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RSP Revista do Serviço Público o vol. 61, n 1 - Jan/Mar 2010 - ISSN:0034/9240 Finalidade pública, autoridade governamental e poder coletivo Jocelyne Bourgon Articulação federativa na prestação de serviços sociais no Brasil Aldino Graef Intersetorialidade e transversalidade: a estratégia dos programas complementares do Bolsa Família Trajano Augustos Quinhões e Virgínia Maria Dalfior Fava A gestão da informação e a modelagem de processos Silvânia Vieira de Miranda RSP Revisitada A funcionária pública sob a Constituição de 1937 Amelia Duarte Reportagem – Christopher Pollitt analisa a nova estrutura da gestão pública no século 21 ENAP

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RSP Revista do Serviço Públicoo

vo l . 61 , n 1 - Jan /Mar 2010 - ISSN:0034/9240

Finalidade pública, autoridade governamental e poder coletivo

Jocelyne Bourgon

Articulação federativa na prestação de

serviços sociais no Brasil

Aldino Graef

Intersetorialidade e transversalidade: a estratégia dos

programas complementares do Bolsa Família

Trajano Augustos Quinhões e Virgínia Maria Dalfior Fava

A gestão da informação e a modelagem de processos

Silvânia Vieira de Miranda

RSP Revisitada – A funcionária pública sob a

Constituição de 1937

Amelia Duarte

Reportagem – Christopher Pollitt analisa

a nova estrutura da gestão pública no século 21

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Brasília – 2010

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Missão da Revista do Serviço PúblicoDisseminar conhecimento sobre a gestãode políticas públicas, estimular a reflexão eo debate e promover o desenvolvimento deservidores e sua interação com a cidadania.

ENAP Escola Nacional de Administração PúblicaPresidente: Helena Kerr do AmaralDiretor de Formação Profissional: Paulo CarvalhoDiretora de Desenv. Gerencial: Margaret BaroniDiretora de Comunicação e Pesquisa: Paula MontagnerDiretora de Gestão Interna: Mary Cheng

Conselho EditorialBarbara Freitag-Rouanet, Fernando Luiz Abrucio,Helena Kerr do Amaral, Hélio Zylberstajn, LúciaMelo, Luiz Henrique Proença Soares, MarcelBursztyn, Marco Aurelio Garcia, Marcus AndréMelo, Maria Paula Dallari Bucci, Maria Rita G.Loureiro Durand, Nelson Machado, Paulo Motta,Reynaldo Fernandes, Silvio Lemos Meira, Sônia

Miriam Draibe, Tarso Fernando Herz Genro,Vicente Carlos Y Plá Trevas, Zairo B. Cheibub

PeriodicidadeA Revista do Serviço Público é uma publicaçãotrimestral da Escola Nacional de AdministraçãoPública.

Comissão EditorialHelena Kerr do Amaral, Paula Montagner, PauloSergio de Carvalho, Elisabete Roseli Ferrarezi, NitaQueiroz, Livino Silva Neto.

ExpedienteEdição: Nita Queiroz. Projeto gráfico: Livino S. Neto.Revisão: Dominique Ferreira Feliciano de Lima eNita Queiroz e Roberto Carlos Araújo. Revisão gráfica:Livino Neto. Fotos: Ana Carla Gualberto Cardoso eVinícius A. Loureiro. Editoração eletrônica: MariaMarta da R. Vasconcelos.

© ENAP, 2010Tiragem: 1.000 exemplaresAssinatura anual: R$ 40,00 (quatro números)Exemplar avulso: R$ 12,00Os números da RSP Revista do Serviço Público anterioresestão disponíveis na íntegra no sítio da ENAP:www.enap.gov.br

As opiniões expressas nos artigos aqui publicados sãode inteira responsabilidade de seus autores e nãoexpressam, necessariamente, as da RSP.

A reprodução total ou parcial é permitida desde quecitada a fonte.

Revista do Serviço Público. 1937 - . Brasília: ENAP, 1937 - .

v. : il.

ISSN:0034/9240

Editada pelo DASP em nov. de 1937 e publicada no Rio de Janeiro até 1959. A periodicidade varia desde o primeiro ano de circulação, sendo que a partir dos últimosanos teve predominância trimestral (1998/2007). Interrompida no período de 1975/1980 e 1990/1993.

1. Administração Pública – Periódicos. I. Escola Nacional de Administração Pública.

CDD: 350.005

Fundação Escola Nacional de Administração PúblicaSAIS – Área 2-A70610-900 – Brasília - DFTelefone: (61) 2020 3096 / 3092 – Fax: (61) 2020 [email protected]

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SumárioContents

Finalidade pública, autoridade governamental e poder coletivo 05Public purpose, government authority and collective powerJocelyne Bourgon

Articulação federativa na prestação de serviços sociais no Brasil 35Federative articulation in the provision of social services in BrazilAldino Graef

Intersetorialidade e transversalidade: a estratégia dos programascomplementares do Bolsa Família 67Intergovernmental and among sectors approach: the strategy ofthe complementary programs to “Bolsa Família”Trajano Augustus Quinhões e Virgínia Maria Dalfior Fava

A gestão da informação e a modelagem de processos 97Information management and process modelingSilvânia Vieira de Miranda

RSP Revisitada: A funcionária pública sob a Constituição de 1937 113Amelia Duarte

Reportagem: Christopher Pollitt analisa a nova estrutura dagestão pública no século 21 117

Para saber mais 125

Acontece na ENAP 127

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Finalidade pública,autoridade governamental e

poder coletivo

Jocelyne Bourgon

Texto da Conferência XIV Congresso Internacional do CLADSalvador, Bahia, Brasil 27-30 Outubro, 2009

Introdução

Os processos de reforma de Estado e do setor público variam em diferentes

países e regiões. Eles refletem diferentes circunstâncias, necessidades e filosofias

sobre o papel do governo na sociedade.

Desde a década de 1980, as reformas têm dominado as agendas governa-

mentais em todo o mundo. Algumas estiveram focadas em restaurar a saúde

fiscal do governo e reequilibrar o papel do governo na sociedade. Muitas têm

tentado aproveitar os benefícios da globalização e atenuar seus impactos nega-

tivos. A maioria das reformas do setor público se concentra em aprimorar o

desempenho, a eficiência e a responsabilização, melhorando a prestação de

serviços, aumentando a satisfação do usuário e adotando várias abordagens de

governo eletrônico para alavancar o poder das tecnologias de informação e

comunicação.

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O contexto no qual essas reformasforam moldadas tem sido igualmenteextraordinário. Este período testemunhoua queda do Muro de Berlim; o nascimentoe a expansão da União Europeia; aintegração das economias regionais; e osurgimento de novos blocos regionaisancorados em torno da China, Índia eBrasil. A estrutura de poder bipolar quecaracterizou o mundo durante a GuerraFria foi transformada em uma geometriade relações de poder complexa e em cons-tante mudança. Em resposta, os governosestão buscando arranjos de governançanacionais, regionais, internacionais e globaismelhores.

Durante a maior parte deste tempo,tem havido também um período prolon-gado de crescimento. Com certeza, ocrescimento e os benefícios daí resultantestêm sido desiguais. Houve contratempos,gargalos e crises.

“Que você viva em tempos interes-santes” alguém disse uma vez. E comcerteza isso tem acontecido. O contextodas reformas do setor público está sempremudando.

Refletindo sobre as últimas trêsdécadas, podemos ver que os governosao redor do mundo embarcaram em umajornada notável de experimentação e ino-vação. A natureza e o ritmo das reformastêm sido extraordinários.

O ritmo das reformas provavelmentenão se reduzirá, porque as organizaçõesdo setor público ainda não estão alinhadascom o novo contexto global e com oscomplexos problemas que têm comomissão resolver.

Muitas instituições públicas nasceram nofinal do século XIX ou início do século XX,um período caracterizado pela revoluçãoindustrial, a emergência das burocraciaspúblicas nas sociedades democráticas e a

influência da administração científica.Esperava-se que as organizações do setorpúblico executassem tarefas previsíveis apartir de regras prescritas. A estrutura depoder era de cima para baixo, hierar-quizada. Controles rigorosos asseguravamdesempenho e responsabilização para aautoridade que era delegada. Ao longo dotempo, algumas dessas características epráticas originais mudaram em resposta arealidades em mudança. Entretanto, emgeral, o modelo da era industrial ainda é ocerne de muitas organizações públicas.

Embora esse modelo tenha servidobem a governos e sociedades, ele já não ésuficiente (BALTODANO, 1997; KHATOR,1994). Um número crescente de desafiosna política pública exige a participação ativade muitos atores de dentro e fora dogoverno, incluindo o setor privado, a socie-dade civil, os cidadãos e as comunidades.Isso exige que o governo trabalhe para alémdas fronteiras convencionais, utilizandoredes, processos de participação pública eoutros meios (HUDDLESTON, 2000; INNES

e BOOHER, 2004; KLIJN, 2005), e força ogoverno a utilizar sua autoridade e recursospara habilitar e empoderar outros. Oaumento da complexidade e da incertezanos contextos das políticas e de governançaestá levando os governos a melhorar a suacapacidade de antecipar, intervir, inovar,aprender, ser ágil e recuperar-se de choquese crises. Há uma crescente necessidade deflexibilidade e compartilhamento de infor-mação e conhecimento, contra os quaismilitam os modelos organizacionais e degovernança tradicionais.

Futuras reformas do setor públicoprecisarão continuar empurrando ogoverno para além do seu papel tradi-cional de tomador de decisões em nomedos cidadãos e de prestador de serviçospara os cidadãos. Elas irão explorar o

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modo como os governos podem trabalharcom os cidadãos e outros atores para pro-duzir resultados de valor público elevado.

Essas reformas exigirão:a) uma definição mais ampla de resul-

tados públicos que enfatize a importância daspolíticas públicas e dos resultados cívicos;

b) uma visão ampliada dos papéis dogoverno e dos cidadãos, que promova ouso da autoridade do governo para liberaro poder coletivo dos cidadãos e da socie-dade de forma a obter resultados de altovalor público;

c) uma compreensão mais dinâmica degovernança e da administração pública quedê suporte à construção das capacidadesnecessárias para se buscar os interesses co-letivos e o bem público, em um ambienteglobal cada vez mais imprevisível.

Este artigo explora em que podem seconstituir essas três trajetórias de reformae propõe algumas iniciativas para ajudar

servidores públicos face aos desafios edilemas de servir no século XXI.

Em busca de políticas públicase resultados cívicos

O papel das organizações públicas éalcançar resultados de elevado valor públicode forma a evoluir princípios cívicos – ouo que muitos estados reconhecem comoprincípios democráticos (VAN DOOREN,THIJS e BOUCKAERT, 2004). Desempenhoelevado no setor público inclui a execuçãode políticas públicas e a obtenção de resul-tados cívicos (ver Figura 1).

Resultados de políticas públicasNo governo, nenhuma unidade orga-

nizacional, agência ou departamentotrabalha sozinho; nenhuma atividade,serviço ou programa é autossuficiente. Namaioria de suas políticas, os governos

Figura 1: Alcançando políticas públicas e resultados cívicos

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alcançam resultados por intermédio deuma combinação de instrumentos, taiscomo leis, regulamentos, créditos fiscais etransferências de renda para indivíduos oude fundos para outros níveis de governo(SALAMON, 2002). Alcançar resultados deelevado valor público no governo muitasvezes é um esforço coletivo que atravessaas fronteiras de programas ou agências.Além disso, os governos obtêm resultadospor intermédio de trabalho com imensasredes de atores e organizações, incluindocidadãos e grupos da sociedade civil, quetêm interesse em obter resultados comunscom a política.

Resultados de programas e de agênciasindividuais são importantes, uma vez queligam insumos – como o dinheiro doscontribuintes – aos produtos e à satisfaçãodo usuário. Entretanto, os resultados quesão mais relevantes para os cidadãos egestores eleitos normalmente ultrapassamo âmbito dos programas em si, dosdiferentes serviços e das organizaçõesindividuais. A verdadeira medida doprograma governamental de sucesso é asua contribuição para os resultados sociaise do sistema como um todo (BOURGON,2008a). Por exemplo, uma grande satis-fação do usuário com um determinadoserviço médico não é necessariamente sinalde sucesso, se esses resultados são obtidosutilizando recursos escassos que poderiamser empregados em outras ações estraté-gicas na área da saúde. Da mesma forma,os sucessos de um departamento obtidosà custa de resultados mais amplos degoverno não demonstram desempenho ouqualidade.

As organizações do setor público têma responsabilidade de explorar as possibi-lidades de como mover suas contribuiçõespara pontos mais elevados na cadeia devalor agregado dos resultados. Elas

precisam integrar seus esforços para alcançaros objetivos sistêmicos e da sociedade emedir o valor de suas contribuições rela-tivas para os resultados de sistema e desociedade. Os governos de diferentes partesdo mundo começaram a prestar maisatenção aos resultados de sistema. Poucostêm focado em resultados sociais.1

O foco no sistema e na sociedadeoferece mais perspectiva do que a ênfaseque tem sido colocada, desde o início dosanos 1990, na mensuração e na gestão dedesempenho no nível micro (BOURGON,2008b). É de especial importância que osresultados cívicos e das políticas públicassejam convergentes de maneira mais signi-ficativa para obter resultados sociais. Essessão resultados da coletividade obtidos portodos os agentes, tanto da esfera públicaou privada quanto da sociedade civil. Elesrefletem o estado da sociedade para oscidadãos e para os tomadores de decisão,contribuindo para moldar os interessescoletivos que, por sua vez, subsidiam asações do governo e dos cidadãos. Cada vezmais pessoas desejam contribuir na identifi-cação e definição de interesses coletivos; oscidadãos não estão satisfeitos em apenasvotar a cada quatro ou cinco anos.

Resultados cívicosEspera-se que as organizações do setor

público satisfaçam o ideal dos princípiosdemocráticos e fomentem os resultadoscívicos, o que elas podem fazer de váriasmaneiras. Podem permitir a fiscalizaçãopela Assembleia Legislativa; garantir que ostitulares de cargos públicos sejam responsa-bilizados pelo exercício do poder; provera transparência; garantir o acesso doscidadãos à informação; incentivar a parti-cipação do cidadão no ciclo de políticapública para garantir uma representação deinteresses mais ampla e equitativa; e maior

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comprometimento e apoio às iniciativas dogoverno (BOURGON, 2009).

Esses princípios e medidas constituemo que a Organização para a CooperaçãoEconômica e Desenvolvimento (OCDE,2008) chama de “governo aberto einclusivo”, em direção ao qual muitos países,incluindo nações latino-americanas, fizeramprogressos nos últimos anos. Váriosgovernos adotaram legislação de acesso àinformação.2 Muitos governos têm apro-veitado tecnologias de comunicação paramelhorar e promover maior acesso a seusserviços.3 Alguns estão usando pesquisas desatisfação regularmente e outros paraprocessos de avaliação e feedback. Hátambém países que criaram “a janela-única”,centros de serviços integrados para incen-tivar a coordenação interdepartamental egarantir que os cidadãos não fiquem presosnos “labirintos da burocracia”. Outrosdescentralizaram a prestação de serviçospara o nível local de forma a garantir melhoracesso e que os serviços satisfaçam asnecessidades específicas das diversas comu-nidades.4 Outros países têm usado canais,como os painéis de cidadãos e orçamentoparticipativo, para incentivar a participaçãodeliberativa e outras formas de engajamentodo cidadão.5

No entanto, ainda mais pode ser feito.Resultados cívicos incluem, mas não selimitam a, uma cidadania ativa, comunidadesempoderadas, e um espírito cívico quepermeia a sociedade e incentiva a açãocoletiva para o bem comum. É possívelmelhorar os resultados cívicos da maioriados programas e atividades de governotomando-se medidas para remover asbarreiras que impedem a cidadania ativa eincentivando a construção de capacidadescomunitárias e coletivas.

Nas últimas duas décadas, os governostêm colocado muita ênfase – talvez

demasiada – sobre os desafios da partici-pação dos cidadãos em novas iniciativas depolíticas públicas (por exemplo, OCDE, 2008;NAÇÕES UNIDAS, 2007). Durante qualquermandato, o governo pode lançar umconjunto de novas iniciativas de políticas,ao mesmo tempo em que executa milharesde políticas, programas e serviços exis-tentes. As atividades existentes surgiram davontade política, das decisões políticase das escolhas de políticas feitas por

sucessivos governos para expressar osinteresses coletivos dos cidadãos. Muitasdessas atividades, se não todas, poderiamse beneficiar de algum tipo de envolvimentodos cidadãos, que poderiam melhorar seudesempenho democrático e, com ele, a qua-lidade dos resultados públicos.

Um compromisso explícito de melhoraros resultados cívicos implicaria explorar umpapel mais expressivo para os cidadãos e

“Refletindo sobre asúltimas três décadas,podemos ver que osgovernos ao redor domundo embarcaramem uma jornadanotável deexperimentação einovação.”

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suas comunidades ao longo de uma sériede vetores.

• Transparência e responsabilização(accountability): Expandir o conceito deresponsabilização de um processo de pres-tação de contas para o exercício de poderpor parte dos gestores públicos, ampliá-lo para a responsabilização pública visandoresultados sociais e sistêmicos. Isso podeassumir a forma de um sistema abrangentede informação/notificação pública, comoum cartão de controle, ou uma abor-dagem mais ambiciosa, como um sistemade responsabilização compartilhada noqual vários atores estão envolvidos.

• Acesso: Progredir com o governoeletrônico, permitindo o acesso doscidadãos ao governo (incluindo conheci-mentos detidos pelo governo) em seustermos e de acordo com suas necessidades.Isso contribuiria para o desenvolvimentode uma infraestrutura de conhecimentomoderno para facilitar a criação de redes,incentivar a inovação coletiva e permitirque governos e cidadãos formatem emantenham a inteligência coletiva da nossasociedade em rede.

• Voz: Expansão das avenidas paraintegrar as vozes dos cidadãos e suas comu-nidades nos aspectos relevantes da adminis-tração pública. Isso inclui explorar o potencialpara integrar mecanismos de retroalimen-tação para melhoria do ciclo do programa,a construção de plataformas de comuni-cação que permitam aos cidadãos ouvir asvozes uns dos outros, assim como interagiruns com os outros e com os prestadores deserviços para melhorar os resultados.Também implicaria remover barreiras nosentido de ouvir as vozes das pessoas maisvulneráveis, os menos alfabetizados, ospobres, os jovens e os idosos.

• Escolha: Em vez de ter funcionáriospúblicos exercendo todos os poderes

discricionários que decorrem da flexibili-dade que existe na maioria dos programase atividades do governo, permitir que oscidadãos e as comunidades exerçam adiscricionaridade em seu próprio nomepara satisfazer suas próprias necessidades,dentro da lei, e respeitando as responsa-bilizações profissionais e políticas.

• Ação: Incentivar o papel ativo doscidadãos e das comunidades comocriadores de valores e como agentes ativosna produção de bens públicos, criandosoluções para problemas comuns edelineando o futuro que desejam.

É importante notar que o vastoconjunto de iniciativas apoiadas pelo“governo mais aberto e inclusivo” temgerado algumas preocupações e confusão(BOURGON, 2009). Entre elas a preocupaçãode que a consulta e a participação cidadãpodem custar caro, atrasar decisões eimpedir a tempestividade das ações (IRVIN

e STANSBURY, 2004); a participação torna-se um dogma de tal forma que maiorparticipação do cidadão é sempre consi-derada como melhor (é o único melhorcaminho de se fazer as coisas no governo),e que os processos de consulta podem sercapturados por grupos de interesse. Alémdisso, existe uma confusão entre os servi-dores públicos quanto ao que os políticose os cidadãos esperam deles.

A participação do cidadão e dacomunidade não é um substituto para ademocracia representativa e a vontadepolítica. Ela só pode se dar no âmbitodas leis e da constituição em vigor, e deuma forma que respeite as instituiçõespúblicas legítimas e a autoridade dogoverno. O governo tem a autoridade eé responsável pela definição da agenda edas regras de engajamento.6

A participação do cidadão e dacomunidade não é uma panaceia e não é

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apropriada em todos os casos. O governoprecisa usá-la de forma deliberada e sábia.A participação dos cidadãos tem valorintrínseco e instrumental. Tem valorintrínseco na medida em que incentiva umacidadania ativa, o empoderamento dascomunidades e o espírito cívico. Tem valorinstrumental na medida em que podeajudar a aumentar o apoio às iniciativas dogoverno e melhores resultados das polí-ticas públicas.7 Considerando que uma eraanterior criou para alguns países o ditado“não há tributação sem representação”,uma máxima mais contemporânea deveriaser “não há ação cívica sem participação.”No mínimo, os governos precisamenvolver cidadãos e outros atores, quandoesperam que eles desempenhem um papelativo como “agentes” de políticas públicas.Há um número crescente de questõespolíticas complexas que requerem quecidadãos e outros atores desempenhempapéis ativos, desde a redução das emissõesde carbono, das taxas de obesidade ou doracismo, até o aumento das taxas de alfabe-tização ou a melhoria da segurança pública.Tais desafios requerem a participação doscidadãos e suas comunidades, bem comoa contribuição de diferentes partes interes-sadas. Sem a participação, as iniciativas degoverno enfraquecerão. Quando malconcebidos, os esforços de engajamentodo cidadão podem se tornar uma emprei-tada exclusiva ao invés de inclusiva, ondedominam as vozes poderosas de alguns“poucos escolhidos”.

A primeira responsabilidade dogoverno é criar ambiente favorável queremova as barreiras à participação dosgrupos geralmente excluídos, incluindo: osjovens que não podem votar, mas sãomuitas vezes confrontados com a dívidadecorrente da prestação de serviços paraas gerações no poder; os pobres, cujas

vozes devem ser ouvidas para a obtençãoda equidade e justiça social; as mulheresque, na maioria dos países, ainda estão sub-representadas em papéis de tomada dedecisão formal e que enfrentam barreirasfísicas e sociais para sua participação; e osafetados por barreiras especiais devido aidade, deficiência, distância geográfica eanalfabetismo.

A segunda responsabilidade dogoverno é a construção de canais quepermitam às pessoas decidir por si própriasse querem participar e quando fazê-lo.Com certeza ninguém quer participar detodas as questões, mas devem-sedisponibilizar canais de participação quesejam de fácil acesso e utilização para todos.

A participação cidadã consome tempoe recursos, embora o aumento da utilizaçãode tecnologias de informação e comunicaçãonesta área possa reduzir custos (IRVIN eSTANSBURY, 2004). No entanto, talvez estes nãosejam os custos mais significativos a consi-derar. Desde a década de 1960, tem-seobservado uma queda da confiança nogoverno e nas instituições do setor públicoem todo o mundo (NYE, ZELIKOV e KING,1997; PHARR e PUTNAM, 2000). A redução daconfiança é um custo para o governo e asociedade como um todo. Nenhum país érico o suficiente para pagar o preço dadesconfiança. Ela pode levar a uma variedadede resultados negativos para governo e socie-dade, incluindo a redução do escopo paraabordagens de política pública, baixo graude conformidade voluntária, evasão fiscal,corrupção, agitação social, instabilidade e atéviolência. Embora ainda seja muito cedo paraavaliar se o fortalecimento e aprofunda-mento da participação dos cidadãos e dacomunidade reverterão essa tendência, certa-mente vale o preço e o esforço.

O desafio para o governo é alcançarresultados de políticas públicas e cívicos –

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não um ou outro, e não um em detrimentodo outro. Os resultados cívicos aumentama credibilidade dos governos, os depolíticas públicas aumentam a legitimidadedo governo. Combinadas, credibilidade elegitimidade reforçam a confiança doscidadãos no governo, instituições públicase organizações do setor público.

Otimizar os resultados das políticaspúblicas e os resultados cívicos é um difícilato de equilíbrio. Exige julgamento refinadoe só pode ter sucesso na prática se levarem conta contexto, cultura e circunstâncias.Em particular, os administradores públicosdevem mediar entre ganhos de eficiência ea necessidade de envolver cidadãos ecomunidades, mesmo à custa de algumgrau de eficiência. A melhoria dos resul-tados cívicos aumenta a capacidade coletivada sociedade de alcançar melhores resul-tados públicos ao longo do tempo, mesmoque envolva um custo maior no curtoprazo. Um foco em resultados cívicosposiciona cidadãos e suas comunidadescomo agentes ativos na formação dosinteresses coletivos e como criadores devalor na produção de resultados públicos.

Muitos países têm feito grandesprogressos no sentido de alcançar melhoresresultados no setor público. No entanto,em geral, administradores públicos têmtrabalhado a partir de uma definiçãoincompleta de resultados públicos – defi-nição essa que não confere peso suficienteaos resultados cívicos. Eles também têmpermitido alto grau de separação entre osresultados das políticas públicas e os resul-tados cívicos na avaliação da contribuiçãodas organizações públicas para a sociedade.

O desafio da incorporação de umfoco em resultados cívicos em todas asatividades do governo em pé de igualdadecom a busca de resultados de políticaspúblicas não se limita apenas às sociedades

com formas convencionais e formais degovernança democrática. Aplica-se a paísescom ou sem eleições e com ou sem maisde um partido (MAHBUBANI, 2009). Emtodo o mundo, os cidadãos procuramdesempenhar um papel mais ativo nas áreasde maior importância para eles (FUNG eWRIGHT, 2003). Governos ignoram asvozes de seus povos à sua conta e risco.

Autoridade do governo e o podercoletivo: os papéis do governo e doscidadãos

Tradicionalmente, o governo é vistocomo o principal agente na definição do bempúblico e no serviço ao interesse coletivo.Segundo essa visão, o governo define aagenda para a mudança, propõe novas leis eimplementa as já existentes. O governo é oprovedor de serviços públicos, o legisladore o mediador que arbitra entre interessesconflitantes. Nessa perspectiva convencional,os cidadãos são vistos como sujeitos dedireito, contribuintes e beneficiários deprogramas do governo. Mais recentemente,passaram a ser vistos como usuários deserviços públicos e clientes das organizaçõespúblicas. Como resultado, muitas reformasdo setor público têm-se centrado naprestação direta de serviços para os cidadãos.

Esse ponto de vista sobre os papéisdo governo em relação aos cidadãos e suasmanifestações nas agendas de reformatalvez tenha sido demasiado estreito paraassegurar resultados de alto valor público,particularmente com relação às questõescada vez mais complexas enfrentadas porgovernos e cidadãos em um mundoglobalizado e imprevisível. Vários desdo-bramentos já deixam isso claro:

• A importância da prestação diretade serviços está em declínio. Ferra-mentas indiretas, tais como transferências

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para indivíduos e outras esferas degoverno, créditos fiscais, vouchers, subven-ções, empréstimos e prestação de serviçosindiretos através de terceiros ou parceriaspúblico-privadas representam a maiorparte da atividade e da despesa do governo.Essas ferramentas têm reduzido o papeldireto do governo na produção de bens eserviços públicos (SALAMON, 2002).

• Os governos não atuam sozinhos.Cada vez mais, os governos precisamtrabalhar com outros governos, setorprivado, sociedade civil e cidadãos paraalcançar muitos dos resultados que sãoimportantes para as pessoas, que vão desdesegurança alimentar até segurança nacionalou redução da pobreza. Nesses casos, émais apropriado pensar em termos degovernança do que de governo (DENHARDT

e DENHARDT, 2003).Ao compartilhar responsabilidades,

riscos e poder, os governos desempe-nham um papel cada vez mais difícil, masfundamental. Eles devem usar sua auto-ridade de novas maneiras de modo aalavancar e desenvolver a força dos outrosatores; assegurar partilha equitativa dorisco entre as esferas pública, privada ecivil; antecipar problemas e iniciar açõescorretivas quando o interesse público oexigir.

• Cidadãos e outras partes interes-sadas (stakeholders) são agentes ativose criadores de valor público. Cada vezmais questões de política pública exigem aparticipação ativa dos cidadãos e outrosatores na criação de bens públicos comuns,especialmente quando tais questões vãoalém do poder legislativo e regulatório doEstado ou da capacidade de ação dogoverno. É também o caso quando asquestões exigem mudança de comporta-mento individual e social (BINGHAM,NABATCHI e O’LEARY, 2005).

Exemplos destes desdobramentos sãoabundantes. Governos podem fazer leispara a saúde pública, prevenção dacriminalidade e proteção ambiental; podemcobrar impostos e realizar gastos para cons-truir hospitais e custear serviços públicos desaúde; podem empregar forças policiais efiscais. Mas as escolhas das pessoas e a formacomo agem em casa, no trabalho, nas suasfamílias e comunidades são os principaiscontribuintes para a saúde coletiva, segurançapública ou de um meio ambiente saudável.

Reconhecendo que precisam apro-veitar a energia coletiva e as ideias doscidadãos, muitos governos têm trabalhadono sentido de complementar as formastradicionais de governar com novasformas que habilitam e empoderam oscidadãos. Ao avançar no sentido de pro-duzir resultados junto com os cidadãos,governos atingem um conjunto mais com-pleto de relacionamentos com eles.

Ao fazê-lo, também expandem orepertório de papéis que podem desem-penhar para alcançar diferentes resultadospúblicos (LENIHAN, MILLOY, FOX e BARBER,2007). Governos podem atuar como:

• parceiro que usa os recursos e opoder do Estado para incentivar as contri-buições dos cidadãos e outros atores;

• colaborador responsável e confiávelem um sistema de governança comparti-lhada, que divide responsabilidades erecursos com cidadãos e outros atores nadefinição das questões, implementação desoluções e contabilização de resultados;

• facilitador, que estimula a criação eexpansão de redes de governança colabo-rativa de auto-organização de atores e comu-nidades auto-organizadas que servemcomo plataformas para a cooperação, ainteligência coletiva e inovação social;

• liderança e agente pró-ativo que criae se desenvolve junto com os outros em

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um sistema de governança adaptativa, quetransforma o contexto e as ações de todosos atores para melhorar a probabilidadede resultados de políticas favoráveis.

Os governos têm ampla gama de op-ções, que vão desde atuar individualmenteaté o exercício da autoridade do Estado,com o qual alavanca o poder coletivo doscidadãos e de outros atores da sociedade(ver Figura 2). As opções disponíveis noambiente da “governança” requerem umsentimento compartilhado de responsabi-lidade, no qual os atores dentro e fora dogoverno estejam empoderados a contri-buir com seu melhor para resolver pro-blemas comuns de política pública; e ondeos atores se comprometem mutuamentecom os resultados e com alguma forma deresponsabilização coletiva e individual(KETTL, 2002), implicando também ocompartilhamento apropriado e justo dosriscos e recompensas.

Essas opções não se baseiam em umareceita universal de “governança compar-tilhada” ou “coprodução” com a expec-tativa de que todo cidadão ou ator podeou quer ser envolvido em todas as questões.Elas não apontam no sentido de intermi-náveis discussões e consultas. Também nãosignifica que todas as decisões devam sercolaborativas. Em muitos casos, sãonecessárias decisões e ações de cima parabaixo para a boa governança.

Não importa qual seja a opção degovernança escolhida, em todos os casos,o governo continua a ser o gestor do inte-resse coletivo, com a responsabilidade demediar entre as esferas pública, privada eda sociedade civil e com o poder de intervirquando o interesse público assim o exigir.Acontecimentos do passado recente, comoa crise financeira mundial, nos lembram queo papel de gestão do governo tem rece-bido atenção insuficiente. Na verdade,

Figura 2: Autoridade, poder coletivo, papéis e resultados

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quanto mais dispersa a tomada de decisãoe quanto mais distribuído o exercício dopoder, mais importante se torna o papelde gestão do governo. Este papel envolvemonitorar, antecipar e corrigir o curso.

Ao usar sua autoridade para empo-derar outros atores para decidir e agir, ogoverno não está tomando uma atitudelaissez-faire, nem reduzindo a sua posição emrelação a outros atores no Estado. Em vezdisso, está desempenhando uma combi-nação mais complexa de papéis que éafirmativa do Estado em nome do coletivo.

Visto por este prisma, o papel dogoverno está tomando forma em umespaço cada vez mais amplo de possibi-lidades que não é definido por um conjuntorígido e convencional de papéis e relacio-namentos. Em vez disso, os administradorespúblicos, cidadãos e outros atores fazem

parte de um sistema dinâmico, aberto einterativo de governança, onde a autoridadedo Estado é utilizada de diferentes formaspara alcançar diferentes resultados públicos– incluindo o engajamento e empode-ramento de cidadãos, comunidades e outrosatores a fim de obter resultados sociais ecívicos (ver Figura 3).

O futuro da governança e daadministração pública: um sistemadinâmico de capacitação

Uma definição expandida de resultadospúblicos, combinada com uma visão maisampla do papel do governo, cidadãos eoutros agentes da sociedade fornece oespaço no qual novas direções para asreformas do serviço público podem tomarforma e no qual se podem explorar novas

Figura 3: Sistema de Governança Dinâmico

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formas de desenvolver a capacidadecoletiva no Estado para atingir resultadospúblicos (ver Figura 4).

Desenvolvendo capacidades paraservir – uma base sólida

A administração pública envolve história,tradições e convenções. A construção dacapacidade coletiva para alcançar resultadospúblicos começa por avaliar a evolução dopassado e preservar as capacidades existentes,sendo crucial o foco na conformidade, queé a marca do bom governo, e inclui:

• o respeito pelo Estado de Direito einstituições públicas;

• devido processo legal, incluindo aequidade, transparência e responsabilizaçãopara o exercício dos poderes e uso derecursos públicos; e

• valores do setor público, incluindo aexpectativa de que funcionários públicos,

ao servir o bem comum, agirão comintegridade, probidade e imparcialidade.

Juntos, esses fatores contribuem demaneira essencial para a capacidade institu-cional do aparelho estatal e fornecem umabase sólida para as organizações públicas. Elesrepresentam o ponto de partida de qualquerjornada para a construção de um Estado. Acapacidade institucional significa que o Estadotem capacidade de criar e fazer cumprir alegislação, cobrar impostos e gastar sem“vazamentos” ou corrupção, separar ospoderes Legislativo, Executivo e Judiciário,e ter em conta o exercício do poder. Estacapacidade leva anos para ser implementada,e mantê-la é um processo infindável, defundamental importância. As geraçõesfuturas irão utilizá-la e dependerão dela, eserão encarregadas de renová-la.

Como não há bom governo sem boaperformance das instituições do setor

Figura 4: Sistema Dinâmico de Formação de Capacidades

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público, também é importante manter ofoco que os governos têm colocado nodesempenho ao longo das últimas duasdécadas. As administrações públicas devempreservar e valorizar:

• a motivação interna de tornar ogoverno mais produtivo, eficiente e eficaz;

• a atenção na melhoria da prestaçãode serviços nos diferentes silos organi-zacionais e a necessidade de melhoriascontínuas em resposta às expectativas doscidadãos e à evolução das circunstâncias;

• o foco na boa governança, queincorpora outros setores e atores; e

• o poder das modernas tecnologiasde comunicação e informação que estãotransformando o papel do governo, arelação entre governo e cidadãos, bemcomo o papel do servidor público.

Esses fatores contribuem para oreforço das capacidades organizacionais,que formam a base para a obtenção deresultados públicos. Isso possibilita quebens públicos de alta qualidade possam serentregues à sociedade ao menor custopossível; que a retroalimentação porusuários, a melhoria contínua e a inovaçãoocupem papel central na prestação deserviços públicos; que as tecnologiasmodernas de informação e comunicaçãosejam utilizadas para reduzir o número deintermediários e empoderar os usuários noprocesso de prestação de serviços. Possi-bilita também que as organizações dasesferas públicas, privadas e da sociedadecivil trabalhem juntas para alcançar resul-tados públicos comuns, embora, a capaci-dade de trabalhar além das fronteirasorganizacionais deva primeiro ser apren-dida dentro do governo, para assim faci-litar que o governo alcance e trabalhe comoutros setores da sociedade.

As tradições, modelos e capacidadesrelacionadas à conformidade e ao

desempenho envolvem a construção deinstituições públicas fortes e organizaçõespúblicas eficientes, que são de fundamentalimportância para qualquer governo. Elasse encaixam melhor em contextos estáveis,tarefas previsíveis e em uma abordagemcentrada no governo para obtenção deresultados públicos; nessas circunstâncias,residem os pontos fortes e o valor agre-gado dessas instituições e organizações.

A questão é se um foco na conformi-dade e no desempenho será suficiente paraos governos enfrentarem os desafios doséculo XXI.

A resposta a esta pergunta é, aomesmo tempo, um exercício filosófico epragmático para o governo. Diferentespaíses têm diferentes circunstâncias, neces-sidades e valores, e farão escolhasdiferentes. É importante explorar asimplicações dessas escolhas, uma vez queos governos são chamados a “servir alémdo previsível” (BOURGON, no prelo).

Em busca de propósitos públicos emcontexto de incerteza e complexidade

O papel do governo hoje se estendealém de atividades previsíveis e circuns-tâncias. Implica lidar com questõescomplexas – algumas das quais têm ascaracterísticas de “problemas perversos”(HO, 2008) – no contexto imprevisível daeconomia global e das sociedades em rede,no qual vários atores atuam simultaneamente.

A pressão sobre os governos écrescente para melhorar a sua capacidadede prever, antecipar-se e, se possível,prevenir-se contra crises que vão desdepandemias a colapsos econômicos globais,do aquecimento global à escassez dealimentos.

Desde a década de 1980, o mundotornou-se muito mais interligado, em redee “sem fronteiras” (FRIEDMAN, 2005).

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Problemas locais podem rapidamentetornar-se problemas globais, e problemasglobais podem ter impactos locais signifi-cativos e imprevisíveis. Um númerocrescente de pessoas, grupos e organizaçõestomam decisões importantes em várioslocais diferentes. Há uma crescente fragmen-tação. Suas decisões são influenciadas pelasdecisões dos outros e por suas expectativasquanto ao que os outros possam fazer. Hácrescente interdependência (KOPPERJAN eKLIJN, 2004). Com a fragmentação e ainterdependência vem a incerteza.

Cada decisão e cada ação têm efeitolimitado, mas o poder de decisões múltiplasque se deslocam em um sentido comumpode mudar o curso dos acontecimentosao redor do mundo à velocidade da luz.8Ideias sobre a “emergência” têm sido usadaspara descrever este processo. Elas observamcomo novos padrões emergem de um vastoconjunto de interações e aparentemente donada (HOLLAND, 1998; GOLDSTEIN, 1999).Elas revelam os importantes papéis da auto-organização, adaptação e evolução emsistemas complexos (MITLETON-KELLY,2008) e destacam as limitações dos “grandesprojetos” para lidar com problemas emsistemas complexos, não importa o quantoesses planos sejam bem informados econcebidos (BOVAIRD, 2008; WESTLEY,ZIMMERMAN & PATTON, 2006).

As dificuldades que surgem para osgovernos enfrentarem a complexidade nãose devem em particular à falta de conheci-mento ou à deficiência dos funcionáriospúblicos em comparação com seusantecessores. Elas surgem porque asabordagens convencionais em relação àgovernança e à administração pública nãoforam criadas ou concebidas para lidarcom a complexidade e incerteza.

Certamente, problemas de interessepúblico em sua maioria são difíceis. Muitas

vezes, a principal dificuldade reside na faltade conhecimento, capacidades, recursos outempo para resolvê-los. Eles podem sersuperadas gradualmente, passo-a-passo, apartir do estabelecimento de prioridades queajudem a resolver algumas dessas defi-ciências. Os exemplos nesse caso podemincluir reformas fiscais ou tributárias.

Alguns problemas são complicados. Oconhecimento necessário para resolvê-losexiste ou com certeza pode ser desenvol-vido, mas o tamanho, escopo e escala sãoassustadores e o processo para produzirum resultado satisfatório é complexo earriscado. Problemas complicados podemenvolver uma rede elaborada de ações naqual cada ação, juntamente com sua conti-nuidade e inter-relações, é fundamentalpara o sucesso e qualquer passo em falsopode levar ao fracasso. Exemplos aquipodem incluir a construção e execução deinstalações nucleares ou missões espaciais(WESTLEY et al., 2006).

A prática convencional que divide osempreendimentos em tarefas mais simplesque podem ser executadas por intermédiode políticas e programas específicos foidesenvolvida para resolver problemasdifíceis e complicados (WAGENAAR, 2007).Em face da complexidade, uma abor-dagem convencional pode deixar o governoem posição reativa, incapaz de detectarpadrões emergentes em um ambiente emconstante transformação e, portanto, incapazde intervir de maneira antecipada.

Problemas complexos são de umaordem diferente. Eles podem conter:

• Complexidade dinâmica, quando ascausas e os efeitos são interdependentes,mas podem estar muito distantes no espaçoe no tempo;

• Complexidade social, quando os fatose a natureza do problema são contestadose as posições são solidamente estabelecidas; e

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• Complexidade generativa, quandoquestões únicas e imprevistas surgem comelevado potencial de recombinação demaneiras diferentes, em momentos dife-rentes, em lugares diferentes e em diferentesintensidades e escalas (KAHANE, 2004).

Problemas dinamicamente complexosnão podem ser resolvidos simplesmente porserem divididos em pedaços menores e ageração de mais conhecimento sobre cadaparte. Eles só podem ser abordados ao seolhar para todo o sistema e, portanto,requerem uma abordagem sistêmica(SENGE, 1990) que engloba os cidadãos eoutros atores envolvidos e afetados(WAGENAAR, 2007). O desmatamento naFloresta Amazônica é um exemplo deproblema dinamicamente complexo queexige uma solução sistêmica. Mas o conheci-mento sistêmico sozinho pode não sersuficiente para resolver problemas sociaiscomplexos, na medida em que as definições,fatos e soluções são, muitas vezes, altamen-te contestados (HAVERI, 2006; KAHANE,2004). Mas é cada vez mais claro que asdefinições e soluções que mais importamsão aquelas criadas conjuntamente pelaspartes interessadas. Mesmo que tal conheci-mento seja imperfeito, o processo de criaçãoconjunta detém maior valor, pois abre apossibilidade de ação coletiva articulada(SENGE, 2004). Os processos de reconci-liação pós-segregação na África do Sul oude reconstrução pós-conflito em algumassociedades são exemplos de problemas dealta complexidade social (KAHANE, 2004;WESTLEY et al., 2006).

Problemas generativos complexos nãopodem ser resolvidos simplesmente coma replicação de ações anteriores (KAHANE,2004). Mesmo que a situação tenha algumassemelhanças com acontecimentospassados, requer soluções emergentes queresultam da interação contínua e prevista

dos atores e contextos, incluindo funcio-nários públicos e cidadãos. O desafio paraos administradores públicos nesse caso é aleitura do ambiente complexo, conectarproblemas, pessoas e soluções noscontextos corretos (LEVINTHAL eWARGLIEN, 1999), e liberar o poder deauto-organização e coevolução (DUIT eGALAZ, 2008). O impacto potencial damudança climática sobre pequenosEstados insulares, como a Indonésia, é umexemplo desse problema.

Problemas perversos contêm algumasou todas as características de problemascomplexos, juntamente com um nívelparticularmente elevado de incerteza eimprevisibilidade. Incertezas decorrem dafragmentação do processo decisório e dainterdependência de ações relacionadas aoproblema. A imprevisibilidade decorre derelações instáveis entre os muitos atores evariáveis. O aquecimento global é umexemplo de problema perverso que exigeuma combinação adaptativa de soluçõessistêmicas, sociais e emergentes.

Uma série de teorias, conceitos e ferra-mentas têm sido desenvolvidas desde adécada de 1990 para ajudar os profissionaisa enfrentar a complexidade em um ambientede incerteza (por exemplo, GUNDERSON eHOLLING, 2002; MITLETON-KELLY, 2008;TEISMAN & KLIJN, 2008), mas não existefórmula mágica (BOVAIRD, 2008).Confrontar tal ambiente requer novascapacidades. Isso começa com o governoreconhecendo a complexidade e a incertezacomo parte de sua realidade e aceitando quetem um papel a desempenhar que vai alémdo previsível (HAYNES, 2003). É necessáriocompreender as implicações e consequênciasdeste novo papel para as organizações eservidores públicos. Deve-se buscar umconjunto coerente de ações para apoiar essenovo papel do governo.

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Construção de capacidade deantecipação, inovação e adaptação

Enfrentar com sucesso a complexidadee a perversidade, como parte da realidadeda administração pública, requer esforçosconjuntos para construir a capacidade dogoverno de antecipar, detectar e intervirproativamente sempre que necessário. Issotambém irá implicar a construção dacapacidade coletiva de antecipação,inovação e adaptação (ver Figura 4).

Detectar precocemente através de pro-cessos de varredura ou de outros meios, eobter um melhor entendimento sobre asperspectivas dos vários atores e as relaçõesentre eles podem reduzir incerteza eimprevisibilidade. A ação proativa podeaumentar a probabilidade de resultados maisdesejáveis. Os países com as melhorescapacidades de detectar tendências e ante-cipar mudanças significativas terão umaimportante vantagem comparativa.

A maioria dos governos tem desen-volvido funções relativamente fortes depolítica interna, que são necessárias paraprestação de boa assessoria em políticas,levando em conta capacidades existentes elições aprendidas no passado. Em geral,as unidades de políticas são baseadas emdepartamentos e missões específicas;tendem a valorizar a racionalidade causal eo raciocínio linear; e dependem fortementede dados e evidências – e por boas razões.Esse tipo de abordagem tem contribuídopara grandes realizações em várias áreasdas políticas públicas.

Mas, no caso de questões complexas epossibilidades emergentes, o conhecimentomais importante não reside nos dados, masse baseia em interpretação e inspiração, naidentificação de padrões prováveis ondeantes nada havia sido identificado, e nosentido extraído de informações difusas econhecimento imperfeito. Esse trabalho

requer uma diversidade de perspectivasprovenientes das interações entre osmúltiplos atores, uma diversidade de habi-lidades de bases de conhecimento de dife-rentes disciplinas, e uma diversidade deabordagens nas quais o pensamento linear,sistemas de pensamento não linear e umacompreensão emergente coexistam.

Muitos governos têm longa tradição decoleta de informações, de varreduraambiental, planejamento de cenários,modelagem e avaliação de riscos. O desafioé estender essa capacidade para questõescomplexas e ambientes imprevisíveis, dandoprioridade ao desenvolvimento da capaci-dade de antecipação de governo. Algunspaíses já estão adotando medidas ambiciosasnesse sentido (HABEGGER, 2009). Porexemplo, Cingapura está usando umaabordagem transversal no governo queconjuga planejamento de cenários comavaliação de risco e um sistema deescaneamento de horizonte.9 Váriosministérios no Reino Unido se unirampara financiar e usar um “programa deprevisão” para conduzir “pesquisa defuturos” em setores específicos comosaúde, energia e uso da terra.10 O parla-mento finlandês estabeleceu entre os seusmembros um “Comitê para o Futuro”,com o mandato de submeter propostassobre temas relacionados ao futuro econduzir estudos sobre questões futuras.11

Inferindo a partir de exemplos atuais,a capacidade de antecipação nas políticasbaseia-se em uma abordagem ampla degoverno, com ferramentas que capturaminformações de ampla variedade de fontese permitem acesso a uma variedade deatores dentro e fora do governo. Apoia-se na liderança do cerne do governo, masexige disponibilização de dados, capaci-dades analíticas e interpretativas nas agênciasexecutoras, departamentos e organizações

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fora do governo, como universidades egrupos de reflexão. Essa capacidadepoderia ser reforçada por mais diálogodentro do governo e entre o governo euma gama mais ampla, mais diversificadade atores externos.

Em muitos casos, o melhor conheci-mento, a inteligência e as descobertas maispoderosas sobre os fenômenos emergentesnão se encontram no governo. Eles estãonas mentes das pessoas comuns, na casaao lado ou a milhares de quilômetros dedistância; são moldados e circulam emredes sociais auto-organizadas e nos dife-rentes relacionamentos que os cidadãostêm em suas comunidades locais oucomunidades de interesse dispersas global-mente (SCHULER, 2008).

Para tratar de problemas complexose da incerteza, os governos precisammelhorar sua capacidade de explorar ainteligência coletiva da sociedade paraextrair conhecimento e significado sobreos padrões e as tendências emergentes nosistema social. Os cidadãos e outros atorestêm informações preciosas e diversas pers-pectivas que podem fornecer antevisão,moldar decisões e encontrar soluçõesinovadoras (ATLEE, 2008; MALONE, 2008).

Os governos podem também tomarmedidas para incentivar a inovação social(MULGAN, 2007). As redes sociais e as capa-cidades dos cidadãos são poderosos ativosna geração de novas soluções e na buscade novos cursos de ação visando objetivossociais (WESTLEY, ZIMMERMAN e PATTON,2006). O governo pode alavancar o poderdas redes para conectar atores, problemase soluções como um meio de se alcançarresultados públicos (KLIJN, 2008).

Essas ações podem contribuir parafazer o governo avançar de uma posturareativa para uma situação mais adaptativa.Em geral, elas resultam na construção de

capacidade de antecipação e inovaçãodentro e fora do governo.

Não obstante os esforços realizadospor governos e cidadãos para construirsua capacidade de antecipação e inovaçãopara a resolução de problemas públicos,eventos não previstos e choques inespe-rados ocorrerão. O governo será sempreo garantidor em última instância, quandoo interesse coletivo estiver em jogo.A história recente mostra, por exemplo,com a eclosão da Gripe Aviária em 2003e o quase colapso do sistema financeiromundial em 2008, que as abordagenspassivas para lidar com “surpresas” equestões emergentes de política públicapodem trazer danos significativos e umcusto elevado para sociedade. Embora osgovernos não possam planejar para o queeles não conhecem, eles podem trabalharproativamente para limitar o impacto dechoques e aumentar a probabilidade deresultados mais favoráveis.

O papel do governo no século XXIse estende para a construção da resiliênciade suas sociedades para absorver oschoques, aceitar mudanças e prosperar.Desde a década de 1990, ideias sobrecomo o governo pode estimular aresiliência têm sido desenvolvidas, particu-larmente no que diz respeito à gestão decrises, segurança e preparação para emer-gências (por exemplo, ALLENBY e FINK,2005; HANSON e ROBERTS, 2005; MASTEN eOBRADOVIC, 2008; MENON, 2005; NORRIS

et al., 2008). Os campos da ecologia e dosestudos ambientais, que têm um registromais completo da pesquisa sobre resiliência,são boas fontes de inspiração (por exemplo,ANDERIES, WALKER e KINZIG, 2006;GUNDERSON e HOLLING, 2002; HOLLING,1973, 2001). Orientação promissorapara os administradores públicos estáemergindo.

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Alguns choques podem ser previstos,ainda que apenas como probabilidades.Construir resiliência implica planejar,prevenir e antecipar esses choques, e iden-tificar e reduzir as principais vulnerabi-lidades a eles associadas (ADGER, 2006;BERKES, 2007; MCMANUS et al., 2007).

Alguns choques não podem ser pre-vistos, evitados ou mitigados. Além disso,mudanças são inevitáveis e podem sersaudáveis (BERKES e FOLKE, 2002), emboraos benefícios e os custos possam serdistribuídos de forma desigual (NORRIS etal., 2008; SCHEFFER et al., 2002). A tentativade impedir todos os choques pode acabarpor criar comunidades, instituições e socie-dades “frágeis”, na medida em que preju-dica a capacidade coletiva de aprender eadaptar-se (COMFORT, 1994; GUNDERSON etal., 1995). Atrasar a mudança podeaumentar o risco de crises de grande escalamais tarde (HOLLING e MEFFE, 1996).

A meta para o governo não é tentarprever ou controlar todos os potenciaischoques. Isso seria impossível e contrapro-ducente. Pelo contrário, o objetivo principalé promover a resiliência da sociedade, oque significa construir capacidade coletivapara aprender e se adaptar e garantir umadistribuição mais equitativa dos riscos, deforma a atenuar o impacto negativo nosmais vulneráveis da sociedade.

A resiliência não pode ser alcançadapor indivíduos, organizações ou governostrabalhando sozinhos (MCMANUS et al.,2007). Sociedades resilientes têm pelomenos duas características importantes:1) cidadãos ativos, compreendendo umamassa crítica de pessoas com motivação,habilidades e confiança para adotar medidasque satisfaçam às necessidades de suascomunidades, e 2) redes sólidas de gruposcomunitários com a capacidade de reunirampla gama de pessoas para identificar as

necessidades da comunidade e mobilizarrecursos em prol de soluções comuns(DALE e ONYX, 2005).

Essas capacidades são desenvolvidaspor intermédio da experiência e da prática.A abordagem participativa para decisõesde políticas públicas e implementação depolíticas é essencial na construção decapacidades de adaptação coletiva. A parti-cipação pública, o envolvimento docidadão e as abordagens de governançacompartilhada fornecem poderososreforços para a resiliência, particularmentese tais abordagens encorajam ações e to-madas de decisão pela comunidade (LEBEL

et al., 2006). Lidar com problemas emnível local também evita a escalada deproblemas no sistema social, assim impe-dindo que se tornem crises de grande mag-nitude (BERKES e FOLKE, 2002).

A resiliência e a capacidade de adap-tação não podem ser compradas ouobtidas nos momentos em que são maisnecessárias. Elas se desenvolvem a partirda experiência e prática adquiridas(BERKES e FOLKE, 2002); advêm de laçose relações construídas ao longo do tempoentre pessoas, organizações, comunidadese governos que aprenderam que podemtrabalhar juntos e contar uns com osoutros quando precisam. A resiliência sebaseia em um estoque de confiança,entendimento mútuo, conhecimento eaprendizado que permitem às pessoasagirem, aprenderem, adaptarem-se eevoluirem coletivamente (LONGSTAFF

e YANG, 2008; MURPHY, 2007; NEWMAN eDALE, 2005).

Os governos podem fazer muito paraconstruir a capacidade adaptativa doscidadãos, comunidades e deles próprios,incluindo:

• intervir na menor escala possível antesque problemas se tornem de grande escala;

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• experimentar e investir em projetos-piloto em âmbito local e em seguidaexpandir quando apropriado;

• simular eventos que ampliem aaprendizagem coletiva; e

• acelerar a transferência de conheci-mentos e aprendizado entre os atores.

Os gestores públicos podem melhorara capacidade de antecipação, inovação eadaptação de suas organizações mantendoum nível de redundância estratégica ealimentando as fontes de renovação. Elespodem proteger os recursos para explo-ração e descoberta. Podem conservar econstruir novas capacidades, tais comouma função política adepta à antecipaçãoestratégica, monitoramento e respostadinâmica. Eles podem criar “espaços se-guros” ou incubadoras que forneçamambientes propícios à experimentação eà inovação. Podem também aceitar adiversidade em termos de pessoas efunções para fornecer ampla gama deopções diante da adversidade.

Implementar muitas das medidas paramelhorar as capacidades de antecipação einovação – e, com elas, melhorar a capaci-dade do governo para enfrentar a com-plexidade e se recuperar de choques eadversidades – exigirá alguns investimentosdirecionados para o longo prazo etolerância quanto a uma pequena quanti-dade de capacidade “excedente” que seránecessária em organizações públicas. Emúltima análise, isso exigirá o reconhecimentode que menos governo e governo maiseficaz, não significam, necessariamente,melhor governo.

Considerações finais

Foram necessários séculos e muitosacrifício para construir nossos Estados-Nação modernos e um grande empenho

para construir as sociedades civis que oscompõem. A arte e a ciência da governançae da administração pública têm desempe-nhado papel importante na construção dascapacidades institucionais e organizacionaispara alcançar os resultados públicos e servirao interesse coletivo. Profissionais eestudiosos da área têm muito a se orgulhar.

As transformações ocorridas nomundo desde a década de 1980, junta-mente com as crises globais recentes,indicam a necessidade de se procurar umnovo equilíbrio entre o mercado e ademocracia; entre os interesses públicose privados; entre a liberdade na esferaprivada e responsabilidade comum naesfera coletiva.

Um novo equilíbrio exige novascapacidades, novas ideias e novos conhe-cimentos que complementem os quevieram anteriormente.

Como um esforço profissional eacadêmico, a arte e a ciência da governançae da administração pública têm umacoerência interna singular, nascida dodireito constitucional e da ciência política.Com o tempo, ela internalizou ideias epráticas da economia e da gestão denegócios, integrou conhecimentos dasciências organizacionais e se enriqueceu comideias das ciências sociais.

Aqueles que praticam e estudamgovernança e administração pública devem,mais uma vez, explorar novas fronteiras, jáque começam a integrar ideias de muitasáreas do conhecimento – desde a comple-xidade às teorias de sistemas adaptativos,da inteligência coletiva às teorias de rede, eda biologia evolutiva e ecologia à epide-miologia e segurança nacional. Tudo isso iráfornecer concepções importantes para ofuturo da governança e da administraçãopública, além de motivar o processo dedesenvolvimento de capacidades de

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antecipação, inovação e adaptação. Tam-bém irá fornecer ideias sobre a necessida-de de reformulação da construção decapacidades institucionais e organizacionais.

Acima de tudo, pode ser hora dereencontrar alguns conceitos muito antigosde bem público, interesses coletivos,democracia, civismo e cidadania e exploraro seu significado no panorama de cons-tante mudança da realidade de hoje.

Utilizar uma estrutura de integraçãopode ser útil para guiar a exploração e asinter-relações entre antigas e novas ideias.Uma possibilidade é aproveitar a estruturaconceitual que foi desenvolvida como

parte de programa internacional depesquisa realizado atualmente pela autorasobre uma “nova síntese na administraçãopública” (ver Figura 5), que subsidiou aeste documento.12

Em última análise, toda a exploraçãoquanto ao futuro da administraçãopública pode ser feita de maneira maiseficaz por profissionais, acadêmicos eespecialistas trabalhando em conjunto,porque a investigação e a prática sãopartes inseparáveis de um empreendi-mento comum.

(Artigo recebido em dezembro de 2009. Versãofinal em março de 2010)

Figura 5: Unificando uma estrutura de administração pública

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Notas

1 Veja, por exemplo, o relatório do Conselho de Progresso da Província de Colúmbia Britâni-ca, no Canadá na página http://www.bcprogressboard.com.

2 Por exemplo, Chile, Uruguai e Guatemala aprovaram legislação de acesso à informação em2008 (MICHENER, 2009). Essa evolução foi reforçada por uma resolução unânime do Comitê Jurídi-co Interamericano da Organização dos Estados Americanos que reconhece o acesso à informaçãocomo um direito humano fundamental (ACOSTA et al, 2008).

3 Por exemplo, o México ampliou sua base de compras do setor público na internet em doisnovos programas: DeclaraNet e TransmitaNet. DeclaraNet é um sistema eletrônico para preenchi-mento e apresentação de declarações de imposto de renda e TransmitaNet é um catálogo de formu-lários do Estado. O Brasil tem tido sucesso com o voto eletrônico desde 2000. Argentina e Méxicotêm usado máquinas brasileiras de voto eletrônico em projetos-piloto e o Paraguai utilizou omodelo brasileiro de votação em sua eleição de 2003 (PADGET, 2005).

4 O Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, por exemplo, incorpora a participação dos cidadãosna deliberação sobre a política de saúde como um mecanismo para garantir a responsabilização, aadequação do processo de decisão, e a eficácia da prestação dos serviços. O SUS delegou papéis aparceiros do setor privado, depois que foram feitos acordos entre os municípios e o setor privado, demodo que compras substanciais foram feitas de clínicas e hospitais privados, de forma a atender asdiversas necessidades descobertas no processo de consulta (CORNWALL e SHANKLAND, 2008).

5 Por exemplo, abordagens participativas para o orçamento, a gestão e despesas públicas emPorto Alegre, Brasil, têm conseguido resultados observáveis. Agora, mais de 80% das cidadesbrasileiras já utilizaram o modelo de Porto Alegre (Wold Bank: Equipe de Participação e EngajamentoCívico, 2003).

6 Em termos de papéis e expectativas dentro do governo, aqueles que têm a autoridade paragovernar – se a autoridade decorre de processos eleitorais ou outros meios constitucionais - são, emúltima instância, responsáveis pela definição da intenção das políticas. Essa intenção representa oponto de partida para o papel dos administradores públicos que têm à sua disposição várias formas emeios para atingir os resultados desejados, incluindo a utilização de processos de participação pública.

7 Por exemplo, o envolvimento do cidadão em grande escala foi instituído para formular oplano para a reconstrução de Nova Orleans depois do furacão Katrina. Milhares de cidadãos se envol-veram com os planejadores e funcionários para tratar uma questão política complexa. Esse compro-misso foi visto como um fator-chave para revitalizar a esperança e o senso de plenitude na comunidadeapós a devastação (LUKENSMEYER, 2007). No Brasil, as melhorias nos indicadores de saúde entre 1992e 2004 mostram o êxito da abordagem consultiva do SUS. Durante aquele período, os números demortalidade abaixo de cinco anos de idade caíram de 65 para 27 por mil, e a proporção de famíliaspobres com acesso aos serviços aumentou em quase metade (CORNWALL e SHANKLAND, 2008).

8 Esta condição é perfeitamente capturada no famoso “efeito borboleta”, segundo o qual obater de asas de uma borboleta em Pequim pode mudar os padrões climáticos no Golfo do México(MORGAN, 2006, p. 255).

9 Ver http://www.rahs.org.sg.10 Ver http://www.foresight.gov.uk/index.asp.11 Ver http://web.eduskunta.fi/Resource.phx/parliament/committees/future.htx.12 Para informações sobre o projeto “nova síntese”, ver http://www.ns6newsynthesis.com

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Resumo – Resumen – Abstract

Finalidade pública, autoridade governamental e poder coletivoJocelyne BourgonDesde a década de 1980, as reformas têm dominado as agendas governamentais em todo o

mundo; os governos embarcaram em uma notável jornada de inovação. O ritmo dessas reformasprovavelmente não irá diminuir.

O número crescente de desafios na política pública demanda a participação ativa de inúmerosatores dentro e fora do governo e requer que o governo trabalhe para além dos limites convencionais.Esses desafios forçam o governo a utilizar sua autoridade e recursos para habilitar e empoderaroutros. O aumento da complexidade e da incerteza nas questões de política e nos contextos degovernança levam os governos a aprimorar sua capacidade de antecipar, intervir, inovar, aprender eadaptar-se. Futuras reformas irão requerer uma visão mais ampla dos papéis do governo e doscidadãos. Embora o governo continue a ser o garantidor dos interesses coletivos com o poder deintervir, ele precisa descobrir como pode trabalhar com os cidadãos e outros atores como o objetivode produzir resultados de elevado valor público. Enquanto governos avançam para produzir resul-tados com os cidadãos, eles atingem um conjunto mais completo de relações e ampliam o repertóriode papéis que cada um pode desempenhar para obterem resultados. Estas reformas permitirão umadefinição mais ampla de resultados públicos que enfatizam a importância das políticas públicas e dosresultados cívicos. Estes últimos conferem credibilidade, enquanto os primeiros aumentam a legiti-midade. Ambos aumentam a confiança dos cidadãos no governo. Os administradores públicostêm, até agora, trabalhado a partir de uma definição incompleta de resultados que não confere pesosuficiente aos resultados cívicos.

Finalmente, futuras reformas também exigirão uma compreensão mais dinâmica da governançae da administração pública que apoie o desenvolvimento de capacidades. É necessário o desenvolvi-mento de competências em novas áreas para se buscar o bem público em um ambiente global cada vezmais imprevisível, mas esse trabalho deve começar pela valorização e preservação das capacidadesexistentes. O foco na conformidade é primordial, a marca de um bom governo. Isso inclui: o respeitoao Estado de Direito e às instituições públicas, o devido processo legal, a responsabilização (accountability)e os valores do setor público. Esses fatores contribuem para proporcionar uma sólida base institucionalpara as organizações públicas. Os administradores públicos devem também preservar o seu foco nodesempenho. Isso inclui: tornar o governo mais produtivo e eficiente; melhorar a prestação de serviçosarticulando “silos” organizacionais; responder às expectativas dos cidadãos; melhorar os processos degovernança; e otimizar o poder das tecnologias de informação e comunicação modernas.

Apesar dos esforços coordenados para construir no âmbito do governo a capacidade de ante-cipar, detectar e intervir, eventos imprevisíveis e choques vão ocorrer. Por essa razão, o governotambém deve focar na resiliência, construindo capacidade de inovar, aprender e se adaptar, e assegu-rando uma distribuição mais equitativa dos riscos. Implementar medidas para melhorar as capacida-des de previsão, inovação e adaptação exigirá investimentos direcionados para o longo prazo etolerância de algum “excesso” de capacidade. Finalmente, isso exigirá o reconhecimento de que“menos governo” ou “governo mais eficiente” não significa necessariamente “melhor governo”.

Palavras-Chave: Gestão pública, autoridade governamental, poder público, resultadospúblicos, novos desafios, desenvolvimento de capacidades

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Finalidad pública, autoridad gubernamental y poder colectivoJocelyne BourgonDesde la década de 1980, las reformas han dominado las agendas gubernamentales en todo el

mundo; los gobiernos embarcaron en una notable jornada de innovación. El ritmo de estas refor-mas probablemente no se va a disminuir. El número creciente de retos en la política pública deman-da la participación activa de varios actores dentro y fuera del gobierno y requiere que el gobiernotrabaje más allá de los límites convencionales. Estos retos fuerzan al gobierno a la utilización de suautoridad y recursos para habilitar y otorgar poderes (empower) a los otros. El aumento de la complejidady de la incertidumbre en las cuestiones políticas y en los contextos de gobernanza hace que losgobiernos desarrollen su capacidad de anticipación, intervención, innovación, aprendizaje y adaptación.Reformas futuras requerirán visión más amplia de los papeles del gobierno y de los ciudadanos.Aunque el gobierno siga siendo aquello que garantiza los intereses colectivos con el poder deintervención, él necesita descubrir cómo se puede trabajar con los ciudadanos y otros actores, con elobjetivo de producir resultados de elevado valor público. Mientras los gobiernos avancen para laproducción de resultados con los ciudadanos, ellos alcanzan un conjunto más complejo de relacio-nes y amplían el repertorio de papeles que cada uno puede desarrollar para la obtención de resulta-dos. Estas reformas permitirán una definición más amplia de resultados públicos que enfatizan laimportancia de las políticas públicas y de los resultados cívicos. Estos dan credibilidad, mientrasaquellas aumentan la legitimidad. Ambos aumentan la confianza de los ciudadanos en el gobierno.Los administradores públicos han, hasta ahora, trabajado a partir de una definición incompleta delos resultados, que no confiere suficiente importancia a los resultados cívicos.

Finalmente, futuras reformas tambíen exigirán comprensión más dinámica de la gobernanza yde la administración pública, que apoye el desarrollo de capacidades. Es necesario el desarrollo decompetencias en nuevas áreas para que se busque el bien público en ambiente global cada vez másimprevisible, pero este trabajo debe empezar por la valoración y conservación de las capacidadesexistentes. El foco en la conformidad es primordial, es la marca de un buen gobierno; lo que incluye:el respeto al Estado de Derecho y a las instituciones públicas, el debido proceso legal, la responsa-bilización (accountability), y los valores del sector público. Estos factores contribuyen para propiciaruna sólida base institucional para las organizaciones públicas. Los administradores públicos debenincluso mantener su foco en el desempeño; lo que incluye: hacer que el gobierno sea más productivoy eficiente; mejorar la prestación de los servicios articulando “silos” organizacionales; responder a lasexpectativas de los ciudadanos; mejorar los procesos de gobernanza; y optimizar el poder de lastecnologías de información y comunicación modernas.

Pese a los esfuerzos coordinados para construir en el ámbito del gobierno la capacidad deanticipación, detección e intervención, eventos imprevisibles y choques van a ocurrir. Por esa razón,el gobierno también debe enfocar la resiliencia, contruyendo capacidad de innovación, aprendizaje yadaptación, y asegurando una distribución de los riesgos con más equidad. La implementación demedidas para mejorar las capacidades de previsión, innovación y adaptación exigirá inversiones alargo plazo y tolerancia hacia algún “exceso” de capacidad. Por fin, esto demandará el reconocimientode que “menos gobierno” o “gobierno más eficiente” no significa necesariamente “mejor gobierno”.

Palabras clave: Gestión pública, autoridad gubernamental, poder público, resultados públi-cos, nuevos retos, desarrollos de capacidades

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Public purpose, government authority and collective powerJocelyne BourgonSince the 1980s, reforms have dominated government agendas around the world; governments

embarked on a remarkable journey of innovation. The pace of reform is not likely to abate.An increasing number of public policy issues call for the active contribution of many actors

across and beyond government and require government to work outside of conventional boundaries.They compel government to use its authority and resources to enable and empower others. Increasedcomplexity and uncertainty within policy issues and governance contexts are prompting governmentsto improve their ability to anticipate, intervene, innovate, learn, and adapt. Future reforms willnecessitate an expanded view of the roles of government and citizens. While government remainsthe steward of collective interest with the power to intervene, government needs to explore how itcan work with citizens and other actors to produce results of high public value As governmentsmove towards producing results with citizens, they strike a more complete set of relationships andexpand the repertoire of roles each can play to achieve results. These reforms will allow a broaderdefinition of public results that emphasizes the importance of both public policy and civic results.The latter build credibility, while the former increase legitimacy. Both enhance citizens’ trust ingovernment. Public administrators have thus far been working from an incomplete definition ofresults that does not give sufficient weight to civic results.

Finally, future reforms will also require a more dynamic understanding of governance andpublic administration that supports the building of capacity. Capacity building in new areas isrequired to pursue the public good in an increasingly unpredictable global environment, but thiswork must begin by valuing and preserving existing capacities. Central among these is the focus oncompliance, the hallmark of good government. It includes: a respect for the rule of law and publicinstitutions; due process; accountability; and public sector values. These factors contribute to providinga solid institutional foundation for public organizations. Public administrators should also preser-ve their focus on performance. This includes: making government more productive and efficient;improving service delivery across organizational silos; being responsive to the expectations of citizens;improving governance processes; and harnessing the power of modern information andcommunication technologies.

Notwithstanding concerted efforts to build government capacity to anticipate, detect andintervene, unpredictable events and shocks will occur. Given this, government must also focus onresilience by building the capacity to innovate, learn and adapt, and by ensuring a more equitabledistribution of risks. Implementing measures to improve anticipative, innovative and adaptivecapacities will require targeted investments for the long term and tolerance of some “excess” capacity.Ultimately, this will require recognition that less government, and more efficient government, doesnot necessarily amount to better government.

Keywords: Public Administration, government authority, public power, public results, newchallenges, capacity development

Jocelyne BourgonA Honorável Senhora Jocelyne Bourgon, PC, OC. Distinguished Fellow, do Centro de Inovação em GovernançaInternacional. Presidente Emérita, Escola Canadense de Serviço Público. Contato: [email protected]

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Articulação federativana prestação de serviços

sociais no Brasil

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Introdução

O novo pacto federativo, estabelecido no país após os 20 anos de regime

militar, constitui um dos pilares do processo de redemocratização nacional.

A excessiva centralização administrativa e política no Poder Executivo Federal,

ocorrida no período da ditadura militar, havia ocasionado a perda de espaço

político e de autonomia dos estados e municípios brasileiros a tal ponto que os

estados passaram a ter governadores designados diretamente pelo governo

federal. O enfraquecimento da capacidade executiva dos governos subnacionais

e a centralização federal, aliados ao modelo desenvolvimentista adotado pelos

governos militares, produziram a expansão da estrutura administrativa do

Executivo Federal, especialmente da administração indireta, com a proliferação

de autarquias, fundações públicas de direito privado e empresas estatais.

Segundo levantamento efetuado pela extinta Secretaria de Administração

Pública da Presidência da República (Sedap), no ano de 1987, a administração

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federal direta contava com 570.991 servi-dores públicos civis que, somados aos1.006.490 empregados das entidades daadministração indireta, perfazia um totalde 1.577.481 servidores públicos civis naUnião. Esse quantitativo representava, naépoca, 25% do total nacional de servidorespúblicos. Os estados federados eramresponsáveis por 50% do total de servi-dores enquanto que nos municípios – ondeefetivamente as pessoas moram e deman-dam diretamente a atuação do Estado –havia apenas 25% do total de servidorespúblicos civis.

O novo pacto federativo envolveuampla descentralização de serviçospúblicos para estados e municípios, especial-mente nas áreas sociais, e uma nova estru-tura de repartição dos recursos tributários.Os governos estaduais e municipais recupe-raram a autonomia político-administrativa.A partir de 1982, antes mesmo da insta-lação do novo governo civil (em 1985) eda Assembleia Nacional Constituinteaprovar a nova Constituição, os governadoresestaduais voltaram a ser eleitos, pelo votouniversal, direto e secreto da população.

Na verdade, a descentralização admi-nistrativa conformou-se como uma dasdiretrizes fundamentais da Constituiçãodemocrática de 1988. O texto magnocontemplou a garantia dos direitos funda-mentais, a ampliação dos direitos sociaisuniversais e a responsabilização comparti-lhada das três esferas executivas do Estado,por meio da ação intrafederativa articu-lada e integrada na oferta de bens e serviçosà população.

A seguridade social, composta pelaspolíticas de saúde, previdência e assistênciasocial, foi introduzida pela Constituiçãocomo um direito social universal, o queconstituiu importante conquista dos traba-lhadores e de toda a sociedade brasileira,

duramente reprimida durante o períododa ditadura. Interessante notar que omesmo capítulo do texto constitucional queinstitui novos direitos – como o seguro-desemprego; a previdência social, semdistinção entre trabalhadores rurais eurbanos; o acesso universal e gratuito àassistência à saúde e, também, à assistênciasocial aos necessitados – prevê que essesserão assegurados pela ação organizada eintegrada das três esferas de governo e dasociedade civil; determina ainda a consti-tuição de um sistema único de saúde e açõesde assistência social da União para osestados, o Distrito Federal e os municípios.

A Constituição Cidadã combinou aredemocratização do país com a ampliaçãodos direitos sociais; a universalização doacesso aos serviços públicos e a descentra-lização de sua prestação direta para os entessubnacionais de governo, ainda que acombinação perfeita desses elementostenha-se dado mais no plano ideológico.No entanto, a implantação de fato dosnovos direitos sociais e da descentralizaçãono contexto do novo pacto federativorevelou-se um processo complexo econflitivo, por essência, agravado pela crisefinanceira enfrentada pelo Estado Brasi-leiro nos anos que se seguiram à promul-gação da Carta Magna.

Importante ressaltar que, especialmenteapós os anos 1980, o fenômeno da descen-tralização e da federalização dos estadosconstituiu uma das macrotendênciasobservadas na organização das estruturasestatais em todo o mundo, reforçada, emgrande parte, pela queda do socialismo;pela ruptura da concepção desenvol-vimentista do Terceiro Mundo e pelafalência do Estado social hegemônico,contraparte do fenômeno da globalização.Embora sintonizado com o quadro geral,o processo de descentralização brasileiro

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“A dimensão daparticipação social noprocesso de formulaçãoe avaliação de políticaspúblicas foidevidamenteincorporada em leisespecíficas como as dossistemas de saúde eassistência social.”

deu-se mais pelos fatores internos, desuperação do regime autoritário e domovimento de democratização colocadoem curso, que culmina com a reconfi-guração institucional do federalismo naConstituição de 1988 e com a explícitavalorização do poder local (PIRES eNOGUEIRA, 2009).

O princípio federativo constante docaput do art. 1o da Constituição desdobra-se ao longo de todo o texto, seja nosdispositivos que tratam da organização doEstado (Título III), seja como estratégia àimplantação das políticas setoriais, edemonstra uma opção inequívoca em favordo fortalecimento do ente municipal. Aprevisão constitucional é emblemática,sinaliza a inversão do movimento expan-sionista do poder central, ocorrida durantea ditadura, e anuncia a ampliação do papeldo município, contemplado com compe-tências oriundas diretamente da matrizconstitucional (PIRES e NOGUEIRA, 2009).

Feito o balanço dos avanços e retro-cessos da administração pública brasileirapós-Constituição de 1988, em meio àssucessivas tentativas de superação da crisefiscal originada na crescente dívida pública,vê-se que houve avanços significativos, aindaque não sistematizados, impulsionados pelaabsorção de novas tecnologias de infor-mação e comunicação institucionais – queimpactaram positivamente os métodos degestão do setor público, notadamente naárea de prestação de serviços voltados parao mercado – e também pela vivênciaininterrupta dos 20 anos de normalidadedemocrática, durante os quais registraram-se lutas políticas internas, próprias de umasociedade que tenta construir as bases paraa democracia plena.

Embora de forma mitigada, emprocesso tumultuado e, muitas vezes,ameaçado, implantou-se um novo modelo

de seguridade social assim como seefetivou a descentralização de serviçossociais para estados e municípios, sendogeradas novas formas de articulaçãofederativa e novos instrumentos de gestãoda prestação de serviços públicos.

Em um quarto de século, operaram-se profundas mudanças no país e, conse-quentemente, na administração públicabrasileira, em reflexo às mudanças políticas,econômicas, sociais e culturais internas e

internacionais, que impulsionaram para oredesenho das relações federativas.

A reorganização no âmbitofederal e o início da descentralização

O período imediatamente posterior àpromulgação da Constituição Federal de1988 é conhecido como a “era do

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desmonte”, em função do conjunto depolíticas liberais adotadas para privilegiaro ajuste econômico, a desregulamentação, adesestatização e a abertura da economia aocapital externo. Presidente eleito nasprimeiras eleições diretas, pós-ditadura,Fernando Collor de Melo adotou medidasde abertura do mercado nacional, incluindoo fim da reserva de mercado na área deinformática; uma política de redução degastos públicos na perspectiva do controledo processo inflacionário; e a redução dotamanho do Estado, como parte daconcepção liberal-democrática, tambémpresente no processo de redemocratização.

Embora o tema da descentralizaçãoadministrativa estivesse presente nodiscurso do projeto Collor de Melo, desdea campanha eleitoral, era perceptível a con-cepção ultraliberal de Estado mínimo queembasava o discurso do então candidato,centrado no ataque a supostos privilégiosde servidores públicos e na defesa daredução do tamanho do Estado.

O Governo Collor iniciou-se comum choque de gestão, centrado naextinção de dezenas de empresas e órgãospúblicos e na disponibilidade de aproxi-madamente 112 mil servidores públicosfederais e aposentadoria de 45 mil, emum processo tumultuado no qual predo-minou a falta de critérios e uma posturaautoritária. Das medidas de enxugamentoda máquina adotadas à época, nenhumadeixou resultados perenes, seja peloimpacto na cultura, seja pelos métodos,técnicos ou processos utilizados. De fato,vários dos órgãos e entidades extintosforam, posteriormente, reconstituídos ea quase totalidade dos servidores demi-tidos ou colocados em disponibilidadeconseguiram voltar à ativa. O desmontegerou prejuízos significativos para aadministração pública federal, especial-

mente em função da perda de memória,conhecimento e competência das insti-tuições, seja pela desestruturação dosarranjos institucionais burocráticos consti-tuídos até então.

No entanto, como grande parte dasleis regulamentadoras do texto constitu-cional recém-aprovado ainda estava emelaboração ou tramitação e os estados emunicípios ainda não haviam concluídoo processo de adaptação de suas consti-tuições estaduais e leis orgânicas muni-cipais à Carta Federal, o processo dedescentralização não foi igualmenteafetado, vindo a ocorrer mais tarde.Datam desse período a reorganização dosistema previdenciário, com a unificaçãodos antigos institutos no Instituto Nacio-nal do Seguro Social (INSS); a regulamen-tação do seguro-desemprego e a organi-zação da sua estrutura de suportetécnico-administrativa. Ressalte-se, contudo,que a previdência social e a concessão doseguro-desemprego permaneceram comocompetências da União.

A implantação do Sistema Único deSaúde (SUS), com base na Lei no 8.080/90,a partir da extinção do Instituto Nacionalde Assistência Médica da PrevidênciaSocial (Inamps), passou por diversas fasese dificuldades de absorção pelos muni-cípios dos grandes hospitais, especialmenteno Rio de Janeiro. O que orientou a organi-zação do SUS foi mais o financiamento, decunho federal, do que os ditames das leisque o regulamentaram, os resultadospretendidos ou as necessidades do sistema(SANTOS e ANDRADE, 2007).

À medida que a legislação regulamen-tadora dos dispositivos constitucionaiscomeçou a ser aprovada, foram moldadosos sistemas descentralizados de prestaçãode serviços, com especificidadesnas formas de articulação federativas,

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relacionadas às respectivas áreas de atuação,como se verá a seguir.

O modelo de articulação daeducação

A obrigatoriedade, a gratuidade ea universalidade do acesso à educaçãobásica no Brasil estão asseguradas pelaConstituição desde a Carta de 1934. Jána Constituição Federal de 1967, havia aprevisão de que os serviços públicos deensino deveriam se organizar de formasistêmica, cabendo à esfera federal, ocaráter supletivo.

Vê-se, portanto, que desde sua origema educação básica desenvolveu-se no paísde forma descentralizada. Durante asdécadas de 1960 e 70, a política demassificação do ensino, resultou na expan-são das redes dos estados e dos municípios,havendo o governo federal concentradoesforços na expansão do ensino universi-tário e técnico-profissional, tida comoessencial pela ditadura militar para o êxitodo projeto nacional-desenvolvimentista.

Desde aquela época, a União reservarapara si o papel de formuladora da políticanacional de educação básica e uma atuaçãosuplementar, com a implementação deprogramas de apoio pedagógico, naformação e aperfeiçoamento de profes-sores e no suprimento de materiais didá-ticos, a exemplo do Programa Nacionaldo Livro Didático; do Programa Nacionalde Alimentação Escolar e do programade manutenção e construção de escolas.

Para custeio dessa atividade suplementarda União e, ainda, para conceder aporteadicional de recursos para as redes estaduaise municipais de ensino, na década de 1970,foi criada uma contribuição, incidente nafolha salarial das empresas, denominada“salário-educação”, assim como o Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação(FNDE), específico para gerir esses recursos.Dois terços do total arrecadado eramdistribuídos aos estados e municípios,enquanto que um terço era destinado àsatividades suplementares da União.

Essa divisão de competências entreUnião, estados e municípios foi consagradano texto constitucional de 1988 que, em seuart. 211, estabeleceu que “a União, os estadoso Distrito Federal e os municípios organi-zarão em regime de colaboração seussistemas de ensino”. O dispositivo atribuiuà União a responsabilidade de organizar efinanciar o sistema federal de ensino, alémde exercer a “função redistributiva e suple-tiva”, no que se refere aos sistemas educa-cionais dos estados e municípios, “de formaa garantir a equalização de oportunidadeseducacionais e um padrão mínimo dequalidade do ensino mediante assistênciatécnica e financeira aos estados, ao DistritoFederal e aos municípios”.1

A Constituição previu, ainda, que aosmunicípios caberia atuar, prioritariamente,no ensino fundamental e na educaçãoinfantil enquanto que os estados deveriamse ocupar do ensino fundamental e médio,mediante atuação em regime de colabo-ração, para assegurar a universalização doensino obrigatório2.

Das inovações introduzidas pela Cons-tituição de 1988 na área da educação,destaca-se o fato de haver vinculadoparcelas das receitas fiscais auferidas pelastrês esferas de governo para a manutençãoe desenvolvimento do ensino3. A esserespeito, cumpre destacar que logo queimplantada, essa vinculação evidenciou aexistência de graves distorções no esquemade distribuição linear de responsabilidadesentre estados e municípios, além dedesníveis no desenvolvimento econômicoexistente entre as regiões.

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Em situações como a de São Paulo,constatou-se a existência de uma rede deensino quase que exclusivamente estadual,financiada com recursos majoritariamentedo estado, superiores ao percentual consti-tucional de investimento. No entanto, existiaem São Paulo uma série de municípios,com alto nível de desenvolvimento, prati-camente sem possuir rede própria deensino e, consequentemente, sem ter comoaplicar os recursos vinculados.

Em outras situações, notadamenteem regiões com níveis mais baixos dedesenvolvimento, como o Nordeste, ve-rificou-se que as redes eram basicamentemunicipais e os estados não tinham redessignificativas.

Para superar esses problemas, criou-se o Fundo de Desenvolvimento daEducação Fundamental (Fundef)4, queaglutinou 60% dos recursos vinculados dosestados e respectivos municípios emfundos estaduais para a manutenção edesenvolvimento do ensino fundamental,com redistribuição para as respectivas redesde ensino. O critério de redistribuição utili-zado foi o do número de alunos de cadarede, de forma que quanto mais alunoshouvesse na rede, mais recursos ela rece-beria. Estabeleceu-se, ainda, um valormínimo de financiamento por aluno/anopara que os fundos estaduais com menorvolume de arrecadação de impostos, cujamédia por aluno fosse inferior ao valormínimo nacional de financiamento,passassem a receber uma complementaçãode recursos da União. Desde então, ogoverno federal tem suplementado, comrecursos adicionais do orçamento daUnião, os fundos dos estados menosdesenvolvidos.

Em 2006, essa sistemática foi estendidaà educação infantil e ao ensino médio, pormeio da criação do Fundo de Manutenção

e Desenvolvimento da Educação Básica(Fundeb)5, que substituiu o Fundef. Umavez que o novo sistema de financiamentofundamentava a distribuição de recursos nonúmero de alunos matriculados por escolae por rede de ensino, o censo educacional,realizado a cada cinco anos, tornou-se anual,para gerar a informação necessária àoperacionalização do Fundef.

A medida disponibilizou ainda, às trêsesferas de governo, um importanteconjunto de indicadores educacionais,obtidos junto aos alunos, professores eescolas, que permitiu ao poder públicoidentificar problemas relativos à matrículae à evasão escolar em cada localidade, aosprocessos de passagem entre as séries eciclos, bem como sua relação com aformação dos professores e a infra-estrutura escolar. Esse rol de indicadorestem sido utilizado como valioso subsídiopelo Ministério da Educação (MEC),assim como pelas secretarias estaduais emunicipais de educação, na definição depolíticas de melhoria do desempenhoinstitucional e da qualidade do ensino.

A preocupação com a avaliação dodesempenho da rede nacional de educaçãonão se esgotou nesse sistema de indica-dores, sendo instituídos e reformuladosdiversos outros mecanismos de avaliaçãoda qualidade do ensino para subsídios aoprocesso de formulação da política educa-cional, tais como o Sistema Nacional deAvaliação da Educação Básica (Saeb) –desenvolvido pelo MEC –, que avalia oaprendizado dos alunos em intervalos detempo de poucos anos, por meio deprovas específicas, e o Exame Nacionaldo Ensino Médio (Enem), que avalia osegressos desse nível de ensino. O cruza-mento dos dados relativos ao censoeducacional com os do Saeb permite aprodução de indicadores qualitativos sobre

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o desempenho da educação no país, nosestados, nos municípios e em cada escolaespecificamente.

Recentemente, o Ministério da Edu-cação criou o Índice de Desempenho daEducação Básica (Ideb), que constitui umindicador síntese de desenvolvimentoeducacional para cada rede de ensino eescola. A partir do Ideb, tornou-se possívelestabelecer critérios para os repasses derecursos do Fundeb, assim como dosrecursos complementares do FNDEvinculados a este indicador.

Atualmente, o MEC tem condições deidentificar o nível de desempenho naexecução das políticas educacionais pelosentes da federação e pelas instituiçõespúblicas federais, de forma a premiar obom desempenho educacional ou adotarmedidas corretivas, que visem à superaçãode deficiências ou à melhoria na perfor-mance do ensino público brasileiro.

Importante destacar que a participaçãocomplementar da União no financiamentoda educação básica nos estados menosdesenvolvidos permite a indução das redesde ensino estaduais e municipais, a partirda política alocativa, como reforço emrelação aos resultados observados nocenso educacional e no sistema deavaliação, expressados nos indicadoreseducacionais.

Tem-se, portanto, no sistema de finan-ciamento concebido para o setor, por meiodo Fundef/Fundeb, um dos principaisresponsáveis pelo entrelaçamento dosentes federativos na manutenção e desen-volvimento da rede nacional de educaçãobásica e pela relativa superação da estritadivisão de competências entre os estadose os municípios.

A divisão geral de responsabilidadesdefinida na Constituição permaneceintacta, assim como permanece intocado

o princípio da autonomia dos entes dafederação. Porém, na perspectiva demaior equalização das responsabilidadesfinanceiras no financiamento da educaçãobásica, o Estado Brasileiro evoluiu parauma forma de articulação federativapeculiar, com arranjo específico para ocampo da educação, distinto dos demaisarranjos setoriais, que tem produzidoresultados positivos e benefícios parao país.

O modelo de articulação doSistema Único de Saúde (SUS)

A saúde pública gratuita e universal é umaconquista da sociedade brasileira alcançadano processo constituinte que resultou naCarta Magna de 1988. Anteriormente, amaioria da população do país não tinha acessoaos serviços de saúde gratuitos, restritos tão

“O reposicionamentodo município nocerne da composiçãofederativa, como olócus primordial docontato direto com ocidadão brasileiro,torna imperativa arevisitação das antigasbases do regimeadministrativoaplicável ao aparelhodo Estado.”

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somente aos filiados à previdência social.Grande parte dos hospitais e centros deatendimento era privada ou pertencente a enti-dades beneficentes e filantrópicas. Quempodia pagar recorria a hospitais privados.A população pobre, excluída do mercadoformal de trabalho, não tinha acesso à assis-tência da saúde pública, tendo comoalternativa, recorrer à beneficência e às açõesde caridade ligadas à Igreja.

A Nova Constituição reconheceu asaúde pública como direito do cidadão edever do Estado, a ser garantido por meiode políticas que assegurassem o acessouniversal e igualitário. O texto constitucionalinovou ao estabelecer, nos seus arts. 197 e198, que os serviços de saúde, executadosdiretamente ou por terceiros, são de rele-vância pública e que as ações e serviços desaúde nacionais devem ser organizados emrede regionalizada e hierarquizada, emsistema único, cujas diretrizes fundamentaissão a descentralização; o atendimentointegral e a participação da comunidade.Determinou, portanto, a substituição domodelo centralizado de prestação deserviços de saúde por um fundamentadona corresponsabilidade entre os entesfederativos, inclusive no que se refere aoseu financiamento que, na forma dodisposto no § 1o do art. 198, foi fixadocomo um dever da União, dos estados,do Distrito Federal e dos municípios(SANTOS & ANDRADE, 2007).

Desde então, materializar os arrojosconstitucionais e promover a reforma doEstado no setor da saúde pública tem sidoum desafio, superado gradativamente, emum processo longo e complexo. Em 1990,a Lei no 8.080/90, complementada pelaLei no 8.142/90, disciplinou o SistemaÚnico de Saúde (SUS) e estabeleceu adivisão de competências entre as trêsesferas de governo, atribuindo à União o

exercício das funções de direção nacional,por intermédio do Ministério da Saúde6.Às esferas estaduais do SUS, coube acom-panhar, avaliar e controlar as redeshierarquizadas do Sistema na sua região eexercer, em caráter suplementar, açõese serviços em áreas específicas. As direçõesmunicipais ficaram encarregadas doplanejamento, da organização e da execuçãodas ações e serviços de saúde no âmbitolocal.

Ao setor privado, a lei reservou aparticipação no SUS mediante contratosou convênios com o poder público, priori-zando as entidades privadas sem finslucrativos. A legislação disciplinou,também, a participação da comunidade nagestão do SUS; as transferências intergo-vernamentais de recursos financeiros naárea da saúde e instituiu os Conselhos deSaúde e as Conferências de Saúde emtodos os níveis de governo.

Interessante notar que, a despeito dacomplexidade inerente à implantação de umsistema intrafederativo de prestação deserviços, a legislação básica original do SUSpermaneceu intacta e vigente até a atuali-dade, à exceção de poucas alterações legais7.

A organização do Sistema realizou-secom base em Normas OperacionaisBásicas (NOBs) do Ministério da Saúde,que ditavam procedimentos para osestados e municípios interessados nastransferências financeiras federais.

A edição das NOBs marcou as diver-sas fases de implantação e organização doSUS, sendo importante destacar o papelda NOB-SUS 01/93, considerada comouma vitória do movimento municipalistaque havia se organizado logo após arenúncia do Presidente Collor, dentro deum espírito nacional de expectativa deavanço democrático e de reformulação doaparelho do Estado. A edição dessa norma

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fez-se acompanhar de documento deno-minado “A Ousadia de Cumprir e FazerCumprir a Lei”, elaborado em conjuntocom representações dos conselhos de saúdeestaduais e municipais e representantes dasociedade civil, que continha um diagnós-tico do modelo assistencial brasileiro eindicava as mudanças necessárias8.

A relevância da NOB 01/93 foi a dereconhecer que estados e municípios sãogestores do SUS e não prestadores dosserviços de saúde e instituir o mecanismode transferência de recursos pela modali-dade “fundo a fundo”, além dos fórunsde negociação entre os gestores federais,estaduais e municipais, denominadosComissão Intergestores Tripartite (CIT) eComissão Intergestores Bipartite (CIB).9

A NOB-SUS 01/9610 aprofundou osavanços da norma anterior. Sob o tema“Gestão Plena com Responsabilidade pelaSaúde do Cidadão”, apresentou comodiretriz a responsabilização do governomunicipal como gestor do sistema desaúde, assumindo as “funções de coorde-nação, articulação, negociação, planeja-mento, acompanhamento, controle,avaliação e auditoria”11. Definiu a esferaestadual como mediadora da relação entreos sistemas municipais de saúde e a esferafederal como mediadora das relaçõesentre os sistemas estaduais12.

Nas Comissões Bipartite e Tripartite, osgestores dos entes federados passaram apactuar a programação das atividades deassistência ambulatorial e hospitalar, de vigi-lância sanitária e de epidemiologia e controlede doenças (Programação Pactuada e Inte-grada – PPI), o que tornou possívelcaminhar na direção de uma integraçãoefetiva dos sistemas locais de saúde.

A PPI traduzia as responsabilidades decada município pela garantia de acesso dapopulação aos serviços de saúde, quer pela

oferta dos serviços do próprio município,quer pelo encaminhamento a outrosmunicípios, por intermédio das relaçõesentre os gestores municipais, mediadas pelogestor estadual (SANTOS e ANDRADE, 2007).Outro aspecto relevante da NOB 01/96foram os mecanismos e fluxos de financia-mento por ela introduzidos, que reduziram,progressivamente, a remuneração dosmunicípios por serviços prestados eampliaram as transferências de caráterglobal – fundo a fundo – com base nasprogramações pactuadas e integradas dosserviços de saúde.

Dadas as grandes diferenças regionaise locais, tanto em termos de infraestruturade atenção à saúde como de capacidadede gestão das unidades federadas e dosmunicípios, criou-se uma classificação dagestão estadual, com base no grau deassunção das responsabilidades de cadaente, utilizando-se os conceitos de gestãoavançada ou plena.

Apesar dos indiscutíveis avançosalcançados com a NOB-SUS 01/96 emdireção à descentralização, podem serconstatados alguns problemas de naturezaconjuntural e estrutural. Em primeirolugar, a exigência de o município se habi-litar à gestão avançada ou plena para fazerjus às transferências de recursos da Uniãoalijou do Sistema os municípios depequeno porte – sem condições de assu-mirem a gestão plena de seu sistemamunicipal – do mecanismo de transfe-rência fundo a fundo. Houve dificuldadesde organização dos sistemas de saúdemunicipais, pela baixa funcionalidade dospactos que se estabeleceram entre estadose municípios no que se refere à divisãode responsabilidades entre eles e de gestãodas unidades de saúde. Além disso, abipolaridade imposta à habilitação aosistema – gestão plena ou avançada –

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levou muitos municípios a se habilitaremcomo gestão plena, embora não tivessemas condições para isso.

As Normas Operacionais de Assis-tência à Saúde (Noas)13, que sobrevieramà NOB 01/96, aprofundaram o processode descentralização da gestão do SUS, aointroduzirem o processo de regiona-lização como estratégia de hierarquizaçãodos serviços. Adotou-se a lógica doplanejamento integrado, com base noconceito de território, na conformaçãodos sistemas funcionais de saúde – nãonecessariamente restritos aos municípios,ainda que respeitados os seus limitescomo unidade indivisível –, na pers-pectiva de assegurar aos cidadãos acessoa todas as ações e serviços de saúde, alémde otimizar os recursos.

Foi instituído o Plano Diretor deRegionalização (PDR) dos serviços deassistência à saúde em cada estado e noDistrito Federal, que organizou o territóriodos estados em regiões ou microrregiõese módulos assistenciais, além da confor-mação de redes hierarquizadas de serviçose o estabelecimento de mecanismos e defluxos de referência intermunicipais14.

Os serviços e ações de saúde classifi-cados como de média complexidadeficaram ao encargo dos âmbitos micror-regionais, regionais ou estaduais do SUS,enquanto que a garantia de acesso dapopulação aos serviços de alta complexi-dade foi definida como responsabilidadesolidária da União e dos estados. Os gestoresestaduais foram responsabilizados pelagestão da política de alta complexidade emcada estado; e ao Ministério da Saúde cum-priu definir o financiamento das ações dealta complexidade e das ações estratégicaspara cada estado.15

Destaca-se a inovação da Noas-SUS2002, que adotou o modelo de contratação

de resultados no ambiente hospitalar, pormeio de instrumento do gênero docontrato de gestão, para remunerar oshospitais públicos subordinados ouvinculados a uma esfera de governo, sob agestão de outro ente federado. Esse foi ocaso dos hospitais federais nos estados, cujasrelações com o gestor estadual passou a sedar com base em metas estabelecidas decomum acordo e não mais pelo sistema deprodução. No plano do financiamento,registre-se o avanço introduzido pelaEmenda Constitucional no 29, aprovada em2002, que assegurou o financiamentocompartilhado da União, dos estados e dosmunicípios, além da destinação, para a saúdepública, de um volume maior de recursos16.

Ainda que as sucessivas normas doExecutivo Federal tenham contribuído paradirecionar o Sistema a um modelo de arti-culação federativa consensual e a uma polí-tica de financiamento baseada quase queexclusivamente no critério de produção deserviços, projetos e programas, constatou-se haver um esgotamento no modelo deregulação exaustiva do Ministério da Saúde(via NOBs), que transformava estados emunicípios em gestores de projetos eprogramas federais.

Assim, em 2006, no âmbito do Pactopela Saúde17, foi iniciado um conjunto dereformas institucionais do SUS, pactuadoentre as três esferas de gestão, que substituiuos processos de habilitação de estados emunicípios à participação na rede e vinculouo financiamento a metas e compromissospara cada ente da federação, dando maiofoco no alcance de resultados (Portal doMinistério da Saúde, 2009), como sedepreende do seu texto de introdução:

“O Sistema Único de Saúde (SUS) éuma política pública que acabade completar uma década e meia de

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existência. Nesses poucos anos, foiconstruído no Brasil um sólido sistemade saúde que presta bons serviços àpopulação brasileira. O SUS tem umarede de mais de 63 mil unidadesambulatoriais e de cerca de 6 milunidades hospitalares, com mais de 440mil leitos. Sua produção anual éaproximadamente de 12 milhões deinternações hospitalares; 1 bilhãode procedimentos de atenção primáriaà saúde; 150 milhões de consultasmédicas; 2 milhões de partos; 300milhões de exames laboratoriais; 132milhões de atendimentos de altacomplexidade e 14 mil transplantes deórgãos. Além de ser o segundo país domundo em número de transplantes,o Brasil é reconhecido internacio-nalmente pelo seu progresso noatendimento universal às DoençasSexualmente Transmissíveis/Aids, naimplementação do Programa Nacionalde Imunização e no atendimento rela-tivo à atenção básica. O SUS é avaliadopositivamente pelos que o utilizamrotineiramente e está presente em todoterritório nacional.

Ao longo de sua história, houve muitosavanços e também desafios permanentesa superar. Isso tem exigido, dos gestoresdo SUS, um movimento constante demudanças, pela via das reformasincrementais. Contudo, esse modeloparece ter se esgotado, de um lado, peladificuldade de imporem-se normasgerais a um país tão grande e desigual;de outro, pela sua fixação em conteúdosnormativos de caráter técnico-processual,tratados, em geral, com detalhamentoexcessivo e enorme complexidade.

Na perspectiva de superar as dificul-dades apontadas, os gestores do SUSassumem o compromisso público da

construção do Pacto pela Saúde 2006,que será anualmente revisado, com basenos princípios constitucionais do SUS,ênfase nas necessidades de saúde dapopulação, e que implicará o exercíciosimultâneo de definição de prioridadesarticuladas e integradas nos trêscomponentes: Pacto pela Vida, Pactoem Defesa do SUS e Pacto de Gestãodo SUS.

Estas prioridades são expressasem objetivos e metas no Termo deCompromisso de Gestão e estãodetalhadas no documento DiretrizesOperacionais do Pacto pela Saúde2006.”18

A análise da experiência nacional deimplantação do SUS evidencia algunspontos relevantes que merecem ser

“A descentralizaçãosó ocorre de fatoquando o poder centralabre mão do seu papelde controlador eassume a coordenação,descentralizando,também, a autonomiade gestão para os entessubnacionais.”

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enfatizados. Em primeiro lugar, deve-sereconhecer a importância política dasestruturas de governança participativas doSistema, em especial da ConferênciaNacional de Saúde, que se reúne a cadaquatro anos, com representação de váriossegmentos sociais, com a finalidade deavaliar a situação de saúde e propor dire-trizes para a formulação da política desaúde nos níveis correspondentes, compossibilidade de convocação extraordináriapelo Conselho de Saúde.

A estrutura deliberativa do SUSprevista na Lei no 8.080/90 supera omodelo decisório autocentrado, caracte-rístico da burocracia brasileira, e inova aoadotar, na implantação das políticaspúblicas de saúde, um sistema de liderançaparticipativo e democrático. Os conselhosde saúde, presentes nos entes federados,na qualidade de órgãos colegiados epermanentes, viabilizaram a participaçãodos representantes governamentais,prestadores de serviços, profissionais dasaúde e usuários nos processos de formu-lação de estratégias e controle da execuçãoda política de saúde, no qual as decisõestomadas em consenso eram posterior-mente homologadas pelo chefe do PoderExecutivo, em cada esfera de governo.19

Os conselhos de saúde constituíram-se nos pilares centrais da organização efuncionamento do SUS, especialmente noque se refere à participação coordenadados atores sociais e à mobilização crescentede novos atores que surgiram a partirdescentralização, com papel decisivo noprocesso de municipalização das questõesde saúde.

Importante registrar que, em um paíscom acentuado nível de exclusão e desigual-dade social e uma passividade histórica dogrande conjunto da sociedade em relação àatividade estatal, as instâncias participativas

do SUS constituem mecanismos educativos,de indução à participação cidadã nosprocessos de gestão de políticas públicas.

Outro aspecto relevante é o modelode planejamento adotado pelo SistemaÚnico de Saúde, que rompeu com atradição do planejamento de cima parabaixo e privilegiou a elaboração do plano,a partir das demandas sociais do municípioe da capacidade estatal de atendimento naregião. O planejamento regionalizado, debaixo para cima, ordenado por meio daProgramação Pactuada Integrada, arti-culado pelo gestor municipal, transcendeu,a um só tempo, as fronteiras do planeja-mento burocrático de gabinete e as fron-teiras do município, promovendo acooperação intermunicipal.

Na área do financiamento das ações desaúde, destacam-se importantes evoluções,tais como a adoção do sistema de transfe-rências intergovernamentais de recursosfinanceiros fundo a fundo, em substituiçãoà estrutura convenial, herdada do Programados Sistemas Unificados e Descentralizadosde Saúde (SUDS), que vigorou até 1991.Com base em critérios de alocação definidosna Lei no 8.080/90, os recursos do FundoNacional de Saúde passaram a ser trans-feridos de forma regular e automáticadiretamente para os fundos estaduais emunicipais. Embora 60% dos serviços desaúde atualmente prestados estejam sob oencargo dos municípios, no mínimo 50%dos recursos que financiam toda a saúdepública nacional tem origem federal.

A substituição do modelo de financia-mento convenial pelo negocial foi decisi-va para a maturidade do SUS, ao viabilizara definição negociada, no âmbito de umaComissão Intergestores Tripartite, dosvalores do financiamento a partir dasespecificidades e magnitude de cadademanda local. A remuneração de

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serviços e atendimentos em regime decontraprestação, de acordo com tabela devalores de procedimentos estabelecidospela Direção Nacional do SUS, temcontribuído para a internalização dosparadigmas da gestão por resultados naárea da saúde e para a transparência dasações do Sistema.

Santos & Andrade (2007) afirmam queo SUS reúne todos os elementos quecaracterizam a nova gestão pública:

a) a descentralização administrativapara os entes subnacionais, com empode-ramento dos municípios como os princi-pais gestores da política pública de saúde;

b) a constituição das instâncias deci-sórias que contemplam a participação dousuário e do cidadão;

c) a parceria com o setor privado esocial na implantação dos serviços desaúde, com fortalecimento das funçõesestatais de regulação, fiscalização e controle;

d) a valorização do cidadão-usuáriocomo foco na concepção das políticas desaúde;

e) a transparência da gestão;f) o financiamento multilateral, com

compartilhamento de responsabilidades edecisões consensuais; e

g) o funcionamento em rede, quecongrega entes estatais das três esferas,sociedade civil, entidades empresariais eo cidadão.

Sem embargo dos avanços obtidoscom o modelo de articulação federativa naprestação de serviços públicos de saúde,ainda existem obstáculos e novos desafiosa serem vencidos. Um deles é a falta desintonia entre a descentralização das ativi-dades de saúde e a atual estrutura tributária,que faz com que 60% dos serviços de saúdeestejam sob a responsabilidade dos muni-cípios e que 50% dos recursos aplicadosnesses serviços sejam oriundos da União.

Outro desafio refere-se à necessidadede investir em mecanismos de qualificaçãoda representação dos setores sociais nosconselhos de saúde, assim como decapacitação dos conselheiros, mitigando opapel da autoridade sanitária frente aopapel da sociedade ali representada.

Aspecto fundamental à modernaconcepção administrativa e técnica doSUS é a geração de novos arranjosinstitucionais e administrativos sintoniza-dos com o princípio da descentralização,da participação social e da gestão deresultados. Os institutos públicos atuais,regulados pelo Decreto-lei no 200/67,foram constituídos sob paradigmas queo SUS visou superar – o da centralidadepolítica administrativa e o da submissãosocial ao poder da autoridade pública,características essenciais do período deditadura militar. Nesse aspecto, é precisoredesenhar as figuras jurídicas da adminis-tração pública, de forma a dotá-las demecanismos de governança abertos àparticipação social; à parceria público-privada na consecução de objetivospúblicos; ao monitoramento e à avaliaçãosocial dos resultados obtidos pela açãopública, em especial no que se refere à suaefetividade; às novas relações federativas decompartilhamento de responsabilidades.

Embora seja um processo em curso, éindiscutível que o SUS representa umaexperiência inédita e exitosa de organizaçãoda prestação de serviços de saúde integral,reunindo em um único sistema de abran-gência nacional os serviços prestados em27 unidades da federação e mais de 5.500municípios, no contexto de uma grandediversidade de realidades em termos deperfil socioeconômico da população, decaracterísticas ambientais e de perfilepidemiológico, característico de um paísde dimensões continentais.

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A articulação na assistênciasocial – um modelo em construção

O processo histórico de desenvolvi-mento do assistencialismo no Brasil,estreitamente vinculado ao de Portugal,conformou-se pela influência determinantede práticas de caridade, de naturezavoluntária e eventual, com participaçãodeterminante da Igreja e das instituiçõesde natureza filantrópica, em reflexo aoconservadorismo da sociedade elitista noacesso às riquezas sociais. Desde o séculoXVII, a associação da filantropia com acaridade na assistência social fundamentou-se no pensamento de que os “desvalidosda sorte” não eram merecedores daatenção do Estado, apenas da benevolenteajuda ao próximo de pessoas caridosas daselites dominantes e da Igreja.

A ausência histórica do Estado na assis-tência social permitiu a constituição deinstituições de grande porte vinculadas, namaioria absoluta dos casos, às igrejas.Artigo publicado na Revista Veja (ediçãoespecial de dezembro de 2001) de autoriade Antonio Milena, mostra que “há enti-dades filantrópicas com estrutura maior que a dealgumas grandes empresas”. Segundo o artigo,a Pastoral da Criança tem um quadro devoluntários de 150 mil pessoas, o que,conforme o autor, é mais que o total demetalúrgicos em todo o país, responsávelpela prestação de serviços a 1,5 milhão depessoas. Outras entidades citadas são aAssociação de Assistência à Criança Defi-ciente (AACD), que, embora com quadromenor de voluntários, arrecada mais deR$ 40 milhões, e o Grupo de Apoio aoAdolescente e às Crianças com Câncer(Graacc), que movimenta, segundo oartigo, R$ 12 milhões por ano, muito maisque a seção brasileira da “Médicos SemFronteiras”. Ao final, o artigo apresenta

quadro das movimentações financeiras anu-ais das principais entidades civis que atuamna área social no país, algumas delas há maisde 40 anos, como as Apaes (46 anos); aAACD (51 anos); a Visão Mundial (26 anos);o Fundo Cristão para Crianças (35 anos);as Aldeias Infantis SOS (34 anos); o Grupode Apoio ao Adolescente e à Criança comCâncer (34 anos), além da Cáritas Brasileira(45 anos) que, juntas, são responsáveis poruma movimentação superior a R$ 344,5milhões por ano20.

Na Constituição Federal de 1988, aassistência social foi abordada como umdireito social, independente da previdênciasocial, embora a implementação dessedireito tenha se revelado um processo com-plexo, em função da forte influênciaconservadora e da tradição do voluntariado,especialmente de fundo religioso, nodesenvolvimento das atividades assistenciais.

Os primeiros anos pós-constituinterefletiram a contradição entre os setoresconservadores, que pretendiam a manu-tenção do assistencialismo tradicional, e ossetores sociais, que haviam imposto a assis-tência social como um direito social.Houve, no entanto, importantes conquistas,como a da aprovação da Lei no 8.742, de7 de dezembro de 1993, denominada LeiOrgânica da Assistência Social (Loas).

A lei reconhece que a assistência socialé um “direito do cidadão e um dever doEstado” e tem os objetivos de proteger afamília, a maternidade, a infância, a adoles-cência e a velhice, com especial atenção aoamparo de crianças e adolescentes carentes;à integração do cidadão ao mercado detrabalho; à habilitação e reabilitação depessoas portadoras de deficiência e aoapoio financeiro21 a essas e aos idosos semmeios de prover sua manutenção.

O marco legal ressalta a univer-salização dos direitos sociais; a supremacia

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do atendimento às necessidades sociaissobre as exigências de rentabilidadeeconômica e o respeito à dignidade docidadão, à sua autonomia e ao seu direitoa benefícios e serviços de qualidade,vedada qualquer comprovação vexatóriade necessidade.

Os serviços assistenciais são constituídospelas atividades continuadas que visem àmelhoria de vida da população e cujas açõessão voltadas para as necessidades básicas22.Os programas são destinados priorita-riamente às ações de inserção profissional esocial. Já os projetos envolvem o enfren-tamento da pobreza.

A realização da assistência social noBrasil, por previsão legal, observa asdiretrizes da descentralização político-administrativa para os entes federados; docomando único das ações em cada esferade governo; da participação da popu-lação nos processos de formulação daspolíticas e no controle das ações, emtodos os níveis; e da primazia da responsa-bilidade do Estado na condução da polí-tica de assistência social, em cada nível degoverno.

Reflete, portanto, as diretrizes geraisimpostas pela Constituição Federal àseguridade social, tal qual a legislação doSistema Único de Saúde, sendo que, emseu art. 6o, institui o sistema de assistênciasocial, também à semelhança da legislaçãodo SUS:

“As ações na área de assistência socialsão organizadas em sistema descen-tralizado e participativo, constituídopelas entidades e organizações deassistência social abrangidas por estalei, que articule meios, esforços erecursos, e por um conjunto de ins-tâncias deliberativas compostas pelosdiversos setores envolvidos na área.”

Em seu art. 11, a LOAS estabelece ascompetências gerais das três esferas degoverno:

“Art. 11. As ações das três esferas degoverno na área de assistência socialrealizam-se de forma articulada,cabendo a coordenação e as normasgerais à esfera federal e a coordenaçãoe execução dos programas, em suasrespectivas esferas, aos estados, aoDistrito Federal e aos municípios”.

No rastro do modelo adotado peloSUS, a regulamentação da lei e a organi-zação da estrutura sistêmica de assistênciasocial no país adotaram o procedimentode emissão de normas operacionais peloPoder Executivo Federal. A NormaOperacional editada em 1997 versou sobrea estrutura das ações de assistência social,composta por serviços, programas eprojetos. A Norma Operacional doGestor Federal de 1998 definiu as atri-buições dos conselhos de assistência sociale criou os espaços de negociação epactuação – Comissões IntergestoraBipartite e Tripartite, com representaçõesmunicipais, estaduais e federal de assistên-cia social. O Sistema Único de AssistênciaSocial (Suas) foi implantado em 2005, apósevento do Conselho Nacional de Assis-tência Social, que congregou gestores eassistentes sociais de todo o país, emborasem institucionalização legal.

São muitos os pontos de semelhançaentre os marcos legais do Suas e do SUS, aexemplo da estrutura de participação econtrole social organizada com base emconselhos municipais, estaduais e nacional.O Fórum Nacional de Secretários Esta-duais de Assistência Social (Fonseas) e oColegiado Nacional de Gestores Muni-cipais de Assistência Social (Congemas) são

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entidades igualmente importantes naarticulação federativa no contexto dosistema nacional e descentralizado deassistência social.

Um aspecto que distingue a assistênciasocial das outras áreas da seguridade é aprevisão constitucional de que as entidadesbeneficentes e de assistência social sãoexecutoras das políticas públicas de assis-tência social junto a estados e municípios,reservada a coordenação e a edição denormas à esfera federal. A Loas estabeleceque as ações de assistência realizadas noâmbito das entidades e organizações deassistência social devem observar as normasexpedidas pelo Conselho Nacional deAssistência Social (CNAS) e que o funcio-namento das organizações depende deprévia inscrição no respectivo conselhomunicipal ou estadual, conforme o caso, aquem cabe também a fiscalização dessasorganizações (arts. 7o e 9o, respectivamente).

Em favor dessas instituições, a Consti-tuição Federal de 1988 dispõe sobre a isençãoda contribuição previdenciária23 e veda ainstituição de impostos sobre patrimônio,renda e serviços de partidos políticos, inclu-sive suas fundações, das entidades sindicaisdos trabalhadores, das instituições de edu-cação e de assistência social, sem finslucrativos, atendidos os requisitos da lei.

A inscrição nos conselhos de assistênciasocial é condição para a obtenção docertificado de entidade beneficente deassistência social junto ao ConselhoNacional de Assistência Social (CNAS). Noâmbito do sistema, a relação entre o poderpúblico e as entidades beneficentes eorganizações é pactuada pelos estados emunicípios, por meio de convênios.

Diferentemente da educação e dasaúde, a Constituição24e a lei não estabe-leceram vinculações de receitas tributáriaspara o custeio da assistência social, embora

tenham previsto a renuncia fiscal em favordas entidades que atuam no setor, por meioda imunidade previdenciária. Os recursospúblicos para financiamento da assistênciasocial são oriundos das mesmas fontes decusteio da seguridade social em geral,definidos nos orçamentos da União, dosestados e dos municípios. As transferênciasde recursos financeiros da União para osdemais níveis de governo são realizadaspelo Fundo Nacional de Assistência Socialpara os fundos estaduais e municipais deassistência, cuja existência é requisito parao recebimento de recursos da União.

A respeito dos programas sociaisdesenvolvidos no âmbito do Suas, demaior impacto e relevância no país, deve-se mencionar o programa de rendamínima Bolsa Família. Esse programa temuma história particular e uma estruturaespecial25 que revelam a sua importânciana promoção da cidadania no país. Emsuas origens, a iniciativa governamental eradenominada Programa de Renda Mínima,gerenciado pelo órgão federal responsávelpela área de assistência social. Naquelaépoca, seu objetivo principal era prestarapoio ao desenvolvimento de programasmunicipais de renda mínima, operacio-nalizado por meio de convênios.

A Lei federal no 10.219, de 2001, trans-formou a a iniciativa no Programa Nacionalde Renda Mínima Bolsa Escola e transferiusua gestão para o Ministério da Educação.O Bolsa Escola tinha como objetivo prestarapoio às famílias carentes com filhos emidade escolar, com vistas à permanência naescola. Em seu novo formato, o programadeixou de prestar apoio a iniciativas muni-cipais de assistência para se tornar umprograma de assistência federal, diretamenteao cidadão, ainda que sua implementaçãotenha se dado em articulação com os muni-cípios, no que se refere ao cadastramento

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das famílias e seu acompanhamento, alémdo controle da frequência escolar dascrianças. O custeio e o pagamento dos bene-fícios do programa, de responsabilidadefederal, eram realizados mediante o apoiooperacional da Caixa Econômica Federal.

A Lei no 10.836, de 2004, criou oBolsa Família, que aglutinou, em uma sóestratégia, os programas de transferênciasde renda do governo federal, especial-mente o Bolsa Escola, o ProgramaNacional de Acesso à Alimentação(PNAA), o Bolsa Alimentação do Minis-tério da Saúde e o Auxílio-Gás, unificandosua gestão e execução. A operacio-nalização do novo programa observouas mesmas aplicadas anteriormente aoBolsa Escola, ou seja, execução financeirano âmbito federal, por meio da CaixaEconômica e parceria com estados emunicípios, responsáveis pelo cadastra-mento e acompanhamento das famílias.

Interessante destacar que, em razão doprocesso histórico de surgimento e evoluçãodo programa no país, as relações federa-tivas estabelecidas no Programa BolsaFamília distinguem-se daquelas estabelecidasno Sistema Único de Assistência Social.Nesse caso, não houve a descentralizaçãode recursos para estados e municípios – àexceção de pequeno percentual, aprovadorecentemente, destinado especificamente aocusteio de atividades administrativas dosmunicípios relacionadas com responsabi-lidades legais no programa.

Os benefícios são pagos com recursosdiretos da União, por meio de agentefinanceiro federal, como alternativa parasuperar o atual modelo de transferênciaspor meio de convênios, que constitui forteentrave burocrático. A parceria estabelecidapelo governo federal diretamente com osmunicípios brasileiros, sem envolver trans-ferência de recursos financeiros, viabilizou

a implantação do programa em curtoespaço de tempo. Nada indica, entretanto,que as relações federativas desenvolvidasno Bolsa Família não possam evoluir nosentido de uma maior descentralização, emvista, inclusive, das recentes medidas dogoverno federal no sentido de um maiorapoio e fortalecimento da gestão da partemunicipal do programa, o que pode serindicativo de tendência nessa direção.

O processo de reformas daadministração pública para a gestãodescentralizada de políticas públicas

A Constituição Federal de 1988 podeser considerada, sob o ponto e vista polí-tico e jurídico, como marco nacional daretomada do processo de democratizaçãobrasileira. Resultado dos movimentos e daslutas sociais em resistência à ditadura militar,o texto constitucional reconheceu osdireitos sociais difusos e restabeleceu, nofederalismo, o equilíbrio dos núcleos depoder, essenciais ao exercício democrático.Constituiu, a um só tempo, novo pactosocial e novo pacto federativo.

Os arts. 1o e 18 da Constituiçãotraduzem uma opção inequívoca pelofortalecimento do ente municipal, comcategórica explicitação do município nacomposição da Federação – o que sinaliza,de forma emblemática, a opção nacionaldo processo constituinte em inverter omovimento expansionista do poder centralpara a ampliação do campo autonômicodo município (PIRES E NOGUEIRA, 2009).

É preciso ponderar, no entanto, queàs conquistas constitucionais auferidas nãohouve o necessário e adequado investi-mento na construção de um novo modelode administração pública, sintonizado comos paradigmas da participação social; daatuação estatal em redes; da parceria

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público-privada e da autonomia dos entesfederados. A máquina estatal, confrontadaàs mudanças político-administrativas pro-movidas pela Constituição – seja emrelação à recuperação da autonomiaadministrativa dos estados e municípios edo seu fortalecimento, seja no âmbitodas políticas sociais aliada às conquistassociais –, reagiu com a mesma lógica emecanismos desenvolvidos durante oregime militar, para a implementação daestratégia nacional desenvolvimentista. Aestrutura da “administração para o desen-volvimento”, concebida pelos governosmilitares estava voltada eminentemente parao plano econômico, conformada sob avisão autoritária da ditadura, com foco noPoder Executivo Federal, enquanto a áreasocial encontrava-se carente e subdesen-volvida, em situação inversa à dos paísesdesenvolvidos, onde a presença estatal nossetores sociais era relevante26 .

A fragilidade estrutural das áreas depolíticas públicas e gestão governamentalcomprometeu o processo de descentra-lização federativa e tornou essencial apromoção de uma ampla reforma doEstado e da administração, que investisse,especialmente, na estruturação de umaburocracia pública de natureza estratégica,capacitada para a gestão de políticas públicase absorção de inovações gerenciais orientadaspara uma administração para resultados.

Nessa perspectiva, em dezembro de1994, foi apresentado à equipe de transiçãodo governo recém-eleito naquele ano, odocumento denominado “Reforma doEstado e Administração Pública: Diagnós-tico e Propostas para o Novo Governo”,elaborado por um grupo de servidoresda carreira de Especialista em PolíticasPúblicas e Gestão Governamental, criadaem 1989. O documento definia as caracte-rísticas centrais do Estado democrático,

determinantes para uma reforma da admi-nistração – a) Estado articulador de estra-tégias para o desenvolvimento; b) Estadosupridor de serviços sociais básicos;c) Estado promotor de políticas públicasem articulação com os níveis estadual emunicipal; d) Estado negociador dosprocessos de integração econômicaregional e mundial –, e recomendava aadoção de uma série de mudanças naestrutura de organização e funcionamentoda administração pública.

Relativamente ao setor de prestação deserviços sociais básicos e à promoção depolíticas públicas em articulação comas esferas estaduais e municipais, o docu-mento enfatizava:

“O Estado deverá estar voltadoessencialmente para o suprimento dasnecessidades sociais de grandesparcelas marginalizadas da população,incluindo a geração de emprego erenda, bem como a prestação deserviços sociais básicos de boa quali-dade nas áreas de saúde, educação,previdência e assistência social, habi-tação, saneamento básico, transportescoletivos, segurança etc.

Novos formatos e estilos de organi-zação e gerência deverão ser expe-rimentados, com vistas à busca daqualidade e de padrões confiáveis degestão através do estímulo à parti-cipação da sociedade, particularmente,através das clientelas beneficiáriasdesses serviços, devendo se esperardelas uma atuação fiscalizadora e,sempre que possível, a atribuição deresponsabilidades de cogestão dessesserviços, mediante institucionalizaçãode instâncias de participação.[...]

[...] O novo Estado deverá encontraruma adequada tradução administrativa

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e institucional do sistema federativodefinido na Constituição de 1988. ÀUnião caberá um papel predominan-temente de formulação e implemen-tação de políticas públicas, prestaçãode assistência técnica, normatização eregulação no âmbito nacional, e finan-ciamento com finalidades compen-satórias. Aos estados e municípios serãoatribuídas as responsabilidades deexecução direta e custeio dessaspolíticas. A nova configuração dessepacto federativo exigirá reformasconstitucionais que explicitem osrespectivos papéis, bem como os meiospara tanto reservados.”

A implementação do Sistema Únicode Saúde e a promulgação da Lei Orgâ-nica da Assistência Social determinavamurgentes mudanças no campo administra-tivo, com o desenho de novos institutospúblicos que pudessem apoiar as novasrelações entre os diversos agentes deambos os sistemas. O novo contextopolítico-institucional exigia a presença dequadros estratégicos, dotados de profis-sionais qualificados, com sensibilidadesocial e visão política, além de capacidadepara lidar com novos e modernos instru-mentos de gestão e com as novas tecno-logias de informação e comunicação queaceleradamente ganhavam espaço no setorpúblico.

Sem a clara compreensão do novopapel do Estado, em todos os seus níveisde atuação, e da nova repartição decompetências entre as esferas federal,estadual e municipal, o processo de descen-tralização encontrou resistências dentro daburocracia e obstáculos administrativos.Urgia substituir o modelo de administraçãocentrada no planejamento econômico ecom características tecnocráticas por uma

gestão governamental democrática, capaci-tada para os processos participativos deformulação, implementação e avaliação depolíticas públicas.

O diagnóstico contido no documentoapresentado pelos gestores governamentaispostulava em direção à necessidade de“um planejamento flexível, ágil, compro-metido com a ação, que deverá ser tambémdemocrático e transparente, institucional etecnicamente aberto à participação demo-crática da cidadania. Mais que isso, oplanejamento poderá ser poderosa ferra-menta de indução da participação popularnas decisões de Estado”. A Constituiçãohavia institucionalizado um modelo deimplantação de políticas públicas de amplaarticulação, negociação e cooperação entreatores políticos e sociais, ao qual a adminis-tração pública deveria se adaptar.

O movimento de Reforma do Apare-lho do Estado Brasileiro – empreendidono período de 1995 a 1998, no Governodo Presidente Fernando Henrique Cardoso– atendeu, em grande parte, às recomen-dações do diagnóstico apresentado pelosgestores governamentais. A primeira e maisimportante medida adotada naquela épocafoi a definição de uma política de recursoshumanos direcionada à composição dequadros estratégicos para as atividadesde formulação, implementação e avaliaçãode políticas públicas e à gestão governa-mental democrática, a partir da retomadade concursos para carreiras de áreas estra-tégicas, que haviam sido interrompidosdurante o Governo Collor, a exemplo dacarreira de Especialista em Políticas Públicase Gestão Governamental27.

Outra medida de relevo foi a edição daEmenda Constitucional no 19, de 1998, queobjetivou corrigir excessos do texto constitu-cional de 1988 que, escrito sob o clamor daliberdade democrática recém-conquistada,

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promoveu um engessamento do regimeadministrativo aplicável à administraçãopública direta e indireta, como reação àexcessiva discricionariedade do PoderExecutivo Federal durante o regimemilitar. A autonomia gerencial da adminis-tração havia sofrido, particularmente, comesse engessamento, visto que a submissãodas entidades da administração indireta –prestadoras de serviços sociais direta-mente à população – ao regime adminis-trativo próprio das entidades de direitopúblico, concebido para a máquinaburocrática do Estado, enrijeceu a gestãoem todas as suas dimensões, notadamentena área de compras governamentais, daadministração orçamentária e financeirae de recursos humanos. Também repre-sentou perda de capacidade executiva ede administração em setores em que aagilidade e a flexibilidade são determi-nantes para a qualidade e a tempestividadeda oferta de serviços aos cidadãos. AEmenda Constitucional introduziu apossibilidade do regime de empregoplural dentro dos órgãos e entidades dedireito público, o que foi, posteriormente,contestado e julgado inconstitucional, peloSupremo Tribunal Federal, não pelomérito da matéria, mas por ter havidovício no rito constitucional de aprovaçãodo dispositivo na emenda28.

A Emenda Constitucional no 19/98aprovou ainda dois dispositivos relevantespara o processo de descentralização e aparticipação democrática dos usuáriosna gestão dos serviços públicos. Foi dadanova redação para o art. 241 da Consti-tuição, que autoriza os consórcios públicospara a gestão associada de serviços públicos,bem como a transferência total ou parcialde encargos, serviços, pessoal e bens vincu-lados a serviços transferidos para órgãosde outros entes da federação.

A figura do consórcio já constava daLei no 8.080, de 1990, que regulamentou oSUS, mas sua aplicação encontrava resis-tências, dada a falta de previsão constitu-cional desse instituto de articulação entreos entes públicos. O instrumento doconsórcio visa facilitar a articulação regionalda prestação de serviços, mediante asso-ciação de municípios e, eventualmente, dosestados. A participação dos usuáriostambém ganhou espaço no texto consti-tucional. Embora esse dispositivo, emparticular, não tenha sido regulamentado,a dimensão da participação social noprocesso de formulação e avaliação depolíticas públicas foi devidamente incor-porada em leis específicas como as dossistemas de saúde e assistência social.

O movimento de Reforma de 1995-1998 orientou-se no sentido de uma gestãopor resultados, dotada de instrumentosflexíveis para a relação intrafederativa; daagilização dos fluxos financeiros e deinformações. Introduziu-se, nessa época,a previsão constitucional da figura docontrato interno à administração com vistasà ampliação da autonomia gerencial,vinculada à obtenção de metas de desem-penho29. Em 1999, a gestão por resultadosfoi também impulsionada por reformu-lação do sistema de planejamento gover-namental fundamentado na lógica daorçamentação por programas que, lamen-tavelmente, não se completou em razãoda sobrevivência das estruturas departa-mentais tradicionais.

Do balanço obtido entre os avançosdas propostas da Reforma do Aparelhodo Estado e as reações contrárias daburocracia em relação aos novos institutos,verifica-se saldo positivo. Propor medidasque impliquem em mudanças culturais eque alterem o status quo das forças políticase administrativas será sempre um desafio.

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À época, as proporções desse desafioganhavam maiores contornos pelo fato deo país haver recém-saído de um governoautoritário e cuja população ainda não haviaconstruído um espaço de segurança e capa-cidade crítica para avaliar a qualidade e aprofundidade de algumas das principaispropostas apresentadas pelo governofederal. Por sua vez, a média e a baixaburocracia, submissas durante a ditadura,assustaram-se com o discurso elitista daReforma do Estado, voltado essencial-mente para a qualificação de altos cargos eopuseram-se, com apoio das entidades declasse, aos projetos modernizantes.

Nada obstante, grandes conquistasforam alcançadas, especialmente no queconcerne à descentralização e à cooperaçãointrafederativa. São exemplos: a implantaçãodos sistemas integrados que reúnem órgãose entidades das três esferas de governo, naprestação de serviços diretos aos cidadãos;os mecanismos de gestão participativagerados com a experiência do SUS; osmodelos e instâncias de negociação epactuação interfederativa; e as transferências“fundo a fundo”. A situação exigiu soluçõescriativas e inovadoras para a viabilização daexecução descentralizada de diversosprogramas federais, embora algumastentativas de descentralização tenhamfracassado ou demorado a se consolidar.

O convênio, na qualidade de maisimportante – senão único – instrumentode transferência de recursos, de naturezaformalista e burocrática, foi substituído,em alguns casos, por outros mais flexíveise que permitiam um fluxo financeiro maiságil e eficiente, como a alternativa adotadapelo Programa Bolsa Família. A relaçãofederativa na prestação de serviçosde educação substituiu o convênio pelafigura do “repasse direto”, nos casos dosprogramas de Alimentação Escolar –

PNAE (Merenda Escolar) e DinheiroDireto na Escola (apoio à manutençãoescolar)30. Essas e outras experiências,implementadas em diversos ministérios daárea social, permitiram a agilização dastransferências intrafederativas; a regulari-dade nos fluxos financeiros e de infor-mações; assim como a gradativa substi-tuição de controles burocráticos peloscontroles de resultados e pelo controlesocial, apoiado na crescente participaçãosocial na gestão das políticas.

A título de conclusão

À reconquista do federalismo brasileiropela Constituição Federal de 1988, seguiu-se lento, embora rico, processo de reorde-namento político-adminstrativo dasrelações entre os entes da federação,caracterizado por movimentos alternadosde avanços em direção à descentralizaçãoe recuos à recentralização – esses últimosdeterminados pelos traços do antigocentralismo decisório na União, consubs-tanciado por um sistema tributário queainda mantém estados e municípios depen-dentes das transferências federais naimplementação de grande parte daspolíticas públicas sociais.

Outra evidência do movimento centra-lizador é a compulsão normativa da esferafederal – observada nas experiências dedescentralização – que, não raras vezes,extrapolou os seus espaços de regula-mentação, especialmente em matérias decompetência legislativa concorrente, comono caso da legislação sobre consórcios ouainda na invasão da autonomia adminis-trativa do estados e municípios, por meioda edição de normas infralegais de carátergeral, como na experiência de ediçãodas Normas Operacionais Básicas doSUS. Embora as intenções sejam,

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frequentemente, louváveis, na direção dadisposição exaustiva dos institutos legais eda padronização de entendimentos e so-luções, essa compulsão inibe e prejudica ageração de estratégias customizadas aoscontextos díspares, além de estimular apa-tia e submissão aos desígnios federais.

A esse respeito, Pires e Nogueira (2009)alertam que “na descentralização, impõe-se a defesa de certa flexibilidade dosarranjos institucionais, contratuais e dosprocessos e procedimentos para quepossam responder às especificidades dasexperiências e dos contextos de suaaplicação, seja em razão da situação de cadamunicípio no quadro geral – e, então,amparado por sua autonomia –, seja inte-grado em microrregiões, aglomeraçõesurbanas ou regiões metropolitanas, quandoo interesse local deve ser harmonizadocom o interesse regional, na delicada tensãodas autonomias municipal e do Estado-membro”.

Além disso, as experiências de descen-tralização já implementadas no paísdemonstraram que nem sempre a visãocentral dos problemas setoriais atende àrealidade local. Nesse aspecto, é importantedestacar que as estruturas lógicas sobre asquais se fundamentou a criação dos prin-cipais mecanismos e instrumentos daadministração pública foram constituídascom base na percepção da realidade donível central do Estado. Grande maioriados institutos jurídicos e administrativosatualmente vigentes foi concebida emprocessos de discussão e definição condu-zidos no âmbito federal, ainda que essesinstitutos incidam, igualmente, sobre asgestões públicas estaduais e municipais.

O reposicionamento do município nocerne da composição federativa, como olócus primordial do contato direto com ocidadão brasileiro, torna imperativa a

revisitação das antigas bases do regimeadministrativo aplicável ao aparelho doEstado – no que concerne às formas deatuação, aos mecanismos e aos instru-mentos gerenciais, para a redefinição deconceitos e mecanismos à luz da gestãomunicipal.

Outra questão importante na análise dotema da descentralização federativa é arevisão ou a regulamentação das atri-buições concorrentes previstas na Consti-tuição Federal, fonte de indefinições nadivisão de responsabilidades entre os entes,especialmente no atual contexto de atuaçãodos governos, de complexidade crescentedas demandas sociais e econômicas e deincapacidade de atendimento do Estado.Essas indefinições, aliadas à estruturaconcorrente de destinação dos recursosorçamentários para financiamento dasdiversas políticas públicas e à estruturatributária centralizada, concorrem para quese instale um “jogo de empurra” entre asesferas de governo.

Frequentemente são invocadas a faltade qualificação dos quadros dos governosestaduais e municipais para a condução depolíticas públicas, assim como a maiorexposição dos governos subnacionais àspráticas patrimonialistas e coronelistas douso da máquina pública. Em alguns setores,registra-se, inclusive, certa reserva dogoverno federal na adoção de mecanismosmais flexíveis de transferência de recursospara as instâncias estaduais e municipais degoverno, sob a alegação de não havergarantias da efetiva aplicação no objeto datransferência pelo poder público local.Embora possa haver nesse temor, empoucos casos, um fundo de verdade, o certoé que essas são argumentações típicas dequem quer reter poder, ao invés de avançarem direção ao entrelaçamento cooperativona gestão de programas públicos.

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Quanto à qualificação das gestõesestaduais e municipais, a experiênciafederal de formação de quadros profis-sionalizados demonstra que esse não é umdesafio inalcançável. Basta que haja realinteresse e investimento adequado em gestãode pessoas. A esse respeito pode-se citar,como um dos efeitos da descentralização, aimportante reversão no tamanho dosquadros de servidores dos governosfederais, estaduais e municipais, ao longodos últimos 20 anos. Segundo dadosapresentados pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), em 1987, dototal de servidores públicos civis no Brasil,25% eram federais, 50% eram estaduaise 25% eram municipais. Em levantamentorealizado em 2006, constatou-se que ogoverno federal é responsável por 15%dos servidores, os estados por 35% e osmunicípios por 50%, o que demonstrao fortalecimento da gestão públicamunicipal.

Os dados sinalizam para a necessidadede readequar o vetor de investimentoestatal na constituição e formação profis-sional de seus quadros de pessoal, comênfase na adoção de mecanismos queprivilegiem as necessidades locais. A antigaprática de “importar” modelos e práticasgerenciais, ditadas pelo âmbito federal,precisa ser substituída por uma política depessoal que respeite as diferentes realidadessocioeconômicas desses entes.

Quando analisadas as experiências dedescentralização exitosas no país – especial-mente as três abordadas neste trabalho –percebe-se que grande parte do sucessoobtido decorreu da geração de alternativasmetodológicas para a gestão integrada dapolítica pública, geradas de baixo paracima, a partir da constatação da necessi-dade da derrubada dos velhos institutos eda construção de novas relações.

Dentre as mais importantes inovaçõesque foram introduzidas no campo institu-cional e nos métodos de gestão pública,pode-se citar a adoção dos mecanismosde conferências regionais e nacionais, comampla participação de especialistas e dasociedade civil – eventos de mobilização eparticipação fundamentais para a avaliaçãodos serviços prestados pelo Poder Públicoem todos os níveis de governo –, e a cons-trução da agenda para a formulação daspolíticas. As conferências já fazem parte dainstitucionalidade de várias áreas degoverno como educação, saúde, assistênciasocial, ciência e tecnologia e meio ambiente.Também os conselhos, consultivos oudeliberativos, ampliaram a participação dasociedade civil na formulação e no controledas políticas e ações governamentais, nostrês níveis de governo, contribuindo decisi-vamente para o aprofundamento dademocracia. As comissões intergestoras denegociação e pactuação aplicadas no SUSe no Suas constituem-se como outracontribuição inovadora na articulaçãofederativa.

O planejamento regional adotado pelaárea da saúde revelou a importância doterritório para o planejamento governa-mental. O que antes era quase uma exclusi-vidade das áreas de infraestrutura, com aevolução e aprimoramento da gestãocooperativa federativa de serviços públicos,mostrou-se essencial nas áreas sociais.

Houve também significativo avançoem direção à gestão para resultados, aindaque seja necessário continuar o investimentoem competência técnica para a definiçãode objetivos, metas e indicadores. Dentroda experiência do SUS, constatou-se queo controle formal, centrado nos procedi-mentos e rotinas, não respondia às neces-sidades de uma eficiente prestação deserviços e ágil movimentação financeira

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intrafederativa. Adotaram-se o modelonegocial, com controle de resultados, e osmecanismos de controle social, menosburocráticos e mais efetivos.

Há várias lições aprendidas a partir dasexperiências de descentralização de polí-ticas aqui analisadas – de educação, de saúdee de assistência social: a) o concerto fede-rativo é possível e viável, embora a suaimplementação seja lenta, com avanços eretrocessos naturais a qualquer processoque envolve alteração nos vetores de podere mudança cultural e comportamental;b) a descentralização só ocorre de fatoquando o poder central abre mão do seupapel de controlador e assume a coorde-nação, descentralizando, também, a auto-nomia de gestão para os entes subnacionais.A criação de fóruns de articulação, comoos conselhos Nacional de Secretários deAdministração (Consad) e de SecretáriosEstaduais de Planejamento (Conseplan),são passos importantes nesse sentido31;c) o empoderamento dos estados e muni-cípios viabiliza a substituição das relaçõesconveniais tradicionais, que preservam aposição dominante da esfera federal, pelasrelações negociais, em que partícipes doacordo concertam, junto a atores sociais,as demandas locais e constroem umplanejamento ascendente para a implemen-tação da política pública, a partir dasnecessidades efetivas dos cidadãos; d) osmodelos e ferramentas gerenciais aplicáveisa sistemas descentralizados de implantaçãode políticas públicas são radicalmentediferentes dos gerados para modeloshierárquicos e autoritários. Por isso, éessencial conceber novos institutos admi-nistrativos, adequados à ação coordenadade governo, em rede com os atores sociais;e) os fluxos de recursos financeiros, assimcomo os fluxos de informações, em todosos sentidos, constituem elemento

fundamental da nova gestão intrafederativa.Os sistemas de informações envolvemnecessariamente a cooperação federativa,seja na alimentação de dados dos sistemasestatísticos, como na produção de indica-dores nacionais, regionais e locais. Sãoreversões radicais nos paradigmas da admi-nistração pública brasileira – sintonizadascom os objetivos e princípios democrá-ticos da Constituição Cidadã que precisamser expandidas por sobre os demaisinstitutos públicos.

É absolutamente necessário integrara articulação federativa no conceito deadministração pública. Vale aqui o aforismode Nietzche32: “A derrubada das opiniões nãosegue exatamente a derrubada das insti-tuições. As novas opiniões foram pormuito tempo à casa de suas antecessoras,agora desolada e sinistra até mesmo apreservam por falta de moradia”.

Apesar da moderna concepção admi-nistrativa e técnica do SUS, Suas e doSistema Educacional Brasileiro, são neces-sários novos arranjos institucionais, admi-nistrativos e culturais. Os modelos deestruturação administrativa, de transfe-rências de recursos vigentes estão assen-tados, ainda, na legislação da época daditadura e precisam, o quanto antes, serrevistos sob os paradigmas democráticosda participação e controle social, dagestão por resultados e da descentralizaçãofederativa. A visão concentrada noExecutivo Federal, herdada da cultura doregime militar, precisa ser superada. Nãohá mais como isolar a administraçãopública federal das demais esferas degoverno. Os sistemas integrados deserviços públicos impõem um sistema deplanejamento que nasce na base da socie-dade, nos municípios, e sobe até a União,por meio dos novos mecanismos deplanejamento setorial federativo, já im-

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plantados ou em processo de implan-tação, e que envolvem intensa participaçãosocial.

O novo contexto da administraçãopública exige a articulação efetiva dosórgãos responsáveis pela gestão públicanas três esferas de governo. Adquiremimportância fundamental a assistênciatécnica e os investimentos federais volta-dos para a melhoria da capacidade degestão de estados e, principalmente, dosmunicípios, os quais hoje já são respon-sáveis por grande parte da prestação deserviços nas áreas sociais.

São necessários mecanismos quepromovam a articulação dos governosfederal, estadual e municipal na formulaçãodas normas para a administração públicadas três esferas de governo e também aelaboração de propostas voltadas para amelhoria do desempenho da administração

pública em todos os níveis, que respeite aautonomia dos entes e suas especificidades.

A reforma do Estado e a implemen-tação do novo pacto federativo revela nãosó a necessidade de rever conceitos deadministração pública, no sentido decompreendê-la como uma totalidade queenvolve os três poderes da República e astrês esferas de governo, mas também, nosentido da inseparabilidade entre fins e meios,entre as políticas públicas e os processos einstrumentos de gestão. A substituição daestrutura sistêmica atual, excessivamente es-pecializada e segmentada, por um sistemaintegrado de políticas públicas e gestãogovernamental, ou simplesmente de gestãogovernamental, é uma reforma que clamapor ser efetuada e constitui uma das tarefasurgentes para a administração pública.

(Artigo recebido em novembro de 2009. Versãofinal em março de 2010)

Notas

1 Conforme § 1o do art. 211 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucionalno 14, de 1996.

2 Registre-se que o ensino médio não é ainda obrigatório no Brasil. A Constituição definiu aobrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental. No caso do ensino médio, foi definidoapenas o objetivo de sua progressiva universalização e gratuidade, embora também tenha sidodefinida a gratuidade do ensino em qualquer estabelecimento oficial. A partir da EC no 14, de 1996,a educação infantil, dos quatro aos seis anos de idade, foi incorporada à estrutura da educação básica,deixando de ser considerada como pré-escolar.

3 Conforme art. 212 da Constituição Federal, cumpre à União aplicar percentual mínimo de18% de suas receitas na área do ensino, enquanto que estados, o Distrito Federal e municípios ficamobrigados a aplicar o mínimo de 25% das receitas fiscais, excluídas dessa obrigatoriedade as receitasde contribuições sociais.

4 A criação do Fundef foi aprovada pela Emenda Constitucional no 14, de 1996.5 O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi criado em

2006, por meio da Emenda Constitucional no 56, e substituiu o Fundef.6 De acordo com o art. 16 da Lei no 8.080, de 1990, compete à União formular as políticas

nacionais; exercer a macrocoordenação do Sistema; elaborar normas relativas às diversas áreas desaúde; conceder apoio técnico e financeiro aos entes subnacionais no aperfeiçoamento de sua atuação;

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estabelecer normas e executar a vigilância sanitária em portos, aeroportos e fronteiras; estabelecer normaspara regular as relações com a prestação de serviços privados ao SUS, além de fiscalizar e controlar osgastos com o apoio de uma auditoria criada por meio do Decreto no 1.651, de 1995.

7 Registre-se a edição do Decreto no 1.651/95, que regulamenta o Sistema Nacional de Audi-toria no âmbito do Sistema Único de Saúde; a Lei no 9.836/1999, que altera o Capítulo do Subsistemade Atenção à Saúde Indígena; a Lei no 10.424/2002, que dispõe sobre o Subsistema de Atendimentoe Internação Domiciliar; e a Emenda Constitucional no 29, de 13 de setembro de 2000, que asseguraos recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde.

8 Em observância às propostas da Conferência Nacional de Saúde, criou-se no Ministério daSaúde um grupo com participação do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), ConselhoNacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e outras entidades da sociedade civil, quefoi responsável pela elaboração desse documento.

9 Ao amparo das NOB-SUS 01/93 e NOB-SUS 01/96, foram instituídas, ao lado dos conselhosde saúde, instâncias de negociação entre gestores das três esferas – a Comissão Intergestores Tripartite(CIT) e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), responsáveis pela pactuação da programação deserviços básicos, entre os gestores dos entes federados, assim como dos tetos financeiros aplicáveisa cada caso.

10 Aprovada pela Portaria no 2.203, de 2006, do Ministério da Saúde, a NOB 01/96 preocupava-se em estabelecer a inversão do modelo de atenção à saúde centrado na responsabilidade do municípiopelo atendimento às necessidades e demandas de saúde e das exigências de intervenções saneadoras emseu território. A norma simplificou as modalidades de gestão e aprofundou o processo de descentralização,deixando explícitas as responsabilidades dos gestores estaduais e municipais (SANTOS & ANDRADE,2007). Preocupou-se, portanto, em propiciar condições para a construção da integralidade das ações eserviços de saúde, conciliando-os com políticas sociais e de infraestrutura, como moradia, renda, meioambiente, entre outros. Tratou, ainda, da estruturação dos sistemas municipais de saúde; do papelarticulador dos estados e da necessidade de reforçar o relacionamento intrafederativo; do papel da esferafederal, como gestora nacional do sistema; e da divisão de responsabilidade de financiamento entre astrês esferas. Foi a primeira norma operacional a fazer referência ao reembolso das despesas por atendi-mentos em unidades públicas a beneficiários de planos de saúde.

11 Item 4 da Portaria/MS no 2.203 de 1996.12 A norma falhou, no entanto, ao considerar como gestores apenas os municípios que se

habilitaram no Sistema, dando aos demais o antigo tratamento de “prestadores de serviços” (SANTOS

& ANDRADE, 2007, pag. 65).13 Após a NOB-SUS 01/96, foram editadas a Noas 01/2001 e a Noas 01/2002, respectivamen-

te, pelas portarias GM-MS no 95/2001 e no 373/2002 do Ministério da Saúde.14 Passou-se, então, a existir a chamada Região de Saúde, que se constitui na base territorial de

planejamento da atenção à saúde, definida pelas secretarias estaduais de saúde, em consonância comas especificidades e estratégias de regionalização em cada estado. O modelo de regionalização podeprever a divisão em macrorregiões, regiões e/ou microrregiões. Cada região pode compreender umou mais módulos assistenciais. Dentro das regiões foram criados os municípios-sede – habilitadosem Gestão Plena do Sistema Municipal ou em Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada – emunicípios-pólo, que apresentam papel de referência para outros municípios, em qualquer nível deatenção. A constituição das regiões exige a qualificação dessas pela Comissão Intergestores Tripartite.Um conjunto mínimo de procedimentos de média complexidade – definido como primeiro nívelde referência intermunicipal, com acesso garantido a toda a população no âmbito microrregional – érequisito para a qualificação de uma região de saúde. As microrregiões não qualificadas continuarãorecebendo os recursos do SUS, na forma de pagamento por produção.

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15 As ações de média complexidade, excetuadas aquelas mínimas garantidas nos módulosassistenciais, passaram a ser asseguradas no âmbito microrregional, regional ou estadual de acordocom o Plano Diretor de Regionalização do Estado (PDR). O planejamento da oferta dos serviços demédia complexidade a toda a população tornou-se objeto da Programação Pactuada e Integrada(PPI), coordenada pelo gestor estadual. Já a garantia de acesso da população aos serviços de altacomplexidade ficou como responsabilidade solidária da União e dos estados.

16 A Emenda Constitucional no 29/2002 estabeleceu a vinculação de percentuais mínimos desuas receitas tributárias para estados e municípios. O montante da União, segundo a referida emenda,seria aprovado por meio de uma lei complementar. O art. 77 do Ato das Disposições Constitu-cionais Transitórias (ADCT) estabeleceu o percentual mínimo de 12% para os estados e 15% para osmunicípios. Dessa forma, ficou assegurado o financiamento compartilhado da União, dos estadose dos municípios e um volume maior de recursos. A lei complementar prevista no § 3o do art. 198,que fixará os percentuais definitivos, com revisão a cada cinco anos, ainda não foi aprovada. Continuamem vigor os percentuais constantes do ADCT.

17 O “Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS” foi aprovado pela Comissão IntergestoresTripartite. Seu objetivo foi o “aprimoramento do processo de pactuação intergestores objetivando aqualificação, o aperfeiçoamento e a definição das responsabilidades sanitárias e de gestão entre osentes federados no âmbito do SUS”, bem como a “definição de compromissos entre os gestores doSUS em torno de prioridades que apresentam impacto sobre a situação da saúde brasileira”. O pactoenvolve três componentes: Pactos Pela Vida, em Defesa do SUS e, de Gestão. Portaria do Ministérioda Saúde aprovou as Diretrizes Operacionais do Pacto que envolveram alterações em termos deprerrogativas e responsabilidades dos municípios e estados habilitados em Gestão Plena do Sistema,a partir da assinatura dos chamados Termos de Compromisso e Gestão a serem aprovados pelasrespectivas instâncias de gestão.

18 Anexo I, Portaria/MS no 399, de 2006.19 O Conselho Nacional de Saúde (CNS) tem representação do Conselho Nacional de Secre-

tários Estaduais de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde(Conasems).

20 O artigo da Revista Veja informa que as Apaes são responsáveis por movimentação deR$ 200 milhões/ano. A AACD tem movimentação anual de aproximadamente R$ 43 milhões. Amovimentação anual da Visão Mundial é de R$ 26 milhões. O Fundo Cristão para Crianças temmovimentação de R$ 26 milhões por ano. As Aldeias Infantis SOS tem um movimento de R$ 15,5milhões /ano. O Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer tem movimento anual deR$ 12 milhões. Segundo o documento “Quem Somos” disponível no site da Cáritas Brasileira, aentidade tem uma movimentação de R$ 7 milhões. A Cáritas Brasileira foi fundada em 1956, pelaCNBB, então sob a direção de Dom Hélder Câmara e teve como um de seus objetivos originais acoordenação da distribuição dos alimentos do Programa de Alimentos doados pelo Governo Norte-americano. Somente em 1966, entretanto, a Cáritas desligou-se do Secretariado da CNBB constituindo-se como entidade autônoma. Essa entidade teve seu papel reduzido ao longo do tempo, especial-mente com o fim do Programa de Alimentos, e passou a redirecionar suas atividades para a construçãoda cidadania em articulação com as demais pastorais e com os movimentos populares.

21 A Loas definiu dois tipos de benefícios: de prestação continuada e o eventual. O benefício deprestação continuada é o da garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiênciae ao idoso com 70 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manu-tenção e nem de tê-la provida por sua família, e é de responsabilidade da União. Já os benefícioseventuais – que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja rendamensal per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo – foram atribuídos aos estados e municípios,

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que poderão aprovar outros, da mesma natureza, para atender necessidades advindas de situaçõesde vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadorade deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública.

22 A Lei no 11.258, de 2005, estabeleceu a inclusão nos serviços de assistência social de programasde amparo às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, em cumprimento aodisposto no art. 227 da Constituição, bem como de amparo às pessoas que vivem situação de rua.

23 Conforme § 7o do art. 195: “São isentas de contribuição para a seguridade social as entidadesbeneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”

24 Vide Art. 198, § 2o e Art. 212 da Constituição Federal.25 A sua estrutura inclui um Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família,

vinculado à Presidência da República.26 Ressalta-se que o autor do presente artigo já em 1994, ao final do Governo Itamar Franco, já

havia manifestado preocupação com a necessidade de mudanças na administração pública para oenfrentamento dos desafios democráticos e o novo pacto federativo, em documento publicado nosCadernos da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) intitulado “Mudança de Governo:Propostas para uma Reforma Administrativa Democrática”, no qual assinalou:

“O Estado no Brasil tem hoje uma estrutura distorcida para o econômico. Por seu turno, aárea social é extremamente carente e subdesenvolvida, o inverso do que ocorre nos países desen-volvidos onde o Estado tem uma grande presença na área social, própria das políticas públicas. Aprivatização de empresas não estratégicas para o desenvolvimento nacional deverá continuar napauta dos próximos governos, assim como o fortalecimento das áreas sociais na estruturação doEstado”. (ENAP Cadernos, volume 2, número 4, Reforma do Estado. Brasília, dezembro de2004. página 97) “[...] Da mesma forma, a aceleração da descentralização constitui elementofundamental para a democratização do Estado e a participação direta da sociedade civil na orga-nização do poder público. Todos estes elementos permitirão, ao longo de um período de experi-ência democrática, um efetivo controle social sobre o Estado”. (Idem, pág. 99)

27 A carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), criada noprimeiro governo da Nova República e interrompida no Governo Collor, foi retomada com arealização de concursos regulares para a renovação dos quadros superiores da administração e asuperação da carência de quadros estratégicos de formação democrática. Atualmente, a carreira jáconta com mais de 900 integrantes, formados pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP),em exercício em toda a administração direta, com boa presença nos ministérios das áreas sociais.

28 A adoção de um regime jurídico de trabalho específico para a atuação estatal nos setores deprestação de serviços sociais, que não exijam o exercício do poder de autoridade do Estado, éparticularmente relevante, uma vez que as relações de trabalho unilaterais que se estabelecem noregime de trabalho estatutário aplicam-se, particularmente e exclusivamente, aos órgãos e entidadesque funcionam sob o regime da hierarquia e de cujas atividades decorrem a geração ou a extinção denovos direitos e deveres para a sociedade como um todo.

29 § 8o do art. 37 da CF, atualmente em processo de regulamentação.30 Nesses casos, dada a relevância social e educacional desses programas, cuja execução era

totalmente emperrada pela burocracia, adotou-se a figura do “repasse direto”, uma sistemática quesubstituiu o convênio por um Termo de Adesão dos Municípios aos respectivos programas, elimi-nando a maioria das exigências burocráticas, o que permitiu as transferências regulares dos recursosfederais respectivos para contas das prefeituras municipais e, no caso do Programa Dinheiro Diretona Escola, diretamente nas contas das associações de pais e mestres ou dos caixas escolares. A partir

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dessa nova sistemática, a alimentação escolar foi viabilizada, sem as constantes interrupções e ausênciasde antes, da mesma forma que o repasse dos recursos da manutenção escolar.

31 Contudo, diferentemente das áreas setoriais, os dirigentes municipais de administração aindacarecem de uma organização aglutinadora que facilite sua interface com as estruturas estaduais efederais. Apesar da sua importância, esses organismos não bastam para uma articulação mais efetiva.É preciso instituir mecanismos institucionalizados de coordenação da gestão pública que estrutureme integrem as principais funções administrativas nas três esferas de governo. É, particularmente,necessário conceber mecanismos que assegurem sinergia e integração aos processos de planejamento,implementação e avaliação das políticas públicas setoriais, em rede sistêmica, sem ferir a autonomia,a criatividade e a iniciativa de cada ente federado. A existência de instâncias institucionais de interlocuçãofacilitaria a cooperação mútua e a superação de conflitos, o que sinaliza para a importância de organi-zação de um conselho consultivo nacional, com participação de representantes do Consad, doConseplan e dos dirigentes municipais de administração pública. O processo de descentralizaçãoadministrativa no Brasil foi decisivo para a consolidação do regime democrático, reconquistado pelasociedade após os 20 anos de regime autoritário. Ele promoveu a cidadania, retirando o cidadão doostracismo e da apatia que havia lhe sido imputado pela ditadura. Estimulou o compartilhamentode autoridade e de responsabilidade dos gestores públicos na implementação das políticas; envolveua sociedade e pôs em xeque as instituições e institutos públicos arcaicos. Ao estabelecer novo pactosocial e novo pacto federativo, a descentralização exigiu inovações na gestão pública, que nasceramdas áreas setoriais e não mais do núcleo central administrativo do governo federal. As inovaçõesempreendidas despertaram a atenção para a necessidade da revisão da estrutura sistêmica tradicional,com bases no Decreto-Lei no 200, de 1967, o que resultou em uma separação estática entre asatividades administrativas auxiliares e as atividades finalísticas, uma separação estática entre governoe administração.

32 Friedrich Nietzche. Humano, demasiado Humano. São Paulo: Nova cultural, 1999, Obras In-completas.

Referências bibliográficas

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OLIVEIRA, Gustavo Justino e MÂNICA, Fernando Borges (2009). Parcerias na Saúde,Reflexões sobre a Emenda Constitucional no 51/2006 e a Lei Federal no 11.350/2006,Editora Fórum.PESSOA, Eneuton, MATTOS, Fernando & BRITTO, Marcelo. O emprego público não éexcessivo no Brasil. Artigo publicado na edição de 18/01/2009 do jornal O Globo.PIRES, Maria Coeli Simões & NOGUEIRA, Jean Alessandro Serra Cyrino (2009). Ofederalismo brasileiro e a lógica cooperativa-competitiva in Consórcios Públicos – Instru-mento do Federalismo Cooperativo. Maria Coeli Simões Pires & Maria Elisa Braz Bar-bosa (coordenadoras), Editora Fórum.

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Resumo – Resumen – Abstract

Articulação Federativa na Prestação de Serviços Sociais no BrasilAldino GraefO artigo analisa as mudanças na prestação de serviços públicos a partir da Constituição de 1988,

quando um novo pacto federativo acompanhou a redemocratização política, resultando em ampladescentralização para estados e municípios, acompanhada de nova estrutura de repartição dos recur-sos tributários. Com esse objetivo, resgata-se o processo de formação de sistemas de prestação deserviços baseados na cooperação entre as três esferas de governo, focalizando as áreas de educação,saúde e assistência social. Discutem-se as inovações adotadas com a criação de formas organizacionaisde negociação entre os entes federativos; a incorporação da participação social na formulação e contro-le das políticas públicas; a desburocratização dos fluxos de recursos financeiros e de informações; e aadoção de novos instrumentos jurídicos de descentralização de programas e ações. O texto apontaainda os impactos dessa descentralização e das formas de articulação federativa, indicando a necessi-dade de novas reformas nos sistemas administrativos e na política de recursos humanos.

Palavras-chave: Descentralização, federalismo, serviços públicos, prestação de serviços.

Articulación Federativa en la Prestación de Servicios Sociales en BrasilAldino GraefEl artículo analiza los cambios en la prestación de servicios públicos a partir de la Constitución

de 1988, cuando un nuevo pacto federativo acompañó la redemocratización política, resultando enamplia descentralización para estados y municipios, en la que se ve una nueva estructura de repartode los recursos tributarios. Con ese objetivo, se rescata el proceso de formación de sistemas deprestación de servicios basados en la cooperación entre las tres esferas de gobierno, focalizando lasáreas de educación, salud y asistencia social. Se discuten las innovaciones adoptadas con la creación deformas organizacionales de negociación entre los entes federativos; la incorporación de la participaciónsocial en la formulación y control de las políticas públicas; la desburocratización de los flujos derecursos financieros y de informaciones; y la adopción de nuevos instrumentos jurídicos dedescentralización de programas y acciones. El texto apunta también los impactos de esadescentralización y de las formas de articulación federativa, indicando la necesidad de nuevas refor-mas en los sistemas administrativos y en la política de recursos humanos.

Palabras Claves: Descentralización, federalismo, servicios públicos, prestación de servicios.

Federative Articulation in the Provision of Social Services in BrazilAldino GraefThe article analyzes changes in the provision of public services, from the Constitution of 1988,

when a new federative agreement followed the redemocratization policy, resulting in broaddecentralization for states and counties, along with a new structure to share tax resources. With thisobjective, the text rescues the formation process of provision of services systems based on cooperationbetween the three spheres of government, focusing the areas of education, health and social welfare.The author discusses adopted innovations with the creation of organizational ways of negotiationbetween federative entities; the incorporation of the social involvement in the formulation andcontrol of public policies; bureaucracy reduction of financial resources and information flows; andthe adoption of new legal tools for program and action decentralization. The text also points outthe impacts of that decentralization and of the federative ways of articulation, indicating the needfor new reforms in the administrative systems and in human resources policy.

Keywords: Decentralization, federalism, public services, provision of services.

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Aldino GraefGraduado em História e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP). Possui mestradoincompleto em economia (Universidade de Estocolmo). Atualmente, exerce a função de Diretor do Departa-mento de Articulação Institucional da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.Contato: [email protected]

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Intersetorialidade etransversalidade: a estratégia

dos programas complementaresdo Bolsa Família

Trajano Augustus Quinhões e Virgínia Maria Dalfior Fava

Introdução

Embora a distribuição de renda no Brasil tenha melhorado nos últimos anos,

demonstrada pela queda de 8,5% no coeficiente de Gini1 entre 1995 e 2005,

passando de 0,585 para 0,544, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e

Aplicada (Ipea), em 2007, 9,1% das famílias brasileiras viviam em situação de

indigência e 25,6% em situação de pobreza. Contudo, a situação de

vulnerabilidade dessas famílias não se restringe à insuficiência de renda para

suprirem suas necessidades básicas, pois também faltam meios para a inserção

no mercado de trabalho ou para o desenvolvimento de alternativas de geração

de renda compatíveis com uma existência digna.

A superação da pobreza, da desigualdade e da exclusão social no Brasil é

umdesafio que extrapola a capacidade de um único nível de governo e reque-

rem a adoção de políticas que incorporem a intersetorialidade e a transversalidade,

e consigam atender as demandas dos segmentos excluídos.

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Desde que foi criado em 2003, oPrograma Bolsa Família (PBF) temcontribuído para o enfrentamento dapobreza, da exclusão social e da desi-gualdade, promovendo ações queimpactam em diferentes segmentos dasociedade. A transferência direta derenda a 11,1 milhões de famílias pobrese extremamente pobres promove umimpacto sobre a desigualdade. Omonitoramento do cumprimento dascondicionalidades de educação e saúde,que mobiliza os ministérios do Desen-volvimento Social e Combate à Fome(MDS), da Educação e da Saúde,governos estaduais e municipais, reforçao compromisso do setor público degarantir melhores condições de acesso aesses serviços, assim como o dever dasfamílias de matricular as crianças nasescolas e realizar as visitas médicas neces-sárias. A articulação de programas eações complementares contribui para odesenvolvimento de capacidades dasfamílias pobres e extremamente pobres,para a sua inclusão socioeconômica e suaemancipação do programa, sob umaperspectiva de longo prazo.

Este artigo descreve a estratégiaimplementada em 2006 e 2007 peloPrograma Bolsa Família para a articulaçãode programas e ações complementaresàs transferências de renda, enfatizando suacontribuição para o enfrentamento dadesigualdade e da exclusão social noBrasil. Também apresenta os resultadospreliminares alcançados por alguns dessesprogramas executados em nível federal.

O artigo está organizado em cincopartes: 1) discussão teórica sobre desigual-dade, exclusão social e questão social;2) principais programas de transferênciade renda no Brasil; 3) Programa BolsaFamília; 4) estratégia de articulação dos

programas complementares à transferênciade renda, implementada em 2006 e 2007;e 5) conclusões.

Desigualdade, exclusão social ea questão social

A desigualdade é uma das característicasmais marcantes da sociedade brasileira e semanifesta em diversas dimensões: geográ-fica, econômica, de trabalho, educacional,de acesso à saúde, de gênero, de raça, entreoutras. Segundo a Síntese de IndicadoresSociais do IBGE (IBGE, 2002), 1% dosbrasileiros mais ricos acumula o mesmomontante de rendimentos dos 50% maispobres, e os 10% mais ricos ganham 18vezes a renda dos 40% mais pobres. Ametade dos trabalhadores brasileiros ganhaaté dois salários mínimos e mais da metadeda população ocupada não contribui paraa Previdência. A desigualdade de rendi-mentos no Brasil acarreta outros prejuízossociais, como por exemplo: 80% dosdomicílios dos 10% mais ricos têm sanea-mento adequado contra um terço dos 40%mais pobres (IBGE, 2002).

A atual configuração de desigualdadesé mais ampla do que em outras épocas,com múltiplos eixos, novos problemas edesafios; um mosaico cada vez maisdiverso de situações de pobreza, riqueza,fracasso e êxito (BRUGUÉ, 2002) decorrentede um processo de exclusão social que écaracterístico da sociedade pós-industrial.

O debate teórico sobre a desigualdadepossui duas vertentes principais. A primeirarefere-se a qual desigualdade está sendodiscutida. De acordo com Sen (1992), todasas abordagens da ética dos arranjos sociaisdefendem algum tipo de igualdade emespecífico, relacionando-a a algumanecessidade relevante e, em algum nível, atodas as pessoas envolvidas. Segundo o

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autor, não haveria uma única igualdade oudesigualdade, mas várias. A segunda vertenteconsiste na origem ou na responsabilidadesobre a desigualdade. Kerstenetzky (2000)aponta que as desigualdades entre as pessoaspodem ser explicadas segundo duas pers-pectivas: 1) Rawlsiana, de que os indivíduossão responsáveis por suas escolhas, em ummundo onde estão plenamente disponíveiso conhecimento e a habilidade paraentender e optar inteligentemente a partirdas alternativas existentes; e 2) de AmartyaSen, de que a incerteza factual e as formasde condicionamento social fazem aspessoas perderem a coragem de escolhere de desejar. Nesse contexto, a relatividadesocial e cultural das necessidades pareceexplicar porque alguns indivíduos se com-portam no sentido de atingir seus objetivos,enquanto outros não o fazem. Na segundaperspectiva, o combate à desigualdaderequer a redução ou eliminação de senti-mentos de vergonha e de baixa estima.

A desigualdade promove e ao mesmotempo decorre da exclusão social que,apesar de atualmente ser reconhecida comointensa, não é institucionalizada na maioriadas situações e se processa por mecanismoscada vez mais sutis. A institucionalizaçãoda exclusão social é a sua forma maisextrema. Qualquer sociedade que a faça éinjusta porque isso representa uma negaçãoda equidade participativa. Estar excluído épior do que estar incluído marginalmenteou de maneira subordinada.

Brugué (2002) define exclusão socialcomo a impossibilidade ou a dificuldadede acessar os mecanismos de desenvolvi-mento pessoal e inserção sócio-comuni-tária, e os sistemas preestabelecidos deproteção. A exclusão não implica somentereprodução ampliada das desigualdades,mas fraturas no tecido social e ruptura decertas coordenadas básicas de integração.

O autor entende a exclusão como umfenômeno estrutural, um processo dinâ-mico, ao invés de uma situação estável; umfenômeno multifatorial e multidimensional,como uma estrutura poliédrica; e umfenômeno politizável.2

A exclusão social também pode serdefinida a partir do conceito de cidadania.Segundo Fleury (2004a, p.3), a exclusão éa “não incorporação de uma parte signifi-cativa da população à comunidade social

e política, negando seus direitos decidadania – destituindo-a de direitos ouenvolvendo a desigualdade de tratamentoante a lei e as instituições públicas – e impe-dindo seu acesso à riqueza produzida”.

Os âmbitos e as circunstâncias que favo-recem a exclusão social delimitam diferentesconceitos para a cidadania e descrevem ascondições sob as quais se dá a exclusão.Diante dessa diversidade de fatores e

“A superaçãoda pobreza, dadesigualdade eda exclusão socialno Brasil é um desafioque extrapola acapacidade deum único nívelde governo [...]”

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conceitos, Fraser (2003) propõe um novoenfoque, o da exclusão social como umainjustiça bidimensional, que exige umaresposta que associe política de redistri-buição com política de reconhecimento.Segundo a autora (2003), o conceito deexclusão social pode situar-se no mesmocampo dos conceitos de pobreza einiquidade, definida a partir do impedi-mento do acesso à riqueza material eimaterial; ou pode significar a negação dereconhecimento e a falta de respeito à identi-dade ou aos direitos de determinado grupo.Assim, a autora defende que a fórmula geralpara remediar a injustiça social é a eliminaçãodos impedimentos para a equidade partici-pativa, sejam obstáculos institucionalizadosou impedimentos econômicos e culturais.

A exclusão social pode ser extrema eradical, mas usualmente costuma ser focali-zada em esferas específicas. Diante dacapacidade de um indivíduo poder serexcluído de uma ou mais esferas da socie-dade – da participação política, da vidalaboral, da vida familiar, das esferas públicas,da educação e de outras –, Fraser (2003)empregou o conceito de exclusão diferen-ciada e de cidadania diferenciada, desenvolvidooriginalmente por Young (1989)3. Para umavisualização do conceito de cidadania diferen-ciada, Brugué (2002) propõe uma matriz decondições altamente vulneráveis a processos

de exclusão social (Quadro 1), em quecompara dois tipos de variáveis: âmbitosonde podem ocorrer fatores de exclusão ecircunstâncias intensificadoras desses fatores.Os âmbitos onde se dariam os fatores deexclusão seriam: econômico, laboral,educacional, sócio-sanitário, urbano-territorial, familiar-relacional e de política oude cidadania. As circunstâncias seriam osexo, a idade, a etnia e a classe social.

A política social, até o princípio dosanos 1980, era organizada como umapolítica de classe. A oferta de serviços eprodutos era centralizada e padronizada ese dava em torno dos sistemas nacionaisde saúde e de seguro-social. As políticaspúblicas que incorporaram a filosofia doEstado de Bem-estar Social têm sidoincapazes de enfrentar e solucionar os atuaisdesafios, caracterizados por demandasheterogêneas, por formas particulares deemprego e pelo aumento do desemprego(BRUGUÉ, 2002).

A atual situação de desigualdade,pobreza e violência faz emergir a exclusãocomo uma questão social (FLEURY, 2004a).A exclusão social, condição que sempreexistiu na sociedade latino-americana,aparece como uma problemática que exigeresposta por parte do governo e dasociedade e, portanto, como questãosocial, porque ameaça a organização social,

Quadro 1: Âmbitos onde podem operar fatores de exclusão

Fonte: Brugué (2002, p. 20), Tabela 5, Âmbitos, circunstâncias e condições vulneráveis para a exclusãosocial.

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a autoridade política e o modelo econô-mico. Requer políticas e instituições especí-ficas, o posicionamento de diferentes atoresda sociedade, novas formas de sociabi-lidade, a definição de um campo estraté-gico de luta, a construção de novos sujeitose novas subjetividades. Demanda novossaberes e tecnologias organizacionais, novasestratégias de reconstrução da ordempolítica e de enquadramento das demandassociais e aponta para processos de trans-formação das estruturas institucionais estatais(FLEURY, 2004a). Não obstante, a pobrezanovamente reconduz as políticas sociais auma função de apaziguamento e não porexigências democráticas e de justiça.

As políticas sociais implementadasna última década não têm se esgotadona interação Estado-mercado, pois omercado não é o único espaço gerador dedesigualdades e não é a única esfera socialalém dos poderes públicos. Assim, oimpacto das políticas não tem sido redu-zido à mera correção de desigualdadesmateriais, o que as torna fenômenoscomplexos e multidirecionais (BRUGUÉ,2002). As ações públicas implementadascontra a exclusão emergem como inicia-tivas dos ditos estados de bem-estar, empleno processo de reestruturação de seusmodelos assistenciais.

O Estado é crucial em sociedades emque a cidadania, como dimensão igualitáriae cívica, não foi generalizada e queconvivem com alto grau de exclusão. Masa busca da coesão social requer bem maisdo que um aumento do papel do Estado.A proposta de “cidadanias diferenciadas”,com ênfase nas necessidades dos gruposexcluídos, pode promover tensões sobrea capacidade de coesão social e de cons-trução de uma comunidade política a partirde demandas particulares. A redução dedesigualdades específicas depende da arti-

culação de políticas sensíveis ao atendi-mento de demandas particulares, direcio-nadas a realidades locais, e de uma mu-dança nas políticas sociais, de políticas deintegração para políticas de inserção4 dosgrupos excluídos da sociedade, para quenão se construa cidadania sobre inutilidadesocial (CASTEL, 1999).

Os programas de combate à desigual-dade e de inclusão social, que têm sidoimplementados na América Latina naúltima década, têm indicado novas formasde superação de problemas sociais a par-tir da articulação entre o Estado e a socie-dade. O Programa Bolsa Família (PBF)apresenta algumas dessas características tidascomo inovadoras e essenciais às políticassociais na atualidade, quais sejam: praticar aintersetorialidade e a transversalidade;possibilitar o reconhecimento de demandasde grupos sociais marginalizados e darcondições ao planejamento e à oferta depolíticas e de serviços direcionados a essaspopulações; e permitir que a sociedade civilorganizada, nos três níveis de governo, pormeio de seus representantes, influencie aagenda de políticas direcionadas aossegmentos excluídos e empobrecidos dasociedade brasileira e monitore as açõesimplementadas.

Programas focalizados detransferência de renda no Brasil

A Constituição de 1988 estabeleceu ocompromisso de erradicar a pobreza e amarginalização e reduzir as desigualdadessociais e regionais, sendo competênciacomum da União, estados, Distrito Federale municípios, o combate às suas causase aos fatores de marginalização, e apromoção da integração social dosdesfavorecidos (CF/88, Art. 23, Inc X).Antes disso, a pobreza era tratada de

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forma isolada e setorial, muitas vezes sobum caráter filantrópico.

O caminho percorrido até a execuçãodesses compromissos federais, por meio dacriação dos programas de transferência derenda, teve início em 1995, com o lança-mento de programas de renda mínimavinculados à educação em duas cidades doestado de São Paulo (Campinas e RibeirãoPreto) e no Distrito Federal. Em 1996, oPrograma Bolsa Escola, desenvolvido emBrasília, foi premiado pelas Nações Unidase replicado para outras regiões. Em 1998,sete estados (Amapá, Goiás, Tocantins,Alagoas, Minas Gerais, Mato Grosso doSul e Acre), 45 municípios de São Paulo enove municípios de outros estados já tinhamimplantado programas inspirados na expe-riência brasiliense. Como consequência daexpansão dos programas Bolsa Escola, em2001 o governo decidiu criar o ProgramaBolsa Escola Federal, que em 2002 alcan-çava 5.545 municípios, cinco milhões decrianças e um orçamento de R$ 2 bilhões.Outra estratégia de transferência de renda,criada em 1997, foi o Programa de Erra-dicação do Trabalho Infantil (Peti5), paraatender a crianças e adolescentes que exer-cessem atividades laborais no campo, sendoampliado, em 1999, zona urbana. Alémdesses programas, em 2001, o governofederal implementou outras experiências detransferência de renda, como o Bolsa-Alimentação, o Auxílio-Gás e o AgenteJovem6, cuja gestão estava sob a respon-sabilidade da extinta Secretaria de AssistênciaSocial (Seas).

Atualmente, os principais programassociais brasileiros que contribuem para aredução da desigualdade de renda são oBenefício de Prestação Continuada (BPC/Loas) e o Programa Bolsa Família (PBF),que cobrem, juntos, 14,4 milhões defamílias – 2,9 milhões do BPC e 11,5

milhões do PBF, em junho de 2009. Em2009, foi previsto um gasto aproximadode R$ 18,5 bilhões com o BPC e deR$ 11,9 bilhões com o PBF.

O BPC é um programa que mensal-mente transfere renda a pessoas portadorasde deficiências consideradas severas, emqualquer idade, e a idosos maiores de 65anos. É necessário que o beneficiário apre-sente renda familiar per capita inferior a1/4 de salário mínimo. O direito a umsalário mínimo mensal para essas pessoas,estabelecido na Carta de 1988 e regulamen-tado pela Lei Orgânica da Assistência Social(Loas) em 1993, teve sua implementaçãoiniciada em 1995. O Ministério do Desen-volvimento Social e Combate à Fome(MDS) coordena o programa, mas a soli-citação do benefício ocorre diretamentenas agências do Instituto Nacional doSeguro Social (INSS), e a seleção debeneficiários é realizada por médicos-peritos da Previdência.

Criado no final de 2003, a partir daunificação dos programas preexistentes ins-pirados no Bolsa Escola, o PBF é um pro-grama de transferência mensal de renda comcondicionalidades. O PBF atende a famíliascuja renda per capita seja inferior a R$ 69,00mensais e a famílias de gestantes, nutrizes,crianças e adolescentes de até 17 anos, cujarenda per capita seja inferior à R$ 137,00.Foi criado por medida provisória, posteri-ormente convertida em lei (BRASIL, 2004a).A seleção dos beneficiários é, em geral,realizada pelos órgãos municipais de assis-tência social, ficando a gerência do programasob responsabilidade do MDS e asoperações de pagamento a cargo da CaixaEconômica Federal. O recebimento dastransferências é condicionado a contra-partidas nas áreas de educação e saúde, deacordo com a composição das famíliasbeneficiárias (Quadro 2).

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Em termos de direitos e de garantiassociais, há diferenças substanciais entre oBPC e o Bolsa Família. O BPC é um direitosocial previsto na Constituição e regulamen-tado por lei ordinária. Todos os indivíduosque preenchem seus critérios de seleção têmdireito a recebê-lo, podendo exigi-lo judi-cialmente. O PBF condiciona a ampliaçãodo número de beneficiários à disponibi-lidade orçamentária, à estimativa de popu-lação pobre e extremamente pobre paracada município e a convênios firmadoscom os entes federados. Por esses motivos,seria um quasi-direito social. O Ministério doDesenvolvimento Social detectou, no finalde 2008, 2,2 milhões de famílias que nãorecebiam o benefício do Bolsa Família,

apesar de reunirem todas as condições deperfil e de renda (FOLHA DE SÃO PAULO,2009). Para atender a essas famílias, foidefinida uma nova estimativa de cober-tura do programa. Os cálculos das novasestimativas foram realizados considerandoa metodologia denominada Mapas dePobreza, do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), que reflete demaneira mais fiel alterações socioeconô-micas ocorridas nos municípios e o cenáriode pobreza em cada cidade.

Outra importante distinção entre o BPCe o PBF é que esse último exige o cumpri-mento das condicionalidades nas áreas desaúde e de educação. Como pode ser vistono Quadro 3, até setembro de 2007,

Educação

Para famílias com crianças até 15 anos:• Efetivar a matrícula das crianças e adoles-centes de 6 a 15 anos em estabelecimentosde ensino.• Garantir a frequência escolar de, nomínimo, 85% da carga horária, informandoa escola quando da impossibilidade decomparecimento eventual do aluno e apre-sentando, se for o caso, a devida justificativa.• Informar os gestores locais de imediatosobre eventuais mudanças de escola, paranão prejudicar o processo de acompanha-mento da frequência escolar.

Saúde

Para gestantes e nutrizes:• Inscrever-se no pré-natal e comparecer àsconsultas na unidade de saúde mais próximade sua residência, portando o cartão dagestante, de acordo com o calendário mínimopreconizado pelo Ministério da Saúde.• Participar de atividades educativas ofertadaspelas equipes de saúde sobre aleitamento ma-terno e promoção da alimentação saudável.

Para famílias com crianças até 7 anos:• Levar as crianças à unidade de saúde ou aolocal de campanhas de vacinação, mantendoatualizado o calendário de imunização,conforme preconizado pelo Ministérioda Saúde.• Levar as crianças à unidade de saúde,portando o cartão de saúde da criança, paraacompanhamento do estado nutricional e dedesenvolvimento (medição de peso e altura),conforme o calendário mínimo preconizadopelo Ministério da Saúde.

Fonte: Portaria MEC/MDS no 3.789, e MS/MDS no 2.509, de 2004.

Quadro 2: Condicionalidades do Programa Bolsa Família

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905.445 famílias haviam sido advertidas,245.857 tiveram seus benefícios bloqueadose 4.153, cancelados, ou seja, foram excluídasdo programa por descumprirem condi-cionalidades. As sanções aplicadas para essescasos são gradativas e tornam-se maisrigorosas à medida que reincidências nosdescumprimentos são apuradas, de modoque cada família pode receber até cincocomunicações de alerta para a possibilidadede cancelamento do benefício. Esse desenhoé criticado pela flexibilidade com que trataas famílias reincidentes. Contudo, a ideia éreforçar o apoio às famílias mais vulnerá-veis, por meio de ações de incentivo, emvez de instituir práticas punitivas, como aretirada imediata do incentivo financeiro.

A última distinção a ser destacadaentre os dois programas é que o PBF arti-cula, para as famílias beneficiadas, outrasações governamentais que possamcomplementar a transferência de renda, cujaestratégia será detalhada mais adiante.

O Programa Bolsa Família

Lançado em outubro de 2003 pelaSecretaria Nacional de Renda para a Cida-dania (Senarc), do Ministério do Desenvol-

vimento Social e Combate à Fome (MDS),o Programa Bolsa Família (PBF) compõeuma das principais estratégias do governofederal para o fortalecimento da agendade combate à pobreza, por meio da trans-ferência condicionada de renda e da arti-culação de políticas sociais para a emanci-pação sustentada das famílias beneficiárias.O programa está presente nos 5.564municípios brasileiros e no Distrito Federal.

O Bolsa Família unificou quatroprogramas federais de transferência derenda que focalizavam o mesmo grupode famílias pobres: Bolsa Escola, CartãoAlimentação, Bolsa-Alimentação eAuxílio-Gás. A partir de 2005, iniciouprocesso de integração com o Programade Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).A unificação teve como objetivo elimi-nar ineficiências e duplicidades nasfunções administrativas; acabar comsobreposições de público alvo; promovero atendimento de todos os membros dafamília; melhorar a qualidade do gastopúblico nas políticas sociais; e fortalecer aagenda de combate à pobreza. As reformasque culminaram na unificação de programassetorializados e na criação do Bolsa Famíliabuscaram, ainda, promover a integração

Quadro 3: Critérios de elegibilidade e valor do benefício do Programa Bolsa Família

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horizontal dos programas anteriores eadicionar um complemento mais forte aosprogramas locais, já que muitos estados emunicípios também possuíam seus própriosprogramas.

Da Lei no 10.836, de 9 de janeiro de2004 (BRASIL, 2004a), e do Decreto no

5.209, de 17 de setembro de 2004 (BRASIL,2004b), que, respectivamente, cria eregulamenta o Bolsa Família, é possívelinferir que, o programa foi idealizado paracumprir objetivos importantes de reduçãode desigualdades, tais como: contribuirpara a promoção do acesso à rede deserviços públicos e, em especial, de saúde,educação e assistência social; combater apobreza, a fome e promover a segurançaalimentar e nutricional; estimular a eman-cipação sustentada das famílias que vivemem situação de pobreza e extremapobreza; e promover a intersetorialidade,a complementaridade e a sinergia das açõessociais do poder público.

O PBF foi organizado tendo comobase seis premissas, que estão formali-zadas em sua lei de criação: 1) associaçãode políticas de combate à pobreza apolíticas de promoção da cidadania;2) estabelecimento de uma nova relaçãoentre o governo federal e os demais entesda Federação, em que a concepção deparceria e de responsabilidade partilhadase contrapõe a um modelo de relaçãoverticalizada; 3) foco na família comounidade da ação do Estado, superando aabordagem fragmentada e segmentadaem recortes como idade e sexo, porexemplo; 4) criação de critérios queorientem a universalização da coberturado programa ao conjunto da populaçãoestimada, vivendo em situação depobreza; 5) participação da sociedade noacompanhamento, fiscalização e controledo programa, por meio da criação de

instâncias de controle social paritárias eintersetoriais, e a disponibilização dedados e instrumentos que permitam oacompanhamento de sua implementação;e 6) aperfeiçoamento constante dos instru-mentos de gestão e de controle doscritérios de elegibilidade.

Para serem beneficiárias do PBF, asfamílias são identificadas e inscritas noCadastro Único para Programas Sociais doGoverno Federal (Cadastro Único),

possibilitando sua seleção a partir de critériosobjetivos, claros e transparentes. A seleçãoé feita entre as famílias que vivem em situaçãode pobreza e extrema pobreza, residentesem cada município. As situações de pobrezae extrema pobreza, para fins de concessãode benefício, são caracterizadas pela rendafamiliar mensal per capita de até R$ 140,00e R$ 70,00, respectivamente. Contudo, ainclusão no Cadastro Único não gera direito

“A redução dedesigualdadesespecíficas dependeda articulação depolíticas sensíveisao atendimento dedemandas particulares,direcionadas arealidades locais [...]”

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subjetivo de concessão imediata de bene-fício no Programa Bolsa Família.

O Cadastro Único trata-se de umabase nacional que reúne os dados socio-econômicos das famílias com renda mensalde até meio salário mínimo per capita. Oobjetivo é registrar as famílias em situaçãode pobreza de todos os municípiosbrasileiros, que devem ser beneficiadas porprogramas sociais. As informações sãocoletadas pelas prefeituras municipais epermitem a identificação de potenciaisbeneficiários dos programas sociais. Ele éconstituído dos seguintes grupos de infor-mação: a) identificação do domicílio e desuas características; b) identificação dafamília; c) informações sobre os membrosda família, relativas à documentação civil,escolaridade e qualificação profissional;d) renda da família; e) despesas mensaisda família; f) informações sobre partici-pação em programas sociais; e g) dadosespecíficos para o agricultor familiar.

O PBF é composto por três dimen-sões, permeadas pelas lógicas da transver-salidade e da intersetorialidade. A primeirarefere-se ao alívio imediato da pobreza,por meio da transferência direta de rendaàs famílias pobres e extremamente pobres7.De acordo com a renda e o número decrianças e adolescentes entre 0 e 18 anos, asfamílias conceituadas em situação de pobrezapassam a receber por mês até R$ 132,00 e asfamílias conceituadas em extrema pobreza,até R$ 200,00 – a estrutura dos benefíciosestá detalhada no Quadro 48.

A segunda dimensão diz respeito aoreforço que o benefício visa oferecer paraque direitos sociais básicos de saúde eeducação sejam ofertados e acessados,contribuindo para que as famílias rompamo ciclo da pobreza perpetuado entre asgerações. Essa dimensão do programase materializa por meio das chamadascondicionalidades – compromissos queas famílias devem cumprir para

Quadro 4: Repercussão do Descumprimento das Condicionalidades do Progra-ma Bolsa Família – 2006/2007

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permanecerem no programa, conformeexplicado a seguir.

Uma vez incluídas no PBF, as famíliassão estimuladas a manter crianças e adoles-centes em idade escolar em instituições deensino e a cumprir cuidados básicos de saúde– calendário de vacinação para crianças de0 a 6 anos e agenda pré e pós-natal paragestantes e nutrizes. O descumprimento dascondições acarreta consequências nãoapenas para as famílias, que podem ter obenefício cancelado, mas para os gestoresmunicipais e instâncias de controle socialque são, assim, alertados da existência defamílias em maior grau de vulnerabilidadee risco social. A frequência de crianças eadolescentes, em risco de trabalho infantil,a serviços socioeducacionais também seconfigura como condicionalidade do pro-grama, em decorrência da integração doPBF com o Peti; mas o sistema de acom-panhamento ainda está em fase piloto epor esse motivo o descumprimento docompromisso ainda não acarreta a perdado benefício.

O programa sustenta-se na lógica deque famílias com dificuldades de cumpri-mento da agenda social devem seratendidas também por outras políticasintersetoriais específicas. Uma vez assistidasem outros aspectos da vida não contem-plados pelas condicionalidades de saúde eeducação, as famílias teriam condições deretomar a agenda do programa, garantiro recebimento do benefício e romper ociclo da pobreza, em uma lógica circular9.

A terceira dimensão do PBF relaciona-se à articulação do governo federal comestados, municípios e entidades da socie-dade civil, para ampliar e potencializar aoferta dos programas e ações comple-mentares aos beneficiários. O objetivo écomplementar e potencializar os impactosproporcionados pelas transferências

condicionadas de renda na redução dasdesigualdades, promovendo um saltoqualitativo que contribua não apenas paraa melhor distribuição da renda, mas queconduza as famílias para uma situação desuperação sustentada da vulnerabilidadeeconômica e social.

Na seção seguinte, é apresentada aestratégia de articulação de programascomplementares ao PBF e suas poten-cialidades para contribuir no combate àdesigualdade e promover a inclusão social.

Articulação de programase ações complementares, em 2006e 2007

O decreto que regulamenta o PBF(BRASIL, 2004b) estabelece como objetivobásico do programa “estimular a emanci-pação sustentada das famílias que vivem emsituação de pobreza e extrema pobreza”(art. 4o, inciso III). Nesse sentido, os pro-gramas complementares à transferência derenda, articulados em 2006 e 2007, visaramcontribuir para o desenvolvimento dascapacidades dos membros dessas famílias epara a oferta de oportunidades de trabalhoe de geração de renda, a fim de possibilitar asuperação da situação de pobreza e devulnerabilidade social em que se encon-travam. Esses programas se caracterizaramcomo ações organizadas e regulares,direcionadas às famílias pobres que recebemo benefício do Programa Bolsa Família ouàquelas inscritas no Cadastro Único.

Os programas complementares possi-bilitam o reconhecimento das necessidadesde grupos populacionais em situaçãode risco social e a articulação de açõesespecíficas para as suas necessidades.O desenvolvimento dos programas e deações complementares está apoiado napremissa de que a realidade é complexa e

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que os problemas e as desigualdades sociaissão fenômenos multidimensionais (YOUNG,1989). Essa lógica conceitual, presente natese de Amartya Sen (1992) “DesigualdadeReexaminada”, estabelece que não se devemedir o bem-estar individual com baseapenas em dimensões de renda e acesso abens de consumo. Uma vida boa é a quepermite ao indivíduo fazer suas própriasescolhas. Contudo, para que se possaescolher, é preciso que existam oportuni-dades reais, isto é, acesso a diferentespossibilidades e alternativas. O desenvolvi-mento das capacidades das famílias maispobres seria uma forma de tornar essesindivíduos mais exigentes em relação a suasescolhas e torná-los mais capazes e qualifi-cados para alcançar e manter seus objetivos.

Os programas complementares apre-sentam uma estratégia de longo prazo e umade curto prazo. Na primeira, incluem-se asações que produzem resultados e impactosde forma não imediata, por meio dodesenvolvimento de capacidades dosmembros das famílias, tanto as suascapacidades relativas ao labor quanto asde escolher os melhores rumos para aprópria vida. O objetivo com essesprogramas é tornar os indivíduos maisaptos, mais qualificados e mais segurosquando oportunidades lhes forem ofere-cidas. Nessa estratégia, estão incluídos osprogramas de aumento da escolaridade,de melhoria das condições habitacionais,por meio da oferta de infraestrutura básicade moradia e de qualificação profissional.Para atender as necessidades de curto prazodas famílias e para complementar as açõesnão imediatas, também foram oferecidasoportunidades de inserção imediata nomercado de trabalho e de melhoria dascondições de vida, a partir de ações comode geração de empregos e renda e deprogramas de microcrédito para alavancar

pequenos empreendimentos já existentes.Como exemplos, houve a implantação, emvários municípios, de programas de quali-ficação de mão de obra para a inclusão emprojetos de geração de trabalho e renda nosmais variados ramos, como corte e costura,artesanato, hortas comunitárias, estímulo aoempreendedorismo, construção de casaspara famílias pobres e outros.

O enfrentamento da pobreza em seucaráter multidimensional, que apresenteresultados que sejam significativos, requeruma estratégia que consiga alcançar aintersetorialidade e a transversalidade, comesforços integrados dos diferentes setoresdos três níveis de governo e da sociedadecivil, e que tenha a capacidade de incor-porar temas, visões, públicos, problemase objetivos às tarefas da organização quenão se encaixam nas estruturas organizativastradicionais verticais (MENICUCCI, 2006).

Para efetivar a estratégia de enfrenta-mento do quadro da desigualdade e daexclusão social, foi necessário haverarticulação entre as diferentes esferas dogoverno e da sociedade, observado o nívelde responsabilidades de cada um. Buscou-se ainda ampliar o enfrentamento daexclusão social nos diferentes âmbitos emque se podem operar seus fatores, paradiferentes coletivos de população altamentevulnerável, no sentido do conceito deYoung (1989) sobre cidadania diferenciada.

Do ponto de vista de seu desenho, osprogramas complementares podem ser:1) exclusivos, formulados especificamentepara atender as pessoas inscritas no CadastroÚnico e, em especial, as beneficiárias do PBF;ou 2) não exclusivos, compostos principal-mente por programas já implementadospara populações-alvo variadas, que passa-ram a focalizar ou a priorizar as famíliascadastradas no CadÚnico ou as beneficiáriasdo PBF.

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As informações contidas no CadastroÚnico são poderosos elementos para aformulação de programas complemen-tares, com dados sobre a escolaridade dosmembros da família, seus rendimentos, asatividades econômicas que desempenham,participação em outros programas, ende-reço completo, a situação do domicílio, otipo de domicílio e a infraestrutura. Osdados sobre o domicílio, por exemplo,contribuem para a formulação de políticashabitacionais direcionadas a populaçõesespecíficas. As informações sobre aescolaridade de cada membro da famíliaajudam na formulação de políticas educa-cionais e na identificação das pessoas quedemandam cursos de alfabetização e decapacitação de jovens e adultos.

A seguir, são apresentados os aspectosda intersetorialidade e da transversalidadeda estratégia de articulação de programascomplementares ao Bolsa Família, utilizadaem 2006 e 2007, e de criação de um espaçopropício para o surgimento e o desenvol-vimento de inovações no campo das polí-ticas sociais. Na primeira parte, é apresen-tada a característica intersetorial de açãoadotada pelo governo federal, maisespecificamente pela Secretaria Nacional deRenda para a Cidadania (Senarc/MDS),para a articulação desses programascomplementares federais e a carteira deprogramas articulados por essa secretariacom outras pastas do governo durante obiênio. Na segunda parte, são apresenta-dos o caráter transversal da articulação dosprogramas complementares, com a parti-cipação dos governos estaduais e munici-pais, e exemplos dessas ações.

Estratégia intersetorial de açãoA intersetorialidade é definida como

“a articulação de saberes e experiências noplanejamento, na realização e na avaliação

de ações, com o objetivo de alcançarresultados integrados em situações com-plexas, visando a um efeito sinérgico nodesenvolvimento social” (JUNQUEIRA, 1997).O decreto que regulamenta o Bolsa Família(BRASIL, 2004b) estabelece que os estados,os municípios e o Distrito Federal devempromover ações que viabilizem a gestãointersetorial (arts. 13 a 15). A estratégiaintersetorial para a oferta de programascomplementares para as famílias benefi-

ciárias do PBF está materializada na reali-zação de ações em diferentes âmbitos dadesigualdade e da exclusão social.

Visando oferecer uma carteira deprogramas complementares mais coerentee focalizada nas necessidades das famíliasinscritas no Cadastro Único, em 2006 e2007, foi incentivada a realização deparcerias com outros ministérios que seenquadrassem em quatro das categorias do

“A oferta deprogramascomplementares àtransferência de rendatem constituído espaçopropício para inovaçõesno campo das políticassociais.”

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Índice do Desenvolvimento das Famílias(IDF): acesso ao conhecimento; acesso aotrabalho e renda; condições habitacionaise cidadania. O que motivou a atuação emtorno desses quatro eixos foi a percepçãopela Senarc/MDS de que eram os queapresentavam a maior capacidade de im-pacto sobre as famílias assistidas pelo PBFe sobre as inscritas no Cadastro Único.

O IDF surgiu da necessidade de se terum indicador que, além de levar em consi-deração diversas dimensões da pobreza,como o Índice de DesenvolvimentoHumano (IDH), pudesse ser construídopara cada família e tivesse a capacidade desintetizar suas características. Assim, oIDF permite calcular o nível de desenvol-vimento de uma família e agregar dadossobre o grau de desenvolvimento debairros, territórios, municípios, estados epaíses. Pode ser usado tanto em compa-rações individuais, entre famílias, quantoem nível agregado, entre regiões ou gru-pos demográficos (BARROS, CARVALHO &FRANCO, 2006). O IDF é calculado pelaSecretaria Nacional de Renda para a Cida-dania (Senarc/MDS) e se baseia em infor-mações de uma única fonte: o CadastroÚnico. Isso significa que as variáveis docadastro é que servem de referência para aconstrução do índice e que as comparaçõesentre IDF de famílias diferentes só sãoviáveis entre as cadastradas. Esse índicetrabalha com seis dimensões: vulnerabilidadedecorrente da composição familiar10; acessoao conhecimento11; acesso ao trabalho12;disponibilidade de recursos13; desenvolvi-mento infantil14; e condições habitacionais15.

Os nove programas complementaresque foram articulados pela Senarc/MDSao PBF em 2006 e 2007, relacionados noQuadro 5, eram programas que já estavamsendo implementados pelos respectivosministérios executores antes da parceria

firmada com o MDS. Esses programascomplementares, após a parceria com aSenarc/MDS, passaram a ter como clien-tela prioritária as famílias beneficiárias doPBF ou o público potencial das famíliasinscritas no Cadastro Único, conforme oque se demonstrava como o mais adequadopara cada programa. Essas parceriasproporcionaram, para as famílias pobrese extremamente pobres, a oportunidadede serem incluídas em um amplo conjuntode serviços e políticas federais, satisfazendoas suas necessidades e considerando as suascaracterísticas.

O estabelecimento de cooperaçõescom o MDS também trouxe benefíciosaos ministérios parceiros, como o acessoa informações e relatórios do CadastroÚnico, que permitiu realizar melhoresdiagnósticos para suas próprias políticas eprogramas, planejá-las com maior nível desegurança e facilitar o seu monitoramentoe avaliação. Outro benefício dessas parceriasera a possibilidade de localizar e contatar aspessoas pertencentes ao público-alvo dosprogramas que estivessem no CadÚnico.A terceira vantagem foi a oportunidade decontar, na implementação e no monito-ramento do programa, com o apoio dainfraestrutura institucional do Bolsa Família,em todos os municípios e estados brasi-leiros, do Sistema Único de AssistênciaSocial (Suas) e de sua rede socioassistencial16,composta pelos Centros de Referência eAssistência Social (CRAS17).

Em todas as nove articulações reali-zadas pela Senarc/MDS em 2006 e 2007,os gestores municipais, as instâncias decontrole social (ICS) e os coordenadoresestaduais do Bolsa Família foram mobili-zados para que pudessem apoiar a divul-gação local de cada programa, caso essefosse oferecido em seu município ouestado, e no incentivo às famílias para a

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participação em cada programa, depen-dendo do perfil por ele requerido. Paraisso, a Senarc/MDS contatava os gestoresdos municípios, muitas vezes por meio deofício ou de mensagem eletrônica emformato de mala direta, os informava arespeito das características do programacomplementar e fornecia as orientaçõesnecessárias para a articulação local. Isso foirealizado, por exemplo, na fase de matrí-cula do programa Brasil Alfabetizado em2007, tendo sido mobilizados gestores decerca de 2.500 municípios; e para a inscriçãono Cadastro Único de trabalhadoreslibertos de condições análogas à escravidão,pelas ações de fiscalização do Ministériodo Trabalho e Emprego (MTE).

A seguir, são apresentadas as categoriasque enquadram os programas complemen-tares articulados na esfera federal, em 2006e 2007.¹8

Acesso ao conhecimentoOs programas que oferecem acesso

ao conhecimento para a populaçãocontribuem para a redução da exclusãoeducacional. Segundo dados do IBGE,16,3 milhões de pessoas no Brasil eramanalfabetas em dezembro de 2006, ou seja,cerca de 12% da população. Entre osresponsáveis legais beneficiados pelo PBF,segundo dados do Cadastro Único de2007, 42,98% possuíam até a 4a série doensino fundamental. Nesse contexto, é

Quadro 5: Programas complementares ao PBF articulados no âmbito federal,em 2006 e 2007

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prioritária a articulação de programas quecontribuam para o aumento da escolaridadee o acesso ao conhecimento por parte dasfamílias de baixa renda.

O Brasil Alfabetizado (PBA) é umexemplo de programa articulado ao PBF,visando empreender esforços a fim deofertar aos beneficiários do Bolsa Famíliauma ação complementar à transferência derenda para o aumento da escolaridade e aredução do analfabetismo, além de pro-mover a sinergia das ações do poderpúblico no combate à pobreza e à exclusãosocial. Esse programa teve a adesão de3.894 municípios em 2006 e potencializousuas ações nos 1.000 municípios brasileiroscom maiores índices de analfabetismo noano de 2007. Nesses dois anos, mais de doismilhões de pessoas foram atendidas pelasturmas de alfabetização.

A articulação entre o PBA e o PBFtem como foco a localização de pessoascom perfil para alfabetização, inscritas noCadÚnico e beneficiárias do ProgramaBolsa Família; a mobilização e sensibilizaçãode gestores locais, instâncias de controlesocial, coordenadores estaduais do PBF egestores locais do PBA para promoverema inscrição desses cidadãos no programa;e o monitoramento e a avaliação conjuntadas ações e dos resultados da cooperação.

Em 2006 e 2007, o MDS mobilizougestores do Programa Bolsa Família e asinstâncias de controle social em quase 1.500municípios (incluindo os 1.000 municípioscom mais alto índice de alfabetização), paraa matrícula de analfabetos beneficiários doBolsa Família e cadastrados no CadÚnico– que totalizam, segundo relatório do PBF,mais de 11 milhões de indivíduos. Essa açãoresultou na matrícula de 442 mil pessoasinscritas no CadÚnico em turmas dealfabetização, das quais 334 mil erambeneficiárias do PBF.

Acesso ao trabalho e rendaA oferta de ações de trabalho e renda

contribui tanto para a redução da exclusãolaboral como da exclusão econômica. Sãoprogramas e ações que dialogam comdiferentes estratégias de políticas setoriais(agricultura familiar, desenvolvimentoregional e local, economia solidária,empregabilidade etc.) e consideram aespecificidade do público a ser atendidoe as experiências histórica e territorialdiferenciadas do local onde serãoimplementados. As ações articuladas nessaárea em 2006 e 2007 foram: JuventudeCidadã e Brasil Local, executadas peloMinistério do Trabalho e Emprego(MTE); o projeto piloto do ProgramaNacional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar (Pronaf), executado peloMinistério do Desenvolvimento Agrário(MDA) e associado aos programas demicrocrédito do Banco do Nordeste doBrasil; e o Programa Nacional Biodiesel,executado também pelo MDA.

O Brasil Local (antigo Projeto dePromoção do Desenvolvimento Local eEconomia Solidária), em articulação como PBF, tem o objetivo de fomentar odesenvolvimento local sustentável comouma possibilidade de inclusão produtivade famílias pobres no mercado detrabalho, em complementaridade à polí-tica de transferência de renda. Esse projetobusca promover ações de apoio aodesenvolvimento local, a partir da organi-zação de empreendimentos coletivos soli-dários. No ano de 2006, o projeto incor-porou 636 empreendimentos, totalizando42.649 associados, e resultou no aumentode empresas legalizadas (com CadastroNacional de Pessoa Jurídica – CNPJ) e embenefícios institucionais, sociais, administra-tivos, produtivos e financeiros (FUNDAÇÃO

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2007).

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Condições habitacionaisPara a diminuição da exclusão sócio-

sanitária ou urbano-territorial, são neces-sárias ações que envolvam a possibilidadede acesso à propriedade de imóvel, à água,ao esgoto sanitário, à coleta de lixo, àeletricidade e à pavimentação, entre outros.As ações articuladas nesse campo foram oPrograma Luz Para Todos e o ProgramaTarifa Social, ambos em parceria com oMinistério de Minas e Energia (MME).

O Programa Tarifa Social de EnergiaElétrica concede descontos de até 65% naconta de luz às famílias que apresentembaixo consumo de energia elétrica estejaminscritas no Cadastro Único e atendam àscondições que as habilitem a ser benefi-ciárias do Programa Bolsa Família, deacordo com a resolução normativa, no 253,de 14 de fevereiro de 2007, da AgênciaNacional de Energia Elétrica. Há umesforço, tanto para incluir os cidadãos comesse perfil no Programa Tarifa Socialquanto para inscrever os beneficiários desseprograma no Cadastro Único.

CidadaniaOs programas associados ao exercício

dos direitos civis e políticos dos cidadãos eaos serviços de proteção básica de assis-tência social visam à redução da exclusãopolítica e da cidadania. São ações quepromovem o fortalecimento da cidadania,incentivam o protagonismo e a participaçãopolítica nos processos decisórios, o empo-deramento das famílias, o fortalecimento devínculos familiares e comunitários e aconsciência dos direitos individuais e cole-tivos. Nesse âmbito, foram articulados osprogramas Agente Jovem, em parceria coma Secretaria Nacional de Assistência Socialdo MDS, e o de ação de combate aotrabalho escravo, em parceria com oMinistério do Trabalho e Emprego (MTE).

A ação de combate ao trabalho escravo,em articulação com o PBF, visa desenvolverações de reinserção e promoção social doscidadãos libertados do trabalho escravo emterritório brasileiro, por meio de suainscrição no CadÚnico e no PBF, casoapresentem o perfil para participação noprograma. Em 2007, 1.453 trabalhadoresresgatados, que já estavam no CadÚnico,foram inseridos no PBF. Com relação aosregistros dos trabalhadores não inscritosno CadÚnico, foram encaminhadasinstruções aos municípios de origemquanto à necessidade de cadastramentodesses cidadãos.

Estratégia transversal de açãoA gestão do PBF é uma responsabi-

lidade compartilhada pelo governo federal,estados, Distrito Federal e municípios,cabendo a todos esses atores, entre outrasações, a formulação e implementação deprogramas complementares às famíliasbeneficiárias do PBF. De acordo com odecreto que regulamenta o programa(BRASIL, 2004b), cabe aos estados “estimu-lar os municípios para o estabelecimentode parcerias com órgãos e instituições mu-nicipais, estaduais, federais, governamentaise não governamentais, para a oferta dosprogramas sociais complementares” (art. 13,inciso VII); e cabe aos municípios “estabe-lecer parcerias com órgãos e instituiçõesmunicipais, estaduais e federais, governa-mentais e não governamentais, para ofertade programas sociais complementares (art.14, inciso VII). A cooperação de todos osníveis do governo na implementação depolíticas sociais para a superação da pobrezaé fundamental, tendo em vista que é no pla-no de cada território, com suas limitações epotencialidades, que os programas comple-mentares podem encontrar sua escalaadequada de formulação e implementação.

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A articulação de programas comple-mentares ao PBF apresenta, portanto, umalógica transversal, na medida em que osprogramas complementares são consti-tuídos por atividades integradas, reunindoas diferentes esferas de governo e inter-relacionando iniciativas que desenvolvemas capacidades das famílias pobres, comvistas a apoiá-las na busca de alternativaspróprias de sustentação. Trata-se deprogramas criados por diferentes níveis degoverno, que se combinam para ampliaros resultados de sua ação.

A oferta de programas complemen-tares à transferência de renda é uma reali-dade nos níveis municipal e estadual e temconstituído espaço propício parainovações no campo das políticas sociais,tais como: o reconhecimento dedemandas de subconjuntos populacionaiscada vez mais específicos; a forma comoessas subpopulações são envolvidas naformulação e na implementação dessesprogramas; a grande diversidade de temasque têm sido abordados para o enfren-tamento da desigualdade e da exclusãosocial em seus mais variados âmbitos; e ainclusão de instrumentos para o moni-toramento e avaliação de resultados nodesenho de alguns dos programas. OQuadro 6 lista alguns dos cerca de 150programas complementares municipais eestaduais que estavam publicados, em abrilde 2009, no Observatório de Boas Práti-cas na Gestão do PBF19, e permiteperceber a presença dessas característicassupramencionadas.

As prefeituras têm financiado aimplantação de programas comple-mentares com recursos próprios e comrecursos transferidos pelo governo federal.Uma pesquisa do Ministério do Desenvol-vimento Social e Combate à Fome, reali-zada em 2007, sobre a utilização dos

recursos federais transferidos aos muni-cípios sob a forma do Índice de GestãoDescentralizada (IGD)20, apontou que 61%dos 2.633 municípios que responderam aoinstrumento enviado pelo MDS desen-volvem ações complementares destinadasaos beneficiários do PBF com esse recursorepassado pelo governo federal paraaprimorar a gestão do Programa BolsaFamília. Essas ações consistiram em ativi-dades de acesso ao microcrédito produ-tivo orientado, geração de trabalho e renda,cursos de capacitação, alfabetização deadultos, entre outras.

Uma análise das experiências de gestãodo Bolsa Família enviadas pelos governosmunicipais e estaduais e publicadas noObservatório de Boas Práticas nos permiterealizar algumas constatações interessantes,como o elevado interesse por parte dosmunicípios e estados na articulação deprogramas complementares e o fato deque isso está muito presente na gestão localdo programa. Das 692 práticas inscritasde março a setembro de 2008, 264correspondem à categoria de articulaçãode programas complementares (38% dototal). Entre as oito categorias de inscriçãode práticas, essa foi a que teve mais expe-riências inscritas e publicadas. Entre as 26experiências premiadas de todas as queforam publicadas no observatório de BoasPráticas, sete são de programas comple-mentares. Outra constatação é que há umlargo predomínio de ações de programascomplementares implementadas pelosgovernos municipais em comparação comos governos estaduais. Foram 122 boaspráticas municipais de gestão do PBF (deum total de 342 municipais), e seis práticasestaduais (para 27 práticas estaduaispublicadas). Verifica-se ainda a existênciade uma diversidade muito grande emtermos do escopo dos programas

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Quadro 6: Amostra de programas complementares articulados pelos governosestaduais e municipais, publicados no Observatório de Boas Práticas, emAbril de 2009

Título

Acesso a microcrédito para famílias beneficiárias do PBFAções socioeducativas do Programa Bolsa FamíliaAlfabetização de jovens e adultosAprender a aprender e apreender para construçãoda cidadaniaAteliê da famíliaBom de Bola: educando pelo esporteCapacitar para incluir: construção civil gerandoemprego e rendaComunidade e paz é você quem fazCozinhando com a energia solarCozinhas comunitárias – Unidades I e IICRAS itineranteCultivo de tilápias em tanques-redesEducação financeira cidadã para empreendimentos solidáriosEscola Móvel de Inclusão Digital – Caminhão DigitalFundo CariocaGeração de emprego e renda – Araxá (MG)Gerando oportunidades de inclusão socialGrupo de Salgadinhos BásicosHorta Familiar: cultive uma horta e colha qualidade de vidaInclusão social com hortas comunitáriasIogurte de leite de cabra produzido por assoc. deMulheres do PBFKerubim Net – programa de inclusão digitalMonitoramento e acompanhamento socialMulheres Chefes de Família – Dona LinduOficina sócio-terapêutica e comunitária de costuraPadaria Comunitária XakriabáParticipação e ação para nossa inclusãoPENARUA – Programa Empreendedorismo na RuaProdução solidária – Incentivo à criação de cooperativasPrograma Bolsa TrabalhoProjeto Acordes da VidaProjeto CavalgarProjeto de Segurança Alimentar e NutricionalProjeto técnicas de manejo em cana de açúcar epreparo do álcoolPropen – Programa Porta de EntradaQualificação profissional em tecnologia desistemas de segurançaSalão de beleza popularUtilização do CadÚnico para famílias para políticahabitacional

Ano depublicação

2008200820082009

200820092009

20092008200820092008200920082008200820092009200820092009

2008200920092009200920082008200620082008200920092008

20082008

20082009

Natureza

EstadualMunicipalMunicipalMunicipal

MunicipalMunicipalMunicipal

MunicipalEstadualMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalEstadualMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalMunicipal

MunicipalMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalMunicipalEstadualMunicipalMunicipalMunicipalMunicipal

MunicipalMunicipal

MunicipalMunicipal

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complementares, com temas de cidadania,incentivo a energias alternativas, produçãolocal, inclusão digital, vinculação de polí-tica habitacional à seleção de famílias noCadastro Único sem moradia adequada,padarias comunitárias, construção dejardins, hortas comunitárias e questões degênero. Programas que visam à reduçãoda exclusão laboral e econômica aparecemcom maior frequência, com ações na áreada qualificação profissional e da geraçãode trabalho e renda que envolvem o acessoao crédito, o estímulo ao associativismo eao cooperativismo e parcerias com o setorprivado para absorção de mão de obraqualificada.

Apesar de os governos estaduaisestarem menos mobil izados nesseprocesso, há vários casos de programascomplementares estaduais, e o envolvi-mento desses é muito importante parao enfrentamento da desigualdade e daexclusão social. O Programa BolsaTrabalho, por exemplo, é um programaestadual complementar ao PBF execu-tado pela Secretaria de Estado deTrabalho, Emprego e Renda do Pará, quevisa à qualificação profissional e àconcessão de crédito para micro epequenos negócios. Esse programa temo objetivo de proporcionar oportuni-dades de emprego, trabalho e renda ajovens residentes há mais de três anos noestado, com idade entre 18 e 29 anos,pertencentes a famílias beneficiárias doPBF e que tenham mais de cinco anosde estudo. Os participantes recebembenefício no valor de R$ 70,00 por mês,condicionado à participação nas ativi-dades de qualificação profissional e emreuniões trimestrais.

Um importante ator na articulaçãode programas complementares nosmunicípios é o Centro de Referência de

Assistência Social (CRAS), espaço de refe-rência da proteção social básica e “portade entrada” dos usuários à rede socio-assistencial. Na execução das atividadesde acompanhamento das famílias, aequipe do CRAS realiza um diagnósticoda realidade local, por meio de entrevistascom as famílias, visitas domiciliares egrupos de acompanhamento, e levanta assituações de vulnerabilidade social quepodem afetar os vínculos familiares ecomunitários. Nas atividades desenvol-vidas pelo CRAS, são colhidas infor-mações sobre as vivências de cada família,seus valores, crenças e particularidades, edados sobre a cultura da comunidade, quepodem servir para a adequação da ofertade serviços sociais na localidade às suasnecessidades e para encaminhá-las às açõese programas complementares desenvol-vidos pela prefeitura.

Considerações finais

O combate à desigualdade e à pobrezae o apoio às famílias marginalizadas têmconstado da agenda social de muitos paísesem todo o mundo na última década, desdeas nações do chamado Estado do bem-estarsocial aos países de renda baixa. As políticasmais expandidas em todo o mundo, naúltima década, para combater essesproblemas têm sido os programas detransferência direta de renda às famílias emsituação de pobreza, os quais apresentammuitas diferenças entre si e contam comrecursos e cobertura populacional crescentes.

No Brasil, as políticas de transferênciade renda têm-se mostrado bastante eficazes,contribuindo para a redução da desigual-dade econômica. Entretanto, o fenômenoda desigualdade social costuma ser analisadoe enfrentado predominantemente sob umaperspectiva econômica, deixando de ser

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abordadas outras de suas dimensões, comoas desigualdades educacionais, sanitárias, degênero, de raça, a “ausência de autoestima,de reconhecimento social, de aprendizadofamiliar de papéis sociais básicos”, entreoutras (SOUZA, 2006).

O PBF constitui uma política que, aoagir em três dimensões – transferênciadireta de renda; cumprimento de condicio-nalidades de educação, saúde e assistênciasocial; e a articulação de ações e progra-mas complementares – e focalizar suaintervenção nas famílias pobres e extrema-mente pobres e em subextratos dessaspopulações, tem a capacidade de impactarem vários aspectos da exclusão socialdesses cidadãos, de reduzir seus diferentesníveis de desigualdade e de combatermuitos dos fatores determinantes dapobreza. A expectativa é que os programase as ações complementares, juntamentecom o cumprimento das condicionalidadesde saúde e educação, produzam impactosadicionais à transferência de renda, naquebra do ciclo de transmissão da pobrezaentre gerações; que reconheçam necessi-dades de subgrupos populacionais; quereduzam as desigualdades socioeconô-micas; e contribuam para a emancipaçãodos beneficiários do Bolsa Família sob umaperspectiva de longo prazo.

Entre os principais elementos quediferenciam o PBF frente a outrosprogramas de transferência direta de rendado Brasil e do exterior, destacam-se: 1) ocaráter descentralizado da execução e dagestão do programa, em que os governosmunicipais são os responsáveis, entreoutras atribuições, pela localização,cadastramento e acompanhamento dasfamílias pobres que acessam os sistemasde informação do programa, contandocom todos os dados relativos ao cadastrodas famílias, à concessão dos benefícios

financeiros e ao cumprimento das condicio-nalidades; 2) o fato de haver gestores emtodos os municípios brasileiros e noDistrito Federal, e coordenadores emtodos os estados da federação, que usual-mente estão relacionados às secretariasmunicipais e estaduais de Assistência Sociale ao Sistema Único de Assistência Social(Suas), o que constitui uma rede capila-rizada e fortemente associada com os ato-res-chave das políticas de assistência socialno Brasil; 3) a oferta de ações e programascomplementares aos beneficiários dastransferências de renda, com a expectativade contribuir para a redução da desigual-dade e da exclusão social em âmbitosespecíficos da vida das famílias em situaçãode pobreza; e 4) a existência de uma ins-tância de controle social do programa emcada município, com representaçãoparitária da sociedade civil, pleno acessoàs informações do PBF no nível municipale atribuições consultivas, que têm comoobjetivo acompanhar a execução e auxiliarna fiscalização da gestão do programa.

A articulação de programas e açõescomplementares à transferência de rendatem constado da agenda das políticassociais nos três níveis de governo, demaneira mais intensa no âmbito federal emunicipal, provavelmente em função dascaracterísticas do Programa Bolsa Família,que estabelece mais responsabilidades paraos gestores desses níveis de governo doque para os estaduais. Os programas com-plementares têm criado um ambientepropício ao surgimento de ações, pro-gramas e políticas de combate à pobreza,alguns desses com características inova-doras no campo das políticas sociais.

O aspecto da transversalidade na arti-culação de programas complementares estápresente sob duas formas. A primeira, pelaconcepção e oferta desses programas pelos

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três níveis de governo, obedecendo àsprioridades e às percepções de cada entefederativo em sua área de responsabilidade,conforme os exemplos já citados. A segundapode ser percebida principalmente no casodos programas complementares federais, aocontarem com os gestores municipais doPBF e com seus coordenadores estaduaispara apoiarem o nível federal em tarefascomo a divulgação dessas ações, a locali-zação de potenciais beneficiários deprogramas em específico, a mobilização dopúblico-alvo beneficiário e em outras ações.

A intersetorialidade também está muitopresente na articulação dos programas eações complementares. A promoção deprogramas em diferentes âmbitos daexclusão social, nas condições de vulnerabi-lidade como as citadas por Brugué (2002)para o conceito de cidadania diferenciada,ampliou a capacidade do Estado de atenderàs necessidades das famílias em situaçãode pobreza. Além disso, a gestão interse-torial das ações complementares, incenti-vada pelo decreto de criação do PBF(BRASIL, 2004b), permitiu dar continuidadeao processo de desenvolvimento dasfamílias pobres e extremamente pobrescom, por exemplo, a associação de açõesde assistência técnica a pequenos empreen-dimentos e a programas de microcrédito,o que tornou mais provável o sucesso doempreendimento atendido.

Uma condição necessária para aintersetorialidade e para a transversalidadena articulação de programas complemen-tares é o caráter descentralizado da gestãodo programa. O município é responsávelpor aspectos fundamentais do PBF, taiscomo o cadastramento das famílias, asvisitas domiciliares e o monitoramento documprimento das condicionalidades, e temamplo acesso aos sistemas de informaçãodo PBF e ao CadÚnico.

A disponibilidade de informações e asensibilização e qualificação desses atoresà oferta de programas complementares àtransferência de renda, em seu nível deabrangência e responsabilidade, foramfatores que incentivaram os governosmunicipais e estaduais a ofertarem suaspróprias ações e a participarem das arti-culações federais. Os governos municipaise estaduais possuem o acesso aos sistemasde informação do programa, contandocom todos os dados relativos ao cadastrodas famílias (Cadastro Único de ProgramasSociais), à concessão dos benefícios finan-ceiros (Sistema de Benefício ao Cidadão)e ao cumprimento das condicionalidades(Sistema de Condicionalidades).

Os governos locais, em função de suaproximidade e envolvimento com apopulação, possuem maior capacidade deidentificação das necessidades, de planeja-mento e de execução das políticas sociais.A gestão local torna as ações relativas àarticulação de programas complementaresmais efetivas, beneficiando contingentespopulacionais mais homogêneos, identifi-cados a partir de informações das famíliasinscritas no Cadastro Único. Entre osganhos obtidos, foi possível verificar avalorização do saber local e da identidadedos atores envolvidos, para a flexibilidadee adaptação das políticas públicas às reali-dades específicas e para o estabelecimentode parcerias com entidades locais do setorprivado.

A institucionalização da participaçãopopular, por meio das instâncias de con-trole social e por meio de canais de comu-nicação e publicidade da ação pública, fezsurgir espaços públicos de representaçãoe negociação, contribuindo para que asdemandas por ações complementares sejamtransmitidas aos gestores do programa epara que as ações em implementação sejam

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divulgadas à sociedade. Esses espaçospermitem que os gestores recebam essasdemandas, negociem-nas e trabalhem deforma a atendê-las, implantando ações deinteresse da população.

É importante ressaltar que não se tema pretensão de que a articulação deprogramas e ações complementares seja aúnica e tampouco a principal estratégia decombate à desigualdade e à exclusão socialno Brasil. A desigualdade decorre derelações de dominação e exploração socio-econômica que são estruturais e politi-camente referendadas e que se alimentamda exclusão social, impossibilitam o acessoa bens materiais e culturais produzidos pelasociedade e inviabilizam a participaçãode certos segmentos da sociedade nocomando do espaço público.

Além disso, ainda não foi possívelmedir o impacto dos programas e açõescomplementares na redução das desigual-dades nos âmbitos da exclusão social,identificados por Young (1989), tais comoa laboral, educativa, sócio-sanitária, urbano-territorial e outras. Embora o PBF contri-bua para a redução da pobreza no Brasil,conforme demonstra recente estudo doIpea21, sua eficácia para a redução dedesigualdades em outras esferas ainda precisaser mais bem dimensionada. Há dificuldadesmetodológicas para a avaliação do impacto

desses programas em virtude da dificul-dade de isolar os fatores intervenientessobre as famílias beneficiárias do ProgramaBolsa Família, entre as que participaram dosprogramas.

Apesar do caráter recente dos pro-gramas complementares e das dificuldadesde monitoramento em cada um, tanto porquestões metodológicas quanto pelo defi-ciente acompanhamento realizado pelosministérios responsáveis, os resultadosobtidos têm sido bastante animadores esugerem avaliações mais robustas no futuro.

Os resultados verificados com osprogramas complementares federais; oelevado comprometimento dos governosmunicipais e estaduais na articulação deprogramas próprios; as possibilidades queos programas complementares oferecemno enfrentamento dos múltiplos aspectosem que operam os fatores de exclusão sociale a disponibilidade de instrumentosadequados para a articulação de programas,como o Cadastro Único, são elementos quepermitem vislumbrar a articulação dessesprogramas como mais uma opção naagenda das políticas sociais dos três níveisde governo no Brasil, sobretudo quando setrabalha dentro de uma estratégia defocalização de política.

(Artigo recebido em julho de 2009. Versão finalem março de 2010).

Notas

1 Coeficiente de Gini – medida do grau de concentração da distribuição de renda de umapopulação, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima).

2 O elemento estrutural significa que é decorrente da industrialização e do processo de acumu-lação de capital. A dinamicidade consiste em que as fronteiras da exclusão são móveis e fluidas; osíndices de risco apresentam extensões sociais e intensidades pessoais altamente mutáveis. Amultifatorialidade desse problema requer abordagens integrais em sua definição e horizontais emseus processos de gestão. A dimensão politizável significa que o coletivo pode se auto-organizar e ser

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o portador de um novo modelo alternativo com potencial de superação das relações de desigualdadevigentes (BRUGUÉ, 2002).

3 Young (1989) in Fleury (2004a) considera que a igualdade requer a afirmação de diferençasgrupais, e sugere como formato para a cidadania diferenciada a criação de fundos públicos para proverformas de defesa e garantia de representação de grupos oprimidos e a existência de políticas diferen-ciadas para atender às demandas singulares desses grupos.

4 As políticas de integração buscavam grandes equilíbrios, pela homogeneização da sociedadea partir do centro, com vistas a promover o acesso de todos. As políticas de inserção, que nasceramoficialmente nos anos 1980, seguem a lógica de discriminação positiva: definem com precisão aclientela e as zonas singulares do espaço social e desenvolvem estratégias específicas para elas. Sãoentendidas como iniciativas de reequilíbrio para recuperar distância.

5 É um programa de transferência direta de renda do governo federal para famílias que possu-em crianças e adolescentes, na faixa etária dos 7 aos 15 anos de idade, envolvidos no trabalho precoce,considerado perigoso, penoso, insalubre ou degradante. Para isso, o Peti concede uma bolsa àsfamílias desses jovens em substituição à renda que traziam para casa. Em contrapartida, as famíliastêm que matricular seus filhos na escola e fazê-los frequentar a jornada ampliada. Essas atividadesforam regulamentadas pela Portaria no 20, de 13/9/2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, doMinistério do Trabalho e Emprego.

6 O Programa Agente Jovem tem como público-alvo jovens de 15 a 17 anos em situação devulnerabilidade e risco social, que fazem parte de famílias com renda per capita de até ½ saláriomínimo. Visa proporcionar experiências práticas mantendo a sua permanência no sistema educacionale com a finalidade de inseri-lo no mundo do trabalho. O programa prioriza o atendimento a jovensegressos de programas sociais, como o Peti; que estejam fora da escola; oriundos de programas deatendimento a situações de exploração sexual; e o que estejam sob medida de proteção, aos quais seatribui o cometimento de atos infracionais (egressos ou em liberdade assistida).

7 Em 2007, o PBF considerava extremamente pobres as famílias com renda mensal de atéR$ 60,00 per capita. Já as famílias pobres eram aquelas com renda mensal entre R$ 60,01 e R$ 120,00per capita.

8 O cadastramento das famílias é realizado pelo município, mais especificamente pelo órgãogestor do programa, indicado pelo prefeito no ato da adesão. Na maioria das vezes, trata-se daSecretaria Municipal de Assistência Social.

9 Há um esforço para que as famílias incorporem a dimensão do cumprimento dascondicionalidades na perspectiva de um direito e não de um dever.

10 Volume adicional de recursos que a família necessita pelo fato de possuir, em sua compo-sição, gestantes, crianças, portadores de deficiência e idosos.

11 Acesso à alfabetização, escolaridade ou qualificação profissional que, por sua vez, possibilitao acesso a recursos financeiros (via mercado de trabalho) e não financeiros (bens e serviços públicos).

12 Condições de utilização da capacidade produtiva como fonte de renda, considerando a disponi-bilidade de trabalho (tempo na ocupação), a qualidade do posto de trabalho (formal ou informal) ea remuneração obtida com o trabalho (em relação ao salário mínimo).

13 Condições de obtenção de renda para cada membro do grupo familiar e sua sustentabilidade(mercado de trabalho ou transferências).

14 Acesso a oportunidades para o pleno desenvolvimento das capacidades e potencialidades decada criança. Abrange aspectos como a proteção contra o trabalho precoce, o acesso à escola, oprogresso escolar e a mortalidade infantil.

15 Condições de vida de uma família, incluindo propriedade de imóvel, acesso à água, ao esgotosanitário, à coleta de lixo e à eletricidade.

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16 A rede socioassistencial é constituída pela rede de assistência social, juntamente com as redesde saúde, educação, cultura, habitação, e outras. O conceito de rede socioassistencial pressupõe aarticulação das ações que se voltam ao destinatário da política de assistência social.

17 O CRAS, também conhecido como “Casa das Famílias”, é uma unidade pública estatallocalizada estrategicamente em áreas de maior vulnerabilidade social do município, que presta serviçosde proteção social àqueles que a procuram e buscam atendimento social. O objetivo das atividades doCRAS é prevenir o risco social, fortalecendo os vínculos familiares comunitários e promovendo ainclusão das famílias nas políticas públicas, no mercado de trabalho e na vida em comunidade.

18 Informações sobre os programas complementares articulados em nível federal pela Senarc/MDS estão disponíveis no sítio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, noendereço http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/programas_complementares.

19 O Observatório de Boas Práticas na Gestão do Programa Bolsa Família (PBF) é um espaçovirtual no sítio do MDS que identifica, reúne e divulga as boas práticas na gestão do PBF, desenvol-vidas elos estados e municípios, e apoia a constituição de uma rede de gestores que atuam naimplementação e no acompanhamento do programa. Nesse ambiente virtual, podem ser conheci-das as ações desenvolvidas pelos municípios e estados em oito aspectos do PBF: gestão integrada doBolsa Família, cadastramento de famílias, gestão de benefícios, gestão de condicionalidades, fiscali-zação, controle social, articulação de programas complementares e acompanhamento familiar.A publicação das práticas representa o reconhecimento do MDS de que aquela experiência local degestão do programa atingiu os objetivos de contribuir para a redução da pobreza e para a promoçãoe proteção social das famílias mais pobres. Para acessar o Observatório, digite:http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/observatorio.

20 O Índice de Gestão Descentralizada (IGD) foi criado em 2006 e é um número indicador quevaria de 0 a 1 e mostra a qualidade da gestão do Programa Bolsa Família (PBF) no âmbito municipal.Quanto maior o valor do IGD, maior o recurso transferido ao município, que visa incentivar oaprimoramento da qualidade da gestão do PBF em âmbito local, e contribuir para que os municípiosexecutem as ações que estão sob sua responsabilidade. O IGD é calculado pela média aritmética dasseguintes variáveis: qualidade e integridade das informações constantes no CadÚnico (taxa de cober-tura de cadastros); taxa de atualização de cadastros; taxa de crianças com informações de frequênciaescolar; e taxa de famílias com acompanhamento das condicionalidades de saúde.

21 Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Ipea, 2006 (Nota técnica).

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Resumo – Resumen – Abstract

Intersetorialidade e transversalidade: a estratégia dos programas complementares doBolsa FamíliaTrajano Augustus Quinhões e Virgínia Maria Dalfior FavaO artigo analisa a estratégia implementada em 2006 e 2007 pelo Programa Bolsa Família (PBF)

para a articulação de programas complementares às transferências condicionadas de renda, enfatizandosua contribuição para o enfrentamento da desigualdade e da exclusão social no Brasil, e apresentaresultados preliminares alcançados por alguns destes programas executados em nível federal. Aarticulação de programas complementares possibilita o reconhecimento de necessidades de grupospopulacionais em situação de risco social e promove a oferta de ações específicas para as suas neces-sidades, para uma inclusão cidadã diferenciada. A estratégia implementada em 2006 e 2007 foicaracterizada pela intersetorialidade e transversalidade e a criação de um espaço propício para odesenvolvimento de inovações no campo das políticas sociais. Apesar do caráter recente dos progra-mas complementares e das dificuldades de monitoramento, os resultados obtidos em programasfederais e o comprometimento dos governos municipais na articulação de programas municipaisdemonstram que essa pode ser uma opção na agenda das políticas sociais dos três níveis de governono Brasil.

Palavras-chave: Programa Bolsa Família, programas complementares, transversalidade einterdisciplinaridade.

Intersectorialidad y transversalidad: la estrategia de los programas complementarios al“Bolsa Família”Trajano Augustus Quinhões y Virgínia Maria Dalfior FavaAnaliza la estrategia implantada en los años 2006 y 2007 por el Programa Bolsa Família (PBF)

para la articulación de programas complementarios a las transferencias condicionadas de rentas,enfatizando su contribución para el enfrentamiento de la desigualdad y de la exclusión social enBrasil. Presenta resultados preliminares obtenidos por algunos de eses programas implantados alnivel del gobierno federal. La articulación de programas complementarios posibilita el reconocimientode las necesidades de grupos poblacionales en riesgo social, y promueve la oferta de acciones especí-ficas para sus necesidades y para una inclusión social ciudadana diferenciada. La estrategia implantadaen los años 2006 y 2007 fue caracterizada por la intersectorialidad y transversalidad, y la creación de unespacio oportuno/propicio para el desarrollo de innovaciones en el campo de las políticas públicassociales. A pesar del carácter reciente de los programas complementarios y de las dificultades decontrol, los resultados obtenidos en los programas de nivel federal y el comprometimiento de losgobiernos municipales demuestran que esa opción es posible estar inserida en la agenda de laspolíticas sociales de los tres niveles de gobierno en Brasil.

Palabras clave: Programa Bolsa Família, programas complementarios, intersectorialidad ytransversalidad.

Intergovernmental and among sectors approach: the strategy of the complementaryprograms to “Bolsa Família”Trajano Augustus Quinhões and Virgínia Maria Dalfior FavaThe paper analyzes the strategy of Complementary Programs to the conditional cash transfers

implemented in 2006 and 2007 by the Bolsa Familia Program (Family Grant Program), with a focusin the reduction of inequality and social exclusion in Brazil, and presents initial results of some of

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the programs that were implemented by the central government. The complementary programsrequire the identification and the governmental recognition of needs and vulnerabilities, and to givevoice to specific groups and populations, promoting a distinct citizenship inclusion. The strategyhad an approach among sectors and also an intergovernmental approach and created an innovativesocial policies environment. In spite of the complementary programs recent implementation and itsdifficulties in monitoring and evaluation, the results identified in some central governmentcomplementary programs and the municipalities commitment suggest that this strategy should bein the governmental agenda in the three levels of government in Brazil.

Keywords: Bolsa Família Program, complementary programs, intersectoral and intergovernmentalapproach.

Trajano Augustus Tavares QuinhõesÉ Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental desde 1997. Em 2007 atuou como coordenador-geral de Gestão do Programa Bolsa Família, no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Éeconomista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Administração pela Escola Brasileira deAdministração Pública e de Empresas, da Fundação Getúlio Vargas. Contato: [email protected]

Virgínia Maria Dalfior FavaAtua na Coordenação-Geral do Programa Bolsa Família, no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate àFome, desde 2007. É psicóloga e mestre em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília. Contato:[email protected]

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A gestão da informação e amodelagem de processos

Silvânia Vieira de Miranda

Introdução

A definição e a racionalização das informações são de fundamental impor-

tância para o alcance dos objetivos estratégicos de uma organização, tanto no

setor privado quanto no setor público. No entanto, existe diferença de abordagem

do processo de gestão da informação (GI) entre as instituições do setor público

e as organizações do setor privado, devido ao fato de que as organizações públicas

normalmente gerenciam informações em nome do governo e devem cumprir

certas obrigações perante a sociedade, com respeito ao trato da informação.

Entende-se que a compreensão e o estudo dos fluxos de informações como

processos que agregam valor à informação podem ser explorados para a promo-

ção da governança do setor público. Um dos exemplos de clareza no tratamento

de processos informacionais pode ser visto na página do Governo do Canadá,

que apresenta, no seu Portal para a Gestão da Informação, um modelo de matu-

ridade de gestão1 em cinco níveis, sendo que os quatro primeiros estão relacio-

nados às condições dos processos e práticas de gestão da informação.

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A gestão da informação e a modelagem de processos

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O presente estudo apresenta breverevisão da literatura sobre a gestão dainformação e sobre a diferença entregerenciar informações em organizaçõespúblicas e privadas, conceitos de mode-lagem de processos e estudo de caso.A modelagem de processos é tratadacomo um dos itens de gerenciamentonecessários para alcançar nível maior de ra-cionalização. A proposta de metodologiapara mapeamento e descrição deprocessos de GI incorpora as ideiasde racionalização, controle e maturidadecrescente. Apresenta, também, os resul-tados já obtidos em trabalho prático demodelagem realizado em uma organiza-ção pública. A experiência ainda é recentee não atingiu maiores graus de maturidade,mas já apresenta resultados promissores.

A gestão da informação (GI) eas organizações públicas

O gerenciamento da informação,segundo Davenport (1997), é um conjuntoestruturado de atividades que espelha aforma pela qual uma organização captura,distribui e usa informação e conhecimento.Definir e pensar na GI como processoenfatiza medição e busca de melhorias.Processo pode ser qualquer atividade ouconjunto de atividades que transformarecursos em produtos (entradas em saídas),e possui mecanismos de controle e verifi-cação de qualidade. Ou, ainda, uma

sequência de atividades que transformainsumos em produtos, agregando valor(MIRANDA E STREIT, 2007).

O processo de gestão de informaçõesinclui várias fases ou etapas, dependendoda abordagem com a qual se está traba-lhando. Na definição de Davenport (1997),um processo genérico de gestão da infor-mação (GI) é composto de quatro fases:determinação dos requisitos ou neces-sidades de informação, captura, distri-buição e uso das informações. Umarepresentação do processo genérico da GIencontra-se na Figura 1.

Na fase de determinação de requisitos,definem-se as necessidades de informação,envolvendo a identificação de objetivos e acombinação entre objetivos e usos dainformação. A fase de recepção podeenvolver atividades de: monitoramento doambiente, categorização das informaçõesem uma estrutura relevante, formatação erepresentação da informação. Documentossão, normalmente, uma forma de repre-sentar a informação com determinadaestrutura e contexto. A fase de distribuiçãoda informação envolve a conexão degestores e usuários da informação. Nessaetapa, define-se, por exemplo, qual a mídiamais apropriada, quais os usuários para cadatipo de informação e qual a estratégia maisadequada para levar uma informaçãoespecífica ao seu usuário. A fase final doprocesso de gestão é a referente ao uso dainformação, na qual podem ser estabelecidas

Figura 1: Processo genérico de gestão da informação (GI)

Fonte: Davenport (1997).

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várias formas de melhorias, como: medi-ções, contextualização e incorporação demedidas de uso na avaliação de resultado(DAVENPORT, 1997).

Fazer gestão da informação significadirigir e dar suporte efetivo e eficiente ao cicloinformacional de uma organização, desde oplanejamento e desenvolvimento de sistemaspara receber as informações à sua distribuiçãoe uso, bem como sua preservação e segu-rança. A informação é um recurso estraté-gico que deve estar alinhado aos requisitoslegais e políticos do negócio e, como qualquerrecurso, deve ter sua produção e usogerenciados adequadamente.

O planejamento organizacional deveincluir aspectos ligados à GI: o ciclo decaptação, recebimento, criação e distri-buição de informações precisa fazer partede um programa que objetiva assegurar aeficiência e eficácia dos processos informa-cionais. A infraestrutura de gestão, a detecnologia de informação e a de recursoshumanos devem ser bem planejadas. Issoenvolve: estratégia (visão, orientação,planos, políticas e financiamento); arquite-tura operacional (modelo operacional,segurança, dados, aplicativos, tecnologias

e redes – infraestrutura para gestão); ecapacidade organizacional (competências,metodologias, aprendizagem). A estratégiadireciona a construção da arquiteturaoperacional e a integração da cadeia devalores dos processos informacionais(relação com os parceiros, avaliação dareceptividade do público), com base nascompetências existentes e desejáveis paraatingir os objetivos traçados.

A GI deve ser realizada com base empolíticas bem traçadas, arquitetura bemdesenhada e gestão do ciclo de vida dainformação, de maneira que os serviços eprodutos possam servir adequadamenteaos clientes. Isso significa encarar o processoda gestão da informação do ponto de vistado ambiente como um todo, incluindoarquitetura e tecnologia da informação;estratégias, políticas e comportamentosligados à informação; processos detrabalho; e pessoas. Portanto, a gestão dainformação deve considerar:

• integração de diversos tipos deinformação (estruturada, não estruturada,automatizada, não automatizada, textos,áudio, vídeo etc.) e reconhecimento dastendências à mudança;

Figura 2: Ciclo de Vida da Informação

Fonte: Ponjuán Dante (1998)

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• ênfase na observação e descrição;• foco nas pessoas e no comporta-

mento informacional.A representação do ciclo de vida da

informação, disposta na Figura 2, é umadas mais utilizadas, mas mostra apenas asfases e sua natureza circular. A informaçãoexpressa interações de pessoas e gruposem um contexto histórico. Suas condiçõesde produção, intermediação e uso não sãoiguais e essa desigualdade se reproduz emtermos de oportunidades de acesso e uso.Nem todos os agentes socioeconômicostêm o mesmo acesso à informação, nempodem transformar a informação emconhecimento com a mesma eficiência, oque provoca assimetrias. O Estado, porintermédio de seus agentes, pode cumprirum papel com relação à assimetriainformacional: ele concorre para “equi-librar” as condições de acesso e uso dainformação (MIRANDA E STREIT, 2007). Oartigo 170 da Constituição Federal do Brasilestabelece que a ordem econômica deveobservar os princípios da função social dapropriedade, da livre concorrência, e dadefesa do consumidor. A ação regula-mentar do Estado torna-se importantepara prover informações que propor-cionem maior poder de barganha dasociedade civil no que se refere aos gruposeconômicos mais poderosos e organi-zados, por exemplo.

Gestores governamentais podemadotar diferentes definições para gestão dainformação: gestão de todos os formatosde informação dentro de um planejamentocomum; planejamento, orçamento, mani-pulação e controle da informação durantetodo o seu ciclo de vida; gestão coorde-nada dos recursos de uma organizaçãofundamentada sobre a informação(MIRANDA E STREIT, 2007). Uma organi-zação pública tem vários objetivos ao gerir

informações: cumprir uma missão;assegurar o acesso (ou a privacidade) deum cidadão ou empresa a determinadasinformações de interesse público; prestarcontas à sociedade sobre os programas eserviços sob sua responsabilidade; tornarmais transparentes as ações e decisões dogoverno; preservar os registros sociais,econômicos e históricos do país etc. Umaorganização privada obedece às necessi-dades do seu negócio. A gestão da infor-mação em organizações públicas podeguardar peculiaridades com a esfera pri-vada, devido às diferenças e singularidadesem relação aos objetivos e à análise custo/benefício dos processos informacionais.

A gestão da informação em uma orga-nização pública deve ter como guias a visãode futuro, a missão e os objetivos institu-cionais expressos por leis e regulamentos,aos quais a instituição deve obedecer. Proverinformação de qualidade deve resultar emserviços que atendam às necessidades doscidadãos; conquistem a confiança pública ea credibilidade; aumentem a produtividade;e reduzam os custos da administraçãopública. Uma política de gestão de infor-mações leva em conta a complexidade doambiente e oferece orientação sobre amaneira pela qual a informação deve sercriada, utilizada e conservada. Em organi-zações governamentais, ela objetiva ocumprimento de mandados (leis e regula-mentos); o apoio aos programas e serviçosdo governo; a realização de suas prioridadesestratégicas; e a capacidade do governo parasatisfazer suas obrigações em matéria deresponsabilidades prescritas pela lei. A GIdeve-se preocupar em proteger a infor-mação pessoal, apoiar a tomada de decisãoe formular políticas claras de prestação deinformações e serviços em programas dequalidade.

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A proposta desenvolvida no compo-nente organizacional – objeto de estudo –foi tratar a GI como processo e, em umaperspectiva de níveis de maturidade, atingirníveis crescentes de governança. Dentro deum planejamento estratégico, significariamelhorar a eficiência e a eficácia das práticasde gestão existentes.

Modelos de maturidade são abor-dagens que procuram prover melhorias emprocessos, fornecendo à organizaçãoelementos essenciais para torná-los maisefetivos. O Modelo Integrado de Capaci-dade de Maturidade (Capability MaturityModel Integration – CMMI), por exemplo,embora seja uma abordagem que na suaorigem esteve voltada para o desenvol-vimento de software, pode ser usado comoguia para melhorar a gestão de projetos deuma organização ou de partes dela. Apesarde as descrições dos níveis de maturidadede gestão da informação serem bastanteabrangentes, observa-se a importância daabordagem baseada em processos para apromoção de melhores práticas.

Proposta para modelagem edescrição de processos de gestãoda informação

Segundo Baldam et al (2007), oaumento das exigências de transparêncianas transações executadas pelas organi-zações é um dos fatores que explica ointeresse pela modelagem de processos.Outros fatores são: a resposta às crescentesexigências de responsabilidade social; aevolução intensiva da tecnologia da infor-mação; e a necessidade de dar papel maisrelevante aos usuários dos sistemas,passando a reconhecê-los como respon-sáveis pelos processos. A modelagem desistemas baseada em modelagem doestado futuro de processos de trabalho

otimizados passou a ser consideradaopção para construir sistemas maisaderentes às necessidades dos negócios edos usuários.

Pensando a GI dentro de um modelode maturidade, e na fase inicial em que osprocessos e práticas ainda estão fragmen-tados, a modelagem de processos deinformação é passo inicial no sentidode organizar o ambiente de gestão. Amodelagem dos processos de informação,baseada no ciclo de vida, pode delinearações de melhoria mais eficientes. As etapasdo ciclo de vida da informação podemser consideradas processos, possibilitandoa otimização da capacidade de gestão.

A modelagem busca verificar o alinha-mento entre as atividades executadas e oobjetivo do negócio (eficácia), e a adequa-ção entre o consumo de recursos e osprodutos gerados (eficiência). A mode-lagem de processos é uma ferramentagerencial analítica e de comunicação(VILLELA, 2000). Sua utilização permite:

• identificar os processos-chave, suasdemandas e produtos;

• identificar eventuais atividades redun-dantes e processos (subprocessos) que nãoparticipem de objetivos traçados para aorganização;

• identificar relacionamentos críticos(sequências e interações) entre processos esubprocessos;

• identificar necessidades de informação,de construção de sistemas, e de elaboraçãode produtos e serviços específicos;

• avaliar complexidade, eficiência eeficácia dos processos e subprocessos(relação custo/benefício);

• averiguar o alinhamento dos pro-cessos com as funções de uma unidadeorganizacional e/ou de uma organização;

• aprofundar o entendimento dosprocessos e subprocessos existentes,

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registrando e disseminando o conheci-mento gerado;

• aprofundar o conhecimento relativoà capacitação necessária para atuar emdeterminado processo ou subprocesso;

• identificar críticas, contribuições eoportunidades de inovação, e propormelhorias e aperfeiçoamentos para a gestãode processos.

Entende-se que a modelagem deprocessos, dentro de uma abordagem deníveis de maturidade, pode ser utilizada nãoapenas para obter maior entendimento daGI como também para traçar horizontesde desenvolvimento da governançacorporativa. A modelagem pode com-preender quatro fases: o planejamento(diagnóstico ou definição dos processos aserem mapeados e da metodologia a serutilizada); o mapeamento dos processos;o monitoramento (criação dos mecanismosde controle e verificação de qualidade); euma fase de intervenções para atingir maiseficiência e efetividade na gestão dosprocessos de informação, alcançando,assim, maiores níveis de maturidade.

Diagnóstico inicial para modelagemde processos

Antes de iniciar a modelagem e adescrição dos processos, é interessanterealizar um diagnóstico para subsidiar arealização do trabalho. Nesse contexto, éde fundamental relevância conhecer aestrutura organizacional onde os processosoperam, as estruturas formais de comuni-cação existentes no ambiente, as técnicasde gestão e as tecnologias utilizadas naorganização. É necessário, ainda, deter-minar as fronteiras do processo de GI eos subprocessos a serem mapeados; osacionadores, os resultados e as conse-quências de cada processo; se o processode GI envolve mais de uma unidade ou

subunidade organizacional, e quais osgrupos envolvidos; o nível de detalhamentoda modelagem; e o conjunto de técnicas eformas de representação a serem usadas(o tipo de mapa).

O uso da informação na organizaçãoA estrutura organizacional é a forma

pela qual se ordenam todos os elementosde uma instituição em relação às suasatribuições, responsabilidades e relaciona-mentos. Essa estrutura influi no modelo dosprocessos de comunicação e de gestão dasinformações. As organizações processam egeram informações para diminuir aambiguidade e a incerteza provindas doambiente em que atuam, e para elaborarprodutos e serviços informacionais.

Organizações complexas padronizama comunicação, mantêm a informaçãorelevante com o uso de mecanismosformais de documentação e desenvolvemnichos de estabilidade para a ação. Onúmero de unidades (departamentos) emuma organização reflete sua complexidadee necessidade de processamento da infor-mação para uma performance efetiva. Asorganizações burocráticas podem serconsideradas similares a estruturas mecâ-nicas, que têm uma hierarquia muitodelineada; e as organizações públicas são,normalmente, burocráticas. Isso indica queo processo de gestão da informação nasorganizações públicas obedece, normal-mente, a uma cadeia de decisão vertical edefinida, dividida em funções. A reduçãoda ambiguidade e da incerteza ocorre decima para baixo, provendo a base dacadeia de decisões com tarefas e respon-sabilidades claramente especificadas. Oformato mais comum em organizaçõespúblicas costuma ser o tradicional organo-grama, que especifica uma estrutura maisou menos “piramidal” (MIRANDA, 2007).

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As tecnologias de trabalho e as deinformação, usadas em um ambiente,também influem no processo de organizara informação. Tecnologias para transfor-mação de recursos podem ter doiscomponentes: um intelectual – políticas,metodologias, critérios, regras e procedi-mentos –, e outro de máquina – uso deferramentas e equipamentos para efetuar asoperações (TAYLOR, 1986). No caso dastecnologias da informação, a parte intelectualfica, normalmente, por conta dos critériose procedimentos que estabelecem as rotinase regras de uso da informação, as quaispodem ser transformadas, com ajuda dealguma tecnologia de máquina (hardware esoftware), em sistemas de informaçãoautomatizados ou não.

Normalmente as pessoas se reportamde maneira formal aos seus superiores, deacordo com a hierarquia funcional daorganização. Mas também é comumexistirem estruturas horizontais e trans-versais de comunicação, geradas parafacilitar e agilizar a solução de problemasespecíficos que não necessitam passar pelaestrutura formal de decisão, ou mesmopara “driblar” essa estrutura. A diferençaentre as estruturas formais e informais étanto maior quanto mais rígida e vertical éa organização. Entende-se que a identifi-cação dos canais informais de comuni-cação pode ajudar a realizar o mapeamentodos processos de GI com maior rapideze fidedignidade.

Metodologia e técnicas de representaçãoEntende-se que o trabalho de mode-

lagem de processos deve estar fundamen-tado em uma proposta metodológica.Assim, após concluir o diagnóstico doambiente e identificar os processos degestão a serem modelados, deve-se esco-lher a forma pela qual o mapeamento vai

ser realizado e a representação do mapa,deixando-se registradas as técnicas esco-lhidas e os motivos da escolha. Paramodelar atividades, tarefas, documentosetc. pertencentes a um determinado pro-cesso, a literatura apresenta diversas técnicasque podem ser aplicadas na área da GI. Oconjunto de técnicas mencionado nestaseção compõe uma proposta de metodo-logia, entendida como capaz de gerar

informações suficientes para realizar amodelagem com êxito.

Inicialmente, a pesquisa documentalpode ser usada para fazer um inventáriodos documentos, das informações, dastarefas etc. existentes no ambiente pormeio, por exemplo, da consulta aos regu-lamentos e aos manuais de procedimentose rotinas existentes. Assim como osdocumentos, as pessoas podem ser uma

“A definição e aracionalização dasinformações são defundamentalimportância para oalcance dos objetivosestratégicos de umaorganização.”

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fonte importantíssima de informaçãopara o mapeamento de processos. Entre-vistas com as pessoas que realizam tarefas-chave nos processos escolhidos podemtrazer grande contribuição. Reuniões detrabalho com grupos de profissionais querealizam atividades ou tarefas de ummesmo processo também podem serutilizadas para triangular informaçõesgeradas com o uso de outras técnicas.Uma técnica que pode ser usada nessecaso é o grupo focal ou discussão emgrupo. Além disso, a própria observaçãodos processos de trabalho pode contri-buir para gerar informações para omapeamento (MIRANDA, 2007). Essegrupo de técnicas permite obter acessotanto ao conhecimento já registrado sobreos processos quanto ao conhecimentotácito ainda não registrado. As técnicaspodem ser usadas em um contínuo oualternadamente; mas, no seu conjunto,podem permitir que o entendimento sejapaulatinamente estendido e ao mesmotempo aprofundado. É importante queo processo como um todo fique devida-mente registrado e documentado parafuturas consultas, revisões e propostas demelhoria.

O mapa dos processos é uma formade representar o uso dos recursos existentesem um dado ambiente, explicitandointerações e relacionamentos (atividades,recursos, controles, produtos etc.).Segundo Marrelli (2005), é a descriçãopasso a passo das ações tomadas pelaspessoas ao usarem um conjunto específicode recursos para produzir um conjuntodefinido de produtos. O mapa mostra osrecursos, os usuários, a sequência de açõestomadas e os resultados do processo detrabalho em forma de matriz ou de fluxo.Também pode incluir tempo, condiçõesde trabalho, consequências, feedback etc., e

pode abranger um grupo de trabalho, umaunidade organizacional ou a organizaçãocomo um todo.

Mapa de um processo é uma “foto-grafia” que representa como os recursos(entradas) são transformados em produtos(saídas). Existem várias técnicas que podemser usadas para representar o mapa de umprocesso de trabalho (neste caso, o processode GI). Essas técnicas geralmente mostramo processo mediante a organização doconjunto de informações coletadas sobreele de forma compreensível, com o uso desímbolos predefinidos. Cada uma delas pos-sui vantagens e desvantagens, virtudes e li-mites. A escolha da forma de representaçãodepende do objetivo pretendido com omapeamento, dos resultados que se querobter, do ambiente a ser representado, dotempo para a realização do trabalho etc.Algumas das técnicas de representação maisconhecidas são: o Fluxograma ou diagramade fluxo; o IDEF (Integration Definition forFunction Modelling); o LOVEM-E (EnhancedLine of Visibility Enterprise Modelling); oE-TOM (Enhanced Telecommunications OperationsMap); o EPC/ARIS (Architecture of IntegratedInformation Systems); e o BPM (Business ProcessModelling Notation).

Uma descrição de processo, segundoAlvarenga Neto (2004), deveria incluirentradas, recursos, controles e a interligaçãodos processos. Brain et al (2005) ressaltamque é interessante eleger, primeiramente, oselementos a serem representados no mapa,para então escolher a técnica mais adequa-da. Uma das formas de escolher a técnicaadequada é preparar um quadro com osrequisitos de modelagem que se querrepresentar e verificar qual técnica atendemelhor a esses requisitos. Esse tipo deexercício facilita a escolha da técnica derepresentação a ser usada. Entende-se quea melhor técnica é, provavelmente, aquela

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cujo formato seja mais facilmenteassimilável dentro do ambiente a sermapeado.

A prática da modelagemApós a realização do diagnóstico

(identificação dos processos e das tecno-logias empregadas, estudo da estrutura efluxos de informação etc.) e a escolha dastécnicas de mapeamento e de represen-tação dos mapas, inicia-se o trabalho decampo.

A proposição e a apresentação de umprojeto para a modelagem objetivamexplicitar os fundamentos do trabalho etorná-lo conhecido para o público-alvo,clarificando seus propósitos, sua meto-dologia e os resultados pretendidos, comapoio do diagnóstico realizado. Isso facilitao nivelamento conceitual da equipe demodelagem e diminui as resistências aofornecimento das informações. Alémdisso, pode contribuir para motivar aspessoas com relação ao trabalho, porquepoderão compreender os objetivos e teruma visão prévia de como serão atingidos.Vale lembrar a importância da elaboraçãode cronograma inicial de trabalho, levandoem conta todas as fases de modelagem.Deve ficar claro que o desenvolvimentodos trabalhos vai depender, em grandemedida, das pessoas e que, portanto, ocronograma é apenas indicativo.

Mapeamento dos procedimentos e rotinasOs processos da área de GI em orga-

nizações públicas são desenhados paraatender à missão da organização. Os fatosgeradores dos processos da GI são,portanto, regulamentos emitidos quefornecem a base legal para a exigência dasinformações captadas, seus formatos,periodicidade, formas de controle etc. Taisprocessos visam, entre outros objetivos,

elaborar e fornecer produtos ou serviçosde informação, tanto para consumo interno(em processos de negócio) como paradistribuição à sociedade, como indicativodo cumprimento de funções institucionais.Os usuários internos do processo informa-cional são as unidades da organização, quese encarregam de cumprir partes da missãoinstitucional. Os usuários externos podemser pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras,pessoas físicas nacionais e estrangeiras,outros órgãos governamentais nacionais eestrangeiros.

Os processos essenciais de GI devemser explicitados, bem como seus sub-processos. O objetivo de cada processodeve ser caracterizado, e também suasformas de controle e regras de negócio.Os acionadores dos processos e as formasde acionamento devem ser identificados.É importante identificar em cada processo:os clientes, as informações usadas, osprodutos e serviços gerados, os sistemasde informação envolvidos, as interfacescom outros processos, a sequência prin-cipal das atividades e os fluxos de infor-mações. O nível de uso e os formatos dastecnologias de informação utilizadas noambiente devem ser levados em conside-ração para que se possa propor melhorias.Os sistemas de informação, automatizadosou não, deverão ser identificados; e o seufuncionamento e conexão com osprocessos mapeados precisam seravaliados. É possível que a melhoria dealgum processo dependa, em algum grau,da melhoria de um sistema de informaçãoque funcione em conexão com umprocesso.

Entendendo que, no cumprimento desua missão, a organização pública deva agircom responsabilidade social, deveria-setambém avaliar uma forma de dimensionaros custos das tarefas e processos. Se a

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organização possuir um sistema de custosimplantado, este poderá ser utilizado, massua falta não impede o mapeamento doscustos das tarefas e dos processos. Outroponto a ser considerado são as compe-tências para realizar cada tarefa em cadaprocesso. Se a organização contar com adescrição de suas competências, estapoderá ser aproveitada. Caso contrário,também há possibilidade de incluí-la comoobjetivo para o mapeamento.

Os mecanismos de controle everificação de qualidade

Com o mapeamento concluído, as res-trições, os problemas, os desvios, e os ris-cos existentes em cada processo devem seravaliados. A avaliação permitirá que sejamidentificadas possíveis melhorias no funci-onamento, fluxo, resultados etc. dos pro-cessos de GI. Os problemas existentesdevem ser listados para que formas deracionalização dos processos e do uso dasinformações possam ser avaliadas. Para isso,é interessante identificar os pontos fortes efracos de cada processo, os impactos e osriscos envolvidos.

Para avaliar o custo total de cada pro-cesso e verificar a relação custo/benefíciodo processo de gestão da informação, énecessário listar as unidades e subunidadesenvolvidas nos processos, as pessoasalocadas e os recursos físicos utilizados. Deposse dos dados sobre os custos, é precisoavaliar propriamente os valores criados nosprocessos, dadas as especificidades dasorganizações públicas. Uma técnica queajuda nessa avaliação é a do desenho dacadeia de valor do processo, a qual tentadiscriminar o ordenamento sequencial dacriação de valor para o produto final doprocesso analisado. Podem existir fasesque não agreguem valor e, nesse caso,deveriam ser as primeiras a serem raciona-

lizadas ou mesmo automatizadas, visandoà redução de custos, para não onerar todoo processo.

Com base nessas análises, pode-seiniciar a construção de indicadores deprodutividade e de resultado para avaliara efetividade dos processos e o uso dainformação no processo de gestão. Como uso dos indicadores, os progressospodem ser avaliados de acordo com osníveis de maturidade que se quer atingir.

Propostas de melhoriaApós a análise de risco e custo/bene-

fício e com base nos indicadores, podemser preparadas as propostas de raciona-lização e as possibilidades de melhoria. Adecisão de adotar ou não melhorias vaidepender de quão bem aceito e condu-zido foi o mapeamento, e do apoiooferecido pela gerência às sugestões feitas.As propostas de melhoria podem permitiro estabelecimento de cronograma deimplementação de acordo com níveis dematuridade a serem alcançados e estima-tivas do tempo para atingi-los. Na elabo-ração do relatório final, devem ser descritosos impactos decorrentes dos riscos vislum-brados nos processos, caso os problemasdetectados não sejam solucionados.

Mapeamento da área de gestão deinformações em uma organizaçãopública – Estudo de Caso

O objetivo estabelecido para o trabalhode modelagem dos processos de GI daunidade organizacional, na instituiçãopública sob análise, foi racionalizar euniformizar procedimentos e processosnas várias subunidades responsáveis porgerir as informações corporativas. O nívelde maturidade da área de GI da unidadeorganizacional era inicial. Portanto, a

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modelagem foi um dos primeiros passospara atingir maior nível de conhecimentodos processos para, então, pensar em racio-nalização. O papel da unidade organi-zacional, que é responsável pela gestão degrande parte das informações corporativasda organização pública sob análise, podeser descrito como identificar, selecionar,adquirir, preservar e distribuir informaçõespara o sistema financeiro, o governo eos cidadãos (em todas as mídias, consi-derando a duração), desenvolvendoprodutos e serviços apropriados a todosos clientes, de acordo com a missão daorganização.

Na primeira fase da modelagem,foram feitos a formulação conceitual e oprojeto de mapeamento. Realizou-sepesquisa documental, foi escolhida a meto-dologia e a forma de representação dosmapas. Os regulamentos internos, manuaisde procedimentos e rotinas, e outrosdocumentos existentes na unidade organi-zacional foram consultados. Definiram-se,também, os processos a serem mapeados;um processo piloto para teste de meto-dologia e visualização do diagrama derepresentação foi escolhido.

A unidade estudada tem suas atividadesdefinidas a partir da sua parte na missãoorganizacional, que é estabelecida por lei.Como componente de uma organizaçãopública, a unidade está inserida no planeja-mento governamental, o qual está estru-turado na forma do Plano Plurianual (PPA),que se desdobra em diretrizes e metas paraa administração federal (SILVEIRA, 2005). Asfunções da unidade estão definidas nosmacroprocessos da organização, conformeo planejamento governamental. O Plano deAção da Unidade é o instrumento deplanejamento utilizado. Representa umsistema de planejamento que contém asfunções e atividades a serem acompanhadas,

incluindo software elaborado internamente.O Plano de Ação se reflete também comoestrutura de gestão, nas descrições dos ma-nuais internos e nas opções de objetos dosistema de custos. Dessa forma, todos osinstrumentos de gestão estão alinhados emuma mesma lógica e em linguagemcorrespondente: os manuais estabelecem asresponsabilidades, o que é feito e como éfeito; e o sistema de custos registra quantocusta o que é feito.

Nesse contexto, a modelagem deprocessos pode funcionar como instru-mento de controle, na medida em quepossibilita revisar constantemente a base daestrutura e apontar problemas e falhas quese refletirão em cadeia pelos outros instru-mentos utilizados. A modelagem registratarefas, fluxos de informação, controles,alocação de pessoas e custos, além dosproblemas. Manter os processos e os riscos

“O mapeamentode processos é umprimeiro passo paraque a gestão dainformação possaadquirir um mínimode critério e visãode futuro.”

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mapeados e atualizados pode ser umaforma eficiente de planejar de baixo paracima, de acordo com problemas técnicos,operacionais e administrativos. Enquantoisso, os problemas externos de adaptaçãoda unidade e da organização às mudançasambientais são absorvidos de cima parabaixo, complementando a atuaçãogerencial.

A forma de modelagem escolhida foia Business Process Management (BPM), usando,para a diagramação, a notação BusinessProcess Management Notation (BPMN). OBPM é uma abordagem funcional que tratado planejamento, modelagem, controle eexecução de processos de trabalho, orien-tando as atividades. A notação BPMN foidesenvolvida pelo Business ProcessManagement Iniciative (BPMI.org) e permiterepresentar as atividades de um processo,sem esquecer os fluxos informacionaisrelacionados a essas atividades, as pessoasque as executam e seus papéis, a sequêncialógica na qual são executadas as tarefas eos eventos ligados a elas. Tal forma derepresentação permite que as pessoasligadas à área de negócio e seus clientespossam entender o diagrama (BusinessProcess Diagram – BPD) e, também, que osprofissionais da área de tecnologia possamtraduzir mais facilmente o diagrama emcomandos de sistemas (BALDAM, 2007;OMG, 2006).

As informações utilizadas na unidadeorganizacional foram identificadas edescritas em “catálogos”, contendo: o obje-tivo e a base legal de cada informaçãocoletada; os fornecedores e clientes dainformação; os gestores responsáveis; ossistemas utilizados para captar, organizar,tratar e divulgar as informações; os produtose serviços gerados a partir da informaçãocoletada; a existência ou não de projetosde melhoria envolvendo a informação e

os sistemas ligados a ela; as formas decontrole de qualidade; e o fluxo da infor-mação. Dado que a unidade não se orga-nizava por processo, cada tipo de infor-mação foi tratado como se gerasse umprocesso, embora se referisse, na verdade,a um produto na forma de uma base dedados gerada durante o desenrolar doprocesso de gerenciar a informação. Foi,então, elaborado o projeto de mapea-mento, explicitando o objetivo do trabalho,a metodologia de coleta de informações eo mapa inicial do processo piloto. Estavaincluído o mapeamento de todos osprocessos, em seis das cidades onde aunidade organizacional atuava. Umcronograma organizou as viagens paracoleta de informações, análise do conjuntode informações colhidas, elaboração dosdocumentos de processo, análise e criaçãode indicadores, e uma possível fase deimplementação de melhorias.

Elaborados os documentos de pro-cesso com as informações colhidas, estesforam enviados por e-mail aos fornece-dores de informação para serem confir-mados. Houve também contatos portelefone para esclarecimentos adicionais. Osdocumentos detalharam os objetivos decada processo, as definições básicas refe-rentes às informações usadas, as referênciaslegais e normativas que forneciam base legale regulamentar às tarefas realizadas, e odetalhamento das rotinas dos processos.Nas rotinas, foram explicitados resultadosesperados para as tarefas, entradas e saídasde dados e informações durante a reali-zação dessas, desvios detectados comrelação ao objetivo, custos e competênciaspara realizá-las; utilizou-se um item decontrole inicial baseado no tempo de reali-zação. Foi construída uma base de dadoscom as informações sobre todos osprocessos, com vistas a facilitar a análise

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dos problemas e desvios e a construçãode indicadores.

A unidade organizacional estudadagerenciava seus processos e sistemas deforma descentralizada. Os vários sistemascaptadores de informações eram geren-ciados por local de captação e por tipo deinformação captada. A análise dosprocessos mostrou que isso gerava desviosde procedimentos e dificuldades de acom-panhamento. Os custos foram avaliados,e realizou-se a análise de custo/benefíciodos sistemas mais problemáticos e maiscaros como forma de complementar oquadro de conclusões. Foram detectadosdesvios nas tarefas com relação à interpre-tação dos regulamentos a serem obede-cidos; relativos a etapas dentro de umamesma tarefa para locais diferentes;problemas com a automatização dossistemas e com os fluxos de algunsprocessos. Esses desvios foram reunidose organizados; seus impactos e riscos,avaliados; e alguns indicadores gerenciais,formulados.

Para mostrar os resultados da mode-lagem, suas conclusões e sugestões, foielaborada uma apresentação à chefia daunidade. Com base nos indicadores e nasconclusões apresentadas, foram tomadasalgumas decisões: organizar o trabalho daárea de GI por processos e gerenciar ossistemas existentes por tipos de informaçãosimilar – grupos de sistemas relacionadospassariam a ser gerenciados em um mesmolocal. O objetivo foi concentrar o geren-ciamento para direcionar a solução dosproblemas detectados e atribuir responsa-bilidades definidas para cada sistema elocal. Os subcomponentes da sede daunidade ficaram responsáveis pelo controlede qualidade da informação gerenciada epelo controle interno do processo de gestãoda informação. Os subcomponentes

existentes em outras cidades ficaramresponsáveis pela captação e divulgaçãodas informações de grupos de sistemas.

O projeto de modelagem incluía,ainda, um próximo passo que seria aelaboração do mapa estratégico da unidadeorganizacional e a implantação da metodo-logia Balanced ScoreCard (BSC). Essa última faseainda não foi implantada.

Conclusão

A gestão de informações baseada nociclo de vida da informação pode ajudara minimizar as diferenças existentes entreorganizações públicas e privadas, se estiverfundamentada em projetos de melhoriaspor níveis de maturidade. A GI porprocessos, com o objetivo de galgar níveiscrescentes de maturidade, deve ter umaprática baseada no aprofundamento doconhecimento e da competência necessáriapara atingir esse objetivo.

O mapeamento de processos é umprimeiro passo para que a GI possa adquirirum mínimo de critério e visão de futuro.Com o avanço da implementação demelhorias e com a formação de uma culturade melhoria constante, níveis superiores dematuridade podem ser atingidos. A partirdo uso de critérios e indicadores de desem-penho, os processos informacionais dentrode uma unidade ou organização podemfuncionar com maior efetividade e eficácia,de maneira que seja vislumbrado um hori-zonte de desenvolvimento.

Em relação ao caso relatado neste tex-to, as decisões ainda não tiveram tempohábil para serem avaliadas em toda suaextensão, pois as mudanças são recentes.Espera-se que, ao final de um ano, sejapossível avaliar, pelo menos do ponto devista dos custos, e ter um resultado maispreciso, comparando-se com o histórico do

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ano anterior. Do ponto de vista do funcio-namento e da efetividade dos processos esistemas, será necessário, ao final de algumtempo, realizar pesquisa com os usuários dasinformações e com os administradores dossistemas, para coletar dados que permitamavaliação mais detalhada. Os indicadoresconstruídos somente poderão mostrarresultado após decorrido prazo suficientepara análise de série histórica. Espera-se quea implantação da metodologia BSC contri-bua para melhor acompanhamento dasatividades e mantenha a ligação entre aestratégia da unidade e as atividades descritase avaliadas nos processos de trabalho. Comas mudanças ocorridas, é possível considerar

que a unidade organizacional poderia serclassificada em um nível acima do que estavaantes, passando para o nível 2, no qual,conforme Canada (2003), há processos epráticas definidos mas não sistemáticos,existindo apenas um nível mínimo dedisciplina e controle.

Entende-se que uma proposta deprática com fases definidas e metodolo-gicamente bem fundamentada, conformesugerido no presente estudo, pode seradotada tanto em organizações públicasquanto privadas, guardadas as devidasespecificidades.

(Artigo recebido em dezembro de 2008. Versãofinal em março de 2010)

Nota

1 O modelo de maturidade de gestão da informação permite avaliar as práticas utilizadas pelasorganizações nessa área, indicando o nível de maturidade mediante a comparação com padrõesutilizados no mercado e, consequentemente, possibilitando o desenvolvimento de melhorias. Paramais informações do modelo de maturidade de gestão da informação do Governo do Canadá,verificar http://www.informationmanagement.gc.ca/.

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A gestão da informação e a modelagem de processos

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Resumo – Resumen – Abstract

A gestão da informação e a modelagem de processosSilvânia Vieira de MirandaO estudo trata da gestão da informação, utilizando a abordagem de níveis de maturidade como

forma de obter melhorias na governança corporativa de uma organização do setor público. A gestãoda informação é entendida como processo, e o mapeamento de processos é tratado como primeiropasso para gerar oportunidades de melhoria. Uma proposta de formato para modelar e descrever osprocessos de gestão da informação é apresentada, e um caso prático de mapeamento baseado naproposta é descrito. O mapeamento foi realizado em uma organização pública, em uma unidadeorganizacional responsável por gerir grande parte das informações corporativas da organização.Algumas fases do trabalho já foram cumpridas, e as fases seguintes fazem parte de um cronogramaem andamento. Os resultados práticos observados indicam que a metodologia proposta pode serinteressante para atingir, paulatinamente, maiores níveis de conhecimento sobre como gerenciaradequadamente a informação.

Palavras-Chave: Gestão da informação, governança corporativa, modelagem de processos.

La gestión de la información y la creación de modelo de procesosSilvânia Vieira de MirandaEl estudio trata de la gestión de la información y utiliza el abordaje de niveles de madurez a fin

de obtener mejoras en la governanza corporativa de una organización del sector público. La gestiónde la información se entiende como proceso , y el registro de procesos es tratado como primer pasohacia las oportunidades de mejora. Una propuesta de formato para modelar y describir los procesosde gestión de la información es presentada, y un caso práctico de registro basado en la propuesta esdescripto. El registro fue realizado en una organización pública, en una unidad organizacionalreponsable de regir gran parte de las informaciones corporativas de la organización. Algunas fases deltrabajo ya están hechas y las fases siguientes hacen parte de un cronograma en marcha. Los resultadosprácticos ya observados indican que la metodología propuesta puede ser interesante para que sealcance mayores niveles de conocimientos respecto a cómo regir la información adecuadamente.

Palabras clave: Gestión de la información, governanza corporativa, modelo de procesos.

Information management and process modelingSilvânia Vieira de MirandaThe text deals with information management, using a maturity level approach as a path to

obtain corporate governance at a public organization. Information management is understood as aprocess, and process modeling is considered a first step to generate improvement opportunities tomanaging processes. A methodological procedure is proposed. Mapping and describing the proces-ses of information management includes four phases: diagnosis, practice, measure construction,and improvement. A case study is presented as an example. Results describe the initial phases of themapping process, and practical results already observed. The methodology used is an interestingpath to achieve higher levels of knowledge about how to properly manage information processesinside a public organization.

Keywords: Information management, corporate governance, process modeling.

Silvânia Vieira de MirandaEconomista; mestre em Ciência Política; especialista em Inteligência Organizacional e Competitiva; doutora emCiência da Informação; analista do Banco Central do Brasil. Contato: [email protected]

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Amelia Duarte

Revista do Serviço Público Brasília 61 (1): 113-116 Jan/Mar 2010

RSP RevisitadaA funcionária pública sob a

Constituição de 1937

Amelia Duarte

Texto publicado na RSP, no 4, Março de 1938

Na primeira edição de 2010 da Revista do Serviço Público, a RSP Revisitada relembraas lutas, ao longo da história do país, pela garantia dos direitos civis das mulheresbrasileiras, com a publicação deste artigo.

A trajetória profissional de Amélia Duarte é exemplo do processo de afirmação da cida-dania das brasileiras. Em 1936, ela rompeu paradigmas ao ingressar no Ministério PúblicoFederal, tornando-se a primeira mulher nos quadros da instituição. Seguida do direito aovoto, obtido em 1932, a conquista de Amélia Duarte foi um símbolo de que as brasileirasestavam, sim, preparadas para exercer cargos mais elevados na República.

A Revolução de 30 fixa, na história da evolução social brasileira, um momento

de grande significação. A época que imediatamente a precedeu pode ser caracte-

rizada pela frase de um dos últimos chefes de Estado do Brasil, ao definir como

caso de polícia a questão social, quando as legislações da generalidade dos povos

cultos a ela já dedicavam cuidados especiais.

“Sem nos determos sôbre a lista habitual das liberdades individuais,

reproduzidas na maioria das Constituições novas – diz o notável professor Mirkine-

Guetzévitch, em estudo sôbre as Cons-

tituições de após guerra – não assinala-

remos aquí sinão as novas tendências,

as novas concepções sociais que se ex-

pressam nessas Constituições”. (As no-

vas tendências do Direito Constitucional, trad.

de Candido Motta Filho, 1933, pag.79).

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A funcionária pública sob a Constituição de 1937

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A reforma da Constituição brasileirade 91, em 1926, nenhuma modificação apropósito introduziu no país, resultado êsseque não se deve atribuir tão somente àausência de partidos de esquerda comrepresentação na Assembléia Legislativa,pois, como assinala o referido Mirkine: “aaparição dos direitos sociais em algumasdeclarações novas foi devida à influênciados socialistas (Alemanha, por exemplo).Mas, nas Assembléias constituintes em queo papel dos socialistas era modesto oumesmo insignificante, os direitos sociaisentraram nos textos constitucionais”(ibidem, pag. 150).

Dessa situação, que registramos apenas,resultou, indubitavelmente, expandirem-setodos os anseios recalcados, lídimos ou não,na segunda Constituinte Republicana, quefoi da Revolução de 30 uma consequência.

Por isso mesmo, o estatuto políticode 34, ao contrário do de 91, mais preo-cupado, na implantação da forma federa-tiva no país, em bem fixar as atribuiçõesda União e dos Estados, não modelou tãosomente para o corpo político nacional umfigurino de linhas gerais e, sim, desceu porvezes a minudências até então a cargo deleis ordinárias.

Dess’arte, aliás a exemplo da Constituiçãoalemã, dedicou ao funcionário públicocuidados especiais de proteção aos seusparticulares interêsses e, mui especialmente,à mulher garantiu, como norma geral, odireito de acesso a todos os cargos públicos,qualquer que fôsse o seu estado civil.

O substitutivo, apresentado à Comissãoconstitucional pelos relatores do capítulo daConstituição: “Dos funcionários públicos”, aodispositivo (art. 90); “Os cargos públicos sãoacessíveis a todos os brasileiros, observadas as condiçõesque a lei estatuir. Excepcionalmente, um extrangeiropoderá ser contratado para desempenho de funçãopública”, estava assim justificado:

“Êsse artigo, em sua primeira parte,reproduz o artigo 73 da Constituição de1891. Já a Constituição do Impériopreceituava. no art. 179. no 14, que todocidadão podia ser admitido aos cargospúblicos. sem outra diferença que não fôssea de seus talentos e virtudes. Ao dispositivodo citado artigo 90 que consagra oprincípio salutar de que os cargos públicosnão podem constituir privilégios de classesou de pessoas, julgamos necessário acres-centar a cláusula – sem distinção de sexo ou deestado civil. Quanto à segunda parte do art.90, preferimos a disposição contida naemenda no 30-B. substituindo na mesma aexpressão – nimiamente técnica – pela rigorosa-mente técnica” (Anais da Assembléia NacionalConstituinte, vol. X, pago 421, 1936).

As razões por que considerava neces-sário acrescentar – sem distinção de sexo ou deestado civil – ao referido preceito constitu-cional, não nas deu o legislador.

Teremos assim, para fundamentar asconclusões a que pretendemos chegar nesteestudo, de – em rápido bosquejo –apreciar o ambiente brasileiro, com relaçãoà condição da mulher.

Não será, assim, sem oportunidade,lembrarmos que o individualismo daConstituição de 91 permitira ao legisladorordinário usar e abusar das suas atribui-ções com respeito à situação jurídica damulher. Pela lei eleitoral, negara-lhe êle, comexcepção do Estado do Rio Grande doNorte, o exercício do voto, a despeito doprincípio constitucional de que eleitoreseram os cidadãos maiores de 21 anos,alistados na forma da lei.

No nosso velho Código Comercial eem leis posteriores, se afirmou sempre oprincípio proibitivo de desempenho, pelasmulheres, dos ofícios de corretor e leiloeiro.

Em Estados do Norte, imbuído porcerto o legislador de uma concepção

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Amelia Duarte

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errada da vida, impusera-se à mulher aperda do cargo público que exercesse, peloefeito de contrair matrimônio.

Para a modificação dêsse estado decousas, pouco conseguira até então, oraisoladamente, ora com função associativa,o esfôrço feminino no Brasil, o qual iasempre de encontro à barreira de tolospreconceitos, que se resumiam, no caso,no receio infundado de perigo de sub-versão da moral social.

A Revolução de 30 implantou a respeitouma mentalidade inteiramente nova noBrasil. Sentira ela de perto os anseios damulher brasileira, de renovação do nossoambiente político; tivera-a lado a lado nacruzada das idéias novas e, por isso mesmo,lhe premiaram a cooperação os vencedores.Ao ser, algum tempo depois, promulgadoo Código Eleitoral, foi à mulher atribuídoo direito de votar e ser votada. Iniciava-seassim uma época inteiramente nova no paíse com tal fôrça de manifestação que – adespeito da ascendência do marido sôbre amulher na sociedade conjugal, consideradapelo Código Civil relativamente incapazpara a prática de certos atos da vida – nãohesitaram os Tribunais Eleitorais, em váriasdecisões, em julgar desnecessária a outorgamarital para que a mulher casada pudessecumprir o seu dever cívico.

Mas uma lei ordinária, como oCódigo Eleitoral, não oferecia as mesmasgarantias de estabilidade que um preceitoconstitucional, e, daí, ao se instalar a segundaAssembléia Constituinte Republicana, ocuidado da “Federação Brasileira peloProgresso Feminino” – entidade que, comfiliais em todos os Estados, chefiaradestemerosamente, desde longos anos, acampanha de defesa dos direitos da mulherno país – em ver as suas aspirações básicasincorporadas ao estatuto político queaquela Assembléia elaboraria.

Não contava aí, porém, a “Federação”com uma autêntica representante das suashostes e, por isso mesmo, a sua ação nãose poderia fazer sentir diretamente noplenário da Assembléia e sim na arregi-mentação de partidários isolados.

Preparadas por ela as emendas queconsubstanciavam os pontos básicos doseu programa, encaminhou-as a amigos dasua causa, que, por sua vez, as incorpo-raram à Constituição de 34.

A essa altura, cabe-nos, a bem daverdade e da justiça, salientar aquí o apôioque sempre prestou a essa associação opresidente Getúlio Vargas, a quem asmulheres no Brasil devem, em grande parte,a sua nova condição jurídica.

Mas, dentre as emendas a que nosreferimos, achava-se a que interditava à leiordinária o afastamento da mulher dequalquer cargo público em razão do sexoou do estado civil, que a Constituição de 34consagrou. E a despeito do seu dispositivo(art. 170), que conferia ao Poder LegislativoNacional a atribuição de elaborar o “Esta-tuto do Funcionário Público”, as Consti-tuições dos Estados, talvez com exclusãoapenas de Minas, Paraná, Pernambuco ePará, todas, expressamente, acolheramaquele princípio, cuja vigência entre nós foi,aliás, de salutar efeito. Basta dizer que nessedecurso de tempo, para postos de acen-tuado destaque e responsabilidade, foramvárias mulheres nomeadas.

Assim, ao lado das oficiais de gabinetede Ministros e da Presidência da República,figuravam as promotoras públicas, asconsulezas e as professoras de escolassuperiores.

Foi nesse ambiente, inteiramente favo-rável ao elemento feminino, que entrou avigorar a Constituição de 37.

Lê-se no seu artigo 122, no 3: “oscargos públicos são igualmente acessíveis

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a todos os brasileiros, observadas ascondições de capacidade prescritas nas leise regulamentos”.

Que ela admite a mulher funcionária,dúvida alguma pode subsistir. Bastaráatender à letra h do seu artigo 156: “osfuncionários terão direito a férias anuais,sem descontos, e a gestante a tres mêses delicença com vencimentos integrais”.

Quais, porém, as condições de capaci-dade, a que alude a Constituição e que olegislador ordinário poderá prescrever?

Parece-nos que tão somente as deordem intelectual, demonstradas emconcurso de provas ou de títulos (art. 156,letra b) e não de forma a especialmenteatingir à mulher.

Muito se falou que, ao regulamentar odispositivo constitucional que veda aacumulação de cargos públicos, o atualGovêrno afastaria das repartições públicaso elemento feminino, com excepção apenasdas mulheres que provassem ser, na família,o seu arrimo.

De passagem, focalizemos a dificul-dade de ser essa situação apurada, peladelicadeza de uma investigação em tôrnoda vida íntima das famílias, para registrar-mos com prazer que o decreto-lei sôbreas acumulações não consagrou tal injustiça,que seria mesmo – porque não dizer? –uma anomalia ao liberalismo da nossalegislação, no tocante ao exercício, peloindivíduo, de atividades lícitas.

Muito ao contrário, instaurado o novoregime, o elemento feminino continuou aser aproveitado para o preenchimento devagas nos quadros da administraçãopública. A propósito, vale a pena citar umarecentíssima decisão do ilustre generalEurico Dutra, consoante notícia dos jornais,indeferindo o requerimento de um senhorque desejava fôsse tornada sem efeito anomeação de sua companheira para umcargo do Ministério da Guerra, depois deum concurso de provas, no qual acandidata se classificara em 1o lugar.

Por tais fundamentos, que preconizamjá o espírito que anima o Estado Novo arespeito da mulher que trabalha, nãohesitamos em afirmar que, existindo as leisem função histórica como corolário denecessidades ambientes, o fato de expres-samente não inserir a Constituição de 37um dispositivo que especialmente salva-guardasse a situação da mulher, quanto aoacesso a todos os cargos públicos, só podeser atribuído à circunstância de ser ela amais promissora, quando aquele estatutopolítico foi promulgado.

A nosso ver, pois, a própria mulher,pela sua inteligência, inteireza de caráter etino administrativo, terá presentementemuito mais a fazer em benefício de suacausa do que um preceito legal. E que arespeito não se trata mais entre nós de umaépoca de reivindicações e sim da consoli-dação de uma situação conquistada.

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Christopher Pollitt analisa a nova estrutura da gestão pública no século 21

Reportagem

Christopher Pollitt analisaa nova estrutura da gestão

pública no século 21

Em 16 de março deste ano, a EscolaNacional de Administração Pública(ENAP) recebeu o professor-pesquisadorChristopher Pollitt, da UniversidadeCatólica de Leuven, na Bélgica. Pollittproferiu a palestra “Rumo a uma novaestrutura de Gestão Pública no século21”, promovida pela Escola e pelaSecretaria de Gestão do Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão

(Seges/MP), com apoio do ProjetoDiálogo Setoriais Brasil-União Europeia.

Essa foi a segunda vez que oprofessor inglês participou de atividadena ENAP. Em novembro de 2002, elehavia proferido a palestra “Reformas daGestão Pública: a experiência internaci-onal pode ser transferida?”, como partedo Ciclo de Seminários Internacionais:A Nova Gestão Pública em Debate –evento organizado em parceria com aSeges/MP e apoio do Conselho Britâ-nico e do Tribunal de Contas daUnião (TCU).

Christopher Pollitt é professor-pesquisador de Gestão Pública doInstituto de Gestão Pública da Univer-sidade Católica de Leuven e autor delivros de referência na área de adminis-tração pública. É editor da InternationalReview of Administrative Sciences. Foi professorde Governo e reitor de Gestão Pública deCiências Sociais na Brunel University(1990-1998) e professor de GestãoPública na Erasmus Universiteit, emRotterdam (1999-2006).

Esta reportagem busca sintetizar osprincipais tópicos apresentados peloprofessor Pollitt em sua recente palestra naENAP.

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Christopher Pollitt analisa a nova estrutura da gestão pública no século 21

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A Gestão Pública no século 21

“O futuro da maioria dos cidadãosestá associado à atuação das escolaspúblicas e escolas de administraçãopública”. Assim iniciou o professorChristopher Pollitt sua palestra sobre a novaestrutura da Gestão Pública no século 21,valorizando o papel das escolas de governoe da educação como centros que atuamantecipando os problemas enfrentadosdiariamente pelo cidadão e pelos servi-dores públicos.

Para ele, falar sobre os rumos daGestão Pública é um desafio cujo debatese inicia pela cuidadosa escolha das palavrasdo título de sua palestra: (em inglês Towardsa New Public Administration in the 21stCentury): “O título é um convite paraespecular sobre o futuro. A palavra rumo(towards, em inglês), no entanto, significa ummovimento ainda incompleto. O que é

certamente verdade quando o tema são asreformas na administração pública.”

Um segundo aspecto a destacar – emdecorrência de ser algo em constantemudança – é que se avalia uma estrutura(framework, em inglês), e não exatamenteuma “teoria” ou “modelo”, quando sediscute a nova gestão da administraçãopública.

Pollitt justificou também o uso dapreposição em (in, em inglês). Para ele não setrata de discutir uma estrutura para o século21, mas no século 21. Essa escolha marca adiferença entre apontar o que vai acontecerem 90 anos ou mesmo as transformaçõesno futuro próximo, sem conhecer muitoselementos novos que ainda não foramprevistos, e discutir sobre como evoluemaspectos presentes em nossa atualidade e quedevem persistir como parte das questõesestruturais que continuarão a ser parte da vidado cidadão e dos teóricos do tema.

Cerca de 270 pessoas assistiram a palestra de Christopher Pollitt na ENAP.

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Christopher Pollitt analisa a nova estrutura da gestão pública no século 21

Nesse sentido, sua palestra foi voltadapara os desafios mais gerais que ocorrematualmente e temas de gerenciamento ouideias de administração relacionadas a essesdesafios. “Deve-se ter em mente que osantigos desafios não desapareceram.Muitos permanecem: corrupção, proce-dimentos burocráticos rígidos. Por essarazão, não trago uma lista exaustiva dosnovos desafios”, advertiu Pollitt.

Novos desafios

Profundidade e duração da criseeconômica e fiscal

“Para o setor público, de modo parti-cular na União Européia, as piores conse-quências da atual crise econômica e fiscalainda estão por vir. E ainda serão sentidaspor muitos anos, o que resultará emmudanças estruturais que constituirão umanova era”, acredita o professor.

Pollitt se baseia em evidências apontadaspelo Tesouro Britânico, que projeta anecessidade de cortes nos gastos públicosdurante os próximos seis anos para que seconsiga contornar o déficit atual. Outraprevisão subsequente é a austeridade.Citando exemplos de países europeus, elereforça a necessidade de diferenciar a gravi-dade da situação de cada país. O ReinoUnido enfrenta um quadro particularmenteruim porque tinha um setor bancário e imo-biliário de grande relevância econômica.

Os países mediterrâneos enfrentam omesmo problema. Na Alemanha e naFrança, há menos dificuldades. E aEscandinávia se encontra em situação maisestável. Segundo Pollitt, mesmo países queestavam indo muito bem e com fortessetores bancário e imobiliário sofrerãoproblemas no setor público.

No caso do Brasil, explica Pollit, emque a crise teve menos repercussão e as

consequências aparentemente não são tãodiretas, “é preciso que os brasileiros tenhamem mente o quadro de contenção de gastoscom que trabalham os Estados Unidos ea Europa Ocidental. É preciso perceberque haverá uma mudança na psicologia darelação entre Estado e cidadão nesseslugares”.

Pollitt elabora a questão mostrandoque o momento de dificuldades econô-micas na Europa acontecerá de forma tãosevera que poderá ameaçar o modelosocial europeu, conhecido como Estadode bem-estar, afetando serviços sociais de

Reconhecer a complexidade dostemas graves

Há novidades na literatura, segundoPollitt, que destacam as maneiras detratar as questões graves, aqueles pro-blemas complexos que desafiam osgovernos. Entre esses problemas,destacam-se a violência, as drogas, apobreza.Iniciou-se um debate sobre a necessi-dade de novas iniciativas e de abor-dagens originais por conta das exi-gências mais complexas do eleitoradoeuropeu, que se tornou mais sofisti-cado. O cidadão está menos interes-sado em partidos políticos, ele esperaresultados do governo.Como os efeitos esperados de polí-ticas sobre tais questões acontecem nolongo prazo, há um paradoxo emrelação às medidas para combatê-las,pois estas são de caráter maisimediatista. Os eleitores, no entanto,querem resultados. Assim, cresce odebate sobre quais são as formasadotadas pelos diferentes governospara tratar cada um desses temas.

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base, como saúde, educação e as aposen-tadorias, entre outros benefícios. Taismedidas causarão grande impopularidade,podendo provocar crises de legitimidadepara alguns governos.

Cidadania mais ativa e educada,menos partidária

Os cidadãos estão diferentes degerações pregressas. São mais ricos, maiseducados, têm expectativas, são impa-cientes. Não se impressionam facilmentecom ordens nem sistemas hierárquicos. Sãopessoas com cada vez maior capacidadede organização e mobilização.

As tecnologias atuais auxiliam epotencializam as novas habilidades. Comoexemplo, Pollitt destaca que é possívelorganizar uma mobilização de milhares depessoas em Londres em menos de 24horas graças a recursos como a internet.Cidadãos se reúnem em blogs que captamem poucos dias centenas de milhares deassinaturas, que podem ser apresentadas aogoverno. A nova realidade significa umnovo ambiente para políticos, que carregaem si desafios imprevistos.

Mídia mais rápida e agressiva(peixe no aquário)

A partir do novo perfil do cidadão,estabelece-se uma nova identidade para amídia. A mudança ocorre em duasdimensões. Uma pode ser explicada pelarelação inédita entre a mídia, que se tornoumais ousada, e a política. Isso produziuuma atitude cética por parte da imprensa,em relação ao governo, em todos os países.

A segunda transformação aconteceu notamanho e nos recursos técnicos da mídia.Ela se tornou uma indústria de grande por-te. Pollitt ressaltou que, em estudo feito naDinamarca, um levantamento com servi-dores de carreira de ministérios e agências

governamentais em altos cargos sobre aadequação do nível de cada função com acapacitação recebida pelos funcionáriosapontou que eles se sentiam seguros em seuspapéis. A única ressalva mencionada comfrequência foi o despreparo para respon-der às demandas da mídia.

Nesse mesmo estudo, descobriu-seque a mídia dinamarquesa empregava trêsvezes mais que há 20 anos. Existem maiscursos universitários de graduação e pós-graduação em jornalismo. “A mídia estámaior, mais ágil, tem mais empregados,mais canais de comunicação e mais ousadiaperante o governo. O fato é de relevânciadentro da estrutura da administraçãopública porque se reflete diretamente nasrelações entre políticos e funcionários doalto escalão do governo, além de terimpacto na relação de ambos os lados comos cidadãos”, explicou Pollitt. O professorusou a expressão “peixe no aquário” paracaracterizar a maneira como os integrantesdo governo são submetido a uma cons-tante vigilância.

Escala internacional de desafios(mudanças climáticas, crime organi-zado, acordos comerciais)

Pollit destacou a natureza internacionalde certos problemas que a administraçãopública enfrenta como outro amplodesafio de destaque. Há questões que nãose restringem à fronteira, mesmo num paísenorme como o Brasil ou em espaçopolítico como a União Europeia. Entre osassuntos, há os mais explícitos, como asmudanças climáticas e acordos de comér-cio internacional, e outros menos patentes,que é o caso do crime organizado. Énecessário fortalecer as relações entre aspolícias federais dos países, por exemplo,com intercâmbio de dados e possibilidadede uso comum de ferramentas para coibir

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os crimes de caráter transnacional. Assim,a escala internacional tornou-se um novoitem na agenda da administração pública.

Maior reconhecimento da impor-tância da motivação para o serviçopúblico

O último novo desafio geral apon-tado por Pollitt trata da importância davalorização do serviço público, questãorecorrente no meio acadêmico. De encon-tro à teoria da escolha racional e do agenteprincipal, que teve auge nas décadas de80 e 90 do século XX, principalmente nosEstados Unidos, há evidências sugerindoque a forma como a maioria dos servi-dores públicos pensa e se comporta éainda mais complexa. Surge então a ideiade que servidores públicos têm moti-vação intrínseca à gestão pública, um dosquestionamentos mais disseminados emvários países e no meio acadêmico. Paraeles, a recompensa vai além da remune-ração. Há satisfação em saber que dealguma forma, em sua visão, ele serve aointeresse público.

Destaca-se a valorização, presente emtodo serviço público, mas evidenciadaprincipalmente nas áreas de saúde eeducação. Há pesquisas empíricas com ointuito de medir a extensão desse fenô-meno. Para Pollitt, no entanto, a atençãodeve ser voltada à existência de taldimensão devido à importância desserecurso para a administração pública. “Amotivação intrínseca ao serviço públicodeve ser preservada onde foi detectada eincentivada nos espaços em que ainda nãofoi percebida”, afirmou.

É preciso, segundo o professor,enxergar os servidores públicos comopessoas que respondem mais do queapenas aos incentivos da remuneração.O salário se torna importante até

determinado ponto, em especial para osservidores que tem baixa remuneração,mas a partir da quantia consideradaadequada, a motivação se torna crucialpara melhorar o desempenho. É precisoatender às aspirações mais elevadas doservidor público.

Alguns temas administrativosatuais

Abordagens de governo unificado,como um todo

Relacionados aos desafios mais amplosencontram-se temas de gestão mais específi-cos. Dentro dessa linha está a abordagem dogoverno como um todo, assunto vinculadoà ideia dos temas graves. O governo unifica-do envolve coordenação horizontal entrediferentes setores do serviço público em ní-veis de governo diversos. Abrange tambémarticulação estreita entre governo e outras par-tes da sociedade como associações, empresas,organizações voluntárias, sempre comenfoque na horizontalidade.

Essa é uma proposta difundida emvários países que, segundo ChristopherPollitt, provavelmente crescerá nos pró-ximos anos. O auxílio técnico propor-cionado por novas tecnologias, que resultaem facilidades como o governo eletrônico,será capital dentro do processo de tornarunificada a administração pública. Paraexemplificar, Pollitt lembrou a reunião deserviços de diversos setores do governoinglês num site comum, que alimenta obanco de dados de cada agência envolvida.

“Em situações mais complexas, signi-fica redirecionar investimentos de maneiraa aperfeiçoar os resultados. Com tal intuito,articulam-se autoridades de diferentes áreaspara implantar a política mais indicada.Apreende-se que há casos em que acomplexidade da situação exige a visão do

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todo para enxergar a origem do problemae como melhor preveni-lo”, explicou.

Segundo Pollitt, o programa demelhora no serviço de saúde pública nosubúrbio de Glasgow, no Reino Unido,exemplifica essa questão. Para mitigar oquadro, o governo repassou a verba paraas autoridades de saúde. Estudos poste-riores comprovaram que se a mesmaquantia fosse aplicada em habitação, oresultado seria mais significativo. Issodevido ao fato de a dificuldade em saúdeadvir da precariedade da habitação e dadieta alimentar na região.

Assim, um dos grandes desafios daadministração pública, na opinião dePollitt, é a necessidade de tornar ogoverno horizontal, com a visão do todo.Mudança que se mostra benéfica emprojetos-piloto de unificação de respostano nível nacional.

Fortalecendo administração pordesempenho e tomada de decisõesbaseada em evidências

Em segundo lugar entre os desafiosrelacionados, está o fortalecimento dagestão por desempenho e a tomada dedecisões baseada em evidência. Esse é umassunto conhecido, que tem sido discutidohá mais de uma década. A política baseadaem evidência (EBP, sigla em inglês) foiadotada na Inglaterra pelo ex-primeiro-ministro Tony Blair.

Num primeiro momento, o meioacadêmico recebeu positivamente anovidade, mesmo que a necessidade deconceituar o termo evidência tenhacausado debate entre pesquisadores. Adificuldade maior se apresentou na tenta-tiva de colocar em prática a EBP quandoas evidências vão em direção oposta aoprograma de governo do partido quevence as eleições ou às declarações

pregressas dos políticos eleitos paracargos públicos.

Pollitt usa a sentença de morte comoexemplo. Abolida na Inglaterra há décadas,foi apontada em pesquisas de opinião,como recebendo o apoio de 75% dapopulação. De acordo com a políticabaseada em evidência, o resultado signi-fica que os políticos precisam restabelecera pena de morte no país. Para o fazerem,no entanto, teriam de ignorar os inúmerosestudos que apontam que a sentença demorte é ineficiente na diminuição de crimes.

Haveria, ainda, o embate com o esta-tuto da União Europeia, que determina aosEstados-membros não adotar a pena demorte. Pollitt ressalta, dessa forma, que apolítica baseada em evidências é um desafiopara os políticos, que podem se encontrarem situações desconfortáveis.

Mais transparência e responsabi-lização

Outro tema destacado foi a necessidadede maior transparência e responsabilização.Pollitt alerta para o risco de se apresentar atransparência como resposta definitiva paratodas as questões de atrito entre a adminis-tração pública e o cidadão. A ideia de trans-parência tende a ser considerada como apossibilidade de dar aos cidadãos acesso atodo e qualquer detalhe dos processos quelevaram às decisões que políticos e servidorespúblicos realizaram em seu nome.

Pollitt se disse cético em relação a essavisão ao observar que as leis de liberdadede informação, disseminadas amplamentenos últimos 20 anos no Canadá, EstadosUnidos e Reino Unido, não são usadas pormilhares de cidadãos interessados emdetalhes. As pesquisas mostram que cercade 70% das solicitações são usados pelamídia e para servir a interesses corpora-tivos e não aos cidadãos.

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Christopher Pollitt analisa a nova estrutura da gestão pública no século 21

O caso do Canadá foi por ele utilizadocomo emblemático. Todo cidadão cana-dense pode exigir ter acesso ao conteúdo dequalquer mensagem eletrônica enviada porservidores públicos. Em tese, é possível vertodos os documentos encaminhados aosministros. O resultado de tamanha visibilidadepode levar a que as pessoas parem de enviardocumentos e e-mails e passem a se reunirem grupos de conversa nos corredores.

Para Pollitt, não se pode desconhecerque a política exige algum tipo deconfidencialidade. Há situações em que ospolíticos têm de aceitar o meio termo.Momentos em que precisam abrir mão dealgo para obter um resultado mais amploem troca. As reuniões de cúpula na Europaexemplificam esse conceito. O queacontece na discussão entre os represen-tantes de cada país não é disponibilizadopara a mídia. Já o resultado acordado éamplamente publicado, seguido de decla-rações dos atores envolvidos, mas detalhesda negociação permanecem em sigilo.

O pesquisador alerta que existe, sim, atransparência benéfica. Uma solicitação emórgão administrativo, por exemplo, podeconter um serviço de acompanhamento.Em alguns casos, com a mesma infor-mação do servidor, um sumário das legis-lações relativas ao assunto, o andamentoda situação. “A implantação de serviçosdessa natureza faz parte do processo demudar a relação entre cidadão e Estado,em que o último deixa de ser um espaçoinatingível com o intuito de punir para seequiparar ao cidadão e, assim, ajudá-lo. Éa ideia do Estado prestador de serviço”.

Mais treinamento para oficiais emcontextos internacionais

O próximo tema retoma o desafio dasquestões de escala internacional. Com oaumento da circulação devido à quebra das

fronteiras, faz-se necessário treinamento es-pecífico para os funcionários que trabalhamem contextos internacionais. Segundo Pollitt,cada país trata isso de maneira diferente, mashá bons exemplos.

Ao trabalhar para o governo finlandêsna década de 1990, Pollitt participou dasmudanças ocasionadas no governo aoaderir à União Europeia em 1999. Os trêsprimeiros escalões da administração públicapassaram por capacitação que incluía nãosomente cursos sobre as novas regras dogoverno, mas também aulas sobre asquestões culturais relacionadas aos outrosmembros. Os gestores públicos levaramesse nível da preparação a sério. Estudaramidiomas, fizeram simulações de debates.

No ensino da administração públicanos níveis de mestrado ou doutorado, vê-se que os alunos têm interesse em traba-lhar em instituições internacionais, comoas agências da União Europeia, organi-zações de caridade internacionais, BancoMundial, Organização Mundial doComércio (OMC). O assunto despertainteresse em jovens talentosos, que devemser preparados para agir na área.

Gestão de novas tecnologiasDentro da perspectiva da estrutura

para o século 21, Pollitt destaca a gestãode novas tecnologias. O pesquisador fezum projeto há três anos sobre o impactodas novidades técnicas na administraçãopública. A conclusão foi que a tecnologiatem efeito profundo na forma como aadministração pública funciona, compossibilidade de simplificar muitosprocessos. Pollitt exemplifica enumerandoas transformações no trabalho policialdurante os últimos 15 anos.

Hoje a ciência permite encontrarcriminosos de maneira mais simples eeficiente. Nesse exemplo assim como em

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Christopher Pollitt analisa a nova estrutura da gestão pública no século 21

Revista do Serviço Público Brasília 61 (1): 117-124 Jan/Mar 2010

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outras áreas, as novas tecnologias influen-ciam a gestão governamental em níveisque vão além dos serviços eletrônicosdo governo. Esse processo deve seacentuar nos próximos 10 anos, mas já érealidade em muitos países, em que amaior parte das transações pode ser feitaeletronicamente.

Mudança de cidadãos por meio dedirecionamentos brandos

Uma ideia emprestada da economia eda psicologia é a de direcionamentosbrandos para tratar dos temas graves emudar os maus hábitos da população.Evidências mostram que um ataque frontala esses problemas funciona menos que umdirecionamento persistente. Um exemplosão as políticas de combate ao consumode álcool por motoristas, problema que

causa milhares de mortes no mundo. Alémdas campanhas de alerta, faz-se necessáriaa introdução de iniciativas de menorrepercussão, como aumentar o preço debebidas alcoólicas e uso de bafômetropara auxiliar as campanhas educativas.

É a tática de reduzir a área de confortodas pessoas que têm determinado com-portamento. No exemplo do consumo deálcool antes de dirigir, o Reino Unidoconseguiu diminuir substancialmente aincidência de acidentes automotivos relacio-nados ao consumo de álcool no períodode uma geração. Incutiu-se nos jovens ocomportamento de uso de táxi e monito-ramento de um cidadão sobre o outro,sempre com o auxílio dos direcionamentosbrandos. O que se apreende é o uso deiniciativas criativas em lugar da punição paragarantir o cumprimento da lei.

Resposta à diversidade

Pollitt também tratou em sua palestra do tema da diversidade. Ele conceituadiversidade como rótulo para tudo aquilo que diferencia um cidadão do outro: etnia,religião, saúde física e mental, deficiências, idade. Christopher Pollitt disse considerarlento o processo de avanço pela valorização da diversidade. Em seguida, enumerouquestões tidas como importantes. Em primeiro lugar, salientou que apenas uma parcelada população não faz parte de pelo menos grupo considerado “minoria”. Aprobabilidade é que todo cidadão se encaixe em alguma categoria pelo menos porum período da vida.

Assim, os sistemas públicos têm que se adaptar. Ele destacou que uma nova lei noReino Unido introduz um princípio geral de que locais públicos e estabelecimentoscomerciais têm de oferecer um ambiente propício a qualquer tipo de deficiência.E também que os sites do governo na internet, por exemplo, têm opções de infor-mações em outras línguas, além do inglês. “Dar acesso à informação para cidadãos nalíngua deles é um exemplo da atenção que deve ser dada pela administração pública àdiversidade. É uma demonstração pública de respeito às diferenças”, enfatizou Pollitt.A maior vantagem da tecnologia da informação, segundo o pesquisador, é a facili-dade da implantação de mudanças como essas.

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Para saber mais

Comentários, observações e sugestões sobre a RSP devem ser encaminhados à editoria darevista, para o e-mail [email protected] ou por carta, para o endereçoSAIS Área 2-A – Sala 116 – CEP: 70610-900 – Brasília, DF, a/c Editora da RSP.

Fale com a RSP

Gestão da informação em organi-zações públicas

CHOO, Chun Wei. Gestão de informaçãopara a organização inteligente: a arte de exploraro meio ambiente. 1 ed. Lisboa: Caminho,2003. 366 p.

STAREC, Cláudio. Gestão estratégica dainformação e inteligência competitiva. 1 ed. Riode Janeiro: Saraiva, 2005. 368 p.

• http://www.decigi.ufpr.br/

Intersetorialidade e transversa-lidade: a estratégia dos programascomplementares do Bolsa Família

SILVA, Maria Ozanira da Silva; YAZBEK,Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo di.A política social brasileira no século XXI: a

prevalência dos programas de transferênciade renda. São Paulo: Cortez, 2004. 223 p.

SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Rendabásica de cidadania: a resposta dada pelo ven-to. Porto Alegre: L & PM, 2006. 119 p.(Coleção L & PM Pocket ; v. 501).

• http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/programas_ complementares

Articulação federativa na prestaçãode serviços sociais no Brasil

COHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando.Avaliação de Projetos Sociais. 4 ed. Rio deJaneiro: Vozes, 2001. 312 p.

• http://www.mds.gov.br/progra-mas/rede-suas/protecao-social-basica/paif

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Revista do Serviço Público Brasília 61 (1): 127-128 Jan/Mar 2010 127

RSPAcontece na ENAP

Acontece na ENAP

ENAP lança curso Liderança Dinâmica noServiço Público

No período de 2 a 4 de março, a ENAP realizoua primeira edição no Brasil do curso LiderançaDinâmica no Serviço Público. A atividade, incluídaeste ano no calendário da Escola, é resultado da adap-tação do curso Leading for Results, oferecido pelaCanada School of Public Service (CSPS). Participaram dessa capacitação piloto especialis-tas em políticas públicas e gestão governamental (EPPGG), servidores e colaboradoresda ENAP (que haviam participado de curso similar na CSPS em 2009) e representantes deescolas de governo parceiras deste projeto.

O curso abordou as seguintes questões: “autoconsciência do líder”, “o líder comocomunicador”, “valores e ética do líder no serviço público”, “como liderar mudanças”,e “desenvolvimento de parcerias e comunidades”. A atividade contou com duasfacilitadoras canadenses, Adéle Copti-Fahmi e Marie-France Desmarais, e um brasileiro,Luiz Sérgio Gomes da Silva.

14o Concurso Inovação premia iniciativasem seis áreas temáticas

A classificação das dez iniciativas premiadas no14º Concurso Inovação foi divulgada no dia 16 demarço, em cerimônia que também marcou o lança-mento da 15ª edição do concurso. Participaram dasolenidade o secretário-executivo do Ministério doPlanejamento (MP), João Bernardo Bringel, os mi-nistros da Educação, Fernando Haddad, e da Secretaria Especial de Políticas para asMulheres, Nilcea Freire, e a presidente da ENAP, Helena Kerr do Amaral.

O “Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)”, do Instituto Nacionalde Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/Ministério da Educação)conquistou o primeiro lugar entre as vencedoras, que foram agrupadas em seis áreastemáticas: Arranjos institucionais para coordenação e/ou implementação de políticas públicas (2 ini-ciativas); Avaliação e monitoramento de políticas públicas (2); Gestão da Informação (2); Gestão eDesenvolvimento de Pessoas (2); Melhoria dos processos de trabalho (1) e Planejamento, gestão e desem-penho institucional (1).

O Concurso Inovação na Gestão Pública Federal é promovido pela ENAP e peloMP, com apoio das embaixadas da França e da Espanha, da Cooperação Espanhola,da Escola Canadense do Serviço Público (CSPS), da Agência Canadense para oDesenvolvimento Internacional (Cida) e da Agência de Cooperação Internacional doJapão (Jica). Para conferir a lista das dez práticas inovadoras premiadas e o Banco deSoluções do Concurso Inovação, acesse: http://inovacao.enap.gov.br.

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RSP Acontece na ENAP

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Ciclo de Cafés com Debate aborda uma nova síntesepara a administração pública

O primeiro encontro do Ciclo de Cafés com Debate paradiscutir a pesquisa “Em busca de uma nova síntese para a admi-nistração pública” foi realizado no dia 18 de março. A presidenteda ENAP, Helena Kerr do Amaral, e o chefe da Assessoria deCooperação Internacional, Frederico Guanais, apresentaram o tema com mediação dadiretora de Comunicação e Pesquisa, Paula Montagner. O evento reuniu na Escola cercade 70 participantes de diversos órgãos e instituições.

O objetivo da pesquisa que nomeia o ciclo de Cafés com Debate é a produçãocompartilhada de conhecimento a fim de promover o avanço da teoria da adminis-tração pública e orientar as práticas dos gestores públicos. Coordenado pela presidenteemérita da Canada School of Pulic Service (CSPS), Jocelyn Bourgon, esse projetocolaborativo conta com uma rede de acadêmicos e dirigentes públicos de seis países:Austrália, Brasil, Canadá, Cingapura, Holanda e Reino Unido.

Até o final de 2010, serão realizadas cinco mesas-redondas internacionais – acompa-nhadas de Cafés com Debate na ENAP, em Brasília – abordando questões-chave dapesquisa, tais como: inovação, antecipação, “servir além do previsível” e participação.

Aprendizado e Integração marcamSemana de Facilitadores

De 22 a 26 março, a ENAP promoveu aIV Semana de Formação de Facilitadores deAprendizagem. Com o tema “Encontro deSaberes”, a iniciativa buscou reforçar osvínculos existentes entre a ENAP e as escolasde governo parceiras por meio da troca deexperiências entre seus professores e facilitadores de aprendizagem. Para isso, o eventodispôs de jogos, dinâmicas de grupo, oficinas temáticas e integrativas, assim comoprogramação de lazer.

A atividade reuniu cerca de 90 professores, sendo 20 de Brasília e 70 de instituiçõesparceiras de outros estados, além de 15 orientadores e co-orientadores para as oito oficinasdo evento, o que fez dessa semana a edição com maior número de participantes.

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Normas para os colaboradores

A Revista do Serviço Público, editada pela Escola Nacional de Administração Pública há mais de 70anos, publica artigos inéditos sobre temas relacionados a Estado e Sociedade; Políticas Públicas eAdministração Pública. Os artigos passam por análise prévia de adequação pela editoria da revista eposterior avaliação de dois a três pareceristas por sistema de blind review.

Regras para submissão:

1. Artigos: 1. Artigos: deverão ter aproximadamente seis mil palavras (em torno de 20 páginas) e ser acompanhadosde resumo analítico em português, espanhol e inglês, de cerca de 150 palavras, que permita uma visão globale antecipada do assunto tratado, e de três palavras-chave (descritores) em português, espanhol e inglês queidentifiquem o seu conteúdo. Tabelas, quadros e gráficos, bem como notas, devem limitar-se a ilustrarconteúdo substantivo do texto. Notas devem ser devidamente numeradas e constar no final do trabalho e nãono pé da página. Citações de autores no corpo do texto deverão seguir a forma (AUTOR, data). Referênciasdevem ser listadas ao final do trabalho, em ordem alfabética, observadas as normas da ABNT.*

2. Vinculação institucional: artigos devem vir acompanhados de breve informação sobre a formação, vinculaçãoinstitucional do autor (em até duas linhas) e e-mail para contato.

3. Avaliação: a publicação dos textos está sujeita à análise prévia de adequação pela editoria da revista e avaliação porsistema de blind review de dois a três pareceristas, os quais se reservam o direito de sugerir modificações ao autor.

4. Encaminhamento: os artigos devem ser encaminhados por e-mail, em formato word (.docx, .doc, .rtf ou .txt),para [email protected]. A ENAP compromete-se a informar os autores sobre a aprovação para publicaçãoou não de seus trabalhos em aproximadamente quatro meses.

* Exemplos de citação e referênciaCitação no corpo do texto: (ABRUCIO, 2009)Referências no final do trabalho:

LivroCOHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando. Gestão Social: como obter eficiência e impacto nas políticas sociais.Brasília: ENAP, 2007.Artigo em coletâneaSARAVIA, Enrique. Introdução à teoria da política pública. In: SARAVIA, Enrique e FERRAREZI, Elisabete(Org.). Coletânea Políticas Públicas. Brasília: ENAP, 2006. v. 1 p. 21-42.Artigo em periódicoCOSTA, Frederico Lustosa da. História das reformas administrativas no Brasil: narrativas, teorizações erepresentações. Revista do Serviço Público, Brasília, ENAP, v. 59, n. 3, p. 271-288, jul. a set. de 2008.Monografia, dissertação ou tese acadêmicaMONTEIRO, Ana Lúcia de Oliveira. A Relação Estado e Sociedade Civil no Processo de Formulação e Implementaçãode Políticas Públicas. 2008. Dissertação (Mestrado em Administração Pública). Programa de Pós-Graduaçãoem Administração – PPGA, Universidade de Brasília, Brasília.Sítio da internetEscola Nacional de Administração Pública. Catálogo de Cursos 2009. Disponível em: ww.enap.gov.br.Acesso em: 8 jan. 2009.

Para mais informações acesse www.enap.gov.br

Escola Nacional de Administração PúblicaDiretoria de Comunicação e PesquisaSAIS Área 2-A Brasília, DF – CEP 70610-900Tel: (61) 2020 3038 e 2020 3424 – Fax: (61) 2020 3178 – E-mail: [email protected]

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Para conhecer ou adquirir as publicações ENAP visite o sítio www.enap.gov.br

A Experiênciada ENAP naFormação Inicialpara a Carreirade Especialistaem PolíticasPúblicas eGestão Governamental – EPPGG:1988 a 2006 – Volumes I e II

A pesquisa apresentada nestes doiscadernos analisa, interpreta e sistematiza omaterial das 11 edições do curso deformação desenvolvidas pela ENAP entre1988 e 2006. A obra pretende mostrar asinfluências de valores e de diferentes pers-pectivas que as atividades sofreram aolongo desse período. O curso está direta-mente associado à criação da ENAP e, emagosto de 2008, completou 20 anos.

Desafios daregulação noBrasil

O livro nasceu deuma inquietação daSubchefia de Análisee Acompanhamentode Políticas Governamentais da CasaCivil da Presidência da República e daSecretaria de Gestão do Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão

(Seges), que participam do Comitê Gestordo Programa de Fortalecimento daCapacidade Institucional para Gestão emRegulação, o PRO-REG.Tanto os professores quanto as autoridadesque durante o curso discorreram sobre osdesafios da regulação no Brasil foramconvidados a escrever artigos para estelivro. E aceitaram em peso engajar-seneste projeto. Os autores são unânimes aoressaltar a importância do modelo institu-cional da gestão da regulação não apenaspara funcionamento do sistema regulatórioem si, mas também para o crescimentoeconômico sustentável do país.

Escolas deGoverno eGestão porCompetências –Mesa-redondade Pesquisa-Ação

Dando sequência aos debates iniciados em2004 e 2005 e que tiveram como produtoo livro “Gestão por competências emorganizações de governo”, a Mesa-redonda de Pesquisa-Ação propõe-se asuprir uma lacuna importante: discutir aatuação do Sistema de Escolas de Governoda União em face das diretrizes da PolíticaNacional de Desenvolvimento de Pessoal(PNDP) – Decreto no 5.707 de 23 defevereiro de 2006.

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Revista do Serviço Público Brasília 61 (1): 129-132 Jan/Mar 2010 131

Cartão de aquisição de publicações

Para adquirir nossos periódicos, envie-nos este cartão preenchido atravésde fax ou correio juntamente com o comprovante de pagamento ounota de empenho.

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Cidade: UF: CEP:Telefone: Fax:E-mail:

Revista do Serviço PúblicoPeriodicidade: trimestralAssinatura anual: R$ 40,00 Ano 61 – 2010 Número avulso: R$ 12,00 Edição no __________ Exemplar avulso anterior a 1997: R$ 8,00

Cadernos ENAP

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Preço unitário: R$ 10,00(*)Caderno 33 (2 volumes): R$ 20,00

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Formas de pagamento

Os interessados em adquirir as publicações ENAP poderão dirigir-se diretamente à sede da Escolaem Brasília ou solicitá-las por fax ou pelos Correios, informando os títulos das publicações eendereço completo para entrega.O pagamento pode ser realizado por meio de uma das formas a seguir:1. Nas agências do Banco do Brasil:

• Compareça ao caixa e solicite o depósito do valor das publicações na Conta Única do Tesouro Nacional, Agência 1607-1 Conta 170.500-8, informe seu CPF ou o CNPJ de sua instituição e o código identificador 11470211401288187.• Posteriormente, encaminhe o comprovante de depósito juntamente com o Cartão de Aquisição para a ENAP.

2. No sítio do Banco do Brasil (www.bb.com.br), por meio de transferência entre contas correntes(para clientes do Banco do Brasil):• Acesse sua conta.• Na guia “Transferências”, clique em “para Conta Única do Tesouro”.• Digite o valor total das publicações solicitadas.• No campo “UG Gestão finalidade”, digite o código identificador: 11470211401288187.• No campo CPF/CNPJ, digite o seu CPF ou o CNPJ de sua instituição.• Em seguida, prossiga com a transação normalmente, como se fosse uma transferência comum entre contas correntes.• Imprima o comprovante e encaminhe-o para a ENAP juntamente com o Cartão de Aquisição.

3. Nos terminais de autoatendimento do Banco do Brasil (para clientes do Banco do Brasil):• Na tela principal, selecione a opção “Transferência”.• Na próxima tela, selecione a opção “Conta corrente para Conta Única do Tesouro”.• Em seguida, digite o valor total das publicações solicitadas e tecle Ok.• Na próxima tela, digite no campo Identificador 1 o código 1147021140128818-7 e no campo Identificador 2 o seu CPF ou o CNPJ de sua instituição.• Prossiga normalmente com a transação, como uma transferência comum.• Encaminhe posteriormente o comprovante de transferência juntamente com o Cartão de Aquisição para a ENAP.

4. Enviar nota de empenho (com original anexado) em nome de: ENAP Escola Nacional deAdministração Pública – CNPJ: 00.627.612/0001-09, UG: 114702, Gestão: 11401

5. Enviar por fax ou pelos Correios, a Guia de Recolhimento da União (GRU Simples) paga noBanco do Brasil com o valor das publicações. Acesse o link “Como adquirir” na página da ENAPpara mais informações.

Escola Nacional de Administração PúblicaDiretoria de Comunicação e PesquisaSAIS – Área 2-A70610-900 – Brasília, DFTel: (61) 2020 3096 / 2020 3102 – Fax: (61) 2020 3178CNPJ: 00 627 612/[email protected]