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REVISTA DO IBRAC Desde 1992 Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional Suplemento Eletrônico Ano 1 número 3 Maio 2010

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INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE CONCORRÊNCIA, CONSUMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL – IBRAC Rua Cardoso de Almeida 788 cj 121 CEP 05013-001 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: (011) 3872 2609 / 3673 6748 Fax.: (011) 3872 2609 / 3673 6748 REVISTA DO IBRAC Presidente: Marcelo Procópio Calliari Diretora de Publicações: Leonor Cordovil Editor assistente: José Carlos Busto Conselho Editorial: Barbara Rosenberg, Bernardo Macedo, Joao Paulo Garcia Leal, Lucia A.L.de Magalhães Dias, Mauro Grinberg, Paolo Mazucatto, Pedro Dutra, Rabih Nasser, Ricardo Inglez de Souza, Vicente Bagnoli, Viviane Araujo Lima. O Suplemento Eletrônico da Revista do IBRAC aceita colaborações relativas ao desenvolvimento das relações de concorrência, de consumo e de comércio internacional. A Redação ordenará a publicação dos textos recebidos. Periodicidade: mensal. Fechamento dia 20 de cada mês.

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SUMÁRIO

O CADE NÃO PODE PARAR

Eduardo Caminati Anders .................................................................................... 4

FUNDOS DE INVESTIMENTO E O CONTROLE DA CONCENTRAÇÃO DO PODER ECONÔMICO PELO CADE

Pedro Dutra ........................................................................................................... 7

OS ADMINISTRADORES NO CARTEL: VÍTIMAS?

Mauro Grinberg .................................................................................................. 12

RETALIAÇÃO: OPERACIONALIZAÇÃO E STATUS ATUAL DO CONTENCIOSO BRASIL-EUA

Carla Junqueira ................................................................................................... 14

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O CADE NÃO PODE PARAR

Eduardo Caminati Anders1

Nos termos da Lei n.º 8.884/94, o Plenário do CADE é composto por um presidente e seis conselheiros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 30 (trinta) anos de idade, de notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal2.

Se, em razão do término de mandato dos conselheiros, a composição do Plenário do CADE ficar reduzida a número inferior a cinco conselheiros, suspende-se a tramitação dos processos e, consequentemente, o CADE abstém-se de julgar atos de concentração e processos administrativos3. Por outras palavras, o CADE, sem quórum, para de funcionar, deixando de exercer o seu relevante papel preventivo e repressivo ao abuso do poder econômico.

Da atual composição do Plenário do CADE, três conselheiros terão os seus respectivos mandatos encerrados no início de agosto próximo. Nessa ocasião, estará o CADE sem quórum para atuar.

Se vier a ocorrer essa hipótese – ausência de quórum no Plenário do CADE - negócios jurídicos, cujos efeitos afetam milhões de consumidores, poderão ter a sua análise e julgamento postergados.

A preocupação em não deixar o CADE de mãos atadas para exercer o seu ofício em razão da falta de quórum também é compartilhada por organismos internacionais.

Recentemente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou relatório sobre a atuação dos órgãos de defesa da concorrência brasileiros4, por meio do qual fez algumas recomendações

1 Vice-Presidente do Conselho Deliberativo do IBRAC, Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica da OAB/SP - CECORE, Membro do Instituto de Direito Societário Aplicado – IDSA e sócio do escritório Pedro Dutra Advogados. 2 Cf. art. 4º, da Lei n.º 8.884/94. 3 Cf. art. 4º, § 5º e art. 49, ambos da Lei n.º 8.884/94. 4 O Relatório, expedido em 14 de maio de 2010, é resultado de análise da lei e da política de defesa da concorrência do país, conhecido como peer review (revisão pelos pares). O trabalho tem como objetivo avaliar a atuação dos órgãos de defesa

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ao governo brasileiro visando o aperfeiçoamento da defesa da concorrência no Brasil. Entre tais recomendações, a OCDE sugeriu fosse fixado o quórum necessário para o Plenário do CADE em quatro ao invés de cinco membros sempre que o número de conselheiros disponível para votar em um caso estiver reduzido para quatro devido a vacâncias ou impedimentos.

Essa recomendação, que pretende apresentar uma solução, na verdade reconhece uma grave deficiência do poder público brasileiro de atender a lei de defesa da concorrência, possibilitando ao CADE cumprir a sua função legal sem interromper os seus trabalhos em razão de seus conselheiros não serem indicados tempestivamente pelo Poder Executivo e aprovados pelo Senado Federal.

Evidentemente, a solução não é a redução do quórum, mas o reconhecimento por esses dois poderes da importância da defesa da concorrência ao bem estar dos consumidores e dos empresários competitivos. Reconhecimento esse o qual já é feito pela sociedade brasileira, como mostra o interesse que o CADE desperta, medido pela cobertura que a sua atuação merece da imprensa.

No último dia 21, foram publicados no Diário Oficial da União três despachos do Presidente da República encaminhando os nomes dos três conselheiros, cujos mandatos encerram-se em agosto de 2010, à apreciação do Senado, para serem reconduzidos ao cargo de conselheiros do CADE.

Uma vez indicados pelo Presidente da República, esses três conselheiros precisam ser sabatinados pelo Senado.

A valer a atuação dos três conselheiros em seus primeiros mandatos, não se espera que os seus nomes enfrentem resistência no Senado, e sejam aprovados por unanimidade, como se deu na condução dos dois últimos conselheiros que hoje têm assento no Plenário do CADE.

Entretanto, diante da aproximação do recesso do final do primeiro semestre legislativo, da complicada pauta do Senado, das eleições do segundo semestre e, por último, o evento não menos perturbador, a Copa do Mundo de futebol que se aproxima, todos devem ficar atentos com a inclusão da sabatina dos conselheiros na pauta do Senado com a maior brevidade possível.

da concorrência do país avaliado, apontando os avanços realizados nos últimos anos e sugerindo melhorias que devem ser implementadas.

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Caso contrário, corre-se o risco de não haver quórum no Senado para a aprovação dos três nomes indicados pelo Presidente da República, o que prejudicaria em muito a tempestiva e necessária recondução dos três conselheiros, visando à manutenção do quórum do Plenário do CADE.

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FUNDOS DE INVESTIMENTO E O CONTROLE DA CONCENTRAÇÃO DO PODER ECONÔMICO PELO CADE

Pedro Dutra 1.0 Os equity funds – fundos de investimento em ações – são um dos instrumentos mais dinâmicos da economia moderna. Reunidos por um gestor eficiente, recursos de investidores são empregados para a compra de participação acionária, geralmente minoritária, em empresas atuantes nos mais diversos mercados de bens e serviços, a procura de um retorno mais elevado do que aquele encontrado em outras modalidades de investimento.

Em seminário realizado no último dia 20 de maio, promovido pelo Instituto de Direito Societário Aplicado – IDSA – e pelo INSPER, o Conselheiro do CADE Olavo Chinaglia relatou a dificuldade desse órgão em definir a sua posição em relação ao controle de concentração em negócios jurídicos em que figurem fundos de investimentos. Referiu o Conselheiro a jurisprudência incerta do CADE, e por vezes contraditória, concluindo não haver ainda uma posição de equilíbrio a orientar o mercado em relação ao dever de notificar ao CADE tais negócios1.

2.0. A Lei de Defesa da Concorrência atribui ao CADE o dever de prevenir e reprimir o abuso de poder de mercado e de zelar pela aplicação da Lei de Defesa da Concorrência, Lei n.º 8.884/94. O CADE previne o abuso de poder econômico por meio do controle dos efeitos irradiados de negócio jurídico de integração de empresas – ato de concentração. Liminarmente, deve-se afastar o equívoco corrente de que o CADE controla as estruturas do mercado. O CADE previne o abuso do poder econômico verificando se os efeitos irradiados de ato de concentração, qualquer que seja a sua forma, podem restringir a livre concorrência. No exercício dessa função legal, o CADE, aprovando, aprovando sob condição, ou vedando o ato de concentração, não controla estrutura de mercado. Esta será alterada por iniciativa dos figurantes do ato de concentração, que o promovem, ao passo que a decisão do CADE incide sobre o estado em que se acha a estrutura do mercado, tenha sido ela já alterada ou não pelo ato de concentração. A noção de que o CADE controla estruturas, além de imprecisa, confronta a 1 Um balanço da jurisprudência do CADE está em Anders, Eduardo Caminati. Private Equity e o Controle Preventivo Exercido pelo CADE, in Direito Societário: Desafios Atuais. São Paulo. Editora Quartier Latin do Brasil, 2009, p. 45/72.

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própria natureza da função legal do CADE que não é, como se sabe, orientar, articular e menos ainda estruturar o mercado de bens e serviços: apenas prevenir e reprimir o abuso de poder no mercado nele a ocorrer.

A repressão ao abuso de poder de mercado dá-se pela aplicação de sanção às infrações previstas na Lei n.º 8.884/94, artigos 20 e 21. E zelar pelo cumprimento dessa Lei, artigo 7º, I, refere o dever de o CADE reclamar de outros órgãos da administração pública, que intervenham na prevenção e repressão do poder econômico, uma ação pronta e eficiente, a fim de não impedir ou retardar essa função legal que cabe ao CADE exercer2.

3.0. O artigo 54, em seu parágrafo 3º, estabelece índices de jurisdição os quais alcançados, não cumulativamente, determinam aos figurantes de ato de concentração a sua notificação ao CADE; quais sejam, uma participação em pelo menos 20% de um determinado mercado relevante, a resultar do ato de concentração, ou exibir qualquer um dos figurantes desse ato de concentração faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400 milhões3.

Note-se que o legislador visou qualquer negócio jurídico de integração de poder econômico por qualquer forma realizada. Em uma palavra, o propósito do legislador é alcançar negócio jurídico que traga a um centro único centros de poder econômico de mercado antes independentes, qual seja, ato de concentração, que se enquadre nos índices legais de jurisdição.

A identificação de atos de concentração dos quais resultem participação superior a 20% de um dado mercado relevante não é complexa, pois pressupõe que os figurantes atuem no mesmo mercado.

Ao estabelecer o índice de R$ 400 milhões visa o legislador alcançar os figurantes de atos de concentração que não atuem em um mesmo 2 Cf. “O CADE e o controle de concentração no mercado de telecomunicações”. Pedro Dutra. Suplemento Eletrônico da Revista do Ibrac, ano 1, número 2. 3 Cf. “A concentração do poder econômico e a função preventiva do CADE”. Pedro Dutra. Revista do Ibrac, v. 4, n. 1, p. 5-19, jan. 1997.

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mercado relevante, e também aqueles os quais, embora atuando em um mesmo mercado não detenham conjuntamente participação superior a 20%, exibam um faturamento igual ou superior a R$ 400 milhões. Esse critério nitidamente refere o porte econômico do figurante do ato de concentração. Entendeu o legislador que um ato de concentração, no qual um dos figurantes exiba um faturamento em índice igual ou superior aos R$ 400 milhões fixados em lei, deva ser submetido ao controle do CADE em razão da capacidade econômica daquele figurante em poder gerar, em função do ato de concentração que firma, efeitos que por alguma forma possam restringir a concorrência.

4.0. O debate sobre o dever de notificar ao CADE atos de concentração nos quais figurem fundos de investimento vem tomando em primeira consideração os efeitos de ato dessa natureza e não o dever ou não de notificá-lo ao CADE.

Titulares desses fundos argúem, aliás com razão, que o propósito deles não é trazer para um único centro de poder econômico de mercado outros centros antes independentes. Por outras palavras, não têm por objetivo esses fundos controlar, seja patrimonialmente, seja administrativamente, ditando ou nela influindo, por exemplo, a política comercial das empresas cujas ações esses fundos adquirem. Na verdade, são fundos de investimento cuja participação no capital de empresas tem por fim exclusivo remunerar seus cotistas em índices mais vantajosos do que outros investimentos ofertados no mercado.

Por outro lado, existem fundos de investimento que participam, ou podem participar, direta ou indiretamente, da administração de empresa da qual adquiriu participação acionária. Alguns desses fundos são conhecidos, inclusive, pela excelência com que recuperam empresas ou aumentam a eficiência delas, gerando assim um retorno maior aos investidores neles reunidos.

A natureza da participação dos fundos de investimentos em empresas e, por conseguinte, os efeitos dessa participação sobre a ordem concorrencial, são, todavia, matéria de mérito a ser examinada pelo CADE, uma vez a ele submetido o respectivo ato de concentração.

Portanto, é preciso evitar uma inversão de ordem, a saber, não vincular a notificação do ato de concentração ao CADE à conta dos seus efeitos sob a ordem concorrencial. A notificação do ato de concentração ao CADE deve atender à regra do artigo 54, citado, que fixa os índices de

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jurisdição para esse fim. E essa regra deve ser interpretada para dizer qual ato de concentração, no qual figure fundo de investimento, deve ser notificado ao CADE. Evita-se, assim, o procedimento inverso e equivocado, de primeiro analisar-se os efeitos do ato de concentração para então decidir se deve ele ser notificado ao CADE ou não.

Embora possa parecer à primeira vista não fornecer a regra do artigo 54, parágrafo 3º, citado, elementos a orientar os aplicadores dessa regra – não só o CADE, mas todos os operadores do direito, inclusive os fundos de investimento -, a sua análise mais detida provê esses elementos para estender a sua aplicação à hipótese aqui discutida.

Como acima referimos, o legislador obriga ao figurante de ato de concentração notificá-lo ao CADE em razão do seu porte econômico. Isto é, em razão da sua capacidade, valendo-se dos meios econômicos ao seu dispor, de agir no mercado em que atue, mercado em que ingresse e nos mercados a estes conexos, com os quais se relacionem ou venham a se relacionar. Essa capacidade, essa soma de meios que acham expressão econômica e são empregados nos mercados de bens e serviços, alcançando o índice fixado na Lei são suficientes, no entender do legislador, para obrigar ao seu titular que celebre ato de concentração a notificá-lo ao CADE.

Como se sabe, os fundos de investimento não têm faturamento, no sentido que lhe dá o citado artigo 54, citado. Percebem os seus administradores, a título de remuneração, um percentual fixado pela gestão do fundo e pelo eventual lucro dedutível do investimento feito, sendo que esse majoritariamente é auferido pelo investidor.

Não se segue, todavia, que os fundos de investimento não tenham porte econômico. Esse existe, e pode ser medido pela soma de meios à disposição do fundo para investir. Ao nosso ver, é esse o índice a ser tomado em consideração para se determinar a notificação ao CADE de ato de concentração no qual figure fundo de investimento.

Ou seja, fundo de investimento que detiver recursos a investir ou investidos em participação acionária de empresas de bens ou serviços em valor igual ou superior a R$ 400 milhões deverá notificar ao CADE ato de concentração no qual figure. Estará assim sendo cumprida a regra do artigo 54, citado, que visa trazer ao controle do CADE ato de concentração firmado por empresa cujo porte econômico, do qual necessariamente ela há de se valer em sua atuação, exiba índice igual ou superior a R$ 400 milhões.

Não nos parece admissível uma interpretação absolutamente restritiva da citada regra do artigo 54, que tenha por conseqüência excluir ao

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controle do CADE e, portanto, frustrar a sua função legal de prevenir o abuso de poder econômico, sob o argumentando de que determinado agente econômico estaria isento de submeter ato de concentração ao controle do CADE devido ao fato de não exibir ele faturamento, tal como aquele referido no artigo 54.

O fato de um agente econômico não exibir faturamento, como é o caso dos fundos de investimento, não significa que o seu porte econômico, que faz o objeto da regra do citado artigo 54, não possa ser medido, como aqui exposto.

Em nosso entender, o CADE encontrará amparo na interpretação do artigo 54 aqui proposta, para fixar um parâmetro de notificação de ato de concentração firmado por fundos de investimento, a eles e aos operadores do direito conferindo a necessária segurança jurídica para seguirem realizando seus negócios.

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OS ADMINISTRADORES NO CARTEL: VÍTIMAS?

Mauro Grinberg

Faço aqui uma reflexão, contendo um exercício em cima de uma hipótese que, se ainda não existe, é totalmente verossímil. Indago aqui se faz realmente sentido a punição dos administradores de empresas acusadas da prática de cartel, da forma como tem sido feito o processamento de tais casos. Com efeito, as multas são muito pesadas e sempre existe a ameaça de prisão.

Imaginemos uma empresa que tenha um faturamento anual, no Brasil, de R$ 1.000.000.000. Seu administrador, acusado de ser o representante da empresa na colusão, tem um rendimento médio de R$ 40.000 mensais, incluindo todos os benefícios. Apenas para composição da hipótese, somando-se os rendimentos de sua esposa (funcionária pública), o rendimento familiar é de R$ 50.000. O casal consegue economizar R$ 10.000 por mês e, ao final de 10 anos, conseguiu amealhar um patrimônio de R$ 1.000,000 (até porque não eram esses os rendimentos iniciais das suas carreiras).

Então, este administrador, por inadvertência ou cumprindo uma ordem descabida (ou mesmo inadvertida) comparece a uma reunião de entidade de classe na qual seria discutido algo totalmente inocente e legítimo mas que na hora sai do controle. Antes do nosso administrador perceber (afinal, a empresa tem programa de compliance), alguém levanta um tema proibido, tentando unificar determinada conduta de empresas concorrentes. Com medo de criar celeuma ou desobedecer ordens, ou talvez por timidez, ele demora para deixar o recinto, e só o faz quando uma orientação já foi traçada. Pior ainda, sua empresa toma determinadas atitudes que demonstram seguir essa orientação.

Alguém divulga o fato e a empresa (juntamente com as outras cujos representantes estavam na reunião) e o administrador são acusados em um processo por alegada prática de cartel. Todos são, afinal, condenados. A empresa é multada em 10% de seu faturamento e o administrador em 10% (aí o mínimo legal) do valor da multa aplicada à empresa. Apesar da multa aplicada à empresa ser modesta dentro dos padrões atuais e do multa aplicada ao administrador ser a menor possível nas circunstâncias, tal multa será 10 vezes o valor do seu patrimônio.

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Mas há mais: além de ainda enfrentar um processo criminal, nosso administrador ainda é despedido, pois a empresa quer mostrar aos seus acionistas que eliminou o causador do problema. Fecha-se o cerco: tudo o que ele vier a ganhar estará comprometido com o pagamento dessa dívida, embora neste momento ele esteja sem emprego e ainda ameaçado de prisão. Temos aqui quase sua morte civil.

Dentro da lei, obviamente a solução é limitada. Mas a reflexão que faço aqui é uma questão de justiça, já que um sistema que pode levar a uma enorme distorção na vida real precisa ser repensado.

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RETALIAÇÃO: OPERACIONALIZAÇÃO E STATUS ATUAL DO CONTENCIOSO BRASIL-EUA

Carla Junqueira1

O Brasil recebeu, em agosto de 2009, autorização da Organização Mundial do Comércio (OMC) para aplicar medidas de retaliação comercial contra os Estados Unidos no âmbito do contencioso do algodão, iniciado em 2002. O Brasil foi autorizado a suspender concessões feitas aos Estados Unidos em bens e, observadas algumas condições, em serviços e propriedade intelectual (PI).

Nesse sentido, foi publicada em 08 de março de 2010 a Resolução da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) nº 15, que adotou uma lista de produtos provenientes dos Estados Unidos, sujeitos ao aumento de suas tarifas de importação no prazo de 30 dias contados da data da publicação. Esse grupo de produtos foi estabelecido após a realização de consulta pública sobre uma lista preliminar que continha 222 itens tarifários. Como resultado da consulta, a CAMEX excluiu grande parte dos produtos considerados importantes para a indústria brasileira.

A Resolução CAMEX nº 15 majorou as alíquotas do imposto de importação de 102 produtos em um percentual que variou entre 12% e 100% (na maioria dos casos, as mesmas foram duplicadas ou triplicadas) por um período de 365 dias. Dentre os produtos constantes na Resolução pode-se mencionar automóveis, cosméticos, produtos agrícolas e equipamentos eletrônicos (ex. celulares, refrigeradores e fornos elétricos). Em 2008, o trigo foi o maior item da pauta de importações brasileiras, totalizando US$ 318 milhões. De acordo com a Resolução, a alíquota incidente sobre este produto, quando importado dos EUA, triplicaria, passando de 10% para 30%. Caso Brasil e Estados Unidos não consigam concluir o acordo pré anunciado, as tarifas adicionais serão aplicadas totalizando, pelos cálculos da CAMEX, uma suspensão de concessões avaliada em US$ 591 milhões.

Além da retaliação em bens, nos termos da autorização da OMC, conforme interpretada pelo governo brasileiro, o Brasil ainda teria direito de retaliar os Estados Unidos em outros setores que não o de bens, em até US$ 238 milhões. A retaliação se daria em direitos relacionados à propriedade intelectual, totalizando uma quantia de $829 milhões.

1 Sócia da Área de Comércio Internacional de BKBG Sociedade de Advogados.

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A fim de dar execução à suspensão de concessões em PI, foi publicada a Medida Provisória nº 482, de 10 de fevereiro de 2010, que regulamentou as “medidas de suspensão de concessões ou outras obrigações relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros, em casos de descumprimento de obrigações do Acordo Constitutivo da OMC”. Essa MP previu medidas, tais como: suspensão e limitação de direitos de PI, mudança nas medidas de cumprimento das regras relacionadas à proteção e obtenção de direitos de PI, suspensão temporária de pagamento de royalties e a aplicação de direitos de natureza comercial sobre pagamentos direcionados a detentores de direitos de PI. A MP inclui marcas, patentes, direito autoral, software, indicação geográfica, segredo industrial e desenho industrial como direitos de PI passíveis de retaliação.

Segundo o Direito brasileiro, a publicação de uma lei ou instrumento equivalente foi necessário a fim de possibilitar a aplicação do procedimento de retaliação da OMC. A Medida Provisória, no entanto, é meramente autorizadora, sendo necessária para a aplicação das medidas nela previstas uma ou mais resoluções da CAMEX.

Em 15 de março de 2010, foi aberta, por meio da Resolução CAMEX nº 16, consulta pública para que o setor privado opinasse, até 04 de abril, sobre uma lista preliminar de setores e medidas que poderiam ser afetados pela retaliação em PI, conforme autorizada pela OMC. As medidas propostas nesta consulta consistiram em: (i) redução dos direitos de PI por um período de tempo determinado; (ii) licença compulsória sem autorização ou remuneração; (iii) permissão para a importação paralela; (iv) aumento nas taxas de registro de direitos de PI; (v) aplicação de direitos comerciais sobre os pagamentos direcionados aos titulares de direitos de PI; e (vi) criação de um registro obrigatório dos direitos patrimoniais dos autores.

Estariam sujeitos à retaliação produtos farmacêuticos e agrícolas (químicos e que utilizem biotecnologia), além dos detentores de direitos autorais, softwares e marcas registradas, desde que o detentor destes direitos se tratasse de cidadão norte-americano ou uma pessoa jurídica com estabelecimento comercial nos Estados Unidos.

A consulta pública para retaliação em PI, proposta na Resolução CAMEX nº 16, encerrou em 04 de abril. No dia 05, dois dias antes da retaliação em bens iniciar, Estados Unidos e Brasil anunciaram publicamente estarem conduzindo negociações com a intenção de chegar a um acordo para resolução final do contencioso do algodão. Isso levou a CAMEX a suspender até o dia 22 de abril a entrada em vigor do aumento

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tarifário previsto pela Resolução nº 15 e até o presente segue sem publicar Resolução estabelecendo procedimentos para retaliação em PI.

De acordo com o Ministério da Indústria e Comércio, o escopo da negociação entre Estados Unidos e Brasil envolve três ações diversas. Primeiro, a criação de um fundo anual, no valor de US$ 147,3 milhões, para o financiamento de projetos em benefício da cotonicultura brasileira. Segundo, a negociação bilateral de novos termos referentes ao programa americano de garantias de crédito à exportação, conhecido como GSM-102. Por último, foi sinalizada a intenção de aplicação de medidas de cooperação na área de sanidade animal, em particular nos setores de carne suína e bovina.

Apesar de representarem um resultado positivo para o Brasil, deve-se ter em mente que as medidas acima são de caráter provisório. Nesse sentido, por meio de Comunicado da CAMEX e do Ministério da Indústria e Comércio, o governo brasileiro afirmou que a suspensão dos adicionais tarifários só será mantida caso os Estados Unidos cumpram os pontos acima mencionados. Se isso de fato ocorrer, deverá ser acordada uma nova suspensão, possivelmente de sessenta dias, visando estabelecer a forma de implementar as determinações da OMC.

Embora já exista na história da OMC, disputas em que o Órgão de Solução de Controvérsias autorizou a suspensão de concessões realizadas em acordo diferente daquele sobre o qual versa a controvérsia, o Brasil foi o primeiro país a efetivamente estabelecer um procedimento para colocar a retaliação cruzada em prática. Isso torna a atuação do Brasil, um caso para estudo sobre a viabilidade de criação de mecanismos de retaliação que sejam efetivos e prejudiquem o mínimo possível setores da indústria do país que pretende retaliar.

Ano 1 número 3 Maio 2010