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www.tjmmg.jus.br - N. 32 - MARÇO DE 2012 | ISSN 1981-5425 ESTUDOS INFORMAÇÕES & Revista de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais A Justiça Militar estadual evolução e atualidade evolução e atualidade A Justiça Militar estadual

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www.tjmmg.jus.br - N. 32 - MARÇO DE 2012 | ISSN 1981-5425

ESTUDOSINFORMAÇÕES

&Revista de

J u s t i ç a M i l i t a r d o E s t a d o d e M i n a s G e r a i s

A Justiça Militar estadual

evolução e atualidadeevolução e atualidade

A Justiça Militar estadual

S U M Á R I O

Entrevista: presidente do TJMMG Juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino..................................................... 4

Capa: A Justiça Militar estadual: evolução e atualidade......................... 7

O dever de obedecer ao Direito no pensamento de Hans KelsenFernando José Armando Ribeiro................................................................11

Organização do Poder Judiciário Militar e a análise do mérito do ato administrativo e do ato administrativo disciplinar Paulo Tadeu Rodrigues Rosa..................................................................... 21

O devido processo legal no Processo Disciplinar MilitarMário Lúcio Quintão Soares....................................................................... 28

Homenagem póstuma à Súmula n. 297 do Supremo Tribunal FederalCícero Robson Coimbra Neves................................................................ 32

Legitimidade para promoção do processo originário do Conselho deJustificação perante o Tribunal competenteJorge Cesar de Assis............................................................................... 37

Normas de submissão à REI................................................................. 40

Notícias................................................................................................. 42

Em destaque........................................................................................ 45

Os artigos assinados não refletem, necessariamente, aopinião dos integrantes do Tribunal de Justiça Militar deMinas Gerais, sendo todo o seu conteúdo de responsa-bilidade de seus autores.

Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais

Rua Aimorés, 698 - FuncionáriosBelo Horizonte - MGFone: (31) 3274-1566www.tjmmg.jus.br

PresidenteJuiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino

Vice-presidenteJuiz Fernando José Armando Ribeiro

CorregedorJuiz Cel PM James Ferreira Santos

Juiz Cel PM Rúbio Paulino CoelhoJuiz Jadir SilvaJuiz Cel PM Sócrates Edgard dos AnjosJuiz Fernando Antônio Nogueira Galvão da Rocha

Auditorias da Justiça MilitarJuiz Paulo Tadeu Rodrigues Rosa - Diretor do ForoMilitarJuíza Daniela de Freitas Marques Juiz Marcelo Adriano Menacho dos AnjosJuiz André de Mourão MottaJuiz Paulo Eduardo Andrade ReisJuiz João Libério da Cunha

Revista de Estudos & InformaçõesRealizaçãoAssessoria de Comunicação Institucional do TJMMG

Coordenação GeralRosangela Chaves Molina

Cartas à redaçãoEnviar para: [email protected]

ColaboraçãoGrécia Régia de CarvalhoVaneide Cristina da Cruz

GÍRIA DESIGN E COMUNICAÇÃOJornalista responsávelGeraldo Lucciani - JP 12042/MG

Edição gráfica, diagramação e arte-finalizaçãoCarolina Lentz

Revisão ortográficaGuilherme Lentz S. Monteiro

Rua Montes Claros, 1010 - AnchietaBelo Horizonte - Minas GeraisTelefax: 31. [email protected]

Tiragem4 mil exemplares

Para além de permitir capilarizar informações da Justiça Militar em um sentido bem

amplo, a Revista de Estudos & Informações (REI) da Justiça Militar do Estado de Minas

Gerais (JMMG) é um espaço aberto à exposição de ideias no campo jurídico, favorecendo agre-

gar qualidade ao conhecimento dos temas recorrentes nesta Justiça Especializada.

Por isso, a apresentação de estudos é, de forma democrática e plural, acessível a do-

centes da área jurídica e afins, legisladores, militares ou civis, magistrados e a todos os opera-

dores do Direito. Não há um quadro permanente de articulistas, de modo que novas e - assim

desejamos - inovadoras contribuições são hodiernamente acolhidas, contrapondo-se, às vezes,

a determinados apontamentos de artigos apresentados em outras edições. Destarte, a produção

voluntária dessa diversidade de estudiosos contribui para o diálogo proveitoso que a revista

favorece, o que é sempre bem-vindo.

Como o viés de informar a todos sobre a administração da Justiça Militar de Minas

Gerais, compromissada com a sociedade e com os jurisdicionados, a revista, neste número,

apresenta o que se projeta para o biênio 2012/2013.

Nesse sentido, resgato parte do editorial da edição n. 28 da Revista de Estudos & In-

formações, de agosto de 2010, para perseverar na visão institucional, que norteia o Planeja-

mento Estratégico e deve ser incorporada não apenas pelo Presidente, mas por todos os

magistrados, gestores e servidores:

Com essa visão, busca-se, continuamente, realizar uma

justiça célere, independente e eficaz, contribuindo para a

manutenção do estado democrático de direito e para a pro-

moção social.

Boa leitura!

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DIÁLOGO E VISÃO ESTRATÉGICA

Cel BM Osmar Duarte MarcelinoPresidente do TJMMG

Ser reconhecida pela sociedade mineira como uma instituição

essencial de prestação jurisdicional especializada militar, célere e

eficaz, com magistrados e servidores comprometidos e motivados.

4 Revista de Estudos & Informações | www.tjmmg.jus.br

Natural de Passos, Minas Gerais, o novo presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais,

juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino, tem uma vida de trabalho e estudos destinada à carreira militar. Dos

seus 57 anos de idade, quase 30 são dedicados à Corporação Militar. O seu interesse pela carreira, porém,

começou muito antes, quando ele cursava a 5ª série do Colégio Tiradentes, na cidade onde nasceu.

O filho do Sr. Arnaldo e da Dona Guiomar, além das formações da carreira militar, é bacharel em Direito, pela

Faculdade de Franca. Durante sua vida profissional, acumulou muitas condecorações. Dentre tantas, recebeu

a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, Mérito Especial, ALEMG; a Medalha Santos Dumont, Grau Ouro; a

Grande Medalha da Inconfidência, Grau Ouro; e, ainda, os títulos de Cidadão Honorário de Uberaba, Belo Hori-

zonte e São Lourenço. Em entrevista à Revista de Estudos & Informações (REI) ele falou um pouco sobre sua

carreira e de seus projetos como presidente do TJMMG.

E N T R E V I S TA | PRESIDENTE DO TJMMG – JUIZ CEL BM OSMAR DUARTE MARCELINO

Uma vida dedicada à carreira militar

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Como surgiu o interesse pela carreira militar?Meu primeiro contato com a Polícia Militar ocor-

reu com a minha aprovação no então Concurso deAdmissão para a 5ª série do Colégio Tiradentes emPassos/MG. Naquela época, o uniforme dos alunosdo Colégio era semelhante à farda utilizada pelos poli-ciais militares e eu me orgulhava muito de usá-lo.

Quando concluí o segundo grau, hoje, ensinomédio, tomei conhecimento de que as inscrições parao concurso ao Curso de Formação de Oficiais da Polí-cia Militar estavam abertas e resolvi me inscrever. Fuiaprovado e me formei Aspirante-a-Oficial em 1978.

Como o senhor vê a Segurança Pública no Estado?Vejo com muito otimismo. Nunca se investiu

tanto em Segurança Pública, no Estado de MinasGerais, como nos últimos anos. Desde o Governo doDr. Aécio Neves, houve investimentos maciços na am-pliação dos efetivos das corporações, civis e militares,na aquisição de viaturas e equipamentos, na cons-trução de penitenciárias e na valorização dos profis-sionais que atuam no sistema.

Outro fator de extrema importância foi a mu-dança de filosofia até então vigente. Extinguiu-se aSecretaria de Estado de Segurança Pública, e se crioua Secretaria de Estado de Defesa Social, em que todosos esforços passaram a ser canalizados de forma in-tegrada para a prevenção e o combate à criminali-dade no Estado. Hoje, a integração das instituiçõesque compõem o sistema de defesa social é um impe-rativo. Observamos que, desde a implantação dessanova sistemática de defesa social, o Estado de MinasGerais tem sido modelo para outros estados, o quenos dá a certeza de que Minas está no caminho certo.

Como foi sua carreira até chegar a juiz do TJMMG?Em 1983, ainda tenente, fiz o Curso de Especiali-

zação de Bombeiros para Oficiais e ao concluí-lo per-maneci na Academia de Polícia Militar, atuando comodocente até 1987. Nos anos seguintes, até 1987, atueino Corpo de Bombeiros. Em 1989, fui aprovado nocurso de piloto de helicópteros, passando a servir naUnidade de Policiamento Aéreo. Em 1997, quandoconclui o Curso Superior de Polícia, já como tenente-coronel, retornei ao Corpo de Bombeiros e fui trans-

ferido para o comando intermediário da Instituição,onde servi como chefe do Estado-Maior e, emseguida, como comandante do 2º Batalhão de Bom-beiros. Com a emancipação do Corpo de Bombeirosem 1999, permaneci na Corporação, exercendo ini-cialmente a função de subcomandante-geral e chefedo Estado-Maior. Após dois anos, fui nomeado co-mandante-geral, pelo então governador Itamar Fran-co, e convidado a permanecer no comando da Cor-poração pelo governador Aécio Neves que, em 22 desetembro de 2005, nomeou-me juiz deste Tribunal deJustiça Militar.

Observa-se, também, que a Justiça Militar mi-neira destaca-se no país. Por quê?

Eu diria que Minas Gerais, São Paulo e o RioGrande do Sul são os estados que se destacam noBrasil. Como sabemos, todos os 26 estados da Fede-ração e o Distrito Federal possuem Justiça Militar es-tadual. Entretanto, só os três citados possuem o seupróprio Tribunal de Justiça Militar, e esse é o motivopelo qual se destacam em relação aos demais Esta-dos, pois os processos são julgados com muito maisceleridade, uma vez que, como somos uma Justiça Es-pecializada, temos um número de processos substan-cialmente menor que o existente nos demais Tribu-nais de Justiça estaduais. Como cediço, nos estadosonde não há Tribunal de Justiça Militar, cabe aos Tri-bunais de Justiça do estado a competência paraprocessar e julgar os processos originários de com-petência da Justiça Militar e os processos em segundograu de jurisdição.

Lado outro, o jurisdicionado é julgado por umescabinato, composto por juízes civis e militares, quevivenciaram a caserna e conhecem todas as dificul-dades e vicissitudes da vida militar, além de sua cul-tura, o que aumenta a possibilidade de se proferiruma decisão mais justa.

Na historia da JMe, quais foram suas principaisevoluções? Há fatores que precisam ser aprimo-rados?

Eu diria que as principais evoluções começarama ocorrer a partir de 2005, com a Emenda Constitu-cional n. 45 – EC/45 – , que ampliou a sua competên-cia, atribuindo também à Justiça Militar processar ejulgar as ações contra atos disciplinares militares, ecom a criação e a atuação do CNJ. Tivemos, nesse curtoespaço de tempo, uma evolução extraordinária. Algunsreflexos disso são a disponibilização, no site do Tribunal,do andamento processual das ações cíveis e criminaise do Diário Eletrônico do TJMMG; a implantação do sis-tema informatizado para que o próprio cidadão acesse

“Nunca se investiu tanto em segurançapública, no Estado de Minas Gerais,como nos últimos anos.”

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E N T R E V I S TA | PRESIDENTE DO TJMMG – CEL BM OSMAR DUARTE MARCELINO

sua certidão negativa de antecedentes criminais; aelaboração do planejamento estratégico, que se encon-tra em execução; a informatização da folha de paga-mento e a concentração dos órgãos da JMe em umúnico endereço a ser efetivada nesta gestão.

O que representa para o senhor ocupar o cargode presidente do TJMMG?

Representa a coroação de uma vida de trabalhoe estudos, que vão muito além dos sonhos que tivepara minha carreira, o que me torna uma pessoaprofissionalmente realizada. Representa, por outrolado, o fato de que minha responsabilidade, que já eramuito grande como juiz militar, aumenta considera-velmente, porque, além do compromisso com a so-ciedade, que é a destinatária de nossos serviços, tereique estar atento e atender aos interesses maioresdeste Tribunal, de seus juízes e servidores, o queprocurarei fazer com uma administração austera,proba e proativa.

Quais são seus planos para que a Justiça Militarmineira continue com as características de trans-parência e modernidade?

O Poder Judiciário brasileiro, até muito recente-mente, era sem dúvida o Poder da República maisfechado do país. Com as diretrizes emanadas peloConselho Nacional de Justiça (CNJ), essa situaçãocomeçou a mudar. A Justiça Militar mineira, nessesentido, apresenta uma administração absolutamentetransparente e, faz parte de meus planos, como juiz edirigente, contribuir efetivamente para a implemen-tação dessas diretrizes, fundamentando minhas açõesna transparência e na eficiência. Todos os dados refe-

rentes à produção dos juízes estão disponíveis no sitedo Tribunal, incluindo os processos distribuídos e jul-gados. Da mesma forma, disponibilizamos o orça-mento e os gastos, mês a mês, detalhando a folha depagamento, as despesas de custeio e investimento e,ainda, enumeramos todos os veículos oficiais da Insti-tuição. Todas as diligências realizadas, com paga-mento de diárias, são publicadas no Diário Eletrônicodo Tribunal, com nome dos juízes e servidores. Essavisibilidade, além de necessária, é muito salutar àJustiça Militar, uma vez que, sendo seus dados conhe-cidos por todos e pela sociedade, devemos atuar deforma mais eficiente e eficaz. Para isso, a moderniza-ção da Justiça Militar tornou-se uma premissa quenão mais nos permite um retrocesso.

Quais são os projetos do Tribunal a que o senhorpretende dar continuidade no seu mandato?

Todos. Felizmente, no Poder Judiciário brasileiro,acabou-se o tempo em que cada presidente eleito, aoassumir a direção de seu tribunal, estabelecia seusprojetos, dava início à execução e quase nunca osconcluía, pela escassez de tempo, visto que após doisanos se encerrava seu mandato. Então, vinha o novopresidente, com seus novos projetos, e a situação serepetia.

Hoje, trabalhamos com um planejamento es-tratégico, elaborado pelo staff do Tribunal, com a par-ticipação direta de um juiz e, posteriormente, aprovadopelo Pleno do Tribunal. Portanto, temos um norte aseguir, e, independentemente do presidente que as-sumir a direção do Tribunal, os projetos em andamentoe os que estão para ser executados são os mesmos pre-vistos e delineados no planejamento estratégico. Ouseja, deve haver uma sinergia contínua, cada gestãorealizando uma parte de um todo.

Quais são suas prioridades?Pretendo dar atenção especial a três metas, ado-

tando as seguintes providências:- reformar o novo prédio, que sediará o 1º e o 2º

Grau de Jurisdição da Justiça Militar mineira, para quenossa mudança possa ocorrer ainda este ano;

- investir na área de tecnologia da informação equalificar bem nossos recursos humanos para que, embreve, haja condições de implementação do processovirtual na JM;

- dispensar atenção especial aos nossos talentoshumanos, buscando melhorar o nosso ambiente de tra-balho e a harmonização das relações interpessoais. REI

“As principais evoluções começarama ocorrer a partir de 2005, com aEmenda Constitucional n. 45, que am-pliou a sua competência, atribuindotambém à Justiça Militar processar ejulgar as ações contra atos discipli-nares militares, e com a criação e aatuação do CNJ.”

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CAPA | JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL: EVOLUÇÃO E ATUALIDADE

A Justiça Militar estadual

Desde a sua constituição, a Justiça Militar estadual evoluiucom a sociedade e se apresenta sólida e célere

no desempenho de sua missão

Tribunal de Justiça Militar de São Paulo Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul

Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais e, no destaque, prédio onde funcionam as Auditorias Militares mineiras

CAPA | JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL: EVOLUÇÃO E ATUALIDADE

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A Justiça Militar no Brasil remonta-se aosidos da colonização Portuguesa no Brasil, com avinda da Família Real portuguesa para o nossopaís. No dia 1º de abril de 1808, por Alvará comforça de lei, foi criado o Conselho Supremo Mili-tar e de Justiça. Todavia, de acordo com o JuizCel PM Laurentino de Andrade Filocre, ex-presi-dente do Tribunal de Justiça Militar de MinasGerais, para se entenderem as origens da JustiçaMilitar estadual no Brasil, é preciso ir mais longena história. “A pesquisa das origens da Justiça Mi-litar, através dos séculos, conduz às remotasrazões da existência dos exércitos como elemen-tos prestantes às guerras, por causas múltiplas,substancialmente consequentes de certo deter-minismo da condição da criatura humana, no seuprimitivismo animal, que o impele à agressão”.Mergulha-se, portanto, na natureza humana parase compreender a razão das guerras e, conse-quentemente, dos exércitos, com base de susten-tação na hierarquia e na disciplina e com suporteem uma legislação própria aplicada por umórgão especial, ou seja, o Direito Militar e a Jus-tiça Militar.

Nos estados, a Justiça Militar foi criada pelaLei n. 192, de 17 de janeiro de 1936; portanto,antes do Estado Novo.

De acordo com o presidente do Tribunal deJustiça Militar do Rio Grande do Sul (TJMRS), juizJoão Vanderlan Rodrigues Vieira, “ao contrário doque se afirma eventualmente, a Justiça Militar nãotem sua origem ligada a regimes ditatoriais e,tampouco, vincula-se às polícias militares. Comoórgão do Poder Judiciário, sua história, no Brasile no mundo todo, tem relação com a manutençãodas instituições democráticas, uma vez que seupapel pode ser resumido na garantia da qualidadedos serviços de segurança que asseguram a pazsocial”, completa. Ele acrescenta que a Justiça Mi-litar mostra-se consentânea às tendências con-

temporâneas da evolução do Poder de Estado, ouseja, quando a complexidade aumenta, a soluçãoé a especialização. É composta, portanto, em 1ºgrau, na forma de escabinato, por oficiais hierar-quicamente superiores aos acusados e por juízestogados. É assim que se torna possível um altograu de segurança jurídica, pois esta é resultadoda soma do saber jurídico do magistrado civil eda experiência da vida dos oficiais militares.

O presidente do TJMRS destaca que aEmenda Constitucional n. 45, de 2004, que tra-tou da reforma do Poder Judiciário brasileiro,ampliou, democraticamente, a competência daJustiça Militar dos estados, atribuindo-lhe oprocesso e o julgamento das ações cíveis contraatos disciplinares militares. “Quanto à estrutu-ração da Justiça Militar, é interessante lembrarque nos Estados brasileiros cujo efetivo militarseja superior a 20 mil integrantes, a Constituiçãopermite a existência de tribunais de justiça mili-tares. Atualmente, embora outros estados já apre-sentem essa condição, só no Rio Grande do Sul,Minas Gerais e São Paulo a Justiça Militar é estru-turada em duas instâncias: as auditorias (equiva-lentes às varas da Justiça Comum), constituídaspelos juízes de Direito do Juízo Militar e pelosConselhos de Justiça; e os Tribunais de JustiçaMilitar (recursais), compostos por juízes togadose juízes oficiais do último posto da carreira”. Eleacrescenta que, nos demais estados da Fede-ração, os eventuais recursos são julgados nos res-pectivos Tribunais de Justiça estaduais. No RioGrande do Sul e em São Paulo, há quatro Audi-torias militares, e, em Minas Gerais, três. “Todasas auditorias contam com pelo menos um pro-motor de Justiça e um defensor público, sendoque estes obedecem a estatuto próprio e têm atu-ação independente, em observância às prerroga-tivas e garantias constitucionais inerentes àcarreira”, diz.

A Justiça Militar mostra-se consentânea às tendências

contemporâneas da evolução do poder de estado, ou seja,

quando a complexidade aumenta, a solução é a especialização.

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FUNÇÃOA Justiça Militar dos Estados tem a função de pro-

cessar e julgar os militares dos estados, que são os in-tegrantes das polícias militares e dos corpos debombeiros militares, observada a competência esta-belecida no § 4º do artigo 125 da Constituição Fe-deral, que prevê competir à Justiça Militar estadualprocessar e julgar os militares dos estados, nos crimesmilitares definidos em lei e as ações judiciais contraatos disciplinares militares, ressalvada a competênciado júri quando a vítima não for militar, cabendo aoTribunal de Justiça ou ao Tribunal de Justiça Militar,conforme o caso, decidir sobre a perda do posto e dapatente dos oficiais e da graduação das praças.

EVOLUÇÃOO presidente do Tribunal de Justiça Militar de

São Paulo (TJMSP), Juiz Orlando Eduardo Geraldi, en-sina que a Justiça Militar, desde a sua instalação, pas-sou por diversas mudanças que muito contribuírampara a evolução da Instituição. “Entendo, particular-mente, que a ampliação da competência, promovidapela Emenda Constitucional n. 45, de forma tal a per-mitir que as ações contra atos disciplinares militaresfossem julgadas pela Justiça Militar estadual, foi umaimportante conquista, não apenas para esse ramo es-pecializado do Poder Judiciário, mas principalmentepara as instituições militares estaduais”, diz.

Destaca, ainda, que, antes da Emenda Constitu-cional n. 45, decisões judiciais divergentes sobre omesmo assunto, tomadas por magistrados da Justiçanão afeitos às peculiaridades vividas no seio de umainstituição militar, causavam algumas dificuldadespara a aplicação de sanções disciplinares, pois não seconseguia, em determinados casos, a formação de ju-risprudência. “Com o advento da Emenda Constitu-

cional n. 45, a familiaridade dos magistrados daJustiça Militar com a vida no quartel e com as especi-ficidades do Regulamento Disciplinar vem permitindoa construção de sólida jurisprudência no tocante àaplicação de sanções disciplinares, refletindo essasdecisões no fortalecimento dos dois pilares de susten-tação da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar:a disciplina e a hierarquia”, conta.

DESEMPENHOAs Justiças Militares desempenham um papel

fundamental na manutenção da hierarquia e disci-plina das Instituições militares, isso porque os proces-sos são julgados com maior celeridade, quandocomparados à Justiça Comum, o que favorece o for-talecimento daqueles dois pilares das polícias mi-litares e dos corpos de bombeiros militares dosestados “Nesse sentido, defendo a criação de Tri-bunais de Justiça Militar em todos os Estados cujoefetivo militar seja superior a 20 mil integrantes. Porexemplo, estados como Rio de Janeiro, Paraná eBahia, que possuem um efetivo militar superior aomínimo estabelecido na Constituição, poderiam terTribunais de Justiça Militar como órgãos de 2ª Instân-cia da Justiça Militar”. Acrescenta o presidente doTJMSP que “tal medida é salutar, sobretudo no quediz respeito à competência do tribunal em decidirsobre a perda do posto e da patente dos oficiais e dagraduação das praças, uma vez que, em alguns esta-dos, os Tribunais de Justiça Comum relutam em exer-cer essa competência, em especial nos casos deProcesso de Justificação, causando dificuldades paraa manutenção da hierarquia e da disciplina nas Polí-cias Militares”.

A seguir, conheça os presidentes dos Tribunal deJustiça Militar de São Paulo e Rio Grande do Sul.

As Justiças Militares desempenham um papel fundamental na

manutenção da hierarquia e disciplina das instituições militares,

isto porque os processos são julgados com maior celeridade,

quando comparados a justiça comum, o que favorece o fortaleci-

mento daqueles dois pilares das polícias militares e dos corpos de

bombeiros militares dos estados

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Rio Grande do SulO juiz Cel PM João Vanderlan Rodrigues

Vieira é natural de Passo Fundo/RS. Ingressou naBrigada Militar do Estado do Rio Grande do Sulem 1º de março de 1962. Atingiu o posto de coro-nel em 12 de março de 1991. Chefiou a Casa Mili-tar e foi comandante-geral da Brigada Militar de1991 a 1994. Tomou posse como juiz do Tribunalde Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul,em 19 de dezembro de 1994, tendo exercido asfunções de vice-presidente e corregedor-geral daJustiça Militar no período de agosto de 1997 afevereiro de 2000. Neste mesmo mês e ano, as-sumiu a Presidência da Corte, função que desem-penhou até 6 de fevereiro de 2002.

O magistrado é bacharel em Direito pelo Cen-tro Universitário Ritter dos Reis de Porto Alegre eem Economia pela Fundação Universidade de RioGrande, tendo cursado mestrado em Adminis-tração na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.Participou de estágios orientados a atividadesinerentes à profissão, em organizações policiaisdos Estados Unidos, Alemanha, Itália, Ho- landa eIsrael.

Recebeu as seguintes condecorações: Meda-lha de Serviço Policial Militar, Categorias Bronze,Prata e Ouro; Medalha Estrela de Reconheci-mento, Grau Estrela de Bronze; Medalha Mérito deDefesa Civil RS; Medalha de Serviços Distintos;Medalha Cruz de Ferro; Comenda do Mérito Judi-ciário Militar – RS; Colar do Mérito Judiciário Mili-tar, do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais;Medalha Coronel Claudino; dentre outras.

Em fevereiro de 2008, assumiu a função dejuiz-corregedor-geral da Justiça Militar do Estadodo Rio Grande do Sul, exercendo-a até fevereirode 2010, quando passou a responder pela vice--presidência da Corte, cargo que ocupou até 8 defevereiro de 2012, quando voltou à presidência dainstituição.

São PauloO juiz Cel PM Orlando Eduardo Geraldi é na-

tural de São Paulo, capital. Em 1975, ingressou naAcademia de Polícia Militar do Barro Branco, ondefrequentou o Curso Preparatório de Formação deOficiais e o Curso de Formação de Oficiais, sendodeclarado Aspirante a Oficial em 1979 e pro-movido ao posto de 2º Tenente PM em 1980.

Atuou em unidades operacionais de Policia-mento Ostensivo, Policiamento de Trânsito, Policia-mento Ambiental e na Escola de Educação Física,atual Centro de Capacitação Física e Operacional,sendo um dos idealizadores dos módulos detreinamento que resultaram na criação dos Pro-cedimentos Operacionais Padrões. Atuou nas As-sessorias Militares das Secretarias de Estado daEducação e da Agricultura e serviu à Casa Militardo Governo do Estado de São Paulo, exercendo acoordenação direta dos eventos do governador.

Em maio de 2005, foi promovido ao postomáximo da Corporação. Em 2006, assumiu o co-mando do policiamento da Região da BaixadaSantista e do Vale do Ribeira. Bacharelou-se emDireito pelas Facul-dades Integradas de Guaru-lhos, exerceu efetivamente as atividades de políciajudiciária militar, tendo composto, por várias vezes,Conselhos de Disciplina e de Justificação, bemcomo Conselhos Especiais de Justiça, na JustiçaMilitar do Estado. É bacharel em Educação Física,especialista em Metodologia do Treinamento.

Exerceu as funções de conselheiro da Associ-ação dos Oficiais da Polícia Militar e de secretário--geral da Cruz Azul. Foi membro titular do Con-selho de Desenvolvimento da Região Metropoli-tana da Baixada Santista – CONDESB. Nomeadoao cargo de juiz do Tribunal de Justiça Militar doEstado de São Paulo, a que foi alçado por decretodo governador do Estado, em maio de 2008,sendo empossado aos 12 de maio de 2008. Atual-mente, exerce o cargo de presidente do Tribunalde Justiça Militar do Estado de São Paulo para obiênio de 2012/2013.

CAPA | JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL: EVOLUÇÃO E ATUALIDADE

REI

E S T U D O S

FERNANDO JOSÉ ARMANDO RIBEIRO

Pós-Doutor pela Universidade de Berkeley (EUA – bolsista da Fulbright) | Doutor emDireito pela UFMG | Professor dos cursos de mestrado e bacharelado da

PUC-Minas | Juiz Civil do TJMMG

1 INTRODUÇÃO

O problema da obediência à lei traz em seu bojoa questão da hierarquização e estratificação de con-dutas impostas à sociedade pelo ordenamento estatal.Às normas estatais deve-se seguir uma atitude que semanifeste em conformidade com o dever e a obrigaçãoimperativamente prescritos. Antes de tudo, é precisoestar ciente da dificuldade conceitual apresentadapela ideia de obrigação, a qual se apresenta sempredestituída de clareza. Isso se deve ao fato de que,tanto na linguagem filosófica quanto na jurídica, écomum a utilização indiscriminada das expressõesdever e obrigação.

As obrigações nascem como consequência deatos voluntários e necessitam, para sua gênese, de es-peciais ações individuais destinadas a sua criação,fazendo com que, tanto no âmbito da moral quantono do direito, uma conduta previamente opcional erelativa perca, ao menos em princípio, sua relativi-dade (como se dá com as promessas). As obrigaçõessão interpessoais, vale dizer, são requisições dirigidasa pessoas determinadas (os obrigados) por pessoastambém determinadas (os titulares dos direitos),sendo seu conteúdo perfeitamente individualizado.Ademais, além de correlacionarem-se com seu res-pectivo direito, as obrigações não se originam docaráter ou do conteúdo das ações obrigatórias, mastão somente da particular forma como as partes serelacionam.

Assim, cabe afirmar que as obrigações nascemcomo consequência de atos voluntários, e especial-mente de ações individuais, como uma promessa. Asobrigações possuem caráter interpessoal. Vale dizer,

são dirigidas a pessoas determinadas por pessoastambém determinadas. Trazendo a lição imorredourados romanos, há que se observar que cada obrigaçãose correlaciona com seu respectivo direito, como overso e anverso da mesma moeda.

No que tange aos deveres, faz-se mister assinalarque a palavra dever é utilizada como referência a pres-crições morais relacionadas a certos papéis e funçõesque os indivíduos podem chegar a cumprir. Se é ver-dade que alguns deveres (como os deveres institu-cionais) surgem de um acordo de vontades criador (oque resulta de sua convenção constitutiva), cabeassinalar que nem todo dever posicional tem suaorigem em um esquema proposicional de vontades.Tal é o caso de uma mulher que adquire o papel demãe contra sua vontade (como pela gravidez indese-jada), ou mesmo, o de um indivíduo como filho –tendo em vista o fato de que o nascimento não é, de-finitivamente, obra da sua vontade –, que se vê abran-gido por uma série de deveres para com determi-nadas pessoas (como seus pais) decorrentes tão so-mente de seu papel de filho.

A obrigação política é a obrigação que o indiví-duo deve ao Estado e que o Estado deve ao indivíduo,a qual pressupõe o compromisso de obediência a todauma série de obrigações ulteriores derivadas, semque seja necessariamente requerido um consensoprévio a cada caso. Pelo simples fato de pertencermosa um Estado, adquirimos uma obrigação de obediênciaa suas leis, sendo que apenas em uma sociedade livree aberta pode-se, rigorosamente, falar de uma obri-gação política. Como assevera Passerin D’Entreves(1976, p. 31-33), a liberdade é condição essencial daobrigação política.

O dever de obedecer ao Direito no pensamento de Hans Kelsen

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Temos, assim, a obrigação política, cujo objetoconsiste em estabelecer as relações entre o Estado eseus cidadãos, e o dever de obedecer à lei, cuja es-sência reside em poder determinar quando e em quecircunstâncias deve uma pessoa atuar em conformi-dade com os comportamentos socialmente regrados.

Naturalmente, a justificação jurídica da obri-gação jurídica (dever de obedecer à lei) verifica-se me-diante a simples observância de seu caráter impera-tivo. Como diz Mata Machado (1995, p. 42), “man-dando dar a cada um o que lhe é devido, a regraatribui alguma coisa a alguém: é seu caráter atribu-tivo. A regra de direito tem uma feição imperativo-atributiva”. Entretanto, o dever a que nos referimos esobre o qual aduzimos nossos questionamentos éaquele de fundamentação ético-normativa, vale dizer,o que estabelece qual o fundamento último a justificarnosso comportamento frente a disposições estatais.

O problema de saber qual o fundamento da obri-gação jurídica (obrigação prima facie) é dos mais clás-sicos e debatidos na seara da Filosofia do Direito.Ademais, no que tange ao dever de obediência à leino seio de um Estado Constitucional Democrático,pode-se certamente afirmar tratar-se de um autênticodever prima facie. Vale dizer, considerando-se o fun-damento consensual e dialógico do Direito contem-porâneo, estabelecido por um acordo racional sobrevalores sociais determinados num dado momentohistórico, e consubstanciados em um documento fun-damental, o caráter imperativo das leis não pode servisto senão como um dever prima facie, isto porque,se por um lado os vetores da segurança e da ordemsociais exigem tal pressuposição, de outra parte ovetor do justo (ainda que formal) – em um EstadoConstitucional Democrático – impõe a manutenção daperene possibilidade de sua contestação face a outrosvalores consagrados, tendo em vista que a concorrên-cia de valores é própria do pluralismo característicode tal Estado Constitucional Democrático.

A singular importância do tema é razão sufi-ciente para percebermos por que não há praticamentenenhuma escola de importância no pensamento ju-rídico-político que sobre ele não se tenha debruçado.Seria, assim, inútil e além dos limites deste trabalhopretender uma enumeração de todas essas doutrinas,razão pela qual nos limitaremos a assinalar a perspec-tiva estabelecida e brilhantemente sustentada – nãosem polêmica – por Hans Kelsen em seu pensamentonormativista. A partir de uma análise teórico-norma-tiva pretendemos explicitar os pontos estruturais do

sistema kelseniano que dizem respeito ao dever deobediência ao Direito. Veremos que a adequada com-preensão das ideias de Kelsen não pode ser obtidasenão mediante a conjugação de vários elementos deseu sistema teórico, o qual apresenta no rigor e entre-laçamento lógico de suas proposições um aspectofundamental de seu próprio método demonstrativo.Assim, conceitos como o de norma fundamental enormas individuais, atos de aplicação e de produçãonormativa, fundamento de validade, estática e dinâ-mica jurídica são condições para se refletir sobre ofundamento da obrigação jurídica em Kelsen. Nossasreflexões pretendem explorar a importante diferençaconceitual entre a norma e o ato de vontade do qualela representa o sentido, mais especificamente entreesse ato e o sentido de vontade que ele representa,bem como a distinção entre comportamento devido ecomportamento efetivo, momento em que Kelsen teceimportantes considerações sobre o lugar da eficáciano sistema do Direito. Last, but not least, passaremosa uma análise e crítica do conceito de coerção na teo-ria de Hans Kelsen, suas relações e suas consequên-cias para com o dever de obedecer ao Direito. Essaanálise nos abrirá portas para melhor compreender aimportância do projeto kelseniano, bem como os limi-tes inerentes a ele.

2 A OBRIGAÇÃO JURÍDICA NO PENSAMENTO DE HANS KELSEN

Para Kelsen, o ordenamento jurídico não podeser cientificamente estudado como se fosse uma sim-ples justaposição de normas que regulam o compor-tamento humano, mas, ao contrário, deve ser vislum-brado como um todo unitário e sistemático, pelo fatode todas elas possuírem o mesmo fundamento de va-lidade (KELSEN, 1984, p. 57; 277; 310).

No topo do ordenamento, visto como um sis-tema dinâmico, encontra-se a Constituição, norma su-perior a todas as demais normas postas, e, na medidaem que se vai progressivamente descendo das nor-mas gerais para as normas individuais, percorrem-segraus normativos mais inferiores, até se alcançar abase da pirâmide normativa, onde será possível en-contrar normas individuais (sentenças, regulamen-tos administrativos e negócios jurídicos).

Imediatamente abaixo das normas individuaisencontram-se os atos de execução, espontânea oucoercitiva e, mais acima da Constituição, inclusive daprimeira Constituição histórica, encontra-se, já fora do

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âmbito da pirâmide normativa, a norma fundamen-tal (Grundnorm), norma pressuposta e condiçãológico-transcendental (KELSEN, 1984, p. 279) dotrabalho científico do jurista (KELSEN, 1984, p. 22;269 e passim).1

Segundo Paulson (1991, p. 176-177)2, a respostadada por Kelsen a sua própria questão transcenden-tal – situada no âmbito da pretendida distinção entreSein e Sollen e consequência direta de seu dualismometodológico – está vinculada a sua referência ànorma fundamental:

Todas e quaisquer normas contidas no esquemapiramidal – à exceção da norma fundamental e dosatos materiais de execução – são, ao mesmo tempo,atos de aplicação das normas mais gerais e superio-res e atos de produção das normas mais individuaise inferiores. Do ponto de vista da teoria pura, os atosde aplicação constituem um dever jurídico impostoaos destinatários primários e secundários e os atos deprodução constituem atos de poder, originados doexercício de uma autorização dada pela própriaordem jurídica (KELSEN, 1984, p. 325).

O ponto de ligação de todas estas normas resideprecisamente no conceito lógico-formal de funda-

mento de validade (KELSEN, 1984, p. 297)3, se-gundo o qual a validade de uma norma, entendidacomo sua existência específica, consiste em sua perti-nência ao ordenamento jurídico, em face de se ajustaraos seus critérios próprios de produção normativa(princípio de legitimidade) (KELSEN, 1984, p. 266;269; 289-290).

Cada norma jurídica, para que possa ser conside-rada como válida, deve ter sido produzida de acordocom os critérios formais e materiais previstos nopróprio ordenamento, relativos a) ao sujeito ou órgãocompetente, b) ao procedimento, e – em certa medidac) ao conteúdo, todos estabelecidos pela norma ime-diatamente superior; e assim sucessivamente se per-corre todo o ordenamento jurídico, de grau em grau,numa escala ascendente, até se alcançar a norma fun-damental (KELSEN, 1984, p. 324-326).

É de se ressaltar, no entanto, que a determinaçãoda norma inferior pela norma superior nunca serátotal, salvo determinadas proibições de natureza ma-terial; isto é, nunca será de tal maneira que a normainferior seja logicamente deduzida por completo apartir do conteúdo da norma superior, vez que existesempre certa discricionariedade por parte do órgãoaplicador da norma superior ao criar a norma inferior(KELSEN, 1984, p. 324-326).

2.1 A validade do sistema jurídico

A nota essencial de um sistema normativo di-nâmico é o fato de que a validade de uma norma ju-rídica se fundamenta na validade de uma normasuperior, sem relação com qualquer conteúdo (poisesta relação com um determinado conteúdo é a notaque caracteriza os sistemas estáticos), e essa relaçãode fundamentação-derivação pode retroagir até anorma fundamental.

A validade de uma norma em um sistemadinâmico, portanto, é determinada especificamenteem função da competência do órgão, por vezes comrelação ao seu conteúdo e, por fim, de sua relaçãocom a Grundnorm. No entanto, não bastam apenasestes requisitos formais: um mínimo de eficácia,como afirma Kelsen (1995, p. 63-64), é também

Segundo o seu ponto de vista (de Kelsen), a vali-

dade de uma norma jurídica se estabelece a partir

de uma referência à norma de nível superior ade-

quada, cuja própria validade se estabelece, suces-

sivamente, com relação à correspondente norma

de nível superior a ela e assim sucessivamente, até

que se alcance a norma de nível mais alto no sis-

tema jurídico, o nível da constituição. Mais além do

nível constitucional, não é possível haver mais

referências. Todavia, uma referência a um nível

mais alto de normas de Direito positivo se exclui ex

hypothesi. E uma referência a algum tipo de fato

está impedida pela forte e firme distinção entre ser

e dever-ser, como reflexo do dualismo metodo-

lógico. Uma terceira via de referência, a da moral,

está também excluída pela tese da separação.

Como se estabelece, então, a validade das normas

no nível constitucional? À falta de qualquer outra

referência, se assume a sua validade. E a assunção

toma a forma da norma fundamental.

1 Comparar com Carrino, 199, p. 31-50; 83-104 e Miranda Afonso, 1984, p. 241-242.2 Este autor, ainda, observa que esta “ideia intuitiva” da norma fundamental se baseia num argumento claramente circular, haja vista que“se o problema é porque as normas do nível mais alto são válidas e se simplesmente logo se assume que são válidas, estamos de novodiante do mesmo problema”.3 “Fundamento de validade, isto é, a resposta à questão de saber por que devem as normas desta ordem jurídica ser observadas e apli-cadas, é a norma fundamental pressuposta segundo a qual devemos agir de harmonia com uma Constituição efetivamente posta glo-balmente eficaz e, portanto, de harmonia com as normas efetivamente postas de conformidade com esta Constituição e globalmenteeficazes”. Cf., ainda, Kelsen, 1986, p. 37-38.

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condição de validade de uma norma:

Numa perspectiva cada vez mais sintética, “umaordem jurídica é considerada válida quando as suasnormas são, numa consideração global, eficazes, querdizer, são de fato observadas e aplicadas” (KELSEN,1984, p. 298). Trata-se, aqui, do princípio de efetivi-dade, que parte do pressuposto segundo o qual umordenamento jurídico será válido na medida em quefor eficaz em sua totalidade, mesmo que, por vezes,uma de suas normas, em si considerada, não venhaa ser observada ou aplicada num caso concreto.

A validade global do ordenamento jurídico nãoé afetada pela possibilidade de uma ou mais normasisoladas se demonstrarem ineficazes, já que a eficáciade todo o ordenamento jurídico é aferida em termosglobais, isto é, do ordenamento jurídico como umtodo. No entanto, a eficácia de todo o ordenamento étambém condição de validade de cada uma das nor-mas que dele fazem parte. Isso significa que a vali-dade de uma norma isoladamente considerada estána dependência da validade de todo o ordenamentojurídico, e esta, por sua vez, depende essencialmenteda validade da norma fundamental (KELSEN, 1984,p. 291-298).

Assim posta a questão, Mario Losano (1990, p. XIX),um dos grandes estudiosos da teoria pura, elabora aseguinte crítica:

Kelsen, no entanto, afirma que a eficácia não éuma conditio sine qua non, mas sim uma conditio perquam: a eficácia global de um dado ordenamento ju-rídico é uma condição, mas não a razão da validadedas normas que o integram4; a validade, assim, nãoreside no fato de que o ordenamento em sua totali-dade seja eficaz, mas na elaboração de uma normade acordo com o processo lógico-formal de produçãoe implica, em termos conceituais, o fato de que estasnormas devem ser obedecidas ou aplicadas5.

O problema em torno da eficácia de uma normajurídica na teoria pura do Direito coexiste com adefinição de validade, entendida como sua existênciaespecífica no âmbito do Sollen e no tornar obrigatórioum determinado comportamento humano (KELSEN,1984, p. 29).

As indagações acerca de como conciliar o com-portamento humano concreto, no mundo dos fatos,tornado obrigatório, com a existência deôntica danorma – sem comunicação com a realidade – vem res-pondida por Kelsen através da diferenciação entreas esferas do ser (Sein) e do dever-ser (Sollen): não hánecessariamente qualquer coincidência entre o com-portamento prescrito por uma norma e o comporta-mento efetivo que lhe seja conforme, pois aqueleprimeiro nunca poderá ser teoricamente concebidocomo algo pertencente ao mundo do ser, mas ao âm-bito do dever-ser (KELSEN, 1984, p. 48 et seq.; 109 etseq.; 1987, p. 12-13).

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Uma ordenação jurídica para Kelsen é construída

por graus hierárquicos, em que a validade do infe-

rior é inferida do superior, num processo de dele-

gação de validade (ou seja, de ´dever-ser`) que

desce da constituição à lei e desta à sentença. De-

pois de construir essa estrutura hierárquica para

manter a distinção entre o mundo do ´ser` e o do

´dever-ser`, a teoria pura do direito encontra-se di-

ante de uma dificuldade: a coerência com seu pres-

suposto metodológico de pureza é inconciliável

com a realidade jurídica que ela quer descrever.

Realmente, para que uma norma jurídica seja vá-

lida, é preciso que ela também seja eficaz: ou seja,

não basta o respeito a certas formalidades no esta-

belecimento da norma, mas é preciso que, de fato,

a norma assim estabelecida seja também efetiva-

mente aplicada. Kelsen é obrigado a admitir que

‘tanto uma ordenação jurídica como um todo

quanto uma norma jurídica isolada perdem a vali-

dade, quando deixam de ser eficazes’. Em outras

palavras, para responder à questão em torno da

qual constrói toda a sua doutrina (ou seja, quais são

os pressupostos formais para a validade de uma

norma jurídica), Hans Kelsen precisa renunciar à

rigorosa separação entre mundo natural e mundo

normativo, entre ‘ser’ e ‘dever-ser’.

Isto significa que as condições de validade de um

ordenamento jurídico como um todo e as de uma

norma jurídica isolada são: para o ordenamento ju-

rídico como um todo, os atos mediante os quais são

criadas as normas desse ordenamento jurídico em

questão; para a norma isolada, o ato pelo qual ela

é criada e, ademais, o fato de que o ordenamento

jurídico como um todo e a norma isolada sejam,

respectivamente, eficazes [...] A validade está condi-

cionada pela eficácia no sentido de que um orde-

namento jurídico como um todo, tal como uma

norma isolada, perde a sua validade se não chega

a ser, de forma geral, eficaz.

4 Cf. Kelsen, 1984, p. 299. Comparar com Miranda Afonso, 1984, p. 256-257.5 Cf. Kelsen, 1938, p. 13; 1986, p. 37-38.

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Já em 1925, quando elaborou sua Teoria Geraldo Estado, Kelsen (1938, p. 8-9) assim se pronunciava:

Essa forma de encarar o comportamento hu-mano concreto, cuja obrigatoriedade indica mera-mente a presença de um significado normativo, radicana diferença conceitual entre a norma e o ato de von-tade do qual ela representa o sentido, mais especifi-camente entre este ato e o sentido de vontade que elerepresenta6.

Contudo, se a distinção entre a norma jurídica eo ato de vontade que a põe é algo evidente e veri-ficável empiricamente – vez que a norma jurídicaadquire vigência somente após a conclusão do pro-cesso legislativo (conclusão do ato de vontade) eassim permanece mesmo que “o ato de vontade deque ela constitui o sentido já não exista” (KELSEN,1984, p. 29), já é mais difícil perceber a pretendidadiferença entre o comportamento devido e o com-portamento efetivo, em virtude de certa medida deconformidade que deve necessariamente haver entre

o comportamento indicado na norma e aquele que serealiza no mundo dos fatos (KELSEN, 1984, p. 30)7.

Um problema essencial enfrentado por Kelsenacerca da eficácia consiste, dessa forma, na determi-nação da natureza dessa certa medida de confor-midade, que permita estabelecer uma relação entrevalidade e eficácia sem infringir a distinção funda-mental entre Sein e Sollen (KELSEN, 1986, p. 36-37).

Por eficácia, Kelsen entende o fato de que umanorma seja efetivamente observada ou aplicada(KELSEN, 1984, p. 29)8. Assim entendida, trata-se deuma condição de validade da norma jurídica – aolado de sua própria formulação –, de tal maneira quenão se pode considerar norma jurídica válida umanorma que não seja aplicada nem observada durantealgum tempo e que, por isso, se torna ineficaz.

No entanto, a eficácia, da maneira como é con-cebida, não se identifica com a validade9, vez quedeve subsistir a possibilidade de um comportamentonão conforme à norma jurídica, para que não secometa o erro metodológico de se cair numa conside-ração determinista, ou seja, daquilo que deve neces-sariamente acontecer segundo uma lei natural(KELSEN, 1984, p. 119; 1987, p. 12-13)10. Conformedestaca Elza Maria Miranda Afonso, (1984, p. 260)

Uma passagem da Teoria Geral das Normas, fi-nalmente, resume a essência das noções de Kelsen(1986, p. 4-5)11 acerca das relações entre validade eeficácia:

Uma regra (e o que dela vamos dizer aplica-se

igualmente bem à própria ordem normativa)

obriga os indivíduos a adotar certa conduta, a

praticar certo ato e a abster-se de outro. Mas

mesmo que nos não conformemos com as suas de-

terminações – deixando de fazer o que devíamos

ou fazendo aquilo de que devíamos abster-nos –, a

regra não deixa, por isso, de subsistir. É certo que,

então, diremos que a regra foi violada, mas isso por

forma alguma significa que ela deixa de estar em

vigor. A sua validade não foi atingida. Ora, é pre-

cisamente nessa validade (Geltung) que consiste a

existência das regras. E uma ordem normativa

pode ser válida mesmo quando a realidade não é

perfeitamente conforme com ela.

a norma jurídica será válida se eficaz e não porque

eficaz. O fundamento de validade não é a eficácia; é

a norma fundamental que enuncia que se deve agir

em conformidade à Constituição que é, de modo

geral, eficaz.

6 Este é o conceito de “norma” na segunda edição da Reine Rechtslehre. Cf. Kelsen, 1984: 22. “Norma é o sentido de um ato através doqual uma conduta é prescrita, permitida ou especialmente facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém. Neste pontoimporta salientar que a norma, como o sentido específico de um ato intencional dirigido à conduta de outrem, é qualquer coisa de dife-rente do ato de vontade cujo sentido ela constitui” (Kelsen, 1984, p. 22). 7 Já na época de sua Allgemeine Staatslehre, Kelsen (1938, p. 15) advertia que “a realidade não pode ser a imagem perfeita da ordem nor-mativa, mas deve, no entanto, ter um mínimo de semelhanças com o seu modelo ideal. A relação entre ambas move-se, portanto, entredois limites, o que torna o problema muito mais complexo”.8 “Observância do Direito é a conduta a que corresponde, como conduta oposta, aquela a que é ligado o ato coercitivo da sanção. É antesde tudo a conduta que evita a sanção, o cumprimento do dever jurídico constituído através da sanção” (Kelsen, 1984, p. 327). Por suavez, “aplicação do Direito é, por conseguinte, criação de uma norma inferior com base numa norma superior ou execução do ato coercitivoestatuído por uma norma” (Kelsen, 1984, p. 325). 9 Kelsen, aqui, continua fiel aos seus postulados da pureza metodológica, explicados logo no início da teoria pura.10 Cf. Cotarello, 1982, p. 139-146.11 Para uma visão global, cf.: Miranda Afonso, 1984, p. 255-261. Nesse sentido, também a lição de Travessoni Gomes, para quem “Kelsennão negou que a existência de uma ordem coercitiva eficaz (um fato da ordem do ser) é condição para que se pressuponha a norma fun-damental. Kelsen não pregou, portanto, a disparidade absoluta entre ser e dever-ser. Esse fato, a existência dessa ordem eficaz (um ser),não é, entretanto, como demonstrado, o fundamento de validade da norma fundamental. Ele (esse fato) está, no silogismo, abaixo danorma fundamental – que é o fundamento de validade de uma determinada ordem – sendo, portanto, condição para que possamos pres-supor o fundamento de validade dessa ordem” (2000, p. 176-177).

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Em artigo intitulado Por que a lei deve ser obede-cida?, Kelsen (1997, p. 251) propõe a seguinte questão:

Após apontar as respostas aduzidas pela teoriado direito natural – para a qual o motivo para a vali-dade do Direito é sua concordância com os princípiosimanentes à natureza, que são superiores ao Direitopositivo, feito pelo homem –, bem como pela teologiacristã – segundo a qual os homens devem obedecerao Direito positivo porque sua obediência é ordenadapor Deus, sendo que, em última análise, a obediênciado homem é devida a Deus e não ao Direito positivo

como tal –, Kelsen sustenta que tais posições não sãoaceitáveis por uma ciência do Direito positivo, umavez que, “se a validade desse Direito, sua validadeimanente, está em questão, o motivo para ela nãodeve ser procurado em outra ordem, uma ordem su-perior”: ao contrário, deve-se sempre supor que o Di-reito positivo é uma ordem suprema, soberana(KELSEN, 1997, p. 256).

Na teoria pura do Direito, um sistema normativoestático se caracteriza pelo fato de que a validade dasnormas reside em seu conteúdo, derivado de umanorma superior, da mesma forma que um particularpode ser racionalmente derivado do universal; numsistema dinâmico, por sua vez, as normas que o in-tegram não podem ser criadas mediante uma opera-ção intelectual a partir de uma norma básica e, porisso, devem ser derivadas de um ato de vontade (deum ato de poder e não de um ato de conhecimento)dos indivíduos para tanto autorizados por uma normade hierarquia mais alta – a ausência dessa validadeintrínseca faz com que a norma superior jamaispossa determinar inteiramente o conteúdo da normainferior que a concretiza, mas apenas legitimar e tor-nar obrigatório (formalmente válido) o conteúdo doato de vontade que a editou12.

Kelsen, dessa forma, pretende que a justificaçãodo fundamento de validade de uma norma jurídicanão necessite submeter-se a uma instância sobre-hu-mana (metafísica), mas sim na validade de outranorma pré-existente. Esse é o sentido de suas afir-mações, segundo as quais um dever-ser só pode de-rivar de outro dever-ser, e a eficácia global de umordenamento jurídico é apenas uma condição, masnão a razão da validade das normas que o integram(KELSEN, 1984, p. 299)13.

Nesse afã de eliminar as considerações meta ouextrajurídicas para justificar o fundamento de vali-dade de toda a ordem jurídica, Kelsen recorre ànorma fundamental (Grundnorm) para consolidar aideia de que o Direito é obrigatório – e, portanto,válido – em função dele próprio, tentando preser-var, dessa forma, a autonomia do especificamente ju-rídico com relação à faticidade do Sein, e afastar o

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Não perguntamos se o Direito positivo é válido –

que o seja é pressuposto por uma teoria do Direito

positivo; é uma característica essencial do Direito

positivo. O significado subjetivo dos atos pelos quais

são criadas as normas (isto é, prescrições, coman-

dos) do Direito positivo é, necessariamente, que

essas prescrições devem ser obedecidas. Mas, no-

vamente, por que seu significado subjetivo é con-

siderado também como seu significado objetivo?

Nem todo ato cujo significado subjetivo é uma

norma é também objetivamente uma. Por exemplo,

a ordem de um ladrão para que você lhe dê a bolsa

não é interpretada como uma norma obrigatória ou

válida. Reformulada, então, nossa pergunta é: por

que interpretamos os atos pelo quais é criado o Di-

reito positivo como tendo não apenas o significado

subjetivo, mas também o significado objetivo de

normas obrigatórias?

No fato de que uma norma deve ser cumprida e, se

não cumprida, deve ser aplicada, encontra-se sua

validade, e esta constitui sua específica existência.

Do efetivo cumprimento da norma – ou do seu não

cumprimento com a consequente aplicação – disto

deriva sua eficácia. Validade e eficácia da norma

precisam, claramente, não ser confundidas.

Para ser existente – quer dizer, para valer – a

norma tem de ser estabelecida por um ato de von-

tade. Nenhuma norma sem um ato de vontade que

a estabeleça ou – como na maioria das vezes se for-

mula esta proposição fundamental: nenhum impe-

rativo sem um mandante, nenhuma ordem sem

um ordenador.

12 Uma norma, segundo o Kelsen pós-1960, é o sentido objetivo de um ato de vontade dirigido intencionalmente à conduta de outrem;sendo assim, é algo querido (posto) e não pensado: é o reconhecimento desse ato de vontade por uma norma de hierarquia superior quefornece um sentido objetivo à decisão do órgão autorizado, mediante a interpretação do sentido subjetivo desse ato como seu sentidoobjetivo.13 Comparar com Miranda Afonso, 1984, p. 241-254[esp. pp. 243-244].

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Sollen de qualquer tipo de considerações éticas, quais-quer outros valores transcendentes ao Direito positivo:

Ao considerar a norma fundamental como umpressuposto lógico-transcendental sob o ponto devista teorético-gnoseológico (KELSEN, 1995, p. 65),busca Kelsen fornecer resposta à questão do funda-mento de validade (razão de obrigatoriedade) do or-denamento jurídico como um todo – assim como desuas normas isoladamente consideradas –, qualifi-cando-a não como norma posta (querida), mas comonorma pressuposta (pensada) ou Constituição emsentido lógico-jurídico14:

Na qualidade de norma pressuposta comoválida, ela funciona como o ponto de partida doprocesso de criação do Direito positivo, de tal sorteque deve haver uma pressuposição tácita, uma causaprimeira, da qual depende ou se fundamenta aaceitação do sentido subjetivo de um ato volitivo (nocaso, a Constituição em sentido jurídico-positivo)como seu sentido objetivo. (KELSEN, 1984, p. 267-285 e 1995, p. 76)15.

3 O COERCITIVISMO NA TEORIA DE KELSEN

As primeiras manifestações das teorias coerci-tivistas remontam à obra de Christian Thomasius,assim como a Rudolf Ihering e, já no século XX, aHans Kelsen e Binder, os quais tomam o Direito en-quanto coação, ordem de coação ou coação regulada.Jellinek, por sua vez, sustentava a teoria da forçanormativa dos fatos, baseando-se no fato de que anatureza humana tende a reproduzir mais facilmenteo já realizado do que o novo, olvidando, pois, o fatode que, ao lado do elemento conservador, há também,imanente na natureza humana, um elemento ino-vador, um desejo latente de mudança (1954, passim).

Para os coercitivistas, o ordenamento normativosó se coloca como jurídico, isto é, válido – no sentidode validez universal – quando se faz sustentar poruma maior força material: econômica, financeira e, fi-nalmente, policial e militar. É justamente o Estado odetentor desse imperium, como poder de decisão uni-lateral, o qual só veio a surgir na modernidade,fazendo frente às ordens de coordenação das relaçõescontratuais, tais como as vivenciadas pela sociedadefeudal. Esse poder supremo do Estado traduziria opróprio conceito de soberania sob uma ótica interna:poder exercido genericamente sobre a sociedade na-cional.

Tem-se que o Estado deve primar sobre qual-quer outra pessoa jurídica, tanto as subordinadas – daordem interna – quanto as superpostas – as autori-dades internacionais –, uma vez que, conquanto asinstituições internacionais possam ser tidas como su-

Existem diferenças essenciais entre a doutrina da

norma fundamental e a do direito natural, tal como

demonstrei no capítulo Theorie der Grundnorm und

Naturrechtslehre de minha Reine Rechtslehre. A dife-

rença fundamental é que o conteúdo do ordena-

mento jurídico positivo é completamente indepen-

dente da norma fundamental, da qual pode ser de-

rivada apenas a validade objetiva das normas do

ordenamento jurídico positivo e não o conteúdo

desse ordenamento; enquanto que, de acordo com

a doutrina do direito natural, um ordenamento po-

sitivo é válido somente enquanto seu conteúdo cor-

responde ao do direito natural. (KELSEN, 1995, p. 66)

Posto que, de acordo com minha teoria, a norma

fundamental se refere unicamente a um ordena-

mento coercitivo geralmente eficaz e posto que a

norma fundamental é adaptada a este ordena-

mento coercitivo e não o ordenamento coercitivo à

norma fundamental, é nesse sentido que, na norma

fundamental, a efetiva criação das normas medi-

ante atos reais de vontade e a eficácia destas nor-

mas se convertem na condição da validade objetiva

do ordenamento coercitivo. Portanto, a norma fun-

damental não ‘garante’ a eficácia do ordenamento

jurídico. Não influi para que este resulte eficaz [...]

O ordenamento coercitivo normativo a que se refe-

re a norma fundamental e do qual ela depende não

é idêntico a estes fatos. A eficácia de um ordena-

mento normativo é uma condição de validade, não

sua validade. (KELSEN, 1995, p. 67-68)

14 É muito controversa a problemática kelseniana acerca da explicação definitiva da norma fundamental através da “Filosofia do als-ob”(“Como-Se”), de Vaihinger. Em 1933, em carta endereçada a Renato Treves, Kelsen afirmou que, para evitar interpretações errôneas,preferiu renunciar a se inspirar em Mach (princípio da economia do pensamento) e em Vaihinger (teoria da ficção), optando por filiar-se,“com reservas”, à filosofia transcendental neokantiana: “A norma fundamental responde à seguinte questão: qual é o pressuposto quepermite se sustentar se não importa qual ato jurídico pode ser qualificado como tal, isto é, definido como um ato servindo de base ao es-tabelecimento da norma, assim como a sua execução. Esta questão se insere completamente no espírito da lógica transcendental” (Kelsen,1991, p. 72). No entanto, adotaria posteriormente a conduta oposta numa passagem da “Teoria Geral das Normas”, afirmando que anorma fundamental é “uma pura ou ´verdadeira` ficção, no sentido da vaihingeriana filosofia do Como-Se...” (KELSEN, 1986, p. 328-329). 15 Comparar com Miranda Afonso, 1984, p. 253-254.

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periores na hierarquia jurídica, resultam inferiores nahierarquia da força. Isso se explica pelas inúmerasdeficiências do Direito internacional, no qual a for-mação de uma estrutura prévia, que realmente com-porte o monopólio da força, de forma similar àexercida pelos Estados, ainda se encontra no planoda elaboração16.

Como se pode depreender da análise feita,Kelsen foi um coercitivista, ou a perspectiva coerci-tivista casa-se perfeitamente ao arquétipo estruturantede sua teoria do Direito.

Na Teoria Pura do Direito, o autor sustentaque “o Direito é uma ordem de coerção e, comoordem de coerção, é – conforme o seu grau deevolução – uma ordem de segurança, quer dizer, umaordem de paz” (KELSEN, 1986, p. 66). A importânciada coerção no normativismo kelseniano vincula-se àafirmação de um dos postulados principais da suateoria, é dizer, a separação rígida entre Direito eMoral. A coercitividade garante o fundamento daprópria antijuridicidade, impedindo que esta busquequalquer referência que extrapole às próprias normasjurídicas. Não são referências a valores ou elementostranscendentes ao Direito positivo que determinarãouma conduta com ilícita, mas simplesmente a estru-tura normativa que prescreve um ato coativo comoconsequência imputada a esta conduta.

Esta é, inclusive, uma das grandes contribuiçõesdo pensamento de Kelsen para a teoria jurídica doséculo XX, possibilitando uma mudança na com-preensão do próprio lugar a ser ocupado no Direitopelo lícito e pelo ilícito. Como bem diz Mata-Machado(1957, p. 214),

Verifica-se, pois, no coercitivismo kelsenianouma função que transcende muito a simples busca dasegurança jurídica. Há nele uma superação de umdos elementos mais notáveis a caracterizar a ordemjurídica até o século XIX: a pretensão de ser ela uma

ordo rationis, imbuída de uma racionalidade que lheassegurava supremacia axiológica e ponto de refe-rência para a percepção do bem e do mal. Em Kelsen,ao contrário, fica clara a pretensão de que o Direitoseja, fundamentalmente, “um mecanismo coativo quenão corresponde, em si e por si, a nenhum valorpolítico ou ético” (KELSEN, 1986, p. 60). O estatuto pu-ramente normativo de toda coercitividade é aberta-mente sustentado em sua obra Teoria Geral do Direitoe do Estado, escrita já em sua fase de vida nos EstadosUnidos da América, em Berkeley. Ali, ao enfrentar asobjeções sobre possíveis dimensões meta-normativasda coerção, destaca que:

Assim é que Kelsen inverterá a clássica distinçãoentre normas primárias ou de conduta, destinadas aoscidadãos, e normas secundárias ou de sanção, dirigi-das aos juízes, considerando estas últimas como prin-cipais, uma vez que o essencial no Direito é suacoercitividade (KELSEN, 1986, p. 68-70). A norma ju-rídica centra-se fundamentalmente na definição dascondições de implementação da sanção o que leva aque notáveis estudiosos vejam aí uma autêntica re-dução do Direito à norma sancionadora. Como diz Ar-naldo Vasconcelos, (2002, p. 80),

Veja-se que a tessitura desse postulado temrelevância também para a reafirmação da separaçãoentre os planos do ser e do dever ser. A sustentaçãoda ilicitude como algo externo e contrário à normativi-dade terminava por criar o risco de comprometimento

18 Revista de Estudos & Informações | www.tjmmg.jus.br

[...] antes, considerava-se o anti-jurídico como ne-

gação do direito. É ainda a significação dada pelo

senso comum. Para Kelsen, esse é um ponto de

vista jurídico-político. Em sua doutrina, o anti-ju-

rídico é, ao contrário, ‘condição específica do direi-

to’. De uma posição extra-sistemática, o conceito de

anti-jurídico recebe posição ‘intra-sistemática’.”

O elemento coerção, essencial ao direito, consiste

não na chamada compulsão psíquica, mas no fato

de que atos específicos de coerção, considerados

como sanções, são estabelecidos para casos tam-

bém específicos pelas regras que formam a ordem

jurídica. O elemento de coerção só tem importância

quando forma parte do conteúdo da norma ju-

rídica, como ato estipulado por esta e não como um

processo na mente do indivíduo submetido à pró-

pria norma. (KELSEN, 1995, p. 19-20).

16 A possibilidade de uma ordem internacional que regulamente os comportamentos na Sociedade Internacional, mediante a estipulaçãoprévia de condutas e o monopólio da força, é um sonho antigo do pensamento ocidental e que hoje parece ganhar, mais do que nunca,foros de realidade em vias de concretização, tendo em vista a estrutura já existente da União Europeia, e aquela aventada pelo Tratadode Roma (17/07/1998) criadora de um Tribunal Penal Internacional.

a norma secundária, onde se possibilitam o dever

jurídico e a faculdade correlativa passa a importar

tão-somente na exata medida em que serve de

pressuposto da norma primária, essa sim, a autên-

tica norma jurídica

Março de 2012 19

da validade por fatos externos ao Direito. Esta é a in-tenção de Kelsen (1986, p. 169-170) quando diz que,

A ilicitude se instaura, pois, como condição fun-damental ao Direito, não havendo de ser consideradaapenas como sua negação, como se houvesse um an-tijurídico já fora da juridicidade. Ao se fazê-lo, pre-tende-se, mais uma vez, libertar o âmbito de validadedas normas de qualquer comprometimento commundo do ser, verificando-se que a validade restarásempre imaculada, mesmo diante de atos que apa-rentemente importem na sua negação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Kelsen é um verdadeiro divisor de águas no pen-samento jurídico moderno. Suas contribuições, alémde pungentes e inovadoras, vieram fortalecidas pelorigor lógico e pela capacidade analítica herdada deseus grandes mestres do Círculo de Viena. Teve eletambém a fortuna de lançar suas contribuições nummomento histórico muito favorável, para um mundoque ansiava por rigor, cientificidade e depuração nosdiscursos de todos os ramos do saber humano. Comohomem do seu tempo, Kelsen teve de encontrar res-posta para o verdadeiro dilema que se colocava aosjuristas no início do século XX: seria possível oferecerum estatuto de cientificidade ao Direito, ou ficaria eleconsagrado como mero arcabouço técnico e instru-mental a serviço do poder vigente? Vale dizer, se o Di-reito na modernidade passou a ser, por excelência oDireito positivo, poderíamos encontrar nele autênticoobjeto para especulações científicas? Ou seriam estaseternamente reféns, ou de concessões metafísicas –que marcam, por exemplo, a tradição jusnaturalista –,ou do condicionamento insuperável do Direito à par-ticularidade geográfica e temporal de sua produção,carentes, portanto, de legítimo objeto de estudo?

O neopositivismo lógico de Hans Kelsen pareceser, antes de tudo, uma tentativa de resposta a essedilema. Ele busca resgatar, sob o manto de um rigo-

roso discurso científico, a autonomia do Direito naordem do saber humano, e sua possível compatibili-dade com o paradigma da ciência de seu tempo. Aobuscar esta resposta, são muitas as contribuições queele nos trouxe a reboque. Problemas antigos da Teoriado Direito, como a questão da ilicitude, puderamentão encontrar caminho para uma mais coerentesolução e uma melhor fundamentação. Todavia, emque pese o brilho de seu gênio – que certamente ofaria merecedor de um Prêmio Nobel, se tal houverapara o Direito17– foi Kelsen refém de um problemaque, na história do Direito, a tantos outros tambématingiu: a radicalização de seus postulados teóricoscom a consequente limitação dos horizontes de com-preensão de um fenômeno intrinsecamente complexoe multifário como o Direito. A saída cientificista porele encontrada termina por pecar por um excesso deabstracionismo, apartando o Direito não apenas deoutras ordens normativas e ramos do saber, mas daprópria realidade da vida. Ao praticamente descon-siderar os importantes momentos da aplicação e dalegitimação da produção normativa, o positivismokelseneano termina por olvidar duas importantes efundamentais dimensões do Direito, abrindo um pe-rigoso caminho para que suas conclusões seguissem,a passos largos, ao encontro de posições teóricas eideológicas que deveriam ser-lhe refratárias.

Nesse ponto, seu pensamento a respeito da coer-ção pode apresentar, com cristalina evidência, o rigore a importância de seu discurso, e os limites de suaabordagem quando trazida à luz de outros pressupos-tos, possíveis e necessários, na compreensão do fenô-meno jurídico. Assim, diante do pressuposto delegitimidade democrática que hoje permeia o dis-curso jurídico, agrava-se sobremaneira a limitação daabordagem kelseniana – há muito já denunciada –acerca do lugar da coerção na estrutura da norma ju-rídica, bem como seu papel na edificação do própriodever de obediência ao Direito.

A vertente crítica às teorias coercitivistas há muitovem a apontar, como grande fragilidade dessa escola,o fato de que suas concepções apenas servem para es-clarecer por que as normas são válidas, e não por quedevem ser obedecidas, contentando-se em demonstrarterem as normas que ser obedecidas justamente porserem válidas. A força poderia produzir, talvez, um terde obedecer (Müssen), mas nunca um dever de obe-decer (Sollen).

[...] o ilícito aparece como um pressuposto (con-

dição) e não como uma negação do Direito; e,

então, mostra-se que o ilícito não é um fato que es-

teja fora do Direito, mas é um fato que está dentro

do Direito e é por este determinado, que o Direito,

pela sua própria natureza, se refere precisa e par-

ticularmente a ele.

17 KELSEN, Hans. Autobiografia de Hans Kelsen. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. Estudo introdutório.

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Tem-se, assim, que não basta a força para seimpor uma norma como válida. Já Rousseau, em seumajestoso O Contrato Social, enfaticamente havia ad-vertido: “O mais forte não é jamais suficientementeforte para ser sempre o senhor, se não transformarsua força em Direito e a obediência em dever”(ROUSSEAU, 1981, p. 20). Igualmente curiosa é a ad-vertência atribuída a Talleyrand, que, ante a pre-potência de Napoleão, ter-lhe-ia afirmado: “Com asbaio netas, Senhor, pode-se fazer tudo, menos uma

coisa: sentar-se sobre elas”. É a diferença entre opoder-força e o verdadeiro poder, que se traduz emautoridade, investindo-se de superioridade moral ejustificativa ética. O primeiro sustenta-se apenasatravés da ameaça e da violência. A autoridade, aocontrário, baseia-se primacialmente no respeito livre-mente consentido. Esta é a tônica de nossos dias,que, para além de Kelsen (e por tantas vezes mesmocontra Kelsen), mas nunca sem Kelsen, cabe a todosos juristas conquistar.

E S T U D O S

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA

Juiz de Direito Titular da 2ª AJME do Estado de Minas Gerais | Mestre em Direito pelaUniversidade Estadual Paulista e especialista em Direito Administrativo e AdministraçãoPública Municipal pela Universidade Paulista | Membro Titular da Academia Mineira de

Direito Militar, Cadeira Alferes Tiradentes e membro correspondente da AcademiaBrasileira de Letras Jurídicas | Autor do Código Penal Militar – Comentando Artigo por

Artigo, Parte Geral e Parte Especial.

Março de 2012 21

1 INTRODUÇÃO

No ano de 1808, em razão do bloqueio continen-tal, a Família Real veio para o Brasil, e o país, a Terrade Santa Cruz, a Ilha de Vera Cruz, deixou a condiçãode colônia para ser elevado à categoria de ReinoUnido a Portugal e Algarves, o que trouxe modifi-cações políticas e sociais, uma vez que a Adminis-tração Pública portuguesa se instalou em solo bra-sileiro.

Por ordem do rei foram criadas várias institui-ções que até então não existiam, como a Guarda Real,a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, e ainda foi

determinada a abertura dos Portos, medidas quemodificaram o aspecto do Brasil, trazendo uma maiorimportância política no cenário político e econômico.

A instituição militar acompanhou a vinda daFamília Real através da organização de um corpo mili-tar uniformizado voltado para a defesa da FamíliaReal, e mais tarde, das instituições criadas na ex-colô-nia. Devido a suas particularidades e assim comoocorria em Portugal, os militares passaram a ser regi-dos por regulamentos próprios, aplicados por aquelesque integravam a carreira das armas, que possuíamas suas particulares. Esses princípios se encontravamassentados em dois princípios fundamentais, a hierar-

Organização do Poder Judiciário Militar e aanálise do mérito do ato administrativo e do

ato administrativo disciplinar RESUMO

A Justiça Militar, Estadual, Distrital, ou Federal, é um dos órgãos do Poder Judiciário previstos expressa-mente na Carta Republicana de 1988. Segundo o estabelecido na norma fundamental, o Poder Judiciário é oguardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, devendo permitir o seu acesso a prestação juris-dicional. Por força dos preceitos constitucionais, existem doutrinadores que entendem que o mérito do atoadministrativo poderá ser analisado pelo Juiz ou mesmo pelos Tribunais, uma vez que nenhuma lesão ouameaça a direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário.

ABSTRACT

The Justice Military, State, Distrital, or Federal, it is one of the organs of the Judiciary Power foreseen expresslyin the Republican Letter of 1988. As the established in the fundamental norm, the Judiciary Power is the guardianof the rights and the citizen's fundamental warranties should allow your access the installment jurisdiction. Forforce of the constitutional precepts, doctrine that understand that the merit of the administrative act can be analyzedby the Judge exist or even for the Tribunals, once any lesion or he/she threatens to right he/she will leave of beingappreciated by the Judiciary Power.

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quia e a disciplina.A existência das instituições militares, sejam elas

pertencentes às Forças Armadas ou às Forças Auxi-liares, é essencial para a manutenção do Estado epara a preservação da segurança interna, no aspectode ordem pública, e nacional, na defesa da soberaniado território, do espaço aéreo e do mar territorial.

No entanto, segundo alguns, a Justiça Militar,Federal ou Estadual, deve ser extinta porque estariacontribuindo para a impunidade e ao mesmo temposeria um Corte de Exceção, sem sentido em um paísque escolheu a democracia, e vive sob a égide do Es-tado Democrático de Direito.

Alguns críticos da Justiça Militar na maioria dasvezes não conhecem sua estrutura, nem mesmo assis-tiram qualquer julgamento perante uma Auditoria Mili-tar, e fazem suas observações sem a presença decritérios científicos, que devem ser utilizados pelopesquisador na busca de uma informação precisa, quepossa contribuir para o aprimoramento do sistema.

A Justiça Militar no Brasil encontra-se prevista edisciplinada na Constituição Federal (CF) no art. 92,inciso VI, segundo o qual: "São órgãos do Poder Judi-ciário, VI - Os Tribunais e juízes militares". Os juízesmilitares e os Tribunais Militares são órgãos do PoderJudiciário e, portanto, não se encontram inserido nocontexto de Tribunais de Exceção. Afirmar que aJustiça Castrense é uma Justiça de Exceção é desco-nhecer o sistema jurídico brasileiro.

O artigo 5º, XXXVII, da Constituição Federal (CF),veda expressamente o julgamento do cidadão por Tri-bunal de Exceção, garantindo assim o princípio dojuiz natural. Por força do art. 60, § 4º da CF, os direitose garantias fundamentais do cidadão não podem serobjeto de Emenda Constitucional. Com base nessedispositivo, fica mais do que evidenciado que a Jus-tiça Castrense não é um Tribunal de Exceção, masuma Corte com previsão constitucional.

2. ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DA JUSTIÇA MILITAR

No sistema jurídico brasileiro, a Justiça Militar di-vide-se em Justiça Militar da União e Justiça Militardos Estados e do Distrito Federal, sendo que a pri-meira julga em regra os militares integrantes dasForças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea),quando estes violarem os dispositivos do CódigoPenal Militar, enquanto a segunda julga os inte-grantes das Forças Auxiliares, (Polícias Militares e Cor-pos de Bombeiros Militares), também por violação das

disposições do Códex Militar. A 1ª Instância da Justiça Militar da União é cons-

tituída pelos Conselhos de Justiça, formados por umjuiz auditor, provido no cargo por um concurso pú-blico de provas e títulos, e mais quatro oficiais. OsConselhos de Justiça dividem-se em Conselhos Espe-ciais, destinados ao julgamento dos oficiais, excetua-dos os oficiais generais, e Conselhos Permanentes,destinados ao julgamento das praças (soldado, cabo,sargento, subtenente, e aspirante a oficial).

Devido à formação mista existente nos Conse-lhos de Justiça, formados por um juiz civil mais osjuízes militares, estes são chamados de escabinado ouescabinato. Os militares que integram os ConselhosPermanentes atuam na Justiça Militar por um períodode três meses, ao término do qual novos oficiais serãochamados para compor a Corte Castrense.

É importante se observar que esses Conselhos deJustiça no âmbito da União são presididos por um juizmilitar que tenha a maior patente em relação aos de-mais integrantes do órgão julgador, e a sede daJustiça Especializada em 1º grau possui a denomina-ção de Auditoria Militar.

A organização da Justiça Militar Estadual e doDistrito Federal em 1ª instância é semelhante à daJustiça Militar Federal, guardadas algumas particula-ridades no tocante aos postos e graduações das Polí-cias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, umavez que nas Forças Auxiliares não existe a previsão deoficiais generais (general, almirante e brigadeiro).

Deve-se observar ainda que, com o advento daEmenda Constitucional n. 45/2004, Reforma do Po-der Judiciário, os Conselhos de Justiça no âmbito dosEstados e do Distrito Federal são presididos pelo juizde direito e não pelo juiz militar de maior posto.

No Estado de São Paulo, a Justiça Castrense pos-sui quatro Auditorias, todas com sede na Capital. Ospoliciais militares e bombeiros militares que residemno interior são obrigados a se deslocarem de suassedes, chamadas de OPM (Organizações Policiais Mi-litares), para serem processados na Capital, sendoobrigados na maioria das vezes a contratarem advo-gados que possuem os seus escritórios na cidade deSão Paulo.

No Estado de Minas Gerais, existem três Audito-rias Militares, cada uma com um juiz de direito titulare um juiz de direito cooperador, e todas com sede naCapital, Belo Horizonte. A Lei de Organização e Di-visão Judiciárias do Estado de Minas Gerais, Lei Com-plementar n. 59/2001, prevê a instalação de mais três

Março de 2012 23

Auditorias Militares, todas com sede no interior do Es-tado, sendo possivelmente uma na região da Zona daMata, uma na região norte do Estado e outra no Triân-gulo Mineiro.

O Estado do Rio Grande do Sul é o único Estadomembro da Federação que efetivamente possui Au-ditorias Militares no interior. Conforme a Lei de Orga-nização e Divisão Judiciárias do Estado, existe umaAuditoria Militar na cidade de Santa Maria e outra Au-ditoria Militar na cidade de Passo Fundo. Na capitaldo Estado, Porto Alegre, existem duas auditorias judi-ciárias militares.

Em nível de 2ª Instância, em relação à JustiçaMilitar Federal temos o Superior Tribunal Militar(STM), que julga os recursos provenientes das Audi-torias Federais e a matéria originária prevista em seuRegimento Interno. No caso da Justiça Militar estadual, a 2ª instância é constituída em alguns estados(Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul) pelosTribunais de Justiça Militar (TJM). Nos Estados ondenão existe o TJM, essa competência é exercida poruma Câmara Especializada do Tribunal de Justiça,como ocorre no Estado do Rio de Janeiro.

É importante se observar que o Superior Tribu-nal Militar (STM) não tem competência para julgar osrecursos provenientes da Justiça Militar estadual e doDistrito Federal. O STM tem competência para proces-sar e julgar os processos de justificação referentes aosoficiais das Forças Armadas destinados a decidirsobre a permanência ou não desses militares em seusrespectivos quadros. No âmbito dos Estados e do Dis-trito Federal, essa competência será do Tribunal deJustiça Militar nos estados onde existe e nos demaisEstados a competência será do Tribunal de Justiça ematendimento ao estabelecido na Lei de Organização eDivisão Judiciárias.

No artigo Perda da Graduação das Praças (ROSA,2012), verifica-se que as praças que integram asForças Auxiliares do Estado e do Distrito Federal so-mente poderiam perder as suas graduações em razãode matéria administrativa ou de matéria penal,comum ou militar por meio de decisão proferida peloórgão competente, que na forma da Constituição Fe-deral de 1988 é o Tribunal de Justiça Militar (TJM) nosEstados que possuem a Corte Militar, e nos demais es-tados da Federal por decisão a ser proferida pelas Câ-maras Especializadas dos Tribunais de Justiça.

Acontece que o Supremo Tribunal Federal (STF)já se manifestou a respeito da questão, inclusive coma edição da súmula 673, no sentido de que as praças

na seara administrativa poderão ser demitidas pormeio de decisão do comandante-geral e no âmbitopenal somente nos casos relacionados com os crimesprevistos no Código Penal Militar. No mesmo sentido,está a perda do posto e da patente dos oficiais, quesomente poderá ser decidida pela Justiça Militarquando estiver relacionada com a prática de ilícitospenais previstos no Código Penal Militar.

No Pretório Excelso, a perda do posto, da patentee da graduação das praças apenas ocorre quando es-tiver relacionada com a prática de ilícitos penais pre-vistos no Código Penal Militar, precedentes do minis-tro Joaquim Barbosa, um deles proveniente do Estadode Minas Gerais, e precedentes do ministro EnriqueRicardo Lewandowski.

Apesar das decisões proferidas pelo STF, PauloTadeu Rodrigues Rosa defende, na obra Direito Ad-ministrativo Militar – Teoria e Prática, que a Constitui-ção Federal de 1988 em nenhum momento fezqualquer diferenciação quanto à natureza do ilícito,comum ou militar, ou mesmo administrativo, no quese refere à perda do posto e da patente e da gradua-ção das praças. A norma constitucional assegura a vi-taliciedade aos militares que somente perderão o seuposto, patente ou a sua graduação por meio de de-cisão transitada em julgada proferida por Tribunalcompetente.

3. ANÁLISE DO MÉRITO ADMINISTRATIVO PELO PODER JUDI-CIÁRIO

Segundo a Constituição Federal, nenhuma lesãoou ameaça a direito deixará de ser apreciada peloPoder Judiciário. O sistema jurídico brasileiro fez aopção pela existência de uma jurisdição única, con-trapondo-se à organização de países como França,Espanha, Portugal e outros, que possuem duas juris-dições, uma administrativa e outra judicial, ou o quese denomina de sistema de jurisdição dúplice.

Nesse sentido, o Poder Judiciário no Brasil é oresponsável pelo julgamento de causas, lides, que es-tejam relacionadas tanto com questões judiciais e ad-ministrativas, não podendo deixar de dizer o direitono caso concreto. Em um Estado de Direito, os Po-deres (na verdade, as funções, pois o Poder é único)exercem controle uns sobre os outros na busca dapreservação da legalidade e do sistema democrático.Esse sistema de fiscalização é conhecido como sendode freios e contrapesos, ou, rules of the games.

O texto constitucional consagrou no art. 2º que

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os Poderes são independentes e harmônicos entre si,sendo que estes não se encontram em posições para-lelas, em que por meio das funções atípicas cada umexerce funções que tipicamente pertencem ao outroPoder. Fundamentado na independência dos poderese nos critérios de conveniência e oportunidade, quesão conceitos indeterminados, a doutrina construiu ateoria de que o Poder Judiciário não possui com-petência para analisar o mérito do ato administrativo,sendo este princípio repetido em vários julgados dosnossos Pretórios.

Segundo Hely Lopes Meirelles (1996),

Porém, não se deve esquecer que o adminis-trador também pode praticar excessos, agir com as-sédio moral, com abuso de autoridade e ainda comparcialidade, com flagrante violação ao princípio daimpessoalidade, que foi expressamente consagradono art. 37, caput, da CF, agindo com autoritarismo, es-quecendo-se dos preceitos que publicamente jurouaplicar e defender.

O mérito do ato administrativo é um conceito in-determinado, que permite dúvidas, controvérsias e atémesmo incertezas, e que muitas vezes é utilizado paraesconder os atos arbitrários que são praticados poradministradores afastados do espírito público quedeve reger as relações entre o Estado e os seus ad-ministrados e funcionário. Impedir que o Poder Judi-ciário, que por força da Constituição Federal deve semanifestar a respeito de qualquer lesão suportadapelo cidadão, venha a se manifestar sobre a validadee eficácia de um ato administrativo pelo fato de esteestar relacionado com o mérito administrativo é negarjurisdição ao administrado, o que fere a Carta da Re-pública.

A análise do mérito do ato administrativo peloJudiciário, como já acontece no ordenamento aliení-gena, não é invasão de competência ou mesmo umapossível ditadura desse Poder da República. A ques-tão é colocada como sendo controvertida, muitasvezes como um fantasma, que assusta e desperta aira daqueles que entendem que o Poder Judiciário es-taria limitando e invadindo a esfera de competênciado Poder Executivo.

A função executiva tem como finalidade a ad-

ministração do Estado na busca do interesse públicoe do bem comum da coletividade, que, por meio deum contrato, permitiu que uma pessoa abstrata (Es-tado) ficasse responsável pelo seu destino, mas respei-tando-se a lei e os princípios de moralidade, impes-soalidade, entre outros.

Celso Antônio Bandeira de Melo (1996, p. 10-11),ao se manifestar sobre o respeito à legalidade pelaAdministração Pública, observa que

.

Buscando superar o preconceito relacionadocom a análise do mérito do ato administrativo peloPoder Judiciário, que se afasta dos preceitos constitu-cionais, a doutrina pátria vem defendendo a tese se-gundo a qual a norma discricionária fica sujeita auma finalidade que seria a busca da melhor solução.

No entender de Celso Antônio Bandeira de Mello,(1996) o administrador, nos atos discricionários, devebuscar, entre as várias soluções aplicáveis ao caso, asolução ótima para dar atendimento à finalidade pre-tendida pela lei. A escolha dessa solução ótima con-figura-se em um ato de legitimidade, que deve seranalisado pelo Judiciário, uma vez que, quando nãoexiste atendimento à finalidade pretendida pela lei,este é nulo. Assim, a discricionariedade estaria rela-cionada com a lei e não seria uma questão de mérito.

A teoria formulada por Celso Antônio Bandeirade Mello possui fundamentos que permitem ao ad-ministrado questionar o ato discricionário por meio deprovas, para comprovar que a decisão tomada peloadministrador não levou à melhor solução, a soluçãoótima, pretendida pela lei, o que configura um desviode finalidade, permitindo-se ao Judiciário a análise dalegalidade do ato. Porém, deve-se observar que a teo-ria não resolve a questão da análise do mérito admi-nistrativo propriamente dito pelo juiz ou tribunal.

A Constituição de 1988, diversamente de outrostextos constitucionais, consagrou de forma expressaa existência de uma jurisdição una, em que somenteuma decisão transitada em julgado é que coloca tér-

(...)

a discricionariedade não é arbitrariedade, mas ape-

sar disto o Poder Judiciário não teria competência

para se manifestar sobre o mérito do ato adminis-

trativo, relacionado com a conveniência e a opor-

tunidade do administrador.

(...)

próprio do Estado de Direito, como se sabe, é en-

contrar-se em quaisquer de suas feições, sujeitado-

se aos parâmetros da legalidade. Inicialmente,

submisso aos termos constitucionais, em seguida,

aos próprios termos propostos pelas leis, e por úl-

timo, adstrito à consonância com os atos norma-

tivos inferiores de qualquer espécie, expedidos pelo

Poder Público. Deste esquema, obviamente, não

poderá fugir agente estatal algum, esteja ou não no

exercício de´poder´discricionário.

Março de 2012 25

mino a uma discussão, o que trouxe segurança ju-rídica aos particulares, que possuem direito de acessoa prestação jurisdicional. Afinal, se o Poder Judiciárioé o guardião dos direitos e garantias fundamentais docidadão, não há motivo para que não se estabeleçamlimites que não se encontrem estabelecidos na normafundamental, que deve ser observada e respeitada portodos aqueles que vivem no território nacional, bra-sileiros e estrangeiros.

No Brasil, existem esferas administrativas, comoos Tribunais de Impostos e Taxas, as Seções de Justiçae Disciplina (SJD) das Forças Armadas e das ForçasAuxiliares, as Justiças Desportivas, os Conselhos deContribuintes, o Tribunal de Ética da Ordem dosAdvogados do Brasil, o Tribunal Marítimo, entre ou-tros, mas as suas decisões não fazem coisa julgada, eo ato poderá ser revisto pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido, não há motivo por que o méritodo ato administrativo não pudesse ser analisado peloPoder Judiciário, que é o único órgão capaz de daruma solução final ao litígio. Não se deve esquecerainda que a Constituição Federal estabeleceu expres-samente que nenhuma lesão ou ameaça deixará deser analisada pelo Poder Judiciário.

4. ANÁLISE DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO DISCIPLINARPELO PODER JUDICIÁRIO MILITAR

A Constituição Federal estabeleceu expressa-mente que os poderes da União são o Poder Execu-tivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, os quaissão independentes e harmônicos entre si, o que sig-nifica que entre esses poderes não existe nenhumasubordinação, mas apenas e tão somente uma interli-gação.

O Poder Executivo é o detentor do orçamento e oresponsável pela administração, devendo gerenciarcom zelo e diligência a coisa pública, que não pertencea ninguém isoladamente, mas a todos os brasileiros,natos e naturalizados, que vivem no território nacional.O Poder Legislativo é o responsável pela elaboração deleis que irão reger o comportamento daqueles quevivem no território nacional. O Poder Judiciário é o res-ponsável pela realização de julgamentos, aplicando odireito, sem estar sujeito a qualquer tipo de política epressão. O Judiciário é o guardião dos direitos e garan-tias fundamentais do cidadão.

Na atualidade, afirma-se que os problemas en-frentados pelo Brasil são decorrentes da falta de umareforma efetiva no Poder Judiciário, o que não é ver-

dade. Os críticos não esclarecem à população, porexemplo, que muitos dos problemas brasileiros sãodecorrentes da falta de estrutura, malversação do di-nheiro público e da falta de respeito para com a coisapública, que acaba tendo uma destinação diversadaquela que é estabelecida muitas vezes na Lei de Di-retrizes Orçamentária.

A edição de leis sem uma prévia análise, um es-tudo efetivo de seu conteúdo e alcance, a falta de re-visão de leis consideradas essenciais para uma efetivaprestação jurisdicional, como o Código de ProcessoCivil e o Código de Processo Penal, contribuem paraa morosidade dos atos processuais, além da falta derecursos para melhor aparelhar o Poder Judiciário,como o aumento do número de funcionários e muitasvezes até mesmo a melhoria das condições físicas dosprédios onde se encontram as unidades judiciais.

Os juízes de 1ª instância, federais e estaduais,têm cumprido de forma efetiva as funções jurisdi-cionais para as quais foram investidos mediante con-curso público de provas e títulos, buscando atenderos anseios da população. O país também necessita deuma reforma legislativa, em que não possam existirquestões fisiológicas, impunidade, entre outras fatoresque levam a despesas que impedem uma melhoriadas condições estruturais do país.

Os jurisdicionados, ou, para muitos, os adminis-trados, têm direito a uma efetiva prestação jurisdi-cional, que deve se pautar pelos princípios que foramestabelecidos pela Constituição Federal de 1988, que,contrariamente a outros textos constitucionais, foi ex-pressa ao assegurar direitos e garantias fundamentaisa todos os brasileiros e estrangeiros residentes no ter-ritório nacional na construção de uma sociedade maisjusta e fraterna.

A independência dos Poderes da República nãoimpede que o Poder Judiciário no exercício de suasfunções constitucionais, que têm como fundamento apacificação das lides, possa analisar os atos que forampraticados pelos integrantes da Administração Públi-ca, Civil ou Militar, ou do Poder Legislativo quevieram a contrariar as leis que haviam sido previa-mente estabelecidas, causando prejuízos aos quevivem sob o império da lei.

O Poder Judiciário não pode e não deve interferirnos assuntos interna corporis dos Poderes, mas,quando um jurisdicionado, brasileiro ou estrangeiroresidente no país, é lesado e busca a proteção doPoder Judiciário, caberá ao juiz, federal ou estadual,ou ao tribunal competente analisar o ato praticado

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para verificar, com base no ordenamento jurídico, seo jurisdicionado suportou ou não uma lesão que deveser reparada para se evitar o arbítrio, o abuso, e maiscontemporaneamente o assédio moral1. Afinal, aindaexistem muitos paladinos da moral, que se dizem de-fensores da Carta Magna, mas que muitas vezes sãoos primeiros a macularem os princípios que publica-mente juraram honrar e defender.

4.1. Mérito do ato administrativo

A doutrina ensina que não cabe ao Poder Judi-ciário analisar o mérito do ato administrativo, ematendimento à independência que deve existir entreos Poderes, sob pena de se limitarem os poderesatribuídos à Administração Pública, que é a respon-sável pela realização e desenvolvimento dos objetivoselaborados pelo Estado.

É importante se observar que a teoria da tripar-tição dos Poderes na realidade estava relacionadacom a tripartição das funções, até porque o poder éúnico e indivisível, e, na democracia, como preferemalguns teóricos, todo poder emana do povo, sendoque nem sempre o povo é verdadeiramente o desti-natário das ações que são desenvolvidas.

O ato administrativo é prerrogativa da Adminis-tração Pública, ou, como ensina o próprio Hely LopesMeirelles, é manifestação unilateral de vontade da Ad-ministração Pública, com os seus requisitos e pressu-postos, que produzem todos os seus efeitos quando éeditado. Por força desse entendimento, o Poder Judi-ciário somente poderá analisar os aspectos formais doato administrativo, como competência, finalidade eforma, vedando-se a análise do objeto e do objeto.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu noart. 5º, inciso XXXV, que nenhuma ameaça ou lesão adireito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário.Nesse sentido, percebe-se que toda e qualquer lesãosofrida pelo jurisdicionado e que por este seja levadaao conhecimento do Judiciário poderá ser analisadapor este Poder.

O sistema que foi adotado pelo Brasil foi o dejurisdição única, o que permite que todas as ações in-

dependentemente de sua natureza sejam levadas aoconhecimento do Poder Judiciário, o qual não pode enão deve se afastar do exercício da prestação jurisdi-cional, que é uma garantia fundamental de todas aspessoas que vivem no território nacional.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Poder Judiciário, por força do estabelecido notexto constitucional de 1988, poderá analisar o méritodo ato administrativo para verificar se a decisão quefoi proferida pela Administração Pública, civil ou mili-tar foi escorreita, em conformidade com o ordena-mento jurídico e pautada pelos princípios expres-samente estabelecidos no art. 37, caput, da Constitui-ção Federal.

O juiz em nenhum momento deve substituir oadministrador público, mas também não deixar deanalisar o ato praticado sob o fundamento de que estese encontra sob o manto da conveniência e da opor-tunidade. O próprio Hely Lopes Meirelles ensina quediscricionariedade não é arbitrariedade, e que o ad-ministrador deve reger a sua conduta em conformi-dade com os preceitos legais, o que atualmente sedenomina de discricionariedade regrada.

No Brasil, a análise do mérito do ato administra-tivo tornou-se um dogma, com base no qual se buscalimitar a ação do Poder Judiciário, que é o guardiãolegítimo dos direitos e garantias fundamentais docidadão. Enquanto não existir uma jurisdição adminis-trativa, ou mesmo um Conselho Nacional do PoderLegislativo (CNPL), e um Conselho Nacional do PoderExecutivo (CNPE), formado por representantes da so-ciedade civil brasileira, caberá ao Poder Judiciário,sempre que provocado para tanto e em atendimentoao princípio constitucional segundo o qual nenhumalesão ou ameaça a direito deixará de ser apreciada peloPoder Judiciário, verificar o ato administrativo prati-cado pelos Poderes Executivo e Legislativo, e se for ocaso até mesmo do Poder Judiciário, para assegurar aocidadão o efetivo acesso a prestação jurisdicional.

A alegação segundo a qual a análise do méritodo ato administrativo não cabe ao Poder Judiciário

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1 O Estado de Minas Gerais, em atendimento aos preceitos constitucionais, por meio da Assembleia Legislativa do Estado, editou, no dia11 de janeiro de 2011, a Lei Complementar 116, que pune os atos de assédio moral que possam ser praticados pelos integrantes da Ad-ministração Pública. Devido a sua natureza, a lei complementar alcança os integrantes da Administração Pública Civil e Militar e, segundoalguns estudiosos, alcança também os integrantes do Poder Judiciário e do Poder Legislativo quando envolver a prática de atos de na-tureza administrativa. A Lei editada pelo Estado de Minas Gerais é um avanço e referencial para os demais Estados, uma vez que buscapunir aqueles que se utilizam do cargo público para a prática de atos pessoais com o intuito de prejudicar os seus subordinados, impondoa estes sofrimento de ordem emocional e muitas vez com a prática de ato que fere o princípio da dignidade da pessoa humana que foiconsagrado expressamente pela Constituição Federal de 1988.

não condiz com o texto constitucional, uma vez que oJudiciário poderá analisar se o ato que foi praticadopela Administração Pública por meio de seus inte-grantes foi proporcional, razoável, em conformidadecom a moralidade administrativa, que se tornou umprincípio constitucional previsto no art. 37, caput, daConstituição Federal de 1988.

Ainda que uma parte da doutrina seja contráriaao entendimento de que o mérito do ato administra-tivo pode e deve ser analisado pelo Poder Judiciário,é preciso que o art. 5 º, inciso XXXV, seja cumprido,uma vez que é uma norma de eficácia plena, produzi-dos os seus jurídicos e legais efeitos.

O legislador constituinte originário estabeleceudireitos e garantias fundamentais assegurados a todos

aqueles residentes no país, e o guardião desses direi-tos e garantias fundamentais são os juízes e Tribunais,que têm como compromisso a pacificação das lidescom justiça, com base nas leis que foram previamenteestabelecidas pelo Poder Legislativo no exercício desua função típica.

A mudança de paradigmas não acontecerá deum momento para outro. Exigirá estudos e reflexõesna busca de um prestação jurisdicional que seja efe-tiva e que possa permitir a preservação de forma im-parcial dos direitos que foram estabelecidos na Cons-tituição Federal e nos instrumentos internacionais queforam subscritos pela República Federativa do Brasil,como a Convenção Americana de Direitos Humanos,Pacto de São José da Costa Rica.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar – Comentários – Doutrina – Jurisprudência dos Tribunais Militares e TribunaisSuperiores. 5ª ed. rev. atual. Curitiba: Ed. Juruá, 2004.ASSUNÇÃO, Roberto Menna. Direito Penal e Processual Penal Militar. Rio de Janeiro: Destaque, 1999.BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1996.BLANCHET, Luiz Alberto. Curso de Direito Administrativo. Curitiba: Juruá, 1998. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade – Para uma Teoria Geral da Política. 4a ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992.CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2a ed. São Paulo: RT, 1995.CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995.DALLARI, Pedro. Constituições e Relações Exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994.DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 4a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.DUARTE, Antonio Pereira. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro: Forense, 1998.FAGUNDES, João Batista. A Justiça do Comandante. 2ª ed., Brasília, Edição do Autor, 2002.FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.FREITAS, Gilberto Passos de & FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade. 7a ed. São Paulo: RT, 1997. FREYESLEBEN, Mário Luís Chila. A Prisão Provisória no CPPM. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.LAZZARINI, Álvaro. Abuso de Poder x Poder de Polícia, in Revista dos Tribunais, vol. 721, pp. 338-349, nov/1995. ______. Estudos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.______. Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.______. et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo: Atlas, 1993.MACEDO, Murilo de. “Segurança Pública – Política”, in Revista da ADPESP, no 14, 1987.MACHADO, Antônio Carlos de Castro & QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi. “A Nova Polícia”, in A Força Policial, pp. 47-55, abr-mai-jun/1996.MARQUES, José Álvaro Machado. Dos Conselhos de Justiça e dos Conselhos de Sentença. Caderno Jurídico: Direito Penal Militar e ProcessualPenal Militar. São Paulo, a.3, v.6, p. 89-97, jul/dez-2004.MARTINS, Elizer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar. Leme: Editora de Direito, 1996.MAYER, Otto. Derecho Administrativo Alemán – Parte Especial. Buenos Aires: De Palma. Tomo II, 1950. t.2.MELLO, Celso Antônio Bandeira. Discricionaridade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar. São Paulo: Saraiva, 1994.ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. Vol I – Parte Geral, Vol II – Parte Especial. São Paulo:Editora Líder, 2011. 2 v.______. Contencioso Administrativo Militar – Devido Processo Legal, in Revista Síntese Trabalhista, n. 71, pp. 173-175, mai/1995. ______. Direito Administrativo Militar – Teoria e Prática. 4ª Ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2011.______. Perda da Graduação de Praças. Disponível em: <www.bengochea.com.br> Acesso em: 20 jan. 2012.ROTH, Ronaldo João. Deserção: Aspectos Penais, Processuais e Administrativos. Caderno Jurídico: Direito Penal Militar e Processual PenalMilitar, São Paulo, a.3, v.6, p.141-153, jul/dez-2004.______.Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação Jurisdicional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003.

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O devido processo legal no Processo Disciplinar Militar

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MÁRIO LÚCIO QUINTÃO SOARES

Membro do colegiado de pós-graduação e professor de Direito Constitucional, Teoria doEstado, Direito Eleitoral e Direito Comunitário dos Cursos de doutorado, mestrado e

bacharelado da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG | Presidente do Centro de Es-tudos de Direito Público | Vice-Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do

Conselho Federal da OAB | Conselheiro Federal da OAB/MG.

Em sociedade democrática, exige-se que o poli-cial militar tenha uma formação profissional equili-brada, para saber desempenhar o papel de interlo-cutor social e agir, tanto preventivamente quanto os-tensivamente, com o intuito de preservar a ordempública, nos estritos ditames da Constituição vigente(SOARES, 2011).

Nessa linha de argumentação, o policial militardeve ser capaz de organizar-se mentalmente, formu-lando um raciocínio lógico e racional sobre fatos con-cretos, ou seja, deve decidir com fundamentação legalque proporcione legitimidade a sua ação, pois sempreatua na sensível faixa da limitação das liberdades in-dividuais, sob a ótica weberiana do monopólio legí-timo da violência.

Necessariamente, deve conhecer a história ecompetência de sua instituição, a gloriosa Polícia Mili-tar de Minas Gerais, força auxiliar do Exército Na-cional e motivo de orgulho para nossa história, daqual é parte integrante, para compreender os mean-dros éticos da autoridade policial.

O policial militar deve honrar sua farda, ao agirem nome do aparelho estatal e nos confins de suasatribuições, capacitando-se a tomar decisões que se

reconheçam adequadas e alicerçadas nos princípiosconstitucionais da legalidade e da moralidade admi-nistrativa. Caso se exceda, deve arcar com as conse-quências de seus atos, tanto no âmbito administrativodo processo disciplinar quanto no judicial, que lhe épeculiar.

Daí decorre a exigência republicana de que opolicial militar seja rigorosamente recrutado, qualifi-cado e bem remunerado, para o exercício de suafunção constitucional de agente público, encarregadoda segurança pública em sociedade inclusiva e de-mocrática.

1 AS PRERROGATIVAS PARA ATUAÇÃO DO ADVOGADO EM SIS-TEMA REPUBLICANO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

No paradigma constitucional Estado Democrá-tico de Direito, que pressupõe a vinculação do legis-lador e dos atos estatais à Constituição, o Poder Pú-blico deve criar mecanismos institucionais no intuitode assegurar a possível igualdade, mediante arca-bouço eficaz de garantias constitucionais, entre osseus cidadãos, em um sistema capitalista periférico.

Nesse sistema de garantias, o processo constitu-cional brasileiro exige, pois, procedimentos demo-cráticos, que o legitimem, principalmente na fase deprodução do direito.

Nessa linha de reflexão, no exercício de suacidadania ativa, o jurisdicionado deve ter a efetivapossibilidade de obter um provimento jurisdicionalcélere e justo.

H. Arendt preconiza o direito de ter direitos,que só pode ser exercido em espaço democrático,

Na primeira noite, eles se aproximam e colhem

uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na

segunda noite, já não se escondem, pisam as flores,

matam nosso cão. E não dizemos nada. Até que um

dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa

casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta. E porque não dis-

semos nada, já não podemos dizer nada. (COSTA,

1987)

Março de 2012 29

construído pela cidadania (LAFER, 1997). O exercício da advocacia, alicerçado em prerro-

gativas, apresenta-se como o exercício da cidadania,com três compromissos fundamentais:

a) o da dignidade humana; b) o da salvaguarda do contraditório, da ampladefesa e do devido processo legal; c) o da independência e coragem do advogadoem relação aos eventuais detentores do poder.A luta pela dignidade da pessoa humana deve

acompanhar qualquer sujeito social e faz da advoca-cia, não uma simples profissão, mas uma missão cons-titucional.

O princípio constitucional da dignidade humanaimpõe a ruptura de todas as formas de opressão, im-pregnadas no entulho legislativo autoritário, atravésdas lutas processuais ou do status processualis, quedemocratizam o Judiciário, conforme Häberle1.

Como corolário da democratização do processo,em busca da utopia denominada justiça, a noção cons-titucional de igualdade de condições entre as partesno processo impõe o princípio da igualdade de armasou paridade de tratamento.

O princípio da igualdade de armas pretende cor-rigir a inferioridade processual de uma das partes, re-lativamente à outra, porquanto a desigual situaçãoeconômica, financeira e social entre ambas pode con-duzir à vitória aquela que não tem razão.

Os órgãos jurisdicionais de um Estado demo-crático devem ser imparciais, independentes e subme-ter-se, além do princípio de paridade das armas, aosprincípios constitucionais do contraditório, da ampladefesa e do devido processo legal (art. 5º, LIV).

O princípio constitucional do contraditório fun-damenta-se na expressão audiatur et altera pars (ouça-se a parte contrária), garantidora da ciência bilateraldos atos e dos termos processuais.

Alcança-se a garantia da bilateralidade de au-diência, dialeticamente, por intermédio do forneci-mento aos litigantes das informações de todos os atosprocessuais praticados por seu ex-adverso e pelo juiz,bem com da oportunidade que lhes deve ser dadapara contraditá-los, em defesa de seus interesses.

O princípio constitucional da ampla defesa las-treia-se no direito de se alegarem fatos relevantes ju-ridicamente e na possibilidade de se comprová-lospor quaisquer provas licitamente produzidas.

Constituem-se em derivações da cláusula dueprocess of law:

a) a acessibilidade econômica e técnica à Justiça; b) a garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII, daConstituição da República [CR]); c) o tratamento paritário das partes no processoprincípio da isonomia (art. 5º, I, CR); d) plenitude de defesa, com todos os meios a estainerentes, especialmente o direito de ser infor-mado;e) a bilateralidade da audiência (contradito-riedade); f ) o direito à prova legitimamente obtida ou pro-duzida; g) a publicidade, desde o aforamento da ação daparte, ou da acusação, até que seja prolatada asentença, necessariamente motivada. Finalmente, o advogado, em face de suas prer-

rogativas constitucionais, deve ter a necessária inde-pendência em face dos poderes constituídos e dospoderosos, como atributo inerente a seu papel em so-ciedade democrática.

Ao juiz, neste diálogo processual, cabe subme-ter-se ao discurso da adequação, ou seja, lidar comvalores tornados deontologicamente observáveis narelação processual. Porém, a dimensão do devido,inerente aos direitos, não lhe elimina as tensões in-ternas decorrentes da própria vivência democrática(RIBEIRO, 2011, p. 15).

2 O PROCESSO ADMINISTRATIVO MILITAR

Em sociedade conflituosa e tensa, como a brasi-leira, não se podem admitir ou apoiar ações violentasda polícia contra criminosos, por mais degeneradosque possam ser, visto que tais manifestações estimu-lam a ação de assassinos sem parâmetros2.

Quem defende a tese fascista de que bandidobom é bandido morto poderá um dia também ser ví-tima da sanha sem escrúpulos desses policiais.

Em termos do devido processo legal, tais policiais,caso venham a ser processados, têm, constitucional-mente, o direito de ampla defesa, especifica- mente,do contraditório, no julgamento de suas transgressõescomo agentes públicos, encarregados da repressão.

Em síntese, três são os pilares das instituiçõesmilitares das Minas Gerais: a disciplina, a hierar-

1 A teoria do status activus processualis foi desenvolvida por Peter Häberle, em texto intitulado Grundrechte in Leistungsstaat. 2 Opinião do Delegado-Geral de Polícia de São Paulo, Marcos Carneiro Lima, publicada na Folha de São Paulo de 26 de agosto de 2011.

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quia e a ética. As pessoas que fazem opção pelavida militar devem arcar com as consequênciasde seus atos, caso não consigam se adaptar e sub-meter a tais pilares.

Dentro desses parâmetros, evidencia-se o pro-cesso administrativo militar que visa a se aferir a con-duta de agente público estatal, na condição de militar,acusado, em tese, da prática de uma transgressãodisciplinar, previamente estabelecida no regulamen-to disciplinar pertinente.

Tal regulamento deve ser aprovado através deuma lei que tenha observado o devido processo le-gislativo, como elemento de garantia dos princípiosda legalidade e da reserva legal, em consonância como art. 5 º, LXI, da Constituição da República (ROSA,2099, p. 63).

A Constituição vigente determina, pois, que atransgressão e o crime propriamente militar estejamdefinidos ou tipificados em lei, para ensejarem adecretação da medida restritiva da liberdade indivi-dual, sanção, a ser aplicada, decorrente do descum-primento de norma legal.

Nesse sentido, a Lei estadual mineira de n.14.130/2002 instituiu o Código de Ética e Disciplina dos Mili-tares de Minas Gerais (CEDM), com o intuito de de-finir, especificar e classificar as transgressões disci-plinares e estabelecer normas relativas a sanções dis-ciplinares, conceitos, recursos, recompensas, bem co-mo regulamentar o Processo Administrativo Disci-plinar (art. 64) e o funcionamento do Conselho deÉtica e Disciplina Militares da Unidade (CEDMU).

Esse Código aplica-se aos militares da ativa; aosmilitares da reserva remunerada, nos primeiros cincoanos da passagem para a inatividade e nos casos ex-pressamente mencionados neste Código.

Frise-se, conforme definição de seu art. 3º, nodecorrer de sua carreira, pode o militar encontrar-sena ativa, reserva ou na situação de reformado3.

A Comissão Administrativa Disciplinar é com-posta por três militares que devem possuir maior grauhierárquico ou serem mais antigos que o acusado. Ematendimento ao princípio do julgamento do acusadopor seus pares, no processo administrativo em que oacusado for um militar integrante do quadro depraças, a Comissão também poderá ser composta porpraças, excetuando-se o presidente que deverá serum oficial pertencente à Polícia Militar ou Corpo de

Bombeiros Militar.As modificações estabelecidas pelo novo Código

de Ética e Disciplina da Polícia Militar de Minas Geraispodem ser consideradas paradigmas para as demaisforças auxiliares brasileiras no tocante a um julgamentojusto ao agente público, incumbido da repressão.

Pelo Manual de Processos e Procedimentos Ad-ministrativos da Polícia Militar de Minas Gerais, emseus arts. 1º, §§ 3º e 4º, o processo administrativo dis-ciplinar caracteriza-se como uma categoria especialdo gênero processo, ou seja, consiste no meio de apu-ração e punição de faltas graves dos servidores públi-cos militares, no exercício de suas funções.

O processo disciplinar demonstra-se como pres-suposto necessário para a imposição da pena de de-missão ao agente público estável, conforme o incisoII, § 1º, do art. 41, da Constituição da República.

O processo administrativo deve pautar-se emcinco vetores, em termos de transparência, da ver-dade e da lisura nas apurações:

a) a legalidade objetiva implica que o proces-so administrativo seja instaurado com base e para preservação da lei, sob pena de invalidade;b) a oficialidade exige que o controle da trami-tação do processo administrativo caiba à Admi-nistração, sob pena de responsabilidade para o ad-ministrador público, mesmo que seja provocadopor particular; c) em busca da verdade material, a Adminis-tração pode valer-se de quaisquer provas, desdeque obtidas licitamente;d) o informalismo ou desburocratização dosprocedimentos é exceção, pois a dispensa, deforma rígida, para o processo administrativo, deve estar prevista, em norma específica; e) a garantia republicana de defesa decorredos princípios constitucionais insculpidos naConstituição da República, notadamente: ampla defesa, contraditório e o devido processo legal. Nesse sentido, as sanções disciplinares devem ser

compatíveis com a preservação da imagem da institui-ção militar democrática, preservando a hierarquia e dis-ciplina da tropa, em face da natureza, amplitude e agravidade da transgressão disciplinar militar praticadapelo infrator. Caso seja necessário, os regulamentos mi-litares autorizam as prisões disciplinares e/ou caute-lares, respeitando-se a dignidade humana do infrator.

3 § 1º - Militar da Ativa é o que, ingressando na carreira policial-militar, faz dela profissão, até ser transferido para a reserva, reformadoou excluído.§ 2º - Militar da Reserva é o que, tendo prestado serviço na ativa, passa à situação de inatividade.§ 3º - Reformado é o militar desobrigado definitivamente do serviço.

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Nossa sociedade não admite que aqueles quefizeram um juramento de defender as instituições mi-litares, com sacrifício da própria vida, em tributo desangue pela ordem democrática, venham praticar

atos espúrios que maculem a imagem das instituiçõesrepublicanas.

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CÍCERO ROBSON COIMBRA NEVES

Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, servindo na Corregedoria daInstituição. Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas. Espe-cialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público. Especialista

em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Eu-ropeu da Universidade de Coimbra. Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Uni-

versidade Católica de São Paulo. Professor de Polícia Judiciária Militar doCentro de Altos Estudos de Segurança (CAES) e de Direito Penal Militar da Aca-

demia de Polícia Militar do Barro Branco

Policiamento ostensivo é atividade civil!Com essa máxima alguns sustentam que os

crimes capitulados no Código Penal Militar (CPM) comsemelhante redação no Código Penal comum (CP),praticados por policiais militares no exercício do poli-ciamento ostensivo, deveriam ser considerados cri-mes comuns e não militares, porquanto não se enqua-drariam na alínea “c” do inciso II do art. 9º do CPM,que, como se sabe, dispõe que são consideradoscrimes militares em tempo de paz aqueles que pos-suam idêntica descrição típica nos códigos penaiscomum e militar, quando praticados por militar emserviço, ainda que fora do lugar sujeito a adminis-tração militar, contra militar da reserva, ou reformado,ou civil.

Mais ainda, entendem os adeptos dessa máximaque o exercício do policiamento não preencheria oelemento típico de alguns crimes militares que des-crevem situações de serviço em que o fato ocorre, aexemplo do delito de dormir em serviço, art. 203 doCPM – em que a conduta é praticada por um militarque esteja na função de oficial de ronda, ou, nãosendo oficial, em serviço de vigia ou de ronda, per-mitindo o tipo penal a interpretação analógica ao dis-por que se enquadra na conduta o militar que durmaem qualquer serviço de natureza semelhante aosprecedentemente citados –, e do delito de desacato amilitar, art. 299 do CPM –, em que a conduta de de-sacato é praticada contra o militar no exercício defunção de natureza militar ou em razão dela.

Essa visão, todavia, está equivocada, e, muito

embora existam outras justificativas para sua origem,parece ter nascido de uma compreensão jurídica inau-gurada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com aedição da Súmula n. 297, de 13 de dezembro de 1963,que foi concebida no cenário da Constituição Federalde 1946.

Em verdade, o enunciado da Súmula não maisdeve surtir efeito, porquanto o ambiente constitu-cional que a favoreceu, há muito, sofreu alteraçãosubstancial. Assim, conforme se buscará demonstrara seguir, é possível sustentar não só que a atividadede policiamento ostensivo se enquadra na citadaalínea do inciso II do art. 9º do CPM, mas, mais ainda,sustentar que essa atividade pode preencher tambémoutros elementos típicos previstos nos crimes em es-pécie que se refiram a serviço, a serviço de ronda e afunção de natureza militar.

A Súmula n. 297 inaugurou, em 1963, sob égideda Constituição Federal de 1946, uma visão restritivado Direito Penal Militar ao dispor:

Note-se que, pelo conteúdo da Súmula, era mui-to clara a limitação da lei penal militar aos militaresdos estados, havendo uma predisposição a se consi-derá-los civis quando na função de policiamento os-tensivo.

E S T U D O S

Homenagem póstuma à Súmula n. 297 doSupremo Tribunal Federal

Oficiais e praças das milícias dos estados no exer-

cício de função policial civil não são considerados

militares para efeitos penais, sendo competente a

justiça comum para julgar os crimes cometidos por

ou contra eles.

Março de 2012 33

Essa visão, deve-se alertar, tinha razão de exis-tência, porquanto a redação da Constituição Federalde 1946, cenário constitucional em que a Súmulanasceu, consignava no inciso XII do art. 124 que

nada mencionando acerca da competência, favore-cendo, pois, a vertente restritiva do STF.

A Constituição Federal de 1967, mesmo com aEmenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969,ao tratar das Justiças estaduais, continuou sendomuito abrangente para o foro Castrense no âmbitodos estados, uma vez que a alínea “d”, do § 1º, doart. 144 dispunha apenas que a Justiça Militar estad-ual era constituída em primeira instância pelos Con-selhos de Justiça e que tinham como órgãos desegunda instância o próprio Tribunal de Justiça, aindanada mencionando acerca da competência, o que ar-rimava a prevalência da Súmula n. 297 do STF.

Ocorre que, em 13 de abril de 1977, pela Emen-da Constitucional n. 7 (Pacote de Abril de 1977), essedispositivo constitucional ganhou nova redação, ago-ra mencionando que a Justiça Militar estadual, cons-tituída em primeira instância pelos Conselhos deJustiça, e, em segunda, pelo próprio Tribunal de Jus-tiça, possuía competência para processar e julgar, noscrimes militares definidos em lei, os integrantes daspoliciais militares, fazendo com que a Súmula emquestão perdesse sua razão de existência.

Dessa forma, agora por previsão constitucional,todos os crimes militares definidos em lei, entenda-se, no Código Penal Militar, quando praticados no âm-bito das polícias militares, constituiriam crimes mi-litares que deveriam ser julgados pelas Justiças Mi-litares estaduais, o que, obviamente, incluía a dis-posição da alínea “c” do inciso II do art. 9º do CPM,influenciando também na interpretação de algunstipos penais militares que façam menção em seus ele-mentos típicos a condutas praticadas contra militaresem serviço, a exemplo dos dois delitos anteriormentecitados.

A Constituição Federal de 1988 manteve a com-petência de julgamento das Justiças Militares dos es-

tados em sua redação, agora no § 4º do art. 125, nãosofrendo restrição, salvo no crime doloso contra a vidade civil, com o advento da Emenda Constitucionaln. 45, de 8 de dezembro de 2004, podendo-se afirmar,com absoluta certeza, que a Súmula n. 297 doPretório Excelso continua superada pela atual reali-dade constitucional.

Nesse sentido, com muita perspicácia, dispõeScarance Fernandes (2010, p. 142):

Malgrado a conclusão pela superação da Súmulan. 297, mesmo após a Constituição Federal de 1988,houve aqueles que insistiam na sua observância, aexemplo do Superior Tribunal de Justiça(STJ). Em13 de outubro de 2004, no Conflito de Competêncian. 45804/RJ, sob relatoria do ministro Gilson Dipp, oSTJ decidiu:

Sempre houve muita discordância sobre os limites

da competência da Justiça Militar. O Supremo Tri-

bunal Federal, por meio da Súmula 297, deixara

assentado que ‘oficiais e praças das milícias dos es-

tados no exercício de função policial civil não são

considerados militares para efeitos penais, sendo

competente a justiça comum para julgar os crimes

cometidos por ou contra eles’. Isso levava a uma

tendência jurisprudencial restritiva no julgamento

dos conflitos de competência entre a Justiça co-

mum e a Militar, normalmente se entendendo que

os militares deveriam ser processados perante a

Justiça comum. Todavia, com a Emenda Constitu-

cional 7, de 13.04.1977, que modificou o art. 144,

§ 1º, d, da Constituição Federal, foi atribuída à

Justiça Militar competência para julgar militares

em crimes militares, invertendo-se a tendência pre-

toriana com uma ampliação demasiada da com-

petência da Justiça Militar. A Constituição de 1988,

mantendo tal redação, consagrou essa corrente ju-

risprudencial ampliativa1.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DESACATO, DESO-

BEDIÊNCIA E RESISTÊNCIA SUPOSTAMENTE COME-

TIDOS POR SOLDADO DO EXÉRCITO BRASILEIRO

FORA DE SERVIÇO CONTRA POLICIAIS MILITARES

EM SERVIÇO DE PATRULHA-MENTO OSTENSIVO.

CARACTERIZADA A FUNÇÃO DE POLICIAL CIVIL.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

I - Hipótese em que os crimes foram cometidos

pelo soldado do Exército Brasileiro contra um Sar-

gento e um Soldado da Polícia Militar, que estavam

em serviço de patrulhamento ostensivo no Parque

Carmelina de Carvalho, Vilar dos Teles, Município

1 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 142.

(...)

a Justiça Militar estadual, organizada com obser-

vância dos preceitos gerais da Lei federal (art. 5º,

n. XV, alinea f ), terá como órgãos de primeira in-

stância os Conselhos de Justiça e como órgão de

segunda instância um Tribunal especial ou o Tri-

bunal de Justiça

E S T U D O S |

O julgado acima – afora a discussão de crimemilitar entre militares federal e estadual, que mereceoutro estudo detalhado – teve por premissa a Súmulan. 297 do STF, entendendo-se que os militares do Es-tado, por estarem em policiamento ostensivo, nãopoderiam ser considerados em serviço de naturezamilitar, afastando-se, por consequência, a competên-cia da Justiça Castrense.

Para que essa concepção jurisprudencial fossealterada, houve necessidade de que o próprio Su-premo Tribunal Federal reconhecesse a superação daSúmula n. 297, vide o Habeas Corpus n. 82.142/ MS,julgado em 11 de dezembro de 2002, sob relatoria doministro Maurício Corrêa. No caso em espécie, em umgrupo policial misto, integrado por policiais militarese civis do Estado do Mato Grosso do Sul, denominadoDepartamento de Operações de Fronteira (DOF), o en-tendimento inicial do Poder Judiciário sul-mato-grossense foi no sentido de que a função não eraafeita à atividade da Polícia Militar, de sorte que osilícitos penais praticados pelos militares não seriamcrimes militares. Avaliada pelo Supremo Tribunal Fe-deral, no entanto, a visão foi reformada, firmando-sea competência da Justiça Militar estadual por tratar-se de crime militar. Vejamos a ementa do acórdão:

Em verdade, a concepção do Supremo TribunalFederal foi alterada muito antes do julgado descrito,já que no julgamento do Recurso em Habeas Corpusn. 56.049-SP, em 13 de junho de 1978, em sessãoplenária, considerando a vigência da Emenda Consti-tucional n.7 de 1977, foi acolhida a proposta de refor-mulação da Súmula n. 297, encaminhando-se adecisão à Comissão de Revisão da Súmula, para efeitode nova redação. Todavia, tal reformulação não ocor-reu, o que leva alguns a sustentarem ainda seus ar-gumentos.

Felizmente, mesmo no Superior Tribunal de Jus-tiça, atualmente já se reconhece a superação da Sú-mula. Nesse sentido, veja-se o Habeas Corpus n. 114.825/PR, julgado em 29 de setembro de 2009, sob relatoriado ministro Jorge Mussi:

34 Revista de Estudos & Informações | www.tjmmg.jus.br

de São João de Meriti/RJ.

II - Tratando-se de soldado do Exército que não se

encontrava em serviço e de policiais militares em

função de policiamento ostensivo, o caso é de in-

cidência do verbete de número 297/STF.

III - Conflito conhecido para declarar competente o

Juízo de Direito do I Juizado Especial Criminal de

São João de Meriti - RJ, o suscitado. (g.n.)

HABEAS-CORPUS. POLICIAL MILITAR. CONDUTA

RELACIONADA COM ATUAÇÃO FUNCIONAL.

CRIMES TAMBÉM DE NATUREZA PENAL MILI-

TAR. COMPETÊNCIA RECONHECIDA.

1. Policial militar. Existência de delitos tipificados

ao mesmo tempo no CP e no CPM. Condutas que

guardam relação com as funções regulares do

servidor. Crime militar impróprio. Competência da

Justiça Militar para o julgamento (CF, artigo 124).

2. Departamento de Operações de Fronteira do Es-

tado de Mato Grosso do Sul. Polícia mista. Mesmo

nas hipóteses em que entre as atividades do poli-

cial militar estejam aquelas pertinentes ao policia-

mento civil, os desvios de condutas decorrentes de

suas atribuições específicas e associadas à ativi-

dade militar, que caracterizem, perpetradas contra

civil ou a ordem administrativa castrense, cons-

tituem-se em crimes militares, ainda que ocorridos

fora do lugar sujeito à administração militar (CPM,

artigo 9º, II, "c" e "e").

3. Nesses casos a competência para processar e jul-

gar o agente público é da Justiça Militar. Enunciado

da Súmula/STF 297 há muito tempo superado.

4. Crime de formação de quadrilha (CP, artigo 288).

Delito que não encontra tipificação correspondente

no Código Penal Militar. Competência, nessa parte,

da Justiça Comum. Habeas-corpus deferido em

parte.

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. NULIDADE. IN-

COMPETÊNCIA DO JUÍZO. PRINCÍPIO DO JUIZ

NATURAL. ALEGADA OFENSA. NULIDADE ABSO-

LUTA. CONHECIMENTO DO MANDAMUS.

1. Possível o conhecimento de remédio constitu-

cional em que se alega a incompetência material

da Justiça Militar, ou seja, ofensa ao postulado do

Juiz Natural, pois a situação enquadra-se, embora

por vias oblíquas, na dicção do art. 5º, LXVIII, da

CF, que prevê o habeas corpus como ação consti-

tucional que presta-se a repelir constrangimento

ilegal ou ameaça à liberdade de locomoção, por

abuso de poder ou ato de autoridade, já que uma

ação criminal sempre acarreta gravames que im-

portam ou podem importar em restrição à liber-

dade do acusado. COMPETÊNCIA. DESACATO.

DELITO COMETIDO POR INTEGRANTE DO

CORPO DE BOMBEIROS CONTRA POLICIAIS MILI-

TARES EM FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTEN-

SIVO. RÉU E VÍTIMAS EM SITUAÇÃO DE

ATIVIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, II, A, DO

CPM. CRIME MILITAR IMPRÓPRIO. SUPERAÇÃO

DA SÚMULA 297 DO STF. COMPETÊNCIA DA

JUSTIÇA CASTRENSE. DECISÃO DO TRIBUNAL IM-

PETRADO ACERTADA. COAÇÃO ILEGAL NÃO EVI-

Março de 2012 35

Deve-se ressaltar, neste ponto, que o julgadosupra se utiliza do fundamento do art. 144, § 5º, daCF para definir que o policiamento ostensivo éatribuído a uma instituição militar estadual, podendo-se extrair que se trata de atividade militar na ordemconstitucional, desenvolvida, ademais, por servidoresmilitares, nos termos do art. 42 também da Lei Maior.

Também no âmbito das Justiças Militares esta-duais é possível verificar o afastamento da Súmulan. 297 do STF. No Tribunal de Justiça Militar do Es-tado de São Paulo, por exemplo, vide a Exceção de In-competência Criminal n.1/09 (Feito n. 47.757/07-1ª Auditoria), julgada em 10/03/2010, sob relatoriado Juiz Cel PM Fernando Pereira:

Ainda no plano das justiças castrenses esta-duais, no Estado do Piauí, veja-se a Apelação Criminaln. 201000010029524-PI, julgada em 14/09/2010,sob relatoria do Desembargador Erivan José da SilvaLopes:

Dessarte, é possível sustentar, nesse contexto,que a atividade de policiamento ostensivo se en-quadra na previsão da alínea “c” do inciso II do art. 9ºdo CPM, valendo dizer que o policial militar que pra-tique conduta delitiva no policiamento ostensivo, es-tará em serviço para fins de aplicação da lei penalmilitar. Também é possível defender que aquele quedolosamente durma no exercício do policiamento os-tensivo, poderá ter sua conduta subsumida no art. 203do CPM, a exemplo do que decidiu o Tribunal deJustiça Militar do Estado de São Paulo na ApelaçãoCriminal n. 5.575/2006 (Feito n. 38.876/04 -1ª Audi-toria), julgada em 30/01/2007, sob relatoria do juizCel PM Fernando Pereira:

Nesse mesmo sentido, no Tribunal de JustiçaMilitar do Rio Grande do Sul, veja-se a Apelação Cri-minal n. 4.484/2008, julgada em 11/02/2009, sob re-latoria do juiz Octavio Augusto Simon de Souza:

DENCIADA. 1. Tendo o crime de desacato sido

cometido na circunstância prevista no art. 9º, II,

letra a, do Código Penal Militar, ou seja, "por militar

em situação de atividade ou assemelhado, contra

militar na mesma situação", basta, para fins de con-

figuração do delito militar impróprio, serem réu e

vítimas militares da ativa, pois a lei não exige outra

circunstância além da condição pessoal dos en-

volvidos para conferir ao delito comum a cono-

tação de crime militar. Precedentes do STF e deste

STJ.

2. O enunciado sumular n. 297 do STF encontra-se

superado, pois vai contra a nova ordem constitu-

cional, especialmente em se considerando o dis-

posto no art. 144, § 5º, da atual CF, que é claro ao

atribuir às polícias militares, e não à civil, a função

de policiamento ostensivo, existindo inclusive pro-

posta para a reformulação do referido verbete

sumular desde o ano de 1978, dada a Emenda

Constitucional n. 7/77. Precedentes do STF.

3. Verificando-se a superação da Súmula n. 297 do

STF e tratando-se de crime militar impróprio, com-

pete à Justiça Militar o seu processamento e julga-

mento.

4. Ordem denegada, cassando-se a liminar anteri-

ormente concedida, que apenas suspendia o curso

da ação penal em questão. (g.n)

Reputa-se militar e sujeito à competência da Jus-

tiça Castrense o crime tipificado no Código Penal

Militar que, embora definido de igual modo no

Código Penal comum, seja praticado por militar em

serviço contra civil. O enunciado da súmula 297 do

Supremo Tribunal Federal, editado na vigência da

Constituição de 1946, foi superado pela Emenda

Constitucional nº 7 de 1977 e pelo atual ordena-

mento constitucional.

APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESSUAL PENAL.

CRIME MILITAR. RÉU INVESTIDO DE FUNÇÃO

CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. SU-

PERAÇÃO DA SÚMULA 297 DO STF. RECURSO

CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. Imputado ao réu a prática de conduta tipificada

como crime militar, à Justiça Militar compete

processá-lo e julgá-lo, mesmo que praticado o

delito quando investido da função de Delegado de

Polícia. Superação da Súmula 297 do STF. Prece-

dentes da Suprema Corte.

2. Recurso conhecido e improvido.

Policial militar, previamente escalado para super-

visionar o serviço de polícia ostensiva, é flagrado

por superior hierárquico, dormindo em seu turno

de serviço, sem portar equipamentos e despojado

de seu fardamento. Impossível pelas circunstâncias

fáticas não denotar o dolo em seu proceder, pela

vontade livre e clara de dormir. Plenamente tipifi-

cado o delito do art. 203 do CPM. (g.n.)

DORMIR EM SERVIÇO. ART. 203 DO CPM. Policial

militar que dorme, durante o serviço de policia-

mento, no interior de uma viatura militar, comete

o delito previsto no artigo 203 do Código de

Processo Militar. Apelo improvido. Unânime.

E S T U D O S |

Finalmente, a atividade de policiamento osten-sivo também é apta a preencher elementos típicosque se refiram a atividade militar, a exemplo da ex-pressão função de natureza militar, prevista no jácitado art. 299 do CPM (desacato a militar). Nessalinha, no Tribunal de Justiça Militar do Estado de SãoPaulo, tome-se a Apelação Criminal n. 5.575/06(Feito n. 38.876/2004 - 1ª Auditoria), julgada em30/01/2007, sob relatoria do juiz Cel PM FernandoPereira:

Ainda com essa mesma compreensão, no Tribu-nal de Justiça Militar de Minas Gerais, tem-se a Ape-lação Criminal n. 2.528/2008, julgada em 11/11/2008,sob relatoria do Juiz Jadir Silva:

Analisando a íntegra do acórdão proferido naapelação criminal acima, percebe-se que a condutado condenado desacatou dois militares do Estado queexecutavam patrulhamento de rotina na Avenida Civi-lização, no Município de Ribeirão das Neves/MG, ouseja, na execução de policiamento ostensivo que, nojulgado, foi corretamente considerado como funçãode natureza militar.

Por tudo o que foi exposto, chega-se à conclusãode que o enunciado da Súmula n. 297 do SupremoTribunal Federal não mais deve surtir efeito, por-quanto o cenário constitucional, desde 7 de abril de1977, sofreu alteração substancial. Essa nova reali-dade constitucional importou também em uma mu-dança da visão jurisprudencial, merecendo o verbete,com o devido respeito, apenas uma homenagem pós-tuma.

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[...]

- Comprovado que os impropérios foram proferidos

com o intuito de menosprezar, de deprimir a au-

toridade dos militares envolvidos na ocorrência,

configura-se o crime de desacato a militar (art. 299,

do CPM).

[...]

Incide em desacato a militar o policial militar que,

na presença de civis, dirige palavras ofensivas a

miliciano em atendimento de ocorrência, com a fi-

nalidade de desprestigiar a função por ele desem-

penhada. (g.n.)

- Eleva-se a pena acima do mínimo legal quando

as circunstâncias judiciais (art. 69 do CPM) são, em

sua maioria, desfavoráveis ao acusado.

- Não há demonstração nos autos de comporta-

mento meritório, capaz de ensejar a incidência da

atenuante contida no inciso II do art. 72 do Código

Penal Militar.

- Recurso improvido.

Nos termos da Lei n. 8.457/1992, a perda doposto e patente pode ocorrer de duas formas distintas:origi-nariamente em relação ao tribunal como decor-rência da representação para decretação de indig-nidade de oficial ou sua incompatibilidade para como oficialato (art. 6º, inciso I, alínea ‘h’); em consequênciado processo decorrente do Conselho de Justificação(art. 6º, inciso II, alínea ‘f’).

Na primeira hipótese, como o feito é de com-petência originária do Superior Tribunal Militar (STM),a competência de sua promoção exclusiva é do Minis-tério Público Militar, como assegura o art. 116, II, daLei Complementar n. 75/1993.

Todavia, a segunda hipótese vem gerando umadiscussão no sentido de qual seria o órgão legítimopara dar início àquele processo, que se originou doprocesso decorrente do Conselho de Justificação, oqual, como se sabe, em um primeiro momento (pe-rante a organização militar), era de natureza adminis-trativa.

Não resta dúvida quanto à necessidade de par-ticipação do Ministério Público no processo decor-rente do Conselho de Justificação. No entanto, épossível discutir se essa participação limitar-se-á àsimples condição de custos legis – o fiscal da lei –, ouse, assim como nos casos de representação pela de-cretação de indignidade ou incompatibilidade as-sumiria o Parquet a condição de promotor daqueleprocesso especial perante o Tribunal.

Epaminondas Fulgêncio Neto e Rafael Pereirados Santos (2011) lembram que a questão da legitimi-dade para a propositura do Processo de Justificação

já foi debatida no Estado de Minas Gerais, suscitadano Processo de n. 150, a partir de preliminar levan-tada pelo juiz do Tribunal de Justiça Militar mineiroFernando Galvão da Rocha.

A construção que se faz, com base no voto deFernando Galvão, é a de que, no processo oriundo doConselho de Justificação (ou processo administrativosimilar), torna-se imperioso que a provocação do Ju-diciário (inerte pela própria natureza) parta de órgãocom legitimidade para tanto.

Do referido voto, é de se extrair a seguinte pas-sagem:

A C A D E M I A M I N E I R A D E D I R E I T O M I L I TA R

Legitimidade para promoção do processooriginário do Conselho de Justificação

perante o Tribunal competente

Março de 2012 37

JORGE CESAR DE ASSIS

Membro do Ministério Público da União sendo Promotor da Justiça Militar emSanta Maria – RS | Sócio fundador da Associação Internacional das Justiças Mili-tares –AIJM | Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora

Juruá | Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar| Administrador do site www.jusmilitaris.com.br.

[...] Como é sabido, todo o processo judicial possui

pressupostos para sua constituição e desenvolvi-

mento e desenvolvimento válido e regular. Neste

contexto, a provocação da jurisdição constitui pres-

suposto de observância inafastável. A Jurisdição

sem ação constitui ofensa ao princípio garantista

da inércia da jurisdição. Os órgãos jurisdicionais

são, por sua própria natureza, inertes. Neste sen-

tido é a mensagem dos consagrados brocardos do

nemo iudex sine actore e ne procedat judex ex officio.

A função jurisdicional, nos casos em que pode

haver prejuízos para a situação jurídica do jurisdi-

cionado, somente pode ser exercida em relação a

uma lide que uma parte interessada deduz em

juízo. É verdade que a lide não é uma característica

essencial do processo judicial. Nos casos em que a

doutrina visualiza jurisdição voluntária, como a

separação consensual, não há lide. Mas, mesmo

nestes casos, o processo só pode iniciar-se por

provocação dos interessados. Em outras palavras,

se a lide não é um pressuposto de constituição e

desenvolvimento válido do processo, a provocação

da jurisdição por meio da ação o é.

A C A D E M I A M I N E I R A D E D I R E I T O M I L I TA R |

38 Revista de Estudos & Informações | www.tjmmg.jus.br

Concordamos em parte com a tese apresentadapelo ilustre juiz Fernando Galvão, já que este, no jul-gamento do Processo de Justificação em questão,propunha a remessa dos autos para a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, para a proposituraou não da ação de perda do posto e patente, com oque o Tribunal, por maioria, não concordou.

A essência da proposta de remessa dos autospara a Advocacia-Geral tem suporte constitucional.Com efeito, se volvermos os olhos para o art. 133 daConstituição Federal iremos ver que a Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição que, diretamenteou através de órgão vinculado, representa a União, ju-dicial e extrajudicialmente. A AGU representa, por-tanto, as Forças Armadas, as quais, em que pesem osrelevantes serviços prestados à Pátria, integram a Ad-ministração Direta do Executivo Federal. O mesmoraciocínio se aplica agora à Advocacia-Geral do Es-tado de Minas Gerais [e assim nos demais Estados e

Distrito Federal], a qual, nos termos do art. 128 daConstituição Estadual mineira, representa aquele Es-tado, judicial e extrajudicialmente, englobando, porcerto, a representação da Polícia Militar e do Corpo deBombeiros Militar.

Acreditamos, no entanto, que tal remessa dosautos do Processo de Justificação é, em vista do atualordenamento jurídico vigente, dispensável.

Como assevera Ronaldo João Roth (2003, p. 13),é de se registrar que ambos os processos (represen-tação para declaração de indignidade ou incompati-bilidade e Conselho de Justificação) dependem dedecisão judicial para a perda do posto e da paten-te, pois esta só ocorre se o oficial for considerado in-digno ou incompatível com o oficialato.

Ora, já existe um legitimado legal (LC 75/1993,art. 116, inciso II) para a representação pela perda doposto e patente, que é o Ministério Público Militar.Desta forma, entendemos que os autos do Conselhode Justificação, após darem entrada no Tribunal,podem seguir diretamente para o Ministério Público,onde o ente ministerial ali atuante fará o exame deadmissibilidade da eventual representação, como sóiacontecer nos casos de condenação criminal a penassupe- riores a dois anos. Tanto os autos do Conselhode Justificação (ou processo administrativo similar)quanto as peças de informação que visam a perda doposto e patente dos oficiais seguem, então, ao Minis-tério Público Militar, que já possui legitimidade paratanto.

Nesse sentido, é de se registrar o Enunciadon. 06, do 1º Encontro Institucional em busca daUni-dade, realizado entre o Ministério Público daUnião e o Ministério Público do Rio de Janeiro:

Por sua vez, os membros do Ministério PúblicoMilitar, reunidos durante o 7º Encontro do Colégio deProcuradores da Justiça Militar, aprovaram proposi-ção para que o Conselho de Justificação no Superior

E, justamente por ser necessário identificar uma

lide para a constituição e desenvolvimento de um

processo judicial válido, é que nos casos de perda

de posto e patente dos oficiais, bem como de gra-

duação das praças, fundados em condenação cri-

minal a pena superior a 02(dois) anos, as peças de

informação são encaminhadas ao Ministério Pú-

blico e o Exmo. Sr. Procurador de Justiça postula o

provimento judicial por meio de ação. Se nestes

casos de julgamento sobre perda do posto e da

patente é necessário a provocação da jurisdição,

com mais razões deve-se exigir a provocação da

jurisdição nos casos de julgamento em razão

de infração disciplinar. Isto porque, nos casos de

perda do posto e patente em decorrência de con-

denação criminal, o processo judicial tem início

com a denúncia e o julgamento constitui um des-

dobramento do provimento judicial que decretou a

condenação. No caso de infração disciplinar, por

outro lado, a apuração da infração disciplinar foi

toda realizada na administração. O procedi-

mento administrativo deve se transformar em

processo judicial e isto somente é possível medi-

ante provocação da parte interessada. (TJMMG.

Processo de Justificação n. 150. Relator: Osmar

Duarte Marcelino. Belo Horizonte, acórdão de 9 de

jun. de 2010. DJMe, Belo Horizonte, 26 jun. 2010.

Disponível em:< http://www.tjmmg.jus.br>)

Findo o Conselho de Justificação, que concluir por

perda de posto das Forças Armadas, ou Conselho

de Disciplina e Justificação, que concluir por perda

de graduação ou posto nas Polícias Militares e

Bombeiros Militares, a perda de posto deve ser efe-

tivada por meio de ação inominada, nos termos do

que dispõem os artigos 142, § 3º, inciso VI e 125,

§ 4º da Constituição Federal.1

1 1º Encontro Institucional em busca da Unidade. MPU-MPRJ, realizado em 27.08.2010, no Rio de Janeiro/RJ.

Tribunal Militar deva ser provocado pelo MinistérioPúblico Militar, na forma de Representação pela de-claração de Indignidade e Incompatibilidade para ooficialato2.

A outorga de legitimidade da Advocacia-Geral,no entanto, não é de se desprezar, já que defende osinteresses do Estado e da União em face da condutaindesejada de seus servidores. Deve, porém, estarprevista na lei, o que, aliás, está em sintonia com aposição abalizada de Ronaldo João Roth ( 2003, p. 18),quando asseverou que

Conquanto Ronaldo Roth se referisse ao Minis-tério Público, a tese pode ser ampliada para alcançara Advocacia-Geral/Procuradoria-Geral da União e dosestados já que, como mencionamos anteriormente,em relação ao MP a previsão legal já existe.

No julgamento do Processo de Justificação n. 150,o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais retro-cedeu quanto ao entendimento até então vigente deque o Processo de Justificação quando em curso noTribunal é de natureza judicial. Com efeito, baseando-se em julgamento do RE n. 599.613-1 pelo SupremoTribunal Federal, em 1º/06/2009, entendeu que a

questão das preliminares suscitadas quanto à legiti-midade da propositura do processo restaram todasafastadas pelo fato de que o Processo de Justificaçãoera, efetivamente, um processo de natureza adminis-trativa.

Há que se fazer justiça, entretanto, ao Tribunal,pois uma segunda preliminar suscitada naquele em-blemático julgamento - a da legitimidade do Minis-tério Público para propor o Processo de Justificação -foi acatada por unanimidade, sendo então os autosencaminhados para o Procurador de Justiça junto aoTJMMG, que de maneira surpreendente entendeu quea legitimidade era da Advocacia-Geral. Ora, a manter-se o entendimento de que o processo carecia de umautor, no caso o Ministério Público, já que a legitimi-dade da Advocacia-Geral havia sido rejeitada, ante anegativa do órgão ministerial em provocar o pro-cesso, restou ao Tribunal considerar o feito de na-tureza administrativa (posição vigente nos tribunaissuperiores, com as reservas já expostas anteriormen-te) e assim julgar o feito, sob pena de extinção da-quele processo.

Com a devida vênia, causou surpresa a posturado Ministério Público junto à Corte Militar mineira,ante os desdobramentos que o julgamento tomou. Arecusa do Parquet em provocar o Tribunal por meioda ação originária de representação pela perda doposto e patente (indignidade ou incompatibilidadepara o oficialato) em decorrência do Processo de Jus-tificação n. 150 obrigou a Corte mineira a retrocederum entendimento pacífico até então, o de que oProcesso de Justificação, quando em curso no Tribu-nal, é de natureza judicial.

Março de 2012 39

[...] de lege ferenda, seria importante que se inserisse

regra explícita na Lei do Conselho de Justificação

quanto à atuação obrigatória do Ministério Público,

destinando-lhe a nobre missão de zelar pelo con-

traditório e pela regularidade daquele processo, que

como vimos, cuida de matéria constitucional, ou

seja, da perda do posto e da patente dos oficiais,

tanto das Forças Armadas como das Polícias Mili-

tares e dos Corpos de Bombeiros Militares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASFULGÊNCIO NETO, Epaminondas; SANTOS, Rafael Pereira dos. Processo de Justificação: qual é o órgão que tem legitimidade para pro-movê-lo? Revista Direito Militar, Florianópolis, v. 14 , n. 87, p. 30-33, jan./fev. 2011.ROTH, Ronaldo João. A prescrição, os recursos e a atuação do Ministério Público no Conselho de Justificação. Revista Direito Militar, Flo-rianópolis, v. 7, n. 42, p. 13-18, jul./ago. 2003.

2 7º Encontro do Colégio de Procuradores da Justiça Militar, realizado em Brasília/DF, entre os dias 10 e 11 de novembro de 2011.3ª proposta aprovada pelo Plenário, por maioria.

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Março de 2012 41

N O T Í C I A S |

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TJMMG entrega o Prêmio Justiça Militar aos melhores alunos do CFO/2011

A Polícia Militar de Minas Gerais promoveu, no dia25 de novembro de 2011, no pátio da Academia de Polí-cia Militar (APM) a formatura dos alunos do Curso de For-mação de Oficiais – CFO do ano de 2011. Com isso, 63novos aspirantes estão aptos para atuar na segurança doEstado. Além desses 63 policiais militares, a turma contouainda com 55 aspirantes do Corpo de Bombeiros deMinas Gerais, 19 policiais militares do Espírito Santo ecinco do Corpo de Bombeiros do Estado capixaba. Oparaninfo da turma de 142 formandos foi o chefe do Es-tado-Maior da PMMG, Coronel Sant'Ana, hoje coman-dante-geral da Instituição.

Na ocasião, como acontece todos os anos, desde apublicação da Resolução n. 39/2002 do TJMMG, que ins-tituiu o Prêmio Justiça Militar, o Tribunal de Justiça Mili-tar de Minas Gerais, no intuito de incentivar e premiaraqueles que se destacam nas disciplinas jurídicas doCurso de Formação de Oficiais - CFO, entregou aos aspi-rantes PM e BM a “espada” Prêmio Justiça Militar.

Receberam, das mãos do então presidente doTJMMG, juiz civil Jadir Silva, o Prêmio Justiça Militar oaspirante-a-oficial PM Cleiton Anderson de Castro e o as-pirante-a-oficial BM Alan Gonçalves Barbosa.

O Curso de Formação de Oficiais possui em suagrade curricular diversas disciplinas divididas por áreasde conhecimento, o que proporciona ao militar contatocom técnicas de Defesa Pública, Missão Policial, Adminis-tração e Disciplinas Jurídicas.

Juiz corregedor da Justiça Militar conhece o trabalho da força de pacificação no Rio de Janeiro

O juiz Fernando Galvão, então corregedor da JustiçaMilitar de Minas Gerais, visitou o Complexo do Alemão,no Rio de Janeiro, e conheceu o trabalho da força depacificação instalada no local. A visita ocorreu no dia 11de janeiro do corrente ano. Na oportunidade, o juiz foirecebido pelo general-de-brigada do Exército BrasileiroOtávio Santana do Rêgo Barros, comandante-geral dasforças de pacificação atuantes no Complexo. O generalfez uma detalhada apresentação de toda a operação mili-tar desenvolvida pelas forças de pacificação e, depois,conduziu o magistrado para conhecer, em campo, o tra-balho que cotidianamente é realizado.

Após a experiência, o juiz corregedor afirmou queteve a oportunidade de constatar a qualidade e a com-petência do trabalho desenvolvido pelo Exército Brasileirono combate à criminalidade. “Espero que a intervenção

excepcional das Forças Armadas possa contribuir para oaprimoramento do trabalho a ser posteriormente desen-volvido pelas forças de segurança pública, que terão oimenso desafio de manter e ampliar a presença do Es-tado naquela comunidade carente”, arrematou o magis-trado.

Cel PM Renato Vieira de Souza e o comandante-geral do CBMMG, Silvio Antônio deOliveira Melo, ladeando os aspirantes premiados e oficiais superiores do Espírito Santo.

Juiz Fernando Galvão da Rocha durante a visita ao Complexo do Alemão

Março de 2012 43

Oficial da PMMG é excluído das fileiras da Corporação pelo TJMMG

O Pleno do Tribunal de Justiça Militar de MinasGerais, por unanimidade, decidiu pela perda do posto eda patente de oficial da Polícia Militar e sua consequentedemissão das fileiras da Corporação.

O acusado, oficial, à época, juntamente com outrostrês militares, todos praças, estaria apoiando um cidadão,supostamente proprietário de um garimpo embargadopela Justiça, ameaçando outros garimpeiros da região dePadre Paraíso/MG, no intuito de se apropriar de bensadquiridos por estes, fruto da venda de pedras preciosasextraídas nesse garimpo, sem o conhecimento do proprie-tário.

O episódio causou graves repercussões na mídialocal, bem como junto à tropa do 19º Batalhão de PolíciaMilitar (BPM)/15ª Região da PMMG.

Tomando conhecimento do fato, o comandante do19º BPM instaurou, por portaria, o Inquérito Policial Mili-tar (IPM) n. 1.164/07, em 02/02/2007, com o objetivo deapurar sua veracidade. O IPM concluiu que houve indí-cios da prática de crime militar e comum por parte doacusado, resultando daí prática do crime de prevaricaçãocapitulado no art. 319 do Código Penal Militar (CPM), e,dada a sua competência, resultando em processo crimi-

nal na Justiça Militar. Os crimes de competência da Justiça Comum, tais

como o crime de tortura, abuso de autoridade, violênciaarbitrária, exercício arbitrário das próprias razões e ou-tros, foram apurados pela Polícia Judiciária de PadreParaíso, e foi feito oferecimento de denúncia por partedo Ministério Público junto ao juiz de Direito da Pri-meira Vara Judicial da Comarca de Araçuaí/MG, em16/03/2007.

Os três praças foram excluídos, administrativamente,por processo administrativo disciplinar (PAD), pelo entãocomandante-geral da PMMG. Quanto ao oficial, em razãode dispositivo constitucional, só poderia ser excluído apóssubmissão a processo de justificação no TJMMG.

Dessa forma, foi instaurado o processo de justifi-cação e, segundo o voto do relator, juiz Cel Rúbio PaulinoCoelho, as condutas apuradas neste processo administrativodisciplinar foram ofensivas à honra pessoal e ao decoro daclasse. Causaram escândalo e comprometeram a imagem ea credibilidade da Instituição Polícia Militar e de seus inte-grantes, estando o militar, comprovadamente, incurso no in-ciso II do art. 64 do Código de Ética e Disciplina dosMilitares do Estado de Minas Gerais.

AMAJME realiza XII Congresso Nacional das Justiças Militares estaduais

A Associação dos Magistrados das Justiças MilitaresEstaduais – AMAJME realizou, de 21 a 23 de novembrode 2011, na Escola da Magistratura do Tribunal deJustiça, na cidade do Rio de Janeiro, o XII Congresso Na-cional das Justiças Militares estaduais.

Temas como o exercício da atividade de polícia ju-diciária militar, propostas para a atualização do CódigoPenal e a Perda do Posto e da Patente dos Oficiais foramamplamente discutidos nos dois dias do congresso.

Na solenidade de abertura, o juiz Jadir Silva, entãopresidente do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais,a convite do juiz Getúlio Corrêa, presidente da AMAJMEprocedeu à entrega da Medalha da AMAJME ao ministro

Olympio Pereira da Silva Junior, vice-presidente do Su-perior Tribunal Militar.

No Congresso, foram apresentados seis painéis,com temas diversos, para debate:

1º Painel: O exercício da atividade de Polícia Judi-ciária Militar (palestrante: Cel PM Waldyr Soares Filho –corregedor da PMERJ);

2º Painel: Controle Jurisdicional das sanções discipli-nares (palestrante: juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino –TJMMG);

3º Painel: Questões controvertidas do Processo PenalMilitar (palestrante: Renato Brasileiro de Lima – promotorde justiça da União);

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4º Painel: Propostas para a atualização do CódigoPenal (palestrante: Ministra Maria Elizabeth GuimarãesTeixeira Rocha – STM);

5º Painel: A Perda do Posto e da Patente dos Oficiais(palestrante: Desembargadora Gizelda Leitão Teixeira –TJRJ);

6º Painel: Direito Comparado – A Justiça Militar emoutros países (com participação do Brigadeiro GeneralJosé Arturo Camelo Piñero – Exército da Colômbia, e daTenente Coronel Marta Iturvide Contich – Justiça Militardo Uruguai).

O juiz Cel PM Rúbio Paulino Coelho, do TJMMG,ressaltou no debate sobre a Perda do Posto e da Patentedos Oficiais, a necessidade de criação, no Rio de Janeiro,

de Tribunal de Justiça Militar, para garantia de uma Polí-cia Militar assentada, efetivamente, na hierarquia e dis-ciplina, pilares que sustentam as instituições militares.

N O T Í C I A S |

Polícia Militar de Minas Gerais tem novo comandante-geral

No dia 26 de janeiro deste ano, o governador deMinas Gerais, Antonio Anastasia, presidiu, na Academiade Polícia Militar, a solenidade de transmissão do cargode comandante-geral da Polícia Militar de Minas Geraisao Cel PM Márcio Martins Sant’Ana, que ocupava o cargode Chefe do Estado-Maior da PMMG.

Deixou o cargo o Cel PM Renato Vieira de Souza quepassa a fazer parte do Quadro de Oficiais da Reserva (QOR).

O governador ressaltou a competência e a dedi-cação de ambos os coronéis e disse ao novo comandante--geral que não espera apenas o seu apoio “mas tambémum amigo nas horas de comemoração e de dificuldades”.

Na mesma solenidade, assumiu a chefia do Estado-Maior o então chefe da Assessoria Institucional, Cel PMDivino Pereira de Brito.

Além do governador e do vice-governador do Es-tado, várias autoridades prestigiaram o evento, dentreelas, o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, e opresidente do TJMMG, juiz Jadir Silva, acompanhado dosjuízes da Casa.

DespedidaO Cel Renato, em seu discurso de despedida, agra-

deceu as autoridades que o apoiaram durante o período

que esteve à frente da Polícia, e saldou a brilhante e com-petente equipe de homens e mulheres que comandou,ressaltando o salto que a Polícia Militar deu em qualidadedurante o tempo em que esteve a seu comando.

Novo comandanteO Cel Sant’Ana, por sua vez, além dos agradecimen-

tos às autoridades e familiares, ressaltou a importânciado sistema de Defesa Social. Muito emocionado, enfati-zou que, além de dar continuidade ao que já vem sendoexecutado, terá um novo estilo de gestão e fará um tra-balho com dedicação, prestação de serviço à sociedade eresponsabilidade social.

Governador Antonio Anastasia com o Cel Sant’Ana na transmissão do cargo

Juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino apresentando o 2º Painel no 7º Congresso Nacional das Justiças Militares estaduais

Março de 2012 45

PresidenteJuiz Cel BM Osmar Duarte MarcelinoNasceu em 24 de abril de 1955, na cidade de Passos/MG. Filho de Arnaldo Marcelino dePaiva e Guiomar Duarte Marcelino. Formação: coronel do Corpo de Bombeiros Militar deMinas Gerais, bacharel em Direito pela Faculdade de Franca, comandante de InstruçãoAérea, instrutor de voo, piloto de helicóptero. Como oficial superior exerceu os cargos dechefe do Estado-Maior e comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar de MinasGerais. Como magistrado exerceu o cargo de Corregedor da Justiça Militar de Minas Gerais.

Vice-PresidenteJuiz Fernando José Armando RibeiroNasceu em 22 de janeiro de 1974, na cidade de Belo Horizonte/MG. Filho de FernandoBráulio Ribeiro Terra e Helenice Cândida Armando Ribeiro. Formação: bacharel em Direitopela Faculdade Milton Campos, mestre e doutor em Direito pela UFMG. Pós-doutor pelaUniversidade da Califórnia, em Berkeley-EUA (com bolsa de estudos da Fulbright). Profes-sor dos cursos de bacharelado, mestrado e doutorado da Faculdade Mineira de Direito daPUC-MINAS, diretor do Departamento de Teoria do Direito do Instituto dos Advogados deMG, autor de dois livros e co-autor de seis livros jurídicos, bem como de diversos artigospublicados em revistas especializadas.

Corregedor da Justiça Militar Juiz Cel PM James Ferreira SantosNasceu em 24 de dezembro de 1960, na cidade de Santo Antônio do Monte/MG. Filho deAdão Antônio dos Santos e Ofélia Ferreira dos Santos. Formação: coronel da Polícia Militarde Minas Gerais, bacharel em Direito. Como oficial superior exerceu os cargos de secretário-executivo da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do Gabinete Militar do Governadorde Minas Gerais, chefe do Gabinete Militar do Governador, coordenador estadual de DefesaCivil de Minas Gerais. Possui todas as condecorações e medalhas da carreira policial mi-litar.

Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais tem nova direção

Tomou posse, no último 8 de março, no Teatro Oro-mar Moreira da Associação Médica de Minas Gerais, emBelo Horizonte, na presença de várias autoridades, amigos

e familiares, a nova direção do Tribunal de Justiça Militarde Minas Gerais (TJMMG), para o biênio 2012/2013.

Assumem a nova direção os seguintes juízes:

E M D E S TA Q U E |

Diretor do Foro MilitarJuiz Paulo Tadeu Rodrigues RosaJuiz de Direito Titular da 2ª AJME do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Uni-versidade Estadual Paulista e especialista em Direito Administrativo e AdministraçãoPública Municipal pela Universidade Paulista. Membro titular da Academia Mineira deDireito Militar, Cadeira Alferes Tiradentes, membro correspondente da AcademiaBrasileira de Letras Jurídicas. Autor do Código Penal Militar – Comentando Artigo por Ar-tigo, Parte Geral e Parte Especial.

E M D E S TA Q U E |

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O juiz Jadir Silva, que passou o cargo de presidenteda Casa ao juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino, em seudiscurso de despedida, falou sobre os avanços conquis-tados durante sua gestão e os investimentos feitos paramelhorar a prestação de serviços da Justiça Militar esta-dual à sociedade mineira. Após os agradecimentos, apre-sentou seu sucessor, desejando-lhe uma boa adminis-tração.

O novo presidente, juiz Cel Marcelino, em seu discurso,destacou a emoção de ser o primeiro juiz egresso do Corpode Bombeiros a assumir a presidência do Tribunal de JustiçaMilitar de Minas Gerais. Lembrou a história da Instituição efalou sobre o fortalecimento da Justiça Militar no Poder Ju-diciário. Ressaltou que sua primeira preocupação comopresidente será realizar uma administração transparente ecomprometida com a eficiência. Prestou, ainda, pela data,homenagem às mulheres, pelo dia Internacional das Mu-lheres, na figura de sua esposa, senhora Olga.

O evento contou com a presença de todos os juízesda Instituição e de várias autoridades civis e militares.Compuseram a mesa de honra: presidente da AssembléiaLegislativa de Minas Gerais, deputado estadual Dinis An-tônio Pinheiro; 3º vice-presidente do Tribunal de Justiçado Estado de Minas Gerais(TJMG), desembargadora Már-cia Maria Milanes, representando o presidente do TJMG,desembargador Cláudio Renato dos Santos Costa; presi-dente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, de-sembargador José Altivo Brandão Teixeira; desembar-gador federal do Tribunal Regional do Trabalho(TRT) da3ª Região/MG Paulo Roberto Sifuentes Costa, represen-tando a presidente do TRT da 3ª Região, desembargadorafederal Deoclecia Amorelli Dias; vice-procurador-geral deJustiça Militar da União, José Garcia de Freitas Júnior,representando a procuradora-geral de Justiça Militar daUnião, Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz; presidenteda Ordem dos Advogados do Brasil(OAB) – Seção MinasGerais, Luis Cláudio da Silva Chaves; presidente do Tri-

bunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo(TJMSP),juiz Cel PM Orlando Eduardo Geraldi; presidente do Tri-bunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul(TJMRS), juiz Cel João Vanderlan Rodrigues Vieira; advo-gado-geral do Estado de Minas Gerais, Marco AntônioRebelo Romanelli; comandante-geral da Polícia Militarde Minas Gerais, Cel PM Márcio Martins Sant’Ana; co-mandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar de MinasGerais, Cel BM Sílvio Antônio de Oliveira Melo; chefe doGabinete Militar do Governador do Estado de MinasGerais, Cel PM Luis Carlos Dias Martins, representando ogovernador do Estado em exercício Alberto Pinto Coelho;desembargador do TJMG Tiago Pinto, representando opresidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, de-sembargador Henrique Nelson Calandra; juiz federal titu-lar da 9ª Vara da Justiça Federal de Minas Gerais JoséHenrique Guaracy Rebelo, representando o Diretor doForo da Justiça Federal de Minas Gerais, juiz federal Itel-mar Raydan Evangelista; presidente da Associação dosMagistrados Mineiros, juiz Bruno Terra Dias; vice-presi-dente da Região Sudeste da Associação dos Magistradosdas Justiças Militares Estaduais (AMAJME), juiz do TJMSPCel PM Fernando Pereira, representando o presidente daAMAJME, juiz Getúlio Correa; presidente da AssociaçãoMédica do Estado de Minas Gerais, doutor Lincoln LopesFerreira; ex-procurador-geral de Justiça do Estado deMinas Gerais Epaminondas Fulgêncio Neto; pró-reitorade pós-graduação da Escola Superior Dom Helder Câ-mara, professora Valdênia Geralda de Carvalho; depu-tado estadual Rômulo Viegas; juiz Cel BM Osmar DuarteMarcelino, presidente eleito do TJMMG; juiz FernandoJosé Armando Ribeiro, vice-presidente eleito do TJMMG;juiz Cel PM James Ferreira Santos, corregedor eleito daJustiça Militar de Minas Gerais; juiz do TJMMG Cel PMRúbio Paulino Coelho; juiz do TJMMG Cel PM SócratesEdgard dos Anjos e juiz do TJMMG Fernando AntônioNogueira Galvão da Rocha.

Ex-presidente do TJMMG, juiz Jadir Silva, e o presidente empossadojuiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino

Plateia que lotou o Teatro Oromas Moreira (AMMG) na solenidade de posseda nova diretoria do TJMMG

Março de 2012 47

Juiz Paulo Tadeu Rodrigues Rosa lendo o Termo de Compromisso de Posse Juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino, juiz Jadir Silva e juiz Cel PM Sócrates Edgard dos Anjos

Os empossados: corregedor da Justiça Militar juiz Cel PM James FerreiraSantos, vice-presidente, juiz Fernando Armando Ribeiro e o presidente doTJMMG, juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino

Juiz Fernando Armando Ribeiro, juiz Cel PM James Ferreira Santos, juiz Cel Or-lando Eduardo Geraldi (TJMSP), juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino, ex-juizOtávio Augusto Simon de Souza (TJMRS), juiz Cel João Vanderlan Rodrigues(TJMRS), juiz Fernando Pereira e juiz Paulo Adib Casseb

Juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino, em sua primeira entrevista como presidente do TJMMG

Cel BM Ivan Gamalieu Pinto (CHEM), juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino(TJMMG), Cel BM Silvio Antônio de Oliveira Melo (CGCBMMG) e

Cel BM Pedro Alvarenga (DRH)

O presidente do TJMMG, juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino, proferindo discurso de posse