “O devedorfiduciante poderá pagar aintegralidade da dívida pen-dente, segundo os valores apre-sentados pelo credor fiduciáriona inicial, hipótese na qual obem lhe será restituído livre deônus”.Ora, se o bem vai ser restituídolivre de ônus, é porque deveráser realizado o pagamento in-tegral da dívida, incluindo o va-lor correspondente às parcelasvincendas e encargos. É o que

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se conclui da leitura do § 2º doartigo 3º do Decreto-lei n. 911/69, com a redação introduzidapela Lei n. 10.931/2004;Sr. Presidente, entendo que aalteração do referido Decreto-lei levada a efeito por meio daLei n. 10.931/2004 não foi à toa.A intenção do legislador é exa-tamente essa: o pagamento daintegralidade da dívida (parce-las vencidas e vincendas).O instituto da alienaçãofiduciária é um instituto útilpara o desenvolvimento do País.Não é só financiamento de au-tomóveis, inclui financiamentode máquinas, equipamentos,implementos agrícolas e atéimóveis.Esse instituto, na forma como éconcebido, facilita o acesso aocrédito e reduz o seu custo, exa-tamente porque assegura aocredor mecanismos mais efica-zes para a retomada do bemfinanciado e a recuperação docrédito. Por isso, pedindo vêniaao relator, CONHEÇO do recur-so especial e DOU-LHE PROVI-MENTO.

Nessa mesma toada, naquelaocasião, a Ministra Maria IsabelGallotti argumentou:

Sr. Presidente, como o Relatorbem reconheceu, a alienaçãofiduciária foi imprescindívelpara que o consumidor pudes-se ter acesso a crédito. E não ésó acesso a crédito, penso queela repercute também na pró-pria taxa de juros bancária, nadiminuição do risco assumidopelo banco, uma vez que possi-bilita o retorno do capital deuma forma mais rápida emcaso de inadimplência. Penso

que a alienação fiduciária sócausa esse resultado de facili-tar o crédito se for dentro dosistema legal em que ela foiconcebida, que é um sistemafeito por lei ordinária, primeiroum decreto-lei da década de1969, que sofreu alterações deuma lei de 2004, com a mesmahierarquia do CDC. Penso quenão se pode deixar de aplicaruma regra legal expressa, edi-tada em 2004, porque ela seriacontra um princípio do CDC epenso que a circunstância doCDC ser aplicável a contratosbancários não impede que leisordinárias posteriores sejameditadas estabelecendo um tipode contrato que visa a dar mai-or garantia às instituições finan-ceiras do resgate da dívida exa-tamente para que elas possamoferecer mais crédito com ta-xas de juros que deveriam sermais acessíveis. Mas, se não são,se os juros são altos mesmo as-sim, é uma questão de merca-do e de política econômica quenão pode ser resolvida por meiode iniciativas tópicas do PoderJudiciário em casos concretossubmetidos à sua apreciação.

Com efeito, embora respeitan-do o entendimento contrário, pen-so que, sob pena de se criar inse-gurança jurídica e violação ao prin-cípio da tripartição dos poderes,não cabe ao Judiciário, a pretextode interpretar a norma, terminarpor, mediante engenhosa constru-ção, criar hipótese de purgação damora não contemplada pela Lei.

8. Em outro giro, conforme aconsagrada doutrina de CarlosMaximiliano, jamais poderá o juiz,a pretexto de interpretar, esvair a

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essência da regra legal, ressaltan-do que as disposições excepcionaissão estabelecidas por motivos ouconsiderações particulares, mas re-duz-se à hipótese expressa:

Jamais poderá o juiz transporos limites estabelecidos pelo Có-digo [...]. Não considera a leicomo rígida, sem lacunas e semelastério, inadaptável às cir-cunstâncias; completa o texto;porém não lhe corrige a es-sência, nem o substitui ja-mais.[...]272 - As disposições excepci-onais são estabelecidas pormotivos ou consideraçõesparticulares, contra outrasnormas jurídicas, ou contrao Direito comum; por issonão se estendem além doscasos e tempos que desig-nam expressamente.[...]286 - Parece oportuna a gene-ralização da regra exposta acer-ca de determinadas espécies depreceitos, esclarecer como seentende e aplica uma normaexcepcional. É de Direito es-trito; reduz-se à hipótese ex-pressa: na dúvida, segue-se aregra geral. Eis porque se dizque a exceção confirma aregra nos casos não exce-tuados.287 - O processo de exegese dasleis de tal natureza é sintetiza-do na parêmia célebre, que se-ria imprudência eliminar semmaior exame - ‘interpretam-se restritamente as disposi-ções derrogatórias do Direi-to comum’. Não há efeito semcausa: a predileção tradicionalpelos brocardos provém damanifesta utilidade dos mes-

mos. Constituem síntesesesclarecedoras, admiráveissúmulas de doutrinas consolida-das. Os males que lhes atribu-em são os de todas as regrasconcisas: decorrem não do uso,e sim do abuso dos dizereslacônicos. O exagero encontra-se antes na deficiência de cul-tura ou no temperamento doaplicador do que no âmago doapotegma. Bem compreendidoeste, conciliados os seus termose a evolução do Direito, a letraantiga e as idéias modernas,ressaltará ainda a vantagematual desses comprimidos deidéias jurídicas, auxiliares damemória, amparos do herme-neuta, fanais do julgador vaci-lante em um labirinto de regraspositivas.Quanta dúvida resolve, numrelâmpago, aquela sínteseexpressiva - interpretam-serestritivamente as disposi-ções derrogatórias do Direi-to comum!Responde, em sentido negati-vo, à primeira interrogação: oDireito Excepcional comporta orecurso à analogia? Ainda en-frenta, e com vantagem, a se-gunda: é ele compatível com aexegese extensiva? Neste últi-mo caso, persiste o adágio emamparar a recusa; acompa-nham-no reputados mestres;outros divergem, porém maisna aparência do que na reali-dade: esboçam um sim acom-panhado de reservas que oaproximam do não. Quando sepronunciam pelo efeito exten-sivo, fazem-no com o intuito deexcluir o restritivo, tomado estena acepção tradicional. Tim-bram em evitar que se apli-que menos do que a normaadmite; porém não preten-

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dem o oposto - ir além doque o texto prescreve. O seuintento é tirar da regra tudoo que na mesma se contém,nem mais, nem menos. Essainterpretação bastante se apro-xima da que os clássicos apeli-davam declarativa; denomina-se estrita: busca o sentidoexato; não dilata, nem res-tringe.Com as reservas expostas, aparêmia terá sempre cabi-mento e utilidade. Se fora lí-cito retocar a forma tradicional,substituir-se-ia apenas o advér-bio: ao invés de restritiva, estri-tamente. Se prevalecer o escrú-pulo em emendar adágios, deleve sequer, bastará que se en-tenda a letra de outrora deacordo com as idéias de hoje: obrocardo sintetiza o dever deaplicar o conceito excepcionalsó à espécie que ele expri-me, nada acrescido, nemsuprimido ao que a normaencerra, observada a mesma,portanto, em toda a sua ple-nitude. (MAXIMILIANO, Carlos.Hermenêutica e aplicação dodireito. 20 ed. Rio de Janeiro:Editora Forense, 2011, p. 69,184, 191 e 192)

Com efeito, como regra basilarde hermenêutica, no confrontoentre as regras específicas e as de-mais do ordenamento jurídico,deve prevalecer a regra excepci-onal.

Essa é também a doutrina deClaudia Lima Marques, citada porMelhim Namem Chalhub, ao assen-tar que a lei especial nova geral-mente traz normas a par das jáexistentes; normas diferentes, no-vas, mais específicas do que as an-

teriores e que, como o CDC nãoregula contratos específicos, emcasos de incompatibilidade, há cla-ra prevalência da lei especial novapelos critérios de especialidade ecronologia:

É nesse sentido a lição de CláudiaLima Marques, que, ao examinaras antinomias em face do CDC,observa que se “ambas as leispermanecem no sistema have-ria prevalência da lei especial. (...)A jurisprudência tende a conce-ber prevalência às normas espe-ciais, sempre que não em confli-to com a Constituição,” salien-tando a prevalência da lei espe-cial, quando posterior: “A lei es-pecial nova geralmente traz nor-mas a par das já existentes, nor-mas diferentes, novas, mais es-pecíficas do que as anteriores,mas compatíveis e conciliáveiscom estas. Como o CDC não re-gula contratos específicos, massim elabora normas de condutagerais e estabelece princípios,raros serão raroso casos de in-compatibilidade. Se, porém, oscasos de incompatibilidade sãopoucos, nestes há claraprevalência da lei especial novapelos critérios de especialidade ecronologia. (...) Assim, o CDC comolei geral de proteção dos consu-midores poderia ser afastadopara a aplicação de uma lei novaespecial para aquele contrato ourelação contratual, como no casoda lei sobre seguro-saúde, sehouver incompatibilidade de pre-ceitos”. (CHALHUB, MelhimNamem. Negócio fiduciário. 4 ed.Rio de Janeiro: Renovar, 2009,p. 302 e 303)

Dessarte, é inegável que, com avigência da Lei n. 10.931/2004, o

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art. 3º, parágrafos 1º e 2º, do De-creto-Lei 911/1969, para os casos dealienação fiduciária envolvendobem móvel, é mitigado o princí-pio da conservação dos contratosconsagrado pelo ordenamento ju-rídico brasileiro, notadamentepelo afastamento, para esta rela-ção contratual, do art. 401 do CC.

Nesse particular, ademais, cum-pre consignar que, evidentemen-te, naquilo que compatível, apli-cam-se à relação contratual envol-vendo alienação fiduciária de bemmóvel, integralmente, as disposi-ções previstas no Código Civil e,nas relações de consumo, o Códi-go de Defesa do Consumidor.

Igualmente, não se está a di-zer que, no período de 5 dias apósa execução da liminar prolatada naação de busca e apreensão, isto é,antes que a posse plena e a propri-edade se consolidem no patri-mônio do credor, não possam aspartes pactuar transação - negóciojurídico que tem por “elementoconstitutivo a concessão de vanta-gens recíprocas, por isso mesmonão se confunde com renúncia,desistência ou doação” (REsp1071641/RS, Rel. Ministro LUISFELIPE SALOMÃO, QUARTA TUR-MA, julgado em 21/05/2013, DJe 13/06/2013).

9. Com efeito, é entendimentoconsolidado nesta Corte Superiorque, após o advento da Lei n.10.931/2004, que deu nova redaçãoao art. 3º do Decreto-Lei n. 911/1969, não há falar em purgação damora, haja vista que, sob a novasistemática, após decorrido o pra-zo de 5 (cinco) dias contados daexecução da liminar, a proprieda-

de do bem fica consolidada com ocredor fiduciário, devendo o deve-dor efetuar o pagamento daintegralidade do débito remanes-cente a fim de obter a restituiçãodo bem livre de ônus.

Esse entendimento foisufragado em inúmeros e recentesprecedentes das duas Turmas quecompõem a Segunda Seção. Con-firam-se os julgados:

DIREITO CIVIL. DIREITO PROCES-SUAL CIVIL. AGRAVO REGIMEN-TAL NO RECURSO ESPECIAL.ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EMGARANTIA. DECRETO-LEI N.911/1969. ALTERAÇÃO INTRO-DUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA EPROSSEGUIMENTO DO CON-TRATO. IMPOSSIBILIDADE. NE-CESSIDADE DE PAGAMENTODO TOTAL DA DÍVIDA (PARCE-LAS VENCIDAS E VINCEN-DAS).DECISÃO MANTIDA.1. A atual redação do art. 3º doDecreto-Lei n. 911/1969 não fa-culta ao devedor a purgação damora nas ações de busca e apre-ensão de bem alienado fiducia-riamente.2. Somente se o devedor fidu-ciante pagar a integrali-dadeda dívida, incluindo as parcelasvencidas, vincendas e encargos,no prazo de 5 (cinco) dias apósa execução da liminar, ser-lhe-árestituído o bem, livre do ônusda propriedade fidu-ciária.3. Agravo regimental a que senega provimento.(AgRg no REsp 1398434/MG,Rel. Ministro ANTONIO CARLOSFERREIRA, QUARTA TURMA,julgado em 04/02/2014, DJe11/02/2014)——————————

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AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. CONTRATO DEALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUS-CA E APREENSÃO. PURGAÇÃODA MORA. INSUBSISTÊNCIA DASÚMULA Nº 284/STJ. LEI Nº10.931/2004 QUE ALTEROU ODECRETO-LEI Nº 911/69.1. A purgação da mora antesprevista no art. 3º, § 3º, do De-creto-Lei nº 911/69, e que deuensejo à edição da Súmula nº284/STJ, não mais subsiste emvirtude da Lei nº 10.931/2004,que alterou referido dispositi-vo legal.2. Sob a nova sistemática legal,após decorrido o prazo de 5 (cin-co) dias, contados da execuçãoliminar, a propriedade do bemfica consolidada com o credorfiduciário, cabendo ao devedorefetuar o pagamento daintegralidade do débito rema-nescentes para fins de obter arestituição do bem livre de ônus.3. Agravo regimental não pro-vido.(AgRg no REsp 1151061/MS, Rel.Ministro RICARDO VILLAS BÔASCUEVA, TERCEIRA TURMA, jul-gado em 09/04/2013, DJe 12/04/2013)——————————AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. AÇÃO D EOBRIGAÇÃO DE FAZER CUMU-LADA COM PEDIDO DE REPA-RAÇÃO DE DANOS MORAIS.CONTRATO DE FINANCIAMEN-TO GARANTIDO POR ALIENA-ÇÃO FIDUCIÁRIA.1. Com a edição da Lei 10.931/04, afastou-se a possibilidadede purgação da mora nas açõesde busca e apreensão oriundasde contrato de mútuo garanti-do por alienação fiduciária.2. Compete ao devedor, no pra-zo de cinco dias da execução da

liminar, pagar a integralidadeda dívida, entendida esta comoos valores apresentados pelocredor fiduciário na inicial.3. Inviável a inclusão de outrasdespesas de cobrança no mon-tante devido para purga damora, porquanto apenas po-dem ser incluídas no leito estrei-to da ação de busca e apreen-são, as verbas expressamenteprevistas pelo § 1º, do artigo 2º,do Decreto-lei 911/69.4. Necessidade de retorno dosautos à origem para apreciaçãodo pedido de reparação dosdanos morais.5. AGRAVO REGIMENTAL AQUE SE NEGA PROVIMENTO.(AgRg no REsp 1249149/PR, Rel.Ministro PAULO DE TARSOSANSEVERINO, TERCEIRA TUR-MA, julgado em 06/11/2012,DJe 09/11/2012)——————————DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECI-AL. AÇÃO DE BUSCA E APREEN-SÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIAEM GARANTIA. DECRETO-LEIN. 911/1969. ALTERAÇÃO IN-TRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA EPROSSEGUIMENTO DO CON-TRATO. IMPOSSIBILIDADE. NE-CESSIDADE DE PAGAMENTODO TOTAL DA DÍVIDA (PARCE-LAS VENCIDAS E VINCEN-DAS).1) A atual redação do art. 3º doDecreto-Lei n. 911/1969 não fa-culta ao devedor a purgação damora nas ações de busca e apre-ensão de bem alienado fiducia-riamente.2) Somente se o devedor fidu-ciante pagar a integrali-dadeda dívida, no prazo de 5 (cinco)dias após a execução da liminar,ser-lhe-á restituído o bem, livredo ônus da propriedade fidu-ciária.

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3) A entrega do bem livre doônus da propriedade fiduciáriapressupõe pagamento integraldo débito, incluindo as parcelasvencidas, vincendas e encargos.4) Inexistência de violação doCódigo de Defesa do Consumi-dor.Precedentes.5) Recurso especial provido.(REsp 1287402/PR, Rel. MinistroMARCO BUZZI, Rel. p/ AcórdãoMinistro ANTONIO CARLOSFERREIRA, QUARTA TURMA,julgado em 03/05/2012, DJe 18/06/2013)——————————AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO DE INSTRUMENTO -BUSCA E APREENSÃO - CON-TRATO DE ALIENAÇÃO FIDU-CIÁRIA - NEGATIVA DE PRESTA-ÇÃO JURISDICIONAL - NÃOOCORRÊNCIA - PURGAÇÃO DAMORA - IMPOSSIBILIDADE -PRECLUSÃO - AUSÊNCIA DEIMPUGNAÇÃO DOS FUNDA-MENTOS DO ACÓRDÃO RECOR-RIDO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA283/STF - RECURSO IMPROVIDO.(AgRg no Ag 1385205/SP, Rel.Ministro MASSAMI UYEDA,TERCEIRA TURMA, julgado em12/04/2012, DJe 26/04/2012)——————————AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. FUNDAMEN-TOS INSUFICIENTES PARA RE-FORMAR A DECISÃO AGRAVA-DA. CONTRATO GARANTIDOCOM CLÁUSULA DE ALIENA-ÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DEBUSCA E APREENSÃO. PURGA-ÇÃO DA MORA APÓS A VIGÊN-CIA DA LEI 10.931/04. IMPOSSI-BILIDADE. NECESSIDADE DEPAGAMENTO DA INTEGRALI-DADE DA DÍVIDA. SÚMULA 83DO STJ.

1. O agravante não trouxe ar-gumentos novos capazes deinfirmar os fundamentos quealicerçaram a decisão agrava-da, razão que enseja a negati-va de provimento ao agravoregimental.2. Com a nova redação do arti-go 3º do Decreto-Lei n.º 911/69,dada pela Lei 10.931/04, não hámais se falar em purgação damora nas ações de busca e apre-ensão de bem alienado fiducia-riamente, devendo o devedorpagar a integralidade da dívi-da, no prazo de 5 dias após aexecução da liminar, hipótesena qual o bem lhe será restituí-do livre de ônus.3. A perfeita harmonia entre oacórdão recorrido e a jurispru-dência dominante desta CorteSuperior impõe a aplicação, àhipótese dos autos, do enuncia-do Nº 83 da Súmula do STJ.4. Agravo regimental não pro-vido.(AgRg no REsp 1183477/DF, Rel.Ministro VASCO DELLA GIUS-TINA (DESEMBARGADOR CON-VOCADO DO TJ/RS), TERCEIRATURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 10/05/2011)——————————AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO DE INSTRUMENTO.AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃODOS FUNDAMENTOS DA DECI-SÃO AGRAVADA. VERBETE N.º182 DA SÚMULA DO STJ. AÇÃODE BUSCA E APREENSÃO.PURGAÇÃO DA MORA. DIVER-GÊNCIA JURISPRUDENCIALNÃO CARACTERIZADA. LEIN.º 10.931/2004. INTEGRALI-DADE DA DÍVIDA. VERBETE284 DA SÚMULA DO STJ SUPE-RADO. AGRAVO NÃO CONHE-CIDO.

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1. “É inviável o agravo do art.545 que deixa de atacar espe-cificamente os fundamentos dadecisão agravada”. Verbete n.º182, da Súmula/STJ.2. O dissídio jurisprudencialnão restou caracterizado, ten-do em vista que o acórdãocolacionado como paradigma,publicado em 1975, além denão refletir entendimentoatual, não está fundamenta-do nas mesmas premissas queo aresto recorrido; de fato, oTribunal a quo decidiu a ques-tão sob a ótica da Lei n.º10.931, de 02 de agosto de2004, circunstância ausente nojulgado paradigma.3. Ademais, o entendimento daCorte de origem está em con-sonância com recente jurispru-dência deste Superior Tribunalde Justiça, segundo a qual, navigência da Lei n.º 10.931/2004,a purgação da mora não estámais condicionada ao paga-mento de 40% do valor finan-ciado, uma vez que “sob o novoregime, cinco dias após a exe-cução da liminar, a proprieda-de do bem fica consolidada como credor fiduciário. Todavia, no§ 2º autorizou a nova redaçãoque o devedor naquele prazode cinco dias pague a inte-gralidade da dívida, o que querdizer a dívida segundo os valo-res apresentados pelo credorfiduciário na inicial, ‘hipótesena qual o bem lhe será restitu-ído livre do ônus’. Ora, com isso,de fato, fica superada a Súmulan.º 284 da Corte alinhada à re-dação anterior do § 1º do art.3º” (Resp 767.227, TerceiraTurma, Rel. Min. Carlos AlbertoMenezes Direito, DJ 13.02.06).4. Agravo não conhecido. (AgRgno Ag nº 772.797/DF, Rel. Min.

HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 4ªTurma, DJ 6/8/2007)——————————Ação de busca e apreensão. De-creto-Lei nº 911/69 com a reda-ção dada pela Lei nº 10.931/04.1. Com a nova redação do art.3º do Decreto-Lei nº 911/69 pelaLei n° 10.931/04, não há maisfalar em purgação da mora,podendo o credor, nos termosdo respectivo § 2º, ‘pagar aintegralidade da dívida pen-dente, segundo os valores apre-sentados pelo credor fiduciáriona inicial, hipótese na qual obem lhe será restituído livre doônus’.2. Recurso especial conhecido eprovido, em parte. (REsp767.227/SP, Rel. Min. CARLOSALBERTO MENEZES DIREITO, 3ªTurma, DJ 13/02/2006)

No mesmo sentido, as seguintesdecisões monocráticas: REsp1.203.889/MG, Rel. Sidnei Beneti,DJe 16/9/2010; REsp 1.193.657/RS,Rel. Min. João Otávio de Noronha,DJe 25/8/2010; Ag nº 1.275.506, Rel.Min. Aldir Passarinho Júnior, DJe 24/8/2010; REsp nº 1.194.121/SP, Rel.Min. Nancy Andrighi, DJe 23/8/2010;REsp nº 1.197.255/MS, Rel. Min.Massami Uyeda, DJe 13/8/2010.

Diante do novo texto legal, ficanítido que, nos contratos celebra-dos após a vigência da Lei n.10.931/2004 - pois esta não poderetroagir para atingir pretensão dedireito material relativa à relaçãocontratual anterior à sua vigência(RE 205999, Relator(a): Min.MOREIRA ALVES, Primeira Turma,julgado em 16/11/1999, DJ 03-03-2000 PP-00089 EMENT VOL-01981-05 PP-00991) -, compete ao deve-

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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE.

dor, no prazo de 5 (cinco) dias daexecução da liminar, pagar aintegralidade da dívida, entendi-da esta como o montante apresen-tado e comprovado pelo credorfiduciário na inicial.

Esse é também o entendimentodefendido por Humberto Theo-doro Júnior:

O devedor só escapa da busca eapreensão pagando o valor in-tegral do saldo do contrato, eisto haverá de acontecer nosprimeiros dias após a execuçãoda liminar. A exigência da leinova, no entanto, não deve seraplicada à purgação requeridaainda na vigência da norma an-tiga, visto que o tema da morae sua emenda pertencem aodireito material e não ao pro-cessual. O efeito imediato quealcança os processos em curso,diz respeito apenas às normasprocessuais. O direito materialjá exercido não pode ser afeta-do por eficácia retroativa de leisuperveniente. É indiferenteque o deferimento do depósitotenha ocorrido já na vigência dalei nova, se a pretensão tiversido exercida antes dela.(THEODORO JÚNIOR, Humber-to. Curso de direito processualcivil: procedimentos especiais.43 ed. Rio de Janeiro: Forense,2010, vol. 3, p. 575 e 576)

Nesse mesmo sentido, é o se-guinte precedente do STJ:

Direito bancário. Pedido de bus-ca e apreensão. Requerimen-to de purgação da mora for-mulado, pelo devedor, àépoca em que o DL 911/69vigia com sua redação origi-

nal, que estabelecia, como re-quisitos para a purgação, o de-pósito das parcelas vencidasconsoante cálculo do contadorjudicial. Apreciação de tal pedi-do promovida pelo juízo somen-te meses após sua formulação,momento em que o DL 911/69já fora alterado pela Lei 10.931/2004, que estabeleceu, para apurgação da mora, o depósitode toda a dívida. Impossibilida-de de aplicação da lei nova paradecisão de pedido formuladoquando vigente a lei antiga.A norma que disciplina apurgação da mora tem con-teúdo de direito material,não de direito processual.Vale dizer, na hipótese em queo devedor exerce o direito àpurgação da mora, é restabe-lecida a vigência do contrato,retirando-se do credor a facul-dade de promover sua rescisãopor inadimplemento.A alteração da Lei quanto aosrequisitos da purgação da moranão pode impedir o deferimen-to de pedido já formulado pelaparte, com observância das exi-gências fixadas na lei anterior.Recurso especial a que se negaprovimento.(REsp 904752/MG, Rel. MinistraNANCY ANDRIGHI, TERCEIRATURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 11/11/2009)

10.Assim, a tese a ser firmadapara efeito do art. 543-C do Códi-go de Processo Civil, que ora enca-minho, é a seguinte:

“Nos contratos firmados navigência da Lei n. 10.931/2004, com-pete ao devedor, no prazo de 5(cinco) dias após a execução daliminar na ação de busca e apreen-são, pagar a integralidade da dívi-

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da - entendida esta como os valo-res apresentados e comprovadospelo credor na inicial -, sob penade consolidação da propriedade dobem móvel objeto de alienaçãofiduciária”.

11.No caso, dou provimento aorecurso especial para estabelecerque, sob pena de consolidação daposse e propriedade do bem mó-vel objeto de alienação fiduciária,compete ao devedor pagar aintegralidade da dívida, entendi-da esta como os valores apresenta-dos e comprovados pelo credorfiduciário na inicial.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAR-CO BUZZI (Relator):

Inicialmente, sobreleva deixarassente que, a partir do julga-mento do Resp n. 1.287.402/PR(Relator Ministro MARCO BUZZI,Relator p/ Acórdão Ministro AN-TONIO CARLOS FERREIRA, julga-do em 03/05/2012, DJe 18/06/2013), em que a Quarta Turma,por maioria de votos, perfilhouo posicionamento de que, “de-corrido o prazo de cinco dias,contados da execução da liminar,cabe ao devedor efetuar o paga-mento da integralidade do débi-to remanescente (parcelasvencidas e vincendas) para fins deobter a restituição do bem livrede ônus”, este subscritor passoua adotar a aludida orientação,atento à função uniformizadoradesta Corte de Justiça, proceden-do-se à ressalva de seu entendi-mento pessoal sobre a questão.

Do mesmo modo em que se pro-cedeu naquela oportunidade, estesignatário consigna que, tanto oteor do artigo 2º, § 3º, do Decreto-Lei 911/69, que faculta ao credorfiduciário considerar antecipada-mente vencida a totalidade da dí-vida em caso de mora, quanto oprescrito no artigo 3º, §§ 1º e 2º,que possui previsão no sentido deque o devedor fiduciante poderápagar a integralidade da dívidapendente, devem ser interpretadosa bem da preservação do contratode adesão firmado pelas partes, jáque a norma não veda expressa-mente a purgação da mora, ou sepreferir, o resgate do débito pen-dente.

Tal ponderação milita em darênfase aos direitos do consumidor(art. 5º, XXXII, da CF), mormenteno caso sob análise, em que o de-vedor (parte vulnerável) se dispõeao pagamento do débito vencidoe não pago, a fim de preservar aavença, restando, portanto, resga-tadas a função social do contratoe a boa-fé objetiva que devem res-paldar tais negócios jurídicos.

Frise-se que procede de interpre-tação normativa e não de disposi-ção expressa de lei, o entendimen-to que obriga o devedor fiducianteao pagamento da integralidade dosaldo devedor por força do venci-mento antecipado decorrente damora, vez que o texto legal esta-belece uma faculdade ao credorfiduciário em considerar antecipa-damente vencido o contrato, oque não impede ou afasta a inter-pretação dos dispositivos legais jámencionados em favor da partevulnerável da relação, como exige

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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE.

o estatuto consumerista, no senti-do de possibilitar e preservar a con-tinuidade da relação contratual,nos casos em que evidenciado opagamento das parcelas em atrasono prazo estabelecido no §1º doart. 3º do Decreto-Lei 911/69.

Com o devido e máximo respei-to, sufraga-se que o entendimen-to ora esposado por esta Corte,acerca do tema em foco, não semostra compatível com aprincipiologia exergética que ori-enta nosso sistema, porquanto con-fere interpretação extensiva ao ar-tigo 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-leinº 911/69, com a redação dada pelaLei nº 10.931, de 2 de agosto de2004, fazendo presumir que, paraa purgação da mora exigir-se-ia opagamento integral do saldo de-vedor do mútuo, e não o resgateda integralidade da dívida penden-te, até então.

Confira-se:

“Art. 56. O Decreto-Lei no 911,de 1o de outubro de 1969, pas-sa a vigorar com as seguintesalterações:“Art. 3o ................................§1º Cinco dias após executadaa liminar mencionada no caput,consolidar-se-ão a propriedadee a posse plena e exclusiva dobem no patrimônio do credorfiduciário, cabendo às reparti-ções competentes, quando foro caso, expedir novo certificadode registro de propriedade emnome do credor, ou de terceiropor ele indicado, livre do ônusda propriedade fiduciária.§2º No prazo do §1º, o deve-dor fiduciante poderá pagara integralidade da dívidapendente, segundo os valores

apresentados pelo credorfiduciário na inicial, hipótese naqual o bem lhe será restituídolivre do ônus. [...]” (grifo nosso)

A redação do mencionado arti-go refere-se à dívida pendente,nãoelucidando tratar-se da dívidaem aberto até o momento do pa-gamento, ou da integralidade dovalor de todo o financiamento,mostrando-se exacerbado conside-rar legítima apenas esta última hi-pótese, porquanto tal interpreta-ção não se coaduna com o ânimodo ordenamento jurídico pátrio, oqual acolheu o estatuto consu-merista, que é voltado ao amparoda parte mais vulnerável da rela-ção material, além de defender,como já dito, a opção pela preser-vação do contrato.

Com efeito, no caso em julga-mento, a interpretação no sentidode que talpreceito exige o paga-mento da integralidade do débi-to, reputando vencido antecipada-mente o contrato, somente é viá-vel a partir da conjugação do dis-positivo antes transcrito com o tex-to do §3º do artigo 2º do DL 911/69 assim redigido:

“A mora e o inadimplementode obrigações garantidas poralienação fiduciária, ou a ocor-rência legal ou convencional dealgum dos casos de antecipaçãode vencimento da dívida, facul-tarão ao credor considerar,de pleno direito, vencidastodas as obrigações contra-tuais, independentemente deaviso ou notificação judicial ouextrajudicial”. (grifo nosso)

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Pela simples leitura do disposi-tivo acima transcrito, tem-se queo DL nº 911/69 consagra um direi-to potestativo ao credor fiduciário,facultando-lhe, segundo a sua con-veniência, considerar vencidas to-das as parcelas alusivas a obriga-ção contratual.

Sem embargo, essa faculdadenão pode ser levada a termos ab-solutos, pois que não só ela, comoqualquer outra obrigação ou direi-to contratual, encontra limites edeve ser exercida nos termos daboa-fé objetiva, prevista implicita-mente no artigo 4º, inciso III, doCódigo de Defesa do Consumidor,e de forma explícita no artigo 422do Código Civil de 2002.

Como é cediço, a função socialdo contrato, conforme está no art.421 do Código Civil, constitui clá-usula geral, que reforça o princí-pio da conservação do contrato,assegurando trocas justas e úteis àspartes.

Ora, é de sabença que um dosdeveres anexos, oriundo do prin-cípio da boa-fé objetiva, consagraaos participantes do negócio jurí-dico, precisamente, o dever decooperação e de lealdade.

Afinal, não é outro o interesseconsagrado na contratação, quenão o da plena realização exitosado ajustado, a bem de todos osintegrantes do pactuado.

Ademais, em se caracterizandocomo de adesão o contrato demútuo com garantia de alienaçãofiduciária, no qual incidente ospressupostos da legislaçãoconsumerista (súmula nº 297/STJ),cabível a aplicação do comandolegal inserto no art. 54, §2º, do

Código de Defesa do Consumidor,que confere ao consumidor aescolha sobre a resolução docontrato ou o cumprimento daavença, de modo a se reconhecercomo abusiva qualquer norma quedite solução contrária, a exemplode vencimento antecipado do con-trato.

Ainda que o §2º, do art. 3º, doDL 911/69, com a nova redaçãodada pela Lei 10.931/04, aparenteestar em conflito com o §2º, do art.54, do CDC, este último dispositi-vo, embora aquele seja considera-do lei específica, se sobrepõe, emface da regra principiológica pre-sente no CDC, de que não se aplicao princípio da especialidade.

Outrossim, é necessário ressal-tar que o vencimento antecipadodo contrato mostra-se cabalmenteprejudicial ao próprio credor, por-quanto, face ao disposto no artigo1.426 do Código Civil, vencida an-tecipadamente a dívida, não se in-cluirão os juros correspondentes aotempo ainda não decorrido. Talentendimento é inclusive corrobo-rado pelo que dispõe o artigo 52,§2º, da Lei n° 8.078/90, que asse-gura ao consumidor a liquidaçãoantecipada do total do débito,mediante redução proporcionaldos juros.

Desta forma, desde que o deve-dor arque com o pagamento dasprestações vencidas, acrescidas dosacessórios contratuais, nos termosdo que estabelece também o arti-go 401, I, do Código Civil, falecerazão plausível para dele se exigirainda mais, mesmo porque cobrara integralidade do valor contrata-do, de forma insofismável, torna

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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE.

impossível o cumprimento da obri-gação. Ressalte-se que, do contrá-rio, o mutuário não haveria con-traído um financiamento com oobjetivo de adquirir determinadoproduto, comprando-o à vista, paranão ter de arcar com os elevadosjuros cobrados em nosso país.

Não bastasse isso, convém gizarque toda a sistemática de nossoordenamento jurídico é voltada àconservação do contrato, de modoa fomentar a economia e propor-cionar segurança jurídica às partes,valendo mencionar como exemploclaro desse intuito, os artigos 144,150, 157, §2º, 167, caput, 170, 172,184 e 401 do Código Civil de 2002e 51, §2º do Código de Defesa doConsumidor.

Logo, convém muito mais aosanseios de nosso sistema jurídico asubsistência do contrato do que asua extinção anormal, até porquesó assim estará ele atingindo suafinalidade social, nos termos dopreceituado no artigo 421 do Có-digo Civil.

Assim, seja pela incidência dodever de cooperação e lealdadeentre as partes, seja pelo direito dodevedor purgar a mora, ou, ainda,pelo princípio da conservação doscontratos, deve ser procedida in-terpretação sistemática dos artigos3º, §2º e 2º, §3º, do DL nº 911/69,entendendo-se que a faculdade dacredora dar por vencida a integra-lidade da dívida fica condicionadaao exame do caso concreto. E, paratanto, caberá à instituição finan-ceira apontar motivo plausível aopronto encerramento do contrato,indicando razões, por exemplo,que alcancem risco à integridade

do próprio bem ou lesão latenteparte, hipóteses não contempladasno caso. Do contrário, deve seradmitido o pagamento das parce-las vencidas até a respectiva data,de modo a possibilitar a continui-dade do contrato.

Deste modo, não se descura doentendimento desta Corte acercada legitimidade do vencimentoantecipado do contrato, porém talsomente se verifica para a consti-tuição em mora do devedor,desautorizando, como regra, a co-brança in totum do preço financi-ado e não pago.

A despeito da compreensãosobre a questão acima exa-rada, este subscritor, levando-se em conta a função unifor-mizadora deste Superior Tribu-nal de Justiça, adere integral-mente ao entendimento que sesagra vencedor, agora tambémem sede de recurso repetitivo,reproduzido na seguinte tese:

“Nos contratos firmados na vi-gência da Lei n° 10.931/2004,compete ao devedor, no prazode cinco dias após a execuçãoda liminar na ação de busca eapreensão, pagar a integrali-dade da dívida - entendida estacomo os valores apresentadose comprovados pelo credor nainicial -, sob pena de consolida-ção da propriedade do bemmóvel objeto de alienaçãofiduciária”.

Assim, dou provimento ao re-curso especial, nos termos do votodo Relator.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Seção, por unanimidade, deuprovimento ao recurso especial,nos termos do voto do Sr. MinistroRelator.

Para os efeitos do artigo 543-C,do Código de Processo Civil, foidefinida a seguinte tese: “Nos con-tratos firmados na vigência da Lein° 10.931/2004, compete ao deve-dor, no prazo de cinco dias após aexecução da liminar na ação de

busca e apreensão, pagar aintegralidade da dívida - entendi-da esta como os valores apresenta-dos e comprovados pelo credor nainicial -, sob pena de consolidaçãoda propriedade do bem móvel ob-jeto de alienação fiduciária”.

Os Srs. Ministros Paulo de TarsoSanseverino, Maria Isabel Gallotti,Antonio Carlos Ferreira, RicardoVillas Bôas Cueva, Marco Buzzi,João Otávio de Noronha e SidneiBeneti votaram com o Sr. MinistroRelator.

Ausente, justificadamente, a Sra.Ministra Nancy Andrighi.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Raul Araújo.

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

Superior Tribunal de Justiça

Recurso repetitivo. Previdência privada. Plano de benefíciossubmetido à LC 108/2001, já operante por ocasião do adventoda Lei. Vedação de repasse de abono e vantagens de qualquernatureza para os benefícios em manutenção. Concessão de verbanão prevista no regulamento do plano de benefícios deprevidência privada, ainda que não seja patrocinado por entidadeda administração pública. Impossibilidade. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1325988&num_registro=201304095279&data=20140801&formato=PDF> Acesso em: 21 out. 2014.

EMENTA OFICIAL

PREVIDÊNCIA PRIVADA. RECUR-SO ESPECIAL REPRESENTATIVO DECONTROVÉRSIA. ART. 543-C DOCPC. PLANO DE BENEFÍCIOS SUB-METIDO À LEI COMPLEMENTAR N.108/2001, JÁ OPERANTE POR OCA-SIÃO DO ADVENTO DA LEI.VEDAÇÃO DE REPASSE DE ABONOE VANTAGENS DE QUALQUER NA-TUREZA PARA OS BENEFÍCIOS EMMANUTENÇÃO. CONCESSÃO DEVERBA NÃO PREVISTA NO REGULA-MENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOSDE PREVIDÊNCIA PRIVADA, AINDAQUE NÃO SEJA PATROCINADO PORENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Para fins do art. 543-C doCódigo de Processo Civil: a) Nosplanos de benefícios de previdên-cia privada fechada, patrocinadospelos entes federados - inclusivesuas autarquias, fundações, socie-dades de economia mista e empre-sas controladas direta ou indireta-mente -, é vedado o repasse de

abono e vantagens de qualquernatureza para os benefícios emmanutenção, sobretudo a partir davigência da Lei Complementar n.108/2001, independentemente dasdisposições estatutárias e regula-mentares; b) Não é possível a con-cessão de verba não prevista no re-gulamento do plano de benefíciosde previdência privada, pois a pre-vidência complementar tem porpilar o sistema de capitalização,que pressupõe a acumulação dereservas para assegurar o custeiodos benefícios contratados, em umperíodo de longo prazo.

2. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acimaindicadas, acordam os Ministros daSEGUNDA SEÇÃO do Superior Tri-bunal de Justiça, por unanimida-de, dar provimento ao recurso es-pecial, nos termos do voto do Sr.Ministro Relator.

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Para os fins do artigo 543-C, doCódigo de Processo Civil, foram de-finidas as seguintes teses: a) Nos pla-nos de benefícios de previdênciaprivada fechada, patrocinados pe-los entes federados - inclusive suasautarquias, fundações, sociedadesde economia mista e empresas con-troladas direta ou indiretamente -,é vedado o repasse de abono e van-tagens de qualquer natureza paraos benefícios em manutenção, so-bretudo a partir da vigência da LeiComplementar nº 108/2001, inde-pendentemente das disposiçõesestatutárias e regulamentares; b)Não é possível a concessão de ver-ba não prevista no regulamento doplano de benefícios de previdênciaprivada, pois a previdência comple-mentar tem por pilar o sistema decapitalização, que pressupõe a acu-mulação de reservas para asseguraro custeio dos benefícios contrata-dos, em um período de longo pra-zo. Os Srs. Ministros Paulo de TarsoSanseverino, Maria Isabel Gallotti,Antonio Carlos Ferreira, RicardoVillas Bôas Cueva, Marco Buzzi,Nancy Andrighi, João Otávio deNoronha e Sidnei Beneti votaramcom o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Raul Araújo.

Brasília, 28 de maio de 2014(data do julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO,Relator.

REsp Nº 1.425.326 - RS (2013/0409527-9). DJe 01.08.2014.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Jilceu Fagundes e nove ou-tros autores ajuizaram ação emface de Caixa de Previdência dosFuncionários do Banco do Brasil -Previ sustentando que a Confede-ração dos Bancários firmou acor-do coletivo de trabalho com oBanco do Brasil S.A., com vigên-cia a partir de 1º de agosto de2000, para “instituição de um abo-no de caráter indenizatório/remuneratório aos funcionários daativa, que nada mais foi senãouma forma de reajuste salarialconcedido”, por isso deve ser es-tendido aos inativos, pois “assimfoi estabelecido desde quando ascaixinhas auxiliares da aposenta-doria pública foram criadas”.

Aduzem que, embora não exis-ta entre as partes relação de traba-lho, mas contrato de natureza ci-vil, o pedido e a causa de pedir vin-culam-se ao cumprimento de pac-to celebrado entre a entidade deprevidência privada e os benefí-ciários do plano.

Alegam que, por meio das con-venções firmadas, é possível aferirque o abono vindicado é verbaremuneratória do trabalhador, porisso deve ser concedida a extensãodo abono, sob pena de violação àisonomia, ao direito adquirido, àirredutibilidade de vencimentos eao direito dos trabalhadores àirredutibilidade do salário, previs-to no art. 7º, VI, da CF.

O Juízo da 3ª Vara Cível daComarca de Pelotas julgou proceden-te o pedido formulado na inicial.

Interpôs a entidade de previdên-cia ré apelação para o Tribunal deJustiça do Rio Grande do Sul, quenegou provimento ao recurso.

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

A decisão tem a seguinte emen-ta:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊN-CIA PRIVADA. REVISÃO DE BE-NEFÍCIO. PREVI. PRELIMINAR DECOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DOTRABALHO.Competência para processar ejulgar o feito da Justiça Esta-dual.Não-aplicação do art. 114, I, daConstituição da República.IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DOPEDIDO NÃO DEMONSTRADA.Não há no ordenamento jurídi-co qualquer óbice à pretensãodeduzida na petição inicial, demodo que não se pode reconhe-cer a alegada impossibilidadejurídica do pedido.AGRAVO RETIDO. CERCEA-MENTO DE DEFESA INOCOR-RENTE.Não gera cerceamento de de-fesa o julgamento antecipadoda lide quando presentes, nosautos, elementos que autori-zam o julgamento imediato.ABONO ÚNICO.Natureza salarial reconhecida,nos termos do que preceitua oart. 457, § 1º, da CLT, sendo re-conhecido o direito dos inativosque auferem complementaçãode aposentadoria.Incorporação ao benefício com-plementar afastada, mantidotão-somente o pagamento.INTERPRETAÇÃO RESTRITIVADOS CONTRATOS PREVIDEN-CIÁRIOS.A pretensão de interpretarrestritivamente os contratosprevidenciários não tem o al-cance pretendido, pois isso im-plicaria afronta ao princípio daisonomia de tratamento entreo funcionário em atividade e ojubilado. Princípio da boa-fé e

da isonomia que devem ser con-siderados a fim de manter asegurança dos contratos e dasrelações jurídicas.FONTE DE CUSTEIO.A eventual ausência de fontede custeio não tem força paraafastar o direito da parte. Tra-ta-se de um problema que aprópria entidade de previdên-cia privada deve solucionar, poisé dela a responsabilidade deprever a formação, contribuiçãoe os devidos descontos de seusbeneficiários.CORREÇÃO MONETÁRIA. IGP-M. TERMO INICIAL.Incidência da correção monetá-ria a partir do momento emque devida cada parcela, poisvisa a manter o poder de com-pra da moeda.PRELIMINARES REJEITADAS.AGRAVO RETIDO E APELAÇÃODESPROVIDOS.

Opostos embargos de declara-ção, foram parcialmente acolhidos,sem efeitos modificativos, apenaspara esclarecimento.

Reiterada a oposição de aclara-tórios, foram acolhidos apenas parasuprir obscuridade assentando quea decisão se limita ao “reconheci-mento do direito à percepção dobenefício sempre que reeditado emacordo e/ou convenções coletivas”.

Sobreveio recurso especial daentidade de previdência privada,com fundamento no artigo 105,inciso III, alíneas “a” e “c”, da Cons-tituição Federal, sustentando omis-são, divergência jurisprudencial eviolação aos arts. 3º da Lei Com-plementar n. 108/2001, 1º, 18 e 19da Lei Complementar n. 109/2001,4º da LINDB e 126 e 535 do CPC.

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Alega a recorrente que o art. 3º,parágrafo único, da Lei Comple-mentar n. 108/2001 “veda o repas-se aos benefícios de vantagens dequalquer natureza e, literalmente,abonos”.

Assevera que o acórdão recorri-do diverge da jurisprudência do STJ,pois não considerou que o regimede previdência complementar ébaseado na constituição de reservas,violando os arts. 1º, 18 e 19 da LeiComplementar n. 109/2001, e ade-mais é incontroverso nos autos quenunca houve contribuição para cus-teio da verba vindicada.

Não houve oferecimento decontrarrazões.

O recurso especial foi admitido.A ABRAPP, como amicus curiae,

opina no seguinte sentido, inverbis:

2. A afetação do Recurso Espe-cial restou concretizada sob afundamentação de que foraconstatada a relevância da ma-téria, bem como a necessidadede ser estabilizado, unificado oentendimento jurisprudencialdo Egrégio Tribunal sobre amatéria denominada “abonoúnico”, que, especialmente porsua natureza, equipara-se àmatéria “cesta-alimentação”.3. Entretanto, em que pesedeflagrada afetação, pede-se amáxima vênia, para ressaltarque as matérias “abono único”e “cesta alimentação” já se en-contram com o entendimentopacificado perante esse EgrégioTribunal. 4. Quanto ao primeirotema (abono único) através daafetação do Recurso Especial n.º1.281.690/RS à análise e julga-mento da C. 2ª Seção desse Su-

perior Tribunal de Justiça ocor-rida em 02/10/2012, a matériarestou pacificada, vejamos:[...]Nesse sentido também seguiua matéria “cesta alimentação”,com o entendimento pacifica-do através do julgado de 27/06/2012, também pela C. 2ª Seçãodo E. Superior Tribunal de Justi-ça, julgando o REsp 1.207.071/RJ, sob a sistemática dos recur-sos repetitivos (artigo 543-C doCPC), por unanimidade, profe-riu julgamento com o entendi-mento que o auxílio cesta-ali-mentação não é extensível aosbenefícios de previdência com-plementar.

O Ministério Público Federalopina pelo provimento do recursoespecial.

A autarquia federal Superinten-dência Nacional de Previdência -PREVIC, em petição formulada ape-nas em 22 de maio do correnteano, após a publicação da pautade julgamento, requereu sua ad-missão como amicus curiae ou arecepção “a título elucidativo einformativo” da argumentaçãoque deduziu apoiando a tese darecorrente.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELI-PE SALOMÃO (Relator):

2. A autarquia federal Superin-tendência Nacional de Previdência- Previc, em petição formulada ape-nas em 22 de maio do correnteano, após a publicação da pautade julgamento, requereu sua ad-missão como amicus curiae ou a

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

recepção “a título elucidativo einformativo” do arrazoado.

Em face da inegável pertinênciada intervenção da autarquia quetem atribuição legal de fiscalizar esupervisionar as entidades fechadasde previdência privada, assimcomo a inegável qualidade técni-ca da peça apresentada, admito oarrazoado, que tomo em conside-ração para o voto que ora apresen-to, sem prejuízo do prosseguimen-to do julgamento designado.

3. Não caracteriza, por si só,omissão, contradição ou obscurida-de quando o tribunal adota outrofundamento que não aquele defen-dido pela parte.

Logo, não há falar em violaçãoao artigo 535 do Código de Pro-cesso Civil, pois o Tribunal de ori-gem dirimiu as questões pertinen-tes ao litígio, afigurando-se dispen-sável que tivesse examinado umaa uma as alegações e fundamen-tos expendidos pelas partes.

Note-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSOESPECIAL. ART. 535 DO CPC. VI-OLAÇÃO. INOCORRÊNCIA.PREQUESTIONAMENTO IMPLÍ-CITO. FATO NOVO. MATÉRIAFÁTICA. SÚMULA 7 DO STJ.1. “Tendo o Acórdão recorridodecidido as questões debatidasno recurso especial, ainda quenão tenham sido apontados ex-pressamente os dispositivos nosquais se fundamentou o aresto,reconhece-se o prequestiona-mento implícito da matéria,conforme admitido pela juris-prudência desta Corte” (AgRgno REsp 1.039.457/RS, 3ª Turma,Min. Sindei Beneti, DJe de 23/09/2008).

2. O Tribunal de origem mani-festou-se expressamente so-bre o tema, entendendo, noentanto, não haver qualquerfato novo a ensejar a modifi-cação do julgado. Não se deveconfundir, portanto, omissãocom decisão contrária aos in-teresses da parte.[...]4. Agravo regimental a que senega provimento. (AgRg no Ag1047725/SP,Rel. Ministro CARLOS FERNAN-DO MATHIAS (JUIZ FEDERALCONVOCADO DO TRF 1ªREGIÃO), QUARTA TURMA,julgado em 28/10/2008, DJe10/11/2008)

4. Cabe observar também que amatéria é infraconstitucional, ine-quivocamente de competência des-ta Corte de uniformização da in-terpretação do direito federal.

Nesse sentido, cumpre observarrecente decisão do STF, no ARE742.083, em que foi reconhecida aausência de repercussão geral e dematéria constitucional, assimementada:

PREVIDENCIÁRIO. DIREITO AD-QUIRIDO AO RECEBIMENTODE COMPLEMENTAÇÃO DEBENEFÍCIO DE ACORDO COMAS REGRAS VIGENTES NOPERÍODO DE ADESÃO AOPLANO DE PREVIDÊNCIA PRI-VADA. AUSÊNCIA DE MATÉ-RIA CONSTITUCIONAL.INEXISTÊNCIA DE REPERCUS-SÃO GERAL. (ARE 742083 RG,Relator(a): Min. RICARDOLEWANDOWSKI, julgado em13/06/2013, PROCESSO ELETRÔ-NICO DJe-125 DIVULG 28-06-2013 PUBLIC 01-07-2013)

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No mesmo sentido:

RECURSO. Extraordinário. Incog-noscibilidade. Previdência pri-vada. Complementação deaposentadoria. Extensão, aaposentados, de benefícioconcedido a trabalhadoresem atividade. Questão infra-constitucional. Precedentes.Ausência de repercussão geral.Recurso extraordinário não co-nhecido. Não apresenta reper-cussão geral o recurso extraor-dinário que, tendo por objetoquestão relativa à concessão, abeneficiários de plano de previ-dência privada complementar,de vantagem outorgada a em-pregados ativos, versa sobrematéria infraconstitucional.(RE 590005 RG, Relator(a): Min.CEZAR PELUSO, julgado em 22/10/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENTVOL-02387-10 PP-01813 )

5. A questão controvertida con-siste em saber se, com a vigênciada Lei Complementar n. 108/2001,é possível a extensão ao benefíciode previdência complementar deabono concedido pelo patrocina-dor a participantes em atividade,independentemente do equilíbrioatuarial do plano de custeio.

Consigno que o art. 3º, parágra-fo único, da Lei Complementar n.108/2001 dispõe:

Art. 3º Observado o disposto noartigo anterior, os planos de be-nefícios das entidades de quetrata esta Lei Complementaratenderão às seguintes regras:[...]Parágrafo único. Os reajustesdos benefícios em manuten-

ção serão efetuados de acor-do com critérios estabelecidosnos regulamentos dos planosde benefícios, vedado o repas-se de ganhos de produtivi-dade, abono e vantagens dequalquer natureza para taisbenefícios.

O acórdão recorrido dispôs:

Como se percebe pela simplesleitura da petição inicial, o quea parte autora pretende é aimplementação de abono úni-co em seus vencimentos a títu-lo de aposentadoria e pensão,de forma que não está em dis-cussão relação trabalhista, mas,sim, previdenciária, de nature-za civil.É essa, inclusive, a posição ado-tada no STJ, como se vê peloprecedente a seguir transcrito:[...]Pois bem. Para analisar seu pe-dido, deve-se levar em conta oprincípio da isonomia, nortea-dor das relações firmadas pe-los associados com as entidadesde previdência privada, pormeio do qual lhes são assegu-rados, na inatividade, proven-tos tais quais à remuneraçãoque perceberiam se na ativida-de estivessem.Assim, em razão da expressaprevisão regulamentar, são es-tendidos aos inativos os benefí-cios concedidos aos ativos, emigualdade de condições, demodo a assegurar-lhes o quepercebiam se em atividade es-tivessem. Especificamente noque se refere ao abono único,firmei entendimento no senti-do de que o benefício, concedi-do por meio de Convenção Co-letiva, a qual atinge toda a ca-tegoria, tem natureza salarial

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prevista pela norma do art. 457,§ 1º, da CLT – e, por isso, tam-bém devem ser repassado aosaposentados.Aliás, a regra do art. 457, § 1º,da CLT estabelece o seguinte:[...]Reconheço, pois, que o “abonoúnico” integra a remuneraçãode todo e qualquer emprega-do, incluindo aqui os inativos. Deforma que a parte autora fazjus ao seu pagamento.Com relação à alegação da réda insuficiência de fonte de cus-teio de modo a suportar o be-nefício postulado, desde já vairejeitada, pois não pode a enti-dade previdenciária, após anosde contribuições, valer-se de talargumento de modo a ver afas-tada a pretensão da parte au-tora.A entidade previdenciária équem estabelece previamenteos valores necessários e devidospelo associado a fim de garan-tir os benefícios com os quais secomprometeu. Em havendocontribuição insuficiente, deve-rá rever os cálculos atuariais dosassociados ativos de modo a,efetivamente, atender ao quese comprometeu em regula-mento.Não há dúvida acerca a ne-cessidade da formação dareserva matemática, forte naregra contida no art. 202, §2º, do CPC [sic]. Não obs-tante, a solução deve serbuscada pela entidadeprevidenciária, de modo aconstituir fonte suficiente asuportar os direitos judicial-mente reconhecidos aos as-sociados, que contribuíram du-rante toda sua atividade, paraquando de sua aposentadoria,terem assegurada condição

igual a que tinham antes dojubilamento.[...]Tendo em vista que se está atratar de parcela prevista anu-almente em Convenções Cole-tivas da categoria, e sendo re-conhecido na presente ação odireito dos autores ao benefí-cio postulado, enquanto reedi-tado em norma coletiva, vaigarantida a manutenção dopagamento. Do contrário, exi-gir da parte que venha a anual-mente buscar a tutela do Po-der Judiciário para confirmar oque já lhe fora garantido judici-almente, importaria em limitara eficácia das decisões judiciaisquando perpetrada no futuroa causa de pedir e objeto.

6. Para logo, cumpre consignarque a relação contratual mantidaentre a entidade de previdênciaprivada administradora do planode benefícios e os assistidos não seconfunde com a relação de empre-go, estabelecida entre participan-tes obreiros e a patrocinadora.

Desse modo, em vista da causade pedir, cumpre ressaltar que émanifestamente descabida a apli-cação pura e simples - alheia àspeculiaridades do regime de pre-vidência privada - dos princípios,regras gerais e disposiçõesnormativas próprias do direito dotrabalho.

Essa é a lição assente da dou-trina:

O caput do art. 202 da Consti-tuição estabeleceu como prin-cípio a autonomia da previdên-cia privada em relação à previ-dência pública. Já o dispositivoem questão deixa claro que o

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contrato de previdência priva-da é de Direito Civil. Há totalautonomia entre o contratode trabalho celebrado peloempregado com o emprega-dor em relação ao contratode previdência privada esti-pulada entre o participantee a entidade de previdênciaprivada instituída pelo pa-trocinador. São relaçõescontratuais que não se co-municam. (DIAS, Eduardo Ro-cha; MACÊDO, José LeandroMonteiro de. Curso de direitoprevidenciário. São Paulo: Mé-todo, 2008, p. 630-632)

Esse é também o entendimentoconsolidado na jurisprudência doSTJ :

AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL - DISCUSSÃOACERCA DA COMPETÊNCIAJURISDICIONAL PARA APRECI-AÇÃO DE DEMANDA POSTU-LANDO A INCORPORAÇÃO DOAUXÍLIO CESTA ALIMENTAÇÃONO CÁLCULO DO BENEFÍCIO DEPREVIDÊNCIA PRIVADA - DECI-SÃO MONOCRÁTICA QUE DEUPROVIMENTO AO APELO EX-TREMO DO PARTICIPANTE, RE-CONHECENDO A COMPETÊN-CIA DA JUSTIÇA COMUM ESTA-DUAL. INSURGÊNCIA DA ENTI-DADE DE PREVIDÊNCIA PRIVA-DA.1. Incompetência da Justiça doTrabalho. A Segunda Seção,no âmbito de recurso espe-cial representativo da con-trovérsia, reafirmou a orien-tação jurisprudencial quepugna pela competência daJustiça Comum Estadualpara processar e julgar de-manda instaurada entre en-

tidade de previdência priva-da e participante de seu pla-no de benefícios, decorren-te de obrigação oriunda decontrato de natureza civil eque apenas de maneira in-direta envolve aspectos darelação jurídica trabalhista(REsp 1.207.071/RJ, Rel. Minis-tra Maria Isabel Gallotti, Se-gunda Seção, julgado em27.06.2012, DJe 08.08.2012).No mesmo sentido, o Plená-rio do Supremo Tribunal Fe-deral, quando do julgamen-to de recursos extraordiná-rios sob o regime do artigo543-B do CPC, decidiu caberà Justiça Comum o julga-mento de processos decor-rentes de contrato de previ-dência complementar priva-da, ante a inexistência de re-lação trabalhista entre obeneficiário e o fundo fecha-do previdenciário, razão pelaqual incompetente a Justiça Tra-balhista (RE 586.453/SE e RE583.050/RS, julgados em20.02.2013, pendentes de pu-blicação). Na ocasião, determi-nou-se a modulação dos efeitosda decisão, a fim de manter acompetência da Justiça do Tra-balho para apreciação das cau-sas em que já proferida senten-ça de mérito.2. Agravo regimental desprovi-do.(AgRg no REsp 1269499/SP, Rel.Ministro MARCO BUZZI, QUAR-TA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 01/08/2013)——————————PREVIDÊNCIA PRIVADA. RE-CURSO ESPECIAL. ALTERAÇÃODO PLANO, ADMINISTRADOPOR ENTIDADE DE PREVIDÊN-CIA FECHADA, COM PRÉVIA EFORMAL ANUÊNCIA DO ÓR-

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

GÃO PÚBLICO FISCALIZADOR,COM VISTAS A ASSEGURAR OEQUILÍBRIO ATUARIAL. SISTE-MA DE CAPITALIZAÇÃO, BUS-CANDO ASSEGURAR O CUSTEIODOS PLANOS POR LONGO PRA-ZO. PILAR DO REGIME DE PRE-VIDÊNCIA PRIVADA. CONTRA-TO DE TRABALHO E CONTRA-TO DE PREVIDÊNCIA PRIVA-DA. VÍNCULOS CONTRATUAISDISTINTOS, SUBMETIDOS ÀNORMATIZAÇÃO E PRINCÍPI-OS ESPECÍFICOS. INTERVEN-ÇÃO DO JUDICIÁRIO NA RELA-ÇÃO CONTRATUAL, ALHEIA AOEQUILÍBRIO ATUARIAL DO PLA-NO DE BENEFÍCIOS, AO FUNDA-MENTO DE QUE AS REGRAS DAAVENÇA DEVEM PERMANECERINALTERADAS OU OBSERVAR AMAIS RECENTE, SE MAIS FAVO-RÁVEL AO PARTICIPANTE.DESCABIMENTO. DEVER DO ES-TADO DE RESGUARDAR OS IN-TERESSES DOS DEMAIS PARTI-CIPANTES E ASSISTIDOS DOPLANO DE BENEFÍCIOS.[...]2. A relação contratualmantida entre a entidade deprevidência privada admi-nistradora do plano de be-nefícios e o participante nãose confunde com a relaçãotrabalhista, mantida entre oparticipante obreiro e a pa-trocinadora. Desse modo, édescabida a aplicação purae simples de princípios, re-gras gerais e disposiçõesnormativas próprias do di-reito do trabalho - alheia àspeculiaridades do regime deprevidência privada.[...]5. Recurso especial provido pararestabelecer a sentença.(REsp 1176617/RJ, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, QUAR-

TA TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 14/10/2013)

Ademais, a título de reforço deargumento, os autores, na inicial,reconhecem

ser “inativos”, isto é, nem se-quer mantêm relação contratual deemprego, razão pela qual não pa-rece possível a invocação de dispo-sições próprias da legislação traba-lhista para amparar o pleitoexordial em exame.

7. A constituição de reservas noregime de previdência privadacomplementar deve ser feita pormeio de cálculos embasados emestudos de natureza atuarial, queprevejam as despesas e garantam,em longo prazo, o respectivo cus-teio. (A Contratualidade e a Inde-pendência Patrimonial dos Planosde Benefícios, Anais do SeminárioAspectos Fundamentais dos Fundosde Pensão, São Paulo, CEDES, 2005,p. 68)

Dessarte, os planos de previdên-cia complementar são de adesãofacultativa, devendo ser elabora-dos com base em cálculos atuariaisque, conforme o artigo 43 da ab-rogada Lei n. 6.435/1977 e o artigo23 da Lei Complementar n. 109/2001, ao final de cada exercício,devem ser reavaliados:

Desde a instituição, antes daaprovação da entidade, o em-preendimento deve ter a assis-tência técnica do atuário. Nocurso da administração, a pre-sença do matemático é fre-quente e indispensável à segu-rança e equilíbrio do plano. Opensamento do executante con-centra-se nas normas

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contábeis, atuariais e jurídicas.Por determinação do art. 23 daLBPC, a cada balanço, os planosde benefícios deverão ser apre-ciados pelo atuário ou institutohabilitado. Igual se colhia no art.43 da Lei n. 6.435/1977.[...]A regra pressupõe o equilí-brio do sistema, observadosos princípios matemático-financeiros, embora tal resul-tado não se deva apenas a es-ses aspectos. (MARTINEZ,Wladimir Novaes. Curso de Di-reito Previdenciário. 3 ed. SãoPaulo: LTR, 2010, p. 1.241)

Nesse diapasão, o art. 202 daConstituição Federal consagra o re-gime de financiamento por capita-lização, ao estabelecer que a previ-dência privada tem caráter comple-mentar - baseado na constitui-ção de reservas que garantam obenefício contratado -, adesãofacultativa e organização autôno-ma em relação ao regime geral deprevidência social.

Nessa toada, é bem de ver que,com a Emenda Constitucional n. 20de 1998, a Carta Magna passou aestabelecer, no art. 202, § 3º, servedado o aporte de recursos a en-tidade de previdência privada pelaUnião, Estados, Distrito Federal eMunicípios, suas autarquias, funda-ções, empresas públicas, sociedadesde economia mista e outras enti-dades públicas, salvo na qualida-de de patrocinador, situação naqual, em hipótese alguma, sua con-tribuição normal poderá exceder ado segurado.

A título de registro, o art. 7º,parágrafo único, da Lei Comple-mentar n. 108/2001 estabeleceu

também que a despesa administra-tiva da entidade de previdênciaserá custeada pelo patrocinador epelos participantes e assistidos, fa-cultada aos patrocinadores a ces-são de pessoal às entidades de pre-vidência complementar que patro-cinam, desde que ressarcidos oscustos correspondentes.

Dessarte, anteriormente ao ad-vento da Emenda Constitucional n.20 de 1998, que estabeleceu a au-tonomia do regime de previdên-cia complementar em relação aoregime geral de previdência sociale conferiu a mencionada redaçãoao art. 202, § 3º, da CF, revogandoimplicitamente as disposiçõesinfraconstitucionais incompatíveis,a Lei n. 6.435/1977 dispunha nosarts. 34, § 1º e 42, parágrafos 3º e4º, in verbis:

Art. 34. As entidades fecha-das consideram-se comple-mentares do sistema oficialde previdência e assistênciasocial, enquadrando-se suasatividades na área de compe-tência do Ministério da Previ-dência e Assistência Social.§ 1° As patrocinadoras super-visionarão as atividades dasentidades referidas nesteartigo, orientando-se a fiscali-zação do poder público no sen-tido de proporcionar garan-tia aos compromissos assu-midos para com os partici-pantes dos planos de bene-fícios.——————————Art. 42. Deverão constar dos re-gulamentos dos planos de be-nefícios, das propostas de ins-crição e dos certificados dos par-ticipantes das entidades fecha-

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

das, dispositivos que indiquem:[...]IV - sistema de revisão dos va-lores das contribuições e dosbenefícios;[...]§ 3º Faculta-se às patrocina-doras das entidades fechadasa assunção da responsabili-dade de encargos adicionais,referentes a benefícios con-cedidos, resultantes de ajus-tamentos em bases superio-res às previstas nos parágra-fos anteriores, mediante oaumento do patrimônio li-quido, resultante de doação,subvenção ou realização docapital necessário à cobertu-ra da reserva corresponden-te, nas condições estabelecidaspelo órgão normativo do Minis-tério da Previdência e Assistên-cia Social.§ 4º Os administradores das pa-trocinadoras que não efetiva-rem regularmente as contribui-ções a que estiverem obrigadas,na forma dos regulamentos dosplanos de benefícios, serão soli-dariamente responsáveis comos administradores das entida-des fechadas, no caso de liqui-dação extrajudicial destas, aeles se aplicando, no que cou-ber, as disposições do CapítuloIV desta Lei.

Nesse contexto, com o adventoda Lei Complementar n. 108/2001- Diploma cuja edição foi determi-nada pelo art. 202, § 4º, da CF -, oordenamento jurídico passou acontar com novas normas cogentes,estabelecendo os arts. 3º e 4º domencionado Diploma infraconsti-tucional, in verbis:

Art. 3o Observado o disposto noartigo anterior, os planos de be-nefícios das entidades de quetrata esta Lei Complementaratenderão às seguintes regras:I – carência mínima de sessentacontribuições mensais a planode benefícios e cessação do vín-culo com o patrocinador, parase tornar elegível a um benefí-cio de prestação que seja pro-gramada e continuada; eII – concessão de benefício peloregime de previdência ao qualo participante esteja filiado porintermédio de seu patrocinador,quando se tratar de plano namodalidade benefício definido,instituído depois da publicaçãodesta Lei Complementar.Parágrafo único. Os reajustesdos benefícios em manuten-ção serão efetuados de acor-do com critérios estabeleci-dos nos regulamentos dosplanos de benefícios, vedado orepasse de ganhos de pro-dutividade, abono e vanta-gens de qualquer naturezapara tais benefícios.——————————Art. 4o Nas sociedades de eco-nomia mista e empresas con-troladas direta ou indiretamen-te pela União, pelos Estados,pelo Distrito Federal e pelosMunicípios, a proposta de insti-tuição de plano de benefícios ouadesão a plano de benefícios emexecução será submetida aoórgão fiscalizador, acompanha-da de manifestação favoráveldo órgão responsável pela su-pervisão, pela coordenação epelo controle do patrocinador.Parágrafo único. As alteraçõesno plano de benefícios queimplique elevação da contri-buição de patrocinadoresserão objeto de prévia ma-

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nifestação do órgão respon-sável pela supervisão, pelacoordenação e pelo contro-le referido no caput.

8. Diante das sensíveis modifica-ções operadas no regime de previ-dência privada fechada em virtudedas alterações no ordenamento ju-rídico, cabe, ainda, observar que,no regime fechado de previdênciaprivada, a entidade não opera compatrimônio próprio - sendo-lhe ve-dada até mesmo a obtenção de lu-cro -, tratando-se tão somente deadministradora do fundo formadopelas contribuições da patrocinado-ra e dos participantes e assistidos,havendo um mutualismo, com ex-plícita submissão ao regime de ca-pitalização.

Nesse diapasão, o artigo 34, I,da Lei Complementar n. 109/2001deixa límpido que as entidades fe-chadas de previdência privada ape-nas administram os planos, haven-do, conforme dispõem os arts. 11e 15 da Lei Complementar n. 108/2001, gestão paritária entre repre-sentantes dos participantes e assis-tidos - eleitos por seus pares -, edos patrocinadores nos conselhosdeliberativo (órgão máximo da es-trutura organizacional, a quemincumbe, dentre outras atribuiçõesrelevantes, definir a alteração deestatuto e regulamentos dos pla-nos de benefícios, nomeação e exo-neração dos membros da diretoria-executiva, contratação de auditorindependente atuário, avaliadorde gestão) e fiscal (órgão de con-trole interno).

Dessarte, os valores alocados aofundo comum obtido pelo plano

de benefícios gerido pelas entida-des fechadas, na verdade, perten-cem aos participantes ebeneficiários do plano, existindoexplícito mecanismo de solidarie-dade, de modo que todo exceden-te do fundo de pensão é aprovei-tado em favor de seus próprios in-tegrantes:

O fundo de pensão em sinão tem recursos próprios.Nasce como fundação ou asso-ciação civil, com a finalidadeexclusiva de gerir recursosdos trabalhadores, isto é,gerir a poupança previden-ciária dos trabalhadores,composta pelas contribuiçõesdos trabalhadores, dos empre-gadores (nos planos patrocina-dos) e da sua rentabilidade.Todo excedente do fundo depensão é aproveitado em fa-vor de seus próprios inte-grantes, não sendo possívela destinação de recursospara um terceiro que nãosejam os próprios partici-pantes e assistidos dos pla-nos de benefícios. Não exis-te a figura do “empresário”,“acionista” ou “cotista”,mas, se existir, vai se confun-dir necessariamente com ospróprios destinatários doplano de previdência.[...]O que existe é solidariedade,auto-suficiência, cooperativis-mo, associativismo, união depessoas que se voltam ex-clusivamente para um bemcomum.O “poderoso” fundo de pen-são, como às vezes é chama-do, não passa da associaçãode pequenas poupanças in-dividuais dos trabalhadores.

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[...]Os recursos dos fundos depensão pertencem aos seusparticipantes e assistidos, ouseja, se o fundo tem recur-sos, tem também obriga-ções. Aliás, se o plano deprevidência privada não forbem administrado, poderáter mais obrigações do querecursos, deixando de hon-rar seus compromissos. Todaa poupança gerida pelos fundosde pensão é titulada por seusparticipantes e será a eles de-volvida na forma de pagamen-to de benefício previdenciário.(REIS, Adacir. Anais do Seminá-rio Previdência ComplementarFechada no Brasil: perspectivase aspectos legais fundamentais.Colégio Permanente de Presi-dentes de Tribunais de Justiçado Brasil, 2010, p. 29-31).

Nesse passo, na atuária, é reco-nhecida a imprescindibilidade daformação de reservas de contingên-cia para garantia do equilíbrioatuarial do plano de custeio :

Solidariedade é princípio jurídi-co e instrumental técnico, essên-cia e razão de ser da Previdên-cia Social, básica ou comple-mentar. Sem ela a alicerçar osesteios da proteção social,inexiste modalidade securi-tária. Mesmo com a adoçãodo regime financeiro de ca-pitalização para benefíciosprogramados e a despeito doplano de tipo contribuição defi-nida, se os recursos amealhadosno curso da relação de custeionão são suficientes para a ma-nutenção do aposentado, apóso prazo atuarialmente previs-to, recorre-se à idéia geratriz

do mutualismo (forma inci-piente previdenciária): solida-riedade entre os participan-tes. Isto é, o excesso atuarialderivado da não-fruição porparte de alguns atende aoexcesso de gozo de outros.Daí, a necessidade de previ-são de reservas de contin-gência, tão celebradas nocálculo atuarial e muitas ve-zes mal compreendidas peloadministrador. (MARTINEZ,Waldimir Novaes. Primeiras li-ções de previdência comple-mentar. São Paulo: LTR, 1996,p. 38 e 39).

Ademais, é bem de ver que oart. 20 da Lei Complementar n.109/2001 estabelece que o resulta-do superavitário dos planos de be-nefícios das entidades fechadas, aofinal do exercício, satisfeitas as exi-gências regulamentares relativasaos mencionados planos, será des-tinado à constituição de reserva decontingência, para garantia de be-nefícios, até o limite de 25% (vin-te e cinco por cento) do valor dasreservas matemáticas. Constituídaa reserva de contingência, com osvalores excedentes será estabe-lecida reserva especial para revisãodo plano de benefícios que, se nãoutilizada por três exercícios conse-cutivos, determinará a revisão obri-gatória do plano de benefícios.

Assim, o fundamento dos pla-nos de benefícios de previdênciaprivada não é o enriquecimentodos participantes e assistidos, pois“os planos previdenciários priva-dos têm por ponto principal per-mitir uma continuidade no pa-drão de vida da pessoa, numa fasemadura da vida”. (WEINTRAUB,

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Arthur Bragança de Vasconcellos.Previdência privada: atualconjutura e sua função comple-mentar ao regime geral da previ-dência social. São Paulo: Juarez deOliveira, 2002, p. 6)

Com efeito, em vista do própriofato de a relação contratual de pre-vidência complementar ser nitida-mente distinta da relação de em-prego mantida entre participantese patrocinador, e das sensíveismudanças no ordenamento jurídi-co que rege o regime de previdên-cia privada, é compreensível erazoável a vedação, incidindopara os planos de benefíciosjá instituídos, do repasse deganhos de produtividade, abo-no e vantagens de qualquernatureza para os benefícios, emregra jurídica cogente contidano art. 3º, parágrafo único, daLei Complementar n. 108/2001.

Nessa toada, cabe mencionarrecente precedente da SegundaSeção, julgado nos moldes do ritoestabelecido pela Lei n. 11.672/2008, referente ao REsp n.1.207.071-RJ, da relatoria da Minis-tra Maria Isabel Gallotti, em queeste Colegiado sufragou entendi-mento que, guardadas as devidasproporções, se aplica ao caso.

Nesse mencionado precedente,Sua Excelência dispôs:

Na linha da pacífica jurisprudên-cia do TST, portanto, a circuns-tância de o benefício ser pagoao empregado por força deconvenção ou acordo coletivo (enão de contrato individual detrabalho), na qual prevista a suanatureza indenizatória, é sufi-ciente para excluir a sua preten-

dida integração ao salário paratodos os fins da legislação tra-balhista (Orientação Normativa61 do TST).[...]Com efeito, as entidades deprevidência privada não têmparticipação alguma na elabo-ração de convenções coletivasde trabalho, tampouco na con-cessão das parcelas indeniza-tórias nelas inseridas e, portan-to, não foram previstas fontesde custeio para o pagamentodessas parcelas que tambémnão foram incluídas entre osbenefícios que se compromete-ram a suportar (benefício con-tratado), motivo pelo qual adeterminação para o pagamen-to desses valores ensejariadesequilíbrio atuarial dessasentidades, com prejuízo para auniversalidade dos participan-tes e assistidos.[...]Dada a autonomia entre ocontrato de trabalho e o con-trato de previdência comple-mentar, mesmo se eventual-mente reconhecida a nature-za salarial de determinadaparcela não se seguirá o di-reito à sua inclusão nosproventos de aposentadoriacomplementar se não inte-grante do benefício contra-tado (CF, art. 202).O exame da legislação espe-cífica que rege as entidadesde previdência privada esuas relações com seusfiliados (art. 202 da CF e suasLeis Complementares 108 e109, ambas de 2001) revelaque o sistema de previdên-cia complementar brasileirofoi concebido, não para ins-tituir a paridade de venci-mentos entre empregados

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

ativos e aposentados, mascom a finalidade de consti-tuir reservas financeiras, apartir de contribuições defiliados e patrocinador, des-tinadas a assegurar o paga-mento dos benefícios ofere-cidos e, no caso da comple-mentação de aposentadoria,proporcionar ao trabalhadoraposentado padrão de vidapróximo ao que desfrutavaquando em atividade, comobservância, todavia, dosparâmetros atuariais estabe-lecidos nos planos de cus-teio, com a finalidade demanutenção do equilíbrioeconômico e financeiro. Paraatender a esse objetivo, o art.3º, parágrafo único, da LeiComplementar 108/2001, em-bora estabeleça que o regula-mento da entidade definirá ocritério de reajuste da comple-mentação de aposentadoria,veda expressamente “o repas-se de ganhos de produtividade,abono e vantagens de quais-quer natureza para tais bene-fícios”. O art. 6º, por sua vez,determina que “o custeio dosplanos de benefícios será res-ponsabilidade do patrocinadore dos participantes, inclusiveassistidos”.[...]Verifico, pois, que a exten-são de vantagens pecuni-árias ou mesmo reajustessalariais concedidos aosempregados de uma empre-sa ou categoria profissional,de forma direta e automáti-ca, aos proventos de com-plementação de aposenta-doria de ex-integrantes des-sa mesma empresa ou cate-goria profissional, indepen-dentemente de previsão de

custeio para o plano de be-nefícios correspondente, nãose compatibiliza com o prin-cípio do mutualismo ineren-te ao regime fechado de pre-vidência privada e nem comdispositivos da Constituiçãoe da legislação complemen-tar acima mencionada, por-que enseja a transferência dereservas financeiras a parce-la dos filiados, frustrando oobjetivo legal de proporcio-nar benefícios previden-ciários ao conjunto dos par-ticipantes e assistidos, aquem, de fato, pertence opatrimônio constituído.

A título de registro, é bem dever também que, se por um lado aLei Complementar n. 108/2001 ve-dou o repasse de ganhos de pro-dutividade, abono e vantagens dequalquer natureza para os benefí-cios auferidos pelos assistidos deplanos em manutenção, por ou-tro lado, equitativamente, o mes-mo art. 3º da Lei Complementar n.108/2001, em seu inciso I, estabe-leceu requisito legal para os parti-cipantes de carência mínima desessenta contribuições mensais aplano de benefícios e cessação dovínculo com o patrocinador, parase tornar elegível a um benefíciode prestação que seja programadae continuada.

A vigência da Lei Complemen-tar n. 108/2001 vinculou assistidos,participantes, entidade de previ-dência privada e os órgãos públi-cos fiscalizador e regulador; sen-do certo que suas regras de carátercogente e eficácia imediata não sesubmetem à necessidade de deli-beração do Conselho da entidade

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de previdência privada, de modoa ensejar alteração regulamentar eposterior aprovação pelo órgãopúblico fiscalizador.

Mutatis mutandis, aplica-se aocaso o mesmo raciocínio jurídicosufragado por este Colegiado, porocasião do julgamento do EDclno REsp 1.135.796/RS, relatora p/acórdão Ministra Maria IsabelGallotti:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOSDE DECLARAÇÃO. RECURSO ES-PECIAL. PREVIDÊNCIA COMPLE-MENTAR. LIMITE DE IDADE.DECRETO 81.240/78. LEI 6.435/77. VALIDADE. EXIGÊNCIA,DATA DA PUBLICAÇÃO DODECRETO. OMISSÃO. CONTRA-DIÇÃO. EXISTÊNCIA.1. São cabíveis embargos dedeclaração quando há omissãoe contradição entre a funda-mentação e a conclusão do jul-gado.2. O Decreto 81.240/78, ao es-tabelecer a idade mínima de 55anos para o pagamento decomplementação de aposenta-doria, não exorbitou as disposi-ções da Lei 6.435/77. Preceden-tes.3. A partir da entrada em vi-gor do Decreto 81.240/78, oque se deu na data de suapublicação, em 24.1.78, pa-trocinador e assistidos fica-ram obrigados ao cumpri-mento no novo regime jurí-dico. Os cálculos atuariais dovalor das contribuições aserem vertidas para o cus-teio dos benefícios passa-ram, pois, a ser feitos segun-do os critérios cogentes daLei 6.435/77 e seu regulamen-to, o Decreto 81.240/78.

4. Legalidade da aplicação dolimite etário aos participantesque ingressaram na FundaçãoPetrobrás de Seguridade Social- PETROS a partir de 24.1.78, nostermos da ressalva constantedo art. 31, IV, do Decreto81.240/78, com a redação dadapelo Decreto 2.111/96.5. Embargos de declaração aco-lhidos com efeitos modifica-tivos. Recurso especial provido.(EDcl no REsp 1135796/RS, Rel.Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel.p/ Acórdão Ministra MARIA ISA-BEL GALLOTTI, SEGUNDA SE-ÇÃO, julgado em 13/11/2013,DJe 02/04/2014)

9. É bem de ver que a legisla-ção de regência, em diversos dis-positivos, deixa nítido o dever deo Estado de velar os interesses dosparticipantes e beneficiários dosplanos - verdadeiros detentores dofundo formado -, garantindo airredutibilidade do benefício, masnão a concessão, em prejuízo doequilíbrio atuarial, de ganhos re-ais aos assistidos, que já gozam desituação privilegiada com relaçãoaos participantes - que poderão,em caso de desequilíbrio atuarial,ver reduzidos os benefícios a con-ceder (art. 21, § 1º, da Lei Comple-mentar n. 109/2001).

Com efeito, como no regimefechado de previdência privada hámutualismo, com explícita submis-são ao regime de capitalização, nãohá falar em violação à irredutibi-lidade de benefícios, pois o art.3º, parágrafo único, da Lei Com-plementar n. 108/2001 veda o re-passe de ganhos de produtividade,abono e vantagens de qualquernatureza para tais benefícios.

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

Ademais, mutatis mutandis, emse tratando de relação estatutária,envolvendo servidores públicos,consoante a iterativa jurisprudên-cia do STF, só há violação ao di-reito adquirido e àirredutibilidade de vencimentosem caso de redução do valor no-minal dos vencimentos:

DIREITO ADMINISTRATIVO.SERVIDOR PÚBLICO. REENQUA-DRAMENTO FUNCIONAL.INEXISTÊNCIA DE DIREITO AD-QUIRIDO A REGIME JURÍDICO.INOCORRÊNCIA DE OFENSA AOPRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDA-DE DE VENCIMENTOS. EXAMEDE LEGISLAÇÃO LOCAL. APLI-CAÇÃO DA SÚMULA 280/STF.DEBATE DE ÂMBITO INFRA-CONSTITUCIONAL. EVENTUALVIOLAÇÃO REFLEXA NÃO EN-SEJA RECURSO EXTRAORDINÁ-RIO. ACÓRDÃO RECORRIDOPUBLICADO EM 02.02.2009. Ju-risprudência firmada no âmbi-to deste Supremo Tribunal Fe-deral, no sentido de que não hádireito adquirido a regime jurí-dico, bem como ofensa aoprincípio da irredutibilidadede vencimentos, quandopreservado seu valor nomi-nal, razão pela qual não se divi-sa a alegada ofensa aos dispo-sitivos constitucionais suscita-dos. Tendo o Tribunal de origemdirimido a lide com espeque eminterpretação de legislação lo-cal, incide, na espécie, o óbiceda súmula 280/STF : “Por ofen-sa a direito local não cabe re-curso extraordinário” . Agravoregimental conhecido e nãoprovido. (AI 769799 AgR,Relator(a): Min. ROSA WEBER,Primeira Turma, julgado em 20/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNI-

CO DJe-178 DIVULG 10-09-2013PUBLIC 11-09-2013)

10. Como observado pelo Minis-tério Público Federal, com o julga-mento pela Segunda Seção do REsp1.281.690/RS, relator Ministro An-tonio Carlos Ferreira, está consoli-dado na jurisprudência do STJ aimpossibilidade de extensão doabono - previsto em acordo coleti-vo ou convenção - para participan-tes do plano:

DIREITO CIVIL. DIREITO PROCES-SUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRI-VADA. COMPLEMENTAÇÃO DEAPOSENTADORIA. COMPETÊN-CIA DA JUSTIÇA COMUM ESTA-DUAL. ABONO ÚNICO PREVIS-TO EM ACORDO COLETIVO OUCONVENÇÃO COLETIVA DETRABALHO. CLÁUSULA QUECONTEMPLA, PROVISORIA-MENTE, OS TRABALHADORESEM ATIVIDADE. AUTONOMIAPRIVADA COLETIVA. EXTEN-SÃO AOS INATIVOS INDEVIDA.1. Compete à Justiça comumestadual processar e julgar açãode complementação de aposen-tadoria movida por participan-te em face de entidade privadade previdência complementar,por cuidar-se de contrato denatureza civil. Precedentes.2. O abono único previsto emacordo coletivo ou convençãocoletiva de trabalho para osempregados da ativa não inte-gra a complementação de apo-sentadoria dos inativos, por in-terferir no equilíbrio econômi-co e atuarial da entidade deprevidência privada. Arts. 3º,parágrafo único, e 6º, § 3º, daLei Complementar n. 108/2001e 68, caput, da Lei Complemen-tar n. 109/2001.

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3. O abono único não é extensi-vo à complementação de apo-sentadoria paga a inativos porentidade privada de previdên-cia complementar.4. Recurso parcialmente provi-do.(REsp 1281690/RS, Rel. MinistroANTONIO CARLOS FERREIRA,SEGUNDA SEÇÃO, julgado em26/09/2012, DJe 02/10/2012)

Nesse mencionado precedente,Sua Excelência dispôs:

Os abonos encerravam a finali-dade primordial de, em caráterprovisório, preservar o salárioante a elevação do custo de vida- a chamada “carestia” - tantoque o referido Decreto-lei con-signou expressamente que es-ses “aumentos” não se incor-porariam “aos salários ou ou-tras vantagens já percebidas”.Após consecutivas prorroga-ções, o Decreto-Lei n. 3.813/1941 foi revogado pela Lei n.1.909, de 1º de janeiro de 1953.Nesse interregno, inúmerasmodalidades de abono foramcriadas no ambiente legislativonacional.Adverte a moderna doutrinaque a expressão “abono” cos-tuma gerar interpretações di-versas. Há aqueles que defen-dem ser o abono integrante dosalário, por força do disposto noart. 457, § 1º, da CLT (“Integramo salário não só a importânciafixa estipulada, como tambémas comissões, percentagens,gratificações ajustadas, diáriaspara viagens e abonos pagospelo empregador”), ao passoque outros argumentam que,para se identificar a naturezajurídica de determinado abono,devem ser analisados os aspec-

tos substanciais do pagamento,e não a sua pura e simples de-nominação (NASCIMENTO,Amauri Mascaro. Curso de Di-reito do Trabalho. 22. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2007, p. 896/897).Ademais, a remuneração, o sa-lário e a indenização são, comose sabe, conceitos doutrináriosdistintos.A remuneração corresponde aoconjunto de pagamentos rece-bidos com habitualidade peloempregado, em dinheiro ou emutilidades, efetuados pelo em-pregador ou por terceiros, emdecorrência da prestação deserviços oriundos do contrato detrabalho, com vistas a atenderàs necessidades básicas do tra-balhador e de sua família.Integrando a remuneração, osalário é o pagamento continu-ado, fornecido diretamente aoobreiro pelo empregador emrazão do contrato laboral. Éuma contraprestação do traba-lho, da disponibilidade do tra-balhador, das interrupçõescontratuais ou das demais hipó-teses previstas na legislação. Aindenização, por outro lado, nãose confunde com verbaremuneratória nem salarial,sendo forma de recomposiçãodo patrimônio ou bem jurídicoda pessoa, cujo pagamento sedá, em regra, em única parcela.É a definição em que mais seenquadra o abono único.Antes da EC n. 20/98, a doutri-na majoritária entendia que osplanos de benefícios integra-vam os contratos de trabalhodos participantes, visto que taisprestações eram conferidas ex-clusivamente aos empregadosde uma empresa ou grupo deempresas patrocinadoras. Os

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

benefícios derivavam da rela-ção de emprego, e não do con-trato previdenciário (BALERA,Wagner (Coord). Comentários àLei de Previdência Privada. SãoPaulo: Quartier Latin, 2005, p.301/302).Entretanto, com o advento daEC n. 20/98, inseriu-se, no art.202 da CF, o atual § 2º, cuja re-dação é a seguinte:[...]Por meio de uma incursãointerdisciplinar, sem qualquerpretensão de adentrar matériaconstitucional ou trabalhista,pode-se dizer que, na valoriza-ção do acordo coletivo e da con-venção coletiva - fontes autô-nomas do direito laboral - deve-se levar em conta a supremaciada norma coletiva, consectáriada autonomia privada coletiva,amplamente consagrada pelaConstituição de 1988 (arts. 7º,VI, XIII, XIV e XXVI, e 8º, VI), ex-pressando o intento do consti-tuinte em estimular a negocia-ção de melhores condições e denormas que, na prática, refli-tam a dinâmica das relações detrabalho. O próprio TST temsedimentado sua jurisprudênciano sentido de que, se houverprevisão em acordo ou conven-ção coletiva de trabalho refe-rente à natureza indenizatóriade determinada composição,deverá ser considerado o dispos-to em tal norma coletiva, a qualgoza de reconhecimento peloart. 7º, XXVI, da CF.[...]Por analogia, assim como o au-xílio cesta-alimentação estabe-lecido em norma coletiva paraos empregados em atividadenão possui natureza salarial e,portanto, não se incorpora aosproventos de complementação

de aposentadoria complemen-tar pagos aos inativos, idênticoraciocínio presta-se ao abonoúnico, que, destituído dehabitualidade e pago em par-cela única, é verba de naturezanão remuneratória.[...]Retomando o caso concreto,as negociações coletivas ce-lebradas não suprimiramvantagens dos inativos, mas,tão somente, não lhes esten-deram o abono único, con-cedendo-o apenas aos em-pregados da ativa.[...]

Como é cediço, na seara do di-reito do trabalho, abono pode serempregado em diversas acepções.

Nessa toada, como se trata derelação contratual diversa do em-prego, por qualquer ângulo quese analise a questão, ainda quese admitindo a interpretação daCorte local acerca da verba ter na-tureza salarial, ante a literalidadedo disposto no art. 457, § 1º, daCLT, em razão da abrangência doart. 3º, parágrafo único, da LeiComplementar n. 108/2001, en-tendo que o pedido inicial recaiigualmente na vedação ao repas-se de vantagens de qualquer na-tureza, contida no mesmo dispo-sitivo.

No caso, o Tribunal de origemadmite que o deferimento possaocasionar desequilíbrio atuarial aoplano de custeio, assentando nãohaver “dúvida acerca da necessida-de da formação da reserva mate-mática, forte na regra contida noart. 202, § 2º,” da CF. Não obstante,propugna que a solução deve serbuscada pela entidade previden-

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ciária, de modo a constituir fontesuficiente a suportar os direitosjudicialmente reconhecidos”.

Dessarte, como assentado nomulticitado precedente da Segun-da Seção, julgado nos moldes dorito estabelecido pela Lei n. 11.672/2008, referente ao REsp n.1.207.071-RJ, da relatoria da Minis-tra Maria Isabel Gallotti, a exten-são de vantagens pecuniárias oumesmo reajustes salariais concedi-dos aos empregados de uma em-presa ou categoria profissional, deforma direta e automática, aosproventos de complementação deaposentadoria de ex-integrantesdessa mesma empresa ou catego-ria profissional, independentemen-te de previsão de custeio para oplano de benefícios corresponden-te, não se compatibiliza com oprincípio do mutualismo inerenteao regime fechado de previdênciaprivada.

Nessa linha de intelecção, comoo fundo formado pertence aos par-ticipantes e assistidos, o entendi-mento perfilhado pelo Tribunal deorigem, data venia, é incompatí-vel com o art. 3º, VI, da Lei Com-plementar n. 109/2001, que osten-ta norma de caráter público.

11. Assim, as teses a serem fir-madas para efeitos do art. 543-C doCódigo de Processo Civil, que oraencaminho, são as seguintes:

a) Nos planos de benefícios deprevidência privada fechada, patro-cinados pelos entes federados - in-clusive suas autarquias, fundações,sociedades de economia mista eempresas controladas direta ou in-diretamente -, é vedado o repassede abono e vantagens de qualquer

natureza para os benefícios emmanutenção, sobretudo a partir davigência da Lei Complementar n.108/2001, independentemente dasdisposições estatutárias e regula-mentares.

b) Não é possível a concessão deverba não prevista no regulamen-to do plano de benefícios de pre-vidência privada, pois a previdên-cia complementar tem por pilar osistema de capitalização, que pres-supõe a acumulação de reservasque possam assegurar o custeio dosbenefícios contratados, em umperíodo de longo prazo.

12. No caso concreto, dou pro-vimento ao recurso especial parajulgar improcedente o pedido for-mulado na inicial, estabelecendocustas e honorários advocatíciossucumbenciais, arbitrados emR$ 5.000,00 (cinco mil reais), queserão integralmente arcados pe-los dez autores, observada even-tual concessão de gratuidade dejustiça.

É como voto.

SUSTENTAÇÃO ORAL

Consignada a presença da Dra.CARLA KLING HENAUT, pela RE-CORRENTE CAIXA DE PREVIDÊNCIADOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DOBRASIL - PREVI, dispensada a sus-tentação oral.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

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PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONCESSÃO DE VERBA NÃO PREVISTA NO REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

A Seção, por unanimidade, deuprovimento ao recurso especial,nos termos do voto do Sr. MinistroRelator.

Para os fins do artigo 543-C, doCódigo de Processo Civil, foramdefinidas as seguintes teses: a) Nosplanos de benefícios de previdên-cia privada fechada, patrocinadospelos entes federados - inclusivesuas autarquias, fundações, socie-dades de economia mista e empre-sas controladas direta ou indireta-mente -, é vedado o repasse deabono e vantagens de qualquernatureza para os benefícios emmanutenção, sobretudo a partir davigência da Lei Complementar nº108/2001, independentemente dasdisposições estatutárias e regula-

mentares; b) Não é possível a con-cessão de verba não prevista noregulamento do plano de benefí-cios de previdência privada, pois aprevidência complementar tem porpilar o sistema de capitalização,que pressupõe a acumulação dereservas para assegurar o custeiodos benefícios contratados, em umperíodo de longo prazo.

Os Srs. Ministros Paulo de TarsoSanseverino, Maria Isabel Gallotti,Antonio Carlos Ferreira, RicardoVillas Bôas Cueva, Marco Buzzi,Nancy Andrighi, João Otávio deNoronha e Sidnei Beneti votaramcom o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Raul Araújo.

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RECURSO REPETITIVO. SFH. SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO.

Superior Tribunal de Justiça

Recurso repetitivo. SFH. Saldo residual. Ausência de coberturapelo FCVS. Responsabilidade do mutuário. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1359435&num_registro=201400780948&data=20141024&formato=PDF> Acesso em: 24 out. 2014.

EMENTA OFICAL

RECURSO ESPECIAL. SISTEMAFINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SAL-DO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE CO-BERTURA PELO FCVS. RESPONSA-BILIDADE DO MUTUÁRIO. REPETI-TIVO. RITO DO ARTIGO 543-C DOCÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E RE-SOLUÇÃO Nº 8/2008/STJ.

1. Nos contratos de financia-mento celebrados no âmbito doSFH, sem cláusula de garantia decobertura do FCVS, o saldo deve-dor residual deverá ser suportadopelo mutuário.

2. Recurso especial parcialmen-te conhecido e provido. Acórdãosubmetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/2008do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos,em que são partes as acimaindicadas, decide a Segunda Seção,por unanimidade, conhecer parci-almente do recurso especial e, nes-ta parte, dar-lhe provimento parareconhecer que o pagamento dosaldo devedor residual é de respon-sabilidade do mutuário, nos termosdo voto do Sr. Ministro Relator.

Para os efeitos do artigo 543-C,do Código de Processo Civil, fixou-se a seguinte tese: “Nos contratosde financiamento celebrados noâmbito do SFH, sem cláusula degarantia de cobertura do FCVS, osaldo devedor residual deverá sersuportado pelo mutuário”. Os Srs.Ministros Marco Buzzi, Marco Au-rélio Bellizze, Moura Ribeiro, JoãoOtávio de Noronha, Raul Araújo,Paulo de Tarso Sanseverino e Ma-ria Isabel Gallotti votaram com oSr. Ministro Relator. Impedido o Sr.Ministro Antonio Carlos Ferreira.

Brasília (DF), 22 de outubro de2014(Data do Julgamento)

Ministro Ricardo Villas BôasCueva, Relator.

REsp Nº 1.447.108 - CE (2014/0078094-8). DJe 24.10.2014.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICAR-DO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

Trata-se de recurso especial in-terposto por CAIXA ECONÔMICAFEDERAL E OUTRA, com fundamen-to no artigo 105, inciso III, alíneas“a” e “c”, da Constituição Federal,contra acórdão proferido pelo Tri-bunal Regional Federal da 5ª Re-gião.

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Noticiam os autos que, em 27/5/2010, WILSON DINIZ DAS CHA-GAS propôs ação de naturezarevisional contra as ora recorren-tes com o objetivo de expurgar darelação jurídica pactuada algumascláusulas supostamente abusivas eilegais previstas no contrato demútuo celebrado sob a égide dasnormas do Sistema FinanceiroHabitacional-SFH.

O juízo de primeiro grau julgouparcialmente procedente o pedidopara:

“a) computar, desde o início daexecução contratual as parce-las relativas aos juros não-pa-gos e, saldo devedor autônomo,que será objeto apenas de cor-reção monetária pelos índicescontratados, sem incidência denovos juros;b) repetir, por via de compen-sação que amortize efetiva-mente o saldo devedor, as dife-renças financeiras indevida-mente pagas a maior, desde oinício da execução contratual,relativas as anatocismoadveniente da incorporação aosaldo devedor dos valoresatinentes às amortizações ne-gativas e da consequente co-brança de juros sobre a parcelade juros desses encargos incor-porados; ec) uma vez apurado o real saldoresidual, com a exclusão doacréscimo pecuniário advindoda prática da amortização ne-gativa, disponibilizar ao mutu-ário o valor efetivamente devi-do por ele e que deverá serpago, através de prestaçõesmensais, ao longo do prazo deprorrogação do contrato” (fl.253 e-STJ).

Irresignados, o autor e as résinterpuseram recursos de apelação(e-STJ fls. 261-267 e 292-314).

A Quarta Turma do TribunalRegional Federal da 5ª Região, porunanimidade, negou provimentoà apelação das rés e conferiu par-cial provimento ao apelo do autorapenas para declarar a nulidade dacláusula contratual que estabelecea responsabilidade dos mutuáriospelo pagamento do saldo devedorresidual.

O aresto recebeu a seguinteementa:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.SFH. CESSÃO DO CONTRATO DEMÚTUO. APLICAÇÃO DO CDC.ATUALIZAÇÃO DO SALDO DE-VEDOR PELA TR. ANATOCISMO.AMORTIZAÇÃO NEGATIVA.CARACTERIZAÇÃO. MOMENTODA AMORTIZAÇÃO. SALDO RE-SIDUAL. LEI DE ECONOMIA PO-PULAR. BOA-FÉ OBJETIVA.1. A Lei 10.150/2000, em seu art.20, reconheceu a validade dastransferências de contrato demútuo, sem a anuência da ins-tituição financeira, desde queocorrida antes de 25 de outu-bro de 1996, como é o caso dosautos.2. O Código de Defesa do Con-sumidor não se aplica aos con-tratos firmados antes de sua vi-gência. Precedentes do Superi-or Tribunal de Justiça.3. É legítima a atualização mo-netária do saldo devedor de fi-nanciamento vinculado ao Sis-tema Financeiro da Habitaçãopela TR. Precedente do Superi-or Tribunal de Justiça, em recur-so repetitivo (Resp 969.129 -MG, Rel. Min. LUIS FELIPESALOMÃO).

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RECURSO REPETITIVO. SFH. SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO.

4. A existência de amortizaçãonegativa na evolução do finan-ciamento demonstra a cobran-ça de juros sobre parcelas nasquais já estão incluídos os juroscontratuais, caracterizando aprática do anatocismo.5. O Superior Tribunal de Justi-ça já consolidou o entendimen-to, em sede de recurso repe-titivo, acerca da impossibilida-de de capitalização de juros emcontrato vinculado ao SFH, qual-quer que seja a periodicidade(REsp 1.070.297).6. ‘Nos contratos vinculados aoSFH, a atualização do saldo de-vedor antecede sua amortiza-ção pelo pagamento da presta-ção.’ (Enunciado 450 do STJ).7. Configura lesão, nos termosdo art. 4º, ‘b’, da Lei de Econo-mia Popular, bem como ofensaao princípio da boa-fé objetiva,que já integrava nosso orde-namento jurídico antes mesmoda vigência do CDC, a estipula-ção contratual de responsabili-dade do mutuário por ‘eventu-al saldo devedor residual’, quan-do, pelos critérios diferenciadosde atualização das prestaçõese do saldo devedor, era perfei-tamente aferível pela mutu-ante sua existência ao final doprazo original de amortização.Ressalvado o entendimentopessoal do Relator.8. Apelação da CEF improvida.9. Apelo do autor parcialmenteprovido, apenas para declarara nulidade da cláusula contra-tual que estabelece a respon-sabilidade dos mutuários pelosaldo devedor residual e, porconseguinte, a quitação do con-trato objeto da inicial após opagamento da última presta-ção, salvo inadimplência “ (fl.349 e-STJ).

Os embargos de declaraçãoopostos pela CAIXA ECONÔMICAFEDERAL E OUTRA foram rejeita-dos (e-STJ fls. 361-363).

Nas razões recursais (e-STJ fls.375-391), os recorrentes, além dedissídio jurisprudencial, alegamviolação dos seguintes dispositivose as respectivas teses:

(a) art. 535 do Código de Pro-cesso Civil - porque teria havidonegativa de prestação jurisdicional;

(b) art. 6º, § 1º, da Lei de Intro-dução às Normas do Direito Brasi-leiro - por violação do ato jurídicoperfeito;

(c) art. 586 do Código Civil - poisa dispensa do pagamento do sal-do devedor remanescente após opagamento da última parcela con-traria o núcleo do contrato demútuo, e

(d) art. 2º do Decreto-Lei nº2.349/1987 - porque não é abusivoexigir dos mutuários, quando ocontrato não tenha cobertura doFundo de Compensação das Vari-ações Salariais - FCVS, o paga-mento do saldo devedor remanes-cente.

Com as contrarrazões (fls. 400-416 e-STJ), e admitido o recurso naorigem, foram encaminhados osautos a esta colenda Corte.

Diante da multiplicidade de re-cursos com fundamento em idên-tica tese de direito (validade ounão de cláusula que estabelece opagamento de saldo devedor resi-dual após o término do pagamen-to das prestações em contrato demútuo imobiliário não cobertopelo Fundo de Compensação deVariação Salarial-FCVS), o julga-mento do presente recurso especi-

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al e do REsp nº 1.443.870/PE foi afe-tado à Segunda Seção desta Corte,cumprindo o rito do art. 543-C doCódigo de Processo Civil e da Re-solução STJ nº 8/2008 (e-STJ fls. 460-461).

Foram expedidos ofícios aosDesembargadores Presidentes dosTribunais de Justiça e dos TribunaisRegionais Federais (e-STJ fl. 463).

O Ministério Público Federalopinou pelo parcial conhecimen-to do recurso e, no quanto conhe-cido, desprovido, com a preva-lência, “para os efeitos do artigo543-C, do Código de Processo Ci-vil, a tese de que é válida a cláusu-la que estabelece que o mutuáriodeve arcar com o saldo devedorresidual após o término do contra-to de mútuo imobiliário não co-berto pelo FCVS” (e-STJ fl. 478).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICAR-DO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):O ponto

controvertido no presente recur-so especial refere-se à validade ounão da cláusula que estabelece opagamento de saldo devedor resi-dual após o término do pagamen-to das prestações em contrato demútuo imobiliário não cobertopelo Fundo de Compensação deVariação Salarial-FCVS.

No âmbito desta Corte, sob oenfoque do direito privado, o pri-meiro julgado que enfrentou amatéria é da lavra do Ministro Bar-ros Monteiro, que concluiu, na hi-pótese de contrato celebrado sema cobertura do FCVS, que a quita-

ção do saldo residual é de respon-sabilidade do mutuário.

O acórdão restou assimementado:

“SISTEMA FINANCEIRO DA HA-BITAÇÃO. NULIDADE DE CLÁ-USULA CONTRATUAL QUE ES-TABELECE PARÂMETRO DEATUALIZAÇÃO DO SALDO DE-VEDOR DISTINTO DAQUELEPREVISTO PARA O REAJUSTEDOS ENCARGOS MENSAIS. OB-JETO IMPOSSÍVEL. INEXISTÊN-CIA. CONTRATO CELEBRADOSOB A ÉGIDE DA LEI Nº 8.692,DE 28.7.1993.- Previsto em lei, o critério dereajuste do saldo devedor (pe-los mesmos índices de atualiza-ção dos depósitos em caderne-tas de poupança) é válido, inde-pendentemente do parâmetroutilizado para o reajustamentodos encargos mensais (Plano deEquivalência Salarial por Com-prometimento de Renda). Nãoestando preconizada a co-bertura do eventual resíduopelo FCVS (Fundo de Com-pensações de Variações Sa-lariais), o que sobejar ao fi-nal do contrato é da respon-sabilidade do mutuário .Recurso especial não conhecido“ (REsp 382.875/SC, Rel. Minis-tro BARROS MONTEIRO, QUAR-TA TURMA, julgado em 21/05/2002, DJ 24/02/2003 - grifou-se).

Da íntegra do voto do eminen-te relator, importa extrair as se-guintes observações:

“(...)Ora, é facilmente perceptívelque, num sistema em que hajadois critérios distintos para

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RECURSO REPETITIVO. SFH. SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO.

atualização, um para o saldodevedor e outro para a defini-ção encargos mensais, sobeja-rá afinal uma quantia emaberto.Não se encontrando estipuladano ajuste a cobertura de even-tual resíduo pelo FCVS, a dife-rença final restará a cargo domutuário.André Luiz Mendonça da Silva,em sua obra denominada‘Questões do Sistema Financei-ro da Habitação – Prática, Dou-trina e Jurisprudência’, anota apropósito: ‘como já afirmadoanteriormente, ante o objetivode minimizar um rombo queatualmente atinge os seis bi-lhões de dólares, a partir da Leinº 8.692/93 os contratos passa-ram a não mais conter cláusulacom a cobertura do FCVS à qui-tação do saldo residual existen-te ao final do contrato. Assim,tal resíduo é de responsabilida-de do mutuário.’(pág. 55, ed.2.000).Segundo Álcio Manoel deSousa Figueiredo, ‘os con-tratos firmados a partir daedição da Lei nº 8.692, de28.7.1993, não contêm cláu-sulas de cobertura de resí-duo dos saldos devedorespelo FCVS, respondendo osmutuários pelos saldos de-vedores existentes por oca-sião do pagamento da últi-ma prestação ‘ (Cálculos noSistema Financeiro da Habita-ção, pág. 77, 7ª ed.).Não há como, portanto, des-constituir-se a cláusula 9ª dopacto para transferir o even-tual resíduo ao agente finan-ceiro, sob pena de inviabilizaçãode todo o sistema financeiro dahabitação” (grifou-se).

De fato, em hipótese análoga,a Terceira Turma, no julgamentodo REsp nº 823.791/PE, da relatoriado Ministro Massami Uyeda, DJe16/12/2008, firmou entendimentono mesmo sentido do precedenteacima destacado, como demonstraa ementa do julgado:

“RECURSO ESPECIAL - SISTEMAFINANCEIRO HABITACIONAL(SFH) - CONTRATO DE FINANCI-AMENTO SEM COBERTURA DOFUNDO DE COMPENSAÇÃO DEVARIAÇÕES SALARIAIS (FCVS) -PAGAMENTO DO SALDO DE-VEDOR RESIDUAL PELO MUTU-ÁRIO - CABIMENTO - RECURSOESPECIAL PROVIDO.1. Nos contratos de financia-mento celebrados no âmbito doSFH, sem cláusula de garantiade cobertura do FCVS, o saldodevedor residual deverá ser su-portado pelo mutuário.2. Tal entendimento não se li-mita aos contratos firmadosapós a Lei n. 8.692/93, mas seespraia para qualquer contra-to de financiamentohabitacional em que não se te-nha pactuado expressamente acobertura do FCVS.3. Recurso especial provido”.

Pela clareza na exposição dosfundamentos, transcreve-se o se-guinte excerto do voto condutor:

“(...)A propósito, oportuno assinalarque, na história do SFH, semprese verificou um especial desta-que a dois mecanismos favorá-veis ao mutuário, quais sejam,a forma de reajuste da presta-ções mensais e o Fundo de Com-pensação de Variações Salariais- FCVS.

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De um lado, houve a preocupa-ção de eximir o mutuário dosefeitos imediatos das oscilaçõesdos índices de correção mone-tária, mediante a sujeição doreajuste das prestações a crité-rios compatíveis com os seusrendimentos salariais.(...)O fato é que esse atrelamentodo reajuste das prestaçõesmensais a critérios diversos doaplicável ao reajuste do saldodevedor gerava, freqüente-mente, um considerável mon-tante ainda pendente de amor-tização ao fim do prazocontratual.Por outro lado, antevendo essesaldo devedor residual, a Reso-lução n. 25, de 16.06.1967, doConselho de Administração doextinto Banco Nacional da Ha-bitação - BNH instituiu o Fundode Compensação de VariaçõesSalariais - FCVS, o qual, em sín-tese, consiste em uma espéciede seguro destinado a cobriresse valor eventualmente rema-nescente quando do término docontrato. Em contrapartida aessa garantia, cumpria ao mu-tuário desembolsar, mensal-mente, além do valor das pres-tações mensais, uma contribui-ção destinada ao FCVS. Essacontribuição mensal do mutuá-rio e o aporte de recursos doBNH alimentavam o FCVS.Convém ressaltar que, ao lon-go do tempo, o FCVS imergiu emuma crise financeira notória, namedida em que os saldos resi-duais dos contratos de financi-amento passaram a ser cons-tantes e em valores expressivos.Esse crescente solapamentodo FCVS ensejou a ediçãode normas restritivas, entreas quais se destaca o DL

2.349/87. Com efeito, apósesse decreto-lei, os contra-tos de financiamento nãopoderiam conter a cláusulade cobertura pelo FCVS, sal-vo se o valor mutuado fos-se inferior ao que seria fi-xado pelo Conselho Mone-tário Nacional. Ademais, oreferido diploma se apres-sou a afirmar o óbvio: ‘noscontratos sem cláusula decobertura pelo FCVS, osmutuários finais responde-rão pelos resíduos dos sal-dos devedores existentes,até sua final liqüidação’(art. 2º).Realmente, é evidente que oscontratos sem adesão ao FCVScarreiam aos mutuários o de-ver de suportar o saldo deve-dor residual.Acresça-se, por oportuno, quea Lei n. 8.692, de 28 de julho de1993, representou um marconessa tendência de afastar doscontratos de financiamento acobertura do FCVS, porquanto,em seu artigo 29, assentou, inverbis: ‘As operações regidaspor esta lei não terão cobertu-ra do Fundo de Compensaçãodas Variações Salariais (FCVS)’.Essas considerações são rele-vantes para explicar o porquêde, nos contratos sem cobertu-ra do FCVS, inexistir abuso ouilegalidade na inserção de cláu-sulas que explicitem o que, hámuito, já integra a lógica doSFH, a saber: o mutuário finaldeverá arcar com o saldo deve-dor residual.De fato, ao associar a atuali-zação das prestações mensaisa modalidades de reajustes di-ferentes da incidente sobre osaldo devedor, a legislaçãoobjetivou, apenas, livrar o mu-

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RECURSO REPETITIVO. SFH. SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO.

tuário de suportar, nas presta-ções mensais, a repercussão fi-nanceira imediata decorrentedas variações imprevisíveis daeconomia. Não buscou, jamais,brindar o mutuário com a re-dução final do custo do em-préstimo.Ao bônus de valer-se, por anos,de uma prestação mensal com-patível com os reajustes salari-ais, segue-se o ônus de, ao cabodo contrato, arcar-se com o sal-do devedor eventual remanes-cente. Realmente, desse encar-go o SFH somente desonerouaqueles mutuários em cujo con-trato houvesse a adesão aoFCVS e que, por isso, contribuí-ram mensalmente para essefundo.É essa sistemática que foi dese-nhada pela lei e pela vontadedas partes, de maneira que serevela inviável que o Judiciárioa remodele para, a qualquerpretexto, estender o benefíciodo FCVS aos mutuários que nãocontribuíram para esse fundopor terem celebrado contratosde financiamento sem a corres-pondente cláusula de garantiade cobertura.Esclareça-se, desde logo, que,caso o mutuário se insurja con-tra o valor do saldo devedorresidual, caber-lhe-á ajuizareventual ação revisional, e nãotentar isentar-se da sua res-ponsabilidade de suportarcom o custo total do capital fi-nanciado.(...)Esse entendimento, pelo quejá foi exposto, não se limitaaos contratos firmados apósa Lei n. 8.692/93, mas se es-praia para qualquer contra-to de financiamento habita-cional em que não se tenha

pactuado expressamente acobertura do FCVS” (grifou-se).

Como visto, a previsão do sal-do devedor residual decorre da in-suficiência das prestações pagaspelo mutuário em repor o capitalmutuado, pois o reajuste das pres-tações, vinculadas aos índices apli-cados à categoria profissional nemsempre acompanhava o valor dainflação, o que cria umdesequilíbrio contratual capaz deafetar, em última análise, a higidezdo próprio sistema de financia-mento habitacional.

Ao lado de tal circunstância,destaca-se o fato de que o art. 2ºdo Decreto-Lei nº 2.349/1987, legis-lação específica sobre a matéria, éclaro a respeito da responsabilida-de dos mutuários pelo pagamentodo saldo devedor residual:

“Art. 2º Nos contratos semcláusulas de cobertura peloFCVS, os mutuários finais res-ponderão pelo resíduos dossaldos devedores existentes,até sua final liquidação , naforma que for pactuada, obser-vadas as normas expedidas peloConselho Monetário Nacional”.(grifou-se)

A jurisprudência desta Corte se-gue esse posicionamento, consoan-te se observa dos seguintes julga-dos:

Terceira Turma“PROCESSO CIVIL. RECURSO ES-PECIAL. AGRAVO. SISTEMA FI-NANCEIRO DA HABITAÇÃO.SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIADE COBERTURA PELO FCVS.

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RESPONSABILIDADE DO MU-TUÁRIO.- No que tange ao saldo resi-dual, o entendimento destaCorte Superior é no sentidode que, não havendo previ-são de cobertura pelo Fun-do de Compensação de Vari-ações Salariais, como na pre-sente hipóteses, os mutuá-rios finais responderão pe-los resíduos dos saldos de-vedores existentes, até suafinal liquidação, na formaque for pactuada, conformeo disposto no art. 2º do De-creto-Lei n. 2.349/87.- Agravo regimental conhecidoe não provido” (AgRg no AREsp60.972/AL, Rel. Ministra NANCYANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,julgado em 22/5/2012, DJe 28/5/2012 - grifou-se).“AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO EM RECURSO ESPECI-AL. SISTEMA FINANCEIRO DEHABITAÇÃO. INEXISTÊNCIA DEPREVISÃO DE COBERTURAPELO FCVS. SALDO DEVEDORRESIDUAL. RESPONSABILIDA-DE DO MUTUÁRIO.1. É do mutuário a respon-sabilidade pela quitação dosaldo devedor residual na hi-pótese de contrato de finan-ciamento imobiliário despro-vido de cobertura contratualpelo FCVS.2. Agravo regimental despro-vido” (AgRg no AREsp 282.132/PB, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIODE NORONHA, TERCEIRA TUR-MA, julgado em 20/2/2014, DJe7/3/2014 - grifou-se).“AGRAVO REGIMENTAL EM RE-CURSO ESPECIAL. AÇÃOREVISIONAL. SISTEMA FINAN-CEIRO DA HABITAÇÃO (SFH).SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIADE COBERTURA PELO FCVS.

RESPONSABILIDADE DO MU-TUÁRIO. DIVERGÊNCIA. SÚMU-LA 83/STJ. DECISÃO AGRAVA-DA MANTIDA. IMPROVIMEN-TO.1.- Não havendo previsão decobertura pelo Fundo deCompensação de VariaçõesSalariais - FCVS, como nopresente caso, o mutuárioresponde pelo saldo devedorresidual, existente ao térmi-no do período de amortiza-ção do contrato. Preceden-tes. Incide, quanto à diver-gência, a Súmula 83 destaCorte.2.- O recurso não trouxe ne-nhum argumento capaz de mo-dificar a conclusão do julgado, aqual se mantém por seus pró-prios fundamentos.3.- Agravo Regimental improvi-do “ (AgRg no REsp 1.377.814/RN, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,TERCEIRA TURMA, julgado em19/11/2013, DJe 6/12/2013 - gri-fou-se).“AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. SISTEMA FI-NANCEIRO DA HABITAÇÃO.AÇÃO REVISIONAL. SALDORESIDUAL. AUSÊNCIA DE CO-BERTURA PELO FCVS. RES-PONSABILIDADE DO MUTUÁ-RIO. AGRAVO REGIMENTALDESPROVIDO “ (AgRg no REsp1.358.758/PB, Rel. MinistroPAULO DE TARSO SANSEVE-RINO, TERCEIRA TURMA, julga-do em 27/8/2013, DJe 2/9/2013- grifou-se).“AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. SISTEMA FI-NANCEIRO DE HABITAÇÃO.SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIADE COBERTURA PELO FCVS.RESPONSABILIDADE DO MU-TUÁRIO.

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RECURSO REPETITIVO. SFH. SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO.

1. Nos termos da jurispru-dência desta Corte, não ha-vendo previsão de cobertu-ra pelo Fundo de Compen-sação de Variações Salariais-FCVS, como no presentecaso, os mutuários finais res-ponderão pelos resíduos dossaldos devedores existentes,até sua final liquidação, naforma que for pactuada, con-forme o disposto no art. 2ºdo Decreto-Lei nº 2.349/87.Precedentes.2. Agravo regimental não pro-vido” (AgRg no REsp 1.285.225/AL, RICARDO VILLAS BÔASCUEVA, TERCEIRA TURMA, jul-gado em 28/8/2012, DJe 3/9/2012 - grifou-se).

Quarta Turma“AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO EM RECURSO ESPECI-AL. SISTEMA FINANCEIRO DAHABITAÇÃO. SALDO DEVEDORRESIDUAL. AUSÊNCIA DE CO-BERTURA PELO FCVS. RESPON-SABILIDADE DO MUTUÁRIO.SÚMULA 83/STJ. APLICÁVEL AORECURSO ESPECIAL INTERPOS-TO PELA ALÍNEA ‘A’. AGRAVOREGIMENTAL A QUE SE NEGAPROVIMENTO.1. Consoante orientação fir-mada por este Superior Tri-bunal de Justiça, cabe aosmutuários finais a responsa-bilidade pelos resíduos dossaldos devedores existentes,nos caso em que não há pre-visão de cobertura pelo Fun-do de Compensação de Vari-ações Salariais - FCVS -, atésua liquidação final, confor-me pactuado. Precedentes.2. Entende a jurisprudência des-ta Corte que a Súmula 83 nãoestá restrita aos recursos espe-ciais interpostos com base na

alínea ‘c’ do permissivo consti-tucional, podendo também seraplicada aos recursos fundadosna alínea ‘a’.3. Agravo regimental a que senega provimento “ (AgRg noAREsp 230.500/AL, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTATURMA, julgado em 17/10/2013,DJe 28/10/2013 - grifou-se).“AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO EM RECURSO ESPECI-AL. SISTEMA FINANCEIRO DAHABITAÇÃO - SFH. IMÓVEL FI-NANCIADO SEM CLÁUSULA DECOBERTURA PELO FCVS. IM-POSSIBILIDADE DE EXONERARO PAGAMENTO DE VALOR RE-FERENTE AO SALDO RESIDUALDEVIDO PELO MUTUÁRIO. PRE-CEDENTES.1. Consoante jurisprudênciadesta Corte, não havendoprevisão de cobertura peloFundo de Compensação deVariações Salariais - FCVS,como no presente caso, éexigível do mutuário o pa-gamento do resíduo do sal-do devedor existente, atésua final liquidação, confor-me pactuado. Precedentes. 2.Agravo regimental a que senega provimento “ (AgRg noAREsp 142.630/RN, Rel. MinistroRAUL ARAÚJO, QUARTA TUR-MA, julgado em 3/9/2013, DJe09/10/2013 - grifou-se).“AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL. SFH. AUSÊN-CIA DE COBERTURA DO FCVS.CLÁUSULA CONTRATUAL. SAL-DO DEVEDOR RESIDUAL. VALI-DADE.1. Nos contratos de financi-amento celebrados no âmbi-to do SFH, sem cláusula degarantia de cobertura doFCVS, o saldo devedor resi-dual deverá ser suportado

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pelo mutuário.2. Agravo regimental a que senega provimento “ (AgRg noREsp 1.320.599/RN, Rel. Minis-tra MARIA ISABEL GALLOTTI,QUARTA TURMA, julgado em21/3/2013, DJe 4/4/2013 - gri-fou-se).“AGRAVO REGIMENTAL EMAGRAVO (ART. 544 DO CPC) -CONTRATO DE MÚTUO IMOBI-LIÁRIO - QUITAÇÃO DO SALDODEVEDOR RESIDUAL - AVENÇANÃO COBERTA PELA CLÁUSU-LA DO FCVS - RESPONSABILIDA-DE DOS MUTUÁRIOS - DECISÃOMONOCRÁTICA QUE DEU PAR-CIAL PROVIMENTO AO RECUR-SO ESPECIAL DA INSTITUIÇÃOFINANCEIRA. IRRESIGNAÇÃODOS AUTORES.1. O juízo de admissibilidade dorecurso especial é procedimen-to bifásico, não estando o Su-perior Tribunal de Justiçaadstrito ao exame preliminarrealizado pelo Tribunal de ori-gem.2. Não havendo previsão decobertura pelo Fundo deCompensação de VariaçõesSalariais - FCVS, como nopresente caso, é exigível domutuário o pagamento doresíduo do saldo devedorexistente, até sua final liqui-dação, conforme pactuado.3. Agravo regimental desprovi-do” (AgRg no AREsp 141.500/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI,QUARTA TURMA, julgado em20/8/2013, DJe 3/9/2013 - gri-fou-se).

Há, além disso, no mesmo sen-tido, entre outras, as seguintes de-cisões monocráticas proferidas porministros integrantes de ambas asTurmas da Segunda Seção: REsp

nº 1.433.574/RN, Relatora a Minis-tra Nancy Andrighi, julgado em 14/4/2014; REsp nº 1.382.523/CE,Relator o Ministro João Otávio deNoronha, julgado em 11/11/2013;REsp nº 1.453.754/CE, Relator oMinistro Sidnei Beneti, julgado em2/6/2014; REsp nº 1.033.175/RS,Relator o Ministro Paulo de TarsoSanseverino, julgado em 20/5/2011;REsp nº 1.444.062/PB, Relator oMinistro Ricardo Villas Bôas Cueva,julgado em 8/5/2014; REsp nº1.257.578/AL, Relator o MinistroLuis Felipe Salomão, julgado em6/5/2014; REsp nº 1.376.905/RN,Relator o Ministro Raul Araújo, jul-gado em 2/6/2014, e REsp nº1.441.560/RN, Relator o MarcoBuzzi, julgado em 24/3/2014.

Percebe-se, portanto, que amatéria ora analisada se encontrapacificada nesta Corte Superior deJustiça, que adotou o entendimen-to de que nos contratos de finan-ciamento celebrados no âmbito doSFH, sem cláusula de garantia decobertura do FCVS, o saldo deve-dor residual deverá ser suportadopelo mutuário.

JULGAMENTJULGAMENTJULGAMENTJULGAMENTJULGAMENTO PO PO PO PO PARA EFEITARA EFEITARA EFEITARA EFEITARA EFEITOS DOOS DOOS DOOS DOOS DOARTARTARTARTART..... 543-C DO CPC 543-C DO CPC 543-C DO CPC 543-C DO CPC 543-C DO CPC

Diante do explanado, fixa-se aseguinte tese para efeitos do arti-go 543-C do Código de ProcessoCivil:

“Nos contratos de financia-mento celebrados no âmbi-to do SFH, sem cláusula degarantia de cobertura doFCVS, o saldo devedor resi-dual deverá ser suportadopelo mutuário”.

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RECURSO REPETITIVO. SFH. SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO.

RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO

No tocante à alegada negativade prestação jurisdicional, agiucorretamente o Tribunal de origemao rejeitar os embargosdeclaratórios por inexistir omissão,contradição ou obscuridade noacórdão embargado, ficando pa-tente, em verdade, o intuitoinfringente da irresignação, queobjetivava a reforma do julgadopor via inadequada.

A propósito:

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO.EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTI-VIDADE. NEGATIVA DE PRES-TAÇÃO JURISDICIONAL. INE-XISTÊNCIA DE OMISSÃO OUCONTRADIÇÃO.1. O artigo 535 do Código deProcesso Civil dispõe sobre omis-sões, obscuridades ou contradi-ções existentes nos julgados.Trata-se, pois, de recurso defundamentação vinculada, res-trito a situações em que se ve-rifica a existência dos víciosna lei indicados.2. Afasta-se a violação do art.535 do CPC quando o decisórioestá claro e suficientementefundamentado, decidindo inte-gralmente a controvérsia. (...)”.(AgRg no Ag 1.176.665/RS, Rel.Ministro JOÃO OTÁVIO DENORONHA, QUARTA TURMA,julgado em 10/5/2011, DJe 19/05/2011)

No que concerne aos arts. 6º, §1º, da LINDB e 586 do Código Ci-vil, verifica-se que as matérias ver-sadas nos dispositivos apontadoscomo violados no recurso especialnão foram objeto de debate pelasinstâncias ordinárias. Desatendido,

portanto, o requisito do preques-tionamento, nos termos da Súmulanº 211/STJ: “Inadmissível recursoespecial quanto à questão que, adespeito da oposição de embargosdeclaratórios, não foi apreciadapelo Tribunal a quo”.

Ademais, vale afastar, de pron-to, eventual alegação de que con-traditória a decisão ao concluirpela não ocorrência de negativa deprestação jurisdicional ao mesmotempo em que entende nãoprequestionados os artigos infra-constitucionais apontados comomalferidos.

Isso porque tais dispositivos nãoforam e nem deveriam ter sidoobjeto de apreciação, ficando evi-dente, em verdade, o intuitoinfringente da irresignação postaem sede de embargos declara-tórios.

Quanto ao mais, a irresignaçãomerece prosperar.

Com efeito, a jurisprudênciadesta Corte é de que não havendoprevisão de cobertura pelo Fundode Compensação de Variações Sa-lariais - FCVS, como no presentecaso, é exigível do mutuário o pa-gamento do resíduo do saldo de-vedor existente, até sua final liqui-dação, conforme pactuado.

A propósito:

“RECURSO ESPECIAL - SISTEMAFINANCEIRO HABITACIONAL(SFH) - CONTRATO DE FINANCI-AMENTO SEM COBERTURA DOFUNDO DE COMPENSAÇÃO DEVARIAÇÕES SALARIAIS (FCVS) -PAGAMENTO DO SALDO DE-VEDOR RESIDUAL PELO MUTU-ÁRIO - CABIMENTO - RECURSOESPECIAL PROVIDO.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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1. Nos contratos de financia-mento celebrados no âmbito doSFH, sem cláusula de garantiade cobertura do FCVS, o saldodevedor residual deverá ser su-portado pelo mutuário.2. Tal entendimento não se li-mita aos contratos firmadosapós a Lei n. 8.692/93, mas seespraia para qualquer contra-to de financiamento habita-cional em que não se tenha pac-tuado expressamente a cober-tura do FCVS.”(REsp 823.791/PE, Rel. MinistroMASSAMI UYEDA, Terceira Tur-ma, DJe 16/12/2008).“SISTEMA FINANCEIRO DA HA-BITAÇÃO. NULIDADE DE CLÁ-USULA CONTRATUAL QUE ES-TABELECE PARÂMETRO DEATUALIZAÇÃO DO SALDO DE-VEDOR DISTINTO DAQUELEPREVISTO PARA O REAJUSTEDOS ENCARGOS MENSAIS. OB-JETO IMPOSSÍVEL. INEXIS-TÊNCIA. CONTRATO CELEBRA-DO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº8.692, DE 28.7.1993.(...)Não estando preconizada a co-bertura do eventual resíduopelo FCVS (Fundo de Compen-sações de Variações Salariais),o que sobejar ao final do con-trato é da responsabilidade domutuário.”(REsp 382.875/SC, Rel. MinistroBARROS MONTEIRO, QuartaTurma, DJ 24/02/2003).“RECURSO ESPECIAL. AÇÃOREVISIONAL. SISTEMA FINAN-CEIRO DA HABITAÇÃO. NEGA-TIVA DE PRESTAÇÃO JURIS-DICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIADE COBERTURA PELO FCVS.RESPONSABILIDADE DOMUTUÁRIO.

(...)II - No que tange ao saldo resi-dual, o entendimento destaCorte Superior é no sentido deque, não havendo previsão decobertura pelo Fundo de Com-pensação de Variações Salariais,como no presente caso, os mu-tuários finais responderão pe-los resíduos dos saldos devedo-res existentes, até sua final li-quidação, na forma que for pac-tuada, conforme o disposto noart. 2º do Decreto-Lei n. 2.349/87.” (REsp 1.113.760/SP, Rel.Ministro SIDNEI BENETI, Tercei-ra Turma, DJe 25/05/2011).

Ante o exposto, conheço parci-almente do especial e, nesta par-te, dou provimento para reconhe-cer que o pagamento do saldo de-vedor residual é de responsabilida-de do mutuário.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Seção, por unanimidade, co-nheceu parcialmente do recursoespecial e, nesta parte, deu-lhe pro-vimento para reconhecer que opagamento do saldo devedor resi-dual é de responsabilidade domutuário, nos termos do voto doSr. Ministro Relator.

Para os efeitos do artigo 543-C,do Código de Processo Civil, fixou-se a seguinte tese: “Nos contratosde financiamento celebrados noâmbito do SFH, sem cláusula degarantia de cobertura do FCVS, o

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RECURSO REPETITIVO. SFH. SALDO RESIDUAL. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO.

saldo devedor residual deverá sersuportado pelo mutuário”.

Os Srs. Ministros Marco Buzzi,Marco Aurélio Bellizze, Moura Ri-beiro, João Otávio de Noronha,Raul Araújo, Paulo de TarsoSanseverino e Maria Isabel Gallottivotaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro Anto-nio Carlos Ferreira.

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

Tribunal Superior do Trabalho

Ação civil pública. CEF. Correspondentes bancários. Casaslotéricas. Equiparação às agências bancárias e a postos deatendimento para efeito de segurança. Inviabilidade. Lein. 7.102/83. Vigilância armada. 1

1 Disponível em: <https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=000489&digitoTst=82&anoTst=2001&orgaoTst=5&tribunalTst=14&varaTst=0003&submit=Consultar> Acesso em: 21 out. 2014.

ACÓRDÃO

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CAIXAECONÔMICA FEDERAL. CORRES-PONDENTES BANCÁRIOS. CASASLOTÉRICAS. EQUIPARAÇÃO ÀSAGÊNCIAS BANCÁRIAS E A POSTOSDE ATENDIMETO PARA EFEITO DESEGURANÇA. INVIABILIDADE. LEINº 7.102/83. VIGILÂNCIA ARMADA.

A exploração das loterias fede-rais é um serviço público da União,que, por meio do Decreto-Lei nº759, de 12/08/69, foi delegado,com exclusividade, à Caixa Econô-mica Federal. As casas lotéricas,considerada a norma de criaçãorespectiva, têm como atividadeprimordial e finalística acomercialização de loterias federaise de produtos conveniados. O fatode realizarem algumas tarefascomo recebimento de contas deágua, luz e outros “boletos”), nãoequipara as casas a bancos porqueessas não constituem tarefas típi-cas de bancos. Lembre-se que oscaixas de supermercados e outroscorrespondentes bancáriostambém recebem contas de água,

luz e telefone sem que esse fato osequiparem a caixas bancários. Asatividades dos correspondentesbancários não se confundem comaquelas tipicamente bancárias. Porfim, as casas lotéricas não se con-fundem sequer com os postos deatendimento instalados pela Cai-xa Econômica Federal. Enquanto ascasas lotéricas são empresas, compersonalidade jurídica próprias eoperadas com seus empregados, ospostos de atendimento são exten-sões das agências do banco, ope-rados com os empregados da Cai-xa Econômica Federal, para apro-ximar o banco do público concen-trado e facilitar o acesso aos servi-ços bancários que oferece. Por ób-vio que a mera celebração de con-trato das casas lotéricas com a Cai-xa Econômica Federal não desfigu-ra a relação jurídica trabalhistamantida entre os proprietários des-sas casas lotéricas. Assim, no quediz respeito à segurança dos em-pregados de casas lotéricas que atu-am como correspondentes bancá-rios, a responsabilidade é exclusi-vamente do empregador direto.

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

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Recurso de Revista de que seconhece em parte e a que se dá pro-vimento.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso de Revistan° TST-RR-489-82.2001.5.14.0003,em que é Recorrente CAIXA ECO-NÔMICA FEDERAL - CEF e Recorri-do SINDICATO DOS EMPREGADOSEM ESTABELECIMENTOS BANCÁRI-OS DO ESTADO DE RONDÔNIA.

RR - 489-82.2001.5.14.0003. DJe09.05.2014.

RELATÓRIO

Trata-se de Ação Civil Públicaproposta pelo Sindicato dos Empre-gados em Estabelecimentos Bancá-rios do Estado de Rondônia contraa Caixa Econômica Federal, visan-do a suspender as atividades reali-zadas pelas casas lotéricas instala-das no Estado de Rondônia (item2.1. de fls. 17).

Mediante a sentença de fls. 798/801, o Juízo de Primeiro Grau jul-gou procedente o pedido para im-por à empresa ré as seguintes obri-gações de fazer: “suspender os ser-viços bancários prestados pelas ca-sas lotéricas de Rondônia, incluin-do, dentre outros da mesma natu-reza, recolhimentos de contribui-ções fiscais, prestações de imóveisfinanciados, contras de luz, água etelefone, pagamento de FGTS, Se-guro-Desemprego, PIS, proventos echeques, além de abertura de con-tas bancárias, recebimento de de-pósitos e de documentos para com-pensação bancária, que deverão serprestados por suas próprias agênci-as, até que implante nas referidasagências lotéricas sistema de segu-

rança similar ao de suas agências,que inclua vigilância armada, nostermos da Lei n. 7.102/1983, apro-vado pelo Ministério da Justiça/Po-lícia Federal, sob pena de multamoratória no importe diário de R$50 mil, pelo interstício de 30 dias,revertida em benefício do FAT –Fundo de Amparo ao Trabalhador”(fls 800v/801).

O Tribunal Regional do Traba-lho da Décima Quarta Região man-teve a condenação (acórdão de fls.888/895).

Inconformada, a Caixa Econô-mica Federal interpôs o Recursode Revista (razões de fls. 898/931),postulando a reforma da decisãoproferida pelo Tribunal Regional.Preliminarmente, argúi a nulidadedo julgado por incompetência ab-soluta da Justiça do Trabalho, ile-gitimidade passiva ad causam ejulgamento ultra petita.

O Recurso foi admitido, medi-ante o despacho de fls. 978/979.

O Sindicato Autor/recorrido ofe-receu contrarrazões a fls. 987/999.

O Ministério Público do Traba-lho, em parecer de fls. 1.028/1.035,opina pelo conhecimento parcialdo recurso de revista e seu provi-mento.

É o relatório.

VOTO

1. CONHECIMENTOForam preenchidos os pressu-

postos extrínsecos de admissi-bilidade do Recurso de Revista.

1.1. INCOMPETÊNCIA ABSO-LUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

O Tribunal Regional negou pro-vimento ao Recurso Ordinário in-

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

terposto pela Caixa Econômica Fe-deral à sentença que a condenou aimplantar, nas casas lotéricas, sis-tema de segurança similar aos desuas agências bancárias, na formada Lei nº 7.102/1983, inclusive noque tange à segurança armada.

O acórdão proferido pelo Tribu-nal Regional não aborda o temada incompetência da Justiça do Tra-balho, e esta, tampouco foi venti-lada nos Embargos de Declaraçãoa ele opostos. Assim, à falta deprequestionamento (Súmula 297do TST), inviável o exame dessaquestão em sede de recurso de re-vista.

E não se argumente que, nocaso, a violação é nascida na pró-pria decisão recorrida, conformeadmite a Orientação Jurispru-dencial 119 da SDI-1, porque o en-tendimento aplicável à hipótese éaquele consubstanciado na Orien-tação Jurisprudencial 62, da mes-ma SDI-1:

“PREQUEST IONAMENTO.PRESSUPOSTO DE RECORRIBI-LIDADE EM APELO DE NATU-REZA EXTRAORDINÁRIA. NE-CESSIDADE AINDA QUE AMATÉRIA SEJA DE INCOMPE-TÊNCIA ABSOLUTA”.

Não é demais ponderar, contu-do, que a discussão a respeito daquestão foi objeto de Incidente deUniformização de Jurisprudêncianesta Corte, tendo ficado estabe-lecido o entendimento de que asquestões como a que se discute nosautos - que envolvem a adoção demedidas relativas ao meio ambien-te do trabalho e a preservação dointeresse dos empregados das ca-

sas loltéricas, decorrentes direta-mente da relação de emprego -inserem -se no âmbito do interes-se coletivo de natureza trabalhis-ta, de modo a atrair a competên-cia da Justiça do Trabalho. Nessesentido é ajurisprudência destaCorte, consoante os seguintesexemplos:

“COMPETÊNCIA MATERIAL DAJUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃOCIVIL PÚBLICA. SEGURANÇABANCÁRIA. INSTALAÇÃO DEPORTAS DE SEGURANÇA. O Tri-bunal Pleno desta Corte, emSessão realizada em 03/03/2005, julgando o incidente deuniformização de jurisprudên-cia, suscitado no E-RR-359.993/1997.3, decidiu no sentido deque a Justiça do Trabalho écompetente para julgar maté-ria relacionada à segurançabancária. Conclui-se que se re-fere a interesse coletivo de na-tureza trabalhista, relativo àsegurança, prevenção e meioambiente do trabalho. 3. LEGI-TIMIDADE ‘AD CAUSAM’ DOSINDICATO PARA PROPORAÇÃO CIVIL PÚBLICA. Verifica-se do que dispõem os artigos129, § 1°, e 8º, inciso III, da CF/88, que há legitimidade concor-rente do sindicato com o Minis-tério Público do Trabalho paraa propositura da ação civil pú-blica visando a defesa de inte-resses difusos e coletivos. Incó-lume o art. 896 da CLT. Recursode Embargos não conhecido”(E-RR-69 153 112000.1, RelatorMinistro Carlos Alberto Reis dePaula, SDI-1).

“RECURSO DE EMBARGOS.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGU-RANÇA BANCÁRIA. INSTALA-

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ÇÃO DE ARTEFATOS DE SEGU-RANÇA. INTELIGÊNCIA DO AR-TIGO 20, INCISO 11, DA LEI Nº7.102183. A instância ordinária,ao determinar a instalação deportas de segurança, vidros blin-dados e equipamentos fotográ-ficos que permitam a inibição eidentificação de eventuais cri-minosos nas agências da recla-mada, não impôs obrigaçãosem amparo legal. Isso porque,tal exigência consta do inciso IIdo artigo 2º da Lei no 7.102/83,ao tratar da instalação de “ar-tefatos que retardem a açãodos criminosos, permitindo suaperseguição, identificação oucaptura”. A ausência de espe-cificação dos dispositivos de se-gurança que se enquadram nareferida disposição legal decor-re da própria impossibilidade dese enumerar todos os artefa-tos existentes para essedesiderato. A ação fiscalizadorado Ministério da Justiça, previs-ta nos artigos1º e 6º da Lei no7.102183, não gera a inafas-tabilidade do controle jurisdi-cional a resguardar a seguran-ça dos trabalhadores expostosaos riscos da atividade desen-volvida pela entidade bancária.Assim, uma vez constatado emjuízo que o estabelecimentobancário não está proporcio-nando as condições mínimas desegurança previstas em lei,cabe a esta Justiça Especial fa-zer cumprir a lei, no caso, o dis-posto no artigo 2º do aludidodiploma legal (Precedente: E-RR-3 16.00 111 996, DJ- 14/12/200 1, Relator Ministro RiderNogueira de Brito). Embargosnão conhecidos” (E-ED-RR-405137/1997.3, Relator Ministro:Aloysio Corrêa da Veiga, SDI-1,DJ 08/06/2007).

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGU-RANÇA BANCARIA. COMPE-TÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇADO TRABALHO. 1. O TribunalPleno do Tribunal Superior doTrabalho, em sessão realizadaaos 03/03/2005, julgando o inci-dente de uniformização de ju-risprudência suscitado no pro-cesso TST-E-RR-359.99311999,reconheceu a competência ma-terial da Justiça do Trabalhopara processar e julgar maté-ria relacionada a segurançabancária, reconhecendo-a pas-sível de constituir objeto de in-teresse coletivo de naturezatrabalhista. Raciocínio que seaplica igualmente aos direitosindividuais homogêneos. 2. Talentendimento é pertinente emsituação na qual a pretensãomanifestada em juízo peloMinistérioPúblico, medianteação civil pública, consiste emfazer com que o Banco se abs-tenha de designar empregadosda administração para efetuaro transporte de valores, contra-riando, assim, norma legal es-pecífica (Lei no 7.102183, arti-gos 10, § 4º, e 16) e colocandoem risco a higidez física e a se-gurança de grupo determinadode empregados. 3. Violação dodisposto no artigo 114 da Cons-tituição Federal não configura-da. 4. Recurso de revista de quenão se conhece. AÇÃO CIVILPÚBLICA. INCOMPETÊNCIA DAVARA DO TRABALHO EM RA-ZÃO DO LUGAR. Nos termos dalegislação em vigor, a compe-tência territorial e funcionalpara processar e julgar ação ci-vil publica é definida em razãoda abrangência da pretensãodeduzida em juízo. Na hipóte-se, denunciada lesão de âmbitoregional resulta competente

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

para apreciação do feito a Varado Trabalho da capital, por for-ça do que determina o artigo93, inciso 11, da Lei 8.078190,aplicável à espécie em virtudeda previsão expressa no artigo21 da Lei no 7.347185, regra-mento específico que regula aação civil publica. Recurso de re-vista de que não se conhece. MI-NISTÉRIO PÚBLICO DO TRABA-LHO. LEGITIMIDADE ATIVA.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOSCOLETIVOS E DIREITOS INDIVI-DUAIS HOMOGÊNEOS INDIS-PONÍVEIS. Tem legitimidade oMinistério Publico do Trabalhopara propor ação civil publica,visando tutelar direitos coleti-vos. Tal é a hipótese sob exa-me, em que o Parquet Traba-lhista persegue a imposição deobrigação de não fazer ao Ban-co-réu, com efeitos projetadospara o futuro, mediante provi-mento jurisdicional de carátercominatório, consistente emabster-se de designar, para arealização do transporte de va-lores, empregados contratadospara exercer atividades mera-mente administrativas. Inteli-gência dos artigos 83, III, da LeiComplementar no 75/93 e 129da Constituição Federal. Tal le-gitimidade alcança, ainda, osdireitos individuais homogêne-os, que, na dicção da jurispru-dência corrente do excelso Su-premo Tribunal Federal, nadamais são senão direitos coleti-vos em sentido lato, urna vezque todas as formas de direitosmetaindividuais (difusos, coleti-vos e individuais homogêneos),passíveis de tutela medianteação civil pública, são coletivos.Imperioso observar, apenas, emrazão do disposto no artigo 127da Constituição Federal, que o

direito individual homogêneo aser tutelado deve revestir-se docaráter de indisponibilidade.Recurso de revista de que nãose conhece. ABUSO DO PODERDIRETIVO. DESIGNAÇÃO DEEMPREGADOS EXERCENTES DEATIVIDADES BUROCRÁTICASPARA TRANSPORTE DE VALO-RES. INOBSERVÂNCIA DO DIS-POSTO NA LEI No 7.102193.Não contraria o disposto no ar-tigo 5º, inciso II, da ConstituiçãoFederal decisão que qualificacomo abusiva e ilegal a condu-ta patronal consistente em des-viar para a realização do trans-porte de valores - atividade quea lei remete a segurança priva-da - empregados contratadospara o exercício de atividadesadministrativas de caráter bu-rocrático, que não receberam otreinamento e a formação es-pecíficos de que trata o artigo16 da Lei no 7.102/83, de obser-vância compulsória por empre-sas cuja atividade principal nãoseja a vigilância ostensiva nemo transporte de valores, masutilizem quadro funcional pró-prio para o exercício de tais ati-vidades (artigo 10, § 4º da Leino 7.102/83). Recurso de revis-ta de que não se conhece. MUL-TA. Não consubstancia ofensaao disposto no artigo 5º, incisoII, da Constituição Federal a im-posição de multa, com funda-mento no artigo 11 da Lei no7,347185, a Banco que utilize,no transporte de valores, pes-soal do quadro funcional pró-prio, contratado para o exercí-cio de atividades burocráticas,não submetido a curso decapacitação e treinamento es-pecíficos. Recurso de revista deque não se conhece” (RR-69765612000.2, Relator Minis-

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

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tro: Lélio Bentes Corrêa, 1º Tur-ma).

NÃO CONHEÇO.

1.2. ILEGITIMIDADE PASSIVAAD CAUSAM

A recorrente sustenta que o Tri-bunal Regional incorreu em viola-ção aos arts. 3º e 472 do CPC; 2º,inc. IV, da Lei nº 8.987/96; 5º, inc.II, e 170, caput e inc. II, da Consti-tuição da República, por havê-lamantido no pólo passivo da rela-ção jurídico-processual, sem que,incontroversamente, seja a empre-gadora dos empregados das casaslotéricas em prol de cuja seguran-ça são postuladas as medidasprotetivas, objeto desta Ação CivilPública.

A matéria, contudo, carece doindispensável prequestionamento,na medida em que nem o TribunalRegional expendeu tese a seu res-peito, nem foi objeto dos Embar-gos de Declaração opostos aoacórdão (Súmula nº 297 deste Tri-bunal).

Ademais, confunde-se com omérito a questão afeta à naturezae extensão da responsabilidade daCaixa Econômica Federal pela ga-rantia de segurança do ambientede trabalho nas casas lotéricas.

Logo, NÃO CONHEÇO.

1.3. JULGAMENTO ULTRAPE-TITA

Eis o teor da decisão contra aqual se insurge a recorrente:

“Defende a recorrente ter ocor-rido julgamento ‘ultrapetita’,aduzindo que o demandantenão elencou em seu pedido que

fossem suspensos os pagamen-tos de benefícios sociais, nãopodendo confundi-los com ser-viço bancário, sob pena de quese assim o fizermos estaremospenalizando os mais necessita-dos.Diz, ainda, que a decisãoextrapola, quando ‘fixa um cri-tério do plano de segurançacomo obrigatório, qual seja, VI-GILÂNCIA ARMADA, o qualnão é objeto de pedido expres-so. Pugna pela nulidade dasentença.São os argumentos da recorren-te. Analiso.Para clarear as idéias, transcre-vo o pedido do autor, verbis:

‘III. DO PEDIDO........................................Suspenda os serviços bancá-rios realizados pelas casaslotéricas, tais como paga-mento de aposentados,abertura de conta correntee de poupança, recebimen-to de depósitos em chequese numerários, entrega detalonários de cheques, paga-mento de cheques, recebi-mento e processamento dedocumentos para compensa-ção bancária, até a apresen-tação e implantação de pla-no de segurança bancária(Lei 7.102/83) nas casaslotéricas; (f. 08)’

Visto o pedido do autor ficamais claro deduzir que, no per-tinente ao argumento inicial,falta razão à recorrente, pri-meiro porque o sindicato rela-cionou os serviços de modoexemplificativo e, não, taxativoou exaustivo, tanto que fezconstar a expressão ‘tais como’;em segundo lugar entendo quetoda a atividade, diversa da re-alização de apostas lotéricas ou

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

venda de bilhetes lotéricos, quepor uma questão de comodida-de, economia e funcionalidadeda instituição financeira e porser típico de seus afazeres, pas-sou às casas lotéricas, deve serconsiderada como bancária.Quanto ao segundo argumen-to, verifico que o autor fez o seupedido com base na Lei 7.102/83, pugnando pela ‘apresenta-ção e implantação e de planode segurança bancária (Lei7.102/83) nas casas lotéricas’, seanalisada a lei em referênciaextrai-se que dispõe acerca devigilância armada, que será uti-lizada conforme o enquadra-mento da instituição.Assim sendo, a inclusão de vigi-lância armada pelo juízo a quonão caracteriza decisão ultrapetita, haja vista que este equi-parou as lotéricas a pequenasagências bancárias, atraindo,desse modo, o art. 2º da lei emreferência.Feitas essas ponderações, afas-to a arguição de julgamento‘ultra petita’.”.

O Recurso, no particular, funda-menta-se em violação dos arts. 460do CPC e 1º e 17 da Lei nº 7.102/83.O argumento da recorrente é o deque a providência solicitada emfavor dos empregados em casaslotéricas, no que tange à vigilân-cia armada, nem consta do pedidoexpresso na petição inicial, nemestá assegurada no sistema legalvigente.

Não se configura o julgamentopara além do pedido inicial, ten-do em vista que a pretensão alideduzida consiste na suspensão detoda e qualquer atividade asseme-lhada ao serviço bancário, no âm-

bito das casas lotéricas, com a ga-rantia de implementação de pla-no de segurança bancária, na for-ma prevista na Lei nº 7.102/83 - aqual, indubitavelmente, estabele-ce a vigilância armada, embora nãoem caráter genérico e obrigatório,mas conforme as peculiaridades decada caso.

Em face de tal contexto, a deci-são recorrida circunscreve-se nosexatos limites da lide.

NÃO CONHEÇO do recurso nes-se tema.

1.4. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CAI-XA ECONÔMICA FEDERAL. COR-RESPONDENTES BANCÁRIOS.CASAS LOTÉRICAS. EQUIPARA-ÇÃO AOS BANCÁRIOS PARAEFEITOS DE SEGURANÇA. LEI Nº7.102/83. VIGILÂNCIA ARMADA.

O Tribunal Regional manteve asentença condenatória em obriga-ção de fazer consistente na suspen-são, dos serviços prestados pelascasas lotéricas de Rondônia, den-tre eles recolhimento de tributos,FGTS, PIS etc e recebimento de con-tas “...até que implante nas refe-ridas agências lotéricas sistema desegurança similar ao de suas agên-cias, que inclua vigilância armada,nos termos da Lei n. 7.102/1983,aprovado pelo Ministério da Justi-ça/Polícia Federal, sob pena demulta moratória no importe diá-rio de R$ 50 mil, pelo interstíciode 30 dias, revertida em benefíciodo FAT – Fundo de Amparo ao Tra-balhador”. Isto é: implante nas ca-sas lotéricas de todo o Estado deRondônia as mesmas condições desegurança adotados para suasagências, inclusive vigilância arma-

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da, nos termos da Lei nº 7.102/83.Eis os fundamentos constantes

do acórdão recorrido:

“Em primeiro lugar, verifico quea recorrente, ao afirmar que ascasas lotéricas, além de seremresponsáveis pela venda de bi-lhetes lotéricos, atuam comocorrespondente bancário edentre as especificações dessaatividade não estão incluídosserviços típicos bancários, ten-ta induzir o juízo, ao entendi-mento de que não existindoessa prática as lotéricas nãopodem ser reconhecidas comoinstituição financeira.Pois bem. Conforme a CircularCaixa nº 2019/2001, Cláusula3.2.1.1 ‘A CASA LOTÉRICA é oestabelecimento que comercia-liza todas as loterias federais,os produtos assemelhados au-torizados e atua na prestaçãode todos os serviços delegadospela Caixa (grifei – fl. 151).Destaco a questão da forma daprestação de serviços, na medi-da em que a referida circularna sua cláusula 7 e 7.1.3, dispõeque ‘a critério da CAIXA, e deacordo com a categoria de per-missão, a Rede de Casas Loté-ricas irá atuar na prestação deserviços à comunidade,’ (...)comercializando outros produ-tos, ‘e serviços da CAIXA e desuas coligadas...’ (fl. 154).Já a cláusula 7.1.1, dispõe que‘Mediante autorização do Ban-co Central do Brasil, a Rede deCasas Lotéricas atuará, tam-bém, na função de correspon-dente...’.Portanto, pelo transcrito, pode-mos perceber que além das ati-vidades de correspondente ban-cário praticado pelas casaslotéricas, que segundo a recor-

rente é uma atuação de merocolaborador, existe a prestaçãode outros serviços que, na for-ma descrita na circular, serãoexecutadas por delegação daCAIXA, que no caso, são as ati-vidades que todos nós já pre-senciamos algum dia, sendo es-tes, pagamento de aposenta-dos, abertura de conta corren-te e de poupança, recebimentode depósitos em cheques e nu-merários, entrega de talonáriosde cheques, pagamento de che-ques, recebimento e proces-samento de documentos paracompensação bancária, etc. Di-ante disso, podemos considerarque as casas lotéricas desempe-nham, sim, atividades cuja na-tureza é bancária.Diante disso cabe, ainda, per-quirir, se as casas lotéricas, pelofato de executarem essas ativi-dades, podem ser consideradascomo instituição financeira,para fins de aplicação da Lei7.102/83. Vejamos.O artigo 17 da Lei nº 4595, de31 de dezembro de 1964, esta-belece que:

‘Art. 17. Consideram-se ins-tituições financeiras, para osefeitos da legislação em vi-gor, as pessoas jurídicas pú-blicas ou privadas que te-nham como atividade princi-pal ou acessória a coleta,intermediação ou aplicaçãode recursos financeiros pró-prios ou de terceiros, emmoeda nacional ou estran-geira, e a custódia de valorde propriedade de terceiros(grifei).Parágrafo único. Para osefeitos dessa lei e da legisla-ção em vigor, equiparam-seàs instituições financeiras as

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

pessoas físicas que exerçamqualquer das atividades re-feridas neste artigo, de for-ma permanente ou eventu-al’ (grifei).

Pelo que se observa das ativi-dades usualmente desempe-nhadas pelas casas lotéricas,constata-se que a norma acimacitada abarca perfeitamente ocaso concreto, principalmentequando fazemos a checagemcom a relação de serviços deli-neados pela CAIXA no contratode adesão para comercializaçãodas loterias federais, na cate-goria casa lotérica, fl. 661.Necessário registrar, ser fatopúblico e notório que as casaslotéricas movimentam, diaria-mente, vultosas quantias emdinheiro, sem que haja o neces-sário sistema de segurançapara os trabalhadores que aliestão.Dessarte, mesmo sabendo quea Caixa Econômica Federal nãomantém contrato de trabalhodiretamente com os emprega-dos das casas lotéricas, tendo,inclusive, reconhecimento pací-fico do C. TST de que os funcio-nários das referidas permis-sionárias não podem ser equi-parados aos bancários, é inegá-vel a responsabilidade da em-presa pública federal pelo meioambiente de trabalho a que osobreiros das lotéricas estão sub-metidos.Veja-se a cláusula 7ª do TermoAditivo ao Termo de Responsa-bilidade e Compromisso paraComercialização das LoteriasFederais colacionados às fls.130/150 cujas cláusulas infor-mam a estreita vinculação en-tre a Caixa Econômica Federale as casas lotéricas:

Os equipamentos e sistemasnecessários à execução dasatividades de comercializa-ção das loterias federais e àprestação de serviços ofere-cidos pela Rede de CasasLotéricas são fornecidas pelaCAIXA, ou por empresa pre-viamente por ela autoriza-da e/ou contratada.

Há, inclusive, proibição para oexercício da permissão às casaslotéricas ‘em local distinto doautorizado pela CAIXA’ (fl. 135).Nesse sentido, observo que acláusula 20ª, XXIII, do citado ter-mo aditivo, prevê o seguinte di-reito da permissionária (fl. 141):

XXIII. Manter o seu pessoaldimensionado de acordocom orientação da CAIXA,DEVIDAMENTE TREINADOEM SUAS RESPECTIVAS FUN-ÇÕES, DE MODO A OPERARO ESTABELECIMENTO LO-TÉRICO com o máximo decapacidade e eficiência, fa-zendo com que todos os seusempregados, enquanto esti-verem trabalhando, atuemdentro dos padrões estabe-lecidos pela CAIXA (subli-nhei).

Do transcrito, depreende-seque, para realizar os serviçoscontratados, as casas lotéricasnecessitam de pessoal treinadosegundo as normas da CaixaEconômica Federal.Ademais, o art. 2º, I, da Resolu-ção n. 2640/99, do Banco Cen-tral do Brasil, trata acerca daresponsabilidade da recorren-te, pois veja-se:

Artigo 2º. Os contratos refe-rentes a prestação de servi-

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ços correspondentes nos ter-mos desta Resolução deve-rão incluir cláusulas preven-do:I – a total responsabilidadeda instituição financeira con-tratante sobre os serviçosprestados pela empresacontratada.

Frise-se que os procedimentosjá existentes nas casas lotéricasacerca da segurança, isto é, denatureza eletrônica, objetivamproteger o patrimônio da em-presa e não os trabalhadores eclientes que adentram ao esta-belecimento diariamente, sen-do tais meios ineficazes paraesse postulado.E digo mais, com o frágil siste-ma das casas lotéricas, as mes-mas são alvos fáceis dosdelinquentes.Além disso, apesar das alega-ções da recorrente no sentidode que estatísticas indicampela redução do índice de cri-mes praticados contra as casaslotéricas, o caso é que os assal-tos ainda são frequentes, de-vendo-se, por conseguinte, cer-car-se do máximo de proteçãoaos obreiros e clientes, princi-palmente agora, haja vista queo Estado de Rondônia passa porum acelerado crescimentopopulacio-nal e econômico, porconta da construção das usinashidrelétricas de Santo Antônioe Jirau.Desse modo, não há como fu-gir. Entendo que essas unidadesdevem ser equiparadas às ins-tituições financeiras por forçada lei e, consequentemente,deverá ser aplicado os termosda Lei 7.102/83.Fugindo a seara da analogia daatividade lotérica com a ban-

cária, ou ao menos como cor-respondente, o que vem a serquestão superada a realidadeinexorável que se impõe reco-nhecer é tratar-se de ativida-de que desenvolve os seus afa-zeres por meio do pagamentoe recebimento de quantias,normalmente em moeda cor-rente, o que as coloca como al-vos de ações criminosas, geran-do insegurança para os clien-tes bem como aos trabalhado-res que militam nessas instala-ções.Ademais as instalações das Ca-sas Lotéricas seguem o padrãoestabelecido pela CEF, que portal razão deveria cuidar dacomplementação necessáriaem termos de segurança com aadoção dos equipamentos capa-zes de dissuadir ou até impediras ações criminosas que confor-me noticia a mídia tornaram-se cotidianas.Desta forma o meio ambientelaboral está a merecer as ade-quações no ambiente de traba-lho de forma a resguardar a in-tegridade física e emocionaldos trabalhadores dessa ativi-dade, motivo pelo qual a sen-tença deverá ser ratificada nes-se aspecto.Diante do exposto, não mere-cem acolhida as insurgências darecorrente no presente aspec-to, sendo sua a total responsa-bilidade pelo adequado e segu-ro meio ambiente de trabalhodos empregados das casaslotéricas, inexistindo razão parase falar em violação a dispositi-vo constitucional ou legal, peloque deve ser mantida a decisãodo juízo de primeiro grau.Portanto, nego provimento aorecurso ordinário” (fls. 891v/893v).

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

A recorrente indica arestos parao confronto de teses e aponta vio-lação aos arts. 5º, inc. II; 170, capute inc. II, da Constituição da Repú-blica, 2º, inc. IV da Lei nº 8.987/96e 1º do Decreto-Lei 204/67.

Os paradigmas colacionados afls. 911/916 atendem aos critériosda Súmula 337 desta Corte e reve-lam-se especificamente divergen-tes, por consignarem entendimen-to no sentido de que as casaslotéricas não se classificam comoinstituição financeira, nem a estasão equiparáveis, mesmo para osefeitos do que dispõe a Lei 7.102/83 acerca de segurança bancária.

Ante o exposto, CONHEÇO doRecurso por divergência jurispru-dencial.

2. MÉRITO

2.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CAI-XA ECONÔMICA FEDERAL. COR-RESPONDENTES BANCÁRIOS.CASAS LOTÉRICAS. EQUIPARA-ÇÃO ÀS AGÊNCIAS BANCÁRIASPARA EFEITOS DE SEGURANÇA.LEI 7.102/83. VIGILÂNCIA ARMA-DA.

O Tribunal Regional admitiu apossibilidade de equiparação entreos empregados de casas lotéricascom os da Caixa Econômica Fede-ral e exigiu que as casas lotéricasimplantem sistema de segurançatal como se exige das agências ban-cárias – pessoas jurídicas distintas.Não obstante, reconhece que as si-tuações não se confundem, conso-ante se depreende do seguinte tre-cho extraído da fundamentação doacórdão que proferiu:

“Dessarte, mesmo sabendo quea Caixa Econômica Federal nãomantém contrato de trabalhodiretamente com os emprega-dos das casas lotéricas, tendo,inclusive, reconhecimento pací-fico do C. TST de que os funcio-nários das referidas permis-sionárias não podem ser equi-parados aos bancários, é inegá-vel a responsabilidade da em-presa pública federal pelo meioambiente de trabalho a que osobreiros das lotéricas estão sub-metidos” (fls. 892v).

Assim, o Tribunal Regional afas-tou-se da seara eminentemente tra-balhista, para examinar a matériamediante interpretação das nor-mas regentes da relação de natu-reza meramente civil mantida en-tre a Caixa Econômica Federal e ascasas lotéricas. E, ao fim, veio aequiparar estas últimas (as casaslotéricas) a instituições financeiras,para efeito do que dispõe a Lei7.120/1983, fazendo-o, apenas,mediante aplicação do disposto noart. 17 da Lei 4.595, de 31 de de-zembro de 1964.

No exame da questão, contudo,não se pode perder de vista a cir-cunstância de que, no âmbito doDireito do Trabalho, o enqua-dramento de cada empregador noquadro das categorias econômicasde que trata o art. 577 da CLT de-pende da atividade preponderan-temente exercida.

No que tange às casas lotéricas,sua atividade primordial efinalística é a comercialização deloterias federais e de produtosconveniados. O fato de realizarem,nos dias de hoje, algumas tarefas

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semelhantes às dos bancos (cobran-ça de água, luz e boletos, median-te comissão) não importa em reco-nhecer tais atividades como sendotipicamente bancárias, até mesmoporque os caixas de supermercadostambém recebem contas de águae luz, sem que isso os torneequiparáveis aos bancos ou a suasagências bancárias.

A atividade bancária é muitomais complexa, envolve depósi-tos, aplicações, financiamentos,poupança, seguros - uma gama deatividades voltadas essencialmen-te para o lucro, que, por seu volu-me e sofisticação, são insuscetíveisde comparação com as singelas ta-refas executadas pelas casaslotéricas e as agências postais, porexemplo.

A exploração das loterias fede-rais é um serviço público da União,que, por meio do Decreto-Lei 759,de 12/8/1969, foi delegado, comexclusividade, à Caixa EconômicaFederal.

Como parte do Programa deDesburocratização e com o objeti-vo de inserir no sistema financeiroas populações isoladas em locali-dades mais remotas do País, ondeo movimento de valores não é atra-tivo o suficiente para os bancosestenderem até lá os seus serviços,o Banco Central do Brasil editou aResolução nº 2.707/2000, cuja reda-ção é a seguinte:

.“RESOLUÇÃO Nº 2707 PRO-GRAMA NACIONAL DEDESBUROCRATIZAÇÃO

Decreto nº 83.740, de 18 de ju-lho de 1979.

Dispõe sobre a contratação decorrespondentes no País.O BANCO CENTRAL DO BRASIL,na forma do art. 9º da Lei nº4.595, de 31 de dezembro de1964, torna público que o CON-SELHO MONETÁRIO NACIO-NAL, em sessão realizada em30 de março de 2000, com basenos arts. 4º, incisos VI e VIII, 17 e18, parágrafo 1º, da referidaLei e 14 da Lei nº 4.728, de 14de julho de 1965, e tendo emvista o disposto no art. 3º, incisoV, da mencionada Lei nº 4.595,de 1964

RESOLVEU:Art. 1º Facultar aos bancos múl-tiplos com carteira comercial,aos bancos comerciais e à CaixaEconômica Federal acontratação de empresas parao desempenho das funções decorrespondente no País, comvistas à prestação dos seguin-tes serviços:

I-recepção e encaminhamentode propostas de abertura decontas de depósitos à vista, aprazo e de poupança;II - recebimentos e pagamentosrelativos a contas de depósitosà vista, a prazo e de poupança,bem como a aplicações e resga-tes em fundos de investimen-to;III - recebimentos e pagamen-tos decorrentes de convênios deprestação de serviços mantidospelo contratante na forma daregulamentação em vigor;IV- execução ativa ou passive deordens de pagamento emnome do contratante;V - recepção e encaminhamen-to de pedidos de empréstimose de financiamentos;

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

VI - análise de crédito e cadas-tro;VII - execução de cobrança detítulos;VIII - outros serviços de contro-le, inclusive processamento dedados, das operações pactua-das;IX - outras atividades, a critériodo Banco Central do Brasil”.

Portanto, ao contrário do queexpressa o acórdão recorrido, ascasas lotéricas, como evidencia anorma de criação do “correspon-dente bancário”, não exercemaquelas chamadas atividades priva-tivas de uma instituição financei-ra. Isto fica evidente no texto ex-presso do art. 5º da Resolução3.156/2003, também do Banco Cen-tral do Brasil:

Art. 5º As empresas contrata-das para a prestação de servi-ços de correspondente nos ter-mos desta resolução estão su-jeitas às penalidades previstasno art. 44, § 7º, da Lei 4.595, de96,caso venham a praticar, porsua própria conta e ordem, ope-rações privativas de instituiçãofinanceira.

Por outro lado, há que se ponde-rar que nem todas as casas lotéricasoferecem serviços de corresponden-te bancário. Essa é uma faculdadeque deve ser exercida com toda au-tonomia pelo dono da casa lotérica,o qual, ao formalizar o contrato,assume, em contrapartida, a obriga-ção de assegurar a seus empregadoscondições de executá-lo com efici-ência e segurança, para si e tambémpara os clientes, usuários do produ-to oferecido.

O Tribunal Regional assinalouque as casas lotéricas “devem serequiparadas às instituições finan-ceiras por força da lei e, conse-quentemente, deverá ser aplicadoos termos da Lei 7.102/83”. Comesse entendimento confunde ascasas lotéricas com os postos deatendimento. O equívoco é ma-nifesto; enquanto as casas lotéricassão empresas, com personalidadejurídica e responsabilidade própri-as, seja com o objeto da prestaçãodos serviços, seja com seus empre-gados, os postos de atendimentosão extensões das agências, opera-dos com os empregados da CaixaEconômica Federal, para aproximaro banco do público concentrado efacilitar o acesso aos serviços queoferecidos pelo banco.

Por óbvio que a mera celebra-ção de contrato das casas lotéricascom a Caixa Econômica Federal nãodesfigura a relação jurídica traba-lhista mantida entre os proprietá-rios dessas casas lotéricas e seusempregados, nem altera atitularidade do poder diretivo pa-tronal, com todas as consequênciasque lhe são inerentes, inclusive noque tange à obrigação de garantircondições mínimas de segurançano local de trabalho.

Nessa questão lembro os seguin-tes precedentes desta Corte:

“RECURSO DE REVISTA. AÇÃOCIVIL PÚBLICA. ESTADO DESERGIPE. CEF. CORRESPONDEN-TES BANCÁRIOS. RESPONSABI-LIDADE EXCLUSIVA DA CEF. Ocontrato de prestação de servi-ços firmado entre a CEF e osdonos de lotéricas não tem ocondão de atrair a responsabi-

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lidade exclusiva da CEF pelosdireitos e obrigações decorren-tes dos contratos de trabalhomantidos entre os empregadose os donos das casas lotéricas.Assim, a tentativa do Ministé-rio Público em buscar melhorescondições de trabalho para osempregados das casas lotéricas,atribuindo à CEF a responsabili-dade exclusiva pela implantaçãode tais medidas, à margem docontrato de trabalho que regu-la a relação entre empregadose empregadores, não se mos-tra capaz de viabilizar o pleito.Revista parcialmente conhecidae provida” (RR-103.200-21.2006.5.20.0005, 4ª Turma,Rel. Min. Maria de Assis Calsing,DEJT 13.05.2011).

“RECURSO DE REVISTA DASCHWARZ & VERWIEBE LOTE-RIAS, COMÉRCIO E REPRE-SENTAÇÕES LTDA. JULGA-MENTO EXTRA PETITA. Nãohá como se conhecer do recur-so de revista quando a parteaponta como violado artigo quenão trata da matéria em deba-te. Recurso de revista não co-nhecido. ENQUADRAMENTODE EMPREGADA DE CASALOTÉRICA COMO BANCÁRIA.IMPOSSIBILIDADE. Conside-rando que a atividade prepon-derante das casas lotéricas con-tinua sendo a comercializaçãode todas as loterias federais eprodutos conveniados, os seusempregados não se enquadramna categoria profissional dosbancários, não podendo se be-neficiar das normas coletivas edos consectários daí decorren-tes. Recurso de revista conheci-do e provido. RECURSO DE RE-VISTA DA CAIXA ECONÔMI-CA FEDERAL. RESPONSABILI-

DADE SUBSIDIÁRIA E EN-QUADRAMENTO COMO BAN-CÁRIA DE EMPREGADA DECASA LOTÉRICA. Em razão dadecisão proferida no recurso derevista da primeira reclamada,no sentido de julgar improce-dente a ação, mostra-se preju-dicada a análise das matériasconstantes no recurso de revis-ta da Caixa Econômica Federal- CEF. Recurso de revista nãoconhecido” (RR - 142400-08.2007.5.12.0010, Rel. Min.Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Tur-ma, DEJT 19/03/2010).

“RECURSO DE REVISTA DA LO-TÉRICA ROVER E REPRESENTA-ÇÕES LTDA. E DA CAIXA ECO-NÔMICA FEDERAL. ANÁLISECONJUNTA. JULGAMENTO EX-TRA PETITA. Os artigos indica-dos pelas reclamadas não im-pulsionam a questão do julga-mento extra petita, pois tratamde matéria diversa. Recurso derevista não conhecido. CORRES-PONDENTES BANCÁRIOS. EM-PREGADOS DE CASAS LOTÉ-RI-CAS. ENQUADRAMENTO CO-MO BANCÁRIOS. IMPOSSIBILI-DADE. O enquadramento é de-terminado pela atividade pre-ponderantemente exercidapela empresa, à exceção da ca-tegoria profissional diferencia-da, consoante entendimentodominante tanto na jurispru-dência quanto na doutrina. Aexploração das loterias federaisé um serviço público da Uniãoque, por meio do Decreto-Lei759, de 12/08/69, foi delegado,com exclusividade, à Caixa Eco-nômica Federal. As casaslotéricas, na condição de corres-pondentes bancárias, exercem,apenas de forma acessória, osserviços bancários básicos de

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ACP. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS. CASAS LOTÉRICAS. VIGILÂNCIA ARMADA. INEXIGIBILIDADE.

uma agência, e não as ativida-des privativas de uma institui-ção financeira. Assim, conside-rando que a sua atividade pre-ponderante continua sendo acomercialização de todas as lo-terias federais e produtosconveniados, os seus emprega-dos que prestam serviços emcasas lotéricas não se enqua-dram na categoria profissionaldos bancários, não podendo sebeneficiar das normas coletivase dos consectários daí decorren-tes. Recurso de revista conheci-do e provido. RECURSO DE RE-VISTA DA CAIXA ECONÔMICAFEDERAL. Ante o provimentodo recurso de revista, pela im-procedência do pedido, prejudi-cado o exame do tema “respon-sabilidade subsidiária”. aduzidopela Caixa Econômica Federal –CEF (RR - 142500-60.2007.5.12.0010, Rel. Min.Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Tur-ma, DEJT 19/03/2010).

Ante todo o exposto, DOU PRO-VIMENTO ao Recurso de Revistapara julgar improcedente a AçãoCivil Pública.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros daQuinta Turma do Tribunal Superi-or do Trabalho, I - por maioria,vencido o Exmº. Sr. MinistroEmmanoel Pereira, conhecer doRecurso de Revista, por divergên-cia, exclusivamente com relação aotema “Ação Civil Pública. Estado deRondônia. Caixa Econômica Fede-ral. Correspondentes Bancários.Casas Lotéricas. Equiparação àsagências bancárias para Efeitos deSegurança. Lei Nº 7.102/83. Vigi-lância Armada” e, no mérito, dar-lhe provimento para julgar impro-cedente a Ação Civil Pública; II –por unanimidade, não conhecer doRecurso quanto aos demais temas.

Brasília, 18 de dezembro de2013.

Firmado por assinatura digital(Lei nº 11.419/2006)

João Batista Brito Pereira, Mi-nistro Relator.

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PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

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Normas Editoriais de Publicação

I - INFORMAÇÕES GERAIS

A Revista de Direito da ADVOCEF é uma publicação científicaperiódica da Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econô-mica Federal. Publica artigos originais referentes à atuação profis-sional do advogado, à pesquisa, ao ensino ou à reflexão críticasobre a produção de conhecimento na área do Direito.

Sua missão principal é contribuir para a formação profissionale acadêmica do advogado da Caixa e demais Operadores do Direi-to, bem como socializar o conhecimento técnico e científico produ-zido por aqueles que pesquisam e/ou atuam em todos os camposdo conhecimento jurídico.

II – LINHA EDITORIAL

Os textos remetidos para publicação devem ser preferencial-mente inéditos e abranger assuntos pertinentes ao Direito. Os tra-balhos serão avaliados por um Conselho Editorial, sem a identifica-ção dos autores e instituições (blind review system), o qual decidirápela publicação do material enviado com base em critérios científi-cos, interesse institucional ou técnico e, ainda, atualidade de seuconteúdo.

Eventual adequação do conteúdo ao formato eletrônico po-derá ser proposta, sem prejuízo da informação. Pequenas modi-ficações no texto poderão ser feitas pelo Conselho Editorial, masas modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Serápermitida a reprodução parcial dos artigos, desde que citada afonte.

Ao remeter o texto para publicação, o Autor cede à ADVOCEFo direito de fazer uso do material enviado na Revista de Direito,no encarte “Juris Tantum” do Boletim Informativo Mensal e/ou emseu site na internet, a critério da associação.

A publicação em qualquer veículo de comunicação daADVOCEF não é remunerada e o conteúdo é de responsabilidadedo autor. Os originais, publicados ou não, não serão devolvidos.

III – TIPOS DE TEXTO

1. Artigos doutrinários – análise de temas e questões funda-mentadas teoricamente, levando ao questionamento de modos depensar e atuar existentes e a novas elaborações na área jurídica;

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2. Relatos de experiência profissional e estudos de caso – rela-tos de experiência profissional ou estudos de caso de interesse paraas diferentes áreas de atuação do advogado;

3. Comunicações – relatos breves de pesquisas ou trabalhosapresentados em reuniões científicas/eventos culturais;

IV - APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS

O texto, de até 30 laudas, deve ser enviado por e-mail àADVOCEF, no formato Word, redigido em fonte Times New Roman,tamanho 12, com espaçamento entre linhas de 1,5 cm e margensde 2 cm (eventualmente, o conselho editorial poderá aprovar tex-tos acima de 30 laudas, caso entenda ser de interesse da Revista apublicação na íntegra do material enviado).

O autor deve ainda enviar à ADVOCEF, por correio ou malote,devidamente preenchido e assinado, um termo de cessão de direitosautorais, elaborado a partir de formulário padrão disponibilizado em<http://www.advocef.org.br/_arquivos/40_1047_termocessao.doc>.

O arquivo do trabalho deve conter:

1. Folha de rosto com o nome do(s) autor(es) e: a) título emportuguês; b) nome de cada autor, seguido da afiliação institucionale titulação acadêmica; c) endereço eletrônico para envio de corres-pondência.

2. Resumo em português – com no máximo 150 palavras e acom-panhado de quatro palavras-chave. Palavras-chave são vocábulosrepresentativos do conteúdo do documento que devem ser sepa-rados entre si por ponto e finalizados também por ponto.

2.1 Sumário indicando as principais partes ou seções do artigo.

2.2 Resumo bilíngue – Título, resumo e palavras-chave devemser traduzidos para outro idioma, acompanhando os originais emportuguês.

3. Notas de rodapé – As notas não bibliográficas devem serreduzidas a um mínimo, ordenadas por algarismos arábicos e colo-cadas no rodapé da página, não podendo ser muito extensas.

4. As citações de autores devem ser feitas da seguinte forma:a) Por meio do último sobrenome do autor, com apenas a pri-

meira letra maiúscula, seguido, entre parênteses, do ano de publi-cação do trabalho e, para citações diretas, do número da página.

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Quando o sobrenome do autor vier entre parênteses, deve ser es-crito todo em letra maiúscula.

b) As obras e fontes citadas devem constar, obrigatoriamente,nas referências.

c) As citações diretas com mais de três linhas são consideradascitações longas e são transcritas em parágrafo distinto, começandoa 4 cm da margem esquerda, sem deslocamento da primeira linha.O texto é apresentado sem aspas e transcrito com espaçamento entrelinhas simples e fonte tamanho 10, devendo ser deixada uma linhaem branco entre a citação e os parágrafos anterior e posterior.

5. Referências – Deve-se utilizar a norma ABNT 6023. Exem-plos:

a) Livros: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico.São Paulo: Max Limonad, 2001.

b) Capítulo de livro: Autor(es) (ponto). Título do capítulo (pon-to). In: referência completa do livro seguida pela paginação iniciale final do capítulo (p. XX-XX) ou pelo número dele (cap. X).

Exemplo: VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de incons-titucionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras comple-mentares de Direito Constitucional: controle de constitucio-nalidade. Bahia: JusPodivm, 2007. cap. 7.

c) Artigo em periódico científico: Autor (ponto). Título do arti-go (ponto). Nome da revista ou periódico em negrito (vírgula),local de publicação (vírgula), volume e/ou ano (vírgula), fascículoou número (vírgula), paginação inicial e final (vírgula), data ouintervalo de publicação (ponto).

Exemplo: DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Os povosindígenas brasileiros e os direitos de propriedade intelectual. Hiléia:Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus, v. 1, n. 1, p.85-120, ago./dez. 2003

d) Documentos consultados na internet: além dos elementosindicados em a, b e c, deve-se informar o endereço eletrônico com-pleto inserido dentro de < > (que remeta diretamente à fonte con-sultada, e não apenas à página inicial do site) e precedido de "Dis-ponível em:". Informa-se também a data de acesso, precedida daexpressão "Acesso em:" (o horário de acesso é opcional).

Exemplo: STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo AndradeCattoni; LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. A nova perspec-tiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso:mutação constitucional e limites da legitimidade da Jurisdição Cons-titucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1498, ago. 2007.Não paginado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10253>. Acesso em: 6 nov. 2007.

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V - ANÁLISE DOS TRABALHOS

A análise dos trabalhos recebidos para publicação respeitará oseguinte fluxo:

1. Análise pelos membros do Conselho Editorial;2. Resposta ao autor, informando se o texto foi aceito (com ou

sem ressalvas) ou não;3. Remessa para a composição e diagramação;4. Publicação.

VI - ENDEREÇO PARA REMESSA DOS TRABALHOS

Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Fe-deral – ADVOCEF

Brasília/DF:SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 510 e 511Ed. João Carlos Saad - Fone (61) 3224-3020

E-mail: [email protected]

**O envio eletrônico do documento pelo e-mail pessoal doautor substitui a assinatura física da carta de encaminhamento.