REVISTA DE Rua Paulino Fernandes, n.o Botafogo - Rio de ...

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INSTITUTO DE CItNCIAS PENAIS DO RIO DE JANEIRO Rua Paulino Fernandes, n. o 32, 1.0 andar Botafogo - Rio de Janeiro - RJ ALEXANDRE GABRIEL GEDEY ARTHUR LAVIGNE CLÁUDIO RAMOS * * * CELSO FERNANDO DE BARROS DELPHIM SALUM DE OLIVEIRA EDERSON DE MELO SERRA HELENO CLÁUDIO FRAGOSO HEITOR COSTA Ja. HUGO GONÇALVES GOMES FILHO HORTÊNCIA CATUNDA DE MEDErROS JOÃO MESTIERI JUAREZ CIRINO DOS SANTOS JUAREZ TAVARES JOAQUIM DIDIER FILHO LUIZ FERNANDO DE FREITAS SANTOS MARIA CRISTINA PALHARES DOS ANJOS NILO BATISTA PEDRO ROTTA RAPHAEL CIRIGLIANO FILHO SÉRGIO VERANI SILVIO MOACIR DE AMORIM ARAÚJO TÉCIO UNS E SILVA VIRGÍLIO LUIS OONNICCI . YOLANDA CATÃO REVISTA DE DIREITO PENAL óRGÃO OFICIAL DO INSTITUTO DE PENAIS DO RIO DE JANEIRO Ns. 19/20 JULHO-DEZEMBRO DE 1975 Sérgio FlffilgoSG Rio de Janeiro

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INSTITUTO DE CItNCIAS PENAIS DO RIO DE JANEIRO

Rua Paulino Fernandes, n.o 32, 1.0 andar Botafogo - Rio de Janeiro - RJ

ALEXANDRE GABRIEL GEDEY ARTHUR LAVIGNE

CLÁUDIO RAMOS

* * *

CELSO FERNANDO DE BARROS

DELPHIM SALUM DE OLIVEIRA EDERSON DE MELO SERRA

HELENO CLÁUDIO FRAGOSO

HEITOR COSTA Ja. HUGO GONÇALVES GOMES FILHO

HORTÊNCIA CATUNDA DE MEDErROS JOÃO MESTIERI

JUAREZ CIRINO DOS SANTOS JUAREZ TAVARES

JOAQUIM DIDIER FILHO

LUIZ FERNANDO DE FREITAS SANTOS

MARIA CRISTINA PALHARES DOS ANJOS NILO BATISTA

PEDRO ROTTA

RAPHAEL CIRIGLIANO FILHO SÉRGIO VERANI

SILVIO MOACIR DE AMORIM ARAÚJO TÉCIO UNS E SILVA

VIRGÍLIO LUIS OONNICCI .

YOLANDA CATÃO

REVISTA DE

DIREITO PENAL óRGÃO OFICIAL DO INSTITUTO DE CI~Ê"JNCIAS PENAIS

DO RIO DE JANEIRO

Ns. 19/20

JULHO-DEZEMBRO DE 1975

Sérgio FlffilgoSG

Rio de Janeiro

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REVISTA DE DIREITO PENAL

órgão Oficial do Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro Faculdade de Direito Cândido Mendes

Diretor: Prof. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO Redator-Chefe: Prof. NILO BATISTA Secretário: Redatores:

Prof. ARTHUR LAVIGNE Profl). YOLAN.DA CATÃO Prof. JoÃo MESTIERI Prof. LUIZ FERNANDO DE F. SANTOS Prof. HEITOR COSTA JÚNIOR Prof. JUAREZ CIRINO DOS SANTOS

CONSELHO DE REDAÇAO

Arthur Lavigne, João Mestieri, Juarez Cirino dos Santos, Juarez Tavares, Heitor Costa Júnior, Heleno Cláudio Fragoso, Luiz Fer­nando de Freitas Santos, Nilo Batista, Yolanda Catão.

* * * Colaboram neste número:

Alcides Munhoz Neto, da UniversidaJde do Paraná Arthur Lavigne, da Faculdade de Direito Cândido Mendes Damásio E. de Jesus, da Faculdade de Direito de Bauru Fernando Fragoso, advogado Heleno Cláudio Fragoso, da Faculdade de Direito Cândido Mendes Heitor Costa Júnior, da Faculdade de Direito Cândido Mendes J. E. Hall Williams, da Universidade de Londres João Mestieri, da Faculdade de Direito Cândido Mendes Juarez Cirino dos Santos, da Faculdade, de Direito Cândido Mendes Luiz Fernando de Freitas Santos, da Fac. de Direito Cândido Mendes Nilo Batistal, da Faculdade de Direito Cândido Mendes Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, da Universidade Gama Filho René Ariel Dotti, da Universidade do Paraná Sérgio Demoro Hamilton, da Universidade Gama Filho Wolfgang Schone, da U/Iliversidade de Bonn Yolanda Catão, da Faculdade de Direito Cândido Mendes

Toda correspondência referente à redação, inclusive remessa de originais, deve ser dirigida à rua Paulino Fernandes, n9 32, 19 andar, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ.

Toda correspondência referente à administração, inclusive para compra de números atralSados, deve ser dirigida à Editora Liber Juris, rua da Assembléia, n9 38, Rio ,de Janeiro - RJ.

SUMÁRIO

DOUTRINA t J I'dicos da Marginali-

Heleno Cláudio Fragoso - Aspec os ur ............. .

dadeSsoc~~~~ ''':'': . S~b~~ . ~ . p~~içã~ 'd~ 'r'e~~itado nos delitos Wolfgang . _ .......... . quase-dolosos de omlssao .................. .

COMENTARIOS E COMUNICAÇÕES . . t Um ensamento sobre indulto .............. .

NIlo Batls a - P , Anibal Bruno e a reforma penal ... . Alci~es~~~~~t~etto Identificação criminal e presunção de Rene .... , .....

i??cêEnCi~e J~~~~' ~ 'Ã' p~~~~riçã~ . ~~t~~~ti~~ ~~ 'f~turo Códi-DamaSlO . . .................... . go Penal ....................... , . ., . . ........................... . NotlClarlO .................... . .... . Resenha bibliográfica ............................... .

JURISPRUDÊNCIA

Desacato Riso. ································ci········ ~~~ Estrito c~mprimento do dever legal. policial que Ispara a

de fogo contra preso em fuga. . ..... :. ~ .... :. ........... t . Difamação e injúria. Divulgação. Prescr~çao. ~ao se compu a

,. rovindo de continuaçao dehtuosa ........ . o acreSClmo p . t D acho funda-

Recebimento da denúncia. Crime Fahmen ar. esp ..... mentado. . ....................................... er de

Ministério Público. Legitimidade e Interesse em recorr Sentença Condenatória. . ................ ~ ... : ......... .

Testemunhas. Violação do contraditório. IrrelevancIa. . ~ ...... _ Comutação de penas a sentenciado com duas condenaçoes, em

bora não reincidente. . ............................... . Ofensa a magistrado. Crime comun;. . ....................... . Caixa Econômica Federal. CompetencIa. . .................. . Crime continuado. Coisa julgada .......................... . Decadência. "Dies ad quem". . ............................ .

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Usura .. ~egislação superada pela infla ão Prescnçao pela pena em concreto p~" d' . . . . . . . . . . . . . . . . .. 123

denúncia. . . no o entre o fato e a Estelionato. Lot~;i~' 'E~p~;Ú~~: .... '" " .. " ' ....... " ... '" . 123

............................. 123

LEIS E PROJETOS

Regras mínimas para' t t Europa) ........ o ra amento de presos (Conselho da

D. 76.550, de 5/5/75 ~. 'C~~~d~ . ' .. d' it' ...... ,' .". . . . . . . . . . . . 125 dências ....... 'ln U o e dá outras provi-

D. 78.000, de 23/11ii6'~ 'C~~~~d~' i~d~'Ú .... ,::r" ........... : 142 outras providências o, reU,uz penas e da

................................... 144

EDITORIAL

Após breve lapso de tempo volta a reaparecer a Revista de Direito Penal, no momento em que o Instituto a que pertence ganha nOVGJ organização, como núC'lelO de estudo de Direito Penal e pesquisa criminológica, do Conjunto Universitário Cândido Mendes. Instalado, agora, em nova sede, à rua paulino Fernandes, 32 _ 19 andar, no Rio de Janeiro, o ICP adquire as condições que lhe permitirão desenvolver o amplo programa cultural a que se propõe.

Este número da Revista aparece, no entanto, em fase de tran­sição, no que se refere ao programa editorial, que se realizará em termos de estabilidade e permanência. Nele lO leitor encontrará a relatJória 'Oficial do IX Congressa Internacional de Defesa Social, realizada recentemente em Caracas, sobre Marginalidade Social e Justiça, bem como notável estudo do Prof. Wolfgamg Schone, da Universidade de B,onn, que recentemente nos visitou, sobre a difícil questãa da estrutura técnica das crimes omissivos.

Na seção de Comentários e Comunicações aparecem quatro ensaios: da prafessor Nilo Batista, slobre indulto; do professor Alci­des Munhoz NetJto, sobre Anibal Bruno; do professor René A. Dotti, sobre identificGJção criminal, e do professor Damásio E. de Jesus s<obre a prescrição no futuro Código Penal.

Na seção de noticiário aparece informação sobre a pesquisa realizada pelo Instituto, sobre a legislação relativa a abuso de drogas, objeto de recente publicução. Além das seções habituais, este número inclui, na íntegra, as regras mínimas para a trata­mento de presos, aprovadas pelo Conselho da Europa. Trata-se de documento importante, pela prrlmeira vez divulgado no Brasil, em tradução realizada especiàilmente para esta revista.

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DOUTRINA

Introdução

ASPECTOS JURíDICOS DA MARGINALIDADE SOCIAL:;'

HELENO CLÁUDIO FRAGOSO

1. O exame dos aspectos jurídicos da marginalidade social tem de ser iniciado estabelecendo-se o seu alcance e significado, para delimitar e caracterizar com precisão o objeto de nosso trabalho.

A matéria é objeto de controvérsia e compete aos sociólogos. O esquema apresentado no comentário oficial do tema do con­gresso mereceu crítica de vários dos participantes, algumas, inclusive, exaltadas, partindo de diversos pressupostos ideológicos. O documento se refere a marginalidade como fenômeno geral em qualquer tipo de sociedade onde exista um mínimo de coerência política e cultural que constitua uma fisionomia social determi­nada, que se torna o parâmetro para a identificação dos desviantes. Daí ter parecido a TOSCA HERNÁNDEZ (La marginalidad social em el noveno Cong'J1eso Internacional de Defensa Social) que se fez delimitação artificiosa dos fatos que se assinalam como manifesta­ções da marginalidade social, pela a-historicidade atribuída ao fenômeno que não implicaria, em sua gênese, na conceituação apresentada, a sociedade em que se manifesta.

Evidentemente, a expressão pode ser empregada em diversas acepções. Mestre JosÉ RAFAEL MENDOZA (SocioLogia descriptiva de la marginalidad de la población indigena y de las are,as periféricas de las ciudades latino-americanas) afirma que toda sociedade e toda época conhecem homens que se apartam como indivíduos ou como grupos delimitados do que é aceito pela generalidade, do que é tido por correto, formando grupos ou agrupamentos sociais à margem dos benefícios earact.erísticos da vida moderna. LESZEK LERNELL (Social marginality and Justice) também assinala que em toda sociedade (à exceção das sociedades homogéneas primitivas) algum

* Relatório oficial' apresentado ao IX Congresso Internacional de Defesa Social (Caracas, agosto de 1976).

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fenômeno de marginalidade social sem re exil~t~ marginal. idades sociais institu~on~l:~~:' :r~oad~~~i~u~~e na IZ as, com dIferentes tipologias de marginais. -

2. A expressão marginalidade social tem sido em d ~~~~te~~z~~ as )essoa~ q~e se situam nos limites ou fof:ecY~ s~sfe:': ." eI o pe a maIOna (Escola de Chicago). São ru os mar-~:~:à~soS c~~a!~~Ít~~s ~op~lações pobres na :Q.eriferia gdaF grandes ção (e~ co 'u t o o ImpreSsIOnante fenomeno de urbaniza-s?c~edades ~d~t~i~~~ ~u~:r~:~f~~deC~~~!~rístico das mod:rnas lm:uta a certas áreas geográficas. Ela caracterÍz~oa:~tanto, nao ~e ~::."! ~~eP:~~!O ;~e i~!~en~e participa na =~ã~ a vida moderna pr~porciona e de sOe' a martgem dos b~~efícios que us cen ros de deCIsao.

3. Na interpretação do f A ,. lógicas De um lado enomeno ha dIversas posições ideo-da est~tura social .Jig~~e:e~;a-se ~ marginali~ade como disfunção marginais, se estes ad ui;isse e serIa c~paz de Incorporar os grupos ~ateriais e culturais e de partrciP~a~aCIdad~ d.e _ obtenção de bens sItuam-se os que entendem çao D:as . eCIsoe~ 2. De outro lado ma capitalista, não sendo o r:~~l~d~aJgInalIdag.e Iner~nte ao siste­Como afirma, por exem lo LÚCI e mera Isfunç~o do sistema. das ~struturas societári~s 'de ca~' fOW f~CK, ela sen.a o resultado seu amago um con 'unto d a ~r_ g o a~, as quaIS trazem em tiplas, entre as quais se sit~:~n~~~dIç.oes, cUJ~s ~xpressões são múl­ticipação social que não se re l' opna ~argInalIda<!.e social. A par­m~rginais, seria, assim, resultan~:~b :ist!ni

ual estao. exc~uídos os

pOIS, para o sistema necessarI'amente d' f 9.ue a cna, nao sendo, , IS uncIOnal.

Dan:~_s~~eb:~;r:~~~~ó~~r s:tua~se além d.os limites deste trabalho. trata-se aqui de examinar o g nalidade . Slopu!l seu sentido próprio, social e criminológico a res! aspectos JundIcos qu~, C?J?o problema nalizados socialment~ :im s~:.~ os g.rupos e os IndIVIduos margi­falar de marginalidad'e ara ca l O ~aIs amplo e figurado, pode-se social, as situações de e~ceção ~~~!~~IZar, e.r determinado contexto gerais e dominantes A enu '. - v~men e a outras consideradas oficiais mostra que ~ marg~~~J:g feIt~ fO final dos comentários tido amplo, motivo pelo qual quan~ SOCIa rt vem enten~ida em sen­também a consideraremos.' o opo uno e pertInente, assim

1. A população urbana do conti t 51,4% em 1965. Cf. LÚCIO KOWARIC "nen.e passa de 29,5% em 1925 para Latina", Rio de Janeiro, Paz e Te:;a C11~iahsmo e marginalidade na América

2. É o modelo DESAL (Centro' , 128. . América Latina). Cf. "Marginalidad par1 e! ?esarr~lIo Economico y Social de tico", Barcelona, Herder, 1969. e en merlca Latma: un ensayo de diagnós-

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Marginalidade e delinqüência

5. Apresentam-se como marginalizados em face dos valores que inspiram a realização da justiça criminal, os que praticam fatos que a lei define como penalmente ilícitas e que constituem, num momento dado, a criminaUdade aparente. Como se sabe, a crimina­lidade desconhecida em conjunto com a criminalidade conhecida, mas não denunciada, são incomparavelmente mais extensas e sérias que a criminalidade aparente". Esta constitui, paradoxalmente, o resultado de um processo de marginalização que realiza, com suas injustiças e desigualdades, o sistema da justiça criminal.

É importante ter presente que a criminalidade não é privilégio de pessoas que integram grupos marginalizados ou que são consi­deradas marginais. A identificação de criminoso e marginal resulta do fato de serem atingidos pela justiça substancialmente os pobres e desfavorecidos, que enchem as prisões e que constituem a clientela do sistema. O Direito Penal é, realmente, direito dos pobres, não porque os tutela e protege, mas porque sobre eles, exclusivamente, faz recair a sua força e o seu dramático rigor 4. A experiência demonstra que as classes sociais mais favorecidas são praticamente imunes à repressão penal, livrando-se com facilidade, em todos os níveis, inclusive pela corrupção. Os habitantes dos bairros pobres é que estão na mira do aparato policial-judiciário repressivo e que, quando colhidos, são virtualmente massacrados pelo sistema. Os que moram nas favelas (villas miserias) são comumente vítimas de prisões ilegais nas aparatosas operações policiais coletivas realiza­das nesses lugares, muitas vezes pelo simples fato de não trazerem consigo documento de identidade ou registro de trabalho. Somente os pobres são presos por vadiagem e são eles o alvo preferido da violência policial. Os que cometem ações delituosas no mundo dos negócios (white collar) sequer são considerados criminosos 5. Apenas os marginais estão nos cárceres porque os ricos se livram deles. A administração da justiça criminal constitui o mais dramático aspecto da desigualdade da justiça, sendo nela puramente formal e inteiramente ilusório o princípio da igualdade de todos perante a lei, dogma dos regimes democráticos. Como diz MARIA Los em sua comunicação ao congresso (Law and Social relationship) , o direito partilha, com outros mecanismos de controle, a tendência de ser governado por preconceitos e estereótipos socialmente condicionados. Como um dos mecanismos de controle socia~, o direito também

3. MANUEL LoPEZ-REY, "Crime: An Analytical Appraisal", Nova York,

Washington, Praeger publishers, 1970, 99. 4. EDUARDO NOV'OA MONREAL, "EI Derecho como obstáculo aI cambio social",

México, Siglo XXI Editores, 1975, 25. 5. S. YOCHELSON, S. E,. SAMENOW, "IThe Criminal Personality", I, Nova

York, Jason Aronson, 1976, VIII.

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tende a atacar os desvios da norma social que estão mais expostos e, pois, sem defesa.

Constitui o crime fenômeno geral na sociedade, sendo falso identificá-lo com a marginalidade social.

Marginalidade e justiça criminal

6. Algumas observações devem ser feitas sobre .a estrutura e o sistema da justiça criminal e a atuação do direito punitivo como instrumentos de marginalização.

Em sua comunicação ao congresso FRANCISCO MUNoz CONDE ("Función motiva'for.a de la no,;m.a penal y marginalización") observa qu~ as propnas normas sao Instrumento de marginalização qua~do edItadas e acionadas por grupos minoritários de pressão mampuladores do poder, quando se encontram em discrepância com a va~orização geral. prevalente no meio social. Duvidamos que a pena SIrva para motIvar comportamentos. Em realidade, o Di­reito Penal tem papel secundário na prevenção do crime, não estando de:nonstrada a função intimidativa da pena e o seu efeito de prevençao geral. Veja-se a comunicação de ALENKA SELIH "Per­cf!ptio,n of devia,,!ce by various gro,.ups of population". O direit~ puni­tIVO e menos sIstema de proteçao e tutela de bens e interesses que. proc~ra preservar através da ameaça penal, do que meio d~ reafIrmaçao de valores. Nesse sentido apenas é possível falar a nosso ver, em função motivadora. '

Tem razão, no entanto, MUNoz CONDE quando denuncia o abuso do Direito Penal pelos que têm o poder de editar a norma penal e fazê-la cumprir. Isso ocorre não só quando, em nome da moral e dos bons costumes, se atinge o "direito de ser diferente" mas também .quando se recorre ao sistema punitivo para proscre~ ver e persegUIr a oposição política, marginalizando certos grupos de opinião. Nesse sentido poderíamos falar de um autêntico direito pena.l terrorista, com a evidente desproporção de penas impostas a cnmes políticos e a internação administrativa imposta a adver­sários políticos 6.

7 .. Outro asp~cto particularmente importante da marginaliza­ção _feIta 1?elo proprio sistema da justiça criminal é o da defor­m~ça~ e Isola~ento que determina o cumprimento das penas pnvatIvas da lIberdade. Temos aqui o fenômeno da prisonalização que resulta da instituição total. Como bem nota ADAM PODGORECKI (The Isolated Communities) a instituição fechada cria o fenômeno

.6. É o que ocorre em vários países africanos. Cf. Bulletin of the Inter. nattonal Commission ~f Jurists, n.O 24, dez. 1965, 36 (Ghana) ; Id., Ib., & (África d.o Sul); Id., n.O 30, Julho de 1967, 46 (Zanzibar) etc. Poderíamos também men. ClOnar algumas .leis de segurança nacional, com definições vagas e imprecisas e penas desproposItadas. .

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., .)

da "segunda vida", que consiste na est~~tifiSação única operada em relação aos intern~s,_ diversa d~ e~tr3;tl!lcaçao que se obs.erva no mundo exterior. A pnsao, como mstItUIçao total, necessa:Ia~ente avilta corrompe e deforma a personalidade, com a cnaçao de meca~ismos de adaptação e defesa no meio fechado. Chega a ser paradoxal que a_ rotina do sis~ema dirija parte. considerável de sua energia à criaçao de grupos Isolados, estIgmatIzados e explorados, sem ter presente a sua integração na sociedade (MARIA Los). A contribuição de EMÍLIO C. VIANO a este congresso destaca vários aspectos interessan~es do. mesmo fe~ômeno. ('.'Vi?tin:"-Exr:")oiter­Environment: mn znteractzonal analystS of V'tctzm'tzatwn zn the prison setting").

8. Convém ainda assinalar as distorções a que condu~a ad:ni­nistração da justiça, demasiadamente lenta, abstrata e msenslvel aos problemas humanos e sociais que sU,rgem no proces~o p~~3;l. Na maioria dos casos ela é exercida atraves de um corpo JudIcIano conservador e tradicional, aferrado à dogm~ti?a j.urídi~a e al?eio às realidades sociais que condicionam a cnml?alIdad~ . Por ISSO, JOACHIM SCHMIDT (Re-Integrational Processes zn multzeultural so­ciéties) fala em reprojetar nossas instituições, aludindo às funções do juiz nas sociedades multiculturals ..

Dil1eito Criminal e marginalizados

9. Sempre constituiu matéria de particular preocup3;ção. a ciminalidade de certas áreas marginalizadas e a conduta a~tl-~ocIaI de mendigos, vagabundos e prostitutas, considerad?s margznaz~ ..

Estudos realizados no Brasil e em outros paIses da Amenca Latina vieram mostrar que os habitantes das favelas a~resentam a mesma estrutura dos demais grupos de pobres que VIvem nas cidades e que não tem justificação científica ou prática o trat~­mento de tais populações como classe distinta e separada 8. A margI­nalidade não se limita por áreas geográficas, sendo, antes, de~o~­rente de processos que afetam as camadas po~res da populaçao . A maioria dos habitantes das favelas (onde VIvem de 18 a 25% dos residentes no Rio de Janeiro) é composta de pessoas honestas e humildes, que vivem de seu trabalho 10.

7. Cf. J,osÉ M. RWO-SÉVERIN C. VERSELE, "La criminalité. classique et la crise de la jUstice pénale", in "La Criminalité U rbaine", Dems Szabo (ed.) , Les Presses Universitaires de l'Université de Monréal, 1973? ~55.

8. ANTHON'Y' LEEDs, "The significant variables determl~mg the character of squatter settlements", in "America Latina", voI. 12 (13), JuI.-s~t .. 1969, ~9."

9. Lúc~o KOWARICK, "Capitalismo e marginalidade na Amenca Latma,

cit., 15. . d d fI" 10. T'HEODOLINDÜ CASTIGLIONE, "O que revela a criminahda e as ave as ,

Rev. Bras. Crim. Direito Penal, n.o 1 (1963), 65.

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10. Quanto aos mendigos e vagabundos, que são os marginais par excellence, têm eles constituído fenômeno social de todos os tempos e preocupação permanente dos poderes públicos. De longa data a vagabundagem e a mendicância são consideradas penal­mente ilícitas, sendo assim introduzidas no Código Penal francês, de 1810 (Les vagabonds ou gens sam aveu sont ceux qui n'ont ni iZomicile certain, ni mayens de subsistance et qui n'exercent habi­tuellement ni métier, ni profession). Regulamentos de polícia, desde o século XIV, enumeravam entre os vagabundos diversas e variadas atividades marginais. Pretendia-se inutilmente, através da repres­são policial e da pena criminal, resolver um problema oriundo das próprias estruturas da ordem social dominante.

São conhecidos os termos vagos e indeterminados da commo:n law na definição da vadiagem (vagrancy) punida no direito antigo com penas corporais, a conscrição para o serviço militar e o trans­porte a colônias penais. O Vagrancy Act de 1824, declarada a mais inconstitucional das leis 11, tornou possível a perseguição criminal de trabalhadores que recusavam a diminuição de salários 12. Nos Estados Unidos da América, a Côrte Suprema já declarou a inconsti­tucionalidade . de lei da Flórida, sobre vadiagem, sob fundamento de que seus termos não eram suficientemente explícitos 1:3.

A incriminação da vadiagem tem conduzido por toda parte a graves abusos, não só porque se pretende resolver com a justiça punitiva um problema social, mas também porque a polícia não hesita em classificar como vadios os pobres ou indesejáveis sem documentos ou em situação considerada suspeita. No Brasil, por exemplo, constitui a vadiagem contravenção penal inafiançável defi­nida como "entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho". Só pode essa contravenção ser praticada pelos pobres. A pena é de prisão, de 15 dias a 3 meses. No ano de 1973, os presos por vadiagem constituíam 12,9% da população carcerária nos estabelecimentos penais do Rio de Janeiro.

11. A ciência penal deste século ocupou-se dessa espécie de marginais na perspectiva da definição de um estado perigoso pré­-delinquencial e das medidas de segurança detentivas para impu­táveis.

A antiga União Internacional de Direito Criminal, por inspira­ção de VON LISZT, em vários de seus congressos e assembléias ocupou-se do assunto, propondo medidas de defesa social para não-

11. SERJENT Cox's, "PrincipIes of Punishment", 212, cito Kenny's Outlinos of Criminal Law (iT'urner) Cambridge University Press. 1958, 411.

12. N. ANDERSON, v. "Vagraney", "Ene. Soe. Seienees", voI. 15 (1951). 13. Cf. DuBIN-RoBINSON, "The vagraney eoncept reeonsidered", 37, New

York Univ. Law Review 102 (1962); E. SHERRY, "Vagrants, Rogues, and Vaga­bonds, old concepts in need of revision", 48, Calíf. L. Review 557 (1960); H. L. RoSENTHAL, "Constitutional Law: vagrancy laws - a fourteenth amendment vio­lation", Washburn Law J., 1972, 12/1, 82.

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. . S 14 As medidas reclamadas in-_delinquentes cons~deradost.perlg~sores~ocializadOra, conceitualmente cluíam a internaça<? ~ura lva o distinta da. pena cr:~m~~tórico e encerrou-se, a nosso ver, a ~xpe-

CumprlU~se o CIC o reventivas fundadas numa perIculo-riência de leIS ~upostamente ~aráter anti-social da conduta, inde­sidade ante-delzctum ?~ no delitos O mesmo pode-se dizer das pendentemente da pratàc~e~~ivas par~ imputáveis julgados perigo­medidas de segura~dça e, a pena privativa da liberdade (sistema sos a serem cumprI as apos -do' duplo binário).

. exemplo das leis a que aludi-12. Costuma-se menclOna~ co~so anholã de 1933. Diversas leis

mos a ley de vagos Y rn:alean es mi Améri~a Latina, com resulta­deste tipo vigoram ou t':lgorar~mpre extremamente perigosos para dos quase sempre nega IVO~ e _ o direito de liberdade do clda~a? , de um lado a imprecisão com

O que impressiona nessas eIS te, a imposição de confinamento que se definem os vagos, e, ~e o~ér~, anos) através de autoridades (que, em certos .c~sos f ode ~ ~i peruana (de 1924) esclarece que policiais ou admlmstr~ IV~S. ireitõ a habeas corpus Hí.

os declarados vagos nao t.em d iedades técnicas dessas leis, bem Os equívocos e ~s I~propr ins ira têm sido denunciados

como os perigos da f~los?fIa ~e as tin~nte't6 Sua constitucionali-de longa dat.a IPaelodsoS J~~:~:s é c:n~i~n que duvidosa. dade na maIOr· ,

, t·tuem os vagabundos e os 13. O problema social .que ~on~t I unitivo como demonstra

mendigos não se resolve com ~t rei ~r! débito ~ocial; são pessoas a experiência secular. Eles cons I ue~a que não pode ser o interna­a quem a sociedade deve algu~a ~OlS , nome de medida de reedu­mento punitivo. (~es~o que en ~oo a estas pessoas, mais do que cação ou ressoClalIzaçao). Em ~ela2· eito à socialização de que fala a quaisquer outras, su(~~ a~~e ~nt~r sociale), como fenômeno seme­FILIPPO GRA.M~ATICA 'ldnsead~ instruído curado e preparado para lhante ao dIreIto a ser e uc, ' o trabalho. ,. d t revistas nas leis de vagos Y ma-leanfe~rt~d:~e~~~s~~uf~n in~r:~õ~s penais (rufianismo, proxenetis-

b terísticas as propostas de V. LISZT na ~ss.em-14. Vejam-se, po~ em(l~~~)c "MitteÚungen der Internationalen KrImma-

bléia Geral de Bruxe as. . B r 1910 495 listischen Vereinigung", 17 Bd., He!t 2, ~s~ili~s rec~bido~ de seus colegas ALI

15. O autor agradece os precIosos~: Iperu) ENRIQUE CURY (Chile), EN-LAssER (Venezuela), D(1MINf. ~AR~~~l ENRI~UE SI~VA (El Salvador), JORGE E. RIQUE RAMOS MEJIA ::ge~ ma , L DURÁN P. (Bolívia). . GUTIFJRREz AN,Z(YLA (ColombIa) e MAN1!E t d títulos o antIgo trabalho

- 16. Veja-se, por bem r~p~;sentatI~~ie: d~ ~! ~:oria dei estado peligroso", de SEBASTLÁN SOLER, "EXpOSIClOn y cr Buenos Aires, Valerio Abeledo, 1929.

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mo, etc.) submetidas, para julgamento, ao devido processo legal. Outras, que defluem especificamente do processo social da margi­nalização, dificilmente poderão ser resolvidas com a estrutura social de pobreza e miséria que prevalece nesta parte do mundo onde poucos muito ricos convivem com a imensa maioria de' muito pobres 17. Parece claro, no entanto, que o Direito Penal nada tem a fazer aqui, competindo a ação social a outras agências ou órgãos d.o Estado. Nesse, sentido. é. extremamente importante a experiên­CIa d~ ~lguns palse~ s?cIalIst~s. no sent!do de participação direta do. publIco e ~e ~g_enCIas SOCIaIS na açao educativa e preventiva. VeJ~-se a contnbUIçao de OLDRICH SUCHY (Le rôle des organisatiorns s0cz.ales darn~ l~ processy-~ de redressement et de lá ré-integration soczale des 'lndtmdus devzantJs en Tchekoslovaquie). No sentido da insuficiência ou insi.gnificância da sanção penal pronuncia-se JEAN MICHAUD (Les margznaux devant les jurisdictions pénales).

14. Convém registrar, de passagem, a falência do sistema das ~edidas de segur.ança detentivas para imputáveis, e, muito par­tIc~larmente, ?o SIstema do duplo binário. Este penetrou nas legis­l~ço~s. no penodo entre as duas grandes guerras, e teve a missão hlstonca de preservar a simetria do sistema punitivo mantendo-se o caráter retributivo da sanção penal. Ê hoje insuste~tável não só porque, toda intern~ção compulsória (qualquer que sej~ o seu nome) e sempre castzgo, mas também porque ninguém mais duvida que a pena deve ser cumprida como a medida de segurança, visando sempre que possível à ressocialização do delinqüente.

Menores desajustados

15. O problema dos menores desajustados e abandonados é demasiadamente árduo e difícil. Ao se instituírem os tribunais de menores, na segunda metade do século passado, pretendia-se sub­met~-los a disciplina coercitiva inteiramente diversa da que as leis ~revIam para os adultos, numa autêntica revolução. No direito an­tIgo, como se sabe, os menores eram submetidos ao Direito Penal dos adultos, excluindo-se a responsabilidade dos de tenra idade (por presunção absoluta de inexistência de malícia), e atenuan­do-se a pena no caso dos que já haviam entrado na puberdade. Na rngl.aterra e nos Estados Unidos, no início do século passado, eram amda executados os menores que haviam cometido certos crimes, na faixa de 8 a 14 anos de idade.

Co~ os .Tri?u~ais de Menores, o procedimento judiciário, em tese, nao se mstItUI contra, mas a favor do jovem delinqüente, de tal modo que, ao invés de visar primariamente determinar a culpa para aplicar ,a punição na medida do malefício praticado, preten~

17. Veja-se a comunicação ao congresso <!e MARIA A. JIMENEZ DE H. e EM­P~!RIZ. ;ARREA;Z~ C. DE H., "Las dos caras de la defensa social"; CEP AL, "La dlstrIbuClOn deI mgreso en América Latina", 1970, 33.

de-se conhecer as causas e condições do comportamento anti-social, rovendo às medidas de reabilitação adequ~d~.. , _

p Teoricamente, o autor de fato que constItUI crm:e e entao co~­siderado uma criança ou um jovem com problemas, dIante d~~ qU~IS

. dade se protege através do tratamento ou da reabIlItaçao. ~e~~~ a punição, quando necessária, é conce~id~ e~ te:m~s de

medicinal O Estado se apresenta como a últIma mstancIa de P~:ntesco e s~ põe no lugar dos pais (in }oco parerntis). p A realização dessa filosofia gene, rosa nao tem dado os resulta­dos que se pretendia alcançar. E daI os esforç,?s ~e ~a.~t?s no ser;­tido de ampliar o caráter assistencial da açao Judlclana atraves de outros órgãos. , t. t.

O Estado se substitui aos parentes com,? ul zma ra t~, como derradeira instância de intimidação, de_ coerçao, de repr~ssao e ~e punição. O conflito se estabelece, entao, em termos amda malS dramáticos. . . d t

Em primeiro lugar, porque é m~trume~to demaSIa ~m~n e tosco e brutal, para intervir em situaçoes delIcadas de carenCIa e

. agravando comumente os problemas que pretende resolver. cnse, ' .. I . d· .,. t' Em segundo lugar, porque o mecanismo polICIa -JU ICIanO, ~s a inteiramente desaparelhado, não contando com. a estrutura medICO­-assistencial e tutelar indispensável. Em terceIro l~gar, porq':le as medidas institucionais que prevê para os casos maIS graves (m~er­na ão correcional) estão postas em cheque e se acham em cnse, co~o soluções de 'tratamento e repre~~ão. penal, como demonstra o quadro complexo e difícil da delmquencIa de adultos.

Os menores que a lei chama de abando~ados, e que percorrem eta a ue antecede à delinqüência, constItuem sob~etudo ~rave probleria social que dificilmente se resolve com medId~s as.sIsten­ciais e paternaÚstas, e que está ligado à estrutura ~oCIaI VIgente.

Quem é o responsável pelo abandono? Quem sao os abando-nados? .

Quem é o responsável 'p~l? abandono no ca.so de famíhas nu­merosas que vivem na mlsena, quando os paIS ganham s~l~rio mínimo' (ou estão em estado de sub-emprego), não tendo o mmlmo necessário à própria sobrevivência? . _ P

No Brasil segundo dados obtidos por uma ComISsao ar­lamentar de r~quérito, existem 15 milhões de ~enores .abandon!­dos ou em estado de carência. No Rio de Jan_eIro, .maIs de 50/0 das infrações penais praticadas por menores sao cr~mes contra o patrimônio. Este dado é praticamente univ~~sal. VeJa:se ~ com~= nicação de PAUL C. F'RIDAY e GERALD HAGE, . Y,~th crzme 'ln poso -industrial socrieties: an integrated perspectzve . A estrut~r.a. polI­cial judiciária é demasiadamente formal, impessoal e obJetlyt, e não pode funcionar adequadamente sem uma retaguarda me lCO­-assistencial eficaz; sem centros de recolhim~n~o de. me?~res, cen­tros de observação e triagem, institutos medlCo-psIcologlCos para

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o~ que apresentem graves deSvios d cnnentos de terapêutica social Tud a; personalidade, sem estabele-

~~d!ep~'!aem "';;~Ia~~::''';!- inS~i:'J~~~a J:r~te~~tgs"l' ;zuela, pode ver-se a comJ::fc:;~: d o ~terna em vigor na ve~

eno~es en 8ztuación irregular. e UAVE VIVAS DE SERFATY, Fmalmente, projetam-se b

fara os jo:,ens delinqüentes o:Og~~v:: so~~ções de internamento uem ~ CrIse das prisões. pro emas que hoje consti-

O mternamento correcional é . perz:a, . .. Ele constitui o últim semp::e ~e~tldo pelo menor como delmquentes perigosos. o recurso Judlclal no caso de joven

Os princípios que inspirara. s men?res foram estendidos aos .m o surgImento dos tribunais de :m.~na~ a p~nologia da crimi~~I7ct~dea~ultos d delinqüentes e hoje

quen es, a fmal, são encarcerado os a ultos. Os jovens de-âS

lrobl.eI!1as revelados pela soCiOI~ ~omo os a~ultos, surgindo aqui a e prISIOnal nos últimos tempos gIa e a pSICologia da comuni-

. '~Aao, pois, complexas e difíc .. -~mquencia juvenil como prob1e~~s as. quest~es que envolve a de-Isoladamente resolvê los SOCIal. Nao podem os J'u . t e p . . -, por melhores q. rIS as

or maIS brIlhante que seja a . ue. seJ~ suas intenções 16 O . sua Imagmaçao criadora.

. SIstema de educação t· mesmo que não houvesse praticad coa. Iva obrigatória de menores fata por allfUns pioneiros" con~e algum, proposto de long~ arga expenencIa. ' p a se hOJe com reservas após

Em que medida pode t· ' ~ outras autoridades ligad!~r a:a~SferIdtO dos tribunais de menores Impor sanções e outras . em-es ar do menor o poder o internamento, a perda m~~I~as coercit!vas (como,' por exeJ~: alguns. lugare.s e.ssa transferênciasuspensao do pãtrio poder)? ~,,; escal!~m~vos e de várias unidade se operou._ É o caSo dos países (CalIforma Wisconsin M. s da federaçao nos Estados U ·d Welifar A 't. ,mnesota etc) -. m os • J e u horzties os poderes d ' d· ". gue atrIbuem às Child j~~~at~fes.t e desaju~tados. A que~tã~SPéosd~~ qduanto aos menores

reI os, e pOIS a transf A. ca a, porque põe em autoridades ,administrativas O erenCIa de P?deres jurisdicionais a nores, como agência do E~tado qu~ cara?terIza o tribunal de me­ameaçar e controlar19• ' e, preCIsamente, o seu poder de

. A fracassada experiência d . =~as. d3 iivramento condicion.,f' :.~~ades b administrativas nas m e ermmada, nos Estados Unidos o 50 re a terminação da , mostra bem o perigo

und Vortrãge",

Macmillan, 1961, 638.

18. VON L Bd. I, 451. ISZT, "Strafrechtliche Aufzãtze

19. TAFT, "Criminology", Nova York ,

16

1871-1904,

de retirar-se do juiz a decisão sobre medidas que restringem a

liberdade.

Enfermidades mentais 17. Somente nos últimos tempos têm-se preocupado os juristas

com a dramática realidade do regime prisional imposto aos doen­tes mentais. Aos hospitais psiquiátricos está recolhida enorme massa de pessoas socialmente marginalizadas (doentes mentais, neuróticos, oligrofrênicos, alcoólatras, etc.), aos quais não se reco­nhece direito algum. Elas são oprimidas pela instituição total que "cria e mantém um tipo particular, de tensão entre o mundo ha­bitual e o institucional, empregando essa tensão corno instrumento estratégico para manejar os homens" 20. Corno afirmam RUBEN HERNÁNDEZ SERRANO e seus colegas, em sua comunicação ao congresso ("Analisis ptreliminar de la casuís­tica de los anos 1973/75"), não é possível estabelecer, em linhas gerais, uma relação de causa e efeito entre a enfermidade mental e o delito. A grande maioria dos enfermos mentais se conduz con­servando os padrões de conduta que não violam as leis, apesar de seus transtornos específicos. A internação, comumente, envolve uma discriminação contra os pobres a pretexto de ,ciência em matéria de doença mental, tendo-se em vista os termos vagos do poder ar­bitrário exercido pelos diretores dos hospitais. É o que observa, em sua comunicação, TASHIO SAWANOBORI ("DisctriminatiJon on the pre-

text of science"). São muitos os casos que revelam estar o tratamento psiquiá-trico tão mal organizado como o regime penal

21, surgindo os hos­

pitais como instituições em que se doentes se tornem mais doentes e os sãos de mente se tornam alienados

22•

Sustenta-se hoje a necessidade de abolir ou controlar a hospi-talização involuntária, dando-se aos pacientes dos hospitais psi­quiátricos os mesmos direitos e privilégios que possuem os internos nas demais instituições hospitalares. Importante nesse sentido foi a decisão proferida pelo tribunal federal de Alabama no caso Wyatt v. stickney. O tribunal proclamou o direito dos internos a

20. E. GoFFMAN, "Asylums. Essays on the social situation of mental pa­

tients and other inmates", Nova York, Doubleday, 1961, 15. 21. MANUEL LOPEZ-REY, "Crime: an analytical appraisal", cit., 236; PAU~

LINE MORRIS, "put .away, a sociological study of institutions for the mentallY

retarded", 1969. 22. B. J. ENNIS, "Prisioners of psychiatry. Mental patients, psychiatrists and the law", Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, 1972, 138. Na França, algumas organizações têm-se destacado na luta pelos direitos dos internos e pela transformação do sistema (GIA _ Groupe Information Asiles; GardesFous-C.L.H. -Comité de lutte des handicapés e a AERLIP Mouvement de travaillers de la

santé mentale). 17

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serem submetidos a tratamento efetivo, não podendo apenas ficar confinados23•

Pelas garantias que estabelece, parece-nos de interesse o que dispõe o art. 482 do Código Civil argentino: "EI demente no será privado de su libertad personal sino em los casos em que sea de temer, que, usando de ella, se dafle a otros. No podrá tampoco ser trasladado a una casa de dementes sin autorización judicial.

"Las autoridades' policiales podrán disponer la internación dando .inmediata cuenta al juez, de las persõnas que por padece; enfermIdades mentales, o ser alcoholistas crónicos o toxicómanos pudieren danar su salud o la de terceros o afectaren la tranqui­lidad publica. Dicha internación sólo podrá ordenarse, prévio dictamen deI médico oficial.

"A pedido de las personas enumeradas en el articulo 144 (es­poso e esposa, parientes, Ministério de Menores, consul) el juez podrá, previa información sumaria, disponer la internación de quienes se encuentren afectados de enfeánidades mentales aunque no justifiquen la declaradón de demencia, alcoholistas crónicos y toxicómanos, que requieran asistencia en establecimientos adecua­dos, debiendo designar un defensor especial para asegurar que la internación no se prolongue más de lo indispensable y aun evi­tarIa, si pueden prestarle debida asistencia las personas obrigadas a la prestación de alimentos".

MarginaDidade da mulher

18. A chamada marginalidade da mulher constitui fenômeno cultural que decorre da posição de inferioridade e subordinação imposta às pessoas do sexo feminino na sociedade. Ela transparece em diversas disposições da legislação civil e penal vigente em vál­rios países, sendo bem assinalada por HELENA FIERRO HERRERA nas duas comunicações que apresentou ao congresso ("La margínalidad de la mujer" e "Delincuencia feminina y maternidad").

Numerosas leis, em diversos países, nos últimos tempos, têm evoluído no sentido de assegurar à mulher igualdade de direitos, na vida civil, e, sobretudo na família, em consonância com o papel que ela desempenha na vida moderna. Dessa maior participação em vários setores da vida social decorre, sem dúvida, o aumento da criminalidade feminina, que, embora não seja fenômeno uni-:­versaI, se observa em muitos países. A matéria foi objeto de aná­lise e debate no V Congresso da ONU sobre prevenção do crime e tratamento dO' delinqüente, realizado no ano pass.ado em Ge­nebra 24 •

23. Cf. "WYATT v. SRICKNEY and the right of civilly committed mental ,patient~ toadequate treatment", Harvard Law Review; 1973, 86/7, 1282.

. 24. HELENO FRAGOSO, "Changes in forms and dimensions of crimi:hality -transnationaI and nationaI", A/CONF. 56/L. 3 (mimeo.).

'18

19. Fala-se também de marginalidade da mulher al~dindo à prostituição femi!1~na, que se ,~eve a ~ator~s de ordem social e eco­nômica e à posIçao desvantaJ'osa e mferIor que a ID:ulher ocupa na sociedade. NãO' parece que mereçam atençao especial os recen­tes protestos e reinvidacações, ~e pro~titutas, recla;nando trata~en~o menos injusto e discriminatorIo. Veja-se a respeito a comumcaçao de M. SACOTTE, "Prostitution et marginalité".

Minorias étnicas e cuUurais

20. Os altos índices de criminalidade apresen.tados por certos grupos étnicos parece estar vinculado a um conjunto de fatores de ordem social. Nesse sentido existem numerosos estudos e ampla literatura. . -

ALFONSO SERRANO GÓMEZ, em sua comumc~çaO'. ao congresso ("Raza y de~ito"), estudando os ciganos e os qumqUIS,. repro~uz a opinião generalizada, observando que. nesses grupos e superIor a cifra dos que não delinqüem e que VIvem de ~eu trabalhO'. Re.fe­rindo-se aos negros e às pessoas de classe baixa, na perspectlva dos crimes violentos, ROBERT STAPLES,. eI?- seu traban~o ,,("Race aI~d family violence: the internal colonzanzsm p~rspect'LVe )'. tambel?1 assinala que não há razão para supor que taIs grupos seJal?1 .maIs propensos à violência do que os componentes da classe media ou da população branca. Os problemas aqui são todos de natureza social ou cultural. . .

Uma legislação s~vera, aplicada com rigo~, pode cO'ntrIbUIr para aliviar os conflitos e tensões oriundas das dIferenças ~e. raça e d.e cor, como se pôde ver nos Estados Unidos, por uma seTI~ de deCI­sões importantes da Suprema Corte. É interessante menCIOnar que no Brasil constitui contravenção penal a prática de atos res~ltantes de preconceitos de raça ou de cor, como a recusa de serVIços ou de trabalho.

21. Problemas graves têm surgido com a identifi?ação .de g:u­pos étnicos no interior das prisõe~, 02'5que pode condUZIr a sItuaçoes explosivas, como ocorreu em Attlca .

22. Com referência à marginalidade das populações indígenas do continente particular atenção deve ser dada ao excelente .trab~­lho do prof. J~SÉ RAFAEL MENDOZA que já me~,cio~am.0s ("Soc'Wlog~a descritiva de la margmalidad de la poblac'l:m zn~1,gena .y ~e las areas periféricas de Vas ciudades latino-amerwanas )'. Os I?~Igenas têm sido vítimas de antigos e recentes processos sIstematlCos de genocídio e de desrespeito aos princípios de sua cultura. Como

.25. Cf 't D DENFELD -. A. HOPKINS "Racial-Ethnic identification . a resp€l o. .." . ' . n 1975-3 355.

in Prison: right on from the mSlde , lnt. J. of. Cnm. Pe ., ,

19

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afirma o Dr. MENDOZA, "o índio não está identificado com a civi~ '~, lização do branco, mas possui uma característica social própria que pode se transformar, não mediante a sujeição, nem por meio da denominada proteção, com leis, decretos, publicações de beneficên~ cia, igualdade de direitos e outras medidas que, em lugar de pro­teção, encobre uma exploração real, senão pela educação".

Do ponto de vista civil e administrativo existe, em muitos países, ampla legislação, tendente, pelo menos no plano teórico, à proteção das comunidades indígenas e de seus membros. Do ponto de vista criminal, a questão jurídica mais importante é a que se relaciona com a responsabilidade penal. Na maioria dos Códigos Penais não há regra expressa a respeito, entendendo-se que do indígena se pode dizer que apresenta desenvolvimento mental in~ compBeto, se revela sua inadaptação do meio civilizado. Por este caminho se exclui ou se atenua a imputabilidade, segundo os prin~ cípios gerais.

l~em sempre a questão estará bem posta pelo prisma da im~ putabilidade. Imputabilidade é capacidade de culpa, vale dizer, capacidade de governar a própria conduta segundo as exigências do ordenamento jurídico. Parece-nos terem razão os que afirmam não haver fundamento válido para formular, como princípio geral, o da inimputabilidade do indígena. Escrevendo em relação ao índio boliviano, diz MANuEL DURÁN: "El indio en general posee la capa~ . cidad suficiente para darse cuenta de sus actos y está dotado deI sentido ético necesario para apreciar aquellos inmorales o prohi~ bidos y para abstenerse de ejecutarlos. Vive de acuerdo con normas morales que vienen de sus antepasados y es casi seguro que si alguien se dedicase a hacer un estudio comparativo de la mora~ lidad media de la población que habita en las ciudades con la de los indios, llegaria a la conclusión sorprendente de que en esa com~ paración resulta favorecido el elemento autóctono. Lo prueba el hecho fácilmente comprobable de que la criminalidad deI indio es reducida, si se considera que tiene menos posibilidades que el blanco para eludir la acción de la justicia, por su desamparo económico y sociaI26". Trata-se de atribuir relevância jurídica ao deficit social dos silvícolas, enquando estranhos e alheios ao nosso estilo de civilização.

Por tais razões, seria indubitavelmente mais correto estabelecer expressamente a inimputabilidade do silvícola inadaptado. Aqui, com grande clareza, revela-se muito bem o caráter valorativo do juízo de imputabilidade, que compete ao julgador, na análise da capacidade de culpa.

26. MANUEL DURAN, "EI indio ante el Derecho Penal", in "Estudios Juri", dicos en Homenaje aI Professor Luís Jimenez de Asúa", Buenos, Aires, Abele­do-Perrot, 1964, 556.

20

Intervindo na reumao que realizou no, México. a Comissão Re~ datora do Código Penal Tipo para a América Latma, em outubro d 1695 o saudoso prof. CARRANCÁ y TRUJILLO observava: "Realmente

e veo' por qué se ponga en el banquillo constantemente como no tI' d' " ." d faltos de desarrollo mental comple o a os m 1genas ,pOIS pue en tener un desarrollo mucho más completo qu~ otras raz~s:'27.

O Código Penal peruano (art. 90) per~mt~ que o JUIZ, tendo em conta o desenvolvimento mental dos. mdlgenas, seu _ grau de cultura e seus costumes, aplique _prudencI~I~ente ,a sançao penal, substituindo a pena por internaçao em colorna ~grIcola, por tempo indeterminado. Isto corresponde, como se sabe, vIrtualmente, a uma pena. , -"f .. A problemática social dos indIgenas nao e um or:n~ nos varlOS países da América Latina, apresentando-se, ao contrarIo, com no-táveis diferenças.

contestação e dissidência

22. Uma última, breve referência d~v.e ser feita a este ~ópico incluído nos comentários oficiais da tematIC~ do. con~esso. Ja ~11~~ dimos ao direito penal terrorista que margmal~za e ls?la a dISSI~ dência política. As ditaduras militares deste contu;ente tem abusado da punição institucionalizada nas normas penaIS de !orm~ a~ar~ mante no círculo vicioso que resulta das profundas CrIses mst.It~~ cionai~. Diante da grave criminalidade política que ~urge, a pumçao se exacerba. Contemplamos com pesa: o reapareCImento ?~ pena de morte em vários países, como se nao basta3se o assa~~mlO pra~ ticado covardemente pelos órgãos de repressao, <?s. sequestros, o confinamento indefinido e a tortura de presos pOlItICOS, num des~ respeito aos mais elementares direitos humanos.

27. "Código Penal Tipo para Latinoamérica", México, Academia Mexicana de Cieneias Penales, 1967, 191.

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SOBRE A POSIÇÃO DO RESULTADO NOS DELITOS QUASE-DOLOSOS DE OMISSÃO ~

VVOLFGANG SeHONE

A circunstância de que uma revista argentina intitulada ',!-Tuevo !,ens~~iento ~en:;tl" queir~ homenagear, em seu septuagé­SImo amversarIO, ao CIentIsta alemao que propôs um "novo sistema de ~ireito penal",l é uma prova de que HANS VVELZEL encontrou o c::;~mho correto em sua busca dos fundamentos do direito penal vah<l:0s em geral e prévios a todo direito positivo. O êxito de VVELZE~ se vmcula em boa parte a sua teoria da ação final e do injusto pessoal, .que superou e deu por terminada a época de um direito penal orIentado ao 12ensamento causal e ao desvalor do resultado. Desta nov~ concepçao derivaram, também, conseqüências para a estruturaçao dos pressupostos da punibilidade, entre as quais a passagem ~o dolo do fato do âmbito da culpabilidade ao do injusto - ou, maIS exatamente, ao tipo subjetivo - é a mais conhecida.2

Outr~s conse'lüências sistemáticas (e terminológicas) estão vincula­d~~ a produça;o do resultado, que, para o próprio VVELZEL, tem sig­mfIcaçao preClsam.en!e como limitador do injusto,s e ao qual, para alguns . ~e. seus dISClpulos, deve corresponder um efeito limitador da pumbIlIdade fora do "delito" (no sentido de Binding); 4 conclusão

* ~radução de J uarez C.dos Santos. Este trabalho foi originalmente escrito para o lIvro-homenagem a Hans Welzel, publicado por Nuevo Pensamiento Penal ed, Depalm.a, B. Aires, 1974. '

1. Das neue Bild des Strafrechtssystems, Gõttingen 1950. Existe tradu­ção da 4.a edição (Gõttingen 1961) por José Cerezo Mir:' El nuavo sistema deI derecho penal, Barcelona, 1964.

,2. Para. o direito arg~tino, cf. ENRIQUE BACIGALUPO, Lineamientos de la teoria ~l dehto,Bu~nos AIres, 1974, pág. 46 e 168; RAÚL ZAFFARONI, T'eoría del dehto, Buenos AIres, 1973, pág. 255 e as referências em nota L

3. Das deutsche Strafre~ht, 1loa e~., Berlim, 1969, pág. 62; tradução ao espat.ili0l por Ju~n Bustos RamIrez e SergIO Yafiez Perez, Derecho Penal Alemán, Sant:ago de ChIle, 19'70, pág. 92. Conf., ademais, também, pág. 136 da edição alema e 193 da espanhola. ..

4. BINDING distingue entre o "delito", isto é, a lesão antijurídica e culpá­vel da norma, e o "crime", isto é, o delito punível. Conf. KARL BINDING, Handbuch

22

esta à qual se chega mediante um conseqüente desenvolvimento dos pontos de partida welzelianos.5 Este trabalho trata de uma destas últimas conseqüências.

Um artigo do penalista japonês YUTAKA MASUDA, sobre o "de­senvolvimento da teoria do injusto pessoal na ciência do direito penal alemão atual", pode oferecer o ponto de partida.6 Em um postscriptum a este valioso trabalho - novo indício da ampla in­fluência exercida por VVELZEL fora de Alemanha - MASUDA se ocupou, também, do injusto nos delitos de omissão7 e, neste con­texto, de uma observação minha.8 Seguramente, só à brevidade deste postscriptum pode-se atribuir que as opiniões de MASUDA a respeito não só estimulem a discussão - como, sem dúvida, o fa­zem - senão que, também, possam provocar certos mal-entendidos.

I

Se compreendi corretamente, MASUDA parte da transferibilidade dos conceitos sobre o injusto e a posição do resultado nos delitos de comissão aos delitos de omissão. Com base nisto deduz, então, que seria falso incluir o resultado no tipo (Tatbestand) do delito de omissão (consumado): se se admite que não está no poder do homem que seus sérios esforços para evitar a produção do resultado alcancem realmente tal objetivo, então haverá que admitir que- o direito só pode exigir a ação tendente a evitar o resultado, mas não a evitação mesma. Dado, então, que só esta matéria do mandado pertence à adequação típica, isto é, que alguém permaneça inativo apesar de haver-se representado a produção do resultado (e de ser

de:s Strafrechts, L Band Leipzig, 1885, pág. 499. Sobre esta distinção ver, ade­mais, ARMIN KAUFMANN, Lebendiges und Totes in Bindings Normentheorie, Gõttingen, 1954, pág. 17 e seg., 30 e seg., 196 e seg.; ENRIQUE BACIGALUPO, Sobre la teoría de las normas y la dogmatica penal, em: "EI Derecho" de 15 de janeiro de 1975, tomo 58.

5. Conf. ARMIN KAUFMAN.N, Das fahrlüssige Delikt" em: Zeitschrift für Rechtsvergleichung, Viena 1964, pág. 41 e segs., especialmente pág. 43 e seg., 53 e segs.: do mesmo, Zum stwnde der Leh1"e VDm personalen Unrechi;" Festschrift für Hans Welzel zum 70. Geburtstag, Berlim-New York, 1974, pág. 393 e segs., €specialmente pág. 411 e nota 5Ô; ECKHARD HlORN, Konkrete Geführdungsldelikte, Colonia, 1973, pág. 78 e segs.; D[ETHARD ZIELINSKI, Hwndlungs - und Erfolgsun­wert im Unrechtsbegriff, Berlim, 1973, pág. 128 e s,egs., 200 e segs.

Mas, conforme GÜNTER STRATElNWERTH, Handlungs - und Erfolgsunwert im Strafrecht, em: Schweizerische Zeitschrift für Strafrecht, voI. 79 (1963), pág. 233 e segs., para quem, apesar de que o desvalor do resultado não forma a base do injusto, segue tendo importância para estabelecer a plena medida daquele, que, por sua vez, resulta determinante para a gravidade da culpabili­dade e da pena.

6. Revista jurídica da Universidade Meiji, Tokyo, 1975, pág. 129 e segs. 7. loco cit., pág. 145. 8. UnterlafMene Erfolgsab'wendungen und Strafgesetz, Colonia, 1974,

pág. 90 e segs.

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capaz de realizar a ação correspondente) ,a realização do resultado do mesmo não será, no melhor dos casos, senão uma condição obje­tiva de punibilidade. Isto não havia sido tomado em conta por mim porque não distingui, em meu livro sobre a omissão, entre resultado representado e resultado produzido e, este último, o compreendi como um elemento do tipo.

II

Minha tomada de posição, a que se refere MASUDA, não se ocup3" de nenhum modo, sem embargo, do problema geral da ordenaçao do resultado nos delitos de omissão, senão do problema especial da interpretação correta do § 330 c, do Código alemão.9 Esta prescrição sobre a "omissão de socorro" é interpretada predominantemente no sentido de que constitui um paralelo em relação aos delitos de ati­vidade no âmbito da comissão, ou seja: não é a omissão da evitação do resultado o que realiza o tipo, mas a omissão de uma ação que, de aCOil'do com um juízo formulado ex-ante por um observador objetivo, é apropriada para evitar o resultado.lo Enquanto a maioria dos partidários desta interpretação não assinala à produção do re­sultado nenhuma significação, há uma minoria que o entende, ao menos, como condição objetiva de punibilidade, para extrair disso uma limitação da punibilidade da omissão de tais ações.u

Opus a esta interpretação, coincidindo com outros autores,12 que o § 330 c, do Código alemão, não tem, por traz, um mandado de ação, mas um mandado de evitar o resultado. la Negativamente, isto significa: o resultado não pode ser uma condição objetiv:a de punibilidade no sentido admitido até agora. Pois se se manda agir com o fim de evitar um resultado determinado, a produção deste não (só) entrará em consideração exclusivamente no plano do "crime" _ isto é, como limitação da punibilidade da não-execução de uma determinada ação, caracterizada por sua aptidão genérica de evitar o resultado. Pelo cnotrário, o resultado é relevante já na determinação do que, como constitutivo da lesão do mandado, é adequado ao tipo - pelo menos como objeto da representação do

9. "Quem em casos de acidente ou de perigo comum ou de necessidade não presta ajuda, apesar de ser esta necessária e exigível segundo as circunstâncias, e é, especialmente, possível sem considerável risco e sem lesão de outros deveres importantes, será castigado com pena privativa de liberdade até um ano ou com multa".

10. Conf. as referências à literatura em SCHÕNE, Unterlassene Erfolgs-abwendungen, pág. 57 nota 100.

11. Coni., por exemplo, ARNOLD BLINDAUER, Die folgenschwere unterlassene. Hilfeleistung (§ 330 e StGB), tese doutoral Saarbrücken, 1971, pág. 34 e sego

12. Referências em SCHÕNE, Unterlassene Erfolgsabwendungen, pág. 57

nota 98. 13. Unte,rlassene Erfolgsabwendungen, pág, 58 e segs.

omitente. Positivamente expressado: só quando se refuta a opmIao supra esquematizada e se adota meu ponto de partida aparece para o § 330 c CP a}emão o problema geral, que preocupa'MASuDA: fora d~ representaçao do resultado, pertence também ao tipo a pro?uça? ?-o resultado ou se trata - se bem com uma fundamen­taçao ~Is~I.nta da por mim refutada - de uma condição objetiva de pumbihdade?14

Previamente à Eesposta farei uma observação mais sobre o § 330 c, do CP alemao. Para aqueles que vêem neste preceito um parailelo co~ os delitos de resultado no âmbito da comissão, a representaçao do resultado pertence necessariamente ao tipo por­que, sem esta representação, a evitação do resultado não -p~eria ct:egar, ~e ~~nhuma maneira, a ser o fim da ação correspondente. NIsto ,1C?mCIdIm~s .~om M~UDA. A circunstância de que eu - ao c?:r:-trano da opmIao dommante - sustenha a tipicidade da ina­tIvldade frente a um resultado que o omitente se representou erro­neamente ~em provar que este ~lemento, isto é, a, representação do resultado, e, d~ me"? P?~lto de VISta, realmente o unico decisivo. Ao mesmo tempo ISto sIgmfIca que se se interpreta o § 330 c CP alemão ?om? ."tipo ~e tentativa de sinal contrário",15 pode-se sancionar a ma~Iv~dade amda 9uando o. resultado não se tenha produzido (como omIssao da tentatIva de ~vItar o resultado). A ordenação do resul­tado na es!rutm::a. do delIto do § 330 c CP alemão é portanto só uma questao teonca sem conseqüências práticas para a punfbili­dad.e.~6 C<;>m eS,t~ fundamento acreditei poder tratar o problema da posIQao sIs~ematIca do r~s~ltado no sentido clássico, sem entrar na consIderaçao da problematlCa desenvolvida por MASUDA. Isto o farei agora.

III

. MASUDA ~ueE resolver a questão da posição do resultado nos delItos .de _ omIssao como base no papel deste elemento nos delitos de comI~sao. Este procedimento não é criticável metodologicamente, na: medIda em q,:e se cont.err:plem, t~mb~m, a~ diferenças que eXIstem entre a açao e a OmIssao. Por ISSO e possIvel aqui seguir este mesmo caminho. ' ,

, a) O que chama a atenção em matéria de delitos de comissão e que aqueles partidários da teoria do injusto pessoal que não assi~ nalam ao desvalor do resultado significação alguma para o injusto

14. ,!?:,::rlassene Erfolgsabwendungen, pág. 72 e segs. 15. .l1.ruulN KAUFMANN, Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte, pág. 231.

. ~6. Como se trata de um paralelo aos tipos de tentativa, nem sequer é aphcavel a regra de atenuação para a penalidade da tentativa (:§§ 23 inc. 2, 49 inc. 1 do Código Penal Alemão).

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do comportamento,17 designam como "condição objetiva de puni­bilidade" à produção do resultado, que, nos delitos dolosos, o autor tem que se representar e que, nos culposos, apesar de não fazer parte da ação final, mantém sua relevância como ponto de refe­rência para a determinação da negligência da ação, enquanto, por outra parte, na subsunção de um caso determinado, verificam sua existência sob a rubrica de "adequação típica". É assim que ARMIN KAUFMANN apesar de sua posição decidida sobre o resultado como condição objetiva de punibilidade,18 em seus cursos práticos não se separa do "esquema da estruturação do crime" que propõe WELZEL no apêndice de seu tratado "ao mesmo tempo como diretiva para a resolüção de casos penais", esquema no qual a produção do resultado - tanto nos delitos dolosos de comissão consumados como nos delitos culposos de comissão pertence como parte do com­plexo: causalidade-resultado (Erfolgssachverhalt) ao primeiro nível, isto é, à "adequação típica/", e não ao quarto nível "condição de punibilidade".l~ Também HORN reconhece como pressuposto da pena não só a "ação tipicamente adequada e antijurídica e culpavelmen­te realizada" senão - segundo o texto legal - também "a reali­zação do chamado tipo objetivo (abreviadamente: do resultado típico) ", ainda que esta é assinalada, de imediato, como uma con­dição "adicional" de punibilidade.20 Aqui parece existir uma falha sistemática. Ou a produção do resultado poderia ser, ao mesmo tempo, condição de punibilidade e elemento do tipo objetivo?

1) A tentativa de resolver esta questão revisando a caracte­rização do resultado como "condição objetiva de punibilidade" se encontra ante o argumento de que o direito não pode proibir a causação de um resultado, mas somente a ação que tende ao resul­tad(l ou que é negligente com respeito a este e que, por isso, a produção do resultado - para dizê-lo com as palavras de ARMIN KAUFMANN - "não é uma condição necessária da violação da nor­ma isto é, da adequação típica ou da antijuridicidade".21 Poderia, se~ embargo, apesar da força de convicção deste argumento, assi­nar-se à produção do resultado, pelo menos, o caráter de uma condição possível)? Se a pergunta se refere à violação da norma, a resposta seria negativa: sendo objeto da norma a omissão de uma

17. Conf. as referências supra, nota 5. - Parece que não é necessário considerar neste trabalho aos autores que querem atribuir importância para a fundamentação do injusto não só ao desvalor da ação, senão também ao desvalor do resultado. Certo é que esta base levaria diretamente à posição sistemática da produção do resultado que considero correta, mas como não comparto - do mesmo modo que MASUDA - o ponto de vista mencionado, a resposta à questão sistemática debatida entre ele e eu não pode ser obtida a partir desta premissa.

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18. WELZEL - Festschrift, pág. 411. 19. Lehrbuch, pág. 560 e segs. 20. Konkrete Gef,iihrdungsdelikte, pág. 103. 21. WELZEL - Festschrift, pág. 411.

ação fina,!, entre cujos pressupos~os n~o se encontra, precisamente, a. produçao de u~ re~ultado, a vlOI~çao da norma consistirá exclu­sIvamente na reahza~ao de uma açao; se a ação se exteriorizou, no momento da. produçao do resultado a norma já foi violada, da mesm.a maneIra que, se falta um elemento da ação, isso não se poderIa compensar com o elemento, estranho a ela, da produção do !esultado, para sustentar, desta forma, a existência de uma vio­laça~ da norma. Se _con~i~eramos a questão, agora, desde o ponto d~ VIsta da w:equaça? tzpzca., esta conclusão mantém sua validade 80 .se contranedade a norma e adequação típica coincidem neces­sanamente em sua condições.

A questão de se esta premissa é correta, pode ficar por um mome!lto sem responder. A contradição apresentada acima se re­solvena s~, se d~monstrasse como incorreto que a produção do resultado .~o-reah~a o chamado tipo objetivo".

Como Ja se dIsse, HORN fala de "condição de punibilidade" e de "adequ~ção, típica". N~ste sentido é possível, para ele,argumen­tar qu_e nao so, ~ p~oduçao do resultado, mas também a realização d~ _ açao cont:a!~a a norma comporta um pressuposto, uma con­dIçao de pumbIlIdade, e que deveria, então, admitir-se a reunião dos elementos de uma mesma espécie em uma mesma categoria Se esta categoria se denomina "tipo" (Tatbestand) a produção d~ resultado será, então, um "elemento do tipo".22

O mesI?~, sem em?a.rgo, haveria de valer também para as outras condIçoes .da pun!-bllidade. Mas, com relação a estas, há que c?nstatar o seguInte: aInda que as condições de punibilidade te­riam com base na Igualdade de seu caráter, que estar situadas lado a lad<? (e serem ~te~c~mbiáveis entre si?), pelo menos para a r~provabIlIda;de. e antIJuncIdade existem outras formas de orde­naçao; e o propno HORN, tampouco, vincula estes elementos com o concei~? "tipicament~ adequado". Isso se deve ao seguinte: a :eprovabIlIdade pr~ssupoe a possibili~ade do conhecimento do in­Justo. Como o obJeto de um conheCImento deve existir antes de poder: ser con~e~ido, o injusto logicamente precede o conhecimento (p?ssIvel) do Injusto e, com isso, à reprovabilidade.23 E a antiju­nCIdade depende da não aplicabilidad.e ?as causas de justificação, ,que, por sua vez, se baseIam na eXlstencia de uma violação da nor!Ila.24

• Existem, então, aparentemente, relações materiais que obngam a agrupar de uma certa maneira as condições de punibi-

22. De ~~~o se fala,. neste sentido, de um "tipo conjunto" (Gesamttatbe­stand) ou do tIpo da teorIa geral do direito", que compreende a soma de todos os pres~upostos de uma conseqüência legal. Conf. também KARL ENGISCH, Die nor;:nativen Tatbestandsmerkmale. im Strafrecht, em: Festschrift für Edmund Me",ger. zU.m 70. Geb;trtstag, Mumch-Berlin, 19'54, pág. 12.7 e segs., 130 e segs.

23. Conf. tamb~m A~~IN KAUFMANN, Welzel - Festschrift, pág. 396 nota 4. 2.4. Conf. t!lmbem GUNTER STRATENWERTH, Strafrecht, Allgemeiner Teil I

Colomar 1971, numeros 178, 172, 179. - ,

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!idade, como tais genericamente iguais. Por conseqüência, é deci­sivo para o lugar da produção do resultado, se as condições de punibilidade, que restam ao deduzir do total a reprovabilidade e a antijuridicidade, e às quais pertence a violação da norma, formam (ou podem formar) um grupo homogêneo, ou, todavia, mais pre­cisamente, se existe a necessidade de uma subdivisão que impeça colocar a lesão da norma jUhto à produção do resultado. (Também desde este ponto de partida, então, aparece o problema de coinci-dência de adequação típica e lesão da norma).

Se se trata agora desta questão, não se vê a necessidade material para uma divisão, como a que existe entre as condições de punibilidade, "reprovabilidade", "antijuridicidade" e "lesão da nor­ma": a produção do resultado existe independentemente da lesão da norma, porque o resultado descrito pela lei pode realizar-se, também, no caso de que falte algum elemento da ação, como p. ex., o dolo, da mesma maneira que nem toda ação descrita pela lei provoca necessariamente a produção do resultado. Também, e espe­cialmente, a representação do resultado (ou sua recognoscibilidade) pode existir e ser comprovada independente da produção deste. Por isso, uma separação sistemática das condições "produção do resul­tado" e "violação da norma" não é necessária, senão - talvez -só possível. Mas, também, se não se considera a produção do resultado como condição de punibilidade, no sentido amplo de que cada pres­suposto da punibilidade é uma condição da mesma, o dito sobre as necessidades materiais continua sendo correto: com relação à punibilidade não se vê nenhum obstáculo para colocar antes da violação da norma uma condição objetiva de punibilidade, no sen­tido estrito de que este elemento resulta adicional aos da lesão antijurídica e reprovável da norma (ao "delito") e, assim, esta­belecer uma ordenação que, de fato, trata à produção do resultado parte do conceito mais amplo da condição de punibilidade. Só ter­minologicamente, então, haveria uma diferença: em um dos casos e à lesão da norma da mesma maneira que uma estruturação que se manteria a equação "tipicidade-Iesão da norma", entretanto, no outro, o conceito de tipo teria um conteúdo mais amplo.

E, com isto se demonstra, claramente, onde está, em realidade, o problema: trata-se da alternativa "tipo de delito/tipo de crime" ou _ formulado mais amplamente - da solução do problema sis­temático e terminológico que apresenta a diferença inegável en­tre "delito" e "crime", no sentido de BINDING e ARMIN KAUFMANN

2) A resposta à questão sistemática sobre se a ordenação dos pressupostos de punibilidade deve se orientar para o delito ou para o crime, com relação à punibilidade de um comportamento deter­minado, não pode ser derivada do resultado; porque ,ambos mo­delos de estruturação têm o fim de estabelecer a pertinência da

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punição, e em ambos mod I lidade é constante' Se ao ~~~Ol~ soma dos pressupostos da punibi-s~ cJ:1egasse a con~lusÕes distint:: s~~ ou outr?bPonto d.e partida, fICarIa que se descobriu não um e ba pum ~l1dad~,.lsto signi­melhor, um, problema materiaJ.2ã pro lema slstematlco, senão,

. . Mas, ha de se observar outra . . blhdade, que devem serobjeto d COtS

\ os pressupostos de puni-mentos do delito e elementos d~ es .ru u~çao, compreendem ele­dente da seqüência dos elemento CrIme. .ste caráter é indepen­~odos os modelos de estrutura ã~ e,. por :s~o, se o mantém em e uma prova da admissibilidade ~ slstematlCa. Por conseguinte cunstância de que este respeite ~ um~\ projosta de modelo, a cir~ dente e as conseqüências que se d-cara er o ele~ento correspon­entre si. Assim, por exem 10 n~o para a rel~çao dos elementos pressupostos de punibilidade P"~ntijU~i!~~e d v;,;rIar a relação dos se se parte, em vez do crime d d rtlC1 a ~ e "reprovabilidade"

Supostos os postulados da ~eue 1 o! e Vlce-versa. c1usões sobre a punibilidade tr!lll~ade err: r~lação às con­o critério decisivo para a eie~çã~a dausenCIa de frIcçoes dogmáticas cCfbilidade. O sistema dos pressupos~ esauema ~s~~utural é a prati~ so um panorama sobre ue . _os ~ pumbllIdade não oferece apresentar, para que oss~ a ~~ndlçoes tem, )?ri~ic~mente, que se senão, e especialmenEe, tem Po :~e~.~ conseqoencIa Jurídica "pena", prova, de forma mais ade Uad~ Iode ~sc1~recer como se com­e como se responde mais ra~ida~e:t r~allzaç~~ destes requisitos

Do tratamento de ambas altern ~ a ques ao da punibilidade. nados resulta, em primeiro lu ar atI,:a~ s?b os aspectos mencio­sobre a punibilidade se a t ci q~e e mdlferente para a decisão lugar junto com a l~são da n~o uçao d9 resultado encontra seu

Com relação à ausência d rrr:a ~u so de~o~s do delito. resultado não é, segundo o dit~ frI~çoes. dogmatIcas, a produção do tampouco então existem, or es:a1s aCIma, um .elemento do delito; uma certa forma de est~uturaçã!a~~'t neâessldades materiais de a formação de um tipo (do crime' IS .a esde o outro ângulo, ;:pr~dução do resultado" com o ou2roreynmd~ o elen;ento do crime lesao da norma" deixa intacta a r:l e~en o do. crIl12e e do delito

com os demais requisitos do delito "a ~ç~o . ~~ . vlOlaçao da norma lidade"; sobre esta base tam ou n lJ':rI lcldade" e "reprovabi­ticas para nenhum de a~bos mP dcol' se da? ?ontradições sistemá-o e os pensavels;

.2~.. ,É conhecida, através da história d d ' . posslblhdade da instigação a um fato . .a I o~atlCa, a controvérsia sobre a duçã? , d.a assim. chamada acessoriedad~n~~r~ nao dolo,so: Em vista da intro­partIdarlOs do SIstema causalista e d t . ~a no COdlgO Penal alemão os posição do dolo de fato no âmbito daa c ~on~T dO dolo concluíram, partind~ da tal instigação, ~n~uanto os partidários ;aP~ 1 1. ade, pela possibilidade de uma :fato como reqUIsIto do injusto ascende e~>rl~ opo~t::,. que conta o dolo de um fato principal não dolo"o' M ram a .tmposstbtlidade da instigação a da sistemática não podem s~l~cion:s, em rbelahdade, ta~s conclusões extraídas r o pro ema materIal.

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Isto vale, pelo menos, para os fatos dolosos comissivos. Em relação aos fatos culposos, que, segundo a legislação atual, em sua maioria, requerem a produção de um resultado, se percebe a necessidade de uma maior reflexão: dado que pertence aos pressupostos de punibilidade a chamada "relação de' antijuridici­dade", isto é, que a ocorrêp.cia do 'resultado' tem que ser a reali­zação da contravenção do cuidado,26 e ademais, que a previsibili­dade subjetiva do resultado se considera como critério da repro­vabilidade, deve, então, a produção do resultado realizar um papel já no âmbito do primeiro nível da estruturação?

Aqui só se pode esboçar uma resposta. Como se sabe, a lesão da norma nos fatos culposos consiste na realização de uma ação cuja descrição não se pode derivar da lei; aplicar o direito no caso concreto é, então, em primeiro lugar, estabelecer qual é o direito.

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Para isso, o único ponto de referência se acha no resultado que a lei menciona (! ), isto é, a descrição abstrata da lesão de um bem jurídico. A produção concreta do resultado, entretanto, só dá ocasião para interrogar sobre a existência de uma norma de cuidado; mas não forma parte das condições objetivas da punibilidade. Sob o ponto de vistã dogmático não surge, então, a necessidade de colocar o resultado no tipo. 28

A previsibilidade subjetiva do resultado se considera, desde há muito tempo, como elemento da reprovabilidade dos fatos culposos. Mas só ARMIN KAUFMANN descobriu o conteúdo verdadeiro deste elemento. 29 Trata-se da evitabilidade do erro de proibição sob o qual age normalmente, o autor, em razão de que não adverte que com sua ação se comporta em contravenção ao cuidado relativo à lesão de um bem jurídico e, então, dada a ausência de causas de justificação, também antijuridicamente. A previsibilidade do resultado não é, neste contexto, um critério autônomo; ela deve sua importância, só ao fato de que a previsão das conseqüências de uma ação pode dar lugar a um processo de pensamento que em determinada medida reproduz os motivos inspiradores da norma -a possibilidade de uma lesão do bem jurídico conduz à proibição da ação - e assim leva consigo o conhecimento da antijuridi­cidade da ação projetada. O autor, pois, não deve prever mais que o necessário para conhecer a contravenção ao cuidado, e isto

26. Conf. KARL ENGISCH, Die Kausalitiit als Me~kmal der strafrechlichen Tatbestiinde, Tübingen, 1931, pág. 61; identicamente, HANS WELZEL, Lehrbuch, pág. 136 (pág. 193 da tradução espanhola).

27. Conf., por exemplo, SCHONKE-SCHRODER, Strafgesetezbuch KOllWlwntar, 17.a ed., Munich, 1974, § 59, números 185 e segs. com mais amplas indicações.

28. Mais na matéria mesma que na formulação coincide WELZEL, que atri­bui à causação do resultado a função de selecionar aquelas ações contrárias aO cuidado (à norma) que, segundo a legislação positiva, têm relevância "penal". isto é, que são relevantes sob o aspecto da punibilidade concreta. Conf~ Lehrbuch, pág. 136 (pág., 193 da tradução espanhola).

29. Zeitschrift für Rechtsyergleichung, 1964, pág. 52.

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pode ser mepos ~ue a produção concreta do resultado com todas as s~as particularIdades. Cabe acrescentar que para a capacidade de motivar-se de acordo com a norma é importante pré-considerar (vo~bed~nken) a~ conseqüências da ação, o que é independente da realIzaçao" posterIor das mesmas. . Confirm~-~e, então, que nem nos fatos culposos existe a neces­

SIdade dogmatICa de uma determinada localização da produçã d resultado, nem surgiria uma fricção se se optasse pela colo o _ o deste elemento junto com a lesão da norma. caçao

Sob!e ~s.ta base resultam, finalmente, decisivas as conclusões da pratICabIlIdade, das quais mencionarei somente algumas pou Se se ordenam os pressupostos da punibilidade de um fato dof:S

s.

con!umado segundo o "delito", então haverá que começar a reso~ luçao do ~aso com o ~ipo subjetivo. porque sem conhecer o dolo de f~to nao se pode dIzer se a atitude externa do autor constitui pr~Cl~amente esta determinada ação descrita pela lei penal. O ti o o?JetIvo, por sua vez, pressupõe que o autor realizou todo o req!­rIdo se~.un~<? ~uas representações :p~ra obter o resultado. Só depois d~ antIJurIdI.cI~~de e da reprovab:.thdade vem o exame das condi­çoes d~ pumbIhdaCie, e ent~e elas a produção do resultado e sua causaça~ pelo autor. PreCIsamente aqui teria que se contestar ~ g,u.e~tao :;-;0 em ,certa maneira um paralelo à "relação de anti­JUrldICIdade nos fatos culposos ~ acerca de se o resultado repre­sentado e o verificado se correspondem mutuamente isto é por ~xemplo,_ se um desvio do nexo causal resulta releva~te e c~nduz a excl.usao ,:la p~nibili~ade de um fato doloso, sempre dado que a tentativa nao seja pumvel.

U~a est~uturação tal é já conhecida através do esquema da tentativa e, Igualmente como este o demonstra realizável Sem embargo, em comparação com o modelo no qu~la produção do resultado , f?rma parte do tipo (do crime) pelo menos existiria um d.esnecessarIo esforço - pelo menos de não punibilidade da tenta­tiva - se ~e tivesse que comprovar todos os requisitos do delito entreta~to Já, desde o princípio fica claro, pese à comprovação d~ um d~lIto, que fracassa a punipilidade por falta de resultado. AdemaIS, se se coloca a produ~ao do resultado e sua causação - elementos _que ~m todo caso tem que se dar - no tipo, se supõe a comprovaçao atmente a se o autor realizou todo õ requerido segl!ndo suas representações, para obter o resultado; a compro~ vaçao '~AO ?olo tem_ um ponto de partida direto e também as con~equencIas da nao coincidência do resultado representado e do re,alIzado apar.ecem já no tipo subjetivo, o que significa que não ha que exammar, por exemplo, em casos de desvio relevante do curso causal, a antijuridicidade e a reprovabilidade.

30. Sobre a terminologia conf. ARMIN KAUFMANN, Unterlassungsdelikte, pág. 14 nota 44.

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No âmbito dos fatos culposos não existe, para a colocação do resultado no tipo (do crime) nenhuma necessidade dogmática, senão, melhor, uma necessidade prática: como os requisitos da lesão da norma não são descritos pela lei e têm que ser desenvol­vidos ad hoc, então não teria muito sentido começar a busca suma­mente complicada destes requisitos, se não se chega à punibilidade sem o resultado, muito facilmente comprovável. Ademais, não se trata de encontrar quaisquer normas de cuidado e de constatar sua lesão, senão, melhor, só aquelas que, por seu gênero, pelo menos potencialmente, podem estar em "relação de antijuridici­dade". Isto importa que a produção do resultado deve tomar-se, pelo menos, como ponto de partida e de referência para a deter­minação dos elementos da lesão da norma, se não se quer realizar muito esforço supérfluo.

Até aqui a questão sistemática foi tratada só em relação à produçuão do resultado e, com isso, se partiu, implicitamente, da premissa de que só a inclusão ou não inclusão do resultado decide sobre o "verdadeiro" conceito do tipo. Mas isto não é correto. Fora da ação proibida, que corresponde à matéria da norma, também poderiam ser elementos do tipo os elementos particulares das leis especiais. 31 Mas, sobretudo, há que mencionar aos elemen­tos da autoria que, junto com a matéria da norma, formam o objeto da norma. 32 Aqui são distintas as conseqüências sistemá­ticas em caso de que se atribua maior importância ao caráter do elemento autoria como parte do objeto da norma, ou sua parti­cularidade de não poder ser objeto do dolo do fato: no primeiro caso, se chega ao conceito mais amplo do tipo de WELZEL. que então tem, por causa das distintas conseqüências para o erro, que subdividir os elementos do tipo,33 enquanto no outro se sobe ao conceito mais estrito e unificado de tipo de ARMIN KAUFMANN que, pelas conseqências em matéria de erro se vê obrigado a trans­ferir uma parte dos pressupostos positivos do injusto ao âmbito da antijuridicidade. M É decisivo o que se considere mais prá­tico, do mesmo modo que a respeito dos pressuupostos da validade da norma,3'5 que se podem considerar, segundo uma idéia de HANS-JOACHIM HmscH, em um nível sistemático separado antes da tipicidade, precisamente por seu caráter de pressuposto da

31. ARMIN KAUFMANN, loco cito e Normentheorie, pág. 107, 196 e segs. 32. O que ARMIN KAUFMANN denomina "objeto da norma" é, para WELZEL,

a "matéria da proibição"; o significado do termo "matéria da norma" é, pois, distinto para ambos autores.

33. Lehrbueh, pág. 77 (pág. 112 da tradução espanhola); conf., também HANs-JOACHIM HIRSCH, Die Lehre von den negativen Tatbestandsmerkmale"(,, Bonn, 1960, pág. 303 e segs.

34. loco cito 35. Por exemplo, validez da· norma, constitucionalidade. Conf. ARMIN

KAUFMANN, Normenthe.orie, pág. 97.

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norma violada -, ou com vinculação ao tratamento dos erros de mesma espécie no âmbito da antijuridicidade, send<? ? ~rro sobre um pressuposto de validade. da norma um ~rro .de p~o~bIçao. E com isto se esclarece, aind.a maIS, que a questao sIstematIca ~a estru­turação tem que ser solucionada em tayor do modelo maIS amplo e flexível que se orienta ao conceito do crime. Desde logo deve-se tomar em . conta neste modelo, tamb~m, a _ estrut~ra do. deli!o e a seqüência dos elementos deste, mas ISSO nao exclUI a conJu~~a:o de um elemento do delito com outros pressupostos de pumbIlI­dade para estabelecer unidad.çs m()ltiv~das por razões p:r:.áticas. Isto vale também para o tipo. T~l. conceito compreende. nao somente a lesão da nOrIlla - a matena da norma no sentIdo de ARMIN KAUFMANN -, senão também, e por razões práticas, ? result~do efetivo. Neste sentido, partindo deste mais amplo conceIto de tIpO, a produção do resultado "co-realiza" o tipo.

b) Também nos delito~ de omissão se encontra a cont!,adição aparente de que há autores que ao mesmo _tempo que tem por indiferente, com relação ao injusto, ~ produçao do resultado, sem embargo, colocam-no no tipo. Certo e que ARMIN KAuFMA~N_ fala, com relação aos delitos quase-dolosos consumados de omIssao ~e evitar um resultado do elemento do tipo "situação típica", expll­cando este último ~om a expressão "ameaça da realização do. re­sultado",36 mas, por isso, na prática docente de .dito penalIsta se entende, também, a realização do resu~ta~o.,37 De Igual n:~do ~u falei em meu livro sobre os delitos de omIssao,. d~ qu~ a v~r~fIcaçao do resultado forma parte do tipo. 38 Sobre a fncçao sIstematlCa que diSso parece derivar o essencial já está dito mais acima.

Naturalmente lv.ÍASUDA tem razão quando, partindo da norma, do mandado, chama à produção do resultado um~ condição ?b)~­tiva de punibilidade fora do delito ~, quando sublmha a .possIbIlI­dade de distinguir entre a produ~ao ,!o resulta~<? ocorndo e do representado. Mas, com isto, todaVIa, nao se deCIdIU nada quanto à colocação do resultado produzido dentro d~ esquema dos _ pres­supostos da punibilidade. Se se parte. 90 cnme, ~ :p:oduçao~o resultado só é uma das várias condIçoes de pumbIlldade, CUJa posição sistemática se encontra traçada só na medi~~ ~m que a estruturação interna do delito requer uma certa sequencIa. ~sta limitação não rege para o resultado; ele é pUEo elemento do cnme e pode. por isso, aparecer junto com a lesao da norma dentro do tipo do crime.

36. Unterlassungsdelikte, pág. 318. 37. N a realidade, não existe diferença material entre descrev~r o~ press~:

postos da punibilidade no momento anterior ao resultado - entao, ameaça. - ou no momento posterior - então, "realização". De todo modo, para a PUnI­

bilidade da omissão sempre se precisa da verificação do resultado. 38. Unterlassene Erfolgsabwendungen, pág. 90 e segs.

33

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A neutralidade com relação às conclusões sobre a punibilidade e a ausência de fricções dogmáticas outra vez faz depender a eleição do esquema sistemático somente de considerações práticas. O esquema pelo qual deveria optar MASUDA seria o da omissão da tentativa de evitar um resultado. Então pertenceria ao tipo a falta de uma ação tendente a evitar o resultado e a capacidade de intentar, isto é, a representação do resultado e a capacidade de chegar à conclusão de que a ação correspondente é realizável. 39

Isto significa, também, que a comprovação especialmente compli­cada da capacidade de agir teria que se realizar, também, no caso de que, em virtude da legislação positiva, não se chegaria nunca à punibilidade quando não há resultado. Também aqui é, pois, preciso orientar o esquema dos pressupostos da punibilidade pelo crime, e, neste sentido, também o resultado é elemento do tipo.

IV

A investigação não leva a nenhuma conclusão sistemática inovadora; com relação ao resultado permanece vigente a sistemá­tica dos pressupostos da punibilidade que se desenvolveu com base em uma teoria clássica, mas agora superada, do injusto. Isto poderia desiludir a aqueles que sempre esperam conseqüências sistemáticas atraentes de uma nova concepção dogmática. Mas a aqueles que, como HANS WELZEL não buscam o novo pela novi­dade mesma, senão que querem servir com suas concepções teóri­cas, também, e especialmente, à prática penal, lhes bastará o escla­recimento de como e por quê as soluções sistemáticas tradicionais são corretas também à luz dos novos conhecimentos.

39. Coni. ARMIN KAUFMANN, Unterl.assungsrdelikte, pág. 258.

COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES

UM PENSAMENífO SOBRE INDULTO:{o

I

o art. 8.0 do Dec. n.o 78.800, d.e 23/nov/761 determina não se benefI­ciarem do indulto e comutação de pena.s nele concedidos os condenados por crI­me contra a segurança nacional e por crime que tenha por objeto entorpec:n­te ou subsúância que cause depende~­cia física ou psíquica, quando refer~­da na sentença a condição de trafI-

cante. Os problemas propostos são os se-

guintes: 1. na hipótese de condenação, num só processo, em regime de con­curso material, por um desses crimes

* As reflexões que se seguem ~o:a~n motivadas por um processo que ,dIVIdIU as opiniões dos membros do E. C~nse­lho Penitenciário do Estado d? RIO de Janeiro. Condenado pelos ~rI~e~ de tráfico de drogas e de resIstenCl~,. o requerente mereceu Parece:: contrarIo, por maioria de votos, ao mdulto que corresponderia à pena executada pelo crime de resistência, por estar conde­nado pelo crime de tráfico ~e drog,:s. A igÍlor/ância de comoestarao SOlUCIO­nando o problenm os demais Conselhos Penitenciários dos Estados, e a c0D;l­preensã'O da relevância do papel de taIS órgãos _ que só tive integralmente ao participar de um deles, por br~v;e pe­ríodo, _ animaram-me a pubhca-Ias.

1. DO 24/novj76.

NILO BATISTA

e qualquer outro, ou 2. na hipótese de 'f' a-o ou soma de penas, entre um lcaç .

as quais uma por um desses ~rlmes, será aplicável o decreto, exclum~o-se as penas correspondentes aos crIm~s contra a ,segurança nacional e de tra­fico de entorpecentes? Ou os condena­dos por tais crimes não fazem jus, de nenhuma forma, ao indulto e/ou comu-

tação de penas?

II

O 'ndulto verdadeiramente significa, I ,

,como lembra JESCHEC:K,2 uma renun-cia ao direito de execução da pena ("einen V:erzicht auf das Strafv~lls­treokungsrecht"); AN'rOLISEI menCIOna "l'abbandorw, da parte dello Stato, deZ potere-dovere di infliggere al reo la pena comminata dalla legge"3. Embo­ra em perspectiva puramente proce~-

1 MAURACH não se afasta dessa 1I-sua, de nh~, referindo-se a U impedimento

ejecución".4

2. Ifihrbuch des StrafrechtB, A. T., Berlim, 1969, p. 587. G

3. Mamuale di Diritto penale, P .. , Milano, 1969, p. 586. d

4 Tratado de D'6recho Peno,Z, Tra . CO~DOBA RODA,· Barcelona, 1962, v. II, p. 621. MAURACH demonstra a impro-

85

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No Brasil, é essa a opmIao abalisa­da de ANiBAL BRUNO, para quem o in­dulto "impede tão-só a execução da pena a que tenham sido condenados os que dele se beneficiam".5

O efeito do indulto é a extinção da punibilidade no aspecto particular da execução da pena.6

Entre as críticas7 que o chamado di­reito da graça (Gnadenrecht) recebeu,

cedência de considerar-se a natureza jurídica do indulto como "escusa abso­lutória ". A simplificação de SOLER (><El indulto es un perdón") nos leva­ria a investigar a natureza jurídica deste perdão (Derecho Penal Argenti­no, B. Aires, 1970, v. II, p. 462).

5. Direito Penal, P.G., Rio - S. Paulo, 1962, v. 3.0 , p. 203.

6. É verdade que o art. 3 o do dec. 78.800 estende seus efeitos a processos em andamento perante tribunais de se­gundo grau, desde que só haja recurso da defesa (impossibilitada, pois, qual­quer majoração da pena aplicada). Mas é verdade também que só impro­priamente se pode" falar de indulto nessa situação (os alemã.es falaria~ de AbQlition, e não de Begna,dígung). ANÍ,BAL BRUNO ensinava que "o indul­to opera somente. depois da sentença c?ndenatória passada em julgado" (op. CIt., p. 20,3).

7. E as loas. Em algumas províncias d~ República .Argentina, cuja legisla­çao desconhecIa a revisão criminal o indulto era o único instrumento p~ra salvar o erro judiciário (SOLER, op. cit., p. 463). Especialmente em nossos dias, quando se com,prova a falência das penas p~ivativas de liberdade (e po­demos ~Ispensar a farta bibliografia estrangeIra, e resoluções de congressos para mencionarmos este extraordinári~ AUGUSTO TRUOMPSON, A Questão Peni­tenciária, Petrópolis, 19'76), o indulto pode ser o veículo com o qual o realis­mo do poder executivo tempere a místi­ca com a qual, em certos arraiais do po~e!, judiciário, é tratada a pena de prIsao.

36

a maior residiu certamente na desi­gualdade de tratamento perante a lei e o estado.8

Tlal crítica não pode atingir o dec. 78.800, de 23/nov/76, face a seu cará­ter generalizante, inspirado que foi nos sentimentos de fraternidade e cristã piedade sugeridos pelo Natal.

III

Entendeu o legislador, todavia, que não deveria renunciar o E'stado à exe­cução das penas aplicadas por crimes contra a segurança nacional ou de trá­fico de drogas.

Transparece, na restrição, o caráter político que acompanha o direito da graça desde suas mais primitivas ma­nifestações. São delitos cujas penas, a juízo do poder executivo, merecem in­tegralmente executadas. Ainda quando se discorde dos critérios eleitos pelo legislador, força é convir que lhe era lícito estatuir classes de delitos cujas penas não fossem abrangidas pelo in­dulto e/ou comutação, e que tal restri­ção não significa disparidade de trata­mentolegal.

Trata-se de um indulto (ou comu­tação) genera~izado, lin~ondicio'llal, e que independe "de que os interessados o solicitem".9

8. Essa crítica se acentuou pelos ex­~ess?s do empr:go. da Abolition (hoje InexIstente no dIreIto alemão como ins­tituição autônoma) durante o III Reich, quando falar-se em "favor do príncipe" era algo mais que metáfora. O mesmo se passou na Itália fascista. VON LISZT, sempre à frente de seu tempo, dizia da Abolitionser a mesma Um ~nstituto reprovável (><vertVerflich" - '/,n Lehrbuch des Deutschen Stra­frechts, ~Berlin e Leipzig, 1919, p. 275).

9: ANIBAL BRUNO, op. cit., p. 202. VeJa-se o art. 9.° do dec. 78'.800.

IV

A redação do art. 8.0 do dec. 78.800, de 23/nov./76, ora em exame, merece

transcrição: "Art. 8.0 -:" Este ,decreto não bene-

ficia os condenados: I _ por crime contra a segurança

nacional; II - por crime que tenha por obje-

to entorpecente ou substância que ,cause' dependência física ou psíquica, quando referida na sentença a condi­ção de traficante."

Significará isto que aqueles que te­nham sido condenados por crime con­tra a segurança nacional ou de tráfi­co de drogas não serão beneficiados pelo indulto mesmo com relação a08 demais crimes que hajam cometido?

Certamente que não, e pelos três argumentos que brevemente serão de­senvolvidos em seguida.

V

Em primeiro lugar, como visto, o indulto é indulto da pena e não indul­to do condenado. Trata-se de renúncia da execução de determinada pena, ê não de uma escusa absolutória de na!? tureza pessoal, com efeitos sobre a execução da pena.

Pensar diferentemente equivale a considerar o indulto e/ou a comuta­ção como uma espécie de "lettre de C'a­

chet" às avessas, e ter a anterior con­denação por crime contra a segurança nacional ou de tráfico de drogas como uma condição subjetiva negativa à sua obtenção.

Tal raciocínio conduziria ao seguin­te absurdo: o condenado que cumlPris­se pena integral por crime contra a segurança nacional ou ,de tráfico de drogas e, anos depois de sua liberta­ção, por extinta dita pena, voltasse a

ser condenado IJor furto, não poderia beneficiar-se do indulto e/ou comuta­ção (pois continuaria a ser, até o fim de seus dias, "condenado" pelo primi­tivo delito). Isso equivale a acrescen­tar à pena por tais crimes um efeito _ de ordem penal - que ela não tem. implicando problemas com a reserva legal e 'Com a constitucionalidade do poder executivo para criar tal efei­

to.10

VI

O segundo argumento consiste em perceber que a conclusão no sentido de que os crimes conexos (ou de pe­nas somadas ou unificadas) a crimes contra a segurança nacional ou de tráfico de drogas não têm. a execução de suas penas suspensas ou reduzidas pelo perdão ou comutação arranca e repousa, por inteiro, numa interpreta­ção gramatical do art. 8.° do dec.

78.800. Se se tem presente. como já tive-

mos oportunidade de referir, que "co­nhecer a lei é alguma coisa diversa de conhecer as palavras da lei, ou ainda conhecer a gramática da língua em que foi escrita a lei" ,11 e se se considera _ numa perspectiva teleológica, com recurso ao assim chamado eLemento sistemático - que "la norma giuridi­'Ca penale non e che la moleco,la di un organismo piu vasto, l'ordinamento giuridico penale", como lembrava BEL-

10. Nenhuma razão juridicamente re­conhecível permite distinguir as situa­ções daquele que já cum'Priu e daquele que ainda está cumprindo a pena por crime contra a segurança nacional ou de tráfico de drogas. se se pretende considerar a qualidade de condenado como condição subjetiva negativa pa!'a a obtenção do indulto ejoucomutaçao.

11, Nrw.BATISTA, Observações sobre a Norma Penal e sua Interpretação, RDP 17, p. 90.

37

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LAVISTA,12 avulta o equívoco daquela conclusão. cro, maconha que adquiria, e furto.

C: condenado por estelionato e furto Pois tal conclusão não leva em con­t~ a, natureza jurídica do indulto (re-nUnCIa estatal à execução da p )

A prevalecer a conclusão examin;_ da,. somente ao caso C seria aplicável o Indu~to: Isso significaria, sem qual­~uer duvl.da, disparidade de tratamen_

a s b t't ' ena , e u s I UI, em sua clara objetividade

;~:' u,m critério de condicionament~ v JetlVo. O legislador escreveu, efeti­

amente, que o decreto "não beneficia os condenados" pelos crimes x .

, agredIndo o mais elementar sent.-mento d "'d d I e eqUl ao e, e incrementando toda a ~rítica que, no particular, me­~eceu hIstoricamente a instituição do Indulto. Parece lógico que, se o estado renun' ,

m . e ru, ~s o Jurista tem que ler isto da se-

gumte forma: o estado não renuncia a seu direito-dever de execução das pe­nas dos crimes x e y.

. Por outro lado, aquela conclusão Ignora o fato simplicíssimo de que ;um; caso de condenação pOr dois de­ltoS, em regime de concurso material ho~ve em :-ealidade cumulação de dua~ açoes penaIs, reunidas num só proces­so ~elas regras da conexão. E não ha­verIa ,qualquer razão plausível para que a Impossibilidade de indulto a uma das penas daí decorrentes contaminas_ se a outra.

VII

Por fim, teríamos o argumento de natureza política.

A conclusão no sentido de que aque­le~ que tenham sido condenados por CrIme contra a segurança nacional ou d,e tráfico de drogas não se. benefi­clam~ de nenhuma forma, do indulto ~/ ou. cOIllutação, é discriminatória IrraCIOnal. e

Figurem-se três exemplos A B C A ' , e

. .: condenado por propaganda sub-'Vells!iva, na modalidade de panfleta­gem (art. 45, I do dec.-Iei 898, de 29/ set./69) e furto. B:· cond d-t 'f" ena o por ra Ieo de drogas, tratando-se de pes-

Cla a execução da pena pelo cri-me de furto, deverá fazê-lo nos casos A, B e C.

VII

Em síntese, podemos afirmar, s.m.j., que:

1. Quando, num só processo, uma das condenações referir-se a crime c~ntra a segurança nacional ou de trá­fICO de drogas, em relação à(s) ou­tra(s) pena(s) caberá, nos termos do dec. 78.800, de 23/nov'/76, indulto e/ou -Comutação.;

. 2; O problema não se coloca na hlpotese de unificação de penas uma ve . -,

z que o CTlme continuado exige Ín-frações da mesma espécie, e estare­m?s, pois, diante de uma cadeia de crImes contra a segurança nacional ou de tráfico de drogas;

3, No caso de mera soma de pe­n~s, a presença de uma referente a crIme contra a segurança nacional ou d: Atrá.fico d~ drogas não impede a in­clden~Ia do mdulto e/ou comutação das de~als, quando cabível. Deve-sCi, em taIS casos, fazer abstração das penas referentes a tais crimes a cu' , Ja eXe-cução - e só a elo,8/ - não renunciou o estado.13

Soa que facultava a amigos, sem lu-

12. L'Interpretazione della Legge Pe­-nale, Milano, 1975, p. 68.

13 "N dult' . el CO~or8o di piu reati l'in-

o s~ appbca una sola volta dopo cumulate le pene" AN ' cit., p. 588. - TOLISEI, op.

38

ANíBAL BRUNO E A REFORMA PENAL:to

1. Participo, com satisfação, des­ta série de conferências em homena­gem a Amíbal Bruno. É uma grata oportunidade de, uma vez mais, exter­nar a grande admiração a respeito que sempre devotei ao insigne mestre. Sua notável obra assinala decisiva etapa na evolução da moderna litera­tura jurídico-penal em nosso país. Ninguém, antes dele, havia, no Brasil, versado temas penais, com o sistema, a profundidade e o rigor científicó' que caracterizam os seus eSCTitos. Con­fesso-me seu discípulo, entre tantos ou­tros em quem seu trabalho despertou ou estimulou a vocação para o Direi­to Penal. Aníbal Bruno fez, realmen­te, do magistéTio superior o seu desti­no, como sempre pretendeu. (Nilo Ba­tista, O Mestre Aníbal Bruno, in Ci­ência Penal, vol. I, pág. 5, 2.a série). Se mais não produziu, foi porque a na­ção para isso não lhe deu meios mate­riais. T(rago, a\ respeito, tesltemunho pessoal. A instâncias minhas, o Prof. Everardo Luna., em 1968, levou-me a conhecê-Io. Encontramos Aníbal Bru-

* Conferência proferida em Belo Horizonte, em 11.11.76.

ALcIDES MUNHOZ NETTO

no em modestíssimo apartamento, no Rio de Janeiro. De há muito aposenta­do, vivia dos minguados proventos de catedrático e dos parcos direitos auto­rais, destinados, no Brasil, a livros científicos. Conversamos longamente. Era uma satisfação usufruir de seus conceitos precisos acerca de filosofia, literatura, política e direito. Indaguei­lhe, a certa altuTa., sobre a conclusão -de seu Tratado de Direito Penal. De seus lábios ouvi, entrCl :pesaroso e estarrecido, que a sua honestidade ci­entífica o impedia de ultimar o livro. Por nunca ter-se deixado seduzir por ambições econom1cas, desprezando a advocacia e outros encargos que o des­viassem da pesquisa e do estudo, Aní. bal Bruno confessava-se sem recur­sos para adquirir as novas ediçpes de autores estrangeiros, que não mais poderia continuar citando, ante o ris­co de haverem modificado suas origi­nárias concepções. Promessas de sub­venções oficiais lhe tinham sido fei­tas, mas delas já descria o mestre. Mal posso aCTeditar, ainda hoje, exis­ta, em nosso país, tamanho descaso por homens de pensamento do quilate de Aníbal Bruno, que, dos poderes públi­cos, teria de receber todas as condi­ções à continuidade da inestimável

39

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contribuiçã,o ao progresso das letras jurídicas brasileiras.

Dogmática e Política CrVminal

2. Nada mais adequado, num prei­to de gratidão e de saudade 'ao ines­quecível penalista pernambucano, do que focalizar-lhe a atualidade do pen­samento. E, numa época em que se co­gita da reforma de nossas instituições pena]'s, parece oportuno proceder o~

confronto das idéias de Aníbal Bruno acerca do direito constituendo, com as atuais tendências de aperfeiçoamento do direito punitivo.

Na primeira edição de seu Direito Penal, escrito "com o pens(1fJnento vol­tado pUlra os jovens estudtiosos" (ed.

,de 1_956, tomo I, Prefácio) , Aníbal Bruno destacava a importância da crítica e da política criminal, incluin­do-as na própria ciência penal. A po­sição da política criminal - afirmava - "é sempre adiante do Direito vigen­te, cujas reformas oportunas sugere e orienta, recebendo inspiração, por um lado, da filosofia e da história, e por ,0utrOj, e sobretudo, das ciências crimi­nológicas. Embora distinta do Direito Penal, penetra nele intimamente atra­vé<81 da crítica, fornecendo a ela 08

mais i1'Yl/jJortantes subsídios . . . A maioria dos dogmáticos. refutariaes8a posição da crítica dentro da ciência do iJJireito Penal. Mas é ela que concilia, como vimos, o rigor da técnica com o sentido das forças empíricas que mo­vem o fenômeno do crime, e, sem de­formar o Direito como ele realmente ex~ste, estabelece uma relação entre o presente e o futuro, útil à compreen­são, que poderíamos chamUlr evolutiva do Direito vigente e hoje mais do' qU~ nunca justificada, quando os códicos penais, com as conceSSões qUe têm fei-

40

to às exigências fundamentais da cor­rente de instpiração naturalista, reve­laram que o Direito, Penal está dentro de uma 1"enovação profunda nesse sen­tido. E assim ela evita o perigO maior do tecnicismo, que é fazer perder ao jurista Q sentido do histórico, cerran­do o Direito vigente como coisa acaba­da e entorpecendo-lhe Q movimento pa­ra a sua (evoluçãJo e transformações oportunas, o que nos levaria, por film, por c(1fJninhos diversos<, à idéia de um código ideal, perpetuamente válido contra a qual valeria renovar a bata:.. lha que Savignru conduziu através do historicismo" ( ob cit tomo I p , .., ,ags. 41, nota 19, e 47).

E:sta inclusão da Política Criminal na ciência penal, que Aníbal Bruno defendeu na década de 50, está hoje em voga na Alemanha. Com efeito Claus Roxin, catedrático na Universi~ dade de Munique, e um dos mais aca­tados penalistas germânicos da nova geração, defende idéias semelhantes. Procurando dar novos rumos à dogmá­t~ca. jurídico-penal, em crise ante a po­lemICa entre finalistas e causalistas pr?cIama Roxin, que as soluções pe~ naIS devem ser conjugadas com a po­lítica criminal, sem abandono da fun­ção do ordenamento jurídico de "asse­gUrar a igualdade na aplicação do Di­reito e a liberdade individual, frente ao ataque do 'Leviathan' do Estado (Política Criminal Y Sistema deI De­recho Penal, Munich, 1972).

Pensa Roxin que as concretas cate­gorias do delito - tipicidade, antiju­ridicidade e culpabilidade _ devem se sistematizar, se desenvolver e se com­pletar sob o prisma de sua função po­lítico-criminal ( ob. cit., pág. 40).

Assim, em relação à tipicidade para ~ma interpretação restritiva que' atua­hze a sua função de magna carta do

/ : .Direito Penal e sua natureza fragmen­tária, deve-se recorrer, como critérios auxiliares, a princípios como o da ade­quação sacial, que restringe o teor li­teral do tipo, pelo acolhimento de for­mas de conduta socialmente admissí­veis e ao princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, ex­cluir danos de pequena monta. Maus tratos, nesta forma, não seriam quais­quer danos à integridade corporal, mas só aqueles relevantes, da mesma for­ma que a difamação só seria a lesão gravp- à pretensão social de respeito (ob. cit., pág. 53).

No que toca à antijuridicidade, para estabelecer o lâmbito das causas de jus­tificação, alcançando-se, em conseqüên­cia, uma correta solução social dos <conflitos, tem de se jogar, alternativa­mente, com os princípios da prevalên­cia do direito, da autoproteção, da pro­porcionalidade, da ponderação dos bens e da autonomia. Na legítima de­fesa, por exemplo, os princípios de au­toproteção ede prevalência do direito são os que servem de base à sua regu­lamentação legal. Isto significa que to­do o mundo tem o direito a defender­se de ataques proibidos, de maneira a 'que não sofra nenhum dano. Ainda que possível ao agredido subtrair-se ao ataque, a legítima defesa é permitida. O princípio ,da prevalência do direito (a idéia, portanto, de que o direito não tem que .ceder ante o injusto) vai mais longe aqui que os interesses de autoproteção. .. A autoproteção e a prevalência encontram, porém, seus limites comuns num princípio, reitor de todo o ordenamento jurídico, o prin­cípio da proporcionalidade, que conduz ·à renúncia da legítima defesa, nos ca­sos de absoluta desproporcionaHdade dos bens que estão em conflito (isto é, nos casos em que se inflingem lesões

corporais graves para se defender de danos de pequena importância). Ade­mais, do ponto de vista político-crimi­nal, o princípio da prevalência do di­reito não pode vigir para as agressões de crianças e enfermos mentais, por­que o ordenamento jurídico não ne­cessita irnpor-se a pessoas que não po­dem se motivar pelas normas que in­fringem e que, precisamente por isto,. ficam impunes (ob. cit., págs. 57 a 60).

Quanto à culpabilidade, deve a mes­ma ser relacionada, de um ponto de vista político-criminal, com a teoria dos fins da pena. Neste sentido, cum­pre indagar se o autor da ação típica e antijurídica merece ou não ser puni­do, isto é, se a pena, no caso, se faz necessária, seja para castigar o mal praticado (retribuição), seja para in­timidar terceiros e evitar que prati­quem ações análogas (prevenção ge­ral) , seja para corrigir o própri() autor (prevenção especial). Com este critério, através da culpabilidade, li­mita-se a incidência da pena. Com efeito, se, verbi grama, alguém - por qualquer razão que seja - não pôde evitar o injusto típico que praticou, não há fundamento para puni-lo: qual­quer que seja a teoria da pena adota­da, não se pode querer retribuir uma culpabilidade inexistente, nem afastar a generalidade ,das pessoas da causa­ção de conseqüências inevitáveis, nem é necessário um efeito de prevenção especial, a quem não se pode censurar a conduta (ob. cit., pág. 67).

A Trilogia das Reformas Penais

3. Gorrespondem às atuais tendên­cias evolutivas do Direito Penal as idéias de não incriminar infrações in­significantes, de evitar a incidência de penas, sobretudo as privativas de Ii-

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herdade, se desnecessárias à retribui­ção e à prevenção e de em,prestar à culpabilidade função de garantia indi­vidual, erigindo-a em indeclináv.el pres­suposto das sanções criminais.

Com efeito, atualmente, todo o mo­vimento de r~novação legislativa, no campo punitivo, procura dar efetivida­de à trilogia: descriminalização, despe­nalização e limitação da responsabili­dade penal pela culpabilidade.

Pois bem, destes anseios, hoje gerais, já compartilhava o nosso Aníbal Bru­no, há vinte anos. passados. Era ele, na verdade, adepto da idéia de excluir do direito punitivo as infrações de baga­tela, que só sobrecarregam os juízos criminais e comprometem a dignidade do magistério punitivo. 'Também pre­conizava evitar-se as penas privativas de liberdade, substituindo-as por ou­tras providências jurídico-penais. E ao princípio da nulla pvena sine culpa, Aníbal Bruno emprestara importância fundamental.

Acerca da descriminalização, escre­via o grande penalista pátrio: a pena é um reoursv extremo. de <Jue se vale v legiJslad01', quando. de vutrv modo. 1'bãv lhe seria pvssivel assegurar a ma­nutenção. da ordem jurídioa (ob. cit., tomo I, pág. 2.86) ••. Na evvluçãv das legislações, algumas figuras penais pvdem perder esse caráter, ovmv tende .a ooorrer hoje ovm o adultério., pvr exemplo." (ob. cit .,tomo IV, pág. 29).

Era incisivo o pronunciamento de Aníbal Bruno sobre a despenalização: ,u Tem-se revelada. uma orise na pena privativa, da liberdade, reolamandv-8e uma redução. ao. mínimo. dessa priva­çãv, falando-se em prisão. sem murvs 'ou mesmo em trabalho. livre vbrigató-. rio. para substituí-la, a fim de evitar .ao. condenado. restrições que emba";a­'Cem o $eu ajustamento. à vida nvrmal

na comunidade de Direito.. Esta é a mais grave das crises que têm afetado a pena, a qwe a atinge nas suas ca­racterístioas tradicivnais 'de retribui­ção. e aflição. •. O que' se tvrna eviden­te é que a Penolvgm atual, inspirada na decisão de reajustar Q delinqüente à vida social dentro.· do Direito., se en­cdminha cada vez mai81 para restringir a privação da liberdade ao. mínimo., substituindv-a pvr um regime que rea­lize vu imite as condições da existência livre. Pvrque realmente se trata é de criar no. delinqüente v hábito de reagir cvnfvrme ao Direito., em meio. às prv­'vvcações e estímu,lvs malsãvs que a vi­da em svciedade oferece, mas um há­bito. para o qual oonovrra a vontade do. próprio criJminoso, não uma rotina su­perfieml impvsta pelas condições do mvdo de viver na prisão. e que só aí te­ria eficácia."

Condenava, também, as penas curtas de prisão, nas quais "não é possível exercer sobre Q delinq'Üente nenhuma açãv contínua e duradoura capaz de mocN,fioar a sua personalidade, corrz­gindv a deformação criminógena que nela. se manifestou. Ao contl'ário, o criminvso, muitas vezes primlÍlrio, vai reunir-se na prisão a outrvs orimino­sos, que afinal se cvrrompem mutua­mente, oada qual com a sua própria experiência do criJme, a vaidade das suas façanhas e os projetvs de nvvos extravios. A sugestão. do ambiente é para fortaleeer a perseverança no ca­minho. do delito e aperfeiçvar a técni­ca do. delinq'Üente" (ob. cit., tomo III, págs. 23, nota 2, 65, nota 9, e 66).

À função limitativa da culpabilida­de, o mestre pernambucano empresta­va a maior ênfase, fruto, naturalmen­te, de sua liberal concepção acerca do direito punitivo. "O Direito Penal é um sistema jurídiev de dupla face, que

prvtege a s.ociedade oontra a agressão aO. indivíduo e protege Q indivíduo con­tra os possíveis exoessps de poder da sooieade ,na prevenção li repressão dos fatvs puníveis •. Toda a sua atuação se faz 80b o critério. regulador da justi­ça ... A lei punitiva, 'fbWo só promove a defesa sooial pela proteçãv que ovn­i ere, por meio dos rigores da sua . san­ção, iu; condições existenciais da svoie­dade, nos termvs em. que ela se acha oonstituída, mas asS\egura e deli1l'llita. o cQlmpv de ação do. Estado na repres­são e prevenção direta da delinqüência, e cvm essa delimitação garante as li~ berdades individuais em geral e os di­reitos fundamentais que subsistem no próprivdJelinqüente." (Ob. cit., tomo I, págs. 32 e 199.) Especificamente so­bre o princípio do nulla poena sine culpa, que considerava "imperiosa exi­gência. da cwnseiênoia jurídica", asse­verava: "o Direito Penal de hvie é conceitualtrnenfJe um Direito Penal da culpabilidfJJde. M. E. Mcvyer pôde dizer que a dignidade do. Direito Penal resi­de ru/, reprovação da respvnsa.bilidade pelo resultado e no reconhecimento da respansabilidade pela culpabilidade ... Pel'mtem, entretanto, nas legislações vigente8, easos em que se fàz 81entir o pensamento da responsabilidrnle pelo resultado, o que mostra que a. evvlução do. princípio ainda não. se eneerrvu. Esses resíduvs das velhas crmcepões objetivas, que existem mesmo noSl có­digos mais 1noderno<5, como. o nosso, mostram-se, svbretudo 'fbVS chamados crimes qualificadvs pelo.' resultado, fa­tos puníveis em que Sle exaoerba a pe~ na quando neles 8e produz involunta­riamente um resultado mais .qrave, ca­sos que von Liszt diz muito b,em que não r.vrrespvndem nem à cvnseiência jurídica de hoje. nem avs princípios de uma polítiea criminal raeivnal" (oh. cit., tomo II, págs. 407 e 410. nota 1).

Demonstrada, ainda que sucinta­mente, a atualidade do pensamento de Aníbal Bruno, cumpre, numa segunda parte deste trabalho, examinar a uti­lidade das idéias enunciadas e, em ba­lanço panorâmico, verificar quais os seus reflexos no Código Penal brasi­leiro de 1969.

Descriffninalizaçâ;Q

5 . Descriminalizar significa colo­car determinado' comportamento fora do sistema punitivo. Isto não implica, necessariamente, em proclamar a lici­tude das condutas postas à margem da repressão penal. Traduz, também, o entendimento de que certos ilícitos ju­rídicos, definidos como infrações pe­nais, podem ser mais racionalmente conjurados com sanções de outra na­tureza (administrativas, civis ou tri­butárias), ou com medidas meramen­te preventivas.

O Estado, ao estabelecer os crimes e contravenções, tem de se ater a certos limites. Por um lado, restringe-lhe a atuação a própria filosofia sob a qual se organizou, pois "tvdo sistema de Di­reito (1;ssenta em baseS! filos'óficas" (A. Bruno, ob. cit., tomo I, pág. 45). Ora, a filosofia ocidental rejeita o Es­tado totalitário, propondo-se a dar efe­tividade às declarações universais de direitos, que garantem certas liberda­des individuais" como a liberdade de consciência. Por outro lado, na seleção dos fatos a serem considerados crimes, o legislador, até por questão de econo­mia, deve partir sempre do princípiO de que o Direito Penal "só deve inter­vir COmo. ultima ratio da política sv­cial". É o que, invocando W. Maihofer, proclama Jorge ·de· Figueiredo Dias: importa que Q legislfJJdvr tvme verda­deirttmente a sério a impv·sição de só

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colocar sob ameaça de pena aquelas condutas que impedem ou põem em pe­rigo, de forma intolerável, a livre rea­lizaçã,o da pe1'sonalidade ética do ho­mmn na comunidade em que vive (A Reforma do Direito Penal Português, pág. 39, Coimbra,1972).

Infelizmente, entretanto, nas últi­mas décadas, o legislador não tem sa­b;do resistir ao que o mesmo penalista denomina de "sedução de uma tão in­conveniente como perigosa inflação in­criminatória" (ob. e loco cits.). Fatos de escassa importância, através de impressionante sucessão de leis, vêm sendo erigidos à categoria de infraçpes penais, por meras razões de conveni­ência momentânea. A pretexto de re­gular novas relações, decorrentes do próprio desenvolvimento e da civiliza·· ção, ou de sofrear abusos, o Estado cria, incessantemente, novos tipos pe­nais. É que lhe é mais fácil e barato criminalizar do que prevenir. Custa muito menos, por exemplo, transfor­mar infrações de trânsito em ilícitos penais, através de leis que nem neces­sitem conter a especificação de recur­sos orçamentários, do que construir obras de engenharia de tráfego, capa­zes de atenuar os riscos da circulação de veículos.

Paralelamente a este fenômeno, con­servam os velhos Códigos figuras pe­nais anacrônicas, fundadas em concep­ções morais ultrapassadas ou em fatos que a consciência social deixou ·de con­siderar criminosos. Nascidas de exi­gências de determinado momento da cultura, certas normas penais reves­tem-se daquela precariedade a que alu­dia Aníbal Bruno, "sobretudo nos pe­ríodos histórico's de crise social e polí­tica, como o que hoje 'Vi1Jem081. A consciência desse caráter provisional é o que se faz sentir nas re(Jéntes cria-

ções legislativas penais" (ob. cit., to­mo I.V, pág. 30, nota).

N a verdade, a hIpertrofia da legisla­ção penal criou a necessidade de uma U tarefa de purificaçdo do autêntico Direito Penal", que lhe restaure a dig­nidade e a eficiêneia. A descriminali­zação, ass:im, apresenta-se como ne­cessidad~ inadiável, sentida em todos os quadrantes. E'ntre nós, a Sociedade Brasileira de Crimdnologia, aprecian­do o novo Código Penal e {) projeto de Código de Processo Penal, fez notar que a crise da Justiça brasileira tem como causa preponderante o grande número de processos sobre fatos sem importância, que nossos JUIzes são Obrigados a apreciar. O relatório de Evandro Lins e Silva, aprovado pela entidade, consigna: "questões patrimo­niais e criminais inteiramente irrele­vantels, quer sob o aspecto jurídico, convocam a atençã,o de mimi81tros, de­sembargadores e juízes para decidi­las, eXigindo, até o julgamento, uma organização burocrática dispendiosa e um papelório inteiramente dispensável. Contravenções e outras infrações levÍB­súna~, cobranças ir1"U5oruJ!8, assuntos de nonada constituem a massa de ser­viço dos juízes e tribunais do país. A máquina judiciária é emperrada e wifu caminha e até se decidir um processo banalÍBs.imo decorrem muitoS' m'elses e não raro muitos anos de andamento e de espera, nas prateleiras' dO's cartó­rios, nos escritórios' dos ax1vogados e nas casas doIS juízes. 18180, ev-Edlentemen­te, está' errado e carecendo de uma re­forma de fundo, espe,cialmente nO's grandes centros, onde um juiz recebe centenas e às vezes mais de mJil pro­ceSS081 por ano, devendo instruí-lOIS e julgá-los. De ano para ano os autos se vãO' amontoando sem ser pO'ssível diri­mir, com razoável presteza, as causas

.sub'J1wtida.s ao Poder Judiciário.' Para ma"c/jr em dia Q se'rviço de uma Vara é pH;ciso um esforço ,vnaudito. O jUtZ

aespacna o expl;,diente, que não é pe­queno, ouve várias testemunhas, inter­roga acu,saâos, atende as partes, fisca­Uza o cartório, preside os debates das audiências de julgamento e ainda tem de proferir wrna ou duws slentenças por dia. A crise da. Justiça está fúndamen­talmente na sua base, no atrasr>"cQm que são julgados os feitos, pela impos­sibilidade em que se vêem os juízes de dar soluçãQ à mole imensa de casos g1'andes e insignificantes - que lhes são distribuídos .sem cessar, como uma espécie de motu continuo. Isto acarre­ta desprestígio para a própria Justiça perante a opini.ão pública, iwsuficien­temente informada de8Jses percalçQs e estorvos. Espalha-se uma desconfiança generalizada no aparelho judieriáriQ, que não tem cQndições de reparar, CQm prontidão e eficácia, a violação dos di­reitos dos membros da comunidade" (S.obre a Reforma dos Códigos, in Jor­nal do Brasil, ed. 2~1. 09. 7~, pág. 20, 2.0 caderno).

6. Se é fácil perceber a utilidade em reagir à hipertrofia da lei penal, através da descriminalização, mais de­licada é a tarefa de escolha dos ilícitos penais a serem abolidos. Os conclaves de Direito Penal e de Criminologia, in­ternacionais ou locais, como o IX Con­gresso Internacional de Direito Penal, Haia, 19-64 (R.B.C.D.P., n.O 7, págs. 124 a 126) e o Seminário de Direito Penal e Processo Penal de Belo Hori­zonte, 1974 (R.:D.P., n.O 15/16, pág. 92:), entre outros, fornecem subsídios à descriminalizaçã.o, indicando as figu­ras ou as categorias de delitos a serem suprimidos.

. Certamente com base em dados de tal natureza, foi que L.H.C. Hulsman

apontou os setores a descr;minalizar (Descriminalização, in R.D.P. n. 9/10, págs. 7 a 2.6). Tais setores são: 1) as infrações fttndadas exclusiva­mente na preocupação de tornar domi­nantes certas concepções morais, como, por exemplo, a blasfêmia, o adul­tério, o incesto, a sodomia, o homosse­xualismo ou a prostituição sem envol­vimento de menores e sem escândalo público e certas espécies de delitos de­correntes de intolel'ância política. Tra­ta-se de infrações sem graves danos sociais, que não ofendem bens ou inte­resses de outros membros da comuni­dad€!, traduzindo, antes, o desejo da maioria, ou dos detentores do poder, de impor coativamente suas idéias aos dissidentes, prática incompatível com sistemas de liberdade. Nas autênticas democracias, há que se respeitar o di­reito das minorias de terem concep­ções divergentes, em matéria de moral, de política ou de comportamento se­xual. Como salienta Jorge de Figueire­do Dias: "o Direito Penal está ai pa­ra proteger 'ÍJnteresses socialmente re­levantes, bem jurídicos, e de nenhw~ modo para impor qualquer concepçaQ moral em sentidr> estrito" (ob. eit., pág. 40); 2) as infrações inspiradas pelo desejo de ajudar o delin.qüente, como o uso de drogas, o alcoobsmo, a mendicância e a vadiagem. O trata~ mento compulsório é comprovadamente ineficaz ainda mais quando se prete~ da rea{izá-Io através da pena, estig­matizante e de duvidoso valor recupe­rativo. Melhores são as medidas de assistência, que des·pertem nos. desti­natários o desejo ·de regenerar-se e a conseqüente colaboração a e~te, objet~­vo; 3) as infrações em relaçao as qua7.8

a . ameaça penal comprovadamente 'f/;ãr> funciona. Em si, a eficácia intimi­dativa da pena está hoje em franco

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______ v'""w. !~O ultimo Congresso da Associação Internacional de Direitó Penal, Budapest, 1974, foi aprovado o relatório de Kirali, consignando ser altamente improvável a prevençãó ge­ral através da pena (R.D.P., n.o 15/16, págs. 81/82). Com maior razão o duvidoso efeito intimidatório das ",anções penais não existirá quanto às infrações socialmente toleradas, como casa de prostituição, certas modalida­des de aborto e o nosso brasileiríssimo jogo do bicho; 4) as infraçõesó de ba­gatela, comO' muitas das contraven­ções penais, que melhor se situariam cOmo meros ilícitos administrativos. Pitorescamente, observou Nilo Batista, o paradoxo a que, no Brasil, pode con­duzir um simples desrespeito a sinal de trânsito: " por avançar um sinal, dirigindo seu veículo, qualquer cidadão será sumariamente multado pelo guar­da de trânsito, em importância consi­derável, que pode alcançar meio salá!­rio-mínimo; pela contravenção de di­reção· pe1"igosa, que cO'11Jsiste em dirigir veículos pondo em risco a segurança alheia (art. 3.4, L.C.P.), será mobili­zada uma delegacia de polf;cia (delega­do, escrivão, agent(8), ouvidas teste­munhas, formalizado um procedimento, acionado U1n tribunal (juiz, promotor, advogadQ. escrivão, oficial de justiça), com audiências e prazos, para afinal ser o cid(J)dão condneado à multa de Cr$ 2,()O. Aquele que supUSleSl8e corri­gir o absurdo de88a 8ituat;ão .elevando a pena pecuniária cominada à contra­venção é, seguramente, um amante do'$ caminhos tortuosos" (Algumas Pala­vras Sobre Descriminalização, in R. D.P., voI. 13/14, pág. 38). Aliás, em matéria de ilícitos de trânsito" ésen­sÍvel a tendência de não abusar da in­criminação. Os países que as crimina­lizaram em excesso estão retroceden-

46

do, como se verificou nas II Jornadas Latino-Americanas de Defesa Social, Brasília, 1975.

7. No Brasil, há evidente excesso de incrilrtirtação. Alémaas'figuras tí­picas do c CódigQ e da Lei deContraven­ções Penais em vigor, existem as defi­n:das em abundante legislação com­plementar.' Consoante Reale Júnior, a tipificação surge como "re.c"lUrso para que o direito 1:alha enquanto ordena sob ameaça penal e não como via ex­tyema para a tutela de valores, cuja positividade deva 'Ser necessariwmente respeitada" (Descriminalização, in Re­vista do Instituto dos Advogados Bra­sileiros, n.O 29, pág. 189).

Mais de cinco dezenas de leis extra­vagantes consideram ilícitos penais violações jurídicas insignificantes ou fatos que só afetam interess'es secun­dár;os da administração pública. Assim é que se incrimina: produzir açúcar acima da quota autorizada (Dec.~lei

16/66); vender sob o nome de couro produtos que não sejam obtidos da pe­le animal (Lei n.O 4.888/65); parali­sar o incorporador de edificação em condomínjo a obra por mais de ~o dias (Lei n.O 4.591/64); deixar de resti­tuir à autoridade licenças extintas pe­lo decurso do prazo (Lei n.O 4.771/65) ; atuar coom instituição financeira sem autorização do Banco Central (lei n.O

4.595/64); instalar ou utilizar esta­ção ou aparelho radioelétrico sem observância de disposição legal (Có­digo de Comunicações) e, até, pescar sem autorização da SUDE;PE (Dec.­Lei 221/67).

Ao legislador de 1969 oferecia-se o ensejo de corrigir estas demasias bem como o de abolir tipos anacrõnicos, uni~ versalmente ultrapassados. O novo C6-

. digo, entretanto, nem só manteve toda

. especiais t 'b' 'ti00s bem como da mento dos an I 10

A o' de repercussão forense dos a leD'islação sobre crImes

"" e aumentou "ausenCla . _ . h °d " (Exposlçao (art. 401), como conservo:u;. _ _

1 de fatos cuja incrlmmaçao nso fatos porventura aVI os

d M t 'vo" n.o 45) e o atentado con-o e enco mais se justifica.

Quanto aos delitos fundados em .. _ . . teve-se a

fioncep"oes ... mora1s, man, '. "." .

e o 1 ><, . o d' 1 10b' dade de associação sm Ica tra a, 1 er

(C.P. 40, art. 199).

A 'm a nossa reforma penal, em meras " .. ~ '. .: 64) e • o - o do adultérIO (art. 2

incrlmmaçad . prostituição (art. 252),

SSI , l' , 1 de descriminalizar rea lzara au-ugar . lO -

da casa e d . t do-se-lhes os delitos e ln"

A . o laluentável crimma Izaçao. tentlca e acrescen an . O de-

258) ressuscItado das r ." cesto (art.· , - t' _ do Reino e de insemina({ao ar 1-

n~~oes ( t 267) de objetividade jurí­flclal ar.' b da

d e trataluento a sur -dica trunca a d adulté-mente mais grave do que o e. .

o " licável que o delIto haJa no (e mexp t a o

0d . lU'ldo entre os crimes con r SI o me t ta de estado de filiação, quando se ra , _ ofensa ao casamento, tanto que. nao subsiste se o marido consente na mse-

. -o Nem faz sentido que a pena mmaça . . 'l'd d seJ'am d' -es de procedlbll a e e as con IÇO d dultério mais desfavoráveis que as o a d' único crime configurável em caso o: . . - fora do' casamento, P lllsemlllaçao, meio natural). . .,. d

d reconhecida llleflcacla a ~uu a l'

penal quanto a certas moda 1-ameaça . . dades de aborto ampliou-se. sua l.nderdI

. . d a l",nunl a e . ";;0 suprIm1n o-se .. """ mllla ..... , 129) pro-

d aborto sentimental, (art. o d' I ma que

vidência inexplicável num . 1; o. da o ia como modalidade prIVl egl!\J ,

er , t' o de honra (art. 127), aborto por mo IV _ com pena passível de suspensao con-

d·· 1 (art 70). lClOna· d rt de baga­N o que concerne aos e 1 os h-

f · as como a os t 1 conservou-se 19ur e a, (rt 188) os

pedagem fraudulenta a.. , '. e crimes contra as marcas de llldustrla •

• . e de concorrência desleal (TI­comerclO . e ou-tulo III, -capítulos III, IV e V~, idade tros tipos destituídos de dlgIt

penal. os delitos

DespenaLização

o 'xcuir ou reúu-8. Despenahzar e e. o

, o' dA c' a das penas prIVatlVas Zlr a mCl en 1

de liberdade. Por ser mais amplo q~e a idéia que exprime, o ter~o, tem e ser compreendido sensu strwto. .

Já constitui truísmo afirmar a crIse

d Prisão N o século XIX, da pena e· o

o sua eficácia ressocta-acredItava-se em f . . h . e é ela encarada como a-

hzadora, oJ . d resultado tor criminógeno. Trata-se o cr O • da natural da evolução da penOIO.,la. o

as penas corporals, mesma forma que

" l'nfamantes ·cederam passo cru eIS e 'o d d ara as penas privativas de hber a e,

p devem dar vez a outras estas, agora, . . d

_ patrimoniaiS ou restntIVas e sançoes, ' .t . liberdade. A prisão há de const: Ulr o

última soluçao, en-recurso extremo, a . , 1 b r para substItUI­quanto não se e a ora ,

1 um sistema penal coerente, confor-;.~ recomendaÇjÕes do IX Congresso In-

. 1 de Direito Penal (R.D.P., ternaClona n.o 15/16, pág. 82). .' de

bl das penas prIVatIVas O pro ema 'em de-

liberdade agrava-se nos pmses senvolvimento. Preocupados co~ as suas necessidades básicas, de cUJa s~­lução depende o próprio progresso: ~ao

Podem estes destinar recursos SufIclen­

r - de es­tes à ·construção ou à amp laçao . . No BraSIl, as tabelecimentos penaIS. .

. - s são notoriamente msU-nossas prIsoe. ,denados. Foram abolidos, apenas,

de perigo de contágio ven~reo e de m~' léstia grave, em face do desenvolvl-

ficientes para abrIgar os CoD . d Em 8&0 Paulo há 70 mil e, no RIO e

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~ aneiro, 50 mil mandados de prisão aguardando cumprimento, por falta de capacidade dos estabelecimentos penais. A construção de novas penitenciárias e a manutenção das e:X;lstentes represen­tam pesados ônus sociais. Cálculos do início do ano passado, revelam que a construção de novos presídios, com ca­pacidade para mil detentos, custava 170 milhões de cruzeiros, ou seja, 170 mil cruzeiros para cada internado. De outra parte, os gastos operacionais eram de 4 mil cruzeiros, por mês, para cada preso.

Para atenuar estas dificuldades é útil restringir a incidência das penas privativas de liberdade, criando-se ou­tras espécies de sanções e aumentan­do-se os poderes discricionários dos juízes, para que tenham maior ampli­tude na substituição de penas de pri­são por outras mais leves, na conces­são do sursis e do perdão judicial e no encerramento antecipado de processos, por infrações pequenas, de agentes pri­mários, não perigosos, que hajam re­parado o dano decorrente do delito. A despenalização, nestes termos, preconi­zada em vários conclaves de' penaIis­tas brasileiros, como o Seminário de 'Direito Penal e Criminologia de Goiâ­nia, 1973 (v. Moção de Goiânia, R.D.P., n.o 9/10; pág. (1), Seminário de Direi­to e Processo Penal de Belo Horizonte, 1974, V Congresso Nacional de Direito Penal, São Paulo, 1975 (R.D.P., n.o

15/16, pág. 9'1), é também reclamada pelo nosso poder judiciário. Em seu relatório diagnóstico, o Supremo Tribu­nal acentuou "a inadeqüação do siste­ma de penas, com a preponderante idéia de encarceramento, ainda que ne­nhuma a periculosldade do réu. A mul­tiplicidade de condenações à prisão, não executadas pela impossibilidade mate­rial ·de se efetivarem, dá margem '. a argüições de ineficiência do sistema

carcerávio e de desvio de deveres fun­cionais.A faculda,de de se substituírem penas detentÍ'vas por sanções pecuniá­rias adeqüadas, ou por medidas reedu­cativas; e a extensão da 'prisão alber­gue', a par de outras sugestões, con­tribuiriam para a melhoria da Justiça Penal. "

9. Embora timidamente, o legisla­dor penal de 1969 realizou certa despe­nalização, além de ter posto fim, pra­ticamente, à dualidade das penas pri­vativas. A reclusão e a detenção, dis­ppe o novo Código, devem ser executa­das de modo a que exerçam sobre o condenado individualizada ação educa­tiva, no sentido de sua recuperação so­cial (art. 37). O sistema do Código de 40, quanto a diversidade na forma de executar as penas de reclusão e de de­tenção, além de imrpraticável, contraria o ideal de ressocialização. Na correta observação de Aníbal Bruno, "as pe­nas detentivas são proporcionadas ao delito praticado mais pela sua quanti­dade do que pela sua qualidade (ob. cit., tomo III, pág. 63). Apenas para efeitos processuais', podem ser conser­vadas as duas categorias de privação de liberdade, facultada, em certas hi­póteses, a substituição da reclusão por detenção (art. 73, § 3.0).

As criticadas penas de curta dura­ção, insuficientes para ressocializar, mas suficientes para corromper, foram evitadas no diploma de 196,9,. Na ver­dade, permitiu-se a substituição da de­tenção inferior a seis meses pela pena de multa (art. 46), estendeu-se o sur­sis à pena de reclusão (art. 70) ino­vação que, segundo H€leno C. Fragoso, bastaria para justificar a vigência do novo Código. Ademais, prevJu-se o es­tabelecimento penal aberto e institucio­nalizou-se a prisão albergue, para os criminosos primários, . de nenhuma ou

escassa peviculosidade. A prlsao aber: ta será destinada aos condenados a ate seis anos de reclusão ou oito de deten­pão podendo constituir fase da ~x:­.. , . s A prlsao - de penas maIS grave . cuçao '1' domo providên-albergue sera ap lca a c cia única, em condenações não supe­riores a três anos, ou como etapa do cumprimento da pena superior a esse limite (art. 40). Também :or~m. ~m­pliadas as hipóteses de perdão J~dlClal,

tes máximos da detenção e da reclusão em 10 e30 anos (art. 37, § 1.0), .re" jeitado assim o critério do AnteproJeto Hungria de elevá-los para 20 e 40 an~s (art. 35, § 1.0), e, b) pela preservaçao ,do livramento condicional, possível de­pois de cumprida certa parte da pena, qualquer que seja a sua natureza ou quantidade (art. 74).

V A dest'arte que em matéria de e~se,' .

despenalização, o legislador de 1969 fOI , el às modernas tendências. Pe-

Previsto por exemplp, para Iesoes la­

, . 'I . d s (art senSIV . 'd cou, contudo, pelo excesso de .tImI ez,

r ecíprocas ou prlvl egla a . ves, 131, § 5.°), para o dano com repara-ção de prejuízo (art. 178) '. para o ~ur­to ou apropriação de COIsa . fU~gIvel comum não excedente ao qumhao do condô~ino (arts. 166 e 181, § 2.0

), para a receptação da coisa de pequeno v~-

1 restituída antes do início da açao 01' ou , . ) e

penal (art. 196, parágrafo UlllCO para a destruição de petrechos de ia!­sificação de moedas (art. 322, para­

grafo único). . . Sob outro aspecto, procurou-se lIml­

- 'gual tal' as penas de grande duraçao', 1 .-

mente inconvenientes. Consoante a,SSI­nala Jorge de Figueiredo Dias, CUIda­dosa investigação criminológica ~evela " que um tempo de prisão. s~~erIOr ~ dez ou quinze anos impossIbIlIt~ r~d~-

1 t Ivo em casos espeCIahSSI-ca men e, sa . mos e atípicos, qualquer tentatIva 10-

. l' -. quem passa grada de ressocm Izaçao. . . aquele tempo no amhIente

maiS que 'b'1' artificial da prisão perde a pOSSI 1 I-dade de se orientar na socieda~e em

. . t d 'do para alem do que seJa rem 1'0 UZl, .,' f ' provavelmente dIsturbIOS

que ~o re~a " . ena de psíqUICOS IrrecuperaveIs, uma p prisão superior tornar-se-á pois, . do ponto ,de vista da recuperação SOCIal, algo de muito parecido com a ?e~a ~e morte" (ob. dt., pág. 35). A hmIt~çao da duração máxima das penas prIva­tivas de liberdade realiza-se no ~ov~ Código: a) pela manutenção dos !ImI-

pois poderia ter inovado maI~,. quer

Previsão de outras espeCles de

com a r -sanção penal, quer com a ~m? !açao dos casos de sUfsis, de substItuIçao da

. - de liberdade por multas e de prIVaçao perdão judicial.

Limitação da, Responsabilidade

ipela Culpa.

10. Culpabilidade é o juízo de cen-

1 incidente sobre o autor da sura pessoa , ~

conduta típica e ilícita. Compoe-na a im utabilidade, a possibilidad: do co-

hP . ento do ilícito (potenCIal cons-nwm .,

iAncia d.a antijuridicidade) e a exIgI­c e to forme ao bilidade de comportamen con . - s

d· 't (-"'r Heleno C. Fragoso, LIçoe IreIO '-'.I.. I ' d D· ·to Penal - Parte Gera, pago

e IreI ta 213), A reprovabilidade penal assen -se realmente, na capacidade e na pOds-

, . tor de acor o sibilidade de agIr o au . com os imperativos jurídico-penaIs, ~u

. poder formar sua resoluçao seJa, num em consonância com a nor~a. ."

Diz-se que, assim concebIda,. a Ide~ de culpabi1idade está enfraqueCIda, po : que este poder agir de outra ior~a e uma premissa indemonstrada e mde­monstrável (cfr. Claus Roxin,. ~ C~l­pabilidade Como Critério LIm:tatIvo da Pena, in R.D.P., n.o 11/12, pago 7).

. que a contro-Mas da mesma maneIra. ' vérsia entre determinsmo e lIvre arbI-

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.no permanece insolúvel, cientifica­mente, não há, também, como compro­var inexista, no ser imíPutável, em con­dições normais, a faculdade de resistir a impulsos criminosos. Pois bem, é esta faculdade de resistência que, ao mesmo tempo, fundamenta a culpabilidade e limita a responsabilidade penal. Não se ignora que o Direito tem a' preponde­rante função de proteger bens e valo­res fundamentais da comunidade social e, portanto, de tutelar interesses so­cialmente relevantes. Mas é preciso reafirmar, com Figueiredo Dias, "que nem por isso se furta ao princípio da culpa plena capacidade para resistir aos ataques que são dirigidos do exte­rior, isto é, em nome de um Direito Penal defensivo, de mera intimidação, que relega a pessoa humana para obje­to de fins heterônomos (ficando assim aberto o caminho para um Direito Pe­nal de puro 'terror') ou de um Direito Penal de cariz exclusivamente proteti­'/)0 que, invocando um salutar humanis­mo, torna a pessoa em objeto ,de medi­das terapêuticas coercivas e sob a ca­pa do 'verdadeiro bem do delinqüente' viola sua autonomia ética e possibilita a sua entrega ao Estado todo-podero­so." (ob. cit., pág. 15).

Verdadeiramente, a culpabilidade tem uma função política que excede à sua importância conceituaI: ela limita o po­der punitivo do Estado, pela exigência de que a pena só incida se o autor, além de ter praticado o ilicito típico, seja passível de censura pessoal.

O princípio do nulla poena sine cul­pa constitui-se pois, numa garantia da liberdade individual. Tal garantia é necessária à realização da própria Jus­tiça, posto que o dogma do "nullum crimen, nuUa poema stne proevia lege, "tão caro aos sistemas punitivo.s libe­rais, nem sempre assegura os direitos individuais. :É que o princípio da ante-

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rioridade da lei penal perde muito de Sua eficácia em face dos tipos desco­nhecidos e dos topos penais abertos. De pouco vale a norma de que não há cri­me . sem lei anterior que o defina, quan­do a sucessão de leis incriminatórias (supra n. o 5), torna impossível, para a maioria dos destinatários, saber da existência de novas modalidades deli­tuosas. Para quem desconhece e não tem possibilidade de se informar acer­ca da nova lei, é como se esta não exis­tisse. Quantos aos tipos abertos, em que, pelo caráter vago da disposição incriminadora, ou pelo emprego de ele­m~mtos normativos, deixa-se ao juiz a missão de precisar os contornos e a aplicabiHdade do preceito legislado, é por igual pequeno o alcance do princí­pio ,da reserva legal. Tipos como os de praticar atos destinados a provo­car guerra subversiva ou de fazer pro­paganda subversiva (Dec. Lei 898/69. arts. 25 e 45) podem se adaptar às mais variadas situações, de aoordo com o paladar do juiz. Também é grande o arbítrio do julgador, quando tem de precisar, por exemplo, o que seja rixa, ato obsceno ou desacato. O fenômeno não escapou à argúcia de Aníbal Bru­no, que sabia muito bem como " pode sofrer a firmeza do Direito nos chama­dos tipos abertos, em que o enunciado da formulação típica deixa margem a incertezas na sua interpretaç.ão. Ou ainda como afeta a segurança da liber­dade o emprego de fórmulas de dema­siada amplitude que impõe limites mal definidos na enunciaç.ão dos fatos. É

nesse mesmo sentido, que vem influir a tendênda que se tem manifestado re­centemente a introduzir na estrutura do tipo maior número de elementos nor­mativos, de elementos cujo sentido não se deduz prontamente, mas tem de ser apreendido através de particular apre­ciação por parte do juiz e que trazem

consigo, sobretudo quando prov~m da . erme da Impre-linguagem comum, o g _

11). Só' parci4tlmente, entretanto, o

objetivo foi atingido. . . .. . Evitou-se a responsabilIdade obJetI-

. _ o IssO não importa na pretensao de cIsa. . d .' que 1· ·t r o relativo arbítrIO o JUlZ lmI a· l' - da 'f ta sobretudo na ap Icaçao se roam es d

em defender a firmeza a pena, mas. ' segurança da definição do tIpO, que e .' d liberdade. Nem significa, tambe~, es-

nem sempre é possIVel ou conhecer que d .

conveniente evitar o emprego e mesmo . . 1

lementos normativos no tIpO pe o ~so e . " mesmo da lm-de termos JundICos ou ,

19ar" (ob cit., tomo IV, pago gua vu . 41). .

Sendo difícil impedir, quer o. surgl~

t de novas modalidades delItuosas, men o . b to quer a proliferação dos ~IPOS ~ .er . s ou com elementos normatIVOS, e mdi~­pensável assegurar, em tais ~a~os: a h~ berdade condicionando a pumçao a pos sibilidade que tenha tido o au:.or . d~ ilícito típico de couhecer a antIJur:dl-

'd -", de Sua conduta. E isto se obtem, CI aue . , ao erigir-se a culpabilidade, ISto e, a censura pessoal, em firmepressupost~ da pena. Ademais, estendendo-se a eXI-

A • da censurabilidade pessoal a to-gencIa . d dos os efeitos causados pela con uta do autor, impede-se seja o mesmo r:u-nido pelas conseqüências situadas ale:n de sua vontade, desde que estas na? lhe possam ser atribuíveis, sequer a tI-

tulo de negligência.

va em relação aos crimes agravados o~ qualificadOS pelo result~do. pelos efeI­tos que agravam espeCIalmente as pe­nas, só responderá o agente quando os houve!." causado, pelo menos culposa-

t (rt 19') e as sanções irão va­mene a. riar conforme o resultado mais grave seja imputável ao dolo ou à culpa do autor (art. 131, §§ 2.0 e 3.°). .'

Da mesma forma, não mais SUbSIstI-rá responsabilidade sem culpa: na pa~ ticipação involuntária em crIme maIS grave. A punibilidade de qualquer dos concorrente!!> detel'minar-se-á segundo a sua própria 'culpabilidade (art. ~5, § 1.°). Assim, o mandante de le~e.s corporais não poderá ser .responsabIlI­zado pelo homicídio cometIdo por obra exclusiva ·do executor material, como sucede ante o diploma em vigor (C:~. 40, art. 48, parágrafo único). O crlte­rio doutrinário, de excluir a responsa­bilidade do mandante pelo crime mais grave se não situado este na linha do norm~l desdobramento da ação, tem evitado, é certo, s01nções, abe;rrantes (como a de punir o mandamento do

11. O diploma de 1969 pretendeu

dar efetividade ao princípio do n~!la . ãode lY~O­

poena sine culpa. Na E:xpOSlÇ tivos lê-se que se "quis ajustar a nos-

, • A • fun-sa legislação penal às eXIgencIas

furto pelo estupro inesperadamente co­metido pelo ladrão, encarregado apenas da subtração patrimonial). Mas tal en­tendimento, além de conflitar com o texto da lei, não impede uma despro­porção entre a culpabilidade e a pen~. É que na linha de normal desenvolV!­mento da ação situam-se todos os s~­ces sos previsíveis da execução do. Cr:1: me (como a morte daquele a quem s.o se mandou espancar). Mas, esta pl'eVI­sibilidade, capaz de fundamentar uma responsabilidade a título de. _culpa, constitui justificativa para pumçao po.r dolo. Ora, o dolo, mais do que a pre~­sibilidade, requer a vontade ou anuen-

D· ·t Penal da damentais -de um IreI o . toda a for-

Culpa que VIsa proscrever , b' t' (nO ma de responsabilid,ade o Je Iva .

3), bem como, que o princípio nullum ,crim1,lm sine culpa é uma ~~s c~nstan­tes do Código e sua "SignlfI~aç~~ exe~ gética não deve ser esqueCIda (n.

51

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cia em concorrer para o crime mais grave.

12. A responsabilidade sem culpa, contudo, permanece no novo Código, máxime em relação à ignorância da an­tijuridicidade por erro de direito, bem como na fórmula da inimp~tabilidade.

A boa fé do autor, por suposição de licitude da conduta, só o escusará se derivada ,d,e erro de fato (art. 21), ou seja, da suposição de situação de fato que tornaria a ação legítima. A mes­ma suposição de licitude, se derivada de ignorância ou errada compreensão da lei, somente atenuará a pena, e isto, desde que seja escusável. OTa, o erro escusável, é o erro ,invencível, pelo qual não ,se pode censurar o autor. Permi­tindo a nova lei a incidência da pena, ,ainda que atenuáda, a quem não é pas­sível de censura e, portanto, não é cul­pado, abre desnecessária brecha no princípio fundamental de que não há pena sem culpabilidade. A Aníbal Bru­no já parecia que "quem inclui no dolo a consciência do ilícito, ou, como os finalistas, faz dessa consciência de agir de maneira contrária ao dever o núcleo da culpabilidade, entendida como re­provabilidade perante a ordem 'de Di­:rei to, tem conseqüentemente de admi­tir o êrro quanto à antijuridicidade do fato, desde que essencial e escusável, como penalmente relevante. Se falta ao agente a consciência da ilicitude, ou não existe dolo e, portanto, culpabili­dade, ou, como para os finaHstas, o dolo persiste, mas exclui-se a culpabi­lidade, e em todo caso o fato fica alheio à esfera da punição-" (ob. c't., tomo II, pág. 494). E o Seminário de Belo Horizonte, de D'ireito Penal e Processo Benal, acolhendo sugestão nossa, reco­mendou a revisão do art. 20, para per~ mitir-se a total isenção de pena quan­do a suposição de licitude, ainda que

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derivada de erro de direito, seja plena­mente escusável (ob. loc cit.).

Sem repetir que a emoção e a paixão, não excluem a responsabilidade penal (C.P. 40, art. 24, I)" o novo diploma basicamente reproduz a atual disposi­ção acerca da inimputabilidade. Para ter efeitos eximentes, a incapacidade de entender o caráter criminosü do fato, ou determinar-se de acordo com este entendimento, tem de derivar de doen­ça mental ou de desenvolvimento men­tal incompleto ou retardado (art. '31). Se a incapacidade volitiva ou intelec­tiva decorrer de transtorno mental ,transitório ou de grave perturbação da consciência, não haverá, em princí­pio, isenção de pena. Ora, estes esta­dos, contemplados po r outros códigos modernos como causas biológicas de inimputabiIidade, são cientificamente aptos a anular o entendimento ou o auto-governo. Não os contemplando, o Código de 1969 cria, para tais situa­ções, uma ficção de imputabilidade, per­mitindo, pois, a punição de quem, por incapacidade de entender ou de querer, não merec~ censura pessoal, nem é, culpado. E,sta violação ao nulla poena sine culpa, obrigará a melhor doutrina a forçar a inclusão das graves pertur­bações de consciência entre as doenças mentais, consoante já alertava Aníbal Bruno, comentando idêntica disposição do Código atual: "a fórmula demasia­damente restrita ado ta da pelo Código força a assimilar à categoria da doen­ça mental, do art. 22, ou da perturba­ção da saúde mental, do seu parágrafo ún1co, c'ertos estados que as legisla­ções modernas traduzem pür expressões como 'perturbação da consciência' (Có­digo alemão, redação vigente, art. 51), 'grave perturbação da consciência' (Có­digo suíço, art. 10); 'transtorno men­tal transitório' (Código espanhol, art. 8. o, n. o 1), estados crepusculares não

Patológicos ou fronteiriços da patolo-

1 . sto é esta-. como o sono norma, 1 , ~a, no dos crepusculares que podem ocorrer começo ou no fim do sono ou no so­nambulismo ou na hipnose por S~ge~-_ l'm de fatos de natureza morbI-

tao, a e _ mpro-da, transitórios ou nao, que co _

tem o exercício normal das funçoes me - d

, uI'cas com profunda alteraçao a PSlq, ' . d .A I'a e por consegumte os re-consClenc , ., d

quisitos que a lei exige para o JUIZO, e imputabilidade" (ob. cit., tomo II, pago

513) Melhor teria sido acatar a fórmula

.' . I - da grave do AnteproJeto, com mc usao . anomalia psíquica entre as causas bIO­lógicas da inimputabilidade, ou a a~o­ção do preceito do Código Pe~al TIpO para a América Latina, sugerIdo pelo próprio Ministro Nelson Hungria, pre­ceito que alude à grave per:~rbaç~o de consciência. Tal solução, abas, fOI ~e­comendada pelo III Congresso NacIO­nal de Direito Penal, Recife, 1970. (v. Alcides Muilhoz Netto, A Culpabilida­de no Novo Código, in Revista da Fa­culdadede Direito da U.F.Pr., ano 13, n.o 13, pág. 143).

Considerações Finais

13. Do que foi exposto, verifica~se que a reforma brasileira ficou, m;nto aquém do que se podia esperar, a VIsta

das tendências contemporâneas em matéria punitivà. O diploma de 19?9,

das emendas que lhe foram Ill-apesar .. d troduzidas, não descriminalIzou, fOI e-masiadamente parcimon~os~ ~a despe-

1· - e não logrou lImitar, pela na lzaçao culpa, a responsabili~~de penal.

Ao contrário do COdlgO de 1940, que honrou a nossa cultura, o de 1969 apre­senta-se em 'grande atraso para a sua época e em desacord~ c~n: ° atual es-

t ' i do pensamento Jundlco-penal bra-ag o , . '1 . 'nclusive com a doutrma ma-SI euo, 1 • ,

gistralmente exposta pelo I~sIgne me~-tre pernambucano, que Mmas G~rals

t ' homenagear. Aníbal Bruno mte-es a a . _ grou, é certo, a segunda Gonussao re-

. d diploma ora em quarentena. Vlsora o . I -M s as deficiências dessa leg1s açao

_a , lhe podem ser debitadas. Longe nao , . le d: por não lhe tolerar os VICIOS, e ISSO, . 1 externou o desejo de não VIncu ar seu

à imperfeita obra, afastando"se, nome . - (i depois, dos trabalhos de re.vlsa~ c r. Heleno C. Fragoso, SubsídIos ara a

H · t" do Novo Gódigo Penal, in IS orla R.D.P. n.o 3,págs. 10/11).' _ _

As idéias liberais e as soluçoes, t~o precisas quanto equilibradas, de Alll­bal Bruno não foram incorporadas a~,

C',d'go Contudo aí estão, atuaIS' novo o 1 • ,

e palpitantes, como que ~ ;reclamar de todos os penalistas brasIleIros, um es­forço ingente para a reforma d~ refor­ma de nossas instituições penaIS.

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IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL E

PRESUNIÇAO DE INOctNCIA

RENÉ AIUEL DOTTI

d 1. "?"ma exegese puramente literal o artIgo 6.0 VIII do r1~,,' d cont~m ~? cartão de identidade da pes-' vu<..tlgo e Pro-

cesso Penal está conduzindo o S iTrib aI F d upremo , , . un eeral a reconhecer como le-gl~m~a a pr.ovi?ência de identificação

tC:llml~a~ do mdlciado pelo processo da­I OSCOPICO me

. '. ' smo que ele tenha sido IdentIfl'cado civilmente.

s A o:i~ntação já é predominante como n eo venfIca pelo julgamento do RE, Cr v; 82.351 DF, relator o Ministro XA-~ ALBUQUERQUE: "Identif' - . ' .rumaI N- . Icaçao cn-n I . ao 'constItui constrangiIm::lnto

ti;~a d me~~o que o indiciado seja iden_ Ica o cIvIlmente pelo órg-

tente. Orientação do Plenár;: ~~m:e­Premo Tribunal (R:E C '" . u-74) R r. 00.732 4-6

. ecurso conhecido e provido' -a cassaç- d h COm 1 ao o abeas corpus" (DJU 0.10. 1975, pág. 7354) A .

Min:tr:usAteNntar esse procedimento, o , TONW NEDER

que'" argumentou feri ... e .de Se reconhecer que o re-

do preceIto procesSual dev . cado com . e ser aph-rent o sentIdo único e transpa_ A'd ~t' que se contém no seu texto

.nj mI Ir-se q b . . cação datilo u~ .a o ngatória identifi_ norma seja sC::~~~t P:;vista na citada '

uJl .... a pela que se

soa mdlclada como criminosa 1 f - ,qua o ez o acordao agora discutido e' , o mes-

mo que tornar facultativo o q t . ,. . ue por

na ureza e leI e mdwpensável' e . aind ' b' , ,pIor

, a, e a rIr caminho para a f t d' 'd u ura UVI a sobre a id'entidade do . . . , . CrImInoso pOIS e sabIdo, 'como decorre d . ' ência o . a expen­

c mum, que o cartão de identida_ de pode 8er adulterado" (t h

' d- rec o do acor ao em RTJ 72/631 'f d . ginal). ' grl os o orl-

: .. Durante muito tempo foi estável a JurIsprudência no sentido d d' sa 'd " e Ispen-

r a I entlflcação quando o' t d . Impu a o Ja tenha registro de identidade feito pela autoridade do local d . "

E . o Inquento . m Julgado do qual foi relato M"

llIstro GQooY I . r o I-LHA, o TrIbunal Federal

de Recursos declarou o car't t' . d a er vexa_ Ono a medida "repel'd . d I a por autorIza-.os processualistas e pela J'uris dA

Cla d T'b pru en-. 'Os rI unais, notadamente deste

TrIbunal Federal de Recursos" (RJU 3.9.1973, pág. 6352).

São n~merosos os precedentes em tal rumo, nao somente do ITribunal Federal de Recursos, mas dos tribunais esta-

duais e, especialmente, do Supremo Tribunal Federal: DJU 19.11.1974, pág. 8632; DJU 25.11.1974, pág. 8830; DJU 2.12.19'74, pág. 9042; DJU 13.12.1974, pág. 9351 e as indicações constantes em Revista de Direito Penal, n.OB 6, pág. 133; 7/8, pág. 120; 113/14, pág. 15<1, geralmente acol1l!panhadas de excelentes comentários feitos p'Or HELENO 'FRAGO­SO e NILO BATISTA.

Este último Professor, em obra re­centíssima, analisa a evolução do pro­blema nos tribunais federais e esta­duais. concluindo que "se a identifica­ção datiloscópica se destina a tornar certa a identidade civil da pessoa físi­ca indiciada, e a requerer ao departa­mento competente sua folha de antece­dentes penais, não há motivo razoável para a imposição da vexatória medida, quando possa o envolvido exibir cartei­ra de identidade, com o que se suprem ambos os objetivos" (Decisões criminais comentadas, Rio de Janeiro, 1976, pág. 83).

3. A mudança de orientação adotada pelo Supremo Tribunal veio aditar o complexo de restrições e desgastes im­postos aos acusados de infração crimi­nal.

Quando se referiu à garantia esta­belecida pela Constituição italiana ("l'imputato non é .cronsiderato colpe­

'Vole sino alla condanna definitiva" -art. 27, sego parte), o Mestre CARNE­LUTTI reconheceu que a humanidade do proeesso penal e, portanto, a sua po­breza, é denunciada pela antinomia en­tre a chamada presunç:ã.o de -vnocência e a detenção provisória. EI, melancoli­camente, enfatizou: "Escludere l'impli­cazione delta punizione nelproceiMo non e possible. La sofferenza deU' in­nocente e, purtroppo, il costo insopri­mibile del processo penale. Sul piano gi1irildi(;o tale. sofferenza non si puà

spiegare' se non, con l'analogia, aUra­verso la espropriazione per pubblica utilità" (Princtipi deZ processo penale, Nápoles, 1960, pág. 55).

Embora consagrada em Constituições e textos internacionais, a presunção de inocência tem sido contestada não so­mente porque a prisão provisória (em flagrante ou preventiva) aparece como obstáculo intransponível à pureza dog­mática da garantia, mas, também, quando outras medidas são aplicadas contra o acusado como o seqüestro, a busca e apreensão, as interdições de direitos, etc. que tem como pressuposto o fundamento razoável de culpabilida­de.

MANZINI foi rigoroso: "Nulla di piu goffamente paradossale e irrazionale", frente à conclusão de que as providên­cias da prisão preventiva e outros meios de coerção - além da imputação em si mesma -, aparecem como evi­dência contrastante entre a prática e a teoria, ou, segundo suas próprias pa­lavras: "strana assurdrità esgogitata in Francia". E parte para uma obje­ção cáustica: "Se si presume l'innocen­cio, deU' imputato, chiede il buon senso, perche ,dmnque si procede contro di lui?" (Em Tratta,to di diritto proce'3-suale penale italiano, ITurim, 1967, I, pág. 226).

4. Mas não se pretende advogar -por absurdo - que a comunidade e o juiz sejam compelidos a presumir a ino­,cência do acusado até prova em con­trário, segundo o aforisma da Idade Média: innocervs praesrumitur cuius innocentia non probatur, o qual, verti­do ao nosso atual sistema, é albergado pelo inciso VI do artigo 386 ao decla­rar que o réu deve ser absolvido se não houver prova suficiente para a conde­nação. Assim também ocorre com o mo­delo italiano (art. 479).

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É indispensável a fixação de um princípio segundo o qual a estrutura e o funcionamento do processo criminal sejam de tal maneira que se reduza ao mínimo possível todo o risco de erro e sofrimento injusto derivado (cfr. CARNELUTTI, ob. e loco cit.).

5. A presunção de inoc~ncia não pode ser tratada como fenômeno pro­cessual rotineiro, no mesmo plano das presunções simples e legais (estas com­preendendo as relativas e as absolutas) ..

As presunções simples, na definição de FOSCHINI, são aquelas que encon­tram sua origem ou formulação na ex­periência pessoal do julgador, colhida em abstração de qualquer norma aprio­rística, mas em função de sua vivência como ser comum (Sistema del driritto processuale penale, Milão, 1965, I, págs. 420, 421).

Aludindo a uma Ordenança francesa 'de 1670 (omnis praesumitur bonus nisi probetur malus, art. 28, V), MANZINI

. ac~sa a degeneração da máxima que terIa ocorrido com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão quan­do o inciso IX introduziu a presunção de que "todo homem sendo julgado ino­cente até quando for declarado culpa­do, se é julgado indispensável dete-Io qualquer rigor que não seria necessá­rio para assegurar-se da sua pessoa deve ser severamente proibido pela lei" (Ob. e loco cit.).

Admitindo-se que a presunção de ino'­cência não possa ser acolhida axiomati­camente em face das providências con­tra o imputado e justificáveis pelos in­dícios e provas do fato punível e sua autoria, forçoso é reconhecer que, em verdade, a ichamada pre.sunção deve

- os efeitos negativos que o procedi­mento acarreta ao estado pessoal.

Conforme BETTIOL, a norma constan_ te

o na _Constit~ição italiana (art. 27,

2.) nao exprIme tecnicam$te uma presunção incidente sobre o problema d? ônus da prova, mas caracteriza o SIstema penal aberto em relação ao mo­ment~ histórico e político que atraves­samos (Istituzioni di diritto e pro,cedu­ra penale, Pádua, 1966, pág. 215).

Para RANIERI, a garantia se fixa no curso da relação processual a fim de não submeter o imputado a exces­sivos rigores de verificação probatória (~anuale di cJ4ritto processuale penal~, Padua, 1965, pág. 226). enquanto que para outros autores como BELLAvrST~ a presunção de inoc,ência se resolve e~ termos cartesianos isto é, na dúvida sobre a culpabilidade de maneira a fi­xar limitações das med'das cautelares e reduzir a prisão preventiva a casos excepcionais (ll processo COme dubbio em Rivista italiana di diritto e proce~ dum penale, Milão, 1967, fasc. 3 pág' 768). ' .

6. A melhor direção consiste em fa­zer da presunção de inocência um ver­dadeiro princípio de fundo constitucio­nal e que, por isso mesmo, transcende o quadro das presunÇjÕes como assunto ordinariamente processual.

A propósito, VELEtl; MARIOONDE admi­t: ?ue o princípio embasa o sistema ju­ndIco-penal adotado pelos países de­~ocráticos que reconhecem o direito à

ser reconhecida como um principio. Um .princÍpio que assegure ~o~ acusados um . tratamento de genero superior, limitan­do - não extingüindo ou eliminando

. lIberdade individual, esclarecendo que não se firma uma presunção de ino­cência de índole contrária às evidências da coerção processual do imputado, mas se reconhece um estado jurídico para

evitar dois tipos de presunção: uma ,da lei, outra do juiz. E adianta que as Constituições das Províncias argenti­nas ao consagrarem tal, garantia,pro ..

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curam se ajustar expressamente ao modelo nacional como se verifica com o texto. de Córdoba: "La ley reputa inocentes a los que por s~ntencia (fir­me) no han sido declarados culpados" (art. 17) (Derecho Procesal penal, Buenos Aires, 1969, I, págs.323 ess.).

Uma tarefa indispensável para o Di­reito a construir consistirá na elabora­ção dogmática do princípio, retifican­do-se o enunciado posto que os vocábu­los presunção e inocência - em razão do emprego universalmente generaliza­dor - estão impregnados de cargas eufor:zantes e, por isso, capazes de per­mitir as críticas antiliberais.

7. Antes, porém, da modificação textual do princípio, é necessário 1'e­.conhecê-lo como indi·spensável meio de controle à hipertrOfia do jus puniendi.

A Corte Constitucional italiana tem interpretado o artigo 27, 2.0 como um princípio fundamental de civilização e justiça que proibe a consideração do imputado como culpado antes da conde­nação definitiva, "sotto qualsiasi us­petto e per ogni effeto" (em ANTONIO STEFANO AGRO e outros, La Costituzio­,ne italiana commentata con le decisioni deZla Corte ,costituzionale, Turim, 1970, pág. 398).

O texto de garantia tem sido acolhi­do em diversos documentos legislativos e declarações de princípio: "Sendo todo Homem presumidamente inocente até que tenha sido declarado culpado, se se julgar indispensável detê-lo, qual­quer rigor que não for necessário para assegurar-se da sua pessoa, deve ser severamente reprimido pela lei" (De­claração dos Direitos do Homem e .do Cidadão, inc. XIII); "Todo homem acu­sado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até, que a Sua culpal;dlidade tenha sido, prova,da de acordo com a .lei, em julgamento pú-

blico no qual lhe tenham sido assegura­das todas as garantias necessarias à sua defesa" (Declaração Universal dos Direitol8 do Homem, art. 11, 1); "Par­te-se do. princípio de que todo o acusa­do é inocente, até provar-se-lhe a cul­pabilidade" (Declaração Americana dos D'ireitos e Deveres do Homem, BQgotá, 1948); "Toda persona acusada de un delito tiene derecho a que se presuma su inocencia mientras no se prl/,ebe su culpabilidad conforme a la ley" (Pacto Internacional de Direitos Civis e Po­

'líticos, Nova Iorque, 19'66, art. 14, 2); . "Toda persona acusada de una infrac­~ión ,se presume inocente hasta que su f'ulpabilidad hava sido legalmente es­t~blecida" (Convenção de Salvaguarda dos Direito,; do Homem e da81 Liberda­des Fundamentais, Roma, 1950, art. 6, 2); "Qualquer pessoa suspeita ou acusada de transgressão criminal será presumida inocente até que se prove ser culpada e só então será tratada como tal" (Projeto de Princípios de Poder ser Livre de Prisão e Detenção Arbitrárias, art. 2.0 ); «Nadie será acusado de haber cometido un delito criminal hasta que nQ se haya probado validamente" (Constituição da Iuguslá­via, art. 50); "Toda persona inculpada de delito tiene derecho a que se prest~­

ma su inocencia mientras no, se prestt­ma legalmente 8U culjJabilidad. Duran­te el pr~cesso, toda persona tiene dere­cho, en plena igualdad, a Ias siguien­tes garantias minimas ... " (Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, 1970, São José da Costa Rica, art. 8.°

2.°). Quando se reuniram diversos penalis­

tas em Santiago do Chile para a ela­boracão de um Código Penal Tipo para a A~érica Latina (4 a 14 de novembro de 1963). umá das conclusões foi a de que esse modelo deveria ser constituí­do por preceitos rígidos para efetiva

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aplicação e não um simples enunciado de normas básicas. O projeto de Código, porém, não dispensaria uma declara­ção.de princípioo reitores para a for­mação de tãohn,portante documento. E" entre os mesmos consta o seguinte: "A pessoa submetida a processo penal presume-se inocente enquanto não for condenado" (Revista Brasileira de Cri­minologia e Direito Penal" n.o 4, 1964, pág. 149).

A posição dos juristas latinoame­ricanos veio consolidar a doutrina in­ternacional instituída em favor do jus dignitatis da pessoa acusada, cujo re­conhecimento é uma conquista dos tem­pos modernos - nomeadamente do após-guerra - como se observa pela disposição frontal da Constituição ale­mã ocidental (1949): "A dignidade da pessoa humana é sagrada. Todos os agentes da autoridade pública têm o dever absoluto de a respeitar e prote­ger" (em Constituições Políticas de Di­versos Países, trad. org. e int. de JORGE MIRANDA, Lisboa, 1975).

8. Se o Brasil foi um dos países sig­natários da Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948) e aprovou, entre outros, o princípio da presunf;ão de inOcência, está claro que esta norma se insere em nosso sistema processual por inferência do artigo 153 § 36 da Constituição: "A especifica. ção dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do re· gime e dos princípios que ela adota".

Este compromisso e suas implicações dogmáticas ensejam uma dnterpretação sistemática do artigo 6.°, VIII do Có­digo de Processo Penal para alcançar o sentido teleológico.

A antiga e ainda autorizada doutri­na de EDUARDO E'SPÍNOLA FILHO, aclara perfeitamente a finalidade da identifi-

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cação datiloscópica que vi'sa "não só a permitir o conhecimento da vida ju­diciária anterior do indiciado, como também levar ao conhecimento do ins­tituto competente a é'ircühstância de estar sendo suspeitado" da atual trans­

. gressão penal. Por isso o art. 23 do novo Código de processo penal atribui, como''obrigação, à autoridade policial, quando fizer a remessa do inquérito ao juiz competente, dar, em ofício, ao Ins­tituto de Identificação e Estatística ou à repartição congênere, a notícia do juízo, a que tiver sido distribuido o mesmo inquérito, com os esclarecimen­tos sobre a pessoa do indiciado e a in­fração penal de que é acusado. E, como veremos, adiante, no comentário ao art. 809, a decisão da causa, com a re­ferência dos incidentes da execução, será remetida, na terceira das partes destwcáveis do boletim individual, ao Instituto de Identificação. Sendo essa finalidade da identificação, está-se a ver que não há porque sujeitar a tal medida o indiciadQ, que, exibindo car­teira de identidade, documentar a rea­

'lidade de já estar identifwado, no distri­to da culpa" (Código de Processo Pe­nal Brasileiro Anotado, Rio de Janeiro, 19-54, voI. I, pág. 287, grifos meus).

Também o saudoso Ministro AR! FRANCO ensinava que a autoridade po­'licial deverá ordenar a identificação, a menos que o indiciado fornecesse ele­mentos para a obtenção de sua folha de antecedentes (Código de Processo Penal, 4.~ ed. 1.0 voI. pág. 54).

9. A jurisprudência reformada con­tinha exegese mais adequada, posto que sistemática e não simplesmente literal. De relevo salientar que ela fazia res­salva aos casos de dúvida sobre a iden­tidade quando, então, a nova identifi­cação se legiÜma (ch STF, l.~ T. em

19.11.1974, reI. RODRIGUES ALCKMIM,

DJU de 13.12.1975, pág. 9351). em dr'

Com sua inimi.tável virtude e Og~-ca e invejável senso de. humo:, o M~-

. t ALIOMAR BALEEIRO aSSIm decI-nlS ro".,. "O diu um recurso de habews corpu 8i

:. '

nte além da identificação CIVIl, recorre , . , foi identificado criminalmente e Ja t nriu"se o tanto numa como nou ra, curo..,. c_ "

cerimonial da fotografia, tom~da d~ :m-- digitais etc Essa Identlflca-pressoes "

ção criminal, confirmada pelo_Chefe de

P l'i.a é de data recente, nao se ale-,o IC , . d'f'

gando que o acusado houves~e m? 1. 1-

cado a fisionomia por operaçao plastICa ou, enfim, mudado a apar~ncia. O fim da identificação não é pUnlr, nem sub­meter o indigitado deIinqü~mte a vexa­mes inúteis" (RTJ 7'3/66, 67).

10. Pela alta significação de que se reveste, a matéria deveria constar. d~ pauta do Conselho de Defesa dos DIreI­tos da Pessoa Humana, posto que o ar­tigo 5.0 de sua Lei criadora (n.o 4.319

de 16.03.1964L est!lcbelece que o . org~­nismo "cooperará com a OrganIZaça? das Nações Unidas no que co~cerne a iniciativa e à execução de medIdas q.ue

visem a assegurar o efetivo respeIto dos direitos do homem e das liberdades

fundamentais" . Enquanto tal não ocorrer, os advo-

gados criminais, testemunhas obrigató­rias do constrangimento quando acom­panham seuS clientes ao ato de inter­rogatório - devem pleit~a~ a dispensa à própria autoridade polICIal que, :an­tas vezes, tem se mostrado menos rlgo-

rosa. E assim tem sido feito, não somente

em atenção à melhor e mais, ge.ne~osa exégese, mas em homenagem a dI~Id~­de humana da pessoa acusada, prmCI­palmente quando a boa vi~a pregressa e a insignificância ou mcerteza ?a acusação funcionam 'como fatores prlO-·t' . ara que o Poder de Polícia rl arlOS p . "

reconheça o que é negado pelo Judlcla-

rio.

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A PRESCRIÇÃO RETROATIVA NO FUTURO CóDIGO PENAL

o art. 110, caput, donQvo Código Penal, contém regra segundo a qual a prescrição da pretensão punitiva é re­gulada .pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, "sal­vo o disposto no § 1.0" da disposição, que reza: "a prescrição, depois da sen­tença condenatória com [email protected] em dUlgado para a acusaç,(íio~ regula-se, também, pela pena imposta e verifica­se nos mesmos prazos". Assim, de acor­do 'com a regra, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, é regulada pela pena in abstrato. Ex­cepcionalmente, mesmo antes de a sen­tença condenatória transitar totalmen­te em julgado, a prescrição é regulada pela pena in concreto. Isso ocorre quan­re quando a sentença condenatória transita em julgado para o órgão da acusação, sendo interposto recurso pelo réu. O prazo começa a ser contado a partir do trânsito em julgado para a acusação, sendo prescindível a intima­ção do réu. Ocorre que, tornando-se irrecorrível a sentença 'Condenatória para a acusação, e havendo recurso do réu, a pena não poderá ser aumentada pelo tribunal. A pena será mantida ou absolvido o recorrente. Então, não há motivo para a prescrição continuar a

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DAMÁSIO E. DE JESUS

ser regulada pelo máximo da pena pri-, vativa de liberdade, em face do que a prescrição, daí por diante, é regulada pela pena concretizada na sentença, contando-se a partir do trânsito em julgado para a acusação (não desco­nhecem{)s que a Jurisprudência conta o prazo a partir da sentença). Etx:pli­cando em outros termos: a prescrição; depois da sentença condenatória de que somente o réu tenha recorrido; regula­se pela pena imposta (art. 110, § 1.0). A pena concreta serve de base para o cálculo prescricional que começa a par­tir do trânsito em julgado da sentença para a acusação, tendo efeito ex nunc, isto é, para o futuro, como diz JosÉ FREDERI'CO MARQUES, "esse prazo, fun­dado na pena em concreto, não vai re­troagir" (efeito ex nunc) "no concer­nente à prescrição anterior à sentença ,condenatória passada em julgado" (Tratado de Direito Penal, Saraiva, 1956, pág. 416). Suponha-se que o réu tenha sido condenado a três meses de detenção, somente recorrendo a defesa, transitando em julgado a sentença para o órgão do Ministério Público. A partir do trânsito em julgado da sentença para o órgão do Ministério Público ini­cia-se o lapso de dois anos da prescri-

ção da pretensão punitiva (como a sen­tença não transitou em julgado para a defesa, o Estado ainda não adquiriu o direito de executar a pena, não se fa­lando, por isso, em prescrição da pre­tensão executória). Os dois anos são contados da data do trânsito em julga­do para a acusação, não havendo efeito retroativo, isto é, não se pode contar o prazo a partir da data da consuma­ção do crime ou do recebimento da de~ núncia.

O Supremo Tribunal Federal, porém, na SÚ'I'I1JUla n.o 146, entende que "a prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação". Signifi­ca : quando não há recurso da acusa­ção, a pena concretizada na sentença tem o efeito de regular a prescrição da ;pretensão punitiva a partir de seus term{)s iniciais. O prazo regulado pela pena concreta é contado retroativa­mente e não a partir do trânsito em julgado da sentença para a acusação. Exemplo: O réu praticou um crime de lesão 'corporal leve, vindo a ser conde­nado a três meses de detenção, profe­rindo o juiz a sentença dois anos e seis meses após a data do recebimento da denúncia. O réu recorre, não havendo recurso do órgão do Ministério Públi­co. Como a pena é de três meses de de­tenção, o prazo prescricional é de dois anos (art. 110, inciso VI, do Código Pe­nal). Como entre o recebimento da de­núncia e a sentença decorreram mais de dois anos, entende o Supremo Tri­bunal Federal que - quando o juiz proferiu a sentença já havia ocorrido a prescriçã.o da pretensão punitiva. En­tende-se, ainda, que a prescrição re­troativa faz desaparecer a sentença condenatória e seus efeitos, pois, quan­do o juiz proferiu a decisão, o Estado já havia perdido o jus puniendi.

É a chamada prescrtçao retroativa. Exemplo mais pormenorizado: Um sujeito pratica crime de lesão

corporal leve no dia 5 de maio de 1976. Como o máximo da pena privativa de liberdade é de um ano (art. 131, caput) , a prescrição da pretensão pu­nitiva (prescrição antes de transitar em julgado a sentença final, prescrição da ação penal) ocorre em quatro anos (art. 110, inciso V). De modo que, se

o Promotor Público não oferecer de­núncia até o dia 4 de maio de 1980, não mais poderá fazê-lo diante da prescrição. Ocorre que o processo se tem por instaurado no dia 3 de outu­bro de 1976. A instauração do proces­so interrompe o curso da prescrição da pretensão punitiva (art. 110, § 5.°, in­ciso I). Interrompida a prescrição, todo o prazo recomeça a ser contado por in­teiro (art. 112). De modo que a partir de 3 de outubro de 1976 vamos recome­çar a contar o prazo de quatro anos. O juiz deve proferir a sentença até 2 de outubro de 1980. Se não o fizer, não mais poderá fazê-lo diante da prescri­ção (que continua a ser contada pelo máximo da pena privativa de liberda­de). Acontece que o juiz condena o réu a três meses de detenção no dia 10 de novembro de 19'78. O réu recorre e a sentença transita em julgado para o órgão do Ministério Público. O Supre­mo Tribunal Federal, através da SÚ­mula n.O 146, orienta-se no sentido de que o tribunal estadual a quem o réu recorreu deve decretar a extinção da punibilidade pela aplicação retroativa da prescrição da pretensão punitiva, nos termos seguintes: como o réu foi condenado a três meses de detenção, isso siguifica que essa era a quantida­de de pena que deveria regular a pres~ crição desde o início. Ora, se a pena é de três meses de detenção, inferior a um ano, então a prescrição ocorre em

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dois anos (art. 110, inciso VI). O pro­cesso foi instaurado no dia 3 de outu­bro de 19176. O juiz só podia proferir a sentença até o dia 2 de outubro de 1978 (dois anos a partir da instaura­ção do processo). Dessa forma, quan­do o juiz eondenou o réu (10 'de no­vembro de 1978), o Estado já havia perdido o poder-dever de punir (atin­gido pela prescrição da pretensão pu­nitiva) .

O novo Código Penal procurou no art. 110, § 1.0 , dar uma solução legis­lativa ao tormentoso problema da apli­cação retroativa da prescrição regula­da pela pena em concreto. No Ante­projeto de Código Penal, com a indica­ção marginal "superveniência de sen­tença condenatória de que somente o réu recorre", o art. 110, § 1.0, rezava o seguinte: "Sobrevindo sentença con­denatória, de que somente o réu tenha recorrido, a prescrição passa a regu­lar-se pela pena imposta, e deve ser logo declarada, sem prejuízo do anda­mento do recurso, se, entre a última causa interruptiva do 'Curso da pres­crição (§ 5.0 ) e a sentença, já decor­reu tempo suficiente". Adotava expres­samente o sistema da pres.crição re­troativa pela pena em concreto, ·su­fragada pela Súmula n.o 146 do Su­premo Tribunal Federal. O Decreto-lei n.O 1.004, que instituiu o Código Penal de 1969, em seu art. 111, § 1.0, com a indicação marginal "superveniência de sentença condenatória de que' somente o réu recorre", impedia o critério da prescrição retrotativa pela pena em concreto: "A prescrição, depois de sen­tença condenatória de que somente o réu tenha recorrido, regula-se também, daí por diante, pela pena imposta e ve­rifica-se nos mesmos prazos" (grifo nosso). A expressão "daí por diante" indicava que a sentença condenatória interrompia o lapso prescricional, que

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recomeçava a correr regulado pela pe­na imposta na sentença e não mais pe­lo máximo da pena em abstrato. A Ex­posição de Motivos dizia, o seguinte: "Em matéria de prescrição, o projeto expressamente elimina a prescrição pe­la pena em concreto, estabelecendo que, depois da sentença condenatória de que somente o réu tenha recorrido, ela se regula t~mbém, daí por diante, pela pena imposta. ITermina-se, assim, com a teoria brasileira da prescrição pela pena em concreto, que é tecnicamente­insustentável e que compromete grave­mente a eficiência e a seriedade da re­pressão" (n.o 37). Supõe-se que a al­teração teve origem na opinião de HELENO CLÁumo FRAGOSO, membro da COll1lÍssão Revisora do Anteprojeto (HELENO CLÁUDTO FRAGDSO, A reforma da legislação penal, in Revista Brasi­leira de Criminologia (J Direito Penal, Rio, 1963, n.o 3, págs. 38-41, n.O 38). No Projeto de Lei n.o 1.457, de 1973, do Poder E:xecutivo, que apresentou emendas ao Código Penal de 1969, a situação mudou de figura, passando o art. 111, § 1.0, com a indicação margi­nal alterada (" Superveniência de sen­tençacondenatória com trânsito em julgado para a acusação"), a ter a se­guinte redação: "A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, regula-se, também, pela pena imposta e verifica­se nos mesmos prazos". O Min. AL­FREJ)r() BUZAID, na "Exposição de Moti­vos", esclareceu haver aceito a orien­tação predominante no Supremo Tribu­nal Federal (Súmula n.o 146), recor­rendo aos ensinamentos de NÉLSON HUNGRIA. Para tanto, suprimiu a éx­pressão "daí por diante", substituindo a exigência "de que somente o réu te­nha recorrido" pela de "trânsito em julgado para a acusação". Segundo ele, a nova redação dissipa definitivamente

dúvida a respeito da necessidade de re­curso do réu para obtenção do benefício, que não pode ter relevância em maté­ria de prescrição. O que importa, em verdade, é que a parte acusatória não tenha recorrido"" (n.o 14). Aceitou-se o princípio de que a sanção coneretiza­da na sentença, sem possibilidade de agravação diante da inexistência de re-' curso da acusação, era a sanção ab initio justa para o fato praticado pelo agente, revelando-se a pena abstrata muito severa e injusta para regular o prazo prescricional. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, que res­tringiu o alcance de aplicação da SÚ­mula n.o 146, ela só incide quando só há recurso do réu. Segundo o Min. ALFREDO BUZAID é irrelevante o recurso do réu, sendo suficiente que a sentença tenha transitado em julgado para a acusação. O Min. ALFREDO BUZAID dá a entender que a supressão da expres­são "daí por diante" contida na primi­tiva redação fez que com que ficasse sufragada a prescrição retroativa pelo novo Código Penal. Cremos razoável o entendimento contrário. Historicamente a razão está com ele. A interpretação da norma, porém, leva a conclusão di­versa. É correto dizer que a redação primitiva da disposição, contendo a re­ferência "daí por diante", expressa­mente impedia a prescrição retroativa. Sob o aspecto histórico da interpreta­ção é correto afirmar que a supressão daqueles termos sofreu a inspiração do Ministro da Justiça no sentido de não ser impedida a prescrição retroativa. De ver-se, pbrém, que suprÍJ:nã.da a expressão retornou o dispositivo à sua feição antiga, nos mesmos moldes do Código Penal de 1940, que não permi­tia a inovação (tanto que foi criada pela jurisprudência), não sendo obstáculo a modificação da redação da indicação marginal ( de "prescrição no caso de

sentença condenatória de que somente o réu tenha recoi-rido" para "superve­niência de sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação"). Assim, além de doutrinariamente insus­tentável, a própria letra da lei impede que se entenda acatada a prescrição retroativa no Código Penal de 1969. O art. 110, § 1°, que trata do assunto, versa sobre a "prescrição da ação penal" (indicação marginal do caput) , sendo que. seu curso "interrompe-se pela sentença condenatória recorrível" (§ 5.°, incisivo IV). "Interrompida a prescriç.ão ( ... ) pela sentença conde­natória recorrível ( ... ) todo o prazc começa a correr, novamente, no dia da interrupção" (art. 112). É claro que o "prazo começa a correr ( ... ) do dia da interrupção" para frente, não re­troativamente. Dessa forma, acredita­mos que a subsistência da prescrição retroativa dependerá da permanência da Súmula n.o 146, não de expressa disposição do novo Código Penal. Tal como acontece na vigência do estatuto penal de 1940, o Código Penal de 1969 não permite interpretação no sentido de que tenha ado ta do a contagem re­troativa do prazo prescricional.

l!iELElNO CLÁUDIO FRAGOSO, assim se expressa a respeito do assunto: "Ape­sar de expressamente pretender o novo Código Penal, na sua última formula­ção:, ter reintroduzido a teoria da pres­crição pela pena em concreto (art. 110, § 1.0, do noco Código Penal), como se pode ver pela Exposição de Motivos que acompanhou o projeto de altera­ções mandado ao Congresso, julgamos que a nova redação é sumamente infe­liz e que as dúvidas que o texto do art.· 110, parágrafo único, do Código Pe.nal de 194() suscita, infelizmente, permanecerão. Não nos parece, em con­seqüência, provável que essa jurispru­dência se altere com a vigência do

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novo Código" (Revista de Direito Pe­nal, São Paulo, Ed.Revista dos 'Tribu­nais, 1974, ns. 13-14, pág. 164).

DANTE BUSANA, Procurador da Jus­tiça do Estado de São Paulo, entende que mesmo diante do novo Código Pe­nal não cessará de todo a controvérsia em torno da necessidade de que a sen­tença condenatória não tenha transita­do em julgado para o réu. É certo que o art. 11L, § 1.0, fala apenas em "sen­tença condenatória com trânsito em jul­gado para a acusação", permitindo en­tendimento preliminar de que é sufi­ciente que a sentença condenatória te­nha transitado em julgado para o ór­gão da acusação, não havendo "neces­sidade de recurso do réu para obtenção do benefício", como compreendeu a ma­téria o Min. ALFREDO BUZAlD. De ver· se, porém (partindo da aceitação da prescrição retroativa), que se trata de "prescrição da pretensão punitiva", isto é, forma de prescrição que atinge a pretensão punitiva antes de a sen­tença final transitar em julgado. Pres­supondo-se que a sentença condenatória tenha transitado em julgado para a acusação, surgem duas hipóteses: 1.a) a sentença condenatória também tran­sitou em julgado para a defesa; 2.a ) a sentença condenatória não transitou em julgado para a defesa, ou porque esta recorreu, ou porque esta ainda não recorreu, estando dentro do prazo. Na primeira hipótese, se a sentença con­denatória transitou em julgado para a defesa, ingressaríamos no campo da prescrição da pretensão executória, o que, em princípio, entende Dante Busa­na, excluiria a aplicação da prescrição retroatlva, que diz respeito à extinção da pretensão punitiva. Na segunda hi-

pótese, em que a sentença condenató­ria ainda não transitou em julgado para a defesa, ou porque recorreu, ou porque ainda não recorreu, embora ainda o possa fazer, o novo texto per­mitiria, sem sombra de dúvida, a apli­cação do critério retroativo. Nesse pas­so, conclui DIANTE BUSANA, a nova lei representa um progresso em matéria de prescrição.

O Supremo Tribunal Federal vem restringindo a aplicação da Súmula n.o 146. No dizer de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, trata-se de um compromisso entre a interpretação liberal e a dou­trinária: "Parece-nos que a atual ju­risprudência do Supremo Tribunal Fe­deral, que restringe o alcance da Súmu­lã n.O 146, recusando a sua aplicação a casos que constituem o seu desdobra­mento lógico (que, no passado, o pró­prio Egrégio TI'ibunal admitia), repre­senta uma espécie de compromisso en­tre um entendimento liberal, laborio­samente formulado, e a concepção téc­nica e doutrinária que a imensa maio­ria dos juízes da E:Xcelsa Corte rejei­ta" (Revi.'lta de Direito Penal, São Paulo, Ed. Revista dos T'ribunais, 1974, ns. 13-14, pág. 164). O entendimento restritivo dimensiona a prescrição su­mária aos seguintes requisitos: 1.0 -existência de sentença condenatória de primeiro grau; 2.0 - recurso tem­pestivo só do réu; 3.0 - contagem do prazo somente entre a data do recebi­mento da peça acusatória e a da sen­tença condenatória. Fora daí é inapli­cável a SÚ'YfIfUla 146. A permanecer a aceitação jurisprudencial na vigência do novo estatuto penal, cremos que tam­bém subsistirá a aplicação restritiva.

NOTICIÁRIO

II SEMANA NACIONAL DE ESTUDOS CRílMINALíSTlCOS

Realizar-se-á em Salvador, de 12 a 18 de dezembro, sob os auspícios do Gover­no do Estado da Bahia, a II Semana Nacional de Estudos Criminalísticos.

A semana, que 'será aberta com palestra do Prof. E'stácio. de Lima sobre a vida e obra de AFRÂNItO PEI~OTO, proprorá a discussão dos segumtes assuntos:

- NOVAS TÉCNICAS EM CRIMINALíSTlCA - 'Dr. José Carvalhedo Neto - Brasília - NOVAS TÉCNICAS NA PESQUISA DE IMPRESSõE'S DIGITAIS,

A:TRAVÉS DO COMPUTADOR - Dr. Tebúrcio de Oliveira - Brasília - SISTEMA DE ARQUIVO MONODACTILAR - Dr. José Roberto Leitão e Silva - Brasília - MEiDICINA E CRIMINALíSTICA - Dra. Maria Thereza de Medeiros Pacheco - Salvador - TÓXICOS E CRIMINALIDADE - Dr. Penildo Silva - Salvador - DETERMINAÇÃO DAS HE,MOGLOBINAS NA INVESTlGAÇÃO 'DA

PATERNIDADE - Dr. Hélio Ramos - Salvador - INíCIO DE GRANDES INCli:ND'lOS - Dr. Marino Pedro Nicoletti - São Paulo - PERíCIAS DE INC~NDIOS - Dr. Alceu de Almeida Proença - São Paulo - RESIDUOGRAFIA METÁLICA - Dr. José Lopes Zarzuela - São Paulo - ATUALIZAÇÃO E REFORMULAÇÃO DO ENSINO iDA DOCUMEN-

TOSCOPIA - Dr. Ernesto Perello - São Paulo -- ELETROPLEISSÃO - Dr. Moisés Rychter - Rio de Janeiro - PESQUISA E:M CABELOS E Pli:LOS - Dr. Eudésio ScheIley - Goiás - BALíSTICA - Dr. Carlos Guidoda Silva Pereira - Rio Grande do Sul - FALSIFICAÇÃO NA IDENTIFICAÇÃO DE VEíCULOS - Dr. Victor Quintela - Rio Grande do Sul - ESTUDOS DE CRIMES CONTRA A PESSOA - Dr. Arlindo Orlando Artur Blumje - Paraná

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INSTITUTO DE CIÊNCIAS PENAIS

Abuso de Drogas (Pesquisa)

O Instituto de Ciências Penais, da Faculdade de Direito Cândido. Mendes, realizou extensa pesquisa sobre os processos por abuso de drogas na ~Idade do Rio de Janeiro. A pesquisa foi coordenada pela socióloga Yolan~a ~atao ~ ~elo professor Heleno Fragoso e visou analisar eomo o sistema de ~u.stIça crlmmal vem atuando nos processos instaurados por consumo, ~o~te .e trafI~o de dro~as.

A pesquisa foi realizada em 1975 em sete Varas CrImmaIS no Rio de, ~an~Iro, . d d 125 af dos processos distribuídos no ano de 1974. O relatorlO fmal compreen en o ,·/0' .

vem de ser concluído, devendo ser publicado brevemente.

A LEGISLAÇÃO BRASILE:IR'A.

Nos últimos tempos (última déooda sobretudo), paralelamente a uma séri.e de mudanças. sociais, assistiu7se à difusão do consumo de drog~s,. com pr~domI-na~ncia da maconha nas classes média e alta da sociedade braSIleIra, partIcular­

, d - or parte mente entre os j'Ovens. Tornou-se entã'O motivo de ~an e pre.ocupaçao p. - o das aut'Oridades e resp'Onsáveis e pr'Opag'Ou-se, atraves dos melO: ~e comumcaç~ , uma imagem do consum'O de tóxicos de ameaça à segurança publIca e de perIgo para a ordem social, nã'O faltando ~s que vislumbraram risc'Os, inclusive, para a

segurança naci'Onal. .,' _ Procurou-se reagir, no plano do controles'Ocml, atraves de legIslaç,:"'O c~d~

vez mais severa. O art. 281 CP f'Oi várias vezes alterado. Em sua redaça'O ?rIgI­nal, referindo-se, impropriamente, apenas a substância e,:z-torpecente,. puma as várias açpes típicas que enumerava com as penas de reclusa'O de ~m a CI~C'O anos, e multa, de dois a dez cruzeiros. C'Om a L. 4.45,1, de 4/1l/6.~, mtr'OduzlU-.se, na enumeraçã'O de ações delituosas, inutilmente, a d: ~lantar (Ja. co~pree?dIda na fÓrIllula genérica do art. 281 § 3.0, III). A'Pós mumeras vacIlaçoes, fIxou-se a jurisprudência n'O sentido ,de que a lei não punia 'O viciado e que a posse de pequenas quantidades por viciados não c'Onstituia 'Crime. O DlL 385, de 26/12/68. dand'O nova redaçã'O ao art. 281 CP, passou a se referir, de f'Orma ampla, a "substância ent'Orpecente, ou que determine dependência física 'Ou psíquica", e intr'Oduziu, ao lado da pena privativa da liberdade, a pena de multa, de 10 a 5(} vezes 'O mai'Or salário-mínimo vigente no país na data d'O fato. Esclareceu. que nas mesmas penas estava também incurso o usuári'O (art. 281, § 1.°, III). Fmal­mente, sobrevei'O a L. 5.726, de 291/10/71, em vigor, que, mais uma vez, alter'Ou 'O art. 281 CP, elevand'O a pena para reclusã'O de 1 a 6 an'Os e multa, de 5.0 a 100. vezes o mai'Or salário-mínimo vigente no país, aplicável, indistintamente, a produ­t'Ores traficantes e usuários, viciad'Os 'Ou nã'O.'

À legislação brasileira é c'Onsiderada das mais repressivas.

MACONHA

O problema dasdr'Ogas n'O Brasil restringe-se basicamente ~ .maconha. A grande mai'Oria dos pr'Ocessos (92,4%) se deveu a'O US'O, posse 'Ou trafICO de maco-

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nha,' que' 'éa substância de qtie' ''em geral mais se abusa, depo:s d'O tabaco e do' ",,;

álc'Ool. . A grande disponibilidade da maconha deve-se principalmente a dois fatores. Trata-se· de planta de fácil obtenção (de plantação caseira) e de preço bem mais acessível que 'outras substâncias tóxicas para a grande mai'Oria d'Os consumid'Ores' de entorpecentes. Além diss'O, sua imagem, seja a divulgada através dos meios de comunicaçã'O, seja a transmitida de forma direta a partir de experiências' pessoais, reflete eomparativamente menor grau de pericul'Osidade e n'Ocividade que 'Outras, substâncias. Isto leva o indivíduo a consumir ou, eventualmente, a utilizar mac'Onha ao invés de "arriscar-se" n'O us'o de outra droga.

De qualquer f'Orma, nos surpreende 'O percentual mínim'O de outras drogas . encontrado por esta pesquisa, que, a noss'O ver, não se explica apenas pelo comen­tári'O feit'O acima.

Parece-nos que, no Brasil, grande parte do consumo de cocaína e anfetaminas, por exempl'O, se realiza nas esferas s'Ociais mais elevadas, que são justamente, c'Omo já foi 'Observado, as menos atingid'as pela perseguiçã'O policial-judiciária, desfrutand'O sempre de distintas f'Ormas de pr'Oteção quando se trata de burlar, a lei. Este fato poderia, p'Or um lado, explicar o índice pequen'O de casos de c'Ocaína, e anfetaminas. Por outro lado, a cocaína constitui droga de difícil 'Obtenção, não, só por ser mais cara, mas também porque a disponibilidade é incomparavelmente men'Or.

N'O entanto, poder-se-ia argumentar que os traficantes de drogas não perten­cem' às Classes mais altas, e, assim, deveriam estar representados na população, analisada. Nesse cas'O, poderíamos não ter registrado nenhum consumidor da cocaína (ou p'Oucos), porém encontraríamos processos por tráfic'O de cocaína. 11:, de conhecimento geral que a política dificilmente chega ao verdadeiro traficante,. que se protege, inclusive através da corrupção. O mais comum é a prisão do "pequeno traficante", do "transeiro", que não é mais do que um elo entre o.verda_ deiro traficante e o consumidor ou viciado. As pequenas quantidades de maconha e cocaína' apreendidas m'Ostram bem que a justiça realmente só persegue e pune. 'Os consumidores, nã'O atingindo os responsávevis pela difusão e comérci'O da droga;,

Geralmente, os processos pesquisados referiam-se a quantidade mínima de maconha, ou seja, em 50,2% dos casos a quantidade apreendida foi inferior a5, gramas de maconha. Quase dois terços das pessoas estavam sendo processadas criminalmente por posse de quantidade inferior a 20 gramas ou, em outras pala_ vras, 72,1% das prisões foram feitas pela apreensã'O de menOs de 20 gramas de maconha.

A maconha foi, até época recente, substância pOUC'O conhecida. Nos últimos tempos, no entanto, tem sido objeto de imensa quantidade de estudos e pesquisas, que c'Onstituem hoje vasta bibliografia. As pesquisas se desenvolveram a partir, da síntese do princípio ativo da Cannabis, realizada em 1964 por RAFAEL MECHOU­

LAN •. E'sse princípio é 'O 9-Delta ITetrahidrocannabinol (T'HiC), com 'O qual nume_ rosas experiências têm sido realizadas. O 'Í"HC é rapidamente desativado quando exposto ao oxigênio, à luz, à umidade e a temperaturas elevadas. A maior quan­tidade de THC enc'Ontra-se nas sumidades floridas da planta. O caule e as sementes contêm p'Ouco ou nenhum THC. A maconha geralmente consumida tem reduzido conteúdo de substância ativa, em regra menos de 1 % de T'HG. O haxixe

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<é a res:na pura da planta feminina, e é de cinco a dez vezes mais potente que a. ::maconha.

Tecnicamente, maconha é alucinógeno. Não produz dependência fisjca. Os :usuários crônicos tornam-se psicologicamente dependentes. 0' conceito de depen-' -dência psicológica, adotado pela· lei brasileira, tem sido questionado por vários 'estudiosos, por sua amplitude. Não há necessidade nem possibilidade de submeter ;a tratamento alguém pelo só fafo de usar maconha, a menos que tais pessoas apl'esentem desvios da personalidade ou outras desfunções.

Questiona-se hoje a respeito de três importantes aspectos do uso da maco­nha: (1) - Se a Gl1innabis conduz ao uso desubsuâncias perigosas; (2) - Se produz dano considerável à saúde, particularmente às funçpes cerebrais; (3) -,­

Se está associada à criminalidade. Os usuários de qualquer droga psicoativa têm sempre maior probabilidade de

usar outras drogas. Nenhum componente da maconha tem como efeito conduzir ao uso de outras drogas e a maior parte de seus usuários efetivamente não passa a outras substâncias perigosas. Dificilmente a maconha provoca tolerância. O relatório da Comissão Schafer afirma que, se alguma droga está associada ao uso; de outra, tal droga é o tabaco, seguida de perto pelo álcool. Nas pesquisas feitas pela Comissão, apenas 4% dos usuários de maconha experimentaram heroí­na. Entre os usuários de opiáceos, é grande o número dos que antes usaram maco­nha, mas nenhuma relação causal pôde ser estabelecida entre o uso de uma e outra espécie de droga, parecendo que o fato se rela!cÍona com fatores de outra 4lrdem.

E:studo recente elaborado por comissão especial do legislativo do E'stado de NJ()va York concluiu que a maconha não conduz a comportamento agressivo, nem é causa de gradual passagem à heroína ou a outros tócricos. A Comissão cana­dense concluiu que a relação de causalidade entre maconha e outras drogas é difícil de verificar.

No que tange aos efeitos da maconha sobre a saúde, é claro que, como toda droga, também a Gannabis é prejudicial. Todavia, existe hoje praticamente consenso, na área médica, no sentido de que a maconha é menos prejudicial do que o álcool. Nenhuma das inúmeras pesquisas realizadas revelou lesão cerebral ou outros efeitos graves, mesmo no caso de uso prolongado de doses elevadas. Estudo realizado em 1971 pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, nos Estados Unidos, afirmou que para a maior parte da<s pessoas a droga não parece perigosa.

Com respeito à criminalidade, observa-se que as pessoas que usam maconha tendem a comportamento passivo. A Comissão Schafer, em seu relatório, referin­do pesquisas que promoveu a respeito, conclui que "o peso da prova é no sentido de que a maconha não causa comportamento agressivo ou violento; pode ela servir para inibir a expressão de tal comportamento". A Conferência dos dire­tores de institutos de pesquisa, promovida em 1974 pelo Conselho da Europa, <conclui que não há relação de causa e efeito direta entre drogas e crime, salvo no caso de certas drogas específicas, como as anfetaminas. Todavia, drogas e criminalidade freqüentemente aparecem juntas, pois as mesmas causas psicoló­gicas e sociais conduzem a uma ou outra de tais formas de comportamento desviante.

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. Essas conclusões proporcionaram extensa reavaliação crítica da significação SOCIal do uso ,da macon~a, com ? ~parecimento de vasta literatura, cujo sentido fundame~tal e o da maIor permIssIvidade e descriminalização.

SurgIram, por outro lado, propostas concretas no sentido de efo I' lativa. Tais. propostas vão desde a abolição de penas mínimas ob ~ t:n:

a egIS-

d rIga orlas para o uso e posse e maconha, com amplas possibilidades de suspensão cond" 1 da pena ou da condenação, distinguindo-se, para diverso tratamento o t 'fI~Ionda uso/poss t" d '. I' , ra ICO o e, a e a escrUllilna Ização destes últimos A Comissão S h f . c a er propôs que a posse para uso pessoal não deveria ser incriminada A mesma r d-foi f 't d' t 'b . - . ecomen açao eI a para a IS rI Ulçao casual de pequenas quantidades se _ . . 'f' , m remuneraçao ou com mSIgn, Icante remuneração, não envolvendo lucro No . . , _ . mesmo sentIdo pronunCIOU-Se a ComIss~o canadense e numerosas entidades de prestígio.

Reconheceu-se tambem que as convenções internacionais em vigor na-o b' à' '. - d o rI-

gam mcrImm,~:ao, o uso/posse, ao contrário do que muitos afirmavam. ' Em consequencIa, as penas severíssimas que a legislação americana previa

para a posse/uso de maconha foram consideravelmente reduzidas t d Estados da União. A descriminalização completa foi introduzida e e~. o °E

s tOS

dos E O d d b m varIOS s a-. m regon, es e outu ro de 1973, a posse de pequenas quantidades obriga

apenas ao pagamento de multa (não criminal) de até cem dólares. Pesquisa reali­zada em outubro de 1974 pe~o Drug Abuse Gouncil indicou qUe apenas 0,5% dos usuários de maconha entreVIstados começou a usar a droga após d " lização. a escrImma-

OS RESUL'rADOS DA PESQUISA

Apenas 3,7% de mulheres foram processadas por uso, posse ou tráfico de drogas. 96,2% dos processos referiam-se a pessoas do sexo masculino. Já O us.o da C'annabis sativa era e continua a ser próprio de certa faixa etária.

exammamos como as drogas, em geral, e, a maconha, tornaram-se símbolos de uma. cultura jovem. Interessante observar que o uso do álcool pode aumentar com a Idade, enquanto o da maconha tende a ,diminuir. Aliás, uma das críticas ~ue ~e fa~ à grande, c?ntestação quanto ao uso de maconha é a de que o álcool e ~ mtoxIcante tradICIOnal das gerações mais velhas - por isto legitimado e aceI:o -, enquanto a maconha caracteriza os mais jovens, e por isto é criticada e VIsta como símbolo de alienação social da juventude.

Pesquisa realizada nos Ei, U. A. mostrou que a experiência com a maconha vai dos 18 aos 25 anos, caindo rapidamente depois. Os resultados da nossa pesquisa também revelaram que a grande incidência recai entre os 18 e 25 anos (65,7%), diminuindo em seguida. Isto não significa, porém, que adultos mais

velhos estejam excluídos (acima dos 35 anos, verificam-se 9,5% do total pesqui­sado.) O legalmente ,menor - 18 a 21 anos - é o que está mais presente, em 38,1 % dos processos.

OS PRAZOS PROCESSUAIS NÃO SÃO OBSmRVADOS

A lei fixou rito processual de extrema celeridade e solução de grande rigor para o que se refere ao direito de liberdade. Assim, oClOrrendo prisão em flagran-

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t,e, ,a autoridade. policial deve comunicar o fato imediatamente (nQ::;m,~smº dia) :~o 'juiz competente, que deve designar audiência de apresentaçij.o 4p,.llrllSopara as 48 horas seguintes (art. 15). Nessa audiência, o promotor formul~·,orallUente a dE;núncia, e, na mesma ocasiã,o, o juiz interroga o réu e ouve as., testemunhas do flagrante. Nos três dias que Se seguem corre o prazo (comu~ para'ac\lsação 'e'dEdesa) para requerimento de novas provas e defesa prévia, com' audiência de 'cinco testemunhas para cada uma' das partes, no máximo, aí computad~s M teste-~ munhas da prisão em flagrante. '.

Findo aquele prazo, o juiz proferirá despacho saneador, em que ordenará as diligências indispensáveis ao esclarecimento da verdade, e designarÁ a audiência

'de instrução e julgamento para um dos oito dias seguintes. Em tal audiência . são ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa e pela acusação, faz-se o debate oral entre as partes e o juiz profere a sentença. Se o juiz não se sentir habilitado para proferir sentença imediatamente, poderá fazê-lo dentro de cinco dias.

Segundo a lei, como se vê, todo o processo deveria estar concluído, na primei­ra instância, no prazo máximo de 20 dias. Trata-se aqui de saber se isto está realmente acontecendo, ou seja, Se os prazos processuais vêm sendo:. observados ,e, caso negativo, porque.

O laudo de exame pericial é peça essencial do processo, pois constitui o exame ,de corpo de delito. Segundo a lei, o laudo deve ser entregue em juízo até a audiên­cia de instrução e julgamento (art. 15). Resta saber se os órgãos técnicos da polí­cia (Instituto de Criminalística) estão aparelhados para cumprir esta tarefa e se a remessa dos laudos em tempo oportuno tem concorrido de alguma forma para a regularidade do processo.

Obtivemos os seguintes dados com respeito à observância dos prazos deter­minados pela lei.

Em 80,8% dos processos, o tempo decorrido entre a prisão (ou início do pro­cesso) e a remessa dos autos a juízo foi de, no mínimo, 1 dia e, no máximo, 10 dias, ou seja, a lei não é observada com rigor.

Com relação ao tempo decorrido entre a chegada dos autos a juízo e a audi­ência, na grande maioria dos casos (68%), o prazo foi de 3 a 10 dias. Nova­mente aqui não se seguiu a lei que determina ao juiz designar a audiência de apresentação para as 48 horas seguintes à comunicação do fato.

O laudo de exame da substância apreendida foi enviado a juízo, em 40,2,% dos processos de 21 a 30 dias após a prisão e, em 44,9% dos casos, foi enviado de 8 a 20 dias após a denúncia. Como os outros prazos não têm sido observados, a demora no envio do laudo parece não afetar muito o encaminhamento do processo.

O tempo decorrido entre a denúncia e a sentença - término do processo - foi, em 45% dos casos julgados, de no mínimo 31 dias e no máximo 3 meses. Em 33,70/0 dos processos este prazo foi superior a 3 meses. E, ainda, 12,5% demoraram mais de 6 meses.

Por outro lado, chama-nos a atenção, tendo em vista que o prazo máximo previsto para a lei para o término do processo é de 20 dias, o fato ,de que 18,3% dos processos não foram ainda julgados, apesar da decorrência de mais de um ano desde a prisão em flagrante.

Com. ''referência aos prazos processuais fixados pela legislação verificá-se segundo estes resultados, que nem de longe os prazos ~stipulado~ legahnent; estão sendo observados. É importante que se analise as causas dessa morosidade se é o entrave burocrático, o acúmulo de processos ou outros fatores para qU; não ocorra o mesmo problema na nova lei. No fundo, o réu é quem sofre no seu direito à liberdade.

A PERPLEXIDADE DO JUIZ

As incongruências da lei vigente quanto aos vioiad018 são manifestas e têm conduzido os juízes à perplexidade. Segund'O a lei, os viciados que praticarem o crime "ficarão sujeitos às medidas de recuperação estabelecidas por esta lei" (art. 9.0 ).

A única medida de recuperação de que trata a lei é o tratamento médico­hospitalar, com internação obrigatória.

Nos artigos 10 e 11 refere-se a lei aos viciados inilmputáveis ou semi-impu­táveis, que só excepcionalmente aparecem. Em razão do vício só perdem ou têm oonsideravelmentediminuída a capacidade de autogoverno (nunca a capacidade de entendimento do caráter ilícito do fato), os viciados em drogas que provocam dependência física (opiáceos e os produtos sintéticos a eles equivalentes) . Não é jamais Q caso da 'rrH1,oornha.

No caso de inimputabilidade a lei ordena a internação em estabelecimento hospitalar, medida que pode vencer a dependência física, mas que comumente agrava o estado psíquico do agente.

O tratamento recomendável é o ambulatório, não afastando o viciado de sua família e de seu contetxo de vida, de onde surgem os problemas que conduzem ao vício. É a experiência registrada, por vários estudiosos. Se se trata de semi­imputável maior de 21 anos, o juiz pode atenuar a pena ou substituí~la por inter­nação em estabelecimento hospitalar.

Se se trata de semi-imputável viciado, maior de 18 e menor de 2.1 anos, é obrigatória a substituição da pena pela medida de segurança (art. 11, § 2.0 ).

'T:odavia, se o menor de 18 a 21 anos, viciado for imputável (o que, tratando-se de maconha, ocorre, sem a menor dúvida, na totalidade dos casos), a internação em estabelecimento hospitalar para fins curativos é facultativa (art. 12).

Não há prescriÇjÕes especiais para os viciados maiores imputáveis, que são todos os usuários de maconha, afora a regra genérica do art. 9.0 , segundo a qual todos os viciados devem ser submetidos a medidas de recuperação.

Nosso objetivo era saber como os juízes estão aplicando esses textos, parti­cularmente se se tem presente que rW,o existe hospital para tratamento de vicia­dos. O:s grandes centros para tratamento de viciados não são necessariamente hospitais. O Manicômio Judiciário (só para homens) não recebe viciados, a menos que se trate de psicopatas.

Queríamos veriicar se os juízes estão absolvendo os usuários de maconha supostamente viciados imputáveis, ordenando a sua internação em estabeleci­mento hospitalar, pois esta não é a orientação da lei.

Os dados obtidos por esta pesquisa revelaram que a maioria das sentenças são absolutórias (570/0). Trata-se de alta percentagem principalmente se levar-

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mos em conta que 96,2% dos casos eram de flagrante delito, e que 92,4% dos processos referiam-se a réus imputáveis (maconha).

O fundamento da absolvição foi, em geral, a insuficiência da prova (62,5%). Dada a predominância de prisões em flagrante, a decisão pode estar relacionada com o fato de que as testemunhas de acusação foram, em geral, exclusivamente policiais e que boa percentagem dos réus em juizo nega o delito. Por outro lado, dada a frequência de absolviçãO, parece-nos que os juizes estão cedendo diante de certa realidade social, isto é, grande parte dos processos são contra infratores primários menores (ou jovens), presos com pequena quantidade de maconha, cujo encarceramento é altamente indesejável e injustificável. Como geralmente acontece, as penas severas, que repugnam a consciência dos julgadores, conduzem à absolvição "por ausência de provas". Equivoca-se lamentavelmente o legislador se confia no efeito preventivo das penas severas.

Nos processos em que as sentenças foram condenatórias, a pena minima (um ano de reclusão e 50 salários-mínimos) foi imposta a 64% dos condenados. Se correlacionarmos este dado Com o grande número de absolvições, podemos concluir que os juizes têm mpstrado benevolência em oposição à grande severi­dade da lei. E'm apenas 16,2% das condenações, a pena decretada foi de 1 ano e 1 dia a 2 anos (e até 100 salários-mínimos). Houve 10,8% de casos de conversão da pena em internamento.

O número relativamente pequeno de casos em que o juiz de fato converteu a pena em internamento foi suficiente para que pudéssemos comprovar a comple­ta desorientação dos juizes e a ausência de critérios. Na maior parte dos casos o juiz admite que o réu é "viciado" em maconha simplesmente à vista de suas próprias declarações e da reduzida quantidade da droga. Algumas vezes aceitam­se atestados de médicos particulares. Raras vezes determina-se exame médico­legal.

A decisão no sentido de que o réu é "viciado" em maconha é geralmente uma solução de conveniência para buscar um resultado penal menos gravoso.

Rarissimamente o réu será mesmo viciado, ou seja, apresentará dependência psíquica, tratando-se de maconha. São numerosos os estudos que o demonstram. As dificuldades Com que se defronta o perito para declarar esse tipo de depen­dência, por outro lado, são insuperáveis. Declarando o réu "viciado" (para, em seguida, declará-lo "curado"), o perito participa de uma farsa. No V Congresso -da ONU, no ano passado, em Genebra, assinalou-se os resultados pouco anima­dores o,btidos com o tratamento de viciados em drogas em geral.

Reconhecendo o réu "viciado", o juiz nunca indaga (como seria indispen': sável) de sua imputabilidade, desprezando a solução legal, que, por seu turno. opera fora da realidade.

Afirmando que o réu é "viciado", o magistrado transfere para o juiz das execuções o problema do cumprimento da medida de segurança. Se não há esta­belecimento para execução de medida de segurança detentiva, a regra é a conces­são da liberdade vigiada.

O j~iz das execuções se vê, em conseqüência, diante de situação difícil. Alguns lIbertam realmente o "viciado"; Outros admitem sua internação em esta­belecimentos particulares, que declaram, com a rapidez possível e (conwrcial­mente) conveniente a sua "recuperação".

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Toda essa encenação a que conduz a lei vigente é cOIl:sequência de sua seve­ridade em relação aos jovens surpreendidos com pequenas quantidades demaco­nha. Toda essa corrupção da lei vigente constitui penosa lição que o legislador não poderá desprezar.

No Congresso da ONU também se observou que nem sempre é fácil distin­guir os traficantes dos que usam drogas abusivamente.

Os resultados mostraram que 60% das pessoas cujo período de detenção. esteve entre 26 dias e 3 meses foram absolvidas. Entre aqueles que ficaram detidos por mais de 3 meses, 38,50/0 foram absolvidos. Tiveram sentenças abso­lutórias 28,6% das pessoas que aguardaram o julgamento presas por mais de 6' meses. É possível que muitas absolvições "por falta de provas" decorram do­fato de considerar o juiz que a prisão provisória constitui castigo bastante. Lembramos ainda que quase 20% dos processos estão na justiça há mais de um ano sem terem sido julgados.

Observamos assim que, mais frequentemente do que se poderia supor, o réu< processado e detido por consumo ou venda de drogas é absolvido. Se pesarmos os custos e benefícios da prisão provisória (ônus com a manutenção do preso,. sobrecarga do sistema judiciário e penitenciário, estigma social que sofre o preso, efeitos negativos do encarceramento, etc.), veremos que, sem a menor dúvida, Os\ custos são enormes e os benefícios praticamente nulos. Aliás, o alto custo social da estigmatização de uma pessoa como criminosa é bastante conhecido.

Analisando os aspectos citados, fundamentando-nos nos dados obtidos pela. pesquisa, e com base na tendência à descriminalização da maconha para fins de uso pessoal, acreditamos não ser conveniente a inafiançabilidade deste crime, nos casos de uso e posse de maconha.

PERFIL DO RÉU PROCESSADO POR ABUSO DE DROGAS

O perfil simplificado que apresentamos é apenas representativo do usuário, de drogas, processado pelo sistema de justiça criminal no Rio de Janeiro. Nada indica que ele corresponda necessariamente às caractrísticas gerais da populaçãO' constituída pelos consumidores de drogas em nosso país. Aliás, por ser um com­portamento desviante aceito em determinados grupos sociais (principalmente no­caso de maconha), não sofrendo, neste caso, sanções, a zona negra desse tipo de­criminalidade é enorme.

O indivíduo processado por prime de porte, uso ou tráfico de drogas é, geral­mente, do sexo masculino, situa-se na faixa etária de 18 a 2:1 anos, solteiro, de­cor branca, declara-se católico, e seu nível de instrução limita-se ao gráu primário. lil natural do Estado do Rio de Janeiro e reside nos subúrbios do "Grande Rio". É:

operário, sem antecedentes criminais e pratica o delito sozinho.

CARACT'E'RíST'ICAS GERAIS DO PROCESSO

O processo por crime de porte ,uso ou tráfico de drogas inicia-se com a prisão­em flagrante, e se refere a maconha, sendo a quantidade pequena. As testemunhos são policiais e a defesa é realizada por defensor público. O juiz concede relaxa­mento da prisão quando se verifica excesso de prazo, e o preíodo de prisão pro-

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visória varia de 1 a 3 meses. Os réus são. geralmente abso.lvido.s po.r pro.va insuficiente, e quando. co.ndenado.s recebem a pena mínima.

CONCLUSÃO

Algumas co.nclusões po.dem ser estabelecidas, so.bre o. abuso. de dro.gas no. Brasil, co.m base no.s resultado.s óbtido.s pela pesquisa realizada.

Ainda não. existe em no.sso. país pro.blema grave, no. que diz respeito ao. co.nsumo. de dro.gas. Afirmamos que não. é grave po.rque, co.nfo.rme fico.u de­mo.nstrado., a quase to.talidade do.s pro.cesso.s se refere ao. uso. de maco.nha, dro.ga de maio.r co.nsumo. entre o.s utilizado.res de substâncias psico.ativas.

Os dado.s mo.straram que as quantidades co.nsumidas são. pequenas e que o. fenômeno., co.mo. em o.utro.s países, está ligado. à pro.blemática do. jo.vem co.ntem­llo.râneo. que, inclusive, co.m o. tempo., po.derá dim~nuir e estacio.nar a níveis

to.leráveis. Co.m relação. ao.s efeito.s da maco.nha não. existe nenhuma evidência co.nclusiva

quanto. a dano. físico., distúrbio.s fisio.lógico.s o.u mesmo. caso.s fatais que po.ssam ser atribuído.s a altas do.ses dessa substâncias. Do.ses pequenas o.u mo.deradas de maco.nha pro.duzem transfo.rmaçpes mínimas nas funções no.rmais do. co.rpo.. Nas do.ses geralmente co.nsumidas, o. teo.r tóxico. da maco.nha parece ser irrelevante.

O uso. da maco.nha po.r sí só não. co.nduz necessariamente à utilização. de outras dro.gas. O fato.r de grande influência na atitude do. indivíduo. em relação. ao. co.nsumo. de o.utro.s tóxico.s é o. grupo. so.cial que freqüenta e po.ssui co.mo. referência.

Os caso.s de uso. de o.utras substâncias são. relativamente po.UCo.s. Não. se pretende negar a existência do. co.nsumo.de o.utras dro.gas em alguns grupo.s so.ciais. Mas, a no.sso. ver, o. pro.blema se restringe a certo.s grupo.s relacio.nado.s co.m determinado. co.ntexto. sócio.-cultural e não. alcança níveis alarmantes, co.mo. em o.utro.s países o.cidentais. Não. no.s co.nvém impo.rtar pro.blemas o.u fórmulas legais que não. co.rrespo.ndam à no.ssa realidade nacio.nal. Parece-no.s que também não. é o. caso. de impo.rtar so.luções.

Evidentemente são. necessárias medidas preventivas de mo.do. a co.nter o. pro.blema e não. permitir sua evo.lução. (se esta fo.r a tendência). Pensamo.s, no. entanto., que a o.rientação. de po.lítica criminal da legislação. em vigo.r é inteira­mente despro.po.sitada quanto. à sua severidade ao. dano. individual e so.cial causado. pelo. uso. da maco.nha, co.nduzindo. a graves desto.rções o. mecanismo. po.licial-judi­ciário..

Pro.pusemo.-no.s tmbém examinar nesta pesquisa co.mo. está o.perando. a lei vigente em no.sso. país, para saber se a vo.ntade do. legisla·do.r, expressa - na lei, vem sendo. o.bedecida. Tratava-se de verificar se o.s aplicado.res da lei (o.s juízes principalmente) estão. o.bservando. a o.rientação. de po.lítica criminal que co.rres­po.nde à legislação. atual.

A impo.rtância quanto. a saber se existe co.rrespo.ndência entre a lei e sua implementação. é primo.rdial, visto. que no.va legislação. está sendo. elabo.rada. Os legislado.res deverão. estar atento.s para o. tipo. de pro.blemas e so.luções legais ado.tadas no. que refere ao. crime de que se trata. De nada vale criar no.va lei

para co.ntinuar a não. ser devidamente aplicada, po.r estar fo.ra da realidade so.cial e judiciária.

Esta é uma das co.nclusões do. nosso. trabalho.. De modo. geral, a lei não. se cumpre. Duas atitudes parecem caracterizar o. Po.der Judiciário. diante das no.r­mas em vigo.r: a benevo.lência e a inco.nsistência.

A atitude co.ndescendente e to.lerante co.m relação. ao. infrato.r aparece clara­mente em certas variáveis analisadas. Po.r exemplo., a benevo.lência transparece no. número. elevado. de relaxamentos da prisã.o., co.ntrariando. dispo.sição. legal expressa. A grande maio.ria de sentenças abso.lutórias no. caso. do. réu imputável mo.stra que o.s juízes tendem a usar o. po.der discricio.nário. que possuem, em evi­dente disco.rdância da po.lítica criminal que a o.rientação. legislativa expressa. Ro.s co.ndenado.s é geralmente impo.sta a pena mínima.

No. dever de julgar um infrato.r jo.vem, primário., preso. co.m pequena quanti­dade de maco.nha, e tendo. em vista o. significado. do. encarceramento., medida legal prevista, o. juiz procura abrandar a lei. É bastante significativo. o. fato. de que o. argumento. predo.minante nas abso.lvições é o. da pro.va insuficiente. Este funda­mento., de fácil manipulação. técnico-Iegal nesses pro.cesso.s, permite abso.lver. O juiz tende a aceitar qualquer pro.va razo.ável que a defesa o.fl reça, para não. pre­judicar o. futuro. do. jo.vem com o. estigma gravíssimo. da pena criminal, e po.rque leva-lo à prisão. seria realmente co.nco.rrer para sua marginalização..

Po.r o.utro. lado., no.tamo.s certa ambiguidade o.u inco.ngruência na atuação. do.s juízes co.m relação. a esse tipo. de pro.cesso. .

. A ambiguidade e a inco.nsistência po.r parte do. julgado.r, o.bserva-se princi­palmente quando. analisámo.s variáveis que interferiam na decisão. judicial, tais co.mo. a idade do. réu, a reincidência e a quantidade da substância apreendida. Quando. se trata de réus que se co.nfessam viciado.s, é rigo.ro.samente impo.ssível saber co.mo. o. juiz vai decidir. A questão. do. SUPo.sto. tratamento. de "viciado.s" em maco.nha co.nduz o. juiz à perplexidade.

Diante da severidade e irrealidade da lei, aquele que julga tende a utilizar o poder discricio.nário. que po.ssui, em so.luções que se apartam da lei. Se o. juiz percebe a impo.ssibilidade de o.bedecer a várias das dispo.sições legais, perde muitos do.s parâmetro.s que usualmente tem po.r referência para julgar de mo.do. mais técnico. e fo.rmal o. pro.cesso.. Não. po.dendo. o.bservar o.s critério.s legais, cria critério.s próprio.s de decisão.. Os parâmetro.s passam assim a ser pesso.ais, subje­tivo.s, valo.rativo.s quase que de maneira abso.luta. O julgamento. é feito. de fo.rma individualizada de aco.rdo. co.m o.s caso.s concreto.s de cada réu. Po.r isto também varia tanto. a interferência de cada variável, sendo. difícil medir independente­mente o. peso. de cada uma no. julgamento. dos pro.cesso.s po.r tóxico.s. Sabe-se que há juízes que relaxam a prisão. e juízes que não. a relaxam; juízes que tendem a abso.lver e juízes que tendem a co.ndenar.

Além disso., a criminalidade do. uso. pesso.al de dro.gas suscita ho.je em dia grande co.ntro.vérsia. Influenciado. po.r o.piniões abalizadas, pela tendência à des­criminalização. da po.sse/uso. de maconha, o. juiz sente-se incapaz de atitudes categóricas e definitivas.

A lei está divo.rciada da realidade e não. co.rrespo.nde ao. desvalo.r so.cial do. fato.. Abando.nando. a lei, o.s juízes perdem a base firme que go.verna a atividade jurisdicio.nal, intro.duzindo.-se a incerteza e a insegurança do. direito..

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Page 39: REVISTA DE Rua Paulino Fernandes, n.o Botafogo - Rio de ...

RECOMENDAÇÕES

C4)m vistas à elaboração da nova lei, apresentamos as recomendações que se

seguem: a) O usuário da droga (viciado ou não) não pode ser confundido- com o

traficante. A lei deve distingu}r, para diverso tratamento, o caso de posse de pequenas quantidades para uso próprio e o uso, do tráfico. " .

b) O uso e a posse de pequenas quantidades para uso propno (seja, ou não, o réu viciado) não deve ser punível. Caso se entenda que o fato deve ser incriminado, por motivos de Política Criminal, a pena p~ra. e~s~s casos deve ser leve (ex.: detenção até um ano), permitindo-se o perdao JudlcIal.

c) Para o traficante, a pena deve ser de reclusão, de 2 a. 5 anos, e paga-

t d t ' 360 dias-multa. Não se deve cominar pena excesSlvamente severa,. men o e a e . . , f' . t _ que termina por favorecer o réu, pois não é aplicada pel~ J~IZ .. O tra ICO m e1:-nacional deve constituir circunstância agravante. Quem dlstrIbUI pequenas quan­tidades entre amigos, sem lucro ou com lucro inexpressivo, não é traficante. A escala penal proposta permitirá considerar a -diversa gravidade que apresentaml o tráfico de drogas pesadas (heroina, morfina, cocaína, LSD, etc.) e o de ma­conha cuja nocividade é comparável (se não inferior) à do álcool.

ci> O viciado inimputável deve ser submetido a medida de segurança obri­gatória, consistente em tratamento médico, com ou sem internação, a critério dOI

juiz. e) O viciado semi-imputável deve ser submetido a meida de segurança~

com ou sem internação. Poderá o juiz, determinando a medida de segu.rança r

abster-se de aplicar qualquer pena (se o fato for punível). Em caso de aplIcar-se-pena, deve ela ser atenuada. .

f) O viciado imputável deve ser submetido a medida de segurança obrIga-tória, com ou sem internamento, a critério do juiz, além da pena (se o fato for

punível). g) O traficante-viciado em drogas que provocam dependência física deve

ser tratado como viciado. h) O traficante-viciado em maconha deve ser tratado como trafi:ante .. i) Nenhum rito especial deve ser estabelecido para o processo. Nao eXiste

estrutura judiciária para um rito sumário especial ou sumaríssimo, que pre­judica inutilmente a defesa, e não se cumpre. Nos crimes inafiançáveis, o pro­cedimento vigente é bastante severo.

j) Deve ser mantida a abolição do recurso de ofício (que constitui aberra­ção jurídica) nas sentenças absolutórias e arquivamento de processos.

A pesquisa será proximamente publicada em livro.

VI CONFERftNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGA!DOS DO BRASIL

Durante a VI Conferência Nacional dos Advogados, realizada de 17 a 23 de outubro de 1976, em Salvador, foram examinados e discut!dos, por ~ai~ .de 3.000 convencionais, temas da maior relevância, nas áreas de mteresse cIentífIcO

de RDP.

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A natureza da profissão do advogado, voltada para o aprimoramento da lOrdem jurídica, faz com que seus anseios sejam de grande significado para a <comunidade, e o papel do Advogado na sociedade, coloc'ando-se como represen­'tante do cidadão que reclama direitos, é sempre impulsionado de reivindicações .das liberdades democráticas. A limitação destas liberdades e a ausência do es­tado de direito atormentam diretamente a profissão. A preocupação dos advoga­.dos com tais temas não são meros posicionamentos políticos, mas uma defesa .da própria essência do exercício profissional.

Assim, não poderia ser diverso o fato de que os advogados reunidos em con­ferência canalizassem todas as suas expectativas para a discussão de aspecto primordial do momento nacional, ou seja, a revogação de todos os atos de <6xceção e a vigência plena da Constituição.

O grande número de teses apresentadas teve como denomina,dor comum o .debate de direitos civis, aliás sempre o maior tema destas reuniões.

Na abrtura da conferência, no Teatro Castro Alves, sem a presença do Go­vernador do Estado, o Presidente da ORDE'M DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Professor CAIO MÁRro DA SILVA PEREIRA, proferiu um vigoroso discurso estabe­lecendo a posição dos Advogados em relação à realidade nacional. O discurso do Presidente foi o momento alto da Conferência, o qual deixou inequívoco ser o estado de direito a meta primordial da classe, pois -fora dele a advocacia não encontra o seu campo natural, onde os conflitos sociais são resolvidos perante normas constitucionais invioláveis, independência da magistratura e seguraça do profissional para o exercício de seu "11tUnUS" público. Também a subordinação da O.A.B. à entidade governamental preocupa os advogados, e, era de se esperar, .a Conferência traduziu tal inquietação, com a concentração, em diversas teses, de temas em torno do reclamo da independência do advogado.

A configuração de profissão liberal independente e desvinculada de qualquer possibilidade de cerceamentó institucional exige do advogado uma permanente vigília para a sua liberdade de trabalho.

Encontrando-se o advogado, no presente momento, ameaçado em sua própria .capacidade de insurgir-se contra o Estado, na defesa individual de seus clientes .a Conferência declarou o seu repúdio ao esvaziamento dessa missão social.

A tese do Professor J. J. CALMON DOS PASSOS está inserida nesta perspecti­va, e é, sem qualquer dúvida, um trabalho magnífico, onde o ilustre mestre en­tendeu que o tema Advocacia - o direito de recorrer à Justiça - "apresenta-se como desdobramento de um outro mais abrangente: independência e autonomia da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL".

'Discorrendo sobre a existência do direito como fruto da convivência humana, demonstrou o lúcido jurista a dinâmica em que o grupo politicamente organizado, após o período histórico da defesa privada, institucionalizou nas mãos do Estado o poder coercitivo normaliza dor. Com esta delegação nasceu o poder do indi­víduo de exigir instrumentos eficazes para opor-se contra o próprio Estado.

O acesso aos Tribunais jurisdicionais através do processo legal é garantia constitucional no nosso ordenamento jurídico, e nesse direito fundamental as­senta a razão de ser do advogado e o seu direito fundamental de requerer em juízo.

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. A tese, escrita numa pujança e força raras em nossa literatura jurídica, abordou e expressou todo o espírito da Conferência, afirmando: "Cercear o advogado é cercear o cidadão. Limitar as prerrogativas do advogado é lim~tar as prerrogativas do cidadão. Constrangê-lo é constranger aquele. Nada é maIS gra­tificante para o advogado que perceber esta solidariedad: ineliminável e~tr: ~eus status profissional e o do indivíduo na sociedadepolítlca. Quando o Individuo se aniquila e desce à condição de servo ou de súdito, também os juristas, e pre­ponderante:nente os advogados, se colocam na escala dos dispensáveis. Para a servidão bastam o beleguim e o verdugo, togados ou não.

Quando porém o indivíduo se faz cidadão, quando sua dignidade pessoal é reconhecida em face dos que empolgaram o poder político e os instrumentos eficazes de coerção social, quando o indivíduo é preservado em sua condição humana de ser racional e livre, também o jurista, e principahnente o advogado, se faz a voz eloquente do direito desse cidadão. Porque onde há cidadãos há juízes e onde juízes existem os advogados se fazem imprescindíveis.

Essa nota tão peculiar da profissão do advogado impõe, como conseqüência inalienável, a da independência de seu órgão de classe, do órgão em que os pro­fissionais do patrocínio jurídico se arregimentam para se auto disciplinarem, mas por igual se autopreservam, como garantia do papel que lhes cumpre d'es'empe­nhar na sociedade"..

A consagrada cultura do digno professor colocou na devida proporção a importância do advogado no rgime democrático.

É interessante ressaltar que todas as reivindicações dos advogados nunca espelham uma busca ·de melhoria imedata para a class'e, como a primeira vista pode parecer. No inc'Cssante e eterno choque dos direitos individuais com a onipotência estatal proliferam quase todos os conceitos da arganicidade social. A Constituição e toda a legislação são produtos deste permanente movimento que através dos tempos tem oscilado dos Estadas fascistas aos mais liberais.

A Advacacia é em todos os casas a exercício da demacracia. O Professar Calmon dos Passos entusiasmou a Canferência com um verda­

deiro proclamo demacrático onde dentre outras afirmações de significado cívico, também enfatizau:

"No momento em que a advogado, mesmo indiretamente, seja alguém pas­sível de disciplina e punição, em termos profissianais, por iniciativa de membras do Governo, deixará ele ·de ser advogada, para ser mero agente adminIstrativo da onipotência estatal, mascarada sob a aparência de uma legalidade meramente formal, que é o modo prastituído de formular o direita.

"No momento em que a ORDEiM DOS ADVOGADOS for atingida em sua independência e submetida ao controle e à vinculaçãa de um órgão do Executivo, ela deixará de ser um colégio de advogadas para se tornar colegiado adminis­trativo, mero executor das decisões governamentais.

"Independência dos juízes e independência dos advagados são duas sólidas rochas sobre as quais se pode construir, com segurança, a liberdade dos indi­vid'uos.

"Sem tribunais e sem advogadós, não há homens livres. E não há tribunais onde os juízes são carras'cos, nem advogados onde o acesso aos tribunais, em candições de segurança e de igualdade, não é assegurado aos cidadãos".

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A classe dos advogados e a democracia brasileira fica devendo aa Professar Calman dos Passos mais esta distinta contribuição, espelho de sua enorme cul~ tura, edificada numa forIllação filosófica e jurídica vasta, que estimula as gerações mais novas ao estudo do direito.

Em 19'74, na cidade do Rio de Janeiro, a V Canferência, abordando o tema central Direitas Humanos, pôde refletir a preocupação das advogados com a estrutura social do país, e a maioria das teses se deteve nesta perspectiva.

. Em. Salvadar, tal episódio não se repetiu, talvez pela necessidade perma­nente de resguardar a profissão do advogado, ameaçada de subordinação ao Ministério do Trabalho, obrigando as canferencistas a deixarem para um segundo plano debates sobre outros aspectos nacionais, camo seria o desnivelamenta das camadas populacionais, com a inevitável defasagem na administração da Justiça.

Não .obstante a preocupação maiar da Conferência em subardinar o exercí~ cio pleno da advocacia ao estado .de direito, a tese do Prof. Heleno Cláudio Fragoso - Advocacia: Igualdade de Desigualdade da Administraçãa da Justiça - tratou de outros aspectos, como a incapacidade de administraçãada justiça a todas as classes sociais.

Historiando de forma abjetiva e brilhante as discriminações saciais de tadas as legislações, desde o direito antigo até nassos dias, pode o Prafessor Heleno Fragoso reunir uma argumentação histórico-social que desmistifica a idéia da igualdade de todos perante a lei.

Detendo-se na filosofia do século no iluminismo, concluiu pela impossibilida­de do contrato proporcionar uma igualdade humana: É fácil, porém, compreender que o princípio da autonomia da vontade é puramente ilusório se o .contrato se celebra entre o forte e o fraco. O contrato se transforma virtualmente num sistema de poder tornando-se a expressão da lei do mais forte".

Através de um estudo da evolução das legi~lações sobre o trabalho a tese impressiona pela segura demonstração do uso do direito de reprimir ~ualquer rebeldia . co~tra as desumanas formas de trabalho que marcaram o século pas~ sado, prinCipalmente na Inglaterra, quando do início da revolução industrial.

No histórico da greve pacífica, nas legislações está sempre presente a idéia de crime.

. NO' nosso direito, com exceções raras, de curtos prazos, a greve pacífica tem SIdo vista como crime, culmianando com a recente Lei n.o 4.330, de 1964, que a pune severamente, mesmo quando tenha por objeto reivindicações legítimas, desde que sejam desobedecidos os prazos que prescreve (art. 2.9, I).

Como disse o Professor HELENO FRAGOSO: "A lenta, perigosa e, por vezes sangrenta, evolução do dirito de greve, que está longe de ter-se completado ilustra bem os esforços dos trabalhadores para vencer a desigualdade em qu~ se situam na economia liberal, em face dos patrões. A greve é admitida porque h~ c.onsciência universal de tal desigualdade, e as medidas repressivas, no plano CrImInal, mesmo nas hipóteses de violência, são raramente aplicadas".

Em matér~a criminal, a administração da justiça "constitui o aspecto mais dramático da desigualdade da justiça, sendo aqui puramente formal e totalmente ilusório o princípio da igualdade perante a lei".

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A tese combate, com muita propriedade, a idéia generalizada de que a 1Pobreza é fator criminógeno e "é importante ter presente que a criminalidade mão é atributo das pessoas que fazem parte de grupos marginalizados ou que como tal são considerados. A identificação do criminoso com o marginal decorre do :fato de atingir a justiça sobretudo os pobres e desfavorecidos, que enchem as prispes e que constituem a clientela do sistema. Eaes constituem apenas a crimi­malidade aparente, incomparavelmente menor do que a criminalidade oculta, em .conjunto com a conhecida, mas não denunciada, e com a denunciada, mas não objeto de perseguição."

Citando o instituto da vadiagem como preceito inconstitucional, o trabalho adverte que "somente os pobres são presos por vadiagem, contravenção que não pode ser praticada pelos ricos ... vagabundo rico, pode; vagabundo, pobre, não pode".

Oportuno observar ter sido o institutoto da vadiagem "inventado" na Ingla­terra, por ocasião da revolução industrial como forma de conseguir canalizar mão-de-obra para as fábricas, Hoje persiste a vadiagem, porém contra aqueles que, como excedentes de moo..de-obra, não conseguem ingressar nas fábricas.

Raramente uma tese em conferência de advogados foi aprovada com tanta identificação de espírito dos presentes, certamente porque as idéias expostas pre­encheram e satisfizeram as expectativas dos que profissionalmente se dedicam fi! se expõem à luta diária de clamar por igualdade e justiça.

Uma .das teses mais polémicas foi a do advogado SERRANO NEVES, intitulada "IMUNIDADES PROFISSIONAIS E DE:FESA DE' DIREITOS".

Circunscrevendo a atividadedo advogado no processo como representante de interesses alheios e analizando todos os aspectos jurídicos da questão da imunidade profissional do advogado, o advogado SERRANO NEVES, mestre da matéria, trouxe importante contribuição à Conferência.

Advogou ele a mais absoluta exigência de liberdade de ação do advogado e .concluiu sua exposição com o ressalte dos seguintes aspectos:

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I (a) - Imunidade penal é causa de exclusão de crime e não de isenção de pena.

(b) - O adjetivo "punível", de que tem feito uso, através dos' tempos, o legislador brasileiro, ao tratar da imunidade, deve ser ex­cluído do texto, por impertinente.

II - As palavras e expressões "JUíZO", "NA DISCUSSÃO DA CAUSA", "CAUSA" e "PARTE" não figuram na lei no seu sentido estrito, mas, coerente e necessariamente, no seu sentido lato, já humana e extensivamente marcado pela doutrina.

III - Qualquer pessoa, ainda que estranha ao litígio, desde que com este guarde alguma relação, pode ser alvo de ofensas por utili­tas causae, até mesmo o próprio Juiz, notadamente em tema d~ exceção de suspeição.

lIV (a) - Segredo profissional é matéria de ordem-pública, que constitui dever-direito, pelo que, mesmo liberado pelo cliente, não deve sobre ele depo!l" o advogado.

(b) - Só a justa causa (estados de necessidade) pode liberar o segre­do do advogado.

(c) - Não deve o advogado iniciar o depoimento, para, a partir de determinada pergunta, passar a recusá-lo, pois, assim marcando a área de reserva, já estaria começando a revelar o p!l"oibido.

(d) - A busca, quando admissível, só deverá ser levada a efeito na presença do presidente ou Subseção da Ordem, ou de seu re­presentante legal.

V - As multas previstas nas codificações processuais constituem in-disfarçáveis penas disciplinares, e só poderão ser aplicadas pelos órgãos dtisciplinadores da classe.

VI (a) - Palavras e alusões, encontráveis em escritos forenses, em sede de ofensas entre partes, (art. 121 do Estatuto) não poderão ser canceladas, se protegidas pelo instituto da imunidade, pois, se o fosse, tal ato importaria violação do princípio constitu­cional da ampla defesa.

(b) - O Juiz da causa (art. 121, § 1.0 ) e os membros dos tribunais não podiem cancelar ofensas a eles dirigidas, mas, sim, na pri­meira hipótese, a instância superior, e, na segunda, o corpo coletivo.

VII (a) - Defesa de Direitos é matéria componente da própria definição de advocacia, pelo que seu exercicio é lícito em todas as horas e por todos os meios legais, ainda que não vinculado a patro­cínio de partes.

(b) - Cabe aos advogados, em suas horas feridas, o exercício da de­fesa de direitos, ainda que estes não estejam ameaçados.

VIII - A autodefesa, na jurisdição criminal, deve ser evitada, pois co-loca o advogado em situações incompatíveis com a respeitabi­lidadedte seu ministério; sacrifica o principio da hierarquia equivalente; e deixa em posições desnecessariamente embara­çosas a Ordem dos Advogado,s, quanto ao cumprimento do in­declinável dever de defesa dos direitos, das prerrogativas e das imunidades da profissão.

Não obstante a amplitude e o vigor das idéias defendidas, a tese tornou-se objeto do mais acirrado debate na Conferência, quando o Conselheiro da OAB/RJ, Prof. TÉCIO LINS E SILVA, insurgiu-se contra a exclusão da calúnia como imu­nidade profissional garantida em lei, muito embora reconhecesse e aplaudisse a tese,dtestacando a importância de que as ocorrências de fundo ético devam ser submetidas ao julgamento privativo do órgão da c131sse.

Quanto à defesa da inclusão da calúnia como imunidade judiciária, citemos o advogado 'T'ÉOIOLINS E SILVA, para que não se quebre a argumentação de tellUl tão' importante, . que diretamente nos importa:

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"A imunidade judiciária consagra a exclusão do crime de injúria e' ;difa"­mação, quando a ofensa for irrogada em Juízo, etc .. Excluída está a calúnia. afirmando o ilustre Relator que isto sucede "em fac\) do maior teor de repro­vabilidade desse crime, quer por ser ele alarmantemente incompatível com a delicadez e com a credibilidade da advocacia."

"Não perdeu tem;po em, aprofundar a matéria, .tratando-a como regra já consagrada.

"Todavia, o debate é da essência do advogado e, por isso mesmo, já que foi o único ponto da tese que, data venia, permite debate, assim o faço para traçar uma lillha sistemática de, ·discussão.

"Na indicação que o signatário teve a honra de submeter ao Conselho na Sessão de 27.08.75, fo-iaprovado, ainda que por maioria, a sugeJ'!tão para que fosse incluída a calúnia dentre aquelas imunidades do vigente art. 142 do Código Penal (art. 148 do Código Penal de 1969).

"A oportunidadle da discussão da matéria ao nível de Conferência Nacional. justifica voltar o tema nesta apreciação que me foi determinado fazer.'

"Já no Direito Romano a imunidade judiciária era acolhida - CODEX II, 6, 6 § 1.0 - passando ao direito intermédio e chegando aos nossos dias como uma salutar imunidade penal por presunção juris eh ,de jure de ausência de dblo, atendendo a motivos de ordem política, como reclamo da necessidade de amplitude da defesa de direitos em juízo.

"Para a proteção de valores que o próprio Direito reconhece, a lei deve consagrar tais motivos não de forma tímida e limitativa, com o que a defesa estaria cerceada pelo temo:!! no agente de incidir, na ,prática de um <)ri1lle.. Não obstante pareça alargarem-se as causas de exclusão da ilicitude já, previstas na Parte Geral como a legítima ·defesa e o estado de necessidade, aqui, o que sempre houve e o que se quer manter, é uma especialização daquelas causas para a salvaguarda de interes'ses legítimos tutelados pela própria lei, como o sagrado e constitucional direito à ampla defesa.

"A matéria está consagrada em todos os importantes Códigos penaJs do mundo e todos os autores, naCionais e estrangeiros, observam a necessidade da imunidade judiciária. Não há novidade nisto.

"Aliás, já há mais de 30 anos passados, em 10.02.1944, o próprio Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, então Seção do, Distrito Federal, quando se procurava compreender o alcance do recente e revolucionário Código Penal de 1940, discutia o mesmo tema. Nesta ocasião, por unanimidade de votos en­tendeu o Conselho que a imunidade abrangia até mesmo as duras e ofensivas expressões dirigidas aos Juízes. Tal decisão mereceu, à época, acendra:do artigo de NELSI()N HUiNGRIA publicado na Revista de Direito, VoI. 148, 1944.

"Vê-se, pois, que a O.A.B. sempre se portou em defesa das prerrogativas da ampla defesa. E: uma vez mais, quando o tema surge retocado, justifica-se a sua mobilização para efetivamente contribuir para o aperfeiçoamento das institui­ções jurídicas.

"Pelas ra7'jíes expostas, entendendo justificado que o direito de defesa, sob o ponto de vista constitucional, deve ser assegurado em sua amplitude ilimitada, parece-nos' que a redação primitiva do Có~igo Penal vigente (de 1940) é ,~ que

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mais se aproxima' da forma ideal. Demonstra, ainda, a experiência de sua trin-; tenária existência, que nenhum argumento pode justificar a ausência da calúnia'" dentre as hipóteses de exclusão de crime. A ofensa de uma maneira geral, pro~ ;" ferida no ardor natural da defesa e acusação, pode nascer da veemência com que se argumenta, surgindo alusão à honra de outrem. Não há porque a limita­ção, por tudo o que já se dis'se.

"Em' resumo, vê-se que a lei consagra a exclusão da injúria eda difamação . descuidando da calúnia que é a difamação agravada. '

"Injuriar é a ofe'nsa com, a imputaçã.o de vicios ou defeitos morais; difamàr: é a ofensa com a imputação de um fato ofensivo à reputação; caluniar, é também a imputação de fato ofensivo, "com o detalhe de que o fato deve ser um crime ' isto é, conduta que a lei penal define como crime. ' r

"Na difamação pouco importa que o fato ofensivo seja verdadeiro ou falso' na calúnia ele tem de ser fals'o, já que a veracidade da iffi[lutação, em regra'" torna a ação 'legítima. '

"Não será calúnia, ensina HELENO FRAQOS!() em sua recente edição das. LIÇõES, dizer que "Tício é ladrão" ; mas será se for dito, falsamente, que ele. se apoderou da herança de seus irmãos, mesmo sem dar maiores detalhes.

"Se' o fato for contravenção não constitui calúnia, mas s'im difamação e, como tal, abrangido pela imunidad\:l.

"Por:exemplo: se na discussão da causa o advogado disser que a testemunha é um conhecido bicheiro, mesmo que não o seja, não pratica crime; se disser' que ela costuma anotar apostas do "jogo do bicho", também não; mas se disser que ela mntiu quando prestou depoimento (crime do art. 342 do C.P.) estará' o advogado sujeito ao processo criminal.

"Se disser, no auge dos debates, que o perito calou a verdade (art. 342 do C.P.) está sujeito ao processo; Se diss'er que o perito é ladrão, merece a imuui-' dade.

"Há uma imensa injustiça na exclusão da ,calúnia, ou, pelo menos, um pre­conceito arraigado que já pode ser enfrentado.

"Dir-se-á que a calúnia é a imputação falsa, isto é, com a consciência de' que o fato é falso, ativamente dolosa. Respond'eremos: mas' onde se aprecia o . elemento subjetivo, a consciência da ilicitude, o saber ou não saber o fato falso? No processo criminal! Ora, basta que a hipótese se configure, em tese, como' calúnia, para que os advogados estejam sempre e mis'eravelmente sujeitos ao processo criminal, numa incomparável limitação e ameaça à sua independência, à sua liberdade de dizer, enfim, impedidos de agir sem "nenhum receio de desa­gradar a Juiz ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em: impopularidade" para' o "cumprimento das suas tarefas e deveres". - Art. 88, da Lei n.O 4.215, de 27.04.1963.

"Admitem os doutos que "a injúria ou a difamaç,ão feitas na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador, são levadas à conta de normal e razoá­vel e~altação de ânimos dos litigantes na defesa de seus direitos" (FRAGOSO, op. Ctt. p. 22,2).

"EDMOND PICARD como que lembrando que nem aos Santos se exige tal com­portamento, registrou irreverentemeiIlte: "ll faut qu'il ait la bosse de la comba.

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ti'IJité. Les idées de calme et d' imparcialité inalterables sont ici hors. de saison. Ce sont les eunuqu6s de la prolission qui ont par lois tenté de les mettre à la m,ode".

"Basta um argumento final. Se o advogado analisando a prova ·de um pro­cesso disser enfaticamente, que as testemunhas são "pessoas repugnantes cujos depoimentos' de~em ser desprezados", estará coberto pela imunidade; ~e di~ser em tom coloqu'ial, cordial e sorridente, que as mesmas. testemunhas nao dIsseram tudo o que sabiam, dificultando a descoberta da verdade, ai não, levantar-se-á a voz da moralidade judiciária para processar quem o disse.

"Será absolvido se provado que não sabia que a afirmação era falsa, ou condenado, se verificado que o argumento foi obra de sua criação defensiva ou mero recurso de oratória. Mas será processado".

Em torno da calúnia os debates estenderam-se por toda a manhã e parte da tarde.

Os que defendem a exclusão da calúnia das imunidades judiciárias vêem o problema sob o aspecto da necessidade de se ter uma coação penal con~ra o advogado que dolosamente se insurge contra as partes, de forma agreSSIva e caluniosa.

Preocupam-se mais com o aspecto que lhes parece mais importante, ou seja, a manutenção dos debates judiciários em niveis educados e corteses.

Temem que com a exclusão da calúnia o advogado possa impunemente apro­veitar-se da imunidade para atingir a honra alheia.

A teoria mais moderna, a da inclusão da calúnia, está assentada na despro­teção do advogado perante o poder público, quando, na defesa da causa, necessita trazer à discussão fatos que nem sempre pode provar, assim como submissão de juizes a interesses outros, imparciaHdade ou inverdades de laudos técnicos, etc, enfim, matéria que lhe parece necessária para a defesa de seu cliente, embora não exista qualquer ânimo calunioso.

A inclusão da calúnia entre as imunidades judiciárias foi aprovada, por pequena maioria, mas quando da sessão plenária, a delegação da OiAB do Rio de Janeiro requereu o adiamento da apreciação da hipótese para a próxima Conferência, em Curitiba.

O júri foi defendido unanimemente pelos advogados do pais, destacando-se as observações das teses de CLÓVIS RAMALHETE, RAUL CHAVES e ARIOSVALDO CAMPOS PIRES de que o júri constitui garantia constitucional.

A reforma do Poder Judiciário não foi discutida na atniPlitude que merece pelo desconhecimento dos advogados dos trabalhos desenvolvidos secretamente pelo governo.

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

LUlZ SIMÕES MARTINHO, CheqUe sem Fundos e Prática Penal, São Paulo, 1975, ed. May Love, 39'1 pp.

Este livro, em cuja capa se estampa o titulo "Cheque sem Fundos", custa Cr$ 12.0,00 ..

Nas orelhas, o leitor fica sabendo que o A. "presta muita dedicação à ciência penal, na qual se debruça, no tempo de folga, noturno, com sacrifício do convi­vio familiar". E, fica sabendo mais que tal debruçar noturno sobre a ciência penal parte de um AdV'ogado Sub-Chefe ("ele não gosta que diga o posto, por entender que ou se é ou não se é Chefe") de conceituado estabelecimento bancário; e ainda que o Advogado Sub-Chefe "acaba de ser eleito Orador Oficial da Academia Duquecaxiense de Letras e Artes", e por fim que, apesar de ser "ainda jovem", é nada menos que "membro permanente do Instituto dos Centenários". Esta preciosa conjunção de títulos estimula o leitor a esperar uma dissertação quiçá um pouco sonolenta, mas de qualquer forma tonificada pela experiência da advocacia, versada no mais castiço vernáculo, ressudando a sabedoria dos séculos, tudo sobre cheque sem fundos.

O leitor examina a "Apresentação", do edito'r. "A obra não é necessaria­mente um tratado doutrinário dos assuntos que aborda" (p. VII). Isto significará que a capa mente, ou seja, que há outros assuntos além de cheque sem fundos? Não há a menor dúvida; mas fique o leitor tranquilo quanto aos' seus Cr$ 120,00, porquanto o editor assegura que no "capítulo" destinado a cheque sem fundos foi que "o Autor colocou toda a sua verve de inovador" (p. VII), vaticinando que o livro "está fadado a se tornar uma obra bem aplaudida, muito criticada, mas acima de tudo utilÚ!sima" (p. VII). E o Sr. May Love não resiste a também ele debruçar-se sobre a ciência penal, definindo o panorama brasileiro numa "esco­la positiva" e num "neo-tecnicismo jurídico, que tem no Prof. HELENO CLÁUDIO FRAGOso um dos seus grandes pontífices" (p. VIII). É provável que o pontífice, por acaso diretor da Revista à qual se destina esta nota bibliográfica, não se agaste COnI o rótulo, porquanto uma das características da publicação é a agressividade crítica.

Que pensará, por exemplo, o Prof. ROBER'D() LYRA FILHO quando s'Ouber que, segu'ndo o A., ele preconizou "a união dos criminólogos-sociólogos com os crimi­nólogos clínicos "( ... )" na excepcional obra Criminologia Dialética"? E o A. assegura que "é no setor dialético que devemos incluir nas escolas uma cam­panha de apresentação aos jovens de todas as grandes filosofias, pensamentos, prosa, verso, acercada negatividade dos vícios" (p. 16). Hungria" o. no.tável

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Hungria do verbo generoso e brilhante, é chamado d~ "magistral Mestre" (p. 46). E o Min. Cunha Peixoto tem um trabalho seu transcrito integralmente, com ligeiros comentários do A.; um desses comentários está assim redigido: "Que é isso Doutor Fulgêncio? É a Lei do Cão"? (p. 98)

O leitor vê uma "Breve Introdução" (p. IX), que principia pela seguinte frase: ",É no escritório do Adveogado criminalista que se apura a crimionologia clínica". E, ao recordar-se de que adquiriu um livro sobre cheque sem fundos, e até agora só se informou a réspeito de um absolutamente incognoscível "setor dialético", de campanhas em prosa e verso, e de criminologias clínicas, busca o índice da publicação.

Pois buscará em vão: um dos pontos altos da' "verve de ino'Vador" a que se referia o Sr. May Love, na "Apresentação", reside exatamente em que o livro não tem índice. E se não tem índice, o remédio é ir, página por página, buscando aquilo em troca do que se pagou a importância de Cr$ 120,00, uma semana de trabalho de um operário.

Da p. 1 à p. 7, sob o título "O Cheque, a Duplicata e o Novo Código Penal", encontram-se considerações curiosíssimas. Para o A., "a remoção de alguns fatos antes considerados contravenções para o rol dos crimes, por exemplo, é uma

, das conquistas sócio-jurídicas do Código Penal que vigorará" (p. 1). Para o A., a classificação do crime de emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos no capítulo da falsidade documental, como foi originalme'nte proposto pelo legislador de 1969, teria o efeito que assim resume: "não mais s,eria crime de dano" (p. 2). Segundo o A., nenhuma falsidade ocorre em tal situação, "po,is inexiste é lastro (fundos) do cheque" (p 2.). E impressionante a desinformação do trabalho acerca da larga polêmica travada entre os que viam nesse delito um crime material, e aqueles que viam nele um crime formal, bem como as conse­qüências referidas a momento consumativo, etc. () A. nada meneio'na a respeito, e propõe uma solução legislativa que transformaria o delito em crime perma­nente: "Emitir cheque e mantê-lo sem suficiente provisão ( ... )" (p. 3). Sobre duplicata simulada, a grande contribuição virá em nota de rodapé (p. 7), quando o leitor aprenderá que "comerciantes desonestos conivem na expedição de dupli­catas frias". A contribuição, bem s:e vê, é de ordem léxica, e consiste na criação do verbo "conivir".

Novo título, na p. 8: "Sigilo Bancário e Cheque sem Fundos". Vai da p. 8 à p. 14, porém da p. 9 à p. 12 temos a integral transcrição de um Parecer do Dr. ADROALDO MESQUITA DA OOSTA, que é o melhor momento do capítulo.

Na p. 14, o leitor encontra novo títulO': "Ddalética e Plrática no Combate a Toxicomania". Denuncia o A. os inescrupu10sos que "aí estão colocando no mercado do crime os seus produtos e tentando dentro de uma teoria conceptiva se ramificarem cada vez mais" (p. 14). Lamenta que tenha "escapado à censura uma série numerosa de filmes, peças teatrais, teleteatros e es'petáculos congê­neres nos quais a vitória nunca é da virtude e sim do vício" (p. 15), muito embora, paradoxalmente, afirme que a proibição de tais filmes' não " seria a ,solução". Em seguida, temos um informe de natureza turística sobre a cidade de Rio Grande (RS), onde tudo indica tenha passado o A. as festas do entrudo: "posso garantir que o número de flagrantes em estado de estupefaciência du­rante o carnaval (na praia do Cassino) é assustador" (p. 16). E' conclui com

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,timeschi.recimento técnico: "não falo em número de flagrantes, digo o número ,;(le fIagrados, pois nem s'empre o número de flagrados é _ o mesmo de flagrantes, por uma 'dessas aberrações da má temática policial" (p. 16). Seria "matemá­tica" policial, ou é mesmo "má temática"? Ap'enas o vício (de linguagem; claro estáj'(6U;<O trocadilho de mau gosto,? O A., melancolicamente, aduz que, enquanto a polícia se encarregava dos "flagrados" da praia do Cassino, ele assistia a dois filmes "exibidos livremente", cujos títulos declina: "Skidoo se faz a Dois" (?) e"Yí~iIl:las da Gorrupção"., filmes estes que não cumpriam com o dever, a seguir d'êclin~do, de apresentar ao jovens "os matizes 'Sublimes de uma vida bem enca­minhada" (p. 16).

• O leitor, a esta altura, desespera. Na página seguinte, novo título: "Direito Penal Financeiro" (p. 18), observações perfunctórias s'obre a precaríssima le­gislação brasileira no, terreno.

"Ainda. sobre Cheques sem Fundos" - anuncia-se, na p. 24, porém o leitor já não se reanima. :É que este capítulo é uma adição ao que o A. escrevera anteriormente sobre o tema, após participar de uma reunião do Sindicato dos Bancos sobre o ante-projeto de lei do Cheque (um linotipista freudiano grafou "'Lei ·do,Chefe" - p. 24).

Na p. 33, "Desobediência: quando um Gerente de Banco comete este Crime". Pens1J,rá o leitor: quando houver a integração típica, culpavelmente. E estará certo. Só que, antes, convém ler a edificante missiva que o A. dirigiu a um Promotor Público que teve a desgraça de requerer a ind'iciação de um gerente do Banco do qual o A. é Advogado Sub-Chefe (p. 35 ss).

Na p. 48, encontrará o leitor, sob o títulO' "O Futuro Código Penal e Algu­mas das Alterações Propostas", observações sem qualquer valia a respeito das alteraÇjÕes introduzidas na versão original do legislador de 1969. O curioso é que, ao tratar de "Parte Especial", o A. aborda o problema da execução penal. E, para deleite do leitor, transcreve integralmente um trabalho de seus saudosos tempos ,de estudante, com o qual se laureou em concurso. Eis: como se inicia o trabalho: "O Brasil, malgrado o derrotismo de meia dúzia de alienígenas mentais, é celeiro de erudição e saber" (p. 53). O Conde Afonso Celso não faria melhor. No trabalho, que consome dez páginas, já estavam, embrionariamente, as mesmas qualidades que desabrocharam vigorosamente no livro ora em exame.

O leitor alcança a p. 73, e, num misto de alegria e tristeza, verifica que o livro acabou. Sim,das quase quatrocentas páginas, apenas setenta e três são da lavra do A., 'il destas setenta e três, teríamos que deduzir numerosas tranS!­crições.

Segue-se (p. 77 ti. ll5) um'). coletânea de decisões, indiseiplinadamente re­colhidas e aglutinadas. Segue-se o trabalho do Min. CUNHA PEIXOTO (Consolida­ção das Leis do Instituto do Cheque), da p. 96 à p. 125, c.Om nótulas do A.

O leitor encontrará, caso já não conhecesse, a mensagem do Executivo que deu origem à lei 6.016, de 31jdez/73, alterando o texto do DL 1.004. E sua satisfação aumentará ao perceber que, em seguida, terá a sua disposição o próprio DL 1.004, de 21/outj69 - primitiva forma do futuro Código Penal -, a título de "Legislação Gitada". E também o projeto de Lei de Contravenções ,Penais. E, o projeto de Lei que altera dispositivos: do Gódigo Penal, oriundo do E~ecutivo (636/75). E alguns outros decretos a respeito de cheques.

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E o. leitor se enganará, ao recordar-se dos Cr$ 120,00, se supuser que nada lhe acrescentou o livro adquirido. Porque, de uma forma meio concretista, ficou. sabendo para o resto ,da vida o que vem a ser a essência de um cheque sem fundos.

G.A.P.

HE1LENn CLÁut>IO FUGOSO" lÂç'oes à;g ]}iyreito Penal - Parte Esp6tM,t I, 'São Paulo, 1976, ed. J. Bushatsky, 362 pp.

H]ELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Liçõe;s de Direito Penal - Parte Geral, São Paulo;, 1976, ed. J. Bushatsky, 344 pp.

A personalidade científica d~ HELENl() CLÁU1DIo FRAGOSO dispensa apresenta:­ções e referências. Descendente direto de GALDINO, COSTA E SILVA, HUNGRIA ~ ANfBAL BRUNO, contribuiu ele decisivamente para que o afazer dogmático jurídi­cO-penal se difundisse, entre nós, com um nível de seriedade e aplicação que não se alcançara anteriormente; seu nome se ligou às idéias de rigor meto<k>lógico e técnica, e ainda de premência em que se desenvolvesse e se refinasse a ciência penal brasileira; toda uma geração de prOfessores e prOfissionais se forjou à inspiração de seu pensamento.

Todavia, aquele a quem couber estudar-lhe a obra deverá distinguir o jovem HlELENO CLÁUDIO FRAGOSO, autor das primeiras duas edições das Lições (S. Paulo. 1958 e 1962); de Conduta Punível (S. Paulo, 1961); de trabalhos como O Proble­ma da Pena (RF 161), Concurso de Agentes na QuaUficação do Furto (RF 173). Objeto ,do Crime (RF 189), e tantos outro's, do - não direi velho e sim novo --.. HELENO CLÁDW FRAQOSO, autor dos livros em epígrafe, de trabalhos como S'odal M arginalifJy and Justice (Caracas, 1976), A CominaÇ'Úo das Penas no N IYIJO Códi­go Penal (RDP 17-18), Os Direitos do Homem e sua Tutela Jurídica (Rio, 1974), Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão Preventiva (Rio; 1966), O Novo Direito Penal Tributário e Econôm:wo (Rdo, 19'66), do Relatório. da pesquisa sobre a vigente legislação a respeito de drogas, realizado pelo Insti .. tuto de Ciências Penais (Rio, 1976), etc. Entre os dois polos, et pour cause, uma. obra de transição: Jurisprudência Criminal (Rio, 1968 e - 2.a ed. - 1973).

O primeiro HELENO CLÁUDro FRAGOSO s'e distingue nitidamente do segundo, seja em termos estritamente dogmáticos, seja em termos de uma visão geral das coisas do direito penal.

O professor dos anos 50 opera com uma teoria do delito basead'a numa ação causal, embora não naturalística e sim conciliada com a relevância social dai causação; conhece e discute WE!LZE[. (Conduta Punível, pp. 17 ss), reconhecendo no finalismo "uma vigorosa corrente da doutrina penal moderna, que ofer,ece' solução sedutora para muitos árduos problemas" (op. cit., p. 25), porém, a; exemplo do que ele mesmo noticia (loc. cit.) sobre BElTTIOL, não ousa "atraves­sar o Rubicon". A par da mais imponente formação dogmática, aurida nas fontes germânicas, em matéria de pena o professor dos anos 50 é estritamente retribu~ tivista (e, assim, admitirá teoricamente a licitude da pena de morte, e sugerirái

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que: a pena privativa de liberdade renha que executar-se aflitivamnte, ressalvan­do, no primeiro caso, sua opinião contrária à pena capital, e, no segundo, que não sobrevenha degradação à pessoa humana do condenado) e é, naturalmente .. duplobinarista, endossando a opinião de BAT1'AGLINI sobre as excelências desse· critério (O Problema da Pena).

O segundo HELENO FRAGOSO opera com uma teoria do delito que incorpora de forma meditada e conseqüente as profundas alterações p'ropostas pelo fina­lismo, sem se afastar da abertura de visão que o fizera evitar o causalismo natu­ralista, atrelando a ação ao conteúdo de relevância social que dela faz, a um só tempo, fato e valor. O segundo HELENO FRAGOSO é um retributivista temperado, que ainda consigna ser a pena eS'sencialmente medida retributiva, esgotando-se, todavia, tal caráter "en el he,cho de ser, por naturaleza, la pérdida de bienes"" e cuja aplicação há de subordinar-se a ucritérios de utilidade social" (Pena 3f

CulpabiUdad, Revista de Ciencias Penales, Santiago, 1973, n.o 1, t. XXXII, p. 37). Reconhece, no mesmo trabalho, que a execução da pena privativa de liber­dade está ,despojada, em nosso tempo, "de todo aspecto aflictivo", e que a própria. unificação das penas des'sa espécie representa o abandono da inspiração retribu­tivista, nessa área. Sobre o sistema do duplo-binário, diz ser forçoso reconhecer sua completa falência (op. dt., p. 34). Sobre a pena de morte, basta mencionar-se· sua contribuição ao colóquio comemorativo de Coimbra, publicada na Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, 17/41 ss.

O itinerário intelectual de HELENO FRAGOSO é, assim, marcado por uma. capacidade ,de repensar e reelaborar as próprias construÇjÕes verdadeiramente' incomum, especialmente entre juristas; a par dessa irriquietude criadora, é abso­lutamente certo que o contato permanente ,com aquilo que CARRARA afirmava ser a clínica do direito penal - o foro - contribuiu para a evolução que vimos de· analisar. A respeito desse aspecto, temos confissão, no prefácio do volume de Parte Especial: "a obra é resultado da larga experiência universitária no ensino do> Direito Penal temperada por intensa e permanente atividade profissional". Por isso, consideramos adequado ter sua Jurisprudência Crimdnal como obra de tran­sição: o professor de rígida formação dogmática, que poderia conviver com a. simetria do sistema na uniV'ersidade, s'e devota à crítica da experiência judiciária" e assume o caráter instrumental de seu ofício; a história permeia a teoria.

* * *

A reedição do primeiro volume de Parte Especial é oportuna, porque a obra. se havia esgotado há longos anos, e era muito procurada por estudantes e profis­sionais, pelas suas indiscutíveis qualidades de clareza, objetividade e precisão.

Não estamos diante de uma cópia da edição anterior: estamos diante de uma crítica.

O volume se inicia por aquilo que se costuma chamar de parte geral da parte­especial, considerações que giram em torno da classificação dos tipos (e, pois, da idéia de bem jurídico), e dos elementos dos tipos. 'Tal exame não estava pre­s,ente na edição anterior, na qual a introdução ocupava 9 páginas (agora, ocupa 36).

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No exame das espécies, o critério da ediçã'O anterior (que se valia da dico­,tomia clássica "elemento material - elemento subjetivo") foi substituído por "critério fulcrado numa teoria do delito moderna: examinam-se os tipos subjetivos, ':e,o,."doloespecífico"- que já sobrevivia na edição anterior como um obséquio terminológico do A. (veja-se a ressalva na edição 1962, p. 24) merecidamente -,desaparece do texto.

As alterações são inúmeras" fruto ,de reflexão aprofundada sobre as maté­,1;1as examinadas. Assim, por exemplo, a distinçã'O entre honra subjetiva e honra ,objetiva - básica para o exame dos crimes contra a honra, na segunda edição ,(p. 143) - é vista agora como uma "distinção esquemática", que "não existe" (p. 2,01), com as conseqüências sistemáticas da colocação (por exemplo, sobre o momento consumativo de tais delitos). Ainda nessa área, o tipo subjetivo dos ~rimes contra a honra, que, na edição anterior, excluía qualquer elemento diverso do dolo, é agora integrado pelo propósito de ofender (p. 206).

Muitas outras alterações, COm a mesma radicalidade, poderiam ser observa­das. Entre elas, e ainda ad exemplum, a opinião sobre a "promessa de recompen­sa" que qualifica o homiddio: na edição de 1962, "a recompensa pode ser de ,qualquer natureza"; na e,dição que comentamos, somente se considera a recom­pensa "que tenha valor econômfico" (p. 63).

Todas as matérias introduzidas pelo GP 1969 são examinadas (por exemplo, <> genocídi'O - pp. 89-101). As referências constantes à jurisprudência recente e adequada enriquecem o teor informativo do volume. Novos aspectos, a respeito dos quais se omitira a edição anterior, são examinados (por exemplo, concurso de crimes e crime continuado no roubo - p. 322).

Em suma, esta obra de maturidade oferece a oportuntdade rara de ler-se 'HELENO FRAGOSO criticado, reescrito e ampliado por HELENO FRAGOSO.

* * * Em 1961, a relação de trabalhos jurídicos do autor apresentada em Conduta

Punível anunciava, "em preparo", uma Teoria Geral do Delito, assim como uma Parte Geral das Lições ~e Direito Penal.

Ta.is textos estavam efetivamente preparados, há quinze anos, e chegaram a circular em publicações universitárias internas, mas o A. não, se decidiu a publicá-los até recentemente. E, para publicá-los, submeteu-os a rigorosa reapre­ciação crítica, tendo em vista as modificações sofridas por suas próprias concep­ções, em tema de teoria do delito.

Os admiráveis trabalhos de JOÃo MESTIERI foram efetivamente pioneiros em 'Operar, entre nós, com a teoria final da ação, seguindo-se logo outras contribui­çpes (JUAREZ !TAVARES, R®ALE JÚNIOR, etc.). T'odavia, ,da Teoria Elementar do Direito Criminal, de MESTIERI, só foi publ1cado o primeiro volume, que não contém toda a teoria do delito. Dessa forma, a Parte Geral das Liçi5e81 de D'ireito Penal, de FRAGOSO, é o primeiro compêndio brasileiro a expor toda a teoria do delito dentro de uma concepção finalista-social de ação, c'Om todas as conseqüências metodológicas e sistemáticas im!postas por essa opção.

O volume se inicia por aquelas c~locações preliminares que se convencionou chamarem propedêuticas, onde se estuda o conceito de direito penal (p. 5), rela-

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J;õe:;; do direito penal com outro:;; ramos (pp. 6 ss) 1 e se examina o que possa ser uma ciência de direito penal (p. 13), seu método (P. 14), e ainda as chamadas ciências auxiliares do dir,eito penal e outras ciências que têm o crime por objeto.

A segunda parte do livro é constituída por exposição histórica que arranca do direito penal romano (p. 26) até os nossos dia's. Tal exposição é magnífico resultado de necessária síntese imposta pela natureza do trabalho, aliada a rigo­roso critério na seleção dos dados histori'Ográficos. Naturalmente, esta parte se encerra com uma informação histórica sobre direito penal brasileiro.

',' 'A teoria da lei penal forma a terceira parte do volume, ~ poderemos aqui '" é~cbntrar a melhor página escT'ita em português sobre o princípio da reserva

legal (pP. 99-108). Com precisão e clareza, são versados os problemas de aplica­ção da lei penal no tempo (pp. 109-123), no espaço (pp. 125-140) e Os casos pessoais de limites na aplicação (pp. 140 ss).

Por último, encontramos a teoria do ,delito (pp. 155 s). Após a aproximação conceituaI do crime, e a advertência de que seus chamados "elementos" não sup'õem uma visão "sucessiV'ista" (p. 160), temos o exame geral da ação" defi­nida como "atividade humana conscientemente dirigida a um fim" (p. 163), defi­nição que vinculará toda a elaboração subseqüente ao modelo teórico proposto pelo finalismo.

A uma apreciação geral da 'idéia de tipo, seguir-se-á o estudo distinto de sua estrutura nos crimes comissivos dolosos (pp. 177 ss), nos crimes culposos (p. 237) e nos crim~s omissivos (pp. 247 ss). Obviamente, o dolo está inserido no tipo subjetivo dos injustos dolosos' (p. 186); e o erro de tipo, que é o seu r~verso, obedece à mesma catalogação sIstemática (p. 19'3). Filiando-se à teoria da culpabilidade, o A. insere a consciência da ilicitude não no dolo, e sim na culpabilida,d'e (p. 187). São preciosas as observações sobre o crime culposo, espe­cialmente sobre sua tipicidade, matéria tão desconhecida e desprezada entre nós (p. 239).

A antijuridicidade (p. 197) e a culpabilidade, absolutamente isenta de todo () psicológico (pp. 211 ss), bem como suas causas de exclusão, são igualmente objeto de análise atenta e criteriosa (veja-se, como exemplo, a dissecção empre­endida sobre a obediência hierárquica, pp. 229 ss).

Muito se poderia escrever sobre essa edição histórica, fugindo, por abundân­cia aos limites de uma nota informativa. No panorama de autêntica caatinga da 'literatura jurídico-penal brasileira, temos uma frondosa árvore, carregada de pacientes frutos. Os pósteros f~carão surpresos e felizes.

G.A.P.

WLADIMIR WALLER, Os crime81 contra o Patrimônio à luz da Jurisprudência, São Paulo, Sugestões Literárias, 1976, 515 págs.

Excelente coletânea de jurisprudência sobre os crimes contra o patrimônio, apresentada para cada um dos delitos e suas formas qualificadas, bem como ,quanto a questões debatidas de concurso de crimes.

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Não há comentários ou anotações doutrinárias, mas a mera apresentação daI!< ementas, com indicação de onde se encontra publicada a decisão na íntegra.

Obra utilíssima para os profissionais, sendo de lamentar que praticamente se limite aos tribunais de São Paulo.

H.C.F.

FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO Processo Penal, Ed. Jalovi, São Paulo, 2.61

edição, 1975, 4 vols.; Prática de Proce8'8o, Penal, EId. J alovi, São Paulo, 4.8< edição, 1975, 409 págs.

Brindou-nos o eminente Professor FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO> oom a 2.3 edição, revista e ampliada, de sua obra "Processo Penal", e com a 4 . .a ediçã,o do livro "Prática de Processo Penal".

A situação de abandono da ciência do processo penal não escapou ao sensí-· vel C.ARNEiL'U1l'TI, conforme se verifica nesta sua espirituosa passagem: "Habia: una vez tres hermanas que tenian em común, por lo menos, uno de sus progeni­tores: se llamaban la ciencia deI derecho penal, la ciencia deI proceso penal y: la ciencia deI processo civil. Y ocurrió que la segunda, em comparación con las> otras dos, que eran más beIlas y prósperas, habia tenido una infancia y una ado.· lescencia desdi'chadas ... " (Cf. Questiones s<obre el proceso penal, ed. EJE:A", 1961, p. 15.)

No Brasil, tem-se a impressão de que o processo penal ainda vive aquela infância ",desdichada" a que aludiu o mestre CARNELUTTI. Poucos são os que se dedieam com seriedade ao estudo desse ramo da ciência do Direito; e, ainda, aqueles que se animam a estudar as profundezas do processo penal, se sentem na obrigação de render seu preito de admiração à sua irmã "mas beIla y prós­pera", ou seja, a ciência do processo civiL ..

O "Processo Penal" de FERNANDO ITOURINHO já havia sido festivamente' recepcionado, ao ensejo de sua La edição, por todos quantos se interessam pelol processo penal e principalmente pelos estudantes, aos quai,s se tornaram inacessí­veis, porque esgotadas, as principais obras que se ocupam autorizadamente da, matéria, como, por exemplo, os preciosos "Eilementos de Direito Processual Penal",. do Professor FREDEEIOO MARQUES.

Inicialmente lançada em dois volumes, a obra agora recebe 00 acréscimo d~ dois outros. Além dos assuntos examinados na 1.a edição, os quais são do conhe­cimento geral, o autor, nos dois volumes com que enriqueceu seu trabalho, discor­re sobre as matérias seguintes,: restituição de coisas apreendidas, medidas asse­curatórias, incidentes de falsidade e insanidade, prisão e libel'dade provisória, formas procedimentais, sentença, coisa julgada, recursos, habeas~corpus e revisão criminal.

O ponto alto da obra, a nosso ver, é o excelente capítulo acerca da teoria da ação e da ação penal. Com linguagem clara, se bem que não muito castiça, o autor estuda, com rara felicidade, as principais teorias em torno do direito d'e ação e, logo a seguir, tece magníficas considerações sobre a ação penal, nas suas. múltiplas facetas.

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Muito bom também o capítulo dedicado à competência. Dotado de larga €xpe­lYiência, mercê de longo exercício no Ministério Públ~co do E:stado de São Paulo, FERNANDo TOURINHO enriquece sua obra com significativos exemplos, capazes de .elucidar intrincadas matérias, como, v. g., a referente à competência penal.

Permitimo-nos, todavia, discordar .do ilustre processualista de São Paulo, nas ,considerações. que tece a respeito da assistência no processo penal. Entende o autor que o interesse do assistente, na relação processual penal, s'e resume em 1buscar um título executivo judicial, para posterior ação de execução no juízo civil. O âmbito restrito deste comentário não permite, à evidência, a crítica à posição

.que se defende no livro, o que se fará oportunamente. Lembre-se apenas a lição precisa de HUNGRIA: ".AJdmitir-se a assistência como um correlativo do direito .à reparação do dano é baralhar coisas heterogêneas, pela só preo>cupação de imitar o direito ítalo-franco." (Cf. Novas QU(Jlstões Jurídico-Penais, p. 277.)

Acrescente-se que, em termos editoriais, esta Z.ta edição é um sem-número -de vezes superior à primeira, onde se notavam incontáveis erros de revisão, os .quais, vez por outra, se ostentavam como verdadeiros atentados aos vernáculos.

Não se pode, ainda, deixar ,de sugerir que a S.ta edição da obra - que certa­mente se seguirá à ora lançada - contenha um. índice alfabético-remissivo, que muito facilitaria sua consulta, assim como a menção sistematizada da bibliogra­fia utilizada pelo autor. É comum observar-se, nos volumes que compõem a obra, trechos entre aspas, sem que o autor indique a paternidade dos escólios trans­.critos.

Em. resumo, é trabalho que se recomenda - e com entusiasmo - a todos -os estudiosos do processo penal. Fica o Professor FERNANDO TIOURINHO a dever­:nos a complementação de seu expressivo trabalho, com a publicação de um quinto volume, dedicado ao exame dos: temas ainda não versados, como, por ,exemplo, os referentes às nulidades e à execução penal.

N o que concerne à Prática de Processo Penal, mister é reconhecer que se trata de um m'anuaI de indiscutível utilidatde. •

Ao contrário de tantas publicações, que ostentàm o título de "prática" e que se limitam a transcrever modelos de petições, em g'eral mal feitas, este livro do Professor FERNANDIO TIOURINHO é, antes de mais nada, um trabalho sério. A .obra obedece a um sistema particularmente interessante: ao iniciar um capítulo, o autor tece breves comentários de ordem doutrinária sobre a matéria abordada; ao depois, seguem-se os modelos de petições e de diversos atos processuais:; finalmente aparecem várias e interessantes notas, todas de cunho prático, debai­xo da rubrica "observaçpes". Dentro dessa ordem, o livro dedica seus capítulos às seguintes matérias: Inquérito Polidal, Ação Penal, Defesa Prévia, Assistên­cia, Incidente de Insanidade Mental do Réu, Formas Procedimentais, Alegações Finais, Habeas-Corpus e Revisão Criminal.

Note-se, ainda, que, em alguns' dos modelos ,de petições transcritos no livro, o autor aborda palpitantes problemas de direito e processo penal. Assim, por exemplo, nas pp. 323/327 está discutida a questão acel'Ca da unidade, ou não, (lo prazo decadencial para o oferecimento de queixa e de representação. Como se sabe, a matéria está longe de ser pacífica. Entendem alguns que, decaindo o ofendido do direito de oferecer queixa ou representação, decai também o seu representante legal, ao passo que outros sustentam que o sistema do Código de

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PrO'ceSSO' Penal permite a autO'nO'mia de tal direitO', acarretandO', em conseqüên­da, que O' prazO' .decadencial deva fluir separadamente para O' O'fendidO' e para: quem legalmente O' represente. Já na p. 355, em modelO' de petiçãO' de Habeas­Corpus, discO'rre O' autO'r sO'bre interessante hipótese de prescriçãO' pela pena cO'n­cretizada na sentença, nO's termO's da Súmula n.o 146 dO' STF. De restO', grande númerO' das petições transcritas na O'bra sãO' enrIquecidas cO'm eitações dO'utriná-' rias e· cO'm ementas de acórdãós. dO'S nossO's tribunais.

Enfim. é um livro que honra seu autO'r e que, afinal, já está cO'nsagradO' pelO' públicO' leitO'r, tantO' que já se encontra na 4.a ediçãO', cerca d:e quatrO' anos após seu lançamentO'.

A esta altura já se pO'de dizer - sem medO' de errar - que O' PrO'fessO'r FERNANDO DA COSTA TOU)RINHO FILHO inscreveu seu nO'm-e na minguada lista de prO'cessualistas penais brasileirO's.

LUIZ FERNANDO DE FREITAS SANTOS

AUGUSTO F. G. THOMPSON, A Questão Penitenciáiria, PetrópO'lis, Vozes,197.6, 162 págs.

Finalmente aparece, em pO'rtuguês, uma obra séria e impO'rtante sO'bre Q

problema das prisões, escrita pO'r quem cO'nhece prO'fundamente O' assuntO', na teoria e na prática. Depois de larga e vitO'riosa experiência na advO'cacia cri­minal, que' abandO'nO'u quandO' nO'meadO' prO'curadO'r dO' EstadO', em 1963, O' A. ,desempenha hO'je as funções de diretO'r geral dO' DepartamentO' dO' Sistema Peni­tenciáriO' do EstadO' dO' RiO' de JaneirO', vO'ltandO' às árduas tarefas que em 1965 já desempenhara.

Realiza-se neste pequenO' livrO' lúcida análise dO' prO'blema da pnsaO', invO'­candO'-se, quandO' oPO'rtunO', bibliO'grafia recente da melhO'r qualidade, que bem revela estar O' A. em dia 'com O' que de melhO'r se tem escritO' sO'bre o tema;·

A p~imeira parte da obra ("Irrecuperação penitenciária") cO'nstitui apre­ciaçãO' dO' sistema prisional em seus váriO's aspectO's, destacandO'-se aqui O' exce­lente capítulO' sO'bre O' sistema sO'cial da prisão. Ele se situa na linha dO's estudO's sO'bre a sO'ciO'IO'gia e a pSlicO'lO'gia da instituição tO'tal, que está ligada aO's nO'm.es de DONALD CLEMMERi, CLARENíCE SmIlMG, GRiESHA'M SY\KElS e ERWIN G$'F~

'MAN, cujas O'bras famO'sas sãO' bem cO'nhecidas. A segunda parte ("Sugestões para uma refO'rma penal") cO'nstitui análise

específi'ca de uma série de questões e prO'blemas relativO's ao funciO'namentO' do sistema penal, entre O'S quais estãO' o da superlotaçãO' e O' falidO' sistema prO'gres­sivO', cO'ncluindO'-se por uma escala de priO'ridades quantO' à aplicaçãO' dO's recursO's dispO'níveis em relaçã'o aO's vários tipO's de estabelecimentO's penais.

A O'bra de Augusto ThO'mpson cO'nstitui O' trabalhO' mais criadO'r e mais expressivO' publicadO' entre nós sO'bre o prO'blema da prisãO'. Destaca-se do que tem' sido feitO' até agora PO'rque abandona O' esquema cO'nfO'rmista da apreciação teóric'a de instituiÇjÕes que nada têm' a ver cO'm a realidade caI'ic'erária, partindO', aO' contráriO', para um questiO'namentO' do sistema e dO's critériO'S fixadO's pelO's que O' manipulam, para mostrar que estãO' falidO's e que são irrecuperáveis.

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EstamO's certos que esta O'bra, hO'nesta e bem feita; está fadada a grand~ sucessO'.

H.C.F.

ENRIQUE GIMBERNAT ORDEIGt. Eistudios de Derecho Penal, E:ditO'rial Civitas, Madri. 1976, 205 págs. '

o A. é catedráticO' de Direito Penal da Universidade de Salamanca, sendO', sem dúvida, um dO's mais brilhantes penalistas espanhóis da atualidade. Pertence aO' grupo que realizou estudos de pós graduação na Alemanha e que, comO' poucO's. domina os segredos da intrincada moderna teO'ria dO' delito.

Es,te pequeno vO'lume reúne váriO's de seus trabalhO's menO'res, alguns dqs quais já divulgadO's nesta parte dO' mundO'. Assim, o seu interessante estudO' "Tiene un futuro la dO'gmática juridico-penal?", publicada no vO'lume em hO'm;­nagem a Jimenez de Asúa (1970), e O'S trabalhO's sO'bre dO'lO' eventual e induzi­mento O'U auxíliO' ao suicídio, divulgadO's pO'r Nuevo Pensamiento Penal (Argen­tina) e Revista de Ciencias Penales (Chile), respectivamente.

Inicia-se a O'bra' cO'm um belO' necrO'lógiO' de Jimenez de Asúa e algumas entrevistas e artigO's de pequena dimensãO', publicadO's na Espanha, destacandO'­se o que se refere aO' O'diO'so prO'jetO' de lei -sO'bre O'rdem pública, pO'steriO'rmente aprovado.

Todos O'S estudO's que se seguem, inclusive O'S que já men1cionamO"s, constituem exaustiva e prO'funda análise das questões jurídicas a que se referem, na qual o' A. revela o seu grande talento e mestria. DestacamO's particularmente O'S que se intitulam El Estado de neClesfflad: un problema de antijuricidad e El sistemw de Derecho Penal Bn la actualidad.

SaudamO's com simpatia o livrO' de GIMBERNAT ORDEIG, recomendandO'-O' sem restrições aO' leitO'r brasileirO'.

H.C.F.

MARCEliO ALBERTO SANCINETTI, Ca&c>s de Derecho Penal, CO'O'peradO'ra de Derecho y Ciencias SO'cfales, BuenO's Aires, 1975, 222 págs.

o estudo de casO's, que tem cara1cterizadO' O' ensinO' dO' direito nO's países da common Zaw (" case system"), constitui vaUO',sO' métO'dO' <de trabalhO' dO'cente, infe­lizmente pO'uco empregado nO's paÍ-ses de cultura jurídica continental. Nestes têm vigoradO' as aulas discursivas, fazendO'-se O' ensinO' através da repetição de conceitos e de definições, que os alunO's prO'curam memPrizar.

De longa data estãO' convencidos os prO'fessores de direitO' da necessidade: de uma reformulação metodO'lógica, que não se realiza em bO'a parte porque falta a tais prO'fessores formaçãO' pedagógica, e também porque os currículos não estão O'rganizados de mO'do a permitir um trabalhO' de treinamentO' na utilizaçã.o das teorias. PO'r outrO' lado, faltam livros de texto capazes de ,suprir as limitações

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.(las aulas teóricas, e, ,sobretudo, faltam os livros de casos, a serem utilizados no.,!' trabalhos de aprendizagem.

Com exceção da bibliografia alemã, onde encontramos, desde o famoso opús­culo de VON LISZT, numerosos livros de casos preparados por grandes professo­res, a nos;sa literatura é de grande pobreza. Nela se destaca a ini'ciativa pioneira .de D. Luís JIMENElZ DE ASÚA, Casos de Derecho Penal, para uso de los estudi­<{l;nteos, cuja primeira edição é 'de 1923. Em castelhano, temos a tradução do livro de EDUARD KERN, Caso·s practicos de Derecho Penal, Parte General, traduzido por CoNRADO FINZI.

MARCEDO ALBERTO SANCINETTI é antigo discípulo e auxiliar de ensino do Prof. ENRIQUE BACIGALUP'O, fato que por si só o recomenda. Seu livro contém :.233 casos e hipóteses, cobrindo toda a teoria do delito que, como se sabe, consti­tui a espinha dO'f';sal do curso. Vários casos estão acompanhados das respectivas soluç'ões, com indicação de bibliografia, constituindo, por certo, excelente, instru­mento de trabalho para alunos e professores.

H.C.F.

TERESA MIRALLEs, As atitudes dos Juízes da.s Vlara.s Criwinais da G1hwnabara perante a Organização e Funcio·nwmento destas, PU C, Rio de Janeiro, ed. mimeografada, 1975.

A solução da crise da administração da justiça requer urgência e, neste :sentido, qualquer estudo que possa contribuir naquela direção reveste-se de .:grande importância.

O valor desta pesquisa realizada por Teresa Miralles (Ph. D. em Crimino­logia na Universidade de Montreal e ex-professora do Departamento de Ciências ,Jurídicas na PUC) provém principalmente de' seu caráter inédito no campo ibrasiIeiro e da fundamentação científica que a caracteriza.

Sua contribuição relaciona-se com o maior conhecimento de certos aspectos .da instituição judiciária, fundamental quando se trata de implementar reforma profunda na administração da justiça.

Este estudo versa sobre o funcionamento das Varas Criminais e as atitudes dos juízes perante o processo penal. Um de seus objetivos consiste em examinar até que ponto o juiz, investido de seu papel legal e social, distancia-se do "ele­mento humano ajustiçado". Outro interesse é verificar o padrão de consistência (ou inconsistência) das sentenças proferidas pelos juízes.

A autora traça inicialmente um quadro da estrutura da justiça criminal, em particular das Varas Criminais, segundo o modelo estabeleciodo pela nossa legis­lação. Aborda em seguida o processo penal e os diferentes ritos processuais :através dos quais se administra a justiça. Apresenta também alguns comentários a propósito da literatura estrangeira referente a essa temática. A terceira parte ode seu trabalho é dedicada à pesquisa propriamente dita.

O estudo empírico visa analisaras atitudes dos juízes das Varas Criminais face, ao processo penal. Examina qual a conduta que geralmente os caracteriza com relação à eficácia do processo, à defesa, à atuação policial (valor do inqué-

li.'itó, ÍiOT exemplo); seu comtlortamelitoper'ante as normas legais, a jurispru­dência (sua funcão numa senten~a) ê' àHida a elaboração de uni.a auto-imagem.

:q?~saspectos condicionam as atitudes dos m,agistrados': a representação que possuem da justiça e sua experiência diária no tribunal (vivência profissio­nal). Como fatos reveladores dessas atitudes, a autora utiliza três: conceitos,: o formaUsm<? ou informalisnw" a s~tisfação, ou insatisfação e, o poder discricionário .dbshjttí:t:es: Ó primeiro cónceIto revelá que a atitude do magi,strado serã tanto mais formal quanto maior for o respeito com que acatar a lei. Contrariamente, predominará o informalismo se for menor a influência da lei sobre ele. A satis­tfa{!ãotraduz maior aceitaçãodostatus quo judiciário, enquanto que a insat.i.sfa­'9ão'demonstra frustração frenté à realidade do mundo da justiça. O terceiro eonceito exprime a atitude dos juízes com referência a seu poder de atuação ou deciSão :demaneira independente da lei, ou seja, o poder discricionário que exer­cem no processo criminal.

A pesquisadora procura também avaliar a influência de determinados; fato­res pessoais (tais como a idade, o histórico profissional e prática religiosa, o ,eXercício ,da magistratura fora da Guanabara e a motivação na escolha da ;profissão) ,sobre as atitudes dos juízes.

A pesquisa contou com a participação de 28 juízes das Varas Criminais da ;primeirá inStância da Guanabara e usou duas categorias: o titular e o substituto.

As condutas são apresentadas de forma detalhada (o que às vezes preju­.dica uma visão mais globàl dos resultadoS) e algumas são especialmente rele­\\Tantes. Surpreende, por exemplo, a predominância do informalismo dos juízes em vários aspectos do processo penal; em outras palavras" parece existir certa <cxe)lça, de. que em muitos casos "a lei deveria ser diferente" e, em conseqüência, procura-se não aplicá-la rigidamente. A necessidade, revelada pelos magistra­<los, ode maior individualização com respeito à pena corrobora o pensamento penal moderno. A análise dos dados mostra que as atitudes dos juízes denotam certa ambival€ncia, indicando inconsistência dentro do formalismo. Significa esta informação que os juízes não possuem uma posição muito definida quanto ao pl1ocesso,. embora sua tendência seja observar as normas legais. Isto poderia eXpli­car certa diversificação de sentenças proferidas por um mesmo juiz. A insatis­fação desses' funcionários da justiça refere-se principalmente à inobservância .dós prazos' e ao acúmulo de funções. Com relação ao fator idade, os juízes mais idos6ssão· mais consistentes e mais formais que os de menor idade.

,A auto-imagem feita pelos próprios entrevistados os descreve como pessoas .éuja conduta social deve servir de exemplo moral aos demais, observando um padrão de comportamento conformis,ta, conservador e comedido que situa o juiz .a gránde distância da população.

Segundo a autora, o papel conservador e legalista do juiz, resultante do tipo .de formação que recebe, centrada na tecnicidade da lei, é um dos aspectos críti­coS do sistema judiciário. Em suas conclusões, enfatiza a importância de maior preparo por parte dos juízes na área das ciências crimdnológicas, dimensão ausen­,te na formação do magistrado. , E,ste estudo interessa, a nosso ver, a todos aqueles que trabalham com a

justiça criminal, pois permite uma compreensão maio·r do que se passa no mundo

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da magistratura e de sua influência no processo penal. Infelizmente a publica~ ção ainda não é disponível no mercado dos livros.

YOLANDA CATÃO

MIOHEI. FOUCAULT, Surveiller- et Punir-Naissamce de la, Prison, Ed. Gallimardp

Paris, 1975, 318 pgs.

Grande filósofo de nosso tempo, MICHEI. FIOUCAULT publicou recentemente mais um de seus fascinantes estudos sobre o micropoder. Neste último, retrata o significado da instituição penitenciária como elemento máximo de controle e vigilância no mundo contemporâneo e vincula o sistema penal moderno ao surgi­mento da sociedade disciplinar.

A partir do final do séc. XVIII, as prisões substituem os suplícios como> forma de punição sistemática e institucionalizada. O direito punitivo se apre­,senta com nova justificação político-moral. O desaparecimentO' dos suplícios estál relacionado com a definição do caráter essencialmente corretivo da pena. É a certeza de ser punido e não mais o terror causado pelos suplícios que deverá afastar o indivíduo da conduta odelituosa. A atenuação da severidade penal deno­ta principalmente uma mudança de objetivo da política repressiva. O objeto da punição não seria mais o corpo ( a dor física em si), mas a "alma" do crim~­noso. O encarceramento do delinqüente visa reeducar sua "alma".

Esta transformação do sistema de justiça penal deve-se ao surgimento dai sociedade disciplinar, tese central do livro. Constata-se, nos sécs. XVIII-XIX, a multiplicação das instituiÇjÕes disciplinares (casas de correção, escolas, hospi­tais, prisões ..• ). A disciplina, tal como é definida PO'r FOUlCAULT, cO'nstitui nova: teC'llologia do poder. Trata-se de identificar, vigiar e controlar os indivíduos; enquadrar seus gestos e regulamentar suas atividades a fim de obter maior efi­cácia. PrO'Põe-se reeducar, adaptar, ou seja, submeter. A prisão é a represen­tação mais acabada de uma instituição disciplinar e onde essa tecnologia se exerce de forma mais completa.

O "panopticon" de Bentham é o símbolo da sociedade disciplinar. Através do panoptismo se automatizou e despersonalizou o poder. O conjunto de meca­nismos que assegura o controle permanente das pessoas, torna-se assim mais importante que a pessoa que o exerce. Surge a "penalidade da Norma". O "normal" se estabelece como princípio de coerção nas diferentes esferas sociais: na educação padronizada, nas normas prescritas pelos hospitais, na produçãOi em cadeia. A pessoa é enquadrada sej a como normal ou anormal, louco ou não louco, inofensivo ou perigoso. Esta divisão binária permite categorizar a pessoa e obter a homogeneidade. Aquele que foge ao padrão deve ser reeducado ou ressocializaldo. A questão básica no que se refere à "tecnologia punitiva" na sociedade disciplinar não reside no erro ou no dano ao interesse comum· situa-se no desvio da norma, na anO'malia ou, na disciplina. Juntamente com a vigilância. a normalização institucionaliza-se como um dos grandes instrumentos de.:pode; do séc. XIX, perpetuando-se ainda hoje.

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l AnaHsando a relação entre este novo tipo de pode! e a constituição de um< novo saber (v.g., psiquiatria, criminologia), FOUOAULT nrostra que, com aI transformação do sistema penal, os crimes e seus autores tornam-se objetos< suscetíveis de um conhecimento científico. O interesse principal do novo saber' não está no ato praticado mas na pessoa do infrator, na sua vida ou no qU6' poderá vir a ser. Define-se um conhecimento "positivo" dos delinqüentes, distin­to da qualificação jurídica dos delitos e suas circunstâncias.

Uma das constatações mais surpreendentes deste trabalho é o fato de quE'! os projetos de reforma e as críticas feitas às prisões e ao sistema penitenciário são exatamente as mesmas apresentadas há cento e cinqüenta anos: atrás .. É . de se admirar, sublinha o autor, que as prisões tenham se mantido até hoje, apesar de seu fracasso ter sido proclamado há mais de século. Deve-s:e no entan­to acrescentar que a instituição penitenciária adquiriu outros significadO's além de instrumento de privação da liberdade. Ao lwdo do princípio de isolamento e ressocialização do indivíduo, a nova função carcerária consiste em modular as penas. A graduação da pena passO'll a ser feita de acordo com o comportamento do preso durante o período de encarceramento. Aos poucos, as instâncias judi­ciárias perderam sua autoridade imediata. Em minuciosa análise, FIOUCAULT mostra que a individualização E) as .diferentes aplicações das penas tornam indis­pensável grande autonomia das pessoas encarregadas do sistema penitenciário, o que possibilita o desenvolvimento de grande arbitrariedade a este nível. O caráter arbitrário do poder judiciário que os códigos modernos haviam supri­mido retorna progressivamente ao poder penitenciário (ou seja, aquele que controla a execução da punição). Sem dúvida, as cO'nstantes violências (desne­cessárias) praticadas pelos funcionários penitenciários revelam o grau da auto­nomia e arbitrariedade desta instituição penal.

A conseqüência mais importante do sistema penitenciário e de sua extensão, mostra-nos F'OUCAULT, é que ele "torna natural e legítimo o poder de punir", amplia a tolerância com respeito à penalidade. O que existe de excesso ou abuso no exercício da punição esconde-se sob a aparência da legalidade e legitimidade. Corrobora esta afirmaçãü a realidade de nossas prisões.

FOUCAU'LT disserta ainda sobre a dissimetria de clas,se presente no sistema judiciário, que faz com que este "tolere" certas transgressões praticadas por membros de grupos dominantes. E1sta resenha talvez propicie ao leitor uma imagem da riqueza e relevância desta publicaçã.o. O enorme valor deste estudo' se afirma não só pela extrema originalidade das teses defendidas como também pelo número considerável de ,documentos históricos e arquivos utilizados. O talen-' to de FOUüAULT aliado ao seu espírito de combatividade o conduziram a nova interpretação da realidade penal moderna. Seu grande trunfo está no combate aos enfoques tradicionais e mistificadores, predominantes na literatura jurídica.

O conhecimento ,da nova análise foucaultiana é indispensável tanto, para especialistas quanto leigos estudiosos, visto que a polêmica que desperta esta obra pode contribuir para a conscientização dos verdadeiros e profundos proble­mas da estrutura do sistema penal. A tradução deverá ser publicada brevemente.

YOLANDA CATÃO

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c':N~f-O BATISTA, O Elemento Subjetivo do Crime de Denunciação, Calu'llliooot Editora Liber Juris, RiD, 1971}.

Serve de tema à presente mDnDgrafia uma das mais interessantes questp.cs 'da Parte Especial dD Direito Criminal, constituindD, CDmD .observa o' própriD .:autDr; a eS8'ência típica do crime de denunciaçãD caluniDsa.

O trabalhD CDnta CDm a apresentaçãD dD insigne MinistrD EvANDltO Lms E' SILVA, sendD a mJatéria dividlda nDS seguintes capítulDS:

(1) "IntrDduçãD Geral" aD tema, .onde .o autDr faz segura anamnese histó­rica dD institutD, demDnstrandD ser antiquíssima a puniçãD dD delito - pre­sente já, explicitamente, nD CódigD de Hamurabi -; evildencia qual seja .o obje­tD jurídicD, entendendo tratar-se de delito pluriofensivo ("de um ladD, temos o interesse na reta administraçãD da Justiça, e de DutrD .o interesse particular do denunciadD, no aspecto de sua honra objetiva", p. 14.) Segue a Introdução infDrmando o leitDr sDbre a diversidade de classificações' que tal tipo mereceu na legislação cDmparada, não só pDr contar com objetD jurídico plural, mas também pela prDximidade cDml vários .outros tiPDS, CDmo aqueles do· falsum, CDm o falso testemunhD, com a ofensa à honra, etc. Afinal, observa o autor que, apesar da diversidade reinante nD que tange à integração da matéria nos vários códigDS, SãD apenas dDis os prDblemas que a espécie oferece: (a) conceituação do que seja falsa acusaçãD e (b) determinação do tipo subjetivD, sendo esta última questãD "o grande prDblema do crime de denunciação caluniosa" (p. 16), a justificar, portanto, o tratamento monDgráfico dD tema.

(2) "EspDntaneidade da Ação de Denunciar FaLsamente" - demDnstra nesse .eapítulo segundo, o autDr, a prDcedência da dDutrina encDntrandD despicienda a -exigência da espontaneidade. EmbDra não o sugira D"títuID; este capítulo é ainda .enriquecidD pDr cDIDcações de valor sobre os sujeitDs do delito.

(3) O capítulo terceirD tend.o por título "MDtivos e Fins do Agente" .enfrenta questãD visceral na matéria: exige, o tiPD subjetivD, o dDID específico? É mister para o tiPD o agir animad.o de uma especia,l finalidade, de prejudicar o sujeitD passivD, de ferir ,sua reputação ou de fazer instaurar procedimento contra o denunciad.o? Aqui, .o autor prefere a teoria dD dDlo genérico, rec.onhe­cendo típica até mesmo a denunciação caluniosa favore,c'8ndo o acusado.

(4) "Consciência da Falsidade da ImputaçãD" - é a matéria desse capítulo quarto. Ainda que .o tiPD de denunciaçãD caluniDsa seja de congruência plena, em que a finalidade dD agente se relaciona CDm .os elementDs dD tiPD objetiv.o, sem ultrapassá-l.os, é imperativD para a suficiência típica que .o tiPD subjetivD presida por completo a realizaçãD Dbjetiva: cDnsciência de que dD cDmpDrtamentD de de­nunciar resulte prDcedimentD criminal, e cDnsciência da imprDcedência da impu­taçãD. A lei brasileira é expressa, nD art. 33!}: "... imrputando-lhe crime de que ,() sabe inocente". E trata-se de exigência sempre presente nDS sistemas jurídicDs (pg. 33).

(5) O capítulo quinto recebeu por títulD "PrDblemas EiSpeciais", .onde SãD expDstas e solucionadas questões várias sDbre .o delitD de denunciação caluniDsa, interessandD .o tipo subjetivD. Assim,. hipóteses de errD, insuficiências dD tiPD DbjetivD, tentativa, e autDria imediata. .

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(6) No capítulo sexto trata, o autor, de questãD- delicada: "CDIDcaçãD Sis~ temática d.o Elemento Subjetiv.o", pr.oblema antes apenas timidamente referidD na nDta14, pg. 17. É capítulo justificando o tratamento dispensado aD element<J. su'bjetivo,n.o CDrrer da obra, cDnsiderado, este, característica do tipo. O autor, em síntese admirável, e utilizand.o-se d.o tipo de denunciação caluniosa apenas CDmo exemplD, pDrque "se presta maravilhDsamente à demDnstraçãD d.o acerto dE;, tais colocações", enaltece as modernas tendências da dDgmática criminal mDderna. cDnstrução dos finalistas, e de não-finalistas de raciocínio ponderado. .

Na parte sétima, alinha, .o autor, sinteticamente, as principais cDnclusões de seu trabalh.o, pela .ordem em que aparecem no textD, permitindD ao leitDr visão global de suas pDsições.

O presente trabalho CDm o qual v ProfessDr NilD Batista enriquece a literatura jurídica brasileira, demais de ser estudo minudente e seguro do delito de denun~ ciação caluniosa, incorpDra, harmonicamente, princípios atuais da teoria do delito •. somandD, desse modD, mais esse valor, de contribuir para .o desenvDlvimentD da doutrina brasileira, tão carente de prOduções científicas atualizadas, nD que res­peita a teoria dD delito.

J. MESTIER:

JOHANNES WESSELS, DIREITO PENAL, part~ geral (1976), tradução do original alemão pDr JUAREZ .,TAVARES.

A tradução do Strafrecht - Allgemeiner Teil, do PrDf. Dr. JOHANNES WESSELS, da Universi,dade de Münster (Vestefália), realizada pelD Prof. JUAREZ TAVARES, da Universi.dade Estadual de LDndrina, é um dDS mais significativo\> aCDntecimentDs editDriais, nD setDr das ciências penais, nD país. A f.orma de siste~ matizaçãD da matéria, a densidade científica da expDsiçãD e a influência que a .obra está destina·da a exercer na dDutrina e jurisprudência brasileiras exigem a mais completa e Dbjetiva informação de seu cDnteúdo, numa tentativa de reduçãQ esquemátIca dDS aspectos fundamentais e eventuais contrDvérsias das pDsições científicas do autor.

A prDteçãD dDS valores sociais fundamentais e a garantia da paz jurídica cDnstituem a tarefa dD Direito Penal: a determinaçãD legal da punibilidade (prin~

cípio da legalidade, abrangente da proibição do cDstume e da analDgia, exceto para extinguir, excluir .ou atenuar a pena) e a proporcionalidade entre culpabilidade e pena (princípiD da culpabilidade), são .os pressupDstDs pDlíticDS ,dessa tarefa.

O hDmem (sujeito de direitD) é o centro do acontecimento jurídicD (CUjD fun, damento material é a cDnduta humana): a relaçãD necessária entre fatD e autDr vincula em um CDnceito unitáriD os elementDs DbjetivDs e subjetivDs da conduta. O fato punível compreende (a) o injusto (compDsto de açãD, tipicidade e antiju­ridicidade) e (b) a culpabilidade (capacidade de culpa e censurabilidade).

A cDnduta humana apareee como cDnceito geral abrangente da açãD e omissão, e são expDstos criticamente DscDnceitDs causal (mDvimentD cDrpóreo vDluntário sem conteúdD de sentidD, prDdutDr de um resultadD exteriDr), finalista, CDmo exercício de atividade final: o cDnteúdo da vontade é o fatDr de ,direção final da

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causalidade (conclui que a crític'<l. não discute o caráter finalista da ação, mas a' tese da vinculação do legislador à estruturao'ntológica necessarià:inent~' final do agir) e social, em que a conduta aparece como complexo de elementos pes,soals, fin~is, causais e normativos socialmente relevante, isto é, como comportàmento humano dirigido pela vontade que afeta social e valorativamente as relaçpes do R.I!imte com seu meio (adere à teoria sob o fundamento de que "permite com­preender o conteúdo de sentido da conduta relevante para o Direito Penal" já na eS.fera da açã,o). A capacidadé de ação se restringe à pessoa naturál, indepen­dente da idade ou sanidade mental. Como ausência de ação compreende os movi­mentos reflexos, as reações de medo instintivas e a coação abs:oluta.

O bem jurídico aparece como fundamento da formação do tipo, em que a. es-1Jecific;dade da tarefa protetiva pode determinar, ao lado do tipo fundamental, variações qualificadoras e privilegiantes, ou, ainda, autônomas, em relação gra­dativa, crescente ou decrescente, de gravidade.

A caracterização de um fato como injusto pressupõe duas relações de valor: 1) relação de tipicidade (valoração com auxílio do tipo) e 2) relação de antijuri­di cidade (valoração com auxílio da ordem jurídica geral).

A teoria do tipo é aberta com o tipo em sentido amplo: totalidade dos pres­supostos da punibil!dade (tipo, antijuridicidade, culpabHidade e condições objeti­vas de punibilidade) que fundamentam a função de garantia da lei penal (tipo de garantia). A significação política e as conseqüências dogmáticas da conceituação do tipo de garantia como totalida-de dos pressupostos da punibilidade são imensas: a consciência da antijuridicidade (quer integre a culpabilidade, como elemento especial (teoria da culpabilidade), ou como componente do dolo (teoria do dolo), quer o tipo subjetivo de injusto (teoria dos elementos negativos do tipo), constitui pressuposto essencial da punibilidade: a punição em desconhecimento da ilicitude contraria o princípio da culpabilidade (significação dogmática) e violenta o prin­cípio da legalidade (significação política), porque exclui o elemento mais caracte­rístico da rebeldia contra o valor jurídico.

O tipo de injusto (sentido estrito), como descrição dos elementos que ca­racterizam o conteúdo de injusto da conduta proibida, realiza funções de (a) mo­tivação da conduta (determinação dos limites sociais de liberdade pessoal), de (b) fundamentação do fato punível e (c) de seleção da relevância jurídico-penal da conduta. Entre o tipo em sentido amplo e o em sentido estrito situa o conceito de tipo total de injusto, elaborado pela teoria dos elementos negativos do tipo: a conduta proibida apresenta-se como unidade constituída de elementos positivos (formadores do tipo de injusto) e negativos (ausência de causas de justificação).

O tipo de injusto compõe-se de elementos descritivos (perceptíveis pelos sen­tidos), normativos (exigem valoração), objetivos (estrutura exterior do fato que, nos delitos dolosos deve, necessariamente, s:er abrangida pelo dolo, sob pena de exclusão) e subjetivos (dolo e intenções especiais). A inclusão do dolo no tipo subjetivo resulta de que: a) é essencial à caracterização da tentativa, como elemento direcionaodor da vontade objetivamente frustrada (e essa posição não pode variar se sobrevém a consumação); b) as normas jurídico-penais supõem a capacidade subjetiva de vinculação finalÍstica da conduta concreta aos seus co­mandos e proibições; c) a maioria dós tipos descreve uma ação dirigida fina­listicamente. A novidade mais notável da teoria social da ação é a atribuição de

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<dupla função ao dolo, no setor do tipo (como elemento geral do tipo subjetivo, portador do "sentido jurídico-social da ação") e no setor da culpabilidade (como iorma de culpabmdade, ao lado da negligência, em que se manifesta o desvalor do ânimo, isto é, a posição defeituosa do autor em face da ordem jurídica).

Como anexos do tipo de injusto (excluídos do objeto do dolo) com[lreende as /Condições objetivas de punibilidade (circunstâncias fundamentadoras de pena, cuja ausência conduz à absolvição) e de perseguibilidade (de natureza proces­'SuaI, cuja ausência determina o arquivamento do processo).

No setor da causalidade, distingue entre causação do resultado e imputação do resultado: a causação do resultado é o fundamento de sua imputação, mas nem toda causação implica a imputação jurídica do resultado. A teoria da condição .(causa é a condição cuja eliminação exclui o resultado concreto) é, por um lado, .excessiva, e, por outro, insuficiente nas hipóteses de dupla causalidade (elimina­ção cumulativa - e não alternativa - de condições múltiplas capazes de produzir, !isoladamente, o resultado). A teoria da adequação (causa é a condição mais ade­.quada à produção do resultado, segundo um juízo de previsibilidade objetiva) .confunde causação e imputação. A teoria da relevância distingue-se pelo momento posterior <da imputação objetiva do resultado (no setor da causação, não diverge .das anteriores): a relação de causa e efeito entre ação e resultado (causação do resultado) deve ser completada pela imputação ao autor como "obra sua". A úmputação objetiva é excluída em resultados (a) totalmente anormaIs (b) pro­.duzidos em cursos causais fora de toda experiência ou (c) do .âmbito de proteção da norma. Reconhece a cautela da jurisprudência na aplicação da teoria, e admite que, nos delitos dolosos, a imputação do resultado se decide no âmbito do dolo (erro sobre o curso causal da ação) , embora seja inegável a utilidade da distinção -entre causação do resultado e imputação objetiva do resultado como etapas suces­.sivas da determinação da causalidade material e delimitação da imputação pessoal oobjetiva do resultado.

O dolo de tipo (consciência e vontade de realização do tipo) determina a .direção e o fim do atuar nos delitos dolosos: é o elemento geral ,do tipo de injusto :subjetivo, associado, às vezes, a elementos subjetivos especiais do tipo (as inten­.ções e tendências especiais) que especializam o conteúdo de desvalor social da .c.'Onduta.

O dolo de tipo aparece sob as formas de (a) intenção (vontade dirigida fina­Jistic-amente à realização do tipo: é indiferente que a realização do tipo seja !representada como certa ou como possível, ou que seja lastimada ou deplorada, desde que o autor influa sobre o aCf)Utecer real), (b) dolo direto, em relação às conseqüências da ação representadas como certas ou necessárias, e ( c) dolo eventual, em relação às conseqüências representadas como efeito possível da .conduta, com cuja produção o autor se conforma; a negligência consciente (em .que o resultado lesivo é, também, representado como possível) delimita-se do dolo eventual pela confiante posição subjetiva do autor na evitação do resultado típico.

O conhecimento (elemento intelectivo) do dolo tem por obj eto as circunstân­cias fundamentadoras ou agrava<doras do tipo penal, cujo significado deve ser :apreendido pelos sentidos (elementos descritivos) ou segundo uma valoração /Comum (elementos normativos).

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o erro ,de tipo Jerro sobre circunstânci~s do .f!\to constitutivas dn .. ti~~n~ exclui o dolo. O erro sobre o objeto !ia ação (conf~são no objeto) é .irre~eylitnte em situações de equivalência típica entre o objeto repres·entado e o efetivamente agredido, sendo relevante na situação contrária. No erro na execução ("aberr~tiO'

ictus" ou desvio na ação) a equivalência típica entre o "objeto da agressão" (o que se pretendeu atingir) e o "objeto da lesão" (o que foi, efeti:vameIlte,. atingido) é sempre irrelevaJ;lte, .caracterizando-se tentativa em relação ao objeto visado (mas não atingido) e lesão negligente do objeto atingido (e não visado). Note-seque importante setor da doutrina resolve identicamente erro .de execução e erro sobre o objeto da ação, divergind.., do autor. Finalmente, o erro sobre ()l

processo causal (componente não explícito do tipo de injusto) só excluirá. o dolo se a variação entre o curso da ação representado e o realizado for de natureza essencial, isto é, quando esteja "fora dos limites do previsível, segundo a expe­riência geral da vida" (juízo de adequação).

A antijuridicidade da ação (definida pela ausência de causas de justifica­ção) pode ser excluída pela presença de tipos permissivos que autorizam a conduta típica. Os tipos de conduta permitida (como os d,e ,conduta proibida) são constituídos de elementos objetivos (pressupostosobjetivos >de justifiCação.) e subjetivos (conhecimento da situação de fato justificante e vontade corres­pondente à justificação referida),

A ponderação de valor e de intere:;;ses, que fundamenta a justificação de agressão a bens jurídicos alheios gera um dever ,de tolerância do que é atingido> pela ação justificada.

Entre as causas de justificação, o estado de necessidade (a) de direitocivH (perigo derivado de animais e objetos inanimados) e (b) justificantegerall (demais. hipóteses), que exige, objetivamente, perigo atual ao bem jurídico pre­;ponderante (relação de categoria dos interesses colidentes) só evitável mediante lesão de outro bem jurídico (cujo sacrifício é ético-socialmente adequado) e, subjetivamente, vontade de salvamento (implícita a consciência do perigo); a: legíti.ma defesa, supondo (objetivamente) agressão atual e injusta a bem jurídico e (subjetivamente) vontade de defesa (implícita a consciência da agressão): a ação em defesa é limitada, concretamente, pela necessidade e, normativamente. pela "imposição", (permissibilidade do uso dos meios); o consentimento doofen-" dido, como excludente do tipo (se o tipo protege, exclusivamente, a vontade do ofendido, capaz de vontade natural e manifestada no com>eço da ação) ou como justificante (se a vontade do ofendido não é o objeto exclusivo de proteção no tipo, observando-se, ainda, requisito:;; complementares, como titularidade única e disponibilidade do bem jurídico, capacidade e regularidade de consentimento~ expressamente declarado e conforme aos costumes, além de ser conhecido 'do autor e o motivo da ação (se não ocorreu, de fato, mas é, juridicamente, admis­sível dá-se o consentimento presumido: cirurgias urgentes em vítimas incons­cientes de acidentes de trânsito): o direito correcional, limitado àscorreçpes corporais dos pais em relação aos filhos, subordina-se, subjetivamente, à finali­dade educativa e, objetivamente, à necessidade de adequação em relação à falta e à idade do ofendido.

A culpabilidade (censurabilidade da formação e manifestação da vontade) se fundamenta na capacidade de decisão livre ·e correta: objeto da censura é a

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poslçao defeituosa do autor em face das exigências da ordem jurídica (desvalor ,do ânimo) concretizada' na realização antijurídica do tipo. A insuficiência da teoria psicológica (reduzida à relação de fato psíquico sob a forma de dolo ou negligência) é suprida pela teoria normativa que valora o processo de formação da vontade, cujo conceito complexo é assim compreendido: a) capacidade de culpa: b) elementos especiais da culpabilidade (em certos casos, somente); c) forma da culpabilidade (dolo ou negligência); e d) ausência de causas de excul­pação (requisito negativo).

Acapaeidade de culpa reduz-se à de cOnliPreensão do injusto e de atuação conforme: a intencional ou negligente perda da capacidade de culpa (auto trans­formação em instrumento de realização da conduta proibida) é punível segundo as regras da actio libera in causa.

Os elementos especiais da culpabilidade (situados no tipo de injusto) espe­cializam o conteúdo de censurabilidade do fato, caracterezando com mais deta­lhes, e com exclusividade, o desvalor do ânimo (motivo torpe, má-fé, etc.).

Forma de culpabilidade: a natureza dolosa ou negligente do tipo de injusto determina a forma de culpabilidade correspondente; o dolo e a negligência reali­zam, no setor da culpabilidade, a função complementar de indiciarem (assim como o tipo indicia a antijuridicidade) o juízo de censura, suprimido nas situa­ções de erro de proibição ou de exculpação (como as causas de justificação na relação tipo/antijuridicidade). Essa forma de ver não é isenta de crítica,por­obscurecer a natureza das relações entre o tipo de injusto (objeto de censura)­e a culpabilidade (juízo de censura sobre o objeto) e conferir conteúdos seme­lhantes (dolo e negligência) a categorias sistemáticas distintas (tipo subjetivo e culpabilidade).

A consciência do injusto aparece como elemento autônomo da culpabilidade, caracterizado pelo conhecimento (real ou potencial) da antijuridicidade concreta do fato, e excluído nas situações de erro inevitável de proibição.

E.ntre as causas de exculpação, inclui: a) estado de necessidade exculpante' (a mesma situação do justificante, limitado o perigo à vida, corpo ou liberdade do autor ou pessoa afetivamente próxima, e proporéionado o dano causado (igualou moderadamente maior) à gravidade do perigo); e) estado necessário de coação (situações de coação irresistível, física ou moral, criadoras de perigo para a vida, corpo ou liberdade do autor ou pes'soa afetivamente próxima); c) excesso intensivo (consciente ou não) da legítima defesa, motivado por "con­fusão, temor ou susto"; d) atuação em cumprimento a ordem antijurídica facul­tativa tomada como obrigatória (detentores de cargo oficial e soldados).

A inexigibilidade de conduta adequada à norma não é compreendida como causa de exculpação, pela indeterminação de seus pressupostos e limites: é uma idéia geral que informa as situações de exculpação, nas quais se concretiza •. dentro de limites definidos.

As conseqüências do erro de proibição subordi.nam-se à posição sistemática da consciência da antijuridicidade: a) se integra o dolo (constituinte norma­tivo), o erro sobre a antijuridicidade o exclui (teoria do dolo); b) se integra ,a .' ,culpabiJidade( elemento fundamentador) , distingue:!. t.eoria eXItrema da culpabilidade: o erro inevitável exclui e o evitável atenua a culpabilidade, em qualquer hipótese de erro de proibição; 2. teoria limitada da culpabilidade: o

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<erro de proibição evitável sobre o tipo permlSS1VO (pressupostos típicos de causa de justificação) conduz à punição por negligência (como no erro de tipo) se

<e:x!ist€l o respectivo tipo, e, em todas as demais hipóteses de erro de proibição (sobre a norma (desconhecimento, validez ou interpretação) e sobre a permissão (limites jurídicos de reconhecida e a existência de não-reconhecida causa de justificação), a inevitabilidade do erro exclui e a evitabiUdade atenua a culpa­bilidade dolosa. O erro sobre a existência dos pressupostos de causa de exeulpa­ção reconhecida segue (para ambas as teorias) as regras normais: inevitável exclui e evitável atenua a eulpabilidade dolosa (sobre os limites jurídicos ou a existência de não-reconhecida caUsa de eXi!ulpação, é irrelevante).

Exceções pessoais de punibilidade: a) causas de exclusão de pena (existem no momento do fato), como a indenidade parlamentar ou a relação de paren­tesco, no favorecimento pessoal; b) causas de extinção de pena (ocorrem depois do fato), como a desistência da tentativa e da participação tentada e o arrepen­dimento ativo

A autoria (direta, mediata, co-autoria e colateral) e a participação (insti­gação e cumplicidade) compreendem todas as formas de contribuição ao fato: o fundamento dessas di'stinções é o tipO' legal (sua relevância se limita aos tipos -dolosos).

A limitação legal da autoria nos delitos de dever, e a necessidade de exe­;cUção corporal nos de mão-própria, situa a controvérsia doutrinária no âmbito ,dos delitos gerais: a) teoria formal-objetiva (o autor realiza diretamente a ação do tipo, e o partícipe, ação de preparação ou auxílio), não compreende a .autoria mediata e a funcional; b) teoria subjetiva (autor age com ânimo de aut~r, e o par:í~ipe, com ânimo de partícipe) se reduz a uma fórmula vazia; c) teorl~,. do d~mmlO do fato (o autor domina (controla) a realização do tipo, e o ;partIcIpe, nao), abrange todas as formas de aparecimento da conduta proibida (~undamentada pelas teorias objetivas-material e final do autor): a) autoria dIret~ (domínio da ação): realização pessoal do tipo; b) co-autoria (domínio funclOn~1 do fato): re~liz~ção conjunta (objetiva e subjetivamente) do tipo (resoluçao comum e reabzaçao comum do tipo: princípio da divis;ão do trabalho) .

.c) autoria mediata (domínio da vontade): realização do tipo através de outre~ (instrumento), que atua (1) sem tipicidade (matar-se sob a influência de ou­t~e~), (2) sem dolo ou intenção especial (situações de erro), (3) cúllforme ao ~Ire~t~ (fraude processual), ou (4) sem capacidade de culpa (erro de proibição mevItaveI ou estado necessário de coação); d) autoria colateral: atuação inde­pendente no mesmo fato, de várias pessoas.

fustigação e cumplicidade são formas de participação no fato de outrem: a n~tureza .ac.essória ?a participação pressupõe fato principal antijurídico (acesso­rIedade hmItada), mdependente da ,culpabilidade (exigida a acessoriedade extre­ma, abandonada), consumado ou tentado. A instigação (determinação dolosa a .:fato doloso determinado) pressupõe (a) autor individuado (b) não decidido ao f~to (c) .con~orme ao dolo do instigador (o excesso e o erro do autor não preju­<hcam o lllstlgador, ao contrário da doutrina dominante em que, se é irrelevante para o autor, é irrelevante para o instigador). A cumplicidade (auxílio doloso a f~to doloso determinado) é possível desde a preparação até a consumação mate­rial do fato (obtenção da intenção delitiva) basta o "fomento" (jurisprudência)

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-e não a causalidade (doutrina) em relação ao fato principal, para a sua carao-,

-.terização. . , ,.~ '. . ,. O fundamento da punibilidade da tentatIva e o abalo da conSClenCla Jurldlca-

,e a perturbação ,da paz social. Objeto da teoria da tentativa é determinar, no , rocesso unitário ,de realização da vontade, o momento da relevâ;ncia penal: a) ~eoria objetiva formal: início da ação do tipo (tentativa de homicídio no ato de

cionar o gatilho); b) teoria objetiva material: atividade que integra a ação :0 tipo; pela sua estrutura natural, ou produtora de perigo direto ao be~. jud­.dico (tentativa de homicídio já na ação de apontar ou mirar contra a vltIma); 'c) teoria s.ubjetiva: representação ,do autor; d) teoria objetiva-subjetiva: ativi­dade direta para a realização do tipo, segundo a representação do autor (plano .delitivo); a imediação para a realização do tipo só é determinável no contexto do plano (representação) de realização da vontade delituosa (combinação de 'Critérios objetivos e subjetivos): tentativa de homicídio já na ação de apontar 'ou mirar contra a vítima se essa é a forma representada (uso de arma de fogo) para produzir-lhe a morte. O tipo subjetivo aparece integral (dolo e, se houver, -elementos subjetivos especiais) e o tipo objetivo, defeituoso (ausência dó resul­tado) .

A tentativa inidônea (punível, no Direito Penal alemão) configura erro de 'tipo ao contrário (qualidade do sujeito, eficácia do meio e idoneidade do objeto) : considera existente elemento do tipo não-existente. O delito putativo (erro de proibição ao contrário) é impunível: o autor crê que a conduta atípica é cri­minosa .

O fun~amento da impunidade da desistência voluntária e ,do arrependimento ativo é controvertido: 1) razão de política criminal (a punição do fato desistido '<l.esencorajaria a desistência; 2) teoria da graça (recompensa ao mérito da desis­tência: o retorno à licitude compensa o desvalor social da ação tentada; 3) teoria ~os fins da pena: punição injustificada como prevenção geral e como 'Prevenção especial.

A sistematização da matéria é realizada pela distinção entre tentativa acaba­-da e inacabada, segundo a representação do autor: 1) o realizado é representado 'Como insuficiente para a consumação (tentativa inacabada): a desistência defi­nitiva e voluntária do autor extingue a pena; 2) o realizado é representado como 'suficiente para a consumação (tentativa acabada): só é possível o arrependimen­to ativo (neutralização dos efeitos da ação). A voluntariedade (arrependimento, vergonha, medo da pena) só é excluída em causas impeditivas independentes da vontade do autor (resistência da vítima, etc.). Subsiste a punibilidade pelos fatos consumados (já não podem ser des[stidos, nem evitados). No concurso de agen­tes, a desistência ou arrependimento voluntário é insuficiente: o partícipe deve impedir o resultado ou se esforçar, seriamente, em evitá-lo.

A conduta negligente é caracterizada como lesão do cuidado exigido no âmbito de relação: a inconsciência (ausência de representação do perigo objetivo) -e a consciência (representação do perigo, que confia evitar) só relevam para a medida da pena.

O tipo de injusto negligente pressupõe: a) desvalor do resultado (objetiva­mente previsível); b) desvalor da conduta: a previsibilidade objetiva (represen­tabilidade do perigo) determina a natureza e extensão do cuidado exigido para

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evitar a lesão (o comportamento do homem prudente é o parâmetro social da conduta cuidadosa). O princípio da confiança (expectativa de conduta alheia regular) no tráfego e em trabalhos cooperativos delimita o âmbito do dever de c~idado (objetivo) e permite situar a condqta nos limites do risco social permi­tIdo): conduta lesiva do cuidado (exorbitante do risco permitido) causadora do resultado de lesão, realiza o tipo de conduta negligente. A inevitabilidade do resultado (.ocorreria ain~a em ação conforme ao cuidado) exclui a ~mputação, à conduta (amda que defeItuosa): a infração ao cuidado "não se realiza no resul­tado", que não é o seu produto necessário (expõe, detalhadamente, a controvérsia).

A . antijuridicidade (excluída em causas de justificação) e a culpabilidade (capacIdade concreta de reconhecimento e de atendimento do cuidado) sãofunda~ ~entadas como nos delitos dolosos (maior flexibilidade nas situações de inexigi~ bIlidade).

. ~ conduta omissi:a é compreendida em dois grupos: 1) omissão de ação, exIgIda em geral: o tIpo exaure-se na omissão da ação mandada (omissão pró­pria) ;2) omissão de ação exigida em especial ao círculo de garantidores do bem, jurídico ameaçado (omissão imprópria).

O tipo objetivo da omissão imprópl'ia compreende: 1) ocorrência do resul­tado; 2) omissão da ação exigida para excluí-lo; 3) possibilidade material de sua. realização; 4) causalidade do omitir (no sentido de que a inclusão mental da ação omitida excluiria o resultado) em sentido normativo e não em sentido natu­ralístico (na omissão de ação o que falta é, precisamente, a direçã.o da causali-· dade adequada à proteção do valor jurídico); 5) posição de garantidor do' omi­tente (fu~damentada,.~t~rialmente, .de duas formas: a) deveres de proteção, de determmados bens JurIdIcos; b) responsabilidades por determinadas fontes de· perigo). . O tipo subjetivo é o dolo (vontade de inatividade,com a consciência dos elementos objetivosdo tipo). O erro sobre: a) elementos do tipo objetivo exclui o dolo; b) a posição de garantidor exclui o dever especial, mas deixa inalterado, o geral. .'

A antijuridicidade (indiciada no tipo) é excluída pela colisão de deveres mutuamente ex~lusivos. O juízo de censura e o erro de proibição (no caso, de ma~dado) funCIonam como nos delitos de comissão .. A tentativa (excluída na omIssão própria) é admitida (com a transposição dos princípios aplicáveis aos delit?s .. comissivos): a lesão do dever principia (a) na perempção da p~imeira POSSIbIlIdade de salvamento, (b) no abandono da última chance de salvamento (omissão . d~ ~entativa de salvamento), ou, como propõe (c), no perigo diretQo ao. bem JUrIdICO segundo a representação do garantidor (aproveitamento da prImeira oportunidade adequada para impedir o resultado). .

~ teoria do concurso se fundamenta na distinção entre unidade e pluralidade &a~~ ,

, . Cara:teriza-se. a unidade de ação em: 1) uma manifestação de vontade; 2) varIas açoes (a) .mtegrantes de um tipo plurissubsistente ou complexo (b) inte­gra~tes de um tIpO per,manente, ou (c) omitidas, se somente cumpríveis em .conJunto ouse o resultado se verificar somente uma vez; 3) unidade de resol -ção na realização suces~iya do mesmo tipo; 4) aÇjÕes continuadas (identidat;le:e

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~bem jurídico e modo de execução) com dolo unitário (ex.tensivo aos atos poste­:riores, até o término do primeiro).

O concurso ideal (principio da absorção limitada: pena mais grave) em: 1) uma ação, vários tipos, idênticos (homogêneo) ou distintos (heterogêneo); 2) ações independentes vinculadas idealmente a uma terceira, mais grave (p!l'in­

.cÍpio da ligação). O concurso real (princípio da exasperação: agravação da pena mais grave;

<O princípio da acumulação, apenas se uma das penas for perpétua): vários fatos puníveis independentes.

Unidade de leis (concurso impróprio ou aparente) nas rel2ções de: 1) espe­eialidade (um tipo contém, conceitualmente, todos os elementos de outro); 2) subsidiariedade (aplicação do tipo subsidiário depende da inaplicação do tipo principal); 3) consunção (contenção regular (não necessária) de um tipo em

<outro) . Ante-fato (normalmente em relação de subsiriariedade com o fato principal)

e pós-fato (em relação de consunção com o fato principal) são impuniveis (ou co-puníveis), porque integram o conteúdo de injusto do fato principal.

No encerramento da obra, um método de trabalho de casos, estruturado segundo a natureza do delito, de extrema utilidade didática e prática.

Em uma simplificação quase abusiva, esse o conteúdo do livro, apresentad1> em excelente composição material e impecável aspecto gráfico.

O rigor e a fidelidade na tradução - dificultados pelo nível de elaboração abstrata e precisão científica da dogmática alemã - seriam impossíveis sem o preparo teórico do cientista, ou sem a sensibilidade idiomática ou o domínio lingüístico do tradutor: a competência e o esmero do professor JUAREZ TAVARES,

cristalizados em uma obra de consulta obrigatól'ia e permanente para estudiosos e profissionais do Direito Penal, abrem uma perspectiva renovadora para o culti­vo da ciência penal, entre nós.

As notas (em número de 25) do tradutor valorizam a tradução: situam alguns problemas fundamentais do Direito Penal em uma ótima realista, acres­centam e esclarecem pontos es,senciais do texto e relacionam certos posiciona­mentos teóricos com a doutrina e jurisprudência nacionais.

JUAREZ CmINO DOS SANTOS

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JURISPRUDÊNCIA

Desacato. Riso.

Os j.ornais noticiavam que, durante uma audiência judicial, no interi.or de Sã.o Paul.o, ao lhe serem indeferidas perguntas pel.o juiz, .o advogado sorriu. E por causa deste riso, foi ele preso em flagrante pela prática do crime de desacat.o.

Sabia-se que certamente um requeri­mento de habeas-corpus tentaria tran­car a açã.o penal que se seguiu. E no DJ de 17/set/76, p. 8051, temos a emen­ta da decisão do RHC 54.637, do qual (f.oi Relator .o ilustre Min. OORDEffiO

GUERRA. Transcrevâmo-Ia: "Desacat.o. Tran­

camento da ação penal. O riso pode en­cerrar escárnio, zombaria, m.ofa, capa­zes de desprestigiar, menosprezar .ou humilhar a aut.oridade. A inexistência de d.ol.o só pode ser reconhecida quan­do resultar evidente dos elementos do processo, sem necessidade de cuidad.o­sa incursão no campo probatório. Re­curso de kabeas-corpus impr.ovido".

A decisã.o merece algumas c.onside­rações.

Ninguém duvida de que .o desacato possa ser praticad.o com atos, ao invés de palavras.. O código italiano possui regra equiparando ao "oltraggio" quem pratica o fato "con scritto o disegno". Não sendo .o desacato nada além de uma "forma speciale di ingiuria", com.o lembra AN'OOLISEI (Manuale, P.S., Milão, 19721, II, 733), será per­feitamente admissível que os juristas

corram a falar de desacato real, indi­reto, .oblíquo, simbólico, etc. HU:NGRIA

_ sempre mais brilhante do que siste­mátic.o - mencionava "as palavras in-

J·uríosas dlfamatórias QUI caluni.osas, { , vias de fato, agressão físIca, ameaças~ gest.os .obscenos, gritos agudos" (Co­mentári.os, IX, 424). Teoricamente, pois, qualquer ato pode constituir o' elemento material d.o crime de desa­cato.

O ris.o inclusive? O riso não é tão­simples, como não seria simples .o cho-1'.0, ou .o vômit.o - e .o eventual ml1.1}; gosto do último exemplo se compensa. pela autoridade de sua fonte, PAVIJOV, que lhe chamou "reflexo extremamente Icomplicado" (LP. PAVLOV, Obras-E&­CQlhidas, São Paulo, 1962, p. 41).

O riso (bem como o choro ou .o vô­mito) não provocad.o, isto é, que não. seja artificial, que nã.o seja mer.o ríc­tus, imitação de riso voluntariamente· produzida, pode situar-se perfeitamen­te na noção cartesiana de reflexo, re­tomada e desenvolvida, em nível fisio­lógic.o, de forma insuperável por' PAVLOV, e aproveitada com certa fe­cundidade por alguns "behavioristas". E isto, porque a ação de rir verdadei­ramente "responde" a certos estímulos,. que foram primorosamente estudados. por BERGSON em seu famos.o ensaio, em passagem do qual afirma que diante de certa situação (n.o caso, examinava, ele o cômic.o do repetitivo) "terei que· rir, contra a minha vontade" (II. BERGSON, "O Riso - EJnsaio sobre a·

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;Significação do Cómico", trad. H. BOR­BA FILHO, in Teoria e Prática do Tea­.tro, S. Paulo, 1960, p. 136).

A doutrina corrente - e toma-se MEZGER como paradigma - sempre ,excluiu que houvesse ação em sentido jurídico-penal nos "llamados movimien­tos re/lejos, estQ es, los movimientos corporales en lc>8 que la excitación de losnervios motores "no está bajo :Un, influjo ánim~()o, sino que es desatada 'Í.nmediroÚ1t1n!3nte por um estirwulo fi­siológico-corporal, es.toe8, en Z08 que un estímiulo, 8ubcorticaZmente y 8in in., tervención de la consciencia, pasa de unéentro 8ensorio a un centro motor y produce el movimiento", por faltar o 'lato' concreto de" vontade" qúe é sua essência" (MEZGER', Tratado de Derecho Penal, trad. R. MUNOZ, Madrid, 1946, v. l, p. 212:). Por carência daquilo que BETTroL chama de "coeficiente psíqui­Co da' ação", "são excluídos de seu âm­hito os movimentos reflexos" (o exem:., pIo com o qual trabalha é o espirro;' d. G. BE'IT1OL, Direito Penal, trad. COSTA JR., S. Paulo, 1966, v. I, p. 265). No mesmo sentido, MAURACH (Tratado" de Derecho Penal, trad. C. RODA, Bar­telona., 1962, v. 1. p. 215).

Entre nós, ANíBAL BRUNO, de for­ma lapidar, consignou que "falta a ação nos movimentos reflexos, de que a von­tade do agente não participa e onde, por conseguinte, não há crime, qual­quer que seja ó seu resultado" (Direi­to Penal, Rio, 1959, v. I, p. 303).

É verdade que os autores são sempre tímidos e restritivos, a respeito, tra­tando iogo de distinguir entre o ato refl-exo e o ato automático - este, constituindo ação. Tal preocupação é antiga, alcançando mesmo autores que nem poderiam conhecer nada sobre atos reflexos, como, p. ex., CARMIGNANÍ, que cuidava de esclarecer que "l'abitu­dini" nem diminui a nem excluia a im-

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putação, no tocante à vontade ~ "à li-" berdade do agente, para usar termos de seu sistema ("Elementi di Diritto Criwinale", trad. DINGLI, Milão, 1882, p. 86). Ora, é muito claro e elementar que o automático - incorporação con­sentida da vontade -, o instintivo, o habitual, bem como as chamadas "ações de curto-circuito" são situações bem diversas dos movimentos' reflexos. Não é necessário, para distingui-los .e deci­frá-Íos, amarrar-se eternamente ao es­pirro de BETTIOL, ou ao vômito de PAVLOV e MAURACH, ou - extremo dos extremos - à contração física diante de qúeimaduras, ou à <C Berüh'r~ng einer elektrischen Leitung" de JESCHECK (Lehrbuch des Strafrechts, Berlin, 1969', p. 154). ,

O riso espontaneamente produzido, como resposta incoercível a determina­dos estimul(\s sócio-culturais, não pode de forma alguma ser típico com res­peito a qualquer delito, porque não constitui ação. Isso fic,a mais évidente Se nos aproximamos de um conceito fi­nal de ação, pela ausência daquilo que WELZEL chama de primeira etapa da "dirección finaZ de una acción", que se transcorre toda "en la esfera deZ pen-8l1i1niento" (Derecho pena{ Aleman, trad. BUSTOs - Y. PÉREZ, Santiago, 1970, p. 54). À mesma conclusão che­garíamos, se operássemos com um con­ceito social de ação, pois, ao lado da relevância social está posto, como em WESSELS, que tal conduta seja "domi­nada ou dominável pela vontade huma­na" (Direito Penal, trad. JUAREZ TAVARES, P. Alegre, 1976, p. 22).

Se, diante de certas variáveis sócio­culturais, para retomar a expressão de BERGSON, "terei que rir contra a minha vontade", da mesma forma que, fossem outras as circunstâncias, eu choraria, ou vomitaria - sempre contra a minha vontade - não há como ver ai, em

2entido jurídico-penal, ação, a menos que se ignore tudo quanto a ciência do ilireito penal produziu neste século, a ;respeito.

Por outro lado, não convence que :seja mister "cuidadosa inéursão no -campo probatório" para discernir u~ riso natural de uma gargalhada artI­ficial, acintosamente produzida, de cuja espécie tivemos exemplar muito comen­tado pela imprensa, na Câmara Fe­deral, de parte de certo líder de banca­da, há pouco tempo atrás. Não ,~e tra­tava aí de pesquisar o dolo ( vonta­de ~ons~iente de praticar a ação ou proferir a palavra injuriosa com o pro­pósito de ofender ou desrespeitar o :funcionário ou autoridade a quem se dirige" como lembra decisão da 2.a

CC TÀRJ, Relator o eminente Juiz :RAUL RIBEIRO, AC n.o 10.168, D.O. 2/jun/75, lU, 5149), o que, em certa medida seria a nosso ver possível. Tra­tava-se' tão só de pesquisar a existên­oCia (ou não) de ação, num caso extre­mamente provocante, do ponto de vista

.c1entífico. Em verdade, a ligeireza com que, al-

gumas vezes, certos tribunais, em ha~ -beas-corpu8, se demitem do exame das questões propostas sob alegação de lhes :ser defeso ingresso na prova - o que HUNGRIA chamou de "superstição" -faz lembrar aquele juiz de MARTINS PENA, que dizia: "Um meu amigo me :aconselhou que, todas as vezes que eu não soubesse dar um despacho, que desse o seguinte: "Não tem lugar" (O Juiz de Paz da Roça, cena XXI). '(Nota de NILO BATISTA).

"Estrito cumprimento do dever legal. Policial que dispara arma de fogo -contra preso em fuga.

A 2.a C. Crim. do T.A. do Estado do Rio de Janeiro na AC 10.115, relator

o eminente Juiz ERASMO DO CoUTO de­cidiu que "age no estrito cumprimento do dever legal o policial que desfecha tiros na direção de preso sob sua guar­da que tente fugir".

O julgado coloca, de início, uma in­dagação fundamental, a dos limites de reação permitida para obstar a fuga pacífica, gerando em conseqüência cer­tas questões: foram usados outros meios de intimidação? Seria possível de outra forma impedir-se a fuga? A cir­cunstância de perigo para terceiros foi

avaliada? Na hipótese tratava-se de fuga nã.o

violenta do preso conduúdo ao II TrI­bunal do Juri, por volta das 18 horas, em local movimentadíssimo, havendo o policial acionado sua arma e por aber­ratio atingido terceiro que veio a sofrer

lespes corporais. , Apesar de figurar no corpo do acor­

dão a afirmação de que age no «exer­cício regulwr de direito o guarda, mi­litar o policial, o carcereiro que, para man~er a segurança de sua vigilância, para recapturar um preso que tenta fugir, usa a sua arma ... " fundamen­tou-se a decisão no estrito cumprimen­to do dever legal. (A respeito da dis­tinção entre exercício de direito e cum­primento -do dever legal, cf. a mo~o~a­fia de CAVALlJO, L'esercizio deZ D'tt'Ntto nelZa Teoria Generale deZ Reato, Napo­les, 1939, pág. 125 e seg.)

O cumprimento do dever legal so­mente é estrito quando não excede o limite racionalmente indispensável a sua realização, quer nos modos como nos meios empregados. A ação só será ajustada ao direito quando for obser­vado o "arbítrio adequado ao dever", como ensina MAURACH. Imprescindibi­lidade absoluta no uso dos meios e pro­porção, eis os precisos limites da ex­

cludente.

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A questão traz tamb.ém a debate "l'uso legitti'InQ delle armi", justifica­tiva autôn.oma, desconhecida do nosse ordenamento jurídico, diversamente do que ocorre no Direito Penal Italiano, inovação do Código Rocco (se bem que lá o Dec. 1.876 de 20.08.1928 facultasse aos guardas de alfândega o emprego de armas contra contrabandistas e o regu­lamento n.O 1643 de 06.11.1930 também o autorizasse desde que para impedir a entrada abusiva nas fronteiras do Es­tado).

No Brasil, no regime do Código Pe­nal de 1890, não cnohecíamos sequer a excludente do cumprimento do dever legal, mas o Código, na parte especial era taxativo ao estabelecer que "o mal causado pelo executor na repulsa da força empregada pelos resistentes não lhe será imputado, salvo excesso de jus­ta defesa" (art. 125). O Código de Proc. Penal em vigor somente permite o emprego da força quando "indispen­sável", nas hipóteses de resistência ou tentativa de fuga (art. 284), para de­fender-se ou para vencer resistência a prisão (art. 292), obviamente prisão legal pois caso ,contrário a resistência se legitima (cf. a propósito Fragoso, ,ulções, L V /1144).

A Relação Ministerial do Projeto Italiano adverte que a excludente do art. 53 está ditada pela necessidade de eliminar-se a controvérsia a respeito de qual a descriminante que se aplica­ria ao uso de armas, se exercício de um direito, cumprimento de um dever legal ou a legítima defesa. No mesmo senti­do a lição da doutrina. Segundo MAG­mORE, na vigência do Cód. Zanardelli tinha-se que deduzir a situação me­diante uma difrcil interpretação sis­temática da lei. Para justificá-la os autores se referiam desde a legítima defesa, estado de necessidade até ao cumprimento do dever legal. Daí afir-

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mar, também BETTIOL que para "ter­minar com esta. situação de incerteza, o legislador preferiu prever o uso le­gítimo de armas como causa de justi­ficação . autônoma" sem.que isto venha a impedir seu caráter subsidiário. Da mesma forma PANNAIN e BATAGLINI ..

AN'I'OLISEI salienta que o uso legíti­mo de armas é a hipótese mais impor­tante da atividade justificada por uma. norma jurídica, deixando claro, tam­bém, que não se trata de legítima de­fesa mas de um poder bem mais amplo. que encontra fundamento na necessi­dade de garantir a autoridade e o pres­tígio. dos que exercem função pública.

Poderia parecer desnecessária a dis~ tinção, mas tanto existia a dúvida que LA MEDICA, em sua preciosa monogra­fia, afirmava se tratar a hipótese de "forma especial de legítima defesa" e FWRIAN de, "classe sui generi8i de le~ gítima defesa".

O mencionado art. 53 do Código Pe­nal Italiano apenas permite o uso de armas quando o agente "é costretto> dalla necessità di respingere una via­lenza o di vi11,cere una resistenza all. Autorità".

Alé~ da finalidade perseguida, isto< é, o cumprimento de um dever de ofício. (onde mesmo os que negam a existên­cia de elementos subjetivos nas causas de justificação afirmam a necessidade de um momento de caráter subjetivo), a doutrina italiana exige que o uso de armas contra as pessoas deve sempre considerar-se um "expediente extremo" (MANZINI). Para BATAGLINI, inexis­tindo "uma relação de proporção en­tre a violência ou a resistência alheias e o uso de arma ou de outro modo< de coação física por parte do fun­cionário público - porquanto a vio­lência ou a resistência poderiam ser vencidas por outros meios - o funcio­nário público que usou das armas pc.-

derá beneficiar-se somente do art . 55 que se refere ao excesso culposo. BET­TIOL a seu turno, afirma ser funda­men~al a necessidade de repelir a vio­lência ou V'el~cer resdstênria, 'ponde­rando que o uso legítimo de armas deve apresentar-se como "extremo remédio" usando~se sempre que possível o "ca­minho Illlenos custoso". Apenas, con­tinua BETTIOL, quando o "sacr:fíc'o de um bem individual se apresenta como absolutamente necessário para salva­guardar um de importância maior "de­ve-se recorrer ao uso de armas".

Com relação ao elemento violência, segundo ,MAooIDRE, vale a mesma argu­mentação feita quanto ao instituto d.a legítima defesa. A simples desobedl­ência, como a fuga, exemplifica o au­tor, não basta.

BATAGLINI adverte: funcionário que fora dos casos excepcionais recorresse ao uso de armas - contra pessoa que está sendo presa e não obedeça a or­dem de parar - agiria de forma arbi­

tl'ária. Segundo ANTOLISEI a indispen-sabilidade do uso de armas para re­chaçar uma violência é o que legitima a ação da autoridade, da mesma forma ensinando P ANNAIN que qualifica a ex­cludente de "natura eccezionali8'8ima". A respeito dos limites da mesma deixa expresso P AN.NAIN em 'seu Manuale: "Quest' uso nQn e rimessQ perô, all'ar­bitrio dei sQggeticui e consentito, ma e circoscritto in limiti rigorosi". A fu­ga ou a resistência pacífica não basta para justificar o uso de armas, "mezzo estremo di coazione" no qual se requer a "proporzione col pericolo, che si deve fronteggiare". Leciona, ainda o mestre da Universidade de Camerino, quanto ao requisito proporção: "Ma, pfJr ve­rità, l'art. 53 non parla ne di "propo1'­zione" ne di "pericolo", per cui ocorre riferirsi all'art. 55, ove si parla di

eccedere ilimiti stabiliti dalla neces~ sità".

Adotando o ensinamento 'da melhor doutrina, parece-nos, data' \tEmia, que a matéria exige a máxima prudência, não encontrando apoio legal o uso de ar­mas por parte de autoridade que verih~ voluntariamente a ocasionar lesões gra­ves ou morte do fugitivo, salvo a hi­pótese de excesso escusável, mesn:n t;u~ ausente outra forma de lograr a captu­ra, por evidente uso abusivo do poder. Os meios devem ser graduados chegan­do-se ao perigo letal somente em ul­tima ratio. Orgulho, amor próprio ferido de policial que por dever de ofí­cio está obrigado a defender e ·zelar pela segurança do povo não justificam atos violentos e desnecessários (peri­gos até para terceiros como na hipóte­se em tela). A tanto não poderíamos elastecer o requisito "força indispen­sável" a que se refere o Código de Proc. Penal, nem os da "proporção e necessidade" exigidos para que ocor:­ra a excludente do uso de armas, espé­cie do estrito cumprimento do dever legal, que por ser estrito não admite interpretação extensiva

Ampliar o âmbito da excludente e permitir o Estado que seu funcioná­rio "mate o preso que foge, só porque foge, equivaleria a condená-los à morte pelo fato da fuga o que seria mons­truoso" (Pedro Vergara, Delito de Ho­micídio, pág. 445/6), quanto mais quando se trata de ação penalmente atípica. T'ípica, ao contrário, é a eva­são mediante violência contra pessoa, o motim de presos, a promoção ou fa­cilitação da fuga de presos; a resis­tência e a desobediência. Devemos ter,. outrossim, em mente que o abuso ou excesso de poder é também incriminado pelo Código. Lembremo-nos afinal do ensinamento sempre preciso de CARRA.­M, a justificar a fuga pacífica: "iI

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reo che per pigliare il largo usa arti­jizi Q profitta. della negligenza dei suo i custodi, obbedisce ~d una legge di na­tura,. ed e s<Jusato" (Programma § 2.8IQ3).

Aliás, e a nosso ver acertadamente foi dec:dido pela 1.a ins1;tâ,ncia "que nã~ é dever legal atirar nos presos que fo­gem". (Nota de HEIWR C<>STA JÚNIOR)

Difamação e Prescrição. Não cimo provint'lo lituosa.

injúria. Divulgação. se computa o acrés­de continuação de-

No julgamento do RC 804, ocupou­se a La CC T ARJ, tendo por Relator o eminente Juiz JORGE ALBERW ROMElR'O de duas questões interessantes. '

Em primeiro lugar, afirmou-se' que "a divulgação de difamação e in­júria contidas em documento feita por meio de publicação em jornais constitui, respectivamente, os crimes previstos pelos arts. 21 e 22 da Lei de Imprensa, não podendo de modo algum configurar a qualificativa do art. 141, III, do Có­digo Penal". Com efeito, o "meio que facilite a divulgação" da ofensa pode ser de qualquer natureza, menos _ por razões que acertadamente assinala o Relator serem óbvias - a imprensa.

Em segundo lugar, na linha sempre mantida pelos tribunais brasileiros afirmou-se que o acréscimo provind~ de continuação deli tu os a não interfere no prazo prescricional, o que seria re­almente um absurdo. Argumenta, com toda a procedência, o acórdão: "Se o réu, respondendo por infrações autô­nomas, em concurso material, a pres­crição se regula pela pena mais grave, sem qua1quer majoração (art. 118), como piorar a sua situação no crime ~on.tinuado, quando é este ~ma jictio. 'lur'18 de crime único, destinada exclusi­vamente a minorar-lhe a im,putação ou

a evitar a imposição de uma pena ex~ cessiva"?

Em ambas as questões, pa~ece-nos que a orientação adotada é irreprocliá­ve1. (Nota de Nu.io BATISTA)

Recebimento da denúncia. Crime Fa­limentar. Despacho fundamentado.

Duas recentes decisões dos ·STF à unanimidade de votos e preferidas ~or cada uma de suas duas turmas dão nova interpretação jurisprudencfal à invocação de nulidade pelo descum,pri­mento do d-sposto no art. 109, § 2.0 da Lei de Falências. Prevê a lei no ci­tado artigo que o juiz fundamentará o despacho com que recebe a denúncia ou a queixa, remetendo os autos ao juízo criminal.

Entendeu o STF, nestes recursos, R~C 52.:50 e HC 52.973, que não apro­velta a mvocação da nulidade quando j~ existe sentença acolhendo a preten­sao acusatória.

Diz o acórdão da La Turma, no REC 52.750, relator e eminente Min. Ro­DRIGUES ALcKMIN: "Se já existe juízo fundamentado sobre a procedência da acusação, incabível é anular o proces­so com a alegação de que não foi fun­damentado o prévio juízo sobre a ad­missibilidade da imputação". Em seu voto, afil'l'r1à o ilustre relator: "O fun­damento que tem como nulo o processo pela falta de motivação do despacho que recebe a denúncia em crime fali­~entar está em que, apôs a defesa no mquérito judicial, esse despacho cor­responderia a uma pronúncia". E pros­segue: "Ora, se já existe decisão con­denatória, em procedimento a que não se negou plena oportunidade de defe­sa ao réu, não me parece acertado anu­lar o processo porque não fundamen­tado o ~uízo sobre a admissibilidade da acusação. É que aqui, após as opor-

tunidades processuais regularmente ou­torgadas' à defesa, já se chegou ao juízo sobre a procedência da acusação, fundamentadamente. Como considerar nulo o processo com apoio em que não foi fundamentado juízo anterior na ordem procedimental, sobre a mera ad­missibilidade da imputação cuja pro­cedência se reconheceu? A lei proces­sual repele essa nulidade" (RTJ 71/ 406).

Na outra decisão, da 2.a Turma, no HC 521.973, relator o eronente Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, igualmente à unanimidade, considerou o Tribunal que "encerrado o processo criminal por decisão final condenatória, não tem ca­bimento anulá-lo' sob a alegação de não haver sido fundamentado o des­pacho de recebimento da denúncia".

Tais acórdãos, ao que parece, encero ram séria divergência entre nossos tri­bunais, inclusive no própro STF, que estavam divididos em duas correntes distintas e opostas.

A primeira corrente entendia que o despacho não precisa ser motivado, ar­gumentando que o recebimento da de­núncia não constitui sentença e que não cabe recurso do despacho que re­cebe a denúncia, mas tão somente da­quele que deixa de recebê-la, e este deve ser fundamentado. Nesse sentido, cf. HC 31.537, ST'F, rI. Min. OROZIMOO NONATÓ (RF 137/182) e HC 24.928 da 3.a C. Crim. do antigo TJGB (RT 413/377).

A segunda corrente dá pleno vigor ao mandamento legal, entendendo que tal despacho é o termo do inquérito judicial, que é contraditório e, nesse sentido, o despacho corresponde a sen­tença de pronúncia, além de trazer a grave conseqüência de impedir a ad­missão da concordata suspensiva. O STF, no julgamento do RHC 50.927, relator o eminente Min. THOMPSON

FLORES, entendeu que é nulo o despa­cho despido -de qualquer fundamenta­ção (RTJ 67/77). Do voto do relatorv

destaca-se: "E vã não é a exigêncial em questão, dado que, como acentuei ao> votar no RUC 45.2.95-RS (R.TJ 59/ 406), este despacho se equipara a ver­dadeira sentença de pronúncia, como dispunha a primitiva Lei de Quebras, D. 5746/29, art. 175, proferido após o inquérito judicial, procedimento de obrigatória contrariedade, como assina­lam autores e julgados, e no qual o recebimento da peça acusatória acar­reta, os graves efeitos aos quais se refere o art. 111 do citado diploma" (lei de Falenciais). Conclui seu voto afirmando que a exigência da motiva­ção se equipara, ainda, sob o ponto de vista da validade do ato, àquela rela­tiva ao despacho que decreta a prisão preventiva. No mesmo sentido, cf. ou­tras decispes do STF, publicadas na RTJ 48/673, 37/212, 54/571, 62/593 e 70/3.31.

O novo entendimento do ST'F pare­ce-nos o mais aceitável e correto, pois dando à lei perfeita interpretação res­tringe o reconhecimento da nulidade pela não observância pelo juiz apenas enquanto não está encerrada a ação penal. De fato, a alegação de nulida­des superveniente à sentença condena­tória não deve ser acolhida, tendo-se em conta aÍ'nda o disposto nos art 563 e 566 do CPP (nota de FERNANDO FRA~ 0080).

Ministério Público. Legitimidade e Interesse em recorrer de Sentença Condenatória.

As C. Crim. Reunidas do TJ do Es­tado do Rio de aJneiro, pela unanimi­dade de seus membros, no julgamento dos Embargos Infringentes e de Nuli­dade na AC 62.142: decidiu que: "Ao

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11'epresentante do Ministério Público :não é dado apelar da sentença conde­'natória".

Na hipótese, o Promotor Púb:ico de -1.° grau em alegações finais, após exa­minar a matéria probatória, pediu a

:absolvição do acusado por entender que -ele não praticara o delito previsto no ;;artigo 171, VI CP e requereu a extra­'ção de peças do processo a fim de se­::rem remetidas ao Sr. Procurador Ge­iraI da Justiça, pois constatara a prá­tica do delito do artigo 160 CP pelo então lesado no processo. O juiz de 1.0 grau proferiu sentença condenatória. Inconformado recorreu o órgão do Mi­nistério Público, pleiteando a absolvi­ção do condenado A ego 1.a C. Crim. do TJ, pela maioria de seus membros, não conheceu do recurso interposto. A De­fensoria Pública em exercício perante os Tribunais interpôs Embargos Infrin­;gentes e de Nulidade, que não tiveram ,êxito.

O acórdão das C. Crim. Reunidas, :sendo relator o eminente Des. NEWTON (QUINTELA, entendeu que o Ministério Público não tem qualidade nem interes­,se para pugnar pela parte adversa.

Não nos parece acertada a decisão. Com efeito, o argumento da falta de legitimidade (qualidade) do Ministério Público para recorrer encontra óbice na própria lei processual, artigo 577 caput CPP. Por outro lado, legitimida­de para recorrer as partes sempre têm, pelo simples e óbvio fato de serem, par­tes na relação jurídica processual. O que podem não ter, dependendo do caso é interesse na reforma da sentença: Entretanto, legitimidade e interesse não se confundem.

Com relação ao fundamento da falta -de interesse, primeiramente é necessá­rio definir quais as funções do Minis­tério Público no processo criminal. A. resposta a esta indagaç.ão está na pró-

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pria lei: "O Ministério Público promo­verá e fiscalizará a execução da' lei" (art. 257 CPP). Esta a sua função.

Para que o promotor público pOssa bem exercê-la é necessário que tenha elementos efetivos para tornar possí­vel a determinação legal. Assim é que não se pode negar a possibilidade de o mesmo recorrer para a exata aplica­ção da lei, em benefício do interesse público, que pode ser tanto a ABSOL­VIÇÃO DE UM CONDENADO INO­CENTE, como A CONDENAÇÃO DE UM ABSQLVIDO CULPADO.

CHI'OVENDA (Prindpii Di Diritto Processuale Civile, 1965, 457) diz o se­guinte a respeito da função do Minis­tério Público: ue ufficio attivo che ha per compito funda'J'rl.entale di promove­re el esercizio della funzione giurisdi­zionale, nell'interIJsse público, e conclu­dere sul modo de~ suo esercizio". O grande CARNELUTTI (Sistema de De_ recho Procesal Civil, trad. de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo y Sentis Me­lendo, II, 51/52) entende que a garan­tia do interesse público «en lugar de un derecho, es para el Ministerio PÚ­b-~o objeto de un deber", continua, depois "puesto que.., al igual que el juez, el Ministerio Público no tiene en el prooesso un derecho que ejeroitar, sino un deber que cumplir". No mesmo sentido: ZAMORA y CASTILLO e RICARDO LEVENE, RIJO (Derecho ProclJsal Penal, I, 379) e VELES MARIOONDE (Derecha Procesal Penal, I, 2.a ed., Buenos Aires).

A doutrina processual, preocupada em explicar o interesse do Ministério Público em recorrer quando condena­tória a sentença, começou a construir Um conceito especial de "parte" para o Ministério Público: parte imparcial, parte somente no sentido formal, parte substancial (a este propósito veja-se com detalhes a excelente obra de CARI.Io

'['AORMINA (L'essenzialitá del procedi­mento penale, 1974, Pubblicazioni di 'Di­ritto penale dell'Universitá di Roma, -480/488) e FERNANDI() DA COSTA Tou­RINHO FILHO (Processo Penal, 2, 2.a

<Eld. 203/206). Ora, não é parcialidade <ou' a imparcialidade que caracteriza o <conceito de "parte", mas o fato de al­guém figurar €\lll nome próprio, no lado ativo ou passivo, na relação jurí­dica de direito processual com direitos .e deveres (v.g., no cível, o autor de uma .ação não perde a qualidade de "parte" por ter renunciado ao dirieto ou por ter desistido da ação, nem, tampouco, o réu por ter reconhecido o pedido).

A preocupação em formular um con­ceito de parte especial para o Ministé­rio Público tem origem no fato de que grande parte dos doutrinadores vin~

culam o interesse em recorrer à sucum­ibência ou prejuízo, quando o enfoque correto a ser dado ao interesse deveria partir sempre do binômio: necessidade mais utilidade (veja-se a este propósi­to, com detalhes ,a excelente crítica do mestre JosÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (Comentários ao Código de Processo Civil, V. 1.a ed., 236/237; 2.a ed., 277/ 284 e O Juízo de admiS'Sibilidade no :S1Jstema -dQS recursoS1 civis, 1968, 71 s.).

Na hipótese em estudo, o interesse do Ministério Público em recorrer era -evidente, pois a absolvição do acusado era -condição necessária para que a :ação penal pelo delito de extorsão pu­desse ser promovida em face do pseu­-do lesado, ,conforme o pedido formula­do pelo promotor público de 1.0 grau. 'Com a prolação da sentença condena­tória de 1.0 grau ficou caracterizado, :pe'lo menos para o mundo jurídico. que o cheque teria sido emitido em fraude de pagamento e não como ga­rantia de dívida. E,vidente a necessi­dade da utilização de recurso pelo Mi­mistério Público, única via para alcan-

çar o resultado prático de possibilitar a futura açãQ penal contra a pseudo vítima pelo delito de extorsão e, tam­bém, para que a lei fosse corretamen­te aplicada (utilidade).

Ressalte-se, que o GP'P permite que o órgão do Ministério Público impe­tre Habeas Corpus (art. 654, caput, in fine); o código do Ministério Públi­co do antigo Estado da Guanabara, le1 3434/58, ainda em vigência, permite que o Procurador Geral da Justiça pro­mova ação de revisão criminal (art. 16 • VII); o regimento interno do STF per­mite, igualmente, que o Procurador Ge­raI da República promova revisão cri­minal.

Ora, se o Ministério Público pode antes da sentença condenatória inter­por habeas corpus, pedir absolvição em alegações finais e depois de transitada em julgado a sentença condenatória, requerer revisão criminal, porque no curso do processo, isto é, após a sen­tença de 1.0 grau, não pode recorrer para a exata e correta aplicação da lei, que nada mais é que um dever do ór­gão?

O grande processualista EUGENIO FUORIAN (Elementos de Derecho Pro­cesaZ Penal, 1934, trad. de L. Prieto Castro) já se manifestou sobre o pro­blema, "verbIs": "El interés en el 're­curso e8 presupuesto indispertJSable de la interposición deZ miSlmo. El inter6s del M. Público es más amplio en este punto: 1) en cuanto parte, hace valer los intereSS1es de la acusación y ejercita la (4eción penal en el juicio correspon­diente; 2) - en cuanto órgano de los intere..sse..s generales y superiores de la justicia, puede obrarr interponiendo el recurS10 awnque com el fim de ayudar al proeesado (pág. 425).

Outra não é a lição de JORGE A. CLARITÁ OLMEOO (TratadJo de Derecho Procesal Penal, V, 1966, Buenos Aires),

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'-'''' jacuttad impugnaU-va deZ Ministeria fiscal presenta caracte­rísticas especiales si se tiene en cuenta que con el ejercicio de la accian penal pretende hacer prevalecer en el praces­'8a el i?l-terés público de justicia. Aqui es donde se advierte más pronuncia­damente el caráter imparcial de su actuacion. La posicion y espectativa del Ministerio Fiscal supre un perjui­cio cuando la resolucion no re8ponde al interés de justiciaque él pretende ka­cer prevalecer aunque sea a favor del imputado (págs. 457/458').

Neste mesmo sentido: ESPÍNOLA FILHO, VI, 43/44; Nroo BATISTA, RDP, 9/10, 105/106); ROU'x (Cours de Proit Criminel F'rançais, II, 467); LAURIO NELOON FORNARI THOMIÉ (Jusúitia, 80, 9/13); CARNELUTTI (Principios Del Proce8o Penal, trad. 196ü, Buenos Aires, 292).

O TJ do Distrito Federal, na AC 30, sendo relator o Des. MÁRIO GUERRERA, proferiu a seguinte decisão: U Furto Simples - Recurso do M.P. em favor do réu. Graça. Indulto".

O M.P. tem legítimo interesse em recorrer de decisão, embora condenató­ria, se opinou pela absolvição do réu e, assim, viu rejeitado ponto de vista que sustentou no processo" (D.J. 20/8/70, 3634 ou Boletim de Juri8prudencia Adcoa8, 1971, verbete n.o 1605).

N este mesmo sentido, as seguintes decisões: TA do Rio Gramde do Sul, AC 3.823 de Bagé - 19/15/43, decisão por maioria, RT 155, 761/762; TJ <ie São Paulo, 1.30 Câmara, RC 110.192, Comarca de Santos, 30/8/71, decisão unânime, RT 432, 325/327; TJ do Rio Grande dQ' Sul, Carta Testemunhável 1.1'39, Alegrette, decisão por maioria, 3.30 C. Crim., 1967, Revv8ta de Juris­prudência do Tribunal de JU8tiça do Rio Grande do Sul, 8, 2/5; TJ de São Paulo, RC 56.531, Santa Branca, deci-

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são unânime, 3.30 C. Cril1l., 3/3/,'68, R'll' 275, 151/152; TJ de São Paulo, AC 58.911, decisão unânime, 3.30 C. Cri:IIT.~

RT 178, 550 e 'TJ do antigo Estado dOo Rio de Janeiro, RC 19.759, decisãOo unânime, La C. Crim., D.J. 22/6/73, 4,

Concluindo, entendemos que o Mi­nistério Público tenha legitimidade e interesse para recorrer, em benefício do réu, de uma sentença penal condenató­ria negaI ou injusta. (Nota de PAUL() CEZAR PINHEIRO CARNEIRO).

Testemunhas. Violação do contradi­tório. Irrelevância.

Por ocasião do julgamento do RHC 52.823 (RIT':' 72/38), a 2.,a Turma do­STF decidiu que "o princípio do con­traditório deve ser observado, corno de­termina a constituição; mas a sua/ inobservância na inquirição de Uma!

testemunha cujo depoimento não foi sequer mencionada na sentença cond'e­natória, que se baseou noutras provas. não anula a C1ondenação do réu, CO'l'/'Ul>

expressam os arts. 568 e 566". A orientação adotada pela turma

está perfeitametne delineada no se­guinte trecho do voto do eminente Mi­nistro ANTONIO NEDER, relator do feito: "Quanto à inobserV'ância do princípio> do contraditório, é de se reconhecer que". na verdade, () juiz processante da ins­trução criminal inquiriu: a' testemunha; Miguel Rocha (fls. 30) sem cumprir (l>

referido mandamento constitucional." Sucede, todavia, que a sentença im­pugnada não se baseou no depoimento­de Miguel Rocha para condenar o pa-' ciente Sérgio, ao qual nem se referia ela em seu texto. Consequentemente, (g

di8cutida falta não prejudicou o réu:,. não influiu na verificaçiio do feito, nem na decisão".

Ao que tudo indica; o- v. acórdão­não resolveu desprezar' a conhecida di--

ferença entre nulidades relativas e nulidades ab80lutas ou, pelo menos, entender que a violação de preceito constitucional no processo penal per­tenceria à primeira categoria. Isto porque, segundo a lição da doutrina mais autorizada, a nulidade absoluta deve ser proclamad,a de oficio, inde­pendentemente da indagação de efeti­vo prejuízo para a parte. FREDERICO MARQUES, II, 436, por exeIlllPlo, ensina que, em se tratando de omissão de for­rnalídad,e e8sencial de ato do processo, "o prejuízo a que alude o art. 563 es­tá implícito na inobservância ou omÍ8sã,o".

Não nos parece razoável que a inob­servância em desfavor do acusado de preceito imposto pela lei das leis, no capítulo referente aos "Direitos e Ga­rantias Individuais", possa ser consi­derada como nulidade relativa a encon­trar sanatória nos arts. 563 e 566 do estatuto processual penal. Seria con­clusão a não encontrar apoio nem na lei, nem no bom senso. O sistema do ~ontraditório é urna árdua conquista do Estado de Direito, cuja obediência não ficou subordinada à vontade nem do legislador ordinário, nem muito menos do juiz. De outra forma, não se entenderia o disposto no § 16 do art.

153 CF. Por outro lado, ainda assim não fos­

se - admita-se para argumentar -, palpável é o efetivo prejuízo para o acusado áa omissão da formalidade aqui em foco. Com efeito, parece que a mais alta Corte do País não atentou para o fato de que, com o contraditó­rio regularmente estabelecido, na in­quirição da testemunha, poderiam sur­gir dados fundamentais para a desco­berta da verdade real e, possivelmen­te, para a absolvição do acusado. O fato de o depoimento da testemunha não ter sido sequer mencionado na

sentença talvez tenha decorrido exata­mente da violação do princípio contra-

ditório. Todos quantos militam no foro cri­

minal sabem da decisiva influência, na instrução criuúnal, da regular presen­ça da defesa técnica e da autodefesa. E ao juiz cumpre, sob pena de nulida­de absoluta, fazer respeitar em sua plenitude o mandamento constitucio­nal do § 16 do art. 153 GF, inquirin­do minudentemente a testemunha e fa-­cultando a palavra às partes para re­

perguntas. Não se pode deixar de lamentar que-

o Pretório Excelso reconheça e procla­me a violação de um preceito constitu­cional e que, não obstante, chancele tal comportamento. (Nota da LUlZ FER­.NANDO DE FREITAS SANTOS).

CO'mutaçãO' de penas a sentenciado­cO'm duas condenações, embO'ra não<

reincidente.

O STF tem decidido reiteradamente que, para fins de comutação de penas ou de indulto, sentenciado primário> não é o que não praticou crime após sofrer condenação definitiva, ou seja, o reincidente, mas sim o que não te­nha sofrido outra condenação. Nesse sentido: RlTJ 51/93; 53/485; HC 48.~59, DJ 18/12170; RHC 48.504~ DJ 2/4/71; RE 77 .789,DJ 17/.5/74.

Esse entendimento foi reafIrmado> no RE 80.265, pela 1.3. Turma, _relator

o eminente Min. DJACI F:ALCA~, ~~r unanimidade: "Sentenciado prImarlO> não é aquele que escapa ao rol dos reincidentes, mas o que não tenha so­frido outra condenação" (RTJ 75/576).

O sistema de aplicação dos favores concedidos pelos decretos de indulto e

- d t ma logicamente' comutaçao e penas o t - a quem te­inconcebível a sua ex ensao

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.nha sido condenado mais de uma vez. ,(H.C.F.)

.ofensa a magistrado. Crime comum.

Para que a ofensa a magistrado <constitua crime contra a segurança nacional é necessário que apresente as ,características fundamentais da ofen­sa subversiva, ou seja, deve ser prati­,cada com o propósito de atingir a se­gurança do Estado, comprometendo o Poder Judiciário como insttiuição, e .deve, do ponto de vista objetivo, ter a potencialidade causal de afetar a se­:gurança nacional. Nesse sentido são numerosos os pronunciamentos da Jus­tiça Militar e do STF.

Decidindo o CJ 5996, o STF (pleno), relator o eminente Min. CORDEIRI() GUERRA, afirmou: "Não pratica crime contra a segurança nacional o advoga­-do que, no curso de um julgamento, atribui, específica e exclusivamente, a um certo e determinado Juiz e tão-so­mente a este, a prática de fato que, se verdadeiro, configuraria crime de pre­varicação. Com efeito, não há como vislumbrar, em tal com~ortamento, qualquer implicação de natureza polí­tico-social que tenha posto em risco, ainda que de modo remoto, a seguran­-ça nacional. Conhecido e julgado pro­cedente para reconhecer a competênc.ia da justiça comum, para apreciar a ação penal" (DJ 20/2/76, 1.803). De­cisão unânime, corretissima. (H.C.F.)

Caixa Econômica Federal. Compe­tência.

Compete à Justiça Federal o julga­mento dos acusados por crime pratica­.(lo contra a Caixa Econômica Federal. Nesse sentido pronunciou-se o 'TFR no RC 327, por sua 2:.a Turma, relator ,o eminente Min. DÉ'CIO MIRANDA:

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"Acusação contra funcionário ou em­pregado da Caixa Econômica Federal, de crimes de usura e de destruição de cheque de sua própria emissão e lista de compensação, a que, no exercício de suas funçõe,,,, devia dar encaminhamen­to. Cabe à Justiça Federal processar e julgar a ação pena!." (DJ 4/3/76, 1.339.) (H.C.F.)

CrÜlle continuado. Coisa julgada.

No julgamento da AC 95/74, o TA do Paraná, por sua Câmara Criminal, deu exatíssima decisão ao debatido problema da coisa julgada em crime continuado, orientando-se no sentido que temos repetidamente sustentado: "Crime continuado. Coisa julgada. Nos casos de crime continuado, todas as ações reiteradas devem ser havidas como constitutivas de um delito único, e como se diante de um mesmo fato, urge seja situado o processo respecti­vo. Necessário, em hipóteses tais, que após a sentença condenatória o acusa­do pratique novas ações, para cogitar­se, então, de outro e diverso procedi­mento. Recurso provido para anular a sentença, por esbarrar ela com a coisa julgada" (Acórdão n.O 2.001 CR). Re­lator o ilustre Juiz AIBRMO MIGUIDL.

Veja-se, a respeito, FRAGOSO, Jur. Crim. n.o 110; RDP 1/108. (H.C.F.)

Decadência. "Dies ad quem".

Decidiu o ST'F, por sua La Turma, relator o eminente Min. RoDRIGUlES ALCKMIN, que o prazo previsto no art. 38 CPP conta-se até o ingresso da petição de queixa em juízo, e não até a data do despacho que a recebe: "Queixa-crime. Decadência não ocorri­da. É até o ingresso da vestibular a'cusatória que deve ser contado o pra­zo do art. 38 do Código de Processo Pe-

nal, e não até à data do despacho que a recebe" (DIJ 20/2/76, 1.084). Deci­são unânime. (H.C.F.)

Usura. Legislação superada pela in­flação.

Orientando-se no bom sentido, o TA Crimi,nal de São Paulo, por sua 3.a

Câmara, decidiu, na AC 100.147, que a incriminação da usura pecuniária, constante da L. 1.521, não mais sub­siste, tendo em vista a desvalorização da moeda causada pela inflação. "Mui­to embora o adjetivo galopante tenha sido desligado do substantivo inflação,' a realidade indissimulável é que ain­da existe o processo inflacionário a corroer a economia popular. T'anto assim que, atendendo a essa realidade, o legislador nacional criou o instituto da correção monetária, que, em diver­sos campos, funciona como instrumen­to para neutralizar os efeitos da des­valorização da moeda." Foi relator o juiz GENTIL LEITE. O julgamento rea­lizou-se em 20 de março de 1975.

Inconcebível seria punir alguém por usura, se os juros cobrados se apro­ximam dos que foram fixados pelo próprio governo para os empréstimos bancários pessoais. No início do ano de 1973 essa taxa foi reduzida pelo Banco Central para 2,3 a 2,5 ao mês. (Jornal do Brasil, 17/1/73). (H.C.F.)

Prescrição pela pena em concreto. Período entre o fato e a denúncia.

Após ter dado à teoria da pres­crição pela pena em concreto ampla validade, de acordo, aliás, com os prin­cípios que a inspiram, o STF deu à Súmula n.o 146 interpretação restrita, para abranger, exclusivamente, o lap­so de tempo entre a denúncia e a sen­tença.

Voltando sobre seus passos, o ego Tribunal voltou a mudar de orienta­ção, passando a admitir que há tam­bém prescrição se entre o fato e a de­núncia, houver transcorrido lapso de tempo bastante, pressuposta sempre a ausência de recurso da acusação.

A decisão foi tomada no HC 53.779, da 2.a Turma, relator para o acórdão o ilustre Min. XAVIER DE ALBUQUER­QUE : "A prescrição pela pena concre­tizada, de que trata a Súmula 146, re­troage, tanto ao período regressiva­mente contado da sentença condenató­ria ao despacho de recebimento da de­núncia quanto àquele compreend'ido en­tre este e o fato criminoso. Restabeleci­mento da orientação do Supremo Tri­bunal anterior a 1972, que dava inter­pretação compreensiva à referida SÚ-111tUla e dela extraía todas as conse­qüências lógicas" (DJ 26/12/75, 9.638).

Merece aplausos a orientação da ego Corte. Por mais fundadas que sejam as críticas feitas à teoria da prescrição pela pena em concreto, é incompreensí­vel limitá-la arbitrariamente ao lapso de tempo decorrido entre a denúncia e a sentença. Segundo essa teoria a pe­na que, desde o início, deveria regular a prescrição é aquela imposta na sen­tença de que só haja recurso da de­fesa. Não há porque excluir de consi­deração, por irrelevante, o lapso de tempo entre o fato e a denúncia. (H.C.F.)

Estelionato, Loteria Esportiva.

No julgamento do HC 3,650, rela­tor o eminente Min. DÉCIO MIRANDA, a 2.a Turma do T'FR decidiu por unani­midade que a fraude praticada em cartão de loteria esportiva não consti­tui estelionato, mas, sim, crime impos-

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iíV6l, por absoluta impropriedade do meio, tendo-se em vista o sistema de apuração: "Loteria Esportiva Federal ~alsificação de cartão de loteria, pra~ tlCada pela filha do apostador, median­t~ retirada dos fragmentos de papel Pleotados de uns pontos e sua colagem em outros. Dada a modalidade de apu­~ação dos resultados, trata-se de tenta­tIva de estelionato impossível como tal, i~punÍvel (Cód. Penal, a;t. 14). Tambem não se ajusta o fato ao cri­~e de falsificação de bilhetes de lote­~~' previsto no artigo 54 do Decreto_ el n.o 6.259, de 1 (}"2-44, visto que a

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Loteria Esportiva Federal não é mo­dalidade das loterias de qU~ cuidou, aquele decreto-lei. Para diferençá-Ias._ ?asta assinalar que naquelas o bilhete e ao portador e pode ser pago pelos agentes, enquanto na Loteria Esporti­va Federal o cartão de aposta é nomi­nal e só é pago depois de conformidade­com um cartão-matriz (D.J. 5/11/75 6.148." •

A falsificação do cartão poderia ser­meio idôneo para estelionato, se (), a~ente negociasse com alguém o prê­mIO que falsamente afirmasS'e ter ga­nho. (H.C.F.)

LEIS E PROJETOS

REGRAS MíNIMAS PARA O TRATAMEfNTO DE PRESOS*

Conselho da Europa. ResolJução (73) 5

O Comitê dos Ministros, Considerando que é de interesse dos Estados membros do Conselho da Europa

-estabelecer princípios comuns em matéria penal; Constatando que no contexto geral do tratamento dos 'delinqüentes verifica­

:se a tendência em deslocar a ênfase do tratamento em ambiente fechado para o tratamento em ambiente aberto, substituindo, tanto quanto possível, as penas privativas de liberdade por outras medidas penais igualmente eficazes e que não ,apresentem os inconvenientes do encarceramento;

Considrando, no entanto, que a detenção em estabelecimento penitenciário continua a ser uma sanção penal idispesável em certos casos, que é ainda fre­.qüentemente empregada e que é oportuno, em conseqüênc~a, prever regras comuns. quanto à sua execução;

Considerando o interesse que reveste, no aSlpecto penitenciário, o conjunto de regras mínimas para o tratamento de presos adotado pelo primeiro congresso <das Nações Unidas para a prevenção do crime e o tratamento dos delinqüentes, em sua Resolução de 30 de agosto de 1955;

Consciente de que as mudanças supervenientes à adoção deste texto necessi­tam de uma adaptação às exigências da política penal atual;

Considerando ser oportuno favorecer a aplicação efetiva dessas regras no 'quadro europeu, sempre tendo presente que elas constituem, no conjunto, apenas >condições mínYmas;

Em conseqüência, achando desejável confrontar as normas estabelecidas com :a evolução das idéias em matéria de tratamento dos presos e com as concepções mais avançadas, já consagradas pela legislação de certos Estados membros, e proceder, com esta finalidad-e, a uma reapreciação dessas regras numa perspec­tiva européia,

I - Recomenda aos governos dos Estados membros se inspirarem, para suas legislações e práticas internas, nos princípios adotados no texto do conjunto de Tegras mínimas para o tratamento dos presos, tal como ele fi'gura em anexo na presente resolução, com vistas à sua aplicação progressiva;

>I< Tradução de YOLANDA CATÃO, revista por NILO BATISTA.

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II - Convida os governos dos Estados membros a, de cinco em cinco anos, envia.r: relatórios ao Secretário Geral do Conselho da Europa, para informá-lo sobre às medidas que tenham tomado face à presente resolução.

ANEXO

Conjuhw de Regras Mínimas Para o Tratamento dos Presos

Observações prelimina.res:

1. As regras seguintes não têm por objeto descrever detalhadamente um sIstema! penitenciário modelo. Elas visam apenas estabelecer, inspirando-se nas con­cepções geralmente admitidas hoje em dia e nos elementos essenciais dos; sistemas contemporâneos mais adequados, principios e regras de uma boa. organização pnitenciária e da prática do tratamento dos presos.

2. As regras mínimas devem estimular o esforço constante visando a transpor as dificuldades práticas que se oppem à sua aplicação.

3. As regras se referem a campos nos quais o pensamento está em evolução< constante. Elas não pretendem excluir o recurso a métodos ou práticas novas~ desde que estas estejam de acordo com os princípios de proteção à dignidade humana e com os objetivos que se extraiam do texto do conjunto de regras. N esta perspectiva, será sempre justificável que a administração penitenciária. central autorize exceções às regras.

4.1. A primeira parte do conjunto de regras trata das regras relativas à admiê. nistração geral dos estabelecimentos penitenciários e se aplica a todos os presos, criminais ou civis, detidos ou condenados, aí compreendidos os presos submetidos a medida de segurança ou medida reeducativa.

4.2. A segunda parte contém regras que se aplicam apenas às categorias de presos visados por cada seção. Entretanto, as regras da seção A, que se aplicam aos presos condenados, se aplicarão igualmente às categorias de presos v.isados nas seções B, C e D, desde que não estejam em contradição com as regras específicas e que elas beneficiem estes presos.

PRIMEIRA PAR/TE

~egras de aplicação geral

PrinCípio fundJamental:

5.1. As regras que se seguem devem ser aplica.das imparcialmente. Não deve haver discriminação quanto ao tratamento em virtude de raça, cor, sexo. língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional! ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

5.2. Por outro lado, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo ao qual o preso pertence.

'6.3. A privação de liberdade deve se verificar em condições materiais e morais que assegurem o respeito à dignidade humana.

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organizada de acordo com este princípio &

A acolhida dos presos deve ser problemas pessoais urgentes. deve ajudá-los a resolver seus

Regisltro: mitida em um estabelecimento sem título de,

6.1. Nenhuma pessoa pode ser ad, d imediatamente consignado num! detenção válido. O seu conteudo eve ser

registro ad hoc. d ficam detidas pessoas, é necessário ter em dia, 6.2. Em todos os lugares

d o~ ;, ando com relação a cada preso:

um registro numera o m le a) sua identidade; _ b) os motivos de sua dete:nç~o c) o dia e a hora da admlssao

'd d competente que a decidiu; e a auton a e e da saída.

Distribuição dos prel8os: , deve-se considerar

diferentes estabelecImentos, Na distribuição dos presos no~ ,.,' le aI (detido ou condenado, con~e--

'1. principalmente sua s~tua~ão JudIcIar~ur~ ;u longa), de seu estado fíSICO" do primário ou remcdiente, pena ( I ou anormal), de seu sexo,

na t ) tado mental norma t ta (jovem, adulto, doen e ,es d d exigências particulares de seu ra -idade, e, se se trata de condena os, as

menta. , , io presos separadamente;~ lh devem ser em prmcIp , .

a) Os homens e as mU eres , 't' de aplicação de um programa, , eguIdo por mo IVO

este princípio só não sera s -d tratamento determinado; ,- devem ser colocados em'

e _ b prisão preventIva nao b) Aqueles que estao so dos contra sua vontade;

contato com os presos condena, condi"ões que os protejam contra-d m cumpr·Ir pena em". , que"

c) Os presos jovens' eve d beneficiados com um regIme , fl ~ ia nefasta e evem ser

qualquer m uenc 'd d particulares de sua idade, leve em conta as necessI a es

Acomodações: em princípio, alojados durante-'d' - presos devem ser,

8.1. Salvo contra-m lcaçao, os , a noite em celas individuaIs. .,. eles devem ser ocupados por pre~os' Quando forem utilizados dormItorLOS, odados desta forma, Durante a nOIt~,

8.2. reconhecidamente aptos a serem a~o~ncia adaptada ao tipo de estabelecI-deverão ser submetidos a uma VIg

mento considerado. '1 aqueles destinados a alojar os presoS; d - e em partIcU ar, I d em conta o' 9. Os locais de etençao , " ências de higiene, evan o ,_

lurante a noite, devem atender, ab~ eXdIg ar a superfície mínima, a ilummaçao, , '1 t o metro cu ICO e , clima, prmcIpa men e , _

o aquecimento e a ,vent~aça:. presos viovem e trabalham, 10 Em todos os locaIS on e o preso possa'

. "t nte grandes para que o , a) as janelas devem ser SufIclen eme 1 tural. elas devem ser constrUI--

principalmente ler e t~a?alhar co~ u~e n:r fre~co, independentemente de das de forma a permItIr a entra a

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12.

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existir ou nã . o uma ventIlação artif.icial' l' .

a~endidas as exigências referentes à se' a em dISSO, as janelas devem, dImensões, localização e const - gurança, aprésentar, pelas suas possível. ruçao, uma aparência tão normal quanto

b) a luz artificial deve estar de acord este respeito. o com as normas técnicas admitidas a

As ~nstalações sanitárias devem permitO dades naturais no momento d . d Ir ao preso satIsfazer suas necessi-A . eseJa o em condi"- d d A s Instalações de banho h . ' ,:pes e ecencia e limpeza

e c uvelroS devem f' . . preso tenha Possibilidade d ser su IClentes para que cada

d e requerer e toma b h a equada ao clima, tão freqüentem t r an o, em uma temperatura de acordo com a estaça-o e ._ en e quanto necessário para a higiene

a regIaO geográfica I s~mana em clima temperado. ' mas pe o filenos uma vez por Todos os locais utiHzados pelos r de conservação e limpeza. pesos devem ser mantidos em perfeito estado

Higiene Pessoal:

14. Deve exigir-se dos I' d ' presos Impeza pessoal' .

e agua e produtos de toilete n ' . ' para esta fmalidade, devem dispor 15. A fim de permitir aos preso ecessanos à sua saúde e limpeza.

respeito próprio, devem ser :re~is~~:e;en~~~efil convenientemente e manter o e a barda; os homens devem poder abcI Ib ades para cuidados com o cabelo

se ar ear regularmente.

Roupas de uso pessoal e de cama:

16.1. Todo preso não autorizado a vestir suas . enxoval que seja adequado a I' roupas pessoaIS deve receber um

- o c Ima e à manute - d roupas nao devem ser de nenh f . nçao e sua saúde Estas

16.2. Todas as roupas devem s I' uma orma degradantes ou humilha~tes er Impas e con d .

de baixo devem ser mudadas' I d serv~ as em bom estado. As roupas ne ,. e ava as tao freq" t ceSsarIO para a higiene. uen emente quanto for

16.3. Quando Um preso obtiver permissão . autorizado a Usar suas roupas pes ~ara Satr do estabelecimento, deve ser

17 Deve t soaIs ou roupas qu - h . -se omar certas medidas e nao c amem atent>ão p no momento da ad . - ,. .

ara assegurar que as roupas se ma t h .' mISs·ao ao estabelecimento 18. Cada preso deve dispor de a d n en am em bom estado.

, Cor o Com os costu I' uma cama individual e de roupas de cama mes OcalS ou nacionais, de mente e renovadas de modo a as ~dequadas, conservadas correta-

segurar a hmrpeza.

Alimentaç.ão:

19.1. De acordo com as normas estabel . d

em saúde, a administra"- d eCI as nesta matéria pelas autoridades r ,.ao eve fornecer aos p a Imentação convenientemente pr d resos, nas horas usuais Uma P t d . epara a e apr t d '

OIl o e VIsta da qualidad d . esen a a, que satisfaça do higiene modernas, levando e: ec~ ~ quan~ldade às regras dietéticas e da

n a sua Idade, seu estado de saúde, a natu-

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reza de seu trabalho e, na medida do possível, as. e~igências baseadas em certas convicções filosóficas e religiosas.

19.2. ;Todo prcso deve de dispor de água potável.

Exercício físico:

2.0.1. Todo preso que não trabalhar ao ar livre deve ter o direito, se o tempo permitir, de caminhar ou praticar exercícios físicos apropriados, ao ar livre, e ao abrigo das intempéries ao menos uma hora por dia.

20.2. Deve ser organizada uma educação física e recreativa, durante o período reservado a exercícios, para os presos jovens e para outros presos cuja idade e condição física o permitam. Com este fim, devem ser colocados à disposição terreno, instalações e equipamento.

Serviços médicos:.

21.1 .. Cada estabelecimento penitenciário deve dispor ao menos dos serviços de um médico clínico. Os serviços médicos devem ser organizados em estreita relação com a administração geral do serviço de saúde da comunidade ou do país. E1es devem abranger um serviçó psiquiátrico para o diagnóstico e, se for necessário, o tratamento dos casos de anomalia mental.

21.2. Para os doentes que necessitam cuidados médicos, deve-se prever a trans­ferência para estabelecimentos penitenciários especializados ou para hospi­tais civis. Quando houver possibilidade de tratamento hospitalar no esta­belecimento, este d.everá possuir material, instrumentos e produtos farma­cêuticos que permitam socorrer e tratar convenientemente os presos doen-

tes, e os funcionários devem possuir uma formação prof,issional adequada. 21.3. Todo preso deve poder dispor dos cuidados de um. dentista diplomado. 22. Os presos não podem ser ·submetidos a experiências médicas ou científicas

que possam atingir sua pessoa física ou moral. 23.1. As instituições devem possuir instalações especiais e funcionários para o

tratamento das mulheres grávidas, para o parto e cuidados posteriores. No entanto, na medida do possível, devem ser adotadas medidas para que o parto seja feito em um hospital civil. Se a criança nascer na prisão, o registro de nascimento não deve fazer referência a isso.

23.2. Quando for permitido às mães presas conservar o bebê lactante, devem ser tomadas algumas medidas para organizar uma creche, possuindo pessoal qualificado, onde os bebês possam ser colocados durante os momentos que nã,o estão aos cuidados da mãe.

24. O médico deve examinar cada preso imediatamente após sua admissão e, depois, tão freqüentemente quanto neceS'sário, especialmente visando desco­brir a possível existência de uma doença física ou mental, e para tomar todas as medidas necessárias; assegurar a separação dos presos suspeitos de doenças infecciosas e contagiosas; notar as deficiências físicas ou mentais que poderiam ser um obstáculo à reabilitação e determinar a capacidade física de trabalho para cada preso.

25.1. O médico deve ficar encarregaào de ins'pecionar a saúde física e mental dos presos. Ele deve ver, nas condições e freqüência impostas pelas normas

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hospitalares, todos os presos doentes t d doentes e todos aqueles que p' t' í o os os que se queixam de estarem

25.2. O médico deve apresentar um ar r IICtU,a:mente lhe chamarem a atenção. e a OrlO ao diretor se .

que a saúde física ou mental foi' mpre que conSIderar por uma modalidade qualquer de d o~ se.:ra afetada pelo prolongamento ou

26 1 O 'do d e ençao. " me ICO eve fazer inspeções re ular .

concerne: g mente e aconselhar o diretor no que

a) ~ q~~ntidade, qualidade, preparação e distribui ão b) ,a ~IgIene e limpeza do estabelecimento e do ç ~os alimentos; c) as mstalações sanitárias aquecimento' . s ~resos,

belecimento' ' , Ilummaçao e ventilação do esta-

d) à qualidade' e limpeza das roupas de e)' b - uso pessoal e de ca d

a o servaçao dos regulamentos relativos ' _, ~a os presos; quando esta for organizada po ~ educaçao flslca e esportiva

26.2. O diretor ·deve levar em cO~'d r_pessoas nao especiaJi.zadas. d sIeraçao os relatórios t-

e acordo COm a regra 25 in' 2 2 e suges pes do médico t . d' " CISO ,e 6 e no ca~o de t d omar Ime latamente as medidas neces ' . ' c es ar e acordo,

sejam seguidas' no caso em qu I s~rlas para que estas recomendações f d ' e e e nao concordar ou or e sua competência ele devera' l' d' t se a matéria não

m~-" , me la amente tran ..... euICO e seus próp'rios eomentá·'. smI-~lr o relatório

rIOS a autorIdade superior.

Disciplina e punições:

27.1. A ordem e a d' . I' . . ISClp ma devem ser mantidas . 27 2 1e uma. '.:.Ida comunitária bem organizada. ,no mteresse da segurança e

" s pumçoes coletivas devem ser proibidas 28.1. Nenhum preso poderá ter nos servi' .

uma função compreendendo' pod d" Ç~sl' .do estabeleCImento penitenciário, 28 2 E t er ISClp mar

" s e regulamento não deverá im ed' . à base do self-govemment 'E t p. te1r o bom funcionamento dos sistemas

t . . . s es SIS mas impli a I' cer as atlvldades ou responsabTd d ' c m, na rea 'Idade, em que t' . lIa es de ordem social d t' Iva seJam confiadas, sob controle ' e uca Iva ou espor-mento. ' a grupos de presos, visando seu trata-

29. Os seguintes pontos devem ser sem r . um regulamento da autoridade ad ~ ~ :ete:mmados, seja pela lei, seja por a) a conduta qUe constitui .~nls _ratI~a . competente: b) o gênero e a duraç- d

uma: n ra?ao dISCIplinar;

) ao as sançpes dIsciplina c a autoridade cOllliPetente p' res que podem ser aplicadas'

30.1. O preso só pode ser pun' d dara Impor estas sanções. ' I I o e acordo c'om as d' . -

regu amento, e nunca duas vezes I ISPOslçoes dessa lei ou desse 30.2. O relatório disciplina d ' pe o ~esmo fato.

d r eve ser encammhad . d' es competentes, que deverão decidir a ~ .Ime latamente às atltorida~

30.3. Nenhum preso pode ser'd proposlto com rapidez lh' . pum o sem ser inf'or d b .

e e atrIbuída e sem que haja 'b' . ma o 80 re a infração que 30.4. Na medida em que for neces ' .possl.~hdade de apresentar sua defesa

t sarlO e vlavel d . . sen ar sua defeSa pOr meio de u . t' ' eve-se permItir ao preso apre-

31. Os castigos corporais a perman A .m m erprete. , encla numa cela escura, assim como toda san-

130

ção cruel, desumana ou degradante devem ser, absol~tamente proibidas como éáliçpes disciplinares.

32.1. Qcastigo pelo isolamerito disciplinar e qualquer outra. medidápunitiva <í)Í~ possa alterar a saúde física ou mental do preso rião podem. ser apHca.~ d~s selll que o médico o tenha examinado e certificado por escrito que ele é' capaz de suportá-los. De qualquer modo, tais medidas não .deverão nunca ser contrárias nem se afastar do princípio determinado pela regra 31.

$2.2. O médico deve visitar todos os dias os preSXlS que estão sob estas sanções disciplinares e deve fazer um relatório ao diretor caso considere necessário terminar ou modificar a sanção por razões de saúde física ou mental.

Meios de Coerção:

a3. O' emprego de correntes e ferros deve ser proibido. As algemas, camisas de força e dispositivos semelhantes não deverão nunca ser aplicados a título de sâtiçoo. Só poderão ser utilizados nos seguintes casos: li)" por' medida de precaução contra fuga e durante uma transferência, con­

tanto que sejam tiradas quando do comparecimento do preso diante de uma autoridade judiciária ou adminitrativa;

hr por razões médicas a partir de uma indicação do médico; c) por' oI"dem do dh"etor, se falharam outros meios de controlar o preso, a fim

de impedi-lo de causar ferimentos a si próprio ou a outra pessoa ou de causar' prejuízos; neste caso, o diretor deve consultar imediatamente o médico' e fazer um relatório à autoridade administrativa superior.

.,4'\ Ó modelo e o modo de usar os instrumentos! de coerção autorizados no pará­grafo' precedente .deverão ser determinados pela administração penitenciária ceritraI. Sua apl:icação não deve ser' prolongada além do tempo estritamente necessário.

Informações e direito de queixa dos presos:

.35\ 1. Quando de sua admissão, cada preso deverá receber informações escrita'!> a propósito do tratamento dos presos de sua categoria, das regras discipli­nares ·do estabelecimento, dos meios autorizados para obter informações e formular queixas e sobre quaisquer outros pontos necessários para que lhe seja possível conhecer seus direitos e suas obrigações e adaptar-se à vida do estabelecimento.

35:2: Se o preso for analfabeto ou se por outras razões não puder tomar conhe­cimento dessas informaÇjÕes, todas as explicações devem ser-lhe fornecidas ôralmente.

a6 .1. Todo preso deve ter oportunidade, nos dias de semana, de apresentar soli­citação ou reclamação ao diretor da instituição ou ao funcionário autori­zado a representá-lo.

~l6·.2·; Solicitações ou reclamações poderão ser apresentadas ao inspetor de pri .. ,Sões durante sua inspeção. O preso poderá falar com o inspetor ou qual­quer outra autoridade legalmente habilitada a visitar o estabelecimento Sem a presença do diretor ou de outros funcionários do estabelecimento.

131

Page 67: REVISTA DE Rua Paulino Fernandes, n.o Botafogo - Rio de ...

86.4.

"Todo pres'o deverá ser autorizado a dirigir, em envelope fechado,." uma solicitação ou reclamação à admdnistração penitenciária central, ,à autori­dade judiciária O'~ a O'utras autoridades cO'mpetentes. A menos que ela seja evidentemente temerária ou ,carente de fundamento" uma solicitaçãO' ou queixa dirigida ou transrrÍitida à autorida4e penitenciá­ria ,deve ser estudada sem demora por esta autoridade, e respondida em' tempo útil ao preso.

çonta/;O' cO'm O' mwndO' exterior:

37. Os presos devem ser autorizados a se comunicar com sua família e quaisquer pessoas ou representantes de organizações e a receber, em intervalos regu­lares, visitas dessas pessoas com a única reserva das restrições e vigiIânciá necessárias no interesse de seu tratamento, da segurança e da ordem do. esta-belecimentO'. '

38.1. Devem ser concedidas aos presos originários de outros países facilidades: razoáveis para se comunicarem com seus representantes diplomáticos &

consulares,. 38. 2. Com relação aos presos originários de países que não possuam represen­

tantes diplomátIcos ou consulares no país e aos refugiados ou apátridas~ devem ser concedidas as mesmas fadUdades para se dirigirem aorepre­sentante diplomático do país encarregado de seus interesses ou a qualquer autoridade nacional ou internacional que tem como tarefa protegê-los.

39. Deve ser permitido aos presos estar regularmente a par dos acontecimentos .. seja pela leitura dos jornais cotidianos, de periódicos ou publicações peniten­ciárias especiais, seja através de emissões radiofônicas ou televisionadas~ cO'nferências ou outro meiO' análogo, autorizados ou controlados pela admi­nistração.

Biblioteca:

40. Toda instituiçãO' deve possuir uma bib1ioteca para o uso de todas as cate­gorias de preso, adequadamente suprida com livros recreativos e instrutivos .. e os presos devem ser incentivados a utilizá-la.

Assistência religtO'sa te mO'ral:

41. Na medida do possível, deve-se permitir a todo preso satisfazer às necessi~ dadas de sua vida religiosa, espiritual e moral, participando das cerimônias ou reuniões organizadas no estabelecimento e tendo consigo os livros neces­sários.

42.1. Se o estabelecimento contiver um número suficiente de presos pertencentes à mesma religião, deve ser nomeado ou agregado um representante quali .. ficado desta religião. Quando o número de presos justificar e as circuns~ tâncias permitirem, a assistência religiosa deverá ser prevista para tempo< integral.

42.2. O representante qualificado, nomeado ou agregado de acordo com o inciso.

132

43.3.

, ' d' nte a organizar 1 deve ser autorIzado ;perIO' Icame '. '.,' . d" d 's'tas pastoraIs realizar, sempre que for III 'lca o, VI 1

serviços religiosos e,.a privadas aos presos de

sua religião. epresentante qualificado de uma O direito de entrar em cO,ntato com um :enhum preso. Por outro lado, se religião não deve nunca, ~er rdecusado a entante de uma religião, deve-se. um preso se opuser à VIsIta e um repres respeitar completamente sua atitude.

Depósito dos O'bjetos pertencentes aos presos: - autorizar o preso a cO,nservar em sua pO,sse

43 .1. Quando o regulamento nao as coisas que lhe pertencem" estl;l.,B dinheiro, objetos de valO,r, roupas e O,utr omento de sua admissão no, devem ser cülocadas em lugar l' sedgurom' n~n:ntário destes objetos e assi-

b 1 , to Deve ser rea lza ou, . esta e eClmen, , , t 'd para cünservar estes obJetO,s

d I r '80 MedIdas devem ser oma as . I na o pe o p e . d'd d higiene for necessário destrUlr a guma em bom estado. Se po'r me 1 a e . ,

" t f tO, deve ser regIstrado. " peça do' vestuarIO, es e a d lvidO,s no, mO,mento da liberação

b · t dinheiro devem ser evo . 32.2. Estes o Je os e o, d' h . u fQi regularmente retirado" dos obJe-

exceção do melro q e f do pres?, com xterior do estabelecimento ou das roupas ~ue oram tos en;l'ad.os para d~de d higiene. O preso deve assinar o recebImentO' dos destruldas por me 1 a e , ,

d' h' q e lhe foram restItUldos. objetos e 'ln elro . u 'd do exterior do estabelecimento ao, preso

43.3. Os valores ou obJetos enVIa os

esta-,n submetI'dos aos mesmos regulamentos. -v tO, de sua admissao, o,

Se o preso for portador de medicamentQs n~ momen 43,4. médico deverá decidir que uso, deverá ser feIto deles.

Notificação de morte, doença, transferên,eia, etc.:, d acidente grave ou remoção do preso

44 .1. Em caso, de mQrte oU doença grave, e ' t' diretor deve informar b 1 , to para doentes men aIS, O, .'

para um esta e ,eclmen , d parente mais próxl-A' 'Se O, pi'eso for casa o, ou o ,

imediatamente o conJuge," O, preso tenha solicitado, mo, e em todo caso qualquer Qutra pessoa que ,

infQrmar. informado, da mO,rte QU doença grav,e 44.2. Um preso' deverá ,se.r imedia~am::::s e quando as circunstâncias o perml­

de um parente proxI~o. NesteS, d ~ visitar este parente, seja com escol­tirem, o preso devera ser a u orlza o ,r.

ta, seja livremente. d"t d informar imediatamente sua família sobre 44.3. Todo preso' deve ter o Irelo e f A ' para .outro estabelecimento.

sua detenção QU sobre sua trans erenCIa

Tratnsferência dos presos: , r 'uma instituição, eles devem ser

45.1. Quando O's presos forem r:mo~Idosd pa :bliCQo e devem ser tomadas medi­expostos o menos possível a VIsta o P 'bl' de toda esp~

d ' ultos da curiO,sidade do, pu ICO, e , das para protegê-los os ms , ' cie de publicidade.

133

Page 68: REVISTA DE Rua Paulino Fernandes, n.o Botafogo - Rio de ...

~5~2; o transporte dt7s preMs em más condiçpes de ventilação b- luz, ou .de qual­quer modo que lhes imponha sofrimento físico, deve ser evitado.

'45 .a. .. O transporte dos presos deve ser feito às expensas da adin.initSt1'ação de acordo com as regras que elá estabelecer.

.Pessoal penitenciário:

46.1. A administração penitenciária deve escorher com cuidado os funcionárIos de qualquer grau, pois de sua integridilde,humanidade, aptidão pessoal e de suas capacidades profissionais depende a boa administração dos esta. belecimentos penitenciários.

.'46.2. A administraçã'O penitenciária deve procurar cooIstantemente .despertar e manter no espírito dos funcionários e, da opinião pública' a' convicção de que esta mi·ssão é um serviço social de grande importância; e para este fim todos os meios apropriados para o esclarecimento do público devem ser utilizados. .

46.3. A fim de que os objetivos' acima d~scriminados possam ser realizados, os funcionários devem ser empregados em tempo integral' na· qualidade de' funcionários penitenciários de profissão; devem possuir o status de fun­cionários do Estado e, em conseqüência, estar assegurados !le estabilidade de emprego, dependendo apenas de seu bom comportamento, da' eficiência de seu trabalho e de sua aptidão física. A remuneração deve ser sufici­ente a fim de que se possa recrutar e manter em serviço homens e mulhe­res ca~azes; as vantagens da carreira e as condições de serviÇbc devem ser determu~ad~s . levando em consideração a natureza penosa do trabalho.

47.1. Os fUnCIOnarIos devem possuir nível intelectual satisfatório. . ·47.2. Desde seu recrutamento, os funcionários devem freqüentar um curso de

formação geral e especial e ser aprovados em exames teórioos e práticos. 47.3. Duran~e sua carreira, Os funcionários deverão manter e aperfeiçoar seus

CO?heClmentos e sua capacIdade profissional freqüentando cursos de aper­feIçoamento organizados periodicamente pela administrat>ão.

48. Tod . ,.. . ?s os funCIOnários devem em quaisquer circunstâncias se comportar e

reallzar suas tarefas de tal forma que seu' exemplo exerça influência positiva sobre os presos e suscite seu respeito.

49.1. Na. ~edida do poss~ve!, entre os funcionários deve ser incluído um número suf~c~ente de especlahstas. tais como psiquiatras, psicólogos, assistentes SOCIaIS, professores e instrutores técnicos.'

49.2. Os assistentes sociais, os professores e os instrutores técnicos devem traba­lhar d~ forma permanente, mas isto não e'Xiclui os serviços de auxiliares em regIme de teIl1lPo parcial, ou voluntários.

'50.1. O diretor de um estabelecimento deve ser suficientemente qualificado para e~te trabal?o pelo seu caráter, sua capacidade administrativa, uma forma­çao aproprIada e por sua experiência neste setor.

50.2. Deve. e!e dedicar todo o seu tempo à função oficial; esta não pode ser acessorIa.

50.3. Deve residir no estabelecimento ou nas proximidades. 50.4. Quando ·dois ou mais estabelecimentos estiverem sob a autoridade de Um

único diretor este deve' visitá-los freqüentemente. Cada um desses estabe­lecimentos d:verá ter à sua frente ~m funcionári~ responsável.

51. A administraçã'O deve promoverformas.de. organização .que facilitem a comu­niCação entre as diversas categ()rias de funcionários do estabelecimento, li

'fim de assegurar uma boa coordenação dos serviç'Os,es;pecialmente no que concerne ao tratamento dos presos.

&2.1. O diretor, seu adjunto e a maioria dos funcionários do est'abeleciment'(} ,devem .f.alar a língua da maioria dos pres'Os, ou uma lingua que seja c'Om":' preendidapela mai'Oria deles.

52.2. ·Deve-se reCerrer aos serviços de um intérprete sempre que for necess,ário e possível.

00 .1. ,Nos estabeleciment'Os suficientemente grandes para exigir 'O serviço de Um. 'Ou mais médicos em tempo integral, ao menos um deles deve residir nas suasimdiações.

5.3 .. 2. NlilsoutrOs estabelecimentos, o médico deve comparecer diariamente e re~ sidir suficientemente perto para atender ·sem demora aos casos urgentes.

54. Deve-se .darparticularrnente atenção à designação e ao controle d'Os' funcio­nários .. masculinos ou femininos que trabalham nos estabelecimentos ou Seções onde estão detidos presos de outro sexo.

55.1. Os funcionários do estabelecimento .não devem usar a força, exeeto, nos" casos ,!la legítima defesa, de tentativa de.evasão 'Ou de resistência passiva ou .atUra ,a.uma 'Ordem dada com base na lei ou nos regulamentos. Os funcionários que recorrerem à. f'Orça devem limitar seu .emprego à estrita necessidade, e relatar imediatamente o incidente ao direter do estabeleci­mento.

55.2. Os iuneionários penitenciários devem passar por um treinamento físi<:o.· especial a fim de capacitá-los a deminar os presos violentos.

55.3. Salvo em circunstâncias especiais, os funcionários que realizarem tarefas em contato direto com os presos não .devem estar armado·s:. Por outro lado, não se deve jamais cenfiar uma arma a um funcionário sem que este tenha ,sido treinado n'O seu manej'O.

Inspeça""fJ e Controle:

56.1. Inspetoresqualificados e experimentados, nomeados por autoridade com­petente, devem realizar regularmente uma inspeção nos estabelecimentos e serviços penitenciários. Sua tarefa deve ser particularmente a de as­segurar que esses estabelecimentos sejam administrados de acordo com as leis e os regulamentos' em vigor a fim de que sejam realizades os objetivos dos serviços penitenciários.

56.2. O respeito aos direitos individuais ·des presos, particularmente a leg~li­dade da execução das penas, deve seI' assegurado por um contrele exercldo de acordo com a regulamentação nacional por uma autoridade judiciária 'Ou qualquer outra autoridade legalmente habilita;da a visitar os presos, que não pertença à administração penitenciária.

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SEGUNDA PARTE'

Regra;s, aplicáveis a categorias, especiais 'i:.:.j ;,;\,,'

A) Presos condenados:

Princípi()s gerais:

57: Os princípios gerais que se seguem têm por finalidade definir <'O espírito segundo o qual os sistemas penitenciários devem' ser admhiistrados e os

"objetivos que devem visar, de acordo com à declaração feita na observação' preliminar "I" .ruo presente texto.

51(' O encarceramento e outras medidas 'que tenham c'Omoconseqüência' separar " um d'elinqüente do mundo exteriorsãoaflitivás·,'pelo simples fat'O de'o pri­," varem de sua liberdade. Com exceção das medidas de segregação> justifica­

das ou da manutenção' da disciplina, o sistema penitenciário não" deve' agra-, 'vaI' :ós sofrimentos inerentes a uma tál situação. O regime do estabelecimen­, tddeve procurar reduzir as diferenças entre a vida na prisão :'1:) a vida em

':,'liberdade, que tendem a diminuir o sentido de responsabili>dade'do'preso ou o respeito à sua própria dignidade; . '

59.: A fina.lidadé e a justificação das penas e medidas privativâs'de llb'erdade' são, definitivamente a de proteger a sociedade contra o crime. T'llI finalidade só poderia ser atingida se o período de privação da liberdade fOsse' usado

'::, para assegurar, na medida do possível, que o delinqüente; uma vez liberado, ' não apenás esteja disposto mas que também seja capaz de ,viver respeitando

a lei e provendo seu próprio sustento. 60' .1. Para este efeito, o regime penitenciário deve utilizar todos os' meios tera­

pêuticos, educativos, morais, espirituais e outros, e todas as formas de assistência disponíveis, procurand'O aplicá-los de acordo com as necessi­dades do tratamento individualizado dos delinqüentes.

60'.2. As comunicações 'entre os presos e os funcionários devem 'ser facilitadas para impedir as tensões que possam aparecer e para assegurar a adesão dos presos ao programa de tratamento.

61. Ê desejável que sejam tomadas as medidas necessárias a fim de assegurar , ao preso um retorno progressivo à vida em sociedade. Este objetivo poderá ser conseguido principalmente através de um regime preparatório à libera­ção, organizado n'O prÓjprio esabeledmento 'Ou em 'Outro estabel.ecillljeJIlto apropriado, ou por uma liberação a título de prova, sob um controle que compreenda uma assistência social eficaz.

-62. O tratamento não deve enfatizar a exclusão dos presos da sociedade mas pelo c?ntrário acentuar o fato de que eles continuam a fazer parté dela: Com este fIm, deve-se recorrer, na medida do possível, à cooperação de 'Organi­

,zaç;ões da comunidade para ajudar os funcionários do estabeleciment'O na SUa tarefa de recuperaçã'O social dos pres'Os. Os assistentes sociais que cola­boram com os estabelecimentos devem ter como trefa manter e melhorar as relações do preso c'Om sua família,' com as pessoas e as organizações sociais que lh~ possam ser úteis. Devem ser tomadas medidas com a finalidade de garantIr, de modo compatível com a lei e a pena, os diét'eitos relativos aos

,jnteresses civis, os direitos, de previdência social e outros direitos sociais dos presos. , .

<163. Os serviços médicos do estabelecimento devem procurar descobrlét' e deveJlil tratar todas as deficiências ou doenças físicas ou mentais que poderiam constituir um obstáculo para a recuperação social do preso. Qualquer trata­

emento: médico, cirúrgico e' psiquiátrIco que se considere necessário deve ser aplicado com esta finalida,de. .' , , .

!()4.1. A realização desses princípios exige a individualização do tratamento e, com esta finalidade, um sistema flexível de classificação dos presos; é desejável então que os presos sejam colocados nos estabelecimentos ou em seções diferentes onde cada um possa receber o tratamento apropriado.

064.2~ Os estabelecimentos ou seções devem ser de tipo diferente. Deve-se prever vários níveis de sgurança' de acordo com as necessidades. Os estabeleci-

" 'mentos abertos, pelo simples fato de não preverem medida de segurançá' física contra as evasões, contam com à auto-disciplina dos presos, e criam as mais favoráveis condições para a recuperação social de presos cuida~ dosamente escolhidos.

064.3. Ê desejável que o tipo, a dimensã'O, a organização e a capacidade das instituições ou seções sejam determinadas essencialmente em funçã'O do tratament'O que se pretenda estabelecer.

!()5. O dever da sociedade não termina com a liberação do preso. Dever-se-ia por­tanto dispor de organismos governamentais e privados capazes de fornecer 'ao 'preso liberado uma ajuda pós-penitenciária eficaz, visando diminuir 'Os preconceitos contra ele e lhe permitindo a reintegração na comunidade.

'Tratamento:

66. O tratamento dos indivíduos c'Ondenados a uma pena ou medida privativa de liberdade deve ter como finalidade, tanto quant'O permitir a duração da pena, criar neles a vontade e as aptidões que os habilitem, após a liberação, a' viver respeitando a lei e provendo a seu próprio sustento. E~e trata­mento deve ,ser de forma a estimular o respeito a si mesmo e a desenvolver o sentid'O de responsabilidade.

!()7.1. Para este fim, deve-se recorrer principalmente à assistência espiritual_ nos países onde isto for possível, à instrução, à orientação e à formaçãofl profissionais, aos métodos de assistência socia~ individ~~l, às, atividad:s de grupo, à orientação vocacional, ao desenvolvImento fISICO e a educaçao de caráter moral, de acord'O com as necessidwdies individuais de cad~

preso. Deve-se considerar 'O passado social e crimi~al ~o_ condenad~, suas càpacidades e aptidões físicas e mentais, suas dISposIçoes pessoaIS, du-ração da condenação e suas perspectivas :de recuperação social. _

67.2. Para cada preso condenado a uma pena ou medida de certa duraçao, o diretor do estabelecimento deve receber, o mais rápido possível depois da admissão daquele, relatórios completos sobre os diversos aspectos. me~­cionados no parágrafo precedente. Estes relatórios devem sempre InClUIr

'relatório de um médico e se possível de um psiquiatra. 67.3. Estes relatórios e outras informações úteis devem ser reunidos em um

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dp~i(i!~r in.diyid)laI. El!tedos.8i~r. deve ser ll),anti4o em' di~ e organ~af,io de tal form~ que, ~ossa ser consultado péIaspessoas respons~;v;~;~, ':I!J~mpre que for necessar~o.

67.4. Os~~ogr~ll1as detrat,amento de:vem ser ,elaborado;s depois4e .çp~mtada as dIferent~s categorias. de f)lncionários. Os presqs deveJllP~rtiçJPar ati­vamente ;00 elaboração do Seu progr~mjl ,ge .tr,a.tf\mento in~H:viçlAA1; ~verá ser prevIsto um reexame periódico desses.;I>1(ogramas.

pist'hÕ,!,içáo dos .presos e indi1JÍdua,liza.ção dotratt1l1n~nto:

,~,8.As fi~alidades .da distribuição dos presos deve ser:

a) separar os presos que,eIll razão de seus antecedentes ou "desll,p. pe.I'so-nalidade, exerceriam uma má influência sobre os demais' " . , ..

b) colocar os presos de modo a facilitar ,s~p. tratamento, ~o~sideJ;ando n!J .• exigências da segurança e as de sua reada;l>tação social. .' .. ,

.6~. Deve-se dispor,na medida do possível, de estabelecimentossep~a<4;ls ou de seções diferentes dentro de um estabelecimento para a aplica.ção íd~, trata­mento dos diferentes tipos de presos.

'10. Assim que for possível a.pós .a ad~ssão e o estudo da personalidade.;de cada preso condenado a uma pena oU medida de .certa duração,um pr!}grama de tratamento deve ser preparado para ele, COm base nos .dados disponíveis ,sobre suasneces'sidades individuais, suas capacidades e seu estado .de es­llírito.

71.1. Deve-se oferecer aos presos diversas possibiUdades principalmen:te pela participação em atividades do estabelecimento suscetíveis de desenvolver seu sentido de responsabilidade e estimular o interesse que devem.tercom relação a seu próprio tratamento.

71.2. Dev~~ se: desenvolvidos esforços para favorecer métodos de cooperação e partIclpaç~o dos presos no que concerne a seu próprio tratamento. Com esta fmalIdade, os presos devem ser incentivados a assumir dentro dos limites previstos no artigo 28, responsabilidade em certo: setores de ativi-dade do estabelecimento. '

Trabalho:

72.1. O traba:ho penitenciário não deve possuir um caráter aflitivo. .Não podem ·ser destmados aos presos trabalhos especialmente perigosos ou ins.alubres.

72.2. Os presos condenados podem ser submetidos à obrigatoriedade do traba­lho, levando-se em conta sua aptidão física e mental, tal como será deter­minada pelo médico, e suas necessidades de educação a todos os níveis.

73.3. Deve-se destinar aos presos um trabalho produtivo suficiente par'a ocupá-los durante o período normal de Um dia de trabalho.

'72.4. E:ste trabalho deve ser, na medida do possível, de natureza a manter ou a aumentar sua capacidade de ganhar normalmente a vida depois ,de sua liberação. . '

72.5. Deve-se fornecer uma formação' profissional útil aos presos que ;puderem aproveitá-la e particularmente aos jovens.

~{J8

'72.6.N9s liínites compatíveis com uma seleção profissional racional e comaS. exigências 'da adiilinistração e· da disciplina . penitenciária, os presos. devem .poder escolher o tipo de trabalho que desejam realizar.

'13.:1. ·Aorganiza.ção. eos métodos de trabalho penitenciário devem aproximar-se' ol1lÜifuopossível .daqel'esque regulamentam um tr~balho' análogo fora ;doestabelecimento,afim de ajustar os presos às condições normais do> trabalho livre.

73.2. No entanto,o interesse dos presos e de sua formação profissional não deve estar subordinado ao desejo' de obter um benefício financeiro através do> trabalho penitenciário.

74.1. o trabalho ,dos presos deve ser assegurado pela administração penitenciá­ria nas suas próprias oficinas e atividades ou, se for o caso, com a cola­'boração de empresários privados.

74.2. Quando os presos trabalharem para empresários privados, devem ser sem-o pre ,colocados ,sob o· controle da administração penitenciária. As pessoas, para .. as quais é fornecido este trabalho, devem pagar um salário normal .exigível ,para este·trabalho, considerando no entanto o rendimento dos; presos.

75.1. A segurança e higiene do trabalho devem ser organizadas para os presos, em condições semelhantes às dos trabalhadores livres.

75.2.'Devem ser tomadas medidas para indenizar os presos pelos acidentes de trabalho e doenças profissionais, em condições iguaj,sà~uelas que a lei concede aos trabalhadores livres.

76.1. O número máximo de horas de trabalho dos presO$ por. dia .e por semana. deve ser fixado de .acordo com a regulamentação .01,lc,ostumes locais re­ferentes ao emprego dos trabalhadores liVres.

76.2. Os presos devem ter ao menos um dia de'descani\o por semana, e tempo> suficiente para a instrução e outras atividades previstas para o trata­mento e readaptação.

77.1. O trabalho dos presos deve ser remunerado de uma maneira equitativa. 77 • .2. O regulamento deve permitir aos presos utilizar ao menos uma parte de­

sua remuneração para a compra de objetos autorizados destinados ao sew uso pessoal e de dedicar outra parte para sua família ou para fins au­torizados.

'17 .3. O regulamento deve prever igualmente que uma parte da remuneração> seja reservada pela administração a fim de constituir um pecúlio que' será entregue ao preso no momento de sua liberação.

I n81truç.ão e lazer:

78.1. Devem ser previstas medidas para 'desenvolver a instrução de todos os· presos capazes de aproveitá-la, inclusive a instrução religiosa. A instru­ção dos analfabetos e dos jovens presos deverá merecer especial interesse' da administração.

78.2. Na medida do possível, a instrução dos presos deve estar integrada com o sistema de instrução pública, a fim de que aqueles possam pros'seguir­sua formação sem dificuldade após a liberação.

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779. P~a o bemestar#sico e mental d{)s presos, devem ser organizadas atiVi­dades recreativas e culturais . em todos os estabelecimentos.

:80. Desde o início da. co:p.denação, deve-se C<lnsiderar o futuro do preso após sua liberação. El;!te. deve ser estimulado a manter ou a estabelecer relações com os parentes, c()m, pessoas ou organismos exteriores à instituição que possam favorecer seu!! interess.es familiares como também sua própria readaptação social.

:.81.1. Devem criar-se serviços e. organismos eficazes para ajudar. os presos libe-rados a reenc?ntrar um lugar na sociedade, principalmente no que con­cerne ao trabalho.

.81.2.

~81. 3.

... 81.4.

Devem ser proporcionados aos presos documentos e papéis de identidade, alojamento, tr~ba~ho, roupas. convenientes e apropriadas ao clima e à estação, assim como os meios necessários para chegar ao seu destino e subsistir durante o período imediatamente subseqüente a sua liberação. Os representantes designa>dos dos serviços e organismos mencionados no parágrafo 1.0, devem ter acesso ao estabelecimento e aos presos. Deve-se pedir a estes representantes,. desde o início da condenação, sua opinião sobre projetos de recuperação social do preso. Deve-se realizar uma boa coordenação entre Oisserviços e organismos relacionados com a readaptação social dos presos.

m) P1'e808 alienadós e doente8' mentais:

;82.1. Os doentes mentais não devem ficar detidos nas pnspes e devem ser pre­vistas medidas para transferi-los o mais rápido possível para estabeleci­mentos apropriados a doentes mentaÍ~

:82.2. I)evem ser organizadas instituições ou seções especializadas, colocadas sob direção médic'a, para a obesrvação e o tratamento dos presos apresentando outras doenças ou distúrbios mentais graves.

:82.3. O serviço médico ou psiquiátrico dos estabelecimentos penitenciários deve assegurar o tratamento psiquiátrico a todos os presos que tiverem lIle­cessidade de tal tratamento.

"83. Devem ser previstas disposições, de acordo com os organismos competentes, para que o tratamento psiquiátrico continue, se necessário, após a libera.ção e para que seja assegurada uma assistência social pós-penitenciária de cará­ter psiquiátrico.

-O) P<e88oa8 detidas Ou sob pri8iio preventiva:

.84.1. Todo indivíduo detido ou preso por uma infração à lei penal e que se encontra detido ou sob a custódia da polícia ou na prisão, mas que ainda não foi julgado, é qualificado de "preso provisor.iamente" nas disposições que se seguem.

. 84.2. Sem prejuízo das disposições legais relativas à proteção da Uberdade indi­vidual ou determinando o procedimento a seguir com relação aos presos provisoriamente, estes últimos, nào são considerados inocentes até que

.. ,s:ejàestabelecida sua culpabiHdade, deverão ser beneficiados com um tra­. tamento sem outras restrições além daquelas impostas pelo process{j penal

'. e··. ,pela segurança. ;. . :85.1. Nenhum preso provisoriamente· deve ser colocado em contato, contrl!: sua

v()ntade, com os presos condenados." .' '. .85.2. .Os presos provisoriamente jovens devept ficar aloj ados em condiçõefl que

os protejam contra qualquer influência nefasta e devem ser pr.ivilegiados com um regime que leve em conta as necessidades particulares de sua idade. .... '.' '. .'. ;,;,:C. (;

:86. Os presos provisoriamente >devem ter a possibilidade de dispor de celas in-dividuais,' salvo quando condições climáticas requerem o contrário. .

;87. A administração deve, de acordo com as normas estabelecidas nesta matéria pelas autoridades em saúde, fornecer ao preso provisoriamente, nos horá­rios usuais, uma alimentação convenientemente preparada e apresentada, satisfazendo do ponto de vista (Ia qualidade é da quantidade às regras da dietética e da higiene mQdernas e levando em conta sua idade, seu: estádo de saúde, a natureza de seu trabalho, e,' na medida do possível, as exigências impostas por certas convicções filosófIcas e religiosas.

88.1. Deve ser Qfereci,d'a ao preso provisoriamente. a possibilidade de usar suas roupas pessoais se estas forem limpas e adequadas.

.88.2. Quando o preso provisoriamente não utilizar esta oportunidad,e, dey~ s~r-lhe fornecida uma roup'a apropriada. ; . ,., .

:88.3. Se o preso provisoriamente não possuir roupas próprias a4eqlla<l1its, ,d;ev.e ser colocado à sua disposição, para comparecer diante de autoridad~s ju-

'. Idiciárias ou para saída autorizada, uma roupa em bom estado. . ... :89. Deve ser sempre oferecida ao preso provisoriamente a possibHidade,de,tra­

balhar, mas ele não pode ser obrigado a fazê-lo. Se ele trabalhar, d,eye' ser remunerado.

:90. "rodo preso provisoriamente deve ser autorizado a providenciar,às sUas pró­prias expensas ou de terceiros, livros, jornais, material necessário para es­crever, assim como outros meios de ocupação dentro dos limites compatíveis com o interesse da administração da justiça e com a segurança"e a ordem do estabelecimentQ.

:91. Deve ser oferecida ao preso provisoriamente a possibilidade de receber visita e os cuidados de seu médico particular ou de seu dentista, se o pedido estiver razoavelmente fundamentado e se ele for capaz de assegurar o pagamento.

.82. O preso provisoriamente ,deve poder informar imediatamente sua família sobre sua detenção e devem ser-lhe dadas todas as facilidades razoáveis para poder se comunicar com aquela, com seus amigos e com as pesso·as com as quais o preso tenha um interesse legítimo de entrar em conta to, e receber, em condições plenamente satisfatórias do ponto de vistà humano, as visitas dessas pessoas, sujeito apenas às rest:dções e à vigilância ne­cessária no interess,e da administração da justiça, da segurança e da ordem do estabelecimento .

:93. O preso provisoriamente deverá, desde a sua prisão, poder escolher seu advogado ou ser autorizado a pedir a designação de um defensQr público, quando estiver prevista esta assistência, e a receber visitas de seu advogado

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com .vistas à sua defesa. Ele deve poder preparar e enviar àquele instruçÕes confidenciais, bem COmo recebê-Ias. Se ele requerer, devem ser-lhe conce­didas todas as facilidades com este objetivo. Principalmente, deve poder ser assistido gratuita:mentepor um intérprete nos seus contatos essenciais com a administração e a defesa. As entrevistas entre o preso provisoriamen­te 'e seu advogado podem ser ·realizadasà vista dos agentes da autoridade' assegurado no entanto o sigilo da conversação. '

D) Condenados por dívidas OU à prisãe civil:

94. Nos países onde a legislação prevê a prisão por dívidas ou outras formas de p~ivação da liberdade proferidas através de decisão judicial -como conseqüên­-(lIa i~e 'um ,processo nãopena,l, estes presos não devem ser submetidos a ,m~i~u'es restrições .nemSeremtrataqos com maior severidade que a que for ,necessária . para garantir a segurança e manter a ol'dem. Seu tratamento ,não·,deve ser menos favorável qlle o dos presos provisoriamente, ~ah :res;­salva,no entanto, da oprigação eventual de trabalhar;

DECRETO N.o 76.550 DE 5 DE NOVEMBRO DE 1975

Concede indulto, comuta penas e dá outras .promMncias

O Presidente da República,

no· u~o da faculdade que lhe confere o artigo 81, item XXII, da ConstitueçãO'. ConSIderando o transcurso do Ano Santo de 1975, proclamado pelo Papa

Paulo VI;

. Considerando o apelo feito por Sua Santida,de a todos os governantes no sen­tido de q~eas celebrações do ano Santo sejam marcadas por atos de clemência' e

ConSIderando que é da tradição brasileira a concessão de indulto, porocas{ã() do Natal, aos condenados que tenham revelado disnasição e condI'ço-e . t ' . . ,..-. s para In-egrar--se no convlvIo SOCIal,

DECRETA:

Art. 1.0 Ê concedido indulto aos condenados a penas privativas da liber­dade não superiores a quatro anos, que, até 25 de dezembro de 1975 tenham efetivamente cumprido, no mínimo, um terço da pena aplicada se pri~ário ou dais terços, se reincidentes. "

Art. 2.° São comutadas as penas privativas da liberdade a.plicadas a con­denados que, até a data mencionada no artigo anterior, tenham efetivamente cumprido, no mínimo, um terço da pena, se primários, ou dois terços se rein-cidentes observada a seguinte proporção: '

I - em um terço, se primárIos, ou em um quarto, se reincidentes, aos con­denados a mais de quatro até seIs anos;

II -em um quarto, se primários, ou em um quinto, se reincidentes, aos con~' denados a. mais de seis até dez anos;

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III- em um, quintoi se primários, ou em um se:x;.to, se reincidentes, aos con­denados a mais de dez anos.

. Art. 3.0 As penas acessórias não são abrang]das pelo indulto nem pela comtitàção; as ;penas pecuniárias aplicadas cumulativamente, o s~o pelO- indulto somente. '.

Art. 4.° Constituem, também, requisitos para a obtenção do indulto·.ou da comutação de penas de que trata o presente Decreto:

I - nunca ter sido beneficiado poi" graça, indulto ou comutaçãodii pena; II - ser isento de periculosidade, devendo verificar-se a sua cessação, caso

tenha sido imposta medida de segurança; III - ter boa conduta prisional, reveladora de disposições e condiçpes pes­

soais para a reintegração no convívio social, se presentes os demais requisitos para indulto, ou de, pelo m~n'Os, sincer'O esforço para alcançá-las, se o caso- fór 'de comutação de penas.

Art: 5.° Este Decreto não beneficia os condenados:

I - por crime tipificado na Lei de Segurança Nacional (Decreto-lei n,o 898, de 29 de seteInbro de 1969);

II - por crime tipificado no artigo 281 e seus parágrafos, d'O CódIgo Penal, com a nova redação dada pelo artigo 23 da Lei n.O 5.726, de 29 de outubro de 1971, quando referida na 'sentença a condiçã'O de traficante.

Art. 6.° Caberá aos Conselhos Penitenciários, de ofício ou por provocação de qualquer interessado, verificar quais os condenados portadores dos requisitos estabelecidos por este Decreto, emitindo desde logo parecer, nos termos dO artig~ 736 do Código de Proces:so Penal, que será remetido ao Juiz da Elxcução, parai os fins dos artigos 738 e 741 do mesmo Código.

Parágrafo único - Os dirigentes dos estabelecimentos prisionais" encami­nharão aos Conselhos Penitenciários relação dos condenados que tenham' aquêles reqUIsitos, prestados desde logo informações circunstanciadas sobre a' vidá pri­

. siona1 e a conduta de cada um.

Art. 7.'0 Quando se tratar de condenados pela Justiça Militar, que não estejam cumprindo pena em estabelecimento civil, o parecer do Conselho, Peni­tenciário será substituído pela info·rmação da autoridade sob cuja custódia' esti­ver o preso.

Art. 8.0 Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 9.0 Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 5 de novembro de 1975,; 154.° da Independência e 37.0 da República.

D.Q. 6/11/75, 14723

ERNESTO GEISEL

ARMANDO FALCÃO

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DECRETO N.o 78.800 - D'E 23 DE NOVEMBRO. DE 1976

Concede indulto, reduz penas e dá outras providências.

O Presid~nte da República,

no uso da faculdade que lhe confere o artigo 81, item XXII, da Constituição,e Considerando que é da tradição brasileira a concessão de indulto, por ocasião­

do Natal, aos condenados que tenham disposição e condições para reintegrar-se: ao cO:nvíviq social,

DECRETA:

Art. 1.0 É concedido indulto aos condenados primarlOs a que tenha sido> aplicada pena privativa da liberdade não superior a quatro ,anos, os quais, até 25 de . dezembro de 1976, dela tenham efetivamente cumprido, no mínimo um terço.

Parágrafo único. São beneficiados igualmente, os condenados reincidentes. (artigo 46 do Código Penal), cuja pena aplicada não seja superior a três anos,. e dela tenham efetivamente cumprido, no mínimo, dois terços.

Art. 2.0 Aos condenados primários que, até a data indicada no artig~ anterior, tenham efetivamente cumprido, no mínimo, um terço da pena aplicada" é concedida redução da pena, na seguinte proporção:

I - um terço, se a pena for superior a quatro anos, até seis; II ~ um quarto, se a pena for superior a seis anos, até oito.

Art. 3.0 O disposto nos artigos anteriores se aplica, também, caso a sen ... tença esteja em grau de recurso intf>rposto somente pela defesa, e sem prejuÍZo­para o respectivo julgamento pela instância superior.

Art. 4.° Primário, para feito deste decreto, é também quem, tendo sofrido. mais de uma condenação, cometeu todos os crimes antes de a primeira sentença. condenatória ter passado em julgado.

Art. 5.0 O indulto, previsto no artigo 1.0 e seu parágrafo, deste decreto .. abrange as penas pecuniárias aplicadas cumulativamente.

Pa'rágrafo único. As penas pecuniárias são, igualmente, indultadas, quando. a redução prevista no artigo 2.° ensejar imediatamente soltura ou livramento. condicional.

Art. 6.° As penas acessórias não são abràngidas pelo indulto nem pela. redução.

Art. 7.° Constituem, também, requisitos para que o condenado obtenha. o indulto ou a redução de penas de que trata o presente decreto:

I - não ter sido beneficiado por graça, indulto, redução ou comutação de­pena, nos dez anos anteriores à data de sua publicação;

II - ser isento de periculosidade, devendo verificar-se a sua ces'Sação, caso. tenha sido imposta a medida de segurança;

'III - ter boa conduta prisional, réveladora de disposição e condições pes­soais para a reintegração no convívio social, se presentes os demais requisitos.

para indulto, ou de, pelo menos, sincero esforço par~ alcançá-los, se o caso for­de redução de pena.

Art. 8.0 Este decreto não beneficia os condenados:

I - por crime contra a Segurança Nacional; II - por crime que tenha por objeto entorpecente ou substância que cause'

dependência física ou psíquica, quando referida na 'Sentença a condição de tra-­

ficante.

Art. 9.0 Caberá aos Conselhos Penitenciários, de ofício ou por provoca-­ção de qualquer interessado, verificar quais os condenados portadores dos requi­sitos estabelecidos por este decreto, emitindo desde logo parecer, nos termos do, artigo 736 do Código de Proc'€sso Penal, que será remetido ao Juiz da E~ecução,_ para os fins dos artigos 738 e 741 do mesmo Código.

Parágrafo único. Os dirigentes dos estabelecimentos prisionais encamiharão. aos Conselhos Penitenciários relação dos condenados que tenham aqueles requi­sitos, prestando desde logo informações circunstanciadas sobre a vida prisional! e a conduta de cada um.

Art. 10.0 Quando se tratar de condenados pela Justiça Militar, que não­estejam cumprindo pena em estabelecimento civil, o parecer do Conselho Peni­tenciário será substituído pela informação da autoridade sob cuja custódia esti--

ver o preso. Art. 11.0 Este decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 12.0 Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 23 de novembro de 1976 155.0 da Independência e 88.0 da República

ERNESTO GEISEr.

ARMANDO :FALCÃO

(Publicado no DO 24jnov/76)

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