Revista Feneis_44

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Publicação trimestral da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos N° 44 Junho-Agosto de 201 1 ISSN 1981-4615 Surdos no Planalto Quatro mil pessoas e uma agenda política intensa foram suficientes para que o centro nervoso do poder voltasse a atenção para a principal demanda dos surdos: a escola bilíngue 

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Publicação trimestral da Federação Nacional de Educação e Integração dos SurdosN° 44 • Junho-Agosto de 2011 • ISSN 1981-4615

Surdos no PlanaltoQuatro mil pessoas e uma agenda política intensa foramsuficientes para que o centro nervoso do poder voltasse aatenção para a principal demanda dos surdos: a escola bilíngue 

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 A Feneis agradece a todos osque colaboraram para o sucesso da

manifestação em defesa da escola bilínguepara surdos, realizada em Brasília nosdias 19 e 20 de maio. O nosso especialagradecimento às autoridades quetornaram possível o deslocamento de

milhares de surdos até a capital.

Movimento Surdo em Favor da Educação e da Cultura Surda

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JUN-AGO | 2011 | REVISTA DA FENEIS | 03

P  A  L  A  V R  A  D 

A  P  R  E   S  I   D E  N T  E  

Escolasbilínguespara surdos: longo caminhode lutas 

C

omeço este texto com a certeza de queestamos no caminho certo. Fomos a Bra-sília lutar pelos nossos direitos e conse-

guimos, ao menos, nos fazermos vistos e ouvi-dos. É como se despertássemos um leão dentrode nós e a vontade de lutar e de fazer justiça.A grande mobilização que a comunidade surdafez no Planalto e no Mec mostra que estamosverdadeiramente unidos no mesmo objetivo:cuidar do futuro das nossas crianças. Nesseponto, todos concordam. A escola bilíngue écomprovadamente a melhor para a socializa-ção, alfabetização e inclusão social de surdos.

Como em toda grande luta, as vitórias são sem-pre provisórias. As autoridades e a opinião pú-blica voltaram os olhos para nós, mas ainda nãotemos documentos assinados que garantam asnossas demandas. Temos vários desafos pela

frente, tanto práticos quanto simbólicos. Ainda épreciso inserir as emendas no Plano Nacional deEducação, torcer pela aprovação, lutar para a im-plementação do documento nos estados e mu-nicípios e fscalizar o cumprimento das normas.

E, ainda, precisamos mudar a concepção médi-ca da surdez aos olhos da sociedade, para queos gestores cessem de confundir escola especialcom escola bilíngue.

Reconheço o esforço dos surdos brasileiros dese deslocarem até a capital para a manifesta-ção. A minha profunda gratidão a essas pesso-as que se dedicam diariamente à nossa luta etambém às autoridades que nos apoiaram. Maspeço também que não esmoreçam. O caminhoé longo e esse despertar do movimento surdoprecisa ser permanente. Ao menor deslize, os in-teresses de um pequeno grupo sairão vitoriosos.

A edição 44 da Revista da Feneis traz um dossiêespecial sobre a manifestação e sobre os princi-pais desdobramentos da luta em Brasília. A polê-mica do surgimento indiscriminado de cursos depós-graduação em Libras também será tratadaneste número.

Avante comunidade surda!

Boa leitura!

Karin Strobel

Presidente da Feneis

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DIRETORIADiretora-presidenteKarin Lílian StrobelDiretor primeiro vice-presidentePaulo André Martins de BulhõesDiretor segundo vice-presidenteJosé Arnor de Lima Júnior Diretora administrativaShirley VilhalvaDiretor financeiro e de planejamentoJosélio Ricardo Nunes CoelhoDiretora de políticas educacionais

Patrícia Luiza Ferreira RezendeSecretárioJorge Luiz MartinsCoordenador Nacional de Acessibilidade para SurdosNeivaldo Augusto ZovicoCoordenador Nacional de Jovens SurdosRodrigo Machado

DIRETORIAS REGIONAISBelo Horizonte - MGDiretor regional: Rodrigo Rocha MaltaDiretor regional administrativo: Marcos Antônio de SousaDiretora regional financeira: Edelaine Pinto de LimaBrasília – DFDiretor regional: Messias Ramos CostaDiretora regional administrativa: Edeilce Aparecida Santos Buzar Diretor regional financeiro: Amarildo João EspíndolaCuritiba – PR

Diretora regional: Elizanete FavaroDiretora regional administrativa: Iraci Elzinha Bampi SuzinDiretora regional financeira: Márcia Eliza de PolFortaleza – CEDiretor regional: Francisco Sérvulo GomesDiretora regional administrativa: Mariana Farias LimaDiretor regional financeiro: Rafael Nogueira Machado Porto Alegre – RSDiretor regional: Francisco Eduardo Coelho da RochaDiretora regional administrativa: Vânia Elizabeth ChiellaRecife – PEDiretora regional: Patrícia CardosoDiretora regional financeira: Regilene Soares DiasRio de Janeiro – RJDiretor regional: Walcenir Souza LimaDiretor regional financeiro: Fernando de Miranda ValverdeSão Paulo – SPDiretora regional: Moryse Vanessa Saruta

Diretora regional administrativa: Sueli Okubo PaivaDiretora regional financeira: Maria Fernanda Parreira Barros

CONSELHO FISCALEfetivo1º Membro efetivo e presidente: Luiz Dinarte Farias2º Membro efetivo e secretária: Ana Regina e Souza Campello3º Membro efetivo: Antônio Carlos CardosoSuplentes1º Membro suplente: Ricardo Morand Góes2º Membro suplente: Daniel Antônio Passos3º Membro suplente: Benedito Andrade Neto 

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO José Onofre de SouzaMax Augusto Cardoso HeerenSueli da Silva Brito Flores

ENDEREÇOSFeneis Matriz – Rio de Janeiro-RJRua: Santa Sofia, 139Bairro: TijucaCep: 20540-090Tel: (21) 2567-4800 / 2567-4880Fax: (21) 2284-7462

Tdd: (21) 2568-7176

[email protected] [email protected] 

Sede Antiga (Celes-RJ)Rua: Major Ávila, 379Bairro: TijucaRio de Janeiro – RJCep: 20511-140Tel: (21) 3496-4880

ENDEREÇO DOS ESCRITÓRIOS REGIONAIS

Ceará

 Av.: Bezerra de Menezes, 549Bairro: São GerardoFortaleza - CECep: 60325-000Telefax: (85) [email protected] 

Distrito FederalSCS Qd 01 – Edifício MárciaBloco L – sala 701Brasília-DFCep: 70300-500Telefax: (61) [email protected]

Minas GeraisRua: Albita, 144Bairro: Cruzeiro

Belo HorizonteCep: 30310-160Telefax (31) [email protected] 

ParanáRua: Alferes Poli, 1.910Bairro: RebouçasCuritiba - PRCep: 80220-050Telefax: (41) 3334-6577

[email protected] [email protected]

PernambucoRua José de Alencar, 44Ed. Ambassador - Sala 04Bairro Boa VistaRecife - PECep: 50070-030Telefax: (81) [email protected]@ig.com.br 

Rio Grande do Sul Avenida Getúlio Vargas, 1181NiteróiCanoas – RSCep: 92110-330Estação do Trensurb: NiteróiTel: (51) 3321-4244Fax: (51) [email protected] 

São PauloRua das Azaléas, 138Bairro MirandópolisSão Paulo - SPCep: 04049-010Tel: (11) 2574-9148Fax: (11) [email protected] 

Assinaturas e distribuição:[email protected] 

Sugestões de pauta:[email protected] 

Artigos científicos:[email protected] 

Patrocínios:[email protected] 

    C    O    N    T    A    T    O    S

 www.feneismg.org.br

Comissão científicaGladis Perlin – Presidente – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)Emiliana Rosa – Secretária – Universidade Federal do Pampa (Unipampa)Flaviane Reis – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)Carolina Hessel – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)Heloíse Gripp – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)Mariana Campos – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

EXPEDIENTEGestão e distribuiçãoEscritório Regional de Minas GeraisRua Albita, 144, bairro Cruzeiro,Belo Horizonte-MGResponsável administrativoRodrigo Rocha MaltaCoordenação editorialPatrícia Luiza Ferreira RezendeEditora-chefeRegiane Lucas - Mtb 9.815/MGAssessoria de ComunicaçãoRita Lobato – Matriz

Assessoria de imprensaDiogo Madeira - Mtb 7.035 /RS

REVISTA DA FENEISISSN 1981-4615

TextosRegiane Lucas - Mtb 9.815/MGDiogo Madeira - Mtb 7.035 /RS Aline Diniz - Mtb 15.496/MGFoto capaFernando H. FerreiraImagensDiogo MadeiraFernando H. FerreiraProjeto GráficoThaís Magalhães AbreuDiagramação A2B ComunicaçãoThaís Magalhães AbreuRevisão de Textos

Lourdes NascimentoImpressãoEditora Rona

ERRATA

 Na reportagem intitulada “Preconceito ou desinformação?”, publicada na Revista da Feneis,nº 43, o título correto da pesquisa mencionada na página 19 é “Vozes do silêncio: juízosmorais de jovens e adultos surdos sobre situações de humilhação”.

Diferentemente do publicado na página 21 da Revista da Feneis, nº 43, a Associa-ção dos Surdos de Pernambuco (ASSPE) não faz a intermediação da compra doscelulares. Ao contrário, quem é sócio recebe gratuitamente o aparelho e apenas paga asmensalidades à operadora. O valor do sistema chega a R$ 1,8 milhões.

 E D UC AǠàO 

 D E  S U R D O S

 Anuncie na Revistada Feneis!

Circulação nacionalTemas atuais sobre surdez

Credibilidade e tradição

[email protected]

(31) 3225 0088

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 C   

A   P   A   

Um marco na história dossurdos brasileiros. Esse foio significado da manifesta-ção em defesa da educaçãobilíngue para surdos, reali-zada em maio em Brasília.O ato político e cultural

contou com o apoio popu-lar da comunidade surdade todo o país, que reuniucerca de quatro mil pessoasna capital. Confira o dossiêcompleto da mobilização eos principais desafios políti-cos a serem enfrentados deagora em diante.

08

Palavra da Presidente

Curtas

OpiniãoCapa

Feneis pelo país

Página da Filiada

Espaço Acadêmico

 Arte surda

03

06

0708

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31

Foto: Fernando H. Ferreira

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Dissertação de mestrado discute o papeldas tecnologias na vida dos surdos

Investigar os principais desaos das interações desurdos por meio de tecnologias. Esse foi o principalobjetivo da dissertação de mestrado defendida por 

Ana Cláudia Veiga de França, em março, na Uni-versidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR),de Curitiba. Intitulada Interação social de pessoassurdas no cotidiano, mediada por sistemas de produ-tos e serviços de comunicação, a pesquisa concluiuque a participação dos surdos no desenvolvimento de

 produtos e serviços de comunicação é indispensável para garantir a acessibilidade.

A pesquisa, orientada pela professora Maristela Mit-suko Ono, foi realizada por meio de entrevistas com

 pessoas surdas e ouvintes, aplicação de questionárioe observação. Ana Cláudia acredita que ainda há di-versas lacunas na acessibilidade para surdos e que suadissertação pode servir para alertar empresas que es-tejam interessadas em criar produtos e serviços paraessa parcela da população.

Intérpretes de Libras de Goiásfundam associação

Os intérpretes do estado de Goiás já contam com umaentidade representativa da classe. A Associação dos

Prossionais Tradutores/Intérpretes e Guiaintérpretesde Língua de Sinais do Estado de Goiás (APILGO)foi criada no dia 11 de março deste ano e já conta com18 associados. Uma cerimônia de fundação contoucom a presença de vários representantes do governo ede entidades e marcou o início dos trabalhos da Asso-ciação. Em seguida, durante todo o dia 12 de março,foi realizado um ciclo de palestras sobre a prossão.

A presidente da APILGO, Vanuzia Maria de Oliveira,

acredita que o trabalho da Associação pode melhorar a qualicação dos intérpretes e a defesa de melhoressalários. Ainda em fase de consolidação, a entidade

  pretende fazer uma ampla divulgação no próximoEncontro Nacional dos Estudantes de Letras (ENEL)

 para buscar novos associados.

Para se liar, basta entrar em contato pelo e-mail [email protected].

Campo Grande sediou, entre os dias 15e 17 de abril, o Encontro de FamíliasBilíngues e Amigos de Surdos de MatoGrosso do Sul, o primeiro de uma sé-rie de eventos que serão realizados emtodo o país nos próximos anos. Realiza-do pela Associação de Pais e Mestres doCeada (Centro Estadual de Atendimentoao Deciente da Audiocomunicação) e

 pela Feneis, o encontro contou tambémcom o apoio das secretarias estadual emunicipal de educação.

O evento foi transmitido on line, pelosite da Igreja Batista, e contou com pa-

lestras de Karin Strobel, presidente daFeneis, e de outros prossionais quetrabalham com surdos. Depoimentos defamiliares e atividades culturais tambémzeram parte da programação.

Segundo a diretora administrativa da Fe-neis, Shirley Vilhalva, o objetivo é pro-mover em todos os estados brasileiroseventos que reúnam as famílias de sur-dos e que promovam a troca de experi-ências daqueles que escolheram fazer dalíngua de sinais o meio de comunicaçãodos lhos. Pretende-se, ainda, promover um grande encontro nacional.

Feneis participa do primeiro evento de famíliasbilíngues do país A presidente da Feneis Karin

Strobel comentou a experiência

de adoção do filho surdo.

   A  r  q  u   i  v  o

  p  e  s  s  o  a   l

   A  r  q  u   i  v  o

  p  e  s  s  o  a   l

 

    C    U    R    T    A    S

 Ana Cláudia França, rodeada da orientadora e dosparticipantes da banca

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JUN-AGO | 2011 | REVISTA DA FENEIS | 07

   F  e  r  n  a  n   d  o

   H .

   F  e  r  r  e   i  r  a

abe aquele sentimento de identicação e sa-tisfação mútua que se observa em um gru-

  po de homens que, entre pequenas risadas esorrisos compassivos, assiste a algum deles com-

  partilhar suas conquistas sexuais? Presencia-se aíum sentimento chauvinista, de quem traz ao pre-sente a imagem arcaica do líder da horda, aqueleúnico eu que, segundo Freud, podia gozar, à custada retenção do desejo dos demais. O gozo dessesoutros era transferido: gozavam pelo gozo alheio.

Passa-se algo dessa relação interna à horda na relaçãodas civilizações modernas com suas pátrias, suas cul-turas, suas línguas. Ao seu tempo, Lênin deu a essechauvinismo nacionalista, então existente na Rússia,o nome de sentimento grão-russo. No Brasil de hoje,assistimos ao nascimento de algo parecido, a que po-deríamos nomear de sentimento grão-lusófono. O escândalo em torno do famoso livro do MEC ex-

  pressa bem esse sentimento de elevada indignaçãocontra a defesa que sua autora faz da legitimidade da

linguagem popular e do seu suposto desprezo à normaculta. Há aí um sentimento de superioridade linguís-tico-cultural, que expressa, antes de tudo, um senti-mento de superioridade social. É a fala dos de baixo,desses ignorantes e incultos, dessa gentinha incivili-zada, que não pode ser reconhecida e à qual não podeser dada qualquer legitimidade. Em outras palavras, o

 problema não é gramatical, é político.

Mas esse sentimento conservador não está apenas nosinimigos do MEC, está também em sua Secretaria deDiversidade e Inclusão (antiga Secretaria de Educa-ção Especial). O tratamento preconceituoso dispen-sado à Língua Brasileira de Sinais, o desreconheci-mento de que ela constitui uma língua, com a mesmaestrutura gramatical e cosmovisão lexical de qualquer outra, demonstra-se justamente em uma política edu-cacional que aliena as crianças surdas do aprendizadode e em sua língua natural.

O que está no fundo dessa política não é apenas a

consideração pré-saussuriana de que há línguas supe-riores e línguas inferiores (sim, para Saussure, a Li-

  bras não seria, em sua natureza linguística enquantolíngua, nem pior nem melhor do que o grego clássico

ou o francês moderno). Está aí principalmente essesentimento grão-lusófono da língua dos de cima, dalíngua culta que deve ser ensinada a esses que du-rante décadas foram forçados a falar sua língua desinais escondidos nos banheiros, por detrás das pa-redes das escolas ou naquelas associações que só po-

 bres frequenta(va)m. A Língua Brasileira de Sinais seforjou como língua histórica de uma minoria linguís-tica – sim, uma minoria linguístico-cultural – cujosdireitos, apesar de inscritos em leis, continuam sendo

cotidianamente desrespeitados. Quando os surdos exigem salas de aula e escolas bi-língues, nas quais “a Libras e a modalidade escritada Língua Portuguesa sejam línguas de instruçãoutilizadas no desenvolvimento de todo o processoeducativo” (Decreto nº 5.626/2005, art. 22, § 1º), sãochamados de “segregacionistas” pelos comissionadosdo MEC e seus seguidores. O Ministro nada faz paraconter seus subordinados; com isso, autoriza que osmínimos direitos legais dos surdos sejam cotidiana-

mente pisoteados por funcionários públicos negligen-tes de suas obrigações, permanecendo entre os ouvin-tes seus superiores uma terna complacência. Nossaelite linguística é extremamente solidária e compla-cente com seus iguais, mas extremamente intolerantecom as minorias linguísticas, seus diferentes.

Esse é o sentimento grão-lusófono, do qual agora o próprio MEC é vítima.

O sentimento grão-lusófono|Emiliano Aquino

Ouvinte, pai de surdo, professor de losoa da

Universidade Estadual do Ceará

S    O    P    I    N    I     Ã    O

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08 | REVISTA DA FENEIS | JUN-AGO | 2011

    C    A    P    A

 Aameaça de fechamento da educaçãobásica da principal escola de surdos dopaís, o Instituto Nacional de Educação

de Surdos (INES), despertou na comunidade surda uma mobilização sem precedentes a favor da escola bilíngue. Cerca de quatro mil pessoasestiveram em Brasília nos dias 19 e 20 de maio

para pedir mais participação dos movimentos sociais na elaboração de políticas educacionais.

O grande ato político e cultural, além de repre- sentar uma marca histórica nas lutas dos surdos,pode ser considerado um divisor de águas. Cha-mou a atenção das autoridades para a força deum povo que quer ser visto na sua diferença cul-tural e não na perspectiva da deficiência.

“Nada sobre nós,sem nós”|Por Regiane Lucas Garcêz

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JUN-AGO | 2011 | REVISTA DA FENEIS | 09

Um ato político

e cultural

Foto: Fernando H. Ferreira

   F  o   t  o  :   A  m  a  n   d  a   M  u  s

   t  a   f  a

 Aluta em forma de expressão cul-tural sempre foi uma marca dossurdos. Em Brasília não foi di-

ferente. Durante dois dias, a comuni-dade surda se mobilizou pela defesada educação pública bilíngue, na qual

a língua de sinais deve ser a língua deinstrução dos surdos e a língua portu-guesa ensinada como segunda língua.A festa foi bonita. Por alguns mo-mentos, signicou a vitória da culturasobre a intransigência, da liberdadesobre a opressão, da expressão sobrea imposição. Em nenhum momento,entretanto, deixou de estar entremea-da de incertezas, tensões e expectati-

vas quanto ao futuro da educação desurdos neste país.

Toda a agenda de manifestação tevecomo objetivo central a defesa daescola pública bilíngue para surdos.Dentro disso, reivindicou-se o nãofechamento dessas instituições e a in-serção de emendas ao texto nal do

Plano Nacional de Educação (PNE),documento que vai reger a educação brasileira nos próximos dez anos. Asemendas buscam garantir investi-mentos na criação e ampliação dessasescolas, a maior participação dos mo-vimentos sociais surdos no debate e,

 principalmente, o reconhecimento dacultura e da língua de sinais como pa-trimônio dos surdos brasileiros.

O primeiro compromisso foi a audiência com

o Ministro da Educação Fernando Haddad,realizada na manhã de quinta-feira. Até asvésperas, estava denido que quem receberia ossurdos seria a Secretária de Educação Continuada,Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi),Cláudia Dutra, reunião dispensada pelas liderançasdo movimento, devido à histórica falta de diálogoimposta por essa secretaria. Depois de semanas de negociação, o ministro nal-mente decidiu receber os surdos pessoalmente. Oobjetivo foi defender a manutenção das escolas desurdos e propor a criação de um grupo de trabalho

 para discutir a política de educação bilíngue, em de-trimento da atual política de inclusão do Mec.

 Audiência com o Ministroda Educação: negociação

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Fernando Haddad abriu a reunião com uma breveexplanação sobre a atual política de educação inclu-siva do governo, e rebateu, de antemão, qualquer 

 possibilidade de fechamento do Colégio Aplicaçãodo INES e do Instituto Benjamin Constant, paracegos. Além disso, defendeu a dupla matrícula dossurdos e de alunos com deciência em escolas re-gulares e em espaços de atendimento educacionalespecializado, conhecidos como AEE. “A duplamatrícula é uma forma de somar possibilidades,e não de subtrair. Queremos oferecer as melhorescondições possíveis para as crianças com deciên-cia”, argumentou o ministro.

Em defesa das escolas e classes bilíngues, a dire-tora de políticas educacionais da Feneis, Patrícia

Rezende, armou que, nos moldes atuais, a línguade instrução dos surdos continua sendo o portuguêse que é impossível dar aulas para surdos e ouvin-tes em línguas diferentes e ao mesmo tempo. A di-retora explicou que, na prática, a atual política doMec negligencia a Libras como língua de instrução,relegando-a apenas aos espaços de AEE como ati-vidade complementar. Com base nos resultados da

 pesquisa do professor da Universidade de São Pau-lo Fernando Capovilla (ver página 23) , os surdos

expressaram a preocupação em relação ao desen-volvimento das crianças surdas, que comprovada-mente é melhor em ambientes bilíngues.

Ao nal da reunião, a Feneis entregou o abaixo-assinado pela permanência da educação básica noINES e um documento com as propostas para a edu-cação de surdos anteriormente rejeitadas na Confe-rência Nacional de Educação (Conae). Além disso,

 propôs a criação de um grupo de trabalho para dis-cutir o tema, composto por representantes do Mec,

 pesquisadores da área de linguística e de educaçãode surdos e integrantes do movimento. A Feneisainda não obteve resposta à solicitação.

Entre as principais lideranças da comunidade sur-da, participaram da reunião: Paulo Bulhões, vice-

  presidente da Feneis, Flaviane Reis, pesquisadorada Universidade Federal de Uberlândia, Nelson Pi-menta, mestrando em linguística, Messias Ramos,

diretor da Feneis no Distrito Federal, Mariana Hora,autora do abaixo-assinado contra o fechamento doColégio Aplicação do INES, e Sueli Fernandes,

 pesquisadora da Universidade Federal do Paraná.

10 | REVISTA DA FENEIS | JUN-AGO | 2011

    C    A    P    A

Foto: Diogo Madeira

Foto: Diogo Madeira

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JUN-AGO | 2011 | REVISTA DA FENEIS | 11

O deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB/MG),o presidente do Conselho Nacional dos Direitos daPessoa Portadora de Deciência (Conade) MoisésBauer e representantes da Apae também participa-ram da reunião e chamaram a atenção para a intran-sigência do Mec na implementação das políticas deeducação inclusiva, desconsiderando o papel dasescolas especícas.

Ao encerrar a reunião, o ministro propôs quefosse realizado um seminário com a presençados conselheiros de educação para discutir com

 profundidade o processo de inclusão escolar dossurdos e das pessoas com deciência. Além dis-

so, determinou que a interlocução do Mec comas entidades seja feita diretamente com a cheade gabinete, e não mais com a Secadi.A medidavisa reestabelecer a comunicação com os mo-vimentos sociais e garantir a representatividadedestes na formulação de políticas públicas.

 Na avaliação da diretora da Feneis, Patrícia Re-zende, a reunião, em geral, foi positiva. “Pela

 primeira vez, o Ministério da Educação abre as

  portas ao diálogo com os surdos. Foi um mo-mento histórico onde pudemos apresentar nos-so ponto de vista. Percebemos que o ministrose sensibilizou com a nossa questão. Por outrolado, ele não acatou o pedido de criação de umacomissão de trabalho, o que nos deixa aindavulneráveis em relação à atual política de inclu-são”, aponta Patrícia.

 A diretora de políticas educacionais daFeneis, Patrícia Rezende, acredita que oministro Fernando Haddad se sensibilizoucom as questões dos surdos.

 A audiência foi convocada pelo senador Lindberg Faria, que se comprometeu aapoiar as emendas sobre educaçãobilíngue no PNE.

 Audiência no Senado: acolhida

Um dos principais momentos políticos da ma-nifestação foi a audiência pública no SenadoFederal, convocada pelo senador Lindberg

Farias (PT/RJ), presidente da Subcomissão Perma-nente de Assuntos Sociais das Pessoas com Deci-ência. Realizada logo após a reunião com o ministro,a audiência signicou, nas palavras da diretora da

Feneis Patrícia Rezende, um dos principais espaçosdemocráticos de expressão da comunidade surda.

“A acolhida calorosa dos senadores e deputados e aampla participação popular trouxeram para nós, sur-dos, a esperança de que a luta pela nossa língua e pelanossa cultura não é em vão”, conta o diretor regionalda Feneis no Distrito Federal, Messias Ramos.

A sala da Comissão de Assistência Social cou pe-

quena para os cerca de 200 participantes, que ocu- param também o lado externo do auditório.

Foto: Diogo Madeira

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12 | REVISTA DA FENEIS | MAR-MAIO | 2011

O senador Lindberg Farias, que é pai de uma crian-ça com síndrome de down, abriu a sessão apontando

 para a importância de ouvir as demandas dos surdosna formulação de políticas educacionais.

A deputada federal Mara Gabrili (PSDB/SP) fezcoro ao senador, evocando a célebre frase “Nadasobre nós, sem nós”. Ela também defendeu a escolade surdos como aquela que pode proporcionar realinclusão social: “Assim como a língua portuguesa,uma educação bilíngue tira o surdo da exclusão, trazinformação, conhecimento, educação e cultura”.

Já o deputado Eduardo Barbosa criticou o posicio-namento de gestores do Mec, que elaboram políticaseducacionais à revelia dos anseios da comunidade.“A antiga Secretaria de Educação Especial, e agoraa Secadi, estabelecem o que acreditam ser bom equerem impor a todo custo suas ideias. São técnicosquerendo denir o que é bom para os outros, semouvir os interessados, que são as próprias pessoascom deciências e suas famílias”.

O deputado Otávio Leite (PSDB/RJ) manifestou preocupação em relação à atual política de educa-

ção inclusiva, especialmente em relação ao fecha-mento das instituições centenárias como o INES eo IBC, localizadas na sua cidade de origem. Já osenador Wellington Dias (PT/PI), que é pai de umaautista, defendeu a necessidade de criar emendas aotexto do Plano Nacional de Educação que garantama criação de escolas bilíngues para surdos.

Foi grande a emoção dos surdos durante o pronun-ciamento da diretora de políticas educacionais da

Feneis, Patrícia Rezende: “Nós surdos não pode-mos nos acomodar com a covardia que os gestoresdo Mec têm feito contra a nossa cultura. Inventamum modelo de inclusão que fere todos os nossos

direitos, garantidos pelas leis brasileiras e pelos do-cumentos internacionais”.

O relato do professor cearense Emiliano Aquino, pai de uma criança surda, também comoveu os pre-

sentes. Ele repudiou a declaração da representantedo Mec, Martinha Clarete, dada à Revista da Feneis

nº 40, que armava inexistir cultura surda. “As fun-cionárias comissionadas do Mec trabalham na pers-

 pectiva de tirarem o direito dos pais de escolheremem qual escola os seus lhos devem estudar. Como

 pai, eu quero poder escolher, e eu escolho a escola bilíngue para meu lho”.

Ao nal da audiência, o delegado da Conferência

  Nacional de Educação, Cristian Strack, relatou oepisódio de manipulação e lobby do Conae, que re-sultou na exclusão das propostas de educação bilín-gue do documento nal.

O mesmo documento entregue ao ministro Fernan-do Haddad foi também distribuído entre os parla-mentares presentes.

Karin Strobel, Paulo Bulhões e Patrícia Rezende,presidente, vice e diretora de políticaseducacionais da Feneis, respectivamente,comemoram a entrega do documento aosparlamentares.

Foto: Fernando H. Ferreira

   F  o   t  o  :   D   i  o  g  o   M  a   d  e   i  r  a

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JUN-AGO | 2011 | REVISTA DA FENEIS | 15

    C    A    P    A

N

a noite do dia 19 de maio, a escuridão do gra-mado do Congresso Nacional ganhou luz naschamas das velas levadas pela comunidade sur-

da. Centenas de manifestantes continuaram o protestoiniciado pela manhã, mas de uma maneira diferente:na forma de homenagem aos surdos que estudaram noINES na época da repressão à Língua de Sinais, inicia-da no Congresso de Milão em 1880.

Conta a história que a Língua de Sinais no Brasil so-  breviveu principalmente graças a esses surdos queestudavam no INES no regime de internato. As con-versas em Libras só eram possíveis longe dos olhos

de professores e vigilantes, à noite, à luz de velas,

embaixo das camas e das mesas, nos refeitórios, ba-nheiros ou corredores.

A presidente da Feneis e pesquisadora da história dossurdos, Karin Strobel, explica que a metáfora da luzsignica a própria luta dos surdos. “Na ausência deluz, não nos comunicamos. Na ausência de uma escola

  bilíngue, não teremos como nos comunicar, nos de-senvolver e nos transformarmos em sujeitos atuantesno mundo. Estamos buscando essa luz, por meio deuma educação melhor”, explica Karin.

Sentados, com as velas acesas, os manifestantes for-mavam, no conjunto, o símbolo “Ser Surdo”, laço que

representa várias minorias.

Noite das velas: homenagem 

Foto: Diogo Madeira

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14 | REVISTA DA FENEIS | JUN-AGO | 2011

A  caminhada começou às 11 horas. Conduzidos por um trio elétrico, os manifestantes seguiram or-

ganizados por estado rumo ao Planalto. Manifes-tações culturais e depoimentos das lideranças pre-encheram o dia. Nem mesmo a chuva foi capaz dedispersar a multidão. Um dos pontos altos do diafoi o testemunho da brasiliense surda Ana Luiza,de nove anos: “Na escola dos ouvintes não temoscom quem conversar. Na escola de surdos é maisfácil. Se um surdo não sabe se comunicar, nós en-sinamos Libras para ele e ele se desenvolve. Emuma escola onde o professor só fala, como vamosentender ele? Somos surdos!”

Durante a tarde, os manifestantes voltaram paraa porta do Mec. Vários artistas apoiaram publica-mente a escola bilíngue, mas um deles, em especial,acompanhou de perto a manifestação.

“Na escola dosouvintes não

temos comquem conversar”

 Ana Luiza

Manifestantes no auditório do MEC

Passeata: celebraçãoà cultura surda

 Acomunidade surda fez bonito nos dois dias demanifestação. Paralelamente à agenda de reu-niões e audiências, surdos e simpatizantes mo-

 bilizaram a atenção da opinião pública, da imprensae das autoridades do governo para a causa das esco-las bilíngues para surdos.

 No primeiro dia, cerca de 200 pessoas protestaramem frente ao Ministério da Educação. Manifestan-tes da Apae se juntaram à comunidade surda parafazer coro à reivindicação por escolas especícas.

 Numa tentativa de conter a manifestação, integran-tes do Mec convidaram a multidão a se acomodar no auditório do Ministério para o diálogo. Ao perce-

 berem a manobra, rapidamente os manifestantes sa-íram do prédio e deram continuidade à mobilização,embalados pela batucada e por faixas de protesto.Em seguida, se dirigiram para o Senado Federal,

 para participar da audiência.

 Na manhã de sexta-feira, cerca de quatro mil pes-

soas, dos mais variados cantos do país, foram che-gando aos poucos ao Museu Nacional, local de con-centração da passeata. As bandeiras dos estados semisturavam às faixas de protesto. A rampa do Mu-seu foi improvisada como palanque para dar voz àslideranças e para a apresentação da poesia tema doato público.

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Durante a mobilização, a Feneis foi convidadaa participar da reunião do Conselho Nacionaldos Direitos da Pessoa Portadora de Deci-

ência (Conade), que coincidentemente estava sen-do realizada na mesma semana. O convite foi feito

 pelo presidente do Conade, Moisés Bauerm que temsido um importante aliado da Feneis na luta pela es-cola bilíngue. O representante da Feneis no Conade,

José Carlos de Oliveira, também esteve à frente daarticulação dentro do Conade.

A diretora de políticas educacionais, Patrícia Re-zende, teve oportunidade de falar para os conselhei-ros sobre a manifestação e aproveitou para comen-tar a recém-publicada Nota Técnica 5, de autoria daSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização,Diversidade e Inclusão (Secadi).

O documento distorce o conceito de educação bi-língue previsto no Decreto nº 5.626 e estabelece acriação do Atendimento Educacional Especializado(AEE) como espaço bilíngue para surdos. Confor-me a nota, “a educação bilíngue para estudantescom surdez, não está, pois, condicionada a espaçosorganizados a partir da condição da surdez”.

Em seu discurso, a diretora da Feneis apontou tre-chos da Convenção dos Direitos da Pessoa com De-ciência e do próprio decreto para comprovar que

o AEE proposto pelo Mec secundariza a língua desinais e a relega a um aprendizado complementar.Segundo interpretação equivocada expressa na notatécnica, “De acordo com este Decreto [5.626/2005],

a educação bilíngue para estudantes com surdezcaracteriza-se pelo ensino ministrado por meio daLíngua Portuguesa e da Libra [ sic], devendo ser dis-

 ponibilizados os serviços de tradutor/intérprete e oensino da Libras para os estudantes”.

Partidários da política inclusiva do Mec saíram emdefesa das proposições do documento, instaurandona reunião um conituoso debate acerca da inter -

 pretação das normas e leis. O conselheiro JoiramMedeiros da Silva, representante do Mec no Cona-

de, apresentou dados referentes ao grande cresci-mento do número de matrículas de crianças surdasna rede regular e do alto investimento do ministérionessa política.

Participação na reunião do Conade: embate

Elke Maravilha, com sua alegria contagiante, fezquestão de acompanhar a passeata em Brasília eainda arriscou alguns sinais em Libras. “Eu apoioa escola bilíngue porque vejo nessa causa uma luta

legítima de pessoas alegres que apenas querem o di-reito à sua língua”, defendeu a artista. Outros artis-tas como Marieta Severo e Renata Sorrah enviaramseus vídeos de apoio.

 No palanque, a presidente da Feneis, Karin Strobel,agradeceu a ampla mobilização e o esforço de todosde se deslocarem de suas cidades em nome da lutaem defesa da escola bilíngue. “Estou conante deque toda essa mobilização vai despertar nos nossosgovernantes uma preocupação maior com a educa-ção dos surdos nesse país”, comenta Karin.

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Foto: Fernando H. Ferreira

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Os delegados do Conae que participaramda audiência na Procuradoria-Geral da República,acreditam que a reunião foi positiva.

Os delegados representantes dos surdos naConferência Nacional de Educação (Conae) fo-ram recebidos na tarde do dia 20 de maio pelasubprocuradora Ana Borges Coelho Santos, daProcuradoria-Geral da República. O objetivo

da reunião foi questionar os entraves impos-tos pelo Mec no diálogo com os movimentossurdos. Após relatarem as manobras realizadaspor gestores do ministério para excluírem aspropostas de educação bilíngue na conferên-cia, os surdos entregaram à subprocuradora aspropostas de emendas e um material compro-batório da manipulação ocorrida no Conae,bem como a ausência das moções propostasno documento final.

 A subprocuradora orientou os surdos a procu-rarem o Grupo de Trabalho de Inclusão per-tencente à Procuradoria, a fim de discutirem aspropostas e ganharem amparo legal para suasdemandas.

 Audiência na ProcuradoriaFederal da República:amparo legal

À acusação de que os surdos são segregacionistassomou-se o discurso de que os surdos são também

contra a escola pública, gratuita e de qualidade.

Um dos delegados que participou da Conferência  Nacional de Educação, Neivaldo Zovico, relatoua manipulação que representantes do Mec zeram

 para excluir as propostas de educação bilíngue dodocumento nal, que vai embasar o Plano Nacionalde Educação (PNE). O embate foi tenso, mas mui-

tos conselheiros se sensibilizaram com o posicio-namento dos surdos.

Para a presidente da Feneis, Karin Strobel, o dis-curso incisivo de Joiram e de outros conselheiros

soou como um profundo desrespeito em relação aosanseios dos surdos. “Sentimos na pele o peso dasacusações injustas e da completa ignorância do quevem a ser cultura surda e Língua de Sinais”, comen-ta Karin. Por outro lado, ela acredita que também osresultados foram positivos, pois os surdos se posi-cionaram rmemente contra os partidários da edu-cação inclusiva do Mec.

Em resposta à Nota Técnica 5, da Secadi, a Feneis en-

caminhou uma nota pública de esclarecimento ao Mecsobre a denição de educação bilíngue para surdos. O presidente do Conade, Moisés Bauer, se compro-meteu a auxiliar a Feneis na apuração das ilegalida-des cometidas no Conae e a possível reparação des-tas. Se necessário for, é possível que seja instauradoum processo, por meio de uma denúncia, para queas propostas seja consideradas.

16 | REVISTA DA FENEIS | JUN-AGO | 2011

   A  r  q  u   i  v  o  p  e  s  s  o  a   l

 Joiram Medeiros, representante do MECno Conade

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 A mobilização 

ogo que foi anunciada em fevereiro a possibili-dade de fechamento do ensino básico no INES,

os surdos começaram a se mobilizar. O primei-ro vídeo postado em uma rede social da inter-net em março, de autoria do ator Nelson Pimenta,revelava a profunda indignação com a determina-ção do Mec.

A partir daí foi criado o abaixo-assinado e um grupoon line, na rede social Facebook, com o objetivode organizar a grande manifestação pela escola bi-língue. A assistente social pernambucana MarianaHora, que é surda, esteve à frente dos líderes esta-duais. Toda a organização da infraestrutura em Bra-sília cou a cargo da regional da Feneis no DistritoFederal, dirigida pelo professor Messias Ramos.

Todos os estados brasileiros contaram com uma oumais lideranças, que auxiliaram na organização doato público. Em algumas cidades, as autoridadescederam ônibus para o deslocamento dos manifes-tantes. Todas as denições foram feitas por meio darede social, desde a confecção padronizada das ca-

misetas e das faixas até a elaboração de regras paraa manifestação. A tecnologia exerceu papel funda-mental na mobilização.

Paralelamente a isso, pesquisadores e lideranças -nalizavam o documento a ser entregue para as auto-ridades e trabalhavam no agendamento das reuniõesem Brasília.

A participação do vice-presidente da Feneis, PauloBulhões, na audiência do Instituto Benjamin Cons-tant, no Rio de Janeiro, foi fundamental para articu-lar a audiência no Senado. Por meio de um contato

com o senador Lindberg Faria, o vice-presidenteapresentou as demandas dos surdos, que foram

 prontamente acatadas pelo parlamentar.

A assistente social surda Mariana Hora conta que,  participando das discussões na internet foi se en-volvendo com o movimento, movida pela vontadede contribuir com a luta pela educação pública e dequalidade para os surdos brasileiros. “Ser líder nes-se momento histórico não é uma tarefa fácil, mas é

emocionante e graticante ver cada vez mais surdostomando consciência da importância da luta políti-ca coletiva. Espero que o Movimento Surdo ganhesempre mais força e sabedoria e, nunca desista daslutas”, comemora Mariana.

 A passeata, que teve início no Museu Nacionalna sexta-feira, começou com a poesia tema damanifestação, criada pelo pedagogo Allan Henry.

L

   F  o   t  o  :   F  e  r  n  a  n   d  o   H .

   F  e  r  r  e   i  r  a

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 Avaliação da manifestação

Na opinião de Paulo Bulhões, vice-presidenteda Feneis, a manifestação foi bastante positi-va. Foi a primeira vez que os surdos se mobi-

lizaram nacionalmente. Antes a organização cavarestrita aos estados. Segundo Bulhões, o sucesso damanifestação se deve a vários fatores. A legitimida-de da Feneis é grande junto às autoridades graçasà uma histórica luta da instituição à frente dos di-reitos dos surdos. Além disso, existe uma conançada comunidade surda de que a Feneis representará

seus anseios por uma escola bilíngue. Entretanto,ele acredita que “é preciso estar vigilantes e acom-

 panhar toda a tramitação das emendas, em todas asinstâncias. A luta ainda não terminou. Temos queacompanhar as emendas do PNE e sua tramitaçãono Congresso, Senado e Executivo, e depois nascalização da implantação das políticas educacio-nais”, explica Paulo.

Para Patrícia Rezende, uma grande preocupação é o

frequente equívoco cometido pelos gestores de po-líticas educacionais, que insistem em considerar a

escola bilíngue para surdos como escola especial.“A perspectiva cultural da educação de surdos aindanão é amplamente compreendida. Paira o estigmada deciência e das escolas especiais como o lugar da segregação e do antigo modelo médico da reabi-litação. Convencer os gestores de que a escola bi-língue é o real lugar da inclusão é o nosso principaldesao”, explica Patrícia

Os dois diretores concordam que a aliança com as

outras deciências nesse momento é importante  para garantir força política, mas é preciso deixar claro as especicidades linguísticas dos surdos.“Há anos tentamos o diálogo com o Mec para es-clarecermos o que é bilinguismo e nunca fomosouvidos. Os gestores do MEC ignoram o nosso po-sicionamento e as pesquisas sérias. As escolas querecebem os surdos precisam mudar radicalmen-te para entrarem numa concepção de bilinguismoreal. Há o mito da segregação criado para nos fragi-

lizar. Essa inclusão proposta quer destituir e retirar a força os nossos direitos culturais e linguísticos jáalcançados”, arma o diretor.

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Foto: Fernando H. Ferreira

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Secretaria dos DireitosHumanos cria comissãoespecial para surdos

Durante a manifestação, os surdos receberam

uma boa notícia. A Secretaria de Direitos Huma-nos da Presidência da República criou, por meio

da Portaria nº 956 de 19 de maio, uma comissão

de companhamento das políticas públicas vol-

tadas para os surdos. A comissão será composta

por representantes da Feneis, de três associações

do Distrito Federal, da Secretaria Nacional de

Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiên-

cia (SNPD) e de uma associação ou sindicato de

intérpretes de Libras.

Segundo o recém-nomeado secretário nacio-

nal da SNPD, Antônio José Ferreira, a idéia decriar a comissão partiu da percepção de que é

preciso ter mais acúmulo acerca das demandas

dos surdos. Ele explica que há uma complexidade

no assunto e que a comissão servirá de espaço

para debater melhor os temas e subsidiar a for-

mulação de políticas públicas em vários setores.

“Pretendemos abrir um diálogo maior com os

surdos e pautar iniciativas em várias áreas. As po-

líticas das pessoas com deficiência são transver-

sais e transetoriais e por isso esta secretaria temo fundamental papel de articulá-las no âmbito do

governo, motivo pelo qual estamos na estrutura

da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidên-

cia da República”, explica o secretário.

Próximos passosAtualmente uma comissão trabalha no acompanha-mento das emendas do Plano Nacional de Educação

apresentadas pelos deputados federais. São quasetrês mil emendas sobre vários aspectos educacio-nais, avaliadas uma a uma. Sugestões de mudançade redação estão sendo feitas. As emendas estãosob responsabilidade do deputado Ângelo Vanhoni(PT/PR), relator da comissão especial que discute oPNE. Após a análise, o relator deve abrir um prazo

 para emendas substitutivas. Um outro grupo atua naformulação da proposta para o seminário proposto

 pelo ministro Fernando Haddad, em conjunto comoutras deciências.

 Nos estados, as lideranças surdas se fazem presen-tes nas várias audiências públicas realizadas nasassembleias legislativas estaduais, apresentando as

 propostas para a educação bilíngue aos deputados.Já foram realizadas audiências em Minas Gerais,

Ceará, Paraná, Salvador, Rio Grande do Sul e Riode Janeiro. Há também a atuação de representantesda comunidade surda no Movimento PNE pra Va-ler, que também está em todos os estados.

Em paralelo, o trabalho de mobilização da opinião pública por meio da imprensa continua. Durante osdias da passeata, o assunto recebeu ampla cobertu-ra da mídia, com reportagens em sites, impressos eemissoras de televisão e rádio.

    C    A    P    A

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Uma

questãode tempo

 Aameaça de fechamento das escolas de surdos

 já pairava no ar há alguns anos. O modo como

a política de inclusão do Mec vinha sendo im- plantada revelava indícios do m das escolas espe-cícas para surdos e da substituição gradual pelasmatrículas na rede regular. O Decreto nº 6.571, de17 de setembro de 2008, e a Resolução nº 4, de 2 deoutubro de 2009, determinavam que o ensino deve-ria somente ser oferecido pelas escolas regulares.As escolas especializadas dariam somente o Aten-dimento Educacional Especializado (AEE), como oensino complementar. Nesses casos os alunos pode-

riam ter dupla matrícula.

A condução da Conferência Nacional de Educação(Conae), rejeitando as escolas de surdos, foi maisuma derrota. Logo na sequência, o comentário daSecretária de Educação Especial Martinha Clarete,na Revista da Feneis nº 40, conrmava as suspei-tas. Não havia um entendimento por parte do mi-nistério de que houvesse cultura surda e que estadevesse ser preservada.

Mas nada foi tão impactante quanto a possibilidadede fechamento do INES, berço da cultura surda e daresistência da língua de sinais. Além de ter sido oespaço de formação das principais lideranças surdasde todo o país, o INES, fundado em 1856, é consi-derado o patrimônio cultural e símbolo máximo deresistência do povo surdo.

Atualmente o INES oferece, por meio do Colégiode Aplicação, educação precoce (de zero a três

anos), educação infantil, ensino fundamental emédio. Neste ano foi formada a primeira turma degraduação em Pedagogia Bilíngue. É referência em

  pesquisas de materiais didáticos e na capacitação

de prossionais da área de educação de surdos emtodo o país. Segundo a professora Solange Rocha,diretora da instituição, tudo isso é possível graças àexperiência do ensino básico, que oferece subsídios

 para as pesquisas.

A diretora defende que o INES não pode ser com-  preendido como uma escola especial e nem deveestar sujeito às interpretações equivocadas que sãofeitas da legislação. “O trabalho aqui desenvolvidonos caracteriza como uma instituição que trabalhana perspectiva da educação inclusiva de surdos,

  produzindo conhecimento para que possamos dar suporte às escolas brasileiras, que devem oferecer educação de qualidade a esses cidadãos que deman-

dam uma política de ensino que contemple sua di-versidade linguística”, explica a professora.

Além disso, Solange Rocha aponta que a perma-nência da educação básica é também um anseio dasociedade: “Temos mães que preferem acordar demadrugada para trazerem seus lhos ao INES doque matriculá-los em uma escola próxima às suascasas. A Associação de Moradores de Laranjeirasse solidariza com a luta. Vemos uma consternaçãona sociedade com a notícia do fechamento. Comoé possível dar as costas às demandas da sociedade,que é quem paga e mantém instituições centenáriascomo o IBC e o INES?”

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O estopim

 A notícia

pegou todosde surpresa

No dia 16 de fevereiro, adiretora do Instituto Nacional

de Educação de Surdos (INES),Solange Rocha, foi informadade que a oferta da educaçãobásica na escola deveria ser encerrada até dezembro desteano. Na reunião realizada emBrasília, a representante daeducação especial do Ministérioda Educação, Martinha Clarete,argumentou que a existência doensino básico no INES e no Ins-tituto Benjamim Constant, paracegos, ia de encontro à pers-pectiva inclusiva da educaçãobrasileira prevista em lei. Em 17de março, em visita ao INES, elareafirmou a decisão ao Conse-lho Diretor da instituição.

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 A reação dacomunidade

 surda foiimediata

Pressionadopela opinião

pública, oMinistro daEducaçãoFernandoHaddadrecuou

Repercussão

 A preocupação que assombra- va os pais e alunos da esco-la somada à indignação dacomunidade surda brasileira foisuficiente para despertar umaampla mobilização. Em todo o

país, lideranças se articularampara defender a continuidadedo ensino básico no INES. Umabaixo-assinado, que já contacom mais de 23 mil assinaturason line e em papel , passou acircular. Nos principais jornaisdo país, a imprensa noticiavao fechamento das instituiçõescentenárias.

Foi publicado no dia 16 demaio o Decreto nº 7.480, que

define o posicionamento doINES e suas competências. Odocumento prevê que o instituto“deve promover a educação dealunos surdos, através da ma-nutenção de órgão da educaçãobásica”. Outro desdobramentogerado pela crise no INES foi acriação de duas comissões paradiscutir o Plano de Desenvolvi-mento Institucional e o ProjetoPolítico-Pedagógico da escola,

do qual participam funcioná-rios, pais e alunos. Segundo adireção, o objetivo é apresentar os dois documentos em setem-bro deste ano, por ocasião doaniversário da instituição.

Em audiência realizada no dia

5 de abril com as diretorasdo INES e do IBC, o ministrodesautorizou o anúncio feitoanteriormente pela represen-tante do Mec e disse que houveum erro de interpretação. Alémde defender a permanência dasinstituições, argumentou a favor da dupla matrícula em esco-las regulares: “o que está emdiscussão é o estabelecimentode uma parceria entre insti-tuições de ensino federal para

ampliar a oferta de oportunida-des educacionais, adicionais enão supressivas, aos estudantessurdos e cegos, de modo queesses alunos dos institutos pos-sam efetivar, se quiserem, umasegunda matrícula no ColégioPedro II”.

Opinião dos paisde alunos do INES

No momento eu acho muitoprecipitada essa decisão.

 Janice Silva

Nesse momento a inclusão proposta pelo Mecé só ilusão e agora não seria a melhor coisa.

Izabella Martins

Na minha opinião, essa proposta visa ao interesseapenas do governo e de alguns pesquisadores da

área da educação. O que menos importa paraeles é o interesse do surdo.

Fabiane da Silva

 Acho que a transferência para o ColégioPedro II não dará muito certo, pois já vi vários

pais que tiraram seus filhos desse colégio,porque não tinham desempenho algum.

É aqui que essa criança se sente feliz.Não se identificou

Com colaboração de Diogo Madeira

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22 | REVISTA DA FENEIS | MAR-MAIO | 2011

 

 A tensão no Senado estampada no rostoda assistente social surda Mariana Horaque criou o abaixo-assinado do INES eesteve à frente da mobilização.

O vídeo emocionado e indignado deNelson Pimenta, publicado em março,deu origem à mobilização

No início da passeata, no Museu Nacional,a presidente da Feneis, Karin Strobel,agradece a presença de todos.

O ato político foi também cultural. Palhaços surdos fizeram a alegria de todos.

Emoção noSenado.Messias Ramos,diretor daFeneis-DF, esteveà frente de todaa organizaçãoem Brasília

O delegadodo Conae,Cláudio Mourão,vibra com aaudiência noSenado.

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Uma pesquisa conduzida pelo professor da Univer-sidade de São Paulo Fernando Capovilla revelouque crianças surdas cuja língua materna é a Libras

aprendem mais e melhor nas escolas bilíngues, devido àinteração com professores e colegas sinalizadores. Por outro lado, crianças com perda tardia da audição, cujalíngua materna é o português, se adaptam melhor às es-colas inclusivas.

A pesquisa foi realizada por meio do Programa de Ava-liação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo(Pandes), um dos maiores do mundo na avaliação do de-senvolvimento escolar, de cognição e de linguagem deuma população escolar surda. A pesquisa foi realizadaentre 2001 e 2011 com apoio do CNPq, da Capes, e doInep (Observatório da Educação).

 Nesta última década, o programa avaliou 8 mil surdosoriundos de 15 estados brasileiros com idades de 6 a 25anos, desde o primeiro ano do ensino fundamental atéo último ano do ensino superior. Nessa grande amos-tra do alunado surdo brasileiro, cada estudante surdofoi avaliado durante mais de 20horas em uma bateriade dezenas de instrumentos (incluindo a Provinha Bra-sil e a Prova Brasil adaptadas) que avaliam leitura al-

fabética de palavras novas e conhecidas, compreensãode leitura de sentenças e textos, qualidade ortográcada escrita, vocabulário de escrita para nomear objetos,vocabulário de leitura orofacial, memória, entre outros.

As análises revelam que a mente da criança surda temuma especicidade psicolinguística importantíssimaque precisa ser respeitada. O estudo prova que o assimchamado Atendimento Educacional Especializado nãosubstitui a educação bilíngue de qualidade, ministrada

 por sinalizadores uentes em meio a uma comunidadelinguística sinalizadora.

Segundo Fernando Capovilla, os dados de pesquisa sãoevidentes e incontestáveis: “eu apoio este movimentonão por causa de qualquer ideologia ou porque tenhoamigos ou parentes surdos, ou porque tenho qualquer tipo de interesse pessoal ou político ou que o valha. Euapoio este movimento simplesmente porque eu desco-

 bri, por meio de pesquisa cientíca, que a causa que eledefende é a correta. Eu descobri que a escola bilíngue é

uma necessidade fundamental para a criança surda brasi-leira. Não estou de nenhum lado da briga. Estou do ladoda criança surda, isso sim, e ouvi o que 8 mil delas têma dizer e a nos ensinar sobre o que é melhor para ela”.

Pesquisa comprova que crianças surdasaprendem melhor nas escolas bilíngues.

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    F    E    N    E    I    S    P

    E    L    O    P    A     Í    S

m situações de emergência, os primeiros nú-meros de telefone que são acionados são o190, da Polícia Militar, e o 193, do Corpo de

Bombeiros, mas os surdos sempre caram excluí-

dos desses serviços. Esse contato poderá ser feito por meio de mensagens de celular ainda neste ano.Em uma reunião realizada pela Agência Nacionalde Telecomunicações (Anatel) em São Paulo, nodia 27 de maio, o órgão conrmou que se prepara

 para implantar a novidade em dezembro. Segundoo coordenador nacional de acessibilidade da Fe-neis, Neivaldo Zovico, que participou da reunião,o Ministério Público já cobra da Anatel a implan-tação do serviço de torpedo há mais de três anos.

A reunião contou com a participação de repre-

sentantes de todas as operadoras de telefonia ce-

Chamadas para PM e Corpo de Bombeirospoderão ser feitas por mensagem de celular

lular do Brasil, da Anatel, da Polícia Militar e daSecretaria dos Direitos da Pessoa com Deciência.Durante o evento, Neivaldo Zovico ressaltou a im-

 portância e a urgência da implantação do serviço, já

que pesquisas realizadas pela Feneis revelaram queo TTS (Terminal Telefônico para Surdos) não é am- plamente utilizado pelos surdos pela falta de prati-cidade da tecnologia e pela escassez do aparelho.

O coordenador da Feneis também sugeriu queas mensagens de celular também sejam aceitas emoutros tipos de atendimentos e serviços públicoscomo o SAMU e o Disque Denúncia.

E

R

ealizada no dia 26 de março na ma-triz, a Assembleia Geral Ordinária

da Feneis teve como principais ob-  jetivos a apresentação do Relatório

Anual 2010 pela diretora administrativaShirley Vilhava, e do Balanço Patrimo-nial, pelo vice-presidente Paulo Bulhões.Ambos foram aprovados por maioria abso-luta dentre as entidades filiadas presentes.

O relatório é uma compilação de todasas atividades da matriz e das regionais du-

Diretoria apresenta relatório anual emassembleia

rante todo o ano de 2010. Dentre as ativida -des estão as estratégias de empregabilidade,

ações institucionais sociais e governamen-tais, promoção de eventos e cursos, atendi-mentos de interpretação de Libras gratuitos,ações para a acessibilidade, comunicação e

 projetos futuros.O relatório serve de documento para a

renovação do registro no Conselho Nacionalde Assistência Social e está disponível nosite da Feneis.

O Tentente Coronel Reynaldo Priell, da Polícia Militar,

 fez a apresentação do serviço de emergência por mensagem,

defendendo a excelência do atendimento por meio das

tecnologias e da democratização do acesso. Arquivo pessoal

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ela sétima vez, em dez edições, a Feneis participa da Feira Internacional de Tecnologiasem Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, a

Reatech. Realizado entre os dias 14 e 17 de abril, o eventocontou com palestras e ocinas, além de 230 expositores detecnologias e serviços voltados para diversas deciências.Cerca de 50 mil pessoas visitaram a feira.

No stand da Feneis, os visitantes puderam ter aces-

so a informações e orientações nas áreas de educação,acessibilidade e mercado de trabalho. Estavam à vendatambém camisetas e materiais pedagógicos. A progra-mação contou com uma palestra sobre tecnologias deacessibilidade, proferida pelo coordenador nacional deacessibilidade para surdos da Feneis, Neivaldo Zovico.Outra palestra, sobre a prossionalização dos intérpre-tes, reuniu cerca de 100 pessoas.

Vários stands apresentaram tecnologias de acessibili-dade para surdos, tais como equipamentos de imagemque transmitem traduções e interpretações de visitas

guiadas a museus e outros espaços culturais. Uma dasgrandes novidades é a tecnologia chamada Viable Bra-sil, amplamente utilizada pelos surdos norte-americanos.Por meio de um aparelho conectado a um monitor, ossurdos podem fazer ligações telefônicas traduzidas por um intérprete.

Feneis tem stand emfeira de acessibilidade

em São Paulo

P

O diretor regional da Feneis em Minas Gerais, Rodrigo Malta,

acredita que a o evento foi uma boa oportunidade para divulgar 

os cursos de Libras para as prefeituras do interior do estado.

regional da Feneis em Minas Gerais foi convidada  para participar do 28º Encontro Mineiro dosMunicípios, realizado entre os dias 3 e 5 de maio,

em Belo Horizonte. No stand da Feneis, os visitantes puderamconhecer mais sobre a Língua de Sinais e a realidade dos surdosno estado, além de obter informações sobre a implantação decursos de Libras nas cidades do interior. Durante as visitas,os funcionários da regional distribuíram folders informativose repassaram orientações sobre os surdos no mercado detrabalho. Todos os intérpretes de Libras do evento foramcedidos pela Feneis.

Feneis participade encontro dasprefeituras mineiras

A

Divulgação  Arquivo pessoal

O Reatec já faz parte da agenda da comunidade

 surda paulista, que lota todos os anos o stand da Feneis.

 Alunos dos cursos de Libras – todos os níveis

 Alunos do curso para instrutores de Libras

Participantes de palestras e eventos gratuitas

Participantes de oficinas gratuitas

Funcionários da Feneis

 Atendimentos de interpretação gratuitos

Número de eventos (seminários, encontros e

passeatas)

1850

88

2350

100

1232

1072

24

Feneis em números - 2010

F  E  N E  I    S  P  E  L   O P  A  Í     S  

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Em defesa dos direitos dos surdosInstituição capixaba dá exemplo no trabalho de conscientização da sociedade | Por Aline Diniz

criação da Socepel (Sociedade Editorial de Pes-quisa em Educação e Libras do Espírito Santo)encontra suas raízes na história de vida de José

Onofre de Souza. Pai da pedagoga surda Simone Quir-go, ele sempre buscou uma educação de qualidade paraa lha, o que o motivou a ingressar na luta contra a dis-criminação dos surdos tanto na escola quanto em outrosespaços. A jornada começou nas primeiras instituiçõesem que Simone estudou, onde eram comuns a discrimi-nação, o despreparo dos professores e o desconhecimen-

to da Língua Brasileira de Sinais (Libras).Os obstáculos não foram sucientes para desanimar José e sua família. Tiveram efeito contrário: levantarama bandeira da educação de qualidade não só para Simo-ne, mas para todos os surdos de Vitória. José ainda seemociona bastante ao lembrar da história: “lutei para ver minha lha formada. Hoje ela tem 41 anos e é a primeira

 pedagoga surda a passar em um concurso público no Es- pírito Santo. Agora trabalho para que outras pessoas não passem pelo que nós passamos”.

O Instituto

O projeto da Socepel foi gestado em 2002 e foi im- plementado em 2004, mas, por motivos de saúde de JoséOnofre, 18 meses depois as atividades foram suspensas.Somente em 2009 os trabalhos foram retomados. A enti-dade é uma das liadas da Feneis. Hoje, ele e sua famíliacoordenam a instituição, que tem como objetivos: ensi-nar Libras, conscientizar a sociedade sobre a importânciada Língua de Sinais, acabar com o preconceito em relaçãoà surdez e resgatar a autoestima dos surdos. Simone Quirgo

conta que o trabalho da Socepel envolve um grande esforçoda equipe no ensino da Libras e comemora: “estou muitoorgulhosa do trabalho de meu pai”.

O trabalho de José ainda está voltado à garantia do

estudo para todos os surdos, por meio da conscientiza-ção dos prefeitos e legisladores do interior do EspíritoSanto. Sempre que os surdos são barrados na matrículaescolar ou quando há ausência de intérprete de Libras,lá está José Onofre. “Temos tido sucesso nessas ocasi-ões. Quando a escola se mostra relutante, procuramos oMinistério Público. A promotoria da cidade de Vitória é

 bastante atuante nesses casos”, explica José Onofre.

 Xadrez para facilitar o aprendizado

Outra ação da Socepel que merece destaque é o traba-lho do professor de matemática e especialista em educa-ção de surdos Gianfranco Rubini. O professor começoua se interessar pela área quando era diretor pedagógicoda escola onde Simone estudava.

Gianfranco desenvolveu o método “xadrez pedagógi-co” a partir da observação das diculdades dos professo-res ao ensinarem e dos surdos ao aprenderem. O método

 permite que o lúdico entre no processo de aprendizado,facilitando a assimilação de conteúdos e permitindo uma

melhor interação entre surdos e ouvintes.O professor relata que o principal objetivo do traba-

lho é desenvolver, nos educadores, o hábito de trabalhar com surdos. Na opinião de Gianfranco, “a sala de aula éum lugar onde o imprevisto deve ser sempre bem visto.”

A    P     Á    G    I    N    A

    D    A    F    I    L    I    A    D    A

 A partir desta edição, em todos os númeroshaverá a seção “Página da Filiada”.Quem tiver interesse em mostrar o trabalhoinstitucional com os surdos deve enviar asugestão para [email protected].

 Arquivo pessoal

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JUN-AGO | 2011 | REVISTA DA FENEIS | 27

Estágio em Letras Libras : Palavras alheias quelhe dão um acabamento|Neiva de Aquino Albres¹

No período de estágio a instituição de ensino deve“indicar professor orientador, da área a ser desen-volvida no estágio, como responsável pelo acompa-nhamento e avaliação das atividades do estagiário”(BRASIL, 2008). Este papel de orientador de estágio(OE) é desenvolvido, geralmente, pelos tutores queacompanharam os alunos durante o curso, sendo ne-cessário o aumento do número de prossionais, já queo número previsto por lei é de um OE para até dezestagiários simultaneamente. O supervisor de estágioé da parte concedente (escola), podendo ser o próprio

 professor regente de onde o aluno está estagiando.Com tal estrutura o aluno teria respaldo para desen-

volver seu estágio docente. Nóvoa (2002) acrescentaque a formação prossional pode ser o conjunto de vi-vências formativas relacionadas diretamente ao exer-cício da prossão, como a graduação na universidade,cursos de atualização e aperfeiçoamento prossionale também as vivências formativas anteriormente à es-

colha de ser professor, constituintes de nossas experi-ências como alunos.

Essas experiências são pensadas por Bakhtin, emsuas reexões acerca do autor e do personagem: “Énesse sentido que o homem tem uma necessidade es-tética absoluta do outro, da sua visão e da sua me-mória: memória que o junta e o unica e que é únicacapaz de proporcionar-lhe um acabamento externo”(BAKHTIN, 2010, p. 55).

O acabamento é dado pela ação do outro, marcado pela incompletude de sua pessoa, e vice-versa. Ele é potencializado pelas múltiplas relações estabelecidascom o outro, nesse caso o OE. Há uma complementaçãona interação verbal para prover a apropriação do ser docente, do conhecimento sobre o fazer pedagógico.O estagiário vai dialogar com várias vozes, com o OE,com o supervisor de estágio (professor regente), comseu colega de estágio (outro aluno), com os autoresdos textos das disciplinas cursadas nos quais busca oreferencial teórico para elaboração do seu projeto deensino e de seus planos de aula.

De acordo com Bakhtin (2004), a enunciação éconsiderada produto da interação entre dois indivíduosorganizados socialmente, visto que a natureza destesé social. Logo, a enunciação se faz dentro de um

ste texto apresenta reexões sobre o processode estágio para a formação dos professores deLibras do curso Letras Libras − LL. Para esta

  pesquisa, buscamos a fundamentação teórico-metodológica no método dialético (SAVIANE,2000) e para análise teórica a linguística enunciativa(BAKHTIN, 2010). Neste estudo, os dados empíricosforam construídos com base em fontes documentais,e-mails e relatórios dos estagiários do curso LL.

Constatamos que o ser professor é o inacabadocompletado provisoriamente por palavras alheiasque o completam e o fazem sentir a devir de umacompletude permanente.

Curso de Letras com habilitação para o ensinode Libras 

A reexão sobre formação docente se faz interes-sante tendo como base as ideias de Bakhtin, pois nosinstiga a pensar a relação do aprendiz com o outro.A prática educativa na orientação de estágio no LL ena coordenação pedagógica em escola de surdos1 nosimpõe uma responsabilidade como formadores.

“O estágio faz parte do projeto pedagógico do cur-so, além de integrar o itinerário formativo do educan-do” (BRASIL, 2008). Dessa forma, o curso LL atendea essa diretriz. O curso LL teve sua organização emformato de educação a distância, com currículo distri-

 buído em oito semestres de formação, sendo destina-

do o penúltimo semestre para disciplinas de metodo-logia de ensino e o último, para estágio docente.

Constatamos que o ser professor 

é o inacabado completado

provisoriamente por palavras

alheias que o completam e o fazem

sentir a devir de uma completude

permanente.

E

E   S  P  A    Ç   O A   C  

A  D E  M I    C   O 

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    E    S    P    A    Ç    O

    A    C    A    D    E    M    I    C    O

contexto social, histórico e ideológico. A interaçãoverbal produz enunciados que estabelecem relaçõesde sentido, isto é, dialogam entre si. As vozes comque se defrontam nesse contexto são diferentesenunciações que se atravessam.

Metodologia 

 Na presente pesquisa, nossa intenção é analisar o processo de estágio para formação de professoresno curso LL. Consiste de estudo de caso do estágioda turma de 2006. Tomamos como base de dadosos discursos (escritos) produzidos entre OE eestagiário.

Essa abordagem metodológica “articula o nívelmicrogenético das interações sociais com o exame

do funcionamento dialógico-discursivo” (GÓES,2000), ou seja, oferece a possibilidade de serelacionarem elementos de episódios especícos acondições macrossociais.

Escola de surdos, um espaço de contradições

As escolas especiais de surdos estão passando por um período de instabilidade, haja vista a políticade inclusão educacional imposta pelo Ministério da

Educação. Em São Paulo há um forte movimentode permanência e fortalecimento das escolas parasurdos, transformando-as em escolas bilíngues.

A escola bilíngue é um espaço outro:

Políticas vêm sendo desenvolvidas para a  produção de uma escola bilíngue para surdos(Decreto nº 51.778/2010). Ao estagiário do LL ésolicitado que conheça a realidade da escola e dacomunidade escolar, faça uma leitura crítica docampo e construa projetos de trabalho a partir desse contexto e das observações de aulas. Ao naldo estágio é exigido um relatório das atividadesde observação e regência, com o auxílio do OE(RANGE; LIMA; SILVA, 2010).

Dessa forma, a produção do relatório de estágio²exigia a sistematização de um conjunto de dados

mediante notas de campo, registros reexivos dos participantes usando as normas de escrita acadêmica.

Interessante foi observar a incorporação das pa-lavras alheias, por meio da orientação de produçãodo texto do relatório do estágio do LL. Neste

  ponto, a concepção do ser humano postuladaé a de que o outro desempenha um papel fun-damental; é impossível conceber o ser humanofora das relações que o ligam ao outro.

Neste caso, o texto de relatório de estágio,construído a partir das vivências, leituras e re-flexões do estagiário, era enviado para o OE,que tinha, entre outras tarefas: ler, construir sentidos e interferir, com objetivo de dar su-

  porte ao estagiário para aprimorar seu conhe-cimento sobre metodologia de ensino, sobre

construção de relatório pedagógico.O OE precisou voltar-se para sua formação,

 pesquisar, estudar, ler fontes intertextuais que  puderam suprir, naquele momento, justamenteo fazer pedagógico tendo a Libras como objetode ensino. Refletir, discutir, ensinar e aprender a ser e fazer. A essência da d ialética é transfor-mar e ser transformado por meio da base ma-terial de nossas ações e do contexto social emque vivemos.

Entende-se por perspectiva dialógica da lin-guagem, a partir dessa concepção, que tododiscurso é atravessado pelo discurso do outro.Essa alteridade que traspassa o discurso se faz

  presente tanto entre interlocutores, quanto en-tre discursos, posto que, segundo Bakhtin:

 

O dialogismo é sempre perpassado pela  palavra do outro. Isso significa que, para umenunciador constituir um discurso, o discursode outro estará presente no seu. Deste modo,não se pode pensar o dialogismo como relaçãode consequência.

A orientação/int ervenção das palavras produ-zidas pelo estagiário para a produção do relató-rio de estágio acontecia nos encontros presen-ciais na universidade polo e por meio muitas

 Desconstruir esse processo não signica simplesmente

determinar os espaços que as línguas passam a ocupar 

nas escolas que educam surdos, mas sim passar 

  por um processo muito maior de reexão, de (des-)

estruturação, formação de prossionais, criação de

novos espaços de trabalho e, em especial, inversão da

lógica das relações. (QUADROS, 2005, p. 1)

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é 

claro, senão uma das formas, é verdade que das mais

importantes, da interação verbal. Mas pode-se compre-

ender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é,

não apenas como a comunicação em voz alta, de pesso-as colocadas face a face, mas toda comunicação verbal,

de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 2004, p. 123)

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JUN-AGO | 2011 | REVISTA DA FENEIS | 29

vezes das correções/alterações/sugestões im- pressas em seu relatório d igitado em Word.

Em um primeiro momento, percebemos

certo estranhamento dos estagiários quando daintervenção direta em seu texto. Aos poucosíamos negociando a forma de esse outro entrar em seu texto, vezes pela reescrita, vezes pelouso do recurso de revisão do Word, vezes por uma orientação geral por e-mail. Consideramosque o texto (relatório) original do aluno queestá sendo lido já apresenta várias vozes.

Como no episódio a seguir:

 

  Neste único texto de e-mail são retomadosvários discursos: das conversas em sala, deoutro e-mail, de outro arquivo envidado comorientações, etc. Estavam presentes nestas in-tervenções o interdiscurso e as vozes que mani-

festam diferentes pontos de vista sociais. Esse processo é dialógico e não ocorria apenas do OE para o aluno, mas também do aluno para o OE.

Para Bakhtin (2004), a enunciação depen-de do próprio momento constitutivo do todo daenunciação. Sob este ponto de vista, a seleçãode palavras e a recepção delas são determina-das por julgamento individual e socialmente(BAKHTIN, 2004).

Dessa forma, um aluno pode, por vezes, fi-car ressentido, entender como crit ica à sua pro-dução, isso também pelo receio de estar sendoavaliado; enquanto outro aluno pode encarar asorientações como parte do processo de aprender.

Olá Samanta.

 Hoje nem pude falar com você, peço desculpas,

mas eu estava atordoada com os problemas com

SIARE.

  Já respondi sobre a primeira versão do Cap.

1 (relatório sobre o campo de estágio). A Ana me

encaminhou uma segunda versão. Vocês já enviaram

ao AVEA e consta a entrega. Assim que eu tiver um

tempinho a mais farei uma nova leitura.

Sobre o problema do SIARE, encaminhei para

 Bete, ela vai nos ajudar. Ok?

Sobre planejamentos L1 e LS, seu plano está

bom, mas não segue o modelo do curso como

“Projeto de trabalho” e não tem fundamentação

teórica.

  Eu tinha enviado um modelo de “projeto de

trabalho” onde deveriam introduzir os planosde aula. Conforme minha última orientação,

cada plano de aula deveria estar dentro de uma

tabela. E o projeto precisava ter tópicos, como:

 Introdução, Tema, Problema, (...)

  Esse projeto precisa ser fundamentado com

referencial teórico da área. Desde livros técnicos

até os cadernos de estudos das disciplinas de

metodologia de ensino de L1, L2 e LS.

Tomei a liberdade de acrescentar ao seu texto

os tópicos que faltavam e complementar com

as citações e referência, isso como um modelo

 para você. Tudo que acrescentei está em cor 

azul. Ok?

 Dessa forma, posso te mostrar o que se espera

da produção de cada projeto de trabalho. Eu z 

o de L1. Peço que você reformule o de LS e já

 faça o de L2 nesse formato.

Qualquer dúvida, estou à disposição,

Orientadora de estágio³ 

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    C    A    D    E    M    I    C    O

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O processo de formação é o

de ir constituindo-se, na sua

individualidade, pela representaçãosocial do momento que se vive, das

palavras alheias que atravessam

suas reflexões. Essas palavras do

outro vão compondo os saberes.

No diálogo com o outro, vão

se constituindo profissionais,

identitária e socialmente, como

professores de Libras......

¹  Doutoranda em Educação Especial − UFSCar 

Mestre em Educação− UFMS 

² O relatório nal poderia ser apresentado em Libras, mediante

o uso de DVD, ou em língua portuguesa escrita.

³ E-mail enviado pela OE para a estagiária no dia 25.10.10.

 

REFERENCIAS:

BAKHTIN, M. Marxismo e losoa da linguagem. SãoPaulo: Hucitec, 2004.

BAKHTIN, Mikhail.   Estética da criação verbal. SãoPaulo: Martins Fontes, 2010.

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; alteraa redação do art. 428 da Consolidação das Leis doTrabalho – CLT.

GÓES, Maria Cecília Rafael de.   A abordagem

microgenética na matriz histórico-cultural: uma

  perspectiva para o estudo da constituição da

 subjetividade. Cad. CEDES. 2000, v. 20, n. 50, p.9-25.

 NÓVOA, A. Formação de professores e trabalho

 pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.

QUADROS, R. M. Políticas lingüísticas: asrepresentações das línguas para os surdos e aeducação de surdos no Brasil. In: CONGRESSO

 NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2. 03-05 nov. 2005.

RANGE, Gisele; LIMA, Simone; SILVA, Vilmar.Material instrucional do Estágio Supervisionado

da Licenciatura em Letras-Libras na modalidade a

distância. Florianópolis: UFSC, 2010.

SAVIANE, Dermeval. Educação: do senso comum

à consciência losóca. Campinas: Autores

Associados, 2000.

Considerações finais

O processo de formação é o de ir constituin-do-se, na sua individualidade, pela representa-

ção social do momento que se vive, das palavrasalheias que atravessam suas reexões. Essas palavrasdo outro vão compondo os saberes. No diálogo com ooutro, vão se constituindo prossionais, identitária esocialmente, como professores de Libras.

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Fábio Selani é surdo e trabalha como cartunista em Brasília. ARTE SURDA

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Desenho em tinta nanquim, feito peloilustrador surdo Daniel Amorim Dias,de Belém do Pará. O artista de 25anos também trabalha como artesãoe instrutor de desenho, caligrafia eLíngua Brasileira de Sinais.