REVISTA ENTRELUGAR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS Coordenadoria Editorial Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD Dourados, ano 3, n.6, 2º semestre de 2012. ENTRE-LUGAR Ano 3, n.6

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Revista Entre Lugar Versão 6 2013

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Page 1: REVISTA ENTRELUGAR

UNIVERSIDADE FEDERALDA GRANDE DOURADOS

Coordenadoria Editorial

Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação em Geografiada Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD

Dourados, ano 3, n.6, 2º semestre de 2012.

ENTRE-LUGARAno 3, n.6

Page 2: REVISTA ENTRELUGAR

UFGDReitor: Damião Duque de Farias

Vice- Reitor: Wedson Desidério Fernandes

COEDCoordenador Editorial: Edvaldo Cesar Moretti

Técnico de Apoio: Givaldo Ramos da Silva Filho

FACALEDiretor da Faculdade de Ciências Humanas

João Carlos de Souza

COMISSÃO CIENTÍFICA DA REVISTA ENTRE-LUGARAldomar Arnaldo Rückert (UFRGS), Adáuto de Oliveira Souza (UFGD), Ana Fani Alessandri Carlos (USP/CNPq), Antonio Thomaz Junior (Unesp – Presidente Prudente), Arlete Moysés Rodrigues (Unicamp), Cássio Eduardo Viana Hissa (UFMG), Carlos Espíndola (UFSC), Celene Cunha Monteiro A. Barreira (UFG – Goiânia), Charlei Aparecido da Silva(UFGD), Dirce Maria Antunes Suertergaray (UFRGS), Douglas Santos (PUC), Edvaldo César Moretti (UFGD), Flaviana Gasparotti Nunes(UFGD), Francisco de Assis Mendonça (UFPR/ANPEGE), Francisco Sergio Ladeira (Unicamp), João Edmilson Fabrini (Unioeste – Rondon), Lia Osório Machado (UFRJ), Lisandra Pereira Lamoso (UFGD), Marcelino Andrade Gonçalves (UFMS), Márcio Cataia (Unicamp), Márcio Pinon de Oliveira (UFF), Márcia Yukari Mizusaki (UFGD), Márcio Rogério Silveira (Unesp - Ourinhos), Marcos Aurélio Saquet (Unioeste - Beltrão), Margareth Cristiane Trindade da Costa Amorim (UNESP), Maria José Martinelli Silva Calixto (UFGD), Rogério Haesbaert da Costa (UFF/CNPq), Silvana de Abreu (UFGD), Silvio Carlos Rodrigues (UFU/CNPq (CA)), Tereza Cristina Cardoso de Souza Higa (UFMT), Wenceslao Machado de Oliveira Junior (Unicamp)

COMISSÃO INTERNACIONALAdriano Rovira (Instituto de Geociências Universidad Austral de Chile), Fabrício Vázquez (Universidade Nacional Asuncion – Paraguai), José Omar Moncada Maya (Universidad Nacional Autônoma do México (UNAN)), Maria Laura Silveira(Conicet- Instituto de Geografía, Universidad de Buenos Aires), Massimo Quaini (Unige/Itália), Xosé Manuel Santos Solla (USC/Espanha)

Entre-Lugar: Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFDG / Universidade Federal da Grande Dourados (ano 3, n.6, 2.semestre de 2012) -. Dourados, MS : UFGD, 2010-.

Semestral

ISSN 2176-9559

1. Geografia - Periódicos. I. Universidade Federal da Grande Dourados

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Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD|

Dourados, MS | ano 3 n.6 | p. 1-226 |2. semestre de 2012

UNIVERSIDADE FEDERALDA GRANDE DOURADOS

Coordenadoria Editorial

ENTRE-LUGARAno 3, n.6

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Entre-Lugarano 3, n.6, 2. semestre de 2012

EditoresCláudio Benito Oliveira Ferraz / Jones Dari Goettert

RevisãoA revisão gramatical é de responsabilidade dos(as) autores(as).

Editoração EletrônicaFabrício Trindade Ferreira ME

Correspondências para: UFGD/FCHRua João Rosa Goes, n. 1761, Vila ProgressoFones: (67) 3411-3600 Fax: (67) 3411-3637Caixa Postal 322 - CEP 79825-070 - Dourados-MS

Page 5: REVISTA ENTRELUGAR

SUMÁRIO

EDITORIAL - (XIV SIMpóSIO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA FÍSICA ApLICADA) ......11

Cláudio Benito O. Ferraz/Jones D. Goettert

FLUTUAÇÕES AMBIENTAIS DE CURTO pRAZO NA INTERFACE FLORESTA-CIDADE E AUMENTO DA VULNERABILIDADE A DESASTRES: UMA ANÁLISE A pARTIR DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO-RJ ............................................................19

Adriano Severo Figueiró

AVALIAÇÃO DO pOTENCIAL EROSIVO EM BACIAS HIDROGRÁFICAS: ESTUDO DE CóRREGO BOM JARDIM, BRASILÂNDIA/MS .................................................................................45

André Luiz Pinto

pLANEJAMENTO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS COMO INSTRUMENTO pARA O GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS ..............65

Antonio Cezar Leal.

TEORIA GERAL DO SISTEMA: HISTóRICO E CORRELAÇÕES COM A GEOGRAFIA E COM O ESTUDO DA pAISAGEM .........................................................85

Cláudia Câmara do Vale

O CLIMA E A GESTÃO DO TERRITóRIO: O pApEL DA DEFESA CIVIL NO pROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DAS ÁREAS ATINGIDAS pOR EVENTOS ATMOSFÉRICOS EXTREMOS .......................................................................................109

Edson Soares Fialho

A AÇÃO ANTRópICA SOBRE OS SOLOS NOS DIFERENTES BIOMAS BRASILEIROS – TERRAS INDÍGENAS E SOLOS URBANOS ..............................................................127

Francisco Sergio Bernardes Ladeira

O USO DE TÉCNICAS E pRÁTICAS NO ENSINO-ApRENDIZAGEM E SUAS CONTRIBUIÇÕES NO pROCESSO DE FORMAÇÃO .................................................141

Luis Antonio Bittar Venturi

EDUCAÇÃO EM SOLOS, EDUCAÇÃO AMBIENTAL INCLUSIVA E FORMAÇÃO CONTINUADA DE pROFESSORES: MÚLTIpLOS ASpECTOS DO SABER GEOGRÁFICO .................................................................................................................153

Maria Cristina Perusi / Carla Cristina / Reinaldo Gimenes de Sena

Page 6: REVISTA ENTRELUGAR

CONTRIBUIÇÃO À CARACTERIZAÇÃO DAS SUB-REGIÕES DO pANTANAL.......165

Camila Leonardo Mioto / Antonio Conceição Paranhos Filho / Edilce do Amaral Albrez

USO DA TERRA DOS BIOMAS BRASILEIROS E O IMpACTO SOBRE A QUALIDADE DO SOLO .........................................................................................................................181

Ricardo Simão Diniz Dalmolin / Alexandre ten Caten

RESENHA .........................................................................................................................................197LINS, Daniel; OLIVEIRA, Nilson; BARROS, Roberto (ORGS.)

NIETZSCHE/DELEUZE NATUREZA/CULTURA. Sao Paulo: Lumme Editor, 2011Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG)

ENTREVISTA ...................................................................................................................................203

pROF. DR. CHARLEI SILVA (Coordenador do XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada) Flaviana G. Nunes

NORMAS pARA pUBLICAÇÃO ......................................................................................209

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SUMÁRIO

EDITORIAL - (XIV SIMpóSIO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA FÍSICA ApLICADA) ......13

Cláudio Benito O. Ferraz/Jones D. Goettert

ARTÍCULOS .......................................................................................................................17

FLUCTUACIONES AMBIENTALES EN LA INTERFAZ DE CORTO pLAZO BOSQUE-CIUDAD Y UNA MAYOR VULNERABILIDAD A LOS DESASTRES: UN ANÁLISIS DE LA CIUDAD DE RIO DE JANEIRO-RJ ...........................................................................19

Adriano Severo Figueiró

EVALUACIóN DEL pOTENCIAL EROSIVO EM CUENCAS HIDROGRAFICAS: ESTUDO DEL CóRREGO BOM JARDIN, BRASILANDIA/MS ...................................45

André Luiz Pinto

pLANIFICACIóN DE CUENCAS HIDROGRÁFICAS COMO HERRAMIENTA pARA LA GESTIóN DE LOS RECURSOS HÍDRICOS .............................................................65

Antonio Cezar Leal.

TEORÍA GENERAL DEL SISTEMA: HISTóRICO Y CORRELACIONES CON LA GEOGRAFÍA EL ESTUDIO DE pAISAJE .........................................................................85

Cláudia Câmara do Vale

EL TIEMpO Y LA pLANIFICACIóN DE LA GESTIóN: EL pApEL DE LA DEFENSA CIVIL EN EL pROCESO DE RECONSTRUCCIóN DE LAS ZONAS AFECTADAS pOR LOS FENóMENOS METEOROLóGICOS EXTREMOS ..............................................109

Edson Soares Fialho

LA ACIóN ATRópICA SOBRE EL SUELO DE DISTINTOS BIOMAS EN BRASIL: TIERRAS INDÍGENAS Y SUELOS URBANOS ..............................................................127

Francisco Sergio Bernardes Ladeira

L´UTILISATION DES TECHNIQUES ET pRATIQUES DANS L´ENSEIGNEMENT-AppRENTISSAGE ET LEURS CONTRIBUTIONS pOUR LE pROCESSUS DE FORMATION ...................................................................................................................141

Luis Antonio Bittar Venturi

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LA EDUCACIóN EN SUELOS, EDUCACIóN AMBIENTAL INCLUSIVA Y FORMACIóN CONTINUADA DE pROFESORES: LOS MULTIpLES ASpECTOS DEL CONOCIMIENTO GEOGRÁFICO ................................................................................153

Maria Cristina Perusi / Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena

CONTRIBUICIóN A LA CARACTERIZACIóN DE LAS SUBREGIONES DEL pANTANAL .......................................................................................................................165

Camila Leonardo Mioto / Antonio Conceição Paranhos Filho / Edilce do Amaral Albrez

USO DE LA TIERRA DE BIOMAS BRASILEÑOS Y EL IMpACTO LA CALIDAD DEL SUELO ..............................................................................................................................181

Ricardo Simão Diniz Dalmolin / Alexandre ten Caten

RESEÑA. ............................................................................................................................................197LINS, Daniel; OLIVEIRA, Nilson; BARROS, Roberto (ORGS.)

NIETZSCHE/DELEUZE NATUREZA/CULTURA. Sao Paulo: Lumme Editor, 2011Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG)

ENTREVISTA ...................................................................................................................................203

pROF. DR. CHARLEI SILVA (Coordenador do XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada) Flaviana G. Nunes

NORMAS pARA pUBLICACIóN ..................................................................................................215

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SUMMARY

FOREWORD - (XIV SIMpóSIO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA FÍSICA ApLICADA) ....15

ARTICLES ..........................................................................................................................17

ENVIRONMENTAL FLUCTUATIONS OF SHORT-TERM IN THE INTERFACE FOREST-CITY AND INCREASED VULNERABILITY TO DISASTERS: AN ANALYSIS FROM THE RIO DE JANEIRO CITY ...............................................................................19

Adriano Severo Figueiró

EVALUATION OF THE EROSIVE pOTENTIAL IN BASINS HYDROGRApHICAL: BOM STREAM STUDY JARDIM, BRASILÂNDIA/MS ...................................................45

André Luiz Pinto

ENVIRONMENTAL pLANNING IN WATERSHEDS AS A TOOL TO WATER RESOURCES MANAGEMENT .........................................................................................65

Antonio Cezar Leal.

GENERAL SYSTEM THEORY: HYSTORY AND CORRELATIONS WITH GEOGRApHYAND THE STUDY OF THE LANDSCApE ...............................................85

Cláudia Câmara do Vale

WEATHER AND MANAGEMENT pLANNING: THE ROLE OF CIVIL DEFENSE IN THE pROCESS OF RECONSTRUCTION OF AREAS HIT BY EXTREME WEATHER EVENTS ............................................................................................................................109

Edson Soares Fialho

THE ANTROpIC ACTION ON THE GROUND IN DIFFERENT BRAZILIAN BIOMES - INDIGENOUS LANDS AND URBAN SOILS ..............................................................127

Francisco Sergio Bernardes Ladeira

THE USE OF TECHNICS AND pRATICS IN TEACHING-LEARNING AND ITS CONTRIBUTION TO FORMATION pROCESS ...........................................................141

Luis Antonio Bittar Venturi

SOIL EDUCATION, INCLUSIVE ENVIRONMENTAL EDUCATION AND TEACHER’S CONTINUING EDUCATION: MULTIpLE ASpECTS OF THE GEOGRApHIC KNOWLEDGE .................................................................................................................153

Maria Cristina Perusi / Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena

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CONTRIBUTION TO THE CHARACTERIZATION OF pANTANAL’S SUB-REGIONS ...165

Camila Leonardo Mioto / Antonio Conceição Paranhos Filho / Edilce do Amaral Albrez

LAND USE OF BRAZILIAN BIOMES AND IMpACT ON SOIL QUALITY .................181

Ricardo Simão Diniz Dalmolin / Alexandre ten Caten

REVIEW ............................................................................................................................................197LINS, Daniel; OLIVEIRA, Nilson; BARROS, Roberto (ORGS.)

NIETZSCHE/DELEUZE NATUREZA/CULTURA. Sao Paulo: Lumme Editor, 2011Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG)

INTERVIEW .....................................................................................................................................203

pROF. DR. CHARLEI SILVA (Coordenador do XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada) Flaviana G. Nunes

GUIDELINES FOR SUBMISSIONS ...............................................................................221

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Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 3, n.6, 2. semestre de 2012

EDITORIAL

Este é o sexto número de nossa revista Entre-Lugar, revista vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no estado do Mato Grosso do Sul. É um número especial, pois apresenta os textos selecionados do XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, que se deu entre 11 a 16/07 de 2012, na UFGD, os quais foram aprovados pelos pareceristas e atendem o amplo campo de pesquisas em Geografia.

Temos o artigo FLUTUAÇÕES AMBIENTAIS DE CURTO PRAZO NA INTERFA-CE FLORESTA-CIDADE E AUMENTO DA VULNERABILIDADE A DESASTRES: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO-RJ, de Adriano Seve-ro Figueiró, professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria (RS). André Luiz Pinto, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas, escreveu o artigo AVALIAÇÃO DO POTENCIAL EROSIVO EM BACIAS HIDROGRÁFICAS: ESTUDO DE CÓRREGO BOM JARDIM, BRASILÂN-DIA/MS. E Antonio Cezar Leal, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Uni-versidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente (São Paulo), escreveu o artigo PLANEJAMENTO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS COMO INSTRU-MENTO PARA O GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS.

Da Universidade Federal do Espírito Santo temos o artigo de Cláudia Câmara do Vale TEORIA GERAL DO SISTEMA: HISTÓRICO E CORRELAÇÕES COM A GEO-GRAFIA E COM O ESTUDO DA PAISAGEM. Da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, o artigo de Edson Soares Fialho O CLIMA E A GESTÃO DO TERRITÓ-RIO: O PAPEL DA DEFESA CIVIL NO PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DAS ÁREAS ATINGIDAS POR EVENTOS ATMOSFÉRICOS EXTREMOS.

Francisco Sergio Bernardes Ladeira, da Universidade Estadual de Campinas (SP), escre-veu o artigo A AÇÃO ANTRÓPICA SOBRE OS SOLOS NOS DIFERENTES BIOMAS BRASILEIROS – TERRAS INDÍGENAS E SOLOS URBANOS. Da USP (Universidade de São Paulo), Luis Antonio Bittar Venturi escreveu O USO DE TÉCNICAS E PRÁTI-CAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM E SUAS CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO DE FORMAÇÃO. O artigo EDUCAÇÃO EM SOLOS, EDUCAÇÃO AMBIENTAL INCLUSIVA E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: MÚLTIPLOS ASPECTOS DO SABER GEOGRÁFICO foi escrito por Maria Cristina Perusi e Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena, ambas professoras da Universidade Estadual Paulista, campus de Ourinhos (SP).

A engenheira ambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Campo Grande, Camila Leonardo Mioto, a pós-graduada em Tecnologia Ambiental Edilce

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Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 3, n.6, 2. semestre de 201212

do Amaral Albrez e o professor da UFMS Antonio Conceição Paranhos, escreveram o artigo, CONTRIBUIÇÃO À CARACTERIZAÇÃO DAS SUB-REGIÕES DO PANTANAL. O último artigo USO DA TERRA DOS BIOMAS BRASILEIROS E O IMPACTO SOBRE A QUALIDADE DO SOLO, foi escrito por Ricardo Simão Diniz Dalmolin e Alexandre ten Caten, ambos da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

Além desses artigos, temos a resenha do livro organizado por Daniel LINS, Nilson OLIVEIRA e Roberto BARROS Nietzsche/Deleuze Natureza/Cultura. A resenha foi ela-borada pelos membro do Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG), da UNESP Presidente Prudente (SP) e UFGD, Dourados (MS). Finalizando, temos a entrevista com o professor doutor Charlei da Silva, o coordenador geral do XIV Simpósio Brasileiro de Geo-grafia Física Aplicada, que permitiu esse número especial da Entre-Lugar.

A todos, boas reflexões e entretenimentos entre os lugares dos saberes aqui propostos.

Atenciosamente, os editores.

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Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 3, n.6, 2. semestre de 2012

EDITORIAL

Presentamos aquí el sexto número de nuestra revista Entre-Lugar, revista del Programa de Posgrado en Geografía de la Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), en el estado del Mato Grosso do Sul (Br).

Es un número especial, ya que presenta los textos seleccionados de XIV Simpósio Bra-sileiro de Geografia Física Aplicada, que se se llevó a cabo entre 11 y 16/07 de 2012, em la UFGD, los cuales fueron aprobados por los árbitros y satisfacen el amplio campo de inves-tigación en Geografía.

Tenemos el articulo FLUCTUACIONES AMBIENTALES EN LA INTERFAZ DE CORTO PLAZO BOSQUE-CIUDAD Y UNA MAYOR VULNERABILIDAD A LOS DESASTRES: UN ANÁLISIS DE LA CIUDAD DE RIO DE JANEIRO-RJ, de Adriano Severo Figueiró, profesor del Departamento de Geociências de la Universidade Federal de Santa Maria (RS). André Luiz Pinto, profesor de la Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas, escrebió el articulo EVALUACIÓN DEL POTENCIAL ERO-SIVO EM CUENCAS HIDROGRAFICAS: ESTUDO DEL CÓRREGO BOM JAR-DIN, BRASILANDIA/MS. Y Antonio Cezar Leal, profesor de la Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus del Presidente Prudente (São Pau-lo), escrebió el articulo PLANIFICACIÓN DE CUENCAS HIDROGRÁFICAS COMO HERRAMIENTA PARA LA GESTIÓN DE LOS RECURSOS HÍDRICOS.

De la Universidade Federal do Espírito Santo tenemos el articulo de Cláudia Câma-ra do Vale TEORÍA GENERAL DEL SISTEMA: HISTÓRICO Y CORRELACIONES CON LA GEOGRAFÍA EL ESTUDIO DE PAISAJE. De la Universidade Federal de Vi-çosa, Minas Gerais, el articulo de Edson Soares Fialho EL TIEMPO Y LA PLANIFICA-CIÓN DE LA GESTIÓN: EL PAPEL DE LA DEFENSA CIVIL EN EL PROCESO DE RECONSTRUCCIÓN DE LAS ZONAS AFECTADAS POR LOS FENÓMENOS METEOROLÓGICOS EXTREMOS.

Francisco Sergio Bernardes Ladeira, de la Universidade Estadual de Campinas (SP), escrebió el articulo LA ACIÓN ATRÓPICA SOBRE EL SUELO DE DISTINTOS BIO-MAS EN BRASIL: TIERRAS INDÍGENAS Y SUELOS URBANOS. De la USP (Uni-versidade de São Paulo), Luis Antonio Bittar Venturi escrebió L´UTILISATION DES TECHNIQUES ET PRATIQUES DANS L´ENSEIGNEMENT-APPRENTISSAGE ET LEURS CONTRIBUTIONS POUR LE PROCESSUS DE FORMATION (en español: USO DE TÉCNICAS Y PRÁCTICAS EN EL ENSEÑANZA-APRENDIZAJE Y SUS CONTRIBUCIONES EN EL PROCESO DE FORMACIÓN). El articulo LA EDU-CACIÓN EN SUELOS, EDUCACIÓN AMBIENTAL INCLUSIVA Y FORMACIÓN CONTINUADA DE PROFESORES: LOS MULTIPLES ASPECTOS DEL CONOCI-

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MIENTO GEOGRÁFICO fue escrito por Maria Cristina Perusi y Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena, de la Universidade Estadual Paulista, campus de Ourinhos (SP).

La e ingeniera ambiental egressa de la Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Campo Grande, Camila Leonardo Mioto, la postgrada en tecnología medioam-biental Edilce do Amaral Albrez y el profesor de la UFMS Antonio Conceição Paranhos, que escribió el articulo, CONTRIBUICIÓN A LA CARACTERIZACIÓN DE LAS SU-BREGIONES DEL PANTANAL. El último articulo USO DE LA TIERRA DE BIOMAS BRASILEÑOS Y EL IMPACTO LA CALIDAD DEL SUELOSOLO, fue escrito por Ri-cardo Simão Diniz Dalmolin y Alexandre ten Caten, ambos son de la Universidade Federal de Santa Maria, en Rio Grande do Sul.

Además de estos artículos, se hay una reseña del libro organizado por Daniel LINS, Nilson OLIVEIRA y Roberto BARROS Nietzsche/Deleuze Natureza/Cultura. La reseña fue elaborada por membros del Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG) da Universidade Federal da Grande Dourados (MS) e da UNESP de Presidente Prudente (SP). Por último, tenemos la entrevista con el Profesor Dr Charlei da Silva, el coordenador de lo XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, que permitió a este número especial de la Entre-Lugar.

A todos, buenas reflexiones y entretenimientos entre los lugares de los saberes aquí propuestos.

Atentamente, los editores.

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Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 3, n.6, 2. semestre de 2012

FOREWORD

We presented the sixth issue of our journal Entre-Lugar, journal linked to Geography postgraduate course of Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), in the state of Mato Grosso do Sul.

It is a special number because it presents the texts selected of XIV Simpósio Brasilei-ro de Geografia Física Aplicada, that occurred between 11 and 16/07 of 2012 in UFGD, which were approved by the evaluators and meet the various lines of research in Geography

Started with Article ENVIRONMENTAL FLUCTUATIONS OF SHORT-TERM IN THE INTERFACE FOREST-CITY AND INCREASED VULNERABILITY TO DI-SASTERS: AN ANALYSIS FROM THE RIO DE JANEIRO CITY, by Adriano Severo Figueiró, teacher of Geosciences Department in Universidade Federal de Santa Maria (RS). André Luiz Pinto, teacher of Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, in Três Lagoas campus, wrote the article EVALUATION OF THE EROSIVE POTENTIAL IN BASINS HYDROGRAPHICAL: BOM STREAM STUDY JARDIM, BRASILÂNDIA/MS. An-tonio Cezar Leal of Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus Presidente Prudente (São Paulo), wrote the article ENVIRONMENTAL PLAN-NING IN WATERSHEDS AS A TOOL TO WATER RESOURCES MANAGEMENT.

From Universidade Federal do Espírito Santo have the article GENERAL SYSTEM THEORY: HYSTORY AND CORRELATIONS WITH GEOGRAPHYAND THE STUDY OF THE LANDSCAPE by Cláudia Câmara do Vale. From Universidade Federal de Viçosa, in Minas Gerais, the article WEATHER AND MANAGEMENT PLANNING: THE ROLE OF CIVIL DEFENSE IN THE PROCESS OF RECONSTRUCTION OF AREAS HIT BY EXTREME WEATHER EVENTS by Edson Soares Fialho.

Francisco Sergio Bernardes Ladeira, from Universidade Estadual de Campinas (SP), wrote the article THE ANTROPIC ACTION ON THE GROUND IN DIFFERENT BRAZILIAN BIOMES - INDIGENOUS LANDS AND URBAN SOILS. From USP (Universidade de São Paulo), Luis Antonio Bittar Venturi wrote the article THE USE OF TECHNICS AND PRATICS IN TEACHING-LEARNING AND ITS CONTRIBU-TION TO FORMATION PROCESS. The article SOIL EDUCATION, INCLUSIVE ENVIRONMENTAL EDUCATION AND TEACHER’S CONTINUING EDUCA-TION: MULTIPLE ASPECTS OF THE GEOGRAPHIC KNOWLEDGE was written by Maria Cristina Perusi and Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena, both teachers in Universidade Estadual Paulista, campus Ourinhos (SP).

The environmental engineer by Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, cam-pus Campo Grande, Camila Leonardo Mioto, the postgraduate degree in Environmen-

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tal Technology Edilce do Amaral Albrez and the teacher of UFMS Antonio Conceição Paranhos wrote the article CONTRIBUTION TO THE CHARACTERIZATION OF PANTANAL’S SUB-REGIONS. The last article LAND USE OF BRAZILIAN BIOMES AND IMPACT ON SOIL QUALITY was written by Ricardo Simão Diniz Dalmolin and Alexandre ten Caten, both of Universidade Federal de Santa Maria, in Rio Grande do Sul.

In addition to these articles, we have a book review edited by Daniel LINS, Nilson OLIVEIRA e Roberto BARROS Nietzsche/Deleuze Natureza/Cultura. The review was pre-pared by Languages Geographic Research Group (GPLG) of UNESP and UFGD. Finally, we have the interview with Charlei da Silva, the general coordinator of XIV Simpósio Bra-sileiro de Geografia Física Aplicada, allowing this special issue of Entre-Lugar.

To all, good reflections and entertainments among the places of the know here proposed.

Respectfully, the editors.

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ARTIGOS

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Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 3, n.6, p 19-43, 2. semestre de 2012

FLUTUAÇÕES AMBIENTAIS DE CURTO pRAZO NA INTERFACE FLORESTA-CIDADE E AUMENTO DA

VULNERABILIDADE A DESASTRES: UMA ANÁLISE A pARTIR DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO-RJ

FLUCTUACIONES AMBIENTALES EN LA INTERFAZ DE CORTO PLAZO BOSQUE-CIUDAD Y UNA MAYOR VULNERABILIDAD A LOS DESASTRES: UN ANÁLISIS DE LA CIUDAD DE RIO DE JANEIRO-RJ

ENVIRONMENTAL FLUCTUATIONS OF SHORT-TERM IN THE INTERFACE FOREST-CITY AND INCREASED VULNERABILITY TO

DISASTERS: AN ANALYSIS FROM THE RIO DE JANEIRO CITYAdriano Severo Figueiró

Departamento de Geociências- Universidade Federal de Santa Maria – Coordenador do Laboratório de Geoecologia e Educação Ambiental (LAGED)

e pesquisador do Grupo de Análise e Investigação Ambiental (GAIA)

[email protected]

Resumo: O rápido crescimento das cidades, combinado com as mudanças climáticas e a explosão populacional urbana, tende a criar novas tensões para os assentamentos ur-banos, tornando a população cada vez mais vulnerável. Este estudo parte do princípio de que uma redução da funcionalidade ambiental dos sistemas urbanos, especialmente no que se refere à degradação das áreas de recarga, pode aumentar a vulnerabilidade à ocorrência de desastres. A análise de vinte e sete anos de precipitação para a cidade do Rio de janeiro, demonstra uma tendência clara de redução dos totais pluviométricos anuais, com concen-tração da chuva nas classes de maior intensidade e menor frequência.

palavras-chave: Flutuação ambiental; Floresta; Cidade; Desastres.

Resumen: El rápido crecimiento de las ciudades, en combinación con el cambio climático y la explosión demográfica urbana, tiende a crear nuevas tensiones en los asentamientos urbanos, haciendo que la población cada vez más vulnerable. Este estudio supone que una reducción de la característica ambiental de los sistemas urbanos, especialmente con respecto a la degradación de las zonas de recarga puede aumentar la vulnerabilidad a los desastres. El análisis de veintisiete años de lluvia para la ciudad de Río de Janeiro muestra una clara tendencia a la reducción de la precipitación total anual con concentración de lluvia en las clases de mayor intensidad y una frecuencia más baja.

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palabras clave: Fluctuaciones ambientales; Bosques; Ciudad; Desastres.

Abstract: The rapid growth of cities, combined with climate change and the urban popula-tion explosion, will create new stresses for urban settlements and make city dwellers increas-ingly vulnerable. This study assumes that a reduction of environmental functionality of urban systems, especially with regard to the degradation of recharge areas, may increase vulnerability to disasters. Analysis of twenty-seven years of rainfall to the city of Rio de Janeiro, shows a clear trend of reduction of total annual rainfall, concentrated rainfall classes with higherintensity and lower frequency

Keywoords: Environmental fluctuations; Forest; City; Disaster.

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INTRODUÇÃO

As proposições conservacionistas fundamentadas na reprodução de ecossistemas ‘naturais’ em equilíbrio permanente não consideram que é impossível anular a ação humana sobre os mesmos, mas apenas regulá-la. (BRESSAN, 1996, p. 45)

A ocorrência dos desastres ditos “naturais”, como nos lembram Burton et al (1978), está associada tanto aos mecanismos que regulam a variabilidade da dinâmica da natureza, quan-to aos (des)controles promovidos pela sociedade no processo de transformação do espaço e modificação das estruturas naturais. A resposta a estas mudanças, em termos de aumento da quantidade e magnitude dos desastres, faz com que Lavell (1999) considere a vulnerabilida-de aos riscos como um processo socialmente construído.

Considerando que as áreas urbanas correspondem a espaços onde a estabilidade do sistema ambiental é comprometida por um alto grau de entropia intrínseca (Pereira, 2001), é justamente aí onde estes processos de “produção” da vulnerabilidade têm assumido pro-porções bastante preocupantes, especialmente a partir da última década. Mendonça (2010) afirma de forma bastante clara, que “o planejamento urbano não tem considerado a relação entre as mudanças e variabilidades climáticas, as vulnerabilidades naturais da superfície ter-restre e o crescimento das cidades” (p.136).

Levando-se em conta que, atualmente, mais da metade da população mundial é urba-na, e que de cada três moradores urbanos um vive em assentamentos marginais ou favelas lotadas (LEONI, 2010), com enorme perda dos serviços ambientais capazes de estabelecer algum limite de resiliência às flutuações do sistema ambiental (figura 1), somos obrigados a concluir que o rápido crescimento urbano mundial, combinado com as variabilidades climáticas em diferentes escalas, tem contribuído para elevar de forma geométrica o nível de vulnerabilidade humana a desastres naturais no planeta.

A maior parte destes desastres está relacionada com as entradas de água no sistema ambiental. Segundo levantamento de Maffra e Mazzola (2007), 69% dos desastres naturais ocorridos no Brasil entre 2000 e 2007 estiveram ligados à incapacidade do sistema ambien-tal em absorver tais inputs, produzindo deslizamentos e enchentes, com perdas humanas e materiais. Tais dados são corroborados por Nunes (2007), ao analisar a evolução das tipolo-gias de desastres naturais no mundo entre 1950 e 2005, como se apresenta no gráfico abaixo.

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Gráfico I - Evolução dos desastres naturais ocorridos no mundo entre 1950 e 2005

Fonte: Nunes (2007)

Ao analisarmos as informações presentes no gráfico sobre a evolução da quantidade de desastres naturais ocorridos no mundo entre 1950 e 2005, perceba-se que o aumento do número de eventos nas últimas décadas é representado, basicamente, pelo incremento de inundações (em azul) e vendavais (em verde).

Para Coelho Netto (1998), é preciso considerar que a disponibilidade de água, bem como a sua mobilidade na paisagem (superficial e subsuperficial), “[...] constituem condições limitantes à regulagem dos ajustes internos e externos dos geoecossistemas, particularmente em regiões úmidas” (p.27).

É nesse ponto que reside a importância dos fragmentos florestais em áreas urbanas, es-pecialmente para cidades que se desenvolvem ao longo de vertentes úmidas. A interceptação promovida pela vegetação reduz a energia erosiva das gotas de chuva1 e, após uma estocagem temporária da água no nível das copas e/ou na serapilheira, disponibiliza a umidade para o topo do solo. A água infiltrada e estocada no solo torna-se disponível à absorção pelas plan-tas e também ao retorno para a atmosfera por evapotranspiração. A água que não retorna à atmosfera recarrega o reservatório de água subsuperficial ou subterrânea e daí converge muito lentamente para as correntes de fluxos (COELHO NETTO, 1995).

Dessa forma, salienta Neumann (1989), “a floresta mantém, de certo modo, a paisagem em equilíbrio com o sistema hídrico regional, evitando catástrofes de ordem erosiva e a degrada-ção ambiental” (p.5).

Diversos são os serviços ambientais prestados pelos geoecossistemas florestais; no en-tanto, em áreas tropicais de encosta, os mais importantes, dizem respeito às relações que o sistema florestal estabelece com os processos hidrológicos, uma vez que a natureza da pai-

1 Para Gardner (1960), neste sistema, o fluxo de água corre no sentido da diminuição de sua energia potencial.

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sagem (tipo, forma e densidade da cobertura, declive da superfície e características do solo) condiciona os fluxos superficiais e subsuperficiais que, por sua vez, definem os mecanismos erosivo-deposicionais nas áreas a jusante.

Por outro lado, para compreender a capacidade de estocagem de água pelo sistema, é preciso considerar também a estreita relação entre a duração da chuva, a densidade da massa vegetal e a absorção de água pelo solo (BERNAL e AGUIAR, 1982).

Assim, o percentual de interceptação das águas da chuva é uma função tanto da fre-qüência das precipitações, quanto das características estruturais do dossel (DUNNE e LE-OPOLD, 1978). Nos lugares com chuvas curtas, freqüentes e de baixa intensidade, o total anual de interceptação será certamente maior do que nos locais onde ocorrem chuvas fortes, pouco freqüentes e de grande intensidade, típicas das áreas tropicais dominadas por uma dinâmica atmosférica de frontogênese.

Dessa forma, considerando que a demanda por evapotranspiração é praticamente constante nas regiões tropicais (REICHARDT, 1975), uma mudança no regime de dis-tribuição das chuvas traz como conseqüência inevitável, uma reorganização (leia-se refun-cionalização) da parte biótica em relação ao uso da água disponível, armazenada no solo. A dimensão deste desequilíbrio dependerá da habilidade das raízes de absorver a água do solo, bem como das propriedades do solo no fornecimento e na transmissão desta água até as raízes, em uma proporção que satisfaça as exigências da transpiração. Vê-se, então, que o fenômeno depende de fatores do solo (especialmente nas características que se relacio-nam à condutividade hidráulica), da planta (densidade, profundidade, orientação, taxa de crescimento e fisiologia das raízes) e da atmosfera (distribuição da precipitação, déficit de saturação, vento e radiação disponível).

Em função do que se apresentou até aqui, é possível perceber que as chuvas e as flo-restas representam elementos interatuantes da paisagem, ou seja, ao mesmo tempo em que as características da precipitação condicionam características estruturais e funcionais da ve-getação (em função do volume, freqüência e intensidade das precipitações e do aporte de nutrientes), a vegetação também regula importantes aspectos da precipitação (seja pelo con-trole da liberação de umidade na evapotranspiração, seja pela ação na regulagem da tempe-ratura da atmosfera). Para Bonan (2002), esse processo dá origem ao conceito de “coevolução do clima e da vida”, onde “a atividade biológica é regulada pelo clima e, por sua vez, através da ciclagem de energia, água e elementos químicos, regula o clima” (p.11). Esta visão é também compartilhada por Nobre (1992), ao afirmar:

Pensava-se que os mecanismos responsáveis pelas altas e quase contínuas taxas de precipitação [...] eram ligados à circulação geral da atmosfera e não dependiam da vegetação. Esta visão tem sido modificada nos últimos 15 anos, à medida que experimentos com modelos complexos da atmosfera têm demonstrado que a presença ou ausência de vegetação pode influenciar o clima regional. Uma implicação desses resultados é que o clima atual e a vegetação coexistem num equilíbrio dinâmico que pode ser alterado por perturbações em qualquer dos dois componentes (p10).

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Assim, quando se pensa a relação entre a água e a floresta num contexto de fragmenta-ção florestal e geração de efeitos de borda, a discussão da variabilidade pluviométrica assume uma dimensão ainda mais significativa, já que, ao afetar sobremaneira a condição microcli-mática das áreas florestadas, a fragmentação pode induzir a uma redução na disponibilidade de água, particularmente nas bordas (KAPOS et al, 1997); e, para os indivíduos das bordas, uma maior demanda evaporativa poderia significar um déficit hídrico severo, gerando per-das de funcionalidade e aumento da vulnerabilidade a desastres.

VARIABILIDADE CLIMÁTICA NO pERÍODO ATUAL: CONTEXTUALIZANDO O DEBATE ACERCA DAS MUDANÇAS

NO REGIME DAS CHUVAS

Nas escalas histórica e geológica de tempo, o regime de chuvas tem apresentando uma variabilidade que pode chegar a centenas de anos, como revelam os estudos de Thompson et al (1985) e Grissino-Mayer (1996) presentes no gráfico a seguir. Gráfico II - Reconstrução geológica das variações pluviométricas

Fonte: Grissino-Mayer (1996)

O gráfico apresenta a reconstrução geológica das variações pluviométricas na região NW do Novo México (U.S.A.) nos últimos 2.129 anos, demonstrando o comportamento cíclico das precipitações. Apesar de ser um estudo local, expressa o sentido global desse processo.

Para além da associação com fenômenos naturais de variabilidade da dinâmica atmos-férica (PHILANDER e FEDOROV, 2003), este aquecimento global é também creditado a um aumento potencial das taxas de temperaturas em escalas regional e/ou local, decorrentes das mudanças ambientais marcadas, de um lado, pela forte expansão dos centros urbanos e industriais (LAHMER et al, 2001) e, de outro, por altas taxas de retração dos remanescentes florestais (BRUIJNZEEL, 1988).

Nos últimos anos, graças à evolução dos modelos preditivos, vem se tornando cada vez mais freqüente a divulgação de informações sobre distorções no comportamento climático esperado para diversas regiões do Planeta (WANG e SCHIMEL, 2003), tanto na literatura especializada como na mídia de amplo alcance. Essas distorções têm sido atribuídas, pelo

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menos em parte, aos efeitos do aumento da temperatura média global sobre a circulação geral da atmosfera (ARNELL, 2003).

Associado a este aumento médio da temperatura, alguns estudos (HULME e SHE-ARD, 1999; WALSH, 1996; MEIS et al, 1981) têm identificado uma clara tendência de redução dos totais pluviométricos anuais para algumas regiões do Planeta2 (vide o gráfico III), as quais, muito provavelmente, estão ligadas à tendência cíclica de variação pluviomé-trica já anteriormente referida. Gráfico III - Variação pluviométrica no Brasil no sec. XX

Fonte: Hulme e Sheard (1999).

O gráfico evidencia, para o caso brasileiro, um claro predomínio dos desvios negativos, decorrentes da tendência secular de redução dos totais pluviométricos anuais, espelhando um comportamento mais geral do fenômeno.

Essa tendência à redução das chuvas pode representar, de certa maneira, um stress adi-cional aos sistemas florestais já ameaçados, uma vez que, segundo Nobre (1992) “[...] devido ao aumento da temperatura, poderia haver aumento da demanda evaporativa e redução da água disponível no solo até mesmo em áreas que experimentassem aumento das chuvas” (p.01).

Somam-se a isso as evidências acumuladas durante as últimas décadas, de que algu-mas variações interanuais de precipitação estão, de alguma maneira, relacionadas com as oscilações periódicas do sistema atmosfera-oceano no Pacífico Equatorial, conhecido como fenômeno de “El Niño” (ou ENSO- “El Niño Southern Oscillation).

2 A discussão de tendências pluviométricas tem sido um dos assuntos mais controversos dentro da literatura que discute mudanças climáticas, justamente pela dificuldade de se estabelecer padrões universais para um fenômeno que apresenta tanta variação espaço-temporal. Mesmo regiões que estejam geograficamente próximas, podem assumir comportamentos bastante diferenciados, definidos pela variação dos controles locais. Um exemplo disso, é o estudo desenvolvido por Sant’Anna Neto (1995), demonstrando a diferença de tendências existente entre a região litorânea (decréscimo de precipitações) e o planalto ocidental paulista (tendência de aumento dos totais pluviométricos). Além disso, o caráter cíclico da variável em questão pode permitir interpretações diferenciadas para um mesmo local, dependendo do intervalo de tempo utilizado.

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Este fenômeno, segundo Cavalier e Vargas (2002), apresenta uma periodicidade média de 3 a 5 anos, podendo variar de 2 a 7 anos. Ele tem uma duração de 14 a 22 meses e começa com uma diminuição dos ventos Alísios de leste sobre o Pacífico equatorial. Esta redução da intensidade do vento resulta em uma diminuição da espessura das águas quentes superficiais sobre o Pacífico ocidental (SE da Ásia) e, de forma concomitante, em um aumento das tem-peraturas superficiais do Pacífico central e oriental, estendendo-se até as costas da América do Sul (HASTENRATH, 1990).

No Brasil, embora as conseqüências de tal fenômeno sejam mais evidentes e regulares para as regiões Sul e Nordeste (DZINSKI, 1995), é possível se pensar, tal como se tentará demonstrar mais à frente, que as ocorrências de El Niño concorrem para uma intensificação da circulação das massas de ar sobre a região Sudeste durante o verão, ocasionado aumento de chuvas frontais, com concentração dos eventos durante estes meses.

Neste caso, uma hipótese bastante razoável é a de que o agravamento da variabilidade pluviométrica sobre a região Sudeste reside justamente no somatório destas duas tendências apresentadas, ou seja, tendência secular de redução dos totais pluviométricos anuais, e ten-dência de concentração dos eventos de chuva nos meses de verão, durante os períodos de ação de El Niño.

Já na escala local, Nimer (1971) destaca que as barreiras impostas pelo relevo montanho-so à circulação das massas de ar promovem variações quantitativas das chuvas frontais, além de propiciarem alguns eventos de chuvas locais. As chuvas convectivas, de abrangência local, também estão fortemente associadas à geração de ilhas de calor nas grandes metrópoles, po-dendo igualmente potencializar os efeitos dos mecanismos de chuvas frontais (MONTEIRO, 1976; BRANDÃO, 2001). A mudança nos padrões de cobertura transforma a aerodinâmica e as propriedades radiativas da superfície, modificando o comportamento da temperatura e da umidade na camada de ar mais próxima do local transformado. Nestes, modificam-se espe-cialmente os parâmetros de conforto térmico (GÓMEZ et al, 2001), sob a influência daquilo que Oke (1987) chama de “urban canopy layer”, ou seja, o estrato mais inferior da atmosfera, onde se associam a influência da geometria da cidade com as suas funções urbanas respectivas.

A interação entre a dinâmica climática regional e o conjunto da área construída, provo-ca alterações nas variáveis atmosféricas, modificando o comportamento tanto da tempera-tura (CHANDLER, 1962; MENDONÇA, 1994), quanto da intensidade e distribuição da pluviosidade (BRANDÃO, 1997) sobre as áreas urbanas.

ANÁLISE DA VARIABILIDADE pLUVIOMÉTRICA NO MACIÇO DA TIJUCA (RIO DE JANEIRO-RJ)

Para a realização desta pesquisa, procedeu-se à análise dos dados diários de precipita-ção na Estação Capela Mayrink (SERLA), no período de 27 anos (1976-2002). A escolha desta Estação se deu em função da existência de uma série satisfatória de dados, e também

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pela representatividade da Estação em relação ao Maciço da Tijuca, dada a sua localização estratégica em relação à cidade do Rio de Janeiro, no interior do Parque Nacional da Tijuca e próximo ao divisor.

A periodização da série de dados obedeceu a um recorte decenal, contado a partir do primeiro ano de registros. Dessa forma, adotaram-se os seguintes intervalos: 1976-85; 1986-95; 1996-2002.

Partindo-se da precipitação diária da Estação, o conjunto da análise da variabilidade pluviométrica no Maciço da Tijuca a partir da consolidação dos dados de chuva envolveu diferentes escalas de tempo, conforme se apresenta no quadro abaixo. Quadro I - Roteiro metodológico dos dados de chuvas na estação Mayrink (RJ)

Este quadro demonstra o roteiro metodológico de tratamento dos dados de chuva da Estação capela Mayrink (Rio de Janeiro-RJ) por meio de setas e cores. Da esquerda para a direita aparecem representados os tratamentos da escala anual (azul escuro), mensal (azul intermediário) e diária (azul claro).

Para tanto, avaliou-se o comportamento da tendência secular ou histórica em relação á média da série, através do cálculo da reta de regressão, tal como sugerido por Daveau (1977). Para checar a correlação dos resultados encontrados, utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson, interpretado segundo as categorias propostas por Borg (apud POCINHO e FIGUEIREDO, 2004)3. Já para testar a significância dos resultados obtidos, utilizou-se o coeficiente “t” de Student .3 Com 0,20< r ≤ 0,35, indica ligeira relação entre as variáveis; 0,35 < r ≤ 0,65, indica correlação estatisticamente significativa; 0,65 < r ≤ 0,85, indica correlações que tornam possíveis predições; r > 0,85, indica íntima relação entre as variáveis correlacionadas.

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Dada a limitação de espaço do texto, o presente artigo tratará apenas das variabilidades nas classes diárias de intensidade pluviométrica e de distribuição dos períodos secos, reco-nhecendo serem estas flutuações as que melhor responderam ao aumento da vulnerabilidade e do aumento de desastres naturais na cidade.

A análise da freqüência do intervalo interpluvial foi desdobrada em dois momentos. Em um primeiro momento, a fim de verificar uma possível tendência de redução e/ou con-centração dos eventos de chuva, calculou-se a freqüência de dias secos para cada ano da série, estabelecendo, a seguir, um gráfico com a evolução histórica desta freqüência4 e a respectiva linha de tendência (por análise de regressão).

Em uma segunda análise, o total anual de dias secos foi desdobrado em classes de dias secos5, obedecendo-se os mesmos intervalos já trabalhados por Coelho Netto (1985) para o Maciço da Tijuca. Dessa forma, foi calculada a freqüência anual, com as respectivas linhas de tendência, para os seguintes intervalos de dias sem chuva: 1 a 3 dias, 4 a 7, 8 a 11 e 12 dias ou mais.

A freqüência e a intensidade das chuvas, são duas variáveis que contribuem fortemen-te não apenas para prever a capacidade de manutenção do geoecossistema florestal, como também para definir o nível de risco à ocorrência de desastres naturais numa dada paisagem (DEHN e BUMA, 1999).

Na presente pesquisa, a análise da evolução das precipitações diárias envolveu o cálculo da freqüência de eventos chuvosos em quatro classes de intensidade (0,2-10mm; 10,1-50; 50,1-100 e >100mm), levando-se em conta o período total, os anos extremos e a média mensal de distribuição de cada classe de intensidade. Para tanto, considerou-se como evento de chuva apenas aqueles em que a precipitação foi > 0,2mm6.

A primeira classe de precipitação (chuvas até 10mm), segundo Miranda (1992), repre-senta a chuva que fica quase que integralmente retida pelas copas, pouco contribuindo para a precipitação terminal e estocagem no solo. Já a segunda classe (chuvas de 10,1 a 50mm) representa os eventos de chuva que realmente contribuem para a regulagem hidrológica do geoecossistema florestal e recarga dos aqüíferos. As classes 3 (50,1 a 100mm) e 4 ( > 100mm ) representam os eventos de menor freqüência e grande intensidade, muitos dos quais, detonadores de processos associados a desastres naturais. Dos 78 episódios pluviais intensos, causadores de impactos humanos e econômicos na cidade do Rio de Janeiro entre 1882 e 1996, relacionados por Brandão (2001), 64,1% foram de uma intensidade superior a 50mm em 24h. Neste mesmo sentido, para Davis e Naghettini (2000), o critério de inclu-4 A análise de freqüência refere-se à quantificação do número de ocorrências de um evento pluviométrico. Para Davis e Naghettini (2000) “[...] em se tratando de ocorrências naturais raras, como cheias, estiagens e tempestades extremas, a análise de freqüência adquire especial importância devido, principalmente, às conseqüências desastrosas que esses eventos podem acarretar para a sociedade humana” (p.51).5 Referente ao número de dias consecutivos sem precipitação.6 Apesar da indicação de Pinto (1976), de considerar-se como dia chuvoso, apenas aqueles com precipitação maior ou igual a 0,5mm, mantivemos o limite inferior da primeira classe em 0,2mm, a fim de tornar os dados comparáveis com estudos anteriores (COELHO NETTO, 1985; MIRANDA, 1992).

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são para a análise das chuvas intensas no estado do Rio de Janeiro, foi o da intensidade igual ou superior a 55 mm em 24h.

Numa etapa posterior, quando a análise dos dados exigiu um grau maior de generali-zação, as classes 1 e 2 foram somadas, a fim de verificar o comportamento médio, ao longo do ano, das chuvas menores (responsáveis pela manutenção das condições de estabilidade hidrológica dos geoecossistemas florestais). Da mesma forma, as classes 3 e 4 foram so-madas, a fim de verificar o comportamento médio, ao longo do ano, das chuvas maiores (responsáveis pelo desencadeamento de eventos extremos associados à ocorrência de grandes desastres naturais).

A dinâmica de cada classe foi comparada com as demais, sendo calculada para cada uma delas, a respectiva linha de tendência.

Considerando que a primeira classe adotada (0,2-10mm) representa fundamentalmente a chuva interceptada e armazenada pelas copas (LLORENS e GALLART, 2000), algumas das análises foram feitas levando em conta o comportamento das chuvas de média intensidade (entre 10 e 50mm- as quais garantem a estabilidade hidrológica do sistema da paisagem) e das chuvas de altíssima intensidade (>100mm – causadoras de grande instabilidade no sistema7).

Uma pesquisa desenvolvida por Souza (2003), nos dá uma dimensão da importância deste tipo de precipitação de alta intensidade nos desajustes ambientais em áreas floresta-das montanhosas sujeitas a um grande adensamento urbano. Ao analisar a variabilidade pluviométrica em Juiz de Fora (MG), o autor identificou que mais de 90% da precipitação ocorrida durante os períodos de primavera-verão de 1996-97 e 1999-2000 foi originada por sistemas frontais, aos quais o autor associa a detonação dos escorregamentos verificados naquela cidade durante este mesmo período

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Diferentemente das regiões pouco urbanizadas, onde o decréscimo das precipitações anuais pode estar associado à redução da evapotranspiração decorrente da perda de exten-sas áreas florestais nas últimas décadas8 (CAVALIER e VARGAS, 2002), nas grandes áreas urbanas há uma expectativa de grande parte da literatura, de que uma acelerada expansão urbano-industrial esteja associada a um aumento nos níveis de precipitação local (DREW, 1986). Isso devido ao aumento dos núcleos de condensação e da turbulência eólica gerada no atrito com as edificações (GOLDREICH, 1985).

7 Segundo as estatísticas da GEO-Rio (FEIJÓ et al, 2001), a maior parte dos eventos de escorregamento na cidade do Rio de Janeiro, ocorreram, em média, com precipitações acumuladas acima de 90mm em 24h, ou 110mm em 96h.8 Para Nepstad (1994), em grandes áreas florestadas, a substituição das florestas por campos reduz significativamente a superfície foliar durante os meses mais secos, diminuindo a transferência de água para a atmosfera e, conseqüentemente, reduzindo a participação das chuvas convectivas no balanço hidrológico local (BOSCH e HEWLETT, 1982). Estudos de modelagem atmosférica na região amazônica realizados por Nobre (1992) demonstram que, para uma célula de 2,8° de longitude por 1,8° de latitude, a substituição de floresta por pastagens, resultaria em um aquecimento médio de 1 a 3°C à superfície, e numa redução de 400 a 800mm de chuva por ano.

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Para a presente pesquisa, no entanto, a queda na inclinação da reta de tendência na Estação analisada9 parece, em um primeiro momento, apontar em direção oposta. A hi-pótese inicial, posteriormente confirmada pela análise comparativa da distribuição mensal das classes de chuva ao longo da série, é de que os eventos de precipitação fraca a mode-rada (responsáveis pelo maior volume precipitado anualmente), produzidos pela dinâmi-ca atmosférica local, estão sofrendo uma redução significativa, em função do aumento dos eventos de alta magnitude, desencadeados por modificações na circulação regional. Ressalva-se aqui, no entanto, aquela parcela dos eventos de baixa intensidade que têm a sua origem associada a mecanismos pós-frontais. Para estes, a intensificação dos eventos de frontogênese poderá significar, também, aumento da sua freqüência, em condições atmosféricas específicas, como é o que ocorre nos meses de fevereiro dos anos chuvosos.

Tal fato reforça ainda mais a idéia de que as variabilidades pluviométricas locais estão refletindo mudanças da dinâmica atmosférica regional ou global (LINDNER, 1997). Este comportamento já havia sido anteriormente apontado por Meis et al (1981) na comparação entre perfis pluviométricos em diferentes escalas no Estado do Rio de Janeiro.

Uma primeira análise acerca dos períodos interpluviais, envolveu o cálculo de freqüên-cia do número de dias secos por ano, ao longo de cada série de dados, a fim de confirmar (ou abrir outras possibilidades de análise) a tendência de redução dos totais anuais identificada na série de dados anuais.

Tal como era previsto, os resultados para a série da Estação Capela Mayrink demonstra-ram uma tendência de aumento anual do período seco (gráfico IV), embora a comparação entre os três períodos de tempo demonstre uma alternância entre tendência de aumento e de redução do número de dias sem chuva por ano (sendo que apenas os resultados do segundo e terceiro períodos apresentaram uma boa correlação, com r = 0,48 e 0,7710, respectivamente). Gráfico IV - Frequência anual para a Estação Capela Mayrink

9 Estes resultados se aproximariam das tendências sinalizadas por outros autores, tanto para regiões tropicais (ÂNGELO, 2003; WALSH, 1996) quanto para regiões extratropicais (DE LUÍS et al, 2001). 10 O primeiro, estatisticamente significante a 0,1 e o segundo a 0,05

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Seguindo a metodologia proposta por Windsor (1990), tratou-se de selecionar todos os meses com precipitação inferior a 100mm calculando-se, posteriormente, a linha de tendên-cia para este conjunto de meses.

A análise dos resultados de freqüência dos meses secos confirmou a expectativa de que a redução dos totais pluviométricos anuais não está concentrada apenas nos meses de inverno (historicamente de menor precipitação), já que a evolução do número de meses secos vem demonstrando uma tendência de expansão (gráfico V).

Para a Estação Capela Mayrink, os resultados acompanham, em linhas gerais, as ten-dências expressas pela freqüência anual dos dias secos, muito embora apenas os resultados do período 1996-2002 possam ser considerados estatisticamente significativos a 0,1 (r = 0,61).

Esta hipótese é comprovada, na seqüência, ao se verificar no gráfico de freqüência das classes de intervalos interpluviais (figura 8), um crescimento de 72,5% na linha de tendên-cia da classe 4 (12 dias ou mais sem chuva) de eventos interpluviais (com um r = 0,97, sendo estatisticamente significante no nível de 0,005), contra uma expressiva redução da classe 1(1 a 3 dias), estatisticamente significante no nível de 0,05 (com r = 0,77).Gráfico V - Frequência anual dos meses secos e linhas de tendência

A comparação entre os dois gráficos, acompanhados das respectivas linhas de tendência (calculadas por regressão polinomial), nos permite refletir sobre o comportamento geral dos eventos interpluviais ao longo da série trabalhada.

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Assim, uma análise mais detalhada dos dados não deixa dúvida de que a variabilidade pluviométrica no entorno do Maciço da Tijuca caminha para um cenário de maior fragili-zação ambiental, no que se refere à distribuição da umidade. Para Goldstein et al (2002), “[...] quando se conjugam uma folhagem muito densa, uma demanda evaporativa considerável e uma Estação seca prolongada (que em alguns locais pode durar de 1 a 3 meses), se pode gerar um desequilíbrio na disponibilidade de recursos hídricos” (p.252).

Se a mudança na distribuição anual das chuvas já começa a ser configurada pelas al-terações na freqüência das classes de intensidade dos períodos interpluviais (na direção do aumento do espaçamento entre chuvas), resta saber se a distribuição mensal do volume de chuva também caminha na direção de alguma forma de concentração ao longo do ano.Gráfico VI - Frequência das classes de eventos interpluviais para a Estação Capela Mayrink

Neste gráfico temos as linhas tracejadas em preto, representam as linhas de tendência, calculadas a partir de regressão linear (equações junto à legenda das classes). Significância estatística para os resultados da classe 1, no nível de 0,1, e classe 3, no nível de 0,05.

A grande distorção das médias mensais da estação Capela Mayrink aparece no mês de fe-vereiro, durante o regime mensal dos anos chuvosos (figura 9), cujo pico pronunciado de pre-cipitação permite-nos confirmar o referido mês, tal como já havia sido indicado por Coelho Netto (1985), como um importante indicador dos anos chuvosos, para esta escala de tempo.

Esse comportamento corrobora as afirmações de Monteiro(1973), para quem a sazona-lidade nas áreas de transição entre a ação dos sistemas polares e a ação dos sistemas intertro-

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picais, está relacionada à ocorrência de fortes precipitações de frontogênese durante o verão. Nos anos em que a ação da Massa Polar é obstruída pelo fortalecimento do sistema inter-tropical ou, ao contrário, quando o avanço da Frente Polar se dá em uma velocidade muito alta na região Sudeste, não encontrando resistência do sistema intertropical, a ausência das chuvas concentradas de grande porte imprime uma tendência de maior uniformidade no regime médio mensal das precipitações.Gráfico VII - Regime médio mensal de precipitação para a Estação Capela Mayrink: 1976-2002

A interação entre as duas figuras no referido gráfico permite evidenciar, para esta Esta-ção Capela Mayrink e nesta escala de tempo, o mês de fevereiro como um importante indi-cador dos anos chuvosos, considerando a média dos três anos de maior precipitação da série.

Da mesma forma que nos anos chuvosos, o mês de fevereiro também se coloca como um importante indicador dos períodos secos, já que é o mês que apresenta os maiores des-vios negativos na média mensal dos anos secos (gráfico VIII).Gráfico VIII - Regime médio mensal dos anos secos Estação Capela Mayrink

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No gráfico, a linha vermelha corresponde à média mensal da Estação para o período todo, enquanto que o polígono amarelo representa a média mensal da Estação para os três anos mais secos. Cabe destacar que, pelos dados analisados, o papel do mês de fevereiro como indicador dos anos chuvosos, poderá ser colocado em questão nas próximas décadas, visto que este mês vem apresentando, para o regime médio do último período da Estação Capela Mayrink, uma nítida tendência de decréscimo do total mensal.

Esta mudança de comportamento vem ao encontro das mudanças que se têm verificado nos últimos anos, para o Estado do Rio de Janeiro, na ocorrência de escorregamentos. Se-gundo Amaral (1996), até o ano de 1996, a maior parte dos escorregamentos significativos no Estado do Rio se concentravam no mês de fevereiro. A partir de 1997, no entanto, Silva et al (2000) demonstram que o mês de janeiro passou a ser o mais expressivo (concentrando quase 35% do total de acidentes do Estado).

Já no que se refere às classes de intensidade de chuva, a sua caracterização levou em conta três grandes agrupamentos: as chuvas menores (classe 1: de 2 a 10mm), representan-do a chuva que, na sua maior parte, é interceptada e armazenada pelas copas das árvores, sendo devolvida à atmosfera por evaporação; as chuvas maiores (classes 3 e 4: de 50,1 a 100mm e > 100mm, respectivamente), representando os eventos de baixa freqüência e alta intensidade, potencializadores de desastres naturais (DEHN e BUMA, 1999) e que pouco contribuem para a manutenção da estabilidade hidrológica do geoecossistema (uma vez que o volume de água produzido é rapidamente perdido pelo sistema na forma de escoamento superficial e subsuperficial). Por fim, as chuvas intermediárias (classe 2: de 10,1 a 50mm), que são responsáveis pela “alimentação” hídrica do sistema, tanto através da disponibilização de água para o subsistema serapilheira - topo do solo - raízes, quanto pela recarga dos ma-nanciais a partir da água de infiltração.

Uma análise do gráfico da frequência anual dos eventos pluviométricos para a Estação Capela Mayrink, com as respectivas linhas de tendência (gráfico IX), nos permite confirmar a hipótese anteriormente levantada, de que a redução dos totais pluviométricos anuais é decorrente não apenas da diminuição do número de eventos de chuva por ano mas, princi-palmente, da intensidade dos mesmos. Neste caso, o que se observa é o aumento das chuvas de alta intensidade (classe 4), em detrimento das chuvas intermediárias (classe 2), que apre-sentam uma tendência significativa de redução da freqüência, principalmente no último período, tal como se pode verificar pela equação da reta.

Percebe-se que as chuvas de classe 1 vêm apresentando uma tendência menor de redução, possivelmente em decorrência do aumento dos núcleos de condensação gerados pelo cresci-mento ubano-industrial da cidade. Contudo, considerando que esta classe de chuva pouco afeta o conjunto solo-vegetação, dada à sua retenção no estrato superior das copas, é justamen-te sobre a tendência de redução das chuvas de classe 2, que recaem as maiores preocupações.

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Gráfico IX - Frequência anual dos eventos pluviométricos (em mm), por classe de intensidade

Um recurso à generalização, nos permite visualizar mais claramente o comportamento descrito nos parágrafos acima. Quando unificamos as classes 1 e 2 (chuvas menores) e 3 e 4 (chuvas maiores), verificamos a nítida tendência de aumento na freqüência das chuvas mais intensas, em substituição às chuvas menores, que tendem a reduzir a sua participação no total anual, como se apresenta no gráfico dos totais pluviométricos (em mm), a partir do agrupamento das classes de intensidade (1 e 2 para as chuvas menores, e 3 e 4 para as chuvas maiores), na Estação Capela Mayrink, com as respectivas linhas de tendência (gráfico X).Gráfico X - Totais pluviométricos (em mm) por agrupamento das classes de intensidade

No que se refere à análise do comportamento das classes de chuva na Estação Capela Mayrink, resta-nos apenas uma questão a ser analisada, que se refere às mudanças de com-portamento das classes de chuva entre o regime médio da série, o regime dos anos chuvosos e o regime dos anos secos.

O gráfico XI nos ajuda a compreender melhor esta diferença de comportamento das classes de chuva em diferentes regimes. Percebe-se que na média da Série (gráfico XI a e b),

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a proporção entre as classes de chuva se mantém com grande homogeneidade ao longo de todos os meses do ano, resultando em um regime de baixa variabilidade, tal como já ha-víamos identificado na análise do regime médio mensal. Neste regime médio, as chuvas menos intensas condicionam os totais mensais, tendo em vista a sua maior contribuição nestes totais, já que prevalecem em 11 dos 12 meses do ano.

Já no regime dos anos chuvosos, embora todas as classes apresentem um acréscimo de precipitação (gráfico XI c), concentrado especialmente nos meses de verão (o que passa a demarcar com maior clareza a sazonalidade), é o aumento das chuvas de grande inten-sidade (gráfico XI d) que vai efetivamente definir a elevação dos totais anuais, já que as mesmas prevalecem em 10 dos 12 meses do ano.

Gráfico XI - Distribuição média das classes de chuva. Regime médio da série (a, b), durante os anos chuvosos (c, d) e durante os anos secos (e, f )

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De forma análoga, durante os anos secos, embora haja um decréscimo generalizado de todas as classes de chuva, em todos os meses do ano (gráfico XI e), é a redução das chuvas de grande intensidade (com o praticamente desaparecimento dos eventos de classe 4), que vai definir os pequenos totais anuais que caracterizam este tipo de regime. Durantes estes anos, as chuvas menos intensas voltam a prevalecer em 11 dos 12 meses do ano (exceção apenas ao mês de agosto- gráfico XI f ).

Uma característica importante no regime dos anos extremos, já sinalizada anterior-mente, refere-se à grande amplitude na variabilidade do mês de fevereiro, e que a partir daqui, começa a ser entendida com maior detalhe. Percebe-se que, durante os anos chu-vosos, ao contrário dos outros meses do ano, as responsáveis pelo grande desvio positivo do mês de fevereiro são, na maior parte, as chuvas de baixa intensidade. É possível iden-tificar, pelo gráfico, um aumento expressivo das chuvas de grande intensidade, ligadas diretamente aos momentos de frontogênese. Todavia, o aumento ainda maior das chuvas de baixa intensidade, muito provavelmente decorra de mecanismos pós-frontais, ou de frentes estacionárias, que produzem um aumento da freqüência com conseqüente redu-ção da intensidade dos eventos11.

Em se tratando do comportamento de anos de extremos pluviométricos, aos quais se associou a ocorrência de inúmeros desastres naturais, é provável que o mecanismo de detonação destes desastres resida exatamente na associação entre estas diferentes intensi-dades de chuva, e não apenas no fortalecimento de uma delas.

Por outro lado, a análise dos gráficos também permite visualizar com bastante evi-dência que os grandes desvios negativos dos meses de fevereiro, no regime de anos secos, são atribuídos à ausência das chuvas de grande intensidade; ausência esta que tanto pode estar ligada, em alguns casos, ao fortalecimento e dominância da Massa Tropical Atlânti-ca (Mta) quanto, em outros casos, à retração da Mta, com rápida passagem da Frente Po-lar em direção ao Nordeste brasileiro. Ambas as situações acabam resultando na redução ou ausência dos eventos de frontogênese.

Cabe ressaltar, por fim, que as séries de anos secos são especialmente responsáveis pelo aumento na incidência de queimadas na área da floresta, tal como se observou no período de 1999 a 2002 no Rio de Janeiro, como vemos no comparativo entre a tendência anual de precipitação para os dados da estação Capela Mayrink (totais anuais divididos por 100) e o número anual de ocorrências de incêndio para o Maciço da Tijuca, entre 1997 e 2002 (gráfico XII).

11 Temos consciência de que a comprovação de tal hipótese está muito além da capacidade deste trabalho, posto que a correta definição da gênese de cada evento pluviométrico apresenta-se como um desafio ainda pouco enfrentando pelos climatólogos. Segundo Galvani e Azevedo (2003), “como as séries históricas se constituem por registros de totais pluviométricos diários, não há como distinguir a gênese exata da chuva com tal detalhamento, a partir de registros tão grosseiros. Por isto, habitualmente, toda esta precipitação é tratada em conjunto como oriunda ou derivada da passagem da frente polar”(p.2)

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Gráfico XII -

Este quadro apresenta-se bastante preocupante, uma vez que a ocorrência de um ano chuvoso sucedendo a esta série de anos mais secos e com maior incidência de incêndios, poderá deflagrar processos erosivos mais intensos, tal como nos lembra Freitas (2001):

Os principais eventos erosivos derivados do fogo são, portanto, temporalmente dispersos, e catastróficos, pois dependem de eventos de precipitação mais intensos, no caso da erosão subsuperficial, e da combinação de fogo e chuvas subseqüentes, que quando são em alta intensidade devem causar mais erosão do que muitos anos seguidos de chuvas em áreas cobertas de vegetação (p.123).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados neste trabalho nos levam a concluir que a dinâmica plu-viométrica da área de estudo tende a ser cada vez mais regulada pela ação dos mecanismos regionais, permitindo que a geração de chuvas frontais (ou a sua ausência) determinem o ritmo da variabilidade pluviométrica local.

Mesmo que aceitemos a hipótese mais lógica da ciclicidade, é preciso entender, de um lado, que este movimento está muito longe da linearidade e, de outro lado, que mesmo que as linhas de tendência das próximas décadas voltem a apontar um retorno das chuvas de baixa intensidade, o desajuste hidrológico atual do sistema (seja no que se refere ao abastecimento dos mananciais, seja na manutenção do geoecossistema florestal) apresenta algumas faces de recuperação muito lenta ou até mesmo irreversível, dada a transposição dos limites de resiliência deste sistema, que o quadro atual projeta.

O aumento da instabilidade do sistema vem exatamente do fato de que os eventos de maior freqüência e menor intensidade (conseqüentemente de maior regularidade na distribuição das chuvas) – (classes 1 e 2 de intensidade) – apontam para uma tendência de diminuição de ocorrência, em detrimento dos eventos de menor freqüência e maior

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intensidade (distribuídos entre as classes de intensidade 3 e 4), que vêm apresentando uma tendência de crescimento.

Além disso, tal tendência aparece associada a outras importantes características de instabilização do sistema ambiental, tais como:

• Redução dos totais pluviométricos anuais.• Tendência de aumento da sazonalidade.• Aumento dos períodos interpluviais.• Aumento na freqüência dos eventos extremos associados a linhas de instabilidade.• Modificação na dinâmica de recarga dos mananciais pela redução na disponibilida-

de da água de infiltração e, por fim, modificação estrutural e funcional dos geoe-cossistemas, devido à necessidade de geração de processos adaptativos da vegetação a estes períodos mais secos.

Certamente que todas estas características tendem a ter as sua resultante hidroló-gica potencializada pela ocupação intensa e desordenada que a área vem sofrendo nas últimas décadas, aumentando de forma expressiva a sensibilidade ambiental do sistema como um todo.

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AVALIAÇÃO DO pOTENCIAL EROSIVO EM BACIAS HIDROGRÁFICAS: ESTUDO DE CóRREGO

BOM JARDIM, BRASILÂNDIA/MSEVALUACIÓN DEL POTENCIAL EROSIVO

EM CUENCAS HIDROGRAFICAS: ESTUDO DEL CÓRREGO BOM JARDIN, BRASILANDIA/MS

EVALUATION OF THE EROSIVE POTENTIAL IN BASINS HYDROGRAPHICAL: BOM STREAM STUDY JARDIM, BRASILÂNDIA/MS

André Luiz pinto Professor do DCH/CPTL/UFMS.

Coordenador do Laboratório de Planejamentoe Gestão de Recursos Hídricos.

[email protected]

Resumo: A necessidade de se determinar metodologias capazes de avaliar com precisão os fatores que causam a erosão e a estimativa das perdas de solo ocasionadas por tal ocorrência, tem resultado num grande número de pesquisas. Para contribuir com essas discussões e gerar informações fundamentais e o ordenamento sustentável da terra da bacia do córrego Bom Jardim, localizado no município de Brasilândia, em Mato Grosso do Sul, efetuou-se a avaliação do potencial erosivo utilizando-se da construção da carta de energia potencial do relevo, desenvolvida por Sipiridonov (1981) e da erodibilidade potencial, quanto ao regime pluviométrico, proposta por Lombardi Neto e Moldenhauer (1990). Pois o entendimento do potencial erosivo propicia a estipulação de limitações de uso, ocupação e manejo da terra para a bacia, visando à redução da perda de solo, produtividade, assoreamento do corpo hídrico e da qualidade das suas águas

palavras-Chaves: Potencial Erosivo; Bacia Hidrográfica; Limitações, Uso e Ocupação da Terra.

Resumen: La necesidad de establecer metodologías capaces de evaluar con precisión los factores que causan la erosión y las estimaciones de las pérdidas de suelo causadas por ese hecho ha dado lugar a numerosos estudios. Para contribuir a estos debates y generar infor-mación fundamental y la gestión sostenible de la tierra en la cuenca de la corriente de Bom Jardim, que se encuentra en el municipio de Brasilândia en Mato Grosso do Sul, se realizó la evaluación del potencial erosivo utilizando la letra de la construcción de la energía un ali-vio potencial, desarrollado por Sipiridonov (1981) y el potencial de erosionabilidad, como la lluvia, propuesto por Lombardi Neto y Moldenhauer (1990). Para la comprensión del potencial erosivo de la estipulación establece limitaciones en el uso, ocupación y gestión del suelo para la cuenca con el fin de reducir la pérdida de productividad del suelo, la sedimen-tación del cuerpo de agua y la calidad de su agua

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palabras Clave: Potencial erosivo, Cuenca; Limitaciones, el Uso y Ocupación de la Tierra.

Abstract: The necessity of if determining methodologies capable to evaluate with precision the factors that cause the erosion and the estimate of the losses of ground caused by such oc-currence, have resulted in a great number of research to contribute with these quarrels and to generate basic information to the sustainable order of the land of the basin of the Bom Jardim, located in the city of Brasilândia, in Mato Grosso do Sul, effected it evaluation of the erosive potential using of the construction of the letter of energy of the relief, developed for Sipiridonov (1981) and of the erosion potential, how much the pluvial regimen, pro-posal for Lombardi Neto and Moldenhauer (1990). Therefore the agreement of the erosive potential propitiates the stipulation of limitations of use, occupation and handling of the land for the basin, aiming at to the reduction of the loss of ground, productivity, siltation of the water body and the quality of its waters.

Keywords: Erosive Potential; Hydrographical Basin. Limitations of Use and Occupation of the Land.

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INTRODUÇÃO

Segundo Bertoni e Lombardo Neto (1990, p. 68), a erosão é o processo de desprendi-mento e arraste acelerado das partículas do solo, causado pela água e pelo vento que depen-dem do tipo de material a ser transportado, da energia potencial do relevo, da profundidade do lençol freático, entre outras variáveis naturais e antrópicas.

De acordo com Toy e Hadley (1987) apud Cunha (1997), a erosão dos solos é um proces-so “normal” no desenvolvimento da paisagem, sendo responsável pela remoção do material de superfície por meio do vento, do gelo ou da água. Sob tais condições, a erosão é considerada um processo natural, no entanto, a erosão acelerada dos solos, isto é, aquela que ocorre em intensidade superior à erosão “normal” é, usualmente, conseqüência dos resultados das ativida-des humanas sob determinadas condições de clima, vegetação, solo e relevo (VILELA FILHO, 2002). Em Cunha (1997) nos diz que quando o processo erosivo é mais intenso, sendo mais veloz que a formação do solo, ocorre à erosão acelerada – chamada de erosão antrópica, caso tenha sido provocada pela ação humana. Segundo Bertoni e Lombardo Neto (1990), a chuva é um dos fatores de maior importância para a erosão, sendo que sua intensidade, sua duração e a sua freqüência são as propriedades mais importantes para o processo erosivo.

Segundo Lal (1988), vários pesquisadores têm usado índices baseados em medidas rotinei-ras das propriedades do solo para avaliar a sua relativa suscetibilidade à erosão, tendo sido cria-dos vários índices, como medidas de desagregação do solo ou de sua resistência à desagregação.

As cartas morfométricas têm como objetivo principal quantificar os atributos das formas do relevo, passíveis de serem analisados através de sua geometria. Desse modo, estas cartas auxiliam no entendimento da estrutura morfológica do sistema do relevo. Segundo Chorley e Kennedy (1971), os sistemas morfológicos constituem–se naqueles onde as formas são os elementos mais importantes. Neste caso, o que caracteriza os sistemas são sua composição e geometria, as quais são passíveis de mensuração. Trata–se, portanto, da primeira fase de análise do sistema relevo e dos processos envolvidos na cartografia de seus atributos.

A cartografia pode ser definida como a ciência que se preocupa com os estudos e as operações científicas, artísticas e técnicas resultantes de observações e medidas diretas ou explorações de documentações visando à obtenção de dados e informações para a elaboração de representações gráficas tipo: plantas, cartas, mapas, gráficos, diagramas e outras formas de expressão, bem como, de sua utilização (SANCHEZ, 1981).

Segundo Cunha (2001), a representação cartográfica de qualquer fenômeno constitui–se em um esquema simplificado da realidade, que objetiva facilitar a apreensão do objeto de estudo mapeado. Desse modo, trata–se de uma abordagem dedutiva, na qual, a partir de técnicas cartográficas conhecidas, procura–se representar situações particulares. Contudo, todo mapeamento para ser eficiente necessita, impreterivelmente, ser checado em campo, a fim de verificar a precisão que foi possível obter na representação; tratando–se, portanto, em um segundo momento, de um processo de indução típico que foram de extrema importân-cia para a realização da pesquisa.

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Duarte (1991) salienta que a representação cartográfica deve ser entendida como um tra-balho técnico que visa comunicar uma idéia, sem dar margem a interpretações contraditórias, procurando a beleza através da harmonia dos diversos componentes (símbolos, cores, letreiro), de modo a fornecer informações corretas. Numa representação cartográfica o artístico e o cien-tífico devem compor um conjunto harmonioso, visando satisfazer o leitor não somente com a beleza do trabalho, mas também com o nível das informações fornecidas, onde a cartogra-fia configura-se como uma técnica auxiliar em relação à geografia, como coloca SANCHEZ (1981) “é um meio, uma técnica, e nunca o fim de um trabalho ou pesquisa geográfica”.

A cartografia geomorfológica constitui–se em um tipo de mapeamento cuja complexi-dade é inerente ao próprio objeto de representação. O relevo apresenta uma diversidade de formas e de gênese, as quais são geradas por complicados mecanismos que atuam no presen-te e que atuaram no passado. Desse modo, para que ela seja eficiente deve indicar todos estes elementos levantados como essenciais para o entendimento do relevo.

A importância da utilização das cartas geomorfológicas encontra-se na gama de detalhes que as mesmas transmitem ao homem, da representação e percepção visual sobre as formas dos diferentes relevos, tornando sua pesquisa ainda mais viável e permitindo um melhor detalhamento no que se refere às características específicas como a declividade, formação geológica, processos erosivos, etc., da área em questão.

Portanto, um dos desafios imposto é o de estabelecer classes que atendam tanto os objetivos da pesquisa, quanto os que representam de forma eficaz as características morfo-métricas da bacia, e que sejam de fácil leitura e assimilação, e subsidiando o entendimento dos processos de dissecação e transporte de sedimentos da bacia, que provocam o empo-brecimento do solo e comprometimento da qualidade das águas fluviais. Porém as cartas geomorfológicas apresentam informações sobre a energia potencial do relevo, necessitando outros parâmetros complementares para o entendimento da dinâmica geomorfológica, de fácil elaboração, a baixo custo e que forneça conhecimento prévio sobre as áreas de risco, sobre tudo em bacias hidrográfica, que constituem excelentes unidades de estudo e de plane-jamento. Para tanto, o cálculo da erosividade potencial, segundo o quantitativo mensal plu-viométrico, proposta por Lombardi Neto e Moldenhauer (1990), demonstra ser eficiente.

Para contribuir na avaliação da eficiência dessas técnicas para o ordenamento sustentá-vel de bacias hidrográficas, tomou-se como estudo de caso a bacia do córrego Bom Jardim, localizado no município de Brasilândia, em Mato Grosso do Sul, onde efetuou-se a ava-liação do seu potencial erosivo, utilizando-se da construção da carta de energia do relevo, desenvolvida por Sipiridonov (1981) e da erodibilidade potencial, quanto ao regime plu-viométrico, proposta por Lombardi Neto e Moldenhauer (1990). Pois o entendimento do potencial erosivo propicia a estipulação de limitações de uso, ocupação e manejo da terra para a bacia, visando à redução da perda de solo, produtividade, assoreamento do corpo hídrico e da sua qualidade.

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METODOLOGIA

Para melhor entendimento dos processos metodológicos empregados na construção das cartas morfométricas e do cálculo de erosividade potencial da bacia do Bom Jardim, estes serão apresentados, descrevendo-os passo a passo as etapas para a sua confecção. Para a cons-trução da carta correlativa de energia potencial do relevo, faz-se necessário a elaboração das cartas temáticas de clinográfica, de dissecação horizontal e vertical, da bacia.

CARTA BASE

A carta base foi gerada a partir da analise de duas cartas topográficas que abrangem a bacia do Córrego Bom Jardim, editadas em 1973 pelo Departamento de Serviço Geográfico do Exército Brasileiro - DSG, folhas Brasilândia (SF. 22. V. D. I) e Dracena (SF.22. V. D. II), na escala de 1:100.000, utilizando-se da restituição de fotografias aéreas de 1966, na escala de 1:60.000, figura I.Figura I - Carta Base da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS, Brasil

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CARTA DE DECLIVIDADE OU CLINOMÉTRICA

A carta Clinográfica ou de Declividade tem como objetivo quantificar a inclinação ou declive do terreno. Trata-se, de uma representação cartográfica do relevo de grande impor-tância para ordenamento e a gestão ambiental. Pois, tais dados são imprescindíveis para a avaliação das possibilidades de ocorrência de processos de remobilização das formações superficiais ou de corpos rochosos, tais como escorregamentos, erosões, desmoronamentos, entre outros.

Segundo De Biasi (1992), os dados de declividade, em porcentagem, podem ser obti-dos através da seguinte fórmula.

D = n x 100 D = Declividade, em porcentagem; E

n = Eqüidistância das curvas de nível (desnível altimétrico);

E = Espaçamento entre as curvas de nível (distância Horizontal).

Aplicando-se a fórmula acima, mensurando-se os espaçamentos entre as curvas de ní-vel, estipula-se a amplitude de declividade e os limites das classes.

Foram estabelecidas 15 classes de declividades para analisar de forma mais detalhada as características do relevo da bacia, pois se trata de uma área com declividade bastante suave, chegando ao máximo a 7,5% de declividade nas áreas mais íngremes da bacia.

Para analise utilizo-se a classificação de Lepsch (1983) para a área urbana da bacia, pois o Córrego Aviação corta parte da área urbana de Brasilândia e para a área rural, a classifica-ção de Ramalho Filho e Beek (1995).

A metodologia da construção da carta de declividade consiste em traçar retas entre as curvas de nível da carta topográfica, medindo sua distância e assim estabelecer classes em porcentagem correspondente a essas distâncias. De Biasi propõem classes de 3 em 3%, porém essa classificação generalizaria a área que possui uma declividade baixa, no caso do estudo a amplitude da rampa da nascente à foz é de 149 m de altitude por 36,7Km de com-primento, ou seja, um desnível de 4,05 metros por quilômetros e na maior parte da bacia a declividade é de 3% de declividade, portanto, fez-se necessário a utilização de uma “nova proposta” para que a área da bacia correspondente a uma Unidade de Conservação Integral denominada Reserva do Patrimônio Particular Natural - RPPN CISALPINA, pertencente à Companhia Energética de São Paulo (CESP), que se encontra em permanente alagamento, pudesse ser representada por uma classe, na qual, a mesma fosse enquadrada na classe de 0 a 0,5%, de declividade.

Na carta de Declividade foi traçada as retas para a definição das classes, entre a delimi-tação da bacia em direção a primeira curva de nível. O critério utilizado foi traçar retas entre as cotas definidas até a curva de nível, nas seções que não possui cotas definidas mediu-se a distância entre as cotas, essas, pela diferença do valor altimétrico entre as cotas. Exemplo:

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entre as cotas 377 e 373 metros, estabeleceram-se as cotas 374, 375, 376 isso também foi atribuído segundo conhecimentos prévios do terreno.

ENERGIA pOTENCIAL DO RELEVO

Trata–se de um documento de síntese que possibilita analisar como se configura a inte-gração dos dados clinográficos, de dissecação horizontal e vertical. Desse modo, tem–se em um único documento o conjunto de dados morfométricos que caracterizam a geometria da área estudada. Porém, como toda carta de síntese, deve–se tomar cuidado na definição das classes, analisando a principio como estes parâmetros se articulam espacialmente e, diante das demais condições físicas da área, se uma ou outra influência de forma decisiva do relevo.

Para elaboração da carta de energia do relevo será adotada a proposta de Mendes (1993), segundo a qual as classes são identificadas por termos qualitativos que variam de muito forte a muito fraco. O primeiro passo, para a elaboração desse documento cartográfico é identifi-car as classes segundo critérios qualitativos que variam de fortíssimo a suave.

O passo seguinte é fazer o agrupamento entre as classes obtidas através das cartas de declividade, dissecação horizontal e dissecação vertical, sendo que esses dados serão qualitati-vamente avaliados, reunido em classes e organizados de acordo com o levantamento da bacia.

As classes a serem adquiridas na carta de energia do relevo, estão vinculadas as demais cartas morfométricas (declividade, dissecação horizontal e vertical) apresentando com efi-cácia a variações do relevo desta bacia. As classes de energia do relevo fortíssimo ocorrem em declividades superiores a 30%, combinadas com as classes de (dissecação horizontal e/ou vertical) e em ambiente de forte dissecação (<80 m), expressam elevada energia potencial do relevo para a sua esculturação, devendo–se encarar com alto risco de erosão/dissecação e transporte. Portanto, para a classe de energia do relevo muito forte foram estabelecidas através da carta de declividade, dissecação horizontal e dissecação vertical, o mesmo proce-dimento adotado para a elaboração das demais classes, considerando tanto as características morfológicas, como a expressão areal das classes.

Desse modo, obtém–se em um único documento um conjunto de dados morfométricos que caracterizam a geometria das formas do relevo das bacias e sua resultante energia potencial.

As classes foram enquadradas de acordo com a sua distância, através do uso do esca-límetro na qual serão demarcadas as classes estabelecidas para a área de estudo. O uso do escalímetro constitui–se em uma sugestão, pois facilita também em muito o processo de elaboração desta carta.

A carta foi “escaneada” em duas partes, pois a escala utilizada de (1: 25.000); para me-lhor locomoção do escalímetro; sendo novamente digitalizada e agrupada, obtendo como produto final a carta de Energia do Relevo na escala de 1: 100.000.

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EROSIVIDADE

Os valores de erosividade foram obtidos pela fórmula sugerida por Lombardi Neto e Moldenhauer (1992), modificada por Bertoni e Lombardi Neto (1999), que consiste:

EI= 89,823 (p2 /P)0,759

Onde:

EI= índice médio de erosividade por um período anual

p= precipitação média mensal

P= precipitação média anual

A variação do potencial erosivo longo do ano, também é importante para o planeja-mento das práticas conservacionistas a serem implementadas nas bacias hidrográficas, prin-cipalmente para a estimativa das perdas de solo.

LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDOFigura II - Mapa de Localização da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS, Brasil.

Brasilândia está localizada na costa leste do estado do Mato Grosso do Sul, tendo como divisa ao norte o município de Três Lagoas e Água Clara, ao sul Santa Rita do Pardo e a leste com o rio Paraná que delimita a fronteira com o estado de São Paulo.

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O município possui uma área de aproximadamente 5.000 Km², e situa-se entre as coordenadas geográficas 20°45’ e 21°34’ de latitude S e 51°51’ e 52°56’ de longitude W, sendo essa uma região drenada por inúmeras micro-bacias que fluem para o Rio Paraná (PINTO, 2010), figura II.

O clima no município de Brasilândia possui duas estações bem definidas, uma estação chuvosa e outra seca, que segundo a classificação de Koppen é o Aw, definido como clima tropical úmido.

As temperaturas médias da região geralmente são altas, ficando em torno de 23,7ºC, en-quanto a média mensal do mês mais quente (fevereiro) alcança 26,4ºC e a do mês mais frio (julho) chegam a 19,4ºC. Entretanto, são comuns na região temperaturas superiores a 30ºC nos meses da primavera e do verão enquanto que nos meses outono e inverno, são comuns as temperaturas mínimas de menos de 14ºC. (PINTO, 2010).

A região está disposta sobre terrenos cretáceos do Grupo Bauru, Formação Santo Anas-tácio, compostos por arenitos bastante porosos, facilmente desagregados, freqüentemente laterizados, onde repousam espesso e constante solo arenoso (PINTO, 2010). Pinto, (2010) ressalta ainda, que o município assenta-se sobre terrenos sotopostos por arenitos dos Grupos Caiuá e Bauru (Formações Santo Anastácio e Adamantina). Essas unidades litoestratigráficas caracterizam-se por alta porosidade e permeabilidade e a grande facilidade de desagregação. Os Arenitos Santo Anastácio mostram-se freqüentemente limonitizados, sendo visíveis nas barrancas fluviais do Rio Paraná a laterização e interdigitações conglomeráticas. Segundo a mesma fonte, os solos predominantes na região são arenosos, espessos e resultantes da me-teorização das rochas psamíticas que fazem o embasamento regional.

De acordo com dados coletados no IBGE (2006) o uso e ocupação das terras dentro da delimitação do município estão, na sua grande maioria, sendo ocupados pela pecuária, destacando-se a pecuária de corte e a suinocultura, além do cultivo de trigo, soja, milho, arroz, feijão e cana-de-açúcar, em menor escala.

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RESULTADOS

CARTA DE DECLIVIDADE OU CLINOGRÁFICA DA BACIA DO BOM JARDIM

Figura III - Carta de Declividade da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS.

A carta de clinigráfica da bacia do córrego Bom Jardim, figura III, apresenta-se com 15 classe de declividade com intervalos de 0,5 em 0,5% entre as classes, tabela I.Tabela I - Quantificação da Carta Clinográfica da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS.

Nº Classes de Declividade (%) Área (Km²) (%)1 *0 – 0,5 *91,463 46,942 0,5 – 1,0 12,940 6,653 1,0 – 1,5 23,107 11,864 1,5 – 2,0 21,241 10,915 2,0 – 2,5 18,857 9,676 2,5 – 3,0 13,364 6,867 3,0 – 3,5 9,070 4,668 3,5 – 4,0 2,636 1,359 4,0 – 4,5 1,150 0,59

10 4,5 – 5,0 0,000 0,0011 5,0 – 5,5 0,120 0,0612 5,5 – 6,0 0,584 0,29 13 6,0 – 6,5 0,143 0,0714 6,5 – 7,0 0,048 0,0215 7,0 – 7,5 0,143 0,07

Área total da bacia 194,866 100,00

* - Valor incluso a área permanentemente alagada de 15,17%.

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Como resultado dos estudos de declividade, foi construída a carta de declividade, com o auxílio da carta de base e do programa Auto CAD 2008, figura III.

Para a análise da declividade ou clinografia da bacia, foram usado as classificações de (LEPSCH, 1983), para área urbana e Ramalho Filho e Beek (1995), para a área rural. Estes salientam que, a declividade é uma importante característica das terras, e que deve ser inven-tariada para fins de planejamento conservacionista, sendo o principal fator condicionador da capacidade de uso das terras urbanas e agrícolas.Tabela II - Classes de Declividade da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS, Segundo Limitações de Uso Urbano.

Classes Declividade Classificação Área (Km²) Ocupação Urbana %

A De < 3% Muito suave 180,970 Muito boa 92,87

B De 3 a 6% Suave 13,562 Muito boa 6,96

C De 6 a 12% Suave ondulado 0,334 Favorável 0,17

D De 12 a 18% Ondulado 0,000 Com restrições 0,00

E De 18 a 30% Muito ondulado 0,000 Com restrições 0,00

F 30% acima Forte ondulado 0,000 Desfavoráveis 0,00

Total     194,866  100,00

Após a quantificação das classes de declividade, estas foram agrupadas segundo Lepsch (1983) na tabela II e analisadas conforme dispersão geográfica dessas classes ao longo de toda a bacia e utilizando-se das limitações de uso e ocupação do solo urbano também pro-posto por Lepsch (1983), chegou-se a seguintes conclusões:

A classe (A) – Muito suave, que apresenta declividade entre 0 a 3%, esta presente em quase toda a área da bacia, abrangendo 180,970 km², ou seja, 92,87% da área total da bacia é muito propicia para a produção sem nenhuma restrição.

A classe (B) – Suave, que apresenta declividade como uma variação entre 3% a 6%, abrange uma área de 13, 562 km², ou seja, 6,96%, da área total da bacia. Esta classe é tam-bém bastante expressiva na bacia do córrego Bom Jardim, concentrando-se mais no médio e alto curso da baia, nestas áreas o escoamento superficial é considerado lento ou médio.

A classe (C) - Suave ondulado, que apresenta declividade entre 6 a 12%, ocupa uma área de aproximadamente 0, 334 Km², ou seja, 0,17% da área total da bacia, e pode ser en-contrado no médio e no alto curso da bacia do córrego Bom Jardim, com maior expressão nas áreas das cabeceiras de seus principais afluentes, como o córrego Sete de Setembro e o córrego Aviação.

As classes (D, E e F) não aparecem na bacia.

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Tabela III - Classes de Declividade da Bacia do Córrego Bom Jardim, Segundo Facilidades de Ocupação Rural, Brasilândia/MS.

Classes Declividade (%)

Classificação do Relevo Área (Km²) Facilidades na Ocupação Rural %

*Especial 0,0 – 0,1 Área Alagada 29,561 Aqüicultura 15,17A 0,1 – 3,0 Plano - Muito Suave 151,411 Apto a qualquer uso agrícola 77,70

B 3,0 – 6,0 Muito Suave - Suave 13,560Depende da subclasse, pois será preciso ações de controle erosivo ou de melhoria na fertilidade do solo.

6,96

C 6,0 – 9,0 Suave - Suave Ondu-lado 0,334

Restrita a agricultura, mas apta para agricultura moderna desde que use técnicas de manejo e conservação do solo.

0,17

D 9,0 – 12,0 Suave Ondulado - Ondulado 0,000

Susceptibilidade a erosão e perda de potencial produtivo do solo. Permite pastoreio, reflorestamento e a manutenção da vegetação natural.

0,00

E > – 12,0 Ondulado - Forte Ondulado 0,000 Não permite uso agrícola, somente

manutenção da vegetação original. 0,00

Total 194,866 100,00

Organizado por: Grechia (2010), segundo adaptação das classificações de De Biasi (1992) e Ramalho Filho e Beek (1995). Orientador: PINTO (2010).

Com orientação na tabela III, foram feitas as análises da declividade da bacia, no qual chegou-se aos resultados de que:

A classe (especial) – Área Alagada, proposta por nós nessa análise, na qual, representa uma declividade de 0,0 – 0,1, para a inserção da área permanentemente alagada da bacia, apresenta 29,561 Km2, ou seja, 15,17% da área total da bacia.

A classe (A) com o relevo – plano – Muito suave, que apresenta declividade entre 0,1 - 3,0% de declividade, esta presente em quase toda a área da bacia, abrangendo 151,411 Km², ou seja, 77,7% da área total da bacia. Pode - se observar que esta classe é mais signi-ficativa na bacia, situadas entre o médio e baixo curso, sendo considerada uma bacia com declividade predominantemente muito suave, onde nesta área o escoamento superficial ou enxurrada é muito lento. O terreno não oferece limitação ao uso de máquinas agrícolas e não existe erosão hídrica significativa, exceto, em vertentes cujas rampas sejam muito longas e com solos altamente suscetíveis à erosão.

A classe (B) com o relevo – Muito Suave – Suave, que apresenta declividade como uma variação entre 3,0 - 6,0%, abrange uma área de 13,560 Km², ou seja, 6,96%, da área total da bacia. Esta classe é também bastante expressiva na bacia, em relação as demais, e se con-centrando principalmente no médio e alto curso da bacia onde está também a área urbana.

Quanto ao uso e ocupação antrópico, esta classe apresenta-se muito boa para o desen-volvimento de atividades agrícolas, porém, com algumas restrições, sendo preciso ações de controle erosivo ou de melhoria na fertilidade do solo devido à fragilidade do solo da bacia,

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na qual predomina os arenitos Caiuá e Santo Anastácio. Essas unidades litoestratigráficas caracterizam-se por alta porosidade e permeabilidade e a grande facilidade de desagregação.

A classe (C) – Suave - Suave ondulado, que apresenta declividade entre 6,0 – 12,0% ocupa uma área de 0,334 Km², ou seja, 0,17% da área total da bacia, e pode ser encontrado no médio e no alto curso da bacia do córrego Bom Jardim, com maior expressão nas áreas das cabeceiras de seus principais afluentes, o córrego Sete de Setembro e o córrego Aviação.

Apesar de pouco expressiva na bacia, essa classe aliada ao mau uso, ocupação e manejo das terras da bacia, apesar de pequena representa grande risco, principalmente para a cidade de Brasilândia na época das chuvas, pois a mesma é cortada pelo córrego Aviação em trecho canalizado, podendo causar enchentes em diversos bairros da cidade e devido à força e velo-cidade que a água alcança ao passar pela área canalizada, onde no final da canalização, já na érea rural, nota-se grandes ravinas e início de voçorocamento.

As classes (D, E e F) não possuem representatividade na bacia.

Mostrando que o relevo predominante da bacia é topograficamente muito suave, propi-ciando reduzida energia potencial para o escoamento das águas, possuindo apenas 0,13% de sua área com terrenos suavemente ondulados, onde devem ser utilizadas técnicas especiais de edificações para o desenho urbano; e como a agricultura na atualidade é extremamente mecanizada, 7,17% da área total da bacia carecem de práticas conservacionistas para con-trole do potencial erosivo.

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CARTA DE ENERGIA pOTENCIAL DO RELEVO DA BACIA DO BOM JARDIM

Figura IV - Carta de Energia do Relevo da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS.

A tabela IV apresenta dados extraídos da carta de Energia do Relevo, com legenda modificada, em relação à proposta por Mendes (1993), pois predominam na bacia energias potenciais de muito suave a media. Tabela IV - Classes de Energia do Relevo da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS.

Nº Descriminação das Classes Área em (Km²) (%)1 Muito Suave *40,945 *21,01 2 Moderadamente Suave 25,388 13,03 3 Suave 25,475 13,07 4 Muito Fraca 8,623 4,43 5 Moderadamente Fraca 17,489 8,97 6 Fraca 23,651 12,14 7 Muito Média 29,811 15,30 8 Moderadamente Média 23,484 12,05

Área Total da Bacia 194.866 100,00

* - Valor incluso a área permanentemente alagada de 15,117 %.

A análise desse documento e dos dados gerados a partir dele constatou-se que na bacia a classe com maior energia potencial do relevo é a Moderadamente Média, que engloba ape-nas 3,2% da área total da bacia, dispersa ao longo dos canais fluviais pelo alto e médio curso,

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e que 35,6% se encontra entre a classe de muitíssimo suave a suave. Portanto desponta na bacia, baixa energia do relevo, com potencial erosivo muito baixo.

A área alagada que ocupa 15,17% da bacia, possui energia de relevo de muitíssimo suave a muito suave, o que lhe confere inexpressiva energia de transporte, sobressaindo à deposição, na vasta área denominada de reserva Cisalpina, que acaba interceptando os sedi-mentos antes de alcançar o rio Paraná.

As elevadas precipitações, em especial nas estações de verão e primavera, proporcionam, aliadas as baixas coesões dos materiais inconsolidados que recobrem a bacia, facilidade de dissecação e transporte.

EROSIVIDADE DA BACIA

A erosividade potencial da bacia e sua distribuição média anual, segundo metodologia de Bertoni e Lombardi Neto (1999), que podem ser observadas na tabela V nota-se que no período continuo de outubro a janeiro, agrupa-se valores de erosividades potenciais da ba-cia, acima de 1.200 mm/ha, que devido à queda de precipitação no mês de fevereiro, essa é reduzida para a 963,32 mm/ha, subindo em março para 1.330,99 mm/ha, com o aumento da precipitação para 197 mm. A mais baixa erosividade potencial 252,17 mm/ha, se regis-trada em junho, quando a precipitação reduz para apenas 19 mm. Apesar de outubro não constituir o mês de maior erosividade, registrando 1.206,06 mm/ha, com precipitação de 180,0 mm é o primeiro mês chuvoso e de maior erosividade após o final do período seco, que se estende de abril a setembro.

O período seco deixa o solo ressecado, aerado e com cobertura vegetal escassa, pois a pecuá-ria, atividade predominante na bacia, fica nesse período, com suas pastagens batidas e ralas, tendo as chuvas de outubro grande poder de desagregação e transporte de sedimentos. Por essa razão, apesar de quantitativamente inferior sua precipitação a erosão real nesse mês é mais expressiva. Em 2009 a competência fluvial próximo da foz do Bom Jardim carreou em outono 9.278,92 toneladas, na primavera, 13.285,76 toneladas e no verão de 2010, 6.115,43 toneladas. Tabela V - Precipitação Normal Mensal e Erosividade da Bacia do Córrego Bom Jardim, Brasilândia/MS

Meses Precipitação (mm) Erosividade (mm/ha)Janeiro 200,0 1.370,24

Fevereiro 128,0 963,32Março 197,0 1.330,99Abril 46,0 406,60Maio 101,0 841,42

Junho 19,0 252,17Julho 25,0 318,80

Agosto 53,0 501,71Setembro 55,0 511,54Outubro 180,0 1.206,06

Novembro 200,0 1.370,24Dezembro 192,0 1.297,63

TOTAL 1.296,0 10.359,00

Fonte: Dados Climáticos CESP (2009).

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AVALIAÇÃO DO pOTENCIAL EROSIVO DA BACIA DO CóRREGO BOM JARDIM

Da área total da bacia do córrego Bom Jardim, de 194.866 Km², em 2009, 47,4% eram constituído por unidades de conservação, sendo 87, 365 Km² ocupados pela Reserva do Patrimônio Particular Natural – RPPN Cisalpina e 4,84 Km², pela Aldeia Indígena Ofaié Xavantes. Do restante da área da bacia, as pastagens ocupam 36,63%, lavouras 7,51% de lavouras e 3,39 % constituíam a área urbana e rodovias. A cobertura vegetal primitiva reco-bria 26,44 % de Cerrados, 9,73% de Florestas Semideciduais e apenas 1,13% de Matas Ci-liares, totalizando 37,3%, que se associados a 15,17% das áreas permanentemente alagadas, totaliza-se 52,47%. Retirando a área das unidades de conservação, tem-se apenas 5,07%, que constitui as áreas de reserva legal e matas ciliares do restante da bacia, bem aquém dos 20% exigidos pelo código florestal.

Apesar da suavidade dos terrenos da bacia, visto que 92,87% de sua área possuem até 3% de declividade e que segundo Lepsch (1983) e Ramalho Filho e Beek (1995), são aptas, respectivamente, para qualquer ocupação urbana e para rural. Porém, Ramalho Filho e Beek (1995), enfatizam em sua metodologia que, acima de 3% faz-se necessário o emprego do controle erosivo do uso da terra.

As dissecações verticais concentram-se 45,8%, na classe de 0 a 40 m e as horizontais, 61,1% posicionam-se na classe com mais de 1.000m. Notam-se feições erosivas nessas áreas, que também contribuem para dissecação e transporte de sedimentos que alcançam os canais do Bom Jardim e contribuem para o seu assoreamento, fato explicável, devido a pouca pro-fundidade do lençol freático, regime tropical úmido, com erosividade no verão chuvoso que alcança cerca 1.370,24 mm/ha no mês de janeiro. A reduzida cobertura vegetal, em especial a ciliar, que recobria em 2009 apenas 48% da área exigida pelo código florestal e o reduzido emprego de práticas conservacionistas, também contribuem pela elevada perda de solos, produtividade e quantidade e qualidade das águas da bacia.

A classe com maior energia potencial erosiva, enquadra-se na classe de declividade de 6 a 12%, que desponta em apenas 0,13% da bacia, com dissecação vertical entre 120 a 160 m, recobrindo 2,7% e horizontal, de 0 a 100 m, abrangendo 4,0%, que localizam-se não apenas no alto curso do canal principal e de seus afluentes, o Sete de Setembro e o Aviação, que para Lepsch (1983) são favoráveis para ocupação sem o emprego de práticas conser-vacionistas de uso e manejo da terra. Porém nessas áreas é vital o seu emprego, bem como em área de grande fragilidade ambiental, como no alto curso, que possuem também, solos jovens e pouco estruturados, a recomendação de recomposição de sua vegetação natural, visando à redução de perda de solo e de qualidade das águas da bacia.

Conclui-se, portanto, que apenas utilizar-se a energia do relevo (declividade, dissecação horizontal e vertical) para indicação de formas de uso e manejo da terra é uma imprudência. Porém como 78% das feições erosivas encontram-se em área com mais de 3% de declividade e são áreas de ocupação agropecuária, apresentam-se segundo Ramalho Filho e Beek (1995),

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necessidades especial de controle de erosões para seus usos.

A erosividade potencial, segundo a metodologia de Bertoni e Lombardi Neto (1999) mostra-se elevada para a bacia do Bom Jardim, com 10.359,00 mm/ha por ano ou 2.017.933,2 mm no total de sua área de 194,8 ha. Mostrando que na estação da primavera, registrou-se as maiores precipitações e consecutiva maior erosividade potencial 37,39% da total, a segunda estação com maior erosividade foi o verão, com 35,4% e o inverno a menor com apenas 12,86%.

Nos meses de janeiro, março, outubro, novembro e dezembro, registram-se erosivida-des potenciais acima de 1.200 mm/ha mês, necessitando de infraestrutura conservacionista de curvas de nível, terraceamentos, caixas de retenção e de práticas de manejo da terra, agrí-cola e animal, para se proteger o solo e as água da bacia..

Segundo Ferreira (2000. p. 41), entre as diversas medidas conhecidas para o controle da erosão, uma das mais importantes é a cobertura do solo, com vegetação viva ou seus re-síduos, de forma a impedir o impacto direto das gotas de chuva sobre as partículas do solo. O controle da erosão significa a manutenção e a possibilidade de melhoria das condições de fertilidade do solo, com repercussão em melhores produções agrícolas. Por isso a im-portância do uso de sistemas de cultivo que priorizem a cobertura do solo e o seu mínimo revolvimento, como é o caso do sistema plantio direto.

Ademais o escoamento superficial que lava a superfície da terra e transporta para a rede de drenagem enorme quantidade de sedimentos e diversos elementos biológicos e químicos, que alteram a composição da água e compromete sua qualidade para o consumo humano e animal.

As indicações de áreas com maior fragilidade potencial erosiva e os meses potencial-mente mais erosivos constituem grande contribuição para o ordenamento do uso, ocupação e manejo da terra da bacia do Bom Jardim, a ser considerada pelos produtores rurais e gesto-res públicos da cidade de Brasilândia. Porém esta deva permear o Plano Diretor Municipal, visto que o córrego Aviação que corta a cidade possui elevado potencial erosivo e que no passado era o responsável pelo abastecimento de água da cidade, que agora é subterrâneo, utilizando-se das águas do grupo Bauru, formação Santo Anastácio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ferramenta carta de potencial erosivo mostrou-se não muito satisfatória para a reali-dade do Bom Jardim, porém se considerarem-se as classes de limitações de uso propostas por Ramalho Filho e Beek (1995), segundo a declividade, nota-se que a partir de 3% necessita--se de obras de curvas de nível e manejo do solo e das culturais e/ou animais.

A indicação dos quantitativos mensais de erosividade de Bertoni e Lombardi Neto (1999) potencializa ainda mais, a necessidade de manutenção das curvas, terraços e outras técnicas edificadas para conter a ação da água corrente, bem como o manejo do uso da área.

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Portanto, são informações de baixo custo e muito importantes para o ordenamento do uso sustentável das terras de bacia hidrográficas, visando à proteção contra a perda de solo e de quantidade e qualidade de suas águas. Devendo ser difundidas em nível de planejamento.

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pLANEJAMENTO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS COMO INSTRUMENTO pARA O GERENCIAMENTO DE

RECURSOS HÍDRICOS PLANIFICACIÓN DE CUENCAS HIDROGRÁFICAS COMO

HERRAMIENTA PARA LA GESTIÓN DE LOS RECURSOS HÍDRICOSENVIRONMENTAL PLANNING IN WATERSHEDS AS A TOOL TO

WATER RESOURCES MANAGEMENTAntonio Cezar Leal.

Professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação

em Geografia da FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente,

e pesquisador do Instituto de Geociências, UNICAMP.

[email protected]

Resumo: O planejamento ambiental de bacias hidrográficas constitui um importante instru-mento para o gerenciamento de recursos hídricos. Na perspectiva de contribuir para o debate, são abordados alguns pressupostos básicos do planejamento ambiental de bacias hidrográficas e gerenciamento de recursos hídricos, com foco em mananciais para abastecimento público e rios de domínio da União. São explicitadas pesquisas e ações desenvolvidas e em desenvol-vimento nas bacias do Rio Paranapanema e do Rio Santo Anastácio, com apoio da FAPESP, CNPq e Comitês de Bacias Hidrográficas. As pesquisas estão articuladas em um projeto principal e são realizadas em várias escalas, envolvendo alunos de cursos de graduação em Ge-ografia e Engenharia Ambiental e de pós-graduação em Geografia visando produzir estudos específicos que subsidiem ações de planejamento e gestão, bem como a formação de recursos humanos qualificados para atuar nos sistemas de gestão ambiental e de recursos hídricos. Os resultados são disponibilizados aos órgãos gestores e à comunidade, bem como subsidiam ações de Educação Ambiental para professores, alunos e comunidade regional.

palavras-chave: planejamento ambiental, bacias hidrográficas, gerenciamento de recursos hídricos, Rio Santo Anastácio, Rio Paranapanema.

Resumen: La planificación ambiental de las cuencas hidrográficas es una herramienta im-portante para la gestión de los recursos hídricos. Con el fin de contribuir al debate, se pre-sentan algunos postulados básicos de la planificación ambiental de las cuencas hidrográficas y la gestión de los recursos hídricos, centrándose en las fuentes de agua para el abasteci-miento público y en los ríos bajo control de la Unión. Se especifican las investigaciones y acciones desarrolladas y en desarrollo en las cuencas hidrográficas del Río Paranapanema y

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el Río Santo Anastasio, con el apoyo de la FAPESP, CNPq y de los Comités de Cuencas. Las investigaciones se articulan en un proyecto principal y se realizan a diversas escalas, con la participación de estudiantes de la Licenciatura en Geografía, Ingeniería Ambiental y estu-dios de posgrado en Geografía, con el objetivo de producir estudios específicos que susten-ten la planificación y gestión, así como la formación de recursos humanos calificados para trabajar en los sistemas de gestión ambiental y de los recursos hídricos. Los resultados están a disposición de los organismos de gestión y de la comunidad, así como apoyan las acciones en la educación ambiental para maestros, estudiantes y la comunidad regional.

palabras clave: planificación ambiental, cuencas hidrográficas, gestión de recursos hídricos, Río Santo Anastasio, Río Paranapanema.

Abstract: The environmental planning in watersheds is a important tool to perform wa-ter resources management. In order to contribute to the debate, some basic assumptions of environmental planning in watersheds and water resources management are presented with focus on springs for public supply and rivers under jurisdiction of the Federation. It was presented some reporters about researches and actions developed and developing in Paranapanema and Sato Anastacio rivers watersheds with support from FAPESP, CNPq and Watersheds Committees. The researches are articulated in a major project and are per-formed in several scales involving undergraduate students in Geography and Environmental Engineering and postgraduate students in Geography in order to produce specifics studies to subsidize planning and management actions, as well as to create qualified human re-sources to operate on the environmental management and water resources systems. Results are available to the management agencies and to the community, as well as subsidize envi-ronmental education actions to teachers, students and the regional community.

Keywords: environmental planning, watersheds management, water resources manage-ment, Santo Anastacio River, Paranapanema River.

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INTRODUÇÃO

A crescente pressão sobre os recursos de água doce, causada pelo aumento da demanda, pelo desperdício e progressiva poluição em nível planetário, é tema de profunda preocupação, ao ponto de se chegar a considerá-lo como o problema-chave do século XXI. Isto significa que é necessário o desenvolvimento de uma política bem sucedida de gerenciamento de recursos hídricos, de modo a que estes satisfaçam, sem impactar negativamente a Natureza, as neces-sidades sociais, em consonância com o suporte para o ordenamento territorial e ambiental.

Na Agenda 21, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (Capítulo18), reco-nhece-se a água como um recurso natural e social e um bem econômico, cuja quantidade e qualidade determinam a natureza da sua utilização. Neste documento a água é apontada como uma das maiores necessidades de desenvolvimento humano e, portanto, considerado como um recurso de caráter econômico, ecológico e social, mas distribuído e limitado no tempo e no espaço, e vulnerável à ação conjunta de uma série de forças dinâmicas naturais e sociais.

Organismos internacionais têm alertado sobre a necessidade de gerar mudanças para-digmáticas na gestão da água e das bacias hidrográficas, assumindo inclusive ações que re-duzam reais ou potenciais conflitos entre povos e países. Nesse sentido, a ONU estabeleceu para o Dia Mundial da Água de 2009 o tema central “Águas Transfronteiriças: Águas Com-partilhadas e Oportunidades Compartilhadas”, com a recomendação de que um “enfoque especial seja dado aos recursos hídricos transfronteiriços, de tal forma que sejam fomentadas as oportunidades de cooperação na gestão destes recursos, contribuindo assim para a cons-trução do respeito mútuo, compreensão e confiança entre os países. Isto promove a paz, a segurança e o crescimento econômico sustentável” (UNESCO, 2009).

Retomamos esse tema neste texto tendo em vista que sua abordagem não se restringe às águas compartilhadas com outros países, mas pode incluir, especialmente no caso do Brasil, o estudo, planejamento e gestão de córregos e rios que constituem limites entre Municípios e Estados visando seu gerenciamento descentralizado, participativo e integrado, considerando-se o domínio da água pelos Estados ou União, como estabelecido na Consti-tuição Federal. Nesse sentido, a gestão de bacias compartilhadas constitui um dos desafios na implementação dos sistemas de gerenciamento de recursos hídricos no país, necessitando de estudos detalhados, coordenação política e cooperação entre os participantes para que seja plenamente implantada.

Da mesma forma, o tema do Dia Mundial da Água 2011, “Água para as cidades: Respon-dendo ao Desafio Urbano”, implica em um trabalho de cooperação entre gestores, usuários de água e a população em geral para combater desperdícios e ações que degradam os recursos hídricos, visando garantir saneamento básico para todos. Para tanto, entre outras ações, é fundamental a proteção e gestão de bacias hidrográficas de mananciais de abastecimento pu-blico, as quais, em muitos casos, são compartilhadas entre Municípios e entre Estados.

Nesse contexto, a escolha do tema “Instrumentos de análise e a gestão de bacias hi-drográficas”, inserido no eixo “Análise e gestão de bacias hidrográficas” do XIV Simpósio

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Brasileiro de Geografia Física Aplicada (SBGFA), o qual tem como tema central “Dinâmicas socioambientais, das inter-relações às interdependências”, constitui uma oportunidade para a comunidade geográfica refletir sobre os caminhos percorridos e as ações em andamento para a gestão de bacias hidrográficas que abrangem territórios de mais de um Município ou Estado da Federação Brasileira, com rios de domínio estadual ou da União, bem como para a proteção e gestão de bacias de mananciais de abastecimento público.

Para tanto, apresentamos como contribuição para o debate algumas ações em anda-mento na bacia do Rio Paranapanema e na bacia do manancial Rio Santo Anastácio, de-senvolvidos na perspectiva de subsidiar a elaboração de planos de bacias hidrográficas que contribuam para a proteção das águas e subsidiem o gerenciamento descentralizado, parti-cipativo e integrado dos recursos hídricos nessas bacias hidrográficas.

Essas ações estão articuladas ao desenvolvimento do projeto “Gestão das Águas e Pla-nejamento Ambiental da Bacia do Rio Paranapanema”, realizado com o apoio do CNPq e da FAPESP, integrado com outras pesquisas em nível graduação e de pós-graduação, com estudos específicos em sub-bacias ou unidades hidrográficas, em escala de detalhe.

Os focos de investigação são: a) gestão das águas, por meio da análise das políticas e sistemas de gestão de recursos hídricos da União e dos estados de São Paulo e do Paraná, das ações dos Comitês de Bacias, das políticas municipais de meio ambiente e dos serviços de saneamento ambiental dos municípios da bacia do Rio Paranapanema; e b) planejamento de bacias hidrográficas, através de estudos voltados ao planejamento ambiental da bacia do Rio Paranapanema, em várias escalas, aplicando-se a análise integrada da paisagem, com a elaboração de mapas temáticos e de síntese do estado ambiental das unidades da paisagem, de cenários e de propostas para a gestão das águas na bacia do Rio Paranapanema.

Esses trabalhos são desenvolvidos junto ao Grupo de Pesquisas em Gestão Ambiental e Dinâmica Socioespacial (GADIS), da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, campus de Presidente Prudente, São Paulo.

pLANEJAMENTO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: FUNDAMENTOS E ESTUDOS EM DESENVOLVIMENTO NAS BACIAS

DOS RIOS pARANApANEMA E SANTO ANASTÁCIO

Segundo a Lei Nacional 9.433/97, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Para tanto, a Lei estabelece que os Planos de Re-cursos Hídricos são plano diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da política nacional de recursos hídricos e serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o País. Devem ser de longo prazo, permitindo a execução dos programas e projetos estabelecidos e a consecução dos objetivos propostos. Em sua elaboração deve-se valorizar o processo de planejamento, de forma participativa, descentralizada e demo-

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crática, como destacado na Síntese Executiva do Plano Nacional de Recursos Hídricos (BRASIL/MMA/SRH, 2006).

Os Planos de Recursos Hídricos constituem um dos instrumentos previstos no Artigo 5º da Lei 9.433/97, que inclui também outros instrumentos: o Enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água, Outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, Cobrança pelo uso de recursos hídricos e Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.

O planejamento de recursos hídricos, segundo Barth e Pompeu (1987), tem como fi-nalidade a avaliação prospectiva das demandas e das disponibilidades desses recursos e a sua alocação entre usos múltiplos, de forma a obter os máximos benefícios econômicos e sociais. Campos e Sousa (2003) compreendem o planejamento como “a busca do melhor caminho para se atingir determinados objetivos. Por sua vez o plano é o documento que materializa, em textos, um planejamento, e viabiliza sua materialização em termos de ações”.

O conteúdo básico dos planos, previsto na Lei 9.433/97, inclui: diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo; balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; medidas a serem tomadas, pro-gramas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas; prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; e propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos. Da mesma forma, em sua ela-boração é necessário atender aos critérios gerais estabelecidos na Resolução CRNH 17/2001.

O planejamento de recursos hídricos constitui um instrumento fundamental para o gerenciamento da água e da bacia hidrográfica, uma vez que pode induzir ou restringir o uso e ocupação do solo e a implantação de planos de desenvolvimento econômico em sua área de abrangência, pelo disciplinamento e controle do acesso e uso da água. Nesse sentido, gerenciar águas e bacias hidrográficas exige que se considerem diversos processos naturais e sociais interligados, com abordagem holística e sistêmica, visando compatibilizar o uso e ocupação do solo nas bacias hidrográficas com a garantia de disponibilidade de água para a sustentabilidade do desenvolvimento econômico, social e ambiental.

No gerenciamento de recursos hídricos é fundamental considerar princípios básicos, previstos na legislação hídrica: água como um bem público, recurso estratégico e com valor econômico; gestão integrada e sustentável dos recursos hídricos; bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gerenciamento; participação social na tomada de decisões; e o papel do Estado na mediação dos conflitos.

Nessa perspectiva, a gestão de bacias hidrográficas constitui, segundo CEPAL (1994), um processo de gestão em que se busca: conciliar o aproveitamento dos recursos naturais

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da bacia hidrográfica com o crescimento econômico e transformação produtiva; manejar os recursos com fins de evitar conflitos e problemas ambientais (sustentabilidade ambiental); e garantir equidade mediante processos de decisão com a participação de diferentes atores.

De acordo com Mota (1995), “o planejamento territorial de uma bacia hidrográfica com base em suas características ambientais constitui o melhor método para evitar a de-gradação de seus recursos hídricos”. Além disso, as medidas de controle do escoamento das águas superficiais, de proteção da vegetação, de disciplinamento da ocupação do solo, e de controle da erosão, têm reflexos na proteção dos recursos hídricos, tanto quantitativa como qualitativamente.

Dessa forma, o planejamento ambiental do território (ou de uma bacia hidrográfica) converte-se em um elemento tanto básico como complementar para a elaboração dos pro-gramas de desenvolvimento econômico e social e para a otimização do plano de uso, manejo e gestão de qualquer unidade territorial (RODRIGUEZ et al, 2004).

Para Santos (2004), o “planejamento ambiental fundamenta-se na interação e in-tegração dos sistemas que compõem o ambiente. Tem o papel de estabelecer as relações entre os sistemas ecológicos e os processos da sociedade, das necessidades socioculturais a atividades e interesses econômicos, a fim de manter a máxima integridade possível dos seus elementos componentes”.

Santos (2004) e Rodriguez (2008) consideram o planejamento ambiental como: um instrumento da Política Ambiental em consonância com o modelo e estilo de desenvolvi-mento adotado; um suporte articulado ao processo de tomada de decisões; um exercício técnico-intelectual dirigido a estabelecer as pautas para programar o uso do território, dos espaços e das paisagens e a Gestão Ambiental; um objetivo para adequar as ações e inter-venções dos governos e dos agentes econômicos e os atores sociais, aos sistemas naturais. Para Rodriguez (1994), o planejamento ambiental tem como objetivo principal “garantir, de forma completa, as condições ecológicas para o desenvolvimento efetivo da produção social, e todas as atividades da população, através do uso racional e da proteção dos recursos do meio ambiente.

Segundo Rodriguez et al (2004), o planejamento ambiental pode ser realizado tendo como base a análise integrada da paisagem, compreendida como um “conjunto de métodos e procedimentos técnico-analíticos que permitem conhecer e explicar a estrutura da paisa-gem, estudar suas propriedades, índices e parâmetros sobre a dinâmica, a história do desen-volvimento, os estados, os processos de formação e transformação da paisagem e a pesquisa das paisagens naturais, como sistemas manejáveis e administráveis”.

O Planejamento da Paisagem (Landscape Planning) pode ser definido como o con-junto de métodos e procedimentos que se usam para criar uma organização espacial da atividade humana em particular das paisagens. Está dirigido a assegurar a gestão e o manejo sustentável da natureza e a preservação das funções básicas da paisagem que suportam a vida (ANTIPOV et al, 2006 apud RODRIGUEZ e CHAPLE, 2009). É um componente da

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política ambiental e territorial, encaminhado a estabelecer a organização espaço-temporal da atividade vital da sociedade na paisagem, espaço e território concreto, conservando ou mul-tiplicando suas propriedades. O objetivo geral é garantir o uso racional e sustentável da na-tureza, conservando-se as funções principais das paisagens naturais e de seus componentes, como os sistema da biosfera, geoesfera e da humanidade em seu conjunto (DIAKONOV, 2008 apud RODRIGUEZ e CHAPLE, 2009). A concepção metodológica do planejamen-to da paisagem segundo Rodriguez e Chaple (2009) está apresentada no quadro I.

Para Cavalcanti et al (1997), o planejamento ambiental de bacias hidrográficas, baseada na concepção geoecológica deverá dar resposta às seguintes questões: identificar, classificar e delimitar as unidades espaciais, das quais está composta a bacia; estabelecer as relações entre os espaços e paisagens naturais, com os restantes tipos de espaços e paisagens; determinar as potencialidades de recursos naturais e serviços ambientais das diferentes unidades, e da bacia como um todo; estabelecer as funções ecológicas e sociais; determinar o estado am-biental, os problemas ambientais; esclarecer os fatores e as causas que conduziram à “ordem ou desordem” espacial e ambiental existente; ordenar ambiental, espacial e territorialmente a bacia hidrográfica.

Em razão dos limites ou fronteiras entre territórios administrativos e das dificuldades operacionais, financeiras e políticas de articular a gestão integrada de bacias hidrográficas de modo compartilhado entre os entes da Federação brasileira, uma alternativa para essa questão tem sido adotar a divisão hidrográfica do território em que se pretende implantar o gerenciamento de recursos hídricos. Essa divisão deve ser resultante de estudos e deli-berações que visem organizar os territórios administrativos em setores específicos para o gerenciamento de recursos hídricos, ao mesmo tempo em que deve viabilizar a implantação do sistema de gerenciamento. Todavia, há dificuldades operacionais, legais e administrativas que devem ser superadas para a integração de sistemas de gestão de recursos hídricos exis-tentes ou que serão implantados nas bacias compartilhadas.

Nesse contexto, para alcançar os propósitos estabelecidos na gestão de bacias hidro-gráficas e de recursos hídricos é necessário um permanente e contínuo processo de planeja-mento, que considere os aspectos naturais, sociais, econômicos e políticos atuantes na bacia hidrográfica, de forma integrada e participativa. É o que se busca nas atividades em desen-volvimento nos sistemas de gerenciamento de recursos hídricos existentes nas bacias do Rio Paranapanema e do manancial Rio Santo Anastácio.

Na perspectiva de contribuir para essas ações, estão sendo realizadas pesquisas cientí-ficas em vários níveis, tendo como premissa contribuir para o planejamento ambiental das bacias hidrográficas em foco, aplicando-se a metodologia de análise integrada da paisagem, de acordo com as proposições de Rodriguez (1994, 2002 e 2008), Rodriguez et al (2004) e Rodriguez e Chaple (2009), como exposto na sequência.

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RIOS DE DOMÍNIO DA UNIÃO: ESTUDOS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO pARANApANEMA

A implementação do gerenciamento de recursos hídricos em rios de domínio da União, como no caso do Rio Paranapanema, pode propiciar a articulação de políticas setoriais via organização de Comitês de Bacias Hidrográficas que fomentem e viabilizem o diálogo entre a União, Estados e Municípios, de forma a garantir a gestão integrada da bacia hidrográfica.

Para tanto, é necessário atender à Deliberação nº. 5 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que define os Comitês de Bacia Hidrográfica como órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas na bacia hidrográ-fica de sua jurisdição. Os Comitês são compostos por representantes da sociedade civil or-ganizada, usuários de água e instituições públicas, com potencial para influenciar na própria gestão do Estado, notadamente no que se refere à democratização de informações, hierar-quização de prioridades e de tomada de decisões subsidiadas pelo planejamento ambiental.

A oportunidade de articulação evidencia-se no artigo 3º da Deliberação, ao estabelecer que as “ações dos Comitês de Bacias Hidrográficas em rios de domínio dos Estados, afluen-tes a rios de domínio da União, serão desenvolvidas mediante articulação da União com os Estados, observados os critérios e as normas estabelecidos pelos Conselhos Nacional, Esta-duais e Distrital de Recursos Hídricos”.

Essa deliberação reforça a integração do gerenciamento de recursos hídricos com a gestão de bacias hidrográficas ao prever que os Comitês de Bacias Hidrográficas deverão adequar a gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econô-micas, sociais e culturais de sua área de abrangência (ou seja, das bacias hidrográficas em que atuam). Ou, ainda, quando estabelece exigências para a montagem de Comitê de rios de domínio da União, em seu Art. 10, incluindo: justificativa circunstanciada da necessidade e oportunidade de criação do Comitê, com diagnóstico da situação dos recursos hídricos na bacia hidrográfica e, quando couber, identificação dos conflitos entre usos e usuários, dos riscos de racionamento dos recursos hídricos ou de sua poluição e de degradação ambiental em razão da má utilização desses recursos; caracterização da bacia hidrográfica que permita propor a composição do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica e identificação dos setores usuários de recursos hídricos.

Para a formação de Comitês de Bacias em Rios de Domínio da União será necessário atender também ao disposto no Artigo 4º da Deliberação CNRH 109/2010, que estabelece que a proposta de criação de comitê de bacia hidrográfica de rios de domínio da União,com definição de sua área de atuação, observará a área de delimitação da UGRH, as disposições estabelecidas na Resolução CNRH no 05, de 2000, e a celebração prévia de acordo entre União e Estados ou, quando for o caso, o Distrito Federal, ouvidos os Comitês de Bacia Hi-drográfica existentes na respectiva UGRH, considerando os seguintes aspectos: I. definição de atribuições compartilhadas entre os comitês na UGRH; II. definição do arranjo institu-cional; e III. garantia do funcionamento do Comitê e de sua secretaria-executiva.

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A integração da gestão hídrica, com suporte em planejamento da bacia, deve ser efe-tivamente implantada e avançar para um processo de gestão ambiental de toda a bacia hidrográfica a ser gerenciada. Nessa perspectiva, os estados de São Paulo e Paraná estando trabalhando em conjunto com a União, com apoio da Agência Nacional de Águas, para o gerenciamento integrado das águas da bacia do Rio Paranapanema, visando atingir aos obje-tivos estabelecidos nas Leis de Águas Nacional (Lei 9.433/97), de São Paulo (Lei 7.663/91) e do Paraná (Lei 12.726/99).

Nesse sentido, a criação do Grupo de Trabalho Paranapanema (GT-Paranapanema), em 2009, constituído por meio de Resolução conjunta entre a Agência Nacional de Águas, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Paraná, teve o objetivo de fomentar e subsidiar a organização do Comitê da Bacia do Rio Paranapanema. As atividades desse GT resultaram na elaboração de estudos que funda-mentaram a proposta de formação do CBH Rio Paranapanema (SÃO PAULO E PARANÁ, 2010 – estudos realizados com apoio da ANA e UNESP, entre outros colaboradores) os quais foram aprovados em dezembro de 2010 no Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Prevê-se a instalação desse Comitê para o ano de 2011 ou 2012, contando-se com o trabalho e empenho dos participantes de grupo de apoio constituído para dar prosseguimento aos trabalhos.

O Rio Paranapanema é de domínio da União, como previsto na Constituição Federal (BRASIL, 1988). Sua bacia hidrográfica, com cerca de 105.900 km², abrange terras do Es-tado de São Paulo e Paraná, com população superior a cinco milhões de habitantes, em 247 municípios total ou parcialmente inseridos nesta bacia, constituindo a área de atuação de seis Comitês de Bacias Hidrográficas estaduais.

A área da bacia do Rio Paranapanema, para efeito da gestão compartilhada, envolve as unidades hidrográficas que foram estabelecidas na divisão hidrográfica dos estados de São Paulo e do Paraná, considerando sua rede hidrográfica bem definida, para implantação das políticas e sistemas estaduais de gerenciamento de recursos hídricos: no estado de São Paulo: três Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHIs): Alto Para-napanema, Médio Paranapanema e Pontal do Paranapanema (SP-SRHSO-DAEE, 2000); e no estado do Paraná: na região hidrográfica do Paraná, com quatro Unidades Hidrográficas: Itararé, Cinzas, Paranapanema 1, Paranapanema 2; Alto Tibagi e Baixo Tibagi; e Pirapó, Pa-ranapanema 3 e Paranapanema 4 (CERH-PR, 2006). Nessas áreas atuam, respectivamente, CBH Alto Paranapanema, CBH Médio Paranapanema e CBH Pontal do Paranapanema, na vertente paulista; CBH Norte Pioneiro, CBH Rio Tibagi e CBH Piraponema.

De acordo com Leal, Rodriguez e Chaple (2010), a ocupação da bacia do Rio Parana-panema, embora com registros da época colonial, tem se intensificado nas últimas décadas, com esforços humanos direcionados para ocupar e assimilar recursos, e criar lugares e es-paços nos quais se exercem atividades sociais de produção do espaço geográfico. Na bacia difunde-se uma ampla rede de pequenas e médias cidades, nas quais se distinguem Londri-na, Maringá, Ponta Grossa e Castro, no Estado do Paraná, e Presidente Prudente, Ourinhos, Assis, Itapetininga e Avaré, em São Paulo.

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Os autores destacam que a intensa atividade econômica e social na bacia é assegurada pela presença de recursos naturais com grande valor e significância. Em primeiro lugar, a existência de recursos hídricos superficiais e subterrâneos (incluindo aqüíferos Bauru e Guarani); solos com alto e médio potencial agrícola e de grandes áreas com relevo plano ou colinoso (embora com serras e cuestas no alto curso e parte do médio curso) e condições climáticas excepcionais, no contato dos climas tropical e temperado. No entanto, tanto pelas condições naturais quanto pelo impacto das atividades humanas, na bacia registram--se problemas ambientais que ameaçam a capacidade produtiva, a partir dos quais vários efeitos são evidentes na qualidade de vida. Assim, o intenso impacto humano está levando à presença de processos que estão degradando o estoque dos recursos naturais, deteriorando a qualidade ambiental dos espaços, que se manifesta em uma maior tensão para manter pa-drões adequados de qualidade de vida da população.

O Rio Paranapanema tem uma grande regulação de seu caudal pelas usinas hidrelétricas implantadas em seu curso principal e afluentes, destacando-se o rio Tibagi. Este aspecto é fundamental em sua gestão, constituindo um dos mais importantes sistemas hidroelétricos do país. Entretanto, vários rios e córregos da bacia apresentam situação de degradação am-biental, com desperenização de alguns trechos; poluição; assoreamento; aumento do nível das inundações; diminuição da vegetação natural e da biodiversidade em razão do desmatamen-to, notadamente para se tentar garantir a posse de terras; processos de erosão laminar e line-ar amplamente difundidos; tendências para mudanças climáticas (tal como o aumento dos picos de eventos extremos); e perda de parte do patrimônio natural. Verificam-se, também, intensos processos erosivos nas estradas, especialmente nas rurais, demandando vultosos re-cursos públicos para sua recuperação, a exemplo dos investimentos realizados pelos Comitês de Bacias da vertente paulista no controle da erosão em áreas rurais e urbanas (com inves-timento de cerca de 70% dos recursos disponíveis ao longo de aproximadamente 10 anos).

A bacia do Rio Paranapanema também está localizada no eixo de expansão da cana--de-açúcar para produção de açúcar, etanol e energia elétrica, principalmente no Pontal do Paranapanema, com substituição de áreas de pastagem, criação de gado de leite e de corte, grãos e culturas de vários tipos, com impactos sociais e ambientais.

Enquanto as prefeituras municipais, diversos órgãos do Estado e da União e os Comitês de Bacias realizam projetos e ações para a proteção e valorização das bacias hidrográficas, ve-rifica-se que ainda falta coordenação entre esses vários organismos, situação que se complica pelas barreiras impostas pelos limites político-administrativos dos municípios e dos estados. A gestão integrada, embora com algumas iniciativas e o atual processo em andamento, ainda não é uma realidade na bacia do Rio Paranapanema. Contribuir para superar essa situação constitui outro dos fundamentos das pesquisas em andamento.

Essa situação se deve, entre outros aspectos, à falta de um sistema de informação sobre o estado da bacia e de planejamento estratégico que sirva de base para implementar e exe-cutar uma gestão coordenada e articulada entre os sistemas de gestão exisitentes, que possa conduzir a um processo de desenvolvimento sustentável em toda a bacia. Os problemas

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ambientais, institucionais e sociais geradas pelo crescimento econômico na bacia do rio Pa-ranapanema exigem um planejamento integrado dos seus espaços, ambientes e territórios. Esse será um dos focos de trabalho do futuro CBH Rio Paranapanema – a elaboração do respectivo plano de bacia hidrográfica.

Nas pesquisas em andamento, subsídios para o planejamento ambiental da bacia do rio Paranapanema estão sendo progressivamente realizados aplicando-se as proposições de Ro-driguez (1994 e 2002), Rodriguez et al (2004) e Rodriguez e Chaple (2009), em diferentes escalas: 1:1.000.000 para toda a bacia; 1:250.000 para a UGRHI Pontal do Paranapanema; 1:50.000 ou maiores para sub-bacias e microbacias.

Na etapa de inventário, na escala 1:1.000.000, foram elaborados mapas temáticos (ge-ologia, geomorfologia, solos, hidrografia, hipsometria, clima, uso e ocupação da terra, entre outros), coleta de dados sócio-econômicos e elaboração de mapa de unidades da paisagem baseado em aspectos naturais. Ações e projetos voltados ao gerenciamento de recursos hídri-cos estão sendo identificados e analisados. A organização de banco de dados e de sistema de gestão de projetos, com acesso via internet, encontra-se em andamento.

Após a etapa de inventário, estão sendo realizados o diagnóstico, prognóstico e propos-tas para a gestão da bacia. Serão identificadas as unidades da paisagem natural e as unidades de uso e ocupação do solo, as funções ecológicas e a estabilidade das unidades naturais, a compatibilidade com o uso e seu estado ambiental. Será proposto o zoneamento ambiental e propostas para disciplinar a intensidade de uso. O estado da organização espacial será ana-lisado para a elaboração de propostas para um programa de gestão, com ênfase nas políticas de uso integrado e proteção dos recursos hídricos, em estratégias territoriais de uso e contro-le dos recursos naturais, visando à sustentabilidade do desenvolvimento.

Entre as pesquisas articuladas ao projeto principal, e realizadas em escalas de detalhe encontram-se os trabalhos de Bezerra (2008), Pereira (2009), Santos (2009), Criado (2009), Camargo (2010), Garcia (2010) e Zanatta (2010), nos quais foram realizados estudos de bacias hidrográficas de córregos ou de trechos do Rio Paranapanema, com foco na caracteri-zação ambiental dessas bacias, identificação de problemas, especialmente em relação ao uso e proteção das águas, às áreas de preservação permanente e análise de ações realizadas por órgãos públicos.

Os estudos realizados são disponibilizados aos órgãos públicos e demais interessados, via cópia digital ou no site da biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP e do sistema específico para armazenamento e troca de dados e informações na internet, ge-renciado no grupo de pesquisa GADIS.

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pROTEÇÃO DE MANANCIAIS: ESTUDOS NA BACIA DO MANANCIAL RIO SANTO ANASTÁCIO

No que se refere à proteção de mananciais, o Estado de São Paulo conta com a Lei Estadual nº 9.866, de 28 de novembro de 1997, que dispõe sobre diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas de mananciais de interesse regional do Estado de São Paulo, e para tal estabelece, no Artigo 1º., as diretrizes e normas para que se efetive essa proteção e a recuperação da qualidade ambiental das bacias hidrográficas correspondente, assegurados, desde que compatíveis, os demais usos múltiplos. Para efeito dessa lei, de acordo com o Parágrafo único do Artigo 1º, consideram-se como mananciais de interesse regional as águas interiores subterrâneas, superficiais, fluentes, emergentes ou em depósito, efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público. A Lei também garante que as águas dos mananciais por ela protegidos são prioritárias para o abastecimento público em detrimento de qualquer outro interesse.

Como objetivos dessa Lei são estabelecidos, no Artigo 2º.: I. preservar e recuperar os mananciais de interesse regional no Estado de São Paulo; II. compatibilizar as ações de preservação dos mananciais de abastecimento e as de proteção ao meio ambiente com o uso e ocupação do solo e o desenvolvimento socioeconômico; III. promover uma gestão participativa, integrando setores e instâncias governamentais, bem como a sociedade civil; IV. descentralizar o planejamento e a gestão das bacias hidrográficas desses mananciais, com vistas à sua proteção e à sua recuperação; e V. integrar os programas e políticas habitacionais à preservação do meio ambiente.

No Artigo 3º. define-se que a Área de Proteção e Recuperação de Manancial (APRM) pode ser constituída por uma ou mais sub-bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional e deverá estar inserida em uma das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hí-dricos (UGRHI), previstas no Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH), instituído pela Lei nº 7663, de 30 de dezembro de 1991.

A articulação com a Lei 7.663/91 também se evidencia nos trâmite para a criação de APRMs que exigem, como estabelecido no Artigo 4º., sua definição e delimitação mediante proposta do Comitê de Bacia Hidrográfica e por deliberação do Conselho Estadual de Re-cursos Hídricos (CRH), ouvidos o Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA) e o Conselho de Desenvolvimento Regional (CDR), na forma do art. 18 desta lei, que prevê que as APRMs, suas Áreas de Intervenção (Áreas de Restrição à Ocupação, Áreas de Ocupa-ção Dirigida e Áreas de Recuperação Ambiental) e respectivas diretrizes e normas ambientais e urbanísticas de interesse regional serão criadas através de Lei Estadual.

A Lei 9.866/97 prevê, no Artigo 10, que nas APRMs serão implementados instrumen-tos de planejamento e gestão, visando orientar as ações do poder público e da sociedade civil voltadas à proteção, à recuperação e à preservação dos mananciais de interesse regional. Esses instrumentos são previstos no Artigo 11: I. áreas de intervenção e respectivas diretrizes e normas ambientais e urbanísticas de interesse regional; II. normas para implantação de

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infra-estrutura sanitária; III. mecanismos de compensação financeira aos Municípios; IV. Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental - PDPA; V. controle das atividades po-tencialmente degradadoras do meio ambiente, capazes de afetar os mananciais; VI. Sistema Gerencial de Informações; e VII. imposição de penalidades por infrações às disposições desta lei e das leis específicas de cada APRM.

Na perspectiva de aplicação dessa lei na proteção do manancial Rio Santo Anastácio, Leal e Silva (2009) elaboraram uma proposta para análise pelo Comitê das Bacias Hidro-gráficas do Pontal do Paranapanema (CBH-PP), considerando-se que este Comitê incluiu essa área como de importância estratégica no Plano de Bacia da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 22, prevendo-se a realização do PDPA, nos termos da lei estadual 9866/97. O CBH-PP, em parceria com várias instituições que o compõe, tem empreendido diversas iniciativas para incentivar o reconhecimento da importância dos mananciais loca-lizados no alto curso da bacia hidrográfica do Rio Santo Anastácio, visando medidas para a sua recuperação, conservação e proteção, tendo em vista o abastecimento público do muni-cípio de Presidente Prudente.

Com uma população de aproximadamente 210.000 pessoas no município de Presiden-te Prudente, 98% concentrada na cidade, segundo censo do IBGE 2010, deve-se ressaltar a amplitude dos aspectos regionais quanto à proteção do manancial Rio Santo Anastácio, pois um significativo número de pessoas oriundas de outros municípios recorre diariamente a essa cidade na busca dos mais variados serviços de saúde, educação e comércio, que fazem aumentar a demanda de água para atender a essas atividades e pessoas (LEAL E SILVA, 2009). Os autores também enfatizam que a previsão de aumento das atividades produtivas, e do crescimento populacional nos próximos anos, deverá pressionar ainda mais a demanda pelo uso dos recursos hídricos regionais, notadamente da bacia do Rio Santo Anastácio, concorrendo de forma acentuada para o desequilíbrio da utilização e degradação desse ma-nancial de importância regional.

A proposta, intitulada “Desenvolvimento dos Procedimentos de Criação da Área de Proteção e Recuperação de Mananciais (APRM) do Alto Curso da Bacia do Rio Santo Anas-tácio”, tem como área de abrangência duas represas utilizadas para a captação de água para abastecimento público de Presidente Prudente: 1. Represa da SABESP, no canal principal do Rio Santo Anastácio; e 2. Represa “Balneário da Amizade”, no Córrego do Limoeiro.

A bacia da represa da SABESP, de onde se capta cerca de 30% da água para Presidente Prudente, possui área da ordem de 198 km2, distribuída pelos municípios de Presidente Prudente, Álvares Machado, Regente Feijó, Anhumas e Pirapozinho, estando as nascentes do Rio Santo Anastácio localizadas na região do bairro Palmitalzinho, nos municípios de Anhumas e Regente Feijó. A área da bacia do Córrego do Limoeiro tem 19 km² das nas-centes até o reservatório denominado de Balneário da Amizade, de onde se capta água nos períodos de maior demanda, e está distribuída entre os municípios de Presidente Prudente e Álvares Machado.

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Verifica-se, assim, que a criação da APRM do Rio Santo Anastácio abrangerá área de 217 km² e sua gestão está inserida no contexto de bacia compartilhada por municípios, o que gera a necessidade e a oportunidade de articulação institucional para viabilizar sua proteção pelos municípios, pois a quantidade e qualidade dessas águas estão diretamente de-pendentes do controle do uso da terra e da água nas bacias, notadamente no que se refere à proteção e preservação das áreas de nascentes. Para tanto, o fórum de debates e de integração deve ser o CBH Pontal do Paranapanema, especialmente em suas Câmaras Técnicas, para anélise dos estudos e projetos, antes de serem submetidos ao plenário do referido Comitê.

A proposta mencionada foi aprovada pelo CBH-PP para financiamento pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos, estando atualmente em desenvolvimento a elaboração dos seguintes instrumentos, previstos na Lei 9.866/97: o Plano de Desenvolvimento de Prote-ção Ambiental (PDPA) e o Sistema Gerencial de Informações (SGI).

Como previsto no Artigo 31, o PDPA deve conter: I. diretrizes para o estabelecimento de políticas setoriais relativas a habitação, transporte, manejo de recursos naturais, sane-amento ambiental e infra-estrutura que interfiram na qualidade dos mananciais; II. dire-trizes para o estabelecimento de programas de indução à implantação de usos e atividades compatíveis com a proteção e recuperação ambiental da APRM; III. metas de curto, médio e longo prazos, para a obtenção de padrões de qualidade ambiental; IV. proposta de atua-lização das diretrizes e normas ambientais e urbanísticas de interesse regional; V. proposta de reenquadramento das Áreas de Recuperação Ambiental; VI. programas, projetos e ações de recuperação, proteção e conservação da qualidade ambiental; VII. Programa Integrado de Monitoramento da Qualidade Ambiental; VIII. Programa Integrado de Educação Am-biental; IX. Programa Integrado de Controle e Fiscalização; X. Programa de Investimento Anual e Plurianual.

O PDPA será elaborado e apresentado para análise e aprovação no CBH-PP, obede-cendo-se, como previsto na Lei, as diretrizes dos Sistemas de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Desenvolvimento Regional. Posteriormente, se aprovado pelas instâncias compe-tentes, comporá o Plano de Bacia da UGHRI-22 e integrará o Plano Estadual de Recursos Hídricos, como previsto na Lei.

A Lei 9.866/97 também estabelece, no Artigo 30, que as APRMs contarão com um Sistema Gerencial de Informações, que consiste em um banco de dados, permanentemente atualizado com informações dos órgãos participantes do sistema, destinado a: I. fornecer apoio informativo aos agentes públicos e privados que atuam nas bacias; II. subsidiar a ela-boração e os ajustes nos planos e programas previstos; e III. monitorar e avaliar a qualidade ambiental. Seu conteúdo mínimo, previsto na Lei, deve ser: 1. características ambientais das sub-bacias; 2. áreas protegidas; 3. dados hidrológicos de quantidade e qualidade das águas; 4. uso e ocupação do solo e tendências de transformação; 5. mapeamento dos sistemas de infra-estrutura implantados e projetados; 6. cadastro dos usuários dos recursos hídricos; 7. representação cartográfica das normas legais; 8. cadastro e mapeamento das licenças, au-torizações e outorgas expedidas pelos órgãos competentes; 9. cadastro e mapeamento das

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autuações efetuadas pelos órgãos competentes; 10. informações sobre cargas poluidoras e outras de interesse; e 11. indicadores de saúde associados às condições do ambiente físico, biológico e socioeconômico; e 12. informações das rotas de transporte de cargas tóxicas e perigosas. O SGI deverá ser operacionalizado pelo órgão técnico da APRM, garantindo-se acesso aos órgãos da administração pública municipal, estadual e federal e à sociedade civil.

De forma concomitante com a elaboração do PDPA e do SGI, estão sendo desenvolvidas outras ações, como salientado por Leal et al. (2011), a exemplo de adequação e recuperação de estradas rurais pela Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo (CODASP), com a metodologia exposta por Zoccal (2007); realização de pesquisas em nível de inicia-ção científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado pela UNESP, incluindo planejamento participativo e a identificação de áreas de preservação permanente, com apoio do Ministério Público Estadual (MPE), como abordado por Boin et al. (2009), Carpi Jr. (2009), Soares e Vianna (2009) e Dibieso (2007 e 2010), entre outros; o MPE também apóia a recupe-ração de APPs em ações coordenadas pela União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (UNIESP), em parceria com o Rotary Club de Presidente Prudente e várias outras instituições (MORA FILHO, 2010); atividades de Educação Ambiental planejadas e realizadas na FCT/UNESP, nos laboratórios do Grupo de Pesquisa em Gestão Ambiental e Dinâmica Socioespacial (GADIS) e do Grupo de Pesquisa em Tecnologia da Informação Es-pacial (TIE), na sede da CODASP, em escolas e centros comunitários e diretamente na bacia do Rio Santo Anastácio, como exposto por (Nadal, Araújo e Leal, 2011) e Matos (2009).

O conjunto de ações em andamento na bacia do manancial Rio Santo Anastácio está propiciando, pelo esforço das parcerias existentes, bem como por iniciativas particulares bem intencionadas, a progressivamente recuperação dessa bacia hidrográfica, ainda que se mantenham os riscos de degradação e a forte pressão urbana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O plano de recursos hídricos é o principal instrumento para a gestão das águas e sua elaboração constitui uma grande oportunidade para a construção de um pacto pelas águas, envolvendo gestores, políticos, usuários e comunidade. O Fórum adequado para essa cons-trução é o Comitê de Bacia Hidrográfica, funcionando como um parlamento das águas, no qual os interesses e conflitos podem ser equacionados e se construir consensos em prol do desenvolvimento regional.

O planejamento ambiental em bacias hidrográficas pode contribuir para subsidiar a ela-boração dos planos de recursos hídricos e estabelecimento de políticas públicas municipais, estaduais e da União que garantam a gestão e proteção da água em sua área de atuação, bem como sua disponibilidade, em quantidade e qualidade, para múltiplos usos, manutenção de ciclos naturais e a vida, em todas as suas formas.

Nesta perspectiva, as pesquisas em andamento nas bacias dos Rios Paranapanema e Santo Anastácio visam contribuir para o planejamento ambiental e o gerenciamento de recursos

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hídricos nessas bacias, bem como para a formação de profissionais que possam atuar de forma qualificada e compromissada nos sistemas de gerenciamento de recursos hídricos e de gestão ambiental, tendo o planejamento como fonte de instrumento norteador das decisões e ações.

Esses são alguns dos desafios e compromissos a serem enfrentados visando evidenciar o papel da Geografia e dos geógrafos no planejamento e na gestão das águas no país.

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TEORIA GERAL DO SISTEMA: HISTóRICO E CORRELAÇÕES COM A GEOGRAFIA E COM O ESTUDO DA pAISAGEM

TEORÍA GENERAL DEL SISTEMA: HISTÓRICO Y CORRELACIONES CON LA GEOGRAFÍA EL ESTUDIO DE PAISAJE

GENERAL SYSTEM THEORY: HYSTORY AND CORRELATIONS WITH GEOGRAPHYAND THE STUDY OF THE LANDSCAPE

Cláudia Câmara do ValeProfa. Dra. do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo

[email protected]

Resumo: Este artigo trata de um breve histórico acerca da Teoria Geral do Sistema, proposta por Ludwig von Bertalanffy. Faz considerações sobre a repercussão dessa teoria na Geografia, discutindo suas origens e repercussões nos estudos de cunho sistêmico. Trata da abordagem sistêmica, do geossistema e da paisagem nos estudos geográficos, sobretudo na biogeografia. Este artigo constitui parte da tese de doutoramento da autora intitulada “Séries geomóficas costeiras do estado do Espírito Santo e os habitats para o desenvolvimento dos manguezais: uma visão sistêmica”. Discute as contribuições dos estudos de Vitor Sotchava e Georges Bertrand no âmbito da Geografia Física.

palavras-chave: Teoria Geral do Sistema. Geossistema. Paisagem. Geografia Física. Aplicação.

Resumen: Este artículo es una breve historia acerca de la Teoría General del sistema, pro-puesto por Ludwig von Bertalanffy. Consideraciones sobre el impacto de esta teoría en la geografía se hacen discutiendo sus orígenes e implicaciones para los estudios de carácter sistémico. Este enfoque sistémico de los estudios geosistema y del paisaje en la geografía, especialmente en la biogeografía. Este artículo es parte de la tesis doctoral de la autora de “Serie geomórficas estado costero de Espirito Santo y de los hábitats de los manglares para el desarrollo: una visión sistémica”. Describe las contribuciones de los estudios de Vitor Sotchava y Georges Bertrand en la Geografía Física.

palabras clave: Teoría del Sistema General. Geosistema. Paisaje. Geografía Física. Aplicación.

Abstract: This article is a brief history about the General System Theory, proposed by Ludwig von Bertalanffy. Considerations about the impact of this theory in geography are made, dis-cussing its origins and implications for studies of systemic nature. This systemic approach to the geosystem and landscape studies in geography, especially in biogeography. This article is part of the author’s doctoral thesis entitled “Series geomóficas coastal state of Espirito Santo and the habitats of mangroves for development: a systemic view.” Discusses the contributions of studies of Vitor Sotchava and Georges Bertrand within Physical Geography.

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Keywords: Theory of General System. Geosystem. Landscape. Physical Geography. Application.

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INTRODUÇÃO

Nós diríamos de bom grado, escreve Max Sorre, que toda geografia está no estudo da paisagem: os outros meios de conhecimento, análise de estatísticas, análise históricas da evolução dos agrupamentos humanos com base em documentos de arquivos, servem somente para precisar, para completar, para ratificar as idéias que nós extraímos do estudo direto da natureza. Todas as idéias de um biogeógrafo são extraídas da contemplação da paisagem. É preciso estar no meio da natureza para sentir o ritmo da sua vida. (SORRE, 1913).

Quando me foi solicitado escrever sobre a Geografia da paisagem e suas aplicações no âmbito da Geografia Física, imediatamente me veio à mente reordenar as ideias do capítulo dois da minha tese, acerca dos fundamentos teórico-metodológicos, que tratam não só da Teoria Geral do Sistema, mas também sobre a perspectiva hierárquica, que também é sistê-mica, aplicada ao entendimento integrado do estudo acerca dos manguezais.

Embora o cerne da pesquisa de doutoramento tenha sido os manguezais, sua distribui-ção, desenvolvimento, manutenção e associação com as formas de relevo costeiro - aborda-dos a partir de uma visão sistêmica e hierárquica, pois ambas se complementam - não serão, nesse artigo, discutidos os resultadas fito-ecológicos acerca dos manguezais. A discussão centralizar-se-á sobre os fundamentos teóricos que conduziram tal pesquisa.

Tendo lido muitos artigos sobre a paisagem, normalmente associados ao geossistema e às pesquisas em Geografia Física, apontando para um método aplicado aos estudos da re-lação sociedade-natureza, percebo que ora alguns artigos são cientificamente rigorosos, ora outros, infelizmente, não passam de idéias soltas e sem a preocupação de amarrá-los a uma coerência geográfica. Há que se esclarecer alguns conceitos sobre sistema, visão sistêmica (geossistêmica), paisagem e ecossistema. Dessa forma, esse artigo versa, predominantemente, sobre a Teoria Geral do Sistema, cuja discussão desemboca nas questões acerca do conceito de geossistema e da paisagem e da sua correlação com a Geografia.

TEORIA GERAL DO SISTEMA: BREVES CONSIDERAÇÕES HISTóRICAS

Inicio este item com um interessante pensamento de Bertalanffy, publicado em David-son1 (1983, p. 23) que diz o seguinte:

[...] se as leis dos sistemas biológicos - que regem os processos como crescimento e adaptação - podem ser aplicados às áreas além da biologia; e se a lei da gravidade é igualmente aplicável às maçãs e aos planetas; e se a lei da probabilidade se aplica igualmente à genética e aos seguros de vida, então as leis dos sistemas biológicos, bem poderiam ser aplicáveis à psique humana, às instituições sociais, e ao conjunto global da ecosfera.

O modelo conceitual de Bertalanffy (1968) é aquele do organismo vivo como um sistema aberto, uma entidade em contínua interação com o ambiente, então tal modelo continha implicações revolucionárias para a ciência social e comportamental.1 Muito mais pode ser lido acerca da vida e da obra de Ludwig von Bertalanffy em Mark Davidson (1983), Ervin Laszlo (1993), Maria von Bertalanffy e Ervin Laszlo (1975) e Gerald M. Weinberg (1975).

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Segundo Bertalanffy (op.cit.), embora o termo sistema propriamente dito não tivesse sido realçado, a história desse conceito inclui muitos nomes ilustres, tais como Gottfried Leibniz (1646-1716) que o usou sob a denominação de Filosofia Natural. Nicolau de Cusa (1404-1461) e Hermann Hesse (1877-1922) viam o funcionamento do mundo refletido em um jogo abstrato habilmente construído sob uma visão sistêmica.

As “gestalten físicas”2 e os fenômenos biológicos e psicológicos, desenvolvidas em 1924 por W. Köhler (1887-1967) indicavam tentativas de obras no campo da Teoria Geral do Sis-tema, embora não tratassem do problema em toda sua generalidade. O mesmo pesquisador, em 1927, levantou o postulado de uma teoria do sistema destinada a elaborar as proprieda-des mais gerais dos sistemas inorgânicos comparadas às dos sistemas orgânicos.

Entretanto, para Bertalanffy (1968), foi a obra de Alfred Lotka, escrita em 1925, que mais se aproximou do objetivo da Teoria Geral do Sistema, e devem-se a ele algumas for-mulações básicas do conceito geral do sistema. Embora sendo um pesquisador estatístico, seus interesses repousavam muito mais nos problemas das populações do que nos problemas biológicos do organismo individual. Lotka concebeu comunidades como sistemas, e enten-dia o organismo individual como a soma de suas células.

Lotka (1925 apud BERTALANFFY, 1968) advogava uma concepção organísmica3 na Biologia que enfatizasse a consideração do organismo como totalidade ou sistema e visse o principal objetivo das ciências biológicas na descoberta dos princípios de organização em seus vários níveis.

Há cerca de 90 anos, Bertalanffy inicia sua carreira científica, quando então a Biologia achava-se empenhada na controvérsia mecanicismo-vitalismo. Contrários a esse ponto de vista, ele e outros cientistas foram levados a pensar no organísmico, que significa que os organismos são coisas organizadas e que, caberia a eles, enquanto biólogos, descobrir em que consistiam.

Segundo Laszlo (1974), houve também certo caos a respeito do termo em inglês que provocou muitos mal-entendidos. A teoria foi criticada com o rótulo de pseudociência; mas não era senão um modo de considerar as coisas do ponto de vista holístico. O conceito original da Teoria Geral do Sistema era o de Allgemeine Systemtheorie (Lehre). “Theorie” (Lehre), o mesmo que Wissenchaft4 tem em alemão um significado mais amplo que as pala-vras inglesas “theory” e “science”. Uma Wissenchaft é qualquer corpo organizado de conhe-cimentos, incluindo as Geiteswissenchaften, que não podem ser consideradas em inglês como verdadeiras ciências.

2 Gestaltismo: doutrina relativa a fenômenos psicológicos e biológicos, que veio alcançar domínio filosófico, e consiste em considerar esses fenômenos não mais como soma de elementos por isolar, analisar e dissecar, mas como conjuntos que constituem unidades autônomas, manifestando uma solidariedade interna possuindo leis próprias, donde resulta que o modo de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das leis que o regem, não podendo nenhum dos elementos preexistir ao conjunto. (FERREIRA, 1975). 3 Segundo o tradutor do livro Teoria Geral do Sistema, conserva-se o neologismo “organísmico” para indicar que se trata de uma especial intenção do autor explicada pelo contexto. A palavra “órgão” ou “orgânico”, que em português serve de adjetivo tanto a “órgão” como a “organismo”, não expressaria o que o autor pretende dizer.4 Do Alemão, trabalhar com o saber; buscar o saber.

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O termo “Theorie” se aplica a qualquer conjunto de conceitos sistematicamente apre-sentados, sejam empíricos, axiomáticos ou filosóficos. (Lehre possui o mesmo significado, mas não é possível traduzi-lo com propriedade, e seu equivalente mais próximo em espa-nhol, enseñanzas, soa a dogma e arcaísmo). Portanto, quando von Bertalanffy fala de All-gemeine Systemtheorie é congruente com a idéia de estar propondo uma perspectiva nova, uma nova forma de fazer ciência, ainda que não com a interpretação de que somente o fez a “Teoria Geral do Sistema” para significar que é uma teoria científica de valores gerais.

Entretanto, as objeções feitas à teoria foram aos poucos sendo derrubadas e pelo con-teúdo da carta do economista K. Boulding à Bertalanffy, datada de 1953, percebe-se que a Teoria Geral do Sistema começava a ter uma aceitação maior por parte da comunidade científica. Nessa carta, Boulding afirma que ambos haviam chegado a uma conclusão muito semelhante quanto à TGS, embora partindo de campos científicos diferentes, “existindo um corpo daquilo que chamei “teoria empírica geral”, ou “teoria geral do sistema”, em sua excelente terminologia, com larga aplicação em muitas disciplinas diferentes.” (BERTALANFFY, 1968, p. 14). Para Boulding, com certeza muitas pessoas em todo o mundo haviam chegado es-sencialmente à posição que eles tinham acerca da teoria, mas estavam tão amplamente es-palhadas e não se conheciam umas às outras, que foi grande a dificuldade de atravessar as fronteiras das disciplinas.

Desde 1947 Bertalanffy requintou, modificou e aplicou os conceitos da Teoria Geral do Sistema, tendo difundindo-a por meio da publicação “General System Yearbook”. Muitos cientistas sociais estudaram, compreenderam e aplicaram a teoria dos sistemas. Em muitas áreas a aceitação foi relutante, mas nem por isso, em outras, menos empolgante.

Nas últimas duas décadas nós testemunhamos à emergência do “sistema” como conceito-chave da pesquisa científica. Evidentemente, os sistemas já eram estudados há séculos, mas algo novo foi agora acrescentado... A tendência a estudar os sistemas como uma entidade e não como um aglomerado de partes está de acordo com a tendência da ciência contemporânea que não isola mais os fenômenos em contextos estreitamente confinados, mas abre-se ao exame das interações e investiga setores da natureza cada vez maiores. Sob a égide da pesquisa dos sistemas (e seus numerosos sinônimos) assistimos também à convergência de muitas criações mais especializadas da ciência contemporânea. [...] Esta pesquisa prossegue e muitas outras estão sendo entrelaçadas em um esforço conjunto de investigação, que envolve um espectro cada vez mais amplo de disciplinas científicas e tecnológicas. Estamos participando do que é, provavelmente, o mais amplo esforço para chegar a uma síntese do conhecimento científico como jamais foi feita. (ACKOFF, 1959, apud BERTALANFFY, 1968, p.9).

Quanto ao significado da Teoria Geral do Sistema, não obstante à subdivisão da ciência em várias disciplinas, cada vez mais especializadas, observa-se, pelo exposto acima, a busca por um referencial que a unifique, que permita ao físico se comunicar com o biólogo ou com o cientista social, pois, independente do escopo de cada disciplina, problemas e con-cepções semelhantes surgem em campos amplamente diferentes. Nesse sentido, utilizando uma afirmação de Bertalanffy (1968, p.31),

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[...] uma lei exponencial de crescimento aplica-se a certas células bacterianas, a populações de bactérias, de animais ou de seres humanos e ao progresso da pesquisa científica, medida pelo número de publicações em genética ou na ciência em geral.

As entidades acima citadas são completamente diferentes, contudo a lei matemática é a mesma. Há sistemas de equações que descrevem a competição das espécies na natureza, na físico-química e na economia. Para Bertalanffy esta correspondência deve-se ao fato das entidades consideradas poderem ser interpretadas, sob certos aspectos, como “sistemas”, ou seja, complexos de elementos em interação.

Segundo Bertalanffy (1968), a Teoria Geral do Sistema seria um instrumento útil capaz de fornecer modelos a serem utilizados em diferentes campos e transmitidos de uns para os outros, salvaguardando-os do perigo das analogias superficiais. A correspondência biunívoca que trata a teoria do sistema é muito mais que uma analogia, na medida em que possibilita poder ser aplicadas abstrações correspondentes e modelos conceituais a fenômenos de dife-rentes naturezas, residindo nesse fato o valor da Teoria Geral do Sistema.

Quanto aos principais propósitos da Teoria Geral do Sistema, há uma tendência geral no sentido da integração nas várias ciências, naturais e sociais, cuja centralização repousa na teoria dos sistemas. Portanto, esta mesma teoria pode ser um importante meio para alcançar uma teoria “exata” nos campos não físicos da ciência. Desenvolvendo princípios unificado-res que atravessem verticalmente o universo das ciências individuais, aproxima-se da meta da unidade na diversidade ou multiplicidade da ciência que, finalmente, pode conduzir à integração muito necessária na formação científica.

A Teoria Geral do Sistema foi postulada por alguns motivos que, segundo Bertalanffy (1968) foram a preocupação com os campos da ciência biológica, sociais e do comporta-mento que romperam com o reducionismo da Física, exigindo uma nova tecnologia (ou problemática?) que buscasse a generalização de conceitos científicos e modelos.

Problemas recorrentes nos campos das ciências biológicas, sociais e comportamentais da “ciência clássica”, tais como os problemas dos organismos e da própria natureza, eram total-mente desprezados, considerados ilusórios ou metafísicos. O aparecimento de modelos repre-sentando os aspectos de interação entre as variáveis da natureza implicou a introdução de no-vas categorias no pensamento e na pesquisa científica. A resolução de problemas no campo das ciências que apresentavam múltiplas variáveis, tais como a Biologia, exigia novos instrumentos conceituais para tratar os problemas da complexidade organizada. Os modelos teóricos, de onde decorrem os instrumentos, tinham que ser interdisciplinares, pois transcendem os departamen-tos convencionais da ciência e se aplicam a fenômenos em diversos domínios.

É importante ressaltar a preocupação do autor com a aplicação da Teoria Geral do Sis-tema nas ciências humanas, examinando a aplicação da concepção sistêmica às perspectivas mais amplas, isto é, aos grandes grupos humanos, sociedades e à própria humanidade em sua totalidade, pois, segundo ele, o problema da história humana avulta com a mais ampla aplicação possível da idéia de sistema.

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SISTEMAS: CONCEITOS

A Teoria Geral do Sistema define sistema como complexo de componentes em intera-ção, conceitos característicos das totalidades organizadas tais como interação, soma, me-canização, centralização, competição, finalidade, etc., e aplica-o a fenômenos concretos. Segundo Hall & Fagen (1965, apud CHRISTOFOLETTI, 1979), um sistema é o conjunto dos elementos e das relações entre eles e entre os seus atributos.

Segundo Christofoletti (op.cit.) considerando que os sistemas funcionam executando processos, visando obter determinadas respostas, Thornes & Brunsden (1977 apud CHRIS-TOFOLETTI, 1979, p.10) “definem o sistema como conjunto de objetos ou atributos de suas relações, que se encontram organizados para executar uma função particular.” Dessa forma, dentro desse conceito, o sistema é um operador que em um determinado lapso de tempo recebe a entrada (input) e o transforma em saída (output).

Já para Miller, (1965 apud CHRISTOFOLETTI, 1979), o sistema é um conjunto de unidades com relações entre si e o seu grau de organização permite que assuma função de um todo que é maior do que a soma de suas partes.

Baseando-se nessas definições se pressupõe, inicialmente, que os sistemas devem ter suas partes componentes, denominadas unidades, ou elementos ou, ainda, componentes, as quais devem encontrar-se inter-relacionadas, dependentes umas das outras, através de liga-ções que denunciam os fluxos (figura I).Figura I - Representação esquemática de um sistema, assinalando os elementos (A, B, C e D) e suas relações, assim como o evento entrada e o produto final

Fonte: Christofoletti (1979).

Tais unidades ou elementos possuem atributos ou qualidades que as caracterizam e tam-bém aos sistemas. Segundo Christofoletti (1979), dependendo do sistema, podem ser sele-cionadas algumas qualidades para melhor descrever suas partes. Os atributos ou qualidades

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podem referir-se ao comprimento, área, volume, características da composição, densidade dos fenômenos observados, dentre outras.

Os sistemas apresentam ainda entrada e saída, input e output, respectivamente. A entra-da é composta por aquilo que o sistema recebe, é o alimento do sistema, por exemplo, um rio recebe água da precipitação e sedimentos fornecidos pelas vertentes; a Terra recebe ener-gia solar; um animal recebe alimentação. Pode-se exemplificar com outros tipos de entrada como uma fábrica que recebe matéria-prima para sua produção. Cada sistema é alimentado por determinados tipos de entradas. Essas entradas que o sistema recebe sofrem transfor-mações em seu interior e, posteriormente, são enviadas para fora, isso constitui a saída ou o output, portanto, toda entrada corresponde a um tipo de saída.

Praticamente, a totalidade dos sistemas que interessam ao geógrafo não atua de modo isolado, mas funciona dentro de um ambiente e faz parte de um universo maior. Esse conjunto maior, no qual se encontra inserido o sistema particular que se está estudando, pode ser denominado de universo, o qual compreende o conjunto de todos os fenômenos e eventos que, através de suas mudanças e dinamismo, apresentam repercussões no sistema focalizado, e também de todos os fenômenos e eventos que sofrem alterações e mudanças por causa do comportamento do referido sistema particular. (CHRISTOFOLETTI, 1979, p. 3).

Ainda segundo o autor, dentro do universo podem-se classificar os primeiros como sistemas antecedentes ou controlantes e os seguintes como sistemas subsequentes ou controla-dos. Todavia não há necessariamente um encadeamento linear, seqüencial, entre os sistemas antecedentes, o sistema em foco e os sistemas subsequentes, como se eles constituíssem uma corrente composta por elos ininterruptos, inseparáveis.

Os sistemas subsequentes podem voltar a exercer influências sobre os antecedentes, através do mecanismo de retroalimentação, ou feedback, numa perfeita interação entre todo o universo.

A superfície da Terra apresenta uma infinidade de fenômenos e distinguir um sistema dentro de uma multiplicidade é um ato mental que procura abstrair o referido sistema da realidade envolvente. Isso vai depender da formação intelectual e da percepção geográfica e ambiental inerente a cada pesquisador.

Campbell (1958 apud CHRISTOFOLETTI, 1979), propôs algumas normas para se-rem consideradas pelo observador a fim de minimizar a subjetividade envolvida no processo de escolha: 1) a proximidade física de suas unidades; 2) a similaridade de suas unidades; 3) o objetivo comum de suas unidades e 4) a padronização distinta ou reconhecível de suas unidades. Obviamente nem sempre essas normas podem ser seguidas.

Com relação ao tamanho, grandeza ou magnitude, o sistema pode ser focalizado em diversas escalas espaciais. Os sistemas estudados pela Geografia Física apresentam variadas ordens de magnitude e complexidade. Pode-se considerar o sistema terrestre de modo glo-bal – a geosfera –, em sua totalidade, um continente, uma região, um indivíduo do mundo animal ou vegetal ou um sistema natural ao nível molecular. A separação e a distinção dos

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diversos níveis de sistemas podem ser arbitrárias, envolvendo a noção de limiares, no tocante ao nível de tratamento, e aos mecanismos e estruturas de sua composição. (CHRISTOFO-LETTI, 1979).

Quando se decide qual será o sistema a ser estudado, definindo os seus elementos e as suas relações, é mais fácil delimitá-lo no espaço e no tempo, diferenciar suas unidades componentes, interligadas pelas relações internas e estabelecer os sistemas ambientais con-trolantes que atuam sobre o sistema escolhido através das relações externas. Nesse sentido, a identificação dos limiares é difícil de ser feita, mas não é impossível fazê-la.

Imagine o sistema solar, através da radiação solar enviada para a Terra, em uma escala hierárquica maior, que gera, através das diferentes taxas de absorção de calor ao longo de diferentes latitudes, um gradiente de pressão, que faz com que movimente o ar em diferentes direções e velocidades, portanto agindo no sistema atmosférico, em uma escala hierárquica menor e, por conseguinte, agindo este no sistema fluvial, em uma escala hierárquica menor ainda, através da quantidade da precipitação gerada em um dado lugar, que irá favorecer o escoamento, a erosão, o transporte e a sedimentação que buscará um nível de base para depositar todo o sedimento e nutrientes e que possivelmente encontrará o sistema oceânico. Continuando com o raciocínio, esse dado lugar pode estar entre os trópicos, numa costa abri-gada, proporcionando o desenvolvimento do ecossistema manguezal, que possuirá dentro de escala hierárquica, quando comparado ao sistema solar, uma dimensão menor ainda. Ainda assim podem-se individualizar diferentes sistemas dentro do manguezal, tais como o sistema botânico, o sistema sedimentológico, o sistema hidrológico, o sistema microtopográfico, etc.

Nota-se que os limiares são praticamente imperceptíveis e difíceis de delimitá-los e que, de uma maneira geral, tomando, por exemplo, o sistema solar como controlante e o sistema atmosférico como controlado, vê-se claramente aquilo que foi mencionado anterior-mente sobre um sistema controlado voltar a exercer influência sobre o controlante, através da retroalimentação, uma vez que o sistema atmosférico é responsável pelo mecanismo de re-emissão para o espaço, dependendo do albedo da superfície, de parte da radiação solar recebida pela Terra.

À medida que decresce a escala do nível de tratamento, o número de sistemas que se pode citar em cada nível, aumenta de maneira rápida e os limiares são cada vez mais arbitrá-rios. A cada relação individualizada entre os sistemas, inúmeras são as variáveis passíveis de mensuração que expressam atributos. As variáveis a serem escolhidas, bem como as técnicas utilizadas para suas mensurações devem estar diretamente relacionadas com os objetivos da pesquisa que está sendo realizada, e responder a hipótese levantada pela mesma.

Os valores obtidos através das mensurações das variáveis descrevem o relacionamento e o comportamento do sistema em foco. A diversidade das variáveis entre as distintas e múl-tiplas entidades comprova que os sistemas estão funcionando sob o controle de fatores exter-nos, constituintes do seu ambiente, que são os responsáveis pelo fornecimento de matéria e energia ao sistema, estabelecendo os parâmetros que regulam seu funcionamento.

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Segundo Langton (1972, apud CHRISTOFOLETTI, 1979), o objetivo é definir um conjunto de unidades e as relações entre elas de modo que os valores de certos atributos de um dos conjuntos de unidades, denominadas variáveis, possam ser explicados pelos valores que são independentemente assumidos pelos atributos de outras unidades, denominadas parâmetros. Isso requer que todos os parâmetros relevantes do conjunto externo devam ser inclu-ídos; que todas as funções relevantes do conjunto externo devam ser identificadas e que todos os atributos das funções que afetam as variáveis devam ser avaliados. (p. 7).

Esclarecendo e exemplificando o que foi citado acima, pode-se pensar numa bacia hi-drográfica cujos componentes do seu ambiente são as condições climáticas, geológicas e bio-geográficas. Já os parâmetros relevantes que são fornecidos para as bacias de drenagem estão relacionados com a quantidade de calor, expressa pelas temperaturas, a precipitação, área e volume dos afloramentos litológicos, área e densidade da cobertura vegetal, profundidade do manto de alteração, dentre outros.

Quanto à composição, vários aspectos devem ser abordados, tais como a matéria, a energia e a estrutura.

No sistema, a matéria está relacionada ao material que será mobilizado para ele. Por exemplo, no sistema hidrográfico a matéria é representada pela água e detritos; no sistema hidrológico, pela água em seus estados sólido, líquido e gasoso; no sistema vertente as fontes de matéria são a precipitação, a rocha subjacente e a vegetação; no sistema planta, a matéria é representada pela água e minerais absorvidos do solo. No que se refere a energia, esta cor-responde às forças que geram a capacidade de funcionamento do sistema, ou seja, que fazem com que o sistema realize trabalho. Deve-se considerar inicialmente a energia potencial, que representa a força inicial que gera o funcionamento do sistema, como por exemplo, a gravi-dade que funciona como a energia potencial para os sistemas hidrográficos, hidrológicos e morfogenéticos. Nesses casos ela desencadeia o movimento da matéria.

Com a matéria em movimento dentro do sistema, surge então a energia cinética, ou seja, aquela que mantém o movimento, cuja própria força alia-se à potencial.

O fluxo de energia e de matéria no interior do sistema ocorre através dos canais de co-municação. Ao longo das trajetórias desses fluxos, parte da matéria e energia envolvidas pode ficar armazenada em vários setores do sistema, por lapsos de tempo de diferentes escalas, constituindo reservas do sistema.

De acordo com Christofoletti (1979, p.12)

[...] desde que haja fluxos de matéria e energia, iniciando o funcionamento do sistema, podemos empregar o conceito de entropia. No início do funcionamento de qualquer sistema, vê-se a distribuição desigual e desordenada da energia, havendo máximo de energia livre, isto é, existe a capacidade máxima de realizar trabalho. Desta maneira, a entropia pode ser considerada como medida do grau de desordem que predomina no sistema, ou do grau de energia disponível para o trabalho, estando em relação inversa com ela, quanto maior a entropia, menor a quantidade de energia disponível. Mas se os sistemas

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não permanecerem isolados, mas continuarem recebendo afluxos constantes de energia e de matéria, o equilíbrio final (estático) nunca será alcançado, mas o sistema ajusta-se a um estado de equilíbrio estacionário, que se mantém constante em torno dos parâmetros delineados pela intensidade do fornecimento de matéria e energia.

Entretanto, todos os sistemas naturais apresentam um dinamismo capaz de modificar seus estados através de contínuas modificações, que são caracterizadas pelas transferências de matéria e energia. Portanto, o estado de equilíbrio é um estado quase impossível de ser alcançado em qualquer sistema natural, uma vez que todos eles estão submetidos às trans-formações ambientais de diferentes escalas espaciais e temporais.

Após a permuta de energia com o meio ambiente, o nível de energia do sistema po-derá elevar-se no período seguinte; poderá permanecer constante, e poderá diminuir. Em um segundo momento, conforme as propriedades individuais dos subsistemas, uma mesma influência externa poderá ocasionar conseqüências diferentes. Por exemplo, a radiação solar poderá dessecar o solo em determinado subsistema, aumentar a salinidade de uma bacia de drenagem interior ou aumentar a massa da vegetação, como resultado da fotossíntese. (Christofoletti, 1979). Nesse sentido, a entropia, aqui entendida como equilíbrio, estabili-dade de energia atuante em um sistema sofrerá, consequentemente, alterações.

Para entender o que são os subsistemas é necessário compreender que a estrutura do sistema é composta pelos elementos e suas relações, expressando-se através do arranjo de seus componentes. Nesse sentido, torna-se crucial ter clareza da escala de tratamento quando se deseja caracterizar os elementos de determinado sistema, pois, em qualquer nível de trata-mento as unidades do sistema são indivisíveis e consideradas como entidades. Mudando o nível de tratamento para outra escala analítica, as unidades anteriormente distintas podem passar a ser considerada cada uma como um sistema particular, no qual se deve estabelecer seus componentes e suas relações.

Um rio é um elemento do sistema hidrográfico, mas pode ser concebido como um sistema em si mesmo; a vertente é elemento no sistema da bacia de drenagem, mas pode ser sistema em si mesmo [...]. Conforme a escala que se deseja analisar, deve-se ter em vista que cada sistema passa a ser um subsistema (ou elemento) quando se procura analisar a categoria de fenômenos em outro nível de abordagem, estabelecendo interpenetração e aninhamento hierárquico. (CHRISTOFOLETTI, 1979, p. 13).

O tamanho de um sistema, a correlação entre as variáveis de um sistema e a causalidade são três características principais das estruturas de um sistema. O tamanho é determinado pelo número de unidades que compõe o sistema. Quando o sistema é composto por ele-mentos que estão completamente inter-relacionados, a sua complexidade e tamanho são expressos através do espaço-fase ou número de elementos, que pode ser de espaço-fase bidi-mensional, tridimensional, n-dimensional.

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Para Christofoletti, (1979) a correlação entre as variáveis de um sistema revela o modo pelo qual elas se relacionam. A correlação simples dá-se quando se relacionam variáveis e a correlação canônica quando se relacionam conjunto de variáveis.

Quanto à causalidade, sua direção mostra qual é a variável independente, aquela que controla, e a dependente, aquela que é controlada, de modo que a última só sofre modifica-ções se a primeira se alterar. É importante mencionar que os sistemas podem ser classificados de acordo com vários critérios. Para a análise geográfica, o critério funcional e o da complexi-dade estrutural são os mais importantes.

O sistema isolado pode ser exemplificado com o clássico “ciclo de erosão” de Davis. São aqueles que, a partir das condições inicias, a priori, não sofrem mais nenhuma perda nem recebem energia ou matéria do ambiente que os circundam. Já os não-isolados mantêm relações com os demais sistemas do universo, e podem ser fechados, quando há permuta de energia, mas não de matéria; e os abertos, mais comuns de todos, que são aqueles onde ocorrem trocas contínuas de matéria e energia.

O conceito de sistema aberto, segundo Bertalanffy (1968) encontrou também aplicação nas ciências da Terra, geomorfologia (CHORLEY, 1962) e meteorologia (THOMPSON, 1961), tendo sido traçada detalhada comparação dos modernos conceitos meteorológicos com o conceito organísmico de Bertalanffy em biologia.

Bertalanffy (op.cit.) não imaginava que a Geografia fosse abraçar os pressupostos da Teoria Geral do Sistema, fato esse observado pelo grande número de pesquisas, nas quais o ge-ossistema e a paisagem são as categorias de análise mais utilizadas nos estudos sistêmicos, con-siderando sempre a Teoria Geral do Sistema, mesmo que não a discutindo profundamente.

A GEOGRAFIA FÍSICA E A ABORDAGEM SISTÊMICA

Segundo Moraes (1983), a perspectiva da fisiologia da paisagem5 vai se fundamentar na Biologia, em particular na idéia de organismo. A paisagem seria um organismo, com fun-ções vitais e com elementos que interagem. Caberia à Geografia conhecer as inter-relações entre fenômenos de qualidades distintas que coabitam numa determinada porção do espaço terrestre. Esta perspectiva introduz a Ecologia no domínio geográfico.

Para a Ecologia da Paisagem “a paisagem é a expressão espacial dos ecossistemas e um com-plexo, padrão ou mosaico de ecótopos, ou seja, um mosaico de ecossistemas concretos” (RODRI-GUEZ: SILVA, 2002, p.97).

Forman & Godron (1986) definem “paisagem” como “uma área terrestre heterogênea composta de um grupo de ecossistemas em interação que se repetem de forma semelhante por todo lugar. Outros seguem o geógrafo do século XIX Von Humboldt em definir paisa-gem como “Der totale Character einer Erdgegend”, ou seja, o caráter total de uma região ter-5 Não serão discutidas as várias definições do termo “paisagem” nesse artigo, pois se entende que essa discussão nesse momento não é a mais importante. No entanto, será mencionado o conceito de paisagem de alguns poucos pesquisadores.

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restre ou, em uma terminologia mais contemporânea, a ecologia dos ecossistemas terrestres ou o que Zonneveld (1995) chama “ecologia da terra” ou land ecology.

Segundo Deffontaines (1973, apud PASSOS 2003, p.56) a paisagem é o suporte de uma informação original sobre variáveis relativas notadamente aos sistemas de produção e cuja super-posição ou vizinhança, revelam ou sugerem interações.

A influência da Ecologia na Geografia foi muito forte, sobretudo no início do século XIX, fato inconteste percebido pelos trabalhos realizados pelo naturalista alemão Alexandre von Humboldt, considerado pai da Biogeografia, bem como pelos estudos de Ritter e Rat-zel e dos russos Dokucháev, Voiéikov, para citar apenas alguns dos mais importantes para a ciência geográfica naquela época.

Para Chorley & Haggett (1974), o termo ecossistema foi formalmente proposto pelo ecologista britânico A. G. Tansley em 1935, como um termo geral tanto para biome6 – todo o complexo de organismos (animais e vegetais) que vivem juntos naturalmente como unida-de sociológica – e seu habitat. Segundo os autores, o conceito formulado por Tansley amplia efetivamente o espectro da própria Ecologia que não é mais puramente biológica, resgatan-do o uso do termo microcosmo de Forbes, formulado em 1887 no sentido de ecossistema.

Segundo Dajoz (1973), o conceito de ecossistema já tinha sido utilizado por Forbes (1887) com a terminologia e noção de microcosmo e por Friederichs (1930), que criou o termo holocenose. A palavra biossistema de Thiernemann (1939) é outro sinônimo. O ecos-sistema é a unidade funcional de base em ecologia, porque inclui ao mesmo tempo os seres vivos e o meio onde vivem com todas as interações recíprocas entre o meio e os organismos. Os ecologistas soviéticos empregam o termo biogeocenose, que se pode considerar igualmente como sinônimo de ecossistema.

Fosberg (1963, apud CHORLEY & HAGGETT, 1974), aperfeiçoa a definição de ecos-sistema de Tansley de acordo com o que se segue: um ecossistema é um sistema de interações em funcionamento composto de um ou mais organismos vivos e seus ambientes reais, tanto físicos como biológicos. A descrição de um ecossistema pode incluir: suas relações espaciais, os inventários de suas características físicas, os habitats e os nichos ecológicos, os organis-mos e as reservas básicas de matéria e energia, a natureza da entrada de matéria e energia e o comportamento ou tendência do seu nível de entropia.

O conceito de ecossistema proposto por Lindemman (1942), como qualquer sistema composto por processos físicos-químicos-biológicos dentro de uma unidade de espaço-tem-po de qualquer magnitude, coloca-o ao alcance operacional da Geografia.

Segundo Chorley & Haggett (1974) o conceito de ecossistema tem quatro proprieda-des principais importantes na investigação geográfica: a primeira propriedade, chamada de

6 Entende-se biome por bioma, que significa uma comunidade mista de plantas e animais (comunidade biótica) que ocupa uma área geográfica em uma escala zonal. Usualmente é aplicado aos ambientes terrestres que apresentam características fisiográficas e estruturas ou fisionomias vegetais similares e está geralmente relacionada aos grandes tipos climáticos da Terra.

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monística7, reúne o ambiente, os mundos humanos, animal e vegetal, numa estrutura única dentro da qual a interação entre os componentes pode ser analisada. A análise do ecossiste-ma remove o dualismo geográfico, porque a ênfase não está em qualquer relação particular, mas no funcionamento e na natureza do sistema como um todo. Os ecossistemas são estru-turados de uma forma ordenada, compreensível. O fato essencial é que, uma vez identifica-das as estruturas, as mesmas podem ser investigadas e estudadas em contraste nítido com as propriedades transcendentais da terra e de suas regiões como organismos. A funcionali-dade consiste de uma interpenetração contínua de matéria e energia. Uma vez definida a estrutura de um sistema, pode ser possível quantificar as interações e os intercâmbios entre as partes componentes e, pelo menos, nos ecossistemas simples, todo complexo pode ser definido quantitativamente. Finalmente, quanto à estabilidade, o ecossistema é um sistema aberto que tende a um estado (quase) estável sob as leis da termodinâmica. “Os ecossistemas num estado estável possuem a propriedade de auto-regulação (ação e reação), e isto é semelhante em princípio a um largo espectro de mecanismos, tais como a homeostase dos organismos vivos.” (CHORLEY & HAGGETT, 1974, p. 81).

Os sistemas, tais como os ecossistemas podem ser concebidos em diferentes níveis de complexidade, e é função do Geógrafo procurar aspectos da realidade que sejam importantes no nível em que o sistema é concebido. [...] Na geografia, por exemplo, o estudo desses sistemas altamente complexos como dos grupos humanos foi realizado muitas vezes ao nível de sistemas “cronométricos”, tais como as relações deterministas simples de causa e efeito. O valor potencial de um sistema depende evidentemente da seleção correta dos componentes no estágio inicial de estruturação, e isto pressupõe normalmente experiência considerável dos problemas e dos dados respectivos. (BOULDING, 1956 apud CHORLEY & HAGGETT, 1974, p. 83).

A Geografia e a Ecologia tratam da distribuição e organização dos fenômenos sobre a superfície da terra. Segundo Bunge (1964 apud CHORLEY & HAGGETT, 1974), ambas as disciplinas desenvolveram conceitos e técnicas semelhantes de manipular problemas se-melhantes. Dentro da Geografia, o interesse conceitual da Ecologia ficou mais restrito aos biogeógrafos. Todavia, a influência dos conceitos biológicos ou ecológicos na Geografia foi mais profunda do que se pode supor. Vários termos e conceitos foram e ainda são utilizados de forma corrente, sobretudo em Biogeografia.

Segundo Friederichs (1958), a fronteira entre a Ecologia e a Geografia nunca foi clara, porque ambas lidam com a paisagem. A ecologia da paisagem, embora sendo uma discussão à parte, lida com o conceito de ecossistema tanto quanto a Geografia, não obstante as críticas ao conceito feitas posteriormente à criação do mesmo, sobretudo pelos geógrafos russos e franceses, principalmente pela carência de unidade espacial. Todavia, não se pode esquecer que, antes das proposições russas e francesas como alternativas ao uso do conceito de ecos-sistema, o mesmo constituiu-se, para os geógrafos, uma categoria de análise.

7 Doutrina segundo a qual o conjunto de coisas pode ser reduzido à unidade, quer do ponto de vista da sua substância (e o monismo poderá ser um materialismo ou um espiritualismo), quer do ponto de vista das leis (lógicas ou físicas) pelas quais o Universo se ordena (e o monismo será lógico ou físico).

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A acusação de que o estudo dos ecossistemas “não é geografia” repousa no fato, presumivelmente, de que a definição de eco-sistema não define explicitamente a superfície da terra como campo de operação. “A ecologia é o estudo das relações ambientais; a geografia é o estudo das relações do espaço”, declara Davies (1961, pág. 415), mas continua acrescentando que “o que não está claro é onde acaba uma e começa a outra. (CHORLEY & HAGGETT, 1974, p. 86).

Nesse sentido o biogeógrafo alemão Carl Troll, em 1939, cunhou e definiu o termo ecologia das paisagens, que trata especificamente das inter-relações complexas entre os orga-nismos, ou as biocenoses, e os fatores, estudando o manejo integral como ecossistema. Fruto da influência que a Ecologia exerceu sobre a Geografia, a denominação de uma Ecologia da Paisagem, cujos princípios repousam sobre a visão horizontal do geógrafo somada à visão vertical do ecólogo, viria a ser uma referência aos estudos, sobretudo biogeográficos, que visavam entender as relações sociedade-natureza.

De acordo com Tricart (1977), enquanto ser intensamente participativo do ambiente, o homem provoca modificações que o afetam, independentemente do seu grau de desen-volvimento cultural, técnico e científico. Da mesma forma, um determinado ambiente pode interferir, ou influenciar o desenvolvimento intelectual do homem. (p. 17). Como não existe li-mite inferior para um sistema ou para um fenômeno (subsistema), e como o limite superior é o universo, o conceito lógico de sistema é universal. Sobre isso escreve o Tricart (1977):

O conceito de sistema é, atualmente, o melhor instrumento lógico de que dispomos para estudar os problemas do meio ambiente. Ele permite adotar uma atitude dialética entre a necessidade da análise - que resulta do próprio progresso da ciência e das técnicas de investigação - e a necessidade, contrária, de uma visão de conjunto, capaz de ensejar uma atuação eficaz sobre esse meio ambiente. (p. 19).

A adoção do conceito de sistema pela ecologia favoreceu o desenvolvimento da Geo-grafia Física, já que o entendimento do meio ambiente, que é realizado pelos diversos ramos da Geografia Física, é melhor elaborado dentro de uma abordagem sistêmica. Tricart (op.cit.) sugere uma orientação metodológica cujos propósitos estão baseados na melhora da Geografia Física e no re-equilíbrio da própria Ecologia.

Dentre os autores que se destacam quanto aos problemas da “ecologização” da ciência contemporânea, destaca-se Guerasimov (1983) o qual afirma que estudar as variadas influ-ências do progresso da ciência e da tecnologia sobre o ambiente é um dos problemas mais difíceis da nossa época. Dessa maneira, as “investigações ecológicas” devem ser realizadas de forma integrada entre todos os ramos da ciência e devem tentar alcançar objetivos comuns.

Nesse momento da explanação sobre a Teoria Geral do Sistema, alguns pontos devem ser esclarecidos para que possa ser dada uma seqüência lógica, visando a compreensão da introdução de tal teoria na Geografia.

Mendonça (1989) aborda alguns desses pontos quando discute a questão conceitual da Geografia utilizando para isso a definição de alguns autores: “na concepção de Hettner

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(1905) a geografia “é o estudo da superfície da Terra conforme suas diferenças”; na de Sauer (1925) “a geografia é a ciência da diferenciação de áreas”; para Jan Broek (1965) “a geografia é o conhecimento ordenado da diversidade da Terra como mundo do homem.”

Tendo no Homem e na Terra seus componentes principais, a Geografia permitiu uma grande abertura quanto às conceituações, abrindo caminho para a divisão do conhecimento geográfico em Geografia Física e Geografia Humana8.

O entendimento do surgimento da Geografia Física como ramo “independente” da Geografia, bem como seu desenvolvimento ajudará a compreender de que forma a aborda-gem sistêmica se encaixa nos pressupostos teórico-metodológicos utilizados como suporte para as pesquisas geográficas, nas quais se busca a interação entre a sociedade e a natureza.

É na Escola Possibilista que se encontram as verdadeiras raízes da Geografia Física, uma vez que em seus estudos o aspecto físico era visto como mero suporte às atividades humanas. A Geografia Física poderia ter sucumbido, ou ter tido um desenvolvimento irrelevante se não houvesse ocorrido sua sub-divisão em vários sub-ramos logo após o declínio do Possibilismo.

Dessa forma, o surgimento de ciências específicas, tais como a climatologia baseada na meteorologia, a geomorfologia pautada nos conhecimentos geológicos, a biogeografia tendo tido na Botânica seu mais forte embasamento teórico, permitiu a revigoração das pesquisas em Geografia Física, elevando-a a um patamar científico não antes alcançado.

Obviamente que, desde o surgimento da Geografia Física até seu apogeu, houve um lento processo de concretização da mesma. Todavia, como o objetivo nesse momento não é tratar do processo evolutivo desse ramo da Geografia, mas introduzi-la dentro da Teoria Geral do Sistema, sugere-se ao leitor a busca por referências bibliográficas acerca da história do pensamento geográfico.

Uma consideração deve ser feita, mesmo que de forma breve, para esclarecer a abran-gência das perspectivas conceituais envolvidas nos estudos dos sistemas. Com a evolução dos conhecimentos ecológicos e geográficos e diante de perspectivas mais abrangentes sobre as características dos fatores naturais, muitas propostas foram surgindo para definir e delinear as unidades componentes da superfície terrestre.

Uma das proposições iniciais encontra-se vinculada com a Ecologia da Paisagem, intro-duzida pelo geógrafo alemão Carl Troll em 1938, conforme mencionado anteriormente, que também utilizou o termo geoecologia. Para Troll o nascimento da Ecologia da Paisagem significou a ligação mais importante entre a Geografia (paisagem) e a Biologia (ecologia). A perspectiva do geógrafo incluía, além das paisagens naturais, as paisagens antrópicas. Essa perspectiva implicava que as paisagens culturais e os aspectos sócio-econômicos deveriam também ser considerados nas análises dos fatores componentes da superfície terrestre.

8 Embora seja extremamente importante saber como se deu, no tempo e no espaço, essa dicotomia, não será feito aqui uma discussão acerca do tema, tanto porque há a exigüidade do espaço, quanto porque seria outro tema a ser debatido.

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A Teoria Geral do Sistema, ou o próprio “pensamento sistêmico”, elaborado por tantos cientistas ao longo do tempo, abriu caminho não apenas para mais uma “teoria”, mas para uma nova visão de mundo, cujos princípios são os da totalidade, da abrangência das partes, de uma visão holística. Uma visão que concebe a natureza de forma integrada, onde nada pode ser entendido separadamente, onde vários campos de estudos podem ser não unifica-dos, mas complementados.

Nesse sentido, a perspectiva da análise integrada do sistema ambiental converge para a perspectiva da abordagem sistêmica da Teoria Geral do Sistema, tendo como maior vínculo a noção e conceituação do geossistema. Tal termo criado pelo geógrafo russo Vitor Sotcha-va, na década de 1960, influenciado por geógrafos como Grigoriev, Issatchenko, dentre outros, constituía-se num método para estudar a espacialidade dos fenômenos geográficos nas planícies soviéticas. Para ele a elaboração de uma classificação e de uma conceituação de geossistemas foi possível a partir do aprofundamento dos estudos da paisagem. Referindo--se, particularmente à noção de homogêneo e diferenciado, como princípios fundamentais à classificação do geossistema.

Sotchava (1978) define geossistema como uma classe peculiar de sistemas abertos e hierarquicamente organizados. Entre os elementos fundamentais para a diferenciação dos geossistemas, o autor enfatizava as características dinâmicas e a evolução das paisagens es-tudadas. Entre as principais características estudadas por ele estava a geomorfologia, a hi-droclimática, a pedologia e a botânica, sem esquecer os estudos geoquímicos a respeito dos fluxos de matéria e energia.

Sotchava (op.cit.) considerava os geossistemas fenômenos naturais onde os fatores econômicos e sociais afetariam a sua estrutura e peculiaridades espaciais, onde tais fatores obrigatoriamente devem ser considerados nos estudos e pesquisas dos geossistemas. A sua justificativa se fundamenta na influência sobre as mais importantes conexões dentro de cada geossistema, sobretudo nas paisagens fortemente modificadas pelo homem.

A evolução do geossistema, de um estágio temporal para outro, constitui a essência de sua dinâmica, na qual os componentes naturais independentes revelam diferentes graus e índices de mutabilidade. Tais componentes podem se tornar críticos, e serem responsáveis pela intensidade dos processos físico-geográficos.

A noção de “ecossistema”, também discutida por Sotchava (op.cit.), retoma uma antiga polêmica de escala espacial, uma vez que o ecossistema dos biólogos pode ser apenas uma célula ou uma molécula ou todo um oceano, ou seja, uma unidade espacial sem definição, enquanto para o geógrafo as manifestações moleculares da vida juntamente com o ambiente compõem também ecossistemas. Nesses casos o conceito de ecossistema estaria sendo erro-neamente utilizado.

O conceito de ecossistema é biológico, enquanto o geossistema abrange complexos biológicos, possuindo uma organização de sistemas mais complexa, e em comparação com o ecossistema, tem capacidade horizontal mais ampla.

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Sobre isso, vale salientar um trecho da obra de Mendonça (1989, p. 19) onde o autor diz que “a aproximação da ecologia não causa grandes problemas para a Geografia Física, embo-ra se possa pensar que as duas estejam fazendo as mesmas coisas”. Apesar de possuírem quase os mesmos objetos de estudo e produzirem resultados bastante parecidos, Ecologia e Geografia Física não se fundem numa só ciência.

[...] a visão verticalizada que o ecólogo tem do quadro natural, herdada de sua origem da biologia, é muito diferente da visão horizontalizada do geógrafo que se preocupa demasiadamente com a extensão do fenômeno estudado, entre outras coisas. (MENDONÇA, 1989, p. 39).

Outra preocupação de Sotchava (1977) é definir as unidades espaciais dos geossistemas. Supondo que haja um critério universal para o estabelecimento de uma unidade espacial mínima para geossistemas de diferentes categorias, esse critério teria por base a rotação de substâncias correspondentes à cada categoria de geossistema. Horizontalmente abrange o território onde são encontrados os elementos que asseguram a unidade desse menor sistema. Verticalmente, abrange de 20 a 50 metros de espessura, dentro de cujos limites se encerram o contorno da rotação elementar.

No que se refere à classificação do geossistema, a mesma é construída segundo duas classes: uma de geômeros e outra de geócoros. Prever a direção do geossistema é de interesse tanto acadêmico quanto prático, porém extremamente complicada. A preocupação do au-tor refere-se à dinâmica normal dos geossistemas, inclusive àqueles afetados pelo homem. Dessa maneira a prognose de tal dinâmica é condição necessária para a utilização racional dos recursos naturais.

Do ponto de vista de Sotchava (1978), apesar de todo o conhecimento adquirido sobre a prognose geográfica dos geossistemas, ainda não foram criadas as possibilidades, nem atingi-das as condições necessárias para a organização de pesquisas experimentais sobre geossistemas.

Dentro da teoria científica da formação do geossistema, o autor ressalta que na carac-terização do meio natural, verifica-se a convergência de dois princípios: homogeneidade e diferenciação.

No processo de desenvolvimento natural desse domínio funcionam, ao mesmo tempo, os processos de homogeneidade e diferenciação. Todas as classes de geossistema com estrutura homogênea chamam-se “geômeros”, e os de estrutura diferenciada são chamados de “geócoros. (SOTCHAVA, 1977, p. 8).

Há vários anos a expressão “áreas homogêneas da natureza”, já é utilizada por geógrafos, apesar disso o critério de homogeneidade do geossistema, não pode ainda ser considerado como medida fixada. A solução metodológica para a questão da homogeneidade torna-se mais propícia a partir de áreas homogêneas elementares (geobiocenoses).

De maneira experimental ou visual, a área homogênea é o ponto de partida para a classificação do geossistema. As áreas homogêneas similares unem-se no fácies, também segundo o princípio da homogeneidade.

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O “geoma” é da categoria dos geômeros que, segundo o autor, está nos limites entre as divisões do meio natural regional e as dimensões topológicas.

Segundo Monteiro (1995), o artigo de Bertrand (1972) representa entre nós, geógrafos brasileiros, o marco inicial da proposta de Paisagem e Geografia Física Global, através do ge-ossistema, que emerge como novo paradigma. Para Monteiro (op.cit.) o geossistema é certa-mente, uma proposta geográfica que não pretende ser confundida com aquela de ecossistema.

Portanto, foi a hierarquização da paisagem, proposta por Bertrand (1972), inspirada na concepção espaço-temporal de Andre Cailleux e Jean Tricart, que teve maior repercussão na Geografia brasileira. Para Bertrand (1972):

A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, numa determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. (p.2)

Retomando a questão acerca do termo ecossistema, Bertrand (op cit.) afirma que tal termo não deve ser utilizado enquanto categoria geográfica, pois este não tem nem escala nem suporte espacial bem definido. Posto isso, para ele seria melhor renunciar e ajustar a taxonomia biogeográfica, a escolher livremente unidades geográficas globais adaptadas ao estudo da paisagem. Ainda destaca que a geografia francesa pecava pelo desconhecimento acerca dos conteúdos biológicos e ecológicos na síntese da paisagem. Ressalta também a importância do trabalho de Carl Troll, cujo método9 representa um enorme progresso sobre os estudos fragmentados dos geógrafos e dos biogeógrafos, uma vez que reagrupa todos os elementos da paisagem, e concede um lugar expressivo às atividades humanas.

Partindo do princípio afirmado por Paul Claval, de que todas as delimitações são ar-bitrárias e de que é impossível achar um sistema geral do espaço que respeite os limites próprios para cada ordem de fenômenos, Bertrand vislumbra uma taxonomia das paisagens com dominância física, cujo intuito prévio é delimitá-las no espaço e no tempo. Surgem daí as Unidades Superiores denominadas, hierarquicamente por Zona, Domínio e Região Na-tural, definidas pelo clima zonal e, secundariamente pela geologia; e as Unidades Inferiores tais como o Geossistema, o geofácies e o geótopo. Para Bertrand (1972) a vantagem dessas três unidades inferiores repousa no fato de não terem sido utilizadas, de serem construídas em um modelo idêntico e de evocar cada uma o traço característico da unidade correspon-dente. O termo geo“sistema” acentua o complexo geográfico e a dinâmica de conjunto; geo“fácies” insiste no aspecto fisionômico e geo“topo” situa essa unidade no último nível da escala espacial.

O geossistema, assim proposto, situa-se entre a 4ª e a 5ª grandeza espaço-temporal, tratando-se de uma unidade dimensional compreendida entre alguns quilômetros e algumas centenas de quilômetros quadrados, escala em que se situa a maior parte dos fenômenos de interferência entre os elementos da paisagem, na qual ocorrem as combinações dialéticas 9 Nesse sentido, Bertrand (1972) ressalta que não se trata de um método propriamente dito, mas de uma atitude de espírito.

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mais interessantes para o geógrafo. No geossistema ocorre a combinação do potencial ecoló-gico, que envolve o clima, a hidrologia e a geomorfologia; a exploração biológica, incluindo a fauna, a flora e o solo, além da ação antrópica, representada pelas manifestações sociais, econômicas, culturais da sociedade. Nesse sentido, entende que, o geossistema é um “palco” no qual pode ser percebida a interrelação sociedade-natureza, e que pode ser mapeado, lido e compreendido pela ótica de um geógrafo.

O geofácie e o geótopo correspondem a unidades hierarquicamente menores, encontra-das no interior de um geossistema e correspondem sempre a uma combinação característica, cuja vegetação fornece os melhores critérios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é tarefa fácil dissertar sobre o tema das paisagens, dos geossistemas e da aplica-bilidade de ambos nos estudos geográficos. Muitos trabalhos, de excelente qualidade, tais como os de Passos (2003; 2007), Rodriguez; Silva (2002), Besse (2006); Claval (2007), dentre muitos outros, que tratam dessa temática, ora sob um viés, ora sob outro, embora nem sempre tratem a paisagem da mesma forma, constituem pesquisas que fazem parte do cotidiano de quem lida profissionalmente com a paisagem enquanto categoria de análise e tenta entender seu percurso na história da Geografia, na epistemologia da Geografia.

Sobre os geossistemas, muitos avanços ocorreram, mas ainda está longe de se chegar a uma conclusão, sobretudo acerca do problema da escala. Todavia, parece ressuscitar, mesmo que tardiamente, para nós geógrafos, a Ecologia da Paisagem (Landscape Ecology), cujo embrião se fez na Geografia com Carl Troll. A quantidade de livros e artigos publicados nessa temática é uma porta aberta para nos apropriarmos daquilo que tem um forte cunho biogeográfico.

Embora não tenha sido mencionado em momento algum nesse artigo, o resultado dos estudos dos manguezais sob o enfoque sistêmico e hierárquico tem se mostrado um excelen-te referencial teórico-metodológico, compatível com a visão holística proposta pela Teoria Geral do Sistema.

Capra, em seu livro “A Teia da Vida” (1996), discute a ascensão do pensamento sistê-mico contextualizando-o na história da evolução da ciência. Para Capra (op.cit.) as idéias elaboradas pelos biólogos organísmicos contribuíram a formular um novo modo de pensar – “o pensar sistêmico” – em termos de conexidade, de relações, de contexto.

Ainda segundo Capra (1996), de acordo com a visão sistêmica, as propriedades essen-ciais de um organismo, ou sistema vivo, são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes. Sobre a importância do pensamento sistêmico Capra afirma:

A visão sistêmica da vida é ilustrada de maneira bela e profusa nos escritos de Paul Weiss, que trouxe concepções sistêmicas às ciências da vida a partir de seus estudos de Engenharia, e passou toda a sua vida explorando e defendendo uma plena concepção organísmica da

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Biologia. [...] Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes podem ser entendidas apenas a partir da organização do todo. Em conseqüência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de construção básicos, mas em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é “contextual”, o que é o oposto do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento sistêmico significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo. (CAPRA, 1996, p. 40;41).

A despeito das incontestes dificuldades que ambos os autores da proposição metodoló-gica do geossistema tiveram para estabelecê-la, e das críticas que freqüentemente receberam, a abordagem sistêmica tem como grande mérito propor uma alternativa ao uso corrente do ecossistema em Geografia, pois segundo Sotchava (1978), a fusão desses dois conceitos, além de não promover o progresso quer da Geografia, quer da Ecologia, é incorreta. Por outro lado, segundo Monteiro (1995), embora ainda não tenham sido criadas as possibili-dades, nem atingidas as condições necessárias para a organização de pesquisas experimentais sobre geossistemas, o mesmo demonstra relevância para os estudos das relações sociedade--natureza e da avaliação da qualidade ambiental, bem como o aprimoramento como veículo para a aplicação da Geografia no planejamento territorial.

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O CLIMA E A GESTÃO DO TERRITóRIO: O pApEL DA DEFESA CIVIL NO pROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DAS ÁREAS

ATINGIDAS pOR EVENTOS ATMOSFÉRICOS EXTREMOS

EL TIEMPO Y LA PLANIFICACIÓN DE LA GESTIÓN: EL PAPEL DE LA DEFENSA CIVIL EN EL PROCESO DE RECONSTRUCCIÓN

DE LAS ZONAS AFECTADAS POR LOS FENÓMENOS METEOROLÓGICOS EXTREMOS

WEATHER AND MANAGEMENT PLANNING: THE ROLE OF CIVIL DEFENSE IN THE PROCESS OF RECONSTRUCTION OF AREAS HIT

BY EXTREME WEATHER EVENTSEdson Soares Fialho

Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Viçosa

Coordenador do Laboratório de Biogeografia e Climatologia (Bioclima).

[email protected]

Resumo: O processo de ocupação da Zona da Mata Mineira seguiu a orientação dos rios. Tanto assim, que grande parte dos canais fluviais atravessa o interior das manchas urbanas dos municípios da região de nascente do rio Piranga, formador do rio Doce. A conseqüência disto, é que no período de verão, os eventos pluviais intensos podem produzir inconvenien-tes ao longo das planícies de inundação, em sua grande parte, ocupadas. Além disto, outros fatores contribuem para agravar o problema das enchentes: a criação de pequenas barragens para atender as demandas da atividade mineradora e geração de energia; o desmatamento intenso das vertentes e o assoreamento dos rios. Nesse sentido, o presente trabalho busca compreender a dinâmica das enchentes no médio e baixo vale do rio Piranga, que nas últi-mas duas décadas vem sendo assolado por eventos extremos de chuva, que desorganizam a organização do espaço, frente a um poder público frágil no processo de tomada de decisão e de recuperação das áreas afetadas.

palavras-Chave: Clima, Gestão e Zona da Mata Mineira.

Resumen: El proceso de ocupación de la Zona da Mata Mineira seguido la línea de los ríos. Tanto es así, que gran parte de los cauces de los ríos a través del interior de los parches de los municipios urbanos de la región al este del río Piranga, formando el río Doce. La conse-cuencia es que en verano, lluvias intensas pueden producir inconvenientes a lo largo de las planicies de inundación, en su mayor parte, empleada. Por otra parte, otros factores contri-

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buyen al problema de las inundaciones: la creación de pequeñas represas para satisfacer las demandas de la minería y la generación de energía, la fuerte deforestación de las laderas y la sedimentación de los ríos. En consecuencia, este estudio busca comprender la dinámica de las inundaciones en el medio y bajo valle del río Piranga, que en las últimas dos décadas ha estado plagada de eventos extremos de precipitación, que perturban la organización del espacio, en comparación con un gobierno débil en el proceso de la toma de decisiones y la recuperación de las zonas afectadas.

palabras clave: Clima, Gestión y Zona da Mata Mineira.

Abstract: The process of occupation of the Zona da Mata Mineira followed the line of the rivers. So much so, that much of the river channels through the interior of patches of urban municipalities in the region east of the Piranga River, forming the Rio Doce. The conse-quence is that in summer, intense rainfall events can produce drawbacks along the flood plains, for the most part, employed. Moreover, other factors contribute to the problem of floods: the creation of small dams to meet the demands of mining and power generation, heavy deforestation of the slopes and siltation of rivers. Accordingly, this study seeks to un-derstand the dynamics of floods in the middle and lower river valley Piranga, which in the past two decades has been plagued by extreme rainfall events, which disrupt the organiza-tion of space, compared to a weak government in the process decision-making and recovery of the affected areas.

Keywords: Climate, Management and Zona da Mata Mineira.

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INTRODUÇÃO

Subiu ele a uma barca com seus discípulos. De repente, desencadeou-se sobre o mar uma tempestade tão grande, que as ondas cobriam a barca. Ele, no entanto, dormia. Os discípulos achegaram-se a ele e o acordaram, dizendo: Senhor, salva-nos, nós perecemos. E Jesus perguntou: Porque este medo, gente de pouca fé? Então levantando-se, deu ordens aos ventos e ao mar, e fez-se uma grande calmaria. Admirados, diziam: Quem é esse homem a quem até os ventos e o mar obedecem. (EVANGELHO DE SÃO MARCOS, 8, 23-27)

Os fenômenos climáticos, que ocorrem em sua maioria na baixa troposfera, são uma constante sobre a superfície da Terra. E diferentemente da passagem de São Marcos, as secas, enchentes, tempestades e vendavais não obedecem às vontades humanas. Estes eventos são rotineiros e característicos de algumas regiões do planeta. Porém, com o aumento da velo-cidade do processo de incorporação de novos espaços (WENDEL, 2001), muitas vezes de maneira inapropriada, acarreta a maior vulnerabilidade do espaço geográfico (MONTEI-RO, 2010; COLLISCHONN, 2010), agravado pelo planejamento inadequado e uma gestão equivocada do território. Tais elementos contribuem para potencializar as perdas econômicas.

Mas, apesar dos contratempos ocasionados pelos fenômenos atmosféricos, os mesmos podem ser interpretados como recurso (STRANG, 1980, p. 40), na medida em que, muitos destes fornecem condições nas quais muitas atividades humanas são baseadas. Por exemplo, a pluviosidade dentro da normalidade histórica mensurada (Normal Climatológica) provê recursos hídricos dos quais dependem o consumo doméstico, a agricultura e a indústria, contudo os eventos extremos, os quais rompem o quadro de tolerância definida no local, podem levar ao surgimento de enchentes e secas.

Os eventos prejudiciais extremos não são considerados desastres, a menos que inflijam um nível mínimo de impacto negativo em humanos e no que eles consideram de valor. De acordo com OPAS/OMS, Desastre/Emergência pode ser definido como sendo um fenômeno natural ou causado pela ação humana, que produz um distúrbio massivo no sistema dos serviços de saúde, produzindo tão grande e imediata ameaça à saúde pública que o país afetado necessite de assistência externa para enfrentar a situação. Já os acidentes referem-se a incidentes ou situações perigosas provocadas por descargas acidentais de uma substância de risco para a saúde humana e/ou ao meio ambiente. Estas situações incluem incêndios, explosões, fugas ou descargas de substâncias perigosas que podem causar a morte ou lesões a um grande número de pessoas

No entanto, não há um consenso sobre “desastre”, mas tem sido tradicionalmente uti-lizada para significar eventos causando ao menos 100 mortes ou prejuízos diretos de no mínimo 1 milhão de dólares.

O nosso presente nível de conhecimento, raramente é possível definir uma relação quantitativa entre a magnitude de eventos severos e a escala exata de perdas que eles origi-nam. Isto porque as verdadeiras perdas dependem também de muitos fatores humanos, tais como a densidade populacional local, as condições sociais que afetam a vulnerabilidade das pessoas ao desastre, e o montante de bens econômicos expostos ao processo atmosférico.

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Os processos atmosféricos que produzem desastres potenciais podem durar por uns poucos segundos como quando um raio, ou algumas horas no caso de uma tempestade de vento, algumas semanas no caso de enchentes em rios principais, ou algumas décadas no caso de uma seca. Os extremos de elementos atmosféricos singulares podem gerar desas-tres importantes, como quando temperaturas excessivamente altas geram mortes por stress fisiológico por exposição ao calor. Mas a maior causa de mortes e prejuízo econômico em todo o mundo freqüentemente surge de eventos por elementos combinados e seus riscos secundários, ou derivados.

O impacto de desastres atmosféricos em pessoas, comunidades e países varia muito, de acordo com o estado de desenvolvimento econômico e da vulnerabilidade da população. Os extremos climáticos são responsáveis pela maioria das mortes em países menos desen-volvidos, e causam as maiores perdas econômicas em países mais desenvolvidos (DEGG, 1992). Segundo o autor, enquanto na América do Norte, no período de 1947 a 1967, foram registrados 210 desastres, provocando a morte de 7.965 pessoas, nos anos de 1969 a 1989, foram registrados 253 desastres e 4.683 mortes. Na América Latina, África, Ásia e Austrália aconteceram no mesmo período, cerca de 421.715 desastres, respectivamente, provocando a morte de 414.315 pessoas. Quanto aos prejuízos e danos materiais, no período de 1969 a 1989, o valor médio foi de 21,6 bilhões de dólares para a América do Norte e de 6,2 bilhões para o conjunto da América Latina, África, Ásia e Austrália.

UMA RELAÇÃO CONFLITUOSA...

Apesar do desequilíbrio da espacialização dos impactos entre os países ricos e pobres, frente a eventos atmosféricos extremos. Hoje, no século XXI, o processo de urbanização ten-de a homogeneizar os problemas entre as grandes cidades no mundo, independentemente da condição de desenvolvimento de cada um deles.

A evidência de problemas comuns entre as grandes cidades são os relacionados à dinâ-mica da água. A diminuição da infiltração no solo e um aumento do escoamento superficial, decorrente da impermeabilização da superfícies, propicia condições par ao surgimento de um novo balanço hídrico, que pode intensificar os os fenômenos de enchentes/inundações/alagamentos, decorrentes de fatores naturais e/ou associados às ações humanas.

As enchentes, segundo Wollman e Sartori (2009) podem ser consideradas uma das con-seqüências da atuação e dinâmica de sistemas naturais sobre a superfície terrestre que maiores alterações provocam no espaço geográfico. Essa dinâmica não se restringe apenas ao aumento da vazão que leva à enchente, mas também aos movimentos atmosféricos, aos processos geo-morfológicos e, principalmente às repercussões ocorridas nas áreas afetadas pelas enchentes, em especial nas áreas urbanas situadas às margens dos rios, onde são processos freqüentes.

Neste processo de relação entre o canal e a ocupação das margens, observa-se que as sociedades mantêm-se vulneráveis diante aos eventos naturais extremos. Segundo Mendes et al. (2004) as inundações (o transbordamento da água do leito maior proveniente de rios,

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lagos e açudes) correspondem a cerca de um terço, 29,0% das ocorrências de catástrofes “naturais”; causando mais da metade (53,0%) das mortes e são responsáveis por cerca de um terço (29,0%) das perdas econômicas.

Contudo, quando a população é conscientizada e participa da prevenção e preparação frente a eventos extremos, a mesma é poupada dos graves prejuízos e o número de vítimas fatais reduz significativamente (KOBIYAMA et al., 2004). Tal cenário se reproduz, quando se compara países que investem em prevenção, apresentam um número de perda de vidas menor, do que comparado a países que não adotam a política da precaução.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DEFESA CIVIL

A ideia de defesa surgiu com o aparecimento do homem (CEDEC/MG, 2009). Desta maneira, a necessidade de apoio mútuo e da união na busca de alimentos, de asilo e a proteção contra os ataques inimigos, deram suporte para a defesa individual e de grupo. Daí por diante, com o crescimento da sociedade vieram os conflitos e as guerras, esta idéia de defesa foi se aprimorando ao longo da história, entretanto se remetia apenas aos homens que lutavam. Somente durante a Segunda Guerra Mundial, surgiu à noção de Defesa Civil, vinculada à necessidade de proteger as populações não empenhadas na luta, especialmente as das gran-des cidades e centros industriais.

Neste sentido, a primeira organização de Defesa Civil a surgir foi na Inglaterra em vir-tude dos ataques sofridos entre 1940 e 1941. Este tipo de organização foi seguido por outros países devido à eficiência em amenizar os impactos sofridos pela população. A partir daí, a atuação deste órgão passa a ser fundamental nos desastres naturais (CEDEC/MG, 2009). Contudo, com o término da Segunda Guerra, e com os acordos de paz, as medidas de Defesa Civil foram deixadas de lado. Somente mais tarde foram realizados alguns estudos:

a) em 1949, o Estado-Maior das Forças Armadas elaborou um Anteprojeto de Lei de Defesa Civil que, segundo consta, tinha a finalidade de não sobrecarregar o orçamento. A organização proposta constava de um órgão central, de âmbito nacional, e de órgãos regionais, estaduais e municipais, e previa também a criação de todos os sistemas necessários à Defesa Civil, com ênfase à educação do povo para as medidas a serem adotadas;

b) em 1950, a Escola Superior de Guerra elaborou um trabalho que recomenda a criação de um órgão central, de âmbito federal, e outros regionais, em número equivalente às Regiões Militares do Exército, com as quais deveriam manter íntima ligação. Previa, como no Anteprojeto de Lei do Estado-Maior das Forças Armadas, a criação dos serviços capazes de cumprir as missões de Defesa Civil;

c) não obstante as dificuldades encontradas, as Forças Armadas continuavam preocupadas com o problema e, em fevereiro de 1958, o Estado-Maior das Forças Armadas encaminhou à Presidência da República um novo Anteprojeto de Lei contendo amplo detalhamento referente à conceituação, organização e definição de responsabilidades, mas, por razões adversas, não foi considerado (CEDEC/MG, 2009).

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Nesta perspectiva, Veyret (2007, p. 19-20) alerta que:

[...] A governança dos riscos está fundada em três elementos: a precaução, a prevenção e a indenização. Esta, baseada na idéia de que o dano é reparável e pode ser compensado em termos financeiros, faz com que, às vezes, o risco se torne aceitável na medida em que pode ser segurado em lugar de empenhar-se em prevenir a crise [...].

Esta governança de risco reflete as ações de Defesa Civil em todos os níveis de Governo: Federal, Estadual e Municipal. Assim, Defesa Civil é um:

Conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas destinadas a evitar ou minimizar os desastres, preservar a moral da população e restabelecer o bem-estar social. A Defesa Civil tem por finalidade garantir o direito natural, reconhecido pela Constituição, à incolumidade física e patrimonial e à vida, em circunstâncias de desastres naturais ou humanos, a todos os cidadãos residentes no território brasileiro (BRASIL, 2002, p. 7).

De acordo com Gonçalves (2003), no Brasil estes eventos estão relacionados à natureza climática, ou seja, fenômenos relacionados às variações bruscas de temperatura, oscilações hídricas, causam impacto no meio ambiente, à população e à economia do país.

Infelizmente, no Brasil estes problemas, muitas das vezes relacionados a infra-estrutura básica, apenas ganham importância em períodos de chuvas intensas, passado este período, os mesmos são esquecidos pelo Poder Público e demais agentes responsáveis.

De tal modo, em decorrência da constância deste tipo de eventos, bem como os preju-ízos causados, criou-se a entidade denominada Defesa Civil, no âmbito Federal, Estadual e Municipal, sendo este último criado de acordo com o interesse do poder público local. O objetivo deste órgão é evitar ou minimizar os desastres, de maneira a restabelecer a normali-dade social, para isto é necessário um conjunto de ações preventivas, no entanto, em muitos casos essas ações têm caráter de socorro, assistenciais e recuperativas.

Por outro lado, os desastres aumentaram significativamente a dívida social, que em grande parte aflige os indivíduos de menor poder aquisitivo, em municípios com pouca capacidade financeira para se restabelecerem frente às conseqüências destes desastres. Deste modo, estabeleceram-se estratégias que visam amenizar estes danos e prejuízos de ordem econômica e social, através do mecanismo de decretação da Situação de Emergência (SE) ou Estado de Calamidade Pública (ECP), como forma de auferir recursos financeiros do Governo Federal e Estadual. Estes recursos liberados pela União ou pelo Estado têm como finalidade única amenizar os prejuízos materiais dos municípios atingidos pelos eventos na-turais (seca, enchente/inundação, enxurrada, alagamento, granizo, vendavais, tempestades, escorregamento/deslizamento).

Desse modo, em 1999, foram estabelecidos critérios e procedimentos para a decreta-ção dessas duas possibilidades legais a serem adotados por todos os órgãos de Defesa Civil. Assim, faz-se necessário analisar os fatores preponderantes que se referem à intensidade dos danos (humanos, materiais e ambientais) e a ponderação dos prejuízos (sociais e econômi-

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cos) sob a ótica da coletividade; e os fatores agravantes que dizem respeito à ocorrência de desastres secundários, ao despreparo da administração local (geral e defesa civil), ao grau de vulnerabilidade do cenário e da comunidade e ao padrão evolutivo do desastre.

A GESTÃO DE UM DESASTRE

Segundo Fialho et al. (2010) a partir dos levantamentos realizados em campo da dis-ciplina GEO 324 (Geografia e Clima urbano) nos município de Piranga, Porto Firme, Guaraciaba e Ponte Nova, no segundo semestre de 2009, tínhamos a intenção de conversar com a população, a fim de verificar os impactos conseqüentes do evento episódico de 17 de dezembro de 2008 eram recorrentes ou, no caso, único, excepcional. De acordo com nossos levantamentos foi possível constatar que as enchentes no rio Piranga não são tão esporádicas como imaginávamos anteriormente. Segundo o levantamento junto à população das cidades visitadas é possível constatar, conforme a leitura da tabela I, que parte das enchentes do rio é coincidente entre as cidades, como se percebe para os anos de 2008, 1997, 1979 e 1951, excetuando os anos de 1961 em Piranga e 1986 em Ponte Nova, como também verificaram os trabalhos de Rocha (2008) em Guaraciaba, Silva (2009) em Ponte Nova e Nascimento (2009 e 2010) em Piranga.Tabela I - Anos de ocorrência das principais enchentes levantadas, segundo a memória da população entrevistada dos respectivos municípios

Município Ano de ocorrênciaGuaraciaba 1951, 1979, 1997 e 2008.Piranga 1951, 1961, 1979, 1997 e 2008.Ponte Nova 1951, 1979, 1986, 1997 e 2008.Porto Firme 1951, 1979, 1997 e 2008.

Organizado por Edson Soares Fialho, 2010. Fonte: entrevistas com moradores das cidades visitadas, nos dia 29/8/2009 e 10/10/2009.

Apesar da rotina das enchentes, quase que obedecer a um ciclo de cerca de 10 a 12 anos1 o que pode estar associado aos momentos de chuva intensa, se verificou que as repercussões se tornaram maiores, muito em razão do aumento do contingente populacional situado nas margens do rio, bem como o aumento do desmatamento na Zona da Mata Mineira. E para complicar a situação destes municípios, muitos não têm uma Defesa Civil eficiente, exceto Ponte Nova (SILVA; FIALHO, 2009), que se localiza a jusante da represa da Brecha. A figura I mostra exatamente esse processo em que o vertedouro da Represa do Brecha, no município de Guaraciaba-MG, abre suas comportas quando do excesso de chuva ultrapassa a capacidade do reservatório

1 A maioria das vezes, as chuvas intensas estiveram relacionadas a um tipo de situação, freqüente na primavera e verão, denominada de ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul). Segundo Mello (2007), as ZCAS são geradas por zonas de baixa pressão atmosférica no Oceano Atlântico, com acúmulo de grande quantidade de nuvens. Este fenômeno, combinado com os sistemas ciclônicos, gera grande volume de chuva.

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Apesar da bacia do rio Piranga, formador do rio Doce ser assolada por eventos extre-mos, somente após as enchentes de 1979, o Governo Federal cria um sistema de alerta, a fim de monitorar e amenizar os efeitos das estiagens prolongadas ou dos episódios pluviais intensos, através da portaria baixada pelos Ministros do Interior e das Minas e Energia, criando um Grupo Interministerial de Trabalho cujo objetivo era realizar estudos de pre-venção e controle das enchentes do rio Doce, que tem suas atividades iniciadas no de 1981 (SIMGE, 2009).

Deste modo, em decorrência dos desastres, quando o município não consegue por suas próprias forças contornar a situação, há instrumentos legais que permitem ao município pedir ajuda tanto ao nível de Estado, quanto ao nível Federal. Neste caso, o município pode decretar Situação de Emergência (SE) ou Estado de Calamidade Pública (ECP). Estes decretos foram regulamentados em 1999, através do estabelecimento de critérios e procedi-mentos para a decretação dessas duas possibilidades, que são adotados por todos os órgãos de Defesa Civil, válido em todo território brasileiro. Portanto:

A decretação de Situação de Emergência ou de Estado de Calamidade Pública não é, e não deve ser feita com o objetivo único de recorrer aos cofres do Estado ou da União, para solicitar recursos financeiros. A decretação significa a garantia plena da ocorrência de uma situação normal, em uma área do município, que determinou a necessidade de o Prefeito declarar Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública, para ter efeito “na alteração dos processos de governo e da ordem jurídica, no território considerado, durante o menor prazo possível, para restabelecer a situação de normalidade” (SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL, 2009).

Figura I - Vertedouro da Represa do Brecha, no município de Guaraciaba-MG.

Foto: Edson Soares Fialho, 23 de Fevereiro de 2008.

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De tal modo, em decorrência do desastre, antes do prefeito Municipal decretar a situação de anormalidade, é preciso que o mesmo comunique a ocorrência do evento à Defesa Civil Estadual e a Secretaria Nacional de Defesa Civil (SNDC), localizada em Brasília. Isto deve ser comunicado através do preenchimento do formulário de-nominado Notificação preliminar de Desastre – NOpRED. Este formulário deve ser preenchido e enviado em um prazo máximo de 12 horas, após a ocorrência do desastre. A NOpRED é um resumo, muito simples, no entanto, é fundamental no que tange o apoio ao Município.

O documento mais importante é a Avaliação de Danos – AVADAN 2, este é uma radiografia do desastre, que deve ser preenchido e enviado em um prazo máximo de 5 dias. Este documento dará base para o decreto de SE ou ECp do local afetado, que é de competência do prefeito. Em virtude do preenchimento deste documento ser comple-xo a CEDEC/MG oferece cursos que ensinam como preencher o AVADAN, além de dar assistência por telefone, e-mail, entre outros, para corrigi-lo e ser enviado correto para a homologação e reconhecimento.

Após este passo, o decreto de SE ou ECp deve ser enviado à Defesa Civil Esta-dual, sendo obrigatório o envio dos seguintes anexos: AVADAN; mapa ou croqui da área afetada pelo desastre; fotos do local atingido; ocorrência policial/Bombeiro; lau-dos complementares de órgãos presentes no município como do Instituto Estadual de Florestas - IEF, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Mi-nas Gerais - EMATER, entre outros. Estes anexos são de fundamental importância, e devem estar preenchidos adequadamente, pois somente assim será homologado pelo Governo de Estado.

Tanto a NOpRED quanto o AVADAN devem ser preenchidos pelo Coordenador da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (COMDEC), quando os municípios a pos-suem, ou pelo prefeito em caso de inexistência da COMDEC. Assim, estes são respon-sáveis pelas informações prestadas, podendo acarretar implicações jurídicas em caso de informações incorretas. Já o decreto de SE ou ECp é assinado somente pelo prefeito.

É importante ressaltar que este decreto irá determinar o tempo de duração, além de especificar as áreas que serão abrangidas pela homologação. Em decorrência da evo-lução do desastre, o prazo de vigência do decreto pode variar entre 30, 60 e 90 dias, podendo ser prorrogado até 180 dias, o que implica a dispensa de licitação para a exe-cução das obras de reconstrução.

A homologação é de competência do Governador do Estado, porém a homologação só ocorre se o AVADAN estiver correto. Ao fazer a homologação, o Governador está con-cordando com o decreto, e colocando o Estado à disposição do prefeito no que tange as obras de reconstrução, se tiver dinheiro. Assim, na disponibilidade de recursos terão prioridades os municípios que decretaram SE ou ECp e o decreto estiver homologado.

2 Ver endereço eletrônico http://defesacivil.gov.br/docs/situacao/Formulario_NOPRED_AVADAN.doc

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O reconhecimento é de competência do Governo Federal à solicitação de SE ou ECp, este é realizado através de ofício do Coordenador Estadual de Defesa Civil, juntamente com: decreto de declaração do prefeito Municipal; decreto de homologação do Gover-nador; cópia da publicação do decreto do Governador no Diário Oficial do Estado; for-mulário do AVADAN; mapa ou croqui da área afetada pelo desastre, delimitando o local; fotos do local atingido; laudos, caso necessário; Boletim de ocorrência (PM/BM); parecer do órgão de coordenação do SINDEC (Sistema Nacional de Defesa Civil), em nível esta-dual, sobre a intensidade do desastre e sobre a coerência dos atos, em relação aos critérios estabelecidos pelo CONDEC (Conselho Nacional de Defesa Civil).

Posteriormente, o processo é enviado para a Defesa Civil Nacional que o analisará, e se estiver tudo certo é reconhecido. Neste caso o Governo Federal está apto a liberar recursos para a reconstrução do município. Entretanto, a liberação de recursos para a reconstrução é pautada na elaboração de projetos (plano de trabalho, meta, duração da obra). Este re-curso pode ser liberado pelo Governo Estadual através da homologação, e pelo Governo Federal através do reconhecimento. Quando o decreto é homologado ou reconhecido, o Prefeito pode angariar verbas de várias Secretarias e Ministérios com o apoio do Deputado Estadual ou Federal, desde que tenha bons projetos. Entretanto, a liberação deste recurso pode demorar anos.

Há também o recurso emergencial, que consiste em tudo aquilo que o Estado ajudou/apoiou o município em decorrência do evento, como: sobrevôo da área afetada, cesta básica, colchão, cobertor, deslocamento da CEDEC/MG para auxiliar o município, máquinas do Departamento de Estradas de Rodagem para recuperar as estradas, bueiros, entre outros. Este recurso é imediato, ou seja, assim que acontece o evento. Com base nestes passos a CEDEC/MG, divulga a cada ano o balanço das chuvas. No que tange a entrevista há alguns pontos fundamentais que merecem destaque. Entre eles, é preciso enfatizar que a COM-DEC é a mais importante na organização de ações contra desastres. Entretanto, de acordo com o Major Abreu (NASCIMENTO, 2009) são poucos os municípios que a Defesa Civil realmente funciona. Segundo o mesmo, para que a COMDEC esteja funcionando, é preci-so “[...] ela fazer/ter atividade/investimento através da Prefeitura, onde irá trabalhar durante o ano inteiro: ação de prevenção e preparação [...]” (ABREU, CEDEC/MG, 02/09/2009).

Assim, quando “[...] a Defesa Civil é bem estruturada, ela consegue fazer de uma ma-neira que a comunidade não sofra tanto, não vai ter tanto prejuízo [...]” (ABREU, CEDEC/MG, 02/09/2009). Em cidades como Caratinga, em que há investimentos em Defesa Civil, a mesma colocou em três pontos mais altos da cidade sirenes. Quando a situação é muito crítica, eles acionam a sirene, porém treinam a população antes, para que ao ouvirem a sire-ne saiam das áreas de inundação.

Foi relatado também que as maiores dificuldades encontradas para se implantar a COMDEC, deve-se à vontade política do Prefeito. Infelizmente os governantes municipais acreditam que Defesa Civil não seja necessário, pois não elege, e por isto não investem, so-mente quando acontecem grandes tragédias é que percebem a necessidade deste órgão.

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A CEDEC/MG auxilia os municípios através de cursos de capacitação dos agentes envolvidos nas atividades de Defesa Civil, além do apoio durante o período normal de como proceder em decorrência dos desastres. Assim, as ações de prevenção são de respon-sabilidade da COMDEC, somente depois que acontecem os desastres é que a CEDEC/MG atua no município.

Deste modo, a COMDEC deve trabalhar primeiramente a prevenção/preparação, que se fundamenta em dois pilares: mapeamento da área de risco e plano de contingência (um planejamento das ações de cada setor da Prefeitura, bem como o treinamento e preparação da comunidade quando o desastre vir a acontecer). Posteriormente deve ser trabalhada a resposta e reconstrução. Em virtude do desastre a COMDEC deve enviar à CEDEC/MG o NOPRED e o AVADAN como forma de respaldar o decreto de SE ou ECP que são essen-ciais para a liberação de recursos para a reconstrução. Entretanto, mesmo o decreto sendo homologado o município pode não ser reconhecido, uma vez que a Defesa Civil Nacional é limitada pela insuficiência de recursos, o que implica em um maior rigor na análise dos processos. Por conseguinte, os municípios não têm reconhecido seus decretos de SE ou ECP por alguma falha processual. Contudo, mesmo que o decreto seja reconhecido, a liberação do recurso depende da força política dos deputados federais/estaduais dos municípios afeta-dos, e de um projeto técnico específico para a reconstrução das áreas afetadas.

Vale ressaltar que em dezembro de 2008 o índice pluviométrico de Minas Gerais foi considerado excepcional (figura II), principalmente, na Zona da Mata (figura III) e Região Central (30,0% acima da média histórica). Assim, foram muitos municípios acometidos por desastres relacionados aos eventos pluviais, sendo que 39 municípios apenas comunica-ram, outros demoram entrar em contato com a CEDEC/MG, e outros o fizeram de manei-ra inadequada. Por isto, o número de municípios, amparados pela CEDEC/MG em 2008 foi relativamente pequeno se comparado à intensidade do evento pluvial.

Atualmente, os prefeitos não quase nunca decretam ECP em Minas Gerais, pelo fato da população da área afetada poder solicitar o ressarcimento dos impostos municipais, ou até mesmo estaduais e federais por vias judiciais. Sabendo disto os prefeitos só decretam SE, em casos extremos como de Santa Catarina ocorrido em 2008, foi decretado ECP para facilitar a liberação de recursos federais para reconstrução.

É necessário frisar também, que muitos municípios que foram acometidos por algum tipo de evento, não decretam SE. Muitos municípios afetados somente comunicam à CE-DEC/MG o ocorrido, outros nem isto fazem. Assim sendo, quando se compara os muni-cípios que decretaram SE, os municípios com Portaria de Reconhecimento e os municípios que receberam recursos entre os anos de 2006 a 2009, percebe-se uma discrepância.

Tal fato pode ser explicado em virtude da não observância dos passos e prazos a serem seguidos e cumpridos, ou mesmo devido à ineficiência da COMDEC, e também ao descaso do Poder Público Local. Ainda deve-se ressaltar novamente que a liberação de recursos para a reconstrução não é imediata, podendo levar anos para o município usufruir do mesmo.

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Além disso, a discrepância verificada entre o número de municípios com Portaria Reconhe-cida e os municípios que decretaram SE, deve-se ao fato dos tramites legais e burocráticos que implica na demora em analisar os processos.

Em decorrência dos desastres, órgãos estaduais como a Secretaria de Estado de Trans-porte e Obras Públicas - SETOP podem liberar recursos para a reconstrução, como ocorreu em virtude das chuvas de dezembro de 2008.Figura II - Capa do Jornal Estado de Minas, 19 de Dezembro de 2008.

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Figura III - Municípios do Estado de Minas Gerais, noticiados, notificados ou amparados em 2008

Neste caso, de acordo com a CEDEC/MG, o prefeito tem que apresentar os projetos de reconstrução das áreas afetadas para ser analisado e aprovado pela SETOP, desde que tenha sido decretado SE ou ECP. Entretanto, o Estado não possui uma política de tornar público os recursos liberados, como a União através do Portal Transparência Pública. Isto inviabiliza o rastreamento de recursos liberados pelo Estado, bem como a real utilização dos mesmos, conforme identificado nas figuras IV e V, em que os recursos liberados para o município de Ponte Nova, no valor de quase 4 milhões de reais, ainda no ano de 2008 para a recuperação das margens do rio Piranga, que atravessa a mancha urbana do município, embora consi-derado inicialmente suficiente, não cumpriu seu objetivo, pois ainda persiste a necessidade de finalização de obras de muros de arrimo e calçadas, que estão paradas, dificultando o trânsito e a dinâmica da vida urbana na cidade.

Porém, apesar de identificarmos que o percurso do dinheiro público sofra ingerências políticas, não podemos permitir ou aceitar a ideia de que os problemas relacionados às en-chentes na bacia do Rio Piranga não são apenas decorrentes das garras capitalistas (figura VI), ou seja, os grandes empreendimentos como as represas, mas junto a isso o histórico de desmatamento das vertentes, que alimentam o assoreamento do rio, deixando-o mais susce-tível a extravasar suas águas do canal fluvial.

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Figura IV - Placa de identificação das obras de recuperação das margens do rio Piranga dentro do perímetro urbano de Ponte Nova, após as chuvas de dezembro de 2008

Foto: Edson Soares Fialho, 01 de Novembro de 2009.

Figura V - Imagem que identifica o nível que o rio Piranga alcançou no dia 18/12/2008 município de Ponte Nova

Foto: Edson Soares Fialho, 01 de Novembro de 2009.

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Figura VI - Cartaz denunciando os problemas do Rio Piranga dentro da Igreja Matriz de Sant´anna

Foto: Edson Soares Fialho, 01 de Novembro de 2009.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deste modo, pode-se dizer que mesmo com todo o apoio dado pela CEDEC/MG, no sentido de preparar os municípios para receber os eventos climáticos, ou mesmo frente aos avisos de previsão meteorológica no sentido de se preparem, alertarem a população, pouco as COMDEC’s, juntamente com o Poder Público Local tem feito. Assim sendo, muitos são os municípios mineiros afetados por algum tipo de evento, porém não estão preparados para contornar os problemas decorrentes. Entretanto, mesmo frente aos prejuízos e danos, mui-tos municípios afetados não decretam SE, e tão pouco comunica o fato ocorrido à CEDEC/MG, o que denota despreparo e descaso do Poder Público.

Aliado a isto a não decretação de ECP, revela que o Poder Público é mais preocupado com as questões econômicas no que tange a arrecadação de impostos, se comparada às ques-tões sociais que se refere aos prejuízos e danos materiais e mesmo humanos da população afetada. Assim sendo, ao analisar somente os municípios que decretaram SE, percebe-se que a demanda por recursos em Minas Gerais é notável. Entretanto, devido a não observação da documentação necessária e dos prazos estipulados por parte do Poder Público local, aliada a burocracia e tramites legais, os recursos para reconstrução não são liberados. Por outro lado, aqueles municípios que seguem corretamente todos os passos, precisam elaborar bons pro-jetos e ter força política para usufruir do recurso de reconstrução, que pode levar anos para ser liberado. Isto implica em transtornos para a população afetada.

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A AÇÃO ANTRópICA SOBRE OS SOLOS NOS DIFERENTES BIOMAS BRASILEIROS –

TERRAS INDÍGENAS E SOLOS URBANOSLA ACIÓN ATRÓPICA SOBRE EL SUELO DE DISTINTOS BIOMAS EN

BRASIL: TIERRAS INDÍGENAS Y SUELOS URBANOSTHE ANTROPIC ACTION ON THE GROUND IN DIFFERENT

BRAZILIAN BIOMES - INDIGENOUS LANDS AND URBAN SOILSFrancisco Sergio Bernardes Ladeira

Departamento de Geografia, Instituto de Geociências,

Universidade Estadual de [email protected]

Resumo: O solo é resultante da interação de fatores e processos que são responsáveis pelas características particulares de cada tipo de solo. O homem há milênios pode ser destacado como um dos “fatores” de formação dos solos. No Brasil, nos diferentes biomas, há exem-plos dessa ação, sejam ações milenares como a “Terra Preta de Índios” na Amazônia ou a ação sobre os solos nas áreas urbanas brasileiras em períodos mais recentes. Como agente formador de solos, mas principalmente como agente que o degrada, o homem assume a cada dia maior importância como agente pedogenético, levando à proposta de criação, em diferentes sistemas de classificação, da ordem dos Antropossolos.

palavras chave: Antropossolo, pedogênese, Terra Preta de Índios.

Resumen: El suelo es resultante de la interacción de factores y procesos que son responsables por las características particulares de cada tipo de suelo. El hombre durante miles de años puede se destacó como uno de los “factores” de la formación del suelo. En Brasil, en dife-rentes biomas, hay ejemplos de esta acción, las acciones son muy antiguos, como las Terra “Preta de Índios” en Amazonas o la acción de los suelos en las áreas urbanas de Brasil en los períodos reciente. Como agente formador de suelo, pero principalmente como un agente que se degrada, el hombre toma cada vez más importancia como un pedogenético, que conduce a la propuesta de establecer en diferentes sistemas de clasificación, el orden de Antroposuelos.

palabras clave: Antroposuelo, pedogenesis, Terra Preta de Índio.

Abstract: The soil results from the interaction of factors and processes that are responsible for particular characteristics of each soil type. The man for millennia may be highlighted as one of “factors” of soil formation. In Brazil, in different biomes, there are examples of this action, as the “Terra Preta de Indios” in Amazon or soils in urban areas in Brazil in recent times. As soil formation agent, but mainly as an agent that degrades man takes every day

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as major pedogenic agent, leading to the proposed establishment in different classification systems, the order of Antroposols.

Keywords: Antroposol, pedogenesis, Terra Preta de Índios

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INTRODUÇÃO

Resultado do assentamento humano, gigantescas áreas foram e são modificadas pela sua ação. Os solos são diretamente afetados por essa ação, com diferentes graus de im-pacto conforme o tipo de ocupação e o tempo desta ocupação. Ao contrário do ritmo relativamente lento do desenvolvimento natural do solo, alterações no solo decorrentes da atividade humana são normalmente mais rápidas e podem ser severas. Evans et al. (2000) destacam que esta ação pode se desenvolver em porções superficiais dos solos em poucas décadas, quando, por exemplo, é acrescentado matéria orgânica na superfície ou inicia-se a agricultura sobre ele. Entretanto um solo espesso, com diferentes horizontes, leva milha-res ou dezenas de milhares de anos para se formar. Neste sentido o solo é um recurso não renovável (EVANS et al., 2000).

Ehlen et al. (2005) afirmam que o homem já é considerado um agente geológico im-portante, e sua ação sobre os solos é ainda mais significativa. Desde que se sedentarizou este promove alterações sobre o solo onde habita, seja utilizando de seus materiais para cons-trução, como base para sua habitação ou como meio para promover agricultura e sua sub-sistência. Ao longo de tempo essa ação se amplificou o hoje o homem consegue modificar sobremaneira as características pedológicas, inclusive “criando” solos.

A idéia central deste texto é o de abordar a ação humana como agente pedogenético, des-tacando sua ação em duas condições distintas, seja como agente de “construção” de solos seja como agente de degradação e alteração das características naturais do solo onde se assenta.

Os diferentes biomas brasileiros vão apresentar diferentes condições nessa relação, des-de locais onde o homem foi gerador de solos como a denominada Terra Preta de Índio (ou Arqueológica) especialmente na Amazônia e Pantanal, seja nas áreas urbanas espalhadas por todos os biomas brasileiros. Ao mesmo tempo este homem é capaz de alterar significativa-mente estes solos, promovendo erosões em todo o Brasil ou salinização no Nordeste brasi-leiro. Este artigo possui o intuito de trazer à tona no meio geográfico a discussão de temas a muito abordado nos países desenvolvidos e que ainda se inicia em território nacional.

O HOMEM COMO AGENTE pEDOGENÉTICO

Em seu clássico livro, originalmente publicado em 1941 - Factors of Soil Formation:a system of quantitative pedology, Hans Jenny (1994) propõe 5 fatores de formação do solo (clima, topografia, material parental, organismo e tempo cronológico (sic)), onde suas inter--relações resultariam em diferentes tipos de solos. Dentro do capítulo organismos o autor já destacava a importância do homem como um agente pedogenético. Neste livro o autor destaca o homem como agente pedogenético fundamentalmente em duas condições: de um lado eliminando e modificando a cobertura vegetal original e conseqüentemente alterando as características do clima do solo, de outro promovendo práticas agrícolas que alteram as características químicas e/ou físicas dos solos. A ação antrópica na geração e modificação das características dos solos foi denominada de metapedogênese por Yallon e Yaron (1966).

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Para Sandor et al. (2011) os solos podem diferir na sua resposta à ação humana em ter-mos de resistência à alterações impostas, e também em sua resiliência. Mudanças antrópicas do solo podem ser reversíveis ou irreversíveis. Por exemplo, solos microagregados são mais resistentes à compactação, ou solos de tipo B textural podem retornar a condições pratica-mente naturais, depois de arados, em alguns anos.

Entretanto alguns autores atualmente preferem destacar a ação humana, como outro agente pedogenético, especialmente baseado nas grandes alterações sobre o solo que o homem é capaz de promover, como em áreas de mineração ou urbanas, a ponto de uma classe específi-ca de solos (Antropossolos) ser sugerida em diferentes sistemas de classificação de solos.

Para Sandor et al. (2011) esta ação pode não ser tão simples de ser identificada. Obviamen-te alterações em áreas urbanas são muito claras, entretanto alterações geradas ao longo de muito tempo, com atividades menos impactantes são muito mais sutis e complexas. Assim a história da mudança do solo pode ser difícil reconstruir, complicado por marcas de atividades de uso múltiplo da terra e mudanças nas condições ambientais, não necessariamente antrópicas.

Os autores propõem que uma abordagem para a avaliação de longo prazo da influência humana sobre o solo precisa levar em conta as condições do solo enquanto ainda isento da ação, ou que pelo menos se tenha documentado a história de uso da terra, e utilizar esses so-los como pontos de referência a partir do qual seja possível a observação da ação humana na modificação desses solos. Obviamente nem sempre estas condições são possíveis de serem contempladas, decorrente da ação humana histórica e pré-histórica.

Um exemplo clássico de solo efetivamente antropogênico são os solos plaggen, comuns na Europa Ocidental e também as Terras Pretas de Índios, comuns na Amazônia. Outro exemplo são solos cultivados em sistemas de terraços, comuns em áreas de elevada declivi-dade no mundo inteiro.

Apesar da ação humana reconhecida sobre as modificações das características originais dos solos, Drew (1986) afirma que o homem ainda não foi capaz de alterar as características fundamentais em larga escala dos diferentes tipos de solo, ao contrário do que conseguiu com as coberturas vegetais, entretanto a alteração que promoveu na cobertura vegetal acarre-tou diferenças na pedogênese dos diferentes tipos de solos. Para o autor a atividade agrícola promove alterações especialmente nas características químicas e biológicas e menos nas ca-racterísticas texturais e estruturais. As maiores modificações se fazem na direção de melhorar a produção agrícola, recorrendo a fertilizantes, corretivos, irrigação e drenagem.

Drew (1986) propõe uma tabela onde indica as ações antrópicas sobre o solo, como se observa no quadro 1. Deve-se destacar que nesta tabela são tratados os dados segundo uma visão de uso e manejo do homem, já que sempre as características identificadas como “mu-danças benéficas” visam à produção agrícola. O autor destaca as alterações de ordem física como compactação e erosão; as de ordem química especialmente a aplicação de fertilizantes artificiais que alteram as características químicas originais dos solos, os processos de saliniza-ção e dessalinização e também destaca o Homem como agente criador de novos solos.

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Quadro I - Efeitos do Homem sobre as Características do Solo

Característica do Solo Alteração “benéfica” Alteração “adversa”

• Química do solo

• Incremento da fertilidade (fer-tilizantes minerais)

• Adição de elementos micro-químicos

• Dessanilização (irrigação)• Maior oxidação (aeração)

• Desequilíbrio químico• Pesticidas e herbicidas tóxicos• Salinização• Retirada excessiva de nutrientes

• Física do solo• Induzir a formação de estrutu-

ra granular (cal e gramíneas)• Arar profundamente

• Compactação• Alteração da estrutura original• Eliminação da vegetação perene

• Organismos no solo

• Adição de adubos orgânicos• Elevação do pH• Drenar/umidecer• Aerear

• Eliminação da vegetação natural ou colheita (redução da micro e mesofauna)

• Poluição biológica dos solos com agentes patógenos

• Tempo (ritmo de alterações)

• Rejuvenescer (arar profunda-mente e revolver o solo, inserir novos materiais)

• Erosão acelerada• Impermeabilização do solo

Fonte: Modificado de Drew (1986)

Goudie (2006) indica alguns impactos antrópicos sobre o solo, mas destaca a prin-cipal ação como sendo a de promover processos de salinização do solo, que em diferentes graus atinge 47,9 milhões de hectares no mundo, problema gerado pela irrigação inade-quada. No Brasil os primeiros indícios de salinização já são observados em áreas irrigadas do sertão nordestino.

Dudal et al. (2002) afirmam que a ação antrópica sobre o solo se faz em seis condições fundamentais, e que os sistemas de classificação deveriam levar em consideração estas ações: o homem provoca mudanças nas classes de solos; o homem produz horizontes diagnósticos; o homem produz novos materiais parentais; o homem provoca distúrbios profundos no perfil dos solos; o homem provoca mudanças na topografia original; o homem produz alte-rações na superfície dos solos. Assim a ação antrópica é significativa na pedogênese.

Fica claro que o homem não pode ser desconsiderado na atualidade como agente pe-dogenético, seja “criando” solos, seja modificando suas características físicas e químicas, seja eliminando solos nas suas atividades de mineração, agrícolas ou em áreas urbanas.

SOLOS EM ÁREAS URBANAS

O crescimento de cidades, áreas industriais e toda infraestrutura associada gera im-pactos profundos nos solos. Em áreas edificadas é comum a disposição de diferentes tipos de materiais sobre o solo, criando-se camadas de materiais sem qualquer vinculo com o solo original da área (figura I). Estes materiais podem atingir vários metros de espessura, e sua idade pode corresponder à idade da cidade (SANDOR et al., 2011). Roma ou Atenas

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possuem “solos” milenares, enquanto São Paulo ou Rio de Janeiro possuem no máximo 500 anos.Figura I - Comparação entre perfis de solo em área urbana

Fonte: modificado de Bridges (1989)

O impacto no solo, gerado pela intensa urbanização modifica sua gênese e suas funções. Desta forma é fundamental analisar, classificar, mapear, os denominados solos urbanos. Aqui o termo “solo urbano” é utilizado segundo a definição de Rossiter (2007) como solos que ocorrem em qualquer área urbana ou industrial e todos os solos em áreas urbanas são, a priori, mais ou menos afetados pelas atividades humanas.

Assim a ação antrópica leva a alterações no perfil de solo natural, muitas vezes criando camadas de diferentes materiais que podem variar significativamente, seja em espessura, seja em composição, seja em distribuição geográfica. Conseqüentemente os sistemas de classifi-cação de solos empregados sistematicamente na pedologia, não podem ser utilizados, auto-maticamente, na classificação destes solos. Os solos de ambientes urbanos são diferentes nas suas características físicas, químicas e biológicas. Segundo Jim (1998) as modificações mais

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freqüentes no solo de áreas urbanas são a eliminação de horizontes superficiais em terraple-nagens e a deposição de materiais sobre os horizontes pedológicos, normalmente descartes de construção, sendo assim comuns nestas áreas os solos enterrados.

Mesmo em áreas reservadas a jardins nos centros urbanos, os solos apresentam carac-terísticas distintas daquelas no ambiente natural, normalmente correspondendo a “solos criados”, com topografias alteradas para facilitar o crescimento de uma vegetação plantada. Craul (1985) sumarizou as modificações que os perfis de solo sofrem em áreas urbanas: grande variabilidade vertical e espacial do solo; intensa compactação que modifica a estru-tura do solo; presença de crostas superficiais que tornam a superfície impermeável à água; pH alterado; aeração restrita assim como a drenagem da água; interrupção da ciclagem de nutrientes e a modificação da atividade dos organismos do solo; presença de restos de ma-teriais de construção e outros contaminantes no corpo do solo; modificação dos regimes de temperatura do solo.

Além disso, como afirmam Sandor et al. (2011), o parcelamento da cidade com ter-renos, muros, casas, quintais, parques, ruas substituem o terreno natural. O resultado é uma paisagem fragmentada onde os processos de formação do solo tornam-se controlados por sistemas hidrológicos, topográficos e ecológicos artificiais. Assim, os seus processos de formação são alterados consideravelmente se comparados com aqueles das áreas rurais. Para Pedron et al. (2007) os solos no ambiente urbano possuem funções diversas daquelas no meio rural, tais como: suporte para obras civis, fonte de material de construção, sustento da agricultura urbana e de áreas verdes, meio para descarte de resíduos, armazenagem e filtra-gem de águas pluviais e produtos tóxicos.

Em termos de classificação alguns sistemas de classificação já incorporaram os denomina-dos Antropossolos. No quadro II, proposto por Evans et al. (2000), que sumariza as propostas de características diagnósticas de Antropossolos proposta de Fanning e Fanning (1989).Quadro II - Características Diagnósticas de Antropossolos

Material Característica Matéria orgânica densidade Mineral/

orgânicoPresença de

artefatosUrbic Solos com artefatos humanos Irregular >1,6 Mineral Sim

Spolic Depósito de materiais terrosos sem artefatos humanos Irregular >1,6 Mineral Não

Dreadged Depósitos de dragagem Irregular <1,6 Mineral Às vezes

Garbic Depósitos orgânicos que podem ser classificados como solo orgânico Irregular Baixa Orgânico sim

Scalped Solo decapitado que expõe horizon-tes inferiores Irregular alta Mineral não

Fonte: Evans et al. (2000)

No Brasil, solos em áreas urbanas estão em todos os biomas, tendo um maior destaque, em termos espaciais nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Segundo Embrapa (2006) o Brasil

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possui um total de 21.285km2 de áreas urbanas, o que significa 0,25% do território brasi-leiro. A quadro 3 mostra que estas áreas urbanas estão distribuídas de forma desigual pelo território, conforme também pode se observar na figura II.Quadro III - Áreas urbanas no Brasil

Região Área Total km2 Área Urbanizada km2 Percentual da área Total (%)Centro-Oeste 1.612.077 2.696 0,17

Nordeste 1.577.938 3.445 0,22Norte 3.869.638 1.611 0.04

Sudeste 927.283 9.404 1,01Sul 564.306 4.129 0,73

Brasil 8.531.245 21.285 0,25

Fonte: Embrapa (2006)

Obviamente as regiões com maior área urbana são exatamente aquelas onde os solos modificados pela ação antrópica são mais comuns. Estas áreas também correspondem às áreas de ocupação mais antiga e onde as cidades são mais densamente edificadas, onde é de se esperar que as alterações nos perfis de solos sejam mais profundas e generalizadas. Ainda assim existem relativamente poucos estudos sobre a questão de urbanização/pedogênese em território brasileiro, sendo este tema ainda por aprofundar em território nacional.

Internacionalmente existe uma grande quantidade de artigos sobre a temática, especial-mente no que se refere à poluição de solos urbanos, já que nestas áreas são comuns os solos poluídos com metais pesados e derivados de petróleo. Estes levantamentos devem ser muito mais completos e detalhados, já que a questão assume dimensões de saúde pública, podendo existir áreas onde as pessoas estão sendo contaminadas, seja pela inalação de gases do solo, seja pelo consumo de água do lençol freático ou mesmo consumo de frutas e hortaliças cul-tivadas em solos contaminados.

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Figura II - Distribuição espacial das áreas urbanas brasileiras (2000)

Fonte: Garcia e Matos (2005)

TERRA pRETA DE ÍNDIOS

Solos plaggen são há muito tempo conhecidos e descritos na literatura, especialmente identificados na Europa, decorrente da ação humana na Idade Média. No Brasil também

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ocorrem solos que são originados pela ação antrópica centenária e milenar, como é o caso da Terra Preta de Índios, de idade pré-colombiana. No Brasil ocorrem especialmente na Ama-zônia, mas também ocorrem em alguns pontos do Pantanal.

Segundo Kern et al. (2004) Terra preta de Índios são solos que contrastam com os outros solos da região amazônica pelos seus altos conteúdos de carbono, fósforo, cálcio, magnésio, zinco e manganês.

Normalmente a Terra Preta de Índios possui em média 150g/kg de solo, enquanto que os solos de seu entorno possuem de 20 a 30 g/kg. Na Amazônia as estimativas de sua ocorrência variam desde 1% de sua área (63 mil km2) até autores que indicam que esse valor pode chegar a 10% (MANGRICH et al., 2011). Kern et al.(2004) destacam ocorrência que chegam a ter 5 km de extensão ao longo de Igarapés e Sombroek et al. (2002) cita áreas com mais de 2 km2.

Novotny et al. (2009) identificam diferenças significativas entre as Terras Pretas de In-dios e os solos do entrono delas. A saturação por bases, na média, é de 55% nas Terras Pretas de Índios e 21% nos solos do entorno e os valores de fósforo chegam a 300 mg kg-1 contra 5 mg kg-1 respectivamente.

Neves et al. (2004) afirmam que a formação das Terras Pretas de Índios estão associadas a ações humanas, como atividades de enterramento (restos humanos, urnas), preparação de ali-mentos (restos de carvão, cinzas, restos de preparação de alimentos, sangue de animais, partes não comestíveis de frutas e sementes), restos da alimentação (fezes, restos de cabeça e espinha de peixes por exemplo) e habitação (restos de materiais utilizados na construção, como pal-meiras e troncos) e várias outras atividades (corantes, óleos, fibras e cascas). Os autores pro-põem que entre 2.000 e 2.500 anos atrás teria sido o momento de início de formação destes materiais, vinculado a uma sedentarizarão humana decorrente do domínio da agricultura.

A associação destes solos antropogênicos pode ser com diferentes tipos de solos. Kern et al. (2004) destacam que estes podem estar associados com Latossolos, Argissolos, Luvis-solos, Neossolos Flúvicos, Nitossolos, Cambissolos e Neossolos Quartzarênicos. Segundo os autores a associação mais comum se faz com os Latossolos e Argissolos, assim a associação se faz, principalmente, com solos bem drenados de áreas de terra firme.

Estes solos originados pela ação humana hoje são utilizados pela agricultura, decorren-tes de sua grande fertilidade natural, em um ambiente onde predominam solos fortemente ácidos e pouco férteis.

Autores como Novotny et al. (2009) e Mangrich et al. (2011) destacam que é possível utilizar as Terras Pretas de Índios como modelos para a “criação” moderna de novas Terras Pretas de Índios, não só na Amazônia, mas em todos os biomas, através da inserção no solo de carvões e resíduos orgânicos tais como resíduos da indústria de madeira, papel e celulose, da produção de carvão para siderúrgicas e da indústria de bicombustíveis, lodo de esgoto e restos da agroindústria. Estes materiais seriam incorporados ao solo objetivando o aumento da fertilidade destes e o seqüestro de carbono da atmosfera.

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CONCLUSÃO

A figura III apresenta os níveis de pressão da ação humana sobre a Amazônia brasileira.Figura III - Pressão consolidada e incipiente no bioma Amazônia

Fonte: Barreto et al.

O que acontece nesse lugar é o reflexo de uma prática que envolve o conjunto da so-ciedade, tanto em nível nacional quanto mundial. Nenhum bioma terrestre está incólume à ação humana, a qual, em diferentes graus, atinge toda a Terra.

Em realidades tão distintas, como as aqui apontadas, seja no nível de ocupação humana no espaço urbano quanto nos meios de intervenção em áreas florestais nativas, como na Amazônia, os mecanismos de controle e gerenciamento territorial se desdobram em proces-sos que podem trazer sérios problemas para as condições de vida, seja ela humana, do reino animal ou vegetal, mas também para as próprias condições de base que se dão ao nível da composição e saúde dos solos.

Nestes biomas esta ação normalmente se inicia com as modificações associadas à bios-fera, com a eliminação da cobertura vegetal e alterações em sua fauna original. Entretanto

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esta ação possui consequências que vão além destas características, atingindo modificações no clima e também nos perfis de solos.

A ação do homem sobre o solo é um exemplo dessa interferência. Sua ação normalmen-te é mais lenta que sobre a biosfera, entretanto pode ser significativa se a ocupação humana se faz por um longo tempo num determinado local ou se esta ação envolve uma significativa alteração na paisagem natural. Desta forma o homem pode ser considerado um fator forma-dor de solo, resultando na necessidade da criação de uma ordem específica de solos no siste-ma de classificação de solos. Deve-se destacar, entretanto, que os estudos e discussões sobre essa ordem de solos devem ser aprofundados, especialmente no Brasil, onde os trabalhos na área ainda são novos e raros.

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O USO DE TÉCNICAS E pRÁTICAS NO ENSINO-ApRENDIZAGEM E SUAS CONTRIBUIÇÕES NO

pROCESSO DE FORMAÇÃOL´UTILISATION DES TECHNIQUES ET PRATIQUES DANS

L´ENSEIGNEMENT-APPRENTISSAGE ET LEURS CONTRIBUTIONS POUR LE PROCESSUS DE FORMATION

THE USE OF TECHNICS AND PRATICS IN TEACHING-LEARNING AND ITS CONTRIBUTION TO FORMATION PROCESS

Luis Antonio Bittar VenturiProfessor Doutor vinculado ao

Departamento de Geografia – USP [email protected]

Resumo: Este texto é endereçado a professores de Geografia e pesquisadores nesta área do conhecimento interessados pela temática das técnicas e práticas e sua contribuição, tanto ao processo de ensino-aprendizagem como ao processo de pesquisa científica. Trata-se de uma adaptação de texto de minha autoria publicado no livro Geografia – práticas de campo, laboratório e sala de aula1. Nesta adaptação, tentei torná-lo mais claro, com mais ênfase no ensino-aprendizagem, estruturando-o em grandes questões que normalmente permeiam a temática, como por exemplo: Qual a função da técnica? Qual a diferença entre conhecimen-to técnico e científico? Técnica é menos importante que teoria? As técnicas mais modernas são as melhores? Como escolhe-las?

Deste modo, procurei responder aos objetivos da mesa, para a qual fui honrosamente convidado.

palavras-chave: técnica – prática – conhecimento – realidade

Résumé: Cet article est adressé aux professeurs et chercheurs en Géographie que s´interessent pour ce sujet, soit dans le domaine de l´enseignement-apprentissage soit dans le domaine de la recherche scientifique. Il a été adapté d´un article écrit pour le livre Geografia – prá-ticas de campo, laboratório e sala de aula. Dans cette nouvelle version, j´ai essayé de lui rendre plus claire, avec plus d´emphase sur l´enseignement-apprentissage et de lui structurer autour des questions normalement concernées à ce sujet, telles que: quelle est la fonction des techniques? Quelle est la différence entre connaissance techniques et scientifiques? La technique est moins importante que la théorie? Les techniques modernes sont les meil-leures? Comment les choisir? De cette façon, on a cherché à répondre aux objectives de la discussion pour laquelle j´était honorablement invité.

1 Venturi (2011)

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Mots-clés: techniques – pratiques – connaissance - realité

Abstract: This article is addressed to Geography teachers and researches who have some interest in this subject, related not only to teaching activities but to scientific analysis like-wise. It was adapted from another article I had witten in the book Geografia – práticas de campo, laboratório e sala de aula. In fact I have filtered out this new version with stronger emphasis on the teaching-learning process and structured around some issues normally con-cerning this subject, as: what is the function of the technics? How different are technic and scientific knowledge?  Are technics less important than theory? The more modern technics the better? How do we choose them? In this way, I have attempted to respond to the discus-sion to which I was honorably invited

Keywords: technics – practices – knowledge - reality

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QUAL É A FUNÇÃO DA TÉCNICA?

Para as áreas do conhecimento que se empenham em compreender o mundo real, como a Geografia e todas as demais ciências factuais 2, as técnicas representam a intermediação entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível, ou seja, a realidade.

A função do uso das técnicas, no âmbito da aprendizagem, é exatamente a coleta e a sistematização de informações. Em outras palavras, as técnicas nos ajudam a organizar o mundo real e dar-lhe mais exatidão, reduzindo as subjetividades, o que é necessário para que o conhecimento seja compreendido e compartilhado. Se o tempo está quente ou frio, podemos perceber claramente, mas não precisamente; assim, usam-se alguns instrumentos e técnicas de medição e classificação para que a informação possa ser compartilhada, já que o que é “quente” para uns pode não sê-lo para outros. E as técnicas mediam a relação do sujeito com o objeto (o tempo, o clima), que é sempre um fato da realidade.

Deste modo, podemos dizer que as técnicas e os instrumentos desenvolvidos pelo ser humano representam a extensão e o aprimoramento de seus sentidos e habilidades, permi-tindo-lhe enxergar o invisível, alcançar o inatingível, comunicar-se a distâncias e velocidades cada vez maiores, mas, sobretudo, ao organizar as informações do mundo real, as técnicas ajudam-nos a prever o que seria imprevisível e medir com precisão o que os sentidos e a mente humana percebem apenas de forma subjetiva.

A percepção que os estudantes têm do mundo é um ponto de partida fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem. Mas tão importante quanto, é o aprendizado da organiza-ção desta percepção, pelo uso das técnicas, como quando se desenha em um mapa a percepção que se tem do espaço, ou quando se constrói um gráfico com as respostas que foram coletadas em um questionário e, por que não, quando se traduz adequadamente para a linguagem escrita uma ideia ou argumento (técnica de redação). As informações advindas da percepção são im-portantes, mas fluidas. Para que se produza conhecimento com elas e se possa compartilhá-las é preciso dar-lhes algum tratamento, momento em que o uso das técnicas é essencial.

TÉCNICA É MENOS IMpORTANTE QUE TEORIA?

Obviamente que não, dado que cada uma tem sua função no processo de ensino-apren-dizagem. Enquanto as teorias organizam nosso pensamento, relacionando fatos que inicial-mente encontram-se disparatados 3, auxiliando-nos na leitura e compreensão da realidade que ela trata, as técnicas auxiliam-nos na organização dos dados dessa realidade. Portanto, teorias e técnicas constituem diferentes aspectos de um mesmo processo (de produção de conhecimento), ainda que em alguns momentos os separemos analiticamente para compre-ender melhor cada uma de suas características e funções.

2 Ciências factuais são aquelas que lidam com fatos da realidade, como a Geografia, Biologia, Sociologia, Medicina, Geologia, enfim, abrangem quase a totalidade das áreas do conhecimento, à exceção das ciências formais (Matemática e Lógica Formal, por exemplo).3 Por exemplo, é uma teoria que relaciona precipitação e declividade para compreender áreas de risco; ou ainda, grau de instrução e acesso a serviços assistenciais para tentar explicar, por exemplo, taxas de fecundidade e mortalidade.

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A criação de uma dicotomia 4 entre teoria e técnica (em que a primeira seria reveladora e a segunda alienadora) resulta de visão maniqueísta, cega para complementaridades. Teoria e técnica complementam-se, cada qual com sua função. Colocá-las em oposição constitui um problema que, embora falso, é perigoso, pois poderia, por um lado, redimir algumas teorias que ajudaram a legitimar contradições sociais (malthusianismos, determinismos eurocen-tristas) e, ao mesmo tempo, desvalorizar o apoio técnico-instrumental que utilizamos para estudos e pesquisas, inclusive auxiliando na comprovação ou refutação de teorias.

Ainda que a reflexão revista-se de maior ‘nobreza’ na pesquisa, pois é ela que produz explicações (e não o simples uso das técnicas), não há como compreender e transformar a realidade apenas refletindo-se sobre ela; é preciso ‘manuseá-la’ através das práticas que en-volvem o uso de técnicas.

A RELAÇÃO TÉCNICA- pRÁTICA

Embora o termo “prática” tenha um sentido bastante amplo e, lato senso, possa incluir práticas de diversas naturezas, como sociais, culturais etc., quando o termo aparece atrelado à técnica, como no título desta discussão proposta, esta relação pode ser mais bem definida. A prática é a única forma pela qual a técnica é assimilada. Por mais que se aprenda, concei-tualmente, como se faz, é apenas no fazer que se aprende e se domina um conhecimento técnico. É praticando a técnica que se adquire consciência das dificuldades, possibilidades e limitações. Em termos cognitivos, a prática ajuda a tornar os conhecimentos mais próximos da realidade do aluno; mais reais, portanto.

QUAL A DIFERENÇA ENTRE CONHECIMENTO TÉCNICO E CONHECIMENTO CIENTÍFICO?

Caso o fazer promovido pelas técnicas tenha um fim em si, ou seja, esteja desvinculado de um estudo, ele caracteriza-se como um trabalho técnico. Isto é comum quando se treina o uso das técnicas, quando o objetivo é apenas adquirir a prática de uso.

Por outro lado, se este fazer vincula-se a um processo de pesquisa conduzido por um método, evidencia-se um trabalho científico. Vale ressaltar que, num trabalho científico, a obtenção de dados não é aleatória, mas sistemática, estando sempre vinculada a um objeti-vo, a uma hipótese dentro de uma problemática preestabelecida 5. E a decisão sobre a quali-dade e a quantidade dos dados, embora seja tomada pelo pesquisador, ou seja, pelo sujeito, será menos subjetiva se estiver atrelada a uma problemática. De qualquer forma, o trabalho do pesquisador que faz uso das técnicas produzirá um conhecimento revestido de um caráter empírico, baseado, em grande parte, na observação dos fatos, no uso dos sentidos, na prática e na vivência de situações reais.

4 Os geógrafos apreciam muito as dicotomias. 5 Embora a observação aleatória também contribua para o trabalho científico. A respeito da problematização, ver Venturi (2008)

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O pesquisador, diferentemente do técnico, nunca poderá abrir mão do método como processo mental que organiza seu raciocínio, mas poderá fazê-lo, em certa medida, em rela-ção à técnica. É possível que não domine o uso de técnicas, terceirizando-as, o que o tornará mais dependente de recursos e de serviços para resolver as questões relacionadas à busca e sistematização de dados. É importante considerar ainda que a falta de tal domínio pode incorrer na perda de espaço no mercado de trabalho fora do meio acadêmico.

Por outro lado, o domínio da técnica, não necessariamente instrumental, pode assegu-rar ao pesquisador uma maior confiabilidade e um maior controle sobre os dados que irão subsidiar seus argumentos. Esse domínio aprimora-se quase que exclusivamente no plano da prática, como foi visto, sobretudo daquelas que empregam instrumentação específica.

O QUE MOVE O DESENVOLVIMENTO DAS TÉCNICAS?

As técnicas, diferentemente do método, cujo desenvolvimento vincula-se às questões teóricas e à própria evolução do pensamento humano, evoluem segundo necessidades (prá-ticas, produtivas, artísticas, educativas e científicas) que vão surgindo ao longo da história humanidade, num percurso contínuo, embora não necessariamente linear. Quanto mais complexidades do mundo real o ser humano consegue desvendar pelos avanços técnicos e instrumentais, mais ele se depara com novas complexidades.

Quando o telescópio Hubble foi construído para resolver determinadas questões acerca do cosmos, não se podiam imaginar quantas novas complexidades ele traria aos olhos dos cientistas. Quantos mistérios foram revelados e quantos outros vieram à tona quando os so-nares passaram a ser usados para estudos do fundo oceânico, além de possibilitar a confirma-ção de teorias que necessitavam de evidências empíricas, como a Teoria da Tectônica de Placas.

AS TÉCNICAS E INSTRUMENTOS MAIS MODERNOS SÃO MELHORES?

Podem até ser melhores, mas não necessariamente. Na lógica do mercado, muitos ins-trumentos, especialmente os mais variados softwares, os satélites e técnicas a eles associadas desenvolvem-se com espantosa rapidez. A tecnologia, aqui compreendida simplesmente como técnica voltada para a lógica do mercado, desenvolvida para atender a suas necessi-dades de produtividade e lucro, traz, inegavelmente, muitos benefícios para a humanidade em diversas áreas, como medicina, comunicação e circulação de informações, exploração de recursos naturais, mapeamentos e monitoramentos ambientais on-line, entre muitos outros.

Além disso, apoia e incrementa inegavelmente o processo de ensino-aprendizagem (Internet e Google Earth, por exemplo, desde que utilizados com sabedoria). Novas invenções tecnológicas podem tanto atender a necessidades reais como àquelas criadas artificialmente para manter a di-nâmica do mercado (telefones celulares com jogos, TV, MP4, filmadoras, GPS e computadores acoplados). Ainda que haja, atualmente, o discurso da massificação da tecnologia, paradoxal-mente, o acesso a ela não é universal já que o poder aquisitivo ainda é fortemente desigual.

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A incorporação de valores e necessidades pelo ser humano impulsiona o desenvolvi-mento das técnicas (e instrumentos) ininterruptamente e com tamanha rapidez, que se criam mitos em torno delas. O mito da tecnologia, do pragmatismo; em outras palavras e indo mais fundo à questão, cria-se um paradoxo em que a razão é obscurecida por ela mes-ma, pela mitificação da técnica. Por isso, torna-se necessário que o professor e o pesquisador sejam muito criteriosos na escolha das técnicas que utilizarão nas atividades pedagógicas e de pesquisa. Em suma, é necessário que os critérios de escolha não se esvaeçam diante da sedução da tecnologia e da modernidade.

Impulsionado pelo mercado, o desenvolvimento das técnicas antecipa-se às necessida-des, criando-as e recriando-as. Isto induz o usuário menos criterioso a mover-se em direção às “novidades” do mercado sem antes sentir necessidade delas, tornando-as uma necessidade em si. Novas técnicas e instrumentos são buscados sem que os já existentes tenham sido su-ficientemente conhecidos e utilizados, tornando-se um fim em si. Ou então, a sedução pelo moderno conduz a saltos didático-pedagógicos que produzem lacunas na aprendizagem.

Aprende-se a usar um GPS sem que se saiba usar uma bússola; aprende-se fazer um mapa digital sem que se tenha aprendido a desenhar curvas de nível ou a fazer maquetes; aprende-se a digitar textos e usar corretores ortográficos sem que se tenha domínio razoável da língua portuguesa; ou ainda, a usar calculadoras sem conhecer a tabuada. Nada contra as tecnologias; isso seria uma insensatez. Apenas é bom alertar para essas lacunas, pois, se um daqueles resultados estiver errado (as coordenadas do GPS, o mapa de relevo, a palavra digitada, o resultado de uma operação matemática), não se saberá sequer identificar o erro, pois se perdeu a concepção de como esses dados são produzidos.

COMO ESCOLHER AS MELHORES TÉCNICAS?

No processo de ensino-aprendizagem, o uso das técnicas deve ser coerente com a na-tureza do assunto estudado. Ao se estudar solos, por exemplo, não há como escapar das técnicas habituais (como abertura de trincheiras) ou uso de instrumentos específicos, como trado, fita métrica, pá etc. Do mesmo modo, ao se estudar um tema em que o ‘objeto’ cons-titui-se de outras pessoas, há que se lançar mão de técnicas de interlocução, como aplicação de questionários e entrevistas, além de coleta de depoimentos orais, filmagens etc.

Em seguida, a escolha da técnica deve levar em consideração a relação custo-benefício. Nada impede que a técnica mais adequada seja a mais moderna, contanto que a relação custo-benefício seja favorável. Não haveria razão para requisitar a compra de um caro GPS de última geração para a obtenção de alguns poucos dados de georreferenciamento que po-deriam ser obtidos de forma mais simples, até mesmo com uma bússola e um mapa.

Uma vez desvinculada a adequação da técnica do grau de modernidade que incorpora, podemos fazer ainda algumas outras considerações. Os instrumentos mais simples tendem

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a ter uma vida útil muito maior. Uma bússola clássica, um heliógrafo ou uma biruta 6 fun-cionarão indefinidamente, enquanto a Terra girar, o Sol brilhar e o vento soprar. Funcionam sem fontes artificiais de energia e dificilmente algum componente terá de ser substituído.

Nesse sentido, os instrumentos eletrônicos, ainda que ofereçam precisão e rapidez na obtenção dos dados, tendem a ser mais frágeis e dependem de baterias, sinais de satélites, além de apresentarem, pela sua complexidade, maior chance de apresentar algum problema de funcionamento. É comum que as baterias se esgotem em trabalhos de campo e o alunos param de registrar as coordenadas, pois não sabem usar bússola e mapa; ou, se as baterias forem de uma câmera, parem de registrar imagens, pois não aprenderam a desenhar.

Outra “vantagem” dos instrumentos simples ilustra-se pelo fato de que eles forçam o ob-servador a prestar mais atenção na dinâmica da natureza, favorecendo sua compreensão. Um exemplo extremo desta consideração pode ser dado pela comparação de um relógio digital e um relógio de Sol. No primeiro caso, o leitor obtém automaticamente a hora em números sem nenhum esforço mental e se o dado estiver impreciso ele dificilmente saberá. No caso do relógio de Sol, ele terá que “lembrar” que a Terra gira no sentido oeste-leste, que o Sol “nasce” a leste, além de ter que considerar qual é a estação do ano e em qual hemisfério está.

Observando-se comparativamente o funcionamento de outros instrumentos, por exemplo, uma bússola clássica e um GPS, uma balança digital e uma tradicional com pesos e contrapesos, entre outros, é fácil perceber que os instrumentos mais simples exigem mais habilidades do observador e “mostram” como os fenômenos funcionam, enquanto que os mais sofisticados oferecem resultados imediatos, mas camuflam o funcionamento dos fenô-menos. Estes últimos, no entanto, tendem a ter maior alcance, rapidez e precisão (ainda que a questão da precisão não seja prerrogativa exclusiva dos instrumentos digitais), o que pode ser absolutamente necessário ao pesquisador.

Há, contudo, certos instrumentos sofisticados de pesquisa que são insubstituíveis pelo que proporcionam. É o caso, por exemplo, de imagens de radar ou satélite. Ainda que não promovam a integração in loco do observador com a natureza, proporcionam uma inigua-lável visão de conjunto, abstraindo e revelando aspectos ocultos, favorecendo enormemente a compreensão de inúmeros fenômenos como a evolução de áreas urbanas, desmatamentos, fenômenos climáticos, entre muitos outros. As imagens de satélite (enquanto instrumentos) e sua interpretação (enquanto técnica) representam fortes aliados, não apenas da pesquisa, mas também do processo de ensino-aprendizagem; seu fácil acesso possibilita seu amplo uso, seja em campo, em laboratório ou sala de aula.

Seria uma ingenuidade valorizar as técnicas e instrumentos mais simples em detrimento dos mais modernos, ou o contrário. Independentemente das escolhas, é importante conhe-cer o máximo de técnicas possível, como única forma de saber se elas serão úteis ou não em diversas circunstâncias.

6 Todos estes instrumentos, além de muitos outros relacionados às mais diversas áreas da Geografia, estão contemplados nos 25 capítulos do livro Geografia – práticas de campo, laboratório e sala de aula (VENTURI, 2011).

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É interessante considerar ainda que muitas técnicas e instrumentos que nos são apre-sentados como novos são, na verdade, roupagens tecnológicas de idéias já existentes ou de lógicas há muito conhecidas. Os alunos normalmente se surpreendem quando descobrem que dentro de um pluviômetro eletrônico há um pequeno monjolo, engenho cuja invenção se perde nos séculos da História. A única diferença consiste em um ímã que, a cada vez que o monjolo se move, envia sinais elétricos que equivalem a uma determinada quantidade de chuva. A criação de instrumentos e técnicas também se inspira na observação direta de fenômenos da natureza. A observação do sistema de locomoção dos morcegos inspirou a in-venção do radar, assim como a observação das aves inspirou o desenvolvimento da aviação.

Finalmente, o bom senso na escolha da técnica e a criatividade para adaptações e usos são aspectos que devem ser considerados com a devida seriedade. Essas características favore-cem a uma melhor adaptação às condições materiais do ambiente de trabalho e ao contexto socioeconômico do lugar onde se vive, possibilitando ao professor e ao pesquisador alcança-rem, mais rapidamente, as soluções técnicas requeridas.

O USO DE TÉCNICAS É O MESMO NO ENSINO-ApRENDIZAGEM E NA pESQUISA CIENTÍFICA?

Essencialmente sim; o papel das técnicas na organização das informações do mundo real permanece o mesmo; apenas, no primeiro caso, criam-se situações de aprendizagem; aproxima-se o aluno da realidade ao fazê-lo tomar contato com ela (‘manuseá-la’). As prá-ticas didático-pedagógicas que envolvem o uso de técnicas, como coleta de amostras de ve-getação ou de solos, medição de temperatura e umidade, georreferenciamento, aplicação de questionários, elaboração de mapas e maquetes, filmagem, entre muitas outras, são recurso fundamentais do ensino-aprendizagem por diversas razões.

A primeira delas é que torna o processo de ensino-aprendizagem mais interessante para o aluno, em seguida, ajudam no amadurecimento científico do aluno, pois articulam con-ceitos e realidade, tornando os primeiros mais compreensíveis. Um exemplo claro pode ser dado pelas ‘curvas de nível’. O aluno compreende a explicação do professor e o significa-do conceitual deste recurso cartográfico, mas o assimila e o consolida, de fato, apenas ao construir um mapa ou uma maquete. Além disso, os resultados do uso de uma técnica são palpáveis, visíveis, imediatamente compreensíveis, o que contribui para a autoconfiança do aluno no seu processo de aprendizagem.

No segundo caso, ou seja, na pesquisa científica, buscam-se novas compreensões, descobertas, explicações, as quais serão submetidas à aprovação da comunidade científi-ca. Por isso, o uso das técnicas deve ser bastante rigoroso, lógico e objetivo. Na pesquisa científica, o uso das técnicas possibilita a geração de dados da realidade que irão fornecer lastros empíricos aos caminhos percorridos pelo método. Se o método, dispondo de fun-damentação teórica, auxilia o pesquisador na organização do raciocínio, as técnicas, por sua vez, auxiliam-no na organização das informações que lhe darão subsídio. Se, por um

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lado, a teoria e o método são processos desenvolvidos no plano do pensar, por outro, a técnica desenvolve-se no plano do fazer.

É isso que visamos ilustrar com a imagem presente na figura I, a qual retrata fotografi-camente um momento em que a Comissão Geográfica e Geológica fazia levantamento das características gerais do solo, relevo e processos de formação das rochas, vegetação e demais elementos que compunham a região de Salto dos Patos no rio Grande (SP/MG) em 1910. O uso de novos equipamentos e técnicas deu grande contribuição para os conhecimentos científicos, ainda engatinhando na época, da base física da realidade brasileira.

Foi-se a campo, caminhando pelo quase desconhecido, manusenado equipamentos, levantando dados e registrando a estes, para no final pensar sobre os mesmos e possibilitar que a razão científica elaborasse a lógica explicativa da formação e potencialidades naturais daquele conjunto pesquisado.Figura I - Aplicação de técnica para fins de pesquisa científica

Fonte: Museu Geológico de São Paulo (VENTURI, 2011).

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Com isso exemplificamos que o emprego da técnica não se trata de um fazer sem pen-sar, automático, mas sim, permeado pela razão. No domínio humano, o pensar e o fazer andam juntos, são complementares e estimulam-se mutuamente, o que é reforçado pela afirmação de que O Homem pensa porque tem mãos 7.

O GABINETE, O CAMpO E O LABORATóRIO

Na universidade, o uso da técnica pode, em muitos casos, ser dividido em três momen-tos ou espaços de trabalho: o gabinete, o campo e o laboratório. O laboratório (do latim, labor = trabalho e tório = lugar onde se pratica uma ação) está sendo aqui considerado exata-mente como um lugar de labor, de trabalho, seja equipado com instrumental específico, ou não. Assim, o gabinete incorpora-se nesta acepção. De um modo geral, a divisão entre ga-binete e laboratório ocorre claramente em especialidades que requerem instrumentos mais específicos, a exemplo da Pedologia, Climatologia, entre outras.

O gabinete é utilizado para o planejamento e preparação do trabalho de campo e o laboratório, stricto senso, para o trabalho de sistematização das informações recolhidas em campo. Nas pesquisas mais voltadas para temáticas sociais, não raro o laboratório e o gabine-te fundem-se em um mesmo espaço físico de trabalho, já que essas temáticas requerem me-nor uso de instrumentação específica. Embora se desenvolvam de forma mais independente dos aparatos técnicos, tais pesquisas lançam mão de boa parte das técnicas tratadas neste livro, como a aplicação de questionários e entrevistas de tratamento estatístico, registros fo-tográficos e videográficos, leitura de imagens, entre outras. Além disso, a análise geográfica autêntica, como é compreendida aqui, exige a incorporação da dimensão física e social, seja qual for a temática trabalhada.

Em princípio, o trabalho de gabinete auxilia no preparo do trabalho de campo, isto é, no planejamento das ações baseado em um conhecimento prévio da área de estudo. Essas ações podem envolver providências mais científicas, como o levantamento cartográfico e bibliográfico da área de estudo, definição de pontos de observação segundo a temática e os objetivos da pesquisa 8, como ações mais logísticas, como estabelecimento de contatos com interlocutores, marcação de encontros para entrevistas, verificação da meteorologia, autori-zações para entradas em Unidades de Conservação, travessia de balsas, paradas em autoes-tradas, hospedagem, além de inúmeras outras, sempre atreladas aos objetivos do trabalho.

O momento do trabalho de campo representa o contato imediato com a realidade, ainda que se possa fazer uso de instrumentos; é o momento de conhecê-la melhor por meio de técnicas de observação e interpretação instrumentalizadas ou não. O contato direto com a realidade em campo não significa que se tenha o mesmo controle dos processos que se pode ter em laboratório. No campo, estamos submetidos às dinâmicas da realidade que elegemos estudar. Pode haver um deslizamento de encosta ou um protesto bloqueando a estrada, uma

7 Afirmação atribuída a Anaxágoras, século V a. C. 8 Veja, como exemplo, a introdução do capítulo de Técnicas de Geomorfologia (VENTURI, 2011).

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tempestade, um apagão, uma greve; ou seja, a dinâmica do mundo real pode nos reservar muitas surpresas, de modo que é comum que o que se planejou no gabinete não ocorra em campo exatamente como se esperava9. Isto significa que o planejamento do campo, como da pesquisa, requer certa flexibilidade e a possibilidade de um plano B.

A tecnologia incorporada cada vez mais aos instrumentos utilizados por determinadas técnicas (como imagens de satélite de alta resolução, por exemplo) pode diminuir a neces-sidade de campo, já que fornece informações cada vez mais precisas da realidade. Sendo uma das funções do trabalho de campo conferir as informações obtidas por outros meios, o aumento da precisão das informações pode tender a confinar o professor-pesquisador no laboratório. Mas ele deve ter consciência do risco que existe em transformar seu trabalho no chamado “trabalho de gabinete” e, sobretudo, ter clareza de que o campo e as informações que ali podem ser obtidas são insubstituíveis.

Em termos gerais, o trabalho de campo é uma técnica ampla que incorpora outras mais específicas (atreladas aos diferentes objetos de estudo) e, de tão fundamental para a análise geográfica, é considerada por alguns como método, assim como o é para os Antropólogos 10. Esta é uma discussão que, certamente, não se esgotará aqui.

Finalmente, o trabalho em laboratório envolve o tratamento das informações obtidas no campo (e planejadas no gabinete). As amostras de solo serão analisadas mais precisamente e classificadas, os questionários serão tabulados, as entrevistas serão transcritas, as fotografias serão melhoradas e os vídeos editados, os produtos cartográficos serão eventualmente corri-gidos em função do que se observou no campo. Enfim, as informações devem ser sistemati-zadas de modo que possam ser incorporadas como base empírica da pesquisa.

O laboratório ainda tem outra função acadêmico-científica. É onde também se podem fazer simulações de fenômenos, cujo controle é mais eficiente do que em campo11; simula-ções que podem, por analogia, promover maior compreensão do real, a exemplo de testes de porosidade e permeabilidade de solos, simulações de balanço hídrico, simulações de entre-vistas, teste de modelos (climatológicos, geomorfológicos etc).

Finalmente, o laboratório também exerce uma função mais didático-pedagógica, pois é o espaço em que se promovem estágios, cuja função é, entre outras, a aquisição de determi-nadas habilidades e o aprendizado do uso de determinadas técnicas e instrumentos. Lembre-mos ainda que nos estágios de ensino, a própria sala de aula é um laboratório 12. Em suma, o laboratório promove um contato controlado com a realidade, muitas vezes intermediado por instrumentos.9 Lembro-me que, em 1988, programei um trabalho de campo para a pesquisa de mestrado, no Parque Nacional das Emas, mas, um incêndio de grandes proporções impossibilitou o trabalho de campo. Por outro lado, uma nova variável, relacionada à vulnerabilidade seria incorporada à análise. 10 Um dos métodos científicos da Antropologia refere-se à Pesquisa Participante, em que o pesquisador passa longo tempo nas comunidades que estuda. Ver também o capítulo Técnicas de Interlocução em Venturi (2011).11 Experimentos também são empreendidos em campo, em Geomorfologia, Climatologia, Biogeografia etc, mas exige uma estratégia de controle mais complexa que envolve desde a proteção dos instrumentos, instalações, como a coleta periódica das informações. 12 Ver em Venturi (2011) o capítulo A Escola como Laboratório Vivo, de Nídia Nacib Pontuschka.

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Gostaria de fechar este texto discorrendo sobre a técnica da observação, mas há muito o que se considerar a esse respeito, de modo que recomendo a leitura do capítulo A Técnica e a Observação (VENTURI, 2011) que inspirou este texto. Permito-me citar um trecho da fala do professor Aziz Ab´Saber, por ocasião de uma homenagem que lhe foi oferecida 13: “A maior desvantagem dos cegos é que eles não podem ser geógrafos, pois não podem observar”. Com esta frase (que espero ter reproduzido fielmente), corrobora-se a ideia da observação como técnica primordial da Geografia.

REFERÊNCIAS

AB´SABER, Aziz N. A Obra de Aziz Nacib Ab´Saber. São Paulo: Editora Beca, 2011.

CUNHA, Antonio G. Dicionário Etimológico da Língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

GILES, Tomas R. Dicionário de Filosofia – termos e filósofos. São Paulo: EPU, 1993.

GRANGER, Gilles-Gaston. A Ciência e as Ciências. São Paulo: Editora da UNESP, 1994.

HOLMES, Dave & FARBROTHER, Dave. A – Z Advancing Geography: fieldworks. UK: Geographical Association, 2003.

LACOSTE, Yves. Pesquisa e trabalho de campo. In: Seleção de Textos, n.11 (Série Teoria e Método). São Paulo: AGB, 1985, p.1-23.

LENON, Barnaby & CLEVES, Paul. Fieldwork Techniques and projects in Geography. Londres: Collins Educational, 1996.

NAGLE, Garrett & SPENCER, Kris. Geographical Enquiries – Skills and Techniques for Geography. Londres: Nelson Thornes Ed, 2000.

VENTURI, Luis A. B. “Oh dúvida cruel! Um ensaio sobre a problematização da pesquisa”. In: Ensaios Geográficos. São Paulo: Humanitas, 2008.

VENTURI, Luis A. B. “A técnica e a observação”. In: VENTURI, L.A.B. Geografia – prá-ticas de campo, laboratório e sala de aula. São Paulo: Editora Sarandi, 2011.

13 O prof. Aziz Ab´Saber foi homenageado no Departamento de Geografia (USP) no dia 11/05/2011, ocasião em que lançou o livro A Obra de Aziz Nacib Ab´Saber (Editora Beca, 2011).

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EDUCAÇÃO EM SOLOS, EDUCAÇÃO AMBIENTAL INCLUSIVA E FORMAÇÃO CONTINUADA DE pROFESSORES:

MÚLTIpLOS ASpECTOS DO SABER GEOGRÁFICO1

LA EDUCACIÓN EN SUELOS, EDUCACIÓN AMBIENTAL INCLUSIVA Y FORMACIÓN CONTINUADA DE PROFESORES: LOS MULTIPLES

ASPECTOS DEL CONOCIMIENTO GEOGRÁFICO

SOIL EDUCATION, INCLUSIVE ENVIRONMENTAL EDUCATION AND TEACHER’S CONTINUING EDUCATION: MULTIPLE ASPECTS

OF THE GEOGRAPHIC KNOWLEDGEMaria Cristina perusi

Professora Assistente Doutora do curso de Geografia da UNESP/

Campus de [email protected]

Carla Cristina Reinaldo Gimenes de SenaProfessora Assistente Doutora

do curso de Geografia da UNESP/Campus de Ourinhos

[email protected]

Resumo: Este artigo contemplará aspectos acerca da educação em solos e da educação am-biental inclusiva, inserida nas políticas para educação especial que se firma no Brasil nota-damente a partir da década de 1990. Além disso, apresentar-se-ão relatos de experiências de pesquisa e extensão universitária, mais especificamente voltada para formação continuada de professores da rede pública de ensino do município de Ourinhos/SP, elaboração e avalia-ção de materiais didáticos, importantes potencializadores da relação ensino/aprendizagem. Sendo assim, o objetivo desse artigo é contextualizar o processo de implantação da política de inclusão nas escolas da rede pública de ensino, refletir sobre alguns aspectos da formação de professores e sinalizar de que forma a educação em solos pode ser trabalhada visando à educação ambiental inclusiva.

palavras-chave: educação em solos, educação inclusiva, extensão universitária, formação de professores, materiais didáticos

Resumen: En este artículo se abordarán temas como la educación en suelos y la educación ambiental inclusiva, establecida en las políticas para la educación especial que se ha fijado en

1 Texto resultante da participação na mesa de debate intitulada “Uso de técnicas e práticas no ensino-aprendizagem e suas contribuições no processo de formação” apresentada durante o XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. Dourados/MS de 11 a 16 de junho de 2011

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Brasil, especialmente desde la década de 1990. Además, se presentarán estudios de casos de investigaciones y la educación por extensión, más específicamente enfocada en la educación continuada de los profesores en las escuelas públicas de Ourinhos / SP, elaboración y prue-bas con materiales didácticos, que realzan el potencial de la relación enseñanza/aprendizaje. Por lo tanto, el objetivo de este artículo es contextualizar el proceso de aplicación de la polí-tica de inclusión en las escuelas públicas, reflexionar sobre algunos aspectos de la formación de profesores y demostrar cómo la educación en suelos puede ser trabajada con el objetivo de la educación inclusiva del medio ambiente.

palabras clave: educación en suelos, educación inclusiva, la educación por extensión, for-mación de profesores, materiales didácticos

Abstract: This article describes aspects on the soil education and the inclusive environmen-tal education inserted in the policies for special education which has noticeably earned a place in Brazil since the 1990s. Besides, it will present reports about research experiments and academic extension, more precisely concerning teacher’s continuing education in public schools in the city of Ourinhos/SP, teaching materials development and tests which potenti-ates the teaching/learning relation. Therefore, the objective of this article is to contextualize the process of implantation of the inclusive policy in public schools, reflect on some aspects of teacher’s continuing education and point out how soil education can be put into practice towards the inclusive environmental education.

Key-words: soil education, inclusive education, academic extension, teacher’s education, teaching materials.

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INTRODUÇÃO

O processo de produção do espaço, seja ele urbano ou rural, resulta na apropriação cada vez maior dos recursos naturais e, via de regra, gera impactos negativos ao ambiente. Por recursos naturais entende-se:

Como qualquer elemento ou aspecto da natureza que esteja em demanda, seja passível de uso ou esteja sendo usado direta ou indiretamente pelo Homem como forma de satisfação de suas necessidades físicas e culturais, em determinado tempo e espaço. Os recursos naturais são componentes da paisagem geográfica, materiais ou não, que ainda não sofreram importantes transformações pelo trabalho humano e cuja própria gênese independe do Homem, mas aos quais foram atribuídos, historicamente, valores econômicos, sociais e culturais. Portanto, só podem ser compreendidos a partir da relação Homem-Natureza. (VENTURI, 2006, p. 15-6)

Baseados nesse conceito, a Geografia escolar, obrigatória para toda a educação básica, aparece revestida de compromissos teóricos e práticos voltados para a formação de cidadãos conscientes ambientalmente, esclarecidos quanto ao seu papel como agentes transformado-res ou mantenedores do status quo vigente. Nesse sentido, urge a necessidade de pensarmos e produzirmos uma Geografia que colabore para que:

[...] os alunos construam saberes múltiplos do pensar ao fazer, que reflitam uma apropriação dos conhecimentos socialmente produzidos de forma a reconhecer-se como sujeitos capazes de transforma-se e nesse movimento também transformar o mundo (FURLAN, 2011, p. 139).

Eis uma das funções da escola, mediada pelos professores e direito “garantido” por lei: que a mesma seja um espaço de debate que agregue a “todos”, que permita reflexões apro-fundadas acerca das múltiplas dimensões do processo de produção do espaço, nesse caso, geográfico. Embora polêmico, mas partindo do princípio de que a educação é um direito de “todos”, e que a temática ambiental, entendida aqui como expressão integradora das dimen-sões socioculturais, políticas e ecológicas, desde o ano de 1997, proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), tornou-se tema transversal, ou seja, deve estar presente em todas as disciplinas da educação básica. Nesse sentido, a Geografia trabalhada nas escolas, mais especificamente no âmbito da educação ambiental, tem o propósito de:

Possibilitar um amplo leque de aprendizagens para que os alunos possam desenvolver raciocínios espaciais. É fundamental compreender onde se vive para atuar e transformar o mundo à medida que o aluno se desenvolve e elabora de forma progressivamente mais complexa a leitura do espaço geográfico (FURLAN, 2011, p. 140).

Porém, a pergunta é: como desenvolver as múltiplas habilidades e potencializar a re-lação ensino-aprendizagem, seja na Geografia ou em qualquer outra ciência, de forma a garantir um processo de produção do conhecimento verdadeiramente significativo para “to-dos”? A resposta para essa questão não é simples e muitos seriam os aspectos possíveis de serem abordados, porém, tendo em vista a notória complexidade do debate, caberá nesse momento compartilhar algumas experiências, propostas e reflexões acerca do assunto.

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Dentre os tantos elementos do meio físico, o solo, princípio e fim de todas as coisas, sustentáculo das civilizações, principal fonte de alimento e matérias primas, palco das di-versidades, testemunha de duelos históricos, moeda de uso e troca, contemporaneamente passa por intensos processos de degradação: perda da fertilidade natural, salinização, con-taminação, compactação, erosão, dentre outros. Por essa perspectiva, destaca-se a educação em solos como uma das dimensões para se promover a educação ambiental, entendida aqui como um recurso capaz de capacitar o indivíduo à plena cidadania, “através da formação de uma base conceitual abrangente, técnica e culturalmente capaz de permitir a superação dos obstáculos à utilização sustentada do meio” (DIAS, 2004, p. 99).

A educação em solos, uma das tantas dimensões da educação ambiental, é um processo educativo que privilegia uma concepção de sustentabilidade na relação homem-natureza. Desta forma, assim como a educação ambiental, a educação em solos coloca-se como um processo de formação que precisa ser dinâmico, permanente e participativo, na busca por uma “consciência pedológica” e um ambiente sustentável (MUGGLER et al., 2006).

Inserido nesse contexto, este artigo é o resultado de pesquisas científicas e atividades de extensão universitária na área de educação ambiental inclusiva, tendo como eixo a educação em solos, inserido no contexto da educação especial, instituída no Brasil notadamente a partir da década de 1990. Sendo assim, objetiva-se popularizar a educação em solos como importante recurso para alfabetização ambiental; pensar em como a Geografia pode ser tra-balhada de forma inclusiva; contextualizar o processo de implantação da política de inclusão nas escolas da rede pública de ensino e relatar a experiência do curso de formação continu-ada de professores como contribuição para viabilização da referida política.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA, pREpARADOS?

Cumpre esclarecer que neste artigo não nos cabe discutir quanto à pertinência ou não da educação especial, ela já foi institucionalizada e é uma realidade em nível nacional. Cabe agora pensarmos coletivamente nas condições mais próximas do adequado para garantir que o processo de educação seja verdadeiramente “inclusivo” para todos, “incluindo todos” os agentes envolvidos: professores, família, direção, etc. Mister também se faz rever algumas expressões como “educação especial”. Não existe nada de “especial” em garantir uma educa-ção de qualidade, acessibilidade, salários dignos para “todos” os trabalhadores e as condições necessárias para o desenvolvimento pleno das múltiplas habilidades do indivíduo, seja defi-ciente ou não: É LEI.

Além disso, o movimento de inclusão a partir da década de 1990 no Brasil está calca-do no princípio da igualdade de oportunidades, direitos humanos, acesso à escolarização etc. Essas ideias neoliberais estão na contramão do que na prática se vê. Exemplo disso são os moradores de rua. Se não tiver comprovante de endereço, não é possível matricular seu filho na escola, portanto?! Apesar disso, retornar ao modelo de segregação, certamente seria um retrocesso.

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Para entendermos melhor o processo de implantação da “educação especial”, cabe nos reportarmos ao contexto histórico de consolidação do capitalismo, notadamente a partir da revolução industrial, séculos XVIII e XIX, definido através das forças produtivas, geração de mais valia e incremento do consumismo, calcado nas inovações tecnológicas. O papel da escola nesse momento foi fundamental para formação da massa de trabalhadores necessária, inicialmente, nas indústrias têxteis, contemporaneamente, em todos os outros setores da economia. Desta forma, a presença de pessoas com deficiência nas salas de aula certamente “atrapalharia” os objetivos da escola. Assim surgem as instituições especiais, inicialmente muito mais com a função implícita de segregar, visando a “excelência” do ensino nas escolas regulares, do que verdadeiramente educar no sentido mais amplo da palavra.

No Brasil, o atendimento as pessoas com deficiência teve início à época do Império com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos em 1854, atual Instituto Benjamin Constant - IBC e o Instituto dos Surdos Mudos em 1856, atual Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é criado o Instituto Pestalozzi - 1926, instituição particular especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954 é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE (BRASIL, 2007, p. 4).

Até então, os cegos e surdos eram analfabetos e os demais deficientes, marginalizados. Sobre esse assunto, destaca-se a legislação específica adotada no Brasil sobre as pessoas com deficiência e sua inclusão. Essa legislação é, inclusive, considerada por muitos como uma das mais avançadas do mundo. Porém, o tema requer um olhar mais atento, tanto por parte das autoridades que propõem as leis como da sociedade em geral.

A Constituição de 1988 apresenta vários dispositivos relacionados às pessoas com de-ficiência. Destaca-se o inciso III do Artigo 208, que define como dever do Estado o “aten-dimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90, determina que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino” (ECA, 2001, Art.55). Nessa década, documentos internacionais como a Decla-ração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), passam a influenciar a formulação das políticas públicas da educação brasileira (BRASIL, 1997).

Em 1994 é publicada a Política Nacional de Educação Especial, que orientou o processo de integração instrucional e condicionou o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que “(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (MEC/SEESP, 1994, p.19). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 define no artigo 58, a educação especial como modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para os alunos com necessidades especiais. No artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino deverão assegurar aos alunos “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e orga-nização específica para atender às suas necessidades” e a aceleração de estudos para que alunos superdotados possam concluir em menor tempo o programa escolar (BRASIL, 2007).

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Nesse contexto, a educação de alunos com deficiência que tradicionalmente se baseava em um modelo de atendimento especializado e segregado, têm se dirigido, nas últimas déca-das, para a chamada educação inclusiva. Segundo a Declaração de Salamanca (1994) o prin-cípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem. Porém, como fazê-lo?

As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas dificuldades de seus alu-nos, respeitando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade para todos, mediante currículos apropriados, estratégias de ensino, recursos didáticos, modificações estruturais na organização das escolas e parcerias com a comunida-de. Nesse ínterim, a busca de um ensino de qualidade para “todos”, exige da escola novos posicionamentos que implicam num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais, para que o ensino se renove e para que os professores se aperfeiçoem, adequando as ações pedagógicas à diversidade dos aprendizes (CARMO, 2010, p. 18).

Segundo o IBGE (2000) citado por Senna (2008), 14,5% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência. As deficiências visuais representam 48,1%, ou seja, 11.8 milhões de pessoas, mais de 100% superior à segunda causa de deficiência, que são os casos de deficiência motora (22,9%). Esses dados indicam a importância/preocupa-ção quanto à educação inclusiva que atualmente é um dos maiores desafios do sistema educacional brasileiro. Além disso, constata-se o aumento de matrículas de deficientes em escolas que não têm apoio pedagógico especializado. Somando a isso, o número de estudantes por sala, em média alto, e o despreparo dos professores para lidar com a di-versidade, o que resulta no iminente risco da perda da qualidade de ensino para “todos” os estudantes.

Inserido nesse contexto:

Na educação especial, os dados do Censo Escolar registram em 1998, 337.326 matrículas. Em 2006 esse número chegou a 700.624, expressando um crescimento de 107% nas matrículas. O número de alunos incluídos em classes comuns do ensino regular cresceu 640%, passando de 43.923 alunos em 1998, para 325.316 em 2006. (BRASIL, 2007, p. 10).

Desta forma, a pergunta que deve ser feita é: os professores estão preparados para a educação inclusiva, para receber e trabalhar adequadamente em sala de aula com “todos” os alunos? De antemão pode-se afirmar que a resposta é: NÃO.

Vale destacar que a discussão quanto ao despreparo dos professores para essa realidade não pode ser feito sem pensar na problemática educacional como um todo: estrutural, po-lítica, de formação básica e contínua, salarial, dentre outros. Desta forma, não é concebível pensar uma educação verdadeiramente inclusiva, sem mexer nas entranhas, nos pilares que sustentam o modelo de educação brasileira. Destaca-se aqui a falta de disciplinas específicas sobre educação especial nos cursos de licenciatura do Brasil, o que reforça a necessidade de uma política que incentive a atualização e capacitação dos professores da rede pública e pri-

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vada de ensino básico que, de acordo com os dados, cada vez mais terão alunos com alguma necessidade especial em sala de aula.

A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de co-municação e expressão, determinando que sejam garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras nos cursos de forma-ção de professores e parte integrante do currículo. (BRASIL, 1997, p. 7).

Caso essa orientação fosse seguida pelas instituições de ensino, certamente não resol-veria todos os problemas, mas que, somadas a outras práticas, contribuiria para a melhor formação dos profissionais da educação e, conseqüentemente, para a melhor formação dos alunos, deficientes ou não.

Na tentativa de contribuir tanto para a formação inicial de professores quanto para a formação continuada, institucionalizou-se no ano de 1997 na UNESP/Campus Experi-mental de Ourinhos, o projeto de extensão universitária COLÓIDE. O referido projeto, enquanto tronco, pauta-se nos princípio da educação ambiental, enquanto ramificação tra-balha educação ambiental inclusiva, tendo na educação em solos, uma prática possível.

CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE pROFESSORES: RELATO DE EXpERIÊNCIA

Os cursos de formação continuada dos professores objetivam uma atualização de ba-ses teórico-metodológicas para que, melhor preparados, tenham as devidas condições para produzir, junto aos/com alunos, o conhecimento sistematizado e o senso crítico, condições indispensáveis para a formação de cidadãos conscientes de seu papel junto à sociedade.

Em 2009, a UNESP/Campus Experimental de Ourinhos, por meio do Núcleo de En-sino da referida instituição em parceria com a Diretoria Estadual de Ensino do Município (DEE), com o propósito de contribuir com o processo de formação continuada dos do-centes da rede pública dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, nas áreas de História e Geografia, organizou vários minicursos. Sendo assim, foram abordados diferentes temas da Geografia, em sintonia com a Proposta Curricular da Secretaria de Estado da Edu-cação de São Paulo.

Dentre os minicursos, “o recurso natural solo: educação ambiental inclusiva na esco-la”, com carga horária de 08 horas, foi trabalhado com 12 professores da rede pública de ensino do município de Ourinhos/SP. A principal inquietação do professores era de como mediar a aprendizagem dos alunos com deficiência. Somadas a essas especificidades, co-mumente identifica-se dificuldades inerentes ao conteúdo de Pedologia: fatores e processos de formação do solo, composição geral do solo, principais quadros de degradação, dentre outros. Além disso, a urgência de materiais didáticos que contribuam para subsidiar essas discussões. Desta forma, as atividades foram divididas em dois momentos: na primeira de-las, foram feitas algumas considerações acerca da política pública de educação inclusiva no

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Brasil e uma breve contextualização dos pressupostos teórico-metodológicos da Pedagogia histórico-crítica, mediada pela doutoranda Erika Porceli Alaniz.

Em parceria com profissionais da Associação de Assistência ao Deficiente Físico de Ou-rinhos (AADF), foram feitas atividades de sensibilização acerca do tema. Com o objetivo de recriar o cotidiano de deficientes, os professores usaram cadeiras de rodas, foram amordaça-dos e usaram vendas nos olhos. Além disso, tiveram que realizar tarefas como ir ao banheiro comum, xerocar documentos, etc. Essa atividade foi fundamental para que os professores pudessem se colocar no lugar do outro, e perceber o valor de auxiliar o aluno com deficiên-cia na conquista da autonomia.

Num segundo momento, foram abordados conteúdos pertinentes à temática solo e ambiente: gênese, processos e fatores de formação, principais propriedades físicas e quími-cas, classificação de solos e rochas, erosão, perda da fertilidade etc. Munidos do referencial teórico, num processo de construção do conhecimento, o grupo foi orientado a elaborar materiais didáticos para serem usados em aulas práticas. Foram reconstituídos perfis de solo em tubos de ensaio e papel A4; tinta de solo; trabalhou-se com solos de diferentes texturas: arenosa e argilosa; simulou-se erosão hídrica em solo com cobertura vegetal; identificaram--se rochas sedimentares, magmáticas e metamórficas.

Na figura I, a seguir, identificamos um desses momentos de elaboração de material di-dático em nosso projeto junto com professores da rede pública de ensino de Ourinhos/SP, no qual exercitávamos atividades no curso de formação continuada para que os professores pudessem construir seu próprio conhecimento, capacitando-os a fazerem seus próprios mate-riais e assim aprimorarem as práticas no contexto de suas aulas de geografia no ensino básico.Figura I - “Caixinha da erosão”. Professores da rede pública de ensino de Ourinhos (SP) elaborando material didático

Foto: As autoras (2011).

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Nesse contexto, os materiais didáticos são entendidos como recursos facilitadores da relação ensino/aprendizagem. Eles trazem para o plano concreto, conceitos e conteúdos que, para os “videntes”, muitas vezes já não são fáceis de serem apreendidos, quiçá para os deficientes visuais, por exemplo? Imaginemos o que é trabalhar os conceitos balizadores da Geografia, arraigados de componentes filosóficos como paisagem, território e espaço? Nesse aspecto, elementos do meio físico certamente são muito mais tranqüilos de serem reconstituídos e assim, representar as múltiplas perspectivas que permeiam a relação so-ciedade e natureza.

Porém, para que o uso dos materiais didáticos atinja seus objetivos, no caso, voltado para educação em solos, devem ser avaliados, revistos, caso seja necessário e sempre acompanhados por material teórico de apoio, de outra forma, esses recursos perdem seu significado. Nesse sentido, no ano de 2010 foi proposto um trabalho de educação ambiental inclusiva com aproximadamente 15 adolescentes e adultos, surdos, cegos e de baixa visão, atendidos pela Associação Jacarezinhense de Reabilitação ao Deficiente Auditivo e Atendimento ao Defi-ciente Visual (AJADAVI). Na oportunidade, foram avaliados alguns materiais disponíveis no espaço “PEGAR PRA VER”, junto ao Laboratório de Geologia, Geomorfologia e Pedologia da UNESP/Ourinhos, onde são desenvolvidas as atividades do projeto COLÓIDE.

Esse espaço é destinado aos deficientes visuais, onde encontram-se vários materiais adaptados (figura II): solos com diferentes texturas, cuja discussão vai ao encontro com os intensos quadros de gradação por erosão hídrica; perfis de solo reconstituídos em caixas de leite. Mais uma vez, a cor e a textura demonstram que os solos não são iguais, assim como as pessoas, necessitando de manejos diferenciados em respeito às suas potencialidades e li-mitações; jogos de dama e “da velha”: os tabuleiros foram pintados com tinta de terra com diferentes texturas e as peças, feitas com argila e seixos de mármore. Desta forma, “brincan-do”, é possível trabalhar diferentes classes de solo e diversas propriedades físicas e químicas, inerentes aos processos e fatores de formação (figuras III e IV).

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Figura II - Espaço “pegar pra ver”. Materiais didáticos destinado a deficientes visuais

Figura III - Deficiente visual atendida pela AJADAVI. Avaliação do jogo de damas (tabuleiro e peças de terra e seixos)

Fotos: As autoras (2011)

Figura IV - Deficientes auditivos atendidos pela AJADAVI. Diferentes texturas do solo, maior ou menor vulnerabilidade à erosão hídrica

Foto: As autoras (2011)

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Os referidos materiais serão considerados adequados e propostos para os professores se aprovados pelos maiores interessados, seus usuários, em especial, as pessoas com deficiência. Porém, cabe destacar que só esses materiais não garantem o acesso significativo aos conteú-dos, eles, por si só, não resolvem todos os problemas da educação. Porém, podem contribuir e instigar a aprendizagem uma vez que ninguém se dispõe a aprender o que quer que seja se não houver um mínimo de motivação, e nisso, os materiais didáticos, se bem utilizados, podem ser bastante eficientes.

De qualquer forma, o lúdico-pedagógico exerce sua função na medida em que as pes-soas envolvidas no processo passam a ter uma relação comprometida e responsável com os recursos naturais, não só o solo, mas com todos os elementos do meio físico e social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação em solos, inserida no contexto da educação ambiental inclusiva, mediada pela figura do professor devidamente preparado e subsidiada com materiais didáticos ava-liados e aprovados, pode contribuir para o desenvolvimento de habilidades, das básicas às mais complexas, de “todos” os alunos. Nesse sentido, acredita-se que a Geografia inclusiva, ao debruçar-se sobre pesquisas comprometidas com a acurácia teórico-metodológica e ga-rantindo projetos de extensão universitária como o caminho mais curto entre a academia e a comunidade, pode ter muito a colaborar.

O espaço de discussão criado a partir dos cursos de formação continuada, materializado na elaboração de materiais didáticos, certamente há de possibilitar um aprendizado onde o indivíduo possa abstrair os conteúdos a partir do material concreto, ampliando a interação com mundo que o rodeia, dando a ele autonomia e independência, isso sim é um processo de produção de um conhecimento significativo. Avançado na discussão entende-se que é necessário um conjunto de medidas urgentes quanto à educação brasileira como um todo: pensar para quê/quem ela serve; rever a política, o modelo como foi implantada a dita educação especial; a inadequabilidade da tripla jornada dos professores; melhores salários; revisão de currículo; adaptação estrutural dos prédios; participação efetiva da família/comu-nidade, dentre outros.

Desta forma, ao ampliar o grupo de pessoas com acesso a formação de qualidade, bus-ca-se a inclusão social, definida por Sassaki (1997) como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades “es-peciais” e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade, buscam conjuntamente equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para “todos”. Tarefa fácil? Não. Desafio de todos os que ainda acreditam na educação.

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REFERÊNCIAS

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CARMO, Waldirene R. Cartografia tátil escolar: experiências com a construção de mate-riais didáticos e com a formação continuada de professores. Dissertação de mestrado (Geo-grafia Física), Depto. de Geografia. FFLCH - USP. 2010

DIAS, Genebaldo F. Educação ambiental: princípios e práticas. São Paulo: GAIA. 1994.

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SASSAKI, Romeu K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

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CONTRIBUIÇÃO À CARACTERIZAÇÃO DAS SUB-REGIÕES DO pANTANAL

CONTRIBUICIÓN A LA CARACTERIZACIÓN DE LAS SUBREGIONES DEL PANTANAL

CONTRIBUTION TO THE CHARACTERIZATION OF PANTANAL’S SUB-REGIONS

Camila Leonardo MiotoGraduanda em Engenharia Ambiental

da UFMS Campo Grande (MS)[email protected]

Antonio Conceição paranhos FilhoProf. Dr. da Universidade

Federal de Mato Grosso do SulBolsista de Pós-Doutorado Sênior -

CNPq - Instituto de Geociências - [email protected]

Edilce do Amaral AlbrezMestranda do programa de

Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais - CCET – UFMS

[email protected]

Resumo: Este trabalho pretende mostrar a utilidade das imagens obtidas pelo sensor WFI, do satélite CBERS-2B na análise e delimitação das sub-regiões do Pantanal através de fotoin-terpretação. É importante notar que este sensor consegue captar todo o Pantanal em uma única visada, ou seja, em uma mesma data, portanto são eliminadas as variações sazonais presentes em outros sensores, melhorando o produto obtido. As informações foram obtidas através da análise de imagens utilizadas em uma composição falsa-cor R: Vermelho, G: In-fravermelho Próximo, B: NDVI. Este índice forneceu informações numéricas que também foram analisadas. Optou-se pela delimitação das regiões do Pantanal através da imagem da época da cheia e os limites do Pantanal obtidos foram comparados com outras delimitações existentes. Como referência, os valores de NDVI das imagens WFI foram comparados com os valores de imagens MODIS. Os resultados mostram os limites de 18 diferentes sub-regi-ões, totalizando uma área de 140.640 km² de Pantanal, valores diferentes dos encontrados na literatura. Todas as regiões apresentaram valores médios do NDVI maiores para a época de cheia em relação à época de seca.

palavras-chave: Geotecnologias; Pantanal; CBERS-2B; WFI; NDVI.

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Resumen: Este trabajo tiene como objetivo mostrar la utilidad de las imágenes obteni-das por el sensor WFI (reproductor de imágenes de amplio campo de visada), del satélite CBERS-2B (Satélite de recursos Terrestres China-Brasil) en el análisis y delimitación de las subregiones del Pantanal a través de la fotointerpretación. Es importante notar que este sensor consigue captar todo el Pantanal en una única visada, o sea, en uma misma fecha, por lo tanto son eliminadas las variaciones sazonales presentes en otros sensores. Las infor-maciones se obtuvieron mediante el análisis de las imágenes utilizadas en una composición en falso color R: Rojo, G: Infrarrojo Próximo, B: NDVI (Índice de Vegetación de Diferen-cia Normalizada). Este índice ha proporcionado informaciones numéricas que también se analizaron. Se optó por la delimitación de las zonas del Pantanal a través de la imagen de la temporada de inundaciones y los límites del Pantanal obtenidos se compararon con otros existentes. Como referencia, los valores de NDVI de las imágenes WFI fueron comparadas con los valores de las imágenes MODIS (Espectrorradiómetro de imágenes de resolución moderada). Los resultados muestran los límites de 18 diferentes subregiones, totalizando un área de 140.640 km ² de Pantanal, valores diferentes a los encontrados en la literatura. Todas las regiones mostraron valores medios de NDVI mayores para la temporada de lluvias en comparación con la temporada seca.

palabras clave: Geotecnologías; Pantanal; CBERS-2B; WFI; NDVI

Abstract: This paper intends to show the utility of WFI sensor images, gathered from CBER-2B satellite on the analysis and delimitation of the Pantanal sub-regions throughout photointerpretation. It’s important to notice that this sensor can capture the whole Pantanal in one view, that is, at once, therefore the sazonal variations, existent in other sensors, are eliminated, improving the obtained product. The information was gathered from the analy-sis of false color compositions imagens R: Red, G: Near Infrared, B: NDVI. This index also gave numerical information, also analysed. It have been chosen for the delimitation over the flood season images and the limits obtained have been compared to others on the literature. As reference, the NDVI values from WFI images have been compared to MODIS images values. The results show 18 different sub-regions, totalizing 140,640 Km² of Pantanal area, differing from the literature. All regions present mean values of NDVI higher to the flood season then on the dry season.

Keywords: Geotechnologies; Pantanal; CBERS-2B; WFI; NDVI.

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INTRODUÇÃO

O Pantanal corresponde a uma extensa superfície de acumulação, de topografia plana, tendo suas cotas altimétricas oscilando entre 80 e 150m (ADÁMOLI, 1986), como consta na figura I.

A inundação dessa região ocorre devido ao acúmulo de águas pluviais, pelo aporte de água proveniente do planalto adjacente, pelo lento e difícil escoamento superficial dos rios, corixos e vazantes que extravasam e pela elevação do lençol freático (VILA DA SILVA, 1995). Segundo Adámoli (1995) o regime de inundações é o fator ecológico fundamental do Pantanal e determina os pulsos dos principais processos bióticos e abióticos, bem como as composições especificas das unidades de paisagem.

A compreensão deste sistema é importante, pois caso seja alterada a dinâmica de escoa-mento das águas, os canais naturais tendem a perder sua capacidade hidráulica de transpor-tar sedimentos trazidos em suspensão. Além disso, pode haver deficiência de nutrientes no solo, com prejuízos para as pastagens nativas e à pecuária, ou ainda a erosão dos solos com reflexos nas atividades econômicas regionais, ameaçando o equilíbrio geral deste ecossistema (ALVARENGA et al., 1984).Figura I - Regiões Fisiográficas do Pantanal

Fonte: modificado de PCBAP (1997).

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Considerando que para conservar é preciso conhecer, também se faz necessário definir o espaço geográfico para planejar. Isto é condição básica para que se possa estabelecer qual-quer ação normativa ou legislativa para uma região (VILA DA SILVA & ABDON, 1998). Entretanto, para o Pantanal brasileiro não há uma base delimitada fisicamente, já que seu contorno não é claro, principalmente nas áreas de contato entre planalto e planície.

Além da complexidade na delimitação do Pantanal, existe também a problemática da identificação das sub-regiões do Pantanal. Embora toda planície pantaneira tenha uma gê-nese regional comum e seja caracterizada pelo processo de alagamento, alguns detalhes con-ferem características distintas a cada subunidade, subdividindo o Pantanal Brasileiro em diversos ”Pantanais”. Cada um deles é individualizado por características naturais próprias, como vegetação, umidade, processo de sedimentação. Entretanto discordâncias aparecem quando se fala dos limites de cada área, já que cada autor delimitou essas sub-regiões de acordo com o critério e a metodologia estabelecidos por si.

A consistência e o detalhamento do mapeamento são proporcionais à importância e ao número de fatores utilizados na delimitação, uma vez que o simples fato de atribuir importância maior ou menor a determinado critério, ou ainda, a um único elemento fisio-gráfico provoca alterações nos níveis de detalhes e contornos obtidos (VILA DA SILVA & ABDON, 1998). Isto pode provocar agregação ou desagregação de áreas que determinam outras sub-regiões, ou seja, um contorno que antes era mal definido pode passar a ser facil-mente reconhecido por uma mudança abrupta na feição do terreno, ou vice-versa.

Na tabela I apresenta-se um resumo dos principais estudos relacionados com a delimi-tação fisiográfica do Pantanal.

Vários estudos relacionados à identificação e mapeamento da vegetação têm se baseado na premissa de contraste espectral entre a refletância da vegetação e os elementos de fundo da cena (ROUSE et al., 1974). A combinação entre a reflectância da vegetação nas faixas espectrais do vermelho e do infravermelho próximo tem sido denominada índice de vege-tação, sendo um dos mais conhecidos o Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (Normalized Difference Vegetation Index: NDVI).

O Índice de Vegetação por Diferença Normalizada tem sido amplamente utilizado por proporcionar um forte sinal da vegetação e oferecer um bom contraste com outros objetos da superfície terrestre (TUCKER & SELLERS, 1986).

Os valores de NDVI oscilam entre -1 e +1, que correspondem às características de es-tresse hídrico (próximo a -1) a uma vegetação exuberante (próximo a +1). Assim, os valores negativos significam perturbações de nuvens na atmosfera e próximos de zero representam solo nu ou sem vegetação. Quanto maior esse valor, maio incidência de verde.

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Tabela I - Estudos relacionados com a delimitação fisiográfica do Pantanal

Autor Critérios adotados Material utilizado Número de sub-regiões Área (Km2)

Stefan (1964) Não especificado Não especificado Não analisado 156.298

Brasil (1974)Curvas de nível (200 m)

e Aspectos geomorfológicos

Cartas topográficas na escala de 1:250.000 e fotografias aéreas Não analisado 168.000

Sanchez (1977) Geomorfológico, hidrológico e fluviomorfológico

Imagens de Radar na escala de 1:250.000 e cartas topográficas na escala de 1:100.000

17 Não quantifi-cada

Brasil (1979) Geomorfológico, hidrológico e fluviomorfológico

Imagens de Radar na escala de 1:250.000 e cartas topográficas

Na escala de 1:100.000

15 139.111

Franco & Pinheiro

(1982), Alvarenga

et al. (1982)

Geomorfológico, fatores

morfogenéticos e cartas

topográficas (altimetria

relativa, litologia e pedologia)

Imagens de radar na escala 1:250.000 13 136.738

Adámoli (1982) Fitogeográfico e hidrológico

Estudos anteriores EDIBAP. Ima-gens do LANDSAT-MSS nas esca-las de 1:250.000 e

1:1.000.000

10 139.111

Alvarenga et al. (1984)

Geomorfológico e aspectos es-truturais topográficos, hidroló-gicos, morfológicos, pedológi-cos e de estrutura vegetal

Imagens de Radar na escala de 1:250.000. Imagens de LANDSAT--MSS nas escalas de 1:500.000 e 1:1.000.000

12 133.465

Amaral Filho (1986) Pedológico e Hidrológico

Estudos anteriores

(RADAMBRASIL) e imagens de Radar na escala de 1:250.000

6 (regime de inundação) 153.000

Mato Grosso do Sul (1989) 14

Vila da Silva & Abdon (1998)

Aspectos fisiomorfológicos e geopolíticos

Estudos Anteriores, GPS e ima-gens Landsat TM na composição colorida, escala de 1:250.000

11 138.183

Fonte: Vila da Silva (1995).

Nesse contexto, com o presente trabalho, espera-se contribuir para a discussão sobre as diferentes subdivisões do Pantanal, suas caracterizações e limites, através da elaboração do mapeamento dos diferentes pantanais tendo como ferramenta básica produtos de senso-riamento remoto, como imagens de grande amplitude, em especial o sensor WFI, além do índice de vegetação.

Desse modo, pretende-se mostrar a utilidade das imagens obtidas pelo sensor WFI (Imageador de Amplo Campo de Visada), satélite CBERS-2B (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), na delimitação das sub-regiões do Pantanal brasileiro, valendo-se da fotointerpretação de dados advindos do sensoriamento remoto. É importante notar que o diferencial do presente trabalho é utilizar um sensor que consegue captar todo o Pantanal em uma única visada, ou seja, em uma mesma data, portanto são eliminadas as variações sazonais presentes em outros sensores, melhorando o produto obtido.

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Como parâmetro de comparação e avaliação do potencial de utilização do sensor WFI, também se deseja realizar a comparação dos seus valores de NDVI com aqueles obtidos em imagens dos Satélites TERRA e AQUA, sensor MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectrometer), o qual também apresenta um amplo campo de visada e resolução espacial semelhante a do sensor WFI (250 metros no MODIS, contra 260 do WFI).

METODOLOGIA DE TRABALHO

Para a delimitação das regiões do Pantanal, foi utilizada a fotointerpretação de imagens do satélite CBERS-2B, sensor WFI. As imagens utilizadas foram adquiridas de forma gra-tuita pelo site do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Através de observações, foram selecionadas as imagens que apresentavam a menor cobertura de nuvens, durante as épocas de cheia e seca do Pantanal.

Para a época de cheia, foram escolhidas imagens datadas no dia 07 de junho de 2008, com as órbitas-pontos 165/116 (INPE, 2008a) e 165/124 (INPE, 2008b), aqui demonstra-do pela figura II. Para a época de seca foram utilizadas imagens datadas no dia 24 de agosto de 2008, com as órbitas-pontos 165/116 (INPE, 2008c) e 165/124 (INPE, 2008d). Como o sensor WFI é capaz de imagear grandes áreas em apenas uma cena (cerca de 900 km de largura), foram necessárias apenas duas cenas (de mesma data) para se obter uma imagem que contemplasse toda a área da planície.Figura II - Imagem WFI da região do Pantanal, época de cheia (07/06/2008). Limite de Pantanal obtido neste trabalho.

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Todo o processamento e extração de informações das imagens foram realizados no sof-tware Geomatica Focus (PCI, 2009) O primeiro procedimento a ser realizado após a aqui-sição das imagens foi a junção da banda espectral do vermelho (0,63 - 0,69 µm) com o infravermelho próximo (0,77 - 0,89 µm) em uma única imagem. E através de uma operação matemática, Equação 1, entre estas duas bandas, gerou-se o NDVI. Assim, estas três bandas foram unidas em uma única imagem, para sua análise em uma composição falsa-cor (R – NDVI, G – Infravermelho próximo, B – Vermelho).

NDVI = R2 - R1 (1) Sendo R1 – a banda do Vermelho; R2 – a banda do Infravermelho Próximo, (ROUSE

et al., 1974).R2 + R1

Com as imagens já compostas pelas três bandas, a próxima etapa foi a união das duas cenas que compõem o Pantanal, através da utilização da técnica de mosaico, embora seja um mosaico, a cena resultante representa a mesma órbita e data de passagem, se diferenças de fenologia na cobertura vegetal. As imagens foram georreferenciadas para que fosse pos-sível sua união e futura sobreposição para comparação e reprojetadas para UTM, Zona 21 (datum WGS84).

Para o traçado dos limites optou-se pela utilização da imagem da época da cheia, con-siderada a época que melhor representa a região devido ao fenômeno natural da inundação de sua planície e, portanto, marcando bem seus limites.

Através da observação das diferenças de contraste/brilho, textura e padrões, vegetação, inundação e solo, foram fotointerpretados os diferentes limites, conseguindo, desta manei-ra, individualizar cada uma das diferentes sub-regiões do Pantanal. Para cada uma delas foi criado um vetor de área de interesse, delimitando-a e obtendo-se seu valor de área. Estes li-mites foram então sobrepostos à imagem da época da seca para comparação. Com os vetores dos limites estabelecidos e com as imagens processadas, foram recortadas as diversas regiões e observados os valores de NDVI de cada área separadamente, tanto para a época da cheia quanto de seca.

Através das datas das imagens WFI foram obtidas as imagens MODIS com data o mais próximo possível das imagens WFI e com a menor cobertura de nuvem possível. Assim, através do site da NASA (National Aeronautics and Space Administration), foram adquiridas imagens MODIS datadas de 09 de junho de 2008, época da cheia, e de 28 de agosto de 2008, época da seca. Sendo que, diferentemente da WFI, este sensor necessita apenas de uma cena para imagear toda a extensão do Pantanal.

Do mesmo modo que foi realizada a união das bandas espectrais do vermelho e do in-fravermelho próximo nas imagens WFI, foi feito com as imagens MODIS. Assim como a operação matemática, gerando-se o NDVI e a união das três bandas em uma única imagem. Entretanto, para tais imagens não há a necessidade de georreferenciamento pelo fato das MODIS já se encontrarem georreferenciadas e ortorretificadas, facilitando o trabalho.

Os limites adquiridos através das imagens WFI foram sobrepostos às imagens MODIS,

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sendo recortadas as áreas de interesse e verificados os valores de NDVI, tanto para a época de cheia como de seca, sendo comparados então aos valores encontrados nas WFI.

Outra importante observação é que embora Goltz et al (2005) tenham utilizado o pro-grama 6S (Second Simulation of the Satellite Signal in the Solar Espectrum), (VERMOTE et al, 1997), para realizar a correção atmosférica em imagens WFI. Porém o fizeram somente em uma área de estudo relativamente pequena, sendo os cálculos feitos pixel a pixel, manu-almente, já que o 6S ainda não foi implementado para as imagens WFI. Como neste traba-lho a área utilizada é muito extensa, tornou-se inviável realizar o cálculo manualmente, não sendo possível então realizar a correção atmosférica nas imagens WFI utilizadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Pantanal obtido neste trabalho foi delimitado e quantificado em 140.640 km². Com a utilização de imagens CBERS - 2B, sensor WFI, na composição RGB 321, sendo 3 a banda espectral referente ao NDVI, 2 a banda do infravermelho próximo e 1 a banda do vermelho, para a época de cheia da região do Pantanal brasileiro, obteve-se os limites de 18 distintas sub-regiões, conforme a figura III.

A nomenclatura das regiões foi obtida observando-se os nomes clássicos de estudos anteriores. É importante ressaltar que o limite de Pantanal adotado ultrapassou o limite territorial brasileiro, ou seja, não se atentou somente à delimitação do Pantanal brasileiro e sim até a região do Nabileque/Chaco, adentrando a Bolívia e o Paraguai.

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Figura III - Limites do Pantanal, época de cheia (07/06/2008)

Fonte: sobre imagem CBERS-2B, sensor WFI.

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A tabela II relaciona os valores em área das regiões encontradas no presente estudo.Tabela II - Participação, em área, das regiões da planície pantaneira

Nome Área (km²) Porcentagem (%)Alto Barão de Melgaço 3986 3%

Apa-Amoguijá-Aquidabã 5045 4%

Aquidauana 2186 2%

Baixo Barão de Melgaço 9308 7%

Cabeceira do Pantanal 6272 4%

Cáceres 13866 10%

Canoeira 1897 1%

Entorno Pantaneiro 2491 2%

Miranda-Abobral 7300 5%

Nabileque 8972 6%

Negro 2051 1%

Nhecolândia 20210 14%

Paiaguás 18430 13%

Paraguai 3015 2%

Poconé 13193 9%

Taboco 2168 2%

Taquari 12178 9%

Tuiuiu 8072 6%

Pantanal 140640 100%

Comparando-se os limites obtidos neste trabalho com os limites obtidos nos trabalhos descritos na tabela I (ver introdução), pode-se observar que os limites não coincidem, va-riando-se em número e em área de autor para autor. Isto ocorre pelo fato de cada autor uti-lizar um critério específico, escolhido de acordo com aquilo que considerava mais relevante, sejam os aspectos hidrológicos e/ou geomorfológicos, ou qualquer outro. Outro fato que também interfere nas delimitações é considerar ou não o limite territorial brasileiro. Vila da Silva & Abdon (1998), por exemplo, delimitou o Pantanal apenas no território brasileiro.

Através da sobreposição dos limites na imagem da época da seca, figura IV, observou-se que existem pequenas diferenças quando comparada à imagem da época de cheia. Interna-mente algumas regiões aumentaram em função da redução de outras. Entretanto nos limites externos não foi observada mudança significativa, permitindo considerar que este domínio apresenta sua dimensão real durante a época da cheia.

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Figura IV - Limites do Pantanal, época de seca (24/08/2008)

Fonte: sobre imagem CBERS-2B, sensor WFI.

Para as imagens WFI, os valores de NDVI para cada região apresentam variações da época de cheia para a época de seca do Pantanal, conforme a tabela III e figura V.

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Tabela III - Valores do NDVI (WFI) para cada região do Pantanal, cheia e seca.

RegiãoNDVI (cheia) NDVI (seca)

Redução do NDVI

(%)Mín Máx Méd Mín Máx Méd

Alto Barão de Melgaço -0,257 0,661 0,279 -0,269 0,523 0,168 40%Apa-Amoguijá-Aquidabã -0,238 0,546 0,238 -0,302 0,458 0,098 59%Aquidauana -0,203 0,6 0,332 -0,2 0,491 0,23 31%Baixo Barão de Melgaço -0,237 0,594 0,225 -0,275 0,497 0,099 56%Cabeceira do Pantanal -0,564 0,541 0,203 -0,365 0,532 0,097 52%Cáceres -0,628 0,551 0,142 -0,667 0,509 0,034 76%Canoeira 0,452 0,656 0,257 -0,156 0,525 0,239 7%Entorno Pantaneiro -0,25 0,609 0,247 -0,248 0,485 0,075 70%Miranda-Abobral -0,411 0,6 0,222 -0,357 0,593 0,165 26%Nabileque -0,417 0,631 0,13 -0,389 0,478 0,028 78%Negro -0,268 0,529 0,223 -0,22 0,497 0,16 28%Nhecolândia -0,52 0,577 0,182 -0,351 0,498 0,102 44%Paiaguás -0,31 0,555 0,188 -0,253 0,494 0,076 60%Paraguai -0,5 0,633 0,216 -0,5 0,488 0,119 45%Poconé -0,662 0,641 0,323 -0,533 0,553 0,252 22%Taboco -0,196 0,537 0,262 -0,207 0,556 0,148 44%Taquari -0,476 0,689 0,177 -0,302 0,492 0,128 28%Tuiuiú -0,571 0,752 0,243 -0,568 0,61 0,154 37%

Pantanal -0,662 0,752 0,210 -0,667 0,610 0,117 44%

Figura V - Variação dos valores de NDVI, da cheia e da seca

0

0,05

0,1

0,15

0,2

0,25

0,3

0,35

cheia

seca

Fonte: sensor WFI.

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Em relação ao Índice de Vegetação Normalizada extraído das imagens WFI, verificou--se que os valores médios de NDVI da imagem da época da cheia foram maiores do que os valores médios da época da seca, comprovando que durante a época da cheia a vegetação é densa, úmida e bem desenvolvida, diferentemente do regime de estresse hídrico da época da seca. A região que apresentou maior variação do índice foi a do Nabileque, com redução do NDVI de 78% da época de cheia para a época de seca. Já a região que apresentou a menor variação foi a de Canoeira, com redução de 7% do NDVI de cheia para seca.

Para as imagens MODIS, os valores de NDVI para cada região estão dispostos na tabela IV, figura VI.Tabela IV - Valores do NDVI (MODIS) para cada região do Pantanal, cheia e seca

RegiãoNDVI (cheia) NDVI (seca)

Redução do NDVI

(%)Mín Máx Méd Mín Máx Méd

Alto Barão de Melgaço -0,236 0,862 0,661 -0,026 0,818 0,527 20%Apa-Amoguijá-Aquidabã -0,273 0,823 0,636 -0,111 0,8 0,473 26%Aquidauana-Miranda 0,055 0,859 0,709 0,073 0,825 0,614 13%Baixo Barão de Melgaço -0,130 0,913 0,61 0,017 0,813 0,462 24%Cabeceira do Pantanal -0,333 0,853 0,602 -0,2 0,849 0,489 19%Cáceres -0,579 0,886 0,541 -1 0,818 0,458 15%Canoeira 0,28 0,864 0,684 0,202 0,821 0,597 13%Entorno Pantaneiro 0,165 0,846 0,621 0,204 0,747 0,422 32%Miranda-Abobral -0,428 0,846 0,624 -0,2 0,831 0,543 13%Nabileque -0,333 0,891 0,52 -0,2 0,816 0,464 11%Negro 0,274 0,824 0,634 0,222 0,795 0,523 18%Nhecolândia -0,333 0,1 0,599 -0,062 0,795 0,474 21%Paiaguás -0,179 0,838 0,597 -0,042 0,828 0,448 25%Paraguai -0,167 0,862 0,624 -0,304 0,806 0,586 6%Poconé -0,636 0,857 0,696 -0,409 0,867 0,629 10%Taboco 0,2 0,832 0,666 0,27 0,8 0,513 23%Taquari -0,111 0,9 0,597 -0,222 0,822 0,539 10%Tuiuiú -0,538 0,875 0,631 -0,556 0,885 0,544 14%

Pantanal -0,636 1 0,609 -1 0,885 0,504 17%

Os valores médios de NDVI obtidos nas imagens MODIS também foram maiores na época da cheia em relação à época da seca. Entretanto, a região que apresentou maior redu-ção do NDVI foi a do Entorno Pantaneiro, com 32%. E a região de menor variação foi a do Paraguai, com 6% de redução. A região do Baixo Barão de Melgaço apresentou o maior índice durante a época de cheia.

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Figura VI - Variação dos valores de NDVI, da cheia e da seca

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

cheia

seca

Fonte: sensor MODIS.

Pode-se notar que os valores obtidos por meio dessa imagem diferem significativamen-te dos valores extraídos das imagens WFI. Essa diferença é justificada principalmente pelo fato de que as imagens MODIS apresentam correção atmosférica, enquanto que as WFI não apresentam. O processo de correção atmosférica pode ser realizado com imagens WFI, entretanto nesse trabalho é inviável devido ao tamanho da região de estudo. Porém deve-se considerar que, ao se referirem a uma mesma cena, de mesma data e assim condições atmos-féricas, os valores obtidos nas imagens WFI podem ser comparados entre si, permitindo a análise entre diferentes regiões pantaneiras para a data de aquisição dos dados.

CONCLUSÕES

Através da fotointerpretação das imagens do satélite CBERS-2B, sensor WFI, foram identificadas 18 diferentes sub-regiões do Pantanal, obtendo-se uma área total de 140.640 km² distribuídos em três países: Brasil, Bolívia e Paraguai. A maior região delimitada foi a região da Nhecolândia e a menor, a de Canoeira.

Em relação ao Índice de Vegetação Normalizada extraído das imagens WFI, verificou-se que os valores médios de NDVI da imagem da época da cheia foram maiores do que os valo-res médios da época da seca, comprovando que durante a época da cheia a vegetação é densa, úmida e bem desenvolvida, diferentemente do regime de estresse hídrico da época da seca.

Os valores médios de NDVI obtidos nas imagens MODIS também foram maiores na época da cheia em relação à época da seca. Entretanto, a região que apresentou maior redu-

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ção do NDVI foi a do Entorno Pantaneiro, com 32%. E a região de menor variação foi a do Paraguai, com 6% de redução. A região do Baixo Barão de Melgaço apresentou o maior índice durante a época de cheia.

Como já observado, os valores de NDVI obtidos através das imagens WFI são dife-rentes daqueles obtidos através das imagens MODIS. Isto se deve principalmente ao fato das imagens MODIS já apresentarem correção atmosférica, enquanto as imagens WFI, não apresentam. Porém deve-se considerar que, ao se referirem a uma mesma cena, de mesma data e assim condições atmosféricas, os valores obtidos nas imagens WFI podem ser com-parados entre si, permitindo a análise entre diferentes regiões pantaneiras para a data de aquisição dos dados.

O resultado do trabalho demonstrou a confiabilidade e o elevado potencial de uso para análise ambiental do sensor CBERS - WFI.

REFERÊNCIAS

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INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Imagem de Satélite. CBERS 2B – Sensor WFI. Canais 1 e 2. São José dos Campos. Órbita 165 ponto 124. De 07 de Junho de 2008 (b). Disponível em: http://www.dgi.inpe.br/CDSR/. Acesso em 28 fev. 2011.

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Imagem de Satélite. CBERS 2B – Sensor WFI. Canais 1 e 2. São José dos Campos. Órbita 165 ponto 116. De 24 de Agosto de 2008 (c). Disponível em: http://www.dgi.inpe.br/CDSR/. Acesso em 28 fev. 2011.

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USO DA TERRA DOS BIOMAS BRASILEIROS E O IMpACTO SOBRE A QUALIDADE DO SOLO

USO DE LA TIERRA DE BIOMAS BRASILEÑOS Y EL IMPACTO LA CALIDAD DEL SUELO

LAND USE OF BRAZILIAN BIOMES AND IMPACT ON SOIL QUALITYRicardo Simão Diniz Dalmolin

Departamento de Solos, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)[email protected]

Alexandre ten CatenPrograma de Pós-Graduação em Ciência do Solo, UFSM

[email protected]

Resumo: O solo é um importante recurso natural que quando mal manejado pode degradar todo o ecossistema, implicando em riscos ambientais com impacto negativo para as comu-nidades rurais e repercussão no meio urbano. O solo é o principal componente na manuten-ção da qualidade ambiental com efeitos em nível local, regional e mundial. O Brasil, devido a sua dimensão continental apresenta uma variação muito grande de solos, o que implica em diferentes usos da terra. Esse texto caracteriza os principais biomas brasileiros em relação ao uso da terra e o impacto no solo e ambiente.

palavras-chave: uso da terra, biomas brasileiros, sustentabilidade, degradação do solo, im-pacto ambiental

Resumen: El suelo es un recurso natural importante que pueden degradar al mal maneja-do todo el ecosistema, que suponen un riesgo ambiental con un impacto negativo en las comunidades rurales y el impacto en las zonas urbanas. El suelo es componente principal en el mantenimiento de la calidad ambiental con efectos sobre los niveles local, regional y mundial. Brasil, por su tamaño continental tiene una gama muy grande de suelos, lo que implica diferentes usos de la tierra. Este texto cuenta con los principales biomas en relación con el uso del suelo y sul impacto en el medio ambiente.

palabras claves: uso de la tierra, biomas, sostenibilidad, degradación del suelo, impacto ambiental.

Abstract: Soil is an important natural resource that can degrade the entire ecosystem when poorly handled, resulting in environmental risks with a negative impact on rural com-munities and impact in urban areas. Soil is the main component in the maintenance of environmental quality with effects on the local, regional and global levels. Brazil, due to its continental size has a very large range of soils, which implies different land uses. This text features the major biomes in relation to land use and the impact on soil and environment.

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Keywords: land use, biomes, sustainability, soil degradation, environmental impact

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INTRODUÇÃO

O solo é um importante recurso natural que suporta a flora, fauna, atividades agro-pastoris, o armazenamento da água e as edificações do homem. O solo é considerado um componente vital para os agroecossistemas no qual ocorrem os processos e ciclos de trans-formações físicas, biológicas e químicas, que quando mal manejado pode degradar todo o ecossistema (STRECK et al. 2008), implicando em riscos ambientais com impacto negativo para as comunidades rurais e repercussão no meio urbano (REICHERT et al., 2003). Se-gundo Doran & Parkin (1994), o solo é o principal componente na manutenção da quali-dade ambiental com efeitos a nível local, regional e mundial.

Solo e terra apresentam conceitos diferentes. A FAO (1994) define o conceito de terra como um segmento da superfície do globo terrestre definido no espaço, compreendidas pelos atributos da biosfera envolvendo o clima, o solo, o relevo, o substrato geológico, a hidrologia, as populações de plantas e animais e assentamentos humanos, sendo resultado da interação passada e presente do homem com o meio ambiente. O solo, conforme EM-BRAPA (2006) pode ser considerado uma coleção de corpos naturais, constituídos por par-tes sólidas, líquidas e gasosas, tridimensionais, dinâmicos, formados de materiais minerais e orgânicos que ocupam a maior parte da superfície da terra contendo matéria viva e capaz de suportar a vegetação.

A degradação das terras é freqüentemente induzida por atividades humanas sendo que os principais contribuintes são as práticas agrícolas inadequadas, incluindo aí o pastoreio in-tensivo, a super-utilização com culturas anuais e o desmatamento. A utilização da terra com agricultura provoca conflitos com os usos naturais e merece especial atenção quando invade áreas de preservação permanente, sendo que toda forma de agricultura causa mudanças no balanço e fluxos dos ecossistemas pré-existentes.

A degradação dos recursos naturais ocorre devido ao uso não sustentável das terras. Entende-se por sustentabilidade das terras o sistema que envolve o manejo e a conservação dos recursos naturais prevenindo a degradação do solo e da água combinando tecnologias e atividades que integrem os princípios sócio-econômicos com a preocupação ambiental en-quanto propiciam suporte necessário para a satisfação continuada das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras (DUMANSKI, 1993; GREENLAND, 1994). A busca da sustentabilidade da exploração agrícola passa necessariamente pelo manejo adequado dos solos. Young (1997) destaca que o cuidado com o solo é o principal componente no manejo sustentável da terra sendo que as práticas agrícolas vêm sempre acompanhadas de alterações no meio ambiente, em menor ou maior intensidade.

O Brasil, por sua dimensão continental, apresenta uma diversidade de solos e conse-quentemente de usos da terra. O solo varia de acordo com as condições ambientais (DAL-MOLIN E PEDRON, 2004) apresentando, portanto, uma grande variabilidade espacial. Conforme Ab’Saber (2003), esses diferentes ambientes são chamados de Domínios Morfo-climáticos (ou Biomas) conforme segue: I – Domínio Amazônico – região norte do Brasil,

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com terras baixas e grande processo de sedimentação; clima e floresta equatorial; II – Do-mínio dos Cerrados – região central do Brasil, com vegetação tipo cerrado e chapadões; III – Domínio dos Mares de Morros – região leste (litoral brasileiro), onde se encontra a floresta Atlântica que possui clima diversificado; IV – Domínio das Caatingas – região nordeste do Brasil, de formações cristalinas, área depressiva intermontanhas e de clima semi-árido; V – Domínio das Araucárias – região sul brasileira, área do habitat da araucária, onde predo-minam planaltos e de clima subtropical e VI – Domínio das Pradarias – região do sudeste gaúcho (figura I).Figura I - Domínios Brasileiros (Biomas)

Fonte: Ab’Saber (2003)

De posse dessas informações, o objetivo desse trabalho é apresentar informações sobre os principais solos e os diferentes usos das terras nos biomas brasileiros e sua importância e impacto no ambiente.

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SOLOS E USO DA TERRA NOS DIFERENTES BIOMAS

DOMÍNIO AMAZôNICO

O sistema agrícola praticado pelos indígenas que constituíam a principal população da Amazônia tinha elevada sustentabilidade. O processo de destruição da cobertura vegetal tem como marco histórico importante os investimentos em infraestrutura férrea para apoiar a lo-gística da exportação da borracha. Em quatro séculos de ocupação da Amazônia, a base pro-dutiva apresentou profundas transformações, conforme os recursos naturais estavam sendo explorados, esgotados e/ou perdendo a competitividade (HOMMA, 2002).

Além disso, o processo de imigração causado em grande parte pelo desenvolvimento da agricultura e pecuária juntamente com a exploração da madeira mudou o cenário em uma área considerável da Amazônia. De acordo com Nepstad et al., (2002), a rentabilidade crescente da pecuária e das lavouras de soja na Amazônia tem aumentado a taxa de desma-tamento e impulsionado o aumento na malha viária e a conseqüente exploração de áreas até então inatingíveis. A produção de soja, que já ultrapassa áreas acima de 1/5 da Amazônia legal é que tem elevado a mudança no uso da terra, provocando um elevado desmatamento, conforme pode ser observado na figura II.Figura II - Desmatamento da Amazônia Legal (1988-2010). Sobre a linha tracejada valor médio dos últimos 23 anos

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Ano

km

²/a

no

16.749

Fonte: INPE/PRODES

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Dados do INPE indicam que somente nos meses de março e abril de 2011 houve alerta de desmatamento de 593 km2 na Amazônia, a sua maioria, 81%, no estado do Mato Grosso. De acordo com Homma (2002), o desmatamento resultante da implantação da cultura da soja, deve culminar em grandes riscos ambientais se não forem acompanhados de programas de compensação ecológica.

Os solos que predominam nessa região são Latossolos, naturalmente com baixa fer-tilidade e com teores de alumínio elevados. Por estarem em equilíbrio com a floresta, o processo de biociclagem e a alta umidade garantem a exuberância da vegetação. Em uma condição natural de não exportação, as plantas se sucedem retirando da matéria orgânica do solo os nutrientes necessários para seu crescimento e desenvolvimento. Até que, ao final de seu ciclo de vida, elas mesmas contribuam para a reposição dos nutrientes neces-sários à novas plantas.

Quando o homem interfere em um ecossistema natural com o objetivo de praticar agricultura ou intensificar a extração de produtos de interesse econômico, a reciclagem de nutrientes minerais ficará comprometida e a produção, tanto biológica como econômica, passará a ser influenciada não apenas pela disponibilidade de água e a intensidade de radia-ção solar, mas também pela disponibilidade de nutrientes fornecidos pelo solo. A mudança do uso da terra na Amazônia, substituindo a floresta por culturas como a soja ou por pasta-gem, poderá trazer impactos negativos significativos ao ambiente amazônico.

DOMÍNIO DOS CERRADOS

Menos de 20 % da área original do cerrado remanescem sendo que o restante já foi modificado, de alguma forma, pelo homem. A ocupação do cerrado foi propelida pela cons-trução de Brasília e sua infraestrutura viária, bem como, pelos incentivos para o cultivo agrícola da região na década de 60 acelerando o processo de supressão da vegetação original (PINTO, 2002). A agricultura de grande escala, inicialmente limitada por questões tecnoló-gicas, teve no conhecimento do cultivo dos solos muito intemperizados e no melhoramento vegetal o impulso que faltava para ocupar essa região central do país. Com características como período de chuva bem definido, relevo adequado, e tecnologia agrícola disponível, a área do Cerrado coloca-se como a grande fronteira agrícola do mundo, uma situação que ameaça a fauna e flora originais desse bioma a sua completa extinção.

Os solos ácidos e de baixa fertilidade predominam no Cerrado. De acordo com Macedo (1996), cerca de 48% são classificados como Latossolos, 21% como Neossolos (Neossolos Quartzarênicos e Neossolos Litólicos), 15% como Argissolos e 6% como Plintossolos, apre-sentado ainda Cambissolos, Nitossolos e Gleissolos entre outros. Os solos do Cerrado como os Latossolos e Argissolos (63% do total) não limitam o desenvolvimento radicular, e em sua maioria, tem uma elevada permeabilidade e boas características físicas. Estas características direcionaram as pesquisas à melhoria das condições químicas desses solos, além do melho-ramento vegetal e de tecnologias para a conservação do solo. De acordo com Costa et al.

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(2002), as inovações tecnológicas é que permitiram a elevada ocupação do Cerrado, antes considerada inóspita para a agricultura de grande escala.

Aja visto a importância da agropecuária praticada na região do Cerrado para o setor primário da economia e sua importância para a balança comercial brasileira, não é de se es-perar que expressivas áreas desse bioma sejam abandonadas para a recomposição dos quase 2 milhões de km² originais desse domínio. Contudo, práticas que melhorem a produção nas áreas já exploradas irão impactar na diminuição da pressão sobre as áreas que ainda restam. Além isso deve haver mais rigor para o comprimento da lei no que diz respeito à proteção das áreas de preservação permanente e de reserva legal, associado à manutenção de corredo-res ecológicos com vistas a possibilitar que fauna e flora remanescentes nas ilhas de Cerrado possam, minimamente, serem preservados.

DOMÍNIO DOS MARES DE MORROS

De acordo com Ab’Saber (2003), o domínio dos mares de morro é o meio físico, ecoló-gico e paisagístico mais complexo e difícil do país em relação às ações antrópicas. A vegeta-ção natural nessas áreas é da Mata Atlântica. A Mata Atlântica pela sua exuberância florestal atua como repositório de matéria orgânica e cicladora de nutrientes no solo. As ações das raízes além de melhorar a estrutura e porosidade do solo, o protegem da ação da chuva evi-tando a erosão.

Localizadas ao longo da costa brasileira, a mata atlântica foi o primeiro alvo da explo-ração dos colonizadores com a extração do Pau-brasil. O estabelecimento dos primeiros povoados só foi possível com a remoção da vegetação original. Com o passar dos anos e o modelo concentrador da população brasileira, foram nestas áreas que se estabeleceram as grandes metrópoles e por conseqüência a indústria. Todas demandando áreas para seu esta-belecimento, o que provocou, conforme a tabela I, seu grande desflorestamento. Tabela I - Desflorestamento da Mata Atlântica até 2010

UFMATA ATLÂNTICA

ÁREA ORIGINAL (HA) 2010 (HA) %ES 4.614.841 474.840 10,29GO 1.051.422 37.488 0,11MG 27.235.854 2.624.626 4,47MS 6.366.586 360.061 0,99PR 19.667.485 1.934.964 9,65RJ 4.394.507 807.495 18,38RS 13.759.380 1.003.728 3,53SC 9.591.012 2.149.583 22,41SP 16.918.918 2.304.840 9,27

TOTAL 103.600.005 11.697.625 11,29

Fonte: INPE

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Os solos que ocorrem nessas áreas variam de Latossolos, Argissolos, Cambissolos e Ne-ossolos, geralmente de relevos ondulados a forte ondulados e montanhosos. Nas planícies há o predomínio de Planossolos e Gleissolos. As mudanças no uso da terra são decorrentes da agricultura, substituindo a vegetação natural por lavouras de café, cana-de-açucar e culturas anuais variadas, incluindo milho, feijão, arroz, soja, entre outros.

Com o predomínio de relevo acidentado, grande parte da área é ocupado por Neos-solos. O clima tropical, com elevadas precipitações, principalmente no verão, tornam essa áreas muito instáveis e que muitas vezes sem a vegetação natural, propicia deslizamentos causando enormes prejuízos a população que moram nessa áreas. Dalmolin et al (2011a) re-tratam a importância do conhecimento do solo para evitar que tragédias nessas áreas, muitas vezes anunciadas, continuem a acontecer.

DOMÍNIO DAS CAATINGAS

A primeira atividade econômica da região, de acordo com Araújo Filho (2002), foi a pecuária por volta da ano de 1653. O semi-árido nordestino com mínimas pluviais de 350 mm e máximas de 800 mm distribuídos em curtas estações de chuva, associada a elevada evapotranspiração, apresenta baixa disponibilidade de água para as plantas.

A exploração da Caatinga pela pecuária sem considerar a capacidade de suporte e recu-peração da vegetação, o uso da madeira para produção de carvão e práticas de desmatamento e queimada pela agricultura migratória estão entre as causas da redução da vegetação natural para a sua metade (Tabela II). Tabela II - Desflorestamento da Caatinga até 2008

UFMATA ATLÂNTICA

ÁREA ORIGINAL (HA) 2008 (HA) %BA 30.096.700 15.414.600 51,22CE 14.767.500 5.886.700 39,86PI 15.798.500 4,834.000 30,60PE 8.114.100 4.336.300 53,44RN 4.940.200 2.256.000 45,67PB 5.135.700 2.335.500 45,48MG 1.110.000 573.000 51,62AL 1.300.000 1.067.300 82,10SE 1.002.700 684.000 68,22MA 375.300 123.100 32,80

TOTAL 82.641.100 37.511.600 45,39

Fonte: IBAMA/MMA

Os solos desse bioma, de acordo com Jacomine (2002) são predominantente Neosso-los (Neossolos Litólicos, Neossolos Regolíticos e Neossolos Quartzarênicos) ocupando uma área superior a 30% da região da Caatinga, seguido dos Latossolos, que ocupam aproxima-

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damente 21% da área, e de Argissolos (15%), Luvissolos (14%), Planossolos (10%) e em menor expressão os Cambissolos, Vertissolos e Chernossolos entre outros.

Os solos da região apresentam diferentes limitações ao uso agrícola sendo que a matéria orgânica é reduzida devido as altas temperatura e ao pouco aporte de material orgânico. Devido à supressão da vegetação natural, estão suscetíveis a erosão e a processos de deserti-ficação. De acordo com Jacomine (2002) a fragilidade do sistema Caatinga e o uso pouco racional a que foram submetidos os solos, grandes extensões dessa área encontram-se seve-ramente degradadas.

A generalização da agricultura irrigada como a única solução possível para a melhoria da produção de alimentos na região do semi-árido não representa uma estratégia plausível de ser posta em prática para toda a região. A irrigação constante pode conduzir a salinização e compactação. A pecuária é mais resiliante que a produção agrícola nas condições de alta variabilidade climática do semi-árido nordestino (SAMPAIO & MENEZES, 2002). Con-tudo, a grande limitação da pecuária nessa região é a falta de forragem na época seca. Entre as estratégias para contornar essa limitação está a exploração de árvores e arbustos perenes, os quais exploram camadas mais profundas do solo. Locais como vales, pés de serra e brejos de altitude com maior disponibilidade de água podem ser empregados para a prática de agricultura de sequeiro. Contudo esta forma de exploração da paisagem requer mais estudos para a identificação e localização de áreas propensas a este tipo de exploração.

DOMÍNIO DAS ARAUCÁRIAS

O domínio do Planalto das Araucárias abrange uma área de aproximadamente 400 mil km2, ocorrendo sobre Planaltos vulcânicos na Bacia do Paraná, de forma predominante, nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em altitudes acima de 500 m. Uma ampla caracterização dos solos no domínio das araucárias foi realizado por Dalmolin et al. (2011b), mostrando que nessa áreas ocorre o predomínio de Latossolos, nas áreas de relevo suave ondulado a ondulado e de Cambissolos e Neossolos em relevos mais acidentados

O processo inicial de ocupação desse bioma se deu pela retirada indiscriminada da vegetação nativa visando à exploração da madeira e o subsequente cultivo do solo. Esse último realizado sem a tecnologia e o conhecimento adequados acarretou graves problemas ambientais como a contaminação e assoreamento dos recursos hídricos da região. Com a presença de pequenas propriedades localizadas em áreas de Neossolos nas encostas, o cultivo empregando o revolvimento dos solos rasos e declivosos ocasionou a perda de fertilidade, incluindo parte da camada agricultável do solo.

Com o emprego de tecnologias importadas do hemisfério Norte, como a mecanização e o uso de agroquímicos, a poluição dos recursos hídricos e a degradação das terras caracte-rizaram as práticas agrícolas da região de Mata de Araucárias. Agravantes da situação foram as propostas governamentais de crédito para a aquisição de calcário e fertilizantes as quais vieram dissociadas de preocupações conservacionistas. Práticas como a queima dos restos de

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cultura e a ausência da rotação de culturas acarretaram a degradação química, física e bioló-gica dos solos (MUZILLI, 2002).

O resgate da qualidade do solo nesta região começou com a crise do petróleo no início dos anos 80. O enfoque reducionista de manejo do solo começou a ser questionado e vie-ram as primeiras propostas governamentais que visavam à adoção de metodologias conser-vacionistas como o plantio direto associado a outras práticas de proteção do solo. Aliado a isso, ganhou impulso a visão de que a unidade básica adequada para promover a integração de esforços e formular estratégias técnicas e políticas de uso e manejo sustentável do solo e água seria a Microbacia Hidrográfica. Essa estratégia se mostrou mais eficaz no emprego de estratégias de manejo e conservação do solo e água, uma vez que, é mais próxima da reali-dade local e regional dos agricultores, incluindo grandes, médias e pequenas propriedades (MUZILLI, 2002; AMADO E MIELNICZUK, 2002).

DOMÍNIO DAS pRADARIAS

O aspecto histórico tem grande relevância para a característica de ocupação desse ter-ritório. Com o fim do litígio entre Portugueses e Espanhóis deu-se origem aos latifúndios pastoris e as estâncias de criação com a distribuição de sesmarias de até 13.000 ha. A pecu-ária de exportação foi a primeira atividade econômica oficial da região. Em decorrência das características dos solos na região a produção agropecuária local está baseada na criação de gado e no cultivo de arroz em áreas de várzea. Essa alta especialização contribui para a fragi-lidade do modelo econômico local (AMADO & MIELNICZUK, 2002).

Almeida (2011) faz uma ampla caracterização dos solos e do ambiente do domínio das pradarias, relatando que os principais solos que ocorrem na área são Argissolos, Planossolos, Neossolos e Chernossolos, sendo que a área de campos naturais que abrange aproximada-mente 15 milhões de hectares já sofreu profundas transformações. A vegetação nativa já foi de alguma forma alterada em mais de 50% da área original. De acordo com Amado e Mie-lniczuk (2002) a pecuária emprega técnicas de baixo rendimento o qual pode comprometer a própria utilização das áreas já ocupadas devido ao reduzido investimento e a não aplicação de tecnologias adequadas, que pode implicar em degradação dos meios de produção in-cluindo o solo.

A lavoura orizícola tem importância expressiva na região dos Pampas. A possibilidade de cultivar os Planossolos da região em sistemas de irrigação com a formação de lâmina de água faz dessa área uma das mais especializadas para a produção dessa cultura. Contudo, a atividade enfrenta inúmeros desafios, como a suscetibilidade econômica ao mercado, pro-dução continuada de uma única cultura com elevados custos de produção, emissão de gases de efeito estufa e a contaminação da água de irrigação por defensivos agrícolas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, o setor agropecuário é muito desenvolvido, sendo que em 2010 o Brasil foi o terceiro maior exportador agrícola do mundo, atrás de Estados Unidos e União Europeia. Este desenvolvimento permitiu que a agricultura passasse a representar quase um terço do PIB nacional. Claro que o impacto no ambiente ocasionado pela agricultura, principalmen-te aquela desprovida de técnicas que visam proteger o ambiente, são muito grandes.

De acordo com o inventário brasileiro das emissões e remoções antrópicas de gases de efeito estufa (BRASIL, 2009), aproximadamente 75 % da emissão dos gases que causam o efeito de estufa está relacionado ao setor agropecuário e o desmatamento. O aumento desses gases na atmosfera é responsável pela elevação da temperatura média e, consequentemente, as mudanças climáticas globais (SIQUEIRA NETO et al., 2011).

É necessário manter e até aumentar a produtividade de nossas terras, sem esquecer o cuidado com ambiente e a preservação do solo e da água para as gerações futuras. O respeito a legislação, apesar de todas as falhas, deve ser intensificado, aumentando a participação e responsabilidade do poder público na condução e estabelecimento de uma política agrícola e agrária capaz de manter a produção com o menor impacto ambiental possível.

O uso da terra deve respeitar os limites que a natureza impõe e deve priorizar técnicas compatíveis com o modelo de sustentabilidade. Os levantamentos de solos devem ser in-centivados (DALMOLIN ET al., 2004), assim como as técnicas que visem o melhoramento das terras com a conseqüente diminuição dos fatores que provocam a degradação ambiental.

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RESENHA

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NIETZSCHE/DELEUZE - NATUREZA/CULTURA

ResenhadorMembros do Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas

www4.fct.unesp.br/grupos/gplg/

LINS, Daniel; OLIVEIRA, Nilson; BARROS, Roberto (orgs.). Nietzsche/Deleuze Natu-reza/Cultura. São Paulo: Lumme Editor, 2011.

O livro aqui resenhado foi organizado pelos pesquisadores Daniel Lins (Filósofo e So-ciólogo, foi professor da Universidade Federal do Ceará) e Roberto Barros (Doutor em Filosofia pela Universidade Técnica de Berlim e professor da Faculdade de Filosofia da Uni-versidade Federal do Pará), assim como pelo escritor e ensaísta, editor da revista literária Polichinelo, Nilson Oliveira (Belém, PA.), a partir dos textos dos expositores convidados para o X Simpósio Internacional Nietzsche/Deleuze, o qual se deu na cidade de Belém (PA), em maio de 2010.

O livro, assim como o Simpósio, consta com contribuições de especialistas de diferen-tes áreas do Brasil e do mundo, desde Fotografia (Patrick Pardini), Arquitetura e Estética (Eduardo Pellejero), Filosofia (Oswaldo Giacoia Junior, Tilman Borsche, Henry Burnett, Germán Meléndez, Rodrigo Nunes, Hélio Rebello Cardoso Jr., entre outros), Antropolo-gia (Dorothea V. Passetti) e Artes Cênicas (Charles Feitosa). A Filosofia, em especial a de Gilles Deleuze e a de Friedrich Nietzsche, é o fator agenciador dos estudos feitos por esses pesquisadores e intelectuais convidados para publicarem nesse livro a partir da temática norteadora do evento, a qual abordava a pertinente questão da reconceituação da relação Natureza/Cultura para o mundo atual, notadamente como decorrência do pensamento dos dois filósofos focados.

A ausência de geógrafos entre os nomes convidados é o que nos chama atenção, princi-palmente por se tratar da abordagem da relação Natureza/Homem (sociedade), a qual mui-tos pesquisadores em Geografia entendem ser fundamental para a evolução e a função social desse ramo científico do conhecimento humano. Foi justamente essa ausência que instigou nosso Grupo de Pesquisa a elaborar coletivamente esta resenha como forma de contribuir para um melhor entendimento desta relação, assim como da necessidade de apontar novas perspectivas para conceituar a mesma1. Explicamos tal ausência pelo fato do pensamento 1 O Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas (GPLG), reconhecido pelo CNPq, está vinculado ao Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente e atua em grande medida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (MS), trabalha com os vários expressões da linguagem geográfica nas diferentes áreas do conhecimento.

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geográfico, se não defasado, pelo menos alienado em relação as potencialidades dos estudos filosóficos que as abordagens deleuzianas, em decorrência de suas reflexões sobre os textos de Friedrich Nietzsche, potencialiam para a Geografia quanto a um outro olhar sobre essa relação natureza/sociedade.

A tradição epistemológica dos estudos geográficos parte da postura, meio que ideal-mente naturalizada no interior dos centros de pesquisas, da cisão homem e natureza, a qual se institucionalizou em duas especializações: uma área denominada Geografia Física e outra alcunhada de Geografia Humana. No interior de cada uma dessas, reverbera o aspecto on-tológico mais incômodo dessa divisão, qual seja, a cisão sujeito e objeto do conhecimento. A partir dessas duas grandes áreas, e atendendo a contínua especialização do conhecimento, temos na contemporaneidade das análises e abordagens científicas a essa dualidade o desdo-brar em várias especializações, cada uma dessas reproduzindo tal cisão a partir da especifici-dade do fenômeno estudado.

De um lado temos a Geografia Humana se especializando em Urbana, Econômica, Populacional etc., e de outro a Geografia Física em Geomorfologia, Climatologia, Hidrolo-gia etc. A questão problematizadora advém do fato de cada especialização tender a elaborar um processo metodológico próprio de como abordar o seu fenômeno estudado. A possível unidade entre as diversas especializações se daria pela generalização do referencial teórico metodológico. Dessa feita, teríamos uma epistemologia específica para a geografia humana, a qual poderia advir, por exemplo, dos estudos de base marxista ou fenomenológicos, en-quanto teríamos outra epistemologia circunscrita aos estudos físicos, podendo ser articula-dos pelos referenciais da Teoria Geral dos Sistemas ou dos estudos holísticos.

Diante disso teríamos duas ou mais ciências, pois suas epistemologias delineariam linguagens específicas, as quais atenderiam diferentes perspectivas teóricas e metodológi-cas, assim como funções e objetivos. O que se cobra perante essa confusão é uma abor-dagem ontológica capaz de manifestar uma linguagem comum que, independente do fe-nômeno estudado, estabeleceria um referencial articulador possível para se entender suas diversas especializações como fazendo parte de uma mesma perspectiva epistemológica e ontológica. Aí os textos presentes no livro aqui resenhado têm muito a contribuir para o pensamento geográfico.

Enquanto boa parte dos pesquisadores atuais tende a compreender a unidade desse co-nhecimento se dar pela uniformização teórico-metodológica, generalizando seus pressupos-tos para todos os fenômenos abordados2, os estudos e ideias elaboradas por Friedrich Niet-zsche, posteriormente aprofundadas e ampliadas por Gilles Deleuze, apontam para outra 2 É o caso do marxismo, em passado recente, assim como a Teoria Geral de Sistemas atualmente. No caso dessa última, não se percebe, por exemplo, as nuances e diferenciações que ocorrem entre a ideia de sistema aberto instaurada pelos estudos de Ludwig von Bertalanffy (General System Theory. New York: George Braziller, 1968) com a organização autopoiética dos sistemas fechados dos seres vivos elaborada por Humberto Maturana e Francisco Varelala (La Arbol del Conocimiento. Madrid: Editorial Debate, [1984] 1996), o que é bem diferente da concepção sistema de pensamento como uma imagem não orgânica ou sistêmica de se pensar o mundo de Gilles Deleuze e Felix Guattari (Qu’est-ce que la philosphie? Paris: Minuit, 1991). Ao não se perceber essas diferenças, acaba-se por reproduzir os mesmos erros de generalização teórica do passado, transformando um parâmetro com o qual se pode pensar o mundo em um modelo a ser aplicado, uniformizando estudos e soluções.

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perspectiva de abordagem. Em meio a diversidade de fenômenos que acontecem no mundo, em suas interpelações e movimentos vários e complexos, os estudos científicos podem e de-vem desenvolver metodologias próprias para a abordagem das diversas singularidades desse caos, visando atualizar suas funções e proposições; no entanto, isso não pode se perpetuar a partir de uma ontologia pautada na metafísica da cisão idealizada do sujeito que pensa um objeto pensado, não percebendo as delicadas redes, afecções e contatos que interferem mutuamente em cada corpo dessa relação, fazendo da separação entre homem e a natureza um elemento enganador, deturpador do como o mundo acontece no pensamento. Eis aí o perspectivismo, ou seja, outra perspectiva para se pensar o homem, enquanto ser da cultura, e a natureza, enquanto objeto da sensação.

O perspectivismo rompe com a lógica do pensamento que partiu o mundo em dois: Sensível e Inteligível – Natureza e Cultura. A cultura ocidental está baseada neste modelo de separação evolucionista, que distingue um mundo superior e ideal, de outro decifrável e selvagem (OLIVEIRA, in: LINS; OLIVEIRA e BARROS: 2011, p. 15).

Essa afirmação é complementada e melhor fundamentada pelo texto de Dorotheia Pas-seti, quando esclarece.

A Natureza, portanto, não pode apenas estar restrita ao o que é exterior ao homem. Assim também não se deve abordar a Cultura como oposta à Natureza. A partir disso, para pensarmos o binômio Natureza-Cultura, devemos fazê-lo por dentro: invadi-lo e descobrir que nós, os homens, somos também produto desta relação [...] de nossa ação e de nosso pensamento (in: LINS; OLIVEIRA e BARROS: 2011, p. 61).

No entanto, tal perspectiva não caminha pela reprodução das mesmas opiniões que fun-damentam as epistemologias científicas baseadas na tradição da ontologia do ser a partir da cisão metafísica do homem/natureza, como alguns entendem a superação dessa dicotomia pela ampliação em si da capacidade humana de dominar a natureza, seja pelas forças econô-micas, seja pelo respeito aos seus processos próprios, ou então pela mistificação ou idealização paradisíaca da mesma. Criar pensamentos sobre essas singularidades corporais pressupõe uma nova linguagem, outra imagem de pensamento, outra ontologia na qual o ser humano não está a priori dado, nem a natureza a ele se coloca como externalidade para o estudo e usu-fruto. Isso significa pensar de outra maneira, portanto, potencializar outros sentidos para o homem/natureza, para além daqueles que idealmente naturalizamos como únicos e possíveis.

O homem não está condenado a repetir o círculo instintivo... (como pretende o naturalismo genético contemporâneo), mas também não está condenado à liberdade (nem no sentido do voluntarismo sartreano, nem no relativismo cultural pós-moderno).... Por um lado, não há natureza humana. Há apenas meios sociais, artísticos ou políticos de satisfazer as nossas tendências, isto é, instituições ou agenciamentos coletivos que impõem ao nosso corpo, mesmo nas suas estruturas involuntárias, uma série de modelos, ao mesmo tempo que dão à nossa inteligência um saber.... Mas, por outra parte, as condições de possibilidade de essa produção de instituições, agenciamentos colectivos ou naturezas... não depende do que de humano há no homem (da tradição, da cultura, da história), mas do que de inumano escoa nele e no seu meio (PELLEJERO, in: LINS; OLIVEIRA e BARROS: 2011, p. 199).

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Assim como não há “natureza humana” a ser idealmente atingida, não podemos generali-zar uma humanização da natureza que funcione como uma projeção de nossas ideias e valores de como deve ser a esta, mesmo se pautando em uma concepção científica de natureza. O que temos de possível é um agenciamento de enunciados e corpos a delimitarem um momento político e cultural de como nos colocamos no mundo. De como lemos o mundo em nós.

Nesse aspecto, os limites de leitura, os quais ocorrem no contexto do desenvolvimen-to de cada discurso científico, tendem a ser abordados como um problema circunscrito a defasagem teórica e metodológica adotada e a solução para tal se dará pela introdução de uma nova abordagem teórica. Ao assim se preceder, nega-se a questionar a imagem de pen-samento adotada, reproduzindo a mesma cisão sujeito/objeto na solução proposta por um novo referencial teórico-metodológico. Vela-se que a ideia de homem determina a ideia de natureza para o homem, cabendo a ciência apenas atualizar os mecanismos de perpetuação dessa ideia, naturalizando-a no próprio imaginário humano. Contudo, o que os textos do livro aqui resenhado apontam é outra perspectiva de pensamento, outra linguagem para a filosofia e a ciência, outra imagem homem/natureza.

Isso é fundamental para a Geografia. Enquanto institucionalmente se insiste na divi-são física e humana, na realidade dos corpos no cotidiano da vida, a interação e contatos potencializam outra imagem para a dinâmica espacial que aí acontece. Isso não significa eliminar a busca por novas perspectivas e metodologias, pelo contrário, com a diversidade de fenômenos, esses cobram novas ferramentas e formas de abordagem, mas isso não pode se perpetuar num contexto em que se reproduzam distintas epistemologias no interior de uma mesma linguagem científica, todas se pautando numa cisão homem/natureza; independente do fenômeno observado, uma linguagem geográfica deve ser capaz de estabelecer sentidos mais próprios para os processos espaciais que acontecem imanentes aos movimentos em que a vida se dá, não importando aí se é vida humana ou inumana, se é orgânica ou inorgânica.

Essas são as ideias centrais que destacamos do livro Nietzsche/Deleuze – Natureza/Cultura, isso exige, por parte dos geógrafos, estudos futuros e mais aprofundados na direção de efetivamente terem o que falar e contribuir com a melhor compreensão dessa relação no que tange os processos espaciais daí decorrentes, para assim não ficarem restritos a um nicho intelectual que tem pouco a dizer para o mundo e as demais áreas do conhecimento, não importando qual referencial teórico esteja aplicando, mas conscientes de que exercitam um pensar/falar articulado numa linguagem geográfica comum as suas diversas especializações. Isso é um desafio, um confronto com o já dado, com as metodologias redentoras e gene-ralizantes, capazes de a tudo acomodar no interior dos limites de suas lógicas e opiniões. É exercitar o pensar diferente.

É nesse confronto com as forças no presente que lhe exigem resposta que o pensamento se deparará com o exercício, uma vez mais, da especulação para além dos limites do entendimento, da metafísica.... Porque “pensar diferente” é, necessária e inevitavelmente, experimentar-se contra os limites, tentar superá-los, tentar descobrir o que podem ter de contingente ou de (aparentemente) necessário (NUNES, in: LINS; OLIVEIRA e BARROS: 2011, p. 373).

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ENTREVISTA

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ENTREVISTA COM pROF. DR. CHARLEI SILVA.

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (MS). Coordenador do XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada (SBGFA), que se deu entre 11 a 16/07 de 2012, na UFGD, no Município de

Dourados (MS), tendo como tema maior: “Dinâmicas Socioambientais, das Inter-relações às Interdependências”.

E-L: professor, fale um pouco de sua pessoa.

CS: Nascimento: Santa Fé do Sul foi onde nasci, no dia 25 de agosto de 1969, um ano impar e de grandes transformações em vários aspectos. Minhas lembranças de infância não são de Santa Fé, mas da Zona Leste de São Paulo e de Rio Claro, local onde passei a maior parte de minha vida, lugar onde fiz minha graduação.

Origem familiar: Pouco a dizer, irmão do meio de três filhos. O primeiro a concluir um curso superior e o único a fazer um doutorado, ou, como sempre brinco “a virá dotô”. Como tantos outros filhos, estudei em escola pública toda minha vida e isso foi fundamental em minha trajetória. Meus pais, minha família, deram-me o caráter, a educação formal a possi-bilidade de ver o mundo com outros olhos e transformar minha vida e, ao mesmo tempo, daqueles que estão ao meu lado nesse caminhar, o qual acredito ainda é muito longo.

Resumo da Formação Acadêmica: A Geografia não está na minha vida por acaso, mi-nhas melhores lembranças de infância estão ligadas a ela. Diferente de muitos, não foi um grande professor de Geografia que me a apresentou, que mostrou o mundo e suas possibili-dades, sua riqueza e o rico complexo da relação do homem com a natureza. Essa pessoa foi meu pai; autodidata, meu pai foi o topógrafo mais competente que conheci, durante vinte anos ele foi funcionário da TERRAFOTO, empresa de aerolevantamentos do Estado de São Paulo, uma das únicas nos anos de 1970 e parte de 1980. Ao lado de meu pai, no exercício de seu trabalho, tive o privilégio de conhecer parte do Brasil, um Brasil desconhecido aos olhos de uma criança – talvez por isso me identifique tanto com o livro O que é ser geógrafo de Aziz Ab´Saber. A escolha pela Geografia levou-me a Presidente Prudente em 1990, onde estudei por um ano e vivi intensamente a Universidade, participando do movimento estu-dantil e conhecendo jovens pró-ativos ávidos por mudar suas vidas e o mundo. No segundo ano de graduação pedi transferência para o curso de Geografia da Unesp de Rio Claro, pois desejava especializar-me nas áreas técnicas, em Geografia Física e o curso de Rio Claro na-quele momento era mais voltado para esse campo da Geografia. Em Rio Claro também fiz meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Geociências, tendo como base a Clima-tologia. Quando terminado essa etapa, desejava aprofundar-me na parte teórica da Geogra-

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fia Física, assim participei do primeiro processo de seleção da pós-graduação em Geografia da Unicamp no ano de 2002, aprovado passei a desenvolver minha tese de doutoramento, tendo como estrutura a discussão sistêmica, a Teoria Geral dos Sistemas. Ao término do doutorado, em 2006, tive a certeza de estar preparado para o exercício da docência e da pesquisa, para os desafios que me trouxeram ao Mato Grosso do Sul, trabalhar na UFGD, o que faço desde fevereiro de 2008, no curso de graduação em Geografia e do Programa de Pós-graduação em Geografia, atuando na área de Geografia Física, tendo como campo de pesquisa a Climatologia e a Analise Sistemas Ambientais.

E-L: O que significou do ponto de vista político e acadêmico a realização do XIV SBGFA na UFGD, tanto para os rumos da Geografia Física quanto para a realidade da UFGD?

CS: A pergunta não é simples, espero dar conta das duas esferas: o político e o acadêmico. Para a UFGD, para nossos alunos de graduação e pós-graduação, foi um momento muito impar, não só pelo envolvimento com a organização, por terem a oportunidade de partici-par da construção de um projeto comum, mas por terem a oportunidade de conhecerem intelectuais de grande renome da Geografia, de conviverem com estudantes e pesquisado-res de todo o Brasil, de trocarem experiência e de vivenciarem a Geografia num contexto mais amplo que o cotidiano das aulas. O SBGFA permitiu a eles o desvelar de facetas da Geografia, seus campos de pesquisa e as possibilidades possíveis, quem dera pudéssemos oferecer isso a todas as turmas de forma periódica. Nos dias da realização do evento mui-tas descobertas foram feitas, parte delas ficará presente em suas vidas como profissionais. Ainda no âmbito acadêmico, o SBGFA permitiu que a Geografia produzida, realizada na UFGD, fosse conhecida, muitos dos pesquisadores que vieram ao evento, seja como convi-dado ou simposista, não conhecia a UFGD e a partir do evento a potencialidade existente passou a ter visibilidade e isso, sem dúvida, no que se refere à Geografia Física, foi um marco. Este Simpósio estabeleceu princípios importantes para as próximas edições, o logo utilizado e o ISSN, por exemplo, não poderão ser mais alterados, isso a fim de qualificar o evento, isso sem falar na estrutura montada para sua organização. Foram dias de grande efervescência, que só foi possível devido ao trabalho árduo de todos os docentes e acadê-micos da Geografia da UFGD.

E-L: Quais foram as principais dificuldades de organizar e sediar um evento desse tamanho numa cidade fronteiriça na periferia dos grandes centros acadêmicos brasileiros?

CS: Organizar um evento para mais de mil pessoas em qualquer lugar não é fácil, aqueles que já participaram de comissões organizadoras sabem disso. O processo para realização de um evento é muito complexo, inclui dois campos claros: um envolvendo a logística e outro a estrutura acadêmica. No caso do deste Simpósio, ficou muito claro que a estrutura criada

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pela comissão organizadora permitiu dar conta dessas duas esferas com profissionalismo e competência. Não menos importante, já havia um capital, uma experiência acumulada por parte dos técnicos, alunos e docentes na realização de eventos que foi fundamental para a realização do XIV SBGFA. Então, a maior dificuldade foi no momento da candidatura, convencer os pesquisadores presentes no XIII SBGFA, que se deu em Viçosa (MG), sobre o real potencial da Geografia de Dourados e sua capacidade de organizar o evento. Somadas todas as edições do SBGFA três décadas haviam se passado e o Centro-Oeste sediou o even-to apenas uma vez, na cidade de Goiânia em 1995. Hoje, avaliando o processo de candida-tura da UFGD, percebo que foi muito bom para todos aqueles que vieram ao XIV SBGFA.

E-L: Quais foram os avanços e contribuições que entendeu surgirem do XIV SBGFA em Dourados (MS)?

CS: A realização do XIV SBGFA foi uma decisão, um projeto dos pesquisadores da Geo-grafia de Dourados, esse registro é importante, histórico. A base desse projeto foi o forta-lecimento da graduação e da pós-graduação, o projeto previa dar visibilidade e criar condi-ções internas e externas para consolidação do Programa de Pós-Graduação em Geografia, principalmente na área de Geografia Física, que ainda tinha e tem muito por crescer e con-tribuir na UFGD. Assim, não tenho dúvidas que o grande avanço foi termos conseguido demonstrar, no âmbito nacional, que há um projeto de longo prazo que envolve a oferta de um curso de graduação e uma pós-graduação cujos princípios se baseiam na qualidade daquilo que é ofertado e o compromisso de todos os docentes no processo de formação. Isoladamente, internamente, o crescimento da Geografia Física foi exponencial depois do XIV SBGFA, muito se passou a produzir no LGF (Laboratório de Geografia Física), o resultado se materializa quando observamos o número de publicações, as monografias e as dissertações defendidas.

E-L: Quais foram os referenciais que levaram a definição do Tema “Dinâmicas Socioambientais, das Inter-relações às Interdependências” para este XIV SBGFA?

CS: Essa pergunta é de fato muito apropriada, quando o tema foi apresentado em Viçosa foi muito bem aceito, todavia, posteriormente, quando da efetivação dos trabalhos, crí-ticas isoladas e sem fundamento surgiram. A inclusão de “dinâmicas socioambientais” no contexto do tema central passou a ser questionada, condição que a Comissão Organizadora fez questão de contra-argumentar e defender a proposição da temática, isso fez com que as críticas se diluíssem na mesma velocidade que foram construídas. A proposição do tema sempre teve como fundamento e ideia de inter-relação dos fenômenos da natureza e da so-ciedade, de uma Geografia Física de fato aplicada no contexto stricto sensu. A articulação do tema dentro da UFGD partiu desse princípio, isso norteou a proposição das conferências, das mesas de debate e também os eixos temáticos. Ou seja, o princípio posto para o XIVS-BGFA foi discutir Geografia tendo como fundamento trabalhos cuja base epistemológica

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e as técnicas de analise estão dentro da Geografia Física. A Comissão Organizadora não desejava fazer do XIV SBGFA uma extensão dos eventos de climatologia, geomorfologia, cartografia, geoprocessamento, desejávamos buscar a essência da proposição do conceito de Geografia Física Aplicada, pró-ativa e capaz de contribuir com a sociedade no que diz respeito a diversas esferas e campos, principalmente no que se refere a discussão ambiental. Acredito que esse objetivo foi conseguido, ao todo foram inscritos mais de mil trabalhos, áreas que estavam distantes, pouco apareciam nas edições anteriores, como estudos de biogeografia, pedologia e cartografia se fizeram presentes e tiveram participação efetiva – condição gratificante para a organização.

E-L: por que o nome Geografia Física Aplicada? Em que essa denominação se distingue de outros tipos de Geografias Físicas ou não aplicadas?

CS: Parte da resposta dessa pergunta está na proposição do tema da edição de 2011 quando propusemos “Dinâmicas Socioambientais, das Inter-relações às Interdependências”, mas para ser mais preciso tenho que buscar o contexto histórico da primeira edição realizada em Rio Claro no início dos anos de 1980 e organizada sob a responsabilidade do Prof. Antonio Christofoletti do Departamento de Geografia da Unesp de Rio Claro. Nas conversas esta-belecidas com alguns dos fundadores do evento, ou mesmo que participaram das primeiras edições, percebeu-se que a proposta do evento sempre foi dar visibilidade ao trabalho e a rica contribuição que os estudos de Geografia Física podem dar a sociedade, indo além do acadêmico, atuando no campo do diagnóstico e da proposição, subsidiando a resolução de problemas, contribuindo muito no entendimento da relação homem-natureza. A aplica-ção de técnicas e metodologias nesse sentido torna-se um contexto importante dentro dos trabalhos apresentados no evento. Ou seja, o adjetivo “aplicada”, nesse caso, surge como a necessidade dos estudos incorporarem constantemente novas técnicas e ultrapassarem os limites postos no âmbito acadêmico.

E-L: Como entende o atual estágio da Geografia Física em relação à Geografia em Geral praticada no Brasil?

CS: Acredito que a Geografia Física se desenvolveu muito no que se refere à utilização de técnicas, tecnologias e no entendimento dos processos da natureza nas últimas quatro dé-cadas. Nesse período muito se fez, e há registro de grandes contribuições epistemológicas; além disso, a incorporação de geoestatística, princípios de modelagem, geotecnologias e a possibilidade do uso de instrumentos cada vez mais precisos e sensíveis tem dado aos pes-quisadores a condição de entender as dinâmicas da natureza em escalas de detalhes cada vez maior. A incorporação do conceito sistêmico aos estudos de Geomorfologia, Climatologia, Biogeografia e outras áreas da Geografia Física, permitiram ampliar e incluir gamas de pos-sibilidades sobre o entendimento dos processos da natureza, ao mesmo tempo a sociedade passa a ser vista como capaz de influenciar nesses processos, principalmente nas escalas do

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detalhe e semi-detalhe. Acredito que o próximo passo será ultrapassarmos os limites da TGS (Teoria Geral do Sistema) no que se refere à articulação das escalas e nos níveis de interde-pendência entre os fenômenos e os processos da natureza. Essa talvez seja a grande contri-buição no futuro. Assim temos duas condições: avanços no escopo conceitual e na aplicação de técnicas; essas sãos aspectos fundamentais em qualquer ciência que está em constante transformação. Agregado a isso, temos de ter clareza quanto a oportunidade de incluir novas ideias, novos conceitos e tantas quantas forem às possibilidades de analise, inclusive de ou-tras ciências, que não sejamos preconceituosos com o novo apenas por ser novo, que saibamos escutar e refletir.

E-L: Como analisa a contribuição da Geografia Física para a sociedade e para a prática da sala de aula no ensino básico?

CS: São duas coisas diferentes que podem a princípio parecerem uma só. No que se refere à contribuição para a sociedade as pesquisas tem sido capazes de demonstrar tão quão com-plexo são os fenômenos da natureza e como a ação humana nas escalas de detalhes e sem detalhe influenciam nesse processo. Ações mitigadoras, políticas públicas, legislação am-biental etc. muito avançaram a partir do aprimoramento e dos estudos da Geografia Física. São inegáveis as contribuições da comunidade geográfica nesse sentido. No que se refere ao ensino da geografia temos uma lacuna a ser preenchida, mas demanda entender a Geografia tendo como base aquilo que a diferencia de outras ciências correlatas: o entendimento da relação homem/natureza e sua espacialidade. A mudança assim deve ter como principio ver a Geografia como a ciência capaz de explicar a natureza e as questões ambientais além do ponto de vista social, além da crítica social, e, para isso, os egressos dos cursos de Geografia, que imediatamente serão os professores e responsáveis por atuarem no ensino básico, devem estar preparados para explicar os processos da natureza, suas dinâmicas e a interelação com os fenômenos sociais, políticos, econômicos, articulando, inserindo a espacialidade desses fenômenos de forma temporal inclusive. A contribuição da Geografia Física no ensino bá-sico dar-se-á assim no entendimento dos limites existentes na natureza e, concomitante-mente, da própria sociedade, que há uma diversidade de paisagens, que as possibilidades de exploração da natureza devem ser questionadas e entendias mais profundamente, que a ocorrência de eventos extremos e outros fenômenos naturais estão ligados a ciclos naturais que independem da ação humana, mas, suas consequências sim.

E-L: Quais são os principais nomes da Geografia Física atualmente no Brasil?

CS: Vivemos um momento em que a ciência, o ato de fazer ciência, é muito fragmentado, depende muito da capacidade do pesquisador em se articular ou fazer pesquisa integrada, em rede, isso pouco tem permitido o surgimento de geógrafos ou nomes expoentes que consigam tratar das questões geográficas como Ab´Saber ou Monteiro o fizeram, citar nomes portanto é um ato muito difícil, posso cometer equívocos ou mesmo esquecer de pesquisadores o

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que seria leviano. No contexto atual há grupos de pesquisas estão desenvolvendo excelentes trabalhos cujas contribuições para a Geografia e, em especial para Geografia Física, ficarão.

E-L: Em que a Geografia Física pode contribuir de forma mais social e política para melhor se entender a questão da Fronteira, notadamente nesse Entre-Lugar do Brasil e os demais países latinos na América do Sul?

CS: Os limites impostos pela natureza quase sempre não são os mesmos colocados pela so-ciedade. O clima, a geomorfologia, os tipos de solo, as formações geológicas, a rede de dre-nagem, a distribuição da vegetação e mesmo os impactos ambientais não são estabelecidos por limites fronteiriços rígidos e, nesse sentido, a grande contribuição está em entendermos a espacialidade desses fenômenos sobre dois aspectos: sob o ponto de vista dos seus proces-sos inerentes e da perspectiva de suas interdependências com a sociedade – esse é o grande desafio quando posto a discussão em área fronteiriça. No caso do Brasil as áreas fronteiriças não possuem estudos nas escalas de detalhe e semi-detalhe, não há se quer um banco de dados que permitam aos pesquisadores ter clareza daquilo que já foi realizado nas últimas décadas, tudo é muito incipiente. Por exemplo, não conhecemos os ritmos pluviais do Pa-raguai em detalhes, quando necessário ainda utilizamos a classificação do Koppen criada em 1920, nem mesmo sua geomorfologia em detalhe, as características da vegetação nativa e sua distribuição, ou mesmo o quanto ainda resta dessa vegetação; não há mapeamento desses aspectos, condição que também se aplica a outros países da América do Sul. Além disso, no que se refere à legislação ambiental temos outro agravante, não há um processo de articulação, a queima da mata nativa no Paraguai para abastecer as siderúrgicas brasileiras, a poluição atmosférica advinda dessa queima e a contaminação do solo e os mananciais, assim como o gerenciamento dos resíduos sólidos produzidos na área de fronteira são ques-tões inerentes aos dois países que não são abordados de forma articulada, pelo contrário, com desníveis imensos de estudos e politicas locais e nacionais. Ou seja, o conhecimento dessa realidade e a identificação dessas questões, desses problemas que são complexos, que envolvem o entendimento de aspectos da natureza e da sociedade, como se articulam e estão inter-relacionados de fato seria uma grande contribuição da Geografia Física para as próxi-mas décadas. Articularmos esses estudos no processo de formação de novos geógrafos, para melhor compreendermos aos mesmos de forma mais complexa e integrada, nos permitirá uma melhor compreensão das condicionantes que envolvem pensar, discutir e fazer Geogra-fia em área fronteiriça.

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NORMAS pARA pUBLICAÇÃO

REVISTA ENTRE-LUGAR

1 – DA REVISTA ENTRE-LUGAR:

A Revista Entre-lugar é uma publicação de caráter científico do Programa de Pós-Gra-duação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados, e tem por objetivos:

1. Divulgar e socializar a produção acadêmica voltada à Geografia e áreas afins, dis cutindo questões que tangenciam a produção do espaço geográfico, en volvendo, sobretudo, temas como território e fronteira, assim como conceitos a estes relacio-nados, contribuindo para a melhor compreensão do ensino e da pesquisa.

2. Ser um espaço de reflexão e diálogo científico-cultural, propiciando o intercâm-bio e a divulgação de produções especializadas de pesquisadores envolvidos com as questões e temas destacados no inciso anterior.

3. Incentivar a divulgação das pesquisas realizadas pelos discentes e docentes do Programa de Pós-graduação em geografia da UFGD.

2 – DA pERIODICIDADE E DAS pUBLICAÇÕES:

A Revista Entre-lugar tem periodicidade semestral, propondo-se a publicações de:

1. Pesquisas inéditas na forma de artigos ou notas, de reconhecido rigor teórico e rele-vância intelectual, científica e cultural;

2. Resenhas de livros, teses e dissertações nacionais e estrangeiras, de publicação (ou defesa, no caso de teses e dissertações) recente, de até três anos para estrangeira e dois anos para nacional;

3. Traduções de textos de pertinência científico-cultural;4. Entrevistas de cunho científico-cultural, pertinentes às temáticas abordadas;5. V. Preferencialmente 60% (sessenta por cento) dos artigos de cada número serão de

autores de outras instituições.

3 – DA ApROVAÇÃO DOS TEXTOS:

Os textos enviados serão aprovados para publicação quando atender as seguintes exigências:

1. Deve ter o parecer favorável de 2 (dois) pareceristas;2. No caso de 1 (um) parecer desfavorável, o texto será apreciado por um terceiro parecerista;

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3. Os pareceres serão devolvidos dentro do prazo estabelecido pelo(s) Editor(es) e en-viados ao(s) respectivo(s) autor(es);

4. No caso de parecer favorável à publicação com restrições, as mesmas serão justifica-das na folha de parecer, e encaminhadas ao autor;

5. Caso não haja o cumprimento das solicitações sinalizadas pelo parecerista, os textos serão recusados pela Comissão Editorial.

6. No caso de dois pareceres desfavoráveis, o texto não será publicado.7. Será sempre mantido o anonimato dos autores e dos pareceristas.8. Cada trabalho publicado dará direito a dois exemplares a seu(s) autor(es), no caso

de artigo, e a um exemplar nos demais casos (notas, resenhas, traduções).

4 – DA FORMATAÇÃO DOS TEXTOS:

I – Artigos

a. Textos, em digital, entre 15 (quinze) e 25 (vinte e cinco) páginas, em formato de página A-4, arquivo “word”, letra tamanho 12, “Time New Roman”, espaço entre linhas 1,5; com margem (direita, esquerda, superior e inferior) de 3 cm, e parágrafo de 2 centímetros.

b. O início do texto deve conter o título em português (centralizado e todo maiús culo), inglês e espanhol ou francês, seguido do(s) nome(s) do(s) autor(es), das infor ma-ções referentes à(s) instituição(ões) a que pertence(m), bem como o(s) cor reio(s) eletrônico(s) do(s) autor(es), seguido de resumos em português, inglês e es panhol ou francês, com no mínimo 10 e no máximo 15 linhas, e uma relação de 5 pa lavras--chave nas respectivas línguas dos resumos que identifiquem o conteúdo do texto.

c. É importante conter introdução e conclusão ou considerações finais; as notas de rodapé não deverão ser usadas para referências bibliográficas (esse recurso deve ser utilizado quando extremamente necessário e cada nota deve ter em torno de 3 linhas); as citações textuais longas (mais de 3 linhas) devem constituir um pará-grafo independente, com recuo de 4 cm; as menções a ideias e/ou informações no decorrer do texto devem subordinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data, página). Ex.: (SANTOS, 1996) ou (SANTOS, 1996, p. 25); caso o nome do autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses; diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data, como no exemplo: (SANTOS, 1996a), (SANTOS, 1996b); as citações, bem como vocábulos ou conceitos que não estejam em português, deverão ser oferecidas ao leitor em nota de rodapé.

d. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética, e de acordo com as normas da ABNT. Exemplos:

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– No caso de livro:

SOBRENOME, Nome. Título da obra (título em negrito e o subtítulo sem negri-to). Local de publicação: Editora, data. Exemplo: GOETTERT, Jones Dari. O espaço e o vento: olhares da migração gaúcha para Mato Grosso de quem partiu e de quem ficou. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2008. Universidade Federal da Grande Dourados Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 2, n. 3, 1º semestre de 2011 183

– No caso de capítulo de livros:

SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (Org.). Título do livro (título em negrito e o subtítulo sem negrito). Local de publicação: Editora, Data. Página inicial e página final. Exemplo: JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEIN-BERG, C. S. (Org.) Meios de comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 47-66.

– No caso de artigo:

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico (em negrito), local de publicação, volume do periódico, número do fascículo, página inicial e página final, mês(es) e ano. Exemplo: SANTOS, Douglas. Um objeto para a geografia: sobre as armadilhas que construímos e o que devemos fazer com elas. Terra Livre, Presidente Prudente, SP, v. 1, n. 30, p. 27-40, jan./jun. 2008.

– No caso de dissertações e teses:

SOBRENOME, Nome. Título da dissertação ou tese (em negrito). Local: instituição em que foi defendida, data. Número de páginas. (categoria, grau e área de concentração). Exemplo: TOSQUI, Patrícia. Construção e Ancoragem Ontológica do Vocabulário Bi-língüe do Turismo para Fins Didáticos. Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras – UNESP - Universidade Estadual Paulista, 2007. 246f. Tese (Doutorado em Letras – Lin-guística e Língua Portuguesa).

– No caso de trabalhos publicados em eventos:

SOBRENOME, Nome. Título do trabalho. In: Título do evento em maiúscula, edição, ano, local do evento, Título da obra ou Anais... (em negrito), Local da publicação, ano, página inicial e página final. Exemplo: PAIM, J.S. O SUS no ensino médico: retórica ou realidade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 33. 1995, São Paulo. Anais... São Paulo, 1995. p.5.

– No caso de documentos eletrônicos:

Seguir as mesmas orientações para artigos, acrescidas da expressão “Disponível em:” seguida endereço eletrônico (URL) consultado e da data de último acesso. Exemplo: WAG-NER, C.D.; PERSSON, P.B. Chaos in cardiovascular system: an update. Cardiovasc. Res., v. 40, p. 257-64, 1998. Disponível em: <http://www. probe.br/science.html>. Acesso em: 20 jun. 1999.

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e. Ilustrações: imagens, figuras ou desenhos devem estar em formato tiff ou jpeg, com resolução mínima de 200 dpi, tamanho máximo 16 x 20 cm, em tons de cinza, com legenda e fonte Times New Roman 9. Tabelas e gráficos torre Universidade Federal da Grande Dourados podem ser produzidos em word. Outros tipos de gráficos (pizza, evolução...) devem ser produzidos em programa de imagem (photoshop ou corel draw). Todas as ilustrações devem estar em arquivos separados e serão inseridas no sistema como documentos suplementares, com respectivas legendas e numeração. No texto deve haver indicação do local de inserção de cada uma delas.

II - Notas

a. Textos, em digital, entre 5 (cinco) e 15 (quinze) páginas, seguindo as mesmas orien-tações de formatação dos artigos.

III - Resenhas

a. Textos, em digital, entre 3 (três) a 5 (cinco) páginas, seguindo as mesmas orienta-ções de formatação dos artigos.

b. O início do texto deve conter o nome do autor(es) e o nome completo da obra re-senhada, local de publicação, editora e ano de publicação, seguido do(s) nome(s) do(s) autor(es) da resenha, das informações referentes à(s) instituição(ões) a que pertence(m), bem como o(s) correio(s) eletrônico(s) e endereço postal do(s) autor(es).

IV - Traduções

a. Textos, em digital, até 30 (trinta) páginas, seguindo as mesmas orientações de for-matação dos artigos.

b. O início do texto deve conter o título da tradução, em português e no original, o autor do texto traduzido, local, editora e data da publicação original, e o nome do(s) tradutor(s), com breves currículos.

c. Autorização dos detentores de direitos autorais para a publicação na Revista Entre-lugar.

V - Entrevistas

a. Textos, em digital, entre 10 (dez) e 30 (trinta) páginas, seguindo as mesmas orien-tações de formatação dos artigos.

b. O início do texto deve conter o título da entrevista, local e data, o nome do(s) entrevistado(s) e do(s) entrevistador(es), com breves currículos.

c. Autorização do(s) entrevistado(s) para a publicação da entrevista na Revista Entre--lugar.

VI – Os conceitos emitidos nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não implicando, necessariamente, na concordância da editora e do conselho editorial.

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5 – DO ENVIO DOS TEXTOS:

- Os textos devem ser enviados para a página da Revista Entre-Lugar: http://www.pe-riodicos.ufgd.edu.br/index.php/entre-lugar

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NORMAS pARA pUBLICACIóN

REVISTA ENTRE-LUGAR

1– DE LA REVISTA ENTRE-LUGAR:

- La Revista Entre-lugar es una publicación de carácter científico del Programa de Pos-grado en Geografía de la Universidade Federal da Grande Dourados, y tiene como objetivos:

1. Divulgar y socializar la producción académica dedicada a la Geografía y áreas afi-nes, discutiendo cuestiones relacionadas a la producción del espacio geográfico, involucrando, sobre todo, temas como territorio y frontera, bien como conceptos relacionados a estos temas, y así contribuir para la mejor comprensión de la ense-ñanza y de la investigación.

2. Ser un espacio de reflexión y diálogo científico cultural, propiciando el intercambio y la divulgación de producciones especializadas de investigadores involucrados con las cuestiones y temas destacados en el inciso anterior.

3. Incentivar la divulgación de las investigaciones realizadas por los discentes y docentes del Programa de Posgrado en Geografía de la UFGD.

2 – DE LA pERIODICIDAD Y DE LAS pUBLICACIONES:

-La Revista Entre-lugar tiene periodicidad semestral, y se propone a publicaciones de:

1. Investigaciones inéditas en forma de artigos o notas, de reconocido rigor teórico y relevancia intelectual, científica y cultural;

2. Reseñas de libros, tesis y disertaciones nacionales y extranjeras, de publicación (o defensa, en caso de tesis y disertaciones) reciente, de hasta tres años para extranjera y dos años para nacional;

3. Traducciones de textos de pertinencia científico cultural;4. Entrevistas de carácter científico cultural, pertinentes a las temáticas abordadas;5. Preferencialmente el 60% (sesenta por ciento) de los artigos de cada número será de

autores de otras instituciones.

3 – DE LA ApROBACIóN DE LOS TEXTOS:

- Se aprueba para publicación el texto enviado cuando atienda a las siguientes exigencias:

1. Debe tener evaluación favorable de 2 (dos) especialistas;

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2. En caso de 1 (una) evaluación desfavorable, el texto será analizado por un tercer especialista;

3. Se debe devolver las evaluaciones dentro del plazo establecido por el(los) Editor(es) y enviarlas al(los) respectivo(s) autor(es);

4. En caso de evaluación favorable a publicación con restricciones, se debe justificar dichas restricciones en la hoja de evaluación, y encaminarlas al autor;

5. En caso de que no haya el cumplimiento de las solicitudes apuntadas por el espe-cialista, los textos serán recusados por la Comisión Editorial.

6. En caso de que dos evaluaciones sean desfavorables, no se publicará el texto.7. Se mantendrá el anonimato del los autores y de los evaluadores.8. Cada trabajo publicado le permite al su(s) autor(es) recibir dos ejemplares, en caso

de artículo, y un ejemplar en los demás casos (notas, reseñas, traducciones).

4 – DEL FORMATO DE LOS TEXTOS:

I – Artículos

a. Textos, en digital, entre 15 (quince) y 25 (veinticinco) páginas, en formato de pá-gina A-4, archivo “word”, letra tamaño 12, “Times New Roman”, interlineado 1,5; con margen (laterales, superior e inferior) de 3 cm, y parráfo de 2 centímetros.

b. El inicio del texto debe contener el título en portugués (centrado y todo mayúscu-lo), inglés y español o francés, seguido del(los) nombre(s) del(los) autor(es), de las informaciones referentes a la(s) institución o instituciones a la(s) que pertenece(n), bien como el(los) correo(s) eletrónico(s) del(los) autor(es), seguido de resúmenes en portugués, inglés y español o francés, con el mínimo de 10 y máximo de 15 líneas, y una relación de 5 palabras clave en las respectivas lenguas de los resúmenes, que identifiquen el contenido del texto.

c. Es importante que tenga introducción y conclusión o consideraciones finales; no se deberá usar las notas a pie de página para referencias bibliográficas (se debe utilizar ese recurso cuando sea extremadamente necesario y cada nota debe tener alrededor de 3 líneas); las citas textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un párrafo independiente, con un margen de 4 cm; las menciones a ideas y/o informaciones a lo largo del texto deben subordinarse al esquema (Apellido del autor, fecha) o (Apellido del autor, fecha, página). Ej.: (SANTOS, 1996) o (SANTOS, 1996, p. 25); en caso de que el nombre del autor esté citado en el texto, se indica solamente la fecha entre paréntesis; se debe identificar por una letra minúscula después de la fecha los diferentes títulos del mismo autor publicados en el mismo año, como en el ejemplo: (SANTOS, 1996a), (SANTOS, 1996b); se debe ofrecer al lector en nota a pie de página las citas, vocablos o conceptos que no estén en portugués.

d. Se debe presentar la bibliografía al final del trabajo, en orden alfabética, y de acuer-do con las normas de la ABNT. Ejemplos:

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– En caso de libro:

APELLIDO, Nombre. Título de la obra (título en negrita y el subtítulo sin negrita). Local de publicación: Editorial, Fecha. Ejemplo: GOETTERT, Jones Dari. O espaço e o vento: olhares da migração gaúcha para Mato Grosso de quem partiu e de quem ficou. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2008.

– En caso de capítulo de libros:

APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In: APELLIDO, Nombre (Org.). Título del libro (título en negrita y el subtítulo sin negrita). Local de publicación: Editorial, Fecha. Página inicial y página final. Ejemplo: JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEIN-BERG, C. S. (Org.) Meios de comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 47-66.

– En caso de artículo:

APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Título de la publicación (en negrita), local de publicación, volumen de la publicacíón, número del fascículo, página inicial y página fi-nal, mes(es). Año. Ejemplo: SANTOS, Douglas. Um objeto para a geografia: sobre as arma-dilhas que construímos e o que devemos fazer com elas. Terra Livre, Presidente Prudente, SP, v. 1, n. 30, p. 27-40, jan./jun. 2008.

– En caso de disertaciones y tesis:

APELLIDO, Nombre. Título de la disertación o tesis (en negrita). Local: institución en que fue defendida, fecha. Número de páginas. (categoría, grado o área de concentración). Ejemplo: TOSQUI, Patrícia. Construção e ancoragem ontológica do vocabulário bilín-güe do turismo para fins didáticos. Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras – UNESP - Universidade Estadual Paulista, 2007. 246f. Tese (Doutorado em Letras – Linguística e Língua Portuguesa).

– En caso de trabajos publicados en eventos:

APELLIDO, Nombre. Título del trabajo. In: Título del evento en mayúscula, edición, año, local del evento, Título de la obra o Anales... (en negrita), Local de la publicación, año, página inicial y página final. Ejemplo: PAIM, J.S. O SUS no ensino médico: retórica ou realidade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 33. 1995, São Paulo. Anais... São Paulo, 1995. p.5.

– En caso de documentos eletrónicos:

Seguir las mismas orientaciones para artículos, añadiendo la expresión “Disponível em:” seguida de la dirrección eletrónica (URL) consultada y de la fecha del último acceso. Ejemplo: WAGNER, C.D.; PERSSON, P.B. Chaos in cardiovascular system: an update. Cardiovasc. Res., v. 40, p. 257-64, 1998. Disponível em: <http://www. probe.br/science.html>. Acesso em: 20 jun. 1999.

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e. Ilustraciones: imagénes, figuras o dibujos deben estar en formato tiff o jpeg, con resolución mínima de 200 dpi, tamaño máximo 16 x 20 cm, en tonos de gris, con subtítulo y letra Times New Roman 9. Se puede producir tablas y gráficos de barra en word. Se debe producir otros tipos de gráficos (circulares, evolución...) en programa de imagen (photoshop o corel draw). Todas las ilustraciones deben estar en archivos separados y serán inseridas en el sistema como documentos suplemen-tarios, con respectivos subtítulos y numeración. Debe haber en el texto indicación del local de inserción de cada una de ellas.

II - Notas

a. Textos, en digital, entre 5 (cinco) y 15 (quince) páginas, siguiendo las mismas orientaciones del formato de los artículos.

III - Reseñas

a. Textos, en digital, entre 3 (tres) y 5 (cinco) páginas, siguiendo las mismas orienta-ciones del formato de los artículos.

b. El inicio del texto debe contener el nombre del autor(es) y el nombre completo de la obra reseñada, local de publicación, editorial y año de publicación, seguido del(los) nombre(s) del(los) autor(es) de la reseña, de las informaciones referentes a la(s) institución o instituciones a la(s) que pertence(n), bien como el(los) correo(s) eletrónico(s) y dirección postal del(los) autor(es).

IV - Traducciones

a. Textos, en digital, hasta 30 (treinta) páginas, siguiendo las mismas orientaciones del formato de los artículos.

b. El inicio del texto debe contener el título de la traducción, en portugués y en el ori-ginal, el autor del texto traducido, local, editorial y fecha de la publicación original, y el nombre del(los) tradutor(es), con breves currículos.

c. Autorización de los poseedores de derechos autorales para la publicación en la Re-vista Entre-lugar.

V - Entrevistas

a. Textos, en digital, entre 10 (diez) y 30 (treinta) páginas, siguiendo las mismas orien-taciones del formato de los artículos.

b. El inicio del texto debe contener el título de la entrevista, local y fecha, el nombre del(los) entrevistado(s) y del(los) entrevistador(es), con breves currículos.

c. Autorización del(los) entrevistado(s) para la publicación de la entrevista en la Re-vista Entre-lugar.

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VI – Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclusiva del(los) autor(es), no implicando, necesariamente, en la concordancia de la editorial y del consejo editorial.

5 – DEL ENVÍO DE LOS TEXTOS:

- Los articulos deberán ser enviados exclusivamente por via eletrónica a través del sítio de internet: http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/entre-lugar.

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GUIDELINES FOR SUBMISSIONS

JOURNAL ENTRE-LUGAR

1 – ABOUT EntrE-lugAr JOURNAL:

- Entre-lugar is a scientific publication of the Graduation Program in Geography of the Federal University of Great Dourados (UFGD) and has as main goals:

1. Publicize and socialize the academic production concerning Geography and related are-as, discussing issues that undergo the production of the geographical space, involving, above all, themes such as territory and frontier, as well as concepts related to them, in order to contribute to a better understanding of the teaching and researching.

2. Be a space for scientific and cultural reflection and dialogue, allowing the inter-change and promulgation of specialized productions of researchers involved with the issues and themes above mentioned.

3. Stimulate the promulgation of the researches developed by the students and faculty of the Graduation Program of Geography of UFGD.

2 – ABOUT FREQUENCY AND pUBLICATION:

- Entre-lugar has semestral frequency, and is devoted to the publication of:

1. Unpublished research results in the format of papers or notes, of renowned theore-tical rigor and intellectual, scientific and cultural relevance;

2. National and international book, thesis and dissertation reviews, of recent publica-tion (or defense, in the case of theses and dissertations) of up to three years for foreign publication and two years for national publication;

3. Translation of texts of scientific and cultural relevance;4. Scientific-cultural interviews, related to the themes;5. Preferentially 60% (sixty per cent) of articles in each issue will proceed from authors

of other institutions.

3 – ABOUT ANALYSIS AND AppROVAL OF ORIGINALS:

- The submitted texts will be accepted for publication when they fulfill the following requests:

1. The text must be approved by 2 (two) reviewers;

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2. In case the reviewers have divergent opinions, the paper will be submitted to a third reviewer for arbitration;

3. III. The reviews will be delivered according to the deadlines stipulated by the Edi-torial Board and sent to the author(s);

4. If the reviewers suggest any changes or corrections, it will be assigned on a separate document and returned to the author(s). Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 2, n. 3, p. 185-188, 1º semestre de 2011. Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 2, n. 3, 1º semestre de 2011 Universidade Federal da Grande Dourados 186

5. If the changes or corrections suggested by the reviewers are not provided, the paper will be refused by the Editorial Board.

6. If both reviewers reject the paper, it will not be published.7. The review process is blind: the authors and reviewers will be anonymous.8. Each author(s) of a published paper will receive two copies of the journal in the case

of articles, and one copy in other cases (notes, reviews, and translations).

4 – INSTRUCTIONS FOR pREpARING MANUSCRIpTS:

I – Articles

a. A - Texts, in digital format, between 15 (fifteen) and 25 (twenty-five) pages, A-4 size, “word” file, “Time New Roman” type 12, space between lines 1.5 centimeters; margins (right, left, superior and inferior) of 3 centimeters, and paragraph of 2 centimeters.

b. B – The first page of the manuscript should carry the title in Portuguese (cente-red and in caps lock), English and Spanish or French, followed by the name(s) of the author(s) and their affiliate institution(s), as well as their electronic address(es) for contact. In the sequence, all originals submitted for publication must have an abstract in Portuguese, English and Spanish or French, with 10 to 15 lines, and 5 key-words in the respective languages.

c. C – The texts must contain introduction and conclusion or final considerations; the footnotes must not be used for bibliographical references (this should be used only in exceptional situations if extremely necessary and each footnote must have up to 3 lines); quotations larger than 3 lines must constitute an independent para-graph, with a tabulation of 4 centimeters; citations and/or information from other authors in the text must follow the sequence (Author’s last name, date) or (Author’s last name, date, page). Ex.: (SANTOS, 1996) or (SANTOS, 1996, p. 25); in case the name of the author is cited in the text, only the date must be indicated in pa-renthesis; different works from the same author published in the same year must be identified with a small letter after the year, as in the example: (SANTOS, 1996a), (SANTOS, 1996b); the quotations, expressions or concepts in foreign language must be explicated on a footnote;

Page 223: REVISTA ENTRELUGAR

d. D - Bibliographical references quoted must be listed at the end of the text, in al-phabetical order and in compliance with adjusted ABNT (NBR 6023) standards, as showed in the following examples.

– Books:

LAST NAME, Name. Title (only the title must be in bold – not the subtitle). City of publication: Publisher, date (year of publication). Example: GOETTERT, Jones Dari. O espaço e o vento: olhares da migração gaúcha para Mato Grosso de quem partiu e de quem ficou. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2008.

– Book chapters:

Universidade Federal da Grande Dourados Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 2, n. 3, 1º semestre de 2011 187 LAST NAME, Name. Title of chapter. In: LAST NAME, Name. (Org.). Book title (only the title must be in bold –not the subtitle). City of publication: Publisher, Date. Number of first page and last page. Example: JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. (Org.). Meios de comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 47-66.

– Articles from Journals:

LAST NAME, Name. Title. Title of journal (in bold), city of publication, volume, issue number, first page and last page, month(s). Year. Exemple: SANTOS, Douglas. Um objeto para a geografia: sobre as armadilhas que construímos e o que devemos fazer com elas. Terra Livre, Presidente Prudente, SP, v. 1, n. 30, p. 27-40, jan./jun. 2008.

– Theses and dissertations:

LAST NAME, Name. Title of thesis or dissertation. Place: institution where it was defended, date. Number of pages. Category – thesis or dissertation - (degree and concen-tration area). Exemple: TOSQUI, Patrícia. Construção e ancoragem ontológica do vo-cabulário bilíngüe do turismo para fins didáticos. Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras – UNESP - Universidade Estadual Paulista, 2007. 246f. Tese (Doutorado em Letras – Linguística e Língua Portuguesa).

– publication from Events:

LAST NAME, Name. Title of paper. In: Title of event (in capital letter), edition, year, place of event, expression Proceedings of... (in bold), city of publication, year, first page, last page. Example: PAIM, J. S. O SUS no ensino médico: retórica ou realidade. In: CON-GRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 33., 1995, São Paulo. Anais... São Paulo, 1995. p.5.

– Electronic documents:

The same guidelines for articles from journals, followed by the electronic address and date of last access. Example: WAGNER, C.D.; PERSON, P.B. Chaos in cardiovascular sys-

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tem: an update. Cardiovasc. Res., v. 40, p. 257-64, 1998. Available at: <http://www. probe.br/science.html>. Access in: 20 jun. 1999.

E - Illustrations: images, figures and drawings, created as TIFF or JPEG files should be insert on separate pages, as supplementary documents, with captions, numbering and place where they must be inserted in the text. Specifications: 200 dpi resolution in natural size, 16 x 20 cm, black and white or shades of gray. Tables and tower graphs should be created as word files. Other kinds of graph Entre-Lugar, Dourados, MS, ano 2, n. 3, 1º semestre de 2011 Universidade Federal da Grande Dourados 188 should be created from image pro-grams (corel draw or photoshop).

II - Notes

a. Texts, in digital format, between 5 (five) and 15 (fifteen) pages, according to the same guidelines of articles.

III - Reviews

a. Texts, in digital format, between 3 (three) and 5 (five) pages, according to the same guidelines of articles.

b. The first page of the manuscript should contain the name of the author(s) and the complete title of the reviewed work; place, publisher and date of publication, followed by the name of the review author(s) and information about institution affiliation(s) and postal and electronic address(es) for correspondence.

IV - Translations

a. Texts, in digital format, up to 30 (thirty) pages, according to the same guidelines of articles.

b. The first page of the manuscript should carry the title of the translation in Portuguese and the original title, the name of the author of the text, place, publisher and date of publication, as well as the name of the translator(s), followed by their short biography.

c. Authorization of the copyright owner(s) for publication in Entrelugar Journal.

V - Interviews

a. Only digitalized texts, between 10 (ten) and 30 (thirty) pages, according to the same guidelines of articles.

b. The beginning of the text must contain the title of the interview, place and date, as well as the name of the interviewee(s) and interviewer(s), followed by their short biography.

c. Authorization of the interviewee(s) for publication of the interview in Entre--lugar Journal.

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VI – The concepts, ideas and beliefs contained in the manuscripts are full respon-sibility of the author(s), and do not necessarily imply agreement of the publisher Com-pany or Editorial Board.

5 – ADDRESS FOR SUBMISSIONS:

- Papers must be sent through the Entre-Lugar Journal’s website: http://www.periodi-cos.ufgd.edu.br/index.php/entre-lugar.

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UNIVERSIDADE FEDERALDA GRANDE DOURADOS