revista do Centro de Estudos do CEAT

28
revista Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2012 ANO I . edição nº 1 * ensino com ousadia Doutora em Educação pela PUC-Rio, Patrícia Corsino fala sobre os desafios da escola, novas mídias e a educação como meio de inserção social artigo: literatura para adolescente ‘Como seres da dúvida, jovens precisam da leitura para reinventar a vida’, por Ninfa Parreiras eu & o CEAT Na coluna, a ex-aluna Helena Buarque de Hollanda, o estudante Francisco Pires Ribeiro, do Ensino Fundamental I, e a funcionária Maria Luisa contam suas experiências no Castelo NOTÍCIAS ON-LINE DO CENTRO DE ESTUDOS THEREZINHA GONZAGA FERREIRA

description

revista digital do Centro de Estudos Therezinha Gonzaga Ferreira

Transcript of revista do Centro de Estudos do CEAT

Page 1: revista do Centro de Estudos do CEAT

revista Rio de Janeiro,

24 de agosto de 2012

ANO I . edição nº 1*

ensino com ousadiaDoutora em Educação pela PUC-Rio, Patrícia Corsino fala sobre os desafios da escola, novas mídias e a educação como meio de inserção social

artigo: literatura para adolescente‘Como seres da dúvida, jovens precisam da leitura para reinventar a vida’, por Ninfa Parreiras

eu & o CEATNa coluna, a ex-aluna Helena Buarque de Hollanda, o estudante Francisco Pires Ribeiro, do Ensino Fundamental I, e a funcionária Maria Luisa contam suas experiências no Castelo

NOTÍCIAS ON-LINE DO CENTRO DE ESTUDOS THEREZINHA GONZAGA FERREIRA

Page 2: revista do Centro de Estudos do CEAT

pág 3

pág 6

pág 10

pág 13

pág 14

pág 16

pág 20

pág 26

editorial

sala de aula _ por Glória Calvente

palavra de mestre: entrevista _ com Patrícia Corsino

resenha _ por Ninfa Parreiras

artigo _ por Ninfa Parreiras

eu e o CEAT: depoimentos

debates

saúde, por Suzete Marcolan

s u m á r i o

pág 5

poética: palavras, contos e afins _ por Isabela Massa*

*

pág 4

aconteceu por aqui...*

*

*

*

*

*

*

*

Page 3: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 3

A proposta da revista do Centro de Estudos Therezinha Gonzaga Ferreira é ser um espaço de reflexão interdisciplinar sobre o ensino, o pensamento, os diferentes campos do saber e o lugar da escola no mundo atual. Na busca de uma visão mais ampla da nova sociedade, do conhecimento e da tecnologia, que estimula a criação de novas mídias e formas de comunica-ção entre os indivíduos, nossa revista digital procura motivar respostas e soluções criativas a esses desafios contemporâneos. Essa publicação surge como o espaço virtual do Centro de Estudos, divulgando suas atividades e complementando a formação reflexiva de pais, alunos e educadores. A revista contará com artigos, relatos de experiências, fotos e imagens, memó-rias da escola, tratando sempre de assuntos ligados à cultura, educação, filosofia, arte, saúde, entre outros temas. O CEAT inaugura na web esse espaço livre e amplo de reflexão, formação e divulgação de novas ideias, aproveitando todas as possibilidades do formato on-line, no es-tilo despojado e variado de uma revista.

Nessa primeira edição, a educadora Patrícia Corsino fala sobre o lugar e as possibilidades da educação na contemporaneidade.

Na sessão saúde, a nutricionista Suzete Marcolan mostra que “a gente não quer só comida”: quando nos alimentamos, ingerimos também afetos e bem-estar.

Já no espaço de artigos, daremos voz à nossa professora de música, Glória Calvente, que escreve sobre a música como prática coletiva, e Ninfa Parreiras, especialista que trabalha na biblioteca do CEAT, apresenta um artigo sobre literatura para os jovens.

Nos registros e memórias do dia a dia do CEAT, temos o depoimento da nossa querida funcio-nária da educação infantil Maria Luísa, que conta um pouco da sua vivência na escola, e uma resenha de um livro de Joel Rufino dos Santos, homenageado da última FLIST.

Leiam e aproveitem a revista. Esperamos que esta primeira edição encontre leitores interes-sados pelo que vai nessas páginas e pelos próximos números.

FÁTIMA SERRA, diretora do Centro de Estudos Therezinha Gonzaga Ferreira

edito

rial

Page 4: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 4

aconteceu por aqui...aconteceu por aqui...

A Festa Literária de Santa Teresa (FLIST) aconteceu pela quarta vez! O Centro de Estudos promoveu a palestra “Sustentando a Insusten-tabilidade - Rio +20”. Comentários à minuta Zero do Documento-base de Negociação com Carlos Walter (pesquisador).

CLIQUE AQUI E A SSISTA O V ÍDEO DA FL IST

O Centro de Estudos TGF exibiu, no dia 30 de maio, o documentá-rio “Roda Gigante - compartilhan-do novas ideias: um conceito que une os profissionais de saúde, educação e cultura”, produzido pelo Grupo Roda Gigante. A sessão deu início à parceria que contemplará, neste semes-tre, oficinas para profissionais e pais do CEAT, visando desenvol-ver uma linguagem que associa humor, crítica e humanização do outro. A meta é oferecer aos participan-tes fundamentos para o melhor atendimento dos alunos portado-res de necessidades específicas. Aguarde mais notícias.

Page 5: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 5

*poéticapalavras, contos e afins...

UMA PORTA PARA O INFINITO

Uma biblioteca pode ser comparada ao cosmos. Sua grandeza pode ser deduzida: a pessoa que lê, ao fazer irrupções usando a imaginação, a estéti-ca, a pesquisa histórica ou científica, transforma em galáxias o extenso e ilimitado conhecimento humano. Portadora de uma energia produzida pelas pala-vras e pincéis, por emoção e razão, pela sensibi-lidade do olhar, faz ecoar as vozes do passado, do presente e do futuro constituintes de nosso saber.

Sim, uma biblioteca pode ser atemporal.

Cada ponto dessa galáxia é um livro, uma estrela de brilho próprio, esperando na estante o momen-to de virar pedido. Cadente nas mãos da gente, torna - se mais brilhosa à medida que consumida. Ao abrir seu conteúdo, o livro irradia a possibili-dade de conversas mais profundas, riscando o céu do nosso pensamento.

Sim, os livros pontuam nosso universo.

O professor, responsável por verter o conheci-mento em energia, deve estar disposto a embar-car nessa viagem intergaláctica, conduzindo seus passageiros entre leituras fazedoras de sentidos e de afetos. Tocando no “eu” em primeiro, para de-pois poder enxergar com olhos solares o que está em volta e irradiar parcerias dialógicas.O professor também deve ser capaz de traçar uma rota, do mundo para os “mundos”, ampliando as possibilidades de troca entre o que é popular e o que é erudito, entre realidade e imaginação.

Orientando, sabendo ouvir e fazendo ouvir as di-versas interpretações, especulações e escritas que daí venham a surgir.Traçando uma meta para os desejos do aluno, ma-terializados em palavras, realiza contatos imedia-tos com a literatura e veste a camisa da respon-sabilidade e do sonho; ambos necessários a tal astronauta.

Sim, o professor é quem dirige a nave do conheci-mento em harmonia com os outros.

A escola, Via Láctea da aprendizagem, é a nossa porta para o infinito.Não devemos ter limites na busca do novo; deve-mos sim, desde cedo, aprender a transformar toda sorte de estímulos em sabedoria.Um pensamento, um conceito, uma ideia, um pro-cesso, a leitura, a escrita são páginas do que que-remos espelhar. Espelhamos a composição do universo através da linguagem, considerando essa estrela maior que é a vida.

Sim, a escola é um universo que pode ser infinito.

Isabela Massa, bibliotecária do CEAT

Page 6: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 6

sala de aulasala de aula, por Glória CalventePrática de conjunto – a [re]descoberta da música

A gestão da infraestrutura é a contrapartida institucional – salas de aula compatíveis, posse e manutenção de instrumentos e equipamentos que viabilizem essas condições específicas.

Em geral, é difícil para a maio-ria das pessoas imaginar uma aula de música – independente do contexto na qual ela está in-serida – que não envolva ensino/aprendizagem de instrumentos musicais. Eu mesma tive que co-lecionar muitas experiências e reflexões para amadurecimento do formato de trabalho que hoje desenvolvo no CEAT – Centro Educacional Anísio Teixeira.

A metodologia específica para o ensino/aprendizagem de instru-

mentos musicais demanda con-dições bem específicas. A gestão da infraestrutura é a contrapar-tida institucional – salas de aula compatíveis, posse e manuten-ção de instrumentos e equipa-mentos que viabilizem essas condições específicas. O núme-ro de alunos por grupo deve ser pensado a partir de premissas técnicas. Professores precisam estar preparados para articular e equilibrar duas habilidades distintas, mas complementa-res: paralelamente à didática

*

Page 7: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 7

Entretanto, não há música sem silêncio, e isso é bem concreto e objetivo; do mesmo modo que não há nenhum nível de prática performática sem a habilidade de focar. A experiência do silêncio, do foco e o trabalho em equipe são, na minha opinião, os maiores desafios que a aula de música pode oferecer aos jovens paralelamente ao prazer e à sutileza da vivência musical propriamente dita.

específica do instrumento, há a questão da condução da aula, de modo a garantir um retorno a cada aluno sobre seu desenvol-vimento e necessidades, man-tendo ao mesmo tempo uma boa dinâmica de trabalho coletivo.

Entretanto, a possibilidade de fazer música, utilizando um ins-trumento musical, só vem com trabalho. Um aluno precisa sus-tentar a relação com seu ins-trumento – em outras palavras, estudar. Sem isso, não haverá colheita, resultados. É a mani-festação desse interesse que faz com que alguns jovens diferen-ciem-se rapidamente de outros na prática musical. A aula de instrumento, mesmo em grupo, precisa agregar um certo nível de afinidades para que o traba-lho seja cooperativo e comple-mentar, e o crescimento de to-dos esteja garantido. Por esses motivos, a escola especializada é aquela que cria essas condi-ções específicas e efetivamente absorve esse aluno.

Na sala de aula de uma escola regular, quando as linguagens artísticas são disciplinas obri-gatórias, o critério de organiza-ção dos grupos de alunos segue outras lógicas institucionais. Aos professores cabe a adap-tação de seu planejamento até encontrarem o modo de fun-cionamento possível, tendo em vista a complexidade das rela-ções escolares. Considero uma

importante tarefa observar que nível de potencialidades e disponibilidades internas exis-tem em cada aluno. É comum ver alunos muito musicais sem disponibilidade para a aula, ex-pressando um outro nível de

obviamente poderiam ir além, mas muitas vezes não o fazem).

Anterior a qualquer opção me-todológica e estratégica do pro-fessor, há uma questão concei-tual fundamental a ser conside-rada. Se por um lado a música é parte unânime da paixão dos jovens em todo o mundo, as condições inegociáveis do “fa-zer musical” são muito desa-fiadoras para pessoas que se habituam a “funcionar” em um contexto caótico – dispersão, autorreferência, superestimu-lação mental e sensorial, com destaque absoluto para um co-tidiano excessivo em decibéis. Entretanto, não há música sem silêncio, e isso é bem concreto e objetivo; do mesmo modo que não há nenhum nível de prática performática sem a habilidade de focar. A experiência do si-lêncio, do foco e o trabalho em equipe são, na minha opinião, os maiores desafios que a aula de música pode oferecer aos jo-vens paralelamente ao prazer e à sutileza da vivência musical propriamente dita.

Considerando todos esses as-pectos desafiadores, a prática de conjunto oferece boas possi-bilidades. Os alunos podem ser aproveitados dentro de sua ex-periência prévia e grau de mu-sicalidade. Os mais autônomos (por se dedicarem ao estudo de um instrumento específico, por exemplo) podem assumir

demandas; do mesmo modo, é também comum encontrar alunos com musicalidade pou-co fluente, mas extremamente disponíveis às atividades pro-postas, apresentando signifi-cativo crescimento a médio/longo prazos (em alguns casos, superando resultados daqueles considerados “talentosos”, que

Page 8: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 8

funções de liderança específica dentro de seu naipe; a área do canto vai ficando mais atraente conforme os alunos avançam na escolaridade, sentindo-se mais maduros – e deve ser muito es-timulada, pois representa um ponto nodal para a timidez e o medo de exposição dessa faixa etária, e um convite sedutor a grandes experiências musicais. A percussão é democrática e “aconchegante”, sendo capaz de gerar importantes lições so-bre precisão e sincronia para todos. A escolha do repertório favorece a necessidade de re-torno do adolescente em re-lação a seus valores, gostos,

signos e símbolos, mas projetos temáticos, estrategicamente dispostos, criam um equilíbrio e garantem a diversidade, ilumi-nando as possibilidades sobre canções, compositores e estilos desconhecidos até então.

A utilização do contexto da aula--ensaio como celeiro de apren-dizados profundos depende muito da capacidade do profes-sor em “gerenciar o caos”, com alegria e criatividade, sem abrir mão de seus sólidos conheci-mentos da linguagem e daque-les “princípios inegociáveis”, mencionados no início deste texto. Cabe a ele encontrar o

gesto preciso entre dar uma di-reção segura e garantir espaço para a participação autônoma do aluno, funcionando como um guia (e não entregando tudo “mastigadinho”), analisando as contribuições de cada um, as situações de cada aula, aprovei-tando tudo da melhor maneira possível, valorizando o conheci-mento, o estudo, a maturidade, a criatividade, a atitude respei-tosa com o processo de produ-ção. Além disso, a montagem de uma música está transbordante de conteúdos musicais impor-tantes, e essa é uma oportuni-dade imperdível para um pro-fessor consciente.

Page 9: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 9

A performance é também parte integrante e inegociável do pro-cesso, pois envolve condições muito específicas de aprendiza-do, que não podem ser substi-tuídas pela sala de aula e pelo ensaio – “treino é treino, jogo é jogo”. Muitas vezes, a carga emocional processada em uma situação de apresentação públi-ca modifica significativamente a visão de um aluno sobre o papel do trabalho de artes na esco-la e sobre si mesmo, suas po-tencialidades e seus desafios. A experiência bem-sucedida é fundamental para novos inves-timentos, representa um indi-cativo importante para o aluno.

Percebo no CEAT, escola que me acolheu, ampliou meus ho-rizontes e diferenciou minha experiência pedagógica, uma grande energia musical nos úl-timos anos. Compreendo esse processo como fruto de um tra-balho consciente dos professo-res de música e da equipe de Artes como um todo, e é algo que me deixa profundamente feliz. A intensidade da experi-ência artística aproxima-nos de uma dimensão especial e pro-funda, dentro dessa condição genérica e assustadoramente diversa que é o ser “humano”. Que o CEAT seja sempre o ninho da experiência artística sensí-vel e transformadora para seus alunos! •

Percebo no CEAT, escola que me acolheu, ampliou meus horizontes e diferenciou minha experiência pedagógica, uma grande energia musical nos últimos anos. Compreendo esse processo como fruto de um trabalho consciente dos professores de música e da equipe de Artes como um todo, e é algo que me deixa profundamente feliz.

* GLÓRIA CALVENTE É PROFESSORA DE MÚSICA E

SUPERVISORA DO PROJETO PIBID-CAPES DA UNIRIO

Page 10: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 10

A cada avanço do conhecimen-to, em todas as áreas, surgem novos desafios. No caso da educação (escola), quais são os mais relevantes desafios na contemporaneidade?

A escola, como uma institui-ção que surge na Modernidade, encontra-se num momento de redefinição de suas funções, que alguns autores identificam como momento de crise. Crise porque deixa de ser o espaço privilegiado de transmissão de conhecimento e de preparo das novas gerações para ganhar novas funções que não estão hegemonicamente definidas. A educação é uma prática social complexa. Cada grupo social de-manda funções diferentes para a escola. Projetos em disputa

Palavra de Mestreentrevista com Patrícia Corsino

trazem concepções distintas de formação de sujeito e de socie-dade. Bernard Charlot ao discu-tir as especificidades da educa-ção aponta um triplo processo: de humanização, de socialização e de entrada numa cultura, e de singularização-subjetivação. A socialização de conhecimentos – sejam antigos ou novos – se relaciona a este triplo proces-so. A própria ideia de avanço de conhecimentos supõe uma visão homogênea de progresso, de tempo contínuo e linear, visão amplamente questionada pe-los teóricos da Teoria Crítica da Cultura, em especial, por Walter Benjamin, Adorno e Horkheimer. Nesta via, um dos desafios para a escola hoje é assumir a tensão e a ambivalência entre a conser-vação – no sentido de disponibi-

lizar às novas gerações o legado construído – e a ruptura. Ben-jamin afirma em uma de suas teses Sobre o conceito de história que “nunca houve um monu-mento da cultura que não fosse também um monumento da bar-bárie”. Para Benjamin, o presen-te seria uma possibilidade de co-locar o passado em questão, um “salto do tigre” ao passado para “escovar a história a contrape-lo”; com a escuta da história dos vencidos e a recusa do tempo li-near, livrando o passado de seu eterno retorno como dominação. Nesta ruptura, altera-se o futu-ro. Em decorrência deste desa-fio, surge uma questão funda-mental: a linguagem expressiva. “Escovar a história a contrapelo” exige, necessariamente, dei-xar vir à tona as narrativas, ter

EM ENTREVISTA À REVISTA DO CEAT, PATRÍCIA CORSINO DIZ QUE A ESCOLA ESTÁ REDEFINDO SUA FUNÇÕES.

Doutora em Educação pela PUC-RIO, Patrícia Corsino fez parte do corpo docente do CEAT na década de 90. Teve forte atuação em projetos relacionados à literatura, contribuindo de forma marcante na história de nosso colégio. Hoje, é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRJ e da Pós-graduação em Educação da mesma instituição. Nesta entrevista, ela fala sobre os desafios na contemporaneidade, novas mídias e a educação como meio de inserção social.

*por Fátima Serra

Page 11: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 11

tempo e espaço para intercam-biar experiências, o que inclui a escuta e o se deixar afetar pelo outro para estabelecer elos de coletividade. Colocar pontos de vista em discussão inclui articu-lações entre arte e ciência, bem como quebra das cisões típicas da modernidade, como a sepa-ração entre razão e emoção, corpo e mente, sujeito e socie-dade. O conhecimento mais do que ensinado e aprendido, preci-sa ser posto constantemente em questão. Isso desloca a escola de uma dimensão transmissora, instrucional, para uma dimen-são relacional, intersubjetiva que é também política.

Como integrar a educação es-colar tradicional com amplos e novos saberes, como as novas mídias?

A educação tem se situado mais no lado da conservação do que da ruptura. Mas a escola está inserida no contexto social e a entrada de mídias na escola – computador, máquinas digitais, internet – é inevitável e neces-sária. As novas mídias trazem novas formas de relações entre os sujeitos e entre os sujeitos e o conhecimento. Não há como a escola não se valer de uma im-portante ferramenta capaz de inúmeras ampliações. A ques-tão que se coloca à escola é como estas mídias, que alteram a infraestrutura, alteram tam-

bém os processos de humani-zação, socialização da cultura e subjetivação. Como as mídias podem ser aliadas de um proje-to educativo que pense o coleti-vo como constituinte do sujeito, que amplie as formas de conhe-cer e de se relacionar, que rom-pa as fronteiras das diferenças, que diminua as desigualdades. As mídias por elas mesmas – seja na escola ou fora dela – podem ser uma continuidade do isolamento do sujeito, do esma-ecimento das relações, da falta de historicidade, da fragmenta-ção do conhecimento. Um pro-jeto educativo não pode pres-cindir das mídias e também não pode abrir mão da convivência, dos espaços dialógicos. A pre-sença do outro impõe ao sujei-to a alteridade necessária para se situar no mundo. O convívio com o outro, diferentemente da posse do controle remoto ou do mouse, traz a expressão de um ponto de vista, a negociação de sentidos e de lugares, o exercí-cio da alteridade e até mesmo da tolerância. Sem estas refle-xões, as mídias na escola po-dem mudar as formas de aces-so à informação e de registro, mas não mudam as formas de se pensar o mundo e de se rela-cionar com o outro.

Para você quais são os princi-pais pilares para um projeto nacional de educação no Brasil atual? E qual seria o papel da sociedade nessa construção?

Sou uma educadora que acre-dita na educação como possi-bilidade de inserção social, de democratização da(s) cultura(s), de luta contra as desigualda-des e também de luta contra a barbárie provocada pelo empo-brecimento da linguagem. Um projeto de educação nacional inclui muitos aspectos que vão das políticas às práticas, das questões materiais à formação de professores. Não há dúvida de que a infraestrutura das es-colas é básica para dispor de condições materiais que favore-çam um bom trabalho pedagó-gico. Por sua vez, a formação e a valorização dos professores são tão importantes quanto às con-dições materiais. Mas um proje-to educacional não pode deixar de favorecer uma ação huma-nizadora, fruto de uma reflexão sobre o sentido da vida individu-al e coletiva. Mikhail Bakhtin no seu texto Arte e responsabilidade afirma que ciência, arte e vida são campos da cultura huma-na que se articulam, mas tanto podem adquirir unidade no in-divíduo que as incorpora como permanecer cindidos e manter entre si apenas uma relação mecânica e externa. Se a cisão acontece, a arte ou a ciência passam a ser entendidas de for-ma autônoma, autossuficientes, isoladas da vida. Essa postura mecânica tem consequências éticas que empobrecem cultu-ralmente o homem. E esta re-lação mecânica e externa tem

Page 12: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 12

dominado a circulação tanto da arte quanto dos conhecimentos científicos na escola. O que cir-cula na escola nem sempre faz sentido para professores e es-tudantes. Com isso, se destitui a escola do lugar de produção de saberes, de autonomia de pensamento, de autoria dos su-jeitos. Uma escola de qualidade deveria ter um projeto coletivo que fosse fruto de uma aposta também coletiva. Há uma es-treita relação entre escola e sociedade. A escola é uma ins-tituição social que reflete e tam-bém refrata a realidade em que está imersa. A refração se dá porque há sempre possibilidade de trazer/fazer algo novo, fora do curso previsível. Vivemos um momento em que a qualidade da escola é medida por avaliações externas. Tomamos as avalições como verdades e pouco nos in-dagamos sobre as concepções que sustentam as avaliações. Neste sentido, voltamos a in-dagar sobre os três já citados processos que são inerentes à educação de humanização, so-cialização e inserção cultural e subjetivação. Como são pen-sados os sujeitos da/na escola? Que sociedade queremos para estes sujeitos em formação?

No caso de uma direção edu-cacional focalizada na forma-ção continuada de professor, sob princípios de valorização

dos direitos humanos e da ci-dadania, e de preservação da natureza, como você vê o papel do gestor nesse processo? A formação continuada é ineren-te à própria profissão docente. A questão é se esta é uma tarefa individual, fruto de iniciativa e esforço pessoais ou se é um di-reito do professor. Uma socieda-de meritocrática e individualista não assumiria como direito. Por sua vez, a formação continua-da como direito implica em ter horas destinadas a este fim in-cluídas na carga horária do pro-fessor. Portanto, horas remu-neradas para estudo e também para discussão e construção de um projeto coletivo de escola. À equipe gestora da escola cabe viabilizar esta formação, cabe investir no trabalho coletivo. Os princípios de valorização dos di-reitos humanos e da cidadania e de preservação da natureza não se limitam ao trabalho junto aos estudantes, abarcam a escola como um todo. Suas formas de ação junto à comunidade esco-lar vão sendo definidos e ajus-tados com estudos e trocas co-letivas. As articulações entre teoria e prática e vice-versa vão sendo tecidas com as reflexões, com as apostas e ousadias da equipe. Um trabalho coletivo, de fato, implica numa direção ca-paz de participar ativamente do coletivo e de ocupar um lugar de escuta e de liderança. Sua au-

toridade reside na autorização dada pelo coletivo.

Na sua experiência profissional no CEAT, apontaria algum mar-co importante que tenha in-fluenciado a sua trajetória, de notória qualificação?

Ser professora do CEAT foi uma experiência fundamental na mi-nha trajetória profissional. Ha-via um desejo de construir uma escola de qualidade, inovadora, democrática, criativa, dialógi-ca. Estudávamos para embasar nossas apostas e ousadias. Es-tou repetindo a palavra ousadia, pois vejo hoje, como professora de Prática de Ensino que vai a muitas escolas, que os profes-sores têm ousado pouco e repe-tido muito. Nós queríamos fazer diferente, mas não nos conten-távamos em fazer por fazer, queríamos saber argumentar para defender nossas propos-tas. Relatórios que, ainda hoje, levo para os alunos da Pedago-gia eram escritos com a certeza de que o registro do que fazía-mos era uma forma de capturar parte de momentos significati-vos para o grupo, momentos de aprendizagem coletiva, em que nós participávamos ativamente das descobertas. Entre mui-tas outras coisas, aprendi no CEAT a me tornar uma profes-sora melhor, mais curiosa, mais criativa, mais coletiva. •

Page 13: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 13

Um livro de cartas, do amor de um pai para o filho, do desejo de liberdade e de jus-tiça social. Joel Rufino dos Santos, historiador e escritor, foi detido em 1972, e em 1973, começou a cumprir pena no Presídio Tiradentes e, em seguida, no Presídio do Hipódromo, em São Paulo. No Rio de Janeiro, seu filho de oito anos, Nelson, recebe suas cartas carimbadas e censuradas pelo presídio.

Da prisão, de 1972 a 1974, Joel escreveu cartas ao filho, quando falava da sua rotina de preso, dos companheiros de cela e dos sonhos de jovem pai afastado do filho. Es-sas cartas (guardadas pela esposa de Joel) foram reunidas mais tarde – Quando eu voltei, tive uma surpresa: (cartas a Nelson), Prêmio Orígenes Lessa, como o Melhor Livro para Jovens, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil - FNLIJ, em 2000. São cartas ao filho como metáforas dirigidas ao nosso país (ainda pequeno que ia crescer). Joel estava preso como um dos envolvidos no grupo da História Nova, que teve a coragem de contar a história do Brasil que ainda não havia sido feita.

É considerada uma obra de caráter não somente histórico, como literário e memo-rialístico. Enquanto esteve preso, dedicou-se aos estudos de cultura popular, espe-cialmente às matrizes ameríndia e afro-brasileira, o que consolidaria as primeiras tendências da sua literatura.

Com lirismo e cuidados, Joel conta ao filho sobre os motivos que o levaram a ficar preso, era um condenado político. Relata situações da história do país, como a vinda dos navios negreiros, histórias de escravidão e outras histórias mais que nos fazem brasileiros... Por sorte, as cartas puderam ser organizadas em forma de um livro para as crianças, os jovens, os adultos. É uma obra que testemunha a história de um país na luta contra dificuldades frente à liberdade de expressão e à participação so-cial igualitária para brancos, negros, mestiços e outros grupos étnicos.

Se, por um lado, a obra tem um caráter histórico e social relevante, por outro lado, foi feita com lirismo, mostra a marca das memórias no fazer literatura. Coloca o lei-tor em contato com a metalinguagem.re

senh

a

Quando eu voltei, tive uma surpresa: cartas a NelsonJoel Rufino dos SantosRio de Janeiro: Rocco, 2000

* LIVROpo

r N

infa

Par

reir

as,

escr

itora

e p

rofe

ssor

a do

CE

AT

Page 14: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 14

A literatura para os jovens

Quem é o público a quem destina a literatura juvenil? A literatura seria preparada (criada e editada), a priori, para o jovem? Ou o jovem demandaria uma produção editorial e cultural destinada a ele? Num mundo de merca-do em que vivemos, as ofertas de produtos procuram atender ao gosto dos consumidores e também procuram criar demandas. A literatura, publicada em livros, faz parte desse mercado que atende os grupos que a conso-mem: crianças, adolescentes, idosos... O livro, como objeto de mercado que circula, é negociado, embora pertença também ao mundo da cultura, um paradoxo que acompanha esse objeto cultural. E o adolescente é um possível leitor em potencial, que poderá consumir o que o mercado edito-rial faz circular.

Em relação à literatura: haveria uma literatura especialmente para as crianças? E outra para os adolescentes? E para os adultos? Podemos clas-sificar a literatura de acordo à faixa etária? De acordo às etapas do desen-volvimento humano? Se falamos em literatura juvenil admitimos e confir-mamos a existência de uma literatura para esse público específico. E quem seria esse público? O que interessaria como leitura literária ao adolescente? Seria ele ou o adulto (que escreve, que cria, que edita, que divulga) que determinaria que literatura é essa dirigida à juventude?

Como expressão de arte, a literatura é a única que demanda do leitor saber ler e dominar o código escrito da língua. A pintura e a música, por exemplo, não trazem nenhuma exigência ao interessado em apreciar um quadro ou em ouvir uma música. Nem a escultura. Já a literatura, pelo trabalho com as palavras, exige que o leitor saiba ler e interpretar. Aqueles que são sujeitos, com autonomia de escolha, usufruem da literatura.

Ao mesmo tempo, a literatura é uma manifestação artística que foi adota-da pela escola, ou seja, ela está escolarizada. Certos livros são indicados porque tratam de questões da adolescência: conflitos, sexualidade, cresci-mento. Ou porque são livros que serão cobrados nos exames de vestibular ou porque trazem conteúdos pertinentes ao trabalho nos anos escolares (drogas, rebeldia). O que é produzido como literatura juvenil procura aten-der somente à demanda escolar ou há alguma produção que pode ser apropriada pela escola e independe dela?

As obras literárias podem ser lidas por todos nós: crianças, jovens e adul-tos. Elas trazem questões de caráter universal e nos colocam em contato artig

o*

Page 15: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 15

com nossa intimidade: as nossas dúvidas, as nossas fantasias, os nossos sonhos... Claro que, por uma questão de fôlego de leitura, muitas vezes, um jovem não consegue ler e usufruir a Odisseia, de Homero, nem Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O adolescente que está familiarizado com a leitura literária poderá aproveitar de obras clássicas e consagradas. Outro poderá preferir a leitura de quadrinhos ou de livros de autoajuda. É necessário que o adulto ainda faça a mediação da leitura na adolescência, que apresente obras de valor literário, que tenha nas obras clássicas e consagradas um importante referencial de leituras formadoras. Por sua vez, algumas obras mais direcionadas a conteúdos de interesse da criança podem parecer enfadonhas ao jovem, com a abordagem de situações ca-racterísticas da infância: descoberta das cores, das texturas, dos bichos. Logo, há, de fato, uma literatura que é infantil, outra que é juvenil.

Há autores que criam obras com aspectos que podem interessar ao jovem. Não necessariamente escreveram pensando nessa etapa do desenvolvi-mento. Tomemos, por exemplo, quatro obras publicadas recentemente: Querida, de Lygia Bojunga (Casa Lygia Bojunga); Tempo de voo, de Bartolo-meu Campos de Queirós (Edições SM) e Com certeza tenho amor, de Marina Colasanti (Editora Global). São obras premiadas em 2010, pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, na categoria Jovem Hors-con-cours. Um prêmio concedido a quatro autores consagrados e premiados, que começaram a publicar nas décadas de 70 e 80. Logo, podemos pensar que a produção literária desses autores continua a trazer novidades ao mer-cado e continua a abordar questões de interesse da contemporaneidade.

Afetos e valores que atravessam essas obras criadas em diferentes lin-guagens podem chegar aos jovens como uma produção marcada pela sin-gularidade que caracteriza a própria adolescência. Vida e morte, conflitos, o tempo que passa, a descoberta do amor, o medo... Como seres da dúvida, os jovens precisam da literatura para se aproximarem mais dos sentimen-tos e tentarem reinventar a vida.

por Ninfa Parreiras

Page 16: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 16

. . . . . . . . . eu & o CEAT . .

depoimento de Maria Luisa

Em minha caminhada diária pela Almirante Ale-xandrino, via o CEAT e pensava: deve ser difícil conseguir um emprego neste castelo... Até que um dia, conversando com D. Altina, uma funcionária do CEAT de muitos anos, que morava perto de minha casa, soube que estavam procurando uma aten-dente para trabalhar na Educação Infantil.

Eu, então, disse a ela que meu sonho seria reali-zado!

No dia da entrevista, fiquei ansiosa. Conversei com Emília, a responsável pela escola, que me pergun-tou por que eu me sentia capaz de ocupar aque-la função, uma oportunidade de trabalho com as crianças pequenas. Com muita sinceridade eu res-pondi que tinha dois filhos pequenos, sabia como lidar com eles, dando sempre o carinho e atenção

de que precisavam. Com as crianças da escola não seria diferente...

A diretora olhou nos meus olhos e viu que eu esta-va sendo sincera. Percebeu que eu seria capaz de ocupar aquela vaga. E a boa notícia é que eu come-çaria no dia seguinte.

Não vou dizer que o início tenha sido fácil, mas consegui me adaptar à função. Hoje, após 16 anos, posso dizer que entendo um pouco de educação e é muito bom ver os nossos alunos cumprindo todos os ciclos, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Percebo que minha atuação também ajuda nesse processo, com o auxílio diário que dou às professoras das crianças. A gente aprende a saber o que cada um pensa, como pensa e esse conheci-mento é muito prazeroso!

. . . . . . . . . eu & o CEAT . .

depoimento de Maria Luisa

[funcionária]

O Castelo

Page 17: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 17

. . . . . . . . . eu & o CEAT . .

depoimento de Helena Buarque

[ex-aluna e mãe do aluno Francisco]

Quando voltei para o Rio, depois de 10 anos moran-do na Bahia, Chico tinha 11 anos e era um autêntico baianinho. Fiquei um pouco receosa em relação à adaptação dele ao Rio e à nova escola, por isso, quando fomos visitar o CEAT pela primeira vez, eu lhe disse que ele iria estudar no Castelo de Ho-gwarts, a escola do Harry Potter. Quando ele viu o castelo, quase acreditou em mim! Me lembro até hoje de como os olhinhos dele brilhavam!

Hoje, mais de cinco anos se passaram e Chico está feliz e totalmente adaptado. Vejo que ele encontrou no CEAT um espaço não só de educação, mas tam-bém de diversão, crescimento e amizade.

Quando vou ao CEAT, hoje como mãe, volto no tem-po, lembrando dos momentos maravilhosos que passei lá, revendo professores antigos, revivendo

momentos incríveis e descobrindo as novidades. O CEAT para mim é ainda um espaço mágico; é como estar fora da realidade, ou melhor, é como eu gostaria que a realidade do mundo todo fosse; um espaço lindo, onde educação e cidadania se en-contram de verdade, onde todos têm voz, onde se valoriza as pessoas pelo que elas são e não pelo que aparentam ou tentam ser. Um lugar onde os valores de respeito, amizade, democracia e diálogo atuam em prol da verdadeira educação; a educa-ção para a cidadania e para uma sociedade melhor e mais justa. Tenho muito orgulho de ter estudado no CEAT e certeza de ter feito a escolha certa para meu filho!

. . . . . . . . . eu & o CEAT . .

depoimento de Helena Buarque

A magia do CEAT

Page 18: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 18

. . . . . . . . . eu & o CEAT . .

depoimento de Francisco

[aluno e neto de Moraes Moreira]. . . . . . . . . eu & o CEAT . .

depoimento de Francisco

Page 19: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 19

Page 20: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 20

1

debates

*

*

Três encontros instigantes para debater os desafios na Arte, na Educação e na Família na contemporaneidade.Três resultados na revista para deleite de nossos leitores.

AS RELAÇÕES ENTRE CULTURA, EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E ARTE

Viviane Mosé, Regina de Assis, Leonardo de Bem e Bia Lessa debatem sobre o tema na reabertura do CETG

Um encontro de gerações aconteceu no ano passado, na reabertura do CETG, em uma noite que girou em torno dos caminhos e desafios da sociedade contemporânea e da memória de There-zinha Gonzaga, criadora da escola e idealizadora do centro. No debate, representando o pensa-mento artístico, cultural, científico e educacional do Brasil, estavam a filósofa Viviane Mosé, o cientista Leonardo de Bem, a educadora Regina de Assis e a diretora de teatro e cenógrafa Bia Lessa. Na plateia, educadores, pais e amigos do CEAT puderam compartilhar um diálogo entre os saberes, os afetos, as memórias e o compromisso presente e futuro com a ação coletiva em prol de um mundo sustentável e para todos.

A seguir, você confere os melhores momentos do debate.

Viviane Mosé, filósofa

A GRANDIOSIDADE DO HOMEM É A INDEFINIÇÃO, a abertura para o acontecimento. Se, por um lado, ele é indefinido e aberto, por outro, é marcado por um limite. Assim, a vida é sinônimo de limite, o ilimitado é a morte. O corpo físico é um contorno, um limite que entra em contato com

Page 21: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 21

outros corpos, numa relação de tensão. A intensidade de uma força tem que ser contida e li-mitada, porque o excesso é o que nos destrói. Os outros animais são limitados pela natureza, o homem tem a liberdade de limitar-se a si próprio. A grandiosidade humana é construir valores, produzir valores é liberdade. E só a arte é capaz de mudar a direção das forças, só a arte é capaz de redirecionar uma pulsão.

PRECISAMOS ENSINAR ÀS NOSSAS CRIANÇAS, FILHOS E ALUNOS a existência dos valores. Mas são valores provisórios que a gente ensina, e eles mudam. Tenho que mostrar para a crian-ça o valor da música, eu não posso dizer o que ela deve que ser na vida, mas tenho que mostrar que vivemos em sociedade e que devemos respeitar o limite do outro. A especificidade dos valo-res, ela vai elaborar junto à sua família, vai trazer de casa. Isso é valorizar as diferenças. Se eu aprendi o contorno aberto dos valores, sempre terei valores, vou apenas mudar de conteúdo. E qual é o valor dos nossos valores? Segundo a perspectiva do Nietzsche, meu filósofo predileto, o primeiro valor humano é a vida. O homem é o único animal que sabe que vai morrer e quando descobre isso, cria o primeiro valor. A provisoriedade é o choque que faz o valor da vida.

COM A PINTURA NAS CAVERNAS NASCE A ESCRITA. É o início do signo, do símbolo, que depois vai ser padronizado na escrita. Nasce também a religião e a arte, e hoje o desafio é juntar, pois tudo nasceu junto, nós é que separamos. Intenso, não?

O QUE É O PENSAMENTO RACIONAL? É quando ao invés de mirar na exterioridade, na tensão entre si e o mundo, parte-se do princípio do “Conhece-te a ti mesmo”. Aí nasce a interioridade, o homem passa a se deslocar do mundo exterior e a centrar-se no mundo interior. Pensar passa a ter a ver com vincular-se à sua alma e, assim, ao bem e a verdade, ao mundo das ideias, que não está nesse, mas em outro mundo. Então o que é o pensamento racional que nasce no século V A.C? É um pensamento que opõe valores, um pensamento que segrega, que exclui. A razão da exclusão social é a utilização do pensamento racional para todas as direções. Para organizar o mundo, o pensamento racional é necessário, mas ele não é necessário para o conhecimento e para as relações afetivas, pelo contrário, a racionalidade aplicada ao afeto é produção de neu-rose. No Ocidente, o pensamento só é considerado bom se exclui alguma coisa.

E QUANDO A GENTE ENTRA NO SÉCULO XIX, O QUE ACONTECE? A modernidade se sustenta no querer, o objetivo da modernidade é satisfazer o nosso querer, por isso o capitalismo é um fenômeno moderno. No século XX, vivemos o desgaste do modelo racional porque o pensamen-to racional elimina a contradição quando a vida é pura contradição. O século XX é o século da queda de modelos.

SE O MUNDO FUNCIONA EM REDE, com a internet, a gente está reproduzindo tecnologicamente o princípio das relações, que é a colaboração.

Page 22: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 22

Leonardo de Bem Lignani, mestre em ecologia

TODO MUNDO CONCORDA QUE CIÊNCIA É MUITO IMPORTANTE na sociedade contemporânea, só que se você perguntar “O que é ciência?”, vai ouvir que a ciência fala de verdades e a ciência não fala de verdades, a ciência é uma construção nossa que tenta criar maneiras de interagir com o mundo.

FAZEMOS UMA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA, na maioria das vezes, mal feita, porque pensamos mui-to na ciência, no conhecimento. Quem trabalha com ciência costuma falar muito sobre o que já foi produzido. Eu, muitas vezes, falo tanto em produção, durante uma aula, que me pergunto se estou ensinando como essa ciência é produzida. É um desafio para as escolas trabalhar a edu-cação científica de uma outra maneira, que ensine como a ciência funciona.

A CIÊNCIA TRANSFORMA MUITO A NOSSA VIDA, mas eu acho que uma outra maneira de a ciên-cia ajudar o ser humano a enfrentar os desafios da sociedade atual é levando-o a perceber que as verdades não existem, que todo tipo de conhecimento está sujeito a mudanças. A ciência se propõe a mudar os paradigmas. Se você entende o que é a ciência, tem que estar sempre pre-parado para a mudança e não se apegar a certezas que criou. E isso está relacionado à questão dos valores.

ACREDITAMOS QUE A CIÊNCIA VAI RESOLVER PROBLEMAS como o desequilíbrio ecológico, aquecimento global ou desmatamento. Esse é um erro que não podemos cometer. A ciência pode nos ajudar a enfrentar esses desafios, mas é um risco apostarmos todas as fichas nela. Um exemplo é a questão ambiental. Eu vejo com ceticismo quando um cientista diz que a resolução do problema ambiental, da emissão de CO², das mudanças climáticas são as fontes alternativas de energia. Acho que a ciência não resolve esses problemas. O que vai resolvê-los é uma mudança de valores. Os grandes problemas atuais têm que ser resolvidos em diversos níveis e por diver-sas áreas. Eu não vejo como resolver a questão ambiental sem se falar em reduzir o consumo.

Regina de Assis, consultora em educação e mídia e professora doutora da educação do RJ

AS CONTRADIÇÕES COM AS QUAIS VIVEMOS conferem um aspecto de desafio ao nosso traba-lho de educadores, de constituidores de conhecimentos e valores a partir da interação com co-rações e mentes dessas crianças, adolescentes e jovens. É a partir dessa concepção a respeito do que nos consome que nós seremos capazes de fazer uma transformação e discutir com eles a importância de “ser”, muito maior do que a de “ter”. Me parece que a questão do que é a nossa sociedade e do que é o consumo na vida humana atualmente é parte integrante do nosso traba-lho de educadores, pela ameaça que ela hoje traz para todos nós, pelos desafios e dilemas que a gente vive em relação à consciência da sustentabilidade para manter a vida, a vida pessoal, mas também a vida da espécie, a vida da natureza e a vida desse planeta amado.

*

*

Page 23: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 23

A GERAÇÃO “X”, que nasceu entre o final dos anos 60 e os anos 80 do século passado, já chegou de cara para a televisão, mas não de cara para o computador e nem para o celular. A “Y” é essa geração que já nasceu mais para a década de 90. E, finalmente, a geração dos nativos digitais, com os quais vocês se enfrentam a cada dia, é a geração que nasceu de cara para o computador, para os jogos eletrônicos e para a tevê e é a geração multitarefa.

NO OFÍCIO DE ENSINAR, GERAMOS MEMÓRIA E CRIAMOS SIGNIFICADOS junto aos nossos alu-nos, através dos sentidos pessoais que eles trazem. E é através da palavra, da palavra oral, através do signo e dos símbolos que a gente vai gerando significados que vão fazer sentido indi-vidual, mas que também vão fazer sentido coletivo.

COMO NÓS INTERAGIMOS, COMO NOS AFETAMOS? Porque o acesso é uma espécie de toque, quando eu lhe acesso com o meu olhar, com a minha voz ou com um gesto, eu toco em você de alguma maneira. E não é isso que nós professores fazemos a cada dia com essa quantidade de estudantes que passam pelas nossas salas de aula? Ou a gente acessa essas pessoas, ou não.

O PARADIGMA EDUCACIONAL PELO QUAL EU BATALHO E BATALHAREI é o que contempla o fortalecimento das identidades dos estudantes, da identidade dos professores, dos administra-dores da escola e das próprias escolas.

NÃO HÁ EDUCAÇÃO SEM DISCUSSÃO E SEM VIVÊNCIA DE VALORES como, para começar, a autonomia: a gente deve levar as crianças, que estão num estado de anomia, sem lei, sem re-gras, a irem constituindo o limite, a lei e a regra com a família e conosco. Eles vão chegando, num tempo, num espaço, saindo de um estado de anomia para entrar em um de heteronomia, até chegar ao estado que a gente deseja, que é o da autonomia, ou seja, pensar com a própria cabeça, saber sustentar o seu próprio desejo, o seu próprio afeto. E junto com a autonomia vem o correlato dela que é a responsabilidade. Não estamos sozinhos no mundo e nunca es-taremos.

FINALMENTE, A ARTICULAÇÃO DAS IDENTIDADES, NUM TEMPO E ESPAÇO PRÓPRIOS, precisa estar a favor das transformações da vida. Educar não é um ofício de cristalizar conhecimento e nem valores, é um ofício de transformação, por isso a necessidade de fortalecer as capacidades de ter e dar valor, de amar, de ser amado, de viver e de ser mal amado e dar a volta por cima. Temos que estar conscientes, como pais ou educadores, de que nosso ofício não é encaixotar corações e mentes, mas libertá-los através dos conhecimentos, dos valores e da consciência clara de que a vida é uma transformação constante e nós somos parte desse movimento.

E EXISTE A QUESTÃO DO TRABALHO COMO FORÇA TRANSFORMADORA que gera cultura e gera as múltiplas formas de comunicação de arte, de compreensão variada da vida e da sociedade e das linguagens, essa que eu estou usando agora, mas também as linguagens que a gente inven-ta, as linguagens audiovisuais, digitais e impressas. Nós só vivemos e somos felizes em rede.

Page 24: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 24

Bia Lessa, diretora e cenógrafa, filha da professoa Therezinha Gonzaga, idealizadora do Centro

A ARTE HOJE EM DIA TEM UM PAPEL ABSOLUTAMENTE DIFERENCIADO do que tinha antigamen-te, o de transcrever, de nos apontar caminhos. A arte hoje é mais, de fato, um espaço da burguesia do que um espaço de transformação. Está muito linkada ao mercado. Sou de um tempo em que a transgressão era de fato o grande valor. E hoje, quando vemos os nossos atores, os nossos dire-tores e a nós mesmos, nos vemos filiados ao mercado. Então, eu acho que hoje em dia o agente transformador e incentivador da nossa sociedade e de tudo que nós criamos, de fato, é a ciência.

TEMOS, PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DO HOMEM, a possibilidade de ser indivíduos, todos iguais e todos absolutamente diferentes uns dos outros.

E AÍ EU OUSO DIZER QUE O INDIVÍDUO É A EXCEÇÃO. Então aí é que está o negócio. Penso que a grande saída para a escola é a possibilidade de o indivíduo ser indivíduo. E onde que está a chave de uma escola para o futuro? Eu acho que está na expressão. A possibilidade de o aluno ser ele próprio na expressão do conteúdo. Do conteúdo de si mesmo e do conteúdo formalizado.

A ALEGRIA É A COISA MAIS TRANSFORMADORA QUE TEM UM INDIVÍDUO. Ninguém transforma nada que não seja num ato de absoluto prazer e alegria. E acho que isso é o DNA do CEAT, isso está aqui. Eu quero separar a palavra alegria, a palavra liberdade e a palavra diferença, que eu acho que resumem o jeito da minha mãe conceber conhecimento e isso, claro, junto com a ideia de justiça social.

*

Page 25: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 25

2

3

A FUNÇÃO DAS ARTES NA VIDA CONTEMPORÂNEA

O debate afirma a importância da arte e da cultura para a educação, o valor que esta escola dá à criação, à expressão, à imaginação e a compreensão que temos de suas relações com o conhecimento e com a aprendizagem. Com Hilton Berredo, Mário Orlando Favorito, Ricardo Moreno

A FAMÍLIA NO SÉCULO XXI

A psicanalista e filósofa Viviane Mosé fala sobre a internet e o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes, redes sociais e sites de busca e sobre o papel da escola e da família nesta transição de modelo

OUÇA TRECHOS DA ENTRE VISTA

ASSISTA O DEBATE E O V ÍDEO DO BOI MULEQUE GARBOSO:

ACESSE O CANAL DO CENTRO DE ESTUDOS TGF NO YOUTUBE

Page 26: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 26

Promoção da saúde na escola

AUMENTO DE DOENÇAS CRÔNICAS IMPLICA NA IMPORTÂNCIA DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Suzete Marcolan | nutricionista do CEAT

e tornar viável a adoção de práticas saudáveis pelo indivíduo ou pela comunidade. A vertente de proteção abrange iniciativas que visam a impedir ou diminuir a exposição de indivíduos e coletividades a fatores e situações de risco para sua saúde.

Para a promoção da alimentação saudável, partimos da compreensão da alimentação como um Direito Humano, da visão ampliada de alimentação e dos alimentos, com todos os seus significados, isto é, não comemos somen-te nutrientes, comemos afetos, lembranças, saúde, prazeres, ansiedade. Portanto, nutri-ção e saúde envolvem aspectos biológicos, econômicos, psicológicos, históricos-sociais, culturais. Essas premissas são fundamentais para desenvolvermos ações voltadas à ali-mentação saudável na escola, aos trabalhos educativos curriculares e extra-curriculares.

Este espaço de revista eletrônica foi escolhi-do pelo CEAT como uma via de divulgação das ações desenvolvidas no seu cotidiano escolar, com foco na saúde e na nutrição de nossa co-munidade.

O tempo que o aluno passa na escola con-vivendo com colegas, professores e demais funcionários permite trocas e vivências. En-tendendo que as práticas alimentares e os hábitos saudáveis de vida são construídos nas relações sociais, a escola torna-se um ambiente privilegiado de promoção à saúde e da alimentação saudável.

Diante do perfil epidemiológico da população que aponta para um crescente aumento das doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, a hipertensão, a diabe-tes, a obesidade e o câncer, tornar-se mais relevante o papel da escola na sensibilização, mobilização e desenvolvimento de ações pro-motoras de saúde.

A promoção da saúde deve estar calcada em três vertentes: incentivo, apoio e prote-ção. A vertente de incentivo envolve ações de difusão de informação, de motivação dos indivíduos para adoção de práticas saudáveis e propicia sua autonomia para lidar com as questões que envolvem os determinantes de sua saúde. A vertente de apoio visa a facilitar

Page 27: revista do Centro de Estudos do CEAT

* 27

saúde*

Page 28: revista do Centro de Estudos do CEAT

ficha técnica

CEAT

direção do CEAT | Emília Maria Fernandes

direção do Centro de Estudos Therezinha Gonzaga | Maria de Fátima Sousa Serra

REVISTA

editora | Maria de Fátima Sousa Serra

projeto gráfico e diagramação | Estúdio Malabares _ Ana Dias

colaboradores | Ana Cristina Elias, Ana Márcia Gambôa, Angela Dias, Bruno Biaz, Luiz Stein, Marcia Stein, Renan Ji, Rose Serra, Sandra Oliveira, Shala Felippi, Teresa Karabtchevsky

“Obrigado” é a palavra-chave deste projeto, fruto de muitas e gratificantes parcerias! Assim também será na criação e escolha do nome da revista do Centro de

Estudos Therezinha Gonzaga Ferreira.Colabore enviando a sua sugestão para o e-mail

[email protected], ou depositando na urna que se encontrará na recepção, até o dia 20/09/2012.

*