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Revista Gestão em Engenharia, São José dos Campos, v.3, n.2, p.62-77, jul./dez. 2016 CGE REVISTA GESTÃO EM ENGENHARIA ISSN 2359-3989 homepage: www.mec.ita.br/~cge/RGE.html Uma abordagem estatística aos modelos de certificação de distância de pista de pouso no ar Bruno Javiel de Carvalho *1 , Denise Beatriz Teixeira Pinto do Areal Ferrari 2 e Patrice London Guedes 1 1 EMBRAER S.A. Av. Brigadeiro Faria Lima, 2170, Putim, São José dos Campos/SP, Brasil 2 Instituto Tecnológico de Aeronáutica - Praça Marechal Eduardo Gomes, 50 - São José dos Campos/SP, Brasil RESUMO: Esse artigo abordou o tratamento de dados obtidos no ensaio em voo de desempenho de pista de pouso de uma aeronave de transporte sob uma perspectiva de certificação do modelo de distância de pouso no ar, que compõem os dados inseridos no manual da aeronave. Foram considerados os modelos de certificação propostos pela Advisory Circular 25-7C. As análises estatísticas foram utilizadas para verificação de validade dos modelos ajustados. Os resultados indicaram que o modelo empírico superestima a distância de pista de pouso no ar em relação aos dados medidos, ao passo que o modelo para o cálculo da velocidade de toque com a superfície de pouso se mostrou adequado apesar da simplicidade. Em relação aos modelos de ajuste por regressão, o modelo para ajuste do tempo no ar se mostrou adequado apesar da variabilidade obtida nos resultados, enquanto que o modelo para ajuste da velocidade de toque no solo não se mostrou adequado aos dados. Palavras-chave: Desempenho de Pouso. Distância de Pista de Pouso. Ensaios em Voo. *Autor correspondente: [email protected]

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CGE

REVISTA GESTÃO EM ENGENHARIA

ISSN 2359-3989

homepage: www.mec.ita.br/~cge/RGE.html

Uma abordagem estatística aos modelos de certificação de distância de pista de pouso no ar

Bruno Javiel de Carvalho*1, Denise Beatriz Teixeira Pinto do Areal Ferrari2 e

Patrice London Guedes1

1 EMBRAER S.A. Av. Brigadeiro Faria Lima, 2170, Putim, São José dos Campos/SP, Brasil 2 Instituto Tecnológico de Aeronáutica - Praça Marechal Eduardo Gomes, 50 - São José dos Campos/SP, Brasil

RESUMO: Esse artigo abordou o tratamento de dados obtidos no ensaio em voo de desempenho de pista de pouso de uma aeronave de transporte sob uma

perspectiva de certificação do modelo de distância de pouso no ar, que

compõem os dados inseridos no manual da aeronave. Foram considerados os modelos de certificação propostos pela Advisory Circular 25-7C. As análises

estatísticas foram utilizadas para verificação de validade dos modelos

ajustados. Os resultados indicaram que o modelo empírico superestima a

distância de pista de pouso no ar em relação aos dados medidos, ao passo que o modelo para o cálculo da velocidade de toque com a superfície de pouso se

mostrou adequado apesar da simplicidade. Em relação aos modelos de ajuste

por regressão, o modelo para ajuste do tempo no ar se mostrou adequado apesar da variabilidade obtida nos resultados, enquanto que o modelo para

ajuste da velocidade de toque no solo não se mostrou adequado aos dados.

Palavras-chave: Desempenho de Pouso. Distância de Pista de Pouso. Ensaios em Voo.

*Autor correspondente:

[email protected]

Carvalho et al.

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A statistical approach to airborne landing field length certification

models

ABSTRACT: This paper approached the analysis of data obtained from a

landing performance flight test of a transport aircraft from a model

certification point of view for airborne landing distance, that are inside the

Aircraft Fight Manual. The certification models proposed by Advisory Circular 25-7C was considered. Statistical analyses were performed in order to verify

the validity of the adjusted models. The results indicate that the empirical

model overestimate the airborne landing field length related to the measured data, while the model to calculate the touch down speed was adequate despite

its simplicity. Regarding the regression models, the model to adjust the

airborne time was considered adequate, while the model to adjust the touch down speed was not considered adequate to fit the data.

Keywords: Flight Tests. Landing Performance. Landing Field Length.

1 INTRODUÇÃO

Para o desenvolvimento e a certificação de aeronaves são necessários rigorosos ensaios em solo e em voo. Segundo Kimberlin (2003), os ensaios em

voo para desenvolvimento de produto têm o propósito de determinar as

características do novo produto e identificar e corrigir eventuais problemas com o produto aeronáutico. Já, para a certificação da aeronave, os ensaios em

voo visam demonstrar o cumprimento de requisitos mínimos de

aeronavegabilidade e segurança de voo para as entidades regulamentadoras, como a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) no Brasil, a Federal Aviation Administration (FAA) nos Estados Unidos e a European Aviation Safety Agency

(EASA) na Europa.

A enorme quantidade de dados levantada durante décadas pela indústria aeronáutica possui um grande potencial para levar a uma melhor

compreensão dos fenômenos envolvidos, bem como contribuir para uma

melhor eficiência nos ensaios em voo de certificação. Assim, são de fundamental importância estudos que busquem analisar

campanhas de ensaios em voo de desempenho de pouso para aeronaves,

levando-se em conta aspectos relacionados à regulamentação para certificação com base nos Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil (RBAC),

da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), e no título 14, parte 25 do Code of Federal Regulations (CFR) da Federal Aviation Administration (FAA), no caso

de aeronaves da categoria de transporte. Dessa forma, os objetivos do presente trabalho foram analisar os

resultados obtidos do ajuste dos modelos, atualmente considerados referência

na indústria, proposto pela AC 25-7C (US, 2012), com os dados obtidos a partir de uma campanha de ensaios em voo de desempenho de pista de pouso,

de forma a verificar a validade do ajuste desses modelos aos dados ensaiados.

A perspectiva de um maior entendimento de como os parâmetros de voo se relacionam ao desempenho de pista, aqui considerado como o comprimento

de pista necessário para o pouso da aeronave e uma maior compreensão dos

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modelos de certificação de comprimento de pista são os pontos chave desse

trabalho.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Pouso de Aeronaves Para Swatton (2011) o pouso é a fase de voo subsequente à aproximação,

na qual a aeronave deve defletir os flaps e vir reduzindo a velocidade. Quando

a aeronave está a aproximadamente 300 metros acima do solo, o trem de pouso é baixado e os flaps são selecionados para a configuração de pouso.

Ainda, segundo o autor, a trajetória de descida nessa etapa é referida como

trajetória de planeio, γ, normalmente formando três graus com a horizontal. Porém as entidades que regulam os aeroportos podem exigir valores diferentes

desse, como é o caso do aeroporto de London City (LCY) que exige 5,5 graus

por questões de redução de ruído. A Figura 1 apresenta esquematicamente a

definição de γ.

Figura 1 – Definição do ângulo de trajetória, γ.

A aeronave se aproxima inicialmente da pista em uma trajetória retilínea.

Durante essa parte da aproximação para o pouso, assume-se que a aceleração

perpendicular à trajetória de voo é nula (ROSKAM e LAN, 1997). A velocidade nesse trecho pode ser, então, considerada constante. Porém, se a aproximação

retilínea fosse mantida até a pista, a componente vertical da velocidade no

impacto seria inaceitavelmente alta, sendo necessária a introdução de um flare (MAIR e BIRDSALL, 1992).

O arredondamento, também conhecido como flare, é uma técnica de

pilotagem utilizada para ajustar a razão de descida no toque da aeronave com

a pista. A Figura 2 apresenta um esquema de segmentos de trajetória de pouso, onde é possível notar a modificação da trajetória pelo arredondamento.

O passo seguinte consiste na rotação da aeronave em torno do trem de

pouso principal, fase que tem como ponto final a aplicação dos freios da aeronave (Aerodinâmicos e hidráulicos), sendo a última fase de pouso

finalizada com a parada completa da aeronave.

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Fonte: Adaptado de MAIR e BIRDSALL (1992).

Figura 2 – Segmentos da trajetória de pouso.

A distância de pouso é, então, a distância horizontal, começando do

ponto onde a porção mais baixa da aeronave, o trem de pouso principal, está

na altura de obstáculo até o ponto em que a aeronave para por completo na pista (OJHA, 1995). O ponto final para medição da distância de pouso é

referenciado ao trem de pouso de nariz porque essa é a parte mais dianteira

da aeronave em contato com a superfície de pouso (US, 2012). A altura do

obstáculo, hsc, a ser considerada é definida em US (2012) como sendo 50 pés acima da superfície de pouso. A velocidade nesse ponto é aqui definida como

V50.

Com relação à Figura 2, é importante apresentar a altitude de início do flare, HFLARE, a altitude onde as manetes de tração são colocadas na

condição de mínima tração, HTLAB, e a velocidade verdadeira de toque na

pista, VTD. A Figura 3 apresenta o esquema de arredondamento a partir de

50 pés da superfície de pouso. A posição de HTLAB e HFLARE apresentada é apenas esquemática e a partir dos 50 pés de altura elas são variadas de acordo

com a técnica de pilotagem.

Figura 3 –Esquema de arredondamento no pouso.

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A distância total para fins de certificação de comprimento de pouso pode,

então, ser dividida em três etapas:1) distância no ar, Sar; 2) distância de

Transição, ST e 3) distância de frenagem, SB.

A distância total de pouso corresponde à soma das distâncias dos segmentos de pouso e é apresentada na Equação (1). A distância, assim obtida,

deve ser incluída no AFM (Air Flight Manual) juntamente com a configuração

da aeronave em que esse dado foi medido (KIMBERLIN, 2003).

Segundo Gallagher et al. (1992), a técnica de pilotagem no pouso é mais

importante que em outras fases de voo, sendo os fatores influentes no

desempenho: 1) gerenciamento de potência durante a aproximação, arredondamento e toque; 2) altitude de iniciação do arredondamento, HFLARE;

3) taxa de rotação no arredondamento; 4) velocidade de toque, VTD; 5)

velocidade de iniciação da frenagem; 6) velocidade de acionamento de dispositivos de frenagem aerodinâmicos e 7) uso de reverso e sistemas anti-

derrapagem.

Segundo Smetana (2001), a configuração de flaps na aeronave utilizada

no pouso também é um fator influente no desempenho de pista. Outro aspecto importante no pouso a ser considerado é o efeito solo que,

segundo Swatton (2011), é um efeito que ocorre quando o avião está a uma

envergadura ou menos do solo, havendo aumento da eficiência da asa. Esse aumento de eficiência é traduzido como um aumento da sustentação e

redução do arrasto, que dificultam o desempenho de pouso, demandando

maiores distâncias no ar e aumentando o comprimento de frenagem.

2.2 Modelos de Certificação

Os modelos de certificação para distância de pouso no ar de aeronaves que se enquadram na categoria de transporte englobam, segundo FAA (2015),

aviões com mais de 19 assentos, peso máximo de decolagem (MTOW) superior

a 19000 lb e que cumprem com os requisitos de aeronavegabilidade descritos

para essa categoria. O Regulamento que trata dessa categoria é o 14 CFR, parte 25, apresentado em US (2013).

O documento AC 25-7C, Flight Test Guide for Certification of Transport

Category Airplane, apresentado em US (2012), fornece um guia para a avaliação dos ensaios em voo realizados para aviões da categoria transporte.

Esse guia fornece meios aceitáveis de demonstração de cumprimento com os

regulamentos aplicáveis, não sendo, porém, o único meio, mas uma referência baseada na experiência da FAA em ensaios em voo e certificação.

A distância de pouso é, ainda, dividida em duas partes principais, a

distância no ar, medida a partir dos 50 pés, definido como o ponto de

referência, até o toque na superfície de pouso, e a distância em solo, medida a partir do toque da aeronave até a sua parada completa.

2.2.1 Método 1 A experiência mostra um limite superior para as distâncias no ar obtidas

em certificações passadas e, similarmente, uma perda mínima de velocidade

𝑆𝑇𝑜𝑡𝑎𝑙 = 𝑆𝐴𝑟 + 𝑆𝑇 + 𝑆𝐵 (1)

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(US, 2012). Esse método é baseado em ensaios em voo passados e pode ser

utilizado, diretamente, para o cálculo da distância no ar utilizando apenas a

Velocidade de Referência de pouso, VREF, desejada, tratando-se, assim, de um modelo empírico que não requer ensaios específicos para ajuste do modelo.

Se o requerente, aqui referenciado ao próprio fabricante da aeronave,

escolher usar essas relações, deverá mostrar por teste ou análise que esses

valores obtidos não resultam em distâncias no ar e velocidades de toque não conservativos, ou seja, que não excedam excessivamente os valores medidos

(US, 2012). A distância no ar, Sar, e a velocidade de toque, VTD são descritas

pelas Equações (2) e (3), respectivamente.

𝑆𝑎𝑟 = 1.55(𝑉𝑅𝐸𝐹 − 80)1.35 + 800 (2)

𝑉𝑇𝐷 = 𝑉𝑅𝐸𝐹 − 3 (3)

Em que, VREF é a velocidade de referência de pouso, dada em unidades

de velocidade verdadeira em nós (TAS) e Sar em pés.

2.2.2 Método 2

O segundo método baseia-se na utilização de um modelo matemático paramétrico que também pode ser desenvolvido pelo fabricante, utilizando

parâmetros de desempenho da aeronave como altitude, ângulo de ataque,

fator de carga e tração, ou utilizando a equação de regressão múltipla

fornecida pelas Equações (4) e (5). A Equação (4) apresenta o modelo para o ajuste de 50/t, uma medida indireta do tempo no ar, t. A Equação (5)

apresenta o modelo para o ajuste de V50/VTD, uma medida indireta da

velocidade de toque na superfície de pouso, VTD, a partir da velocidade verdadeira da aeronave a 50 pés de altura, V50, sendo ambas as velocidades

medidas em pés/s. Os símbolos aqui utilizados são padronizados para manter

um padrão durante todo o texto, sendo RoS50 a razão de descida à 50 pés de

altura da pista e RoSTD razão de descida no toque com a pista, ambas variáveis em unidades de pés/s.

50

𝑡= 𝑎 + 𝑏(𝑅𝑜𝑆50) + 𝑐(𝑅𝑜𝑆𝑇𝐷)

(4)

𝑉50

𝑉𝑇𝐷= 𝑎 + 𝑏(𝑅𝑜𝑆50) + 𝑐(𝑅𝑜𝑆𝑇𝐷)

(5)

Os coeficientes a, b e c das Equações (4) e (5) são obtidos pelo ajuste dos

dados ensaiados.

3 MATERIAL E MÉTODOS Para a execução dos ensaios para fins de certificação, algumas condições

devem ser satisfeitas. A aeronave de teste deve estar na sua condição externa

padrão de produção, assim como o motor deve ser representativo de um motor de produção (NATO, 2005). Os ensaios utilizados para análise nesse trabalho

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foram realizados em apenas uma aeronave com características

representativas de uma aeronave de produção e por uma equipe de Pilotos,

Engenheiros de Ensaios de Voo e Engenheiros de Desempenho de Aeronaves. Segundo Kimberlin (2003) as distâncias de pouso e decolagem são

obtidas em um dos ensaios em voo mais custosos para fins de certificação.

Uma das causas é a enorme quantidade de profissionais envolvidos nesses

testes, desde a preparação e execução dos ensaios até a redução dos dados. Ojha (1995) relata que os ensaios de desempenho de pouso são sujeitos

a uma quantidade considerável de dispersão dos dados e possuem um baixo

grau de repetibilidade. Ainda, segundo o autor, a padronização dos procedimentos de pouso constitui uma estratégia para a diminuição da

variabilidade dos dados.

Os ensaios foram realizados em uma única aeronave com configuração aerodinâmica congelada entre os ensaios, procedimentos de pouso

padronizados de forma a garantir uma uniformidade e qualidade dos

resultados e sob condições atmosféricas monitoradas para que os ensaios fossem realizados dentro de limites que não interferissem, significativamente,

nos resultados.

Realizou-se, então, análises dos modelos propostos na AC 25-7C com os

coeficientes calculados a partir dos 47 pontos de ensaios de certificação de desempenho de pouso considerados neste trabalho. O primeiro modelo

analisado foi o modelo do método 1, que calcula a distância de pista de pouso

no ar, Sar, e a Velocidade de Toque, VTD, a partir de equações empíricas apresentadas em US (2012). Já, o modelo do método 2 baseia-se na utilização

de um modelo matemático paramétrico, utilizando parâmetros de

desempenho da aeronave.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Método 1

Partindo das Equações (2) e (3) os resultados de Sar e VTD foram, então,

calculados. A Figura 4 apresenta o valor medido nos ensaios versus o valor calculado de Sar pela Equação (2). Observa-se que o modelo superestima os

valores de distância no ar, como pode ser verificado pelo agrupamento da

maior parte dos pontos abaixo da reta de 45 graus. Esse resultado era esperado, uma vez que, por ser um modelo que dispensa ensaios em voo

dedicados para certificação, o modelo é construído com base em dados

históricos de forma a ser conservativo, ajustado por limites superiores de resultados experimentais.

Apesar de conservativo o modelo da Equação (2) não apresenta um bom

ajuste aos dados ensaiados, como pode ser visto pela baixa aderência à reta

de 45 graus na Figura 4. Os resultados do modelo de velocidade de toque, VTD, Equação (3), são

apresentados na Figura 5. Observa-se boa correlação do modelo em relação

aos dados, assim como uma boa precisão, apesar da simplicidade do método.

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Figura 4 - Valores de Sar medidos versus valores calculados - Método 1.

Figura 5 - Valores de VTD medidos versus valores calculados - Método 1.

4.2 Método 2

O segundo método, de acordo com o proposto pela AC 25-7C, consiste em um modelo de regressão linear múltipla com coeficientes determinados a

partir de dados de ensaios em voo de pouso. Calculados os parâmetros VTD e

t a partir das equações do modelo de regressão linear múltipla, a distância no

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ar foi, então, calculada a partir da velocidade escalar média e do tempo gasto

de acordo com a Equação (6).

𝑆𝑎𝑟 =(𝑉50 + 𝑉𝑇𝐷)𝑡

2

(6)

4.2.1 Modelo 50/t Nessa subseção buscou-se apresentar uma análise estatística do modelo

para o cálculo de 50/t. A análise englobou um estudo dos resíduos, conforme

mostrado na Figura 6, assim como o teste de significância para a regressão e

para os coeficientes do modelo. Na Figura 6a e Figura 6c é possível constatar que os resíduos em relação

aos valores ajustados do modelo não apresentam qualquer padrão que possa

invalidar o modelo, já que se mostram aleatoriamente distribuídos em relação à reta que passa pela origem dos eixos. Verifica-se, ainda, que não há a

presença de possíveis outliers, uma vez que os resíduos padronizados não se

encontram fora do intervalo de resíduos padronizados de -3 a 3, sendo,

segundo Montgomery (2013), considerados possíveis outliers resíduos que estejam acima de 3 desvios padrões do zero.

A análise da Figura 6b mostra que os resíduos apresentam uma

distribuição normal. Linhas de valor constante da distância de Cook são apresentadas na

Figura 6d, estando todos os valores inferiores à unidade, logo, segundo o

critério apresentado por Montgomery e Runger (2009), a influência desses pontos encontra-se dentro do esperado para observações não influentes.

Sendo o modelo de regressão ajustado a três coeficientes e 47 pontos

utilizados na regressão, o modelo resultante apresentou 44 graus de liberdade.

A Tabela 1 mostra alguns parâmetros resultantes do ajuste do modelo, como o R2, o R2

ajustado e o Valor-p obtido da análise de validade do modelo.

O valor R2 obtido apresenta um valor significante para uma regressão

linear múltipla, indicando que o modelo ajusta bem os dados. O Valor t e o Valor-p para os coeficientes são apresentados na Tabela 2,

onde é possível notar que as variáveis RoS50 e RoSTD são estatisticamente

significativas, considerando um nível de confiança de 95%. A confiança de 95%, ou alternativamente a significância de 5% para o modelo de distância de

pouso certificado é considerado satisfatório, uma vez que, para fins de

operação de aeronaves, as margens de segurança de 67% e 92% para pista seca e molhada, respectivamente, são empregadas na operação para a

categoria da Aeronave estudada. Essas margens são apresentadas em US

(2016) e, após a aplicação delas sobre a distância de pouso certificada, a nova

distância é conhecida como distância de pouso fatorada (factored landing distance). Dessa forma os ensaios conduzidos para a geração do modelo de

certificação visam à determinação da capacidade intrínseca de pouso da

aeronave, uma vez que para a operação são aplicadas as margens descritas. A dependência da resposta 50/t com as variáveis RoS50 e RoSTD pode

ser vista a partir dos Gráficos da Variável Adicionada apresentados na Figura

7. É possível observar a dependência da resposta com cada um dos termos

que constituem o modelo ajustado com o efeito das outras variáveis explicativas do modelo. Segundo Sheather (2009), sendo o modelo proposto

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pela Equação (2) um modelo válido para os dados, então os Gráficos da

Variável Adicionada devem produzir pontos distribuídos aleatoriamente em

torno de uma reta passando pela origem. Esse foi exatamente o comportamento apresentado na Figura 7.

Figura 6 - Análise estatística dos resíduos do modelo 50/t. a) Resíduos

versus valores ajustados. b) Gráfico de probabilidade normal dos resíduos. c)

Resíduos padronizados versus valores ajustados. d) Resíduos padronizados versus valores influentes (Leverage).

Tabela 1 - Valores estatísticos do modelo 50/t.

R2 R2ajustado Valor-p

0,653 0,637 7,8e-11*

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Tabela 2 – Resumo da regressão do modelo 50/t.

Coeficiente Estimativa σ Valor t Valor-p

Intercepto -0,263 0,077 -3,41 1,4e-3* RoS50 0,570 0,091 6,24 1,5e-7*

RoSTD 0,607 0,094 6,42 8,0e-8*

a) b)

Figura 7 - Variável Adicionada para o modelo 50/t.

A resposta do modelo ajustado foi, então, comparada com os resultados medidos na Figura 8a e na Figura 8b. A Figura 8a apresenta diretamente a

resposta do modelo dada pela Equação (2) e a Figura 8b apresenta a resposta

tempo. Pode-se perceber que os pontos seguem um comportamento linear descrito por uma reta que passa pela origem, sendo esse mais um indicativo

da validade do modelo.

O conjunto das análises mostra que o modelo proposto pela AC 25-7C para o ajuste de 50/t é um modelo válido para o ajuste dos dados obtidos

nessa campanha de ensaios.

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a) b)

Figura 8 - Valores medidos versus valores ajustados em que, a) 50/t versus valores ajustados e b) t versus valores ajustados.

4.2.2 Análise do modelo V50/VTD Nessa subseção buscou-se apresentar uma análise estatística do modelo

para o ajuste de V50/VTD. As análises englobaram os mesmos estudos

apresentados para o modelo 50/t. A análise dos resíduos é apresentada na Figura 9. Na Figura 9a e na

Figura 9c é possível verificar que os resíduos em relação aos valores ajustados

do modelo não são ausentes de estrutura. Observa-se, ainda, que não há a

presença de possíveis outliers, uma vez que o máximo e o mínimo resíduos padronizados encontram-se dentro do intervalo de resíduos padronizados de

-3 a 3. A análise da Figura 9b mostra que os resíduos desviam de uma

distribuição normal.

Assim como para o modelo 50/t, o modelo de regressão para V50/VTD foi ajustado a 3 coeficientes, duas variáveis explicativas e 47 pontos,

apresentando o modelo resultante 44 graus de liberdade. A Tabela 3 mostra

alguns parâmetros resultantes do modelo, como o R2, o R2ajustado e o Valor-p

obtido da verificação de significância do modelo de regressão ajustado.

O valor R2 apresentou-se muito baixo, constituindo, assim, um indicativo

de que o modelo não parece adequado aos dados e um Valor-p superior a significância máxima, adotada nesse trabalho, para a validade de ajustes.

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Figura 9 - Análise estatística dos resíduos do modelo V50/VTD. a)

Resíduos versus valores ajustados. b) Gráfico de probabilidade normal dos

resíduos. c) Resíduos padronizados versus valores ajustados. d) Resíduos padronizados versus valores influentes (Leverage).

Tabela 3 - Valores estatísticos do modelo V50/VTD.

R2 R2ajustado Valor-p

0,105 0,064 0,087

Na Tabela 4 são apresentados o Valor t e o Valor-p para os coeficientes.

Nota-se que apenas o termo RoS50 foi estatisticamente significativo,

considerando um nível de confiança de 95%. O termo RoSTD não apresentou

indícios de ser significativo à resposta do modelo.

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Tabela 4 – Resumo da regressão do modelo V50/VTD.

Coeficiente Estimativa σ Valor t Valor-p

Intercepto 0,775 0,148 5,23 4,46e-16* RoS50 -0,369 0,175 -2,11 0,041*

RoSTD -0,142 0,181 -0,79 0,437

A partir do modelo ajustado, fez-se uma comparação dos valores medidos pelos valores ajustados. A Figura 10a apresenta diretamente a resposta do

modelo, V50/VTD. É possível notar que os dados não apresentam um

comportamento linear em relação à reta de 45 graus, indicando a não adequação do modelo proposto aos dados. Nota-se, também, um

comportamento aproximadamente constante da resposta do modelo. É

importante ressaltar que a diferença entre V50 e VTD foi bastante pequena, em torno de 3 nós de velocidade.

Isolando a resposta desejada, VTD, é possível observar na Figura 10b que

a resposta passa a apresentar o comportamento linear entre os valores

medidos versus valores ajustados, sendo indicativo que a resposta final do modelo apresentou coerência. Porém, é importante lembrar, que mesmo o

modelo de ajuste de VTD do método 1, apresentado na Equação (2),

apresentou resultados aceitáveis. A partir das inferências sobre o modelo V50/VTD verificou-se que o

modelo não se mostrou adequado ao ajuste dos dados obtidos nos ensaios em

voo considerados.

a) b)

Figura 10 - Valores medidos versus valores ajustados. a) V50/VTD versus valores ajustados; b) VTD versus valores ajustados.

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4.2.3 Análise da resposta Sar

Após o cálculo do tempo, t, e a velocidade de toque na pista, VTD, a partir

dos modelos descritos nas Equações (4) e (5) respectivamente, a distância no

Sar foi, então, calculada utilizando a Equação (6). A resposta é apresentada na Figura 11.

Figura 11 - Sar medido versus Sar ajustados.

Os dados apresentados mostraram que a maioria dos pontos se encontra próxima à reta de 45 graus, indicando que os modelos fornecem um bom

ajuste para a resposta.

5 CONCLUSÕES

Neste trabalho foram analisados os resultados obtidos do ajuste de

modelos com dados provenientes de uma campanha de ensaios em voo de desempenho de pista de pouso. Foi possível verificar a validade do ajuste por

meio da comparação dos resultados obtidos com uma referência na indústria.

Esses ajustes propiciaram um maior entendimento de como os parâmetros de voo se relacionam ao desempenho de pista, aqui considerado

como o comprimento de pista necessário para o pouso da aeronave e uma

maior compreensão dos modelos de certificação de comprimento de pista.

Agradecimentos

À Fundação Casemiro Montenegro Filho (FCMF) pelo apoio financeiro

durante a execução desse trabalho.

Carvalho et al.

Revista Gestão em Engenharia, São José dos Campos, v.3, n.2, p.62-77, jul./dez. 2016

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