Revista IJSN - Ano IV - Nº 4 - 1985

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Instituto J ones dos Santos Neves AnolV - 4- OUTIDEZ DE 1985 VITORIA - ESPIRITOSANTO ,- /

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Instituto J ones dos Santos NevesAnolV - N° 4 - OUTIDEZ DE 1985

VITORIA - ESPIRITOSANTO

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ANOINTERNACIONALDAJUVENTUDE

1985Participação, Desenvolvimento e Paz.

MINISTÉRIO01\ EDUCAÇÃO

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ANOINTERNACIONALDAJUVENTUDE

1985Participação, Desenvolvimento e Paz.

{fa'· "~~~~ . ~. COMISSÃO~:::=:- ~ NACIONAL~~~ DA JUVENTUDE~~

MINISTÉRIOD1:\ EDUCAÇÃO

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11 N D

~EMEROTECA

8~biioteca Ct'lnl u •1

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I C E ANO IV - NO 4 - TRJMESTRALVJTÓRIA ESP(RITO SANTO

'JEBATE",eforma Agrária

~feitosda indexação da economiaa remuneração do capital e do trabalho

ornpetência da Nova Repúblicaecer prioridades ed ucacion ~is

ora é de plantar milhocom o subsídio ao trigo

el m da velha prática autoritária

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2427

Registrada sob o número 1854 P 209/73, naDiV1são de Censura e Dlverso"s Públicas do De·partamento de Pol{c,a Federal de Brasl'lJa (DF)

EDITADA PELO DEFARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E RECURSOS AUDJOVISUAIS DO IJSN

DIretor SuperintendenteManoel MaJ1lnS Fdho

Coordenador TéCniCOAntônio Lwz Caus

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APOIOCla.rice Silva :::. Márcla Lugão

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DIAGRAMAÇÃO E ARTEIvan Alves Vietra Filho

EDITORAdilson Vl1aça

REDAÇAoDjaima VazzoJer, F!anClSCa Proba .IuI!a Demonue Sueli Campo

ILUSTRA ÇÔESEugênio Herkenhoff, Lastênto (pag central) eSazito

COMPOSIÇÃO:l=:Scnta Composlções SMW

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IMPRESSÃO:Grafitusa - Gráflca TúlJO Samonnl LIda

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!idade dos autores_ Colaborações em forma de artlgos, cnsalOS ouresumos bIbliográficos, devem ser encamU1 hadosao Departamento de Comunicação Social e deRecursos AudJovisuais do Instituto .Ioncs dosSantos Neves.

Endereço: Av. César Hrla1, 437 lO andar ­Fraia do Suá Vitória - ES - CEP 29.000 ..Te! 227·5044

Coordenador Geral do Projeto EspeCIalCidades de Porto Médio· VitóriaJosé AJ1tônlo Colodcte

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DOS E PROJETOS

iBUNALIVRE

SENHA

2na parada é crime.1m crime que mata até cidade.

IAS-'-'-'~--'-"-'-----

BIBLIOGRÁFICA

~

3unas, I en to ... areia ... tem pol

studos Populacionais projetamr< rede urbana até o ano 2010

• lISTÓRIA

e, Artaud e a Artem se na libertação do delírio

19 Um período históricondustrialização do E Santo

rrl 984 a racionalidade repressivalisubstancia a realidade orwelliana

Grande Capital predominana expansão da economia capixaba

r1\JTREVISTA

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CARTA AO LEITOR

A Lei 4.504, de 30/11/64, mais conhecida como Estatutoda Terra, ficou engavetada durante 21 anos. Feita para atender ao so­nho de implantação de um capitalismo moderno e, talvez, de quebra,curnprir o imperativo constitucional que visa "promover a justa distri­buição da propriedade, com igual oportunidade para todos", a Leinão resistiu à grita daqueles que não admitem mudanças na secularestrutura agrária brasileira.

O primeiro governo da Nova República, através do ato deentrega ao Congresso da Proposta para Elaboração do 1.0 Plano Na­cional de Reforma Agrária, em 27 de maio, desenterrou o Estatuto eressuscitou a gritaria. Quem tem medo da reforma agrária?

A reforma vai beneficiar sete milhões de brasileiros e, segun-do o Estatuto, as terras produtivas são intocáveis. Portanto, quemtem medo são os grandes propríetários de terras ociosas, os especula-dores.

Neste número a Revista IJ5N trata da reforma agrária com oDebate e a Entrevista, reunindo personalidades ligadas ao tema e ou­vindo moradores do Município de Ecoporanga.

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Burnier Emll Roger Ricardo

DEBAIE.I)IAB)ODJAlMA

Reforma Agrária.A terra para quem planta?

Falar em reforma agrária na atual conjuntura brasileira é suscitar a explicitaçãode conflitos e aspirações que a noite de vinte e um anos escamoteou.

mo que destampando uma panela de pressão, a Nova República trouxe àbaila o tema, talvez, mais polêrnico deste país-continente.

A sociedade exige que a questão agrária seja amplamente discutida. Umlaboratório de convivência democrática, eis o que poderíamos chamar o

confronto de idéias entre o Membro da Comissão Pastoral da Terra, DerliCasoli, o Presidente da Federação da Agricultura do Espírito Santo, Pedro

Burnier, o Presidente da Ceasa, Emil Schubert, o Chefe da Divisão EstadualTécnica do !ncra, Roger Darío Delboni e o Secretário da Agricultura, RicardoSantos, neste debate, mediado pelo senúdor do I]SN,Dja!ma]osé Vazzoler,(redator e membro do Conselho Editorial da Revista !]SN). Foi convidado

também o Presidente da Federação dos Trabalhadores naAgricultura, AntônioAngelo Moschen, que não pôde comparecer.

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Pelo Plano de Refonna Agrária, 7,1milhões de agricultores receberão um peda­ço de terrá. O que isso vai significar para asociedade, principalmente para os empresá­rios da área e trabalhadores rurais?

Ricardo - Nós temos hoje, estimadopelo INCR.l\, cerca de 10,6 milhões de tra­balhadores rurais sem terra. E o plano pre­vê a distribuição de terras para o assenta­mento de 7,1 milhões de trabalhadores ru­rais. Isso visa benefici~r diretamente 7,1milhões e, de uma maneira indireta, benefi­ciar os 3,5 milhões de trabalhadores ruraisque permaneceriam incorporados no mer­cado de trabalho das empresas rurais e dosproprietários rurais.

Evidentemente, é um plano que temum alcance social e econômico extraordiná­rio. Acho que o país não tem outra alterna­tiva para gerar emprego e renda semelhan­te ao plano nacional de reforma agrária.

Além disso. ao serem transformadosem cidadãos, mÚhões de brasileiros, que seencontram em condições sub-humanas devida, vão ter muito mais condições de par­ticipação política do que têm hoje.

Acreditamos que o associativismo éfundamental para que essas áreas submeti­das à reforma agrária sejam fortalecidas. Osprodutores rurais assentados deverão forta­lecer a sua ação, fortalecer sua organizaçãode produtores com o objetivo de sobrevivereconomicamente e também com o objeti­vO de se fortalecerem politicamente, sejasob a forma de propriedade familiar, sejasob a forma associativa ou cooperativa.

Bumier - O que a gente sente e temcolocado é que a proposta de plano apre­sentada é muito doutrinária e pouco con­clusiva. Acho que, em determinados aspec-

tos, ela extrapola o Estatuto da Terra. Émuito interessante e muito proveitoso e atépróprio do clima democrático da Nova Re­pública que se discuta, como proposta, to­dos esses pontos. Agora, apenas acho que,em termos estratégicos de ganhar tempo, aproposta deveria cingir-se mais ao Estatutoda Terra e a ações concretas para, de ime·diato, colocar o processo em andamento.Pegando dois aspectos, o programa de triobutação e o programa de colonização, quesão bastante minimizados no anteprojeto:de pronto, o lncra e o Ministério poderiampartir para uma ação rápida de cobrança dedívida acumulada. E colocar isso numa fa­se também de reforma de alíquotas a se­rem cobradas desse imposto, ou seja, trans­formar esse mecanismo de tributação nummecanismo também coadjuvante ao proces­so.

Ricardo - Mas isso já está sendo feito.Está havendo cobrança de dívida acumula­da.

Bumier - Outro aspecto refere-se àmalfadada colonização feita pelo lncra emtempos anteriores. Um erro não justifica ooutro. Nós também não podemos, numpaís de extensão territorial grande a serexplorada, relegar a um plano secundário acolonização. Essa, em processos passados,tamos as grandes teses do uso social da terra,incentivou o desbravamento que, em mui·tos casos, acumulou experiências positivas.

Outra crítica que faço é sobre o crono­grama financeiro. Cr $ 5.250.000 é umaquantia bastante irrisória para cobrir custosde assentamentos. O Plano gasta 56 folhaspara falar de questões doutrinárias e filo­sóficas, quan10 o cronograma e os custos

lcardo)

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de implantação ocupam apenas uma folha.Além disso, algumas' colocações filosó­

ficas foram até provocativas da nossa clas­se quando, por exemplo, colocam o traba­lhador rural como cidadão não pleno en­quanto ele não tiver acesso à terra em quetrabalha.

Achamos também que se deveria darmais ênfase à participação da classe empre­gadora no processo de reforma agrária. Emnenhuma linha desta proposta se falou nacomissão agrária. Exatamente a comissãoagrária é a janela onde a classe produtora(a classe empresarial) poderia participar doplano. Causou espécie à gente não ver issoconsubstanciado na proposta. Afinal, aclasse produtora é também partícipe doprocesso.

Derli - Essa reforma agrária pode fi·car falha se for feita apenas em lugares dis­tantes dos grandes centros do Brasil, comono norte do país (Rondônia, Pará ou Acre),onde atualmente estão acontecendo osgrandes conflitos de terra, onde as terrasboas estão nas mãos de grandes grupos es­trangeiros. Quais são as terras para a refor­ma agrária, hoje, sendo que as melhores ter­ras estão concentradas nas mãos de peque·nos grupos que não vão abrir mão dessasterras? Coloco isso como um desafio paragente. Há no Brasil, hoje, mais de 5 milhõesde proprietários. E, desses proprietários,540 controlam 80% das propriedades. Co­mo fica agora, sendo que mais de 130 mi­lhões de hectares de terras ociosas estão nasmãos desses latifundiários que não estãovendo com bons olhos a proposta de refor­ma agrária e reagem de maneira violenta?Basta ver no norte do Brasil onde estãoacontecendo grandes conflitos de terras.De repente, chega um fazendeiro para umgrupo de posseiros, diz que a terra é dele ecomeça a briga.' Só este ano, já foram assas­sinados "96 lavradores, principalmente nonorte do BrasiL Como você explicaria paraa gente essa reação tão desenfreada?

Burn.ier - Hoje, nós, da classe empre­gadora, estamos muito mais preparados pa­ra discutir o aspecto de reforma agráriadentro de um aspecto participativo. Acei­tamos as grandes teses do u<o social da terra,da distribuição de terras ociosas... Digo is­so das federações de agricultura nas regiõesmais adiantadas, que respondem por maisde 80% do produto agrícola bruto nacio­naL Nós nos negamos a sermos vestidoscom aquela camisa de força do grileiro e dojagunço nordestino e amazonense do norte,quer dizer, quem produz alimento e quemsustenta o Brasil de alimentos, seja para apopulação ou seja para exportação, nãopensa dessa maneira. Acho que uma fede­ração como a de Minas Gerais, que tem 350sindicatos rurais, do Rio Grande do Sul,

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"o Estatuto, Nesses planos regionais,identificadas as áreas de aç,io den tro dasregiões já declaradas prioritárias no pianonacional, os objetivos específicos, as ;ireasdesapropriáveis, as obras de melhoria e oscustos, Após esses planos regionais, é quepoderá haver alguma desapropriação paraefeito de assentamentos. E, no momentode serem realizadas essas desa propriaçõ\es,há necessidade também da elaboração 'deprojetos específicos para cada imóvel ouentão grupo de imóveis. Portanto, hánecessidade, para a efetiva irnplantaçiío dareforma agrária, da aprovação do planonacional, dos planos regionais e também aseleção das áreas dentro da dedesapropriação. Tem, queS[;lO

dos órgãos específíco.s envolvidos na re­forma estabelecidos no Estatuto da Terraem seu artigo 37: o I ncra, a nível nacional,SUdS diretori<ls e também ascomissões que serão criadas apósdefmição das áreas regionais prioritárias. Ascomissões agrárias com põem-se de 3representantes da classe trabalhadora, 3 re­presentantes da classe dos proprietários, 1representante de entidade pública ligada àAgricultura, 1 represen tante de estabeleci­mento de ensino e 1 representante doIncra, que a presidirá. Então, é precisopassar por essas etapas todas para se che­gar a, efetivamente, implantar a reformaagrária.

Mas, aqui no caso do Espírito Santo, ecomo está ocorrendo em vários outrosestados, a gente não está esperando aconclusão de uma etapa para se iniciar aseguinte. Por exemplo, não vamos esperaraprovação do plano nacionar para iniciara elaboração do plano regional. A gente

''As federaçôesagricultura nas reglóes

lllais adiantadas aceÍt(7II1. atesc do 1150 social da terrnda dístríbuiçàc) das ferras

oCiosas

bens-salários: a estrutura de indústria têx­til, indústria de alimentos, inclusive frangose ovos. Vai haver uma expansão de deman­da desses produtos. A expansão do merca­do interno, de modo geral, beneficiará oschamados produtos de bens-salários.

Eu citaria também setores produtivos

.de máquinas agrícolas e insumos' agrícolas.Na medida em que a tecnologia agrícola se­ja adaptada às condições naturais e às con­dições sócio-econômicas de nossos produ­tores, os setores industriais que hoje estãoproduzindo maquinaria agrÍcola e outtOSinsumos industriais deverão muda r seu per­fil e suas linhas de produçi\o para atender auma nova política agrícola, A gente nãopode separar nunca o plano de reformaagrária de uma nova política agrícola. Achoque as duas coisas, na medida em que agente visa democratizar a política agrícolae agrária, têm que marchar de maneira con­jugada.

- Que mecaIÚsmos estão sendo ou de·verão ser acionados para que o Plano Na­cional de Refonna Agrária se tome umarealidade?

Roger - A implantação efetiva da re­forma agrária, de acordo com o Estatuto daT:rra, tem algmnas etapas que estão per­fertamente defil1ldas. Em primeiro lugar, hánecessidade de um plano nacional. O quetemos atualmente é uma proposta para aelaboração do Plarw Nacional. Após apro­var esse plano naclOnal -, que var definrráreas prioritárias, os obje tivos para a ela­boração dos planos regionais e também oslimites de dotação a nível nacional e decada região -, é que poderão ser elabora­dos os planos regionais, também definidos

(SllmÍer)

que tem mais de 400 sindicatos rurais,esse pessoal quando fala, fala representan­do o pensamento dos sindicatos rurais. A

da Bahia, a Associação de Cria-dores Bahia, esse pessoal representa um

do pensamento forte da classe. Quernós ternos que acreditar mais na Fe­

da Bahia do que em três fazendei­sul da Bahia tlue ameaçam matar to­

mundo bala.Derli A realidade é que eles estão

Illd praticando violências e não estão){,Bdo punidos...

Burnier - Aqui tenho o manifesto as­,macio peJa Federação da Agricultura daBahia, Associação Baiana de Criadores, Or­ganização de Cooperativas da Bahia, Asso­ciaçã.o Comercial da Bahia, Cónselho Na­cional de Produtores de Cacau, Associaçãodos Dirigentes Cristãos de Empresas da Ba­hia e Federação das Indústrias do Estadoda Bahia. Faço questão de citar a Bahia porapresentar-se como um estado conservadore ser nosso vizinho. Diz o manifesto que,ern princípio, os produtores rurais não são

tra a reforma. "Ao contrário, manifes­plenamente favoráveis a um projeto

renda às aspirações da ascençãoe das grandes massas ru-

inclusive e principalmente à posse eem próprio. Em parti-

tendem os produ tores que um pro­reforma agrária deve se apoiar no

l.L!"! U \.U da Terra e res peitar a Constituiçãodo País, Os produtores vêem como

!.UllUH"dU essencial e necessária para o êxitoprojeto de reforma que seja acom­

p,'''".dU'V de um programa de políticas agrí­:o1as, todas voltadas para a assistência aosprodutores rurais, Uma simples reforma-undiária não será nada mais do que umatenta tiva sem êxito de assen tamento de tra­aalhadores rurais no campo, E certamente'esu!tará numa reforma agrária falida, E a,'Java República não pode frustrar as aspi-ações, Entendem os produtores agropecuá­

que a prioridade das desapropriaçõesleve concentrar-se exclusivamente nas ter-

do governo la tifúndios improdutivos,ms outros juntos, ocupam grande

do nacional, constituem nanegação da função social e econô­

terra. Latifúndio imrrodutivocomo reserva de capita é um di­propriedade indefensável". Não é

11e""v,·1 ser mais claro que isso. Ou eles res-citam o que assinaram ou não podemos

discutir.Ricardo Acrescento ainda que esse

"lano, ao gerar emprego para milhões derasileiros que hoje vivem em condições deida difícil, terá um impacto certamente

'J1uito positivo com relação aos setores ur­mos industriais, produtores dos chamados

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está tentando ganhar tempo nesse sentido.Estamos levantando informações, manten­do contato com diversos órgãos de classe e

do governo, discutindo o assunto eten tando montar esse plano. Esse plano éde competência legal do !ncra, mas ele nãovai assumir isso sozinho, nem poderia, naNova República. Vai procurar ampliar adiscussão.

Derli - Também em outros estados oestá bem adian tado nas discussões.Santa Catarina, por exemplo.

Roger - Paraná, Rio de ] aneiro, Sãop" ulo... O Espírito Santo, inclusive, estáum pouco mais atrasado, porque aquidemorei tomar posse. A gente demoroutambém conseguir dados referentes ao

Santo. Esta semana é que começa-ram a dados melhores do próprioIn crJ.

Ricardo Embora a elaboração estejaum pouco atrasada, a discussão, em termosdos diversos segmentos da sociedade

está muito avançada. E a própriados assentamentos trouxe

discussão á baila.' De maneira concre­nós estamos discutindo isso há bastante

tempo.

Roger Foi bem lembrado peloRicardo que o Espírito Santo está aténuma situação privilegiada em relação aoassunto juntamente com o Paraná, SãoPaulo . .Ç os trabalhadores aqui já estão seorganizando, existem vários grupos emfunção do programa de assentamentos dogoverno. As discussões não são recentes, o" se coloca é a elaboração do plano,

lvla s a dis cussão já é an tiga.Ricardo - Com relação às experiências

"Quais são as terras pararefonna agrária sendo que

as melhores terras estão nasmãos de pequenos grupos

que não vão abrir rnãodessas terras?"

(Der/i)

que estão sendo desenvolvidas desde o anopassado pelo governo estadual, no norte doestado, são 3 grupos de ]aguaré, 2 gruposem Conceição da Barra, 2 grupos em SãoMateus e já estamos adquirindo áreas naGrande Vitória para implantar o assenta­mento péri-urbano. São grupos de traba­lhadores organizados e já estão vindo comuma proposta de trabalho associativo. Nósjá temos 174 famílias assentadas e essasfamílias participam da elaboração doprojeto; existe uma metodologia de diálogopermanente dos trabalhadores com ostécnicos da Secretaria de Agricultura, doSistema Operacional da Agricultura e tudoé feito no sentido de que esses grupos detrabalhadores, depois de uma certa fase,consigam obter sua autonomia no sentidode que eles possam gerenciar um projetoagrícola por si só. Numa primeira fa­se, existe ajuda do governo, ajuda essaantes da primeira safra anual, em que ostrabalhadores recebem alimentos, sementese material de constí'ução de casas rústicas ...A segunda fase, que é a fase efetiva deimplantação do projeto, prevê sempreculturas permanentes e culturas anuais e to­do o gasto na propriedade é contabilizadopara pagamento futuro por parte do grupode trabalhadores... Numa terceira fase,esses trabalhadores deixam de ser financia­dos com fins fundiários e passam a recorrera sistemas normais de financiamentos darede bancária. Em Síntese, a experi­ência que vem sendo desenvolvida pelogovern o é essa.

Bumier - Uma observação, Secretário,é que nós estamos muito mais atrasados emtecnologia para o pequeno proprietário,especificamente no norte do estado. Mas

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estamos bastante atrasados tam,bém para ogrande e médio proprietários. E claro que,economicamente, esse homem é mais forte,mas devo dizer que, usando especifi­camente, por exemplo, o problema deirrigação no norte do estado, não foiacrescido, pela máquina técnica do estado,nada ainda a quem arriscou seu dinheiro eseu trabalho comprando o conjunto deirrigação. A irrigação que se faz hojeno norte do estado é sem nenhuma orien­tação técnica de base. Ninguém estudouciclo de regra para nenhuma cultura, nin­guém estudou ainda evapotranspiraçãopotencial para se dar uma orientaçãotécnica para quem está usando o equi­pamento, Existem equipamentos parados eque custam uma fortuna, exatamente emépocas em que eles deveriam estar sendousados. Eu acho que a falta de informaçãotécnica, falta de pesquisa básica para aagricultura é um grande problema nacional,não é só do Espírito Santo, não.

Ricardo - Você levanta a questão tec­nológica de maneira geral. O modelo depesquisa que se implantou no país, sobre­tudo nos últimos 5 anos, concentra os re­cursos a nível federal, através da Embrapa,que é a grande empresa que coordena todoo sistema de pesquisa a nível nacional. Pa­ra citar um exemplo, em 1982, ela custea­va 45% da nossa empresa, Emcapa. Em1985, essa percentagem é abaixo de 5%.Então, houve um fortalecimento do cenrrode pesquisa da própria Embrapa e ela foiretirando apoio às empresas regionais. Es­sas empresas reiPonais, no caso de uma em­presa de pesqmsa como a nossa, tem Im­portância muito grande porque visa adaptartecnologia às produções naturais da regiãoe às condições sócio-econômicas dos pro­dutores existentes naquela região_ Então, éum problema muito sério que existe emtermos de geração de pesquisas desse paísno sentido de que há grandes centros na­cionais gerando pesquisas e gerando tenoIo­gia que não se adaptam às diversas condi­ções regionais do país, que é um país dedimensão continental.

Além disso, praticamente não existetecnologia adaptada ao pequeno produtorou, quando existe, é deficiente. Você de,verá concordar comigo que talvez poucos'governos estaduais investiram tanto em pes­quisas no Estado do Espírito Santo como 9atual. Realmente, nossa grande preocupação é no sentido de gerar uma tecnologiestadual adaptada às diferentes regiões {!Espírito Santo, - nós temos aqui regiõenaturais bem distintas umas das outrase adaptadas às diferentes condições sócieconômicas de nossos produtores. lnvesem pesquisa tecnológica adaptada é uquestão que a gente considera vital

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solução dos programas da nossa agriculturade hoje, de agricultura dos chamados se­tores deformados.

Que. fonuas de assentamentos devemser privilegiadas no pro~o de ReformaAgrária?

Bum.íer - A gen te vê que os assenta­mentos, aqui no Espírito Santo, foram fei­tos na forma de assentamentos comunitá­rios. Por que não se tencionou colocar tam­bém alguns desses assentamentos pensandona propriedade familiar? Assim teríamos,ao longo de um prazo histórico, um outrotipo de experiência para poder desenvolverpesquisas, até de cunho social,' comparan­do ou analisando os dois modelos.

Ricardo Em primeiro lugar, essesassentamentos não nasceram de uma inicia­tiva espontânea do governo mas foi urnaresposta que o governo pretendeu dar amovimentos de trabalhadores organizados,sobretudo os bóias frias existentes no nor­te do estado. Eles já vieram com propostade .trabalho associativo. Proposta esta queesta sendo submetida a debates Intensosdentro dos próprios assentamentos.

A segunda razão é que o número de fa­mílias existentes dentro desses grupos é tãogrande que o atendimento de módulos oude parcelas de terras individualizadas exi­giria uma quantidade de terra muito maiordo que o governo tinha condições de ofe­recer. Teria que ter pelo menos uns 5 al­queires por família.

Evidentemente que um programa dereforma agrária, com possibilidade de desa­propriar terras particulares improdutivas,possibilitará um estoque muito maior deterras efe tivar a ex periência de pro-

familiar.Derli Acabo de chegar de um encon-

tro em Goiânia onde havia representantesde todos os estados do Brasil. E o pessoaldo Rio Grande do Sul colocou uma expe­riência que eles estão vivendo lá. Os asseIl­tamentos onde o trabalho é feito de formaindividual e não de forma coletiva não eS­tão dando certo. Praticamente 2 assenta­mentos já foram de água abaixo. O pessoalcomeçou a trabalhar de forma individual eforam aos bancos, fizeram os empréstimose agora não estão conseguindo pagar. Osbancos estão tomando as terras, já toma­ram de 70 famílias. Do outro lado, um gru­po de 115 famílias, e um grupo de 15, de­cidiram fazer um trabalho de forma coleti­va. Ao invés de fazer de imediato emprésti­mos aos bancos, foram trabalhando, agoraconseguiram comprar até um trator. Tive­ram uma produção bastante alta este ano.Provaram, na prática, que a forma de tra­balho coletivo é melhor.

Bumier ._- DerIi, quando a gente enfa­tiza eSSe problema da propriedade indivi-

dual dentro do processo de reforma agrária,é porque a gente nota que o grande objeti.vo do trabalhador rural, o grande objetivodo trabalhador sem terra é o de constituirpara a família dele um pedaço de terra co­mo também um patrimônio. Quem faz areforma agrária, especificamen te os órgãosdo governo Secretaria da Agricultura, olncra e o Ministério da Reforma Agrária -,tem que se auto-policiar para não colocarcomo uma camisa de força no trabalhadoraquilo que O governo ou 05 técnicos achamque seria o ideal.

O que a gente vê ê uma tônica muitogrande de todas as pessoas que a gente con­versa na área do Incra e do Ministério delevar o modelo comunitário para esses as­sentamentos. Nós já tivemos, num passadomais distante, uma série de atividades ondeo técnico quer colocar no público, no tra­balhador rural, urna série de coisas que eleacha que é correto. O produ tor rural acei­ta momentaneamente e depois mostra quehouve, até certo ponto, urna violentação doprocesso, A gente tem que se policiar mui­to, tomar cuidado, Do contrário, daqui acinco ou dez anos, vamos frustar uma ex·pectativa que nós botamos no trabalhadorsem terra: dele constituir uma propriedade.

Ontem, nós estávamos em Boa Esperançae assistimos a um espetáculo de 29 meeiros,cada um comprando 10 hectares, 5 hecta­res e recebendo um diploma, Estivemos napropriedade de um deles que se tornou pro­prietário rural. Hoje, esse antigo meeirotem mais 2 meeiros trabalhando para ele.Eu sei que isso às vezes violenta o modelosociológico, o modelo humanístico que aIgreja e que nós todos podemos querer le-

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var ao campo, mas que às vezes, dentro daimperfeição terrena, não é o modelo que oproprietário, pelo menos lá em Boa Espe­rança, gostaria de ver im plantado.

Roger Pelo que o Pedro disse, tem-sea impressão que, na proposta de estáse induzindo para formas na Or-ganização da produção, Não é bem aSSlm,Não se está impondo formas de unidadesindividuais, ou associativas, ou mistas. Estáse respeitando a organização própria do tra­balhador e seu livre direito de escolher amelhor forma de se organizar. N;io seriajusto por parte do governo impor previa­mente como o trabalhador vai senesses novos assentamentos, Porque nós sa­bemos que o grande sucesso da reformaagrárJa está na internalização do própriotrabalhador da responsabilidade e do gran·de desafio que ele tem pela frente,

Bumier Roger. eu faria duastas. A primeira é a seguinte, corno que apropriedade em moldes coopera tivos se en­caixaria dentro do Estatuto da Terra? Emsegundo lugar, mais ou menos ligado isso.você prevê que daqui a três anos essessentamentos comunitários marchem paraque tipo de estrutura? Você vai ter daruma forma a isso, você vai [cr queisso de cooperativa de [rabalho comunit;i­rio, de sociedade com cota !i,m[ada. üu so­ciedade anônima, enflm, vocé VaI ter quedar urna a isso. Num proces-so inicial, [udo bem. vai a umponto em que você vai tornar financianien­to, vai comprar equipamento, vai pleitearrecursos. Esse aglomerado de pessoas têmque se consolidar dentro de uma figura.

Roger - Em primeiro lugar, a gente es­pera que, na maioria dos assentamentos, os

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Roger O [ncra não tem expectativanesse sen tido. E pelo que a gente vê, aquilo

está arraigado na cabeça do trabalha­na nossa e na da sociedade, Mas que

outros, optando por outras formas, tam-bém n;lo bloqueados prevIamente.

Quanto ao legal, eu não vejoo Esta tu to da proíba-essa forma,coloca unidades familiares, mas tam·

bém outras formas de organização,Quanto à outra parte da pergunta, a

forma de organização, possivelmente, com() passar do tempo, essas orga nizações detf,' balhac1ores, assen tamen tos que optarem

formas assou" tivas, terão que tambémcaminhando, evoluindo para adquirir

uma forma juridiea que seja mais compatí.vel com a realidade.

Derli .~ A quest;io de que o 'trabalha­dor tem na cabeça a forma Individualista,não é bem assim, no meu entender. Tantoos trabalhadores do campo como da cidadesentem a necessidade de um trabalho deforma coletiva. Basta olhar o que está acon­tecendo nas periferias das grandes ci-dades, onde o está se reunindo paraum trabalho Também no campo,

todos os dias que aS famílias da regiãoonde trabalho, Pedro Canário e Conceiçãoda Barra, est;lo se orgamzando para fazerum trabalho comunltário. Estão descobrin­do que é o ÚnICO earl11nho para resistiremn;l tcrr.:l,

Emil Eu tive oportunidade de co-nhecer algurnas experiências de colonizaçãono norte do pa ís, em Rondônia e também

V'lo decIdir por unidades ln- de individual seria a melhor forma de ex­ploração da terra.

Ricardo -- Eu gostaria de faz.er umaobservação. O Presidente da Federação daAgricultura, Dr. Pedro Burnier, tem maiorcontatos com proprietários e parceiros, Nóstivemos contatos com parceiros, trabalha­dores sem terra, em Santa Tereza. Eles nãoaceitam de forma alguma a exploração dapropriedade sob forma associativa, Está nacabeça desses parceiros e proprietários oseguinte: queremos a nossa propriedade.

Burnier - Pois é, Ricardo, Ele sempreteve o seu talhão de terra separado, diferen­te do talhão dos outros, Caprichou mais nodele,

Ricardo _. A experiência dele semprefoi do trabalho individualizado, Entretan·to, você não tem tido muito contato comesses grupos de trabalhadores organizadosonde trabalhadores bóias frias que vivemem favelas, nos municípios do norte do Es­pírito Santo sobretudo, talvez pela necessi·dade de sobrevivência, devido às condiçõesde vida extremente difícil, seja mesmo parareOetir com relação às condições de desem­prego ou de se encontrar uma saída paraurna situação muitas vezes até de fome, issotem levado a que se organizem em grupos,E, nesse processo de organizaç;lo, as pro­postas que vêm são propostas de gue essaorgan ízação seja levada também para ocampo da produção, Então, eu respeitomuito a sua experiência como presidentede federaç;lo e que você está enfatizandomuito esse ponto, levando em conta oscontatos mais freguentes que você têmcom proprietários e parceiros, Mas é impor­tante considerar também que esses grupO.lque estão sendo atingidos S;lO pessoas quese encontram em situação muito mais di­fícil dentro da agricultura capixaba. Sãotrabalhadores bói~s frias, sendo uma grandeparte desempregados ou subempregado$, Aforma associativa vem sendo imposta poreles mesmos.

A Reforma Agrária, bem como umanova política agrícola poderão contribuirpara a desinflação?

Emil - Eu acho que urna nova políticaagrícola deverá, a partir da realidade do

nosso homem do campo, da realidade bra­sileira, beneficiar principalmente q peque­no e o médio produtor, desenvolvendo as­sim urna agricultura alternativa a quetemos aí. Eu quero citar principalmenteuso de adubos químicos, agrotóxicosaquela tecnologia sofisticada que estádo usada aí, muitas vezes desconhecendorealidade do nosso homem do campo, especialmente do pequeno e do médiotor. Então, na medida em que essa novalítica agrícola desenvolver umaadaptada ao nosso homem do campo e

no Pará. Ali sim o trabalhador da terra so­freu um processo de camisa de força, quetdizer, foi jogado nessas novas áreas, muitasvezes arrancado de sua região, totalmentedesconhecidas E o que a gente teve oportu­nidade de con hecer lá é que havia um inte­resse muito grande de se organizar, Tantoassim que muitos j;; estão se organizando.Então, eu acho que esse plano de reformaagrária só dará certo se houver uma efetivaparticipação dos interessados. E, se houveressa participação, eles v:lo ter a oportunida­de de decidir sobre que forma de assenta-

mento querem, que formas de proprie­dade querem,

Bumier Se você vaI comprar uma co-letadeira, se você vai construir um galpãopara arnliJ.Zendgc rn, se você vai canlinharpara qualquer cois;\ de uso coletivo, é mui­to mais fácil aeciIar a idéia da propriedadecoletiva, Agora. o que cu coloco é que elesnão abrin:lm mão dac]uelc direito ;\ terra,daquela idéia de direito ,i terra. Esse é oaspecto que eu coloco quando levantei oproblema,

Roger O individualismo est<Í na ca·beça de todos nós mas a gente verifica noescada que, a partir do momento em g ue ostrabalhadores começam a discutir a quest;locom maior seriedade, eles normalmentetêm optado pela forma coletiva. Eles têmoptado por várias formas de organizar otrabalho. Tem rorma de trabalho totalmen·te conjunto, têm formas mistas, etc. masem nenhum dos assentanlentos eles opta­ram por dividir a terra.

Burnier Tenho certeza de (lue, sevocê flzer urna enquete entre os técnicosque comandam e orientam esse processo,nenhum deles vai achar que a propriedade

10

a expectativa do In·~ Essa

trabalhadoresdivlduais,

Bumierera?

Page 12: Revista IJSN - Ano IV - Nº 4 - 1985

HEMEROTECA

garantir a sobrevivência dos pequenos pro­dutores. Isso para nós, sobretudo quandose fala do Espírito Santo, é fundamental,levando em conta, em muitas regiões nos­sas, o problema de como se ter uma políti­ca agrícola que garanta a sobrevivência dopequeno produtor. em especial. as regiõesde hortigrangeiros, regiões de café, regiõesde banana, alguns bolsões do norte, ele pro­dução de alimión tos, de mandioca etc.

É preciso gerar e difundir r.ecnologiabem como financiar e organizar a prodtç5:0de tal forma a sustenrar a pequena produ-ção. Ontem mesmo nós vimos o nde de-safio que existe no norte do com re-lação ao problema de de solo cágua para o pequeno produr.or. onde nósnão temos par'a isso.. ESLI

existe para atender ao grandemo por exemplo a irrigaç;lo por aspcrsüo.Se continuarnl0S a não investÍnTlos I1Unl

novo padráo tecnológico para o pequenoprodutor, sobretudo no norte, ele n30 pro­duzirá feijão, n,To produzirá milho.

Emil .:;- O Df. Pedro disse que umagrande parte das terras que não estão emuso hoje são terras pouco produtivas ounão produtivas. Eu acho que nilo corres­ponde exatamente à realidade do país.

Burnier .... Eu digo o seguinte. Emil:quanto às terras próximas. aos núcleos urba­nos que não est30 sendo aproveitadas e sãopassíveis de desapropriação, a expectativa éde que essas terras apresentem um poten·cial de produção abaixo da média. Senàoo pessoal estaria plantando.

Ricardo - Eu concordo com o Pedronaquilo que diz respeito ;1S terras dosgrandes centros. As terras aOs

irrigação, correndo o risco de não ter tam­bém orientação e nem assisrência. A terraonde vai ser assentando o pequeno e miniprodutor não vai ser a melhor terra e elenão vai estar com a tecnologia desenvolvidapara ter uma alta produtividade, e ele vaitcr que ganhar alguma coisa. Não vai tra­balhar com o escravo para produzir bara toe a periferia da cidade' se alimentar.

Ricardo Eu acho que esse depoimen-to seu, Pedro, é fundamental, na medidaem que ele parte do Presidente da Federa­ção da Agricultura. Você faz uma análisesobre o papel tecnológico da agriculturabrasileira que caminhou no sentido de de­senvolver tecnologia avançada para escalade produção maior da agricultura e é adap­tada muito mais a médios, grandes proprie­tários e empresas rurais. E se a gente forobservar o que aconteceu nesses 20 anosatrás, realmente, tudo se caminhou nessesentido. O papel da tecnologia gerada pelasnossas entidades de pesquisa, a própria as­sistência técnica, se adaptou a tal política.Isso ajudou também a puxar o crédito rurale os mecanismos de .incentivos. Tudo con­tribui para a concentração da propriedade,da estru tura fundiária.

Realmente, quando a gente fala em re­forma agrária, o que se procura, além de seabsorver contigentes enormes de trabalha­dores rurais sem terra, é tentar corrigir dis­torções nessa estrutura fundiária brasileira,a segunda mais concentrada do mundo. Éfundamental que a política agrícola,- e aíestou falando em todos os seus mecanis­mos, a pesquisa tecnológica, e assistência

técnica, a política de preços mínimos, oapoio às associações e cooperativas na co­mercialização -, se adapte no sentido de

(Rirnrdo)

"Os assentaI/lentos naonasceranl de uma inÍriatÍ7x7

espontânea do /0

lI/as foi l/rna resposta nosm07. 1inlelltos de

trahalllcldores olgalzizados.50brc'tllâo os !Jóias frias

e.x iste 11 tes li o iI o rte cIoestado.

nós vamos ter também co­urna desinflação de cus-

Roger .- Exatamente. Mas isso não éque foi gasto, não. É um orçamento.

Burnier -- Com relação à terra, vocêpartiu de que área por família assentada?

Roger 6 a 8 hectares por família.Burnier - Com relação ao problema

do barateamento do custo unitário a serproduzido nos itens dos programas assenta­dos, a gente tem sempre que partir da idéiade que as terras que não estão sendo apro­veitadas não vão apresentar uma fertilidademuito grande, Alguma razão sempre houvepara as terras estarem ociosas. São terrasonde se vai gastar mais dinheiro por unida­de do que as que estão em uso. O bom sen­So caminha nessa linha.

Outro aspecto importante também é oseguinte t a tecnologia não está desenvolvidaparaas~equenas unidades. Entilo, elas vãoter taqlBétnunl~difículdadegrande de terrendimentos compatíveis. Veja o problemade irrigação no norte do estado. E um pro­blema típico. Hoje não existe tecnologiacolocada no norte .ra.;a. produzir. ~e~ão. Aopasso que o propnetano maiOr Ja faz uma

Eu só gostaria de comple­fitar. Está se incorporando milhões dettares de terras improdutivas no processop'todução. Teremos, então, urna expan­na produção de alimentos, de matérias­as de origem agrícola para a indústria

mbém de produtos exportáveis, o quemente fará com que haja uma reduçãoreços peja expansão de oferta de pre­

es produtos agrícolas.r~ - É interessante o que o Emil

, principalmente se formos analisar oO consolidado no Brasil a partir dopassado quando o governo motivou

antação de indústrias e introduziu noum sistema de trabalho completa­

e desconhecido por nossos trabalha­rurais, como o tipo de máquinas, de

c, de tecnologia ...

Burnier - Urna preocupação nossastante é com os números colocados no

fçBlm'õnto do 1 Plano Nacional de ReformaEu pergun ta ria se tem algum nú­

Ja em termos de quantia gasta por fa­assentada até hoje nos assentamentos

pf(lmovid()s pela Secretaria.Roger - Nos projetos de assentamen­

o preço da terra foi comprado a preçobaixo. Daqui para frente há umade 15 milhões de cruzeiros por fa­

correspondente à terra. A implanta-ção projeto todo, inclusive a segunda fa-

que o Ricardo disse que será financiada,a 30 milhões o total por família.

lncIuindo a terras e outros

II

Page 13: Revista IJSN - Ano IV - Nº 4 - 1985

nos proprietários beneficiários da ReformaAgrária em suas terras?

Emil - Eu gostaria primeiro de citaralgumas causas da migração do pequenoproprietário. Como primeira causa, eua falta de condições para produzir, para so­breviver, com sua família, na sua própriaterra. Em segundo lugar, a precariedade dascondições de vida no campo, por exemplo,no que diz respeito a estradas, escolas, saú­de, eletrificação rural e outros. Em tercei­ro lugar, a expulsão pela força, por parte degrileiros. Em quarto lugar, a informaçãodistorcida da vida na cidade, da vida em ge­ral fora do campo, levada através dos meiosde comunicação e da própria escola.

Para diminuir o risco de perda da terrada parte daqueles que agora vão receber suagleba, através da aplicação do plano de re­forma agrária, é necessário que os produto­res se organizem para defenderem os seuspróprios in teresses.

Por outro lado, é preciso mudar a po­lítica agrícola, a fim de que o proprietáriopossa produzir e garantir o seu sustento edesenvolvimento; que haja urna reorienta­ção geral da política do governo no sentidode melhorar as condições de vida no cam­po; que haja uma legislação que iniba a pos­se da terra para fins especulativos.

Derli - Segundo dados oficiais, 105milhões de hectares de terra estão em mãosde multinacionais. E as melhores terras es­tão ocupadas com produtos não destinadosao povo brasileiro. O povo está querendomesmo é alimentação, como o milho, o fei­jão, a batata, ma.ndioca ... são produtos ne­cessários à população. Então fica um[10. Como efetivar a reforma agrária,bendo que as melhores terras estão sendoutilizadas com produtos de exportação? Nonorte do Espírito Santo, planta-se eucalip­to nas terras mais férteis. A cana, em SãoPaulo, está nas melhores terras do Estado.A soja, nas melhores terras do Rio Grandedo Sul.

Emil Reforço o que Derli acabadizer e afirmo que esse plano deagrária é naturalmente um plano limitado,não atende aquilo que amplos setoressociedade civil esperam. Ele define,exemplo, que empresa rural não vai sersapropriada, terras produtivas não irãodesapropriadas ainda que tenham milharde hectares. É muito alto o limite que ffixado para a desapropriação.

Derli Há maior concentração de teras com aqueles que têm o dinheiromão, que compraram mais terras. Exísáreas enormes concentradas nas mãospequenos grupos, que, apesar de produmuito, essa produção não fica no BrasUm caso típico: a carne. O Brasilcarne e de repente compra carne.

UIIi!

rlctáriuUCII()!

"0 pequeno proprietáriomigra porque não feliZ

cOlzdiçóes para prodllzir,para sobn-"l'iver, COIII sim

mília, na SIU? própriaferra. EI! oa

ia 11 t lCl S IIstem'o e(101(11Jllcnto

Um dos fatores seria o problema da terra.Outro fator seria a falta de uma tecnologiaapropriada para o pequeno produtor. Esseprodutor tem que ter renda, inclusive parapoder pagar a conta dele junto à Secretariade Agricultura no caso dos assentamentosiniciados que você falou. Nós não podemospartir da miséria no campo, do custo pe­queno no campo, para resolver o problemada cidade.

Ricardo - Considero de extrema rele­vância a questão do preço da terra. A refor­ma agrária, com certeza, vai trazer uma re­dução no preço da terra, na medida em queela vai coibir, que ela vai penalizar, quemusa terra para especulação. Isso vai benefI­ciar inclusive o grande empresário agrícolaque hoje é obrigado a dispender uma gran­de soma de recursos na aquisição da terrapara implantar o seu projeto agrícola, por­que existe muita terra retida para especu­lação. A desapropriação possibilitará a ofer­ta de terras que antes não estavam dispo­níveis. E a taxação progressiva, que é uminstrumento complementar da reformaagrária, vai também penalizar quem está se­gurando terra sem produzir, o que resulta­rá na redução do preço da terra. E a redu­ção do preço da terra vai ajudar a reduzircustos da implantação da reforma agrária eo custo de produção da agricultura de mo­do geraL Evidentemente que a geração detecnologia adaptada vai também ajudarmuito na redução desse custo. A políticade pesquisa da Embrapa no Ministério daAgricultura da Nova República está muitopreocupada com isso e está havendo umareversão nesse sentido.

O que fazer para consolidar os peque-

grandes centros, na G. V., por exemplo, sãode excelente qualidade para a produção.Entretanto, o Estado não está intervindopara evitar a especulação imobiliária. Demodo que a própria expectativa de cresci­mento de valor faz com que o proprietárionao precisa produzir.

Bumier Um dos mitos da reformaachar a unidade de produção

ser barata. não concordo com isso.Roger - Quanto à questão de que as

terras ociosas sáo de pior qualidade, o Pe­dro colocou bem, se situam abaixo da mé­dia de produtividade. isso, de modo geral, éde se esperar. Mas. também, a gente deveafirmar gue, no caso do Espírito Santo, pe­lo pouco que se conhece, existem ex cessões.Existe uma va,tidáo de terras ainda ociosasque são de ótima qualidade. Este fato deque as terras ociosas não são as melhores,não invalida o processo.

Bumier Só digo que encarece o pro-duto.

Roger - Tudo bem. Pode ser um dosfatores que contribuem para isso. Mas, poroutro lado, outras medidas podem ser acio­nadas no sentido de 'superar esta questão.No inicio, deve-se partir daquelas áreas que

melhores condições. E o desen­volvimen to de todo o processo, que, evi­dentemente, vai incorporar outras questões

termos de tecnologia, já abordadas an­teriormente, v;ii possibilitar o uso dessasterras que hoje.se apresentam em condiçõesin feriores.

Bumier Eu estou querendo alertarpara o seguin te: dizer que o produto agrí­cola gerado pela reforma agrária será umproduto de custo mais baixo é um engano.

12

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surdo. Então, essas áreas estão produzindosem, entretanto, trazer benef{cios para opovo. Porque a produção está ficando con­centrada, o lucro está ficando concentrado.

Um problema sério que vejo aí é quan­

do se fala na tecnologia adaptada às re­giões. A gente tem condições de desenvol­ver urna tecnologia muito barata aqui noEspírito Santo. Eu, que sou da região deSão Gabriel da Palha, vejo muita água quenão está sendo utilizada para agriculturadaquela região. É só fazer um estudo práti­co para descobrir que há meios, há condi­ções de se desenvolver uma tecnologia bemsimples, adaptada à situação dos trabalha­dores do norte do estado, principalmente.

Burnier - Achamos, como já foi colo­cado neste debate, que não basta distribuirterras. Há necessidade de uma política agrí­cola. Até mesmo concordamos que ela pri­vilegie, nessa etapa inicial, de.. poucos re­cursos e de iniciativa em termos de reformaagrária, os pequenos proprietários. Nesteponto, eu invoco o Espírito Santo comourna terra não só abençoada mas também

Hoje em dia, quem chegar no Es-Santo e disser que não tem crédito

para o pequeno proprietário fazer comple­mentação de várzea e fazer pró-várzea, agente tem que colocar esse camarada numaposição de muita cautela porque todos osprogramas de crédito de pró-várzea no Es­pírito Santo são dirigidos a pequenos pro­prietários (propriedades abaixo de 50 hec­taresj. Existe um esforço enorme de todosnós neSse sentido. A Federação da Agricul­tura foi uma que batalhou para que essecrédito de pró-várzea viesse para o estado.Então, nós nos colocamos também no pro­cesso como participantes de uma parte domérito disso, na política de desenvolvimen­to de ações no sentido de amparar e pri­vilegiar o pequeno e mini proprietário.

Infelizmente, não há recursos para to­dos. O certo seria o recurso que canalizassea atenção e a propriedade para o setor agrí­cola como um todo. Nós até aceitamos que

uma preferência especial pelo mini epequeno, defendemos isso, trabalha­

mos nessa linha. Mas é preciso também queos médios e grandes proprietários sejamapoiados nessa política, principalmente noaspecto de garantia de preço mínimo. Omilho, o feijão ou a mandioca produzidospelo médio, pelo pequeno e pelo grande de­vem ter, como de fato têm, a proteção uni­forme do Estado.

Achamos que a ferramenta do subsí­dio, por mais que ela possa parecer umaferramenta privilegiadora, como de fato é,deve ser encarada como também um apoioe uma ferramenta a ser utilizada em deter­minados processos para se ganhar no pro­cesso. Sempre foi essa a justificativa empre-

gada e deve continuar sendo empregada.Tenho certeza de que o secretário não abri­ria mão desse privilégio nosso de 35% aoano para os juros agrícolas no estado. E eleé muito mais justificado quando se empre­ga para um programa de investimento depequenas propriedades e de Pró-várzea.

Derli Se nós olharmos as estatísticas,os empréstimos foram destinados aos gran­des proprietários, nem aos médios, aosgrandes. E também favoráveis à cultura deexportação, caso da cana em São Paulo e asoja no sul. Mais de 50% dos empréstimosdo crédito agrícola foram feitos a esse pes­soaL Não houve uma preocupação de em­prestar dinheiro aos pequenos. E muito me­nos aos posseiros. Hoje, no Brasil, há maisde 650 mil posseiros. E eles não têm direi­to de fazer empréstimos bancários por nãopossuírem documentação das terras. Anosatrás, aconteceu 9ue os empréstimos feitosa pequenos e medios proprietários forambastante direcionados para a zona cafeeira.Em consequência, houve uma queda sen­sível na produção do milho e do feijão.Não se incentivou plantio desses produtos.

Bumier Mas pensa bem no jeito queo nosso povo no norte do estado, o miniproprietário, planta feijão. Se esse pessoaltivesse se entupido de crédito para plantarfeijão, com o risco que tem aí no norte, se­ria um desastre. Quanto à mandioca, tudobem. A mandioca é uma cultura muitomais segura. Houve realmente um ptejuízoenorme do pequeno e do mini proprietáriopor não ser apoiado em crédito para man­dioca. Estamos sendo estrangulados por umpreço da mandioca há mais de 10 meses.Só para ilustrar, há um ano atrás, eu vendi

"Há áreas enorrnesconcentradas produzindo

rmúto IriaS senl trazerbeneficios para () povo.

Urn caso tipico: a carne. OBrasil exporta came e derepente cOr/1t-Jra carne. É

W11 absurdo ".

(Derlí)

13

mandioca a Cr $ 120 e hoje vendo a Cr $100. E muitos dos companheiros nossos es­tão vendendo a Cr li 80. Quanto ao feijão,eu discordo de você. Acho qu,e o crédito,como coisa escassa nesse país, deve ser pri­vilégio da agricultura e, den tro da agricul­tura, deve-se, cada vez mais, privilegiaraqueles que têm mais necessidade. Num es­tado onde 87% dos proprietários têm abai­xo de 100 hectares, você tem que dar pesoa isso. Essa tem sido, pelo menos nos 3 últi·mos anos, cu garan to, a filosofia da nossafederação.

Derli - A monucultura do café é in-justificáveL Se amanhã, ou o cafévier cair de preço, nós estamos arrasados.

Burnier -- Você tern toda razão neSSeaspecto da monocultura do café. Mas nãofoi só o crédito responsável por isso, não.O pessoal caminha para o café porque érealmente a cultura malS segura, a culturamais ren tável, a cultura onde ele tem umconhecimcn to maior.

O processo de Reforma Agrária hojecorre algum risco de provocar um novo gol­pe militar?

Derli - É bom que fiq ue daro paranós que o golpe de 64 não foi só em decor­rência da questão agrária. Quem estava portrás desse golpe era o imperialismo america­no, com interesse de controlar o Brasil,com interesse de fazer crescer aqui as mul­tinacionais, de implantar as indústrias de­les. E Llm dos problemas foi o de não per­mitir o crescirnen to da agricultura. Com is­so, incentivou-se a migraçiío para a cidadepara servir de mão-de-obra barata nas gr;tn­des empresas. A reforma agrária, (lue estavana boca dos trabalhadores do carnpo, f01

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mos conhecimento. Há outros aspectos, ou­tros segmentos da sociedade para os quaispoderia ser dado mais apoio, como é o casoda educação, por exemplo, que foi semprerelegada a segundo plano. Não adianta fa­lar aos trabalhadores sobre reforma agráriase não mudar o sistema educacional nocampo. Aquilo gue nossos fllhos estão es­tudando, estão aprendendo, é o modeloeducacional implantado nos grandes cen­tros urbanos.

Burnier - Eu acho que nós todos, tan­to o lado dos produtores quanto o lado dostrabalhadores rurais, temos que nos unirem torno da agricultura. Nós temos que ba­ralhar pelo nosso setor. Evidentemente, nósternos que batalhar pela nação toda, masnós não devemos perder a visão do campo,a visão agrícola nossa e enfatizar bem queesse processo de êxodo rural, esse processode saída do campo é uma conjunção socio­lógica de vários aspectos como a falta deoportunidade de trabalho, a falta de esco­la equipada, a falta de saúde, a falta de umaporção de coisas. E, por outro lado, privile­gia a cidade em diversos aspectos.

A reforma agrária, por si só, não vaiconseguir ser aquele grande instrumentopara estancar o êxodo rural po;que não ésó o problema da falta de terra, E uma sériede outras colocações, de outras coisas queexistem e são muito colocadas na cabeçado jovem, Você vai no campo hoje e o quevê? Quem está flcando para trás? São os ve­lhos e as crianças que ainda não podemsair. O pessoal de meia idade e a juventudeestá toda saindo do cam po. E não é só aguino Espi'rito Santo, é no país de uma manei­ra geraL

14

(Der/i)

"O pOVO queré batata,feijão, rnilho ... Hoje, no

Brasil, há mais de650 fnilposseiros. Eeles flão têlTI

direito de fazerernpréstilTlOS bancários por

não possuirerndocllinentação das terras".

ses setores e conseguir, através dessas liga­ções, fazer com que a reforma agrária ca­minhe objetivamente, concretamente, semmuitas delongas e sem muitas amarraçõesno passado. Não é esquecer o passado, não,mas é tentar concretamente caminhar.

Derli O Estatuto da Terra foi elabo-rado a partir de algo muito teórico e não separtiu de uma reaLdade concreta. O povonão foi escutado.

Enúl .- Eu acho que atribuir esse Esta­tuto da Terra unicamente à visão aberta edemocrática dos militares seria desconheceros interesses, principalmente dos EUA edos países europeus e do Japão, em trans­formar o Brasil num produtor de alimentospara abastecer os mercados dos grandespaíses consumidores.

Ricardo - Não apenas isso. Mas a re­volução de 64 fez uma opção fortementecapitalista para o país. E entendia-se, desdeaquela época, que a estrutura agrária doBrasil estava há um século de atraso em re­lação ao capitalismo brasileiro. E esses pro­blemas se agravaram durante vinte anos. Adecisão de se elaborar o Estatuto da Terrafoi dentro dessa visão rnodernizadora da re­volução de 64 com relação ao capitalismobrasileiro. Portanto, o Estatuto da Terranão é nenhum documento revolucionáriodo ponto de vista das classes populares,não. Foi um mecanismo que visou adaptara estrutura fundiária do país às necessida­des do capitalismo brasileiro.

Derli - O capitalismo modernizou vá­rias coisas. De repente entrou no Brasil téc­nicas de produção, entraram aqui meios decomunicação que até então nós não tínha-

destru{da pelo golpe de 64. De repente,ninguém mais podia falar em reforma agrá­ria. Se falasse, era punido, era preso... Foium assunto que saiu inclusive do dia a diado trabalhador rural.

Eu 'acredito que a reação que aconte­ceu ern 64 nãq aconteça hoje. O nível deconsciência da população e de organizaçãodo povo cresceu. Apesar das ameaças fei­tas pelo Euclides de Figueiredo, não acredi­to que há pretenção do próprio exércitoem tentar bhquear esse processo democrá­tico que está surgindo, de participação dopovo nas discussões. Hoje, o Brasil está pra­ticamente desligado dos EUA no campoatômico, por exemplo. No campo militar,o Brasil não tem pratican:ente relações di­retas com os EUA. Um golpe hoje no Bra­sd iria trazer grandes prejuízos não só paraa nação mas também para outros países.Um no Brasil não viria ao encontro

que os próprios americanos estãoou seja, que não é bom 'que haja

malS governos militares. Eles estão dizendoisso. Querern governo civil.

Bumier Acho houve uma evo-muito grande consciência nacío-

e do povo corno um todo. As massasurbanas evoluíram e acho também que nósno campo evoluímos mUito. O proprietá­no, o dono de terras produtivas, aquele quevive da a;;;ricultura, evoluiu muito nessesanos. Ele e hoje uma pessoa inteiramente li-

aos problemas maiores do país, o queem 64 não existia. A influência da televi-

do telefone (DDD), dos jornais ... issocna uma consciência de progresso e de liga­

com os problemas maiores da nação.que um processo militar fossehoje ao programa de reforma

é ver assombração.Derli Exato. 1sso n;10 entra mais na

do povo. A gente percebe com cla­reza que os militares sempre estiveram aolado dos grandes empresários e com aqueleslíderes que não estavam a flm de ver umprocesso democrático no país e o povo per­ce be isso.

Burnier - Eu nã.o vou aqui defender ar,o',ol'1\,;] (] de 64, mas também não posso,pura e simplesmente, encampar a tese doIm perialismo americano, do militarismo co­rno os grandes obstáculos ao nosso desen­volvimento agrícola e à implantavão da re­forma agrária. Não posso aceitar a tese dacoligação espúria do imperialismo ameri­ca no e militarismo com o em pregador ru­ral, com o produtor rural. Nisso, eu discor­do de você. O Estatuto da Terra, por exem­plo, com todas as deflciências que ele possater,. foi um programa ditado pelo governoda revolução de 64.

Temos que ver a posição de cada setorpon tes democráticas para ligar es-

Page 16: Revista IJSN - Ano IV - Nº 4 - 1985

,

POLITICAS

Efeitos da indexação da economiana remuneração do capital e do trabalho

Roberto da Cunha Penedo *

sua

de nossalnteressante

dementa do

i\1011ct~iria" nc)\li ,ISlL duas conota\:ões. Ara, diretarrlcnte va.riaçôcs va··lotes das do Toou·10 Ndcional. maisabrangente, corno correçao aUlonl~lticJ dedeterminados valores com bases em indr·ces que "renetem" urna posição inflacioná-,i;;. Como e sem prc houve, umaflllslura de causa e efelto entre

*Professor Adjunto do departamento de Econorn;:l da Ufes e Técnico do lJSN.

ta caracterÍstica de nítida multindexação.Parece-nos certo afirmar que muito

pior que uma economia indexada é umaeconomia plurindexada principalmente CI11decorrên eia das D [COTOM! AS naSCidas apartir dos reajustes oriundos destas múlti­plas indexaçôes. Poderíamos Citai, commaior ou menor grau de utilização, os se­guintes índices empregados corno fator decorreção de valores ter'lpOrals: ORTNUPC, IGP, INPC, IPC, IPA, MVR, ICC, Sa­lário Mínimo, Desvaloriz.ação Cambial c

ou tros.História -- Para um melhor entendi·

Um mais polêmicos t'emas relacio-ludos com o atual esdgio de nossa conju­IUI" rea e certamente o grau de

da economia brasileira, Estec1Jscuildo assunto ganha maior dimensãolU Incd,da em que a economia passa por

çllo de seu processo inf1acio-Dentro deste escopo de análise o

sem~Jrc o instrurnento daTllü nct~í.ri;;l..

Njo hir dÚVIda e nem se discute o fato[Jue econOlTna braslleira possui um dos

maiores e mais cornplexos sIstemas de inde­XdÇ:iO do mundo livre. Pode-se mesmo afir­mar que atualmente nO Brasil quase tudo érndexado; aluguéis, prestações de casa pró­pria. tanfas de serviços públicos, salários,imposto de renda retido na fonte, presta­çôes de serviços prQfissionais, equipamen-

Importados e nacIOnais, custas judiciais,entre muitos outros. Mais recentemente já

tem nolÍcla5 de algumas lojas de roupasmCSlTIO de cnadores de animais de raça

que estabeleceram o preço de seus produ-cm ORTN evitando assirn o desgaste

remarcaçôes.De mancHa geral, ex lstem três

a respeito do te­primeiros defendemda economia como

para acabar comn;lo se im portando com seus

reflexos no restante do sistemaeconômIco. Para os segundos, o pro­de indexação generaliz.ada é altamen-

henéfico na medida em que cria meca­nismos imunológicos para os males infla­Cionários. N;, opinião deste grupo, a extin­ção da correç:io/indexação seria como ata­C<ir os sin tomas e deixar livre a doença.Uma terceira corrente de pensamento d_e­fende o esta belecllnen to de uma poslçaointermediária em qu e o processo de desin­dexação passaria gradualmen te por mudan­ças nas formulações de cálculo da correçãolnonetária.

Todavia o problema INDEXAÇÃO noBrasil é bem mais complexo ainda, adqui­rindo mesmo dimensôes EXÓGENAS, namedida em que a nossa economia apresen-

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gadas ao cálculo de correção monetária fo­ram tomadas. A primeira diz respeito aolndice de Construção Civil. No Brasil, ainflação é medida através do lndice Geralde Preços - Disponibilidade interna-cal­culado pela Fundação Getúlio Vargas atra­vés de uma média ponderada de três índi­ces: o índic;e de Preços por Atacado (compeso 6), o lndice de Preços ao consumidor- Cidade do Rio de ] aneiro (com peso 3)e o Indice de Construção Civil - R] (compeso 1).

A recente alteração no cálculo do JCC,que julgamos ser tecnicamente justificável.diz respeito à expans.lo da área de abran­gência de seu cálculo, saindo do campo res,trito do Estado do Rio de] aneiro para umÍndice Nacional de Custo de ConustruçãoCivil. Além deste novo lndice representarmais realisticamente as variações ocorridasno mercado de Construção Civil, esta alte­ração também reduziu as grandes pressõesexercidas pelo antigo ICC, nos meses de fe­vereiro e agosto, época do dissídio coletivodos trabalhadores de construção civil noRio de Janeiro sobre o ICP. A análise dosdados históricos demonstra gue, apesar daredução ocorrida no ICP de Fev/85 emfunção desta mudança, num segundo mo­mento, essa seria mais que compensada nosdemais meses até agosto do corren te exer­cício (época do novo dissídio coletivo noEstado do Rio de Janeiro para os emprega­dos de Construção Civil), acreditando-semesmo que, a médio prazo, o IGP tenderiaa se elevar no novo cálculo maü que noprocesso de cálculo anterior.

A segunda alteração ocorreu na fórmu­la de cálculo no lndice de correção mone­cária. Conforme citado anteriormente, epor determinação do Conselho MonetárioNacional, o Banco Central fixará a Corre­ção Monetária a partir de Maio com basena Média Geométrica da inflação dos últi­mos três meses. Consegue-s_e assim um pro­cesso de antecipação do 1ndice de Corre-

AnosIGP IPA IPC ICC INPC

1979 100,0 100,0 100,0 100,0 100,01980 200,2 209,2 182,8 196,9 178,71981 420,3 445,7 375,8 395,8 357,01982 821,4 864,7 744,0 784,2 702,81983 2.090,8 2.290,5 1.800,2 1.853,6 1.675,31984 6.703,5 7.624,4 5.341,8 5.081,0 4.912,3

Fonte: FGV

TABELA 1

NÚMERO ÍNDICE DOS COMPONENTES 00 IGP

INDlCES

a úmca responsável pela nossa inflação.No perÍodo de janeiro/81 a fevereiro/83,reconhecendo o erro de pré-fixação anualda C. M., as autoridades monetárias decidi­ram por um acompanhamento das taxas in­flacionárias através de valores arbitados pa­ra as C. M. em período mais curtos, conse­&uindo, por este processo estatísti~o quaselinear, manter a correção monetana bempróxima da inflação.

A partir de março de 1983, por forçade um acordo com o FMI, e através da re­solução 802, o Banco Central determinouque a correção monetária seria igual à in­flação no período março/junho 83 e que apartir de ju Iho/83 estes valores seriamiguais, porém em bases trimestrais. Esta úl­tima determinação acabou não prevalecen­do em virtude de utilização intensiva daprática do chamado "Expurgo da inflaçãocorretiva". imposto pelo Governo para re­duzir o impacto inflacionário causado peloscortes de subsídios e da maxidesvalorizaçãodo cruzeiro de Fev/83. A partir de 1984, aCorreção Monetária passou a ser fixada pe­las autoridades Monetárias a taxas iguais àinOação (IGP-FGV) do mês precedente.Recentemente, com o advento da NovaRepública, retornou-se ao processo de cál­culo da correção Monetária através de for­mulação matemática. Desta feita, a partirde maio/85, a C. M. será calculada atravésda média geométrica das taxas inflacioná­rias dos últimos três meses. Segundo o pró­prio comunicado do Banco Central, o co­nhecimento antecipado da Correção Mo­netária, eliminadas as atuais incertezas, pos­sibilitaria uma melhora na condução dasoperaç6es de mercado aberto com meno­res oscilaç6es das taxas do "overnight".Além disso, essa medida contribuirá paraa colocação de papéis de prazos mais cur­tos, principalmente das "Letras do Tesou­ro Nacional" facilitando o processo de ro­lagem da dívida interna de curto prazo.

Recente - Durante o mês de março,duas medidas econômicas diretamente li-

as taxas de variaç6es das ORTNs e as cha­madas taxas Inflacionárias, aumenta a ne­cessidade de um melhor conhecimento dosprocessos de cálculos desses (ndiees.

O uso corrente do termo "CorreçãoMonetárIa" esd fTlalS ligado às variaç6esdas ORTNs, criada pela lei 4.357 de 1964,ficando, a desta data, institucionali­zado O principio de "CORREÇÃO MONE­TARlA" e mir.imizada a ocorrêncIa de pro­blenlas econôll'icos graves, tais como:

l Enorme carga fiscal inCldente sobreos lucros ilusÓriOS oriundos do processo in­Oacionário;

2 AniquilamentO de oferta de créditode longo prno;

3 - Estímulo ao mau pagador, princi­palmente dos contribuintes que ganhavamcom o "atraso" do pagamento em funçãoda depreciação da moeda;

4 - Desestímulo às aplicaç6es de longoprazo, mesmo no sistema produtívo, como

construção de imóv~is, porde finanCIamento, e

5 - O resultante processo de descapita­das em presas, função da ocorrência

t;\lS como:Subex ti dos cálculos de depre-

talS.

lucro nominal fic­l ;ClO !Jus<10 e conscquente pa­gamento de Imposto de renda sobre esse lu­

e,- DIstribuição de lucros nominais sob

a forma de dividendos ou participação acio­núrld.

Desta maneira, a oficialIzação do pro­cesso de cOf'reção mone tária permitiu aguase eliminação destes e de outros proble­mas ao mesmo tempo em que viabilizou Oprocesso de formação de poupança de lon­go prazo estimulando o mercado de capi-

Desde sua cnação até. a data presen­de fixação de valores parapor 12 critérios distintos

Negar a incerteza gerada nosmercados em função desta fre­

na ocorrên cia de alteraç6es de fór­muia de citÍculo das ORTNs sena corno ne-

óbvio. Desde sua criação até dezem-de 1979, as fórmulas matemáticas de

cíiculo (7 ao estavam baseadas, prin-na passada e em alguns

casos. também em previs6es, sempre oti-mIstas. da in futura.

A eliminaç'lo de fórmulas rnatem,írícasde cálculo para a da correção mo­netária teve ll1ício em janeiro de 1980guando as autoridades monetárias decidi­ram fixar um índice de correção para oano, de 50%. Registra-se que neste mesmoano mOaç;To atingiu 110%, donde se con­cluí também náo sel a indexação via C. M.

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da inflação. No de 1981/82,ao mecanismo menor espaçamentovariaç6es para o acompanhamento linear daintlação, a correção moneLírra(quase igual) da ll1 ncando poucoacima do íNPC.

No ano de 1983, com o saldoinflacionário decorrido na economid brdsi·leira, a C. M. fICOU aquém do lNPC e doíGP pela segunda vez, novamente graç:as àmanipulaç::to nos índices de C. M. que so­freram, neste ano, expurgo de inflação cor­retiva, resultante de coptes de subsídios ede maxidesvaJorização do cruzeiro de Fev/83. A partlr de 1984, com a regra de fixa­ção da C. M, com base na inflação do mêsanterior, o INPC, conforme já ocorrrdo em1981 e em 1982, ficou aCluém da C. M.da in flacão. Aliàs, em todos os anos desdesua instituiçào de cálculo, o INPC vem semantendo abaixo dalGP-G Desta forma, c ,.", ,I,,,,,,,,

da rell] unCr(-lç~~lO

Correção Monetá-ria 1 - Reajuste Taxa de

Anos Anual (%) Inflação2 (%) Diferença(a) (b) . (a-b)

1965 63,00 55,40 7,60

1966 39,20 38,20 1,00

1967 23,23 25,00 -1,77

1968 25,00 25,50 0,50

1969 ] 8,5] 20,10 1.59

1970 19,60 19,30 0,30

1971 22,67 19,50 3,] 7

1972 15,30 ]5,70 0,40

1973 12,84 15,50 2,66

1974 33,31 34,50 ] .19

1975 24,21 29,40 -5, 19

1976 37,23 46,30 9,07

1977 30,09 38,80 M8,!

1978 36,24 40,80 ·4.56

1979 47,19 77,20 30,01

1980 50,78 110,20 -59,42

1981 95,57 95,20 0,37

1982 97,76 99,70 -1,94

1983 156,58 211 ,00 -54,42

1984 215,30 223,80 - 8,5

Fonte: CEF e FGV, Conjuntura Econômica

Os reajustes da Correção Monetária correspondeJTl às va­riações ocorridas anualmente com as ORTN's.

2 IPA para o perÍodo 65/69; IGP-DI para o período 70/84.

TABELA 2

BRASILCORREÇÃO MONETÁRIA VERSUS TAXA DE

INFLAÇÃO - 1965 A 1984

dos igual, mas, na maioria das vezes, supe­rior à variação da üRTN maís os juros. Es­te processo é sustentado a nível de merca­do pela pressão do desaquecímento da eco­nomia sobre o nível de emprego, gerandoum maior poder de barganha para os em­pregadores nas negociações entre parr6es eempregados quando se enfrenta o fantasmado desemprego. Do outro lado, a remunera­ção do capital, principalmente o financeiro,contínua a merecer taxas bastante elevadasde juros, graças à força do grande tomadormstitucional do mercado que é o Governonos seus vários níveis, particularmen te oFederal, no processo de cobertura financei­ra do déflcit pú blico,

A segunda grande diferença é histórica.A análise dos dados estatÍsticos, a pareir de1979, quando do início do cálculo dolNPC até o presente, demonstra bem o pro­cesso. No ano de 1980, quando da prefixa­ção da C. M., li variação do íNPC ficou aci­ma da variação das ORTN s, porém aquém

ção Monetária, Realmente, esta medidatenderá a "por fim" à histeria que sempreacontecia no mercado _financeiro para setentar "conhecer" o Indice de CorreçãoMonetária do mês, Tecnicamente, aposta­se que a antecipação da correção trará aomercado financeiro e à condução da polí­tica monetária pelo Governo, as seguin­tes vantagens:

Devolução ao "overnight" de suacaracterística, ou seja, de termô­liquidez da economia;

Estatiza~;ão do mercado de ORTN,vi<:,b,lizancio ainda o lançamento de ORTNs

vencimento-de '1m ano, r~duzindo des­forma a deságiO deste título;

Vl:ablJlz.aç:Io do lançamento de LTNsprazo mals curto, 35 a 42 dias, para ge­

rll a monetária do dia a dia redu­zindo assim a dimensão das aplicaç6es porum dia nO mercado aberto.

d) Ampliaç;io da base para lançamen­to de mais títulos de rendimento préfixa­do;e

e) Encerramento da timida atuação doBanco Central na formulação das taxas no"overnight".

Ainda neste campo, medidas comple­mentares tornadas pelo CMN, corno a per­missão aos Bancos para sacarem até 40% deseu compulsório para ajustar suas necessi­dades de liquidez no final de cada expe­

teriam o efeito semelhante de urnamenor de injeção de recursos

do Banco Central no sistema fi-

Multiplicidade - Outro grande proble­envolvendo o processo de INDEXA­

da economia brasileira está na suade multi-índices. Dentro deste

li malOr dicotomia está registradadiferença entre o índice de correção

trabalho e o índice de correção do ca­

pital.A remuneração da mão-de-obra, a tí­

tulo de salário, recebe, desde 1979, corre­ção semestral (para quase todos os traba­lhadores) com índices baseados nas varia­ções do. !NPC, calculado pelo IBGE. OINPC é um índice de Preços ao Consumi­dor calculado através dos IPCs, de dez re­giões metropolitanas do Brasil, ponderadopor suas respectivas populações.

A remuneração do fator capital é ho­Je formada por duas componentes: a pri­meira, de recomposição de perda do poderda moeda, denominada de correção mone­ciria, sendo a segunda, os juros propna­mente ditos.

Registra-se, desta forma, a primeiradiferença, Enquanto os salários são

corrigidos semestralmente por índicesiguais ou inferiores ao INPC, o capital rece­be remuneração mensal, quando pós-fixa-

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trabalho continua mantida em patamaresbastante inferiores àqueles que compõem aremuneração do fator capital e, principal­mente, bastante abaixo da inflaçã.o.

Inflação - O cálculo da inflação noBrasil é realizado p_ela Fundação GetúlioVargas através do 1ndice geral de Preços,Disponibilidade Interna, que é uma médiaponderada do IP A, IPC e ICC (conformejá demonstrada). Esta form ulação de cál­culo [GP = 6 x IPA + 3 x IPC + 1 x ICC,

10merece de nossa parte profundos questio·nament:ls 9uanto à sua aplicação a níveldo Brasil, além de seus efeitos perversos naeconomia, conforme demonstramos.

Num primeiro momento, a FundaçãoGetúlio Vargas acaba de corrigir uma dasdistorções deste (ndice ao retirar da fórmu­la do ICC do R. J. e Introduzir o INCC doBrasil, dando assim uma maior abrangênci'lao fndice de Construção Civil.

É nosso parecer que processo, análogodeveria ocorrer J nível do IPC, tal qual éfeito corn o INPC da FIBGE calculado para10 regiões metropolitanas do pais.

A grande distorção porém diz respeitodO [PA (Indice de Preços ao Atacado). Estendicc "uma tendência" de alta e

11áo urna de preços jil diluída a nível demercado consumidor. Ao se registrar as aI·tas de preços no mercado atacadista, O IPAdefine' tcndéncia de preços para o merca-do Assim, este lndice é um indica-Ovo de futura, ou um "Leading in-dlcador". Portan [O, surpreende que este ín­dice de tendênCl3 futura possua o maiO!peso na determindç'lo da inflação presente.Este atual processo de cálculo, crn verdade,evidencia a chamada antecipação inOacio­n,ina qu,:, aliada ao rígído esquema de IN­DEXAÇAO da economia, realimenta o pro­cesso inOacionário antes mesmo dele acon­tecer de fato na íntegra a nível de mercadoconsurnidor final. Exemplificaremos estaassertiva, através do processo de reajustesdos Com preço controlado peloGoverno. os cigarros sáo vendidos no ata­cado ao preço de tabela. Assim, uma vezconcccEdo um aumento de preços, automa·ticamente, este aumento afeta o IPA. Toda­via. todos sabemos, pr'incipalmente os fu-mames, durante pelo menos um més

a de' novos preços, ainda éadquirir cigarros em bares e pon­

tos de vcnda similares ao preço antigo. Nes­te mesmo que o cigarro"O nível do consumidor n50 tenha subido,

cigarro" já se fez sentir no IGPe!evaç50 do IPA. Estamos eví­

denciando assim uma antecipação do pro­cesso in flacionário, correndo o risco deestarmos gerando uma espiral agregativade aumento de preços, função da expec-

tativa inflacionária realizada pela autoriza­ção do aumento do cigarro via elevação doIPA.

Outro problema sem explicação lógicaé a escolha dos pesos destes três índicesque compõem e determinam o IGP. Care­ce de qualquer fundamentação razoávelatribuir ao IPA (tendéncia de inflação fu­tura) um peso duas vezes igual ao atribuí­do ao IPC, (que registra a ocorréncia devariações de preços a nível de consumi­dor).

Avaliações do quadro históríco dosíndices IGP, IPC e INPC de 1979 até opresente pe;mitem-nos afirmar que o lGPesteve bastante acima também do IPC-RIO,(seu componente de cálculo). Tabela (1).Em bora possam parecer desnecessários, tes­tes estatísticos foram realizados e demons­traràm um coeficiente de correlação maiselevado entre as variações do IGP com asdo IPA que aqueles encontrados entre asvariações do IGP com os do lPe. Este fatoapenas reforça a posição de que o IGP assu­me características nítidas de um índice quesomatiza as forças de certo preço futuro

Surpreende que oIPA, umíndice de,Jendência futura,

possua o mawr peso nadeterminação da inflação

presente.

com as jà efetivamente realizadas no mer-cado. -

Observa-se também que a grande dife­rença acumulada entre a Correção Monetá­ria e a taxa de Inflação, tem sua origemmaior em 3 anos: 1979, 1980 e 1983 (Ta­bela 2). A diferença de 1979 é explicadapela subestimativa dos IGPs de valores fu­turos, componentes de sua fórmula mate­mática de cálculo utilizado até o final de1979. O ano de 1980 apresentou tambémuma grande diferença só explicada pelapolítica governamental que prefixou a Cor­reção Monetária para o ano em 50%, nívelbastante irreal. Finalmente, a diferença re­gistrada em 1983 é devida à prática do "ex­purgo corretivo", decorrentes dos cortes desubsidios e de maxidesvalorização do cru­zeiro registrados em 1983.

Proposição - A proposta de alteraçãodo cálculo do IGP aqui apresentada nãoobjetiva reduzir valores do IGP, conter pormeio de cálculos a inflação ou coisa simi­lar. Esta proposta possui dois objetivos bà­sicos. Prímeiro, reduzir drasticamente o im­pacto da in flação fu tura no cálculo da in-

18

flação presente. Segundo, é muito impor-otante, emparelhar o cálculo da inflação afe­rida pelo IGP-Dl, ao cálculo do lNPC, eassim permitir uma menos desigual remu­neração entre os fatores capital e trabalho.

Para atingir esses objetivos, o cálculodo novo IGP-DI (proposição) deveria obe­decer à formulação matemática abaixo:

IGP = 7 x IPC + 2 x IPA + 1 x ICC10

A característica básica desta nova fór­mula é dada pela mudança nos pesos, alte­rado de forma que o peso do IPC passe de30% para 70% e que o peso do IPA seja re­duzido de 60% para 20% na compc>siçãodo novo IGP-DI, chamado de IGP*(lndiceGeral de Preços com novos pesos). _

Testes estatísticos e cálculos do Indi­ce Geral de Preços com novos pesos, a par­tir de dados passados (1982-1984), mos­tram que, caso im plantado, teríamos umIGP*(que servirá de base para ORTN) bemmais próximo do IPC-R], e este histórica eestatisticamente vem se mantendo próximodo INPC, principalmente quando analisadoem períodos iguais ou superiores a 6 meses(tabelas 3 e 4),

Estas comprovações podem ser feitasatravés de observações dos valores das tabe­las 3 e 4. A tabela 3 apresenta, na primeiraparte, as variações mensais do IGP e seuscomponentes, do INPC, da üRTN e dolGP*. Na segunda parte, foi construídauma série de Números (ndices desses indi­cadores tomando por base Dezembro de

1981 ~ 100. Devido ao fato de as mudan,ças mensais não demonstrarem de formanítida a tendência do relacionamento doIGP* e do IGP com o INPC, passa-se a ob·servar a tabela dos números índices. No fi­nal desta série de números índices, dezem­bro/84, verifica-se que o IGP atinge a 2011enquanto o INPC permanece em 1.675 e oIGP a 1.809. Desta forma, compreende-seque o lGP* aproxima-se mais do INPC quefaz o lGP (hoje u cilizado para a fixação dasüRTNs). Este emparelhamento foi conse­guido pela mudança dos pesos do lGP-Dlfazendo assim que o lGP* reflita urna po­sição mais próxima do IPC-Rio (1.731) quedo lpa (2,190), este último, um "LEA­DlNG INDlCATOR" de preços futurosconforme já dito anteriormente.

A análise dos índices para variações de6 a 12 meses encontram-se na tabela 4. Osdados para julho de 1984 apresentam o se·guinte quadro: lGP '" 76,4%, INPC = 73,81%e IGP*='74,8% para variação semestral e lGP= 217,9%, INPC = 197,04% e IGP*"198,21% para variação dos últimos 12 me­ses. Verifica-se que o lGP~ em ambos oscasos, aproxima-se do INPC que faz o IGP.Ainda que esta assertiva não seja válida pa­ra todos os meses em estudo, ela o é, po-

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rém, para a grande maioria deles, facultan­do-nos afirmar que o processo de cálculodo ICP com os novos pesos propostos 1'05­

sibilíta urna maior aproximação deste lndi­ce com o INPC e com a ORTN. Esta apro-

da variação do IGP com a variaçãodo com variação da ORTN ocorre porV1a de formulação matemática, pois hoje oICI' é a base de cálculo das ORTNs e assimuma ma.íor aproximação do INPC comICr' o aproximará também dasORTNs, conforme verificado em todo oano de 1984, quando a variação da ORTNfoi obtida com base em valores de mesesprecedentes do IGP. Esta colo'cação é maisforte estatisticamente para variações de 12meses, que para as variações de 6 meses,pois permite uma maior divulgação do dife­rencial entre as variações do IGP, do IGP'e da ORTN calculada pela fórmula atual.

ConclusãO. A simples modificação nafórmula de cálculo do ICP, conforme aci­ma proposto, através da correção do índi­ce de inflação alcança ambos os objerivos

eliminação da pressão altista dosobre os valores presentes e principal­

mente aproximação através de raciocíniosem alquimias e com jogo aberto,

do ín(11Ce de correção do trabalho (INPC)o índlce de correção do capital (IGP)

como se estivéssemos fazendo uma corre­da correção monetána.Finairncnte, há o desejo de expressar o

firme posicionamento do autor de que ide·almente deveríamos manter a economiaINDEXADA, porém a um único índice queservisse de elemento de recomposIção paratodos os ativos e serviços da economia. Opanorama econômico com um único tndiceseria extremamente desejado, pois seriamassim eliminadas todas as distorções hojeexistentes em vários mercados, função doprocesso de plurindexação. Todavia, reco­nhecendo a impossibilidade técnica e prin­cipalmente polltica e uma simples elimi­nação de todos os índices menos um, pelomenos a curto prazo, é que apresento apresente proposta de alteração da fórmula

de cálculo do ICP-DI que, conforme acimademonstrado, não elimina, porém reduz emmuito as distorções econômicas e sociaisoriundas do uso corren te de vários índicesno processo de recomposição de valores

ativos e passivos econômicos e finan­ceiros. Assim, o objetivo final desta novafórmula de cálculo é a eliminação das dis­torções acima citadas. O meio de conseguiré o emparelhamento tanto maior quantopossível do ICP com o INPC, uma vez quea correção monetária já vem sendo empare­lhada ao ICP, e esta maior aproximação doIGP com o INPC pode ser obtida através denova fórmula de cálculo de IGP, conformeproposto e comprovado.

TABELA 3

iNDICES DIVERSOS E SUAS VARIAÇÕES MENSAIS

TABELA 4

VARIAÇÃO SEMESTRAL E 12 MESES DE fNDICES DIVERSOS

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Écompetência da Nova Repúblicaestabelecer prioridades educacionais

Yvon de Araújo Yung Tay •

dos agentes do colonialismo.Só depois, num segundo momento de

prioridades, dever-se-ão en fatizar ou trosimportantes componentes da educação-cul­tura: a auto-realização do aluno, a forma­ção moral, vocacional, artística, etc- , .

Por isso, O Município, O Estado e oBrasil, como os demais países do TerceiroMundo, têm que repensar com profundida­de e questionar o para quê educar, o comoeducar e o quando começar a mudar a alie­nação do rumo de nossa educação-cultura,

Necessitam prImeIro de esta beleceruma filosofia de conjunto, com urna vísàode conhecimentos globais do mundo, atra­vés do tempo, para que possamos começara fortalecer, material e intelectualmente, osTrabalhadores da Educação-Cultura,

Só assim, começaremos a criar comllções concretas que nos facilitarão a libertarmilhões de brasileiros que vivem até hoje

to da escola-comunidade em busca da ver­dadeira sobrevivência, questionando a nos­sa crônica dívida externa e interna e lutan­do pelo fortalecimento da independênciaeconômica e da soberania do Brasil; con­testando e demonstrando como iniciar asuperaç;Ío das dificuldades do atraso cul­tural, sobretudo, do atraso econômico esocial, nascido dos males profundos que o"colonialismo" nos tem submetido até ho-

Primeiro, há (lue se contestar e tentarsuperar as dificuldades do atraso econômi­co e cultural, nascidas dos males profundosoriundos da espoliação do co]onialismo queaté hoje nos submete, Para isso é necessá­rio mobilizar, inclusive, a escola-comunida­de. para começar a combater, de verdade,a incompetência, a corrupção, os escânda­los financeiros e a sanbrria desatada das ri­'luezas do Brasil pela crôniea mãnipulação

Professor da PMV e d2 Rede Estadual

A educaCIonal bisLca, naatn"l da Pré-Libertaç50, devefortalecer, rnatcnal e intelectualmente, oTrabalhador dd Educaç'lo-Cultura; lutar pe-lo dos CClrgOS de chefia doGoverno, em por pesso<ls patrióticas,competentes e honestas, c, fInalmente, pro-

o rnáXllT10 de assisrência c ir}[er<lç~lo

Escolct-Comu ni,bdeO educar

" p"c scgurdn-

na sOCIedade em que Vlve. Onde, priori­rariarnentc, aprendi!. d desenvolver d aJniz.J-de, c o dever parol comd e 05 "nlorcs" da P;ltri;l, a p;,títil

do lugdr onde Vive, brinca, estuda, tr"b,dha:cnfim, onde o cidadJo aprenda a partlciparcomo verdadeIro "gente e bcnefici,irío dobem comum.

Sen1 esse 111 inirno de Il)(Craç;lo c deoferta de trabalho, de ,diment,rç,io, de con­vl'vio saucLívc! corn seus farniliarcs e vizi-nhos, a o adolesccnte c O Jovemn;Ío podem amiz<lde clvrca. T,lo pou-co crIar responsdbilidadc cívica pa-

co[n sua consequclltc rnaturaç;1o, tr;lns~

forrn:l··la crn dever crvíco.Por lSSO, ru atndl re,dleLrdc brasileIra,

educar deverá ser,

O alunado pala 'jUC ele aprCllU.dtrabalho, aln1l C'll to, casa pró-ves[]menta decen te. tra nsporte, etc,

para não falarmos de outras Importantesn com D, por excm pio, asslstên­

previdencl:rria, rnédrc;L farmacêutica,odontológIca, cultural. lúdica, etc.

Pelo ex posto, a estra tégia de priorida­des da nossa educaç50-cultura tem que serplanejada por todos e com muita ref1ex;Ío,porque, neste !l1omerito histórico de pré­libertação cultural do Brasil, a interdepen­dência da socledade brasileIra é tipicamenteconf1itante, violenta c de oposiç50, Nin-

pode esquecer a Naçiio brasilei-ra, 'lue nasceu sob a do colonialisInOescravocrata e n;Ío completouamda um século de extrnç50 de sua escrava-

e flutua ao sabor dd doutrina capitalis­do "laisser faire e Lmser passer",

Por rsso, atual crise cíclica dessequem , n50 poderá haver

",rOl "Idel" rn;;.llOr do que o dirccionanlen-

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na escravidão cultural, que se mantêm nopauperismo crônico, na sua indigência edesconhecimen tos globais.

Diante dessa caótica situação, temosque priorizar, por exemplo, a solução doprofessor que, apesar de viver agachadoem desgastantes campanhas salariais, inclu­sive em posição vergonhosa e humilhante I

não conseguiu até hoje um salário digno.Ora, se o próprio professor não está

politizado e não está sabendo ainda orien­tar a si mesmo para a vida, como é que elepode preparar· o aluno para a sobrevivência,para que desenvolva sua auto-realização,sua formação moral e sua cidadania?

Que exemplo um professor, vilipendia­do em seus valores materiais e in telectuais,pode dar à adolescência e à juventude?

Como o professor pode sobreviver eapresentar uma boa "performance" com sa­lário de miséria e sem tempo para ler, pes­quisar e fichar jornais, revistas e livros, paraplanejamentos de aula e avaliação, resumosde "aula-modular", síntese de reflexões,elaboração e correção de testes, interaçãocom alunos, com seus familiares, com osfuncionarias em geral?

Ou não vale nada o exemplo de altivezdo professor, como agente ativado r e dina­mizador da liderança de sua escola comuni­dade? Será que o professor deve continuarcomo se fosse uma "maria-vai-com-as-ou­tras", repetindo o que já vem manipuladopelas "chefias" da Educação-Cultura? Oudeve participar com independência e au­tenticidade em relação às diretrizes políti­co-filosóficas da Educação-Cultura do povobrasileiro ?

Diante, então, dessa caótica situação,só nos resta enfrentar O dilema de conti­nuar com o atual "status quo", ou nos pre­parar para começar a contestar e a mudara "Escola Moderna", que aí está a serviçodos privilégios das classes burguesas domi­nantes. Pois, como diz o Prof. Paulo Freire,"Seria ingênuo crer que as classes dominan­tes implantassem uma educação inteira­mente contra elas".

Por isso, não é uma tarefa fácil contes­tar a "Escola Moderna", pois, desde a re­volução e o triunfo da burguesia em 1789,temos sido formados e informados por ela.Como comprova a história, a instituciona­lização da universidade da Escola Modernafoi criada pela Revolução Francesa paracombater determinados valores que a no­breza decadente defendia. Mas, ao assumiro poder do mundo capitalista, a burguesiadominante, infelizmente, traiu sua promes­sas, e, até hoje, não permite que os ideaisda Revolução Francesa de 1789 sejam ple­namente estendidos às massas proletáriasdo Terceiro Mundo.

Essa traição começou com as contradi-

POLiTICAS11 , I

ções dos discursos sobre as esperanças decriarmos uma sociedade mais justa e frater­na e das promessas não cumpridas pela bur­guesia, que induziram o povo ao "Terror",onde, em meio ao engalfinhamento de umaluta fratricida, sacrificaram-se os principaislíderes das diferentes correntes políticas daclasse média jacobina, dos "sans-culottes"(plebe urbana), dos girondinos burgueses,do grupo da "planície", dos senhores daterra e do campesinato.

Até o pequeno burguês Napoleão Bo­naparte, que ascendeu ao poder às custasdas esperanças e do sangue de milhares deidealistas, quando se encontrou no auge daglória, traiu os ideais da Revolução Fran­cesa.

Enquanto Napoleão fazia promessas delutar pelo nacionalismo, pela democracialiberal com igualdade entre os homens, pe­lo acesso à função pública para todos os ci­dadãos capazes, pela seleção apenas de "ta­lento", nomeava-se imperador hereditário,instituía reis com poder hereditário e no-

ão é uma tarefa fácilcontestar a "Escola Moderna",

pois somos formados einformados por ela.

meava para os cargos e funções públicasmais importantes os seus familiares e a pa­rentalha dos amigos de sua oligarquia no­biliárquica; mantinha a Europa sob o jugodo imperialismo francês; proporcionavaprivilégios no exterior à burguesia da Fran­ça.

Além do mais, o próprio código Na­poleônico foi inspirado no famigerado "Di­reito Romano", isto é, no "Direito" queera muito bom para as classes dos antigos ericos cidadãos romanos, mas uma desgra­ça para as multidões da plebe, do campesi­nato e dos povos periféricos, principalmen­te, para os que não eram considerados "ro­manos".

Fato é que esse famigerado "DireitoRomano", reativado pelo Código Civil Na­poleônico, continua, até hoje, a protegeros poderosos da burguesia e a menospre­zar a grande multidão de miseráveis doTerceiro Mundo.

Enquanto, no passado, essas vítimasdos previlegiados morriam nas galeras e na

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'n!ME.RD1~EéÃ--8Ibn··...."-,,

servidão da terra, hoje, a "grande massacarcerária" - composta quase que exclu­sivamente de seres humanos pobres e in­justiçados - é completamente desassisti­da, na grande maioria, desde a infância.E enquanto tudo isso ocorre, sob a inspi­ração do "Direito Romano", os podero­sos da burguesia não fuzilam, não execu­tam nem encarceram nenhum poderos.oresponsável pela violência generalizada, oupelas mordomias, pelas falcatruas genera­lizadas, pela má apliçação do dinheiro pú­blico, pelo descumprimento de promessaseleitorais, pelas comissões de inquérito in­consequentes, pela incompetência, pelascorrupções, pelos escândalos e "bacanais"financeiros do tipo, por exemplo, da Co­roa-Brastel, Polonetas, Brascred, Capem i,Inamps, Sulbrasileiro, Brasilinvest, BancoCentral e milhares de tantos outros cri­mes insolúveis e escândalos "instituciona­lizados".

Como se vê, toda reflexão é pouca,porque, além da necessidade imediata deuma tomada de decisão para se contestara Escola Moderna, há que se estabeleceruma estratégia de luta para se defender daação coercitiva generalizada, pois o famige­rado "Direito Romano" não respalda ape­nas a Escola, mas também a família, asigrejas em geral, os meios de comunicaçãode massas, enfim, todas as instâncias eco­nômicas e jurídico-ideológicas da burgue-su.

No encaminhamento estratégico des­sa luta da pré-libertação da educação-cul­tura de nosso povo sofrido, é muito maisprioritário repensar primeiro sobre os ma­les dos agentes sociabilizadores. Isso por­que, além de serem referendados pela cú­pula do capitalismo, eles insistem em "le­gitimar" apenas a dominação burguesa,que, por sua vez tem gerado, através dotempo, as imensas concentrações de rique­zas e capital nas mãos de meia dúzia e asgrandes desigualdades sociais entre o povobrasileiro. Mesmo porque alerta o ProLPaulo Freire: "Uma das tarefas que as clas­ses dominantes propõem é que sua escolaoculte a realidade tal qual ela está se dan­do".

Por isso, é prioritário, agora, muitomais do que discutir sobre metodologiasdidático-pedagógicas propriamente ditas,questionar e concentrar todos os esforçosna reformulação da escola que nos tem si­do imposta pelo "colonizador". Muito maisimportante do que discutir a reciclagem dametodologia da aprendizagem, como "dis­ciplina mental", "behaviorismo" ou "ges­taltismo", etc., é começar a lutar contra osagent,es causais da nossa alienação cultural.

E claro que não se pode minimizar osverdadeiros valores didático-pedagógicos do

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Nova República não devenegar às crianças em idade escolaro acesso à educação

ensino-aprendizagem criados, por exemplo,por Freud, Jung, Rousseau, Pavlov, Pesta­lozzi, Montessori, Skinner, Dewey, Rogers,Piaget, Gagné, Bruner, Bloom, Mager, paranão falarmos em dezenas e centenas de ou­tros expoentes educacionais.

Mas, fato é que pouco ou quase nadaadianta discutir, isoladamente, Educação­Cultura nos países potencialmente ricos doTerceiro Mundo. Há que se questionar, an­tes ou pelo menos paralelamente, sua inser­ção prClfunda no contexto da situação-pro­blema-oolução, que se origina na domina­ção econômica e se respalda no despotismoinstitucionalizado pejas classes dominado­ras.

Então, se pretendemQs priorizar a Edu­caç,lo-Cultura com vistas a uma sociedademais justa e fraterna, por que não mobili­zarmos, em primeiro lugar, a escola comu­nidade para ajudar a contestar a espoliaçãode riquezas pela busguesia oportunista e pe­lo colonialismo selvagem, inte[[~o e exter­no, que vem asfixiando o povo brasileirodesde quando os primeiros navegadores ibé­ricos aqui aportaram?

Como documenta a História in tegrada,o "colonialismo" que rapina as riquezas doBrasil, raiz b;lsica de todos os nossos maleseconômicos e}ociais, é o mesmo que semascarou de nascente burguesIa mercan­til portuguesa", apoiada pelo Estado abso­lutista e pelas classes capitalistas dominan­tes na época dos descobrimen tos.

Esse capita1ismo coJonialista só temmudado de nome e/ou de técnica de espo­Jiaçiio dos oprimidos, no decorrer da His­tória: mercadores e entrepostos, "bolsasde mercadorias", ligas de mercadores, "cor­porações hanseáticas", "piratas", "corsá­rios", mercanrilismo, "companhias privi­(egiadas de comércio, "companhias dasIndias ocidentais/orientais", "Jivre-cambis­mo", pacto colonial (com "colônias","proretorados" e "áreas de influências"),"trust", "cartel", "holding", "multinacio­nais", "composição associativa", "fundomonetário internacional" (FMl), etc ... oumesmo "dama de ferro Margaret Thatcher",Jlhas Malvinas, "Ronald Reagan" / Grana­da / Nicarágua, "marines", etc...

Por tudo isso, J educação-cultura nãopode deixar de priorizar essa luta da pré­libertação, im plementando os ideais da in­dependênciá econômica e o fortalecimentoda soberania do Brasil. Do contrário, ultra­jaríamos o heroísmo e o sacrifício dos ver­dadeiros vultos nacionais, que, para nos le­garem este País potencialmente tão rico,derramaram lágrimas, suor e sangue.

Há que se pensar muito, porque ne­nhum povo oprimido tem se libertado daopressão do colonialismo selvagem sem sa-

crifícios. Os "colonizadores", que buscan:,contll1uamente, concentrar cada vez maIscapital e sobreviver da miséria dos povos"colonizados", utilizam-se de técnicas so­fisticadas, de sua grande capacidade de or­ganização e de administração, de seus ca­pitais cada vez mais disponíveis para em­préstimos e aplicação, sem se falar de suacapacidade de coerção e de seu sofisticadopoderio militar.

Portanto, é necessário muito cuidadomesmo, pois a burguesia reacionária só agesubliminarmente, e o colonialismo se ca­mufla com pele de cordeiro para atacar asriquezas das "colônias" em quaisquer par-

tes do mundo, sem se importar com "guer­ras de ópios", "aberturas forçadas de por­tos", ou mesmo, sem se importar com a fo­me e a miséria das multidões de inocentes.

No Brasil, por exemplo, a burguesiareacionária e o colonialismo selvagem ma­nipulam a permanência da sangria crônicade nossas riquezas, impondo uma políticaagrícola e pecuária de exportação, sem an­tes ter atendido ao mercado interno; pro­vocando o arrocho salarial e o aperto decinto dos brasileiros; exportando gênerosalimentícios e matérias-primas por preçosínfimos; provocando, semanalmente, oaumento oscilante do dólar; "cobrando"

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mensal

sobre Cr$ 14.000.000 - Cr$ 999.596Cr $ 1.400.000Cr$ 1.512.000Cr$ 1.972.000Cr$ 2.690.000Cr$ 3.082.000Cr$ 3.229.000Cr$ 3.360.000

Então, propomos, como primeira prio­ridade, que, por enquanto, o piso do pes­soal do Magistério (e os de nível de escola­ridade assemelhado) que "ganham menos"(salário mais regência), numa carga horáriade 25/15 horas, não deverá ser jamais infe­rior ao percentual de 7,14% do que "ganhamais" em nossa comunidade, que no mo­mento é o Deputado Estadual, em torno deCr $ 14.000.000 por mês. E os demais per­centuais mínimos não deverão ser jamaisinferiores aos índices explicitados na tabelaabaixo.

Para o alunado, pleiteamos, imediata­mente, refeição completa, passe livre detransporte, assistên cia médico-odon to lógica(obturação e tratamento de canal), maiorpermanência escolar, amplas reformas físi­cas, construção de novas escolas e forneci­mento. gratuito de manuais, apostilas e"sínteses de aulas modulares".

Pleiteamos, também, '60% da carga ho­rária do professor de acordo com o espí­rito da Lei nO 5.692/71 do MEC e confor­me já ocorre nas Universidades Federaispara que ele possa se dedicar melhor às ati­vidades extraclasse da escola-comunidade.Para que o professor, antes de tentar mudaro programa curricular, familiarize-se, emtempo integral, com as aspirações da Pré­Libertação, discutindo as filosofias, teolo­gias, ideologias, objetivos, metas, doutrinas,experiências vivenciais e tudo que se refe­rir às apologias 4a libertação material e in­telectual do brasileiro.

Desse modo, discutindo sindicalismo,posse da terra para os que vivem e traba­lham nela, municipalismo, reformas gerais,casa própria, constituinte, etc... , ajudare­mos a orientar melhor o alunado para a vi­da.

E para que, enfim, a sinergia intelecti·va e volitiva do professor fortaleça e digni­fique o Magistério, pleiteamos que hajaeleição para todos os cargos de chefia. Poissó assim, preenchendo esses cargos de che­fia com pessoas patrióticas, competentese honestas, ajudaremos a libertar milhõesde brasileiros da escravidão cultural, quenos mantém no pauperismo crônico, nanossa indigência e desconhecimento.

% - maior ganho

7,1410,010,814,919,222,0223,0724,00

25h2sh15h15h15h15hlSh15h

Nível Escolar

Ma. PDP (10 grau)Ma. P. 1 (2 0 grau)Ma. P. 2 (Est. Adie.)Ma. P. 3 (Lic. Curta)Ma. P. 4 (30 grau)Ma. P. 5 (Especialização)Ma. P. 6 (Mestrado)Ma. P. 7 (Doutorado)

fazer algo concreto pela ProporcionalidadeSalarial, para que possamos sofrer e gozarjuntos o bem comum. Para que meia dúzianão continue a ganhar, relativamente, tan­tos privilégios, e tantos não continuem aganhar, relativamente, tão pouco.

Desse modo, pleiteamos uma propor­cionalidade salarial, como já existe para osque ganham mais. Por exemplo, o Deputa­do Estadual, por Lei, não pode ganhar me­nos do que 2/3 do que ganha o DeputadoFederal; o Vereador, por Lei, não pode ga­nhar menos do que 1/3 do que ganha oDeputado Estadual; o Desembargador, porLei, não pode ganhar menos do que ganhao Secretário de Estado; o Dentista, por Lei,não pode ganhar menos do que ganha omédico, etc...

erca de mil criançasbrasileiras morrem por dia,

antes de atingirem o primeiroano de vida, em consequência

da fome.

Não é mais possível continuarmos nes­se "status quo". Nenhum brasileiro, em sãconsciência, pode aceitar, sem manifestaruma estratégia e consequente contestaçãoque haja tanto desemprego, tanta fome,tanta miséria, tanto desespero e assalto,num país como o Brasil, que - por maisparadoxal que pareça - é potencialmenteum dos mais ricos do mundo.

Numa síntese conclusiva, apelamos pa­ra que, na sociedade espoliada e pobre emque vivemos, haja, imediatamente, uma lu­ta estratégica a favor de uma proporciona­lidade mais justa e fraterna da riqueza eda pobreza.

Reivindicamos que todas as pessoasque ocupam postos de chefia comecem a

juros flutuantes e extorsivos; remetendo"lucros" excessivos. para o exterior; man­tendo latifúndios improdutivos e terrenossob a especulação imobiliária; forçando no­vas entradas de capital estrangeiro e de no­vos modelos das multinacionais, etc...

Fato é que a educação-cultura não po­de mais "continuar de braços cruzados" as­sistindo à agonia dos milhões de brasileirosdesesperados; dos 70% da população bra­sileira que só ganham um salário mínimo;dos 86% da população brasileira que pas­sam fome carencial, pois 80% dos alimen­tos é consumido por apenas 10% da popu­lação; das vítimas do genocídio (cerca demil crianças brasileiras morrem por dia,antes de ati~girem o primeiro ano de. vida,em consequenCla da fome); dos 13 milhõesde paraplégicos; dos 38 milhões de meno­res abandonados, que só encontram subsis­tência na contraviolência, na mendicânciae no assalto; das 8 milhões de crianças bra­sileiras com idade entre 7 a 14 anos, quenão estão frequentando escola; dos 51 mi­lhões de analfabetos, etc ...

Diante, então, de todo esse caótico es­tado de coisas, não se pode deixar de dis­cutir a estratégia de luta para o encaminha­mento da pré-libertação. Há que se deixarcair o véu da hipocrisia ou do comodismoe lutar pelo fortalecimento material e in­telectual do trabalhador da Educação-Cul­tura, assim como pleitear o preenchimen­to de todos os cargos de chefia do Gover­no por pessoas patrióticas, competentes ehonestas.

Agora, é indispensável que o Governopublique e todo o pessoal do Magistériodiscuta, constantemente, os resultados con­juntos sobre o retorno econômico e socialdos investimentos aplicados nas priorida­des do processo ensino-aprendizagem.

Chamamos a atenção das pessoas res­ponsáveis para essa reflexão, porque os mi­lhões de brasileiros desempregados e/ousub empregados não se compõem apenas deanalfabetos (cerca de 30 milhões) e semi­alfabetizados (cerca de 21 milhões que de­senham apenas o nome). Há, também, le­giões imensas de brasileiros desempregados,com nível de escolaridade de 10 e 20 graus,profissionalizante, universitário e até demestrado e doutorado.

São multidões imensas de desemprega­dos e subempregados }ue compõem, jun­tamente com os bóias- rias e as correntesmigratórias, os chamados exércitos de re­serva de trabalhadores do mundo capita­lista.

Por tudo isso, é covardia, impatriotis­mo, incompetência e desonestidade, calardiante de tanta violência generalizada, numpaís como o Brasil, com imensos espaçosvazios, econômico e demográfico.

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A hora éde plantar milhoe acabarcom o subsídio ao trigo

Valdo França'

Oração do MilhoCora Coralina

Senhor, nada valho.Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.Meu gra-o, perdido por acaso.nasce e cresce na terra descuidada.Ponho folhas e hastes, e se me ajudardes, Senhor.mesmo planta de acaso, solitária,dou espigas e devolvo em muitos grãoso grão perdido inicial, salvo por milagre,que a terra fecundou.Sou a planta primária da lavoura.Não me pertence a hierarquia tradicional do trigoe de mim na-o se faz o pa-o alvo universal.O Justo na-o me consagrou Pão de Vida, nemlugar me foi dado nos altares.Sou apenas o alimento forte e substancial dos quetrabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.Sou de origem obscura e de ascendência pobre,alimento de rústicos e animais do jugo.

000

Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.Sou a farinha econômica do proletário.Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam avida em terra estranha.Alimento de porcos e do triste mu de carga.O que me pla(lta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,que me fizestes necessário e humilde.Sou o milho.

"Engenheiro Agrônomo, atua na Ação Ecológica no Campo e na Cidade. São Paulo/SP.

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o Brasil importou diversos hábitos ecostumes, formando culturas peculiares deacordo com a adaptação de seus colonizá­dores às diversas situações sócio-econômi­cas-culturais e ambientais das regiões emque se fixaram.

O trigo, por exemplo, foi trazido peloseuropeus desde os primeiros tempos colo­niais e a sua fixação agrí cola se deu no Suldo país. A proliferação de milhares de pe·quenos moinhos coloniais atendeu não sóao consumo regional como também aosmercados dos estados vizinhos.

O desenvolvimento industrial da pani­ficação e do pastifício gerou uma linha deprodutos alimentícios de pronto consumoe fácil preparo, como, o pão e o macarrão.O sabor, o poder calorífico, a facilidade deconsumo e os preços baixos cativaram opaladar e a preferência do consumidor bra·sileiro.

Os preços baixos desses produtos sãoconseguidos graças a generosos subsídios efacilidades dadas às indústrias importado.ras, moageiras e distribuidores dos deriva­dos do trigo. O "lobby" do trigo é exerci­do basicamente por trinta grandes gruposeconômicos que, através de pressão econô­mica e arranjos políticos, centralizaram osetor em 190 grandes moinhos sofisticados,em detrimento dos moinhos coloniais.

A cen tralização industrial e comercialdesse setor, juntamente com os subsídiose benesses fiscais do governo, propiciaramuma avalancha de anúncios nos meios decomunicação e a consequente massificaçãodo consumo dos derivados do trigo. A subs·tituição de hábitos começa pela merendaescolar, atingindo até mesmo as pequenascidades do in terior e a zona rural do país.O milho, a mandioca, o arroz, o inhame, ocará, a batata doce, a fruta-pão, a abóboramoranga, a pu punha e outros alimentos re­gionais outrora consumidos preferencial­mente em grande escala já são preteridospelo macarrão, pão, biscoitos e outros ali·mentos industrializados a partir do trigo.

O consumo brasileiro de trigo, para1985, está previsto em 6,5 milhões de tone·ladas e estima-se a produção em 1,5 milhãode toneladas. O déficit a ser importado ca·so seja mantida a mesma política atual parao trigo será de 5 milhões de toneladas, com

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uma evasão de divisas da ordem de 750 mi­lhões de. dólares, ou aproximadamente 4trilhões de cruzeiros. Estes recursos serão

canalizados aos agricultores canadenses eamericanos, em detrimento do sofrido agri­cultor brasileiro. Depois do trigo importa­do, o transporte, a indústria de moagem, adistribuição, a comercialização a preços ar­tificiais, acessíveis ao consumidor de baixarenda, exigem mais 5 trilhões de cruzeirosde subsídios.

A retirada desses subsídios traria umaretração imediata do consumo de pelo me­nos 25%, gerando uma economia de 1 tri­lhão de cruzeiros pela diminuição de 1,25milhão de toneladas de grãos importados.

O montante economizado, totalizando6 trilhões de cruzeiros, poderá ser dirigidoimediatamente para o subsídio das culturasde mercado interno. O estímulo e a incor­poração de novas áreas poderá somar 10milhões de hectares plantados, principal­mente com milho, arroz, trigo, mandioca,sorgo e outros produtos básicos. A produ­ção dessa área acrescentará no mínimo 20milhões de toneladas na oferta de alimen­tos no mercado a preços mais acessíveis àpopulação de baixa renda. A instituição e osubsídio, agora com um caráter nitidamen­te social, da cesta alimentar básica para essapopulação, seria fator decisivo para amplia­ção do mercado consumidor, com novasdemandas e viabilização econômica do pro­dutor de alimentos para o mercado interno.O subsídio não deve exacerbar o paterna­lismo, mas ser im plantado com bom sensopelo governo para, através da eliminação dorCM, taxas de Funrural e adoção de outrasfacilidades, concretizar a comercializaçãodireta do produtor ao consumidor, sem ainterferência de intermediários.

O poder público deve difundir, pelosveículos de comunicação de massa e pelosistema educacional, todas as van tagens eco­nômicas e nutricionais dos produtos típicosregionais na alimentação humana.

A incorporação de novos hábitos ali­mentares, desde que possuam viabilidadeeconômica e sejam produzidos com os pró­prios recursos regionais, poderão abrandara fome, melhorar a nutrição e a saúde dopovo.

Como exemplo de maus hábitos ali­mentares, pode-se citar o beneficiamento epolimento dos cereais, arroz e trigo. princi­palmente. A indústria de moagem do trigo"proveita apenas 78% da totalidade dogrão. Os 22% restan tes, com postos de ger­me e películas, ricos em vitaminas oleosas,proteínas e fibras, são dirigidos à ração ani­mal.

Os prejuízos para a saúde do consumi­dor e a economia do país decorrentes des­sa prática são incalculáveis a longo prazo, e,

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As economias com a retração do mer­cado, substituição de hábitos de consumo,J uso in tegral do grão e misturas diversascom sucedâneos propiciarão uma reduçãode 70% (3.5 milhões de toneladas) do trigoimportado e, consequentemente, economiaanual de 500 milhões de dólares para o país.

Trigo, A cultura do trigo é favorecidapor inverno ameno com temperatura médiade 200 C, boa insolação e umidade. no solodurante a fase reprodutiva, Os sólidos áci­dos com presença de alumínio e manganêse pouca disponibilidade de nu triente~ nãosão propicios à cultura do trigo. Em fun­ção dessas particularidades, o trigo no Suldo país tem atingido péssimas produtivida­des (médias de 500 kg/ha), Mesmo sendo acultura desse grão conduzida por agriculto­res experientes e com todos os insumosmodernos, o trigo ainda não possui varieda­des bem adaptadas às microrregiões climáti­cas do Sul. Para o Cerrado do Brasil Cen­tral, existem boas varied~des, geneticamen­te adaptadas ao plantio durante a seca, epara isso depende-se apenas de investimen­toS na irrigação e recuperação da fertilida­de do solo, A produtividade dessas áreas[em atingido 2400 kg/ha, marca muito pro­missora, mas a expansão das áreas planta­das encontra-se amarrada pela falta crôni­ca de capital para investimentos nesse se­tor. Consequentemente, a auto-suficiênciabrasileira de trigo não será possível a curtoe médio prazos,

A Força do Milho, A cultura do milho,ao contrário da cultura do trigo, é nativa daAmérica e totalmente adaptada às diversas

_'~ '. .Basicamente apenM o pequenp agricultor ainda prepara a tllrra para o cultivo do milho

a curto prazo, significarrf 1 trilhão de cru- condições climáticas do continente, O mi-zciros anualmente, computando-se esse per- lho já alimentou todas as grandes civiliza-centual (22%) do grão importado que é ções americanas: maias, astecas, incas e di-destinado ao consumo animaL versas nações indígenas do Xingu ainda ho-

Apenas a mudança no' hábito alimen- je cultivam variedades primitivas de milho.tal', incluindo o consumo dos derivados do O México e todos os países da Américaaproveitamento intel,rral do trigo, poderá Central e do Sul usam preferencialmente ediminuir 22% do volume de trigo importa- intensivamente o milho. Existem infini-do, ou 1 milhão de toneladas, A mistura da dades de receitas, utilizando-se o milho des-farinha de trigo com as farinhas derivadas de a sua fase verde até os subprodutos, co-de milho, mandioca, soja, sorgo etc, signi- mo o fubá, farin ha, canjica, xerém etc, Es-ficaria uma diminuição de pelo menos mais sas receitas agradam a qualquer paladar,25%, aproximadamente 1 milhão de tone- não existindo, desta maneira, um motivoladas. concreto, a não ser os escusos interesses

econômicos que só privilegiam os paísesexportadores desse grão, para o uso prefe­rencial do trigo em todas as mesas brasi­leiras de hoje,

Economicamente, o milho ocupa lugarde destaque na agricultura brasileira comoresultado do esforço de 3 milhões de agri­cultores que plantam em uma área aproxi­mada de 11 milhões de hectares. A médiade produtividade está em torno de 2.000kg/ha mas o seu potencial produtivo ultra­passa os 10.000 kg/ha. Em Santa Catarina,é muito comum a produtividade de 5.000kg/ha, em propriedades adubadas organica­mente, Este dado mostra que, apenas coma melhoria do solo com matéria orgânica, oBrasil pode duplicar o volume produzidoatualmente, de 20 milhões de toneladas.Desse total, pouco mais de 3 milhões de to­neladas são consumidas pelo homem, o res­tante é destinado para ração animal, naprodução de proteína cara e inacessível àsclasses pobres,

O milho é viável técnica e economica­mente em qualquer dimensão de terra dis­ponível e em todo o território nacional. Ascaracterísticas de adaptabilidade climática,facilidade de plantio e atração do paladardo consumidor pelos derivados do milhopodem servir como elementos impulsiona­dores da expansão dessa cultura a nível decinturão verde das cidades e também nosterrenos baldios, quintais e outras áreasociosas do espaço urbano.

A economia do milho pode se desen­volver ainda mais com a ampliação da in­dústria do óleo e com o uso industrial napanificação e pastifício do farelo pré-gela-

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tinado, sendo simplesmente moído juntocom o grão de trigo na proporção de até25%.

É justo que qualquer cidadão tenhaacesso ao alimento de acordo com sua von­tade e preferência. Injusto é o subsídio pú­blico para hábitos alienígenas, com empo­brecimento e fome para a grande parte dasociedade, principalmente para as classesmais pobres.

A retirada imediata do subsídio parao trigo e a obrigatoriedade de aproveita­mento integral de pelo menos 50% do trigoindustrializado no país, mais o incrementode diversas misturas com sucedâneos da so­ja, do milho, sorgo, sarraceno etc., poderãopropiciar uma farinha mais nutritiva e eco­nômica par~ a indústria de panificação epastifício, E claro que esta mudança dehábitos terá de ter o apoio econômico dogoverno. Este apoio deve centrar-se basica­mente no subsídio ao agricultor. para a di­minuição dos custos da matéria-prima suce­dânea, na isenção do IPI para as indústriasde panificação e pastifício que assumirem amudança do processo, '

O governo, através da merenda escolar,da alimentação nos presídios, dos progra­mas de calamidade pública etc., absorveriagrande parte desta produção para viabilizaro custo das indústrias pioneiras.

Pró-Fubá. Além da viabilização destafarinha econômica, a implantação de umprograma específico para o fubá de milhointegral poderá resgatar velhos hábitos deconsumo e melhorar substancialmente a ali­mentação de todo o povo trazendo benefí­cios para a saúde e a economia popular.

O grão de milho simplesmente moídoresulta do fubá integral, que contém todosos componentes nutricionais do cereal. De­vido à presença do germe rico em óleo, es­te derivado tem t~mpo útil para o consu­mo, grosseiramente estimado em torno detrês dias. A partir desse prazo, começa a fi­car rançoso, com a oxidação do óleo, O fu­bá rançoso é prejudicial para a saúde, mas orecém-moído é saudável, sendo o seu podernutritivo melhorado significativamenteatravés da mistura com a farinha de soja,

A estrutura de comercialização e popu­larização do uso do fubá poderá ser a pró­pria rede Somar. Toda loja deve munir-sede um pequeno moinho com depósito deacrílico transparente para que o consumi­dor possa ser estim ulado a consumir o fubáfresco.

A campanha para o uso do fubá devese valer da divulgação de inúmeras receitasde cuscuz, polenta, broas, tortilhas etc., in­cluindo-se dados, valores alimentícios e in­formações antropológicas da cultura latino­americana, O poema de Cora Coralina é oexemplo dessa necessária visão,

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POLÍTICASI.

Pelo fim da velha práticaautoritáriaVictor 1. Gentilli'

'Jornalista, professor do departamento de Comunicação Social da Ufes e diJetor da Adufes.

Como construir uma democracia está­vel no Brasil sem um sistema partidáriocoerente e enraizado na sociedade e semmovimentos sociais pujantes, representati­vos e politizados? Esta talvez seja uma dugrandes dificuldades que o país - e o Espí­rito Santo começam a enfrentar, nestanova etapa da vida nacional, que podemosqualificar como a fase final da transiçãodemocrática. Se até o ano passado o gra,ndeentrave para a construção de uma democra­cia no país era o regime autoritário, isto é,os seus inimigos, o problema agora tende ase inverter, já que não se trata mais de, ape­nas, retirar os entraves, os obstáculos, lim­par o terreno, mas de efetivamente iniciara construção do edifício democrático, co­locando tijolo sobre tijolo no lento traba­lho de concretizar e consolidar instituiçõespolíticas democráticas e sólidas.

A maturidade política exigida dos ato­res sociais no momento atual implica, an­tes de tudo, neste processo constituinte emque ingressamos, na capacidade de se via­bilizar novos palcos e cenários onde se de­senrolarão os inevitáveis conflitos de inte­resses da sociedade brasileira, cujo processorecente de modernização conservadora tor­nou incrivelmente complexa e carregada detensões.

O Brasil de hoje, apesar das aparências,não é o mesmo de há vinte anos. No dizerde Wanderley Guilherme dos Santos, "nosúltimos vinte anos o país cresceu, urbani­zou-se, capitalizou-se, reprivatizou-se, rees­tru rurou-se ocu pacion alm en te, educou-se,reordenou-se e tornou-se extraordinaria­mente mais complexo".

Ora, é indiscutível que, diante de umquadro destes, a prática política dos repre­sentantes da sociedade civil não será eficaz,e, portanto, será incapaz de fazer valer arepresentação de seus interesses, se não seajustar às novas condições impostas pelamodernidade.

Unicamente como ilustração, basta vera incidência de conflitos sociais que o paísvive basicamente a partir de 1978, com aentrada em cena do novo proletariado e aenorme variedade de temas capazes de mo­bilizar e organizar setores sociais como ne­gros, mulheres, homossexuais, mutuários,

consumidores, ecólogos etc.Trata-se, hoje, de dar um conteúdo cla­

ramente político aos movimentos sociaise de imbricá-los com a ação política parti­dária, fundamental para dar-lhes conteúdoe presença no cenário político.

Viabilizada esta empreitada coletiva,ficam postas as condições para a edifica­ção de uma democracia pluralista e de mas­sas, estável e apta a ser aprofundada no cur­so posterior dos conflitos sociais e da açãopolítica.

Estariam, no entanto, a sociedade esuas instituições "prontas" e conscientes daurgência e da importância desta ação? Oautoritarismo, o corporativismo, o clien­telismo, os favorecimentos são heranças deum passado hoje incorporadas no cotidianoda sociedade que permeiam os própriosagentes da transição e das quais não serácom pouco esforço que poderemos nos des­vencilhar. A insistência com que se recusama desaparecer (ou ao menos tornar-se algoexcepcional e residual) forçando a convi­vência entre o "velho" e o "novo" e crian­do problemas adicionais à transição é umsintoma do grau de fragilidade em que ain­da ?e encontram as instituições democráti­cas da sociedade civil.

Acrescente-se ainda como complicadoro quadro de miséria e desigualdade social,am pliado de forma extraordinária nos últi-

mos vinte anos e que se agravou sobrema­neira nestes últimos anos com a recessãoeconômica e o desemprego dela decorrente.

A superação desta imensa crise (econô­mica, política, social, moral), de qualquerforma, só pode se dar pela via da ação po­lítica. É hora de fazer política. Abertamen­te, ostensivamente, às claras. É hora de par­ticipar, de cobrar, de questionar. De des­mistificar as verdades absolutas. De romper,definitivamente, com as ilusões do messia­nismo n.os movimentos sociais e polí-ticos.

Aprender a conviver com a democra­cia é aprender a conviver com as derrotase meias vitórias, com as concessões; é en­tender que interesses e visões de mundonão são iguais e, portanto, inexiste mono­pólio no campo das idéias. A convivênciacom a diversidade e a pluralidade é a baseda convivência democrática e exige, de to­dos os lados, posturas tolerantes e genero­sas.

Àqueles que se julgam abrigados nomanto do progresso social, é urgente umareflexão sobre sua teoria e ação, militemem seus partidos, seus sindicatos ou seusbairros. Que compreendam, definitivamen­te, a importância da democracia num paíscorno o Brasil e assumam, portanto, osten­sivamente, a luta pela sua conquista e apro­fundamento.

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ESTUDOS &PROJETOS

Estudos Populacionaisprojetamarede urbana do ES até o ano 2010

Sueli Campo'

Existe epenlll uma escola recentemente construlda no locel onde ara o Cebejfl...

Início dos anos 60. No mUnlC1plO deEcoporanga e próximo ao distrito de Im­burana, o povoado de Sa.nta Efigênia estácada vez mais próspero. Os moradores sónão imaginam que essa prosperidade vaidurar tão pouco. A secular briga pela pos­se da terra faz com que muito.s moradoressejam assassinados por jagunços a mandode um grileiro da região. Já nessa época,os populares que passam por Santa Efi­gênia costumam dizer: esse povoado vaiacabar já. E Santa Efigênia acabou mu­dando de nome. Passou a Se chamar Ca­bajá. O tal grileiro conseguiu incorporaro povoado às suas terras e os moradoresque restaram decidiram ir embora commedo de terem o mesmo destino de seuscompanheiros. Por volta de 1965, quasenão mais restavam vestígios de que algumdia existiu ali um povoado. O Cabajá, ho­je, existe apenas na lembrança dos mora­dores antigos de Ecoporanga.

O que ocorreu em Cabajá poderia teracontecido em qualquer outro lugar dedimensões maiores e por motivos diferen­tes. Afinal, como e por que nasce, cresce edeclina uma cidade, como e por que am­plia ou restringe sua área de influência?

Para responder a essas questões e pro­jetar a população urbana das sedes dosmunicípios, vilas e povoados acima de 40casas, até o ano 2010, uma equipe de 11pessoas do IJSN, em convênio com a Ce­san, percorreu durante um ano 283 aglo­merados em todo o estado do EspíritoSanto. Pela primeira vez foi possível fa­zer um levantamento completo da redeurbana com as respectivas vinculaçõesfuncionais e econômicas na ordem local,as fronteiras do crescimento observado eo comprometimento com a zona rural eoutras áreas.

Através dos tempos tem-se observa­do que a ordem econômica é que deter­mina as características de cada aglomera­do e os resultados obtidos pelos pesquisa­dores da própria equipe demonstram queisso não mudou. O principal fator que in-

fluencia o crescimento de uma cidade é aforma como a economia é produzida - es­trutura produtiva rural, estrutura fundiá­ria, relação de produção, tipo de bens eserviços oferecidos, in termediação de pro­dutos - e o sistema viário, que não é de­terminante.

Até o ano 2010, o litoral norte, Li­nhares e a área central do estado são as re­giões que mais irão crescer. Se na décadade 60, as principais cidades regionais eramCachoeiro de Itapemirim e Colatina, alémde Vitória, e o café era o produto predo­minan te em todo estado, com exceção do

•Jornalista, Técnico do IJSN (Redatora da Revista)

28

Douglas Lynch

litoral sul e extremo norte, hOje a situa­ção é muito diferente. Existe uma níticaespecialização do espaço. A Grande Vi­tória se firmou como centro industrial ede serviços especializados, ampliando suaárea de influência direta. Surgiram pólosimportantes como Linhares e São Mateusque até 1968 não passavam de cidades lo­cais. Em contrapartida,.há uma reestrutu­ração das áreas internas de Cachoeiro deItapemirim e Colatina, com um grau deespecialização urbana cada vez maior, ten­do sob sua área de influência uma ou maiscidades locais, consolidando-se como

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TUDOS & PROJETOSuaa II IH

2010cidade regional. A área central de cada re­gião é que vai gerar as atividades de pro-

dução.Atualmente, as regiões que mais cres­

cem são três: a de São Ma teus especiali­zada em pecuária leiteira, a região central,próxima 'a Grande Vitória, que prometeespecializar-se em olericultura e o litoralnorte, onde predomina a plantação de ca­na e eucalipto, grandes fazendas .de pecuá­ria e cacau e de culturas como o mamão ea pimenta-do-reino. Essa região é marcadapor grande concentração de terra,: tendocomo mão-de-obra usual os bóias-friasque se localizam às margens da BR-I01Norte ou então na cidade de São Mateus.O objetivo desse tipo de produção não émais a reprodução simples da família e doparceiro, mas a acumulação de capital.Já no sul do estado, onde predomina acultura do café, a estrutura fundiária é ba­seada na pequena propriedade que utili­za a mão-de-obra familiar. Nas regiões on­de a ordem econômica já está estruturada,sul do estado por exemplo, torna-se maisdifícil o ingresso de capital externo. Ograu de resistência às mudanças é maior.

As informações mais específicas decada povoado como dados sociais, políti­cos, culturais, econômicos e demográfi­cos, infra-estrutura urbana e rural, a rela­ção com a rede urbana e os croquis dospovoados, caracterizando o uso do solo,foram organizadas num único volume,Perfil dos Pov;ados, a fim de subsidiar fu­turos trabalhos a serem desenvolvidos pe­lo IJSN.

Nas cidades e povoados balneários, apesquisa foi mais específica devido à po­pulação flutuante que durante o ano in­teiro, e principalmente nos períodos deférias, visita esses locais.

A metodologia utilizada pela equipepara execução do trabalho foi fundamen­tada em entrevistas, com um roteiro deperguntas, croquis dos povoados, mapaem escala de 1 :50.000, relação de sedes,vilas e povoados de cada município com onúmero de domicílios e população(IBGE), tabela de população urbana e ru­ral e da situação econômica municipal de1970 e 1980 (IBGE), relação de estabe­lecimentos agrícolas por faixa de área etaxas de atividades por setores econômi­cos de 70 e 80 (IBGE), relatório munici­pal do Programa de Desenvolvimento Re­gional Integrado - PDRI -, contendo in­formações sobre produção agrícola e a re­lação de estabelecimentos industriais. Emseguida, esses dados foram analisados ecom pilados, gerando os 4 volumes quecompõem os Estudos Populacionais paracidades e povoados do Espírito Santo ­1985/2010.

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Opmcesso de {o"'>açao eincremento dos assentamentosurbanos está inexoravelmente

ligado às transformaçõessócio-econômicas em processo

no contexto capixaba. Contudo,inegável é a participação

popular que, através de suastradições culturais, imprime sua

marca, perpetua o seu modusvivendi, oferecendo maior

expressão às vilas, povoadosecidades capixabas. Assim têmsobrevivido muitos núcleos

urbanos, onde apelidos ganhama força da terra (que nem mesmo

a força da lei consegue demover).

Como nascem os nomes dos povoadosAntonio Carlos Maia Figueiredo'

•Auxiliar técnico do IJSN e aluno do curso de História na Ufes.

A 10 quilômetros de Cachoeira de I ta­pemirim, corta do por um bonito riacho ecercado por colinas verdes, está o patrimô­nio de Córrego dos Monos. Conversandocom oSr. José Tavares, residente há 50anos no lugar, fica-se sabendo a origem dotopônimo. Os primeiros moradores da re­gião, sempre que iam buscar água no cór­rego, deparavam com um bando de maca­cos. Surgiu então o primeiro nome do po­voado: Córrego dos .Macacos, mais tardetransformado em Córrego dos Monos, de­vido a designação genérica dos Monos-car­voeIrOS.

Ainda nesse município, encontta-seCiranda. Pequeno povoado economica­mente ligado à extração de mármore. Gi­ronda foi ocupado por imigrantes portu­gueses que assim batizaram a localidade emhomenagem às suas origens.

Bem perto, na mesma região de extra­ção de mármores, aparece o povoado deSambra. Esse patrimônio cresceu em fun-

ção de uma indústria de extração e bene­ficiamento de mármores. Essa empresa, deorigem do sul do País, chamava-se S/A Már­mores do Brasil, Sambra. Há alguns anos, aempresa foi comprada por um grande em­presário cachoeirense, que trocou o nomeda firma para Mármores Brasileiros S/A,Marbrasa. O povoado, no entanto, mantémo nome de origem: sambra.

No município de Domingos Martins,Peroba e Paraju são frutos de homenagens àabundância de madeira nobre que existiana região. Os madeireiros foram os pionei­ros no desbravamento do território capixa­ba. Foram eles que limparam a mata parao nascimento das cidades embrionárias epara o plantio de café. Esse ciclo madeira­café foi o maior responsável pelo surgimen­to de pequenos aglomerados, para dar su­porte às atividades ligadas ao setor primário.

Ponto Alto, no mesmo município tem

uma característica peculiar: denominadoassim por ser o l~gar mais alto do municí·pio e do rio J ucú, o verdadeiro nome doaglomerado seria Ponto do Auto. Quem fazessa revelação é o Sr. Hans, Oscar. Explicaele que o lugar era o último ponto do ôni·bus que fazia a linha para a sede do municí·pio e para Vitória. Não se sabe o motivoque foi trocado pelas autoridades.

O mesmo acontece com a Vila de Ara­cê, também em Domingos Martins. Um ve­reador, no afã de desenvolver o loteamentode Pedra Azul, a alguns quilômetros deAracê, conseguiu levar a sede do distrito deAracê para o loteamento. Local ideal parao desenvolvimento de uma comunidade,por se tratar de área de turismo, hoje já échamado de Nova Aracê e o antigo distritoficou entregue ao descaso e agora é conhe·cido com Velha Aracê.

No norte do estado, a ocupação do ter-

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ntono se deu mais recentemente, e por is­so a memória do povo ainda é mais forte.Em Itabaiana, patrimônio do municípiode Mucurici, e o mais distante de Vitória,tem muitas histórias interessantes. Locali­zado na fronteira de Minas-Bahia-EspíritoSanto, até o começo da década de 60, per­tencia ao estado de Minas Gerais. Por essaépoca era conhecida por "Coco Pelado",por causa da bela careca do sr. João Lopes,proprietário das terras onde se originou opovoado. O patrimônio progrediu muito,como atestam os moradores, e chegou ater uma feira de produtos rurais muito fa­mosa. Chegavam vendedores econsumido­res de toda parte. Acontecia que, certasépocas, eram tantos os vendedores que al­guns não conseguiam vender seus produtose tinham que retornar para casa com os le­gumes, frutas, etc; aí nasceu o apelido de"Volta Quiabo", dado pelos produtores eainda hoje lembrado pelo sr. Antonio Cou­to, vereador e proprietário do bar do po­voado.

Dessa região desciam as carretas carre­gadas de madeiras. Era uma aventura viajarpor essas bandas, pois quase não tinha es­tradas. Existia uma parada à beira da estra­da para tomar um café e, ocasionalmente,para passar a noite. Aí surgiu Ponto Belo.Esse patrimônio foi crescendo e hoje émaior que a sede do município, Mucurici.Naquela época, Ponto Belo tinha o apelidode "Bozó", nome dado à um albergue para

os madeireiros pernoitarem. Era um galpãogrande, sem divisões internas e que atendiasó aos homens. Hoje, no mesmo local fun­ciona uma pensão que serve o melhor al­moço da região.

O vizinho município de Montanha (co­nhecido antigamente por "Palha", devidoàs construções das casinhas de telhado depalha), também prosperou com a extraçãode madeira, surgindo vários povoados queserviam de base para essas atividades. Ra­mal da Fumaça hoje está "dando prá trás"como .dizem por lá, mas na época,. o Ramal17, dlVlsão de terras para a retuada damadeira, tinha uma serraria a vapor, quequando trabalhava enfumaçava todo o pa­trimônio. Hoje só se encontram os escom­bros dessa raríssima serraria.

Dois patrimônios vizinhos no municí­pio de Pinheiro mantêm uma sadia rivali­dade. Cada um coloca um apelido no ou­tro. Assim Vila Fernandes e São José doJudiá são conhecidos, o primeiro por "Fa­cão Lascado", motivado por uma briga queaconteceu durante um baile, em que umindivíduo desembaiou um imenso facão e opovo saiu correndo. Já São José do Judiátem cognome de "Ranha", pois sua popula­ção é considerada ranheta, ranzinza, na gí­ria local.

No município de Boa Esperança, entreplantações de feijão, milho, arroz e café, er­gue-se o patrimônio de Sobradinho, nome

esse devido à eXlstencla, no lnlClO da colo­nização da região, de um bonito sobradono .fim da rua principal. Esse sobrado per­tencia ao benfeitor do patrimônio, e infe­lizmente, foi tombado ao chão, antes de ser"tombado" pelo patrimônio histórico esta­dual.

São Luís Rei, patrimônio localizadono norte do município de Nova Venécia,era conhecido na região como "Patrimôniodos Bêbados", pois existia muita "bagun­ça". Até que o cabo Vitalino botou ordemno local. lnformações do povoa~8 dizemque o Cabo vive hoje no bairro deSão Tor­quato, em Vitória.

São João da Cachoeira Grande, àsgens do Rio do Norte, até na prefeituraNova Venécia é conhecido como "Patri­mônio do Bis", A faml1ia Bis foi quemdoou as terras que deram origem ao povoa­do.

Os imigrantes europeus foram grandesresponsáveis pelo aparecimento de váriospovoados no interior. No município deSanta Tereza encontramos dois patrimô­nios bem próximos: São João de Petrópolise Santo Antônio de Pádua. O primeiro temo apelido de "Barracão de Petrópolis", lo­cal onde os madeireiros pernoitavam.J á San­to Antônio de Pádua tem o cognome de"Patrimônio dos Polacos", em homenagemà colônia polonesa, que aqui chegou nocomeço do séc~lo.

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'" efoitcdomundosaindo t

foram desmanchandoascosos e 'levandoprooutro lado dorio,

Sóficaram os pedras doigreja aniiga t o cemitérioe o mastro.

(DepOImentodeD Moriquinha, x- oradora da antiga Vila de Itaúnas). ~.....p.w.Iê:,'~"~·

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...HI5TÜRIA

Itaúnas. Vento ...areia...tempo!Helol'sa Dias Figueiredo *Rômulo Cabral de Sá **

Aos 94 anos, Oscar Borgesnão vai assistir, da antiga Vila

de Itaúnq.s, a segundapassagem do Cometa Haley,

neste século. (Oscar Borges,Pulquério Alves dos Santos

(A ntero), Messias Félix deGouvêa, TobiasMiguel,

Raihvil Bonelá Filho, Euclidesdos Santos (Quindinho),

Maria Vasconcelos(Mariquinha), Maria Penha

Cabral de Sá, Gilda Benso(Piquitita) e todos os outrosmoradores da antiga Vila de

São Sebastião de Itaúnastiveram que se mudar.

O sopro do vento, empurrandolevas e levas de areia, soterrou

a vila. Dunas onduladassubstituem o burburinho das

gentes que ali viveram . ..Essa visitação à Vila de

Itaúnas não pretendereconstituir a história completado lugarejo e de sua gente, nem

tampouco explicarcientificamente ofenámeno desoterramento da vila. São dois

os objetivos principais:registrar a versão dos

moradores e fazer mais umalerta sobre os riscos que

corremos com a agressao aomeio ambiente.

A pequena vila de Itaúnas, no extre­mo norte do Espírito Santo, não é apenasuma "quebrada" procurada por jovens tu­ristas, ("barraqueiros", como são chamadospelos moradores da vila), atraídos pela vidasim pies de seus habitantes e o contatomaior com a natureza. Suas dunas, princi­pal atrativo turístico, encobrem uma outravila mais antiga e, com ela, a cultura deum povo. Alguns remanescentes se lem­bram ainda da história que antecede o so­terramento total da vila, consequência demais um desacerto do homem com a natu­reza.

rtaúnas, que em tupi significa pedraspretas, deve-se à abundância com que pe­dras escuras eram encontradas no leito dorio. Alguns moradores, por outro lado, con­tam que as pedras pretas seriam os recifesde cor escura, da praia.

"Louça especial de bonita e pinturaque fazia os índios foram achados napraia" (Raihvil)

"No início moravam os bugres. pepoisvieram os "brasileiros", com Pedro AlvaresCabral, que escurraçaram os índios prá bo­tar outra nação. Somos descendentes deíndios com o povo de Álvares Cabral quebotava cachorro e pegava aquelas indiazi­nhas para amansar e educar. l)nha muito­preto. Eram nagô, vinham da Africa antesde irem morar na vila, viviam montados na­quelas brenhas. Depois foram chegando,até que vieram pro comércio (a vila)".(Antero)

"0 Barão de Timbuy (Olindo Gomesdos Santos), tinha um sobrado bonito e olugar se chamava morro de Sta. Izabe1. fi­cava a três léguas de ltaúrias, na beira dorio ItaÚnas. Tinha muitos escravos que de­pois da abolição ficaram por lá nas roças ouforam pra Barra e São Mateus". (Oscar)

O Sítio onde se instalou a Vila de SãoSebastião de Itaúnas tinha excelentes con­dições físicas e naturais, com rios navegá­veis, terras férteis e proximidade do mar. ºpovoado foi crescendo em função da fabri­cação da farinha e da exploração da madei,ra nas bacias do rio ltaúnas, principalmenteno morro Dantas, hoje Pedro Canário.

'Socióloga, Técnico do IJSN (Membro do Conselho Editorial da Revista)"Engenheiro Civil, Técnico do IJSN (Colaborador da Revista - ilustrações)

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I

Douglas Lynch

O povo vai morrer de fomeOu comer erva daninhaPruque raiz de acalipeNem dá pra fazer farinha

Dois temos de Ticumbi, o do Anteroe o do Boizado, além do de Conceiçao daBarra, do Mestre Terto. Quantos temosde Reis-de-boi? É só procurar saber.

Qual o ju rzo que farao os nossos pós­teros sobre o nosso atual comportamerl­to? Uns idio tas, uns bestas cúmplices detoda uma violência de destruiçao para sa­tisfazer as multinacionais camufladas cornnomes nacionais e testas-de-ferro de ven­dilho'es da Pátria? De braços cruzados de­vemos a tudo assistir? Como um ônus dodesenvolvimento econômico?

Ferve-me por dentro o sangue.Ali há gente com uma cultura secu­

lar, bi-secular, ou tri-secular, que tem odireito à vida.

Há, pois, um manancial de coisas quejustificam a pretensao do tombamento e énecessário ficar de olho na destruiçao detudo isso pelo vinhoto, responsabilizandoos autores e os "técnicos" que aprovaramo projeto das destilarias de álcool. Agora,antes que seja tarde demais para esperar­se um milênio para que a natureza se re­componha, enquanto nós devemos estarnas profundas do inferno, em um caldei­rao de breu a 10 mil graus de temperatu­ra e lúcl!er, de cem, a cem anos, dandouma mexida com seu garfo.

Essa minha opiniao, num parecer domeu própn'o punho.

J

o cen:ado do cem iterio desponta das areias bfaReal...

Trecho do parecer encaminhando aoConselho Estadual de Cultura, no proces­so sobre Itaúnas, pelo Professor Hermóge­nes Lima da Fonseca.

Nasci nessa regiao, nas margens desserio, no sítio José Alves, nas perobas; ou­vindo o barulho constante das ondas domar do outro lado do rio. Te aprendi aconhecer os pássaros e distinguir os seuscantares, os seus gorgeios. Os animais sil­vestres, os peixes, as árvores frondosas, osarbustos e as relvas rastejantes, No rio, asplantas aquáticas - aninhas, golfas ounenúfares -, as tiriricas, as flores brancase lilases cobrindo o verde das margens. Onegro escuro dos mangues, as garotas naspraias, os aratus, os goiamuns, as tariobas,as mareias, os siris açus, os caranguejos nobater das trevas na quarta-feira santa, afesta nupcial deles nas três primeiras luasdo início do ano. Os gagirus nas praiascom seus frutos vermelhos e as suas fo­lhas que abaixam a taxa de insulina dosdiabéticos; os oricun's de que se fazemchapéu de palha, as tabuas para esteiras,os murtinhos, os cajueiros, as cambucás,os pinheiros, as mangabas, os muricis epor aí a fora.

Que está acontecendo? Os "acalipes"(eucaliptos) tomaram toda a floresta e afauna, isto é, toda espécie de bichos e pás­saros procuraram abrigo no pantanal dorio de "pedras negras", ou Itaúnas, comoúltimo reduto; como esta ná toada dePedro Aurora, "A onça da reserva".

Que diz o povo nos seus cantares doReis-de-boi?

Depoimento de Hermógenes Fonseca

"Entre a praia e a vila, havia uma vege­tação rasteira e muitas árvores frutíferasnativas: cajueiros, guriri, pitangueiras ecambucás. Nas ruas haviam grandes árvoresfrondosas como castanheiras (chapéu desol) e gameleiras. As casas eram bem feitas,embora fossem de "estuque"; eram reboca­das e assoalhadas. Havia até um sobradinhoda família dos Morais. O local da igreja eraa parte mais alta da vila". (Gilda Benso,Piquitita)

O rio era navegável desde a barra daGuaxindiba até o morro Dantas. Isso faci­litava o transporte da madeira em balsas,bem como o escoamento da fa'rinha produ-­zida na região até Conceição da Barra.

"A CIMBARRA (Companhia Indus­trial de Madeira da Barra) foi criada hámais de 45 anos. Antes da Companhia, osempreiteiros que tinha lá por cima já tira­vam madeira. Era puxada a boi. Doze boipra puxar uma tora. Encostava lá no anco­radouro, no morro Dantas, hoje é PedroCanário. Vinha pela beirada, os boi puxan­do. Aí a madeira rolava, ia lá prá dentro dá­gua. Aquilo era 4 a 5 vaqueiros puxando,Encostava umas 4 toras. Atravessava o va­rão. Batia a chapa. Passava o arame. Faziaaquela fileira grande. Tudo testado acorren­tado direitinho. A gente embalsava elas.A maré ia descendo pelo rio, tudo em balsa­do. Aí cortava aquelas varas compridas eempurrava. A maré ia puxando. Fazia bar­raca em cima. Fazia comida. De morroDantas até a Barra, tinha quando levavamês. Hoje não dá fundura." (Raihvil)

A farinha era produzida nas casas defarinha por métodos artesanais (com bo­landeira) e a produção era de 12 a 15mil sacas por ano.

A farinha feita nas roças era transpor­tada para Itaúnas em lombo de burro oucavalo. Todos os sábados e domingos che­gavam os carregamentos. A comercializaçãoera feita diretamente com os comerciantesda Vila quase que exclusivamente num re­gime de "troca". Desse modo, os pequenosprodutores obtinham tecido, sal, fumo, ca­chaça e artigos de armarinho. Portanto, ocomércio se constituía basicamente de ar­mazéns de secos e molhados, funcionandotambém como entreposto da farinha.

A maioria dos habitantes da vila \2os­suía pequenas propriedades de 40 a 100 hanos arredores. Assim, além das roças demandioca, plantava-se abóbora, laranja, ca­fé, aipim, melancia, cana, banana da terraetc, para subsistência. Alguns criavam gado,galinhas e porcos.

A dieta alimentar era complementadacom a carne de caça, abundante na região,e com o pescado do rio e do mar. Era ha­bitual as mulheres fazerem quitandas (bolode aipim, bolo de fubá, cocadas, etc).

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A educação, antes da escola pública,que oferecia o curso primário, era feita pOlprofessores particulares em suas casas e,portanto,somente as "famílias de recurso"éque podiam custear o estudo dos filhos.

Como não existia médicos na vila, asdoenças eram tratadas com remédios de"botica" (homeopatia), chás e banhos deervas e raízes. O tratamento podia ser com­plementado com rezas e benzimentos. Ocurandeiro mais famoso era o DUCA TO­RA que, além dos habitantes da vila, aten­dia também outras pessoas da região e deoutros estados como Minas Gerais, Rio deJaneiro, Bahia.

Nos velórios, costumava-se "varar anoite" conversando e tomando cachaça.Por isso, era costume se referir a algumapessoa à beira da morte como "fulano estáperto de dar a cachaça".

As pessoas falecidas no interior (na ro­ça) eram sepultadas na vila. O morto eratransportado numa rede feita com um co­bertor velho, atravessado por uma vara ecarregado por duas pessoas.

A descendência, mesclada principal­mente por índios, negros e portugueses, re­fletiu na prática religiosa e na devoção dossantos e suas festas.

"Dizem que o padroeiro antigamenteera São Brás, santo de preto. Depois, quan­do entraram os brancos, na época do "car­rancismo", mandaram tirar o São Brás e co­locaram São Sebastião, santo guerreiro debranco. São Brás era santo de samba. Colo­cavam barril de cachaça no meio da rua e osamba rolava. O São B~nedito veio acompa­nhando o preto da Africa que trouxe abrincadeira do Ticumbi" - (Folclore deRegião). (Antero)

As festa, mais importantes eram a deSão Benedito (19 de janeiro) e a de São Se­bastião, padroeiro da Vila (20 de janeiro).A proximidade das datas deve-se ao fato deo padre de Conceição da Barra ir à vila so­mente uma vez por ano. Isto é, por ocasiãodas festas. Como não eram celebradas mis­sas no restante do ano, as pessoas se reuni­am na igreja aos domingos para cantar "la­dain has" e rezar o terço.

A festa de São Sebastião era comemo­rada com procissão, missa e fazia-se a brin­cadeira do Alardo (encenação da luta entremouros e cristãos). A de São Benedito, san­to de devoção dos negros, tinha tambémmissa e procissão, porém a brincadeira quese fazia era a congada (Ticumbi). As festaseram organizadas pelos festeiros, escolhidosem sistema de rodízio, a cada ano, entre osmoradores da Vila. O festeiro custeava acomida, bebida, enfeites e o "foguetório".

Aos sábados se fazia os bailes com san­fona, que duravam dia e noite.

"Dizem que no tempo do carrancis-

mo" (carrancismo sabe o que é? é a idéia, éo orgulho), baile de branco era de branco,baile de preto era de preto, baile de cabo­clo era de caboclo. Hoje, tá branco compreto. Os 'colonheiros' (negros) falam as­sim: "Hoje tá branco cú-preto" (risos).(Antero)

No mês de dezembro, brincava-se o"Reis-de-boi", com vários personagens: aloba, a professora, o cavalo marinho, o va­queiro e o boi. Os pontos altos da brinca­deira eram a morte do boi, a tentativa deressurreição e fmalmente a partilha das car­nes e órgãos que eram rimados com os no­mes das pessoas da vila: "Focinho é pro seuTiofinho; a rabada é pra rapaziada, as tri­pas finas prás meninas" e assim por diante.

. Os antigos habitantes da vila, acostu­mados na fartura e nos festejos, não podi­am imaginar que o destino da vila seriatransformado.

Raihvil

A degradação da vegetação de restin­ga entre a vila e a praia deu início ao pro­cesso de soterramento da vila de Itaúnaspelas areias que já se alinhavam em dunasentre a mata e a praia, e que, no entanto,eram fixadas ao solo e barradas contra aação dos ventos NE, predominantes na re­gião, pela mata (restinga). Aproximada­mente 8 km dessas matas foram derrubados.O fenômeno do deslocamento das dunas deItaúnas, que alcançam até 20 metros de al­tura, chegou a soterrar toda a vila, obrigan­do a dispersão de seus moradores para aslocalidades circunvizinhas. Os mais caren­tes se fixaram do outro lado do rio, fun­dando a nova vila de Itaúnas que possui ho­je, aproximadamente, 350 pessoas. Esta po­pulação mantém vivo em sua memória essedesastre ecológico.

As dunas e sua formação têm tido mui­tas versões: sobre o seu início, tempo de

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ação, causas e conséquências, seus misté­rios e lendas, contadas pelos mais antigosou pelas gerações posteriores que escuta­ram ou viveram parte do processo.

"As dunas sempre existiram. Depoisdo buraco do bicho até a vila, entre o mar ea vegetação que protegia a vila da entradadas areias. Mas tinha um senhor que não seconformava com o fato de que as ruas ter­minassem no mato. Então o prefeito daBarra deu autorização para O desmatamen­to. A partir daí foi muito rápido". (MariaPenha)

"Na beira da praia era mata. Passarama roçar a mata, para abrir mais para a praiae fazer outra rua. Aí ficou tudo descampa­do. O vento pegou a ventá e veio chegandoa areia, aquela areia da praia. Foi desco­brindo, descobrindo, até descobrir uma la­goa de água limpinha e outro morro foiformando. Dodô Soares mandou roçar. Erauma mata alta, lá ainda existe um pedaço

Antero

da mata. As pessoas foram saindo, não fi­cou ninguém. Depois que o pessoal saiu éque a areia veio até dentro d'água no rio. Aareia vinha com o vento, em 53 já tinha du­nas formadas". (Oscar)

"Era um processo.lento, foi aumentando,crescendo devagar. Depois o finado DodôSoares, fiscal da prefeitura, derrubou umamatinha que tinha na frente, mais ou me­nos uns 8 ki]ômetros, que segurava o vento.Daí o vento encanou mais, e o morro foicrescendo. Já tinha tapado o cemitério nu­ma altura boa. Depois aterrou a igreja. Omovimento das areias é decorrência do ven­to do nordeste, que sopra constante".(Quidinho)

"O finado Dodô Soares mandou roçaro cambucá, prá ver se crescia o comércio.Mas por detrás do cemitério e da igreja,mandou deixar a mata. Mas o povo come­ço a bulir para fazer lenha. Então começou

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Fotos da familia Theophilo CabralColaboraça-o de A va Carminati

rena. Ficou desgostoso, Vendeu o terrenoporque "um milhão de cruzeiros" é um no­me muito bonito. Então eles .venderam oterreno por um milhão e hoje tão na titica.Não dava prá plantar mais porque acabouas matas, A Aracruz tomou tudo. A firmatomou tudo. Só resta umas fazendinhas pe­quenas lá. O resto tudo é da firma. Do ladode lá, o pessoal tinha 40/50 alqueires daterra, até 100. Aqui acabou tudo, A terratá na mão do tubarão. O tubarão só querprá ele, Se a gente não tiver, morre de fo­me. Tem muito tubarão aqui. Num precisafalar os nomes. Os tubarão daqui todomundo sabe quem é." (Antero e Messias)

Hoje, uma rlOva atividade surge navila: o turismo. E crescente o número debares, restaurantes, e de moradores que au­mentam suas rendas abrindo biroscas oualugando casas e quartos aos visitantes.

Em It~úJlas, asruas gramadas (a VilaNova foi levanXaéla soFre um pasto) ass0c.~a~.

das às dunas, ao rio, à sua vegetação e aomar, que emolduram o lugar, constituem.um visual que não se encontra facilmente,Itaúnas tem merecido destafjue na,jmprenosa estadual e n,,:cional, tanto por sua belezae valor ambiental como pelo~eu v<rlor' Fíis-,t§rú::O e cultural, que seu povo soube pre·servar através de suas festas folclóricas, ar·tesanatos, cantos, danças e de sua pesca ar·tesanal. Dessa forma, a região vem se cons·tltl.lindo, naturalmente, num polo de atra·.çilo para o turisn;lO "alternativo".

Mesmo assim, [taúnas ainda não se lor·nau impune às ameaças de destruição, econtinua fadada aos desastres ecológicos. Onorte do Espírito Santo sofreu, e ainda so­fre, as tristes conseq uências do ciclo da Ex·tração da Madeira e do reflorestamento daregião com espécies não apropriadas. Comose não valesse a lição, os rios, já assoreados.estão ameaçados pelo derramamento do vi·nhoto, in natura, pelas destilarias de álcoolque vêm dominando a economia da região,conforme denunciado, recentemente, pelospescadores de I taúnas que encontraram ospeixes de seu rio "de boca aberta", na suoperfí cie das águas, em busca de oxigênio,

É óbvio a necessidade de se reverter talsituação, em defesa da natureza e da sobre·vivência de uma população que parece terno seu sangue uma dose a mais de resistên·CIa:

"Meu terreno aqui eu não vendo nempor quinze milhões. Porque não quero ficarna rua. Isso aqui não vale nada, mas valemuita coisa. Não tem gente saindo de Itaú·nas Nova ainda não. Quem sai de ltaúnasNova é doido, ItaÚTIas ainda é rica". (Ante.rol

\

Com o soterramento, seus moradoresforam obrigados a transferir a vila:

"A areia começou a invadir a vila dei­xando a população apavorada, e sem ter pa­ra onde mudar. Nesta época, meus pais (Sr.Theophilo e Hyerosolina Barcelos Cabral)já moravam aqui em Vitória. E em uma via­gem de meu pai à vila de Itaúnas, vendo odesespero de seus conterrâneos, ele resol­veu doar parte das terras do seu pasto dolado de cá do rio para a construção de igre­ja, da praça, escola, etc. E uma parte, ven­deu a preço simbólico à prefeitura, paraconstrução das casas". (Maria Penha)

"A rua de cima resolveu se mudar. Arua de baixo ficou. Aí o prefeito da Barracomprou 5 alqueires de terra na mão de seuTheóphilo, baratinho... E o povo mudoupro lado de cá do rio. O primeiro que mu­dou prá cá foi Seu Tobias, Depois veio SeuOscar, Seu Adolfo, Seu Onofre e mais umtanto. Alguns não quiseram vir e foram prá

Conceição da Barra, São Mateus e Vitória".(Antero)

Na Vila Nova, os moradores ainda sub­sistem basicamente da pesca, sendo que al­guns trabalham na Acesita, Aracruz Celu­lose, fazendas da região. A maioria das ter­ras (roças), nos arredores da Vila antiga, fo­ram vendidas e originaram, algumas, asatuais fazendas de gado e café da região.

"Bem mais tarde, o resto das terras demeu pai (Theophilo Cabral), que iam de Vi­la Nova até o Córrego da velha Antônia, foivendido à Aracruz, mas com a promessa deque a Aracruz respeitasse os posseiros, To­da esta documentação encontra-se em nos­so poder" (Maria Penha)

Mesmo assim parece que não foi possí­vel evitar a destruição da economia de sub­sistência e o êxodo ruraL

"Na roça não entrou areia. O pessoalmudou pro lado de cá porque vendeu o ter-

Oscar Borges

a criar aqueles morros por detrás da igrejaque ninguém ligava, Primeiro criou por de­trás do cemitério, O povo não cismaram da­quilo. Aí é que o povo foi cismar. De ondeque vinha aquela areia? Foram obrigados amudar o cemitério. Aí começou a cobrir aigreja e o povo foi obrigado a mudar o san­to (São Sebastião) prá uma casa grande quetinha na rua de baixo, A areia arrebentou aigreja toda e disse: Eu tô como quero.Foi atacando, foi entrando na vila adentro.Isto no início da década de 50", (Antero)

"Aquela areia não vem da praia. Elavai inchando; o vento vai espantando elaprá lá. Aquela areia ali tá parecendo umvulcão, Se ela viesse da praia, ela tinha to­pado uma baixa que tem uma grama, umacacimba com água especial de boa. Mas nãotopou. Isso foi castigo, porque escurraça­ram os índios usando até chumbo"(Raihvie)

"Tinha um tal de buraco do bicho, queera pro lado do norte e meu pai contava

que quando passava por lá, e já era noite,quando vinham no norte prá cá, viam umvulto preto que parecia um padre, era umbicho em forma de padre, Era um buracoenorme e escuro que eu ví com meus pró­prios olhos. Dizem que de lá é que vieramas areias". (Mariquinha)

"A tarde ventava muito e as areias vi­nham vindo, quando chegava no outro dia,à beira da porta e nas janela tava tudocheio de areia. A gente pegava a enxada, etirava de dia. A toalha da mesa ficava cheiade areia, os pratos, as louças, tudo cheio deareia. En tão eu disse: Nós vamos sair daqui,não podemos ficar aqui não, Nós precisa­mos mudar. .. e foi todo mundo saindo, fo­ram desmanchando as casas e levando prooutro lado do rio. Só ficaram as pedras daigreja, o cemitério e o mastro, Alguns fo­ram pra Barra, São Mateus e Vitória" (Ma­riquinha)

-'OS.I81 e Tobias

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TRIBUNA LIVRE

Nietzsche, Artaud e a Arteintegram-se na libertação do delírio

Viviane de Souza Mosé *

Quemsoueu?Deondevenho?Sou Antonio A rtaude digo-ocomo sei dizê-loimediatamenteVerão meu corpo atualsoltar-se em pedaçose reunIr-sesob dez mil aspectosnotáriosUm novo corpocom que não poderãoesquecer-menunca

Nietzsche trouxe a arte, Dionísio,Apolo e a tragédia. Eles formaram, ao mes­mo tem po, unidade e perspectiva. A arteDionisíaca não só apreendeu a totalidadedo delírio louco, como também propicioua perspectiva de um espaço louco: a arte.

Os gregos, com o auxílio da figura domundo de seus deuses, trouxeram.a tona osentido ocylto e profundo da concepçãoartística. E com este pensamento que F.W. Nietzsche inicia sua obra "A Origem daTragédia".

Apolo e Dionísio representam comodualidade as artes gregas. O instinto Apolí­neo representa o sonho, a representação, aarte plástica, enquanto o instinto Dioni­síaco representa a embriaguês, a vontade, a

*Aluna do curso de Psicologia da Ufes.

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arte sem formas, a mUSIca. Estes dois ins­tintos estão, para os gregos, em guerra aber­ta e estão sempre, por produto desta luta,produzindo algo novo. O momento maior esublime desta luta consiste no momentoem que, por vontade Helênica e obviamen­te por consequência desta guerra Apolíneae Dionisíaca, surge a tragédia grega, queé o ponto de encontro destes dois instin·tos, onde eles se encontram e se abraçam.

O ApolÍneo, o sonho, as artes plásticasa representação: "a aparência cheia de bele·za, dos mundos do sonho, na produção do~

quais qualquer homem é um artista perfei­to, é para nós, a condição prévia de toda~

as artes plásticas (... ). "Todo homem qUI

for dotado de espírito filosófico há de te]

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o pressentimento de que atrás da realidadeem que existimos e vivemos se esconde ou­tra muito diferente e que, por consequên­cia, a primeira não passa de uma apariçãoda segunda."

No que Nietzsche discorre sobre Apoloe os sonhos, nos parece clara uma idéia desonho como realização de um desejo e pro­duto da representação de uma outra reali­dade muito diferente da que nos é cotidia­na. Em "A Interpretação dos Sonhos",Freud desenvolve esta idéia básica dosonho como realização de um desejo e OttoRank não hesita em ver em Nietzsche oprecursor da psicanálise. Mas isto não querdizer que Nietzsche tivesse alguma ligaçãocom o que se tornaria, tem pos depois, apsicanálise e muito menos que Nietzsche,se vivo?, aceitaria essa ligação feita porOltO Rank.

"O artista examina minucio,sa e cui­dadosamente os sonhos, porque sabe desco­brir, nessa pin cura, a verdadeira in terpre­tação da vida (... ). Estes fatos confirmamevidentemente que a nossa natureza maisíntima, o fundo com um do nosso ser, en­contra um prazer indispensável e uma ale­gria profunda na imensa paixão de sonhar."

A estratégia Apolínea é o culto à bele­za, que esconde a verdade com o véu da be­leza, o maia, a ilusão. E, neste culto ao be­lo, há todo um desejo de libertação. Liber­tação da dor passando pela beleza.

O homem, através do mundo Apolí­neo, liberta-se da moral, da realidade coti­diana que entra numa outra realidade, es­condida, camuflada, onde a representação élivre, fluída através do sonho. Mas o ho­mem não se basta aí e se vê dominado pelohorror quando derrotado pelas formas apa­rentes dos fenômenos e quando cai por ter­ra, o que lhe confere os princípios de indi­viduação. O homem cai en tão na necessida­de visceral de negação de toda e qualquerrepresentação, na necessidade de negaçãode si mesmo para penetrar profundamentena embriaguês. Este é o que há de mais pro.­fundo no homem, o il1stinto Dionisíaco. Epreciso então abandonar este indivíduo. Es-

te "eu" nada mais é do que representação,que aparência e impedimento para a explo­são do homem inteiro, que é próprio uni­verso, o cosmos. Graças à bebedeira narcó­tica, os povos primitivos cantavam seus hi­nos. A embriaguês puxa o homem para aexaltação Dionisíaca que vai despertar ohomem para o total esquecimento de simesmo. Perante o estado Dionisíaco, o ho­mem é tomado de uma aliança com a natu­reza. Agora não existe mais individuação.Agora cada ser é, nele, o universo, o unoprimordial.

"Cantando e dançando, manifesta·se ohomem como membro de uma comunidadesuperior: desaprendeu de andar e de falar,mas vai se preparando para a ascensão. Seusgestos rÍtmicos revelam uma beatitude deencantamento. Agora já os animais falam,já a terra produz leite e mel, porque a vozdo homem adquiriu uma ressonância de or­dem sobrenatural. O homem diviniza·se,sente·se Deus, e por isso a sua atitude é tãonobre e tão extática como a dos deuses queele viu em sonhos."

Dionísio representa a quebra total coma representação, é o próprio embaralha·mento dos códigos, o suor, os suspiros, aintensidade e a paixão. Nietzsche nos falaentão das festas Dionisíacas, das orgias eda forma como a potência Dionisíaca semanifestou. Nestas festas, o delírio, a arteinvadem todos os cantos, penetram em to­das as frestas. Nelas, o princípio de indivi­duação é exterminado em nome da embria­guês, da arte, do delírio. Nelas, a crueldadee o prazer tornam-se oriundos de uma sóintensidade como se um desejasse o outro,como o sofrimento que produz prazer ou oprazer que se manifesta pela dor.

Diante do templo dos deuses olímpi­cos, diante de figuras majestosas, há de seperguntar: "Que necessidade desconhecida

o

foi a de dar à luz esta sociedade de criatu­ras olímpicas?". O mundo olímpico, comseus deuses, não representa dever, ordem,consolação ou imaterialidade. Pelo contrá­rio, eles são exuberantes e exóticos, produ·zem fascínio c excitam nossa imaginação;onde o bem e o mal possuem o seu lugarigualmente divino.

O grego conheceu a dor e o horror deuma existência medíocre e, como sentidopara uma vida agora, presen te, produziu emsonho o mundo olímpico, que representatoda a natureZ<l e existência, em forma dedeuses presentes e acessíveis. Deuses quenão possuem uma distinç50 moral entrebem e mal; Deuses sem moral. simplesmen­te belos. E preciso tornar a vida desejável,é preciso divi'lizar d vida.e trazer os deusespara junto dos homens. E no próprio mun­do humano que vivem os deuses. Diviniza­se o mundo e n ele moram homens e deuses,e nele copulam homens e deuses.

Se os deuses vivem como nós, se vivemno nosso m LIndo e copulam conosco, estájustificada ;\ nossa existência, pois nossomundo é o próprio paraíso onde tudo podeacontecer. porque n50 existe outro, não háoutra realidade, não há divisão e classifica·ção entre bem c mal. O bem não está comDeus e o ma I conosco. Bem e mal. homense deuses, rodos banham·se no mesmo sol.

O homem na embriaguês Dionisíaca,ou melhor. quando se 10c"liz" entre a reali­dade Dionis.íaca e a realidade cotidiana, seencontra em um abismo, um vazio que se­para um e outro. E, na presença da reali­dade cotidi"na, surge o aborrecimento emcontato com a mediocridade. O resultado éuma negaç50 da vontade, já que parece ri­dícula esta pretens,io de consertdr o mun­do. "O conhecimento m<lta a ação, poraagir é indispens,ivel que sobre o mundo pai­re o véu da ilus,io - eis que Hamlet nos en­sina 'I,

Quando nada parece surgir que tire ohomem deste ascetismo diante da realida·de cotidiana, a vontade despreza os deusese deseje, a morte. Renega.se a existência.

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Depois de ter sentido a embriaguês Dioni­síaca e ter tido novamente contato com arealidade cotidiana, o homem se confrontacom o aspecto horrível e medíocre da exis­tência. Num momento de maior perigo pa­ra a vontade, para o mundo Dionisíaco,surge então a arte que, como um Deus, pro­move a salvação. A arte é a possibilidade, éo espaço da embriaguês Dionisíaca dentroda realidade cotidiana. Não exatamentedentro dela, pelo contrário, a arte acontecefora da realidade cotidiana, mas acontececomo espaço para o delírio dentro destarealidade. A arte, como absurdo, como de­lírio, nos liberta do aborrecimento.

Mas, para haver arte, é preciso antes detudo abandonar as referências da realidade.O verdadeiro artista é aquele que se libertada individualidade, da slJbjetividade, abo­lindo o desejo individual, para a contem­plação pura e desinteressada da totalidadeuniversal. Cada homem traz em si um uni­verso. O artista está diante da renúncia aoeu, à tirania do eu, que aprisiona os ho­mens a uma realidade dividida, dicotômica,uma realidade dec011hecimento e verdade.O conhecimento mata a ação. Para haveração, é preciso que sobre o mundo paire ovéu da ilusão. A arte vem como o mergu­lho, através da negação do eu, através dadesintegração da individualidade; a arte é opróprio delírio, é o homem diante do seubismo, O) homem diante de sua dor visceralde existir.

Assim nos diz Nietzsche em "A Ori­gem da Tragédia ". E, se por uns instantes,não falamos em doença mental, em todosos instantes ela esteve presente, pois estesmesmos momen tos Dionisíacos de paixão,arte e beleza, de vida e in tensidade estãopara Nietzsche, não para a psiquiatria. Apsquiatria, com certeza, internaria todos osartistas Nietzscheanos. Ou a sociedade ossuicidaria como fez a Van Gogh e outros.Quando Nistzsche nos diz da arte comosendo unicamente possível por uma nega­ção da individualidade e um mergulho Dio­nis íaco nas imagens sem formas, nos diz deum momento sublime de grandeza e inten­sidade. Nos diz da negação de uma realida­de dicotômica, para o· encontro universaldo homem ao uno primordial. É incrívelcomo este mesmo homem aparece dividido,despedaçado, desin tegrado e cada um des­tes pedaços, relu tado, delimitado por umsintoma, por uma doença, justificada poruma ciência. O cerco diante do abismo dohomem, diante da realidade abismal deexistir criou, através da arte, o mundoolímpico. O homem (num outro momento)diante da realidade abismal de existir, dian­te da presença Dionisíaca que possibilita adesintegração e a desrazão, criou uma

doença e uma ciência que a justifique. OHomem, liberto da tirania dicotômica doeu, é o internado da psiquiatria, o deliran­te do hospital e das ruas e o suicida daso­ciedade.

Só agora nos parece clara a micro físicado poder, ou poder micro físico que nosmostra Foucault. O poder do artista quepossibilita a disposição da dicotomia e oencontro com o universo, com o uno pri­mordial, ultrapassa qualquer relação de po­der, ou até mesmo, não passa por ela. Tal­vez esta seja a razão do hospital psiquiátri­co, isolar na medida em que se torna im­possível domar, domesticar. E, no maiordos casos, suicidar é uma saída da socieda­de.

Artaud foi um artista. Artaud foi Dio­nis íaco. Para a sociedade, existiram doisAntonio Artaud. Um louco que fervilhoua França entre 1896 a 1948 e um AntonioArtaud escritor, poeta que, para a humani­dade em livros, e que devemos admitir,trouxe contribuições. Artaud fala de teatro

A arte, como absurdo, comodelírio, nos liberta do

aborrecimento,

e propõe o teatro da crueldade. Artaud pa­ra nós, aqui, representa o artista Nietzschea­no, e, mLÚto mais que isso, representa o ar­tista psiquiatrizado, por seu Nietzscheano,Artaud e o Nietzsche têm em comum a ar­te, como a não razão, como saída para oaborrecimento da vida, ou como vômito docotidiano. Entre Artaude Nietzsche se en­contra a dor, o palco, o delírio, a embria­guês e Dionísio. Artaud é um drogado eacredita que a droga possibilita a passagempara um estágio onde a vida deixa de ser o"tédio destilado na qual as consciências ve­getam", A droga leva o homem a uma ou­tra realidade, onde os códigos sociais sãoridículos e insignifican tes, esta realidadeafasta das normas sociais, possibilita umoutro universo, maior e uno. Talvez o Dio·nisíaco se aproximasse do drogado de Ar­taud.

A Artaud nos diz em "O Teatro e seuDuplo" num texto intitulado "É Precisoacabar com as Obras Primas",

"Trata-se de saber o que queremos, Se

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já estamos preparados para a guerra, a pes­te, a fome, o massacre, então nem precisa­mos falar, basta continuar: continuar noscomportando como esnobes, comparecen­do em massa, para ver tal cantor, tal espe­táculo admirável e que não ultrapassa o do­mínio da arte (... ) tal exposição da pinturade cavalete na qual laI1lfejam aqui e aliformas impressionantes, mas ao acaso esem uma consciência verídica das forçasque poderiam acionar. (, .. ) ,Basta de poe­mas individuais que só trazem proveitoàqueles que os fazem, nunca àqueles que oslêem (... ). Acredito que o teatro utilizadono seu sentido superior e mais difícil tenhaa capacidade de influir no aspecto e na for­mação das coisas: o encontro em cena deduas manifestações passionais, dois espaçosvivos, dois magnetismos nervosos, é qual­quer coisa de tão íntegro, tão verdadeiro,tão determinante quanto no plano da vida,o encontro de duas epidermes num estuprosem manhã.

É por isso que proponho um teatro dacrueldade (... ) mas teatro da crueldade querdizer teatro difícil e cruel principalmentepara mim. No plano da representação, nãose trata desta crueldade que podemos exer­cer uns sobre os outros, despedaçando-nosmutuamente (... ) mas sim da crueldadem LÚtO mais terrível e necessária que as coi­sas podem exercer sobre nós. Nós somos li­vres. O céu ainda pode cair sobre nossas ca­beças e o teatro é feito para ficarmos sa­bendo disso. Ou somos capazes de voltarpor meios modernos a essa idéia superiorde poesia e de poesia pelo teatro que estápor traz dos mitos narrados pelos trágicosantigos (... ) ou então nada nos resta senãonos entregarmos imediatamente e sem rea­ção, reconhecendo que só servimos para adesordem, a fome, o sangue, a guerra e asepidemias. (... ) Para os que se esqueceramdo poder comunicativo e do mimetismomágico de um gesto, o teatro pode reensi­nar-Ihes tudo isso, porque um gesto, trazconsigo sua força e porque de todo modohá no teatro seres humanos para manifes­tar a Força do Gesto feito. (... ) O teatro éo único lugar do mundo e o último meio deconjunto para alcançar diretamente o orga­nismo e, nos momentos de neurose e baixasensualidade através dos meios físicos aosquais ela não resistirá,

(... ) Dito assim, isto parece fraco epueril. Tudo depende do modo e da pure­za com que se fazem as coisas. O risco exis­te. Mas que ninguém esqueça que um gestoteatral é violento, porém desinteressado, eque o teatro ensina exatamente a inutilida·de da ação que, uma vez exercida, não maisserá exercida, e a utilidade superior do esta­do inutiliza pela ação, mas que, revirado,produz a sublimação."

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1889 1930. Um período históricoda pré-industrialização do E.Santo

Gabriel Bittencourt"

$ -

ao

fendia a tese dos "Choques Adversos", se­gundo a qual as duas guerras mundiais e acrise de 1929 teriam tido efeitos estimulan­tes sobre a industrialização brasileira.

Estudos mais recentes como, porexemplo, os de Waren Dean (1969) ques­tionam esta tese. Segundo Dean, a PrimeiraGuerra, ao contrário, teria obstado o desen­volvimento industrial, ao dificultar a im­portação de bens de capital. N ícia VilelaLuz e Fishlow procuram avaliar o cres­cimento industrial anterior ao la GrandeConflito. Este Último, aliás, destaca opapel do "Encilhamento" e questiona orevisionismo de Warren Dean.

Todas essas discussões, a nosso ver,têm sido fecundas. Há, entretanto, inúme­ras lacunas a serem preenchidas e estas, emnossa opinião, necessitam de mais estudosde caso, a fim de melhor entender-se o pro­cesso de industrialização brasileiro.

"Professor Adjunto da Ufes, Pós-graduado em História Econômica pela "Université de La Sorbonne"

desvantajosos, com graves repercussões pa­ra a economia local e para o próprio futurodas iniciativas industriais.

Como as possibilidades de êxito econô­mico do Estado enquadram-se na área cafe­eira, ganhando esta, na década de 1920, no­vos impulsos, os atrativos para investimen­tos tanto por parte do Governo como dosempresários serão para ali recanalizados, di­reto ou indiretamente, representados emtermos de facilidade de circulação, rea pa­relhamento portuário, crédito bancário etc.

Por outro lado, em termos historio­gráficos, os estudos iniciais sobre a indus­trialização no Brasil são relativamente re­centes. As primeiras análises e interpreta­ções surgem simultaneamente e/ou englo­badas nas sínteses da história econômica doBrasil. Inicialmente, podemos destacar Ro­berto Simonsen e Caio Prado Júnior, acres­centando-se Celso Furtado (1959) que de-

o aspecto que tomou a colonizaçãobrasileira de uma imensa em presa comer­ciaL destinada a explorar os re'cursos natu­rais, não atingiu, no Espírito Santo, o su­cesso esperado, A busca infrutífera deouro, no início e a incapacidade de firmar­se no mercado mundial do açúcar, posteri­ormente, redundou na ausência de umaorientação econômica que permitisse a­companhar o "desenvolvimento" colonial.Reduzido a aproximadamente 5% do seuterritório primitivo, ainda assim apresenta­va uma baixa densidade populacional queteve de ser sistematicamente incrementada,quando se ligou à economia cafeeira de ex­portação, a partir de meado do século XIX.A fragmentação da população e o vazio de­mográfico, que caracterizavam o interior,não deram margem para o aparecimento deuma produção artesanal de peso no Espíri­to Santo, O próprio movimento imigratóriodo século XIX, na região capixaba, serátambém canalizado para a agricultura deexportação do café, verdadeira "vereda desalvação" da economia locaL Contudo, a

despeito da dinâmica econômica do cahos efeitos do multissecular desequilíbrio re­gional não permitiram a formação de umainfra-estrutura urbana no Estado. 'Logo, osesforços industrializantes do Espírito Santona Primeira República podem e devem serentendidos muito mais a partir de uma in­tenção governamental de modernização ede diversificação econômica, inclusive, dopróprio setor primário com o qual estavacomprometido do que de estímulo ao iní­cio de um sólido processo de industrializa­ção. Faltou à elite político-administrativalocal a com preensão da deficiência infra-es­trutural, que se posicionou como a princi­pal barreira aos esforços capixabas.

O aspecto negativo dos esforços indus­trializantes do Espírito Santo, principal­mente da administração Jerônimo Montei­ro, concluímos, se explica muito mais pelasua artificialidade. O capital e a tecnologiaeram importados, a matéria prima inexis­tente, concessões de toda espécie onerandoos cofres públicos, que, sobrecarregados,induziram a administração pública a pren­der-se ainda mais nas malhas das finançasinternacionais, contraindo empréstimos

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o marco inicial, 1889, corresponde aoperíodo de transformação para um regimepolítico federalista no Brasil, aliado aoqual, nos primeiros anos de sua existência,observa-se a adoção de um aspecto concre­to na tentativa governamental de iniciar umprocesso de industrialização no EspíritoSanto.

O limite término, 1930, foi fixado to­mando-se em consideração as intensas mo­dificações ocorridas no país, de ordem po­lítica e por extensão social e econômica eque trazem t'm seu bojo a transformação davelha estrutura inibidora do desenvolvimen­to industrial c, com ela, a evidência dos fa­tores possivelmente ligados à estagnaçãodos projetos capixabas durante o período,ressalvada a especificidade dos problemasinfra-estruturais do próp'rio Estado do Es­pírito Santo.

O Café. Calcula-se para o Espírito San­to, no início do século XX, uma superfíciede apenas 42.439 km2, 5% apenas do quefora no início da colonização. Desta super­fície, 3/4 ainda eram considerados em matavirgem e a bacia do Rio Doce era tida comoa grande perspectiva à exploração econô­mica, na medida em que se expandia afronteira do café, que penetrara na regiãoa partir da segunda metade do século XIX.

O café, como se fora uma imensa"mancha de óleo", dilatara-se da provínciado Rio de Janeiro e para o norte encontra­rá no Espírito Santo o seu limite ecológico.O principal produto colonial, o açúcar, ce­derá seu lugar, ocupando o café toda massade mão-de-obra disponível.

Surgirá uma verdadeira "febre" da ca­feiculturura e mesmo os pequenos lavrado­res abandonarão as culturas tradicionais dosolo, ocasionando uma alta considerávelnos gêneros alimentícios.

O Sul da Província concentrava amaior parte da produção, notadamente novale do Itapemirim, com suas excelentesterras onde se formou a principal oligarquiacafeicultora, deslocada do Rio de Janeiroe Minas Gerais, ficando o imigrante euro­peu sobretudo nas regiões mais altas, masocupando-se, também, da produção do ca­fé, a grande e única perspectiva viável deexploração econômica, que fará o EspíritoSanto todo café.

No início da República. O rumotomado pela formação histórica da antigacapitania do Espírito San to levou-a adtsempenhar sempre um papel secundáriono desenvolvimen to nacional, na medidaem que se ligou tardiamente à econo­mia tropical de exportação, predominantenO modelo brasileiro.

A fragmentação da população e ovazio demográflco que caracterizava oin lerior, a m onocultura, posteriormente,

não deram margem para o aparecimento deuma produção artesanal de peso na provín.cia do Espírito Santo. Logo, o próprio mo­vimento imigratório do século passado, queno Sul do Brasil proporcionou o desenvol­vimento de manufaturas e artesanato, naregião capixaba, foi canalizado para a agri­cultura de exportação, caracterizando umdos únicos momentos favoráveis à sua eco­nomIa.

Entretanto, a despeito da dinâmica docafé, os efeitos do multisseculandesequilí­brio regional inibiram a formação de umaestrutura urbana no Espírito Santo como,por exemplo, no Rio de Janeiro ou em SãoPaulo. Não havia condições infra-estrutu­rais para um desenvolvimento manufaturei­ro expressivo: capitalização, mão-de-obraespecializada e densidade adequada de po­pulação.

A necessidade de aumento da receitapública e a dependência das incertezas damono cultura imprimiram, porém, esforçosindustrializantes no Espírito Santo, que po­dem ser entendidos muito mais a partir deuma intenção governamental de moderni-

o café dilatara-se daprovíncia do Rio de Janeiro

encontrando no EspíritoSan,t9.9 seu limite ecológico.

zação e de diversiHcação econômica do quepela existência de estímulos naturais quepropiciassem tais esforços.

Inserido na região nacional produtorado café e do produto totalmente dependen­te, já que o mesmo substituíra a parte signi­ficativa das outras culturas, a problemáticada monocultura afeta sensivelmente o es·pírito-santense.

O final do século XIX fora de bons re­cursos para a administração pública, emtermos regionais. O orçamento da Pro­víncia que, em 1889, não ultrapassavaa Rs. 500:000$000, atinge a mais de5.000 :000 $ 000, no estado, entre 1896 e1898.

O preço do café ocasionará o aumentoda produção, mas o produto já apresentavaos primeiros sinais de sua debilidade. A fra­gilidade da estrutura econômica brasileira,caracterizada também pela mono cultura,fazia-se sentir sensivelmente de acordo comas oscilações do mercado internacional,quando o café chega a representar 94,33%das exportações capixabas. Logo, conse­quentemente, mesmo no seio da elite cafei­cultora havia permeabilidade às idéias da

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necessidade da criação de mercado parauma agricultura diversificada e que\ isso po­deria ocorrer com a implantação de um se­tor industrial para a absorção da matéria­prima local. Por outro lado, o próprio mo­mento político incentiva as iniciativas dosgovernos locais. O advento da República,sob a forma federativa, em princípio, gera­va esta euforia autonomista.

No Império, o sistema centralista suga­va as principais fontes de contribuição pa­ra o orçamento da Nação, ficando a provín­cia obrigada a gravar seus tributos em rarostítulos que ainda não estivessem, sobrecar­regados com o imposto nacional: As provín­cias eram-lhes vetado taxar a importação,a criação do selo e a contribuição geral daexportação já era considerada tão alta queseria impossível gravá-la sem que houvessesérios transtornos para a economia local.

Por sua vez, ainda em fins do períodomonárquico, intensifica-se um pouco a vidaurbana, notadamente nos centros de co­mercialização de café do País, onde a mo­no cultura, concentrando a mão-de-obra,encetava um formidável fluxo de importa­ção. O próprio processo de emancipação daescravidão e a abolição também para issocontribuirá, liberando consider;ivel parte damão-de-obra rural para os centros urbanos,engrossando, desta maneira, o mercado demanufaturados simples e de baixo custo.

No Espírito Santo, do total "importa­do", ainda em 1910, calcula-se que 40% erarepresentado por têxteis, 30% por bebidas,20% por gêneros alimentícios em geral, in­clusive o sal, 10%, produtos essenciais à vi­da sim pies e provinciana do pequeno esta­do e que poderiam ser produzidos no pró­prio local regional, se houvesse uma boaorientação econômica para a criação deuma infra-estrutura industrial de substitui­ção de im portação.

Não havia, porém, sequer uma tradi­ção artesanal no Espírito Santo, a produ­ção têxtil que Saint-Hilaire registra no iní­cio do século XIX sucumbiu ante a inexo­rável marcha do café.

Aliás, sendo o café um dos menos in­dustrializáveis dos bens primários e, ainda,relativamente diminuto seu mercado local,até a matéria-prima teve que ser incremen­tada ao se partir para um planejamento in­dustrial artificial, objetivando-se preencherum papel incentivador do crescimento dosetor primário diversiHcado, uma vez que,o tradicional, calculado na monocultura, jádava mostras de saturação.

Esforços. para Modernização. Os pri­meiros surtos industriais, verificados nasprincipais cidades do País, influenciarãotambém a elite político-administrativa re­presentante dos cafeicultores, que vê nacriação de algumas fábricas um prolonga-

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A cafeicultura monopolizou a produção agrlcola dp Esplrito Santo

mento da agricultura e um estímulo à suadiversificação. Disso resultou a Lei Estadu­al nO 34, de 29 de Novembro de 1892, pe­la qual o Governo do Estado era autorizadoa conceder a "Garantia de Juros" até umlimite de 500.000 libras esterlinas durante15 anos, às empresas que se propusessemfundar estabelecimentos industriais. Tal in­centivo do poder público não tardou a des­pertar interesses, realizando o Governo inú­meras concessões: para a criação de um en­genho central de açúcar no vale do Itape­mirim, fábrica de tecidos de algodão e depapel nos municípios da Capital e de An­chieta, e tecidos de "malha" no municípiode Vila Velha.

Não se concretizará, contudo, esta pri­meira tentativa republicana de esforços in­dustrializantes no Espírito Santo. A difi­culdade de matéria-prima, mão-de-obra e,principalmente, capital, inviabilizará os em­preendimentos. A única empresa inaugura­da, a "Fábrica de Tecidos de Meia" (ma­lharia), foi concluída por cessionários docontrato inicial. Aliás, já se tornara comuma especulação em torno dos contratos deconcessão e privilégios; primeiro das estra­das de ferro e colonização agrícola, agorade fábricas. Dessa maneira, tanto pelo ar­tificialismo dos empreendimentos como pe­la especulação, caducaram as demais con­cessões supra-citadas.

No entanto, apesar do fracasso dessesprimeiros esforços industrializantes, a pro­blemática da monocultura continuava pres­sionando a elite política que, originária daclasse cafeicultora, aspirava a oferecer op­ções de diversificação aos fazendeiros e umorçamento estatal mais estável e mais am­plo, evitando-se as susceptibilidades das os­cilações dos preços internacionais do caféno mercado mundial.

O amadurecimento desse ideal vai atin­gir em cheio o governo Estadual de Jerôni­mo Monteiro, 1908-1912. Originário deuma importante família cafeicultora do va­le do !tapemirim, Jerônimo Monteiro, ain­da em sua plataforma política, aponta osmeios de realizar seus objetivos de gover­no: serviços de água, luz, escolas técnicas,lavoura diversificada e implantação de fá­bricas pelo próprio Estado.

Argumentava Monteiro que havia ummovimento geral de progresso no País doqual o Espírito Santo ainda não participavae, por isso, embora professasse um libera­lismo econômico, predominante na época,decide intervir diretamente na economia lo­cal.

Para isso, celebra inúmeros contratospara construção de fábricas de tecidos, ci­mento, "material sílico-calcáreo", aprovei­tamento de fibras têxteis, óleo vegetal,açúcar, papel, artefatos de madeira, monta-

dora de máquinas agrícolas, beneficiamen­to de sal marinho e duas usinas hidroelé­tricas; quase todos os empreendimentos novale do ltapemirim, onde tinha interesseseconômicos.

As diversas operações financeiras doseu antecessor darão respaldo às suas rea­lizações, inclusive os recursos oriundos daprivatização das estradas de ferro do Esta­do. Ao longo do seu Governo veremos umritmo de obras jamais visto até então.

Tal será o impacto de seus projetos, al­guns concluídos ainda durante sua gestão,que no Estado, cuja arrecadação atingiaapenas a Rs. 2.403:056$401, em 1908, so­breveio uma dívida da ordem de mais deRs. 24.000 :000 $ 000, sem que seus detra­tores conseguissem incompatibilizá-lo coma opi!1ião pública.

As atividades industriais em implanta­ção percebe-se o objetivo do aproveitamen­to da matéria-prima local e/ou estímulo à

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OouglasLynch

criação de novas ofertas regionais. Não ha­via uma aspiração em se promover uma so­ciedade urbano-tecnológica gerada pela in­dústria: a preocupação com os proprietá­rios de terra e com o sistema por eles con­trolados se faz presente em todos os atosdo governo.

A indústria têxtil visava criar um mer­cado para incentivo do cultivo do algodão.A fábrica de cimento aproveitaria as pró­prias jazidas da família Monteiro e a usinade açúcar seria implantada em pleno meiorural, em local não afetado pela "febre" docafé. Consequentemente, não havia cho­ques com os interesses agrários sempre pre­dominantes no Espírito Santo. O êxito detais unidades produtivas dependia, porém,do mercado local. Este, entretanto, era bas­tante reduzido, não só pelo baixo poderaquisitivo da população, como, também,pelo vazio populacional que ainda caracte­rizava o Espírito Santo. Vitória, a capital,

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'rR

em 1908, devia contar com uma populaçãoaproximada de apenas 12.000 habitantes.

Por seu turno, ~ara atingir o mercadoregional, dominado pelo Rio e São Paulo,seria necessário tecnologia, preços competi­tivos, mão-de-obra especializada, matéria­prima abundante, energia e capital; carên­cias infra-estruturais tradicionais do Espí­rito Santo e que não poderia competir comesses dois principais centros industriaisemergentes do Brasil e que, nesse momen­to, já caminhavam para a concentração in­dustrial.

Logo, sem se aten tar às limitações lo­cais, perder-se-ão esses primeiros esforçosconcretos de implantação de um "distritoindustrial" local.

O primeiro setor beneficiado, energiahidrelétrica, como indústria de base aos de­mais empreendimentos, passará décadassem que hajam ampliações decorrentes dedemanda industrial. Como melhoramentourbano, sim: cumprirá um impo~tante pa­pel de produzir energia elétrica para a ilu­minação pública da Capital, até então ser­vida por Iam piões a gás.

Outros setores permanecerão no limitelocal e com pequenas possibilidades nomercado nacional, como por exemplo, otêxtil e o agro-açucareiro. Alguns empre­endimen tos nem sequer foram concluídos.A indústria de beneficiamento do sal mari­nho seria a primeira a sentir os rigores doartificialismo do empreendimento. Implan­tada em J ucutuquara, Vitória, chegou a al­gumas experiências consideradas satisfató­rias. A falta de técnica e de pessoal especia­lizado, entretanto, tornará o projeto umfracasso já ao tem po do Governo Monteiro,com um prejuízo de Rs. 10.891 $138 emserviços realizados. Por outro lado, a IGrande Guerra de 1914-1918 colherá 05

projetos industriais do Espírito Santo, al­gumas em plena implantação. Isso apresen­tará uma dupla conotação para os mesmos.Para alguns empreendimentos podemos,talvez, aceitar a análise "tradicional" deque a guerra teria funcionado como catali­sador do impulso inicial da tentativa indus­trial. É o caso, possivelmente, do setor têx­til, no qual observamos uma nítida ascen­ção durante o período 1914-1918. O mes­mo, também, poderíamos afirmar quantoao setor agro-açucareiro, não fosse os pro­blemas da Usina, de ordem jurídico finan­ceira, que em perrava o seu pleno funciona­mento.

Entretanto, o fechamento dos portoseuropeus e o processo de substituição dasperdas de guerra, levado a efeito nos paísesindustrializados fornecedores de bens decapitais aos empreendimentos capixabas,im pediram mesmo a conclusão de algunsestabelecimentos fabris em tempo útil.

Para as fábricas de papel e cimento,por exemplo, não houve meios de comple­tar os equipamentos durante o período.

Esta última, que empregava maquiná­rio alemão, emperrava-a a falta de forne­cimento do material para o sistema de caboaéreo para o transporte do calcáreo.

Mas os problemas não se resumiam aesses fatores. Se para as fábricas de papel ecimento faltavam equipamentos, para ou­tras não havia sequer matéria-prima e/ou ocusto de produção tornava-as inviáveis.

Es t es en tretanto são apenas alguns as­pectos do problema. Na realidade, os as­pectos negativos desses esforços industria­lizantes, acreditamos, se explicam muitomais pela sua artificialidade. A interferên­cia do Governo, que poderia representarum estímulo à industrialização, terminoupor ficar nos justos limites da própria açãogovernamen tal.

Sem obediência às condições do mer­cado local, tais implantes industriais nãosurgirão como em outros estados ou regiõesdo país, normalmente voltados para as ne­cessidades locais, na forma de atividades

complementares à atividade predominante.(Sacaria para agricultura regional, oficinade reparo para a construção de equipamen­tos de açúcar etc).

No caso do Espírito Santo, mesmo aindústria têxtil objetivará a "exportação"e, para a administração pública, haverátambém o escopo do aumento da renda es­tadual, quer diretamente pela taxação deprodutos industrializados, quer indireta­mente pelo incremento da lavoura diversifi­cada. No entanto, as condições incipientesda indústria do Espírito Santo não permiti­rão à periferia capixaba comrartilhar comsucesso no mercado regiona, onde já so­lidamente se fixavam as indústrias do eixoRio-São Paulo.

Entre 1907 e 1919, a indústria de SãoPaulo crescera 8,5 vezes, alterando sua par­ticipação no total da indústria brasileira de15,9% para 31,5%, no período. A indústriado resto do País crescera apenas 3,5 ve­zes, reduzindo sua participação de 84,1%para 68,5% e a década de 1920 proporcio­naria ainda uma nova expansão da indústriapaulista, consolidando seu processo de con­centração.

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Quanto ao Rio de Janeiro, emboraaflore nitidamente a recessão de sua lideran­ça industrial, caindo para 20,8% sua parti­cipação industrial no mercado nacional, deacordo com o censo de 1919, na década de1920 a grande expansão cafeeira nos esta­dos de Minas Gerais e Espírito Santo, áreasde sua influência, dará um novo incentivo àindústria carioca.

Paradoxalmente, porém, no mesmo pe­ríodo, estagnavam-se os projetos industria­lizantes do Espírito Santo. O governo esta­dual toma algumas medidas paliativas, ar­rendando fábricas, comprando a produçãofabril, medidas que só prolongavam a ago­nia de algumas unidades na década de 1920.Para outros empreendimentos, entretanto,a sorte estava selada.

O Governo Nestor Gomes, 1920-1924,por exemplo, resolveu desmontar a fábricade papel e vender seu maquinário. Mesmodestino daria à fábrica de óleo, paralizadapor mais de 13 anos; assim como a "Fá­brica-S ílico-Calcareo".

Enquanto isso, as atividades primáriasconservarão a hegemonia sobre as demais econtinuarão em crescimento contínuo.

O café, que em 1910 atingia a 407,970sacas de 60 kg exportadas, em 1916, che­ga à casa dos 968.195 kg e, em 1926, su­pera a marca dos 1.224.434 kg. Na décadade 1920, o Espírito Santo ascende ao 30

lugar na produção nacional, ficando o café,como já vinha ocorrendo, responsável pelaquase totalidade dos recursos para a manu­tenção do aparelho governamental e servi­ços oficiais. E, por extensão, podemos ain­da afirmar, do comércio e da própria indús­tria sobrevivente, cujo funcionamento sópoderia ser mantido com tais recursos.

Disto concluímos que, cessados os es­tímulos dos invçstimentos públicos, nãoconseguirá o Espírito Santo atrair os capi­tais industriais já canalizados para o centronacional. Nem tampouco o capital localque, pr01uz.ido pelo café, ficará imobiliza­do no propno mecanismo de sua produção.Logo, com o abandono da maioria dos pro­jetos industrializantes, fracassará também oesforço policultor, salvo no que se refere aocacau, que crescerá a níveis consideráveis,mas na proporção dos estímulos externos.

Daí até a crise mundial de 1929, oGoverno local vai procurar pautar suas me­tas diretamente aos interesses agrário-ex­portador, limitando a intervenção estatalao transporte e seus congêneres, infra-es­truturando com melhor aparelhagem aomodelo tropical de exportação do qual oEspírito Santo era parte na divisão interna­cional do trabalho, como fornecedor dematérias-primas e importador de produtosmanufaturados.

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Em 1984aracionalidade repressivaconsubstancia arealidade orwelliana

"Técnico do IJSN, Mestre em Administração Pública pela Universidade Federal de Santa Catarina,

Este ensaio constitui uma tentativa deobservação de relações existentes entre al­

aspectos da Ciência Política ,e a obraGeorge Orwell, 1984. O interesse des­

pertado pelo livro, quando da proximidadee decorrer do ano passado, levou a algunscomentários da imprensa nacional (1), quenos parece poderiam ser enriquecidos a par­tir de análises informadas pela Ciência Po­lítica.

As observações a respeito de 1984 se­rão baseadas em algumas teorias de cientis­tas políticos, procurando verificar possíveisreferenciais que proporcionem um melhorentendimento da época atual. Na medidaem que as análises se referem ao contextode naÇões industriais avançadas, como é ocaso da obra de Herbert Marcuse, e na me­dida em que o Brasil adota como modeloeste contexto, as análises que se refiram aomesmo possuem importância ao possibili­tar discutir as nossas especificidades con­temporâneas, principalmente com relaçãoao processo de Formulação e Avaliação depolíticas Públicas vigente, que procura ace­lerar o que se entende por desenvolvimen­to, ou seja, o alcance do 'status' de naçãoindustrial avançada.

A posição aqui adotada é a de que ochamado ficcionista, visto sob o referencialteórico a ser explicitado, assume uma im­portância que não tem sido consideradaadequadamente, principalmente nos meiosacadêmicos, onde se originam 'tecnologias'de gerenciamento governamental, ou públi­co, e privado,

A Realidade Orwelliana. O Capitalismoconstitui um tipo específico de desenho desociedade, sendo, portanto, característicade um período específico da História. Esteperíodo histórico específico pode ser de­nominado genericamente de Idade Moder­na, abrangendo desde o fim do feudalismo,com o surgimento do capitalismo, até aconsolidação do estágio atual das socieda­des industriais avançadas, ou desenvolvidas,

Com a consolidação do capitalismo co­mo modo de produção, ocorre o que KarlPolanyi denomina a 'grande transformação',isto é, a mudança da regulação da vida hu­mana em associação por critérios políticospara critérios econômicos, Assim, os dese-

Hugo Júnior Brandíão"

nhos de sociedade passam a ter o mercadocomo referência básica, regulado através daLei da Oferta e da Procura. A dimensãoeconômica da vida humana em associaçãopassa a ser a dimensão preponderante, for­necendo critérios que, além de viabilizar oatingirnen to das necessidades pertinentes,em termos econômicos, assume uma abran­gência maior, antes ocupada pela dimensãopolítica,

Característica básica dos desenhos desociedade centrados no mercado é, portan­to, a preponderância da dimensão econômi­ca e da organização destinada a viabilizar oatingimento das necessidades próprias e

essa dimensão, a burocracia, ou organiza­ção economicista.

Tanto ao nível macrossocietário, ondese examina o tipo específico de desenho desociedade, quanto ao n'ível organizacional,onde se pode visualizar as organizações bu­rocráticas e instituições no âmbito das es­feras pública e privada, um ponto funda­mental na presente análise é o tipo especí­fico de racionalidade que os orienta.

De acordo com a tipologia weberianade racionalidade, pode-se distinguir dois ti·pos básicos de orientação para a ação:

"a) Zweckrationalitat, ou Racionalida·de Formal - determinada pela expectati.

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va de resultados ou 'fins calculados';b) Wertrationalitar, ou Racionalidade

Substantiva - determinada independente­mente de suas previsões quanto ao sucesso,não caracterizando nenhuma ação concer­nente com o atingimento de um resultadoposterior a ela" (2)

Esta tipologia, também abordada porMannheim numa retomada da sistemáticawe beriana (3), é analisada por AlbertoGuerreiro Ramos, no seu A nova ciênciadas organizações: uma reconceituação da ri­queza das nações, recentemente editado ncBrasil pela Fundação Getúlio Vargas.

Para efeito da presente análise, umaoutra tipologia, como apresentada por Her­bert Marcuse, explicita melhor o universoda racionalidade de dominação (4). Marcu­se qualifica a racionalidadl! formal ou fun­cionaI, apontada por Weber, e contrapõe aesta, um outro tipo de racionalidade, a dia­lética.

A análise de Marcuse demonstra que aracionalidade formal, ou funcional, é umaracionalidade anticrítica e anti-histórica,mantida p~)[ interesses específicos de do­minação. A racionalidade formal ou fun­cional corresponde uma linguagem funcio­nalizada, abreviada e unificada, a linguagemdo pensamento unidimensional que impedea 'negação' da ordem de dominação. A ra­cionalidade formal é unidimensional, namedida em que possibilita apenas a dimen­são da 'afirmação', aa conformidade ao'status quo'. Nas palavras do autor; "se ocomportamento linguístico bloqueia o de­senvolvimento conceitual, se ele limita con­tra a abstração e a mediação, se se rendeaos fatos imediatos, repele o conhecimentodos fatores que estão por trás dos fatos, e,assim, repele o reconhecimento dos faros,bem como o conteúdo histórico destes. Talorganização da locução funcional é de im­portância vital na sociedade, e para ela; ser­ve de veículo de coordenação e subordina­ção. A linguagem funcional unificada éuma linguagem irreconciliavelmente anti­crítica e antidialética. Nela a racionalidadeoperacional e behaviorista absorve os ele­mentos transcendentes, negativos e de opo­sição da Razão" (5).

A racionalidade form'al é uma raciona­lidade mantida por interesses específicosde dominação, fazendo desaparecer a ten­são entre o 'é' e o 'deve', entre essência eaparência, potencialidade e atualidade. Estatensão pertence ao universo bidimensionalda locução, universo do pensamento críti­co e abstrato. Para Marcuse, no desenvol­vimen to do pensamento dialético, manifes­ta-se o caráter histórico das contradições,da tensão entre o 'é' e o 'deve'. Portanto, adimensão da negação é a dimensão da his­tória, na medida em que permite a trans-

cendência do universo estabelecido de do­minação, a transformação qualitativa darealidade, a negação do presente, do 'statusquo' (6). Como explicitado por Marcuse,as melhorias historicamente possíveis da vi­da humana em associação devem compre­ender transformações da 'qualidade' intrín­seca ao desenho de sociedade, orientadaspela racionalidadade dialética (7). É claroque valores, como justiça social, equidadee solidariedade, entram nesta discussão, namedida em que se verifica uma qualifica­ção da realidade do desenho de sociedade.

Categorização Política. A realidade dodesenho e da dinâmica da sociedade cate­gorizada por Orwell, além de bastante som­bria aos olhos do leitor comum, constituiuma categorização lúcida a respeito da Ida­de Moderna. Com a chave de entendimentoexplicitada anteriormente, espera-se de­monstrar o universo da obra do autor como auxílio de um conceito psicanalítico. Or­well salienta em sua obra o grau de interna­lização desejada da repressão, movida porinteresses específicos de dominação (8). Aconceitualização repressiva, expressa exage­radamente na 'Novilíngua', em 1984, obe-

"Em 1984 as super-potênciascolocaram a História

no refrigerador"

ANTONIO CALADO(JornaI1984, TVE 02/01184)

dece à racionalidade do desenho de socie­dade específico, representado na hobbsianafigura do 'Big Brother', a tota­litária corporificação do 'Partido' da 'Ocea­nia', um superestado. A locução cifrada,abreviada das siglas governamentais, infor­ma-se da racionalidade repressiva. Os le­mas do 'Partido' exemplificam o uso dessalocução:

"GUERRA É PAZLIBERDADE É ESCRAVIDÃOIGNORÂNCIA É FORÇA" (9).Da mesma forma, o aparato governa­

mental:" .. , os quatro ministérios que en­tre si dividiam todas as funções do governo:o Ministério da Verdade, que se ocupavadas notícias, diversões, instrução e belas­artes; o Ministério da Paz, que se ocupavada guerra; o Ministério do Amor, que man­tinha a lei e a ordem, e o Ministério da Far­tura, que acudia às atividades econômicas.Seus nomes, em Novilíngua: Miniver, Mini­paz, Miniamo e Minifarto(lO).

A 'Novilíngua' orwelliana, substituin­do palavras por módulos, é caracterizada,principalmente, pela permanente falsi6ca­ção da realidade e mutabilidade do passa-

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do, de acordo com as eXlgencias do 'Parti­do'. Um dos conceitos 'novilingüísticos'fundamentais é 'Crimedeter'. Nas palavrasde Orwell: 'Crimedeter' é a faculdade dedeter, de paralisar, como por instinto, nolimiar, qualquer pensamento perigoso. In­clui o poder de não perceber analogias, denão conseguir observar erros de lógica, denão compreender os argumentos mais sim­ples e hostis ao Partido, e de se aborrecerou enjoar por qualquer trem e pensamen­tos que possam tomar rumo herético. 'Crime­deter', em suma, significa estupidez prote­tora".(ll).

Além de 'Crimedeter', os conceitos de'negrobranco' e 'duplipensar' são bastantesignificativos na exemplificação das catego­rizações da locução repressiva, como efe­tuadas por Orwell: assim como a históriadeve ser falsificada permanentemente, énecessário uma "flexibilidade, de momen­to a momento na interpretação dos fatos,Aqui, a palavra-chave é 'negro branco'. Co­mo tantas palavras da Novilíngua, esta temdois sentidos mutuamente contraditórios.Aplicada a um adversário, caracteriza o há­bito de afirmar impudentemente que o ne­gro é branco, em contradição aos fatos evi­dentes. Aplicada a um membro do Partido,significa leal disposição de dizer que o pre­to é branco quando o partido o exige. Sig­nifica, também, a capacidade de 'acreditar'que o preto é branco, e mais ainda, de 'sa­ber' que o preto é branco, e de acreditarque jamais se imaginou o contrário. Istoexige contínua alteração do passado, pos­sibilitada pelo sistema de raciocínio quena verdade abrange tudo o mais, e que emNovilíngua se chama 'duplipensar'... 'Du­plipensar' quer dizer a capacidade de guar­dar simultaneamente na cabeça duas cren­ças contraditórias e aceitá-las ambas"(l2).

Estes con~eitos apresentados por Or­well, no contexto de 1984, constituem'insights' importantes, porque demonstrama preocupação política do '6ccionista',que, percebendo o que acontece com a His­tória, suas mudanças, tem importância si­milar à do chamado 'cientista social'(13).No início da obra, quando o personagemcentral, Winston, tentando driblar a onipo­tente 'teletela' que a tudo controlava, de­cide escrever um diário e se pergunta aquem o d:sti~~va, Orwell exemplifica estapreocupaçao: Para quem estava escreven­do aquele diário? Para o futuro, os que nãohaviam nascido... Como poderia se comu­nicar com o futuro? Era impossível, pelaprópria natureza. Ou o futuro seria pareci­do com o presente, caso em que não lhe da­ria ouvidos, ou seria diferente, e nesse casoa sua situação não teria sentido"(14).

O aspecto mais im portante para a pre­sente análise, categorizado por Ocwell, é a

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Bibliografia

figura do 'Big Brother', o Grande Irmão.Este é o principal 'insight' do autor, em19&4. Sendo uma figura familia1, constituia principal referência para os indivíduos nodesenho de sociedade descrito na obra. Es­ta relação pode ser melhor entendida coma utilização de um conceito básico da psica­nálise, a 'transferência'.

Em situações de terapia analítica, ocor­re uma dependência do analisado em rela­ção ao analista, pelo fato do primeiro trans­ferir ao segun do a im portância merecidaanteriormente pelas figuras vitais de sua ex­periência. O analisado, 'transferindo' aoanalista a importância ocupada por .outrosem perÍodos signiftcativos de sua experiên­cia, se encontra em uma situação de depen­dência, onde seu 'Eu' tem como referênciabásica o 'Outro Fundamental', o analista.James Glass, analisando o vínculo de de­pendência que as organizações burocráti­cas, informadas pela teoria organizacionalconvencional, procuram firmar com os in­divíduos que participam de seu contextonormativo, explicita que é fácil ocorreremadulterações no método psicanalítico.Glass salienta que "para o paciente, a de­pendência persistente, enraizada através datransferência, pode ser não terapêutica; pa­ra o analista, a relação justifica tanto suafunção quanto o seu sustento"(15). Glassargumenta que as organizações burocráti­cas procuram justamente esse vínculo dedepen dência.

De qualquer forma, o que deve ser sa­lientado é que a espontaneidade para sermanipulada por um Outro Fundamental,na psique da pessoa dependente, num sen­tido mais profundo, indica uma patologiabásica dos indivíduos na Idade Moderna:um medo que promove a libertação do egopara uma associação que, passando o tem­po todo provendo segurança e direção, ini­be totalmente a autonomia independenteda função organizacional( 16). Essa patolo­gia básica, em outros termos, indica a ne­cessidade de se ter a organização (nos dife­rentes níveis, o macrossocietário e o orga­nizacional) como o Outro Fundamental,como o principal ponto de referência parao 'ego' do indivíduo que participa do con­texto controlado e normatizado.

Em 1984, a hierarquia social, a dinâ­mica de funcionamento, o referencial abso­luto do Grande Irmão, são mantidos atra­veS do instrumental ideológico da verdadeúnica, "que além de imposta a qualquerpreço passa por um contínuo processo desimplificação, visando a eliminação de todaa capacidade de pensar dos membros doPartido (a consciência da massa não impor­ta, basta influenciá-la de 'modo negativo',inculcando-lhe a histeria guerreira)"(17).Através do 'duplipensar', o Grande Irmão

anula consclencias que possam negar a or­dem de dominação. E, ainda, "além da eli­minação do passado como elemento dedesarmonia com o presente e como instru­mento de verificação das afumações doPartido, este recorre a outros meios, bemmais convencionais, para moldar a cons­ciência dos seus filiados: educação perma­nente, atividade coletiva sem intervalos, pu­ritanismo, rejeição do sexo enquanto fontede prazer, sadismo, valorização do podercomo fim, não como meio"( 18).

Considerações - A realidade do dese­nho da sociedade atual, mantida por inte­resses específicos de dominação, onde nãohá uma participação do indivíduo comumno processo de defmição de sua realidadesocial, exige que esse indivíduo se mante­nha como, o que Marcuse denomina, 'ho­mem unidimensional', isto é, o indivíduoque somente afirma a ordem de coisas es­tabelecidas.

A sociedade industrial avançada, atra­vés de sua racionalidade, contém a transfor-

1) PACHECO, Marflia et. alli. 1,984 você co­nhece este tirano? Isto E, São Paulo.7 (362): 40-7, novo 83.

PONTES, Mário. Faltam três meses para1984. Jornal do Brasíl, Rio de Janeiro,2 out. 1983. Suplemento Especial p.1. C. 1, 2, 3, 4 e 5.

2) RAMOS, Alberto Guerreiro. The newscience of organizations. Los Angeles,1977 mimeo. Esta sistemática weberia·na foi também apresentada por ManoelT. Berlinck, em um prefácio a dois en·saios de Max Weber, da seguinte forma:"Zweckrationalitat: baseada na expec­taviva de comportamento e objetos dasituação externa e de outros indivlduosusando tais expectativas como 'condi·ções' ou 'meios' para a consecução bemsucedida dos fins racionalmente esco·Ihidos pelo próprio agente.Wertrationalitat: baseada em crença novalor absoluto de um comportamentoético, estético, religioso, ou outra for­ma, exclusivamente por seu valor e in­dependentemente de qualquer esperan­ça quanto ao sucesso externo". WE­BER, Max. Ciência e Política: duas vo'cações. 3. ed. São Paulo, Cultrix, p. 11.

( 3) MANNHEIM, Karl O homem e a socieda·de: estudo sobre a estrutura social mo·derna. Rio de Janeiro, Zahar.

4) O termo dominação é usado neste contex­to, no sentido especificado por Marcu·se, ou seja, a de uma dominaçaõ usadapor um grupo ou indivíduo com o in­tuito de manutenção de uma posiçãop~iyilegiada, isto e, a permanência do'status quo '.

5) MAR CUSE, Herbert. A ideologia da socie­dade industrial; o homem unidimensio·nal 4 ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1973.p.103.

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mação social. A produtividade crescenteunida à destruição crescente; a eminênciade aniquilamento; o pensamento, as espe­ranças e o temor subjugados às decisões dospoderes existentes; a miséria preservadaapesar da riqueza sem procedente, "consis­tem a mais importante acusação -- aindaque não sejam a 'razão de ser' desta socie­dade, mas apenas um subproduto, o seu ra­cionalismo arrasador, que impede a efI­ciência e o crescimento, é, em si, irracio­nal"( 19).

A racionalidade anticritica a anti-histó­rica da Idade Moderna informa as técnicas,sutis ou não, da dominação psicológica queconsolida a posição de dependência a umreferencial, que não conta com a participa­ção do indivíduo em sua definição.

No caso de 1984, os mérodos do Gran­de Irmão alcançam, com Winston, seusobjetivos: tornar-se o referencial absoluto einquestionável: "Finalmente lograra a vitó­rIa sobre si mesmo. Amava o Grande I r­mão"(20).

( 6) Ibid( 7) Um exemplo signijicativo, comentado por

Marcuse, da utilização de uma locuçãodialêtica, orien ta do pela racionalidadedialêlica, portanlo bidimensional, é oManifesto do Partido Comunista, deMarx e Engels.•

8) Para enrendimento dos mecanismos de in·ternalização da repressão caracteriSlicada sociedade contemporânea, veja:

MA R CUSE, Herbert. Eros e civilização;uma interpretação filosófica do pensa·mento de Freud 7 ed Rio de Janeiro,Zahar, 1978.

9) OR WELL, George. 1984. 17 ed São Pau­lo, Ed Nacional, 1984.

Ao n ivel da relação do illdiv iduo COI71 aorganiz_ação burocrâtica, veja.

BRANDIA O, Hugo Junior. Interação inúi·víduo-organização (possiveis implica­ções psicanaliticas). Florianópolis,UFSC. 1980.

(10) Ibid p. 9-10.(11) IbicL p. 198·199.(12) Ibid. p. 1 98·200.. .(13) Nessa perspectiva, um Importante painel

sobre as consequências do processo deformulação de politicas.públicas, vigen·te no Brasil, é Não veras paIS nenhum,de Ignácio de Loyola Brandão.

(14) Ibid. p. 12

(15) GLASS, James. Conciousness and orgniza­tion. In Administration & SocIety. Vol.7. nO 3, November 1975.

(16) GLASS, James. Schizophrenia and percep­tion: a critique of lhe liberal theory ofextemality In 1nquiry, nO 15. 114-145.

(17) PONTES, Mario. op. cito(18) 1bid(19) MARCUSE, Herbert. p. 17(20) ORWELL, George. op. cito p. 277.

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o Grande Capital predominana expansão da economia capixaba

Haroldo Corrêa"

"Professor do Curso de Economia da Ufes, Técnico do IJSN

A economia capixaba, em meados dadécada de seteIlti; dispunha de razoávelinfra-estrutura de !/trànsportes, comunica­ções, energia elétrica e portos. Contava ain­da com um parque industrial relativamenteimportante, concentrado' na região daGrande Vitória e gerador de 26,4% da ren­da interna estadual. Além disso, desfrutavade uma posição geográfica bastante estratÉ­gica e privilegiada, pois situa-se entre o suldesenvolvido e o nordeste subdesenvolvido,constituindo-se em área de trânsito, e pos­sui uma extensa costa marÍtima com con­dições altamente favoráveis à construção deportos.

A essas condições somaram-se váriasoutras, que vieram possibilitar a continui­dade do processo de expansão industrial

e retomada do crescimento da agricultura,que havia se mantido praticamente estagna­da no perÍodo anterior.

Dentre as várias condições e aconteci­mentos que vieram favorecer o crescimentoda "economia capixaba" destacamos os se­guintes:

· O auge cíclico da economia brasilei­ra ocorrido entre 1969/73, que favoreceu aexpansão do "grande capital" e levou al­guns grupos econômicos privados e estataisa tomarem decisões de investimentos quecontemplaram a economia capixaba;

· A política de divulgação de oportu­nidades de investimentos e de atração deinvestidores para o Espírito Santo, que foiim plementada pelos Governos Estaduais noperíodo de 1971 a 1979;

· O apoio dado aos novos investimen­tos em termos de incentivos fiscais e de fi­nanciamentos a longo prazo, que se realiza­vam em condições altamente favorecidas;

· A política energética, com a criaçãoem 1975 e implantação efetiva a partir de1979 do PROGRAMA NACIONAL DOÁLCOOL, que trouxe vários investidores eprojetos agroindustriais para o estado;

· A grande geada ocorrida em meadosde 1975, nas regiões cafeeiras do sul dopaís que, ao destruir boa parte da capacida­de produtiva do produto, forçou a alta dospreços tornando a cafeicultura novamenteuma atividade compensatória e altamentelucrativa;

A po]{tica industrial arrojada propos­ta pelo Governo Federal no II PND em1974 que fez deslanchar um novo ciclo decrescimento da indústri" de base na econo­mia brasileira.

Esses diversos fatores e condições fize­ram com que, entre 1975 e 1985, umagrande massa de recursos viessem a ser in­vestidos no Espírito Santo, principalmentepor grandes grupos econômicos sediadosfora do estado.

Assim, iniciou-se, em meados dos anossetenta, uma nova fase do crescimento eco­nômico capixaba que foi caracterizada de

um lado, pelo comando e hegemonia do"grande capital". e de outro, pela diversifi­cação e modermzação de todos os setoresda economia.

A hegemonia do "grande capital" seestabeleceu pela confluência de dois movi­mentos distintos. Um realizado pelo peque­no capital local, que durante a primeira fa­se de expansão (1967-74) apresen tou ace­lerado ritmo de acumulação e concentra­ção, com o que alguns grupos tornaram-segrandes e estenderam sua atuação por ou­tros mercados. Dessa forma, alguns gruposlocais se "nacionalizaram", posto que pas-

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'l'HIBUNA LIVRER Ir.

~..

'am a operar no mercado nacional ~ nãomente no restrito mercado local. E evi­nte, contudo, que isso só foi possível sedizar a partir do momento em que o pró­io mercado local assumiu determinadasoporções e esses grupos consolidaram sua.sição nesse mercado, base a partir dalal se projetaram no mercado nacional.

Por outro lado, esse processo não dever se realizado linearmente, pois tão logo oercado local tenha atingido tamanho sig­,ficativo, deve ter se acirrado a concorrên­a dos grandes grupos nacionais que atuam1 mesma área dos grupos locais. Além dis­" os grandes grupos nacionais que procu­Im se estabelecer no Espírito Santo não se:stringem apenas às áreas tradicionais e deomínio do capital local, senão se voltamluito mais para o desenvolvimento de ati­idades ainda não existentes ou pouco de­~nvolvjdas. Isso dinamiza o crescimento e,e certa forma, amplia o espaço de repro­ução do próprio capital local que, se não~ transformar em grande capital, tem pou­as chances de sobrevivência.

Assim, sob a égide do grande capital,mplementou-se um amplo processo deTescimento de todos os setores da econo­nia capixaba, que tem conduzido a umarescente modernização e diversificação'conâmica, tanto na agricultura como nasttividades tipicamente urbanas.

Modernização da Agricultura. O setor19rícola, que tinha se mantido praticamente,stagnado durante mais de um decênio,rem passando por um intenso processo de,xpansão e modernização que se realiza:om o avanço da forma capitalista de pro­:lução. Número crescente de empresas ru­:ais tê!!1 sido organizadas pelo grande ca­pital, com o que tem-se concentrado a pro­priedade e a posse da terra e aumentado,iubstancialmente, o número absoluto erelativo de trabalhadores assalariados nocampo. Além disso, a produtividade daagricultura tem crescido de forma signifi­cativa devido à adoção, por parte das em­presas rurais, de uma nova matriz tecnoló­gica que envolve o uso em grande escala deinsumos agrícolas modernos, tais como,máquinas e implementos agrícolas, fertili­,antes, defensivos, sementes selecionadas,etc.

Todo esse processo de modernizaçãocapitalista da agricultura embora reduza, decerta forma, o espaço de reprodução da pe­quena produção familiar, convive com estae não elimina totalmente .a pequena pro­priedade nem a produção familiar dos pe­quenos proprietários e dos parceiros. Con­tudo, a pequena produção familiar não per-

manece intacta, sendo também atingidapelo processo de modernização que o de­senvolvimento capitalista vai generalizando

e tornando irreversível A modernização seimpõe à medida que a pequena produçãoacaba tendo que concorrer com a produçãode escala capitalista. Assim, vai se constitu­indo uma nova estrutura de pequena pro­dução que é moderna e radicalmente dife­rente daquela tradicionalmente dominantedo meio rural capixaba.

A modernização da agricultura podeser avaliada pelo crescimento do consumode insumos agrícolas. O número de tratoresaumentou de 508 em 1960 para 1.131,1. 940 e 5.334, respectivamente, nos anos de1970, 1975 e 1980. O grande crescimento(taxa anual de 22,4%) foi observado no pe­rÍodo de 75/80. Também o número de es­tabelecimentos rurais que usavam adubaçãoquímica ampliou-se bastante, tendo passa­do de 0,5% do total de estabelecimentosem 1960 para 17,2 em 1975 e 50,8% em1980. Além desses insumos, cresce substan­ciamente o uso de arados de tração mecâni­ca, de calcário e de defensivos agrícolas. Es­sa tendência evidenciada pelos dados acimanão pode ser constatada para o períodoposterior a 1980 devido à inexistência dedados censitários e de pesquisas específicas,

Entre 1960e 1970acafeicultura sofreu uma

redução de 48 %

mas parece bastante razoável supor que te­nha prosseguido o processo de moderniz.a­ção, uma vez que, como veremos a segUir,as principais culturas agrícolas continuaramse expandindo.

A cafeicultura, devido à polltica de er­radicação, havia sofrido uma redução de48% no número de cafeeiros entre 1960 e1970, tendo passado de 447,6 milhões para234,8 milhões de pés. Até 1975, em quepese a política de financiamento de novosplantios instituído pelo IBC a partir de1970, a situação não se alterou, pois o cres­cimen to do número de cafeeiros foi de ape­nas 5,2%, passando a 247,1 milhões de pés.Somente a partir de 1975, após a geadaocorrida na região sul e o consequente au­mento dos preços do produto, verificou-seo crescimento do plantio, tendo a popula­ção cafeeira aumentado para 447,1 milhõesde pés em 1980 quando igualou-se ao núme­ro de cafeeiros existentes em 1960. Esseprocesso de expansão parece ter prossegui­do nos anos subsequentes, pois as estima­tivas do !BC indicaram para o ano de 1984,um número efetivo de 585 milhões de pésde café.

Essa extraordinária expansão do plan­tio de café dos últimos dez anos foi acom-

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panhada de uma grande transformação dabase produtiva da cafeicultura estadual,que aumentou significativamente o nível deprodutividade da lavoura. En9uanto notriênio 1960/62 a produção media foi de925 kg de café em coco por hectare, notriênio 1981/83 a produção média elevou­se para 1.218 kg/hectare.

A cana-de-açúcar, lavoura mais antigado Espírito Santo, que teve crescimentobastante lento nas décadas de sessenta e se­tenta, também recebeu um novo impulso apartir de 1.979, quando o PROALCOOLJoi,dinamizado. De uma área média de 20.000hectares, passou-se a aproximadamente50.000 hectares, em 1985, com perspecti­vas de novos plantios para atender a expan­são da capacidade industrial de produçãode álcool e açúcar. A produtividade médiaentre 1975/77 e 1981/83 aumentouton./ha para 50,2 ton./ha, um crl=SCin-lerlt0de 61,9%.

A cultura do cacau, embora nãoexpandido a área cultivada, aumentou deforma significativa a produção devido à me·lhoria de produtividade que, entre 1969/71e 1981/83 passou de 251,7 kg/ha par;l554,6 kg/ha, um aumento de 120,3%.

As demais culturas tradicionais em ge­ral apresentam um comportamento opostoao do café porque concorrem entre si peloscursos disponíveis. Assim como o café des·de de 1975 encontra-se em expansão, asdemais lavouras, principalmente as tem ~o­rárias, apresentam uma tendência de quedada área cultivada e da 'produção, embora, deforma generalizada, se verifique um aumen­to de produtividade decorrente da moder­nização. A exceção dentre essas culturascoube ao feijão, cuja produção e área cul­tivada se expandiram no período recente,incentivados pelo bom nível de preços vi·gentes devido à insuficiência de oferta doproduto.

Outras atividades têm se desenvolvidonos últimos anos, sem que ainda apresen·tem níveis de produção significativos, em­bora trate-se de atividades altamente capi­talizadas e modernas, como é o caso daavicultura, suinocultura e das culturas depimenta do reino, mamão, abacate, serin­gueira, etc ... Além dessas, deve-se destacarcomo uma das mais bem sucedidas, a ativi­dade de reflorestamento da qual derivamas produções de carvão vegetal e celulose.A área de reflorestamento apresentou gran­de crescimento, tendo passado de 25.296ha em 1960 para 98.388 ha em 1975, Noano de 1980 essa área' aumentou para143.178 ha e estima-se que, em 1985, elaseja superior a 170,000 hectares.

A pecuária bovina, a partir de 1975,ao contrário do café, apresentou uma que­da vertiginosa do rebanho. Essa atividade,

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A partir do 1975 a pecuária bovina apresantou uma queda vartiginosa do rebanho

entre 1960 e 1975, aumentou a área depastagens de 842.656 para 2.'130.563 ha eo rebanho bovino de 653.890 para2.104.159 cabeças, tcndo expandido tantoa pecuária leiteira como a do corte. Entre­tanto, a partir de 1975, essa tendência foitotalmente alterada tendo decrescido em1980 a área de pastagens para 1.978.794 hae o efetivo de bovinos para 1.844.205. Da­dos recentes do F1BGE e da Secretaria deAgricultura do Estado do Espírito Santoindicam a permanên cia da tendência de re­dução da área de pastagens e do rebanho,que em 1984 era, respectivamente, de1.869.532 e 1.742.636. Esse rebanho exis­tente em 1984 correspondia a 82,4% do re­banho de ] 975. tendo decrescido 17,2% nodecênio.

EI1I síntese. a agricultura estadual vempassando, a partir de meados da década desercnt.l, por um processo intenso de moder­nizaç"o capitalista, onde novas técnicas deprodução c insumos agrícolas modernosS,IO cadd vez mais utilizados, tanto pelasetn presas rurais como pelos próprios peque­nos proprietários e pa rceiros. As culturdstr" dicionais de exportação e energéticas(,café, cacau, cana-de-açúcar) e atividades,.como O rcDorestdmento', cuja produção sedestina ao processamento industrial, temse expandido aceleradamente. Por outrolado, as lavouras tradicionais alimentícias(drroz, milho, mandioca e feijão) e d pecuá­l:ia bovina enfrentam a concorrência da­quelas que se encontram têm expansão esofrem um processo de esvaziamento queculmind com a redução dd produção e ddárea cultivada.

Mas é essa agricultura moderna e capi­talizada a base sobre a qual vai se amplian­do o mercado consu midor local, em parti-

cular o de bens industriais. embora o nú­mero absoluto e relativo de empregos gera­do pelo setor tenda a se reduzir em funçãoda disseminação dos métodos modernos decultivo.

Estrutura Industrial - O setor indus­trial, da mesma forma que a agricultura,manteve no período recente altas taxas decrescimento em praticamenco todos os gê­neros, embora aqueles tradicionais e maisvoltados para o mercado local tenham apre­sentado crescimento mais moderado que oscomplexos e mais voltados para o mercadoexterno.

Os primeiros que tinham constituído abase do crescimento industrial na fase ini­cial da industrialização capixaba ocorridaen tre 1967/7 5 passaram a ter taxas decrescimento mais moderadas e em algunscasos até negativa.

Produtos alimentares, que em 1980ainda representava 32,94% do valor da pro­duraç,'o da indústria de transformação, cres­ceu d taxa de 10,4%, enquanto a taxa dosecor industrial foi de 11,50/0. O comporta­mento desse gênero em grande medida re­flete o com portamento do setor agrícola,pois os produ tos daquele setor são as suasma térias primas. Assim, podemos verificarimportantes alterações internas do gêne­ro, pois O sub-gênero beneficiamento, tor­refação e moagem de produtos alimenta­res cresceu à taxa de 16,1% enquanto abd­te de animais praticamente manteve-se es­tagnado, laticínios cresceu à taxa de ape­nas 3,3% e os demias sub-gêneros, princi­palmente devido à expansão de indústriado cacau, cresceu à elevada taxa de 19,9%.

Madeira, que sem pre foi o segundomais im portan te gênero em valor da pro­dução, com exaustão e total devastação dasflorestas do norte do E. S. e sul da Bahia,

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entrou em decadência e teve taxa decresci­mento negativa de 3,3%. Com isso, passoua representar apenas 7,81% do valor da pro­dução enquanto que, em 1975, representa­va 15,9%.

O gênero de minerais não metálicos,cujo crescimento foi bastante reduzido emrelação ao do período anterior, ainda man­teve a elevada taxa de crescimento de 110/0.Esse gênero, entretanto, deve ter sido omais atingido pela crise iniciada a partirde 1982, quando o setor de construção ci­vil pesada, com a conclusão das obrãs- civisda CST, e imobiliária, com a crise do Siste­ma Financeiro da Habitação, reduziramsubstantivamente suas compras de mate­riais. Atualmente, com a persistência ddcrise da construção civil, o gênero deve es­tar operando com boa margem de capacida­de ociosa.

Den tre os demais gêneros tradicionais,deve-se destacar o têxtil que cresceu à taxade 9,6%, e, os de vestuário, calçados e arte­fatos de tecidos e bebidas, que constituí­ram exceção, pois apresentaram taxas decrescimento bem superiores à média do se­tor industrial. O primeiro cresceu à taxa de18,3% e o segundo de 32,2%, o que podeser explicado basicamente, pela entrada emoperação da fábrica de cerveja.

Como parece ter ficado evidente oconjunto dos gêneros tradicionais deumostras de perda de dinamismo, no pe­ríodo 1975/80, o que pode ter sido acen­tuado nos anos posteriores a 1980 quan­do a recessão econômica tornou-se maisprofunda.

Ao contrário dos gêneros tradicionais,aqueles mais complexos e ligados à indús­tria de base apresentaram grande dinamis­mo e taxas de crescimento extraordinárias,tanto do investimento como da produçãoindustrial.

Metalurgi;, química, papel e papelãO,mecânica e material de transporte, foramos cinco gêneros onde se concentraram osinvestimentos do "grande capital", o quedeterminou expressivos aumentos de capa­cidade produtiva.

A metalurgia, que figurava desde 1970entre os quatro principais gêneros, apresen­tou um pequeno crescimento (taxa anualde 0,6%) do valor da produção industrialentre 1975/80. Contudo, isso não revelauma tendência, pois esse gênero foi o querecebeu maior volume de investimentos,embora os projetos resultantes só tenhamsido concluídos após 1980. É o caso, porexemplo, da Companhia Siderúrgica de Tu­barão, grande usina integrada com capaci­dade de produção de 3.000.000 ton./ano,maior projeto industrial até agora instala­do no Espírito Santo que envolveu investi­mentos da ordem de 3 bilhões de dólares.

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usina só começou a operar em meados de184, mas, no seu segundo ano de atividade,funcíona a plena capacidade produzindo

lacas de aço. Da mesma forma, a Compa­hia Brasileira de Ferro só colocou emperação o seu segundo alto-forno, a par­r de outubro de 1984, quando duplicoula capacidade de produção de ferro-gusaue passou a 120.000 ton./ano. Ainda em985 deverá iniciar a produção uma novasina de ferro-gusa (Cia. Metalúrgica Veto­.al) com capacidade de 30.000 ton./ano.

Com a operação desses novos projetos,metalurgia deve ter se tornado principal

ênero da indústria de transformaç~o, tan­o em valor da produção como em númerote operários. Certamente, já no ano de985 a metalurgia deve ter ocupado a posi­ão de liderança que sempre coube ao gêne­o de produto,s alimentares.

A indústria de papel e papelão apre­entou grande dinamismo, tendo crescído àaxa anual de 190%, entre 1975 e 1980, olue se deve exclusivamente à operação daábrica de celulose da Aracruz Celulose:/A. Em 1980 esse gênero era o segundo~ais importan te, participando com 11,54%to valor da produção industrial. Sua pro­!ução continua se expandindo com o usorescente da capacidade instalada que, em980, ainda não era totalmente utilizada,ma vez que a fábrica havia entrado emuncíonamento no ano anterior.

A industria química cresceu à taxa de14% ao ano entre 1975 e 80, e deve ter:ontinuado a se expandir a taxas elevadas,·isto que entre 1982 e 85 entraram em'peração sete novas usinas produtoras deleool, que possuem em conjunto uma ca­lacidade nominal de 1.060.000 litros/dia.

Por outro lado, o crescimen to da agri­cultura deve ter elevado o consumo de fer­tlizantes e rações, o que constitui um estí­nulo à expansão das indústrias produtoraslestes insumos e, portanto, da própria in­'ústria química.

A mecânica também apresentou bomível de crescimento (taxa anual de 33,3%),

) que deve continuar acontecendo, uma vez,ue esse gênero tende a se expandir com o\róprio crescimento industrial, pois trata­~ de um gênero produtor de bens de capi­.1.

Material de transporte, da mesma for­a que metalurgia, apresentou crescimen-

o bastante reduzido entre 1975 e 80, ten­JO sido a taxa anual de apenas 1%.

Mas o gênero deve ter retomado asdtas taxas de crescimento a partir de 1982, 'uando começou a funcionar uma fábrica

:ie ônibus para transporte de passageiros doJUpo Itapemirim.

Assim, dado o extraordinário cresci-

mento dos gêneros industriais ligados à in­dústria de - base, ocorrido entre 1975 e1985, que resultou da realização de inves­timentos do "grande capital", houve umagrande diversificação da estrutura da indús­tria de transformação, o que reduziu subs­tancialmente o peso relativo dos gênerostradicionais.

Além da indústria de transformação,também a extrativa mineral recebeu pesa­dos investimentos do "grande capital", queresultaram na implantação de sete usinas depelotização de minério de ferro. Dessas se­te usinas que possuem, em conjunto, umacapacidade nominal de produção de 22 mi­lhões de ton./ano, cinco, com capacidadede 17 milhões de ton./ano, foram instala­das na segunda metade dos anos 70. ACVRD e os grupos associados italianos, es­panhóis e japoneses são proprietários de 6usinas - 17 milhões de tc:n./ano -:: e o grupoSAMARCO MINERAÇAO S.A. controlauma usina de 5 milhões de ton./ano.

Com essa industrialização recente, a"economia capixaba" integrou-se definiti­vamente à dinâmica da economia brasilei­ra, tendo assumido um caráter complemen­tar e dependente.

Somente a partir de 1980 aGrande Vitória tomou-se ummercado consum idor urbano

Urbanização e Setor Terciário. Acom­panhou o crescimento industrial um inten­so movimento de urbanização e de am plia­ção e modernização do setor terciário.

A população urbana cresceu a taxa ele­vada desde 1960 até 1980, com o que au­mentou de 195.825 para 1.293.378 habi­tantes e de 28,4% da população total pas­sou a representar 64,2%. Com isso, for­mou-se um signiricativo mercado consumi­dor urbano, particularmente na região daGrande Vitória que em 1980 tinha 706.263habitantes, o que representava 35% da po­pulação total do estado.

Essa região tornou-se mais importanteainda a partir de 1980, com a implantaçãode novos projetos industriais, particular­mente o da CST. Estimativa recente da po­pulação realizada pelo Instituto Jones dosSantos Neves indica para a região umapopulação de 922.000 habitantes, o quecorresponde 40% da população do estado.Esse crescimento da população urbana as­sociado à expansão industrial criou as con­dições necessárias à expansão de várias ati­vidades urbanas do setor terciário, tantomercantis como de serviços pessoais e in­dustriais.

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Nesse setor, excetuando-se aqueles ser­viços que são monopólio estatal e os servi­ços industriais altamente especializados quesão dominados pelo "grande capital" na­cional, restam uma vasta gama de ativida­des, nas quais o capital local encontra ascondições ideais para a sua reprodução. Emgeral, o capital local tem preferência por es­sas atividades mercantis e pela construçãocivi~ porque estas não exigem grande imo­bilização e são pouco especializadas e, oque é mais importante, comportam mano­bras especulativas que em geral rendem

bons lucros. Em síntese, preferem menorrisco e maior ren tabílidade. Assim, todos osgrandes grupos locais, que hoje já diversi­Ecaram suas atividades, têm origem ligada aatividades mercantis, principalmente, co­mércio de café, transporte de passageiros,transporte de cargas, etc,.

Entretanto, mesmo esse setor, onde ocapital local encontra maiores facilidadespara seu crescimento, o "grande capital"externo tem se colocado numa posição deconcorrência e crescente absorção dos gru­pos locais. Isso acontece particularmentenaquelas atividades que a nível nacional jásão concentradas, como é o caso de cons­trução civil, supermercados, lojas de depar­tamentos, sistema bancário, hotelaria etc.Assim, os pequenos capitais locais são pres­sionados a tornarem-se grandes e desta for­ma adquirirem condições de concorrer] nomercado local e em outros mercados, ouentão a serem abso.rvidos pelo "grande ca­pital" nacional.

Para finalizar, deve-se ressaltar que astransformações por que passou o EspíritoSanto nas duas últimas décadas tornaramsua economia radicalmente diferente d~­

quela existente quando da crise da cafei­cultura.

Ao contrário do que muitos aindaacreditam, a "sociedade e a economia ca·pixaba" não são mais predominantementerural e agrícola, pois, desde fins dos anos se­tenta, já apresenta um perfil tipicamenteurbano-industrial. Basta verificar que já noano de 1980 dois terços da PEA (65,2%)estava ligado aos setores secundário e ter­ciário, ou seja, estavam na área urbana, as­sim como 64,2% da população total. Poroutro lado, embora o último dado de quese disponha seja referente 1975, a renda in­terna estadual era derivada majoritariamen­te dos setores secundário (26,4%) e terciá­rio (52,9%).

Essa preponderância desses setores de­ve ter se ampliado ainda mais com o cres­cimento pós-80, o que deve ter potencia­lizado os problemas sociais decorrentes deum processo acelerado de urbanização, taiscomo, a favelização, o desemprego, a sub­nutrição, a marginalidade urbana etc.

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ENTREVISTA

"Terra parada é crime.Um crime que mata até cidade" .

Adilson Vilaça

Em 1954 Ali Viela Custódio da Silva tirou posse de um pequeno lote enelelevantou casa, isso próximo ao Rio 9 de Abril. Além das três filhas de pouca idade,

Viela trazia um lote de burros, um porrete de candiúba para tocar a tropa e ofatasma do assassinato de sua companheira, ocorrido poucos dias antes. Um ladrãode cavalos, na tentativa de roubar os animais da tropa, disparou dois tiros em sua

mulher. Foi este o, acontecimento que ditou ao tropeiro a arribação de Pocrani, Minas Gerais.O Vale do 9 de A bri era de águas frescas, encaixado num panelão de montanhas,

propício à extração de madeira e lavoura. O tropeiro Viela abriu algumas dasprimeiras trilhas na região. Viu o crescimento rápido de patrimônios como

Imburana, Cotaxé, Joassuba, Itapeba e tantos outros por onde transportou cargasde arroz, café, feijão e o mais que fosse colhido, além das encomendas de todo mote.

Em 1955 assistiu à festa com que se comemorou a criação do Município de Ecoporanga.O povoado, que um ano antes tinha apenas oito casas, era, então, sede de um

próspero município embicado na divisa com Minas Gerais e Bahia. E foi aí que ahistória entortou suas linhas. A prosperidade atraiu "papas-terras" dos quatrocantos do mundo, confessa Viela. A mando de grileiros muitos posseiros foram

mortos, nasceram as propriedades maiores e o povo foi indo embora.Essa é a história contada pelas palavras e corações de Viela Custódio da Silva

(residen te na sede do município de Ecoporanga), Walter Maciel da Silva (posseiroresidente em Imburana), Sebastião Baio (lutou ao lado dos posseiros e foi um dosfundadores de Cotaxé) e Sebastião Santos (que toca uma pequena farmácia em

Cotaxé). Essa é a história da concentração da terra em nome da improdutividade,da fome e do desespero registrado em alguns outros d.epoimmtos colhidos. Passemos ao mosaico.

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Fuga Para Rondônia

Viela O caititu em manada bota onça pracorrer. E foi isso que os posseiros fizeram.Eu tinha muitos amigos entr,e os posseiros.Os comerciantes daqui também. Os possei­ros é que faziam a vida do comércio. Oprimeiro prefeito de Ecoporanga, que foiprefeito colocado e não prefeito votado,viu essa cidade prosperar, Ele foi prefutooutras vezes e se chamava Tolcntino Xa­vier. Outro que foi prefeito mais de umavez foi o João Corsino. Eles viram essa ci­dade com quatro máquinas de bcneficiaTcafé e até fábrica de bebida, onde era fei­to vinho de jurubeba e vinho de gengibre.E quem fazia o comércio andar pra frente?Eram os posseiros, nas suas lavouras. En­tão todo mundo era amigo dos posseiros.Não só eu. Todo mundo.

'"~ Os posseiros reagiram <, bala. Muitos il<;; tinham sido descansados pela malvadezag dos papa~terras. E por isso eles rCJgirGlnl ,18 bala. fizeram bonito e bem fcito mas um ...

guerra é vencida pelo bicho da gUCrl'Cl. Osposseiros eram bichos da lavoura, pra plan­tar frutOs, e não aguen taram as levas de sol­dados. Os grileiros de teml fora m depois sótomando conta daqui e dali, passando al­queires para os grandes fazendeiros.

Entre posseiros tinha um que era espe-

DOIJ9 las LV nch

'da do ônibus gr.itouNa hora da sa1_ filhos. Disse

daçoes aos 1muitas recomen d m Cotaxé e não

r enterra a e , Ique quer se das filhas chorar. SO e adeixou nenhuma .'

. am esse d1relto .e os netoS tlVer

o que fazer.

. . Silva e Élio OliveiraGilson Ohve1~~ e 16 anos, estão par­

dos SantOS, comd,· Dona Arcanja, mãe

. d ra Ron o111a. dnn o pa ta' acostuma a comdiz que es h'dos rapazes, 'd . u na estrada a

O marl o sumleSsa sorte. 5 e ela criou os setemais ou menOS 2 anos

filhos na braço. .d d Gilson e Élio, sóCom a partl a fie lha Élia, irmã gê-

m casa uma 1, 'I'restOU e . vO A filha, Rosa Ce la, ca-mea do ma1S no T'. . Garcia e mãe de

J ge elxeHasada com ar b' estava ficando. Jor-dois filhos, tam em d' .a com a inten-

, . d para Ron onlge esta 1n o fi do ano para buscar ação de, voltar no 1m

mulher e os filhbo~, d entre Dona Arcan-. om lna o d

Flcou C , . ue fechariam uma asja e Rosa ?eh

tli; não poderia ficar SOZl­

casaS, afma a . ue tem perto de 60nha e Dona Arcan)a, qf do capina nu-

assa a semana azenanos, P 12 uilõmetros.ma fazenda, a q dos filhos de Dona Ar-

Carhnhos, um R dônia foi as-. ., stava em on ,canp que )a e do Ela não sabe o

. d o ano passa . ,sasSllla o n dos filhos malS, D' que tem pena h

Porque. lZ b Ih mato mas ac a. tra a ar nonoVOS Hem . Cotaxé sem terpior eles contmuarem em

Viele teime em não derrubar a casa

xando terra, benfeitoria, lavoura. Um ououtro recebeu um dinheirinho na mão, só aconta pra fazer a mudança.Revista - Entre 1959 e 1962, não supor­tando as arbitrariedades dos jagunços e po­liciais, houve reação armada dos posseiros,O Sr. acompanhou de perto esse embate?

Revista - O condutor de tropa já foi umpersonagem indispensável em Ecoporangól.Hoje, além da modernização dos meios detransporte, h~ também umól evidente dimi­nuição da produção agrícola do município.O Sr., que desde 1954 está fincado no mes­mo lote, ainda não teve vontade de ir em­bora?Viela - Vontade não: eu sou é doido pra irembora, Só tenho dó de deixar os amigos,mas a maioria dos próprios amigos já foiembora, Tem gente despejada aí pelo Pa­raná, Mato Grosso, Rondônia ... De vez emguando eu penso em ir visitar os amigosmas penso dez vezes porque não sou de fa­zer as coisas assim, nas três palavras. Se eufor passear eu embirro por lá e não volto.Faço como burro ruim: empaco e pronto.Mas ao mesmo tempo que tenho vontadede ir, tem uma coisa que fica me agarrandonesse lugar. As minhas filhas fizeram umacasa nova, boa, e eu fico me amarrando pa­ra derrubar essa casa velha, os tijolos viran­do pó ... Não sei explicar direito. Esse lu­gar já foi muito bom, de muito movimen­to, esses patrimônios tinham uma vida decoisa gigante, feira com muita fartura. De­pois minguou. Tudo foi andando pra trás.Revista - O tropeiro estava no dia-a-diacom o camponês, fazendo escoamento daprodução e levando mercadorias aos sítios.Como o Sr. explica a revoada repentina detoda essa gente?Viela - Esse é um caso comprido, Muitocomprido. Os posseiros estavam lá nosroçados, fazendo fartura e criando tudoquanto é criação. De galinha pra cima tinhatodo bicho pra comer. Para o tropeiro erauma farra. A tropa era a coisa mais impor­tante, era o primeiro ramo de negócio; to­do mundo largava o serviço pra trabalharcom tropas: alfaiate, boticário, sapateiro,tudo. Uns só serviam mesmo era pra burrode tropa, porque não pescavam nada do ris­cado. Mas o caso é que a fartura chamou aambição de gente gananciosa, dessa gentedo olho esbugalhado que bate o olho numaflor e ela morre. E eles chegaram e foramlogo armando contenda com os posseiros,apresentando documentação de cartório,com jagunços e meganhas comprados. Mor­reu muita gente boa, trabalhadora. Lá emCotaxé mataram o Danielzinho, bem nomercado. Era um bom homem, muito pro­sa e brincalhão. Também o Paredão, que in­ventaram que era malfeitor e coisa e. tal.Ele era um homem trabalhador, satisfeito,um sujeito muito alegre. Foi tocaiado epronto. E assim morreram muitos outros.Crianças e mulheres também foram perse­guidas, judiadas. Matavam uma mulher oucriança como quem mata uma saracura nobrejo, sem pensar nem piscar. Por essas epor outras é que o povo foi embora, dei-

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cia!. Era o velho Genuíno, um homem mui­to bom de muitoju ízo, um pai para todos.Tem uma filha dele que é professora lá emImburana, ela era muito nova na época eservia de mediadora entre os posseiros ar­mados e as patrulhas da polícia militar.Dois filhos dele morreram assassinados.

Foi isso a luta: o bicho da guerra, como bicho do din heiro apoiando, expulsoutodo mundo.Revista - Os povoados de Ecoporanga es­tão em franco declínio, alguns chegandoperto da velha imagem das vilas fantasmastal é o número de casas fechadas e o poucomovimento comercial. Qual seria a formade revitalizar novamente esses comércios?Viela - Ora, é só plantar. Gado é um bichomuito ingrato. Ele transforma a terra maisrica em ~asca seca; ele só pede capim. Equando o fazendeiro tira· o gado, a terra fi­ca parada porque não tem mais proveito.

Terra parada é crime. Um crime quemata até cidade. 1mburana, Cotaxé, ltape­ba, Prata dos Baianos, Ribeirào~inho, eramlugares muito bons. 1mburana, enLlo eraum brinco. Hoje eu não tenho nem coragemde ir até lá. Aquilo acabou. Os posseiros doCórrego do Limão foram quase todos em­bora. Há povoados encravados dentro dasterras de um fazendeiro: aí não tem maisjeito; acaba mesmo. Isso aconteCé:U no Ca-

o gado acabou com as pequenas propriedades

bajá: os grileiros ameaçaram daqui e dali.Eu avisei ao Zé Bernardo, conversei comele, chamei pra Ecoporanga, e ele me dis­se que quem morre na véspera é peru. Sóque ele morreu como um porco, a macha­dadas. Os outros moradores abandonaramos trecos e as lembranças e caçaram cami­nho.

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Revista - O Sr. tem acompanhado a dis­posição do Governo Federal em promoveruma reforma agrária? O Sr. acha que umareforma agrária poderia ser o caminho paradar vida nova ao município?Viela - Uma reforma agrária, sem assom­bro, é coisa de bem. Só que eu tenho 65anos e pouco tempo para acreditar e depoisainda esperar. Mas eu tenho acompanhadoe acho que o Governo precisa só de umacoisa: peito. E essa força ele tem que bus­car com o trabalhador da roça porque elevai p~rder, e ter contra ele a força do fa­zendeIro.

Imburana

Revista - A reforma agrária, ainda em fasede discussão, botou alguns fazendeiros domunicípio de sobreaviso. O Sr. acredita quepossa haver sérios conflitos com a implan­tação, de fato, da reforma?Walter Na verdade essa gente fazendeiracria muito fantasma. Alguns por aí já es­tão falando em comprar metralhadoras enão abrir mão nem de um palmo de terra.E esses são os mesmos que emperram nahora de pagar um meeiro, dizendo que apartilha é assim e assim ou que não têm di­nheiro.

Na verdade essa história só vai ficando

começoucom a pequena

, povoação dePedra da Viúvaese tomouo posto decomércio maisprocuradopelos posseiros.

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F Pedra da Viúva

que nós vivemos, Após o terror, instalou-seessa miséria que todos podem ver.

'.~- ~ -Geralda e Walter participaram do conflito no Cbrrego do Limão D01l9'" Lynch

moderno, com 30 anos e muita saúde, maisou menos em 1940. Eu mais o Firmino, oJoão Soriano e o Leonel fizemos este po­voado. No início, aqui era chamado de Pe­dra da Viúva. Eles morreram todos.

Para fazer este comércio, a gente com­prava tudo o que os posseiros traziam. Pri­meiro eles vendiam lá na feira e o que so­br<lva a gente arrematava. Assim o posseiropegava o hábito de vir aqui. Eu e meus trêscompanheiros ch.cgamos ao ponto de arre­matar balaios de maxixe e quiabo e dep\olsdesaguar tudo aí no Rio do Norre. Assimnasceu o povoado,

Depois, com as intrigas dos fncndci­ros, o que desceu pelo Rio do Nortc, f0ramcorpos de posseiros assassinados. E o Cota-

'. Valhante tem 72 an~s. ASebastlao N -o têm filhos.

co menoS. a fmulher, um pou Q do trabalha é na a-Não têm terra- uan

zenda dos outroS. vai artindo o que ~o·Como meeiro,. a Puenta mais serVIÇO

lhe e vivendo, Nao g ., f melO tnste.

pesado, con . ess~ Ihante é excelente [lau-Sebastlao a d talento, fabricQu

D do prova o .tista. an I d amão a canlvete,

flauta de ta o em,um E encantou-se.e pôs-se a tocar. homem aquele que do-

Era um outro nudo doI d' desperta no ca

minava ,a me o i~ Sebastião Valhante re-mamoeuO. Era. dos combates na

O brevwentesistente. ~o. ntando a vida, que

osse. O mUSICO enc.a;nda perdendo a magIa.

o Encantador de Repente

Revista - Na qualidade de fundador dopovoado de Cotaxé, o Se. acompanhou, co­mo poucos, o conflito entre posseiros e ja­gunços. O que o Sr. pode nos contar desselitígio?S. Baio - Dizendo a verdade eu nem sei co­mo cheguei a esses 70 anos. Por diversas fi­quei encurralado dentro de casa esperandoa escuridão para fugir com a fam ília. Fi­cava acuado no mato, os jagunços fazendoa gente de caça. Foi isso que me consumiu,essa perseguição, porque eu cheguei aqui

complicada. Eu falo isso como brasileiro,um cidadão que pensa no futuro do País.

.E que está vendo o presente que estamosvivendo, uma ladroagem disparada nas cida­des e as terras e o homem do campo aban­donados. De 1959 a 1962 os fazendeirostocaram metralhadora para tomar as terras,acabar com as lavouras e soltar gado pra secriar como bicho selvagem. Criaram essesmilhares de alqueires improdutivos, Equando se fala em botar a terra para pro­duzir, eles de novo lembram das metralha­doras. Isso é que é o absurdo,Revista - O Sr. tinha posse no Córrego doLimão'Walter - Não, de meu mesmo eu não tinha.Mas ajudei a lutar porque meus parentes to­dos tinham posse, a minha companheira éfilha do falecido Genuíno Neto que erauma espécie de líder de todos. A Geralda,nos tempos mais graves, é quem ia a Eco­poranga ou onde fosse para se entendercom justiça e mediar o conflito.

Houve muita morte, muito desmando,Isso é história para não se repetir. Por issoé que é preciso se constituir um novo País,como u ma lei severa e pura elaborada poruma Assembléia Nacional Constituinte. Dojeito que est", não h,í dúvida, só vai piorar.Revista - O Sr. ainda está lidan do com al­guma atividade agrícola?Walter - Estou, é claro. Quem sabe plantartem que plantar, Se há cerca e pasto nessaterra toda, a gente planta no quintal. Aquicu tenho uma chácara de mais ou menosmeio dlqueire e nesse pedaço eu plantomandioca, banana, um pouco de cacau, mi­lho, um pouco de café, cará japecanga, ca­rabiçú, cana, e toco um viveiro de arroz àmeia com meu vizinho, produzindo de 40 a45 sacos todo ano. E num pedaço de terrado Dico plantamos milho à meia. A minhasaúde é pouca, tenho 55 anos, mas gosto defazer fartura.Revista - Quantos anos o Sr. viveu no Cór­rego do Limão?Walter - Eu tenho 38 anos de moradia nomunicípio; 28 anos eu morei no limão eagora, há três anos, estamos aqui em Imbu­rana, esse lugar que já foi tão bom e agoraestá parado no tempo. A Geralda é diretorada escola de 10 grau daqui do povoado.

No Limão vivemos bons tempos. E fo­ram muitos anos, o que dá para comprovaro erro da justiça em ter desalojado possei­ros que já estavam no pedaço de terra há30 anOs ou mais. Outras pessoas, ainda vi­vas e morando por aí, podem contar tam­bém essa história. E há posseiros foragidospara longe daqui e que têm medo, até hoje,de vir aqui visitar os parentes. Só quem vi­veu aqueles anos de 61 a 62, embrenhadono mato, lutando para defender a produçãoe a própria vida, é que pode contar o terror

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ebastião Baio, um dos fundadores de Cotaxé,viu os 644 alqueires da atual fazendado Dr. Leão cercarem o povoado.

-

xé agora é esse lugar morto, encravado nafazenda de 644 alqueires do Dr. Leão (]oãoFernandes Leão),Revista - Quais foram os fazendeiros queparticiparam da expulsão dos posseiros?Eles ainda têm propriedade na região?S. Baio - O chefe de quase toda a intrigafoi um tal de Lamartine (Lamartine Lourei·rol que depois vendeu toda a posse para oDe Leão. Já esse é um homem de boa fé,

nunca mandou praticar maldade contraninguém. Mas as terras dele fizeram um cin­turão que envolve o Cotaxé: para um cris­tão sair para qualquer norte tem que pisarchão de terra do Dr. Leão. Se o povoadoquisesse crescer nem tinha jeito porque ele

está preso, cercado de mourões e arame.Revista - O Sr., então, não acredita na pos­sibilidade do Cotaxé voltar a crescer e sero centro comercial que todos esperavam?

t

S. Baio - Ora, não acredito não. Essa fénão mora mais comigo. Em 1956 eu fiz umlevantamento que era destinado a passar oCotaxé para cidade. Naquele tempo sim, euacreditava e todo mundo acreditava. Agoranão.

A não ser que o governo resolvesse re·partir essas terras que estão improdutivasporque necessidade tem e, aí, o comérciovoltaria a vicejar. Do jeito que anda, comessa praça fraca, o comerciante está fechan­do as portas.

Comércio de Cotaxé

Revista - Há quanto tempo o Sr. abriu co­mércio em Cotaxé? O que está faltando pa­ra uma melhoria geral do povoado?S. Santos Eu estou instalado aqui há seteanos, labutando com essa farmacinha, ven­dendo um comprimido, um mercúrio-cro­mo, aplicando uma vitamina B-12 numamulher que está com fraqueza para parir,enfim, fazendo o mais simples para não er­rar e nem tirar do freguês o que ele nãotem no bolso. Aqui ninguém tem dinheiro,por isso, não há meio de se apurar dinhei­ro. A praça é muito fraca.

Para uma fTlelhoria geral de Cotaxé, fal­ta muita coisa. Aqui não tem policiamento,não tem mais feira, as casas comerciais, quenão conheci abertas, como Casas Tigre, Per­nambucanas, Leão do Norte, trancaram asportas.

Estão iniciando o calçamento da pra­ça, construindo galpão de mercado, botan­do esgoto ... Mas isso não resolve o caso ar­mado. Para um bem geral do comércio épreciso lavoura nas redondezas porque oque faz movimento na praça é lavoura à ro­da.Revista - O Sr. ainda não pensou em aban­donar o Cotàxé e abrir comércio em outrapraça?S. Santos - Eu não tenho mais idade paraaventura, não estou mais no tempo de fa­zer tentativa. Estou com 72 anos e só man­tenho comércio porque a pensão do Fun­rural só dá para lamber uns dias, não dá pa­ra a família comer 30 dias no mês.

Os ricos não moram aqui, estão insta­lados nas capitais. E opobre,.quando nãoconsegue fazer movimento, fazer o de ali­men tar e tranquilizar a casa, fica uma cria­tura humilde mas muito nervosa porque apessoa quando não está funcionando direi­tinho tem os nervos atacados.

Eu não vou mais fazer tentativa. Aca­bando esses vidros da prateleira, eu vou fe­char o comércio.Revista - O Sr. Conhece algum povoado,no município de Ecoporanga ou próximo,que tenha passado uma situação idêntica a

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Jesus Anda Desanimado

I'.l.•..y;;t::t:?e que tenha conseguido vicejar

I.Santos - Isso tem em Ecoporanga. O~fJrrego do Dois, por exemplo, é um lugar~e fartura novamente. Eu acho que por ser~uito alto, lá não serviu para criação de ga­;40. E o pequeno foi subindo aqueles mor­.~os, semeando e as flores nascendo, os fru­tos sendo colhidos de novo. Em Ponto Be­),0 (Município de Mucurici) a vida tambémivoltou. Mulher trabalha, a fartura está ins­ftalada; tem uma feira que começa na sextalà tarde e vai até ao meio-dia do sábado.: Aqui, há semana que não se acha umaibanana para comprar. Essa beira de,rio to­Ida é só de fazendeiro. E fazendeiro quer sa-

I'ber lá de banana? Pequeno proprietário éque cuida disso.

I~evista - O Sr. está apontando a pequenaiRropriedade como uma solução para revita­Ili,zar a vida no in terior. O que precisa serIfeito para a terra deixar de ser tão concen­rirada e produzir mais?:S. Santos - Eu não acho que só a pequena;propriedade seja a solução e, além disso,!acredito que uma mudança na propriedadeida terra vai melhorar a vida do país inteiro,inão só aqui no interior. O pobre da cidade'está passando fome, pagando 50 contos por'dois quilos de carne. Isso o pobre nãoaguenta e o País vai ficando uma terra degente derrotada.

Mas o que precisa ser feito é dar direi­to do trabalhador planta~ e para isso é pre­ciso terra e assistência. E preciso que sejafeito uma boa reforma agrária porque a coi­sa está ficando feia demais. Um lugar como~sse aqui está sujeito a acabar se não for to­mada uma providência.

Quando mexi com propriedade nuncative miséria em casa. Pensando que o trem~ta fácil, vendi e agora está dif(cil garantir allimentação do dia. Há dias atrás a mulhernventou de fazer um bolo. Eu peguei umegue emprestado e fui buscar um feixe deenha. Peguei umas lascas de tapicuiú e:rouxe no jegue. Na en trada aqui da vila to­?ei com um vaqueiro, que me olhou atra­vessado. No outro dia encontrei com eleno comércio e expliquei: - "peguei as las­cas e não dei aviso porque era coisa pouca,;ó para a mulher fazer um bolo". Ele me-espondeu: - "mas aquilo que o senhor pe­;ou é tapicuiú, madeira de cerca". Então,u aumentei o assunto: - "era coisa peque­la, não dava pra nada. Mas, então, não sen­[o tapicuiú posso pegar?" Ele respondeu:- "Também não".

Veja só a situação do pobre: não tem olue botar dentro da panela e nem como.otar fogo debaixo dela.

Outro que foi caçar um tatu levou umaalha de um vaqueiro, bem aqui na porta deasa. O vaqueiro, arrogante, disse ao coita-

CotaxéIeumpovoadoabandonadocommuítascasasfechadas.

. J . Gonçalves de Je-O marceneuO ose . I d

_ d' ara buscar o matena esus leva tres las~. fi' Compra

b Ih ue uu\1za na o ICwa.tra a o q (MG): cola, verniz, pa-tudo em NanRuqul:ma que a madeira é es­rafusos, etC. ec

cassa. d de serviço é pouca. OA encomen a, . b' mbore-

b'li"o da vila e mUlto po re.ta .

mo I an I . V' "Vlven-camas prate euas. aites, mesa,., b'liazinha", con-do de fabncar uma mo 1

forme dibz.. os fazendeiros a agonia doAtn Ul a . I· , rico"

d "Quem faz a misena e o filh'povoa O, uanto enSWa aO oafirma a Jesus enq ancar um prego dade dois anos como arr

madeira. ra é improdU-"EI dizem que a ter_ es d' na mão deles. Isso

tiva. E impro utlVa lhor" E mede. ., f . melhor Bem me . ,

aqUl p 01 , . d praça de Cotaxe,o atraves a . do temp. do o movlmento e

como se esuvesse v~n

feira que já se fez ali.

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Jesus Anda Desanimado

~t Cotaxé e que tenha conseguido vicejarn.pçvame nte?~fSantos - [550 tem em Ecoporanga. O

~~:6rrego do Dois, por exemplo, é um lugarI~~ fartura novamente. Eu acho que por sermuito alto, lá não serviu para criação de ga­:qo, E o pequeno foi subindo aqueles mor­ros, semeando e as flores nascendo, os fru­ços sendo colhidos de novo. Em Ponto Be­lp (Municipio de Mucurici) a vida também[voltou, Mulher trabalha, a fartura está ins­[talada; tem uma feira que começa na sextafá tarde e vai até ao meio-dia do sábado.[ Aqui, há semana que não se acha uma

Ibanana para comprar. Essa beira d,e rio to­,da é só de fazendeiro. E fazendeiro quer sa­jber lá de banana? Pequeno proprietário éigue cuida disso.Il{evista - O Sr. está apontando a pequena[propriedade como uma solução para revita­fUzar a vida no interior. O que precisa serrf~ito para a terra deixar de ser tão concen­Itrada e prodmir mais?:S, Santos - Eu não acho que só a pequenaIpropriedade seja a solução e, além disso,'acredito que uma mudança na propriedade:da terra vai melhorar a vida do país inteiro,:não só aqui no interior. O pobre da cidade'está passando fome, pagando 50 contos por'dois quilos de carne. Isso o pobre nãoaguenta e o País vai ficando uma terra degente derrotada,

Mas o que precisa ser feito é dar direi­to do trabalhador planta~ e para isso é pre­Ciso terra e assistência. E preciso que sejafeito uma boa reforma agrária porque a coi­sa está ficando feia demais, Um lugar como~sse aqui está sujeito a acabar se não for to­mada uma providência.

Quando mexi com propriedade nunca~ive miséria em casa. Pensando que o trem~ra fácil, vendi e agora está difícil garantir allímentação do dia. Há dias atrás a mulher.nventou de fazer um bolo. Eu peguei umegue emprestado e fui buscar um feixe deenha. Peguei umas lascas de tapicuiú e:rouxe no jegue. Na en trada aqui da vila to­)ei com um vaqueiro, que me olhou atra­vessado. No outro dia encontrei com ele~o comércio e expliquei: - "peguei as las­cas e não dei aviso porque era coisa pouca,;ó para a mulher fazer um bolo". Ele me-espondeu: - "mas aquilo que o senhor pe­~ou é tapicuiú, madeira de cerca". Então:u aumentei o assunto: - "era coisa peque­la, não dava pra nada. Mas, então, não sen­lo tapicuiú posso pegar?" Ele respondeu:- "Também não".

Veja só a situação do pobre: não tem olue botar dentro da panela e nem comolotar fogo debaixo dela.

Outro que foi caçar um tatu levou umaalha de um vaqueiro, bem aqui na porta deasa. O vaqueiro, arrogante, disse ao coita-

Cotaxé/eumpovoadoabandonadocom muítascasasfechadas.

. J 'Gonçalves de J e-O marceneHO ose . I d

sus leva três dias para buscar o mate~i~ r:b lho ue utiliza na ofiCina. C. P

tra a q (MG)' cola verniZ, pa-tufdo emeNtcan:~~I:ma q~e a ~adeira é es-ra usos, .cassa. d' 'pouca O

A encomenda e serV1çO e b .

b'li' o da vlla é muito pobre: tam ore-

mo 1 ar! I V . "V1ven-a camas, prate eiras. aites, dmesf' 'b . uma mobiliazinha", con-do e a ncarforme diz. d . gania do

Atribui aos fazen eiraS a ~ ."f

. , ia e o ncod "Quem az a miser filh'

povoa O, to ensina ao oafirma a Jesus enquan car um prego dade dois anoS como arran

madeira. ' improdu-"Eles dizem que a ter~a e

dI Isso

-. d tiva na mao e es.tiva. E impro u Ih " E mede

. ., f ' melhor Bem me ar . ,aqUi p Oi , . d praça de Cotaxe,

Po atraves a . do tem. do o moV1mento e

como se estlvesse venfeira que já se fez ali.

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do: - "para caçar nessas terras só com per­missão. Se lhe en'contFar de novo por lá, vaiter". O homem ficou caladinho, humilde,só o ouvido funcionando de tão quietinhoque ficou. O vaqueiro esporeou o cavalo esaiu no pinote. O pobre, humilhado, sentouna min ha calçada e ficou quase hora só cis­marando a vida.

Mas o vaqueiro não é culpado, é umiludido. Tem vaqueiro que está morrendode fome por aí, ganhando 100 mil contospor mês, e se ouvir falar de reforma agráriaach~ que vai perder o patrão, fic~ doido ..ReVlsta - E os fazendeIros daqUl da regrão,como reagiriam diante de uma reformaagrária?

S. Santos - A gente nem, deve falar muitodisso: tem que ficar igual a pinto perto degalo, de bico fechado. Os fazendeiros es­tão com o poder todo, não querem ouvir opobre e nem ouvir a barriga dele roncar.Mas muitos estão temorosos, dá para pres­sen tir. Afinal,. ficaram com ,muita terra,pouco fazendo nela, e agora estão com me­do da justiça.

Eu acho isso difícil, a reforma agrária,porque vai mexer com os latifundiários, oshomens que mandam no Brasil. Mas o Bra­sil, para voltar a ser o Brasil de todos osbrasileiros, tem que ter uma reforma agrá­ria. Até um cego enxerga isso.

Se o povo for conscientizado, de umlado e do outro, poderia ser feita uma re­forma agrária sem briga, sem violência. Euacompanho as notícias pelo rádio e há al­gum tempo, bastante tempo, ouvi que naChina teve e todo mundo está vivendo, aca­bou um pouco da fome.

Revista - A nossa chegada aqui em Cotaxécoincidiu com a partida de algumas pessoaspara a Rondônia. Alguns, inclusive, partin­do sem levar a família porque não dava pa­ra pagar a passagem de todos e a própria vi­da nova por lá ainda era coisa muito incer­ea. O Sr., que tem filhos ainda novos, nãotem vontade de partir com eles?

S. Santos - Eu sou da opinião que os filhos,crescendo, devem ir pro.curar melhor sorte.Eu tenho 11 filhos e só três aqui comigo.Os outros estão espalhados aí pelo mundo.A coisa é mais complicada para as moças,é de fazer pena, isso em toda família. Os ir­mãos vão arribando e as mocinhas ficamencurraladas aqui nessa cerca de capim.

Tem muita geme indo para Rondônia.As casas vão ficando fechadas, com os tro­ços trancados, uma desolação.

Desde pequeno que ouço falar na re­forma agrária. Se vier para o tempo dosmeus filhos, dos netos, eu fico satisfeito.Mas eu vou ficando por aqui mesmo, nes­se lugar de gente velha e fracassada.

<<O pobre não tem o que botardentro da panela e nem

como botar fogo debaíxo dela))

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RESENHA

Posseirosmortos, terra arrasadaDIAS, Luzimar Nogueira - Massacre em Ecoporanga. Vitória, Coies, 1984.

COTAXÉ,1957

Uma centena de posseiros ouve a mú~

C<I acompanhada por um sanfoneiro da\feia Militar destacado em Cotaxé:

guejo,. deixa de roubar.

guejo, caranguejo,sujeito a te matar.terra custou dinheiro,

eiro cu~tou a ganhar.amos que vamos,pau lá quebrando

o pau vai quebrar.terra é do seu "Franquin"

não é pro senhor roubar.amos, caranguejo,e o pau tá quebrando

e o pau vai quebrar.A terra é do seu "Franquin"não é terra pra você morar,não é terra pra você entrar.

Eles dançam durante várias horas, Nuse desajeitados, homens, mulheres e crian­ças circulam dentro do curral da fazenda deFrancisco Modesto. Encostados na cercade arame, em tomo do sanfoneiro, estáo oscomponentes da captura comandada pelotenente Jadir Resende, recentemente no­meado delegado de Ecoporanga.

Em fila, os posseiros continuam dan­çando.

Eles são os caranguejos.A fila é assim: sem distinção de sexo

ou idade, os lavradores requebram em cír­culo, sob ameaça de armas, cada um comuma mão sobre o ombro do outro e com odedo na bunda do companheiro da frente.De vez em quando um chicote estala nascostas dos que se revoltam com a humilha­ção. Estes são obrigados a lamber pisadurasdos animais presos no curral.

Os militares riem e, impotentes, mui­tos moradores do povoado assistem ao qua­dro.

, LUZIMAR

~I NOGUEIRA

/ DIAS.-"' /,1,

"Massacre em Ecoporanga" relata osconflitos entre posseiros, grileiros e latifun­diários na zona do Contestado, localizadana divisa do Espírito Santo e Minas Gerais.Retrata, com detalhes e fidelidade, as lutasdos posseiros no período que antecede a"revolução" de 1964. Falar em lutas doscamponeses sem terra é falar sobretudo nasdimensões ideológicas e políticas de suaprática histórica como classe. Isto é, trata­se do modo como eles elaboram e expri­mem seus interesses coletivos, do modo co­mo lutam para fazer valer tais interesses, domodo como se integram no processo polí­tico e na correlação de forças sociais, ou se­ja, com quem se aliam e a quem se opõem.

A luta pela modificação de uma estru­tura agrária injusta nada mais é do que aprojeção no meio rural do conflito milenarentre a minoria que é dona dos meios deprodução e a imensa legião dos que apenasdispõem de sua força de trabalho. Ela setrava de maneira surda e aberta, por meiospacíficos ou violentos, entre os que mono­polizam a terra e aqueles que nela traba­lham ou dela vivem, mas não lhe possuema propriedade.

Domina no campo uma prática patro-

nal e das classes dominantes de descarac­terização das relações sociais e dos diferen­tes setores do campesinato. Há um pater­nalismo autoritário e de caráter privadoque marca todas as relações. Quem se-inte·gra como trabalhador assalariado deve "gra­tidão" ao "favor" do patrão. Os parceirosarrendatários e agregados, devido à "ajuda"e à "boa vontade" do proprietário da terra,passam a ser "matadores de favor". Os que,sem título de propriedade, ocupam e usamterras não são ICposseiros'l mas "invasores"!na ótica das classes proprietárias. En fim,existe um código dominante que descarac·teriza e subordina os diferentes segmentosde trabalhadores.

De' todos os conflitos, tanto ruraisluta pela posse de um pequeno pedaço deterra - como judiciais, nota-se uma preocu­pação do autor em deixar registrado a bra­vura e o desejv de posse da terra dos possei­ros daquela região.

O capixaba Luzimar Nogueira Dias tra­balhou em O Diário, A Tribuna e em A Ga­zeta. Foi editor de Posição, semanárioalternativo extinto em 1979. Neste mesmoano de 1979, Luzimar lançou "ESQUER­DA ARMADA", um testemunho de pH.s.OSpolíticos.

Tratando da questão agrária na regiãodo conflito, registra Luzimar: "Os fazendei­ros, os latifundiários que agora despontam,já encontram naquelas terras o trabalho dolavrador humilde. Aqueles que buscavamna terra o susten to do seu lar e possibilita­vam, inclusive, o abastecimento de grandesáreas consumidoras, sofreram então a per·seguição desumana dos poderosos, que,acumpliciando-se à polícia local, forçarama sua retirada, com tiros de fuzis e metra­lhadoras, vendo de um momento para ou­tro o seu trabalho sacrificado pelo fogoateado em sua miserável barraca que lheservia de teto".

"A terra deve ser daqueles que a traba­lham ou nela desejam trabalhar": a Históriaexige a leitura de "O Massacre em Ecopo­ranga".

lu/ia Demoner*

*Fonnada em Letras pela Ufes, Técnico do IJSN (Redatora da Revista)

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N o T ""I c I A sFrancisca Proba'

'Jornalista, TécJÚco do IJ8N (Redatora da Revista)

AtraçãoLiterária

Com uma vontade imensade garantir o seu lugar ao sol, àlua e à luz de outros corpos ce­lestes, foi lançada recentementeentre conhecidos e desconheci­dos, a Revista IMÃ, recheada deilustrações capixabas, de gentecomo Atílio CoJnagno, Hilal Sa­mi Hilal, Ivan Alves, J oyce Bran­dão, Lando, Marco Antonio Nef­fa e Cesar Cola.

Abrindo veredas para gen tenova e aclamando os já consa­grados como Luiz Melodia, HélioOiTicica, Waly Salomão, IMÃocura o seu espaço pelo toquede c[ualidade, criatividade e umaexc~lente programação gráfica.

Recentemente, lançada emSão Paulo, Rio de Janeiro, BeloHorizonte e Salvador, a revistapercorre os caminhos culturaisdo país.

feita e editada no Espírit::>Santo, o magnetismo de IMAnão se limita só aos capixabas,mas é aberta à participação depess02s do país inteiro. Está àvenda em livrarias do Rio e SãoPaulo e futuramente em Curitibae Salvador.

O próximo número contarácom um poema de Carlos Drum­mon d de Andrade, além da par-

ticipação de Caetano Ve!oso,Herbert Daniel, Amylton de Al­meida, Caio Fernando Abreu,Roberto Piva, Antonio Cícero,Lígia Clarck, Matinas editorda revista Ilustrada, e Itamar As­sunção.

IMÃ é essencialmente umaRevista literária, nova e com ên­fase para a criação gráfica. Poreste motivo, sai semestralmente,evitando queda na qualidade queespelha. O brilho, a técnica e aimaginação do espelho gráfico,estão entregues aos dedos e delí­rios de Ivan Alves.

A convite da editora de IMÃSandra Medeiros, Waly Salomãoe Antônio Cícero vão dividir aedição de textos na próxima re­vista. Todos os números terãoduas páginas dedicadas à litera­tura infantil, sendo publicado omelhor trabalho, tanto feito porcriança ou adulto, dando prefe­rência à criança.

TaJento é o único requisitode IMA para atrair colaboração.Ligue-se.

Feira doLivro

"O resgate dos valores cultu­raIs de uma terra é um passo de­cidido para a afirmação de umpovo". Com um olho no exem­plo de IMÃ e outro na PraçaCosta Pereira, a mais popular deVitória, o Departamento Esta­dual de Cultura DEC, lutoupara que a Feira Capixaba de Li­teratura voltasse a ocupar o seuespaço, urna vez que este eventohavia desaparecido das praças deVitória. Assim, aconteceu emagosto de 1984 a Ia feira, repe­tindo-se este ano, com o mesmovigor.

Com o objetivo de divulgara literatura não só do EspíritoSanto, a feira veio trazer ao povodesta terra um maior incentivo à

leitura, conhecimentos literáriose, principalmente incentivar o es­critor capixaba, que pôde ver suaobra sendo divulgada e procura­da. Intitulado Feira do Livro, es­te evento foi muito mais do queisto: houve mostra de filmes coma presença de autores, adaptaçãode textos para cinema, comoaconteceu com a obra de Guima­rães Rosa - A Hora e a Vez deAugusto Matraga - adaptada pe­lo cineasta paulista Roberto San­tos. Paralelo à feira aconteceutambém um Seminário Cultural,com palestra de vários autoresnacionais.

Comercialmente falan­do, grandes objetivos foram al­cançados, com um gratificanteconsumo de livros, totalizandouma venda de Cr $ 250.000.000.A leitura da Feira confirma a in­tenção.

Gritosde Eugênio

"É como se cada desenhoou pintura fo~~e uma estória <1,uequero contar. Como· convemaos gritos de seus sonhos, a pin­tura de Eugênio Herkenhofftransmite um secreto erotismo,magia e angústia, enriquecidospor sua sensibilidade e talento,presentes em cada uma de suasemolduradas manhãs.

Eugênio Geaquinto Herke­nhoff, capixaba de 26 anos, n<lS­cido em Cachoeiro do It<lpemi­rim-ES, atualmente trabalha noIJSN onde faz a maior parte dasilustrações da Revista/IJSN. Essaé sUa primeira exposição indivi­dual, que permaneceu na GaleriaHomero Massena até 30 de agos­to.

Esta exposição, como defi­niu Oscar Gama, é "feita para amassa cultural, onde não cabem

nomes, individualidades e nemexiste a preocupação de seguirum estilo e sim, o desejo de re­velar nas cores vibrantes um mis­tério". Mas tudo fica mais claroquando se descobre que com ca­da um dos quadros acontece al­guma coisa além das formas geo­métricas e das cores, capaz demostrar um in tenso mergulho detalento, prazer e expressão.

Capixabasem São Paulo

No dia 08 de agosto, artistascapixabas pintaram 'o 7 em SaoPaulo. Na Fundação ArmandoÃlvares Penteado, variados e di­versos artistas plásticos daqui ex­puseram desenhos e óleos numaamostra bem representativa daarte no Espírito Santo.

Ivan Alves, Sazito e Zupo,colaboradores da Revista do Ins­tituto Jones dos Santos Neves,participaram da exposição quepermaneceu até 15 de agosto.Mais uma vez 'o talento pulou omuro. Após ''feri-Io com pince­ladas e bicos, óbvio.

AgriculturaAlternativa

Aconteceu em Vitória o 10Seminário de Agricultura Alter­nativa, na Estação ExperimentalMendes da Fonseca, em Aracê,Domingos Martins, nos dias 19 a23 de agosto.

O objetivo do Seminário é ode debater os métodos naturaisde controle da produção agrícolae o uso dos re cursos disponíveisem cada região, bem como o deincentivar uma agricultura querespeite o meio ambiente, produ­zindo alimentos de melhor quali-

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Preparo de subextrato para produção de mudas de café

C.ons ti tu in tedo Café

flexibilidade necessana ao aten­dimento dessa clientela hetero­gênea.

Inicialmente, desenvolve-setodo um trabalho de diagnósti­co que resulta na classificação éeleição dos Municípios e das ati­vidades agropecuárias a serematendidas. Passando a fase se­guinte, identificam-se as comuni­dades, dentro da área eleita, queapresentam maiores problemasde desempenho.

Sem qualquer despesa paraos participantes, os treinamentossão programados par:! atender àsreais necessidades do grupo esempre o mais próximo possí­vel de seus locais de trabalhoevitando assim o deslocamento ~o afastamento do homem desuas obrigações diárias.

O Senar/ES promoveu até omês de junho/85, o aperfeiçoa­mento de 32.061 produtores etrabalhadores rurais, totalizando52.904 horas em treinamento,sendo 36.542 horas realizadaspor outras instituições em convê­nio com o Senar e 16.362 horasrealizadas diretamente pelas Uni­dades Operativas.

Com a promoção da Secre­taria de Estado da AgriculturaSEAG, foi realizado em Vitória,no auditório da própria Secreta­ria, debates e palestras intitula­dos Constituinte do Café, no pe­ríodo de 15 a 16 de agosto.

Reunindo autoridades e téc­nicos da área cafeeira, foram dis­cutidos temas básicos da Polí­tica do Café, tais como: Proble­mas Estruturais e Conjunturaisda Cafeicultura, apresentado porRegis Norberto da Cunha Ali­mandro, economista e técnico daFundação Getúlio Vargas; Polí­tica de Produção do Café, porOdilon Fevoretto; Política de Co­mercialização e Consumo Inter­no, por Vanderlino de MedeirosBastos, Política de Exportaçãodo Café, por Elias Breda.

Para encerrar, houve debatescom Nahum Soeiro, Diretor doIBC e Ricardo Santos Secretáriode Estado da Agricultura.

Treinamento de castração de bovinos

início à formação de seu corpotécnico com vistas a assumir di­reta e definitivamente as ativi­dades de planejamento, execu­ção, acompanhamento, avaliaçãoe controle das ações de Forma­ção Profissional Rural.

Metodologia. A falta de lite­ratura e de uma metodologiaadequada à Formação Profissio­nal no meio rural levou o Senara desenvolver sua própria meto­dologia. Hoje o Senar possui osprincípios básicos e um ModeloOperativo bem defmidos.

As características de disper­são da população e diferentes ne­cessidades direcionam as açõesdesenvolvidas pelo Senar paraum tipo de ação móvel, com a

ral são, via de regra, os menosletrados e que apresentam' maio­res dificuldades em assimilar astécnicas disponíveis e necessáriasà produção agropecuária.

Dentre os fatores de produ­ção, terra, capital e trabalho, amão-de-obra é o mais importan­te e sua qualificação se faz ne­cessária e indispensáveL A for­mação profissional rural é umprocesso educativo e permanen­te, resultado de uma necessidadesentida pelo próprio indivíduoque deve ser chamado a parti­cular da decisão de "em que seaperfeiçoar" e "em que grau depro fundidade".

História. Com a finalidadede organizar e administrar Pro­gramas de Formação Profissionalno meio rural, foi criado, em 31de março de 1976, o Serviço Na­cional de Formação ProfissionalRural- Senar -, vinculado ao Mi­nistério do Trabalho, representa­do em todos os Estados brasi­leiros através de suas Delegacias.

A exemplo das demais Dele­gacias do Senar, a do EspíritoSanto iniciou suas atividades em1979, delegando a outras insti­tuições através de convênios aresponsabilidade de realização detreinamento de mão-de-obra ru­ral. A partir de 1980 o Senar deu

A CUCA voltou para mexerm a sua cabeça.

A revista de Cultura Capixa­, que promete ser bimensal,á de volta com a intenção de, como veículo de informa­, análise e difusão da nossadução artística e dos nossosores culturais.

A CUCA vai pegar autoresnsagrados, iniciados e debu­ntes em geral. Neste número,ém de poemas inéditos de Mi­am Cardoso (do conselho Edi-

arial da Revista IJSN) temosontos de Paulo Roberto Sodré,

peça de teatro de Paulo desobre Domingos Martins e

Mão-de­Obra Rural

e e garantindo ao agricultorór auto-suficiência no pro­

produtivo.A abertura do Seminário secom um.. proposta do Se­

, 'o de Agricultura no dia 19gosto, seguindo na tragetória

dias com a participação dosatedores Jorge Zimerman, da,presa Brasileira de Pesquisaopecuária do Distrito Fede­Manoel Baltazar, da Secreta­de Agricultura de São Paulo,dilson Paschoal, da Escolaerior de Agricultura Luiziroz-USP-SP.

Nos últimos anos vêm cres­cendo os debates sobre a funçãosocial da terra. Fazer a terra pro­duzir mais e melhor é um desa­fio que não se pode evitar, e te­rá que ser vencido, sob pena dese ver aumentar ainda mais a fo­me.

O longo tempo que passousem se dar o devido valor, e omerecido apoio às causas da agri­cultura, e paralelamente, a me­lhoria das condições de vida dapopulação de periferia das gran­des metrópoles, provocou um es­vaziamento no setor agrícola,com o agravante de que aquelesque permaneceram no meio ru-

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c o R R E I o

REGISTROAssembléiaConstituinte

De todas as matérias publi­cadas, chamou-me atenção a en­trevista com o governador Cama­ta e o Debate. Acerca da entre­vista com o governador, admi­rou-me a fé desse moço idealistanos destinos do Brasil e princi­palmente do nosso Espírito San­to. Só o achei, a falar verdade,demasiadamente otimista a res­peito da futura constituinte. Eleacredita ser a Constituinte "o an­seio da consciência democráticanacional". E é. Mas, para atingir­mos o ideal a que visamos, ne­cessitamos que os futuros consti­tuintes passem uma esponja dedesinfetante sobre o que vigiuaté. a eleição de Tancredo Ne­ves e que os que ficaram substi­tuindo o grande mineiro não seprendam a estabelecer encon troscom aqueles que foram baluar­tes ostensivos do autoritarismo,em entrevistinhas que servem ademonstrar nã,? terem estes per­dido a força. E necessário, ago­ra, que se tenha sem pre em men­te que o lobo, perca embora pe­lo, não perde nunca a índole má.

Que os futuros constituintespensem mais no Brasil do que

pensaram os do autoritarismo fa­lhado e falido que envergonhoueste país.

Antônio Pinheiro - Rio deJaneiro-RJ.

DiscriminaçãoRacial

Lí estarrecido e humilhado,na Revista J]SN, o lúcido arti­go de Miriam Cardoso sobre oproblema racial. O artigo conse­guiu sintetizar a problemática daopressão dos pobres em geral edo negro pobre em particular.É claro que o homem de cor queatinge melhor situação financeiragoza de regalias, como é própriodo sistema capitalista, mas nemcom todo o dinheiro do mundoconsegue se libertar da discrimi­nação.

A situação é revoltante, bár­bara, injusta e envergonha o cris­tianismo, o socialismo e todo otipo de pensamento que se diz"p rogressista".

Não fica bem sequer elogiaro artigo, que é ótimo.

Fausto Porto - Superinten­dente da Companhia de Enge­nharia Rural e mecanizaçãoAgrícola - CERMAG.

Uma revista bem impressa ede excelen te feição gráfica, quese preocupa única e exclusiva­mente com nossa unidade fede­rada, cuidando de seus múltiplosproblemas, sobretudo dos quepertinem à sua situação sócio­econômica.

É, portanto, digno de encô­mios a postura da revista, paraa qual felicitamos sua direção,seu corpo redatorial e seus cola­boradores, augurando que conti­nue a trilha que tem pautadoseus atos, dentro de um jornalis­mo sério e dinâmico.

Domingos Gomes de Azeve­do - Coordenador Estadual daFundação Projeto Rondon

•Congratulo-me com a Revis­

ta IJSN onde se registram, opor­tunamente, os mais diversifica­dos assuntos, mormente, na áreapolítico-ideológica.

Trabalho de grande enverga­dura como este, merecerá, porcerto, os aplausos de todos oscapixabas.

Roberto Luiz Com per - Co­ordenador Estadual do SINE/ES

Recebi com alegria a Revist;IJSN e tive a satisfação de constatar o elevado e apurado conteúdo das mesmas.

Agradeço muitíssimo e gos·taria de poder receber suas varia·das publicações rotineiramente,

João Eurípedes FranklinLeal- Rio de Janeiro-RJ.

•Agradecemos o envio da Re·

vis ta, en fa tizan do a satis fação deencontrar em seus artigos "a par·ticipação popular nas tomadasde decisão".

Marculino Camargo - Presi·dente da Associação Difusora deTreinamentos e Projetos Pedagó-gicos - Aditepp Curitiba-PRo

•Parabéns pela excelente pu­

blicação, não só por sua arte-fi­nal como pelos textos divulgados,

Renato J. c. Pacheco - Ins­tituto Histórico e Geográfico doEspírito Santo.

•Acusamos com prazer ore·

cebimento da Revista, realmenteuma contribuição inestimável pa·ra difusão da cultura de nossopovo.

Alda Martins de Paulo - Se­cretária Municipal da Adminis­tração da Prefeitura de Viana-ES.

•Envio cumprimentos pela

excelência da publicação e seusubstancioso con teúdo.

Agradeço a gentileza da re­messa, esperando receber exem-

•pIares de novas edições da Re·vista I}SN.

Deputado Gil César Moreirade Abreu - Secretário de Estadode Minas e Energia-MG.

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Page 65: Revista IJSN - Ano IV - Nº 4 - 1985

MARQ,uES. W;lIIC(. Sarney wornete á CN8B não recuar nil queStão d;i reformail9rilr>d. G.1.Zf!I.1 Mt:rr:,111/11. Siio P,luIO. 26 jun. 1985. 1. ctld p. 6. c 1 e 2(Polst;! Aqrlculrur.1 - 21

MARTINS. Jo~ci de SOU'/:'L A milimrizfJção da (JlJesrão agr,trifJ no 8ro'Úl.- terra epo(1er ~ o prol)lcrn;1 dol IcrUI 11,' crise pnlilic<l. 2. ['d. Petrópolis Voz/!~ 1985134 [l. . ,

T(';r<l de ne~ócio e lefl<! de Ir,lb;)lho; cOl1lfibulçSo para o estudo da qu/!s,ISO ilgrjlrl;! no Bras>!. Cad~r"lIOs do CEAS, Saivador 167i:34·44. rniliollun. 1980

MINl.ST~O quer modelo de relorma (HJriln~ que socied<'ldp. escolher. A Ga;efiJVllÓrlil. 18 rn;HO 1985. 1. c,ld. p. 9. c. 2 e 3 .IP<Jst<J AgriclJllul'<l - 2i

MONT~I~O. Be~ec.tO. Uso e possibilidade d<l legislação Agrária. BO/fJrim da Assi~c~~~ao Braslleml de Reforma AgdJría. Carnpinas. 14l5·61:52·68, ~et.l de;,:

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Page 66: Revista IJSN - Ano IV - Nº 4 - 1985

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