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Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
UMA ABORDAGEM RETÓRICA NO GÊNERO TEXTUAL ARTIGO DE
OPINIÃO
José Nildo Barbosa de Melo Junior
Mestre em Linguística, Universidade Federal de Alagoas,
Maceió, AL, Brasil. Professor de Língua Portuguesa do
Instituto Federal de Alagoas, Viçosa, AL, Brasil.
Eduardo Pantaleão de Morais
Doutor em Letras, Universidade Estadual de Maringá,
Maringá, Paraná, Brasil. Professor de Linguística e Língua
Portuguesa, Universidade Estadual de Alagoas, São
Miguel dos Campos, AL, Brasil.
Antonio Cesar da Silva
Mestre em Letras, Universidade Federal de Alagoas,
Maceió, AL, Brasil. Professor de Língua Portuguesa e
Língua Latina, Universidade Estadual de Alagoas, São
Miguel dos Campos, AL, Brasil.
RESUMO: Este estudo centra-se na análise de especificidades retóricas no gênero artigo
de opinião, especificamente quanto à organização do sistema retórico. Objetiva mostrar
que estratégias de persuasão faz o articulista assumir a imagem de um ethos, para
despertar os sentimentos e as emoções do leitor (pathos), por meio da exposição dos seus
argumentos (logos). Optou-se pela metodologia de Flick (2009), de natureza qualitativa,
embora tenham sido utilizados números para a seleção do corpus. A arquitetura teórica
está embasada na Linguística Textual, com os fundamentos de Costa (2009), Marcuschi
(2008, 2011), Köche, Boff e Marinello (2014) e de estudiosos do Jornalismo, no que diz
respeito à definição do gênero artigo opinativo, bem como fundamenta-se na Retórica
Moderna, com as acepções de Aristóteles (2005), Meyer (2007), Perelman (1997),
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004), Santos (2011), entre outros. A
relevância da temática dá-se por contemplar a argumentação retórica num gênero que
circula no domínio discursivo da comunicação.
PALAVRAS-CHAVE: Artigo de opinião. Argumentos. Retórica Moderna. Sistema
retórico.
ABSTRACT: This study focuses on the analysis of rhetorical specificities in the opinion
article genre, specifically regarding the organization of the rhetorical system. It aims to
show which strategies of persuasion makes the writer take on the image of an ethos, to
awaken the reader's feelings and emotions (pathos), by exposing his arguments (logos).
We opted for Flick's (2009) methodology, of a qualitative nature, although numbers were
used to select the corpus. Theoretical architecture is based on Textual Linguistics, with
the foundations of Costa (2009), Marcuschi (2008, 2011), Köche, Boff and Marinello
(2014) and of Journalism scholars, with regard to the definition of the opinion article
genre, as well as based on Modern Rhetoric, with the meanings of Aristotle (2005), Meyer
(2007), Perelman (1997), Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004), Santos
(2011), among others. The relevance of the theme comes from contemplating rhetorical
arguments in a genre that circulates in the discursive domain of communication.
KEYWORDS: Opinion article. Arguments. Modern Rhetoric. Rhetorical system.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este artigo visa analisar aspectos argumentativos, numa abordagem retórica, mostrando
como os retores podem construir sua argumentação no gênero midiático artigo opinativo, em
circulação na internet e na forma impressa, tornando possíveis a identificação e a interpretação
de elementos retóricos, utilizados pelo articulista (retor1), com a finalidade de estabelecer um
diálogo persuasivo com os seus leitores.
Embora a argumentação seja inerente à língua(gem), o retor precisa desenvolver
habilidades e estratégias retóricas para persuadir o auditório social2. Assim, o ato de persuadir
dá-se por intermédio de caracteres argumentativos (premissas, técnicas, figuras), possibilitando
a formulação de um discurso que porte esses mecanismos linguísticos, a fim de influenciar de
maneira significativa no caráter argumentativo do retor, pois a argumentação retórica depende
do auditório social a quem o orador se dirige, o que implica estar bem preparado retoricamente.
A esse respeito, Perelman (1997, p. 70) salienta:
Para que a argumentação retórica possa desenvolver-se, é preciso que o orador dê
valor à adesão alheia e que aquele que fala tenha a atenção daqueles a quem se dirige:
é preciso que aquele que desenvolve sua tese e aquele a quem quer conquistar já
formem uma comunidade, e isso pelo próprio fato do compromisso das mentes em
interessar-se pelo mesmo problema.
Para o uso dos argumentos e para a interação com o auditório, a fim de conquistá-lo, é
preciso que o orador saiba a medida como será ouvido, uma vez que não basta convencer; é
fundamental persuadir. Dessa forma, a fim de alcançar o outro, é preciso argumentar; essa arte
se concretiza pela união dos dois atos (convencer e persuadir) no diálogo entre os interlocutores.
Meyer (2008, p. 3) discorre sobre a existência de duas teses quanto à noção de diálogo em textos
argumentativos:
Por um lado, argumentar não consistirá apenas em justificar uma tese, mas também
em considerar a(s) tese(s) contrária(s), o que será feito de múltiplas maneiras, que será
preciso saber dominar: evocação, citação, refutação ou concessão; por outro lado,
pode ocorrer que uma das duas teses esteja implícita, ou por não ter sido evocada no
enunciado, ou porque a situação de comunicação a oculte [...].
1 O termo retor será utilizado para referenciar o articulista, e o termo auditório, para indicar os leitores que acessam
o artigo de opinião veiculado na web e na forma impressa. 2 Em Retórica, refere-se ao (s) (grupo de) sujeitos sociais a que o discurso se dirige.
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Reboul (2004, p. XV) cita a distinção entre persuadir e convencer para assinalar a
semântica desses dois termos. Persuadir “é levar alguém a crer em alguma coisa” e convencer
“consiste não em fazer crer, mas em fazer compreender”. Conforme Abreu (2004, p. 25),
persuadir “é saber gerenciar relação, é falar à emoção do outro”; por sua vez, “convencer é
construir algo no campo das ideias” (ABREU, 2004, p. 25). Assim, a persuasão se dá no plano
das emoções; o convencimento se concretiza no plano das ideias, da razão, por isso não atinge
o interlocutor em sua totalidade. Por vezes, é possível convencer as pessoas; não sendo fácil
persuadi-las.
No âmbito da argumentação, as definições mencionadas anteriormente estão
intrinsecamente ligadas à tríade aristotélica: ethos/pathos/logos. No estabelecimento das
relações retóricas, a imagem que se projeta do retor (ethos), as paixões e os sentimentos
despertados no auditório (pathos) e a linguagem (logos) são igualmente fundamentais3. Nas
dimensões constitutivas da relação retórica e com vistas à argumentação, o retor e o auditório
social negociam sua distância, suas concepções distintas, seus questionamentos, por meio de
uma linguagem persuasiva ou discurso persuasivo na prática comunicativa.
Nesse sentido, de acordo com Meyer (2007, p. 26): “[...] A retórica é a análise dos
questionamentos que são feitos na comunicação interpessoal e que a suscitam ou nela se
encontram”. A Retórica é a arte de persuadir pelo discurso4, por meio de argumentos
negociáveis em contexto interativo, e está presente em qualquer texto, oral ou escrito, que tem
por finalidade persuadir.
Para a execução deste estudo, partiu-se da elaboração de alguns questionamentos, que
assim se resumem: De que maneira o gênero artigo de opinião segue a linha retórica quanto a
sua organização estrutural? Como se apresenta o sistema retórico no gênero textual artigo
opinativo? As respostas a essas perguntas constituem o grande foco desta análise, que tomou
como corpus o citado gênero, em jornal de circulação local.
3Para Meyer (2007, p. 25), “[...] o ethos, o pathos e o logos devem ser postos em pé de igualdade, se não quisermos
cair em uma concepção que exclua as dimensões constitutivas da relação retórica. O orador, o auditório e a
linguagem são igualmente essenciais”. Notadamente, nesse jogo argumentativo, o ethos, o pathos e o logos
exercem o mesmo grau de importância, destacando-se, de forma diferenciada, em cada momento discursivo. 4 A Retórica apropria-se do discurso persuasivo ou do que o discurso tem de persuasivo. Neste estudo, discurso
consiste em toda produção verbal, escrita ou oral, que se constitui por frases, períodos, parágrafos ou textos e
apresenta sentido (REBOUL, 2004)
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O SISTEMA RETÓRICO
Após fundamentos e definições, criadas por adeptos da Retórica, os quais serviram de
base para endossar os primeiros trabalhos nessa perspectiva, os estudos retóricos foram
reabilitados e reconfigurados por Aristóteles numa visão sistemática no mundo, onde a Retórica
ocupa seu lugar, de forma delimitada e direcionada. Esse direcionamento contempla elementos,
conjugados num sistema e integrados por Aristóteles à Retórica.
Cano (2000) referencia os principais retóricos responsáveis por essa sistematização,
seguidos de suas obras: Aristóteles (384-322 a. C.): Arte Poética, Arte Retórica; Cícero (106-
43 a. C.): De Inventione, De Oratore, De Optimo Genere, Oratorum, Partitiones oratoriae,
Orador, Topica; Quintiliano (35-aproximadamente 100 d. C.): Institutio Oratoria.
Os cânones da Retórica (ou sistema retórico) ratificam a força argumentativa do texto
(escrito ou oral) e determinam a carga persuasiva do discurso, que pode conduzir o
articulista/retor a persuadir seu auditório social. Nesse sentido, foi analisado o gênero artigo de
opinião, à luz dos estudos retóricos, no que diz respeito a especificidades nele encontradas.
Aristóteles, Cícero e Quintiliano comungam as bases teóricas fundamentais para a
sistematização dos cânones da retórica, conforme mencionado anteriormente, e consideram que
o sistema retórico compõe-se de quatro partes: inventio, dispositio, elocutio e actio. Durante a
época de Cícero, a retórica além de abranger esses quatro ofícios, mencionados anteriormente,
era uma disciplina que se manifestava nas mais diversas esferas de comunicação do cotidiano.
Conforme Santos (2011, p. 34), “Não eram apenas os discursos, mas também os poemas, as
peças e quase todos os produtos linguísticos se encaixavam na arte criativa dos retóricos”.
As partes que compõem a retórica, cujos nomes são de origem latina, estão assim
dispostas: invenção (heurésis, em grego), disposição (taxis), elocução (lexis) e ação
(hypocrisis). A invenção consiste em compreender o assunto e reunir todos os argumentos que
possam servir para convencer o leitor; a disposição se dá pelo encadeamento dos argumentos,
ordená-los antes de proferi-los; esse cânone retórico se divide em quatro partes: exórdio (parte
que inicia o discurso), narração (exposição dos fatos recorrentes à causa), confirmação
(conjunto de provas, seguido por uma refutação, que destrói os argumentos adversários),
digressão (tem como função distrair o auditório, mas também apiedá-lo ou indigná-lo) e
peroração (o que se põe no fim do discurso); a elocução consiste em redigir o discurso o melhor
possível; e a ação, diz respeito ao ato de proferir efetivamente o discurso.
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Além dessas quatro partes da retórica, as quais se complementam entre si, no período
romano, foi acrescentada a memória, que consiste na memorização do discurso ou da mensagem
a ser transmitida. Todas essas partes constitutivas do sistema retórico são importantes, em se
tratando de envolvimento de um auditório por um retor/orador que pretende persuadir com seus
argumentos, materializados na linguagem, pois o não cumprimento de algum dos cânones
retóricos pode tornar o discurso infundado, vazio, desarticulado, desordenado, mal elaborado e
incompreensível.
INVENÇÃO
Para gerir um discurso, é necessário que o orador encontre os argumentos, saiba acerca
do que ele vai versar, determinando e especificando o tipo de discurso e o gênero que se adapta
ao assunto. Essa fase do discurso torna-se possível na relação retórica, estabelecida por
Aristóteles (2005), de três argumentos: ethos, pathos e logos. Os dois primeiros são de ordem
afetiva e o último é de ordem racional.
O ethos é o caráter assumido pelo retor/orador, com vistas à persuasão do auditório. Para
tanto, deve obter a confiança desse auditório, adequando-se ao contexto no qual estiver inserido.
O pathos diz respeito ao conjunto de emoções, paixões e sentimentos, despertados no auditório,
por meio dos argumentos do orador. Por fim, o logos diz respeito aos argumentos propriamente
ditos; é a linguagem, dotada de um caráter persuasivo ou argumentativo.
Em sua argumentação, o retor dispõe de dois tipos de provas: as extrarretóricas ou
extrínsecas (atekhnai), que se apresentam antes da invenção, sejam por confissões, leis,
testemunhas, gravações, contratos etc.; e as intrarretóricas ou intrínsecas (entekhnai), que se
estabelecem no próprio discurso do orador e que podem revelar autenticidade, dependendo do
seu método, talento pessoal e do seu modo de conduzir o discurso.
DISPOSIÇÃO
A disposição consiste em dispor os argumentos, colocá-los em ordem, encadeá-los antes
de proferi-los. Essa tarefa do discurso divide-se em quatro partes (plano-tipo mais clássico):
exórdio, narração, confirmação, digressão e peroração.
O exórdio constitui a parte que dá início ao discurso e tem uma função primordialmente
fática, com o intuito de tornar o auditório dócil, atento e benevolente. Diz-se dócil, no sentido
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de apreender e compreender o assunto tratado, daí a importância da clareza e brevidade; atento,
por os argumentos apresentados fixarem-se no auditório, surpreendendo-o. e benevolente,
quando o orador reconhece a habilidade de argumentar do adversário, frente à sua falta de
experiência. A respeito do exórdio, Santos (2011, p. 37) referencia:
Muitas vezes, não se usa o exórdio, indo o orador diretamente ao assunto do seu
interesse. De qualquer forma, deve-se estar atento à execução do exórdio por ser
duplamente importante: a) em discurso escrito, deve ser capaz de convidar o leitor à
sua leitura e b) em fala improvisada, deve o orador demonstrar toda arte para fazer-se
ouvir.
A narração nada mais é do que expor fatos conjugados a uma causa. Essa exposição,
que aparenta ser objetiva, é baseada nas necessidades da acusação e da defesa. A eficácia da
narração dá-se pela clareza (seleção lexical, encadeamento, articulação/organização das ideias),
brevidade (implica ser objetivo e conciso quanto aos fatos) e credibilidade (enunciação dos
fatos e das suas causas) dos argumentos.
A confirmação refere-se a um conjunto de provas, refutadas pelo orador, a fim de
destruir os argumentos adversários. Na confirmação, a ordem dos argumentos pode ser
observada, no que se refere à sua força ou intensidade do discurso.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) preconizam que a força dos argumentos sofrerá
variação, de acordo com os auditórios e o objetivo da argumentação. Ainda conforme os autores
(2005, p. 528):
A força dos argumentos depende, pois, largamente, de um contexto tradicional. Às
vezes o orador pode abordar todos os assuntos e valer-se de toda espécie de
argumentos; às vezes sua argumentação é limitada pelo hábito, pela lei, pelos métodos
e técnicas próprias da disciplina em cujo seio se desenvolve seu raciocínio. Esta
determina amiúde o nível da argumentação, o que pode ser considerado fora de
discussão, o que deve ser considerado irrelevante no debate.
Quanto à digressão, esta pode não apenas distrair o auditório, mas ainda apiedá-lo ou
indigná-lo. Já a peroração consiste na finalização do discurso. Esse momento pode se alongar
e se dividir em várias partes, como: a amplificação, que consiste em apresentar a realidade de
um delito, de maneira a castigar exemplarmente o culpado; a paixão que implica em despertar
seja piedade, seja indignação no auditório; e a recapitulação que consiste em expor um resumo
da argumentação, não havendo qualquer argumento (SANTOS, 2011).
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ELOCUÇÃO
Entende-se por elocução a verbalização das ideias ou a redação sistematizada do
discurso, seja na modalidade escrita ou oral. Esse discurso deve ser bem redigido/elaborado
pelo orador e adequado à situação, ao contexto no qual o auditório está inserido.
AÇÃO
A ação consiste em declamar ou proferir o discurso, a fim de alcançar o auditório social.
De acordo com Santos (2011), incluem-se, nessa categoria, os elementos suprassegmentais
(ritmo, pausa, entonação, timbre de voz) e a gestualidade; por intermédio da ação, os elementos
não verbais são operacionalizados e representados pelas categorias da cinésica e da proxêmica.
MEMÓRIA
Embora, para alguns estudiosos da Retórica, a memória não constitua parte do sistema,
pois é inerente ao discurso, um dom de que o retor dispõe, outros autores acrescentam-na como
o quinto cânone da retórica, por considerarem não apenas um dom, mas ainda uma técnica que
pode ser aprendida.
A memorização do discurso acontece facilmente, desde que o retor disponha de bom
estado físico. Há elementos que favorecem o ato de memorizar, tais como: “[...] a própria
estrutura do discurso, a sua coerência interna, o encadeamento lógico das partes e a euritmia de
suas frases” (SANTOS, 2011, p. 41).
O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO
Os gêneros textuais não são superestruturas canônicas e deterministas, modelos rígidos
ou estanques, mas são dotados de um caráter flexível, mesmo que condicionem os usuários da
língua a escolhas, na produção discursiva, as quais não podem ser totalmente livres nem
aleatórias, conforme preconizam dadas teorias linguísticas (MARCUSCHI, 2008, 2011). Isso
ocorre porque os gêneros possuem esse viés interativo, dinâmico, plástico, cognitivo, social,
tanto do ponto de vista do processamento quanto da construção enunciativa, quer na produção
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de sentidos e interação, quer nas várias instâncias da atividade humana organizada discursiva e
socialmente.
A partir desse raciocínio, gêneros de texto, neste estudo, remetem-se a “formas culturais
e cognitivas de ação social corporificadas de modo particular na linguagem [...]”
(MARCUSCHI, 2011, p. 18) e que devem ser vistas na relação com as práticas sociais,
atividades discursivas, interacionais, pragmáticas, linguísticas, literárias, entre outras.
Esses gêneros de texto materializam-se não apenas por mecanismos cotextuais presentes
no texto, mas ainda por valores, ideias e elementos contextuais. São os fatores linguísticos e
sociais, organizados por meio das sequências textuais, que tornam possível o tipo e os gêneros
textuais. Nessa perspectiva, está situado o artigo opinativo, gênero midiático, veiculado na
esfera jornalística, que versa sobre uma temática de cunho social, cultural, econômico, político
e outras questões socialmente relevantes aos leitores.
Dolz, Schneuwly (2004) figuram uma proposta de agrupamento de gêneros, elencando,
em seu quadro de proposições teóricas, os domínios sociais de comunicação, os aspectos
tipológicos e as capacidades de linguagem globais em relação aos gêneros textuais. Nessa
perspectiva, situa-se o artigo de opinião, cujo domínio essencial da comunicação encontra-se
na discussão de problemas sociais controversos. Quanto aos aspectos tipológicos, o gênero em
foco localiza-se na tipologia do argumentar, cuja capacidade de linguagem dominante objetiva
a sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição.
Nos mais diversos suportes textuais, seja em jornais, revistas, seja em periódicos, na TV
e no webjornalismo, trata-se de um texto opinativo de natureza dissertativo-argumentativa,
formando um corpo distinto na publicação e trazendo a interpretação do autor sobre um fato
noticiado ou tema variado, de cunho político, cultural, científico, religioso e social.
A partir de uma problemática e seguindo uma linha persuasiva e convincente, por meio
da linguagem, o articulista – jornalista ou pessoa que tem domínio sobre o tema – expõe seu
ponto de vista sobre o assunto da atualidade, utilizando técnicas argumentativas, defendendo,
exemplificando, comprovando, explicando e refutando ideias ou opiniões. Segundo Melo
(2003, p. 124), o artigo opinativo ou jornalístico
[...] se destina a analisar uma questão da atualidade, sugerindo ao público uma
determinada maneira de vê-la ou de julgá-la. É uma matéria através da qual o
articulista participa da vida da sua sociedade, denotando a sua condição de intelectual
compromissado com o presente.
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Independentemente da construção composicional ou das características redacionais, o
processo de elaboração do artigo opinativo passa por três momentos fundamentais: invenção,
disposição e elocução. Consoante Vivaldi (1999 apud MELO, 2003, p. 125-126):
Inventar significa tirar do mundo, da vida; do mundo dos fatos e das ideias. Implica
em buscar na atualidade a motivação suficiente para justificar o encontro com os
leitores. Não basta porém identificar uma ideia, um argumento; é preciso que o
articulista avalie sua capacidade de desenvolvê-lo. Dispor significa colocar as ideias
em ordem. Anotá-las, na medida em que surgem, ordená-las, quando vão crescendo.
A disposição é o equilíbrio entre a inspiração e a ordem. Nem arrastar-se pela
imaginação desenfreada, nem barrar o caminho da reflexão com critérios
excessivamente fechados. A elocução corresponde à expressão escrita das ideias já
planejadas. É o momento de dar forma definitiva ao pensamento. O que não significa
apenas escrever, mas pressupõe também rever, corrigir. E corrigindo, abreviar,
suprimir, substituir.
Embora o artigo seja constituído por três momentos fundamentais – invenção,
disposição e elocução – e o texto revele marcas de estilo do articulista, a estrutura
composicional desse gênero retórico-argumentativo, do jornalismo opinativo, segundo Costa
(2009), varia bastante, isto é, não apresenta uma estrutura canônica, tradicionalmente ensinada
na escola, embora muitos artigos jornalísticos a apresentam: tese inicial na introdução;
argumentação/discussão/refutação no desenvolvimento e conclusão. Todavia, sempre
desenvolve, de forma explícita ou implícita, uma opinião sobre o assunto tratado, a partir da
exposição das ideias e da argumentação construída, com vistas a concordar ou discordar de
algo.
O artigo opinativo traz diferentes visões de mundo, pontos de vista ou concepções
formuladas por alguém exterior ao jornal, colaboradores ou não, jornalistas ou não, autoridade
no assunto ou pessoa reconhecida na sociedade (KÖCHE; BOFF; MARINELLO, 2014). Por
meio de uma tipologia de linguagem argumentativa, o articulista deseja atingir um dado
público, pois é exatamente o ato de argumentar que move o artigo de opinião e prevalece nesse
gênero.
Para tanto, o articulista projeta o público (auditório) em sua linguagem, bem como
utiliza o tempo verbal presente do indicativo e os operadores argumentativos, para marcar suas
intenções no decurso do texto. Além disso, quanto ao aspecto estrutural do artigo de opinião,
tanto referente às três partes constitutivas do sistema retórico - invenção, disposição e elocução
– quanto no que diz respeito à organização textual básica do referido gênero, é possível verificar
que os elementos requisitados em seu processo de produção textual condizem exatamente com
as exigências do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), conforme a figura 1 a seguir:
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Figura1 – ENEM e o Sistema Retórico5
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)
Sob a perspectiva de caracterização e da estrutura retórica, o gênero artigo de opinião
estrutura-se a partir de uma situação-problema – por meio da contextualização do assunto a ser
abordado, baseando-se em afirmações gerais e/ou específicas –, da discussão – fundamentada
nos argumentos escolhidos pelo articulista para sustentar sua argumentação e seus
posicionamentos de concordância ou não com as provas e os fatos apresentados – e da solução-
avaliação dos fatos ou das ideias discutidas, na qual o retor (articulista) evidenciará uma
resposta ao problema posto, reafirmará a sua posição ou apreciará o tópico abordado ao longo
do artigo (KÖCHE; BOFF; MARINELLO, 2014).
ASPECTOS METODOLÓGICOS
A metodologia contemplada para a realização desta análise segue a linha qualitativa,
que privilegia o processamento de informações, a ênfase na descrição e interpretação dos dados,
flexibilidade e subjetividade nas análises. Na pesquisa qualitativa, o pesquisador torna-se parte
do ambiente de investigação, mantém contato direto com o objeto de estudo investigado, a
realidade é construída, dinâmica e contextualizada. A pesquisa de linha qualitativa. A respeito
da pesquisa nessa linha, Flick (2009, p. 23) salienta:
Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consistem na escolha adequada de
métodos e teorias convenientes; no reconhecimento e na análise de diferentes
5A figura 1 referencia que a prova de redação do ENEM retrata o modelo do sistema retórico.
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perspectivas; nas reflexões dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte
do processo de produção de conhecimento, e na variedade de abordagens e métodos.
Assim, esses aspectos essenciais caracterizam a pesquisa qualitativa por possibilitarem
ao pesquisador se apropriar de métodos e teorias que expliquem o fenômeno, observar as
perspectivas que servem de base para a análise do objeto teórico, refletir acerca de questões
levantadas, bem como da abordagem e do método explorados no desenvolvimento do seu
trabalho.
Flick (2009) enfatiza que o processo de pesquisa qualitativa abrange uma compreensão
específica da relação entre o que se aborda (tema) e como se procede ao estudo (método), o que
se explica por o pesquisador ter de escolher uma linha metodológica que permita o
entendimento dos elementos linguísticos presentes no objeto teórico, a exemplo deste estudo
cuja análise se centra no artigo de opinião, a fim de responder aos questionamentos levantados,
relativos a especificidades retóricas e à estrutura composicional do gênero em foco. Oliveira
(2002, p. 117) salienta:
As pesquisas que se utilizam da abordagem qualitativa possuem a facilidade de poder
descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou problema, analisar a
interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos
experimentados por grupos sociais, apresentar contribuições no processo de mudança,
criação ou formação de opiniões de determinado grupo e permitir, em maior grau de
profundidade, a interpretação das particularidades dos comportamentos ou atitudes
dos indivíduos.
Para a consecução do estudo, recorreu-se aos números na seleção do corpus, pois o
universo da pesquisa foi constituído por uma quantidade de jornais, nos quais o gênero artigo
de opinião foi coletado. Elencou-se um jornal de circulação local, o qual detém alto grau de
aceitabilidade. Do total dos jornais, foi retirada uma amostragem de artigos num total de 20%
para o estudo analítico. Durante dois meses, foram levantados 156 artigos de opinião, os quais
circulam durante toda a semana, com exceção das segundas-feiras. Considerando o percentual
da amostragem, dos 156 artigos de opinião foram selecionados 31 que correspondem a 20% do
total.
A partir da amostragem, foi retirado um artigo de opinião, aleatoriamente. Fez-se, a
seguir, a análise do gênero, tomando por base os estudos retóricos e definições de ordem textual,
observando elementos retóricos que marcam o artigo opinativo. A partir daí, foram estudados
os cânones da retórica, quais sejam: invenção, disposição, elocução, ação e memória.
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ANÁLISE RETÓRICA DO ARTIGO OPINATIVO “AS NOSSAS ESCOLHAS”
O artigo a seguir, produzido por Benedito Ramos e publicado no jornal Gazeta de
Alagoas, mostra a análise realizada com base nas considerações feitas ao longo deste estudo.
Quadro 1 – Exemplar do artigo de opinião, objeto de análise
As nossas escolhas
Temos a ideia de que o nosso destino é imutável, que de uma forma ou de outra teremos que passar
por determinadas circunstâncias. Mas a realidade é bem outra. Tudo parece ter causa e efeito. E se isto é aplicado
ao clima do mundo, imagine ao ser humano para quem não falta vilania.
O que somos hoje? Em que o século 21 nos transformou? O tempo nos fez mais intolerantes e cada
vez mais sectários. A violência urbana ganhou status de terrorismo. O avanço do tráfico de entorpecentes não
encontra barreiras. O Estado se tornou impotente para gerir a segurança do cidadão.
A constituição é um documento obsoleto rasgado a todo instante por quem deveria guardar. As leis
criadas são, muitas vezes, escudo, elmo e armadura para corruptos e corruptores. Com isso, a fé no trabalho honesto
se esvai. O jovem já não olha o futuro com o mesmo alcance da dignidade e da honra, na profissão que escolhe,
mas já anseia o propósito de alçar degraus mais fáceis, embora frágeis, construídos sobre areia movediça. Muitos
se espelham nos próprios pais, quando não são corrompidos por eles, que já são reféns do sistema.
O fato é que não sabemos para onde estamos indo. Caminhamos ao sabor dos acontecimentos e à
mercê do destino. Este destino que refutamos como falacioso no início do texto. Destino talvez como um sorteio
do dia de ser assaltado, ferido ou morto. A “morte morrida”, como diz o caboclo, é um prêmio.
A bem da verdade, com a banalização da violência, explosões de bancos, apreensão de toneladas de
drogas e corrupção alarmante, as imagens mostradas pela mídia, de agressões entre estudantes ou contra
professores e até de usuários de drogas perambulando feito espectros em ruas assoladas é como ficção. Ninguém
sequer deseja ver, quanto mais dar solução.
Não é difícil reescrever a história de um país, de um Estado ou município se fazemos boas escolhas.
É preciso que entendamos que as próprias escolhas dos governantes que escolhemos concorrem para o nosso
próprio destino. E mais ainda, o papel do próprio cidadão escolhido de não se deixar envolver, de não compactuar
com conchavavas, palavra conhecida popularmente como: “conchambrança”.
Coisa considerada naturalíssima em todas as esferas sociais. Porque temos a peja de nos
escandalizarmos com as más ações dos outros esquecendo nossos pequenos delitos quase inocentes, sob defesas
ferrenhas do velho adágio popular: “Quem não furta, nem herda, tem merda”.
Fonte: RAMOS, Benedito. As nossas escolhas. Gazeta de Alagoas, 28 de dezembro de 2012.
Para construir o texto, de caráter argumentativo, o retor projeta uma imagem (ethos) de
sujeito que vai de encontro a diversos fatores que subvertem valores e direitos sociais, utiliza-
se da invenção, buscando argumentos (logos) nos lugares da argumentação (topoi)6, a fim de
proferir seu discurso sobre o assunto tratado – as nossas escolhas – e persuadir seu auditório
social universal, por meio dos sentimentos de indignição, de arrependimento e vontade de
6Os lugares retóricos são definidos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 94) como “depósitos de
argumentos”. Há outros dois conceitos claros e possíveis: no primeiro, Santos (2011, p. 35) define: “Os lugares
(topoi) são argumentos prontos que o defensor pode colocar em determinado momento do seu discurso”; no
segundo, Cavalcanti (2011, p.67) esclarece: “Entendemos que os lugares retóricos são grandes estocagens de
argumentos acessados sempre que pretendem estabelecer um acordo com o auditório”. Esses lugares da
argumentação dividem-se em: lugar da quantidade, da qualidade, da ordem, da essência, da pessoa e do lugar, do
existente, segundo Abreu (2004) e Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005).
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mudar (pathos) que se pretende despertar nesse auditório, especificamente o público-leitor. Para
tanto, o articulista recorre a fatores de âmbito social, quais sejam: a banalização da violência, o
avanço do tráfico de entorpecentes, a impotência do Estado para gerir a segurança, a falta de
segurança, o desacato às leis constitucionais, as explosões de bancos e a corrupção alarmante.
No primeiro parágrafo, tem-se o exórdio, pois o retor inicia o discurso, afirmando que
as pessoas mantêm em sua memória a ideia de imutabilidade do destino. O articulista refuta a
ideia de que o destino humano é imutável, já que vivenciar determinados acontecimentos é
reflexo das práticas humanas, havendo causas e efeitos para as boas e más ações.
No segundo parágrafo, aparece a narração, por meio da qual o autor suscita uma
reflexão entre os leitores, a partir de duas perguntas retóricas e expõe os fatos resultantes da
vilania do ser humano: “O que somos hoje? Em que o século 21 nos transformou? O tempo nos
fez mais intolerantes e cada vez mais sectários. A violência urbana ganhou status de terrorismo.
O avanço do tráfico de entorpecentes não encontra barreiras. O Estado se tornou impotente para
gerir a segurança do cidadão”.
A argumentação do retor avança e apresenta a confirmação, quando contesta a ideia de
que as pessoas precisa passar por determinadas situações, pois, segundo ele, “tudo parece ter
causa e efeito no mundo”, devido à vilania e aos atos contrários à ética, moral, educação, ao
senso de responsabilidade e de humanidade das pessoas.
Esse canône retórico (a confirmação) aparece no terceiro, quarto e quinto parágrafos,
em que o retor estabelece uma crítica à inércia e à negligência quanto a sérios problemas sociais
e políticos, que precisam ser gerenciados pelo Estado. Nesse sentido, consolidar a ordem e
combater a banalização da violência, explosões de bancos, apreensão de toneladas de drogas e
corrupção alarmante, as agressões entre estudantes ou contra professores e de moradores de rua
usuários de drogas constitui responsabilidade dos governantes, e os cidadãos têm o dever de
exigir a efetivação de tais práticas.
Ao longo dos parágrafos 4, 5 e 6, o retor faz alusão ao título do texto e o justifica, quando
atinge a ideia central do texto de forma mais evidente, ao falar em esvaimento da fé, do não
olhar ao futuro com dignidade e honra e do não fazer escolhas coerentes que determinam um
destino falacioso. Nessa parte, o articulista constrói uma digressão, com o intuito de apiedar e
indignar o auditório (leitor), induzindo-o à mudança social e discursiva.
No sexto parágrafo, o retor finaliza o discurso (peroração) e reitera a importância da
mudança social e discursiva, ao enfatizar que “Não é difícil reescrever a história de um país, de
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um Estado ou município se fazemos boas escolhas, se o cidadão não se deixar envolver,
compactuar com conchavavas”, o que comumente acontece em todas as esferas sociais.
A elocução é representada no texto por estratégias linguísticas e cognitivas, utilizadas
pelo articulista para sistematizar o seu discurso. É um texto opinativo e midiático que circula
na esfera jornalística, no qual predomina uma linguagem objetiva, crítica, a partir da qual se
evidenciam questões sociais controversas e vão de encontro a uma sociedade mais sustentável
e justa.
Quanto à ação, é o próprio discurso do articulista que se efetiva por intermédio da
disposição dos argumentos; no discurso, o encadeamento da argumentação do orador efetiva-
se pela memória. Destacam-se algumas questões de ordem textual-discursiva (questões sociais
expressas nos atos de linguagem do retor), considerando que o texto redigido pelo articulista, e
do qual o leitor se apropria, pertence à modalidade escrita.
Como se pôde comprovar, os resultados apontam para a presença de elementos
persuasivos na estrutura do artigo de opinião. O quadro a seguir permite uma melhor
visualização dos referidos elementos.
Quadro 2 – Resumo da análise do artigo opinativo “As nossas escolhas”
Artigo opinativo – As nossas escolhas Partes constitutivas do
Sistema Retórico
O retor (articulista) recorre a fatores de âmbito social, para
justificar a situação-problema, quais sejam: a banalização da
violência, o avanço do tráfico de entorpecentes, a impotência
do Estado para gerir a segurança, a falta de segurança, o
desacato às leis constitucionais, as explosões de bancos e a
corrupção alarmante.
Invenção
Constituída pelos trechos seguintes, em que o discurso é
disposto em várias partes, delineando a discussão.
Disposição
No 1º parágrafo, o retor inicia o discurso, afirmando que as
pessoas mantêm em sua memória a ideia de imutabilidade do
destino. O articulista refuta a ideia de que o destino humano é
imutável, já que vivenciar determinados acontecimentos é
reflexo das práticas humanas, havendo causas e efeitos para as
boas e más ações.
Exórdio
No 2º parágrafo, o autor suscita uma reflexão entre os leitores,
a partir de duas perguntas retóricas e expõe os fatos resultantes
da vilania do ser humano: “O que somos hoje? Em que o
século 21 nos transformou? O tempo nos fez mais intolerantes
e cada vez mais sectários. A violência urbana ganhou status de
terrorismo. O avanço do tráfico de entorpecentes não encontra
Narração
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barreiras. O Estado se tornou impotente para gerir a segurança
do cidadão”.
O retor contesta a ideia de que as pessoas precisa passar por
determinadas situações, pois, segundo ele, “tudo parece ter
causa e efeito no mundo”, devido à vilania e aos atos
contrários à ética, moral, educação, ao senso de
responsabilidade e de humanidade das pessoas. A confirmação
aparece no 3º, 4º e 5º parágrafos, em que o retor estabelece
uma crítica à inércia e à negligência quanto a sérios problemas
sociais e políticos da narração, que precisam ser gerenciados
pelo Estado, por intermédio dos governantes.
Confirmação
Ao longo dos parágrafos 4, 5 e 6, o retor faz alusão ao título
do texto e o justifica, quando atinge a ideia central do texto de
forma mais evidente, ao falar em esvaimento da fé, do não
olhar ao futuro com dignidade e honra e do não fazer escolhas
coerentes que determinam um destino falacioso. Nessa parte,
o articulista constrói uma digressão, com o intuito de apiedar
e indignar o auditório (leitor), induzindo-o à mudança social e
discursiva.
Digressão
No 6º parágrafo, o retor finaliza o discurso e reitera a
importância da mudança social e discursiva, ao enfatizar que
“Não é difícil reescrever a história de um país, de um Estado
ou município se fazemos boas escolhas, se o cidadão não se
deixar envolver, compactuar com conchavavas”, o que
comumente acontece em todas as esferas sociais.
Peroração
Representada no texto por estratégias linguísticas e cognitivas,
utilizadas pelo articulista para sistematizar o seu discurso. É
um texto opinativo e midiático que circula na esfera
jornalística, no qual predomina uma linguagem objetiva,
crítica, a partir da qual se evidenciam questões sociais
controversas e vão de encontro a uma sociedade mais
sustentável e justa.
Elocução
O próprio discurso do articulista que se efetiva por intermédio
da disposição dos argumentos. No discurso, o encadeamento
da argumentação do orador efetiva-se pela memória.
Destacam-se questões sociais expressas nos atos de linguagem
do retor.
Ação e Memória
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)
A elocução é representada no texto por estratégias linguísticas e cognitivas, utilizadas
pelo articulista para sistematizar o seu discurso. É um texto opinativo e midiático que circula
na esfera jornalística, no qual predomina uma linguagem objetiva, crítica, a partir da qual se
evidenciam questões sociais controversas e vão de encontro a uma sociedade mais sustentável
e justa.
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Assim, verificou-se que o sistema retórico, por meio dos cânones, configura-se no artigo
de opinião e funciona como elemento retórico-argumentativo no referido gênero textual, o que
contribui para que o auditório social seja persuadido pelos argumentos do articulista/retor, com
o intuito de o leitor aderir ao seu ponto de vista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se que é possível a presença de elementos retóricos no artigo de opinião, os
quais contribuem significativamente para a construção do caráter persuasivo da linguagem no
referido gênero textual deste estudo. Desse modo, o artigo opinativo segue a linha retórica
quanto à sua organização estrutural. O domínio dessa organização retórica implica
dissertar/argumentar com objetividade e clareza.
Associar os estudos textuais aos estudos retóricos não é um fazer científico qualquer ou
construir ciência sem propósito, mas é mostrar que os gêneros, ao circularem por uma dada
esfera, assumem outras funções, além da acadêmica. Isso ressalta o quão fundamentais são as
reflexões teóricas e críticas nas Ciências Humanas, as quais endossam seu papel ante a
sociedade e o mundo.
Nesse tocante, há uma função social, quando as informações veiculadas, que tratam de
questões político-sociais, são levadas ao público-leitor, por meio do retor/articulista. Isso
implica dizer que o gênero midiático artigo de opinião caracteriza-se pela influência persuasiva,
gerada pelo uso de argumentos do retor, para convencer o público que, por sua vez, tende a
desenvolver a criticidade, o poder argumentativo e ampliar os conhecimentos de mundo do
leitor (linguísticos e contextuais).
Por fim, com relação aos aspectos estrutural e social, a análise apontou que o viés social
se caracteriza pelo uso das estratégias retóricas e dos argumentos do retor para persuadir o
público-leitor, buscando incongruências sociais que interferem diretamente nos direitos
socialmente adquiridos pelos cidadãos; o viés estrutural apresenta marcas de pessoalidade e
assinatura de alguém exterior ou não ao jornal, dentre suas características redacionais, além de
operadores argumentativos (conectores ou articuladores) – que orientam as intenções do retor,
mas não constituíram o foco deste estudo.
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