Revista Decisum

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DECISUM GABINETE DO CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA - TCE/MG NOTÍCIA 1: ANTÔNIO CARLOS ANDRADA EMPOSSADO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO - TCEMG NOTÍCIA 2: ANDRADA PARTICIPA DA POSSE DO NOVO PROCURADOR-GERAL DO MPMG MINEIRANÇAS: A REDE DE NÚCLEOS DA ESTRADA REAL E SUA APTIDÃO PARA O TURISMO: UM LEGADO A SER DESVENDADO 2011 | ANO 5 | Nº 5 DECISUM ARTIGO: POLÍTICA: AINDA É POSSÍVEL? REALIDADE BRASILEIRA: ABORDAGENS CRÍTICAS 2011 | ANO 5 | Nº 5

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Revista TCE-MG

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DECISUMGABINETE DO CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA - TCE/MG

NOTÍCIA 1:Antônio CArlos AndrAdA empossAdo presidente do tribunAl de ContAs do estAdo - tCemG

NOTÍCIA 2:AndrAdA pArtiCipA dA posse do novo proCurAdor-GerAl

do mpmG

MINEIRANçAS:A rede de núCleos dA estrAdA reAl

e suA Aptidão pArA o turismo: um leGAdo A ser desvendAdo

2011 | ANO 5 | Nº 5

DEC

ISUM

ARTIGO:

política: ainda é possível?reAlidAde brAsileirA: AbordAGens CrítiCAs

Av. raja Gabaglia, nº 1315/ 3º andar • belo Horizonte • minas Gerais • Cep: 30380-090tel.: (31) 3348-2135 | 3348-2555 • Fax: 3348-2389

www.antoniocarlosandrada.com.br • [email protected]

2011 | ANO

5 | Nº 5

DECISUMGABINETE DO CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA - TCE/MG

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EDITO

RIAL

A revista Decisum, do Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada,

é publicação singular no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Veiculando

decisões, pareceres e consultas mais significativas prolatadas pelo Conselheiro no de-

correr do ano de 2010, a revista reúne também artigos de autoria de integrantes do

corpo técnico do gabinete e seleciona fatos sociais e institucionais relevantes. Decisum

reserva, ainda, o espaço “Mineiranças” para a divulgação artística e cultural mineira.

O principal escopo da iniciativa com a impressão da revista é contribuir para o apro-

fundamento das discussões de temas relacionados ao controle dos atos da Administra-

ção Pública, especialmente aqueles que foram ou estão sendo objeto de análise pelo

Tribunal de Contas. A publicação de artigos, com abordagens mais amplas e variadas,

busca estimular o esforço pelo aperfeiçoamento e o interesse pela pesquisa, ampliando

a temática abordada pela revista, com matérias de interesse jurídico de forma geral.

Ademais, a revista Decisum colabora com a divulgação institucional do Tribunal de

Contas, não obstante estar focada apenas nas atividades do gabinete do Conselheiro

Andrada e de seu corpo técnico. E tal iniciativa vai ao encontro do esforço comum pelo

fortalecimento do Estado de Direito Democrático, onde transparência e informação

são requisitos indispensáveis ao exercício pleno da cidadania. É, assim, singela, mas

significativa ação contributiva para o alargamento dos canais dialógicos que devem

sempre existir entre os órgãos de controle do Estado e a sociedade.

Na medida em que a maturidade democrática avança sobre a sociedade brasileira,

cresce a importância do papel desenvolvido pelos órgãos de controle, pois quanto mais

a democracia se consolida entre nós, maior é a exigência de fiscalização e de transpa-

rência dos atos públicos. O Tribunal de Contas assume, assim, cada vez mais, ao lado

de outras instituições afins, função primordial no Estado Contemporâneo.

Nesse contexto, a revista Decisum representa gesto salutar, e surgiu para transitar em

espaço bastante amplo que ainda precisa ser melhor explorado não só pelos cidadãos

e a sociedade como um todo, mas pelas próprias instituições estatais.

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íNDI

CE

Notícias 07 Antônio Carlos Andrada empossado Presidente do Tribunal de Contas do Estado - TCEMG 07 Andrada participa da posse do novo Procurador-Geral do MPMG 08 Festa de Confraternização 09 Andrada participa de Simpósio Internacional em Manaus 10 Conselheiro Andrada encontra-se com Canotilho 12 II Encontro Nacional dos TCEs discute “ética e transparência” 12 Aprovada proposta do Conselheiro Andrada 13 Lançado o Diário Oficial de Contas 13 TCE aprova contas de 2009 do Governo do Estado 18 Tribunal de Contas apreciou 9.741 processos em 2009 20 Diretoria do IRB traça metas 21 Conselheiro visita Centro de Memória do MP 21 Aula Magna em Itabira 22 Andrada toma posse no IRB 22

Mineiranças 53 CAMINHO DAS PEDRAS – Do patrimônio cultural de Minas 54 A rede de núcleos da Estrada Real e sua Aptidão para o turismo: uM LEGADO A SER DESVENDADO 60

25 Julgados 5 26 PROCESSO Nº 723.418

33 PROCESSO Nº 805.981

40 PROCESSO Nº 809483

43 PROCESSO Nº 809502

46 PROCESSO Nº 811939

49 PROCESSO Nº 811980

67 Artigo 5 68 Política: ainda é possível? 2. Realidade Brasileira: Abordagens Críticas

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NOTíC

IAS

Notícias 07 Antônio Carlos Andrada empossado Presidente do Tribunal de Contas do Estado - TCEMG 07 Andrada participa da posse do novo Procurador-Geral do MPMG 08 Festa de Confraternização 09 Andrada participa de Simpósio Internacional em Manaus 10 Conselheiro Andrada encontra-se com Canotilho 12 II Encontro Nacional dos TCEs discute “ética e transparência” 12 Aprovada proposta do Conselheiro Andrada 13 Lançado o Diário Oficial de Contas 13 TCE aprova contas de 2009 do Governo do Estado 18 Tribunal de Contas apreciou 9.741 processos em 2009 20 Diretoria do IRB traça metas 21 Conselheiro visita Centro de Memória do MP 21 Aula Magna em Itabira 22 Andrada toma posse no IRB 22

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Antônio Carlos Andrada empossado Presidente do Tribunal de Contas do Estado - TCEMG

08/02/2011

Em sessão do Tribunal Pleno do dia 15 de dezembro de 2010, o Conselheiro Antônio Carlos Andrada foi elei-to, por unanimidade, Presidente da Corte de Contas de Minas Gerais, para o biênio 2011/2012. Reunindo cerca de mil convidados, Andrada foi empossado na Presidência do Tribunal de Contas, na tarde do dia 8 de fevereiro de 2011, sucedendo o Conselheiro Wanderley Ávila. Os novos Vice-Presidente e Corregedor da Casa, também eleitos, são, respectivamente, a Conselheira Adriene Andrade e o Conselheiro Sebastião Helvécio.

Participaram da solenidade de posse o Governador An-tonio Augusto Anastasia, o Presidente do Tribunal de Justiça - Desembargador Cláudio Costa -, o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado - Deputado Dinis

Pinheiro -, o Senador Clésio Andrade – representando o Senado Federal -, o Procurador-Geral de Justiça do Es-tado - Alceu José Torres Marques -, o Deputado Federal Bonifácio Andrada – pai do Presidente empossado -, os ex-Governadores Francelino Pereira e Eduardo Azere-do, o Presidente da Câmara Municipal de Belo Horizon-te - Vereador Léo Burguês -, dezenas de parlamentares estaduais e federais, Secretários de Estado, Prefeitos, Vereadores e inúmeras personalidades sociais, amigos e familiares dos novos empossados na direção do Tri-bunal.

Durante a solenidade, discursaram o Conselheiro Wan-derley Ávila, o Auditor Hamilton Coelho, o Procurador-Geral do Ministério Público de Contas - Glaydson Mas-

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Andrada participa da posse do novo Procurador-Geral do MPMG11/12/2010

Tomou posse na tarde do dia 7 de dezembro o Procurador-Geral do Ministério Público de Minas Gerais, Alceu José Torres Marques, que co-mandará a Instituição no biênio 2011/2012. Ele foi reconduzido à chefia da Instituição pelo Go-vernador Antonio Anas-tasia após vencer as eleições internas.

A solenidade de posse aconteceu na sede do Ministério Público e reuniu centenas de autoridades, entre elas o Governador Antonio Anastasia, o Presidente da As-sembléia do Estado e Vice-Governador eleito Alberto Pinto Coelho, o Desembargador Joaquim Herculano,

do Tribunal de Justiça do Estado, o Presidente do Tribunal de Contas do Estado, Wanderley Ávila, além de parla-mentares estaduais e federais e representan-tes de diversos setores da sociedade civil.

O Conselheiro Antônio Carlos Andrada, vice-presidente do TCE/MG, que participou da sole-

nidade, disse que “a recondução do Procurador Alceu é garantia de que o bom trabalho realizado nos últimos dois anos de sua gestão terá sequência, assegurando a continuidade e favorecendo as transformações que ele vem implementando na Instituição”.

Conselheiro Antônio Carlos Andrada e Alceu José Torres

saria -, o Conselheiro Antônio Carlos Andrada e o Go-vernador Antonio Augusto Anastasia. A TV Assembleia transmitiu, ao vivo, todo o evento para 200 cidades mineiras.

Andrada ingressou no Tribunal de Contas em 2006, no-meado pelo Governador Aécio Neves, após ser eleito para o cargo pelo plenário da Assembleia Legislativa. Às vésperas de completar cinco anos de exercício na Instituição, o Conselheiro Andrada já ocupou os cargos de Corregedor, Vice-Presidente e Presidente da Primeira Câmara de Julgamento. Dirige a Revista do TCEMG, que inovou no conteúdo e modernização do design gráfico, e coordena os trabalhos da Comissão de Jurisprudên-cia e Súmula, setor também amplamente reformulado. Empenhou-se para aprovação pelo Legislativo Mineiro da emenda à Constituição do Estado que decretou a nova Lei Orgânica desta Corte e, posteriormente, na edição do novo regimento interno.

Filho do Deputado Federal Bonifácio de Andrada e pai de sete filhos, Andrada é casado com a jornalista Paula Andrada. É Bacharel em Direito, Professor universitá-rio e tem especialização em Controle da Administração Pública e em Direito Público pelas universidades Gama Filho – Rio de Janeiro e Pontifícia universidade Católica de Minas Gerais, respectivamente. Foi Vereador e Pre-feito de Barbacena (MG) e Deputado Estadual por dois mandatos. Na Assembleia Legislativa, foi Líder do Blo-co Parlamentar de apoio ao Governador Aécio Neves e Relator do Orçamento do Estado, quando o orçamento atingiu o chamado “déficit zero”. Com vários trabalhos publicados, vale destacar: “Ideologias em luta” (1986), “Ensaios Históricos” (1987), “A imigração italiana em Barbacena - um século de história” (1988), “Em defe-sa do Parlamento” (2003), “O Município na Federação brasileira - uma proposta” (2003), “Computocracia – O déficit democrático da globalização” (2007) e “Política: Ainda é possível?” (2009).

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Ocorreu no dia 26 de novembro a tradicional festa de fim de ano dos funcionários do gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Já no quinto ano, a reunião de confraternização tem reunido dezenas de funcionários do gabinete do Conselheiro e também de diversas outras áreas técnicas do Tribunal de Contas.

Realizada no Espaço Graciliano, localizado no Shopping Pátio Savassi, a festa deste ano contou com a presença de mais de 120 pessoas, em animado encontro social com jantar e muita música. Além do Conselheiro Andrada, da esposa Paula Andrada e de familiares, compareceram também amigos do casal.

Conselheiro Antônio Carlos Andrada, sua esposa – Paula –, sua irmã – Maria Angélica – e o seu pai – Deputado Federal Bonifácio Andrada.

Festa de Confraternização08/12/2010

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Com o objetivo de debater o controle das contas pú-blicas e a gestão ambiental, com enfoque no papel dos Tribunais de Contas, ocorreu entre os dias 16 e 19 de novembro o I Simpósio Internacional sobre Gestão Ambiental e Controle de Contas Públicas na cidade de Manaus, estado do Amazonas. Conselheiros, Auditores, Procuradores e Técnicos de Tribunais de Contas de todo o Brasil participaram do evento, que reuniu mais de 300 participantes. Do Tribunal de Contas de Minas Gerais participaram os Conselheiros Antônio Carlos Andrada, vice-presidente, Eduardo Carone, Sebastião Helvécio, Elmo Braz e Gil-berto Diniz, e os Auditores Licurgo Mourão e Hamilton Coelho, além de Técnicos. Entre os conferencistas, além de autoridades, partici-param especialistas na matéria ambiental. Entre eles, John McNeill, da Georgetown university, Bakary Kante, do Programa da ONu para o Meio Ambiente, Hubert

Weber e José Mira Mendes, Conselheiros do Tribunal de Contas Europeu, Cyrille Schott, da Corte de Con-tas da França e Ricardo Lorenzetti, da Corte de Con-tas da Argentina. Participaram, também, o Ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, os Ministros Walton Rodrigues e Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da união, e os administrativistas Marçal Justen Filho e Jacoby Fernandes, entre outros. O Conselheiro Antônio Carlos Andrada comentou a im-portância do I Simpósio Internacional afirmando que “além do controle das despesas públicas é necessário desenvolver mecanismos eficientes para avaliar o im-pacto gerado por determinadas intervenções públicas no meio ambiente, dimensionando os possíveis prejuí-zos e as suas repercussões nas contas públicas”. Ao final do Simpósio, os participantes elaboraram a “Carta da Amazônia”, que sintetiza as principais dire-trizes e conclusões alcançadas durante as discussões.

Andrada participa de Simpósio Internacional em Manaus25/11/2010

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CARTA DA AMAZÔNIA

Os Tribunais de Contas do Brasil e os participantes do I Simpósio Internacional sobre Gestão Ambiental e Controle de Contas Públicas, reunidos de 16 a 19 de novembro de 2010 em Manaus, Coração da Amazônia considerando a inquestionável importância da Amazônia, dos demais biomas brasileiros e de sua riquíssima biodiversidade para a existência e manutenção da vida em todas as suas formas, e das presentes e futuras gerações, sobretudo em tempos de mudanças climáticas, reconhecendo que o real progresso e crescimento econômico somente são possíveis por meio do desenvolvimento ecologicamente sustentável, que seja também social e economicamente justo, considerando a necessidade de os governos nacional, estaduais, distrital e municipais agirem de forma integrada, preventiva, precautória e eficaz para cumprir as obrigações internacionais e nacionais de proteção do meio ambiente, conscientes do papel fundamental dos Tribunais de Contas, instituições preventivas por excelência, para a adequada formulação e execução de políticas governamentais relativas à gestão pública ecologicamente sustentável e para a implantação da “Economia Verde”, por meio do controle contábil, orçamentário, financeiro e, agora, ambiental das contas públicas, considerando que o conceito de “Contas Públicas” é, simultaneamente, intrageracional e intergeracional, devendo incluir os impactos ambientais a serem sofridos pelas futuras gerações.Convencidos de que as auditorias ambientais, para serem adequadas e eficazes, exigem alto grau de conhecimento especializado, não apenas das ameaças ambientais e dos impactos sociais e econômicos de projetos e empreendimentos públicos e privados, mas também dos instrumentos técnico-científicos necessários para o correto exame de conformidade e de desempenho ambientais, aprovam a seguinte Carta da Amazônia:

1. Os Tribunais de Contas do Brasil devem orientar sua atuação no sentido de agregar valor à gestão ambiental, produzindo conhecimento e perspectivas, impulsionando os governos a agir de forma preventiva e precautória, garantindo efetividade às normas internacionais, constitucionais e legais de proteção do meio ambiente.

2. O controle das contas públicas das diversas esferas governamentais deve considerar a competência comum relacionada à proteção do meio ambiente, o que leva à necessária colaboração entre os Tribunais de Contas, nos vários níveis de organização do Estado brasileiro, com intercâmbio contínuo de conhecimento e atuação conjunta, quando indicada.

3. Os Tribunais de Contas deverão promover o estudo das orientações da Organização Internacional de Instituições Superiores de Auditoria (Intosai) e de outros organismos internacionais, buscando a harmonização dos métodos e padrões de auditoria ambiental utilizados no país, adaptando-os, quando necessário, às realidades regionais e locais.

4. Para que os Tribunais de Contas cumpram seu papel constitucional em relação proteção do meio ambiente é imperativo que incluam as questões ambientais em todas as dimensões das auditorias de sua competência, capacitando continuamente os profissionais e proporcionando-lhes meios adequados para sua atuação.5. Os Tribunais de Contas envidarão esforços para criar e manter Grupos de Trabalho permanentes ou extraordinários, formados por profissionais da área ambiental das diversas Cortes brasileiras, para continuar o diálogo iniciado no I Simpósio Internacional sobre Gestão Ambiental e Controle de Contas Públicas, buscando a produção e o intercâmbio de conhecimento técnico-científico especializado.

6. Os Tribunais de Contas comprometem-se, desde já, com a realização do II Simpósio Internacional sobre Gestão Ambiental e Controle de Contas Públicas em 2011, em local e data a serem definidos.

Manaus, 19 de novembro de 2010.

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O Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Estado, encontrou-se com o jurista e constitucionalista português J. J. Gomes Ca-notilho na cidade de uberaba, no último dia 14 de se-

Nos dias 15 e 16 de setembro foi realizado em Brasília o II Encontro Nacional dos Tribunais de Contas do Bra-sil, na sede do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Com a presença de centenas de Conselheiros de diver-sos Tribunais de Contas estaduais, o evento foi aberto oficialmente pelo Ministro ubiratan Aguiar, Presiden-te do Tribunal de Contas da união. No encerramento, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Brito proferiu palestra aos presentes. Durante o II En-contro ocorreram também solenidades alusivas ao 50º aniversário do TCE do Distrito Federal.

Durante o evento, foram realizados painéis com ampla discussão de temas relacionados à Integração dos Tribu-nais de Contas, Gestão Fiscal e Transparência e Código de Ética das Cortes de Contas. Representando o TCE mi-neiro, compareceram ao evento os Conselheiros Sebas-

tião Helvécio e Antônio Carlos Andrada, vice-presidente.O Conselheiro Andrada participou do painel “Código de Ética dos Tribunais de Contas”, fazendo uso da palavra e defendendo que a melhor forma de fiscalizar a atua-ção das Cortes de Contas e dos Conselheiros é através do controle externo, com ampla participação da socie-dade, por meio do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas.

tembro, onde o jurista português proferiu palestra no final da manhã sobre “A Judicialização da Política e a Politização da Justiça”, numa iniciativa conjunta das universidades de uberaba (uniub) e Presidente Antônio Carlos (unipac).

Após a palestra, Canotilho concedeu entrevista exclusiva de cerca de meia hora para a Revista do Tribunal de Con-tas de Minas Gerais, dirigida pelo Conselheiro Andrada.

À noite, o Conselheiro participou de jantar em home-nagem a Canotilho, na residência do advogado Sérgio Tiveron. Na ocasião, Andrada presenteou o jurista por-tuguês com seu livro “Política, ainda é possível?”, cujo tema provocou interesse do visitante.

O Conselheiro Andrada e o jurista J. J. Canotilho

II Encontro Nacional dos TCEs discute “ética e transparência”20/09/2010

Conselheiro Andrada encontra-se com Canotilho22/09/2010

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O Conselheiro Vice-Presidente do TCE Antônio Carlos Andrada levou, em sessão plenária do dia 25 de agosto, uma proposta para que a Corte de Contas de Minas partici-pe da ação de Reclamação número 10.439, que tramita no Supremo Tribunal Federal. Após aprovação pelos Conselheiros, fica sob res-ponsabilidade do Presidente da Casa, em um segundo momento, designar um Conselheiro “para a adoção das medidas necessárias ao cumprimento do decidido”.

A reclamação foi uma medida pro-posta pelo ex-Prefeito do municí-pio de Maranguape (CE), perante o STF, baseada na interpretação dada

por esta instituição na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 3715, questionando a competência do Tribunal de Contas do Ceará no julgamento de atos dos prefeitos municipais.

De acordo com o Conselheiro An-drada, a questão poderá ter reper-cussão para a Corte de Contas mi-neira, o que justifica sua participa-ção naquele processo na condição de amicus curiae.

AMICuS CuRIAE Termo do latim, que pode ser tra-duzido como “amigo da corte”. É o instituto que permite que terceira pessoa, entidade ou órgão interes-

sado passe a integrar a demanda, a fim de discutir de forma objetiva as teses jurídicas nela previstas. Não é parte do processo, mas tem inte-resse em seu resultado.

No Brasil, a previsão deste instituto encontra-se no artigo 7º, parágra-fo 2º, da Lei nº 9.868/99: “Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de in-constitucionalidade. § 2o O rela-tor, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.

O Conselheiro Vice-Presidente Antônio Carlos Andrada foi o relator do projeto que deu origem à Resolução nº 10/2010, que dispõe sobre a implantação e regulamen-tação do Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado.

Lançado no dia 02 de agosto, o Diário Oficial de Contas – D.O.C. é o órgão oficial eletrônico do Tribunal de Con-tas para publicação de atos oficiais da Corte de Contas, administrativas e processuais, e comunicação em geral.

O D.O.C. proporcionará maior rapidez à tramitação dos processos, sustentabilidade ambiental com a redução do uso de recursos naturais, além de economia aos co-fres públicos.

Aprovada proposta do Conselheiro Andrada08/12/2010

Lançado o Diário Oficial de Contas08/12/2010

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O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, no uso de sua atribuição prevista no art. 3º inciso XXIX, da Lei Comple-mentar nº 102 de 17 de janeiro de 2008, e em atendimento ao disposto no art. 5º da Lei Complementar nº 111/2010 de 13 de janeiro de 2010,

RESOLVE:Art. 1º A implantação e a regulamentação do Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, denominado Diário Oficial de Contas - D.O.C., obedecerão ao disposto nesta Resolução.

Art. 2º O D.O.C. é o órgão oficial para publicação e divulga-ção dos atos administrativos, processuais e de comunicação em geral.

Parágrafo Único. O D.O.C. substituirá integralmente a versão impressa publicada no órgão oficial dos poderes do Estado e será veiculado, sem custos, no portal do Tribunal na internet, no endereço eletrônico http: www.tce.mg.gov.br.

Art. 3º A publicação atenderá aos requisitos de autentici-dade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP-Brasil.

Art. 4º A publicação e divulgação dos atos administrativos e processuais, por meio do D.O.C., iniciará a partir da zero hora do dia 02 de agosto de 2010.

Art. 5º O conteúdo da publicação será assinado, digitalmen-te, com base em certificado emitido por autoridade certifi-cadora credenciada.

Art. 6º O Presidente do Tribunal designará, por meio de ato normativo próprio, os servidores para assinar, digitalmente, em nome do Tribunal, as publicações e divulgações disponi-bilizadas no D.O.C.

Art. 7º A Diretoria de Gestão de Pessoas deverá manter o ca-dastro atualizado dos servidores designados pelo Presidente responsáveis pela divulgação dos atos processuais e admi-nistrativos do Tribunal, observada a competência de cada unidade Organizacional.

Art. 8º Caberá a cada unidade Organizacional, no âmbito de sua atribuição, a inserção de matérias para veiculação no D.O.C., responsabilizando-se pelo conteúdo e assinatura digital do material divulgado.

Art. 9º As matérias a serem postadas deverão ser encami-nhadas pelas respectivas áreas à Secretaria Geral, até as 16:30 horas do dia anterior ao da publicação.

Art. 10. O D.O.C. será publicado de segunda a sexta-feira, exceto nos feriados nacionais e nos dias em que, mediante prévia divulgação, não houver expediente no Tribunal.

RESOLUÇÃO N. 10/2010

Dispõe sobre a implantação e a

regulamentação do Diário Oficial

Eletrônico do Tribunal de Contas do

Estado de Minas Gerais e altera a

Resolução nº 12/2008.

No período compreendido entre 02 de agosto e 03 de novembro de 2010, as publicações e divulgações do Tribunal ocorrerão no “Minas Gerais” e no D.O.C., prevalecendo os dados da versão impressa e a con-tagem dos prazos processuais fixados na Resolução nº 12/2008.

A partir do dia 04 de novembro de 2010, as publicações e divulgações do Tribunal serão efetuadas, exclusiva-

mente, por meio do D.O.C., para todos os efeitos legais, excetuadas aquelas exigidas por norma específica.

O conteúdo da publicação será assinado, digitalmen-te, com base em certificado emitido por autoridade certificadora credenciada e atenderá aos requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e intero-perabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Bra-sileiras – ICP - Brasil.

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Art. 11. Os prazos processuais iniciar-se-ão na data da publi-cação, observado o que dispõe o §2º do art. 2º da Lei Com-plementar nº 111, de 13 de janeiro de 2010.

Art. 12. As comunicações dos atos administrativos e proces-suais far-se-ão por meio do D.O.C., excetuando as hipóteses previstas no Regimento Interno.

Art. 13. As publicações dos atos processuais e administra-tivos deverão ser protegidas por sistema de segurança de acesso e armazenadas em meio que garanta a preservação e integridade dos dados para fins de arquivamento.

Parágrafo Único. Será de caráter permanente o arquivamen-to das publicações no D.O.C.

Art. 14. As informações a serem disponibilizadas pelo D.O.C. somente serão publicadas após prévio armazenamento ele-trônico, mediante emprego de recursos criptográficos des-tinados à cifragem e impedimento de alteração dos con-teúdos, medida que assegura autenticidade, integridade e validade jurídica à publicação.

Art. 15. As publicações não poderão sofrer modificação ou supressão, após a disponibilização no D.O.C., demandando nova publicação eventuais retificações e, ainda, a devolução do prazo ao responsável ou interessado, quando for o caso.

Art. 16. Em caso de indisponibilidade do D.O.C., por motivos técnicos, os prazos de publicação dos atos processuais e ad-ministrativos ficarão automaticamente prorrogados para o primeiro dia útil seguinte à regularização.

Art. 17. Constatada a indisponibilidade da consulta ao D.O.C., a Diretoria de Tecnologia da Informação deverá publicar o Aviso de Indisponibilidade, no Portal do Tribunal na internet, até as 11 horas, para fins do disposto no artigo anterior.

Parágrafo Único. Na hipótese prevista no caput os atos serão disponibilizados na edição do D.O.C. do dia útil seguinte à regularização.

Art. 18. Compete à Diretoria de Tecnologia da Informação:

I - providenciar e manter o pleno funcionamento e monito-ramento dos sistemas informatizados, cópias de segurança e a disponibilização de consulta ao conteúdo publicado no D.O.C.;

II - manter registro diário dos servidores que enviaram infor-mações para serem publicadas no D.O.C.;

III - emitir relatórios gerenciais com dados acerca das publi-cações no D.O.C.;

IV- elaborar e manter atualizadas as regras de operacionali-zação do sistema automatizado para a publicação do D.O.C.;

V- manter sistema de segurança de acesso que garanta a permanente preservação e integridade dos dados; e

VI- providenciar e manter em pleno funcionamento módulo sistêmico que permita aos interessados cadastrados receber, através de envio de e-mails, comunicação sobre a publica-ção eletrônica referente aos processos por eles previamente selecionados.

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 19. No período compreendido entre 02 de agosto e 03 de novembro de 2010 as publicações e divulgações do Tribunal ocorrerão nas versões impressa e eletrônica, prevalecendo os dados da versão impressa e a contagem dos prazos proces-suais fixados na Resolução nº 12/2008.

Art. 20. A partir da zero hora do dia 04 de novembro de 2010 as publicações e divulgações do Tribunal se darão, exclusi-vamente, por meio do D.O.C., para todos os efeitos legais, excetuadas aquelas exigidas por Lei específica.

Art. 21. Ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais se reservam os direitos autorais e de publicação do D.O.C.

Art. 22. É vedada a comercialização de qualquer publicação ou divulgação do D.O.C.

Art. 23. Deverá ser utilizado o meio de publicação eletrô-nica tecnologicamente disponível e de ampla utilização e padronização, considerando a sua eficiência e desempenho, podendo-se utilizar de centrais de armazenamento e acesso de alta disponibilidade e segurança fornecido por empresa tecnicamente qualificada para atender à demanda de acesso requisitado.

Art. 24. As regras de operacionalização do D.O.C. serão defi-nidas no Manual de Procedimentos elaborado pela Diretoria de Tecnologia da Informação, aprovado por Portaria do Pre-sidente.

Art. 25. O art. 4º, X, art. 44, IX, art. 77, § 1º, art. 79 § 2º, art. 80, parágrafo único, art. 166, §1º, I, V, § 2º, § 3º e § 4º, art. 167, art. 167-A, caput, art. 168, IV, V e § 2º, art. 185, § 4º, art. 205, art.

221, art. 234, II, art. 238, II, art. 255, § 2º, art. 329, § 1º, art. 370, parágrafo único, da Resolução nº 12/2008, passam a vigorar com a seguinte redação:

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Art. 4º ......................................................................................................

X - divulgar, no Diário Oficial de Contas e em destaque no seu portal na internet, os demonstrativos de sua despesa, nos termos do § 3º do art. 73 da Constituição do Estado;

Art. 44 ....................................................................................................

IX- disponibilizar os dados constantes nos relatórios estatís-ticos, relativos às atividades desenvolvidas pelo Tribunal, e promover as respectivas publicações, trimestral e anualmen-te, no Diário Oficial de Contas, se for o caso, e no Portal do Tribunal na internet;

Art. 77 ....................................................................................................

§ 1º A pauta será publicada no Diário Oficial de Contas com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas antes da sessão e valerá como intimação às partes e a seus pro-curadores.

Art. 79 ....................................................................................................

§ 2º A ata será publicada no Diário Oficial de Contas e no Portal do Tribunal na internet.

Art. 80. ...................................................................................................

Parágrafo Único. Havendo número legal, passar-se-á à dis-cussão e votação da ata da sessão anterior, podendo ser dispensada sua leitura se já tiver sido publicada no Diário Oficial de Contas.

Art. 166 ..................................................................................................

§ 1º ..........................................................................................................

I - por meio do Diário Oficial de Contas;

II - por via postal ou telegráfica;

III - pessoalmente, por servidor designado, mediante deter-minação do Relator ou do Tribunal, quando a segurança ou a urgência dos atos processuais justificarem a medida;

IV - com hora certa, para cumprimento da citação pessoal, se o servidor designado houver procurado o responsável ou interessado em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, e existindo suspeita de ocultação, hipótese em que deverá intimar a qualquer pessoa da família, ou, em sua falta, a qualquer vizinho, comunicando que no dia imediato voltará, a fim de efetuar a citação ou intimação, na hora que desig-

nar, observado o disposto nos arts. 228 e 229 do Código de Processo Civil;

V- por edital, publicado no Diário Oficial de Contas, quando o responsável ou interessado não for localizado, indepen-dentemente de despacho do Relator ou ordem do Tribunal.

VI - por meio eletrônico, quando a circunstância assim o exi-gir, em especial, na hipótese do art.95 da Lei Complementar nº 102/2008;

VII - por fac-símile, quando a circunstância assim o exigir, em especial, na hipótese do art. 95 da Lei Complementar nº 102/2008.

§ 2º As citações serão realizadas por via postal e comprova-das mediante juntada aos autos do aviso de recebimento en-tregue no domicílio ou residência do destinatário, contendo o nome de quem o recebeu.

§ 3º As intimações serão realizadas por meio de publicação no Diário Oficial de Contas e comprovadas mediante juntada aos autos da correspondente certidão.

§ 4º o Relator poderá optar, justificadamente e de forma expressa, por qualquer meio de comunicação, comprovado mediante juntada aos autos da correspondente certidão.

Art.167. A comunicação dos atos e decisões do Tribunal pre-sume-se perfeita com a publicação no Diário Oficial de Con-tas, salvo as exceções previstas em lei e neste Regimento.

Art. 167-A. A intimação do Ministério Público junto ao Tribu-nal relativa às decisões proferidas pelo Pleno e pelas Câma-ras dar-se-á com a publicação, no Diário Oficial de Contas, do parecer prévio, nos termos do art. 207 deste Regimento, e do acórdão, quando atuar como fiscal da lei, e mediante intimação pessoal, com o envio dos autos pela Secretaria, quando atuar como parte no processo.

Art. 168 ..................................................................................................

IV- da publicação de edital no Diário Oficial de Contas.

V - da publicação da intimação no Diário Oficial de Contas, observado o que dispõe o § 2º do art. 2º da Lei Complementar nº 111, de 13 de janeiro de 2010.

§ 2º Revogado

Art. 185 ..................................................................................................

Page 19: Revista Decisum

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§ 4º O advogado que deixar de devolver os autos no prazo fixado será intimado a fazê-lo, sob as penas da lei, mediante publicação no Diário Oficial de Contas, envio de fac-símile, mensagem eletrônica ou via postal e perderá o direito a que alude o caput deste artigo, sem prejuízo da representação à Ordem dos Advogados do Brasil, e, se for o caso, do enca-minhamento ao Ministério Público junto ao Tribunal para as providências que entender cabíveis.

Art. 205. A súmula do acórdão será publicada no Diário Ofi-cial de Contas, dela constando os nomes dos responsáveis, interessados e de seus procuradores e a data de publicação será certificada nos autos respectivos.

Art. 221. O Tribunal fará, bienalmente, a consolidação das súmulas, obedecendo à ordem sequencial dos enunciados, com indicação precisa das alterações ocorridas no período, respectivo índice remissivo, por número e natureza da ma-téria sumulada, a ser publicada no Diário Oficial de Contas e no Portal do Tribunal na internet.

Art. 234 ..................................................................................................

II - determinará a divulgação do inteiro teor do parecer pré-vio no Diário Oficial de Contas e da documentação prevista no inciso anterior no Portal do Tribunal na internet.

Art. 238 ..................................................................................................

II - determinará a publicação da ementa do parecer prévio no Diário Oficial de Contas e do seu inteiro teor no Portal do Tribunal na internet.

Art. 255 ..................................................................................................

§ 2º Dentro do prazo de 5 (cinco) anos, contados da publi-cação da decisão terminativa no Diário Oficial de Contas, o Tribunal poderá, à vista de novos elementos que considere suficientes, autorizar o desarquivamento do processo e de-terminar que se ultime a respectiva tomada ou prestação de contas,observado o disposto no § 5º do art. 37 da Constitui-ção da República.

Art. 329 ..................................................................................................

§ 1º Quando o indeferimento liminar a que se refere o caput deste artigo for proferido pelo Conselheiro Relator, deverá o recorrente ser intimado desta decisão.

Art. 370 ..................................................................................................

Parágrafo Único. A aprovação e as alterações do Regimento Interno serão publicadas no Diário Oficial de Contas, obser-vado, ainda, o disposto no art. 383 deste Regimento.

Art. 26. Nos processos protocolizados até a data de publica-ção desta Resolução, serão admitidas as seguintes modali-dades de intimação:

I - por meio de publicação no D.O.C., se a parte estiver repre-sentada por advogado devidamente constituído;

II - por meio de publicação no D.O.C. e por via postal, se não houver advogado constituído nos autos.

§ 1º Na hipótese do inciso II deste artigo, conta-se o prazo a partir da juntada aos autos do

Aviso de Recebimento da correspondência por via postal.

§ 2º A intimação por via postal será admitida pelo período de 365 dias, a contar da data referida no caput, após o qual todas as comunicações se darão exclusivamente por meio do D.O.C.

§ 3º A título de orientação aos jurisdicionados, deverá cons-tar de todos os ofícios de intimação por via postal a infor-mação contida no § 2º.

Art. 27. Nos processos protocolizados no Tribunal a partir da data de publicação desta Resolução, as intimações obedece-rão ao disposto na Resolução nº 12/2008, com as alterações aqui introduzidas.

Art. 28. Esta Resolução deverá ser amplamente divulgada por 30 (trinta) dias.

Art. 29. Esta Resolução entra em vigor na data da publica-ção, observado o disposto no art.19.

Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das Sessões Governador Milton Campos, 30 de junho de 2010.

Wanderley Ávila - Conselheiro PresidenteAntônio Carlos Andrada - Conselheiro Vice-Presidente

Adriene Andrade - Conselheira CorregedoraEduardo Carone Costa - Conselheiro

Elmo Braz - ConselheiroSebastião Helvecio - Conselheiro

Gilberto Diniz - Conselheiro em exercício(Minas Gerais, 10.07.2010)

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Os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado apro-varam, à unanimidade, a prestação de contas do ano econômico de 2009 apresentadas pelo governador Aé-cio Neves.

Na sessão plenária do dia 05 de julho, o Conselhei-ro Relator Elmo Braz apresentou relatório, analisando minuciosamente o estudo da comissão técnica (CAEO)

encarregada de analisar a execução orçamentária no âmbito do Tribunal. Ao final, concluiu pela emissão de parecer prévio pela aprovação das contas apresenta-das, sendo acompanhado por todos os demais conse-lheiros.

O orçamento do Estado relativo a 2009 foi da ordem de R$ 40 bilhões.

PROCESSO: 833245

NATuREZA: Balanço Geral do Estado

EXERCíCIO: 2009

RELATOR: Conselheiro Elmo Braz

REVISOR: Conselheiro Eduardo Carone Costa

AuDITOR: Licurgo J. Mourão

PROCuRADORA: Maria Cecília Mendes Borges

BALANÇO GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS – 2009

Excelentíssimos Senhor Presidente, Conselheiro-Relator Elmo Braz, Conselheiro-Revisor Eduardo Carone Costa, Ilus-tre Auditor Licurgo Mourão, Ilustríssima Procuradora Maria Cecília Mendes Borges, Srs. Conselheiros, Senhoras e Senho-res.

No cumprimento do disposto no inciso I, artigo 76 da Cons-tituição do Estado de Minas Gerais, apresenta-se o Parecer Prévio emitido por este Tribunal sobre as contas relativas ao ano econômico de 2009, de responsabilidade do Excelentís-simo Senhor Governador Aécio Neves da Cunha.

Inicialmente, parabenizo o Exmo. Sr. Conselheiro-Relator, Elmo Braz, que tão bem conduziu os trabalhos de acompa-nhamento da execução orçamentária e elaboração do rela-tório técnico, além do trabalho desenvolvido pela Comissão de Acompanhamento da Execução Orçamentária do Estado

– CAEO, que merece congratulações. Assim, alicerçado no Relatório apresentado pelo laborioso corpo técnico dessa Comissão, passo a apresentar algumas breves considerações acerca de questões que entendo merecer destaque.

O forte impacto sobre a economia mineira provocado pela crise financeira internacional deflagrada no final de 2008 gerou taxas negativas de crescimento até o tercei-ro trimestre do ano de 2009. No entanto, esse ambiente econômico mudou no quarto trimestre, quando se veri-ficam taxas positivas, vislumbrando-se um novo ciclo de crescimento, em que Minas detém resultados superiores aos demais Estados da Federação.

Em nosso Estado repetiu-se a situação de equilíbrio orça-mentário no ano de 2009, em face da eliminação, a partir de 2004, da situação deficitária que se verificava ao longo

TCE aprova contas de 2009 do Governo do Estado07/07/2010

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Quanto ao Balanço Social, o art. 8º da Lei 15.011/04 prevê que este deve integrar as contas do Governador, com análise detalhada e informações sobre o cumprimento das metas estabelecidas nos instrumentos de planejamento governa-mental e seus reflexos no desenvolvimento econômico e so-cial do Estado. No entanto, como no ano anterior, verifica-ram-se inconsistências entre as informações contidas na apresentação do Demonstrativo e aquelas constantes em seus anexos extraídas do SIGPlan, a exemplo das relativas à área de Defesa Social, Transportes e Meio Ambiente, assim como não foram propostas as medidas corretivas a serem incorporadas à LDO determinadas pelo § 1º do art. 8º, para os casos nos quais não tenham sido atingidas as metas es-tabelecidas no PPAG.

Ainda que avanços de resultados na área social sejam len-tos e gradativos, constituindo-se num grande desafio para o Estado, recomendo especial atenção no que se refere à objetividade e à transparência das informações acerca do impacto gerado pelos Programas nos Municípios destina-tários, para que se possa monitorar efetivamente o resultado das ações do governo na busca de seu crescente aperfeiço-amento.

Concluindo este tópico, ressalto a importância da apresen-tação do Balanço Social e da fidedignidade dos respec-tivos dados, por se constituir em importante mecanismo de accountability, dirigido a diversos públicos: ao próprio Governo no gerenciamento dos programas, aos Órgãos de Controle Interno e Externo, e à própria sociedade, servindo ao fortalecimento do Controle Social no que se refere aos resultados da gestão pública na qualidade de vida dos cida-dãos (efetividade).

Avançando no destaque dos itens deste exercício, constato que os dados contábeis refletem uma gestão orçamentária e financeira comprometida com a responsabilidade fiscal, eis que tanto o saldo de Restos a Pagar como a insuficiência financeira apresentaram uma significativa redução em re-lação ao exercício de 2008. No entanto, vale ressaltar que em 2010, último ano do mandato do Governador, o Estado deverá apresentar disponibilidade financeira antes da inscri-ção de Restos a Pagar, a teor do disposto no art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Destaca-se o esforço despendido com o pagamento de des-pesas relativas à Precatórios e Sentenças Judiciais dos ór-gãos e entidades da Administração Pública Estadual, tendo

de vários exercícios anteriores, tendo o resultado orçamen-tário apresentado superávit de R$ 299,24 milhões em 2009, e o resultado primário, superávit de R$1,733 bilhão, acima da meta fiscal – entretanto, inferior ao resultado de 2008 e insuficiente para cobrir despesas com juros, encargos e amortizações.

Assim, apesar das grandes diretrizes da política econômica serem traçadas pelo Governo Federal – em especial as conti-das nas políticas monetária, fiscal e cambial – e a economia regional estar submetida às oscilações e tendências da eco-nomia mundial, há, sem dúvida, espaço para atuação dos governos estaduais, principalmente em políticas setoriais de fomento, que, de acordo com o estudo técnico, foram efetivamente implementadas pelo Governo de Minas Ge-rais.

Atualmente, a ação governamental mineira obedece ao ma-cro-planejamento consubstanciado no Plano Mineiro de De-senvolvimento Integrado - PMDI para o período 2007/2023, materializado por meio das ações contempladas no Plano Plurianual de Ação Governamental - PPAG 2008-2011, sendo ainda recomendável a aderência das metas físicas e financeiras com as realizações, devendo os órgãos e en-tidades do Estado se utilizarem dos sistemas corporativos colocados à sua disposição.

Nesse aspecto, destaco um dos grandes objetivos do PMDI, qual seja a redução das desigualdades entre as regiões do Estado, registrando que a Lei 14.172/02 alterada pela Lei 15.011/04, introduziu a responsabilidade social no Estado, ou seja, o comprometimento com os resultados de desenvol-vimento e a prestação de contas à sociedade por meio dos seguintes instrumentos de planejamento e avaliação social: o IMRS - índice Mineiro de Responsabilidade Social, o Mapa da Inclusão Social, o Balanço Social Anual e os anexos sociais do PPAG, da LDO e LOA.

De acordo com a legislação, o IMRS deve ser divulgado bie-nalmente pela Fundação João Pinheiro a partir de 2005 para subsidiar a ação do Governo que apresentará, anualmente, Programa Emergencial para Desenvolvimento dos Municí-pios classificados nas cinquenta últimas posições no rela-tório do IMRS.

Apurou-se em confronto dos dados disponíveis, que a situa-ção destes Municípios encontra-se relativamente estável, não apresentando melhoras significativas.

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alcançado o montante de R$ 153 milhões, o que represen-tou um incremento da ordem de 86% nos valores pagos em 2008.

Em atendimento às normas constitucionais e legais vigentes, verifico que o Governo cumpriu os índices quanto ao Ensi-no, Saúde, Pessoal, Dívida Consolidada Líquida, Garantias e Contragarantias, Operações de Crédito, Despesas de Capital, Amparo e Fomento à Pesquisa e Parcerias Público-Privadas.

Relativamente à Previdência Social do Servidor Público, rea-lizou-se estudo detalhado da projeção atuarial, bem como o exame dos Institutos de Previdência, sendo apurado que os Recursos Ordinários do Tesouro Estadual continuam sendo o grande financiador das Despesas com Inativos e Pensionis-tas, sendo o repasse efetuado este ano de aproximadamente R$ 5 bilhões, além da assunção das aposentadorias dos mi-litares, em torno de R$ 1 bilhão.

Nesse sentido, cabe destacar que a função precípua dos Institutos de Previdência é a de garantir benefícios prove-nientes da inatividade dos seus segurados – entretanto, o Instituto de Previdência dos Servidores Militares - IPSM não concede tais benefícios, repassando-os à responsabilidade do Tesouro Estadual.

O IPSM apresenta os mesmos apontamentos destacados em exercícios anteriores.

Assim, entendo necessário um estudo mais aprofundado da questão, pelo Estado, para a regulamentação do Re-gime Próprio de Previdência Social - RPPS dos militares, com a criação de regras de transição para que se garantam os benefícios já adquiridos.

Finalizo com as Parcerias do Estado com o Terceiro Setor, que, a partir de 2010, passaram a integrar o planejamento anual de inspeções realizadas por este Tribunal, destacan-do que foram celebrados cinco novos Termos de Parceria, totalizando 16 em vigor, sendo repassado pelo Estado o montante de R$ 82 milhões.

Por todo o exposto, e considerando que as falhas apontadas amplamente abordadas nesta oportunidade são passíveis de regularização, resta evidenciado que o Governo do Estado cumpriu os dispositivos legais e constitucionais, bem como manteve a consolidação do esforço de ajuste fiscal, sem prejuízo da efetiva realização da Gestão para Resultados, razão pela qual voto pela emissão de parecer prévio pela aprovação das contas relativas ao ano econômico de 2009 de responsabilidade do Exmo. Sr. Governador do Estado, Aécio Neves da Cunha.

Tribunal de Contas, em 05/07/2010.Conselheiro Antônio Carlos Andrada

De acordo com o Relatório Anual de Atividades, re-ferente ao exercício de 2009, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais apreciou 9.741 processos e publicou 10.453 acórdãos de julgados. O Relatório foi elaborado pela Diretoria Geral do Tribunal e con-solida os principais dados referentes às atividades

do Tribunal de Contas do Estado. Ainda segundo o Relatório, a Primeira Câmara, presidida pelo Conse-lheiro Antônio Carlos Andrada, Vice-Presidente da Instituição, apreciou 4.730 processos; a Segunda Câmara apreciou 2.919 processos e o Tribunal Pleno 2.092.

Tribunal de Contas apreciou 9.741 processos em 200905/06/2010

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Nos dias 16 e 17 de abril, em Natal (RN), a diretoria recém-empossada do Instituto Rui Barbosa, entidade de estudos e pesquisas dos Tribunais de Contas do Bra-sil, promoveu reunião para discutir propostas e estabe-lecer as metas para o biênio 2010/2011. O Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Estado e 2º secretário do IRB compare-ceu à reunião atendendo convocação do Presidente da entidade, Conselheiro Severiano José Costandrade de Aguiar, do Estado de Tocantins.

A reunião foi realizada de forma paralela ao Encontro Nacional de Planejamento Estratégico dos Tribunais de Contas do Brasil. Durante a reunião, foram estabele-cidas várias metas de ação, dentre elas, a adequação jurídica dos estatutos e do regimento interno do IRB, estratégias para acompanhamento de matérias em tramitação no Congresso Nacional de interesse dos

Conselheiros Julio Pinheiro - AM, Antônio Carlos Andrada - MG e Luiz Sérgio Gadelha - CE

Tribunais de Contas, organização de eventos e seminá-rios, concursos de artigos e monografias, publicações técnicas. Ao final dos trabalhos, o Conselheiro Antônio Carlos Andrada foi designado coordenador dos traba-lhos de incremento das relações do IRB com as univer-sidades brasileiras.

Acompanhando seu pai, o deputado federal Bonifácio de Andrada, o Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Vi-ce-Presidente do Tribunal de Contas do Estado, visitou, dia 22 de fevereiro, o Memorial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Os dois foram recebidos pelo Procurador-Geral Alceu José Torres Marques e pelo Conselheiro Curador do Memorial, o Procurador Jarbas Soares Júnior.

O parlamentar federal mineiro atendeu convite do dirigente do Ministério Público de Minas Gerais para gravar depoimento acerca de sua atuação em prol da instituição e de fatos políticos relevantes, de interesse do Ministério Público.

Diretoria do IRB traça metas

Conselheiro visita Centro de Memória do MP

26/04/2010

10/03/2010

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Em solenidade realizada no plenário do Tribunal de Con-tas do Distrito Federal, com a presença do presidente do Tribunal de Contas da união (TCu), Ministro ubiratan Aguiar, dia 04 de fevereiro, tomaram posses solenes as novas diretorias da Associação dos Tribunais de Contas do Brasil – Atricon e do Instituto Rui Barbosa – IRB, para o biênio 2010/2011. A participação do Tribunal de Con-tas de Minas Gerais será efetiva, com o conselheiro-pre-sidente Wanderley Ávila integrando o Conselho Fiscal da Atricon e o conselheiro vice-presidente Antônio Carlos

Andrada assumindo Secretaria do IRB. O conselheiro Se-bastião Helvécio também participou do evento ao lado dos colegas mineiros. A Atricon será presidida pelo con-selheiro Salomão Ribas, de Santa Catarina, e o IRB pelo conselheiro Severiano Aguiar, de Tocantins.

Após a solenidade de posse, as duas diretorias empos-sadas promoveram a primeira reunião de trabalho, com a discussão de pauta e cronograma de ações para os próximos meses de atividades.

Conselheiro Sebastião Helvécio, Ministro ubiratan Aguiar, Conselheiro Wanderley Ávila e Conselheiro Antônio Carlos Andrada

Atendendo a convite da unidade de Itabira, da uni-versidade Presidente Antônio Carlos – unipac, o con-selheiro Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Es-tado, Antônio Carlos Andrada, proferiu Aula Magna da instituição abordando o tema “Contemporaneidade e Globalização”, dia 22 de fevereiro.

O Conselheiro foi acompanhado pelo diretor-geral da unidade, professor José Francisco Vidigal Silveira e pela diretora professora Trícia Martins Costa. A palestra, de cerca de 1 hora, aconteceu no auditório da instituição e reuniu cerca de 300 alunos.

Aula Magna em Itabira

Andrada toma posse no IRB

10/03/2010

09/02/2010

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JuLG

ADOS

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46

33

43

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PROCESSO N.º 723.418 – REPRESENTAçãORepresentante: Seletrans Ltda. Representado:

Município de uberlândia. Processos apensados: 723.452, 723.641, 723.451, 723.687 E 723.942,

788170, 788146, 789763, 796062

PROCESSO: 809483 – CONSuLTAConsulente: Carlos Roberto Rosa -

Presidente da Câmara Municipal de Araxá. Procedência: Município de

Araxá

PROCESSO: 811939 – CONSuLTAConsulente: Helder Freire Cardoso

(Diretor do serviço autônomo de água e esgoto de Pirapora/MG)

Procedência: Serviço autônomo de água e esgoto de Pirapora/MG

PROCESSO N.º: 805.981 – CONSuLTAConsulentes: Gilson de Souza Mattos, Maria Elizabeth Gouvêa Silva, Aloysio Barbosa Borges e Fernando Passos de Souza (Presidente, Vice-Presidente, 1º Secretário e 2º Secretário da Câmara Municipal de Bicas, respectivamente). Procedência: Município de Bicas

PROCESSO N.º: 809502 – CONSuLTAProcedência: Vasco Praça Filho (Prefeito do Município de Paracatu e Presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Nordeste de Minas, à época)

PROCESSO: 811980 – CONSuLTAConsulente: Fernando Souza Costa(Prefeito do Município de Carangola)Procedência: Prefeitura municipal de Carangola

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RELATÓRIO

Versam os presentes autos sobre Representação formula-da pela empresa Seletrans Ltda. em face do procedimento licitatório na modalidade Concorrência n.º 850/2006, pro-movida pelo Município de uberlândia, cujo objeto é a con-cessão dos serviços de transporte urbano de passageiros.

Cumpre ressaltar que foram apensados à presente Repre-sentação os autos acima indicados, por se referirem a im-pugnações encaminhadas por outras empresas ao mesmo edital, tratando-se, portanto, de matéria conexa.

Considerando a relevância da questão focada neste pro-cesso, passo a fazer excepcionalmente, relato detalhado de seu andamento, utilizando-me tanto de dados obtidos nos próprios autos, bem como junto ao SGAP (Sistema de Ge-renciamento e Apoio a Processo), pela ordem:

Em 29 de janeiro de 2007 a empresa Seletrans Ltda. re-presentou perante esta Corte apontando 15 supostas ile-galidades no Edital de Licitação para concessão de serviço público de transporte do Município de uberlândia, fls. 02 a 59.

Em virtude da necessária celeridade imposta pelo caso, determinei monocraticamente a suspensão do certame no dia 09/02/2007, que foi referendada na Sessão da Segunda Câmara do dia 13/02/2007, nos termos das Notas Taqui-gráficas às fls. 320 a 323.

Em 02/03/2007 foram os autos encaminhados à Coorde-nadoria de Análise de Contrato, Convênio e Instrumentos Congêneres (CAC) para análise, relatório às fls. 1126 a 1255 e à Coordenadoria de Área de Engenharia de Perícia (CAEP) para que se manifestasse acerca do projeto básico cons-tante do edital em apreço, relatório às fls. 1257 a 1267.

Foi determinada a abertura de vista aos Srs. Odelmo Leão, Prefeito Municipal de uberlândia, Paulo Sérgio Ferreira,

PROCESSO N.º 723.418

NATuREZA: REPRESENTAÇÃO

REPRESENTANTE: SELETRANS LTDA.

REPRESENTADO: MuNICíPIO DE uBERLÂNDIA

PROCESSOS APENSADOS: 723.452, 723.641, 723.451, 723.687 e 723.942, 788170,

788146, 789763, 796062

Secretário Municipal de Trânsito e Transportes e ao Sr. Edi-val Francisco da Cruz, Presidente da Comissão de Licitação, para que apresentassem as justificativas que entendessem pertinentes ou adequassem o edital aos exatos termos dos citados relatórios técnicos.

Em 26/04/07, os interessados encaminharam os documen-tos de fls. 1292 a 2180.

Na mesma data, foram os autos encaminhados à CAC para reexame, relatórios às fls. 2183 a 2192.

Em 24/07/2007 retornaram os autos conclusos ao Relator que prontamente os remeteu à CAEP para análise, relatório às fls. 2199 a 2212.

Os autos retornaram conclusos ao Relator no dia 01/10/2007.

Em 03/10/2007 foram os autos encaminhados à Segunda Câmara para abertura de vista pelo prazo de 15 dias para apresentação defesa e/ou adequação do edital.

Foi deferido pedido de dilação de prazo para apresentação de defesa por 30 dias, fls. 1278.

A defesa foi apresentada às fls. 1292 a 2180 e prontamen-te remetida à CAC, que verificou a manutenção de quatro irregularidades, fl.2183 a 2193, e à CAEP que, por sua vez, constatou o descumprimento de outras dez determinações, às fls. 2199 a 2213, tendo os autos retornado ao gabinete do Relator no dia 25/04/2008.

Em 28/04/2008, face às conclusões dos citados relatórios técnicos, foi determinada nova abertura de vista aos in-teressados para que se manifestassem ou adequassem o edital.

Em 30/06/2008, a pedido do interessado, deferiu-se dila-ção do prazo antes concedido, por trinta dias, fl. 2234.

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Em 07/08/2008, diante de novo pedido do interessado, defe-riu-se uma segunda dilação de prazo, também por mais 30 dias, fl. 2240.

Em 21/11/2008 foi juntada a documentação de fls. 2258 a 2468, em que os gestores fizeram consignar, intempestiva-mente, novas alterações no edital, bem como se justificaram em relação ao não atendimento de algumas das considera-ções dos órgãos técnicos.

Retornaram os autos ao órgão técnico para análise, relató-rios às fls. 2476 a 2483 e 2485 a 2500.

Após, foram devolvidos conclusos ao Relator em 14/11/2008.

Em 20/11/2008 foram os autos encaminhados à Secretaria da 2ª Câmara para intimação dos gestores para que o edital fosse retificado nos pontos especificados no despacho de fls. 2503 a 2506, bem como para que o Município prestasse es-clarecimentos acerca de outros pontos do edital.

Em 01/12/2008, foi encaminhada a documentação de fls. 2515 a 2715, contendo nova minuta do edital.

Posteriormente, foi recebida a documentação de fls. 2721 a 2729, contendo cópia de decisão judicial exarada na Apelação Cível n.º 1.0702.07.353033-0/001 interposta pelo Município de uberlândia, contra a sentença no Mandado de Segurança n.º 702.07.353033-0, impetrado pela empresa Amparo Viação e Turismo Ltda, que havia declarado a nulidade do edital em tela.

Na citada Apelação Cível, foi parcialmente reformada a sen-tença do Mandado de Segurança e determinado o prossegui-mento do certame, devendo o Município, na habilitação da empresa impetrante, deixar de exigir a prova de localização prévia contida no item 8.1.7.1 do edital, sendo este o único ponto impugnado pela impetrante e considerado ilegal na sentença da Apelação.

Juntada a mencionada sentença, os autos foram encami-nhados ao órgão técnico para análise dos documentos enca-minhados pelo Município às fls. 2515 a 2715.

Nessa esteira, a CAC, na quarta vez que lhe foi requerido o exame dos autos, deu por atendidas todas as determinações pertinentes à sua área de análise, conforme relatório às fls. 2731 a 2737, no entanto, a CAEP, às fls. 2731 a 2749, aduziu que os documentos pertinentes à sua análise, dentre os jun-tados aos autos, eram apócrifos.

Em 17 de dezembro de 2008 foi determinada nova intima-ção dos interessados, para ciência e cumprimento das con-siderações expendidas pelos órgãos técnicos e substituição dos documentos apócrifos, despacho às fls. 2751/2752.

Foi apresentada a documentação de fls. 2771 a 2957, que, pela quinta vez, foi objeto de análise pela Coordenadoria de Área de Engenharia de Perícia, às fls. 2959 a 2971, que registrou a desídia dos representados em prestar a esta Cor-te as informações requisitadas, bem como em dar cabo às correções necessárias, concluindo pela indispensabilidade da elaboração do estudo de viabilidade técnica e econômica e da planilha de custos do sistema de transporte.

Em 17/02/2009 foi encaminhada a documentação relativa ao estudo de viabilidade técnica e econômica e à planilha de custo do SIT, às fls. 2979 a 3015, documento cuja omissão fora apontada pelo órgão técnico à fl. 2974.

Retornaram os autos à CAEP para exame que nesse momen-to, concluiu terem sido sanadas as irregularidades constan-tes do edital em apreço, fls. 3020 a 3027.

Assim, em 04/03/2009 foram os autos encaminhados ao Mi-nistério Público de Contas para emissão de parecer, em aten-dimento ao disposto no art. 265 do RITCMG, tendo o despa-cho de encaminhamento, à fl. 3028, ressaltado a urgência na emissão do parecer, considerando a necessidade de se efetuar a pronta revogação da liminar que suspendeu o certame.

Em 12/03/2009 foi protocolizado por procuradores do Mu-nicípio de uberlândia o documento de fls. 3035 a 3079, por meio do qual formularam pedido de revogação da medida cautelar, invocando como fundamento uma suposta viola-ção ao direito fundamental à razoável duração do processo, ao argumento de que a violação seria perpetrada por esta Corte, em especial pelo representante do Ministério Públi-co, em virtude do excesso de prazo para se manifestar nos autos. Informaram, ainda, que o Representante do Minis-tério Público Estadual, atuante na Comarca de uberlândia, ajuizou Ação Civil n.º 0702.09.553948-3 contra o ato que reajustou as tarifas, tendo encaminhado cópia dessa ação.

Em resposta à citada solicitação para que se procedesse à revogação da suspensão do certame, foi comunicado nos termos do despacho de fls. 3033 a 3034, que, não obstante a urgência e relevância da questão ora focada e, apesar dos pareceres favoráveis emanados pelos órgãos técnicos desta Casa, não havia como revogar a suspensão do certame sem a colação do parecer conclusivo do Ministério Público de Contas, em virtude do disposto no art. 265, §1º do RITCMG. Nesses termos, foi indeferido o pedido.

No dia 20/03/2009 o Município de uberlândia protocolizou o documento de fls. 3090 a 3093, comunicando ao Tribunal de Contas que foi determinada a continuidade da Concor-rência n.º 850/06, justificando tal ato no fato de o proces-so encontrar-se suspenso por este Tribunal há 03 anos, o que trazia irreparáveis danos ao Município, bem como pelo

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fato de ter obtido junto ao Tribunal de Justiça autorização para continuidade do certame, sem, no entanto, apresentar qualquer decisão judicial específica nesse sentido, citando apenas a Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Pú-blico Estadual.

Em 13/05/2009, os autos retornaram do Ministério Público, conclusos ao Relator, com o parecer conclusivo de fls. 3101 a 3133, no qual foi apresentada robusta fundamentação para concluir pela necessidade de determinação da sus-pensão da Concorrência n.º 850/2006 e pela determinação de alteração de diversos itens que não haviam sido objeto das representações até então focadas, portanto, pendentes de análise.

Na mesma data, foram recebidas novas denúncias con-tra o edital, as quais foram autuadas sob os n.ºs 788.170, 788.146, 789.763, movidas pelas empresas Menina Morena Transporte Ltda., Amparo Viação e Turismo Ltda. e Autou-nida Auto Viação união, respectivamente, as quais foram apensadas aos presentes autos.

Nessa esteira, tendo em vista o parecer ministerial, bem como as novas denúncias recebidas, foi determinada, ad referendum, nova suspensão do edital, referendada na Ses-são do Pleno do dia 20/05/2009, Acórdão às fls. 3172/3173.

Em 21/05/2009, foi recebida, em meu gabinete, a informa-ção no sentido de que o Município de uberlândia, em res-posta ao Mandado de Segurança de n.º 1.0000.09.497500-0/000 por ele impetrado, obteve, junto ao Judiciário, o deferimento de medida cautelar no sentido de suspender os efeitos da decisão de suspensão do edital proferida por esta Corte, autorizando, portanto, o prosseguimento da li-citação.

Nesse passo, foi submetido ao Plenário desta Corte no dia 27/05/09 o sobrestamento dos autos até a decisão final do Mandado de Segurança interposto pelo Município, que foi aprovado nos termos das Notas Taquigráficas de fls. 3187 a 3193 e Acórdão às fls. 3194/3195.

Ressalte-se que a resposta encaminhada por este Relator ao Mandado de Segurança impetrado pelo Município foi juntada aos presentes autos às fls. 3758 a 3782.

Diante desse relato detalhado, conclui-se que os autos se-guiram curso regular nesta Casa e que permaneceram no Gabinete desta Relatoria o tempo exato que se fez neces-sário, e não mais que isso, para análise e elaboração de despachos e decisões, cabendo ressaltar, ainda, que, esta Corte agiu sempre na defesa do interesse público.

É o relatório.

FuNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, cumpre-me informar em linhas gerais - pos-to que se encontra acostado detalhado relatório acerca da tramitação dos presentes autos – que, em 16/03/2009, o Prefeito Municipal de uberlândia decidiu dar continuidade à Concorrência Pública N.º 850/2006, embora esta Corte de Contas não tenha autorizado o prosseguimento do certame, suspenso na Sessão do dia 13/02/2007.

Assim, por entender que o edital ainda não se encontrava em condições de prosseguir, foi determinada, monocratica-mente, nova suspensão, que foi referendada na Sessão do dia 20/05/2009.

Inconformado com a nova suspensão, o Município impe-trou o Mandado de Segurança n.º 1.0000.09.497500-0/000, tendo sido concedida liminar permitindo a continuidade do certame.

Diante daquela decisão foram os presentes autos sobresta-dos na Sessão do Pleno do dia 27/05/09, até que fosse pro-ferida a decisão final do Mandado de Segurança.

Tendo sido recebida em meu gabinete cópia do Acórdão re-ferente ao julgamento do mérito do Mandado de Segurança n.º 1.0000.09.497500-0/000, verificou-se ter cessado a ra-zão do sobrestamento, motivo pelo qual dou continuidade à tramitação do feito.

Em verdade, a questão de fundo que se encerra nestes au-tos para muito já desbordou os contornos da Concorrência Pública 850/2006 promovida pela Prefeitura de uberlândia, para adentrar nos melindrosos limites das competências afe-tas às Cortes de Contas e a intercessão destas com aquelas do Poder Judiciário. Esta celeuma, na verdade, não é nova, relembrando que inexiste posição assente, tanto na doutrina como na jurisprudência, acerca do quão poderia imiscuir-se o Judiciário nas decisões exaradas por esta Corte.

Entretanto, na medida em que a questão se apresenta no caso ora em comento, não poderia deixar de pronunciar-me acerca dessa problemática, até para deslinde do voto que será por mim apresentado ao final da minha exposição.

Nesse momento, peço vênia para proferir considerações acerca dos principais motivos invocados pelo Prefeito Mu-nicipal de uberlândia para dar continuidade ao certame à revelia da determinação de suspensão exarada pelo Tribunal, consignada no documento de fl. 3091/3093 (1) e também acerca da decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça no pre-sente caso, juntada às fls. 3791 a 3809 (2), in vebis:

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1 - “a) considerando que a validade da licitação foi ques-tionada administrativamente e judicialmente, culmi-nando com a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que considerou o Edital de Licitação absoluta-mente legal, tendo a decisão transitado em julgado, não cabendo qualquer recurso contra a mesma (ne-grito no original);

b) Considerando que o Tribunal de Contas de Minas Gerais, em 09/02/2007, determinou a suspensão da li-citação contrariando a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (negrito no original);

c) Considerando que, durante 03 (três) anos, o Municí-pio se submeteu à constante fiscalização do Tribunal, tendo acatado todas as solicitações para alteração do Edital de licitação sugeridas pelo Tribunal de Contas;

d) Considerando que, em decorrência de estudos téc-nicos, inclusive do Tribunal de Contas, foi publicado o Decreto Municipal n.º 11.522/2009, adequando o va-lor da tarifa de transporte coletivo para R$2,20 (...);”

Nessa esteira, como sobredito, cito alguns pontos do voto exarado pelo Douto Desembargador Alberto Vilas Boas no julgamento do Mandado de Segurança:

2 - “Ora, data vênia, o impetrante não descumpriu ordem do Tribunal de Contas ao dar continuidade ao certa-me, mas, ao revés, autuou com respaldo em decisão judicial e dentro da mais estrita legalidade, objetivan-do privilegiar o interesse público com o encerramento das várias e indevidas prorrogações dos contratos de concessão, ao lado de propiciar que fossem imple-mentadas melhorias no transporte coletivo local.

E, o prosseguimento da licitação somente se deu por decisão exarada pelo Prefeito Municipal de Uberlân-dia em 16/03/2009 (f. 222/224), momento no qual já havia manifestação das áreas técnicas do referido Tribunal concluindo que o Edital observava a todas as determinações daquela Corte de Contas.

Por igual, vê-se que a segunda suspensão também não se sustenta, pois não se verifica que os parâme-tros contidos no Edital tenham violado os princípios e regras que norteiam a licitação do serviço público de transporte coletivo.

E, mais, a Corte de Contas – ou o Poder Judiciário - não pode pretender gerenciar a atuação do ente pú-blico municipal, que agindo dentro de sua esfera de conveniência e oportunidade, sem violar a regra da competitividade, edita proposições igualitárias a to-

dos os interessados em participar da concessão, com o intuito de atender aos anseios da população.

Tanto assim o é que a licitação foi finalizada - por for-ça da liminar concedida nestes autos – e contratadas três empresas diversas, com ‘a renovação de toda a frota de veículos destinados ao transporte coletivo do Município, estando em circulação 247 veículos novos, atingindo a idade média de toda a frota com menos de 1 (um) ano de uso, tendo ainda o Município alcançado, com a medida, índice de 100% (cem por cento) de veículos totalmente adaptados ao transpor-te de portadores de necessidades especiais (todos os veículos detêm elevadores instalados)’ (f. 1179).”

Isso posto, cumpre tecer mais algumas considerações acer-ca dos motivos apresentados pelo Município de uberlândia para dar seguimento ao feito, à revelia da suspensão impos-ta por esta Corte de Contas, bem como acerca da decisão proferida pelo Douto Desembargador.

De imediato, emerge necessário esclarecer que não houve por parte deste Relator, como quer fazer parecer o represen-tado, qualquer violação aos limites objetivos da coisa julga-da, posto que, mesmo tendo havido impugnação judicial ao certame objeto dos presentes autos, por meio do Mandado de Segurança n.º 70207353033-0 impetrado pela empresa Amparo Viação e Turismo Ltda. e, também, por meio da Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Estadual, verifica-se que o judiciário naquelas assentadas não exa-minou todo o edital, mas tão somente as matérias subme-tidas à sua apreciação em estrita observância ao Princípio da Congruência ou Adstrição.

Assim, a despeito de qualquer outra consideração acerca dos limites de atuação desta Corte de Contas, permanecia, in casu, a competência deste Tribunal para apreciar o edi-tal em todos os outros aspectos e itens para os quais não houve a manifestação do judiciário.

Inclusive, cumpre ressaltar que a simples menção junto a esta Corte, seja em petição de defesa ou em nível recursal, de que a matéria controvertida está sendo objeto de apre-ciação pelo Poder Judiciário, não é, por si só, condição su-ficiente para afastar o exercício das competências próprias por parte dos Tribunais de Contas.

Nesse sentido permito-me colocar meu entendimento no sentido de que o constituinte pátrio, ao estabelecer no tex-to constitucional as competências exclusivas das Cortes de Contas, mormente no art. 71 da CR/88, o fez no sentido de que essas atribuições não poderiam e não podem ser mitiga-das pelo legislador infraconstitucional.

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Nessa esteira, a autonomia constitucional atribuída aos Tri-bunais de Contas não conflita com a inafastabilidade da tu-tela jurisdicional prevista no art. 5º, XXXV da CR/88, na me-dida em que, ao analisar um edital de licitação, por exemplo, o Tribunal de Contas o faz sob ótica própria, em razão de sua estrutura técnica multidisciplinar, podendo, com isso, focar-se inclusive em questões que não se cingem meramente ao aspecto de conformação do ato ao ordenamento jurídico.

Por isso é que se afigura perfeitamente possível que trami-tem concomitantemente uma representação, uma denúncia, uma tomada de contas especial ou um processo adminis-trativo no âmbito desta Casa e um Mandado de Segurança, Ação Civil Pública ou Ação de Improbidade no Poder Judici-ário idôneos a questionar matérias de conteúdo análogo em ambas as Casas como, por exemplo, um Edital de Licitação.

Em síntese, na análise de qualquer ato da administração, poderão os Tribunais de Contas e o Poder Judiciário atua-rem concomitantemente, cada qual no exercício de sua competência. Nesse contexto, gostaria apenas de fazer uma ressalva: entendo ser possível, visto situar-se na esfera de discricionariedade de cada Relator - em função das especi-ficidades do caso concreto - que a questão permaneça, em algumas circunstâncias, sobrestada nesta Corte até o provi-mento final do Judiciário.

Nesse sentido, cumpre informar que essa abordagem aqui desenvolvida já foi debatida no excelso pretório, no jul-gamento do Mandado de Segurança 25880/DF – Relator Ministro Eros Grau em 07/02/2007, publicado no DJ em 16/03/2007. Naquela assentada, ficou decidido que o ajui-zamento de ação de improbidade não retirava do Tribunal de Contas da união a competência, para, no âmbito do pro-cesso próprio de Tomada de Contas Especial, apurar indício de dano ao erário, como se infere da ementa transcrita, in verbis.

EMENTA

EMENTA: MANDADO DE SEGuRANçA. TRIBuNAL DE CONTAS DA uNIãO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITuIçãO DO BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. VIOLAçãO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJuIZAMENTO DE AçãO CIVIL PÚBLICA. PREJuDICIALMENTE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDA-DE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. QuESTãO FÁTICA. DI-LAçãO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGu-RANçA DENEGADA.

1. A competência do Tribunal de Contas da união para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos responsá-veis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregula-ridade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa pro-porcional ao dano causado aos cofres públicos [art. 71,II, da CR/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n.º 8.443/92].

2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o res-sarcimento do dano causado ao erário. Procedente [MS n.º 24.961, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 04.03.2005].

3. Não se impõe a observância, pelo TCu, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei n.º 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está dis-ciplinado na Lei n.º 8.443/92.

4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da união para instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores in-devidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal.

5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impe-trante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regio-nal do Trabalho da 1a Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Procedente [MS n.º 23.625, Relator o Ministro MAuRíCIO COR-RÊA, DJ de 27.03.2003].

6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias.

A meu ver, se o Poder Judiciário, sem o caráter de definiti-vidade ou sem analisar o mérito da questão posta, decide, por exemplo, pelo prosseguimento de um certame licitatório, nada obsta que o Tribunal de Contas, no exercício de suas competências constitucionais, determine a suspensão do mesmo certame. Esse entendimento, aliás, pode ser depre-endido da dicção do Acórdão 2338/2006 do egrégio Tribunal de Contas da união que, analisando questão semelhante, assim se posicionou, in verbis.

Quanto ao tema referente à apreciação, pelo Poder Judiciário, do procedimento licitatório promovido pela Codeba, que teria sido inicialmente suspenso por

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medida liminar em mandado de segurança em razão de supostas omissões no edital, tendo sido liberado após a cassação da referida medida, impende infor-mar que no âmbito daquele julgamento não foram examinadas matérias relacionadas ao mérito da cau-sa. E, ainda que houvesse decisão quanto ao mérito, cabe esclarecer que tal fato não interfere no presente julgamento, vez que o TCU exerce sua jurisdição in-dependentemente das demais e que inexiste depen-dência entre processo desta Corte de Contas e outro em tramitação no Poder Judiciário. Nesse contexto, em consonância com os ensinamentos doutrinários, o Tribunal tem reiteradamente reafirmado o princí-pio da independência da sua jurisdição, para efeito de apuração de condutas antijurídicas perpetradas por agentes públicos, como assente na jurisprudência desta Corte (Acórdão n.º 436/94 - 1ª Câmara, Deci-são 278/94 - 2ª Câmara, Decisão n.º 66/94 - 2ª Câ-mara, Decisão n.º 97/1996 - 2ª Câmara, Acórdão n.º 406/1999 - 2ª Câmara, dentre outros).

Verifica-se, ainda, que o Desembargador, na citada decisão, com a devida vênia, deu status indevido à análise técnica ao afirmar que o ato do Prefeito de dar prosseguimento à licita-ção observou todas as determinações desta Corte de Contas, posto que, naquele momento, as áreas técnicas do Tribunal já haviam se manifestado.

Cumpre esclarecer que, apesar de subsidiar o convencimento do Conselheiro acerca da matéria, as manifestações técnicas têm caráter técnico-opinativo e não necessariamente vin-culam a decisão do Relator ou do colegiado desta Casa. Em resumo, não se pode conferir à manifestação do órgão téc-nico uma força vinculante ao juízo de convicção do Relator que, de fato, não tem. Exemplificativamente, seria como se vincular peremptoriamente a decisão de um Juiz ou Relator aos exatos termos de uma perícia técnica, o que, na prática, não ocorre.

Ademais, verifica-se que o nobre Desembargador desconsi-derou, em sua manifestação, os diversos questionamentos acerca do edital em apreço apontados pelo Ministério Pú-blico de Contas no parecer de fls. 3101 a 3133, abaixo elen-cados:

a) Determinação para que o Edital da Concorrência n.º 850/2006 fosse alterado pra abrigar o critério “melhor tarifa ofertada” em detrimento do critério “melhor técnica com tarifa prefixada” por ausência de comprovação de viabilidade econômica para tal escolha, bem como para incluir a bilhetagem eletrô-nica dentre os itens da licitação e implementação no início das operações;

b) Determinação para que fossem observadas as con-siderações expendidas no parecer no que tange à elaboração da planilha de cálculo de termo de refe-rência, para:

• incluirprevisãodeoutrasformasdereceita;

• excluiroscustosderemuneraçãodeDiretoria;

• excluiroimpostoderenda;

• excluir as isenções dos custos do sistema detransporte coletivo, uma vez que seriam custea-dos pelo público;

• excluiroCustodeGerenciamentoOperacional–CGO;

• corrigiradepreciaçãoadotadanocálculodatari-fa;

• adequarocustodaremuneração;

• incluirocustocomaimplantaçãodabilhetagemeletrônica; e

• avaliaradequadamenteoscustosvariáveis.

c) Determinação das seguintes alterações no Edital da Concorrência n.º 850/2006:

• alteração do item 2.3.2.1, para alargar o prazopara implantação da garagem definitiva para o mínimo de 12 meses;

• esclarecimento no item 2.3.2.1 da exigência de‘pátio adequado para o estacionamento da frota’, informando quais as características deve possuir a garagem temporária (área oferecida, área coberta, existência de banheiros, almoxarifado etc.);

• exclusãodoitem2.5.2;

• exclusãodoitem7.2.1;

• exclusãodositensqueexigemminuciosamenteacomprovação de experiência;

• alteração da redação do item13.1, para acres-centar que a prorrogação do contrato se condi-ciona à comprovação de que a tarifa vigente é menor do que a que possa ser oferecida por in-termédio de nova licitação.

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d) Alteração da minuta contratual:

• alteração no item 2.4.5.1 para alargar o prazopara implementação da garagem definitiva para o mínimo de 12 meses;

• alteraçãodaredaçãodoitem4.1paraacrescen-tar que a prorrogação do contrato se condiciona à comprovação de que a tarifa vigente é menor do que a que possa ser oferecida por intermédio de nova licitação.

Destaque-se, ainda, outra parte da citada decisão em que o Desembargador faz menção aos serviços de transporte que estão sendo prestados no Município, emitindo seu juízo de valor acerca da qualidade desses serviços. Releva questionar, nesse particular, que elementos disporia o nobre Desembar-gador para fazer uma avaliação extrajudicial da qualidade dos serviços de transporte coletivo no Município e concluir que esses estão sendo prestados a contento?

Já no que tange ao outro motivo apresentado pelo Município de uberlândia para dar continuidade ao certame, qual seja, ter o processo permanecido por três anos em análise neste Tribunal, tendo o Município acatado todas as solicitações para alteração do Edital de licitação sugeridas pelo Tribunal de Contas, cabe transcrever o trecho do parecer do Eminente Procurador do Ministério Público de Contas, Glaydson Santo Soprani Massaria, acostado às fls. 3109/3113, in verbis:

“Quanto ao item ‘c’, não se pode negar que os 2 anos e 4 meses de trâmite deste feito transbordam todos os limites do razoável. Mas sua irrazoabilidade, além de provocada por condutas protelatórias do represen-tado, não o autoriza a ‘arredondar’ para três anos o lapso relativo a tramitação deste feito.

Computando-se apenas as dilações de prazo conce-didas a pedido do representado, nota-se que superam em muito o tempo que os autos estão em análise por este órgão ministerial.

Compulsando-se os autos, verifica-se:

a) Dilação, a pedido, de prazo por 30 dias, f. 1278;

b) Novo prazo para defesa e adequações, f. 2220;

c) Dilação, a pedido, de prazo por 30 dias, f. 2234;

d) Segunda dilação de prazo, também de 30 dias, f. 2240;

e) Novo prazo para adequação do edital, dessa vez no prazo de 10 dias, f. 2503/2506;

f) Que Coordenadoria de Área de Engenharia de Perícia registrou pela quinta vez a desídia dos representados em prestar a esta Corte as informações requisitadas, bem como em dar cabo às correções requeridas, f. 2959/2972.

Além disso, também caracteriza deslealdade proces-sual a maneira como o representado vem juntando diversas versões do edital, o que gera sucessivas aná-lises técnicas, provocando lentidão do trâmite, agi-gantamento dos autos, dificultando sobremaneira a ação do controle externo.

Cita-se apenas um caso, necessário e suficiente para dar substância ao que ora expõe.

Uma das irregularidades apontadas pela Coordenado-ria de Análise de Contrato, Convênio e Instrumentos Congêneres, em sua primeira análise, f. 1126/1269, foi o tratamento restritivo à formação de consórcios entre os participantes da licitação, f. 1172/1174.

Veja-se que à f. 1308 consta na cláusula 4.5 e seguin-tes do edital uma nova redação, de fato acatando as observações do Órgão Técnico.

Ocorre que, nas versões posteriores, o edital foi alte-rado de maneira a proibir a participação de consór-cioa, f. 2530 e f. 2784.

Em síntese, o que se verificou foi uma conduta de des-lealdade processual, uma vez que o representado bus-cou ludibriar os Órgãos Técnicos e se esquivar do con-trole deste Tribunal, fazendo-os crer no acatamento de suas determinações para, após, sub-repticiamente, descumpri-las.

O representado, portanto, ao invocar a demora no trâ-mite processual para negar autoridade à determina-ção desta Corte, ofendeu o princípio de que ninguém pode valer-se da própria torpeza, consubstanciado no brocardo latino: Nemo auditur propriam turpitudie-nem allegans.

É esse o princípio que fundamenta os arestos do Su-premo Tribunal Federal, não obstante a matéria de fundo seja diversa:

‘Habeas corpus’. Decreto de custódia provisória su-ficientemente fundamentado. Excesso de prazo na formação da culpa devido a atuação da defesa. Re-cursos ordinário a que se nega provimento. STF/HC n.º 55226/BA. Relator MOREIRA ALVES.”

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Com essas considerações passo a proferir o meu voto.

VOTO

1 - Por todo o exposto, em cumprimento à decisão do Poder Judiciário que desconstituiu, em sede de Mandado de Segu-rança, decisão prolatada por esta Corte de Contas que deter-minava a suspensão da Concorrência Pública n.º 850/2006, promovida pelo Município de uberlândia, decisão definitiva acostada às fls. 3791 a 3809, cujo deslinde foi finalização do procedimento licitatório em comento, voto pelo arquiva-mento do processo pela perda do objeto.

2 - Voto ainda para que a análise da execução do contrato derivado da licitação sub examine seja incluída no rol das inspeções ordinárias a serem realizadas por esta Corte.

PROCESSO N.º: 805.981

NATuREZA: CONSuLTA

CONSuLENTES: Gilson de Souza Mattos, Maria Elizabeth Gouvêa Silva, Aloysio Barbosa Borges e Fernando Passos de Souza (Presidente, Vice-Presidente, 1º Secretário e 2º Secretário da Câmara Municipal de Bicas, respectivamente)

PROCEDÊNCIA: Município de Bicas

RETORNO DE VISTA

Tratam estes autos de Consulta formulada pelo Srs. Gilson de Souza Mattos, Maria Elizabeth Gouvêa Silva, Aloysio Barbosa Borges e Fernando Passos de Souza, Vereadores da Câmara Municipal de Bicas, nos seguintes termos:

(...) poderia a Rádio Comunitária contratar com a Câmara Municipal para prestação de serviço, participando de procedimento licitatório, sendo devida a apresentação de uma planilha de custo para justificar o valor?

Na sessão de 26/05/2010, em preliminar, o Pleno, por maioria, decidiu pelo conhecimento da Consulta, ficando vencido o Conselheiro Eduardo Carone Costa. O Conselheiro Substituto, Hamilton Coelho, declarou-se impedido de participar da votação, por ter atuado como Auditor no processo. No mérito, o relator, Conselheiro Elmo Braz, com base na Consulta nº 651757 (Cons. Rel. Moura e Castro, sessão de 05/12/2001) e na Apelação Cível nº 1.0193.05.013186-4/001 do TJMG (Des. Rel. Edgard Penna

Amorim, 8ª Câmara Cível, julgamento em 08/02/2007), concluiu ser ilegal a divulgação de publicidade institucional em rádio comunitária. Fundamentou seu voto no fato de os serviços prestados pela rádio comunitária poderem receber patrocínio apenas sob a forma de apoio cultural, nos termos do art. 18 da Lei nº 9.612/1998, e no fato de a atuação da referida rádio restringir-se a determinada comunidade de bairro ou vila, o que impossibilitaria a destinação de seus serviços à totalidade dos habitantes do Município.

Após os Conselheiros Gilberto Diniz, Eduardo Carone Costa e Adriene Andrade terem se manifestado favoravelmente ao voto apresentado pelo relator, pedi vista dos autos para estudar a matéria com maior profundidade.

É o relatório, em síntese.

Tribunal de Contas, em 14/07/2010.Conselheiro Antônio Carlos Andrada

Intimem-se os interessados do teor desta decisão via “fac-símile”, “AR”, “e-mail”, inclusive os interessados consignados nos autos apensos a esta Representação.

Dê-se ciência, ainda, do teor desta decisão e das respectivas Notas Taquigráficas ao Relator do Mandado de Segurança citado neste voto e aos demais membros do 1º Grupo de Câmaras Cíveis.

Tribunal de Contas, em 10/11/2010.Conselheiro Antônio Carlos Andrada

Relator

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FuNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, gostaria de fazer algumas ponderações sobre as manifestações do TCEMG, em sede de consulta, a respeito da temática tratada nos autos.

O Conselheiro Relator, Elmo Braz, mencionou, em seu voto, a Consulta nº 651757 (Cons. Rel. Moura e Castro, sessão de 05/12/2001), na qual o Tribunal Pleno decidiu, por unani-midade, pela impossibilidade de rádio comunitária firmar contrato remunerado com qualquer entidade pública ou pri-vada, sob a justificativa de que:

a) os serviços de radiodifusão comunitária podem receber patrocínio apenas a título de apoio cultural, nos termos do art. 18 da Lei nº 9.612/1998 e

b) a entidade detentora de concessão para a execução do serviço de radiodifusão comunitária não pode estabelecer nem manter compromissos de caráter político-partidários e comerciais, nos termos do art. 11 da Lei nº 9.612/1998.

Em sentido divergente ao julgado acima mencionado, tem-se a Consulta nº 811842 (sessão de 10/03/2010, vide Infor-mativo de Jurisprudência nº 19), na qual o Tribunal Pleno, ao aprovar por unanimidade o voto da Cons. Rel., Adriene Andrade, deliberou:

a) pela possibilidade de a administração pública municipal conceder, a título de apoio cultural, subvenção social a rádio comunitária e

b) pela necessidade de o órgão ou a entidade pública realizar procedimento licitatório para divulgar informações oficiais e institucionais, permitindo-se a participação de rádio co-munitária.

Para maior clareza, segue transcrito excerto do voto da Con-selheira Relatora:

Ressalte-se que esse apoio cultural à rádio comuni-tária, realizado mediante concessão de subvenção social, deverá ser formalizado por convênio, acordo, ajuste ou instrumento congênere, devendo a entida-de recebedora prestar contas ao órgão concedente dos recursos recebidos. E o Município deverá manter essa prestação de contas arquivada e disponível para

eventual análise pelo Tribunal de Contas, de acordo com o disposto no art. 76, XI, c/c o art. 180, §4º da Constituição do Estado de Minas Gerais.

Importante, também, observar que, mesmo conce-dendo apoio cultural à rádio comunitária, caso o órgão público deseje divulgar informações oficiais e institucionais, deverá realizar procedimento licitató-rio, (...). Corroborando tal entendimento, trago o pre-julgado do Tribunal de Contas de Santa Catarina de n.º 1778/2006, da relatoria do Conselheiro Salomão Ribas Júnior:

“Para a divulgação de atos administrativos, avisos e outros procedimentos que venham ao encontro do interesse da coletividade por meio de transmissão radiofônica, os Poderes Executivo e Legislativo da municipalidade, além da contratação por meio de licitação, podem realizar sistema de credenciamento de todas as emissoras interessadas, mesmo no caso de rádio comunitária, quando não for a única a ser captada pela população do município (grifo nosso).”

Pelas consultas acima narradas, depreende-se que o enten-dimento do TCEMG oscilou na análise da matéria. Em pes-quisa à jurisprudência dos demais tribunais de contas es-taduais, verifiquei, igualmente, não existir posicionamento uniforme. A título exemplificativo, no Tribunal de Contas de São Paulo1, no Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul2 e no Tribunal de Contas de Rondônia3, localizei decisões defen-dendo a impossibilidade de a administração pública celebrar contrato de prestação de serviços com rádio comunitária. Já no Tribunal de Contas de Santa Catarina4, no Tribunal de Contas do Paraná5 e no Tribunal de Contas do Mato Grosso6, encontrei decisões favoráveis à contratação pelo Poder Pú-blico de rádio comunitária para divulgação de publicidade institucional.

Feitas essas observações a respeito do tratamento que vem sendo conferido à matéria no âmbito dos tribunais de contas estaduais, quero deixar claro que meu posicionamento re-tomará o entendimento consolidado na Consulta nº 811842 (sessão de 10/03/2010), de relatoria da Conselheira Adriene Andrade.

Primeiramente, explicitarei os principais argumentos utili-zados nos julgados contrários à contratação de rádio co-

1 TC-003350/026/07, Contas Anuais, Cons. Rel. Robson Marinho, Segunda Câmara, sessão de 17/03/2009 e TC-003537/026/07, Contas Anuais, Cons. Rel. Fulvio Julião Biazzi, Segunda Câmara, sessão de 15/09/2009.

2 Processo de Contas – Executivo nº 006499-02.00/08-2, Cons. Rel. Cezar Miola, Segunda Câmara, sessão de 04/03/2010.

3 Consulta nº 2037/2009, Cons. Rel. Francisco Carvalho da Silva, sessão de 30/07/2009.

4 Prejulgados nºs 1788/2006, 1537/2004 e 1399/2003.

5 Consulta nº 1269/2008, Cons. Rel. Caio Marcio Nogueira Soares, sessão de 04/09/2008.

6 Consulta nº 7944-8/2007, Cons. Rel. Alencar Soares, sessão de 27/06/2007 e Consulta nº 6714-8/2010, Cons. Rel. Alencar Soares.

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munitária pelo Poder Público, abordando alguns dispositivos da Lei federal nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, a qual institui o serviço de radiodifusão comunitária, do Decreto federal nº 2.615, de 03 de junho de 1998, o qual regula-menta o serviço de radiodifusão comunitária e da Norma Complementar do Serviço de Radiodifusão Comunitária nº 02/1998 do Ministério das Comunicações.

Destaco que esses argumentos fundamentam-se basica-mente nos seguintes tópicos:

a) o serviço de radiodifusão comunitária é outorgado a fun-dações e associações comunitárias sem fins lucrativos (art. 1º, “caput”, e art. 7º, “caput”, da Lei nº 9.612/19987);

b) as rádios comunitárias não podem transmitir propagan-da ou publicidade comercial (item 15, subitem 15.3, inci-so XV, da Norma nº 02/1998 do Ministério das Comunica-ções8, art. 11 da Lei nº 9.612/19989, art. 40, VI, do Decreto nº 2.615/199810), nem ceder ou arrendar horários de sua programação (art. 19 da Lei nº 9.612/199811);

c) as rádios comunitárias poderão receber patrocínio apenas “sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos si-tuados na área da comunidade atendida” (art. 18 da Lei nº 9.612/199812 e art. 32 do Decreto nº 2.615/199813);

d) o serviço de radiodifusão comunitária é outorgado com o fim específico de atender “determinada comunidade de um bairro e/ou vila”, ou seja, possui cobertura restrita (art. 1º, §2º, da Lei nº 9.612/199814).

Analisando os dispositivos legais acima assinalados, verifica-se que esses objetivam impedir a transformação de rádio co-munitária em rádio comercial. No entanto, demonstrar-se-á, neste voto, que a contratação de rádios comunitárias pela administração pública, para divulgação de publicidade insti-tucional, não implicará o desvirtuamento de suas finalidades (art. 3º da Lei nº 9.612/199815) e dos princípios norteadores de sua programação (art. 4º da Lei nº 9.612/199816).

Neste momento, farei algumas considerações a respeito da comunicação institucional, que é a realizada por órgãos e entidades da administração pública, subdividindo-se nas se-guintes categorias:

7 Art. 1º Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodi-fusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço (grifo nosso).

Art. 7º São competentes para explorar o Serviço de Radiodifusão Co-munitária as fundações e associações comunitárias, sem fins lucra-tivos, desde que legalmente instituídas e devidamente registradas, se-diadas na área da comunidade para a qual pretendem prestar o Serviço, e cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos (grifo nosso).

8 15. INFRAÇÕES E PENALIDADES

(...)

15.3 São puníveis com multa as seguintes infrações na operação das emissoras do RadCom:

(...)

XV – transmissão de propaganda ou publicidade comercial a qualquer título;

9 Art. 11. A entidade detentora de autorização para execução do Ser-viço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais (grifo nosso).

10 Art. 40. São puníveis com multa as seguintes infrações na operação das emissoras do RadCom:

VI - estabelecimento ou manutenção de vínculos que subordinem a entidade ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao co-mando, ou à orientação de qualquer outra entidade mediante compro-misso ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais (grifo nosso);

11 Art. 19. É vedada a cessão ou arrendamento da emissora do Serviço de Radiodifusão Comunitária ou de horários de sua programação.

12 Art. 18. As prestadoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária pode-rão admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para os progra-mas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida (grifo nosso).

13 Art. 32. As prestadoras do RadCom poderão admitir patrocínio sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, des-de que restrito aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida (grifo nosso).

14 Art. 1º Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodi-fusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço.

§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros.

§ 2º Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimen-to de determinada comunidade de um bairro e/ou vila (grifo nosso).

15 Art. 3º O Serviço de Radiodifusão Comunitária tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, com vistas a:

I - dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradi-ções e hábitos sociais da comunidade;

II - oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade, es-timulando o lazer, a cultura e o convívio social;

III - prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário;

IV - contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atu-ação dos jornalistas e radialistas, de conformidade com a legislação profissional vigente;

V - permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de ex-pressão da forma mais acessível possível.

16 Art. 4º As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária atende-rão, em sua programação, aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informa-tivas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;

II – promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendida;

III – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, favore-cendo a integração dos membros da comunidade atendida;

IV – não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológicas-partidárias e condição social nas rela-ções comunitárias.

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Nesse sentido, transcreve-se trecho do Prejulgado nº 1359/2003 do Tribunal de Contas de Santa Catarina:

(...) A publicidade e propaganda governamental de caráter institucional, destinada à divulgação de nor-mas legais e regulamentares municipais, programas e campanhas de educação, saúde, desenvolvimento econômico, esportes, cultura, lazer etc., obras, ser-viços, festividades municipais e outros eventos, deve obedecer aos ditames do art. 37, § 1º, da Constitui-ção do Brasil, ou seja, quando estiver presente o inte-resse público, o caráter educativo, informativo ou de orientação social e não contenham nomes, símbolos, expressões ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos;

Ressalto, por oportuno, que a publicidade institucional ou oficial, quando veiculada nos meios de comunicação priva-da, depende de prévio procedimento licitatório, nos termos do art. 2º, “caput”, da Lei nº 8.666/199323, sendo vedada a contratação direta desse serviço, por meio da inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 25, II, da Lei nº 8.666/1993.24

A propósito, elucidativo o excerto extraído do Parecer nº 15/CT/2007, de 09/02/2007, o qual subsidiou a Consulta nº 7.944-8/2007 do Tribunal de Contas do Mato Grosso:25

Os contratos de publicidade realizados pela admi-nistração pública devem seguir também as regras gerais expostas na Lei nº 8.666/93 e suas altera-ções posteriores (art. 54 a 80), devendo ser ante-cedidos, em regra geral, por um procedimento li-citatório, salvo se caracterizar uma das exceções previstas no art. 24, sendo vedada expressamente

a) Comunicação institucional por força de lei: é a utili-zada pela administração pública “para atingir seus fins ou dar efetividade a seus atos. Ela é feita por meio dos diários oficiais ou do órgão de imprensa utilizado para a divulgação dos atos oficiais. um exemplo é a publicação de uma lei para que entre em vigor”.17

b) Comunicação institucional convocatória: como a an-terior, também possui caráter oficial, “sendo um chamado, uma convocação. um exemplo é a divulgação da abertura de um concurso público ou de uma licitação, a intimação das partes num processo judicial, a convocação dos cidadãos para a eleição”.18

c) Propaganda institucional ou oficial: “é a propaganda de um ato administrativo, de uma obra, de uma realização da administração. Ela não é obrigatória, como o são a comuni-cação institucional por força de lei e a convocatória. Assim, a sua ausência não provoca problema para a administração pública”19. Desse modo, caberá ao Poder Público examinar a conveniência de se divulgar ou não os atos cuja publicação não é obrigatória.

A Constituição da República de 1988 enumera no art. 37, “caput”20, a publicidade como um dos princípios norteado-res da administração pública. No entanto, a publicidade dos atos dos órgãos e entidades públicas encontra-se condicio-nada a requisitos previstos no próprio texto constitucional, isto é , deverá possuir “caráter educativo, informativo ou de orientação social”, não podendo difundir “nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autori-dades ou servidores públicos”, nos termos do art. 37, §1º, da CR/8821, reproduzido no art. 17 da Constituição Estadual de 198922.

17 DuARTE, Sara Meinberg Schmidt de Andrade. Propaganda Eleitoral. Disponível em <http://www.almg.gov.br/Publicacoes/eleicoes2008/propaganda_eleitoral.pdf.> Acesso em: 23 jun. 2010.

18 DuARTE, Sara Meinberg Schmidt de Andrade. Propaganda Eleitoral. Disponível em <http://www.almg.gov.br/Publicacoes/eleicoes2008/propaganda_eleitoral.pdf.> Acesso em: 23 jun. 2010.

19 DuARTE, Sara Meinberg Schmidt de Andrade. Propaganda Eleitoral. Disponível em <http://www.almg.gov.br/Publicacoes/eleicoes2008/propaganda_eleitoral.pdf.> Acesso em: 23 jun. 2010.

20 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (grifo nosso)

OBS: O art. 13, “caput”, da Constituição Estadual de 1989 também pre-vê a publicidade como um dos princípios norteadores da administração pública:

Art. 13 - A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalida-de, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade (grifo nosso).

21 Art. 37. caput (...)

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de

orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou ima-gens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

22 Art. 17 – A publicidade de ato, programa, projeto, obra, serviço e cam-panha de órgão público, por qualquer veículo de comunicação, somen-te pode ter caráter informativo, educativo ou de orientação social, e dela não constarão nome, símbolo ou imagem que caracterizem a pro-moção pessoal de autoridade, servidor público ou partido político.

Parágrafo único – Os Poderes do Estado e do Município, incluídos os órgãos que os compõem, publicarão, trimestralmente, o montante das despesas com publicidade pagas, ou contratadas naquele período com cada agência ou veículo de comunicação.

23 Art. 2º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alie-nações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei (grifo nosso).

24 Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de compe-tição, em especial:

(...)

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 des-ta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação (grifo nosso);

25 Consulta nº 7.944-8/2007, Cons. Rel. Alencar Soares, sessão de 27/06/2007.

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a sua inexigibilidade (art. 25, inciso II, parte final). Dentre essas regras, tem-se que todos os contratos de publicidade e seus aditamentos devem mencionar os nomes das partes e os seus representantes, a finali-dade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, ou da dispensa, a sujeição dos contratantes às normas da Lei de Licitação e às cláusulas contratuais (art. 61), sendo que dentre as cláusulas necessárias a quaisquer contratos (art. 55), consta a definição do objeto e seus elementos carac-terísticos.

A opção do Poder Público pela rádio, como veículo de di-vulgação da publicidade institucional, deverá ser norteada pelos princípios da eficiência (custo/benefício), transparên-cia (pressuposto para o exercício do controle interno e ex-terno da gestão), efetividade (efeito/impacto no Município) e finalidade (a divulgação do ato deverá estar atrelada ao interesse público). Nessa esteira, acrescento, com base na autonomia administrativa e financeira dos três Poderes, que competirá a cada um deles decidir o veículo de comunicação no qual se divulgará a publicidade institucional ou oficial.26

No âmbito do Legislativo municipal, o Tribunal de Contas de Santa Catarina no Prejulgado nº 496/1997 decidiu que:

É facultado à Câmara de Vereadores contratar emis-soras de rádio (locais e da região) sintonizadas no território municipal, bem como de jornais que circu-lam no Município, para divulgação de atos oficiais, como portarias, editais, convocações, avisos públicos, resoluções, decretos legislativos, leis promulgadas, etc., assim também para divulgação ou acompanha-mento de sessões plenárias, informações sobre ma-térias apreciadas nas sessões, assuntos de interesse da comunidade, mediante prévio processo licitatório, garantindo-se a maior participação possível

de interessados (...).

(...)

É vedada ao Município a contratação de veículos de comunicação (jornais, revistas, emissoras de rádio) para divulgação de manifestações pessoais de vere-adores, inclusive entrevistas, matérias de interesse exclusivo dos Vereadores ou outras matérias cujo

teor e forma de apresentação caracterizem promoção pessoal de vereadores, por contrariar a Constituição Federal (artigo 37, § 1º), Constituição Estadual (artigo 16, § 6º) e Lei nº 8.666/93 (artigo 2º).

Em relação à possibilidade de a rádio comunitária participar de certame licitatório para divulgar atos do Poder Legislativo municipal, gostaria de salientar que uma das finalidades da radiodifusão comunitária consiste em “prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário” (art. 3º, III, da Lei nº 9.612/199827). Além disso, as emissoras que prestam esse tipo de serviço deverão priorizar em sua programação “finalidades educa-tivas, artísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade” (art. 4º, I, da Lei nº 9.612/199828).

Com essas considerações, faço a seguinte ponderação: con-siderando que a divulgação dos atos do Poder Público deve-rá possuir “caráter educativo, informativo ou de orientação social” (art. 37, §1º, da CR/88 e art. 17 da CE/89), pode-se concluir que a veiculação de publicidade institucional encontra-se em sintonia com as finalidades e princípios das rádios comunitárias, sendo, portanto, incabível alegar eventual afronta ao art. 40, XVI, do Decreto nº 2.615/1998, o qual prevê pena de multa na hipótese de “desvirtuamento das finalidades do RadCom e dos princípios fundamentais da programação”.

Realço, também, que o fato de o serviço de radiodifusão comunitária ser outorgado a fundações e associações co-munitárias sem fins lucrativos (art. 1º, “caput”, e art. 7º, “caput”, da Lei nº 9.612/1998) e de essas entidades poderem receber patrocínio apenas sob a forma de apoio cultu-ral (art. 18 da Lei nº 9.612/1998 e art. 32 do Decreto nº 2.615/1998) não impede que as rádios comunitárias cele-brem com o Poder Público contrato oneroso (devidamente precedido de procedimento licitatório) para divulgação de publicidade institucional, se o valor arrecadado com o con-trato for aplicado exclusivamente no custeio, manutenção e/ou reinvestimento da rádio comunitária.

É válido lembrar que, embora a rádio comunitária não pos-sua fins lucrativos, seu funcionamento se assemelha ao de uma rádio comercial, na medida em que possui responsabi-lidade no pagamento de gastos com equipamentos, instala-ções e funcionários.

26 Parecer nº 15/CT/2007, emitido em 09/02/2007, subsidiou a Consulta nº 7.944-8/2007 do TCE/MT.

27 Art. 3º O Serviço de Radiodifusão Comunitária tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, com vistas a:

(...)

III - prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário;

28 Art. 4º As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária atende-rão, em sua programação, aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informa-tivas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;

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O órgão ou entidade pública deve verificar, no decorrer do procedimento licitatório, especificamente na fase de habi-litação, se o sinal sonoro da rádio comunitária será apto a alcançar os destinatários do ato, programa, projeto, obra, serviço ou campanha. Essa ressalva faz-se necessária, tendo em vista que o raio de serviço da rádio comunitária é res-trito, conforme disposição estabelecida no art. 1º da Lei nº 9.612/1998.29

Além do alcance do sinal sonoro, o órgão ou entidade públi-ca deverá também averiguar se foi devidamente outorgada à associação ou fundação comunitária a autorização para a exploração do serviço de radiodifusão, para se evitar a ce-lebração de contrato com rádio comunitária sem registro para funcionamento (art. 6º da Lei nº 9.612/1998).30

Para reforçar as minhas alegações, cientifico este Tribunal que, no âmbito federal, as entidades qualificadas como organizações sociais que exercerem atividades de rádio e televisão educativa poderão receber recursos e veicular publicidade institucional de entidades de direito público ou privado, a título de apoio cultural31, nos termos do art. 19 da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, o qual segue transcrito:

Art. 19. As entidades que absorverem atividades de rádio e televisão educativa poderão receber recur-

sos e veicular publicidade institucional de entida-des de direito público ou privado, a título de apoio cultural, admitindo-se o patrocínio de programas, eventos e projetos, vedada a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comer-cialização de seus intervalos (grifo nosso).

O art. 19 da Lei nº 9.637/1998 foi regulamentado pelo De-creto nº 5.396, de 21 de março de 2005. O diploma nor-mativo reitera que os recursos recebidos pelas organizações sociais pela veiculação de publicidade institucional, seja de entidades de direito público, seja de direito privado, deverão ser utilizados a título de “apoio cultural à organização so-cial, seus programas, eventos ou projetos” e de “patrocínio de programas, eventos ou projetos” (art. 1º do Decreto nº 5.396/2005).32

Complemento dizendo que o decreto veda expressamente a publicidade institucional de entidades de direito público que resulte em “promoção pessoal de autoridade, servidor público, empregado público ou ocupante de cargo em co-missão”.33 Ora, é cediço que “organização social” é tão so-mente uma qualificação, um rótulo conferido a entidades privadas sem fins lucrativos. Em âmbito federal, essas enti-dades deverão preencher os requisitos previstos no art. 2º, I, da Lei nº 9.637/199834. Além disso, a habilitação da entidade como “organização social” deverá ser precedida de aprova-

29 Art. 1º Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodi-fusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço.

§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros.

§ 2º Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimen-to de determinada comunidade de um bairro e/ou vila (grifo nosso).

30 Art. 6º Compete ao Poder Concedente outorgar à entidade interessada autorização para exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária, observados os procedimentos estabelecidos nesta Lei e normas regula-doras das condições de exploração do Serviço.

Parágrafo único. A outorga terá validade de dez anos, permitida a reno-vação por igual período, se cumpridas as exigências desta Lei e demais disposições legais vigentes. (Redação dada pela Lei nº 10.597, de 2002)

31 Nos termos do art. 24, XXIV, da Lei nº 8.666/1993, o Poder Público está autorizado a celebrar, por meio de dispensa de licitação, contrato de prestação de serviços com entidades qualificadas como organizações sociais, para as atividades contempladas no contrato de gestão.

A constitucionalidade do art. 24, XXIV, da Lei nº 8.666/1993 está sendo discutida na ADI nº 1.923-5 - Distrito Federal. Até o presente momento, o STF não adentrou no mérito da matéria, tendo apenas se manifestado em sede de liminar. Na sessão de 01/08/2007, o STF, por maioria de votos, indeferiu medida cautelar e manteve a eficácia do art. 24, XXIV, da Lei nº 8.666/1993.

32 Art. 1º As organizações sociais que exercem atividades de rádio e tele-visão educativa podem receber recursos e veicular publicidade institu-cional de entidades de direito público ou privado a título de:

I - apoio cultural à organização social, seus programas, eventos ou projetos; e

II - patrocínio de programas, eventos ou projetos.

33 Art. 5º É vedada, nos termos do parágrafo único do art. 1º do Decre-to n.º 4.799, de 4 de agosto de 2003, a publicidade institucional de

entidades de direito público que, direta ou indiretamente, caracterize promoção pessoal de autoridade, servidor público, empregado público ou ocupante de cargo em comissão.

34 Art. 2º São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social:

I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:

a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação;

b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades;

c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;

d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral;

e) composição e atribuições da diretoria;

f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da união, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão;

g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto;

h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líqui-do em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade;

i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes finan-ceiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou des-qualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da união, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da união, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados;

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ção pelas autoridades mencionadas no art. 2º, II, da Lei nº 9.637/199835.

Nesse sentido, enfatizo que receber a denominação de “or-ganização social” não desvirtua a natureza da entidade, de sorte que se afiguraria uma “contradição em si mesmo” ad-mitir a veiculação de propaganda institucional nas organi-zações sociais e vedá-la para entidades de mesma natureza jurídica, mas que não possuem tal denominação.

Por oportuno, assevero que permitir a participação das rádios comunitárias em certames licitatórios privilegia o princípio da ampla competitividade, possibilitando a ob-tenção pelo Poder Público de melhores ofertas na prestação do serviço.36

Por último, nos termos do voto apresentado pela Cons. Rel., Adriene Andrade, nos autos da Consulta nº 811842 (sessão de 10/03/2010), entendo ser possível para a divulgação de publicidade institucional, além da contratação por meio de procedimento licitatório, a adoção do credenciamento de todas as rádios interessadas. Nesse sentido, encontra-se o Prejulgado nº 1788/2006 do Tribunal de Contas de Santa Catarina:37

1. Para a divulgação de atos administrativos, avisos e outros procedimentos que venham ao encontro do interesse da co-letividade por meio de transmissão radiofônica, os Poderes Executivo e Legislativo da municipalidade, além da contra-tação por meio de licitação, podem realizar sistema de cre-denciamento de todas as emissoras interessadas, mesmo no caso de rádio comunitária, quando não for a única a ser captada pela população do município (grifo nosso).Cons-ta no prejulgado ressalva no sentido de que a contratação por meio de credenciamento somente será cabível “quando aberto a todos os interessados” e

desde que os requisitos, cláusulas e condições se-jam preestabelecidos e uniformes, inclusive quanto

à forma de remuneração fixada pela Administração, vinculação ao termo que autorizar o credenciamen-to, responsabilidade das partes, vigência e validade, casos de rescisão e penalidades, bem como o foro ju-dicial, devendo haver publicação resumida da contra-tação.

Assim, aduzo que o credenciamento poderá ocorrer quando uma alternativa de contratar não for excludente de outras, mesmo diante da imposição de requisitos mínimos. Nessa situação, verifica-se a inexigibilidade de licitação, por invia-bilidade de competição, tendo em vista que todos os inte-ressados que satisfaçam os requisitos previamente estabele-cidos no edital devem ser credenciados pela Administração. A utilização desse instituto encontra-se condicionada aos princípios que informam a Lei de Licitações e, por ser excep-cional, deve ser justificado pelo administrador.

Há, também, no prejulgado, previsão de que o objeto de di-vulgação contratado deverá “ser distribuído com equidade e imparcialidade entre as emissoras de rádio pré-qualificadas”. Nesse caso, recomendo o uso do sistema de sorteio alea-tório entre todos os credenciados, excluindo-se sempre os anteriormente sorteados.38

CONCLuSÃO

Diante do exposto, com a devida vênia, apresento entendi-mento em sentido contrário ao do Conselheiro Relator, en-tendendo ser possível o Poder Público firmar contrato com rádio comunitária para divulgação de publicidade institucio-nal, desde que observados os seguintes requisitos:

a) a publicidade não poderá resultar em promoção pessoal dos agentes políticos, nem dos servidores do Poder respec-tivo, nos termos do art. 37, §1º, da CR/88 e do art. 17 da CE/89;

b) para a contratação do serviço, o órgão ou a entidade pú-blica deverá realizar procedimento licitatório, nos termos

35 Art. 2º São requisitos específicos para que as entidades privadas refe-ridas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social:

(...)

II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Re-forma do Estado.

36 A propósito, Marçal Justen Filho leciona que: (...) A ampliação da dispu-ta significa a multiplicação de ofertas e a efetiva competição entre os agentes econômicos. Como decorrência da disputa, produz-se a redu-ção dos preços e a elevação da qualidade das ofertas, o que se traduz em contratações mais vantajosas para a Administração (JuSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008).

37 Na mesma linha, encontra-se o Prejulgado nº 1537/2004 do Tribunal de Contas de Santa Catarina:

“Para a transmissão radiofônica de sessões legislativas, além da contratação por meio de licitação, a Câmara de Vereadores pode realizar sistema de credenciamento de todas as emissoras de rá-dio interessadas, mesmo no caso de rádio comunitária, legalizada, quando não for a única a ser captada pelos habitantes do município. É lícita a contratação mediante credenciamento, quando aberto a todos os interessados, desde que os requisitos, cláusulas e condições sejam preestabelecidos e uniformes, inclusive quanto à forma de remuneração fixada pela Câmara, vinculação ao termo que inexigiu a licitação, respon-sabilidade das partes, vigência e validade, casos de rescisão e penalida-des e foro judicial, devendo haver publicação resumida da contratação. O objeto de divulgação contratado deve ser distribuído de forma equâ-nime e imparcial dentre as emissoras radiofônicas pré-qualificadas.”

38 O sistema de sorteio aleatório entre todos os credenciados foi men-cionado nas Consultas nºs 765.192 (Cons. Rel. Wanderley Ávila, ses-são de 27/11/2008) e 735.385 (Cons. Rel. Wanderley Ávila, sessão de 08/08/2007) do TCEMG.

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dos arts. 2º, “caput”, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, ou adotar o sistema de credenciamento de todas as rádios interessa-das;

c) o valor arrecadado com o contrato deverá ser aplicado ex-clusivamente no custeio, manutenção e/ou reinvestimento da rádio comunitária, considerando que o serviço de radio-difusão é outorgado a associações e fundações comunitá-rias sem fins lucrativos (art. 1º, “caput”, e art. 7º, “caput”, da Lei nº 9.612/1998) e que essas entidades só podem receber patrocínio sob a forma de apoio cultural (art. 18 da Lei nº 9.612/1998 e art. 32 do Decreto nº 2.615/1998);

d) o órgão ou a entidade pública deverá verificar, no decorrer do procedimento licitatório (fase de habilitação) ou do pro-cedimento de credenciamento, se a rádio comunitária possui registro para funcionamento e se o seu sinal sonoro é apto a alcançar os destinatários do ato, programa, projeto, obra, serviço ou campanha, a ser divulgado.

RELATÓRIO

Tratam os autos de Consulta formulada pelo Sr. Carlos Alberto Rosa, Presidente da Câmara Municipal de Araxá, em que foram apresentados os seguintes questionamentos, relativos a pagamento de adicional por tempo de serviço (quinquênio) a servidores municipais:

“1 – É devido o pagamento de quinquênio aos servidores comissionados?

2 – O instituto da decadência é aplicado para os servidores comissionados requererem administrativamente a vantagem quinquenal?

3 – Caso tenha sido suprimido benefício de servidores há mais de cinco anos, pode a administração pública rever o ato sem que se opere a decadência?

4 – O ato administrativo praticado por erro de interpretação de dispositivos legais pode ser revisto sem considerar o instituto da decadência?

PROCESSO: 809483

NATuREZA: CONSuLTA

CONSuLENTE: Carlos Roberto Rosa - Presidente da Câmara Municipal de Araxá

PROCEDÊNCIA: Município de Araxá

Conforme art. 216 do Regimento Interno deste Tribunal, in-formo que o posicionamento por mim exposto neste retorno de vista, firmado na mesma linha da Consulta nº 811842, implica a reforma da tese defendida na Consulta nº 651757, a qual dispõe sobre a matéria em outro sentido.

Sugiro, por conseguinte, que, na hipótese de aprovação do meu voto, seja encaminhada cópia da decisão à Coordena-doria de Biblioteca, para que anote a reforma da tese no arquivo da Consulta nº 651757, disponibilizado no sítio ele-trônico do Tribunal. Adotando tal procedimento, poderemos evitar a ocorrência de interpretações equivocadas de nossa orientação.

É o parecer que submeto à consideração de meus pares.

Tribunal de Contas, em 01/09/2010.Conselheiro Antônio Carlos Andrada

5 – A administração pode suprimir benefícios de servidores comissionados concedidos e recebidos por período superior a 10 anos?”

É o relatório.

Tribunal de Contas, em 14/07/2010.Conselheiro Antônio Carlos Andrada

Relator

FuNDAMENTAÇÃO

1 - PRELIMINAR

Verifico, nos termos constantes da petição inicial, que o con-sulente é parte legítima para formular a presente Consulta e que o objeto refere-se a matéria de competência desta Corte, nos termos do art. 210 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas. Assim, conheço da Consulta para res-pondê-la em tese.

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2 - MÉRITO

É assente que compete ao Município organizar o serviço público local e elaborar o regime jurídico de seus servido-res, estabelecendo a jornada de trabalho, as atribuições dos cargos, a composição da remuneração, tendo em vista as peculiaridades locais e as possibilidades de seu orçamento.

No entanto, no exercício de suas competências, os Poderes Públicos devem sempre observar as regras e princípios es-tabelecidos na Constituição da República, tendo em vista a supremacia que a Carta Magna possui no ordenamento ju-rídico brasileiro. Partindo dessas premissas, passo a analisar os questionamentos propostos pelo consulente.

Recentemente, em sessão realizada no dia 02/09/2009, res-pondi a uma Consulta semelhante, de nº 780445, formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Patos de Minas, ten-do sido acompanhado pelos meus pares, da qual se extrai que:

“1 - É juridicamente possível a instituição, mediante lei formal, de adicional por tempo de serviço, como o quinquênio, a servidores ocupantes de cargos comis-sionados, desde que haja previsão expressa no Esta-tuto dos Servidores Públicos Municipais, nos casos em que o ente adotar o regime jurídico estatutário.

2 – Observada a previsão no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, outros direitos garantidos aos servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo como férias-prêmio, salário família e auxílio funeral, poderão ser estendidos aos ocupantes de cargo em comissão, desde que compatíveis com a natureza de ocupação transitória do cargo.”

O questionamento do item 1 sub examine, no entanto, ape-sar de similar, não é idêntico, pois o consulente não indaga sobre a possibilidade jurídica da instituição do adicional, mas, sim, se o mesmo é devido.

Vale dizer que, nessa hipótese também, o que deverá ser analisado é a previsão no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, nos casos em que o ente adotar o regime jurídi-co estatutário, ou mesmo em outra lei que disponha no mes-mo sentido: se houver a previsão legal, o adicional é devido, se não houver, não o é, por óbvio.

Com efeito, o direito do servidor ocupante de cargo comis-sionado a adicionais por tempo de serviço, férias-prêmio e outros será adquirido quando, sucedido o fato jurídico de que se originou o direito, nos termos da lei, tenha sido inte-grado ao seu patrimônio.

Evidentemente, deverá haver previsão legal no respectivo Estatuto, ou em lei específica, pois não há violação a princí-pio constitucional a instituição do quinquênio.

Importante relembrar, ainda, que, concedida ao servidor pú-blico uma vantagem pessoal, esta a ele adere, desde que am-parada pelo ordenamento jurídico e compatível com o cargo, tornando-se atributo personalíssimo, independente de sua natureza, se efetivo ou em comissão. Cria-se uma situação que se concretizou em seu favor, consolidando-se em um direito que se integrou em seu patrimônio.

Depreende-se, portanto, que os direitos e vantagens em questão decorrem de condição pessoal do servidor, vale dizer, atribui-se em razão do tempo de exercício de cargo público ou desempenho de função, integrando-se plena e incondicionalmente ao agente, devendo ser estabelecidos em lei para seu aferimento.

Assim, passando ao 2º questionamento, verifica-se que, ha-vendo a previsão legal, a concessão do adicional passa a ser ato ex officio da Administração, que independe de requeri-mento do interessado.

No entanto, repita-se, se a Administração assim não agiu, deixando de pagar um benefício que era devido por lei, fê-lo irregularmente, possuindo o servidor o direito de requerer administrativamente o referido benefício a qualquer tempo, sem a incidência do prazo decadencial, que não se aplica à espécie, e nem mesmo da prescrição administrativa, uma vez que, partindo-se da premissa que a lei autorizativa do adicional ainda se encontra em vigor, estaríamos diante da hipótese de uma obrigação de trato sucessivo, que decorre de uma situação jurídica fundamental já reconhecida (fundo de direito). Isso porque, uma vez vigente a lei que assegura o adicional, não há que se falar em prescrição do fundo de direito.

Assim, nesse caso, não está em pauta a condição funcional do servidor, nem seu direito a receber o adicional. Nas obri-gações de trato sucessivo, o direito ao quantum se renova de tempo em tempo, daí porque o prazo prescricional para percepção dos valores devidos recomeça cada vez que surge a obrigação seguinte. Ou seja, a cada pagamento não efetu-ado pela Administração, renova-se o prazo, podendo o servi-dor, a qualquer tempo, requerer a incorporação do adicional, administrativa ou judicialmente.

O Supremo Tribunal Federal, por meio de voto proferido pelo E. Ministro Moreira Alves1 no RE nº 110.419/SP, aponta o sentido da denominada prescrição de trato sucessivo:

1 RE nº 110.419/SP, Rel. Min. OTÁVIO GALLOTTI, DJu de 22.09.89

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“A pretensão ao fundo do direito prescreve, em direi-to administrativo, em cinco anos a partir da data da violação dele, pelo seu não reconhecimento inequívo-co. Já o direito a perceber as vantagens pecuniárias decorrentes dessa situação jurídica fundamental ou de suas modificações ulteriores é mera conseqüência daquele, e sua pretensão, que diz respeito a ‘quan-tum’, renasce cada vez em que este é devido (dia a dia, mês a mês, ano a ano, conforme a periodicidade em que é devido seu pagamento), e, por isso, se restrin-ge às prestações vencidas há mais de cinco anos, nos termos exatos do artigo 3º do Decreto nº 20.912/32.”

O que prescreve, portanto, é o direito a perceber os adicio-nais devidos e não pagos há mais de cinco anos, contados do último pagamento não efetuado desde que requeridos pelo servidor.

Dessa forma, poderia a Administração, em tese, rever de ofí-cio o ato que suprimiu benefício o de forma irregular há mais de cinco anos sem que se opere o instituto da decadência, questionamento do item 3, sempre tendo em mente que há previsão legal do benefício, supostamente não concedido, à medida que, nesse caso, não se operam efeitos favoráveis ao servidor, fato que não enseja a aplicação do condicionante temporal (decadência) na revisão do ato.

Nesses termos, a decadência a que se refere o Consulente atingiria tão somente o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para o servidor, mas não os que lhes sejam prejudiciais, segundo o que dispõe a Lei nº 9.784/99, que regula o processo adminis-trativo no âmbito da Administração Federal, in verbis:

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.”

§ 1º. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o pra-zo de decadência contar-se-á da percepção do pri-meiro pagamento.”

Assim, o condicionante temporal “atua” em prol do admi-nistrado e não da Administração, pois, salvo comprovada má-fé, não pode o administrado ter situação jurídica conso-lidada a seu favor e ser suprimida por uma suposta desídia e ineficiência da Administração, não se aplicando entretanto, na direção oposta. Importante ressaltar que muitas vezes a norma visa conceder proteção especial ao hipossuficiente, em sentido lato, da relação jurídica, como ocorre, exempli-ficadamente em relação ao consumidor. Felizmente, ainda que de forma tímida, procura-se despir o Estado de uma

potestade incondicionada completamente dissociada dos ideais de um Estado Democrático de Direito.

Desse modo, a resposta ao item 4 perpassa pela análise da argumentação até aqui expendida podendo ser resumida nos seguintes termos: ainda que praticada por erro de in-terpretação a revisão do ato deve observar os efeitos dele decorrentes. Se favoráveis ao servidor, opera-se o prazo de-cadencial, se prejudiciais, pode a Administração rever o ato sem o condicionante temporal.

Isto posto, vale dizer que o quinto questionamento visa res-posta a situação jurídica diversa. Se, especificamente nos 3 primeiros itens a premissa era de que o adicional, não obs-tante previsão legal, deixara de ser concedido pela Adminis-tração, agora busca o consulente a resposta para o caso em que o benefício, pelo menos em tese, vem sendo concedido.

Nesses termos, uma vez concedido determinado benefício ao servidor, ainda que de forma indevida, se ultrapassado o prazo decadencial, é fora de dúvida que esta vantagem se incorpora incondicionalmente ao patrimônio do servidor, e nem mesmo lei nova poderá ser editada para suprimir o benefício, como, inclusive, já decidiu o Pretório Excelso, em acórdão assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRu-MENTO. ADMINISTRATIVO. QuINQuÊNIO. LEI NOVA. EXTINÇÃO DO ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. DIREITO ADQuIRIDO. PRECEDENTES.

1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a lei nova não pode revogar vantagem pessoal já incorporada ao patrimônio do servidor sob pena de ofensa ao direito adquirido.

2. A verificação, no caso concreto, da ocorrência, ou não, de violação do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada situa-se no campo infra-constitucional.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Ag.Reg. no AI 762.863-MG)

Entretanto, deve ficar claro que esse raciocínio se aplica às vantagens já incorporadas ao patrimônio do servidor, por se constituir em direito adquirido, o que não impede, por exemplo, que lei nova, prospectivamente, venha suprimir este ou aquele benefício a partir de sua vigência.

Anote-se, por fim, que em todas as hipóteses ora questio-nadas, deverão ser respeitados os limites constitucionais de gastos com pessoal, devendo o gestor ficar atento para as questões orçamentárias do ente federativo, inclusive para efeito do escalonamento de possíveis pagamentos a serem efetuados pelo Poder Público.

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III – CONCLuSÃO

Por todas as razões expostas, respondo a esta Consulta, em suma, nos seguintes termos:

1 - É devido o adicional por tempo de serviço, como o quinquênio, a servidores ocupantes de cargos comissio-nados, desde que haja previsão expressa no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, nos casos em que o ente adotar o regime jurídico estatutário, ou em lei que dispo-nha no mesmo sentido.

2 – Havendo a previsão legal do quinquênio e não tendo sido pago ex officio, cabe ao servidor requerer administra-tivamente o benefício, sem a incidência do prazo decaden-cial, no caso, e nem mesmo da prescrição administrativa, por se tratar de obrigação de trato sucessivo. A prescrição, in casu, incidirá somente sobre as parcelas devidas e não pagas há mais de 5 (cinco) anos.

3 – Caso tenha sido suprimido um benefício irregularmen-te, a Administração poderá rever o ato sem que se opere

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de Consulta formulada pelo Sr. Vasco Praça Filho, Prefeito do Município de Paracatu e Pre-sidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Nordeste de Minas, por meio da qual elabora os seguintes questionamentos, in verbis:

“(...) 1 – Podem os municípios componentes da Asso-ciação Microrregional vincularem percentual do FPM para fazer face às contribuições mensais à Associa-ção?

2 – A Associação de Municípios entra no conceito de órgão ou fundo descritos no art. 167, IV da Constitui-ção Federal?

3 – A contribuição de município a Associação de Mu-nicípios entra no conceito de despesa descrita no art. 167, IV da Constituição Federal?

a decadência, a teor do que estabelece o enunciado da Súmula nº 473 da Suprema Corte.

4 – O ato administrativo praticado por erro de interpreta-ção de dispositivos legais pode ser revisto a qualquer tempo, se dele decorrerem efeitos prejudiciais ao servidor, e, lado outro, se dele decorrerem efeitos favoráveis aos servidores, deverá ser observado o prazo decadencial de 5 (cinco) anos.

5 – A Administração não pode suprimir benefícios de ser-vidores comissionados, incorporados ao seu patrimônio, por se constituir em direito adquirido nos termos do orde-namento jurídico em vigor.

É o parecer que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

Tribunal de Contas, em 04/08/2010.

Conselheiro Antônio Carlos AndradaRelator

PROCESSO N.º: 809502

NATuREZA: Consulta

PROCEDÊNCIA: Vasco Praça Filho (Prefeito do Município de Paracatu e Presidente da Associação

dos Municípios da Microrregião do Nordeste de Minas, à época)

Esclarecemos a este sodalício que a questão sob item 1 foi decidida positivamente nas sessões de 16/03/94, 14/04/94, 28/04/94, 11/05/94, 14/06/94, no exame da consulta 142.730-0/94.

Em que pese os fundamentos jurídicos não terem mu-dado, com a resposta a consulta 442.904 sessão de 01.03.2000, e edição da súmula 96 TCE/MG; ambos contrários a vinculação de receitas públicas, ficou dú-vidas a alguns municípios se aquele posicionamento se mantém. (...)”

É o relatório, em síntese.

Conselheiro Antônio Carlos AndradaRelator

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FuNDAMENTAÇÃO

PRELIMINAR

Verifico, nos termos constantes da petição inicial, de fl. 01, que o Consulente é parte legítima para formular a presente Consulta, e que o seu objeto refere-se a matéria de compe-tência desta Corte, nos termos dos arts. 210 e 213 do RI-TCMG. Portanto, conheço desta Consulta.

MÉRITO

O inciso IV, do art. 1671, da Carta Magna, veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Essa vedação é conhecida como Princípio da Não-Vinculação ou da Não-Afetação de Receitas. Sobre a aplicação desse princípio aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, a Consulta nº 142.730-0, sessão do dia 16/03/1994, de relatoria do Conselheiro Luiz Baccarini, traz a seguinte informação:

“(...) A receita decorrente do FPM é classificada como transferência, o que não se confunde com receita de impostos, esta, sim, impossível de ser vinculada previamente a órgão, fundo ou despesa.

(...) Essa transferência é composta por dois impos-tos – de Renda e Sobre Produtos Industrializados – ambos de competência da União. No entanto, re-lativamente aos municípios, esses recursos não constituem receita de seus impostos, uma vez que foge à sua competência a respectiva arrecadação, ingressando em sua Receita como transferências intergovernamentais.”[grifos meus]

Dessa forma, desde já, firmo o entendimento de que o inciso IV, do art. 167, da Carta Magna, e, por conseguinte, a Súmula TCMG n º 96, não se aplicam aos recursos do FPM, pois estes recursos, no âmbito do município, não são receitas de impos-tos, mas sim receitas correntes provenientes de transferên-cias governamentais. Portanto, respondo o primeiro questio-

namento do Consulente, no sentido de que nada impede que o município vincule percentual do FPM para custear despesa com contribuição devida a Associação de Municípios.

Respondido o primeiro questionamento, imperioso explicitar que, em síntese, as Associações de Municípios2 são entida-des dotadas de personalidade jurídica própria, instituídas e mantidas por contribuições dos municípios associados, de sorte que a Associação de Municípios não pode ser enqua-drada nas definições de órgão ou fundo aludidas no inciso IV, do art. 167, da Constituição Federal.

Acerca da natureza jurídica das Associações de Municípios, a Consulta nº 731.118, sessão de 20/06/2007, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone, firmou o entendimento de que as Associações de Municípios são entidades de direito privado, sujeitas à licitação para contratar com terceiros. A mesma Consulta consolidou, também, o entendimento de que as Associações Microrregionais de municípios revestem-se de natureza jurídica similar à dos consórcios públicos, devendo observar as regras da administração pública no que diz respeito a provimento de pessoal.

Caso a Associação de Municípios seja constituída como consórcio público, independentemente da personalidade jurídica, a forma de repasse de recursos dos municípios à associação deverá ser o contrato de rateio3, que entendo ser o instrumento mais adequado, conforme determina o art. 8º da Lei Federal nº 11.107/05, consignadas as dotações correspondentes na lei orçamentária ou em lei de créditos adicionais, sob pena de exclusão do município inadimplente do consórcio.

Caso a associação não assuma a forma de um consórcio4, o repasse poderá ser feito por meio da celebração de con-vênio, conforme entendimento expresso na Consulta nº 731.118, sessão de 20/06/2007, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone.

1 “Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arre-cadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manuten-ção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.”[grifos meus]

2 Existem posicionamentos doutrinários diversos e, nesse sentido, con-forme Damião Alves de Azevedo, apesar de os estatutos das Associações de Municípios, invariavelmente, declararem a personalidade jurídica de direito privado dessas associações, “(...) sendo constituídas somente por pessoas públicas, a partir de patrimônio de origem pública (através das contribuições pagas pelos municípios com recursos públicos), voltada para finalidades públicas, e dependente de lei (sem a qual não é possí-vel contribuir para a associação e confirmar a condição de associado), é forçoso concluir que as Associações de Municípios são, na realidade,

associações de direito público interno”. [A NATuREZA JuRíDICA DAS ASSOCIAÇÕES DE MuNICíPIOS E DOS CONSÓRCIOS INTERMuNICIPAIS: REGIME ADMINISTRATIVO E AuTONOMIA POLíTICA. Este artigo é uma versão, com algumas inclusões e ampliações, de texto homônimo pu-blicado na Revista de Direito Administrativo, n.º 238, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Out./Dez.2004, p. 375 a 383. Disponível em http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID=%7B27E65A8E-366D-4122-8DA3-A9D53810AF71%7D&ServiceInstuID=%7B59D015FA-30D3-48EE-B124-02A314CB7999%7D, acesso em 26/01/2010.]

3 O contrato de rateio é definido pelo art. 2º, inciso VII, do Decreto Fede-ral nº 6.017/2007 como o “contrato por meio do qual os entes consor-ciados comprometem-se a fornecer recursos financeiros para a realiza-ção das despesas do consórcio público”.

4 As Associações de Municípios foram, em sua maioria, criadas antes da vigência da Lei de Consórcios – Lei Federal nº 11.107/2005, assumindo personalidade jurídica de direito privado e de natureza civil.

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Quanto à despesa com a contribuição mensal dos municípios filiados à Associação de Municípios, no que diz respeito ao inciso IV, do art. 167, da Carta Magna, o que se veda é a vin-culação de receitas de impostos municipais para custeio da despesa com a referida contribuição. Entretanto, nada im-pede que essa despesa seja custeada com recursos do FPM, por serem estes contabilizados no município como receitas provenientes de transferências intergovernamentais, como já exemplificado.

Ainda sobre a contribuição dos municípios integrantes de Associação de Municípios, a Consulta nº 731.118 consoli-dou a obrigatoriedade de prestação de contas por parte das Associações Microrregionais de Municípios, tanto aos muni-cípios repassadores de recursos quanto a esta Corte, obriga-toriedade esta já suscitada na Consulta nº 679.066, sessão do dia 03/12/2003, de relatoria do Conselheiro Eduardo Ca-rone Costa. É importante ressaltar que, independentemente da forma como é pactuada e financiada a transferência de recursos, a prestação de contas da associação ao município e do município a este Tribunal de Contas é obrigatória.

Outra importante observação foi realizada na Consulta nº 442.904, sessão de 01/03/2000, de relatoria do Conselhei-ro Moura e Castro, mencionada no julgamento do Processo Administrativo nº 52.7315 – contas de Associação Microrre-gional de Município, que considerou irregular a

“arrecadação da receita referente às cotas associati-vas realizada de forma vinculada a determinado per-centual do FPM, diretamente pela rede bancária, por ofensa à disposição estatutária que obriga sua previ-são orçamentária em valor obtido pela consideração da receita arrecadada em cada município associado, no exercício anterior”.

Concluindo, uma vez esclarecido que o inciso IV, do art. 167 da CF/88 não é aplicável, não há impedimento à vincula-ção de recursos do FPM para fazer face aos serviços presta-dos pelas referidas entidades, desde que tal vinculação não comprometa o cumprimento de exigências constitucionais e legais específicas. Nesse sentido, o ato de “vincular” deve ser entendido como indicação dos recursos do FPM como fonte de custeio, indicação esta que deverá ser regular em termos legais, orçamentários e financeiros.

CONCLuSÃO

Diante do exposto, respondo ao primeiro questionamento do consulente, pela possibilidade de vinculação de percentual de recursos do FPM para fazer face à contribuição devida a Associação de Municípios, tendo em vista que os recursos

do FPM são contabilizados no município como receitas de transferências intergovernamentais, não se lhes aplicando a vedação do inciso IV, do art. 167 da Carta Magna (Princípio da Não-Afetação das Receitas).

Ressalto, ainda, que a referida contribuição dependerá de autorização legislativa para o compromisso de associação e para a execução da despesa de contribuição, bem como da existência de um contrato de rateio ou de um convênio, e, ainda, de disponibilidade orçamentária e financeira. Outra regra a ser observada é a necessidade de contabilização da contribuição pelo município, não podendo o repasse ser re-alizado diretamente por instituição bancária, sem que haja controle contábil pela municipalidade.

Quanto ao segundo e ao terceiro questionamentos, como a regra do inciso IV, do art. 167 da Carta Magna não é aplicá-vel, a Associação de Municípios não se enquadra no conceito de órgão ou fundo descritos no aludido dispositivo da CF, e a contribuição de município integrante de Associação de Municípios, feita a partir de recursos do FPM, não constitui despesa vedada, de acordo com a definição dada pelo mes-mo dispositivo constitucional.

Conforme art. 216 do Regimento Interno deste Tribunal, este entendimento, firmado no mesmo sentido das Consultas nºs 731.118, 477.528, 142.730-0 e 125.887-7 implica a reforma da tese das Consultas nºs 442.904 e 108.730-4, que dispu-nham sobre a matéria em outro sentido.

Sugiro, por conseguinte, ante o papel pedagógico desta Corte e a repercussão das deliberações em sede de Consultas, que seja anotada a reforma no arquivo das Consultas nºs 442.904 e 108.730-4, disponibilizado no sítio eletrônico do Tribunal.

Adotando tal procedimento, poderemos evitar a ocorrência de interpretações equivocadas de nossa orientação, confe-rindo efetividade ao art. 216 do Regimento Interno.

Em sendo aprovado, encaminhe-se cópia da decisão à Biblio-teca desta Corte, responsável pelo gerenciamento do banco de dados que disponibiliza a pesquisa das Consultas, para que anote a reforma supracitada com a maior brevidade possível.

É o meu parecer, que submeto à consideração dos Srs. Con-selheiros.

Tribunal de Contas, em 28/04/2010.

Conselheiro Antônio Carlos AndradaRelator

5 Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais, edição nº 02 de 2005 – Ano XXIII.

Page 48: Revista Decisum

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PROCESSO: 811939

NATuREZA: CONSuLTA

CONSuLENTE: Helder Freire Cardoso (Diretor

do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de

Pirapora/MG)

PROCEDÊNCIA: Serviço Autônomo de Água e

Esgoto de Pirapora/MG

RELATÓRIO

Cuidam os autos de Consulta encaminhada a este Tribunal de Contas pelo Sr. Helder Freire Cardoso, Diretor do Serviço Autô-nomo de Água e Esgoto de Pirapora/MG, autarquia municipal, cujo questionamento envolve, em última análise, as hipóteses de alteração do contrato administrativo de fornecimento de combustível e os instrumentos para a recomposição da equa-ção econômico-financeira da relação contratual.

É, em síntese, o relatório.

Conselheiro Antônio Carlos AndradaRelator

PRELIMINAR

Verifico, nos termos constantes da petição inicial, que o Con-sulente é parte legítima para formular a presente Consulta e o seu objeto refere-se a matéria de competência desta Corte, sendo certo, ainda, que a indagação por ele formulada comporta pronunciamento em tese, nos termos do parágrafo único do art. 210 do RITCMG - Resolução nº 12/08.

Portanto, conheço desta Consulta.

MÉRITO

A resposta da presente Consulta suscita o estudo de três pontos referentes ao tema da equação econômico-financei-ra do contrato administrativo: conceito, causas de desequi-líbrio e instrumentos de recomposição.

O conceito de equação econômico-financeira pode ser encon-trado na doutrina de Diogenes Gasparini1, que a define como:

a relação de fato, fixada pelas partes na celebração do contrato, entre os encargos do contratado e a re-muneração devida pela Administração Pública, em

razão da execução da obra, prestação do serviço, for-necimento de bens, prestação de serviço público ou qualquer outro que seja seu objeto.

Essa relação entre os encargos do contratado e a remunera-ção devida pela Administração Pública começa a ser proje-tada com a elaboração do instrumento convocatório, em que se estabelece o objeto da licitação, os direitos e obrigações das partes e as condições de execução do contrato.

A concretização da equação econômico-financeira do contra-to administrativo ocorre, no entanto, no momento em que a proposta do licitante é aceita pela Administração contratante, configurando, assim, a mais vantajosa para o Poder Público.

A partir de então, a própria Constituição da República passa a proteger o equilíbrio da relação contratual formalizada, como se verifica na norma contida no inciso XXI do seu ar-tigo 37, in verbis:

Art. 37. .....................................................................................

XXI – ressalvados os casos especificados na legisla-ção, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os con-correntes, com cláusulas que estabeleçam obriga-ções de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente per-mitirá as exigências de qualificação técnica e econô-mica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações; (Grifo nosso.)

A Lei de Licitações, no mesmo sentido, prevê, na alínea “d” do inciso II do seu art. 65, que o contrato administrativo pode ser alterado, mediante acordo, “para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contrata-do e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato”.

Ao se interpretar mencionada regra presente na Lei nº 8.666/93 com base no dispositivo constitucional trans-crito, infere-se que a recomposição do equilíbrio econômi-co-financeiro, eventualmente rompido durante a execução contratual, consiste em obrigação legal relativa à gestão do contrato administrativo, não podendo ser considerada mera faculdade ao dispor dos contratantes.

Por ser pertinente, peço vênia para registrar lição esclarece-dora do jurista Carlos Ari Sundfeld2:

1 GASPARINI, Diogenes. Reajuste, revisão e repactuação. Informativo de Licitações e Contratos - ILC, n.123, p.416-425, maio 2004.

2 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 239.

Page 49: Revista Decisum

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As obrigações de pagamento devem atender às con-dições efetivas da proposta feita pelo particular na licitação (ou fora dela nas hipóteses de inexigibilidade e dispensa). Assim, alterando-se a situação à vista da qual foi formulada, haverá também de alterar-se a remuneração, em igual medida; caso contrário, não estariam atendidas as condições efetivas da proposta.

Feitas essas considerações iniciais acerca do conceito de equação econômico-financeira do contrato administrativo e da proteção que o ordenamento jurídico pátrio lhe confere, passo agora ao estudo das causas que podem desequilibrar a relação estabelecida na formalização da avença.

Com o intuito de facilitar a compreensão da matéria, haja vista a precípua função orientadora exercida por esta Corte de Contas ao apreciar as consultas formuladas pelos juris-dicionados, importante salientar que, neste ponto, optou-se por classificar as referidas causas em três grupos, quais se-jam, álea ordinária, álea administrativa e álea extraordinária3.

A álea ordinária remete a eventos afetos ao comportamento do contratado, pelos quais não responde a Administração Pública. Trata-se do risco do próprio negócio, resultado da oscilação comum do mercado ou da má gestão empresarial do agente privado.

Essas causas, que em geral estão relacionadas à busca do lucro, finalidade inerente à iniciativa privada de mercado, não autorizam a alteração do contrato administrativo, em-bora possam interferir no equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual.

um exemplo de evento que pode ser classificado como álea ordinária é o erro de cálculo do particular ao elaborar sua proposta na licitação. A falha no planejamento e na quan-tificação dos encargos relativos à execução do contrato não pode servir de argumento para se pleitear o aumento da re-muneração devida pela Administração, que, como dito alhu-res, não responde por tal desídia do particular.

A área administrativa, por sua vez, decorre do comporta-mento da Administração Pública e pode ser subdividida em fato da administração e fato do príncipe.

O primeiro consiste em atuação da própria Administração Pública contratante que, de alguma forma, prejudica a exe-cução do pactuado e onera os encargos do contratado. As-sim, incide diretamente sobre o contrato administrativo, o

que pode levar à alteração do instrumento e até mesmo à indenização do particular por eventuais prejuízos sofridos. Como exemplo, pode ser citado um atraso na liberação do terreno em que será realizada a obra licitada.

Já o fato do príncipe constitui medida lícita e regular, pro-veniente de autoridade pública, seja ela a pessoa estatal contratante ou não, que atinge indiretamente o contrato, autorizando a recomposição da equação econômico-finan-ceira. O §5º do artigo 65 da Lei nº 8.666/93 disciplina a mais clássica hipótese de fato do príncipe, que é a elevação da carga tributária.

Não obstante, mister se faz destacar que, conquanto atin-ja apenas de forma reflexa a relação contratual, o fato do príncipe deve estar diretamente relacionado com o aumento ou a diminuição dos encargos do contratado, caso contrário não autoriza a alteração da avença.

Por fim, a álea extraordinária remete às causas estranhas à vontade das partes que alteram a equação econômico-fi-nanceira do contrato administrativo. Com base na literatura sobre o tema, agruparemos esses eventos nos gêneros caso fortuito ou força maior, fatos supervenientes imprevistos e sujeições imprevistas.

O caso fortuito ou força maior pode ser definido como um evento excepcional relacionado a fatos da natureza ou de-corrente de processos sociais em que não seja possível im-putar a conduta a um agente determinado, como ressalta Marçal Justen Filho4. É o caso de chuvas torrenciais não pre-vistas que prejudicam a realização da obra ou a prestação dos serviços.

Os fatos supervenientes imprevistos, também chamados de álea econômica, são alterações mercadológicas imprevisíveis, ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, as quais pre-judicam a execução contratual pelo particular nas condições originalmente avençadas. O exemplo mais comum é a inflação.

As sujeições imprevistas, a seu turno, constituem obstácu-los materiais anteriores à contratação que só se revelam em momento posterior, não sendo possível a sua verificação an-tes da execução contratual. Tal fato impõe a reestruturação da relação entre os encargos do particular e a remuneração devida pela Administração Pública. Exemplo usualmente ci-tado pela doutrina é de um terreno rochoso ou falha geoló-gica verificados somente após o início da execução da obra.

3 Classificação baseada na doutrina de Carlos Ari Sundfeld (1994), Diogenes Gasparini (2004) e Marçal Justen Filho (2008). SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94. São Paulo: Malheiros, 1994. GASPARINI, Diogenes. Reajuste, revisão e repactuação. Informativo de Licitações e Contratos - ILC, n.123, p. 416-425, maio 2004. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentário à lei de licitações e contratos administrativos. 12 ed. São Paulo: Dialética, 2008.

4 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentário à lei de licitações e contratos administrativos. 12 ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 720.

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Em síntese, são essas as causas comumente indicadas pela dou-trina que podem desequilibrar a equação econômico-financeira do contrato administrativo. De acordo com a análise aqui pro-posta, cabe, então, trabalhar os instrumentos aptos a recompor o equilíbrio da relação contratual eventualmente alterado5.

O reajuste ou reajustamento é utilizado para compensar os efeitos da inflação. Adota-se, usualmente, o índice inflacio-nário do setor da economia em que se enquadra o objeto do contrato administrativo. A sua aplicação exige o decurso de um ano contado da data de apresentação da proposta que serviu de base para a contratação ou do anterior reajusta-mento, nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei nº 10.192/2001.

A atualização monetária busca corrigir monetariamente a prestação, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela da obrigação contratual até a do efetivo pagamento, baseando-se em índices gerais de inflação6.

A revisão, recomposição ou realinhamento de preços, em li-nhas gerais, é utilizada em razão de alteração extraordinária nos valores, desvinculada da inflação, que impõe modifica-ção nos encargos do contratado. O instrumento resulta da aplicação da cláusula rebus sic stantibus ou teoria da im-previsão, no sentido de que as obrigações contratuais de-vem ser atendidas à luz das condições vigentes quando de sua constituição (SuNDFELD, 1994, p. 238). Cabe ressaltar que não há exigência de prazo para a aplicação da revisão, visto que ela decorre de evento imprevisível ou, se previsí-vel, de efeitos incalculáveis, buscando recompor a relação contratual na exata medida de sua alteração. um exemplo de causa que justifica a revisão do contrato administrativo, quando relacionada diretamente com o objeto executado, é a alteração da carga tributária.

A repactuação, por fim, assemelha-se ao reajuste no sentido de ser prevista para ocorrer a cada doze meses, mas apro-xima-se da revisão de preços no que toca ao seu conteúdo, visto que se trata de negociação entre as partes sobre as variações efetivamente ocorridas nos encargos do contra-tado. Não se procede à simples e automática aplicação de um indexador de preços, examinando-se a real evolução dos custos do particular. É aplicada aos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma con-tínua, como conservação, limpeza, segurança e transporte.

Com respaldo nessa breve abordagem teórica em torno de aspectos referentes à equação econômico-financeira do

contrato administrativo, volto-me aos termos da indagação do consulente.

Em tese, o contrato administrativo de fornecimento de com-bustíveis pode ser revisto caso se verifique evento relativo à álea administrativa ou extraordinária que desequilibre a relação entre os encargos do contratado e a remuneração devida pela Administração Pública.

O gestor público deve verificar, no entanto, se a causa do pedido de revisão não se refere a eventos relacionados à álea ordinária, pela qual não responde a Administração Pública, como a proposta de preços do fornecedor elaborada, na lici-tação, abaixo dos valores de mercado.

Ressalta-se, ademais, que a alteração contratual deve ser formalizada por meio de termo aditivo devidamente jus-tificado, conforme disposto no caput do artigo 65 da Lei nº 8.666/93, exigindo-se a identificação do fato que funda-menta a revisão do contrato.

Na oportunidade, registra-se que a Agência Nacional do Pe-tróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP disponibiliza, em seu endereço eletrônico7, levantamento de preços e de margens de comercialização de combustíveis em várias re-giões do país.

CONCLuSÃO

Pelas razões elencadas acima, respondo a esta Consulta, em suma, nos seguintes termos:

O contrato administrativo de fornecimento de combus-tíveis pode ser revisto para a recomposição da equação econômico-financeira, caso se verifique a ocorrência de eventos que desequilibrem a relação inicialmente estabe-lecida entre os encargos do contratado e a remuneração devida pela Administração Pública, excetuando-se os fa-tos correspondentes à álea ordinária, pelos quais responde apenas o particular contratante.

É o parecer que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

Tribunal de Contas, em 26/05/2010.

Conselheiro Antônio Carlos AndradaRelator

5 Também com base na doutrina de Carlos Ari Sundfeld (1994), Diogenes Gasparini (2004) e Marçal Justen Filho (2008). SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94. São Paulo: Malheiros, 1994. GASPARINI, Diogenes. Reajuste, revisão e repactuação. Informativo de Licitações e Contratos - ILC, n.123, p. 416-425, maio 2004. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentário à lei de licitações e contratos administrativos. 12 ed. São Paulo: Dialética, 2008.

6 Marçal Justen Filho assevera que “na sistemática original da Lei nº 8.666, atualização monetária e reajuste de preços eram figuras distintas, mas a alteração das condições posteriores tende a eliminar a diferenciação. [...] Em tese, essa distinção permanece existindo. Mas a figura da atualização financeira deixou de ser praticada, passando aludir-se apenas a reajuste de preços” (MARÇAL, 2008, p. 731).

7 <http://www.anp.gov.br>

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PROCESSO: 811980

NATuREZA: CONSuLTA

CONSuLENTE: Fernando Souza Costa

(Prefeito Municipal de Carangola)

PROCEDÊNCIA: Prefeitura Municipal de Carangola

RELATÓRIO

Versam os presentes autos sobre Consulta formulada pelo Sr. Fernando Souza Costa, Prefeito Municipal de Carangola, elaborada nos seguintes termos, conforme documento acos-tado às fls. 01/03:

“1)- Pode o Município realizar Sistema de Cre-denciamento de consultas médicas de dife-rentes especialidades?

2)- Caso positiva a resposta acima, o valor das consultas deverá ser o preço praticado no SUS – Sistema Único de Saúde ou poderá o Municí-pio estipular o valor destas consultas?

3)- No sistema de credenciamento, poderá a consulta ser prestada no próprio consultório médico, após marcação feita pela Secretaria Municipal de Saúde?”

É, em síntese, o relatório.

Conselheiro Antônio Carlos AndradaRelator

PRELIMINAR

Verifico, nos termos constantes da petição inicial de fls. 02 e 05, que o Consulente é parte legítima, de acordo com o art. 210, inc. I do RITCMG e, por se tratar de matéria de compe-tência desta Corte e que tem grande repercussão, conheço da presente Consulta para respondê-la em tese.

MÉRITO

O tema referente à possibilidade de a Administração Pública adotar o instituto jurídico do credenciamento de prestadores de serviço de saúde já foi debatido em diversas oportunida-des por este Tribunal de Contas, havendo uniformidade no entendimento acerca dos principais aspectos relativos a esse instituto.

Cite-se recente julgado da relatoria do Conselheiro Eduardo Carone, no qual se delimita a utilização do instituto do cre-denciamento:

“O instituto do credenciamento visa a contratação de todos aqueles que preencherem os requisitos deter-minados em Edital. Não há que se falar em ordem de preferência sob justificativa alguma. Qualquer em-presa que cumpra com as exigências editalícias e que aceite o valor pré-determinado, deve ser contratada pela Administração. Caso contrário não será própria a utilização do Credenciamento.” (Denúncia: 751.882 -Primeira Câmara – Sessão: 18/09/08)

Dessa forma, pode-se conceituar o instituto do credencia-mento como sendo o procedimento administrativo que visa à contratação de prestadores de serviços através de requi-sitos estabelecidos previamente no edital de convocação, quando determinado serviço público necessita ser prestado por uma pluralidade de contratados simultaneamente.

Nesse mesmo sentido, o professor Luciano Ferraz conceitua o credenciamento como:

“O processo administrativo, pelo qual a Administração convoca interessados para, segundo condições previa-mente definidas e divulgadas, credenciarem-se como prestadores de serviços ou beneficiários de um negócio futuro a ser ofertado, quando a pluralidade de serviços prestados for indispensável à adequada satisfação do interesse coletivo ou, ainda, quando a quantidade de potenciais interessados for superior à do objeto a ser ofertado e por razões de interesse público a licitação não for recomendada. ( Licitações, estudos e práticas. 2ª edição. Rio de Janeiro:Esplanada. 2002. p. 118)”

Após tecidas as considerações iniciais sobre a definição do instituto do credenciamento, passe-se à exposição sobre qual o procedimento a ser utilizado para a sua implemen-tação.

Sobre a questão, o Tribunal de Contas da união e este Tribu-nal de Contas já se manifestaram, respectivamente, no sen-tido de que o credenciamento é uma hipótese de inexigibi-lidade, tendo em vista a inviabilidade de competição, verbis:

“Ante o previsto no caput do art. 25, da Lei nº 8.666/93, de 21.06.93, e por exigir um grau de subjetividade bastante razoável, com referência à fixação dos cri-térios para julgamento da licitação, caso viesse a ser implementada pelos motivos aventados, propomos, por tudo isso, o credenciamento, com inexigibilidade de processo licitatório, uma vez que a norma legal dá

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ensejo ao abrigo de tal propositura, dada a impossi-bilidade prática de estabelecer-se o confronto entre licitantes, no mesmo nível de igualdade.” (Processo n.° TC – 008.797/93-5 - Sessão: 09/12/2003 – Tribunal de Contas da União).

“Com efeito, o fundamento legal para o credencia-mento é a inexigibilidade de licitação, com fulcro no artigo 25, caput, da Lei n.° 8.666/93, onde caberá à Administração justificar a inviabilidade de competi-ção, nos termos do art. 26, parágrafo único, da citada Lei de Licitações, devendo, ainda, observar os aspectos necessários e pertinentes para a implantação deste sistema, de modo a preservar a lisura e transparência do procedimento.”(Excerto do voto aprovado proferido pelo Revisor Conselheiro Simão Pedro no Recurso de Revisão 687621, Relator Conselheiro Substituto Gil-berto Diniz. Sessão Pleno: 06/06/2007 - TCEMG. )

Tem-se, portanto, que o credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade, em que a inviabilidade de competição se ca-racteriza pela possibilidade de competição de todos.

Insta salientar, ainda, que, após realizado o procedimento de inexigibilidade, mediante um edital de credenciamento, o usuário deverá ter liberdade de escolher o profissional a que deseja recorrer, dentre aqueles selecionados, sendo inadmissível que a escolha fique a cargo da Administração.

Diante do exposto, quanto à primeira pergunta formulada pelo consulente, tem-se que o Município pode realizar sis-tema de credenciamento de consultas médicas, desde que precedido de procedimento formal de inexigibilidade de lici-tação, nos termos do art. 5º, caput, c/c o parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/93.

Passo à análise da segunda questão, que diz respeito aos valores a serem fixados pelas consultas médicas.

A propósito, reporto-me ao texto constitucional, que dispõe sobre os meios de prestação de serviços de saúde, verbis:

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa pri-vada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, se-gundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.”

A seu turno, a Lei Federal n. 8.080/90, que dispõe sobre o sistema de saúde, estabelece:

“Art. 24 - Quando as suas disponibilidades forem in-suficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Art. 25 - Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferên-cia para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).

Art. 26 - Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacio-nal de Saúde.

§ 1º - Na fixação dos critérios, valores, formas de rea-juste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualida-de de execução dos serviços contratados.

§ 2º - Os serviços contratados submeter-se-ão às nor-mas técnicas e administrativas e aos princípios e di-retrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.”

Dessa forma, em princípio, a remuneração dos serviços pres-tados por particulares, visando à complementação dos servi-ços prestados pelo Estado, deverão atender aos parâmetros fixados pelo SuS.

Entretanto, não se vislumbra qualquer óbice para que o Mu-nicípio estabeleça preços acima dos mínimos, em razão de características locais e visando atrair um número maior de profissionais.

Nesse sentido, a Portaria nº 1.286/93 do Ministério da Saú-de, expõe:

“Art. 4º. (...)

Parágrafo único. No tocante aos critérios e valores para a remuneração dos serviços privados, o órgão competente da direção nacional do Sistema Único de Saúde elaborará tabela de preços mínimos dos procedimentos médicos e hospitalares, podendo, en-tretanto, o Município ou o Estado, no contrato ce-lebrado com o setor privado de fins lucrativos, não lucrativos ou filantrópicos, estabelecer preços acima dos mínimos, em razão das necessidades e disponibi-

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lidades materiais e financeiras da respectiva esfera de governo.”(grifos nossos)

A propósito, esclareça que os Municípios, aos adotarem va-lores diferentes dos mínimos estabelecidos pelo SuS, deve-rão empregar recursos próprios e verificar os limites de des-pesas estabelecidos nas leis orçamentárias locais.

É o que estabelece a Portaria nº 1.606/2001, também do Mi-nistério da Saúde:

“Art. 1º Definir que os estados, Distrito Federal e muni-cípios que adotarem tabela diferenciada pra remune-ração de serviços assistenciais de saúde deverão, para efeito de complementação financeira, empregar recur-sos próprios estaduais e/ou municipais, sendo vedada a utilização de recursos federais para esta finalidade.”

Destarte, o Município poderá fixar valores acima do mínino fixado pelo Sistema Único de Saúde para os serviços de saú-de. Entretanto, a fixação da remuneração deverá observar os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta as circunstâncias locais e as disponibilidades fi-nanceiras, sob pena de ver-se frustrado o modelo adotado pelo Município para a prestação de serviços de saúde.

Diante do exposto, em resposta à segunda questão, afirma-se que o valor das consultas poderá ser fixado acima dos valores mínimos estabelecidos pela direção nacional do SuS, cuja complementação deverá ser efetuada com recursos do próprio Município.

Finalmente, quanto à terceira questão, ou seja, se a con-sulta poderá ser prestada no próprio consultório médico, após marcação feita pela Secretaria Municipal de Saúde, a resposta é afirmativa, haja vista que o profissional creden-ciado não possui vínculo profissional com o ente federativo, não havendo necessidade de prestar o atendimento em lo-cal específico do contratante, ressaltando que a escolha do profissional deverá ficar a cargo do usuário e não da Admi-nistração.

CONCLuSÃO

Diante das razões expostas acima, respondo aos questiona-mentos elaborados nesta Consulta, em suma, nos seguintes termos:

1) O Município pode realizar sistema de credenciamento de consultas médicas, desde que precedido de procedi-mento formal de inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 5º, caput, c/c o parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/93.

2) A remuneração dos serviços prestados por particulares poderá ser fixada acima dos valores mínimos estabeleci-dos pela direção nacional do SuS, cuja complementação deverá ser efetuada com recursos do próprio Município e levando-se em conta as circunstâncias locais e as dis-ponibilidades financeiras, sob pena de ver-se frustrado o modelo adotado pelo Município para a prestação de ser-viços de saúde.

3) A consulta poderá ser prestada no próprio consultó-rio médico, após marcação feita pela Secretaria Municipal de Saúde, haja vista que o profissional credenciado não possui vínculo profissional com o ente federativo, não havendo necessidade de prestar o atendimento em local especificado pelo contratante, desde que a escolha do profissional fique a cargo do usuário.

De acordo com o art. 216 do RITCMG - Resolução nº 12/2008, este entendimento implica a reforma das teses que dispu-nham sobre a matéria em outro sentido.

É o parecer que submeto à consideração dos Srs. Conselhei-ros.

Tribunal de Contas, em 28/04/2010.

Conselheiro Antônio Carlos AndradaRelator

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MIN

EIRAN

ÇAS

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CAMINHO DAS PEDRAS do patrimônio cultural de Minas

A rede de núcleos da Estrada Real e sua aptidão para o turismo: uM LEGADO A SER DESVENDADO

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CAMINHO DAS PEDRASdo patrimônio cultural de Minas

Por Antônio Gilberto Costa (*)

Apesar das freqüentes abordagens e do volumoso re-gistro iconográfico envolvendo bens que integram o patrimônio cultural do Brasil, e em especial de Minas gerais, sejam eles móveis ou imóveis, são raras aquelas que se tratam das rochas ou das “pedras”, com as quais parte desses bens foi produzida. Mas, se essas abor-dagens são raras, mais raras ainda são as que trazem informações sobre os locais de onde essas “pedras” foram extraídas. Assim, com freqüência permanecem sem respostas questões tais como: Que “pedras” são essas? De onde vieram? Que características têm?

Remonta a 1587 aquela que pode ser considerada uma das primeiras descrições e, dentre as existentes, das únicas que fazem referência aos materiais emprega-dos nas primeiras construções do então território da América portuguesa, bem como às suas respectivas

¹ Soares, Gabriel. Tratado descrito do Brasil em 1587. Belo Horizonte. Editora Itatiaia, 2001.p.342-344.

Fonte: Revista do CECO/Casa dos Contos, Dezembro de 2010, número 9, páginas 35 a 39.

áreas de extração e às técnicas construtivas e de be-neficiamento aplicadas. Trata-se de uma descrição de Gabriel Soares e que faz parte do Tratado Descritivo do Brasil, daquele ano. Na segunda parte do tratado, denominada “Memorial e Declaração das Grandezas da Bahia”, o autor demonstra a preocupação que se tinha com relação à construção de fortificações capazes de resistir aos ataques inimigos, como bem convinha “ao serviço de El-rei Nosso Senhor e ao bem da terra1”. No capítulo CLXXXVII, Soares comenta que há na Bahia pedra de alvenaria e cantaria em quantidade para se poder fazer “grandes muros, fortaleza e outros edifí-cios”. Ele descreve a ocorrência de uma “pedra preta” nos arredores da Cidade da Bahia ou do Salvador, bem como “pedreiras boas de quebrar, com a qual se fazem paredes mui bem liadas, localizadas tanto ao longo do mar como pela terra”.

Pedreira das Lajes na Planta da Cidade de Ouro Preto organizada por ordem do Exmo. Sr. Dr. Luiz Eugenio Horta Barbosa. Presidente da Província. Ouro Preto 7.2.88 (Reprodução a partir de uma gravura de Giesecke & Devrient, impressa em Leipzig; 60,0 x 91,0 cm; Col. Part. Dimas Guedes)

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Registros e descrições das rochas que fazem parte do patrimônio cultural do Brasil e de suas res-pectivas áreas de extração encon-tram-se nos códices que contêm as decisões dos senados das anti-gas Casas de Câmaras das Comar-cas de Minas e que fazem parte dos arquivos de instituições como o Arquivo Público Mineiro, assim como nos livros de tombo, das des-pesas e dos recibos e de escritura e aforamentos. Estes últimos fazem parte dos arquivos dos conventos, das igrejas e das capelas das or-dens terceiras, como a do Carmo de Sabará, onde estão registra-das as informações a respeito da utilização das rochas em diversas edificações, cujos riscos e constru-ções estiveram sob sua responsa-bilidade. Existem outros documen-tos que tratam especificamente da construção de determinados mo-numentos, como aqueles que se encontram publicados em alguns dos números da Revista do Servi-ço do Patrimônio Histórico e Ar-tístico Nacional, o antigo Sphan.

Os documentos cartográficos embora nesse caso não sejam muitos, constituem outras formas de registro principalmente para a localização das antigas pedrei-ras. Aqui pode ser citada a Planta da Cidade de Ouro Preto, que traz as seguintes informações: organizada por ordem do Exmo Sr. Dr. Luiz Eugenio Horta Barbo-sa. Presidente da Província. Wilh. Brosenius desenhou. Ouro – Preto. 7.2.88. O documento traz também a lo-calização de antigas caixas de mineração, denomina-das “mudeis²“, assim como de pedreiras nas lajes e no sopé do Morro de São Sebastião, em Ouro Preto.

Descrições mais recentes como as de German Bazin3, também com ênfase nas edificações voltadas ao culto religioso, dão conta de que as primeiras foram construídas com material provisório e seria possível apenas imaginá-las, tendo por base outras construções de pau-a-pique ainda existentes. Ainda segundo o autor, os jesuítas foram os primeiros a construírem seus templos e outras instalações utilizando materiais mais resistentes, a partir de fins do século XVI. Nesses casos, são apresentadas como exemplo as edificações de con-ventos e de colégios construídos em pedra e cal, em São Vicente, no Rio de Janeiro ou em Salvador.

Embora essas construções conven-tuais e dos antigos colégios e igre-jas dos jesuítas e de outras ordens não façam parte do conjunto de bens imóveis de Minas Gerais, seja porque os desertões de Minas só fo-ram alcançados em fins do XVII, seja por conta de ordens oficiais. Tal é o caso da Carta Régia de 9 de junho de 1711, que determinava: “se não consinta que nas minas assista frau-

de algum antes os lance fora a todos e com violência, se por outro modo não quizerem sair. E que o mesmo execute com aquêles cléricos que não tiverem minis-tério de Parochias”4; ou ainda por outras mais severas que determinavam que todos os religiosos, quaisquer que fossem as suas ordens, deveriam sair de Minas, ain-da assim, as construções monumentais mineiras mais significativas e que resistiram ao tempo e às inúmeras intervenções, têm cunho religioso. São construções se-culares, representadas pelas paróquias e capelas, essas últimas sob a responsabilidade das confrarias.

Em alguns casos

foram empregados

grandes blocos

de pedra, mais

ou menos do

mesmo tamanho

e com faces

trabalhadas[...]

técnicas de

alvenaria

denominadas de

modo geral como

“pedra seca”, mas

também conhecida

como “cangicado”.

2 Mundeo: estrutura construída nas encostas de morros, como nos da Serra de Ouro Preto, com a função de recolher a lama de onde era posteriormente sepa-rada do ouro. Nos morros de Vila Rica foram construídos com blocos de quartzito e de canga.

3 BAZIN. Germain. Os monumentos mais antigos. In: BAZIN. Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil ( 1956). Tradução: Glória Lúcia Nunes. Rio de Janeiro: Editora Record, 1981. v. I, Livro II, cap. I, p. 67.

4 BAZIN.Germain. O surto arquitetônico de Minas Gerais. In: BAZIN. Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil (1956)> Tradução: Glória Lúcia Nunes. Rio de Janeiro: Editora Record, 1981. V. I, Livro III, cap. III, p. 195.

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Na capitania de Minas, as construções edificadas in-teiramente em pedra muito raras. Normalmente, essas construções dispensavam o uso de argamassas, ocor-rendo uma justaposição de pedras maiores e menores. Em alguns casos foram empregados grandes blocos de pedra, mais ou menos do mesmo tamanho e com faces trabalhadas, como no caso da base da antiga Câmara e Cadeia de Vila Rica. Em Minas Gerais, essa técnica de alvenaria denominada de modo geral como “pedra seca” – mas também conhecida como ”cangicado5”, quando ocorre a intercalação de pedras de tamanhos maiores e menores – foi empregada para a construção de habitações, muros e de instalações de defesa e de observação.

Ainda hoje, existem registros dessas construções de pedra, como as da região de São José do Rio das Mor-tes (Tiradentes) e dos antigos arraiais da região de Vila Rica, edificadas nos primeiros anos dos Setecentos. Nesses arraiais podem ser mencionadas as constru-ções, ou o que restou delas, edificadas com o uso de “minérios de ferro em pedaços soltos”, ou canga, no antigo arraial de Pascoal da Silva Guimarães, ou Arraial do Ouro Podre, na região atualmente conhecida como Morro da Piedade, ou na do Taquaral, ambas locali-zadas na cidade de Ouro Preto. Em 1940, Lima Júnior descreveu a presença de obras de pedras lavradas em construções do antigo Arraial do Pascoal, denominadas ”minhota”, ou feitas à moda do Minho, e que atual-mente não mais existem6.

A partir de 17357, o uso da pedra, acompanhando o adobe ou as taipas de sebe e pilão, tornou-se mais freqüente e inúmeras construções em taipa ou adobe foram em parte ou totalmente reconstruídas em pedra e cal. Destacam-se a Sé de Mariana, refeita a partir de 1798, a matriz do Pilar de Ouro Preto, ao final do pri-meiro quartel do século XIX, e a igreja matriz de Catas Altas, na segunda metade do XIX8. Para as construções mineiras do século XVIII são também descritas mistu-

ras ou argamassas de barro ou argamassas de cal e areia, envolvendo a utilização desde a areia fina até a grossa, ou mesmo um cascalho grosso e argila crua, esta última utilizada como material aglutinante.

Em algumas construções, o cascalho foi substituído por peças de canga ou pedaços de tijolos. Esse tipo de alvenaria à base de cascalho grosso ou a argamassa de cal e areia pode ser observado tanto na construção quanto no acabamento de alguns detalhes em monu-mentos mineiros, como nas falsas cimalhas e colunas, ou ainda em alguns adornos. Em Ouro Preto, podem ser observadas as suas presenças nas falsas colunas e cimalhas da Capela do Carmo, em detalhes do meda-lhão da Capela da Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência e nos acabamentos do chafariz do Alto da Cruz. Em Tiradentes, a argamassa com areia grossa foi empregada na construção de detalhes late-rais superiores da portada da Igreja de Santo Antônio (sobreporta) e nos balaústres de suas janelas frontais.

Nesse período, para a fixação e junção das placas ou blocos de material pétreo, em vez de argamassas fo-ram utilizados as chamadas “gatos” de ferro ou de bronze, ainda conhecidas como “grampos” ou “taru-

ALVENARIA DE PEDRA, ARGAMASSAS E CANTARIA

5 VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas contrutivos. Belo Horizonte: uFMG, 1979. p. 27-29

6 LIMA JÚNIOR, Augusto de. A Capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1978. p. 113.

7 LIMA JÚNIOR, Augusto de. A Capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1978. p. 113.

8 BAZIN. Germain. O surto arquitetônico de Minas Gerais. In: BAZIN. Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil (1956). Tradução: Glória Lúcia Nunes. Rio de Janeiro: Editora Record, 1981. V. I, Livro I, Cap. V, p. 54.

Nos sítios históricos de Minas,

cujas construções foram edificadas

principalmente ao longo do século

XViii, constata-se que a cantaria não

foi amplamente utilizada, seja pela

falta de material adequado, seja pela

inexistência de mestres de cantaria,

ou de recursos financeiros suficientes

para a contratação desses.

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gos”, sempre bem chumbados: “[...] os gatos de ferro seriam mettidos dous dedos de fundo na pedra, para que negros não amarrassem cavallos nelles9”. Outras descrições dão conta de que os gatos de ferro eram embebidos em chumbo e então fixados na pedra. Nas obras construídas em pedra, cal e argamassa, tal como nos tanques e chafarizes, o betume para a ve-dação era feita de cal, azeite e pó de seixo. O azei-te, no caso, era com frequência produzido a partir da mamona, mas existem citações sobre a utilização de “azeite do reino”, ou oliva.

Passado o século XVIII, os procedimentos e as técnicas mantiveram-se sem grandes modificações ao longo do XIX, mas entre fins deste e o final do primeiro quar-tel do século XX ocorreu uma grande empreitada em Minas, que foi a construção da sua nova capital. Em substituição ao antigo Curral d’EL Rey, foi erigido um

conjunto de prédios públicos e outras edificações civis com a utilização de volumes de rocha até então inima-gináveis, desde ao alicerces, passando pelas alvenarias, até as obras de cantaria.

Assim, considerando-se os sítios históricos de Minas, cujas construções foram edificadas principalmente ao longo do século XVIII, constata-se que a cantaria não foi amplamente utilizada, seja pela falta de material adequado, seja pela inexistência de mestres de cantaria, ou de recursos financeiros suficientes para a contrata-ção desses. De modo geral, essa cantaria limitou-se ao embelezamento de frontispícios e fachadas, por meio da construção de belos medalhões e às vezes complexas portadas. Outros belos exemplos envolvendo trabalhos de cantaria podem ser observadas nas construções de cornijas, pilastras, soleiras, peitoris, umbrais e cunhais tanto em edificações civis quanto religiosas.

9 CARVALHO, Feu de. Pontes e Chafarizes de Villa Rica de Ouro Preto. Edições Históricas Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 19–. p. 121 e 134.

10 COSTA, Antônio Gilberto. Dos Roteiros de todos os sinais da costa até a Carta Geral: um projeto de Cartografia da América portuguesa e do Brasil Império. In: COSTA, Antônio Gilberto (Org.). Roteiro Prático de Cartografia: da América portuguesa e do Brasil Império. Belo Horizonte: Editora uFMG, 2007. p. 118.

A Capela de Nossa Senhora da Conceição, na Vª. D. N. S. D. M.te DO Carmo [Mariana] e outras antigas edificações. Registro de edificações do início da ocupação do território mineiro, que consta do Mapa das Minas do Ouro e S.Paulo e Costa do Mar que lhe pertence. c. 1714 [BN-Rio de Janeiro].

Das edificações que constituíam os núcleos dos arraias do início da ocupação do território das minas, pratica-mente tudo se perdeu. Na região das catas do Ribeirão do Carmo, batizada em 8 de abril de 1711 com o nome de Vila Nossa Senhora do Carmo de Albuquerque, atu-almente Mariana, ficou apenas o risco da antiga capela

de Nossa Senhora da Conceição, registrada no Mapa das Minas do Ouro e S. Paulo e Costa do Mar que lhe Pretence, 171410.

Elaborado pelo engenheiro da capitania Pedro Gomes Chaves, a mando do governador d. Brás de Baltazar da

AS PRIMEIRAS EDIFICAÇÕES EM MINAS

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58

11 MATTOS, Aníbal. As artes nas Egrejas de Minas Geraes. Biblioteca Mineira de Cultura. Belo Horizonte: Edições Apollo, 1936. p.3.

12 CARRAZZONI, Maria Elisa. Guia dos Bens Tombados Brasil. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1987. p. 228.

13 Criada pelo governador Albuquerque em 8 de julho de 1711. In: LIMA JÚNIOR, Augusto de. Cláudio Manoel da Costa e seu Poema Vila Rica. Belo Hori-zonte: Nova Edição, 1969. p. 123.

Silveira, o documento traz a dita capela representada em desenho que contem a representação da vila acom-panhada da inscrição: Va. D. N. S. D. M.te DO Carmo. Segundo Diogo de Vasconcellos11, no local da antiga capela da Conceição, construída por Antonio Pereira Machado, seu primeiro povoado, foi erigida, a partir de 1709, a atual Sé de Mariana.

Nos sítios históricos de Minas, cujas construções fo-ram edificadas principalmente ao longo do século XVII, constata-se que a cantaria não foi amplamente utili-zada, seja pela falta de material adequado, seja pela inexistência de mestres de cantaria, ou de recursos fi-nanceiros suficientes para a contratação desses.

De concreto, o pouco que restou pode ser observado em alguns dos sítios históricos mineiros, com maior presença dos morros da serra da cidade de Ouro Pre-to, antiga Vila Rica e depois Imperial Cidade de Ouro Preto.

Em fins do século XVII, a estrutura urbana dessa região central das minas era constituída por vários povoados, em número de oito, que foram sendo formados por modestas habitações de taipa ou de canga, construídas ao redor de suas respectivas capelas. Desse conjunto inicial de capelas, algumas permanecem intactas, en-quanto outras passaram por modificações, principal-mente na metade do século XVII.

A capela de São João Batista de Ouro Fino, construída de alvenaria seca de canga na freguesia de Antônio Dias, no alto do Morro Fino, também conhecido como Morro São João, no antigo Arraial do Ouro Fino, é tida como a mais antiga. Teria sido construída por volta de 1698 pelos participantes das bandeiras Antônio Dias e Padre Faria. A atual edificação resulta de uma recons-trução ocorrida por volta de 1743. Mostra o corpo da igreja distinto da capela-mor, sendo que na junção as paredes se curvam. Tem cimalha de cantaria e cunhais de alvenaria de pedra argamassada. No seu entorno apresenta típico mata-burros construído em pedra quartzítica.

A capela Nossa Senhora da Piedade, construída no an-tigo Arraial do Ouro Podre, ou Arraial de Pascoal da Silva, incendiado em 1720 com a revolta de Felipe dos Santos12, é das mais novas e traz a data de 1720 inscri-ta em sua cruz. A denominação de Ouro Podre foi dada ao local trabalhado pelo mascote Pascoal da Silva Gui-marães, como consequência da facilidade com o que o ouro se desprendia da rocha. Ainda hoje o morro é também conhecido como o Morro do Pascoal. Esse cen-tro de mineração foi o escolhido pela administração da metrópole para ser a sede da vila que recebeu o nome de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Albuquer-que, em 11 de julho de 171113 e cujo termo abrangia os arraiais de Padre Faria, Antônio Dias, Paulistas, Bom Sucesso, São João, Ouro Podre, Taquaral, Sant’Anna, Piedade, Ouro Preto e Caquende. Na capela destacam-se os dois campanários construídos em quartzito Ita-colomy. À sua esquerda encontra-se o que sobrou de um dos inúmeros mundéus construídos na encosta da Serra de Ouro Preto. Tanto o mundéu quanto a capela foram construídos com a utilização de um tipo de ro-cha muito encontrada naquela Região, que é a canga.

A capela de Bom Jesus das Flores foi construída nos ar-redores de Vila Rica, em local conhecido como Taqua-ral, situado no caminho para Mariana. Datada de 1748, foi reedificada em pedra e apresenta belas pinturas no forro da sua nave, o que a diferencia das demais. Apesar disso, mantém externamente o mesmo estilo das demais capelas, incluindo seus dois campanários arqueados e construídos em quartzito Itacolomy. Em seu interior, encontra-se um arco-cruzeiro igualmente construído no mesmo quartzito, mas de coloração es-branquiçada e que mostra em sua base bandamento de coloração cinza. Destaca-se nessa capela o púlpito de madeira, que apresenta uma bela base em cantaria de quartzito Itacolomy trabalhado.

Completando o conjunto de capelas da primeira meta-de do século XVII, a capela de Nossa Senhora do Rosá-rio de Antônio Dias, ou do Padre Faria, cuja construção é anterior a 1740, foi edificada em pedra seca e canga. Tem em seu adro uma cruz pontificada em quartzito

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14 Sylvio Vasconcellos contesta a existência desta frondosa floresta, que, no entanto, é defendida por Augusto de Lima Júnior. Antônio Pires da Silva Pontes Leme, nas Memórias sôbre a utilidade pública, descreve a região entre Vila Rica e o Serro como constituída por vales cobertos por florestas. In: Revista do Arquivo Público Mineiro, Anno I. Memória sobre a utilidade (...). Ouro Preto: Imprensa Official de Minas Geraes, Anno I, F.3º. Julho a Setembro de 1896. p. 420.

15 Gomes Freire assumiu o governo da Capitania de Minas em 1835.

Itacolomy e em seu interior um lavatório igualmente lavrado nesse quartzito.

Outras construções desse período, edificadas com fins residenciais ou de demarcação e com o uso da pedra, principalmente a canga, apesar de arruinadas, resis-tem. Seus vestígios podem ainda ser observadas em pontos do Morro da Queimada, denominação dada à região destruída pelo incêndio ordenado de conde de Assumar, assim como no alto do Morro de São João.

Em outro morro de Vila Rica, o de Santa Quitéria, atual Praça Tiradentes de Ouro Preto, foi a esse tempo edificado um pos-to de controle militar, por determinação do con-de de Assumar, o último governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. O ponto era consi-derado estratégico, pois o morro, até então revesti-do de “frondoso arvore-do”,14 separava o arraial de Antônio Dias do Pilar do de Ouro Preto. Dessa construção não sobraram registros, pois em 1741, por ordem do governador Gomes Freire de Andrade,15 o Conde de Bobadela, a mesma foi transformada no que passou a ser chamado de Palácio dos Governadores, que até então residiam na vizinha Vila do Carmo, em casas cedidas ou ainda no antigo Palácio de Campo de Cachoeira do Campo. Essa nova edificação, construída a partir de risco do sargento-mor José Fernandes Pin-tos de Alpoim, é considerada uma das primeiras edifi-cações em alvenaria na região de minas, consolidando a utilização do quartzito das Lages e do Itacolomy e da pedra-sabão, principalmente daquela proveniente da região de Santa Rita.

As pedras de Minas Gerais, utilizadas em inúmeras outras edificações e em obras públicas localizadas em seus inúmeros sítios históricos, bem como na produ-ção de inúmeros bens imóveis, dão sustentação a um importante patrimônio material, legado por nossos an-tepassados, que constitui um marco da nossa identida-de. Conhecê-las, e às suas histórias, não só é conhecer parte do nosso passado, mas condição necessária para a preservação desse patrimônio, garantindo-o às gera-ções futuras. Pode-se afirmar que muitos são aqueles bens culturais que, mesmo construídos em pedra, não

resistiram à ação do tem-po, à falta de cuidados e a tratamentos inadequa-dos. Mas também exis-tiram aqueles que foram sendo retirados das nos-sas praças, transformadas por conta da implantação de novos projetos arqui-tetônicos em nada com-prometidos com a memó-ria e com a cultura locais. No entanto, ainda que tarde, cresce entre nós a consciência da preser-vação, a necessidade do conhecimento e a certeza de que todos os esforços serão sempre necessários

para a perpetuação desses símbolos de nossa identi-dade.

As pedras de Minas Gerais, utilizadas em inúmeras outras edificações e em obras públicas localizadas em seus inúmeros sítios históricos, bem como na produção de inúmeros bens móveis, dão sustentação a um im-portante patrimônio material, legado por nossos ante-passados, que constitui um marco da nossa identidade.

(*) Antônio Gilberto Costa é coordenador do Centro de

Referência de Cartografia Histórica da UFMG.

As pedras de Minas Gerais, utilizadas

em inúmeras outras edificações e

em obras públicas localizadas em

seus inúmeros sítios históricos, bem

como na produção de inúmeros

bens móveis, dão sustentação a um

importante patrimônio material,

legado por nossos antepassados,

que constitui um marco da mossa

identidade.

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A rede de núcleos da Estrada Real e sua aptidão para o turismo: uM LEGADO A SER DESVENDADO

Por Éder Romagna Rodrigues e

Alexandre Magno Alves Diniz (*)

Há cerca de 300 anos a descoberta de metais nas Mi-nas Gerais atraiu fluxos de migrantes que passaram a povoar núcleos próximos às áreas de lavras e trans-formar o inóspito interior da colônia em um dos mais dinâmicos eixos urbanos do continente Americano.

A migração e concentração de pessoas em aglomera-dos populacionais, associados à afluência de riquezas propiciada pela exploração das minas, foram determi-nantes para a ativação de um sistema urbano de vilas e arraias comerciais (GEIGER, 1963).

Dissertação de mestrado da PuC Minas organiza ranking dos municípios integrantes do circuito Estrada Real, de acordo com a disponibilidade de infraestrutura turística.

A circulação de riquezas, pessoas e mercadorias con-centrava-se em alguns pontos da Estrada Real, cujas localizações favoreciam os intercâmbios de quaisquer naturezas (GEIGER, 1963). As áreas que favoreciam os intercâmbios comerciais, como os cruzamentos de vias de circulação, passaram a testemunhar o surgimento de núcleos urbanos especializados na comercialização de bens e serviços (FuRTADO, 2006).

O desenvolvimento econômico e o cimento populacio-nal obrigaram a Coroa a estabelecer algumas medi-das de controle sobre o território. A Coroa Portugue-sa procurou definir, então, um conjunto de caminhos terrestres como vias oficiais de circulação de riquezas, pessoas e mercadorias. À rota que ligaria o litoral da colônia às vilas das Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX foi atribuído o nome de “Estrada Real” (SANTOS, 2006).

Fonte: Revista do CECO/Casa dos Contos, Maio de 2009, número 7, páginas 35 a 40.

São Lourenço, no sul de Minas, é a décima cidade com melhor infraestrutura para o turismo

Eugênio Ferraz

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A Estrada Real representava o principal canal de co-municação entre as embrionárias cidades mineiras do Brasil Colônia, constituindo-se em um importante in-dutor de desenvolvimento. Com a exaustão das minas de ouro e diamantes, essas estradas foram paulatina-mente abandonadas. Os mecanismos de fiscalização oficial, a rede de núcleos urbanos, bem como as cons-truções civis do período deixaram de ter significado e utilidade para o contexto sócio-econômico da minera-ção, mas podem assumir na atualidade a condição de patrimônios históricos a serem potencializados como recursos turísticos, como, aliás, vem sendo posto em prática pelo Instituto Estrada Real.

Para que os potenciais inerentes aos atrativos sejam efetivamente aproveitados, ativando a circulação de fluxos de viajantes nos domínios da Estrada Real, é imperativo que os atrativos sejam estruturados para a atividade. O conjunto dos equipamentos, bens e ser-viços imprescindíveis ao desenvolvimento do turismo forma, junto com os atrativos, a oferta turística desti-nada ao usufruto do viajante. É ela que reúne todos os elementos necessários ao desfrute da experiência do turismo e o suporte às ações de deslocamento, aloja-mento, lazer e alimentação dos viajantes.

CAMINHO INDuTOR

Dissertação de Mestrado

da PUC Minas organiza

ranking dos municípios

integrantes do circuito

Estrada Real, de acordo

com a disponibilidade de

infraestrutura turística.

São João del-Rei aparece em sétimo lugar entre as cidades com melhor infraestrutura

Eugênio Ferraz

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Apesar de os elementos estruturais do turismo serem essenciais à atividade turística, eles são somente en-contrados em pequenas quantidades em superfície. A maior parte dos atrativos concentra-se em aglome-rações urbanas da antiga rede de núcleos coloniais, pois foi edificada no passado para atender diversas finalidades econômicas e as populações mineradoras.

Não existem levantamentos sobre como as estruturas e os equipamentos que poderiam servir ao turismo estariam distribuídos ao longo da rede de núcleos ur-banos da Estrada Real. É provável que boa parte da estrutura urbana encontrada na contemporaneidade guarde relações com a gênese dos equipamentos ur-banos implementados pela sociedade mineradora no período colonial.

Para que a Estrada Real seja efetivamente transfor-mada em um produto turístico, a sua turistificação demandará a integração de suas infraestruturas aos atrativos turísticos existentes.

O objetivo do nosso trabalho foi o de desvendar de que forma a antiga rede de núcleos coloniais da Es-

PADRÕES IDENTIFICADOS

trada Real, abrangedora de 176 municípios de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, encontra-se es-truturada para desempenhar funções de prestação de serviços turísticos com base em informações re-ferentes aos anos de 2000, 2003 e 2006. O intuito dessa proposta foi de identificar os padrões de dis-tribuição espacial da rede de núcleos que compõem a Estrada Real, tendo por base as estruturas urbanas específicas que participam da cadeia de relações do turismo.

A identificação de como o sistema urbano da Es-trada Real se estrutura para as atividades turísticas criará condições para se compreender melhor o fun-cionamento da estrutura urbana e de que maneira ela herdou características da rede urbana da Estrada Real tanto no presente quanto no passado consti-tuem valiosas informações que poderão ser agrega-das ao produto turístico Estrada Real. O modo em que os núcleos urbanos se relacionavam no passa-do constitui na atualidade um patrimônio material e imaterial carregado de significados que pode ser utilizado como referência para se valorizar a atrati-vo turístico Estrada Real.

Embora não seja uma cidade eminentemente

turística, Juiz de Fora tem excelente

infraestrutura receptiva

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O estudo envolveu uma série de procedimentos e ações metodológicos. Em um primeiro momento houve a pre-ocupação em obter dados dos atrativos e infraestru-tura turísticos com os órgãos competentes. Foram le-vados dados que contemplassem diversos aspectos da oferta de serviços turísticos sendo então classificados em grupos temáticos de Comunicações, Infraestrutura Básica e Turística, Transporte, Saúde, Hospedagem e Alimentação.

Para alcançar os objetivos, empregamos uma equação para se estabelecer um índice de estruturação turística

para 29 variáveis relacionadas à prestação de serviços turísticos nos 176 núcleos urbanos do Circuito Turísti-co Estrada Real.

Os resultados apontam que as cidades da Estrada Real formam uma rede de centros com diversos níveis de desenvolvimento estruturais para o turismo. Entre os 20 municípios mais estruturados figuram cidades com amplo valor histórico e cultural (veja tabela).

INFRAESTRuTuRA MEDIDA E AVALIADA

OS 20 MELHORES

Tabela 1 índices por Grupos Temáticos de Variáveis e índice Global *

Colocação Município ComunicaçãoÍndice de

HospedagemÍndice de

AlimentaçãoÍndice de Serviços

Índice TurísticaÍndice de Infra- estrutura Global

Índice

1º Juiz de Fora 0,780000 0,383929 0,270346 0,785714 0,633929 0,570784

2º Barbacena 0,522423 0,060606 0,263853 0,443907 0,4375 0,345658

3º Conselheiro Lafaiete 0,284862 0,227273 0,332900 0,468990 0,357143 0,334234

4º Diamantina 0,493434 0,08171 0,299567 0,296378 0,183929 0,271003

5º Petrópolis 0,196558 0,24026 0,124711 0,444530 0,300000 0,261212

6º Serro 0,230526 0,315476 0,421717 0,068120 0,232143 0,253596

7º São João del-Rei 0,511896 0,07684 0,219697 0,270139 0,160714 0,247857

8º Ouro Preto 0,180418 0,294372 0,274242 0,270719 0,185714 0,241093

9º Ponte Nova 0,392531 0,015152 0,143939 0,353092 0,285714 0,238086

10º São Lourenço 0,342640 0,136905 0,219697 0,234924 0,232143 0,233262

11º Cruzeiro 0,157193 0,065476 0,423232 0,316331 0,169643 0,226375

12º Lima Duarte 0,071579 0,292208 0,486508 0,065473 0,187500 0,220654

13º João Monlevade 0,191211 0,028139 0,272727 0,338765 0,223214 0,210811

14º Três Rios 0,290209 0,160714 0,150216 0,228473 0,228473 0,210565

15º Santa Luzia 0,146767 0,154221 0,177273 0,21388 0,312500 0,200928

16º Caxambu 0,308989 0,11039 0,313131 0,215729 0,050000 0,199648

17º Guaratinguetá 0,273851 0,130141 0,143939 0,275382 0,121429 0,188948

18º Três Corações 0,359783 0,037067 0,060606 0,218494 0,196429 0,174476

19º Parati 0,299064 0,037608 0,211111 0,212043 0,112500 0,174465

20º Santos Dumont 0,179783 0,037608 0,211688 0,209009 0,232143 0,174046

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REDE DE NÚCLEOS

Os núcleos da Estrada Real podem ser agrupados em quatro níveis que representam suas capacidades para desempenharem funções turísticas: Centro de Ordem Superior, Centros de Ordem Intermediária, Centros de Ordem Inferior e Centros Complementares (veja mapa).

O topo da hierarquia é ocupado pelo “Centro de Ordem Superior” Juiz de Fora, uma cidade com vasta gama de equipamentos urbanos que foram desenvolvidos para atenderem suas populações, mas não menos importan-tes, figuram os “Centros de Ordem Intermediária”, nú-cleos com considerável estruturação para o turismo e que levam vantagem em relação a Juiz de Fora por es-

A estrutura urbana que se encontra na contempora-neidade apresenta potenciais efetivos para o desen-volvimento do turismo. Nesta teia de núcleos, é facul-tado aos centros intermediários e superiores a função de proverem estruturas e suporte às atividades turís-ticas que estiverem ocorrendo nos centros de ordem inferior e, em especial, nos centros complementares.

A rede de municípios turísticos observada na con-temporaneidade se assenta sobre os núcleos que

LEGADO TuRíSTICO VALIOSO

tarem distribuídos por toda a Estrada Real e consegui-rem abranger todos os domínios desta região turística.

Os “Centros de Ordem Inferior” possuem pequena quantidade de equipamentos turísticos que lhes permi-tem, ao máximo, sustentarem grupos de viajantes que desejam usufruir dos atrativos em suas proximidades.

Finalmente, a maior parte dos municípios da Estrada Real está classificada pela tipologia de “Centros Com-plementares”, núcleos que não possuem condições es-truturais suficientes para hospedarem grupos de via-jantes com qualidade e segurança.

participaram do sistema urbano desenvolvido du-rante o período colonial. O padrão de distribuição territorial da rede de núcleos turísticos principais se assemelha com os padrões de distribuição do sistema urbano existente no período colonial. O modo em que a rede de cidades da Estrada Real se estruturava no passado e que pode ser observado no presente, é um valioso legado patrimonial e cul-tural que merece ser agregado ao produto turístico Estrada Real.

(*) Éder Romagna Rodrigues é Mestre do Programa de Pós-

Graduação em Geografia - Tratamento da Informação espacial da

Pontifícia universidade Católica de Minas Gerais

(*) Alexandre Magno Alves Diniz é Professor no mesmo Programa e

foi orientador da Dissertação, que está resumida no presente artigo.

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ARTIG

O

Política: ainda é possível?2. Realidade Brasileira:

Abordagens Críticas

Antônio Carlos Doorgal Andrada

68

Texto extraído do livro “Política: ainda é possível? As fragilidades do processo político institucional na pós-modernidade e realidade

brasileira. - Capítulo 2, páginas 79 a 134. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, de Antônio

Carlos Doorgal de Andrada. “

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Na origem dos contratos políticos e sociais, ao se conceber a soberania popular, colocava-se a questão de como “o povo” deveria governar-se. Como indaga Wanderley Guilherme dos Santos, “como seria concebí-vel que parte do povo – os representantes – governasse todo o povo, os governados?”:

Qual o limite do direito de impor decisões àque-les que não haviam sequer concordado com a constituição de um sistema representativo, a saber, os irredentos? Aqueles mesmos que não assinaram o contrato original, e sem cuja assi-natura os levellers, românticos antecessores no século XVII dos democratas ingleses, não reco-nheciam a legitimidade do mecanismo da repre-sentação perpétua. Ainda mais: aqueles que se concediam o direito de só cumprir aquilo a que dessem consentimento, lei a lei, como poderiam ser governados por um grupo cuja função de po-der se perdia em imemorial delegação primitiva?

Decididamente, a política institucional na sua dimensão teórica, conceitual, filosófica e mesmo como atividade prática do exercício do poder estatal está em crise. Não bastassem todas as conformações globais da problemática, de caráter externo e de tendências mundiais, a política institucional brasileira apresenta peculiaridades próprias que agravam a questão. Para além das análises do capítulo anterior, das limitações da política institucional diante do poder econômico e dos mercados, e também de outros fatores como a relativização da soberania dos Estados e enfraqueci-mento dos mesmos num mundo repleto de novos ato-res, do alargamento natural da atividade legislativa do Executivo diante das pressões da sociedade de massa e tecnológica – informatizada ao extremo e submetida à lógica da eficiência e rapidez, das distorções cau-sadas pela ação da mídia que cria espaços e recortes

virtuais – como cenários, às vezes, de ficção mesmo –, da superação teórica dos fundamentos erigidos na modernidade em relação ao papel predominante dos Parlamentos como referência principal e quase exclu-siva na produção de leis; no Brasil, outros ingredientes concorrem para aumentar a complexidade da matéria: a “judicialização” crescente das relações políticas, a desestruturação partidária e eleitoral, o personalismo exacerbado, o elevado custo das eleições, a perda de qualidade da política congressual, a excessiva centra-lização do Poder Executivo e da união, invadindo a se-ara do Parlamento e subsumindo o pacto federativo, a atuação descontrolada das mídias, a morosidade e o desaparelhamento do Poder Legislativo e o seu moni-toramento constante pelo Executivo, são, entre outros, elementos que contribuem para a elevada perda de credibilidade da política institucional nacional.

A distinção entre poder constituinte e poder le-gislativo – que significa um sistema representa-tivo? Quem representa o quê? Com que limite? – será matéria controversa durante todo o século XVII inglês e, praticamente, também do XVIII, as-sim como durante o século XVIII americano, mais os séculos XVIII e XIX franceses (...). O princípio básico da convivência política, naqueles séculos, sustentava que ninguém delega a outrem um di-reito que não possui, a saber: o direito de impor a terceiros uma decisão de que estes discordam. Se nenhum indivíduo é proprietário de tal direito, como transferi-lo? O limite da imposição de de-cisões legislativas estava subordinado, portanto, à real capacidade das instituições de impor aos irredentos e aos recalcitrantes, por delegação de parte dos representados, o império do siste-ma representativo. Legitimamente? E por aqui se inicia a dramaticidade da vida democrática (SANTOS, 2007, p. 151/152).

2. Realidade Brasileira: Abordagens Críticas

2.1 Pulverização das prerrogativas do Parlamento

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O autor ressalta que o problema central à época não estava na participação popular, mas na autono-mia e na independência: do Parlamento diante dos reis, como instituição representativa do povo, e, do povo, diante do Parlamento. Somente depois de vencida esta fase, e consolidado o sistema parlamentar com o viés soberano, e não apenas legislativo, cessa a problemá-tica em torno do assunto, ganhando terreno o tema relativo à participação popular na gênese do Poder Legislativo. Paulatinamente, a institucionalização das relações políticas definiu os contornos e conceitos da participação decorrentes das delegações representati-vas.

Inventou-se o conceito de povo para dar legi-timidade ao poder institucionalizado. A demo-cracia institucionalizada é o obstáculo à demo-cracia romântica, da festa revolucionária, como chama Mona Ozouf. E a grande festomania terminou, diz ela, com uma grande decepção. Porque enquanto se institucionalizava a parti-cipação, à medida que as demandas por parti-cipação foram sendo seletivamente aceitas, o que se institucionalizava, simultaneamente, era a exclusão legal dos irredentos e daqueles que a inclusão deixava de fora (...). Não foi possí-vel institucionalizar a participação política sem selecionar quem ficaria de fora do jogo da re-presentação oligárquica (SANTOS, 2007, p. 154).

A evolução democrática do Estado consolidou suas funções legislativas e administrativas, ampliando-as consideravelmente. O pluralismo político e social, a complexidade da vida moderna com o progresso re-presentado pelas revoluções industrial e tecnológica, e o desenvolvimento de técnicas de comunicação e informação, possibilitaram e favoreceram a organiza-ção de sistemas variados de ação no campo político institucional. De certa forma, a função legislativa e de controle político, que era centrada originalmente no Estado, por meio do Parlamento principalmente, aos poucos foi cedendo espaço a outros órgãos, mais es-pecializados e eficazes. A base do surgimento de no-vas formas de compreensão do Estado é advinda das mutações sociais globais, sobretudo as de motivação econômica, não sendo mais possível separar o estudo das atividades estatais do estudo dos demais fenôme-

nos sociais, como defendia o positivismo normativo presente nos séculos XVIII e XIX. Maria Tereza Fonseca Dias explicita a transição da modernidade para a pós-modernidade, no âmbito do direito, asseverando que

o conceito de modernidade refere-se a um con-texto sócio-histórico preciso da cultura ociden-tal que se inicia, para a maioria dos teóricos, no século XVII, chegando até meados do século XX, com a consolidação de certos valores, entre eles, a idéia de progresso (com a melhoria progressi-va das condições sociais), a concepção de que a história tem um sentido e a razão deve progres-sivamente impor sua lei aos acontecimentos, (...) e a pressuposição de uma sociedade homogênea e não diferenciada (...). A modernidade funda-se numa autocompreensão prático-moralista da sociedade como um todo e foi construída com base nos valores do individualismo, ou seja, na afirmação da irredutível singularidade de cada um e no reconhecimento de uma margem de autonomia e de liberdade que permite ao indi-víduo guiar sua existência pelo livre-arbítrio e pela vontade, inatingíveis por quaisquer limites (DIAS, 2003, p. 28/29).

E citando Chevallier, a autora discorre acerca do fenômeno da aparição do Estado, quando a

ordem jurídica estatal vai impor progressiva-mente sua supremacia, através de sua substi-tuição, ou ao menos sua superposição, às ordens jurídicas pré-existentes, e tornando-se o único quadro jurídico de referência para o conjunto da coletividade (CHEVALLIER, 1998, p. 665).

Continuando, Fonseca Dias explica que a

crise do direito moderno relaciona-se com a crise do paradigma do direito materializado no Estado social (ou Estado de bem-estar social), de forma que o sistema de crenças da modernidade aos poucos vai desaparecendo ou, pelo menos, vai sendo pulverizado e imiscuído a outros valo-res (DIAS, 2003, p. 33).

Assim é que a Administração Pública assume paulatinamente competências “para definir as condi-

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ções de realização dos objetivos fixados”, recebendo, ainda, “um amplo poder de apreciação das situações concretas, sobretudo se estivermos diante de soluções técnicas que devem suplantar a morosidade do proces-so legislativo. No que se refere à generalidade, tem-se observado que as leis se apresentam, cada vez mais, como textos especiais de conteúdo técnico específico” (DIAS, 2003, p. 34). Chevallier ressalta, nessa evolu-ção, certa perda de confiança no direito, que de ga-rantidor da ordem, do progresso e da liberdade, passa a ser visto, também, como um entrave ao dinamismo da economia e da própria sociedade; “um instrumento imoral e injusto de intervenção nas relações sociais” (CHEVALLIER, 1998, p. 671).

Surge, então, a partir da crise do direito e do papel do Estado vivenciada na modernidade, um novo paradigma, entendido “ora como antimodernidade, ora como continuidade da modernidade em outras bases, ora como hiper-modernidade”, ou simplesmente como pós-moderno (DIAS, 2003, p.35). Ao contrário dos pressupostos da modernidade, o novo direito

não é visto como ordem absoluta, mas relativa. Saindo do universo das certezas, ele se esforça em apreender a hipercomplexidade do real. Os pilares para um novo paradigma do direito são, pois: complexidade (dos mecanismos de produ-ção do direito e das modalidades de articulação das normas jurídicas) e flexibilidade (do conteú-do das normas e de seus processos de adaptação local). Essas duas dimensões explicam os pontos de ruptura do direto “pós-moderno com o direi-to da modernidade: à unidade opõe-se o plu-ralismo; à hierarquia, a diversidade; à coação, a regulação e a emancipação; à estabilidade, a adaptabilidade” (DIAS, 2003, p. 35).

Esse novo paradigma do direito explica, em grande parcela, a pulverização das prerrogativas antes concentradas no Parlamento, como poder legiferante absoluto e exclusivo.

No paradigma materializado no Estado Social, com a conseqüente ampliação das funções da adminis-tração governamental, o Estado de feição burocrática tradicional sofre alteração, recorrendo a novos modelos

de organização e de atuação mais flexíveis. O acelera-do processo de globalização econômica passa a exigir dos Estados nova roupagem e formatação para atender às novas necessidades de eficiência e agilidade. O Es-tado burocrático tradicional transforma-se em Estado mínimo-gerencial, com a transferência, para terceiros, de parcela de suas atribuições. Ocorrem, então, dois fe-nômenos: a privatização do público e a publicização do privado. No primeiro caso, Michel Miaille afirma que

ao pretexto da incapacidade do direito público para ser eficaz nos domínios econômicos e so-ciais, é o direito privado que se instala em nume-rosos sectores que, no entanto, são governados pelo Estado (...). Este movimento de transborda-mento pelo direito privado não é mais do que a “privatização do Estado”, quer dizer, a sua sub-missão cada vez maior aos interesses da classe social que se encontra no topo dele (MIAILLE, 1994, p. 155/156).

Já quanto à segunda formulação, na impossi-bilidade de se definir o que seja público ou privado na complexa relação estatal-privado atual, entende-se assim a publicização do privado:

Com a dinâmica intervencionista, o Estado pas-sou a atuar em esferas antes tidas como reser-vadas à autonomia privada, em especial no setor econômico e social, do que resultou o processo denominado de “publicização do privado”: o que afetava a poucos passou a ser de interesse co-mum (...); por outro lado, grandes organizações, associações e grupos privados passaram a exer-cer pressão sobre o Estado, a colaborar na ges-tão de atividades de interesse geral, a solucio-nar problemas mediante acordos e negociações, gerando a chamada “privatização do público” (MEDAuAR, 1992, p. 113).

Como desdobramento prático, o Estado passa a experimentar processos de privatização, publicização e terceirização de seus serviços e atividades, num movi-mento contínuo de parcerias em que os novos atores e agentes passam a atuar pelo Estado, em seu nome. Ora são organizações civis e privadas de “interesse pú-blico”, ora são entidades públicas “de direito privado”,

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num crescente e difuso emaranhado de possibilidades e entrelaçamentos. Cria-se um contexto tal de indefi-nição de papéis e normas, que “uma regra bem pode ser, de uma só vez, de direito público e de direito pri-vado” (FALA, 1962, p. 68). Decorre daí a dificuldade do estabelecimento do papel do Estado na contempora-neidade, com reflexos diretos na compreensão de suas funções, já que, em crise de identidade, o próprio Esta-do tem dificuldades para definir quem, no seu âmbito,

fará o quê. E com as premências econômicas sempre requerendo ações imediatas, ficam supervalorizadas as ações executivas, e também as judiciárias pelo au-mento dos conflitos decorrentes da flexibilização das regras, tudo contribuindo para a marginalização do Poder Legislativo. O redesenho estatal pós-moderno tende a colocar o Parlamento na berlinda, pela pulveri-zação das relações público-privadas e pela sobrevalori-zação das ações executivas rápidas e de cunho técnico.

2.2 Morosidade e desaparelhamento do Poder Legislativo

Analisando o tema da restauração e do controle político do Poder Legislativo, José Tarcísio de Almeida Melo vai ao cerne da questão ao sentenciar:

O Legislativo não pode continuar como pesadas máquinas de artilharia da antigüidade, custan-do a formar e transmitir suas deliberações, quer pelo excesso de formalismos, quer pela procura de superlegitimações, as quais, ao invés de ser-virem ao povo, estorvam o processo político e inibem a rapidez e a energia que as atividades estatais devem conter para que se equacionem apropriadamente os complexos problemas que ocupam o Estado contemporâneo. Na impossibi-lidade de a vontade nacional ser a vontade unâ-nime da Nação, as deliberações devem efetivar-se pela maioria, mas sem exigências processuais que abram espaços ao impasse e à perplexidade (ALMEIDA MELO, 1987, p. 16).

E mais adiante, tratando da estrutura adminis-trativa e funcional do Parlamento, considera que

o reaparelhamento do Poder Legislativo, para atuar com liberdade e eficácia, elaborando leis necessárias e exercendo o controle das provi-dências governamentais, necessita de uma es-truturação tal que se torne menos passivo e, sob o signo da constitucionalidade, mantenha

o povo sempre aproximado do governo, evi-tando os males causados à humanidade pelas autocracias, que têm desrespeitado os direitos do homem, causa e fundamento da organização política e jurídica (ALMEIDA MELO, 1987, p. 16).

Embora o contexto das colocações de Almeida Melo fosse o do período do fim do regime militar de 1964, quando o país agitava-se na reconstrução demo-crática representada pela Assembléia Nacional Cons-tituinte, as duas abordagens destacadas permanecem atuais. Se naquela época havia a preocupação com o esvaziamento político do Parlamento em decorrência de décadas de autoritarismo, que lhe tolheu prerroga-tivas e castrou-lhe possibilidades, hoje o esvaziamen-to é tema presente, mas pela incapacidade do próprio Poder Legislativo de exercê-las a contento. A inação e a omissão parlamentares, a dificuldade de articulações políticas produtivas, a inoperância legislativa, a que-da constante na qualidade das políticas institucionais adotadas e das relações partidárias e governamen-tais, desnudam um quadro provavelmente pior do que o anterior. Se antes o Poder Legislativo era instado a restaurar-se pelas vias democráticas após anos de cer-ceamento imposto pela força, na atualidade o que se debate é a fragilidade da Instituição, sem os antigos fatores exógenos que justifiquem tal estado. Acolhido espetacularmente pela redemocratização simbolizada pela Assembléia Constituinte, o Parlamento brasileiro

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apresenta-se em descrédito imensurável. Se antes ha-via a preocupação em restaurar a legitimidade parla-mentar pelo voto popular, livre e secreto, sem as pres-sões do regime autoritário, na atualidade a legitimida-de esvai-se pela distância entre os mundos “congres-sual” e “real” e pelas barreiras edificadas entre o Poder Legislativo e a coletividade por legendas de aluguel, personalismos políticos, corrupção, cooptação gover-namental, ausência de lideranças confiáveis, processo legislativo lento e desfocado do cotidiano popular etc.

Os problemas de antes permanecem: morosi-dade e desaparelhamento. Mudam os motivos, mas as conseqüências permanecem as mesmas, ainda que agravadas. A morosidade do processo legislativo e o “burocratismo político” concorrem para enfraquecer a produção do Parlamento e o controle político a ser exercido sobre as ações governativas do executivo. Na realidade, incapaz de tomar iniciativas substanciais e ágeis, o Legislativo cede “todas as fichas” ao Executi-vo, que decreta Medidas Provisórias com força de lei subtraindo-lhe sua maior função, a de legislar. Reduz o espaço do debate político congressual a uma inex-pressiva ocorrência de plenário, que pouco significa ou representa de concreto. Os debates pouco acrescen-tam, uma vez que as decisões já foram formuladas em outras esferas do poder estatal, restando ao Legislativo mera função de homologação. Nas questões cruciais, quando é chamado a decidir, o Poder Legislativo apre-senta-se impotente, submetido a um lento, complexo e prolongado processo legislativo e político que não favorece o alcance de decisões nas medidas exigidas. Assim, por inação, o próprio Parlamento afasta-se das esferas de decisão, desvalorizando-se diante da popu-lação e da sociedade civil, colaborando com o aumento do seu descrédito. A incapacidade de exercício de suas prerrogativas reflete-se gravemente na sua missão constitucional de controle dos atos do executivo. Pelas razões expostas, o controle praticado é superficial e formal, sem efetividade. As Comissões Parlamentares de Inquérito, antes instrumentos fiscalizatórios temi-dos, perderam-se em espetáculos midiáticos sem con-seqüências práticas que não sejam, em grande medida, ou a promoção pessoal de parlamentares ou a tenta-tiva fácil de desmoralização de adversários políticos, para deleite da imprensa. Ao largo de tudo isso, outras formas de controle exercidas por outros órgãos esta-

tais ou entidades revelam-se mais ágeis e de resulta-dos mais imediatos, colocando a atuação do Parlamen-to em segundo plano, reduzindo-a a um sentido mais simbólico, midiático e ritualístico, sem impacto efetivo junto ao público, sem confiabilidade e sem o devido reconhecimento pelos próprios fiscalizados.

É também visível o desaparelhamento técnico-funcional do Parlamento, o que tem dificultado sua produção legislativa e o exercício do controle da Ad-ministração Pública, que, por seu turno, possui quadros técnicos e gerenciais nitidamente mais preparados e competentes. Estes setores técnicos, aliados a consul-torias, serviços ou entidades especializadas suplan-tam com facilidade a capacidade argumentativa dos quadros técnicos parlamentares, que não raro ficam à mercê de informações de terceiros, nem sempre con-fiáveis. A interlocução com órgãos técnicos – como o Tribunal de Contas –, não é estimulada, e, por razões políticas inconfessáveis, é muitas vezes desestimulada, deixando o Parlamento de basear-se em dados insti-tucionais mais seguros. Assim, o despreparo do Par-lamento para o exercício das funções de controle tem sido empecilho para que suas prerrogativas constitu-cionais sejam levadas a termo. Ao contrário dos qua-dros da Administração Pública presentes no Executivo e no Judiciário, e também no Ministério Público, o Par-lamento tem sua essência na instabilidade funcional dos mandatos e na desnecessária profissionalização de seus membros. Enquanto os técnicos executivos e judiciários, e do parquet, e os seus próprios membros, são fruto de seleção intelectual, submetendo-se a con-cursos públicos rigorosos, em carreiras estáveis onde o aprimoramento é sempre estimulado, os Parlamentos estruturam-se na “popularidade” de seus membros. A base da pirâmide é a quantidade de votos obtida pelo candidato, o que nem sempre representa qualidade. um requisito não pressupõe o outro, embora também não sejam exclusivos. Mas a quantidade tem suplan-tado a qualidade parlamentar. Os parlamentares, em-bora possam exprimir condições de liderança política em dado momento, capazes de arregimentar recursos financeiros e votos, e de conquistar mandatos eletivos, não necessariamente estão aptos a lidar com os mean-dros tormentosos do processo legislativo, dos debates e conchavos políticos institucionais, dos questionamen-tos jurídicos, econômicos, técnicos e administrativos

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que norteiam a maioria das questões, com a pressão da mídia, da sociedade e dos eleitores, enfim, um sem números de fatores que os surpreendem no exercício do mandato. Tudo com reflexos também nos gabine-tes e assessorias muitas vezes pouco preparadas para as funções congressuais, estruturadas na maioria dos casos para atender às demandas político-eleitorais dos parlamentares – base eleitoral, contatos, articulações etc. – e não propriamente às do Parlamento.

Com a instabilidade de mandatos temporários, o comprometimento das assessorias com as atividades legislativas fica por demais prejudicada. Registre-se que esse quadro de conformação assessorial em torno das demandas do detentor de mandato é quase uma imposição do sistema, que exige dos parlamentares es-trutura política e eleitoral individual para sua sobrevi-vência como agente público, uma vez que os partidos pouco ou nada influem nesse processo. O parlamentar deve sobreviver, como tal, por sua conta e risco: é a dura lei do sistema partidário e eleitoral vigentes. Quer dizer, o sistema político-eleitoral exige determinada postura do parlamentar que, se de certa forma o ali-menta como agente e candidato, o enfraquece como

representante popular no exercício do mandato. Para-doxos do sistema político-institucional brasileiro.

Geraldo Fábio Madureira, estudando a exigência de maior qualificação da atividade política, identifica a necessidade de

um diálogo afinado entre essas duas instân-cias – saber e prática política – (como) a melhor forma de (...) aperfeiçoamento das instituições democráticas. Para que esse diálogo aconteça, o técnico haverá de abrir mão de um compromisso cego com quaisquer teorias, a fim de colocá-las a serviço da maioria da população. Mas também o político haverá de cultivar a consciência de que a sua prática só se sustenta em cima de um saber que interprete a realidade objetiva. E, as-sim, esse diálogo propiciará um verdadeiro pro-cesso de teorização da prática em que ambos, político e técnico, serão sujeitos na produção e reprodução de um novo saber. um novo que cer-tamente irá contaminando o velho para a cons-trução de uma sociedade mais justa e fraterna (MADuREIRA, 2002, p. 8).

A aliança da burocracia estatal com a ciência e a tecnologia deu origem ao que podemos hoje deno-minar de tecnoburocracia. Várias são as razões des-sa proximidade, cuja integração potencializa os dois componentes que sobrevivem independentes, e em-bora ganhem formato específico quando alinhados, mantêm linguagens e motivações próprias e diferen-ciadas em suas essências. Mas ajustados, podem ter objetos comuns, onde prevalecem traços de cientificis-mo, auto-suficiência e autoritarismo. Da mesma forma que sociologicamente o “populismo” é deformação da política institucional que exagera a soberania popular (algo essencial no Estado de Direito Democrático), as pretensões tecnoburocráticas tendem a ignorar a so-

berania dos cidadãos, em prol da mecânica jurídica, econômica, científica e estratégica.

Burocracia é um conceito administrativo, carac-terizado principalmente por um sistema hierárquico, com alta divisão de responsabilidade, onde seus mem-bros executam invariavelmente regras e procedimen-tos padrões, como engrenagens de uma máquina. Ori-gina-se do termo latino burrus, que teria dado origem à palavra francesa bure, usada para designar as mesas das repartições públicas. Deriva daí a palavra bureau, para designar todo um escritório. Atribui-se ao econo-mista Jean-Claude Marie Vincent, Ministro do governo francês do século XVIII a criação do termo bureaucratie

2.3 Tecnoburocracia

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– burocracia, em português –, para referir-se às repar-tições públicas em geral. Assim, a palavra burocracia tem origem francesa – bureau (escritório) – e grega – krátos (poder), e representa o exercício do poder por meio das repartições públicas. De acordo com Max Weber, os atributos da burocracia moderna incluem a impessoalidade, a concentração dos meios da adminis-tração, um efeito de nivelamento entre as diferenças sociais e econômicas e a execução de um sistema da autoridade que é praticamente indestrutível. Na aná-lise de Weber, a burocracia relaciona-se a razões his-tóricas e administrativas provocadas pelo impacto da formalidade legal no funcionamento da máquina es-tatal (pt.wikipedia.org/wiki/tecnocracia – 15.11.2008).

A tecnocracia é o regime dos es-pecialistas, que procuram prever e inte-grar o planejamento social de forma ab-soluta. As raízes da tecnocracia descem bem fundo em nosso passado cultural, presas à nossa tradição ocidental, a partir das idéias de Descartes e Newton, de um mundo-máquina sob o império da razão. Assim, a tecnocracia atua so-bre metas e comportamentos que pos-sam ser mensurados matematicamente, buscando nas ciências suas bases de elaboração. Incrustrada na ad-ministração pública e nos governos, a tecnocracia pode ser entendida como a tentativa de transformar o co-nhecimento técnico em poder político institucionaliza-do, como destaca Giovanni Sartori: “Conhecer dá poder sobre o que é conhecido” (SARTORI, 1994). A sociedade atual, submetida à pressão de enormes complexida-des e variedades de questões de difícil compreensão, vê com certo encanto o entrosamento da técnica com o saber, da técnica com o poder, e da técnica com a

burocracia estatal, como modo de ação pública eficaz para a produção de respostas rápidas e seguras para o enfrentamento dos vários problemas que atormentam o cidadão na pós-modernidade. A força dessa visão contemporânea chega a ser irresistível; na realidade, prevalece o entendimento de que agir de outra forma seria uma violação da razão, uma vez que, segundo o consenso geral, a meta primordial da sociedade consis-tir-se-ia em manter a máquina produtiva funcionan-do eficientemente. Na ausência de especialização, o imenso mecanismo certamente falharia, deixando-nos em meio ao caos.

É dessa fusão – burocracia estatal e tecnocracia de bases científicas – que nasce a tec-noburocracia, a nova roupagem estatal-técnica-burocrática que se apossou das gestões públicas dos países e governos, e das corporações privadas, de forma geral, como tendência mundial ditada pela globalização econômica, sobretu-do. E como a economia caminha pela lógica da auto-suficiência, onde as in-gerências políticas institucionais ou doutrinárias são vistas como nefastas,

porque excluídas de embasamento científico, uma eco-nomia eficiente dependeria da ciência, que, de conhe-cimento restrito, apresentar-se-ia como algo distante do senso comum, misterioso, secreto e apartado de procedimentos democráticos. John Naisbitt não des-toa desse entendimento, considerando que “onde exis-te crescimento econômico, estão também emergindo mais formas de governo de livre mercado – uma acei-tação do fato de que as pessoas, e não a determinação política –, criam a oportunidade econômica” (PERIN-GER, 2008).

Marquês de Pombal

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Entendendo o cientificismo como fenômeno de identificação da racionalidade em determinado estágio da ciência, ou seja, o correspondente à sua dimensão aplicada – que passa a ser considerado como absoluto –, Ricardo Vélez Rodríguez identifica seis “momentos fundamentais” que pontuaram a evolução do pensa-mento cientificista brasileiro: 1- a aritmética política pombalina; 2- a geometria política de Frei Caneca; 3- o poder legitimado pelo saber dos positivistas ilustra-dos e dos “castilhistas”; 4- o equacionamento técnico dos problemas de Getúlio Vargas e da segunda geração “castilhista”; 5- a engenharia política do general Gol-bery do Couto e Silva; e, 6- a atualidade do cientificis-mo brasileiro.

A aritmética política articulada pelo Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, “construiu o arqué-tipo que inspiraria, nos dois séculos sub-seqüentes, os mais destacados processos mordenizadores sofridos pela sociedade brasileira” (RODRíGuES, 2008, p. 2).

O positivismo brasileiro tornou-se o desdobramento natural da tradição cientificista iniciada sob Pombal. Mais que isto: transformou-se no fun-damento doutrinário do autoritarismo republi-cano e paulatinamente enquadrou o marxismo a partir de 1930. Encarado com essa amplitude, tem uma posição marcante em nossa cultura há cerca de dois séculos (PAIM, 2002, p. 1/2).

Na segunda metade do século XVIII, conso-lidou-se em Portugal a corrente filosófica do empirismo mitigado, (...) tentativa em prol da formulação de uma concepção de filosofia que se identificasse com a ciência aplicada (...), que visava a incorporá-la ao esforço de moderniza-

ção despótica do Estado português. No entanto, ao responder a uma problemática formulada a partir das necessidades do Estado absolutista, e não a uma perspectiva que tivesse como centro o homem, o empirismo mitigado não conseguiu dar uma resposta satisfatória aos problemas da consciência e da liberdade (...). Essa corrente empolgou, no entanto, a importantes segmen-tos da intelligentsia brasileira a partir da vinda da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808.

Podemos sintetizar nos seguintes pontos a arit-mética política formulada por Pombal nas suas observações secretíssimas: a) o Estado empre-

sário, com o auxílio da ciência aplicada, garante a riqueza da nação; b) o Estado, com o auxílio da ciência aplicada, garan-te a ordem política e moral dos cidadãos; c) o Estado, ainda com o auxílio da ci-ência aplicada, garante a formação da elite burocrático-técnica de que precisa (RODRíGuEZ, 2008, p. 3).

A política de Pombal pode ser re-sumida como a tentativa de substituição

da crença nas tradições religiosas “pela crença na vali-dade da ciência aplicada como fundamento do Estado” – uma espécie de “despotismo esclarecido”.

Em que pese ao caráter modernizador da re-forma pombalina, em nada modificou o esque-ma centrado do poder patrimonial: não surgi-ra, então, da queda do absolutismo teocrático, um regime de democracia representativa, como tinha acontecido na Inglaterra após a Revolu-ção Gloriosa de 1688. Apareceu, assim, como alternativa modernizadora, no seio da cultura lusa, o despotismo ilustrado ou patrimonialis-

Frei Caneca

2.3.1 Raízes históricas da tecnoburocracia no Brasil

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mo modernizador, que exerceria forte influxo no desenvolvimento do cientificismo no Brasil (RODRíGuEZ, 2008, p. 5).

Segundo Antonio Paim, ao longo do Império as idéias fundamentais do cientificismo pombalino manifestaram-se no “radicalismo republicano” de Frei Caneca, “que sustentava poder-se organizar a socie-dade em bases puramente racionais”, colidindo com a estrutura tradicional-patrimonial predominante no Es-tado brasileiro, e na criação da Real Academia Militar (1810), onde o “culto à ciência” partia da “suposição de que ela é competente em todas as esferas da vida social” (PAIM, 1978, p. 29).

Devido ao fato de a elite que fez a independên-cia ter-se formado na universidade pombalina, o cientificismo passou a inspirar as instituições de ensino superior no Brasil nas primeiras dé-cadas do século XIX. Esse cienti-ficismo traduzir-se-ia no afã pro-fissionalizante que respondia às necessidades do Estado, e no cul-tivo da ciência aplicada, com ba-nimento da pesquisa básica e do saber humanístico. (...) À tendên-cia profissionalizante e de serviço ao Estado, herdada da mentalida-de pombalina, respondeu perfei-tamente, no nosso meio, o modelo napoleônico das Faculdades e das Hautes Écoles. A idéia de universidade, como instância de pesquisa cien-tífica desinteressada e de cultura superior, sim-plesmente seria deixada de lado.

(...) Voltemos a Frei Caneca. A sua menção aqui não é excludente, mas paradigmática. Ele encar-nou no meio brasileiro a mentalidade cientificis-ta da geração que fez a independência. É claro que na nossa formação política não foi essa a única tendência a vigorar. Houve os estadistas do Segundo Reinado, denominados por Oliveira Vianna de “homens de mil”, aqueles que rodea-ram de forma incondicional o Imperador e que fizeram emergir e consolidar as instituições de governo representativo, na trilha do liberalismo doutrinário formulado na França por Royer-

Collard, Victor Cousin e François Guizot. (...) O ideal republicano acalentado por Frei Caneca inseria-se na trilha do democratismo (à maneira do setembrismo português), que entendia ser a nova ordem fruto da imposição de mentes es-clarecidas pelas matemáticas aplicadas sobre as massas ignaras (RODRíGuEZ, 2008, p. 6).

Ricardo Vélez Rodríguez analisa o positivismo brasileiro identificando quatro formulações ou tendên-cias: 1- “ortodoxa”, representada pela igreja positivista brasileira, criada com o propósito de estimular o culto da “religião da humanidade” proposta por Augusto Comte; 2- “ilustrada”, que entendia o positivismo como a úl-tima etapa científica da evolução do espírito humano (que já teria passado pelas etapas teológica e metafísi-ca); 3- “política”, que teve seus maiores expoentes em Júlio de Castilhos e defendia um Estado forte e cen-tralizador como premissa para uma educação morali-

zadora que erigiria pela ciência positiva a ordem social e política; e, 4- “militar”, representada, principalmente, por Benja-min Constant, cujo pensamento estrutu-rava-se como o da corrente “ilustrada”, adotando teses conteanas anteriores a 1845, para quem “o poder vem do saber”.

Por toda a evolução cientificista brasileira, constata Vélez Rodríguez, a

elaboração mais acabada foi apresentada por Getúlio Vargas, que uniu as vertentes “castilhista” e “militar”, e que consistiu, sinteticamente, “em transformar as questões políticas em problemas técnicos”.

O esforço modernizador e autoritário de Vargas, ao passo que levava até às últimas conseqüên-cias o preconceito castilhista contra a classe política (“o regime parlamentar – diziam os cas-tilhistas – é um regime para lamentar”), deitava os alicerces para o fortalecimento definitivo do Estado brasileiro e o surgimento da tecnocra-cia como o seu sustentáculo, materizalizando assim o ideal do patrimonialismo modernizador pombalino, de organizar a sociedade e o Estado sobre uma base científica. “Todo o esforço de Vargas” – afirma Antonio Paim (PAIM, 1978, p. 24) – “vai consistir em criar organismos onde

Benjamin Constant

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as questões de alguma relevância passem a ser consideradas do ângulo técnico. Amadurecido do ponto de vista dos técnicos, a instituição deve assegurar a audiência dos interessados. O governo não se identificará com qualquer das tendências em choque, porquanto exercerá as funções de árbitro” (RODRíGuEZ, 2002, p. 9).

O princípio do encaminhamento técnico foi ado-tado por Getúlio Vargas na administração pública, na política institucional e na economia, vendo no Estado o papel fundamental de promotor da racionalidade, quer dizer, do intervencionismo autoritário. Consolida-se a idéia de emergência do planejamento, como conjunto de ações técnicas para o atingimento de determinada meta.

A proposta modernizadora e autoritária de Var-gas em 30, é certo, não foi obra exclusiva do líder são-borjense. Houve, de um lado, a mar-cante colaboração da segunda ge-ração castilhista, na qual ressalta a figura de prol de Lindolfo Boe-ckel Collor (1889/1942), primeiro ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, idealizador da políti-ca trabalhista e estrategista da Plataforma da Aliança Liberal. De outro, houve a participação dos mineiros, sob a liderança de An-tonio Carlos Ribeiro de Andrada (1870/1946), que ensejaram os aspectos liberalizantes da Pla-taforma. A contribuição de Collor foi decisiva: sob sua inspiração, os castilhistas deixaram o provincianismo gaúcho, para pensarem o Brasil numa dimensão nacional, superando os vezos do coronelismo familístico. Lindolfo Collor foi, ou-trossim, responsável pela elaboração dos aspec-tos estratégicos da Aliança, que abarcavam uma clara proposta de modernização do país, levando em consideração as variáveis econômicas, polí-ticas, militares, trabalhistas, educacionais, etc. Esta proposta de modernização foi concebida no contexto de um estrito centralismo, que confe-ria ao Executivo soma incalculável de poderes. A principal finalidade do poder central era, para Collor, garantir o progresso do país e a unidade da nação (RODRíGuEZ, 2008, p. 9).

Posteriormente, o Programa de Metas do presi-dente Juscelino Kubitschek reforçaria a idéia de pla-nejamento e de racionalização. A idéia de planificação e centralismo ganha força novamente durante o ciclo militar iniciado em 1964:

O golpe de 64 e os vinte anos de regime de ex-ceção que se seguiram podem ser caracteriza-dos, do ponto de vista da evolução do cienti-ficismo no Brasil, como a volta aos critérios da racionalidade econômica através da intervenção autoritária do Estado e da plena adoção, para isso, da idéia de planejamento. O modelo de Es-tado patrimonial-modernizador instaurado por Getúlio Vargas em 30 teve a sua continuidade com o golpe de 64, especialmente após a re-forma administrativa de 1967, que enfeixou nas mãos da elite tecnocrático-militar a formulação da alta política nos terrenos econômico e social,

com a marginalização e ulterior coopta-ção da classe política. Após vinte anos de ditadura tecnocrático-militar, o quadro resultante lembrava bastante o modelo pombalino de despotismo esclarecido: hipertrofia do Poder Executivo (que pas-sou a legislar pelo caminho autoritário do decreto-lei, marginalizando o Legisla-tivo); gigantismo do Estado-empresário, que fez crescer descontroladamente o

setor estatal da economia (as empresas estatais passaram de aproximadamente 100 em 1964 para 480, no final do governo Geisel); acelera-ção do ritmo da inflação (decorrente do pater-nalismo estatal em face das empresas públicas e privadas improdutivas); desrespeito às liber-dades dos cidadãos e criação de privilégios que passaram a beneficiar minorias (RODRíGuEZ, 2008, p. 11).

O mais importante teórico da modernização do Estado brasileiro ao longo do ciclo militar foi, sem dú-vida, o general Golbery do Couto e Silva. Alicerçado na proposta de “autoritarismo instrumental”, o general Golbery considerava que ao Estado forte e centraliza-dor cabe promover a participação política, orientada à consolidação do sistema democrático, que deve che-gar a se tornar “capaz de aperfeiçoar-se ainda mais,

Golbery

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assegurando o salutar usufruto das franquias indivi-duais e coletivas implantando o exercício corrente e eficaz da atuação participativa de todos os cidadãos e grupos sociais na tomada das grandes decisões de interesse da coletividade nacional” (COuTO E SILVA, 1981, p. 37).

O fim do ciclo militar coincide com o avanço do neoliberalismo no mundo, com o capitalismo de mer-cado dominando o pensamento tecnocrático-econô-mico. A globalização econômica transforma o mundo numa “aldeia global”, com lógicas e regras próprias que acabam por conter todas as economias nacionais num único espaço – o mercado mundial. O mercado

passa a exigir o fim das chamadas “barreiras econô-micas”, como meio de facilitação da circulação de capitais, com a crescente desregulamentação da ati-vidade econômica. A visão tecnocrática passa, então, a reformular a vertente burocrática estatal, de carac-terística formalística e lenta, para o atendimento das novas exigências de eficiência e rapidez. Segundo Luiz Carlos Bresser Pereira, a burocracia estatal é trabalha-da numa nova ótica: a do Estado mínimo-gerencial. Assim, as palavras de ordem no serviço público passam a ser agilidade, eficiência e busca de resultados, com ênfase no controle técnico-gerencial das políticas pú-blicas e no fortalecimento da autonomia da tecnocra-cia para a formulação e execução de tais providências.

No Brasil, o objetivismo tecnocrático tem se concretizado no apelo ao fortalecimento do Poder Executivo, a partir de reformulações da ideologia do Estado, que desloca-se do campo sociológico para o econômico: “é a ciência econômica que passa a forne-cer, de modo predominante, os termos e os conceitos da nova estrutura argumentativa da ideologia do Es-tado (...). O que as elites devem fazer e como o farão já não é justificado em termos de adequação às ‘leis sociológicas’, mas sim em termos de adequação às ‘leis do comportamento econômico’ (RICARDO SILVA, 2001, p. 19). Fica, assim, evidente o desprestígio do ambiente político-parlamentar, relacionado à esfera sociológica, e da psicologia social, na nova reformulação técnico-econômica do Estado, com prevalência do Poder Exe-cutivo, que, favorecendo a centralização e o autorita-rismo, oferta ao cientificismo tecnocrático condições de ação face aos problemas sociais que se avolumam. A despeito deste relativo desinteresse pelas ciências sociais, é de Karl Poper a seguinte análise:

O único caminho aberto às ciências sociais é esquecer tudo acerca dos jogos de artifício ver-bais e enfrentar os problemas práticos do nosso tempo com o auxílio dos métodos que são fun-

damentalmente os mesmos em todas as ciên-cias. Refiro-me aos métodos de ensaio e erro, de inventar hipóteses que possam ser praticamente comprovadas e de submetê-las a provas práti-cas. É necessária uma tecnologia social cujos resultados possam ser submetidos à prova da mecânica social gradual (POPER, 1974, p. 229).

Analisando o pensamento econômico de Rober-to Campos, Ricardo Silva considera que

a solução ideal para o problema da garantia da “objetividade” da política econômica consistiria em atribuir-se alta margem de arbítrio à tecno-cracia encastelada no ápice das instituições do Poder Executivo hipertrofiado. Também para os novos ideólogos do Estado autoritário, a exem-plo do que argumentavam os ideólogos do Esta-do Novo, o fortalecimento do Executivo, em de-trimento do Legislativo, seria uma tendência de alcance universal (RICARDO SILVA, 2001, p. 23).

Para Roberto Campos, não somente nos países subdesenvolvidos, mas também “nas democra-cias industriais, acentua-se o desequilíbrio entre

2.3.2 Objetivismo tecnocrático

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poderes, com perda de substância do Legislati-vo”. Tal tendência seria decorrente de “circuns-tâncias objetivas”, assim resumidas por ele: “o caráter cada vez mais técnico e complexo da legislação econômico-social; a velocidade das comunicações, forçando uma aceleração das decisões; a atividade intervencionista do Esta-do, seja em função dos reclamos assistenciais, seja para manter o pleno emprego, seja para promo-ver o desenvolvimento econômico (principalmente nos países desen-volvidos, onde se verifica generali-zada tendência ao autoritarismo)” (CAMPOS, 1975, p. 29).

A identidade entre tecnocracia e racionalidade econômica não é mera coincidência. O economista é o tecnocrata por exce-lência; e, uma vez que as questões que envolvem as políticas públicas estatais são de natureza primordial-mente econômica – financiamento, sobretudo –, a me-lhor forma de gestão sobre elas é submetê-las ao viés

econômico, ou seja, aos centros estatais de poder onde a política econômica é elaborada e concebida. Tudo à economia, ao economista; enfim, ao tecnocrata.

Na formulação tecnocrática o esforço de distan-ciamento da política institucional é permanente, com a caracterização da tecnocracia como categoria “apolíti-

ca”, apresentando-se como uma espécie de garantia contra os “desvirtuamentos” da política institucional. Reforçando esta visão, Roberto Campos argumenta que “num país instintivista, em que a teoria não é tida como a cristalização da prá-tica e sim como moléstia nervosa, em que o tapeador desperta a mais frenética admiração, a racionalidade de atitudes e decisões não é exatamente a receita de sucesso político” (CAMPOS, 1967, p. 86).

O mesmo pensamento tem Eugênio Gudin, que justifi-cava sua “profunda aversão às manifestações da polí-tica” por estar ela “dominada pelas ambições pessoais, em que os indivíduos pensam em si e se esquecem do Brasil” (GuDIN, 1965, p. 94).

A tecnoburocracia baseia-se na idéia de que quanto mais submetida à ciência e à tecnologia, me-nos discussão seria necessária para determinada deci-são no âmbito estatal. Se o melhor procedimento ou o ótimo econômico e administrativo podem ser obtidos de forma racional, matemática e científica, a solução mais eficaz não dependeria de outros condicionamen-tos, principalmente os políticos. Desta forma, a tec-noburocracia não reconhece na representação política democrática legitimidade para atuar nos processos de decisão, e procura desqualificá-la, afastá-la e até desmoralizá-la.

Para Simon Schwartzman, o sistema político institucional é o local de encontro onde os diferentes interesses sociais se aglutinam,

fazem concessões mútuas e decidem a distri-buição dos recursos escassos da sociedade. Por outro, todavia, o processo político democrático baseia-se no voto das massas nos dias de elei-ção, e é esse um solo fértil para o comporta-mento de massa, para a aplicação da lógica do comportamento afetivo e personalizado, mani-pulado pelos veículos de comunicação de massa (...). As sociedades democráticas dependem de um precário equilíbrio (...). Esse equilíbrio é es-pecialmente difícil em países onde o dualismo exclui a maioria da experiência efetiva de parti-cipação em estruturas produtivas complexas. A resposta dos tecnocratas a esse problema tende a ser dupla. Dizem, por um lado, que a capa-cidade de votar é uma questão de educação e

Roberto Campos

2.3.3 Tecnoburocracia x política

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maturidade intelectual, que não se pode esperar encontrar em populações que não preencham os requisitos mínimos de educação formal. Nesse contexto, expressam uma confiança na futura racionalização da sociedade, que não guarda qualquer relação com a experiência real das sociedades modernas, conforme já vimos. Por outro lado, eles “realisticamente” consideram a política como a esfera do comportamento irra-cional e emocional, a ser tratada mediante os instrumentos da propaganda e do controle da opinião pública. A política não é considerada uma questão de articulação de interesses, mas de psicologia social (SCHWARTZMAN, 2008).

Assim, a democracia política tradicional, cujo formato não mais atende à complexa contemporanei-dade, faz aumentar o fosso entre o cidadão e a política institucional clássica da modernidade que se esvai – de representação e de partidos –, configurada no Parla-mento e no próprio Estado como instituição política

gerando um progressivo descrédito do cidadão nas chamadas instituições democráticas. Esse processo de falência institucional tem merecido vários tipos de estudos e análises que apontam explicações as mais diversas, sinalizando para alternativas de soluções que chegam, às vezes, a ser contraditórias. Por ser a classe política aquela que, em última instância, assume a res-ponsabilidade das decisões de interesse público, termina recaindo sobre ela todo o ônus desse processo de falência institucional (...). A política é a arte da representação. E só bem representa quem conhece as verdadeiras demandas e ex-pectativas dos representados. Daí ser o conheci-mento, ou o saber, um dos principais requisitos para bem representar (MADuREIRA, 2002, p. 3).

O domínio da tecnoburocracia no Estado e nas principais corporações capitalistas atuais, tudo poten-cializado pelos meios de comunicação de massa e o instrumental informático, induz o autor a questionar a representação popular exercida pela classe política institucional:

Esse quadro nos leva à seguinte questão ao re-fletirmos sobre a prática política atual: quem a

classe política representa de fato? Numa análise simplista e simplória, diríamos: a classe política representa o povo. Entretanto, que povo é esse cujo saber não tem valor, cujos valores vão sen-do amesquinhados e cujas expectativas são ma-nipuladas por uma outra classe? Na realidade, podemos afirmar que, no quadro atual, a classe política não passa de representante da tecno-cracia. E é a própria tecnocracia que alimenta a classe política com informações, dados, conhe-cimentos e teorias que vão sustentar a definição e elaboração das chamadas políticas públicas. O controle sobre a classe política é exercido pela sociedade, em última instância, por meio do voto. E qual controle tem a sociedade sobre a classe tecnocrática? Aparentemente, ela seria controlada pela classe política que representaria o povo. Mas como a classe política pode con-trolar a tecnocracia se todo o domínio do sa-ber hegemônico está com essa? Daí que o único controle sistemático de que sofre a tecnocracia pública é o exercido pela tecnocracia privada.

(...) A classe política deve fazer contínuo esfor-ço de autoqualificação para que possa exercer sobre a tecnocracia o poder de controle que lhe é delegado pelo povo. Entretanto, a velocida-de e a dinâmica do atual modelo de produção e reprodução do saber desafiam a capacidade da classe política de se manter suficientemente atualizada para poder exercitar um controle efi-caz sobre a classe tecnocrática. Tudo nos leva a crer que, por ser esse o seu campo de atuação, a tecnocracia sempre estará um passo adiante em relação à classe política no que se refere ao domínio do poder (MADuREIRA, 2002, p. 5).

Tanto as visões relativas à formulação do Es-tado na base da separação dos poderes e da política nas democracias de maiorias representativas e parla-mentares, e de partidos, concebidas para um contexto histórico; quanto as visões arrogantes, autosuficientes e autoritárias da tecnoburocracia, parecem não aten-der à realidade contemporânea. Da mesma forma que o conhecimento técnico nas lideranças esclarecidas serve como ferramenta objetiva para se construir o consenso, pode se tornar também o instrumento auto-ritário dos tecnocratas.

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O Estado é um mecanismo complexo. Ele garan-te as ordens políticas e científicas que ampliam a vida. Mas, desvinculado de procedimentos democráticos e transparentes, o elemento técnico é desregulado ou serve apenas para a dominação oligárquica e mesmo totalitária.

Daniel Innerarity alerta que “os tempos muda-ram tanto que até mudou o tipo de mudança”. Segundo o autor, isso nos obriga a abandonar “a concepção line-ar da história, o grande mito do progresso e do curso do tempo que nos liberta do lastro do passado e nos con-duz a um futuro emancipado”. É tão certo dizer que a organização estatal e a política institucional herdadas não estão à altura de responder às exigências comple-xas da atualidade, como é certo também afirmar que a ciência e a técnica estão muito distantes de assegurar respostas conclusivas para os desafios atuais.

A idéia de progresso já não tem préstimo se com ela se quiser indicar que o futuro será menos complexo, menos ambivalente que o passado (...). O que, pelo contrário, nos es-pera é um desenvolvimento futuro radicalmente mais complexo. O cur-so do tempo continua a existir, claro está, mas já não indica o caminho da servidão para a liberdade: indica o da complexidade para uma maior complexida-de. (...) As questões políticas já não são formula-das em termos de modernização – isto é, quem chega primeiro ou vai mais depressa – mas quem faz melhor, mais refletidamente e articulando as tensões geradas pelos processos sociais, num momento em que o progresso se pluralizou numa multidão de movimentos de difícil integração.

(...) Até há pouco, na época da modernização, a simplificação era a solução dominante. (...) Hoje, movemo-nos num campo bem diferente. (...) A variedade de conseqüências provocada pelos meios que usamos modifica a definição dos fins. A ciência e a técnica não suprimem as contro-vérsias, antes as agudizam. Já não serve apelar para a evidência de dados ou princípios científi-cos indiscutíveis, porque foi isso mesmo que se tornou problemático. Os indicadores econômi-

cos não tornam desnecessária a discussão acer-ca do que consideramos uma boa sociedade, do mesmo modo que também o avanço da ciência e da tecnologia nos não exime de estabelecer que meio natural devemos conservar ou quais são as condições não manipuláveis da nossa corporali-dade para lá das quais a vida se converte num artifício indigno (INNERARITY, 2002, p. 232).

Está definitivamente superada a visão política e tecnocrática que sustentavam, respectivamente, a existência de leis históricas e sociais ou de leis cientí-ficas inquestionáveis.

As antigas propostas dos “economistas políticos” Rousseau, Malthus, Bentham, David Ricardo, Stuart Mill, sofisticadas posteriormente por Marx, são visões superadas e longínquas. A interpretação de Marx das fraquezas estruturais da teoria do valor, revelou-se in-

cipiente e reducionista, porque meramen-te economicista das sociedades capitalis-tas. Na mesma esteira, Jürgen Habermas, sobre o tema, lamentou: “Os esquemas da racionalidade econômica e administrati-va invadem os domínios tradicionalmente reservados à espontaneidade moral ou es-tética” (JAPIASSÚ, 1997, p. 114). E Albert Einstein, mestre de todos os matemáticos, não temeu condenar o calculismo: “Estou

firmemente convencido de que o desejo apaixonado de justiça e verdade fez mais por aperfeiçoar a condição do homem do que a argúcia política calculista que, em longo prazo, só engendra a desconfiança geral” (EINS-TEIN, 1994, p. 12). Nos dias de hoje, a complexidade crescente exigirá cada vez mais a confrontação de pa-radigmas, idéias, visões de mundo, dados, informações e cálculos. As conclusões serão sempre mais provisó-rias e relativas, e servirão para atender, na maioria das vezes, as situações circunstanciais. A verdade absoluta diluiu-se para dar lugar a verdades momentâneas, con-textuais e parciais.

Há, certamente, aspectos positivos na atuação técnico-científica, da garantia de fazer as coisas da forma mais adequada possível. Mas há também uma dimensão sombria, na qual, por trás de tecnicismos, academicismos e cientificismos, esconde-se a incapa-cidade de dialogar. A classe política institucionaliza-

Jurgen Habermas

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da, forjada no diálogo, deveria coordenar os debates e oferecer os ambientes propícios ao mesmo; mas seu crescente despreparo e a perda de legitimidade diante da sociedade a desqualificam para a tarefa. A distinção conceitual é muitas vezes imprecisa, mas a distinção efetiva é bem nítida: a boa proposta de natureza téc-nica não tem o menor receio de submeter-se à avalia-ção, tem confiança na capacidade de persuasão dos seus critérios e respostas a dar. O que se condena é a

proposta tecnocrática escondida em argumentos her-méticos e incapaz de justificar a si mesma. Mas, lado outro, a classe política institucionalizada revela-se incompetente para liderar esse processo de esclare-cimento, democratização e transparência do aparato tecnoburocrático instalado no Estado, e, em decorrên-cia disso, fragiliza-se e vê-se paulatinamente afastada dos centros de decisão, perdendo poder de influência e credibilidade nos mais variados setores sociais.

O processo de hipertrofia do Poder Executivo como fenômeno atual, presente no Estado contempo-râneo, com a crescente atividade legislativa, é fenô-meno que vem desafiando os teóricos e estudiosos do tema. Tudo decorre do mito criado em torno da formu-lação política de Montesquieu: o mito da separação dos poderes, alimentado pelo apego dogmático dos juristas a uma técnica de contenção do poder, elaborada em dada circunstância histórica, em resposta a determi-nado contexto. No Brasil, ele manifesta-se sob a forma de centralização do poder da união, e nela, do Poder Executivo, podendo ser analisada sob dois ângulos: um alargamento horizontal, com o Executivo exercendo cada vez mais atividades antes privativas do Poder Le-gislativo, e uma ascenção vertical, com o esvaziamento progressivo do ethos federativo e a transferência de poderes dos entes da federação para a união Federal.

Toda a problemática encontra suas raízes na formação do Estado moderno, com a teoria de Mon-tesquieu. Mas para Karl Loewenstein, a formulação do princípio da separação dos poderes e sua distribuição em diferentes órgãos “nem é essencial para o exercício do poder político, nem representa uma verdade eviden-te e válida para todo o tempo” (LOEWENSTEIN, 1976, p. 56). Ao que Clèmerson Merlin Clève acrescenta:

O nascimento dessa técnica de contenção do poder foi determinado pelo tempo e pelas cir-cunstâncias como pretexto contra o absolutis-

mo dos séculos XVII e XVIII. Por isso que “o li-beralismo constitucional identificou a liberdade individual com a separação dos poderes”. Mas, se foi importante no momento em que passou a ser aplicada, hoje perde todo o sentido, es-tranhando o jurista o fato de as Constituições européias promulgadas após a Segunda Guer-ra Mundial continuarem fiéis ao, segundo ele, velho e ultrapassado princípio. Esse apego ao dogma talvez se deva ao fato de a teoria não ter ainda elaborado uma nova conformação do poder (CLÈVE, 2000, p. 33).

Clève sustenta que na sociedade atual, tecnoló-gica e de massas, não há como manter a distinção entre as funções legislativa e executiva, já que os governos compreendem as duas ações de forma sincronizada: “A legislação e a execução das leis não são funções se-paradas ou separáveis, mas sim diferentes técnicas do political leadership. A liderança política, a atividade de governo conforma a vontade popular, impondo a sua política por meio da aprovação parlamentar das leis ou de sua execução. Não há separação de poderes evi-dente entre o executivo e o legislativo, uma vez que o governo lidera politicamente os dois poderes” (CLÈVE, 2000, p. 34). O autor ressalta que “as velhas teorias, fincadas na rigidez de suas formulações originais, não atendem às exigência das renovadas conjunturas”, e destaca ainda que se

2.4 Atividade legislativa do Poder Executivo

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neste ponto da história, o princípio rígido e dog-maticamente interpretado da separação dos po-deres não é fundamental, cumpre lembrar que, como idéia racionadora do aparato estatal ou como técnica de organização do poder para a garantia das liberdades, não pode ser esque-cido, nem se encontra superado. Montesquieu criou para sua época um sistema de equilíbrio de poder (que não corresponde necessariamen-te a um sistema de equilíbrio entre os poderes), oferecendo as bases para a constituição de um governo misto, moderado pela ação das forças dinamizadoras do tecido societário. A missão atual dos juristas e políticos é a de adaptar a idéia de Montesquieu à realidade constitucional de nosso tempo. Nesse sentido, aceita-se apa-relhar o Executivo, sim, para que possa, afinal, responder às crescentes e exigentes demandas sociais. Mas cumpre, por outro lado, aprimorar os mecanismos de controle de sua ação, para o fim de torná-los (tais mecanismos) mais seguros e efica-zes (CLÈVE, 2000, p. 44).

Reforçando o raciocínio, Rubens Beçak discorre sobre o novo papel fisca-lizatório dos Parlamentos e o entrelaça-mento de funções e atribuições entre os poderes do Estado:

Assim, os exemplos, tão citados, de o Poder Legis-lativo assumir funções executivas, quando reali-za o seu próprio orçamento, ou assumir funções judiciais, quando, em determinadas situações, é transformado em Câmara de julgamento (o im-peachment), não lhe tiram o condão de ser, em tarefa primeira, o encarregado da legislação. Também o Executivo, ao reger a administração, pode perfeitamente baixar instruções (poder de legislar) ou mesmo quando, onde é possí-vel, exercer o contencioso administrativo (jul-gar), tarefas estas que, mesmo realizadas na sua cepa, não lhe subtraem o legado de ser o responsável, primordialmente, pela execução. E o Judiciário, da mesma forma. Quando organiza o seu orçamento, edifica prédios, realiza tarefa executiva. Ao sistematizar alguns procedimen-

tos judiciais, exerce inequívoca tarefa legislativa. Entretanto, tal como os outros dois poderes, não perde a característica de ter atividade preferen-cial, qual seja, a de julgar. (...) Vamos diretamente ao ponto de frisar que a idéia estanque de que os poderes desempenham funções meramente adstritas às suas denominações sofreu inegável abalo com o advento da teoria dos checks and balances ou seja, a adaptação norte-americana da teoria da separação dos poderes de Monstes-quieu à dinâmica necessária à fundação da então novel federação estadunidense. Se a formulação de uma adaptação empírica ao modelo original montesquiano já demonstra desde cedo a neces-sidade de os poderes constituídos trabalharem em sintonia, realçando-se o caráter não absoluto da separação, observamos ainda, ao longo da Histó-ria, alguns desenvolvimentos específicos de áreas de atuação dos poderes sobre os outros poderes.

Assim, observamos um avançar do Poder Exe-cutivo na questão da legiferação, assumindo no início, uma posição tímida e, depois, com o passar do tempo, ganhando a linha de fren-te do processo. (...) O século XX demonstrou que em todos os Estados do mundo, qualquer que seja o regime, o Executivo “furtou” do Legislativo sua tarefa institucional de ori-gem, qual seja o legislar. Veja-se, no Brasil, a questão da legiferação pelo Executivo, nota-

damente a utilização da Medida Provisória. Nos aventuramos a dizer que dificilmente considera-mos a possibilidade de reversão deste quadro... Com relação ao Poder Legislativo, igualmente. De uma posição de ente detentor (praticamen-te monopolista) da atividade legislativa, dese-nho que lhe foi destinado na teoria de Montes-quieu, vai evolver para galgar as raias de ver-dadeiro poder primus inter pares, notadamente com o predomínio da idéia de que seria o poder mais próximo da vontade geral, por ser aque-le que é composto por representantes do povo. Se tal predomínio era sintomático, especialmen-te por volta do final do século XIX, subseqüen-temente, é corrente discorrer, passou por imensa perda de poder político, vindo a ser esvaziado de um real peso na atividade legiferante, mormente em decorrência do processo hipertrófico por que

Montesquieu

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passou o Poder Executivo. Mas é sabido também que o Poder Legislativo vai compensar esta perda de peso na legiferação, com um aumento signifi-cativo de seu poder fiscalizatório (BEÇAK, 2008).

O acelerado processo de globalização das técni-cas e das comunicações imprimiu velocidade ao tempo, com a sociedade passando a exigir maior rapidez nas respostas às suas demandas. Além do mais, além da aceleração, a complexidade das matérias a serem tra-tadas e resolvidas aumenta continuamente, envolven-do cada vez mais a necessidade de elementos técnicos e discussões multidisciplinares para solucioná-los. Não há espaços para posicionamentos estanques, presos ao contêiner teórico da rigidez de separações das funções do Estado. Essa realidade dá prevalência aos discursos técnicos, que alojados na administração pública for-matam a tecnoburocracia. Por natureza, o tecnocrata prende-se aos cálculos, às estatísticas, aos elementos matemáticos e objetivos das matérias em discussão. Os ambientes políticos e jurídicos, essencialmente, miram-se na legitimidade do processo de tomada de decisão. O choque é inevitável, e no confronto, dada a proeminência do Poder Executivo na contemporanei-dade devido às exigências de eficiência e objetividade, a tecnoburocracia apresenta-se como a mais habili-tada, concorrendo para a inferiorização dos processos políticos-parlamentares.

Indo ao cerne da questão, Clève constata que “da chamada crise do Parlamento deriva um fenôme-no comum a todo o ocidente: a descentralização da função legiferante” (CLÈVE, 2000, p. 53). Com efeito, a pós-modernidade que vivemos impõe aos Estados tarefas múltiplas, complexas e imprevisíveis que de-mandam normatizações imediatas e constantes, em ritmo alucinante. Nas três esferas da Federação brasi-leira, e a partir dos três poderes e também dos órgãos da administração indireta, uma profusão de portarias, ordens de serviço, resoluções, atos instrutivos, decretos administrativos, decretos legislativos, leis ordinárias e complementares, medidas provisórias, comunica-dos internos, pareceres vinculativos, códigos, estatu-tos, convenções, ajustes, decisões judiciais, termos de conduta, regimentos etc. são expedidos diariamente, interferindo diretamente na vida dos cidadãos, e pro-duzidos em grande parte – a maioria deles, com certe-

za – à margem do Poder Legislativo (...). “Tal processo banalizou o direito, retirando dele seu caráter sagra-do (...). A inflação legislativa corrompeu um princípio caro ao universo jurídico: a presunção de que todos conhecem a lei. Afinal, o sistema jurídico sustenta a sua funcionalidade na suposição de que a norma ju-rídica é conhecida” (CLÈVE, 2000, p. 56). Some-se a tudo isso a condição dominante de precariedade das leis, que em muitos casos são editadas para atender a demandas provisórias – de caráter econômico, princi-palmente –, de efeito e duração limitadas. Abordando o tema, Roberto Soares destaca a necessidade de mu-dança paradigmática para lidar com a questão, já que a lei, no século XIX, era a “magna carta da liberdade”, mas, na contemporaneidade, ela “reduz-se a um ato finalisticamente orientado de constituição política”, e não importando de onde seja proveniente – do Execu-tivo ou do Legislativo (71) –, “a lei não constituirá ne-cessariamente garantia da liberdade” (SOARES, 1969, p. 151). Para Clève, as transformações rápidas do ser social corrompem o próprio conceito de lei; assim “a garantia da liberdade desloca-se da lei para a Consti-tuição” (CLÈVE, 2000, p. 55).

Esse deslocamento das garantias afetas à cida-dania, da lei para a Constituição, acarreta outro com-plicador para o papel dos Parlamentos, uma vez que nos Estados de Direito Democrático, o guardião da Consti-tuição é o Judiciário, despido de legitimidade decorren-te do voto popular. Georges Ripert registra as críticas que o Direito tem sofrido na sociedade pós-moderna – do conhecimento e da técnica – e a sua insustentabili-dade diante do domínio inexorável do tecnocrata sobre o jurista e o político (RIPERT, 1949, p. 154).

A lei não está em crise. uma determinada con-cepção de lei, sim. uma nova concepção, todavia, deve ser elaborada. Quando os juristas apontam a crise da lei, afirmam que aquelas característi-cas do ato legislativo, tal como visualizado pela doutrina clássica, não se ajustam aos atos assim definidos e editados pelo Estado contemporâ-neo. A lei era genérica e permanente. Hoje, o Estado edita atos legislativos nem sempre gené-ricos e, ademais, consumidos pela característica de transitoriedade. Ora, o conceito de lei como ato dotado dos atributos de generalidade, de

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abstração e de permanência decorre de uma de-terminada concepção de Estado. (...) Tudo muda com o Welfare State. Ao lado daquelas leis que, efetivamente, respondem às características re-clamadas pela concepção clássica, outras são efetivamente editadas, mas exatamente para regular as situações transitórias, emergentes e conjunturais. (...) A lei, que ostentava a condi-ção de garantia da liberdade (tal como o libe-ralismo a concebe); que não passava de regra jurídica delimitadora da esfera livre de atividade das pessoas nas suas relações recíprocas, agora assume um caráter nitidamente instrumental ou de meio de intervenção do Estado; enfim, torna-se um instrumento de conformação social. A lei-garantia e a lei-instrumento passam a conviver. Nem todos os juristas compreendem o fenôme-no. Ao conjunto das primeiras chamam de di-reito. As segundas identificam como produto da disfunção, do declínio, ou melhor, da crise pela qual passa o direito (CLÈVES, 2000, p. 58 e 59).

Na esteira da mesma compreen-são, Eros Grau salienta que

a imagem da crise do Direito, se-não o Direito burguês, do século passado, que, a partir de crise pro-funda, revivificou-se, agora substituído por um novo Direito, adequado ao capitalismo do nosso tempo, apto a bem servi-lo. Por certo não é o Di-reito, como anota Jean Boulanger, que está em declínio: “ce sont les príncipes animateurs de la codification napoleoninne que sont em declin” (GRAu, 1990, p. 38).

Outra forma de descentralização legiferante é a adotada pelo sistema federativo de Estado, nos quais os entes integrantes da federação partilham a função legislativa. O Brasil apresenta-se como caso peculiar, por ter três níveis de entes federativos – municipal, es-tadual e nacional –, e, conforme a Carta Política de 88, todos eles com competências de legislar em matérias exclusivas, concorrentes e supletivas. O federalismo brasileiro, como o americano, não teve bases étnicas ou religiosas, como certos Estados europeus: foi forja-do em bases geográficas, econômicas, administrativas

e políticas. Afonso Arinos de Melo Franco, em memo-rável estudo, ensina que

o federalismo é a tendência governativa que faz predominar o método da coordenação so-bre o método da subordinação, e a Federação é o tipo de governo que realiza tal tendência. Não devemos perquirir fórmulas que definam abstratamente a Federação (...). Esta Federação in abstractu não existe. Ela é, como todos os fe-nômenos governativos, um fenômeno histórico. Por conseqüência, o que nos compete é, em pri-meiro lugar, observar em termos gerais e breves o que tem sido e o que é o federalismo brasileiro (...). O problema, repetimos, não é de enquadra-mento teórico (tese acadêmica e sem realidade), mas de conveniência e compatibilidade práti-cas (solução histórica e objetiva) (PILLA, MELO FRANCO, 1958, p. 47).

Nesse cenário disposto por Afonso Arinos, podemos constatar que o federa-lismo brasileiro, embora identificado com o americano quanto à sua conformação, difere, em muito, dele. Enquanto lá o fe-deralismo foi construído a partir das co-lônias independentes que se uniram para formar os Estados unidos da América, aqui a federação foi a partilha político-

administrativa republicana de um Estado unitário. Na América, a federação surge a partir da experiência da coordenação entre colônias autônomas na guerra de independência; no Brasil, ela é produto do desmem-bramento da estrutura monárquica centralizada. Os americanos, após longo processo dialógico, político e social edificaram um modelo para atender às suas demandas reais e históricas. No Brasil, o federalismo nasce a partir de debates teóricos, parlamentares e alimentados pela busca de mais poder de oligarquias locais ou regionais. O federalismo é construção ame-ricana, e, por isso, natural à formação cultural de sua sociedade. Aqui, a federação foi modelo importado e adaptado superficialmente, sem eco nas camadas mé-dias e baixas da classe política, e sem identificação cultural com a população. O superficialismo cultural da federação brasileira pode ser demonstrado pela facili-dade com que o Estado Novo engendrado por Vargas impôs o centralismo governamental com a nomeação

Afonso Arinos

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de interventores estaduais, promovendo até a quei-ma das bandeiras dos estados-membros, exaltando o unitarismo. Anos depois, o regime militar instaurado em 1964 mais uma vez reduziu os estados-membros a meras “autarquias políticas”, sem autonomia sequer para escolher seus governadores. Atualmente, o poder central representado pela união detém mais de 60% das receitas públicas, deixando os estados-membros em situação de permanente dependência financeira, e, conseqüentemente, mitigados quanto à desejada auto-nomia política inerente ao sistema federativo.

O federalismo brasileiro da Carta de 88, a des-peito de sua evolução no processo constitucional repu-blicano – ou involução, em alguns casos –, é atenuado pela excessiva concentração de rendas e poderes na união. A autonomia dos estados-membros e dos muni-cípios é mais formal que real. É mais simbólica do que efetivamente político-administrativa. A rigor, pode-se mesmo afirmar que é um “federalismo consentido”, na medida em que os estados e municípios da federação sobrevivem, em grande medida, de verbas liberadas por ato de vontade do governo central. Também o artigo 34 da Constituição de 1988, que prevê a possibilidade de intervenção da união nos estados-membros, se cum-prido à risca, liquidaria o sistema federativo porquanto pouquíssimos entes não estariam descumprindo algu-mas das hipóteses previstas para sua decretação. O artigo 22, que estabelece as competências legislativas privativas da união, reserva muito pouco aos demais entes. Substancialmente, aos estados-membros ficam as matérias residuais que não lhes sejam vedadas pela Constituição (artigo 25, § 1º) e aos municípios, tão so-mente, a competência para legislar sobre assunto lo-cal e suplementar a legislação federal e estadual no que couber (artigo 30, I e II). A federação brasileira é totalmente dependente da vontade política do poder central, que pelas peculiaridades contemporâneas está assentado no Poder Executivo, o qual dita as normas gerais e específicas das ações que deseja implementar.

Citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Ru-bens Beçak registra que o

Po der Legislativo assumiu muito mais o papel passivo, frente à iniciativa cada vez mais di-nâmica do Poder Executivo. – E continua o au-

tor: “Essa tendência, curiosamente, recoloca os Parlamentos em posição semelhante à que ocupavam ao surgirem, na Idade Média (...)”. Em estudo acerca do papel do Poder Legislati-vo no século XXI, Caggiano te ce considerações na mesma linha, mostrando a apatia dos le-gislativos no século XX, exa tamente por terem perdido a quase exclusividade de capacidade de produção legislativa. A autora diz, claramente: “(...) A multiplicidade, a celeridade demandada, a especificidade das novas exigências da vida na comunidade social, demonstraram a inaptidão dos Parlamentos para, por intermédio de legis-lação própria, oferecer solução imediata aos problemas emergentes, impondo-lhes, inclusive, o acatamento, das proposituras governamentais (...)”. Isto, é bem verdade, realça o novo caráter de prestígio do Legislativo, com as tarefas ou-tras, como a de controle político, notadamente após a década de 1990. É claro que os Legislati-vos, no geral, continuam a desempenhar impor-tante papel legiferante, entretanto se nota que se acentuou o seu papel de agentes fiscalizado-res e controladores (BEÇAK, 2008).

O fato é que a hipertrofia do Poder Executivo tem relação direta com o esvaziamento do papel a ser desempenhado pelo Poder Legislativo. A evolução po-lítico-administrativa mundial e brasileira tem revelado um Poder Executivo cada vez mais articulado e com mais poderes. No Brasil, o monitoramento da atuação do Poder Legislativo pelo Executivo, mediante a forma-ção das chamadas “maiorias parlamentares”, poda-lhe as prerrogativas, sobretudo a independência consti-tucional, que é também muito mais formal que real, e muito pouco possível de ser exercida. Raramente as pautas discutidas no ambiente parlamentar não são as determinadas pelo Executivo que, por meio de instru-mentos políticos, jurídicos, administrativos e orçamen-tários – emendas parlamentares, verbas ministeriais, medidas provisórias etc. – influencia sobremaneira o resultado das votações. Manipulado pelo Executivo, o Poder Legislativo brasileiro não demonstra também aptidão para o exercício do controle das funções admi-nistrativas do Estado, como destacou Beçak, deixando em desuso – ou utilizando parcial ou inadequadamente – inúmeras prerrogativas constitucionais privativas.

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A desorganização do quadro político institucio-nal brasileiro – sistemas partidários1 e eleitoral defi-cientes – produz uma classe política instável, indivi-dualista, de pouca representatividade e inconsistente, dificultando o desenvolvimento do processo legislativo e o exercício, pelo Parlamento, de suas competências e atribuições. Os intermináveis confrontos e desarranjos políticos, geralmente decorrentes da fragilidade dos partidos que pouco ou nada representam, favorecem a atuação isolada de parlamentares que procuram sa-tisfazer demandas paroquiais em detrimento de uma agenda nacional (NETO; SANTOS, 2003, p. 91 a 139).

No entendimento de Bonifácio de Andrada, possivelmente,

a crise política brasileira encontrará no atual sistema eleitoral uma das suas principais causas ou razões (...). A conseqüência é uma tendência para a formação de uma cultura política deturpada porque ela praticamente anula a pre-sença dos partidos políticos, o que provoca um sério vazio no cenário sociopolítico, atingindo a consciência e a inteligência das elites dirigentes. (...) Quer dizer, o raciocínio político, no dia-a-dia, não leva em conta as agremiações partidá-rias, e quando muito apenas os candidatos – os titulares de mandatos –, porque as eleições par-lamentares de fato se desenvolvem fora dos par-tidos, que têm uma presença puramente formal. (...) Toda a atenção dos eleitores, da sociedade e da mídia são para os candidatos apenas (AN-DRADA, Bonifácio; 2006, p. 12 e 13).

Analisando o processo político-eleitoral do país, Bonifácio revela que os candidatos de um mesmo par-tido disputam as vagas entre si, ignorando as legendas concorrentes, em prejuízo das estruturas partidárias, de sua coesão e unidade. O debate eleitoral apresenta-se deformado, uma vez que o confronto entre progra-mas partidários fica fragilizado e dá lugar à luta inter-na “fratricida” entre membros da mesma agremiação, estimulando o individualismo. Nas eleições, a forte concorrência interna provoca o imobilismo político e a omissão das cúpulas dirigentes, com reflexos posterio-res na vida e atuação partidárias. As eleições perdem, assim, o caráter de conjunto partidário, e se transfor-

mam em “projetos eleitorais pessoais”, nos quais cada candidato deve estruturar sua própria campanha, tanto material quanto financeiramente, elevando os gastos eleito-rais, favorecendo a corrupção e dificultando a fiscalização. Como cada candidato deve apresentar sua prestação de contas indivi-dualmente, torna-se praticamente impossí-

vel um controle eficaz dos gastos durante o processo eleitoral.

Com relação ao sistema eleitoral praticado entre nós, Bonifácio relaciona tópicos que concorrem para o agravamento da crise política no país: 1- o sistema uni-nominal, que estimula os conflitos internos; 2- campa-nhas eleitorais individuais, afastadas dos partidos, ele-vando os custos financeiros das mesmas, e estimulando a corrupção; 3- “despartidarização” da cultura política, enfraquecendo as referências programáticas; 4- predo-mínio da política dos free lancers, que transfere as ne-gociações legítimas do campo político-partidário para

1 “Quando se fala em sistema partidário, entende-se o conjunto de partidos existentes, lideranças, comportamento eleitoral, legislação em vigor e concepção de vida partidária por parte de determinada sociedade. (...) O Brasil, ao longo de sua evolução, passou por vários sistemas partidários, ao contrário de outros povos, que em sua existência política conviveram com poucos ou um único sistema, como acontece, de certa maneira nos Estados unidos e na Inglaterra, e mesmo na América do Sul, em países como Argentina, Paraguai, Chile e México. Tivemos, na época Imperial, uma fase inicial de vida partidária, logo após a Independência Nacional, de 1822 a 1831. A segunda fase vai de 1834 a 1889. Em seguida, o primeiro período republicano teve um sistema partidário que durou de 1932 até 1937, com o golpe do Estado Novo. Só em 1945 se reabre a fase democrática e o país vive um novo sistema, com duração até 1965, quando entramos em outro, originado dos governos militares, que vai de 1965 a 1979. Daí em diante, até 1988, com o fim do ciclo militar, surge novo sis-tema. (...) Ao longo dos anos, verifica-se (...) certa tendência do Estado brasileiro de não favorecer os sistemas partidários; ao contrário, tem-se manifestado a disposição de agredi-los, eliminando os partidos políticos em várias conjunturas (ANDRADA, Bonifácio José; 2008, p. 20/36).

Bonifácio Andrada

2.5 Desorganização partidária e eleitoral

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o “balcão de negócios” individuais dos detentores de mandato (ANDRADA, Bonifácio; 2006, p. 15 e 16).

Já a crise partidária é vista por Bonifácio como decorrente, em grande parte, de processos históricos: 1- tradição negativa do Estado brasileiro em relação aos partidos, com a contínua destruição dos sistemas vigentes em diversos momentos da nossa história polí-tica; 2- implantação de sistemas partidários artificiais, como o adotado durante o regime militar a partir de 1965, e que perdurou por quase 20 anos, com reflexos negativos que influenciam até hoje a cultura política e partidária nacionais; 3- regime presidencialista hiper-trofiado, que dificulta a existência de partidos estáveis, diante das pressões e interferências governamentais no interior das legendas; 4- a sociedade de massas e o forte poder da mídia que privilegia as ações políticas individuais em detrimento do conjunto partidário; 5- tendências tecnocráticas de gestão, que enfraquecem a política e, de certa forma, discriminam a ação dos par-tidos políticos; 6- sistemas proporcionais e uninominal, com prevalência dos candidatos – e detentores de man-dato – sobre os partidos, facilitando a ação do poder econômico e da corrupção. Segundo o autor, “a atual lei dos partidos ainda tem muitos cacoetes da antiga lei orgânica dos partidos do regime militar” (ANDRADA, Bonifácio; 2006, p. 45). E faz a seguinte advertência:

Hoje, no Brasil, o processo político enfraqueceu-se demasiadamente, fortalecendo muito o aspec-to pessoal dos políticos que obtêm mandatos. O sufrágio proporcional e uninominal praticado no Brasil deturpa a vida partidária e política ao privi-legiar as pessoas e não as legendas. Há um perso-nalismo negativo que invade a vida partidária com deturpações altamente nefastas, que extrapolam as agremiações e invadem a arena política con-

gressual. O voto uninominal como pedra angular do sistema partidário atual tende a levar o país a constantes instabilidades, porque a cada novo pe-ríodo eleitoral haverá sempre mais a necessidade das candidaturas se ampararem no poder econô-mico2 (ANDRADA, Bonifácio; 2006, p. 37).

Andrea Manzella vê a causa estrutural da crise dos partidos no entrechoque do Estado-organização e Estado-comunidade, já que as relações entre partido político e organização estatal são precárias e sem siste-matização jurídica clara em suas relações. As relações que deveriam ser partidárias – programáticas, dão lugar ao personalismo de seus agentes, que instrumentali-zam progressivamente esferas públicas. Na sua visão, fica evidente a incapacidade dos partidos de atuarem com autonomia no âmbito das decisões políticas insti-tucionais e de imporem determinada direção às ações de seus representantes (MANZELLA, 1987, p. 21).

Na mesma linha de raciocínio, Mauro Rodríguez Estrada e Sigfrido Samet Letichevsky vêem os partidos atuando não como mediadores entre os cidadãos e os governos, mas convertendo-se em bastiões e fortalezas de poder, edificados pela classe política como forma eficaz de disputa pelo poder simplesmente, desconhe-cendo os reais interesses da população. Denunciam que os partidos chegam a obstaculizar a administração pública ao “partidarizarem” excessivamente determi-nados setores governamentais, transformando-os em “apêndice partidário” em detrimento das ações pú-blicas, e os servidores da administração, nestes casos, exercem atividade de serviço político das legendas e não do público (ESTRADA; LETICHEVSKY, 1998, p. 46).

Para Norbert Lechner, “a crise dos mapas políti-co-ideológicos aprofunda a desidentificação do cida-

2 Para exemplificar os elevados e crescentes custos eleitorais, transcrevemos reportagens dos jornais Estado de Minas e Estado de S. Paulo: “Os números são contundentes. Entre 2004 e 2008, os gastos médios de campanha declarados à justiça eleitoral pelos vereadores elei-tos em Belo Horizonte triplicaram e tiveram aumento médio de 202%. A inflação medida pelo IPCA no período é de aproximadamente 22,2%. Enquanto em 2004 os 41 vereadores que conquistaram cadeira no legislativo municipal informaram uma despesa média de campanha de R$ 43.908,98, nestas eleições o dispêndio informado pelos vereadores eleitos foi de R$ 132.827,40. O custo médio do voto dos vereadores eleitos saltou, neste período, de R$ 4,88 para R$ 15, 76 – uma variação de 229%” (Estado de Minas, 2008, p. 3).

“O custo médio de uma campanha para prefeito nas últimas eleições foi de uS$ 14 por voto e para vereador, uS$ 8 por voto, segundo levantamento da Associação Brasileira de Consultores Políticos (Abcop), que reúne profissionais que trabalham em campanhas eleitorais. Considerando esses valores, o custo da campanha do prefeito reeleito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), seria de uS$ 53 milhões (R$ 116,6 milhões), multiplicando-se os uS$ 14 pelos 3.790.558 votos que ele obteve no segundo turno. Ainda seguindo esse cálculo, Marta Suplicy, candidata do PT, teria gasto uS$ 34,3 milhões (R$ 75,5 milhões, equivalentes a 2.452.527 votos). São Paulo é o maior colégio eleitoral do País, com 8,2 milhões de eleitores e, portanto, é onde se concentrariam os maiores gastos de campanha” (O Estado de S. Paulo, 2008, via internet).

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dão com os partidos políticos”, que já não “oferecem à cidadania códigos interpretativos que permitam es-truturar seus interesses e valores, suas preferências e medos, nas identidades coletivas” (LECHNER, 1994, p. 21). Os partidos políticos, tal qual o concebemos hoje, tiveram sua formulação no século XIX, numa sociedade estática, estratificada e de correntes de opinião bem definidas, não obstante a efervescência da Revolução Industrial. Os partidos representavam concepções dou-trinárias e ideológicas que apresentavam receituários próprios e auto-suficientes para a edificação de uma sociedade sempre melhor, em busca da perfeição, do ótimo social, do progresso, da ordem e da paz. A con-temporaneidade apresenta-se, bem ao contrário, frag-mentada, multifacetada, multiculturalizada e compar-timentalizada em saberes vários, onde a complexidade, entrelaçada com o imprevisível e o inordenável mundo em que vivemos, oferece um campo completamente incerto e volátil onde os partidos políticos se perdem: “ficam sem discurso e os cidadãos sem aquelas pautas interpretativas com as quais ordenavam os processos sociais e seus lugares mesmos”. Além da extrema di-ficuldade da definição programática em visões ideo-lógicas estanques, de contornos claros, os partidos têm que conviver com pautas comuns a todos, como a questão ecológica – e seus desdobramentos: polui-ção, aquecimento global, desmatamento, biopirataria, etc. –, a problemática nuclear, o terrorismo, a fome, os movimentos migratórios, os genocídios, enfim, uma gama de assuntos que extrapolam o contêiner ideoló-gico. Com pautas tão difusas quanto intermináveis, e de assuntos que ganham destaques na mesma rapidez com que perdem importância, é praticamente impos-sível aos partidos definir seus posicionamentos com a

estabilidade, a clareza e a completude exigidas pelos cidadãos.

Trata-se de um processo repleto de vacilações e dúvidas. Por parte dos partidos políticos mescla-se a defesa acirrada de velhas senhas de identida-de com a reformulação de objetivos e estratégias, conforme a nova realidade. Crescem os catch all e emergem os “partidos transversais” – coalizão de facções – o que debilita ainda mais o sistema de partidos. Similar ambivalência caracteriza a ex-periência da cidadania, onde as imagens e identi-dades herdadas convivem com novas e confusas sensibilidades (LECHNER, 1994, p. 21).

Já quanto à questão eleitoral e à da utilização do voto proporcional, Nelson de Souza Sampaio regis-tra que o sistema surgiu a partir de pregações

iniciadas na primeira metade do século passado e que foram paulatinamente ganhando terreno (...). Sua idéia fundamental é de que as Câmaras po-líticas devem representar com mais fidelidade as diferentes correntes de opinião, constituindo-se numa espécie de miniatura do eleitorado. (...) Daí a insistência numa verdadeira proporcionalidade e as diferentes fórmulas matemáticas para efeti-vá-la. A proporção entre a soma de sufrágios de um partido (...) e o total de votos apurados deve ser igual à proporção entre as cadeiras a ele atri-buídas e o total de cadeiras da Câmara política. Para fazer essa matemática eleitoral, as fórmulas são várias, sendo as mais conhecidas as de Hon-dt3 e a do quociente eleitoral. A última é ado-

3 Victor D’Hondt (1841-1901), jurista belga e professor de direito civil na universidade de Gand, adepto da representação proporcional – repartição dos mandatos pelos partidos, proporcionalmente à importância da respectiva votação –, concebeu o método que leva o seu nome. O método consiste numa fórmula matemática, ou algoritmo, destinada a calcular a distribuição dos mandatos pelas listas concorrentes. utilizando a matemática, o método pode ser representado pela fórmula onde V: (S + 1) é o número total de votos apu-rados para a lista e S o número de lugares já colocados na lista em cada iteração do cálculo. A operação repete-se até todos os lugares estarem atribuídos. O processo de Hondt, tal como o de o Saint-Laguë e outros similares, baseia-se na atribuição dos mandatos de forma tal que a proporcionalidade entre os votos recebidos pelas listas seja reproduzida, tanto quanto possível, na composição do órgão eleito, sem descurar a introdução de um fator de discriminação positiva em relação às minorias, permitindo-lhe uma representação que a simples divisão aritmética dos votos lhes negaria. Ao contrário do que acontece em órgãos colegiais formados por simples maioria, nos que utilizam estes métodos as minorias em geral conseguem representação razoável. O método pode ser utilizado com o estabele-cimento de limiares mínimos de eleição, sendo nesse caso eliminados de consideração os votos que recaiam nas listas cuja percentagem no total seja inferior ao mínimo estabelecido. Outra variante permite que o eleitor determine a seqüência de atribuição dos mandatos dentro de cada lista, sendo os mandatos atribuídos à lista ocupados por ordem decrescente dos votos no candidato. A variante mais comum do método de Hondt é o denominado sistema Hagenbach-Bischoff, em que se permite a existência de um mecanismo de quotas na distribuição dos mandatos sem contudo perder a proporcionalidade. Apesar de favorável à representação das minorias, o método de Hondt é menos vantajoso para os pequenos grupos do que o método de Saint-Laguë, outro sistema de determinação da representação proporcional também freqüentemente utilizado. (pt.wikipedia.org/wiki/Método_de_Hondt – 7.11.2008).

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tada entre nós, distribuindo-se as cadeiras entre os partidos conforme o quociente da divisão dos votos válidos (incluídos os em branco) pelo nú-mero de cadeiras da Câmara política. Dividindo-se a votação de cada partido por esse quociente, obtém-se o número de lugares que conquistou. As cadeiras restantes – isto é, as que não foram preenchidas pela aplicação do quociente eleitoral –, são objeto de nova distribuição entre os parti-dos detentores da maior média. Os eleitos são os mais votados, na ordem decrescente, até perfa-zer a soma de cadeiras de cada legenda. O elei-tor brasileiro que não vota em branco emite dois votos: um, no partido, necessariamente; o outro, se desejar, no candidato de sua preferência. Este último voto – também chamado “cabeça de cha-pa” – determina a posição de cada candidato no resultado do prélio eleitoral (SAMPAIO, 2008).

É justamente neste ponto que o sistema pro-porcional brasileiro apresenta seu maior problema, ou seja, a possibilidade de o eleitor votar no chamado “cabeça de chapa” ou “puxador de legenda”. Com isso, estabelece-se uma acirrada luta interna nos partidos, personificando as candidaturas e campanhas eleitorais para induzir o voto em determinado candidato, pouco importando em qual legenda ele esteja. A lógica fica invertida: enquanto a escolha deveria recair sobre um partido – ou uma corrente de opinião ou um progra-ma –, cujos candidatos deveriam representá-lo, o voto fica direcionado à pessoa do candidato, restando ao partido papel secundário, quase formal de registro do mesmo. Como a disputa interna entre as pessoas dos candidatos é que decidirá o vencedor, esta demanda ganha proeminência, domina a dinâmica da campanha eleitoral, invade as propagandas e sufoca os partidos que, enfraquecidos e impotentes, tendem a se anular no processo. O objetivo da proporcionalidade fica redu-

zido com a exaltação do personalismo porque, eleito, o candidato não se sente vinculado ao programa da legenda a que está filiado, e vê-se como “dono exclusi-vo” do mandato que, realmente, ele conquistou a duras penas com esforços e recursos próprios. O partido sig-nificou, nesse caso, apenas um “guarda-chuva” carto-rial, formal e jurídico que o habilitou a candidatar-se.

Some-se a esse complexo problema a grande quantidade de partidos políticos existentes, favorecida pela facilidade oferecida pela legislação, pulverizando em demasia o quadro partidário. Há partidos, certa-mente, que não representam opinião nem correntes ou tendências quaisquer, mas tão somente o interesse de quem os criam. Tais partidos são verdadeiros “feudos privados” a serviço de seus “instituidores” e, uma vez registrados, passam a ter espaço institucionalizado – com direito a tempo gratuito nos veículos de comu-nicação e direito de vagas para lançar candidaturas a todos os postos em disputa –, o que os torna cobi-çados, dada a possibilidade das coligações partidárias. um pequeno partido poderá funcionar como “fiel da balança”, cobrando caro o seu apoio, gozando, em cer-tas circunstâncias, de força política muito superior à sua real condição. Neste cenário de desarranjo polí-tico-partidário-eleitoral as coligações transformam-se em outro complicador: são formadas, em muitos casos, para atender a necessidades de candidaturas pessoais, ou, ainda, significam um “negócio” em troca de va-gas para mais candidaturas ou mais tempo no horário eleitoral gratuito nos veículos de comunicação. Tudo, afinal, concorre para diminuir o nível de legitimidade da representação política, interferindo até no nível in-telectual e moral, pela mentalidade imediatista – e não raro corrupta – que domina o processo.

Após a eleição4, a fragmentação partidária, o personalismo exacerbado, os elevados gastos dos can-

4 Na eleição, como processo de habilitação incondicional para o exercício de um cargo público, o eleito não se liga ao eleitor por nenhum vínculo jurídico. Quando muito, mantém com o seu eleitorado – que, no voto secreto, não poderá sequer saber, com certeza, qual seja – laços políticos ou morais a critério de sua consciência. A relação eleitor-eleito desaparece com o ato de votar (...). A eleição tem a natureza jurídica de colação de competência aos eleitos, com certas ressalvas, nos sistemas de governo semidiretos. Em virtude desse sistema, os parlamentares podem ser destituídos antes do término normal da legislatura pelo voto popular, que pode dissolver toda a Assembléia (Abberufungsrecht) ou revogar mandatos isolados (recall). As deliberações da Assembléia podem também ficar sujeitas à aprovação ou rejeição do eleitorado através do referendum popular. Mas nenhum desses institutos importa em retorno ao mandato imperativo, porquanto os parlamentares não recebem instruções do eleitorado. A revogação popular de mandatos e o referendum cons-tituem atenuações do sistema representativo, no sentido de aumentar o controle do eleitorado sobre os legisladores e de ampliar-lhe a participação no processo legislativo. (...) Por outro lado, nas sociedades livres, novas técnicas, como os avanços nos meios de comunica-ção e, sobretudo as pesquisas de opinião pública, podem contribuir para maior aproximação entre as deliberações dos órgãos legislativos (e também executivos) e as preferências populares” (SAMPAIO, 2008).

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didatos, a impotência dos partidos diante da indepen-dência dos seus membros eleitos e a hipertrofia do Po-der Executivo transformam o ambiente congressual em algo instável e altamente volúvel, susceptível às pres-sões de todos os tipos. Os partidos, desmoralizados no processo político-eleitoral, são visivelmente suplanta-dos pela formação de grupos parlamentares suprapar-tidários – bancadas da saúde, da educação, da ciência, do meio rural, de defesa da mulher, do nordeste, do sul, etc. – e sofrem, também, forte influência de lideran-ças personalistas, muitas vezes ancoradas em benesses governamentais, que rompem os limites partidários internos, criando outros gru-pos suprapartidários ao redor de si com projetos de poder imediato ou de médio prazo, de viés econômico ou político, sempre à margem dos partidos.

A desestruturação partidária e eleitoral impõe um cenário de grave com-plexidade política institucional e elevado grau de desgaste da classe política, refletindo dire-ta e negativamente na atuação do Parlamento. Tudo concorre para a perda de qualidade e de agilidade da atuação parlamentar, mergulhada num mar revolto de fragmentação, onde faltam coordenação efetiva e diá-logo programático e construtivo, ensejando confrontos muitas vezes artificiais e desnecessários como pano de fundo para negociações escusas. Em inúmeros casos, gestos personalistas de seus membros, sem levar em conta o conjunto da instituição parlamentar, contri-buem para o contínuo enfraquecimento das legendas, influindo também para o descrédito da política prati-cada, cada vez mais distante da qualidade e agilidade desejadas na atuação parlamentar. O déficit de legi-timidade do Parlamento atinge patamares críticos na medida em que a sociedade sente-se alijada de seus processos internos e das práticas adotadas, e, pior, quando nem os compreende. Afastada, a sociedade cede lugar à ação de grupos de pressão organizados, de interesses desconhecidos do público, que agem com desenvoltura e influem decisivamente nos processos deliberativos do Poder Legislativo.

Alexandre Moreira descreve a dimensão e as conseqüências do crescente déficit político institu-cional das práticas incorporadas na ação parlamentar brasileira:

Democracia é um regime político que custa caro. O Brasil gasta vários bilhões de reais anu-almente para sustentar Parlamentos em todos os entes federativos, sem contar o custo bienal das eleições realizadas em todo território na-cional. Certamente, não é o regime mais efi-

ciente, caso a relação ˝custo-benefício˝ seja colocada puramente em termos econômicos. Em uma ditadura, as deci-sões políticas têm um custo bem menor, tanto em termos financeiros quanto em tempo decorrido. Escolher a democracia à ditadura não é, portanto, uma decisão pragmática. Pelo contrário, essa tomada de posição contrapõe-se a cálculos de eficiência total no exercício do poder, no

melhor estilo maquiavélico. O regime democrá-tico torna, de fato, a política uma arte mais im-previsível e demorada. Talvez, lenta demais para os padrões super-velozes dos tempos atuais. O que faz a democracia um regime tão “lento” é a absoluta necessidade da procedimentaliza-ção na tomada das decisões estatais. Procedi-mentalizar significa simplesmente que os atos públicos – sejam administrativos, políticos, le-gislativos ou judiciais – devem, necessariamen-te, ser precedidos de outros atos cuja função é permitir, ao máximo, a participação popular na formação do ato final. A democracia não é condizente com decisões tomadas de inopino, sem a possibilidade de participação popular, direta e indiretamente, por intermédio de seus representantes apenas. Tudo o que o Estado faz sem esse procedimento é simplesmente ilegíti-mo, por carência de representatividade popular (MOREIRA, 2008).

Victor D”Hondt

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A “judicialização” da política e das relações sociais tem aumentado no Brasil5. Impotentes diante da intromissão do Poder Executivo no ambiente par-lamentar, e da instabilidade permanente do quadro político-partidário, as minorias recorrem constante-mente ao Poder Judiciário para fazer valer seus direitos e posições. Também setores da sociedade, descrentes da atuação do Parlamento, buscam no Judiciário o que

não conquistaram pelo processo político-parlamentar. O que se verifica é o esvaziamento do espaço político-dialógico no Parlamento para a superação dos proble-mas sociais e políticos, e a assunção paulatina do Poder Judiciário como uma espécie de “conselho gerencial da República” (VIANNA, 1999, p. 15 a 44). Tal anomalia contribui para o crescente déficit democrático do nos-so sistema representativo.

5 <?> Já em pioneiro estudo, Klaus Schlaich mostrava que um Tribunal Constitucional, encarregado permanentemente do controle legislati-vo, acabará tendendo a utilizar no seu exame não só o resultado da lei, mas também o exame do processo pelo qual ela exsurge. O autor tece considerações oportunas e cautelosas sobre o tema, preocupando-se sobretudo com o processo legislativo, advertindo, afinal, que a constância da apropriação pelo Tribunal de processo que não lhe caberia na origem, poderia, paradoxalmente, conduzir à agudização da eventual falta de responsabilidade do legislador. Entendemos e partilhamos a angústia do autor, especialmente se considerarmos que a tendência de deslocamento da atividade legislativa para os Tribunais parece vir se acelerando e, sobretudo, configurando processo de lati-tude mundial, de certa forma inexorável. Lembramos o magistério de John Ferejohn sobre o fenômeno: “(...) Em contrapartida, a aplicação da lei deveria ocorrer nos Tribunais. A aplicação da lei pode ser controversa, mas espera-se que seja tratada primordialmente como um assunto técnico em que o que importa é escolher o princípio adequado à resolução do contencioso. O dever dos juízes e dos funcionários do Judiciário é fornecer tribunas equitativas e imparciais para que as partes em disputa possam resolver seus conflitos de acordo com as nor-mas legais pré-existentes e válidas. Os Tribunais não são lugares onde se formulam normas genéricas e prospectivas, tampouco são lugar para a atividade política de facções. As duas atividades – a legislativa e a judiciária – devem ser conduzidas separadamente, de acordo com princípios distintos (...)”. As preocupações do autor são aqui partilhadas, na medida em que se observa, e o nosso foco é o Brasil, um acirra-mento do fenômeno, com possíveis conseqüências a provocar cautela. (...) Não estamos a dizer, por claro, que falte legitimidade do nosso Judiciário. É meramente um refletir sobre o real valor da democracia enquanto fator necessário ao desenvolvimento da atividade política. Entendemos que o papel do Judiciário deve ser, sim, o de colmatar os espaços deixados omissos pelo legislador. Mas talvez, como aliás é a reflexão já citada de Klaus Schlaich, seja o caso de o Judiciário, mais especificamente o Tribunal Constitucional, remanescer apenas como mediador, diríamos até mesmo, um regulador do processo. Tal proceder asseguraria que o processo político como um todo permanecesse adstrito aos Poderes democraticamente incumbidos, sem os riscos evidentes de a vontade geral vir a ser exercida de outra forma. Não se deve deixar de mencionar que se observa que os próprios Poderes incumbidos do processo político têm contribuído para esta situação, na medida em que muitas vezes são estes próprios Poderes, notadamente o Legislativo, que recorrem ao Supremo Tribunal Federal em busca respostas políticas deste órgão (BEÇAK, 2008).

“A judicialização da política e das relações so-ciais no Brasil” foi alvo de interessante pesquisa co-ordenada por Luiz Werneck Vianna, que revela, entre outras questões, a crise das democracias representati-vas (ou parlamentares) e a hipertrofia da função exe-cutiva do Estado, com a drástica redução dos espaços políticos naturais, especialmente os atinentes aos am-

bientes legislativos. O trabalho constata que a “judi-cialização da política” no Brasil tem ocorrido de forma diferenciada do que ocorreu no Estado americano e nas democracias européias, como a francesa e a italiana. Nos Estados unidos, o Poder Judiciário assumiu papel fundamental na organização do Estado – com rele-vante papel político da Suprema Corte –, como con-

2.6 A “Judicialização” das relações políticas

2.6.1 O processo de “judicialização”

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seqüência da vontade dos chamados “pais fundadores” da Nação. Foi, por conseguinte, uma opção concebida desde os primórdios da nacionalidade. Já nos Estados europeus, como França e Itália, principalmente, foi do próprio Poder Judiciário a iniciativa de assumir novos espaços, sobretudo no pós-guerra.

No Brasil, a “judicialização” é mais complexa e decorre de fatores distintos: primeiro, da pressão da sociedade, através da chamada “comunidade de intér-pretes da Constituição” e vem acontecendo de maneira silenciosa, num longo e intenso processo cujo marco recente foi a Constituição da República de 1988. um segundo fator tem origem no processo de globaliza-ção econômica das últimas duas décadas, que impôs enorme sobrecarga aos Estados, fazendo com que o chamado Estado de Bem-Estar entrasse em crise na sua função de garantir direitos sociais. Num Estado garantidor de direitos, o desafio de prever e decidir simultaneamente as oscilações do mer-cado tornou-se tarefa quase impossível. Ora, revela a pesquisa, o “Estado Social, por definição, não pode se orientar pelo tempo passado, e, sim, pelos tempos pre-sente e futuro, assumindo a sua indefini-ção e indeterminação”. E as incertezas no mundo da vida acabaram por contaminar o direito, tornando-o “provisório” e “tem-porário” – incerto. Jürgen Habermas de-bita à abertura do direito ao tempo futuro a formação de leis “experimentais de caráter temporário e de leis de regulação de prognóstico inseguro”. Com isso pas-samos a conviver com conceitos jurídicos indetermina-dos que provocam generalizada insegurança jurídica. Essa crise fez com que se tentasse adequar o Estado ao mercado, reduzindo suas atribuições, com a adoção do que ficou conhecido por “Estado mínimo” ou neoli-beral: sem condições financeiras de arcar com direitos sociais, o Estado retira-se da arena pública e trans-fere para o mercado a solução ou encaminhamento dos problemas sociais, gerando aumento de conflitos e questionamentos de toda a ordem.

um terceiro fator que tem contribuído para a “judicialização da política” no Brasil é a hipertrofia do Poder Executivo e a constitucionalização do direi-to administrativo. Agigantado, o Estado brasileiro vive

certo hibridismo entre o que se convencionou chamar de Estado Social e Estado Neoliberal. Em determina-dos setores, como na máquina pública, ainda imperam princípios do antigo modelo, e em outros, como na po-lítica macroeconômica, prevalece uma visão neoliberal. O fato é que a partir de 1988, com a adoção da nova Constituição, o Poder Executivo “instrumentalizou” o Poder Legislativo para a aprovação de várias reformas com o objetivo de atender as demandas do mercado, com redução de direitos sociais, como foi o caso da “reforma previdenciária”. Também utilizando o insti-tuto das “Medidas Provisórias” o Poder Executivo vem exercendo um poderoso “ativismo legislativo”, retiran-do do ambiente parlamentar a condição de referên-cia como espaço político da sociedade. A construção de uma “ditadura da maioria” no Congresso Nacional, sustentada pelas superestruturas do Poder Executivo, tem diminuído o espaço reivindicatório das minorias e dos movimentos sociais, que acabam buscando ou-

tras trincheiras para a defesa de suas te-ses. E o Poder Judiciário vem sendo, de modo crescente, a principal delas. Mas ao bater às portas do Judiciário, a políti-ca reconhece o fracasso ou a impotência dos instrumentos tradicionais que sempre utilizou.

Não sem razão, o Supremo Tribunal Federal passou a usar com mais contun-

dência e freqüência o Mandado de Injunção, disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição da Repúbli-ca, que é concedido “sempre que a falta de norma re-gulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas ineren-tes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Desse modo, com o Mandado de Injunção, o Judiciário tem a força de determinar que o Poder Legislativo regula-mente um dispositivo. Poderá também dar as diretrizes para que o Direito não regulamentado seja exercido, até que o Legislativo faça sua parte como Poder. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello Filho, o atraso “para regulamentar um direito constitucional traduz incompreensível sentimento de desapreço à autoridade, pelo valor e pelo alto signifi-cado de que se reveste a Constituição Federal” (MELLO FILHO, 2008).

Gilmar Mendes

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A crescente “judicialização da política” no Brasil tem sido produto, afinal, destas três variantes: o alar-gamento da “comunidade de intérpretes da Constitui-ção” (o art. 103 da CR/88 assegura ao presidente da República, procurador-geral da República, Mesas da Câmara, do Senado Federal e das Assembléias Legis-lativas, partidos políticos, OAB e associações de tra-balhadores e profissionais a possibilidade de propor junto ao Supremo Tribunal Federal Ações Diretas de Inconstitucionalidade para questionar a validade das leis), a crise do Estado de Bem-Estar com a redução de direitos sociais, e a hipertrofia do Poder Executivo com a imposição de uma “ditadura da maioria” governa-mental no Parlamento.

A “judicialização da política” seria, assim, “um mero indicador de que a justiça se teria tornado um último refúgio de um ideal democrático desencantado”. A pesquisa registra que este fenômeno não é apenas brasileiro, mas universal e “inteiramente articulado à própria dinâmica das sociedades democráticas”. A va-lorização do Poder Judiciário estaria ocorrendo pela desqualificação da política institucionalizada, que teve seu espaço reduzido como conseqüência do próprio enfraquecimento da soberania dos Estados, que não teriam mais opções para atuar diante das regras dita-das pelo mercado. Com a soberania relativizada ao ex-tremo, pouco espaço resta aos Parlamentos, transfor-mados na contemporaneidade em meros homologado-res das políticas públicas determinadas pelos governos. Este, para impor suas demandas normativas e legais, determinadas pela lógica dos sistemas mundiais dos

mercados, “instrumentaliza” o Poder Legislativo, cons-truindo maiorias parlamentares “ditatoriais” à margem dos partidos, seus programas e lideranças. Os cidadãos, a sociedade e as entidades civis, desencantados ou de-sestimulados a atuar num espaço político institucional tão fragilizado quanto reduzido, muitas vezes inócuo, procuram o Poder Judiciário para a defesa e conquista de direitos (alvos constantes do Estado híbrido brasilei-ro, que de condição “Social” caminha para o neolibera-lismo com permanentes ações que visam à sua redução e extinção de importantes instrumentos de proteção social). As próprias minorias parlamentares seguem este caminho, com os partidos políticos de oposição recorrendo ao Poder Judiciário para contestar a decisão da maioria em plenário. O que se vê, em muitos casos, é a reclamação imotivada da classe política sobre inge-rências do Poder Judiciário em sua seara, após ela mes-ma abusar dos recursos à Justiça para resolver querelas que os próprios políticos criam.

Vivemos, assim, um paradoxo: de um lado, veri-ficamos o esvaziamento democrático da sociedade bra-sileira, onde os espaços públicos destinados ao diálogo político institucional e ao exercício discursivo para a busca de entendimentos perdem cada vez mais credibi-lidade, e, de outro, a incapacidade do Parlamento de dar respostas às suas próprias demandas e às da sociedade. O resultado é uma corrida ao Poder Judiciário, alçado à condição de “guardião de direitos fundamentais”, diante de um Estado que busca adequar-se às comple-xidades contemporâneas e às exigências do mercado, sacrificando muitos interesses individuais e sociais.

2.6.2 A redução dos espaços dialógico-parlamentares

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A reação da sociedade na defesa de seus direitos é o lado positivo de tudo o que foi posto, já que mate-rializa a participação, pressuposto básico da cidadania e das democracias. Mas o outro lado da moeda é que a sociedade cada vez mais entrega seu destino a uma “cúpula de juristas” – pretensos sábios do Direito, que se transformam em intérpretes privilegiados. São ele-vados, mesmo que à revelia de suas vontades, a uma posição suprema e absoluta, não apenas nos conflitos entre as partes, mas na própria condução das coisas públicas, da administração e do governo, como uma espécie de “Conselho de Estado”. Além do elevado grau de déficit democrático que este processo indica, a “judicialização da política” poderá, por outro lado, contaminar o Poder Judiciário com a sua crescente “politização” ou “partidarização”, o que provocaria conseqüências desastrosas. Numa visão pessimista, estar-se-ia, inconscientemente, criando uma “ditadura colegiada esclarecida” onde quem dará “a última pala-vra em nome da coletividade” poderá ser um grupo de magistrados “ungidos” com os poderes quase divinos das antigas realezas absolutistas.

Para Maria Tereza Sadek, na mesma medida

em que se robustece o protagonismo do Judiciá-rio, crescem e acirram-se as posições favoráveis e as contrárias a esse fenômeno. A valorização do

ativismo judicial e do constitucionalismo tem seu contraponto na contenção, nos riscos da extra-polação de suas funções, nos preceitos majoritá-rios. (...) Ademais, a expressiva “judicialização” de questões políticas, econômicas e sociais implicou a composição dos tribunais como arena de dispu-tas políticas e instância decisória (SADEK, 2008).

A “judicialização da política” é positiva como etapa de resistência contra um Estado contemporâneo em crise – como o brasileiro –, que vivencia a perda acelerada de sua soberania, que experimenta colapso moral, escandalosa ineficiência e fragilização do espa-ço político-parlamentar. Mas é processo que não pode ser visto como um fim em si mesmo, porque num Es-tado que se pretende de Direito Democrático, as nor-mas e regras jamais poderão ser fruto da vontade de “um grupo com saberes privilegiados”, por mais bem intencionado que seja, pois sempre haverá o risco de decisões elitistas, de caráter acadêmico e formalista, distantes da realidade social. No limite, se estará crian-do uma nova modalidade de organização dos Poderes do Estado, com o Judiciário adquirindo poderes para impor deveres e obrigações aos cidadãos e à adminis-tração pública, sem o devido debate público, político e parlamentar. A democracia está na possibilidade de o cidadão ser o construtor das regras sociais para que ele as cumpra como produto de sua vontade.

2.6.3 “Ditadura esclarecida”

Para a advogada Patrícia Perrone Campos Mello, como a vida é mais rica e ágil do que o proces-so legislativo, é inevitável que o juiz crie Direito ao decidir questões a ele submetidas e que podem não ter legislação a respeito. O próprio Poder Legislativo conferiu ao juiz essa possibilidade criativa (CAMPOS MELLO, 2008).

Além da lógica econômica e tecnológica (tecni-cismo/tecnocracia) que demanda rapidez e eficiência, em contraponto à lentidão do processo legislativo-par-lamentar, também a sociedade busca no Poder Judiciário a solução mais imediata para conflitos que a comple-xidade atual provoca a todo instante, e que a política institucional não consegue regular nem normatizar.

2.6.4 Outros aspectos da “judicialização”

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Luís Roberto Barroso entende que

o Supremo Tribunal Federal tem interpretado pró-ativamente a Constituição e, assim, atende as demandas da sociedade. Não considero que o Tribunal esteja invadindo o espaço da política no sentido impróprio que isso poderia significar. O Supremo tem invadido o espaço da política, em alguma medida, munido da Constituição. Isso não é um fenômeno positivo ou negativo, mas sim uma circunstância da realidade brasileira. Na Suprema Corte americana, processo muito semelhante aconteceu a partir de 1953, depois que o juiz Earl Warren tornou-se presidente da-quele tribunal. Ele liderou a fase do ativismo judicial da Suprema Corte, que vai até 1969, quando ele se aposenta. Em seguida, Richard Nixon assume a presidência dos Estados unidos (1969/1974) e tem início uma fase mais con-servadora e, portanto, de maior auto-contenção.

(...) No período de Warren, a Suprema Corte fez algumas das grandes reformas de que a socie-dade americana precisava e que o Congresso não conseguia fazer, a começar pela igualdade racial. (...). A Suprema Corte rompeu a inércia política e determinou que as escolas públicas de todos os estados-membros admitissem crianças brancas e negras, convivendo juntas. A Suprema Corte determinou a integração; isso não foi feito por lei, nem com o apoio dos Poderes Legislativo e Executivo (BARROSO, 2008).

O Ministro Gilmar Mendes, presidente do Supre-mo Tribunal Federal, considera que a interferência da Corte em questões legislativas não extrapola suas fun-ções e está prevista na Constituição. Na sua avaliação, o Supremo pode atuar de forma direta para preencher lacunas da Constituição quando há omissão legislativa. Para ele, existe “um conflito retórico” entre os poderes, mas “não parece que seja um quadro de desarmonia militante” (MENDES, 2008).

Para Anderson Lobato, é

interessante perceber que diante do fenômeno da hipertrofia do Executivo, a oposição encon-trou no Poder Judiciário um órgão de soberania capaz de bloquear e corrigir uma política gover-namental que procurou impor-se, abandonan-do o diálogo democrático. A “judicialização” da política seria uma resposta à falta de consenso no debate político. O Judiciário é chamado a posicionar-se sobre uma questão política sem-pre que a lei não conseguiu alcançar um grau de consenso satisfatório. Nesse momento, a Cons-tituição ressurge como norma-parâmetro para a aceitação e legitimidade do programa de go-verno e resgata-se, assim, a sua força normativa através do processo constitucional de controle de constitucionalidade das leis e das ações cons-titucionais de proteção dos direitos fundamen-tais. (...) O Poder Judiciário assume a tarefa de árbitro do debate democrático encontrando na Constituição o parâmetro para as suas decisões. (...) A jurisdição constitucional provoca uma ins-titucionalização do relacionamento entre polí-tica, Constituição e Justiça. Propõe de fato uma releitura do princípio da separação dos poderes em que a tese clássica de Montesquieu, sem perder o sentido da limitação do poder político através de instrumentos de controle entre po-deres, seria fortalecida pela maior participação do Poder Judiciário na defesa das instituições democráticas. (...) O Poder Judiciário no consti-tucionalismo democrático precisa resgatar a sua legitimidade. Essa legitimidade não poderá ser obtida através do processo eleitoral, como ocor-re com o Legislativo e o Executivo. A legitimida-de do Judiciário residiria na sua capacidade de proteger os direitos do cidadão e, sobretudo, de resistir à pressão política exercida pelo gover-no. A função da jurisdição constitucional é a de preservar a vontade da Constituição em face das maiorias eventuais que podem violar direitos da cidadania. (LOBATO, 2001, p. 47 a 52).