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© REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL EDITORA PLENUM LTDA Caxias do Sul - RS - Brasil Publicação quadrimestral de doutrina. Todos os direitos reservados à Editora Plenum Ltda. É vedada a reprodução parcial ou total sem citação da fonte. Os conceitos emitidos nos trabalhos assinados são de responsabilidade dos autores. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R454 Revista Internacional de Direito Ambiental - Ano V, n.13 (jan./abr. 2016). - Caxias do Sul, RS : Plenum, 2016. 336p.; 23cm. N. 13 (2016) - Quadrimestral ISSN 2238-2569 1. Direito ambiental internacional. 2. Direito internacional CDU : 349.6:341 Índice para o catálogo sistemático: 1. Direito ambiental internacional 349.6:341 2. Direito internacional 341 Catalogação na fonte elaborada pelo Bibliotecário Marcos Leandro Freitas Hübner - CRB 10/1253 Editoração eletrônica: Editora Plenum Ltda. Distribuída em todo território nacional Serviço de atendimento ao cliente: 54-3733-7447

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© REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL

EDITORA PLENUM LTDA

Caxias do Sul - RS - Brasil

Publicação quadrimestral de doutrina. Todos os direitos reservados à Editora Plenum Ltda. É vedada a reprodução parcial ou total sem citação da fonte.

Os conceitos emitidos nos trabalhos assinados são de responsabilidade dos autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R454 Revista Internacional de Direito Ambiental - Ano V, n.13 (jan./abr. 2016). - Caxias do Sul, RS : Plenum, 2016.

336p.; 23cm.

N. 13 (2016) - Quadrimestral ISSN 2238-2569

1. Direito ambiental internacional. 2. Direito internacional

CDU : 349.6:341

Índice para o catálogo sistemático:

1. Direito ambiental internacional 349.6:3412. Direito internacional 341

Catalogação na fonte elaborada pelo Bibliotecário Marcos Leandro Freitas Hübner - CRB 10/1253

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Revista Internacional de Direito Ambiental

Ano V - número 13 - janeiro-abril de 2016

Editora Plenum Ltda.Av. Itália, 460 - 1º andar

CEP 95010-040 - Caxias do Sul/[email protected]

www.plenum.com.br

EDITORES

Alvaro A. Sánchez Bravo - Universidade de Sevilla, US, Sevilla, EspanhaSérgio Augustin - Universidade de Caxias do Sul, UCS, RS, Brasil

CONSELHO EDITORIAL

Alexandre Kehrig Veronese Aguiar - Universidade de Brasília, UNB, DF, BrasilAlvaro A. Sánchez Bravo - Universidade de Sevilla, US, Sevilla, EspanhaAntônio Carlos Wolkmer - Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, SC, Brasil Belinda Pereira Cunha - Universidade Federal da Paraíba, UFPB, PB, BrasilHugo Echeverría - Pontifícia Universidade Católica de Quito, PUC-Quito, Quito, Equador Jacson Roberto Cervi - Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, RS, BrasilJosé Rubens Morato Leite - Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, SC, BrasilLuiz Fernando Scheibe - Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, SC, Brasil Sérgio Augustin - Universidade de Caxias do Sul, UCS, RS, BrasilSusana Borràs Pentinat - Universidade Rovira I Virgili, Catalunha, EspanhaVincenzo Durante - Universidade de Padova, Padova, Itália

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA

FUNÇÃO DO DIREITO EM JÜRGEN HABERMAS1 2

PUBLIC ADMINISTRATION AND ENVIRONMENTAL MANAGEMENT DEMOCRATIC: AN ANALYSIS FROM

THE FUNCTION OF LAW IN JÜRGEN HABERMAS

LEONARDO DA ROCHA DE SOUZA3

SUMÁRIO: Introdução - 1. A democracia e o papel do direito em Habermas: 1.1. Mundo da vida; 1.2. Sistemas; 1.3. O direito como instrumento - 2. Administra-ção pública e gestão ambiental - 3. Participação democrática na gestão ambiental

RESUMO: Jürgen Habermas percebe a sociedade sob dois enfoques: o mun-do da vida e os sistemas. Nessa organização social, o direito faz uma intermediação entre esses dois enfoques, para que os sistemas (como a política e a economia) não imponham seus interesses sobre o mundo da vida. Para isso, no entanto, o direito deve ser formado por meio de uma deliberação que inclua seus possíveis destinatários. A construção do direito dessa forma é aplicada, neste artigo, à formação de normas ambientais e à gestão ambiental realizada pela Administração Pública. Estuda-se o poder administrativo na concepção de Habermas, trabalhando-se dois lados da esfera pública política e do complexo parlamentar: o lado input e o lado output. Propõe-se,

na gestão ambiental.1 Data de recebimento do artigo: 03.12.2015.

Datas de pareceres de aprovação: 13.01.2016 e 20.01.2016.Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 05.02.2016.

2 Uma versão inicial dos assuntos tratados neste artigo foi publicada em: SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2013; e SOUZA, Leonardo da Rocha de. A consideração dos ausentes à deliberação ambiental: uma proposta a partir da ética do discurso de Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

3 Doutor em Direito. Professor da graduação e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito na Universidade de Caxias do Sul. Pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq “Cultura Política, Políticas Públicas e Sociais”, desenvolvendo o projeto de pesquisa “Democracia Deliberativa e Proteção Ambiental”. Coordenador da Revista Juris Plenum Direito Administrativo. Procurador do Município de Caxias do Sul/RS. E-mail: [email protected].

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234 Revista Internacional de Direito Ambiental - vol. V - nº 13 - janeiro-abril de 2016

PALAVRAS-CHAVE: democracia; direito administrativo ambiental; deliberação; gestão ambiental.

ABSTRACT: Jürgen Habermas perceives the society in two focuses: the world of life and the systems. In this social organization, the Law makes an intermediary between these two approaches, so systems (such as politics and economy) do not impose their interests on the world of life. For this, however, the Law must be formed by a deliberation that includes yours possible addressees. The construction of the Law in this way is applied in this article to the formation of environmental prescriptions and environmental management carried out by the Government. Administrative power is studied in the Habermas conception, working up both sides of the political public sphere and the parliamentary complex: the input side and the output side. It is proposed at the end, deliberative construction of environmental Law and democratic participation in environmental management.

KEYWORDS: democracy; administrative environmental law; deliberation; environmental management.

INTRODUÇÃO

ambiente ecologicamente equilibrado, é necessário observar em que situação encontra--se o destinatário da norma. Para que o conteúdo das normas ambientais esteja de acordo com o que cada sociedade considera apropriado para a proteção do meio ambiente, nossa proposta é buscar na obra de Jürgen Habermas os fundamentos para a ética do discurso que orientam a democracia deliberativa e que devem permitir uma gestão ambiental democrática.

Os participantes de uma deliberação sobre normas ambientais devem estar imbuídos de uma ética discursiva nos moldes lançados por Habermas em seu princípio D, segundo o qual a deliberação somente gera normas válidas quando essas podem ser aceitas por seus destinatários. O princípio D referido por Habermas tem o seguinte conteúdo: “as únicas normas que têm o direito a reclamar validade são aquelas que podem obter anuência de todos os participantes envolvidos num discurso prático”.4 Outra versão, contida no livro Direito e democracia, diz: “são válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais”.5

Nossa proposta é aplicar a democracia deliberativa proposta por Habermas à atuação da Administração Pública na gestão ambiental. Para isso, lembramos que a Constituição Federal brasileira exige que o Estado desempenhe uma gestão ambiental que promova o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), gestão essa que 4 HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 16.5 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno

Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. I, 2003. p. 142.

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235ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA

precisa ser democrática, descentralizando o tratamento dessa matéria e criando me-canismos para que a população esteja consciente da importância de sua participação,

atuação do Poder Público.O método de abordagem a ser empregado será o hipotético-dedutivo, partindo-

-se do geral, da doutrina sobre teoria das normas, democracia, ética do discurso e direito ambiental, para o particular, da deliberação ambiental e da gestão ambiental democrática. Pretendemos, com esse método, levantar hipóteses e possibilidades (que se encontram no âmbito geral) no campo da democracia deliberativa, que permitam sua aplicação na prática (que seria o âmbito particular) da formação de normas e decisões ambientais. Utilizaremos a técnica de pesquisa de documentação indireta,

textos normativos.Na estrutura deste texto, começaremos estudando o direito e a democracia

medium entre o mundo da vida e os sistemas e a importância da democracia nessa intermediação (1). Partiremos, após, à análise da atuação da Administração Pública na gestão ambiental (2), enfatizando a necessidade dessa gestão ser democrática (3).

1. A DEMOCRACIA E O PAPEL DO DIREITO EM HABERMAS

Para Habermas, a sociedade pode ser observada sob dois enfoques: mundo da vida e sistema. O papel do direito está relacionado à ponte que precisa ser construída entre o mundo da vida (1.1) e os sistemas (1.2). Esses temas, porém, serão tratados neste tópico apenas de forma introdutória, colhendo os aspectos necessários para demonstrar a instrumentalidade do direito (1.3).

1.1. Mundo da vida

O “mundo da vida” seria o “lugar transcendental” onde está inserido o indivíduo permanentemente, e onde é possível haver entendimento e crítica. O entendimento ocorre em três níveis: o objetivo (da natureza exterior), o social (da sociedade) e o subjetivo (da natureza interna). Esses três níveis se desenvolvem tendo como pano de fundo o mundo da vida, que é formado pela cultura, pela língua, pelas tradições e valores transmitidos pela língua.6

Habermas lembra que somos seres históricos e sociais, inseridos “desde sempre num mundo da vida estruturado linguisticamente”, que nos permite estabelecer “formas de comunicação, por meio das quais nos entendemos uns com os outros sobre os

6 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília: Editora UnB, 2000. p. 78.

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acontecimentos do mundo e sobre nós mesmos [...]”.7 O mundo da vida é formado por uma “teia de tradições, instituições, costumes e competências que podem ser chamados

de possibilitar “a formação de opiniões, ações e comunicações racionais”. No mundo da vida as pessoas interpretam suas experiências e aprendizados, e entendem-se umas com as outras.8

A possibilidade de entendimento mútuo está ligada ao fato do mundo da vida ser “delimitado pela totalidade das interpretações que são pressupostas pelos participantes como um saber de fundo” que forma um mundo compartilhado por todos, em que se relacionam as experiências que as pessoas têm em comum, manifestadas por meio de uma linguagem compartilhada e reconhecível.9 O “pano de fundo formado pelo mundo da vida [...] fornece contextos e recursos mais ou menos apropriados para as tentativas de entendimento mútuo e solução de problemas”.10

Para a formação do pano de fundo do mundo da vida é necessário ocorrer um processo de aprendizagem (por meio de adaptação e acomodação) que permita a interação entre sujeito e objeto, e a interação entre sujeitos. Nessa interação, sujeitos

de um sistema de referência para o simultâneo deslinde do mundo objetivo e do mun-do social frente ao mundo subjetivo”, com a consequente “descentralização de uma compreensão do mundo de cunho inicialmente egocêntrico”.11 Esse processo gera “um sistema de coordenadas que todos supõem em comum”, permitindo-se “que se alcance um acordo do que os envolvidos podem tratar em cada caso como um fato, como uma norma válida ou com uma vivência subjetiva”.12

A atuação comunicativa desse entendimento ocorre no horizonte de um mundo

pressupõem como aproblemáticas”. Para a construção do mundo da vida é necessária a acumulação do “trabalho de interpretação realizado pelas gerações passadas”,13 que formaria o referido horizonte de situações aproblemáticas.

Ou seja, algumas convicções básicas são presumidas e não problematizadas nas linguagens naturais desenvolvidas por indivíduos que fazem parte da mesma

7 HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. Tradução Karina Jannini. Revisão da tradução Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 15-16.

8 HABERMAS, Jürgen. de Janeiro: Loyola, 2004. p. 126-127.

9 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. Versión castellana Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, t. I, 1987. p. 31.

10 HABERMAS, Jürgen. ... p. 128.11 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. t. I. p. 102-103, utilizando-se da obra de PIAGET,

J. Introduction a l’espistémologie génétique. 3, Paris, 1950. p. 202 et. seq.12 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. t. I. p. 103-104.13 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. t. I. p. 104.

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esfera cultural. A linguagem e a cultura, assim, formam o pano de fundo do mundo da vida e, como tais, são pressupostos (preestabelecidos) e servem de referência para desenvolver o entendimento.14

Em resumo, pode-se dizer que o mundo da vida tem as seguintes características:(1) Forma um ambiente não contestado e não problematizado entre os indiví-

duos, mas com bases pouco sólidas;(2) Os indivíduos estabelecem um consenso que permite a existência de um

conhecimento intersubjetivamente partilhado;(3) Mesmo que as situações mudem, as fronteiras do mundo da vida não são

transpostas, formando “um contexto por princípio inesgotável”.15

1.2. Sistemas

“Sistema” seria o conceito oposto a “mundo da vida”, mas ambos representam pontos de vista diferentes da sociedade: “A partir da perspectiva dos sujeitos participan-tes da ação, a sociedade é o mundo da vida de um grupo social. A partir da perspectiva dos observadores, ela é, ao contrário, um sistema de ações”.16

A principal base dos sistemas trabalhados por Habermas está em Talcott Parsons, que, por sua vez, baseia sua teoria da sociedade em Durkheim, Weber e Freud.17 Até 1951, Parsons entendia o sistema como “um conjunto ordenado de ele-

se cumprem, e de que modo, “as funções necessárias para a manutenção do sistema. 18 Para ele, a estrutura deve ser um

“componente relativamente estável” de organização da sociedade, formada por status, papel, modelos normativos e alternativas constantes. A função é a atividade que permite

-turação de um sistema de ação social, encontra três ordens de sistemas: o “sistema social, o sistema da personalidade dos sujeitos agindo individualmente e o sistema da cultura fundada sobre sua ação”.19

José Alcebíades de Oliveira Junior destaca que, para Parsons, os sistemas são complementares e hierárquicos, dependendo da importância simbólico-cultural que cada sistema tem nas formações sociais e nas imagens da sociedade. “Assim, os sistemas

14 REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 54-55.15 REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 55-56. Outras

informações a respeito do mundo da vida foram dadas no subcapítulo 1.1. deste livro.16 REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 55.17 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. t. II. p. 282.18 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. t. II. p. 321-322.19 TREVES, Renato. Sociologia do direito: origens, pesquisas e problemas. Tradução Marcelo Branchini.

Barueri, SP: Manole, 2004. p. 314-315, referindo-se à obra de Parsons “The social system”.

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situados no âmbito das pessoas (dos indivíduos), o biológico e o da personalidade, geralmente ocupam um lugar de inferioridade face aos sistemas que expressam o coletivo, que são os sistemas social e cultural”.20

A partir de 1953, com o livro Working papers in the theory of action, Parsons “inicia um período de transição que pode considerar-se concluído com a resposta à crítica” que Dublin realizou no texto Parsons’s actor: continuities in social theory. Nesse período, Parsons desenvolve o esquema das quatro funções,21 segundo a qual qualquer sistema de ação social deve ter quatro requisitos funcionais:

a) Função adaptativa: “própria do subsistema econômico, que busca uma adaptação ao ambiente externo com o encontro e a distribuição de recursos”;

b) Função instrumental: também chamada de função da obtenção do objetivo, “própria do subsistema político, coligada ao aparelho do Estado, que mobiliza energias e recursos para atingir seus próprios objetivos de curto e longo prazo”;

c) Função integrativa: “própria do subsistema integrativo, que busca satisfazer as exigências da solidariedade social e que se vale dos mecanismos de controle social”;

d) Função da manutenção do modelo: relacionada ao “subsistema da cultura institucionalizada que, por sua vez, se refere às orientações de valor relevantes em toda ação social”.22

Partindo da teoria sistêmica de Parsons, Habermas entende o sistema como um conjunto de subsistemas com seus respectivos “meios reguladores”. Assim, vislumbra o dinheiro como meio regulador do subsistema da economia; o poder como meio re-

integração social; as obrigações valorativas como meios reguladores do subsistema da “preservação de modelos estruturais”. Esses meios reguladores eliminam o dissenso que seria natural na interação comunicativa, pois os atores utilizam-se do meio regulador como um valor para fundamentar suas decisões dentro do subsistema, na busca da maior vantagem possível.23

Para Parsons, o sistema legal é o foco do sistema integrativo,24 o que faz com que o Direito seja considerado como um subsistema de outros subsistemas, com os quais se relaciona, e serve como instrumento de controle social. Para que o sistema de normas funcione como meio de interação social deve resolver quatro problemas:

20 OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Bases sociológicas para a discussão multicultural: estudo introdutório aos conceitos de estrutura, instituição e ideologia. p. 65.

21 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. t. II. p. 339.22 TREVES, Renato. Sociologia do direito... p. 315-316, referindo-se à obra Economy and society, de

Parsons e N. J. Smelser.23 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva... p. 72-73. Cf. HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción

comunicativa. t. II. p. 366 et. seq.24 PARSONS, Talcott. Estruturas com primazia integrativa. Tradução Berenice Costa Sobral. In: SOUTO,

Cláudio; FALCÃO, Joaquim (Org.). Sociologia e direito: leituras básicas de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira, 1980. p. 199.

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a) Legitimidade do direito: os destinatários das normas devem saber por que devem segui-las, ou seja, qual o fundamento do direito (Pelo desejo da autoridade? Por um valor religioso? Em virtude de um direito natural?);

no caso particular;c) Sanção: as consequências favoráveis ou desfavoráveis de determinado

comportamento, quando cumpre ou descumpre as normas;

e atos à qual estão sujeitos.25

Dentre esses problemas, o da sanção e o da jurisdição estão intimamente liga-dos ao sistema da política, já que nas formas desenvolvidas de organização política, o Estado tem o monopólio da aplicação da primeira e da organização da segunda. Já os problemas da legitimidade e da interpretação não estão, necessariamente, vinculados à política. O problema da legitimidade relaciona o direito e a ética e, para Parsons, envolve questões religiosas. A interpretação pode estar vinculada ao papel do juiz, que busca a integridade do sistema de normas, ou ao do advogado, em cuja função prepondera a relação das normas com os indivíduos ou com a coletividade.26

1.3. O direito como instrumentoNa dualidade vista por Habermas entre mundo da vida e sistemas, ele vislumbra

dois sistemas que pressionam, externamente, a normatividade social: (1) “um poder administrativo não domesticado juridicamente” e (2) o “impulso da produtividade eco-nômica”. O direito público e o direito privado são os responsáveis por integrar esses sistemas à vida social-comunicativa, legitimando-os. No entanto, essa legitimação

27 O Direito se apresenta, assim, como instrumento para restabelecer “canais adequados para o pleno diálogo entre a autonomia privada e a autonomia pública”.28

25 TREVES, Renato. Sociologia do direito... p. 316-317, referindo-se ao texto “The law and social control” e à obra Politics and social structure, de Parsons. “Os tribunais estão preocupados com problemas fundamentais: interpretação, determinação de problemas jurisdicionais, isto é, em que circunstâncias aplica-se uma norma e para quem; e problemas de sanções ou execuções, isto é, como determinar as consequências para o ator da obediência ou não obediência às normas”. (PARSONS, Talcott. Estruturas com primazia integrativa. Tradução Berenice Costa Sobral. In: SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim (Org.). Sociologia e direito: leituras básicas de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira, 1980. p. 199).

26 TREVES, Renato. Sociologia do direito... p. 317-319.27 LUCHI, José Pedro. Direito e democracia. Cult, a. 12, n. 136, p. 56-59, jun./2009. p. 59. Antes, as

sociedades eram dirigidas pela tradição e pelo agir comunicativo. As modernas sociedades complexas, no entanto, criaram “mecanismos de integração estratégicos e não comunicativos [...] como a economia

comunicação passou a não estar limitada nem por essas certezas (Op. cit., p. 58).28

Contribuições de Jürgen Habermas para um paradigma dialógico no direito. In: SANTOS, André Leonardo

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Existe, portanto, um nexo problemático “entre as liberdades privadas subjetivas e a autonomia do cidadão”. Para a estabilização desse nexo problemático, próprio das complexas sociedades modernas, o direito precisa utilizar “a força socialmente inte-gradora do agir comunicativo”. As lições de Savigny mostravam os direitos subjetivos com uma ênfase privada, tendentes a garantir a autonomia privada “principalmente através do direito de fechar contratos, de adquirir, herdar ou alienar propriedade”. Após o estudo de outros autores a respeito da concepção de direitos subjetivos, Habermas traz o entendimento de L. Raiser segundo o qual, “eles pressupõem a colaboração de sujeitos, que se reconhecem reciprocamente em seus direitos e deveres”.29 Esse reconhecimento recíproco constitui a ordem jurídica e resulta no direito objetivo.

O estado de direito deve produzir, assim, um equilíbrio entre dinheiro, poder administrativo e solidariedade. E isso é possível quando o direito é utilizado como

social dado e sob especialíssimas condições históricas”. Assim, compromissos prag-

universalizáveis, na medida em que esses acordos precisam da suposição da equidade para serem aceitos como válidos”. Para haver negociações pragmáticas equitativas é necessário utilizar-se o princípio do discurso. Nesse contexto, a teoria do discurso delineia o estado de direito, de forma que a soberania do povo não envolve mais a ideia de sujeito coletivo ou individual, mas sim, em processos anônimos de consultas e decisões racionais em foros, arenas e associações.30

Assim, o direito só pode ser autônomo e dotado de legitimidade se criado me-diante uma democracia real, que leve os destinatários das normas a serem também seus autores. Somente dessa forma o direito pode traduzir a linguagem cotidiana do mundo da vida tornando-a “compreensível aos subsistemas da economia e da política e vice-versa”.31 O direito passa a ser visto como um instrumento estimulador da ação comunicativa, que não depende de garantias metassociais para que ocorra a estabili-dade social, mas da compreensão dos atores sociais.32

O processo democrático exige que “as realizações econômico-administrativas” passem por “processos de discussão, nos quais os cidadãos exercem sua autodeter-minação”. Esses processos de discussão devem ser concretizados por um sistema de direitos que abra espaço a uma linguagem adequada. Questões relacionadas a

Diálogo e entendimento: direito e multiculturalismo &

29 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. I. p. 115-121.30 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva... p. 86. O retorno de uma “crítica pública raciocinante” deve ser

propiciado em um espaço comunicativo criado por instituições políticas, como partidos e associações de classe (SOUZA, op. cit. p. 67).

31 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva... p. 86. Habermas entende, assim, que “não se pode ter nem manter um Estado de direito sem democracia radical”. (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. I. p. 13).

32 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 17-18.

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241ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA

valores ecológicos, por exemplo, devem “passar por uma discussão social, mas as regras e limites almejados só se tornam efetivas através de sua implementação no sistema de Direitos”.33

Kant prevê duas motivações para que os sujeitos observem a lei: (1) para que seus comportamentos, estando em conformidade com a lei, não sofram sanções, ou (2) pelo simples dever moral de observar a lei. Habermas acredita, porém, que a lei deve ser obedecida, antes de tudo, por sua validade racional. Essa posição choca-se com o positivismo jurídico, que reduz o direito à lei que ingressou no mundo jurídico de modo formalmente correto (por meio de uma autoridade de competência legisla-tiva e de força para fazer a norma ser cumprida). Com isso, a legalidade jurídica foi separada da justiça.34

Habermas defende de outro lado, que a “legitimidade da norma jurídica” deve ser medida por sua aceitabilidade racional. “O primeiro critério para isso é o procedi-mento racional do processo legislativo de onde as normas surgiram”. A ausência de um procedimento racional na elaboração da norma diminui sua aceitabilidade. Isso levaria a norma a ser observada somente quando houvesse uma intimidação externa (por autoridade ou por circunstâncias) ou uma disposição interna voluntária (proveniente do costume ou do hábito).35

Essas leis impostas são consideradas legítimas por serem criadas mediante um processo legislativo apoiado no princípio da soberania do povo, ou seja, são leis legí-timas porque obedecem à legalidade. No entanto, o “processo legislativo democrático precisa confrontar seus participantes com as expectativas normativas das orientações do bem da comunidade”. Isso permitirá que o bem da comunidade esteja legitimado não na legalidade do processo legislativo, mas no “entendimento dos cidadãos sobre regras de sua convivência”.36

Para a resolução do problema da racionalidade, o direito permite um acordo racionalmente motivado com a ameaça de sanções externas. Possibilita, assim, es-tabilizar formas de integração social com base no agir comunicativo. O direito retira dos atores a sobrecarga da integração social porque tem validade social proveniente

orém,

33 LUCHI, José Pedro. Direito e democracia. Cult, a. 12, n. 136, p. 56-59, jun./2009. p. 59.34 LUCHI, José Pedro. Direito e democracia. Cult, a. 12, n. 136, p. 56-59, jun./2009. p. 56.35 LUCHI, José Pedro. Direito e democracia. Cult, a. 12, n. 136, p. 56-59, jun./2009. p. 56.36 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. I. p. 114-115. O processo democrático exige um

“mecanismo de formação discursivamente estruturada da opinião e da vontade [...]. A soberania popular na teoria do discurso, num contexto de racionalização do mundo da vida, resulta na necessidade do pluralismo político assegurada pela formação informal de opinião na esfera pública política, aberta

opiniões, não podendo ser organizadas em ou por corporações”. (SOUZA, Jessé. A modernização seletiva... p. 88).

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acredita que a força do direito provém de uma autoridade externa, cuja legitimidade se baseia na “organização burocrática da dominação”.37

O positivismo jurídico, no entanto, inverteu essa ordem lógica, levando os direitos subjetivos a serem legítimos somente se reconhecidos “na legalidade de uma dominação política”. Porém, ao fazer um caminho para descobrir a origem do direito lançado na norma, pode-se perceber que o direito positivo obtém sua legitimidade “no processo democrático da legiferação; e esta apela, por seu turno, para o princípio da soberania do povo. Todavia, o modo como o positivismo jurídico introduz esse princípio não preserva o conteúdo moral independente dos direitos subjetivos”.38

A imposição acrítica de informações gerou a proliferação das incertezas, que encontrou no Direito positivo um instrumento para permitir a integração social: a coesão que antes era alcançada por convicções provenientes da religião e da tradição passou a ser alcançada, com o Direito positivo, por meio da sanção externa aplicada aos que in-fringem as normas. No entanto, para que uma norma seja aceita suas razões devem ser legítimas, resistindo a questionamentos. A razão comunicativa exige que os atores sociais

que permitirá distinguir entre o que merece ser conservado e o que deve ser criticado.39

No entanto, “no contexto de uma moralidade pós-convencional, não existe mais espaço para a integração normativa da sociedade a partir de princípios superiores percebidos como imutáveis”, visto que “a autonomia do direito moderno [...] só pode ser conseguida [...] na medida em que se abre para caminhos de argumentação moral”. Assim, na visão de Habermas, o direito só pode alcançar a integração entre o mundo da vida e o sistema se construído com base em uma democracia real, que permite aos destinatários perceberem-se como autores das normas. Dessa forma, o direito pode traduzir a linguagem cotidiana (utilizada no mundo da vida) em uma linguagem compreensível aos subsistemas e vice-versa.40 Com isso, o direito é visto “como um dos

37 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva... p. 84-85.38 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. I. p. 122.39 LUCHI, José Pedro. Direito e democracia. Cult, a. 12, n. 136, p. 56-59, jun./2009. p. 58. A organização das

relações sociais numa ordem democrática exige uma teoria do discurso e do agir comunicativo (LEAL, Rogério Gesta. “Habermas, Jürgen” (verbete). p. 407). A teoria do agir comunicativo de Habermas é vista, dessa forma, como uma teoria crítica da sociedade, que propõe que o direito seja um instrumento de relação entre norma e realidade, evitando uma análise feita apenas da perspectiva do observador (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. I. p. 113). A proposta de Habermas é implementar “uma teoria crítica da sociedade a partir de paradigmas teóricos mais pragmáticos e universais do que aqueles que até agora serviram de sustentação para a compreensão das sociedades complexas pós-tradicionais”

Contribuições de Jürgen Habermas para um paradigma dialógico no direito. In: SANTOS, André Leonardo Diálogo e entendimento: direito e multiculturalismo &

40 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva... p. 85-86.

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243ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA

“um interessante debate sobre os interesses maiores da sociedade”.41

Além disso, o poder político do Estado democrático de direito se divide entre “poder comunicativo” e “poder administrativo”. No primeiro circulam as consultas e decisões racionais num processo de entendimento que gera um consenso de valores. O segundo funciona de acordo com as preferências do “sistema burocrático estatal”, que desenvolve um processo de compensação de interesses e negociações cujo resultado é um pacto. Para Habermas, o direito é o instrumento de interpenetração desses dois “poderes”, que possibilita transformar o poder comunicativo em poder administrativo, impedindo que neste ocorra a implantação de interesses privilegiados.42

Os padrões de racionalidade que levam à aceitação ou não da norma mudam de acordo com os processos de aprendizagem. Essa mutabilidade pode levar ao dissenso social e à desestabilização da integração, já que o direito também possibilita que os

dissenso, se construtivamente canalizado, transforma-se em “formação política da vontade”.43

Para que ocorra essa formação política da vontade é necessário que as leis que limitam a ação dos indivíduos sejam por esses construídas. Assim, ao invés de

fato de possibilitar ao indivíduo a construção de normas já cria uma predisposição em fazê-lo, isto é, se o indivíduo sabe que será chamado a deliberar, passa a pensar no conteúdo que deseja para a lei, buscando argumentos para embasar seu ponto de vista e elaborando meios de transmiti-lo aos seus interlocutores. Toda essa abertura para a criatividade do indivíduo, no entanto, não seria possível em um sistema de normas construídas por um observador externo e impostas aos governados sem diálogo.

José Alcebíades de Oliveira Junior traz um exemplo que esclarece as conse-quências da falta de comunicação entre o mundo da vida e os sistemas:

A comunicação, em certos momentos, entre sistemas e mundo da vida é cortada, o que pode ser percebido quando crianças são conduzidas à prostituição pelos próprios pais, contrariando o direito por razões econômicas, ou mesmo quando por interesses de dinheiro e poder, sociedades como a brasileira caminham para implantação legal de jogos de azar com quase nenhuma discussão com a sociedade.44

41

Contribuições de Jürgen Habermas para um paradigma dialógico no direito. In: SANTOS, André Leonardo Diálogo e entendimento: direito e multiculturalismo &

42 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva... p. 86 e 87.43 LUCHI, José Pedro. Direito e democracia. Cult, a. 12, n. 136, p. 56-59, jun./2009. p. 58-59.44

Contribuições de Jürgen Habermas para um paradigma dialógico no direito. In: SANTOS, André Leonardo

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244 Revista Internacional de Direito Ambiental - vol. V - nº 13 - janeiro-abril de 2016

Dessa forma, para que haja uma comunicação entre o mundo da vida e os sistemas é necessário utilizar o direito como medium. Mas esse direito deve ser cons-truído mediante um processo legislativo democrático, do qual participe a comunidade, impedindo que interesses políticos e econômicos preponderem sobre a sociedade. A exigência de construção democrática do Direito afeta, diretamente, a gestão ambiental realizada pela Administração Pública, como será visto no próximo tópico.

2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL

A década de 1980 foi marcada pelo avanço das políticas neoliberais que “limitou a intervenção do Estado na economia e, assim, deixou-se que os problemas ambien-tais fossem regulados pela economia”. A economia de mercado, como reguladora do equilíbrio ecológico e da degradação ambiental, cumpriu o papel de transformar a natureza em fornecedora de matérias-primas para a produção e o consumo. A isso, acrescentamos a incapacidade do mercado em buscar “o bem-estar das maiorias e uma distribuição equitativa da riqueza”, em virtude da ausência de “participação direta da sociedade na gestão de seus recursos produtivos”.45

sempre crescente do Estado, à sua intervenção cada dia mais profunda em todos os detalhes e relações da vida social”, o que fez “aumentar e aperfeiçoar as garantias

de edifícios destinados a vigiar ao mesmo tempo, uma grande multidão de homens”.46

Se o Estado foi evoluindo para uma disciplina cada vez mais detalhada das relações privadas, também deve estar mais envolvido na formação de pessoas que se preocu-pam em proteger o meio ambiente.47 Não se espera, com isso, que o Estado exerça um papel de vigilância e punição como criticado por Foucault. Ao contrário, pois se o Estado incentiva as pessoas a serem ambientalmente conscientes, a preservação torna-se algo natural.

Percebemos, então, haver ao menos duas possibilidades de atuação estatal na gestão ambiental: de um lado, “não se deve permitir ao Estado [...] que ele persiga

Diálogo e entendimento: direito e multiculturalismo &

45 LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e desenvolvimento sustentável. Tradução Jorge Esteves da Silva. Blumenau: Ed. da FURB, 2000. p. 190-191.

46 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Tradução Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 178.47 Trazemos o conceito de meio ambiente previsto na legislação brasileira: “o conjunto de condições, leis,

as suas formas” (art. 3º, I, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que “Dispõe sobre a Política Nacional

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245ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA

e segurança pessoal de seus cidadãos”; de outro lado, existe a concepção que defende que o Estado deve garantir os direitos fundamentais e se empenhar “em favor da

48 Fica claro que, na primeira hipótese, preponderam os direitos individuais, enquanto na segunda, prevalecem os

Partindo da análise do sistema administrativo, Habermas vislumbra dois lados da esfera pública política e do complexo parlamentar:49

(1) O lado input é o ponto de partida do poder social de interesses organizados, em direção ao processo de legislação;

(2) Já no lado output, a administração recebe a “resistência dos sistemas funcionais das grandes organizações que fazem valer o seu poder no processo de implementação”.

Os lados input e output fazem com que o poder administrativo, normalmente

da lei (input), seja ao receber resistências na implementação de decisões e políticas públicas (output).50

público na formação de normas ambientais (input); e as grandes organizações resistem à ação da administração pública, quando esta exara decisões e implementa políticas públicas na área ambiental (output).

Para a teoria do pluralismo, essas formas diferentes de manifestação do poder social formam o elo entre o modelo liberal de democracia e a realidade social. O poder administrativo

e o jogo de forças que regula os interesses organizados. Esses

e no emprego do poder administrativo. [...] Para a avaliação normativa do processo descrito, é decisiva a ideia de que o poder social encontra-se distribuído de modo mais ou menos igual entre os interesses sociais relevantes.51

elites tendem a não buscar os interesses dos que não são elites, coube ao Estado tornar-se sensível aos interesses sociais, assumindo “a articulação das necessidades

que não se deixam organizar, etc.”.52 A atuação do Estado, no entanto, costuma ser de mera reação na resolução de crises e menos de planejamento. Assim, o Estado 48 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução George Sperber e Paulo

Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. p. 244.49 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. II. p. 57-58.50 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. II. p. 57-58.51 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. II. p. 59.52 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. II. p. 61.

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246 Revista Internacional de Direito Ambiental - vol. V - nº 13 - janeiro-abril de 2016

não consegue ser ativo no seu lado inputoutput o Estado tende a ser

53

A preservação ambiental apresenta constantes exemplos dessa realidade. As

dos que não fazem parte da elite, cumpre ao Estado buscar os interesses ambientais do restante da população. No entanto, o Estado tornou-se um instrumento de mera reação a crises ambientais, justamente por que não ouve a população que sabe a causa da degradação ambiental e que sofre suas consequências. Por isso, quando

Essa realidade fez com que a teoria do pluralismo tomasse dois caminhos: (1) a teoria econômica da democracia, que se volta ao processo de legitimação; e (2) a teoria do sistema, que se concentra nos problemas de regulação. Após tratar de

“a sociedade constitui uma rede de sistemas parciais autônomos, que se fecham uns em relação aos outros através de semânticas próprias, formando ambientes uns para os outros”.54 Como os sistemas constroem linguagens próprias e se autorregulam, não conseguem ser compreendidos uns pelos outros, são apenas observados. Essa autopoiese impede a integração da sociedade.55

Habermas aponta, assim, a necessidade de um sistema que entenda os demais sistemas e o mundo da vida, traduzindo suas linguagens para promover o entendimento mútuo. Esse sistema, como visto no tópico anterior, seria o direito. “Esse papel mediador do direito é essencial na deliberação ambiental”, pois trazer as pessoas “do mundo da vida para construir normas com a linguagem e instrumentos dos sistemas exige um intermediário que entenda a ambos”.56 Por isso, o Estado exerce um papel essencial na aplicação da teoria do discurso habermasiano, pois é quem detém o monopólio da justiça, é dele que provêm as leis e é ele que as executa.

Da mesma forma, é o Estado quem deve perceber a realidade multicultural que promove a complexidade das sociedades, devendo atuar para que tais diferenças sejam respeitadas e para que os atingidos pelas normas sejam também seus autores. Tomando-se o papel mediador do direito, o Estado deve buscar métodos de transmitir ao deliberante “a situação que a lei precisa resolver, para que ele, entendendo plena-mente a situação, seja capaz de transmitir a solução mais adequada”. Além disso, a deliberação “permite à comunidade transmitir seus valores aos aplicadores do direito. Tais valores envolvem aspectos sociais, psicológicos, ideológicos e religiosos que

53 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. II. p. 60-61.54 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. II. p. 61-63.55 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia..., v. II, p. 64.56 SOUZA, Leonardo da Rocha de. A consideração dos ausentes à deliberação ambiental: uma proposta

a partir da ética do discurso de Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 155.

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247ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA

empreendem a aplicação dos sentimentos e vivências dos participantes na elaboração das normas”,57 e captam a realidade multicultural na qual estão inseridos.

Por isso, o ideal é a participação do cidadão nas decisões ambientais, o que o legitimaria “como sujeito/ator, que interfere na história individual e coletiva de sua(s) vida(s)”. Essa abertura participativa daria lugar a um cidadão “reconhecedor do outro e da diversidade do mundo social, ambiental e cultural, envolvendo a aceitação às diferenças na e com a pluralidade das culturas humanas”. A proposta de Habermas, nesse sentido, vai além da equiparação das condições de vida: pretende defender as diferentes formas de vida e tradições, de tal modo que permita garantir a identidade e levar em consideração as diferenças culturais.58

A elaboração de normas e a tomada de decisões devem estar conectadas com a realidade cultural da comunidade que será afetada, “já que o objeto da lei será a regulação de um fato, e isso alterará o comportamento da pessoa e, por conseguinte, da sociedade e da cultura em que está inserido”.59 É preciso levar em conta, ainda, os pré-juízos (ou pré-compreensões) que cada participante tem, justamente em virtude da realidade na qual está inserido.

A existência de discursos na perspectiva habermasiana, por si só, não garante que todas as pessoas estejam preparadas para participarem das deliberações. “Muitas vezes, faltam às instituições que poderiam proporcionar, a nível social, a formação discursiva da vontade em relação a determinados temas e em determinados lugares”. Outras vezes, o que faltam são “processos de socialização que permit[a]m a aquisição das disposições e capacidades necessárias a uma participação em argumentações morais”, com o objetivo de realizar as “condições necessárias a uma existência humana digna”.60

De um Estado que promova uma gestão ambiental democrática esperamos o

a possibilidade de deliberarem em matéria ambiental, não só em Conferências de alcance internacional, mas também nas diversas oportunidades em que essa matéria entre em pauta. Também almejamos que esse Estado municie os deliberantes de in-

ambiental e (II) tendo em vista aqueles que serão atingidos pelas decisões tomadas a partir do discurso.

57 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa... p. 155.58 BERTASO, João Martins. Cidadania e demandas de igual dignidade: dimensão de reconhecimento na

diversidade cultural. In: OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de (Org.). Faces do multiculturalismo: teoria - política - direito. Santo Ângelo: EDIURI, 2007. p. 62, 72-73. Bertaso acrescenta: “Tomando a cidadania como uma forma legitimada de ação do cidadão no mundo, nada obsta que ela se transforme num patamar de liberdade e de respeito aos iguais e aos diferentes, ainda que mantida suas características universais, ponto de partida para todo ser humano se reconhecer como sujeito de direitos humanos, independentemente de pertencimento a uma identidade nacional ou cultural”. (Op. cit., 73).

59 SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa... p. 156.60 HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso... p. 27-28.

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Com o advento de novas tecnologias e de novos processos de produção, relações econômicas e sociais mudaram profundamente no século XX, alterando a legitimidade e organização do poder e, por conseguinte, exigindo novas formas de atuação das instituições. Uma das mudanças diz respeito à atuação do Estado nas ameaças provenientes da sociedade do risco: se antes era possível atuar para com-bater ou remediar as consequências de desastres ecológicos, por exemplo, agora é necessário prevenir.61

La muerte de los bosques lo ha hecho visible en sus primeros momentos: allí donde los riesgos de la modernización han recorrido con éxito el proceso de su (re)conocimiento social cambia el orden del mundo, por más que todavía no se haya actuado en consecuencia. Caen las barreras de la competencia especializada. La opinión pública gobierna en los detalles técnicos. Empresas que durante mucho tiempo, de acuerdo con las normas de la economía de mercado, habían sido mimadas

se ven de repente en el banco de los acusados; mejor dicho: atadas a la picota pública y confrontadas con cuestiones con las que anteriormente se habría maltratado a asesinos tóxicos pillados con las manos en la masa.62

Foram os desmatamentos que sinalizaram a fase de riscos em que estávamos adentrando, embora isso não tenha se traduzido em atuação efetiva. Beck percebe mudanças em diversas esferas: a ciência já não tem todas as respostas, a sociedade

as culpadas. As consequências são diversas: fusão de mercados, aumentos dos custos dos produtos, vedações de produtos e de formas de produção, ações judiciais, indenizações, etc.63

3. PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA NA GESTÃO AMBIENTALAs mudanças na atuação das instituições (Estado e mercado, especialmente), as

novas tecnologias, os novos processos de produção e as características da sociedade do risco passaram a gerar mudanças, também, na forma de tratamento da questão ambiental. Partimos, assim, para a necessidade de uma gestão ambiental democrática, que exige que os valores ambientais estejam integrados nas normas constitucionais e em documentos e instituições internacionais. Isso pressupõe o afastamento da 61 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed.

rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 11.62 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Tradução Jorge Navarro, Daniel

Jiménez e Maria Rosa Borrás. Barcelona, Espanha: Paidós Ibérica/S.A.; Buenos Aires, Argentina: Paidós, 1998. p. 85.

63 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo... p. 85-86.

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249ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA

tradição liberal de Estado de direito (pois essa tradição tende a reduzir o problema

intervencionista (que exigiria uma constante atuação dirigista do poder público). O necessário é desenvolver o Estado dentro de um modelo duradouro, cujo fundamento seria a busca do desenvolvimento sustentável64 mediante a equidade intergeracional, a mitigação do antropocentrismo, a solidariedade econômica e social e a busca da igualdade substancial entre os cidadãos.65

Também se “exige uma cidadania participativa, que compreende uma ação con-junta do Estado e da coletividade na proteção ambiental”.66 Mas isso não afasta o dever

e preparando as pessoas por meio da educação ambiental.67 Seu papel é “garantir o 64 O termo desenvolvimento sustentável, no entanto, como discurso de um ecocapitalismo, como ideologia

do industrialismo e do livre mercado, vem gerando, na verdade, um desenvolvimento insustentável. O próprio conceito é um paradoxo, como defende M. L. Pelizzoli: “desenvolvimento é um termo que remete

habitats da natureza, ao funcionamento urbano do ambiente construído. Sustentável é um termo próprio da biologia, expressando

conceitual, temos também um paradoxo fático, pois tem preponderado o desenvolvimento econômico da visão capitalista do Ocidente, “no seu anseio evidente de dominação e transformação da natureza bruta”. Essa cultura capitalista resultou “acontecimentos que se somaram para gerar cada vez mais

as relações sociais ou socioambientais”. No entanto, quando falamos em desenvolvimento sustentável

por meio de “uma mudança gradativa, mas profunda nas regras do jogo - jogo este que é baseado na dilapidação dos ecossistemas e na exclusão, seja de países periféricos, seja de classes sociais à margem práticas de consumo, à auto-organização das localidades e regiões com suas vocações econômicas,

demandas dos indivíduos na sociedade contemporânea”. Isso envolve novos hábitos, nova ética, e uma relação diferente “dos sujeitos entre si e com seu mundo”, com resultados sentidos na qualidade de vida, na cidadania, na educação e na “cultura como um todo, em vista de uma nova emancipação para os excluídos”. (PELIZZOLI, Marcelo Luiz. A emergência do paradigma ecológico

utilizarmos a expressão desenvolvimento sustentável nesta tese, portanto, queremos afastar-nos de sua prática pejorativa e insustentável, e aproximar-nos de um desenvolvimento que integre as cinco categorias de ausentes que serão trabalhadas: culturas, nações, classes sociais, futuras gerações e natureza.

65 Essa é a proposta de Estado de Direito Ambiental (LEITE, José R. Morato; AYALA, Patryck de A. Direito ambiental na sociedade de risco... p. 31-34).

66 LEITE, José R. Morato; AYALA, Patryck de A. Direito ambiental na sociedade de risco... p. 37-39.67 Sobre o tema educação ambiental, Fritjof Capra defende uma “alfabetização ecológica”: “Reconectar-se

satisfazer nossas aspirações e nossas necessidades sem diminuir as chances das gerações futuras. Para realizar esta tarefa precisamos compreender estudos de ecossistemas, compreender os princípios

A teia da vida: uma nova

Cultrix, 2008. p. 231). A Constituição Federal brasileira prevê, como instrumento para assegurar a

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250 Revista Internacional de Direito Ambiental - vol. V - nº 13 - janeiro-abril de 2016

que já existe (bem ambiental) e recuperar o que deixou de existir (dano ambiental)”, por meio de instrumentos que garantam a precaução, a prevenção, a responsabilização pelo dano, a preservação e a reconstituição.68

Além disso, é necessário rever a atuação dos mercados e o alcance do direito de propriedade, ambos buscando o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida (como previsto no art. 225 da Constituição brasileira). O reconhecimento de uma função so-cioambiental da propriedade é resultado desse caminho a um Estado que democratiza a gestão ambiental, reduzindo sua concepção individual para enfatizar os interesses

visão a respeito do lucro, do abuso do domínio econômico e da utilização dos meios de produção, não mais voltados a meros benefícios econômicos, mas também sociais e ambientais, inclusive com relação a gerações futuras.69

A sociedade do risco exige que o Estado seja atuante na garantia da proteção ambiental. Um laissez faire ambiental geraria a preponderância de interesses privados e momentâneos. Mas a atuação do Estado não afasta a necessidade de mobilização da sociedade civil, como defende Enrique Leff:

A problemática ambiental é uma questão eminentemente políti-

dos recursos, das terras e dos valores culturais dos povos; na luta pelo reconhecimento do ambiente e na recuperação dos seus espaços vitais; na reorganização de suas práticas de produção e consumo, mediante um processo de inovações tecnológicas, orientadas para a autodeterminação das comu-nidades, no desenvolvimento das forças produtivas, assim como no melhoramento de suas condições ambientais e da sua qualidade de vida.70

efetividade ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o dever do Poder Público “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (art. 225, § 1º, VI). Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “educar ambientalmente

sempre a utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do princípio da solidariedade, no exato sentido que perceberá que o meio ambiente é único, indivisível e de titulares indetermináveis, devendo ser justa e distributivamente acessível a todos; e) efetivar o princípio da participação, entre

Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 58). Na esfera infraconstitucional, o Brasil conta com a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que: “Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras

educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.

68 LEITE, José R. Morato; AYALA, Patryck de A. Direito ambiental na sociedade de risco... p. 37-39.69 LEITE, José R. Morato; AYALA, Patryck de A. Direito ambiental na sociedade de risco... p. 35-37.70 LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e

desenvolvimento sustentável. Tradução Jorge Esteves da Silva. Blumenau: Ed. da FURB, 2000. p. 189.

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251ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO AMBIENTAL DEMOCRÁTICA

O papel do Estado na sociedade de risco exige a abertura para participação de movimentos sociais que busquem essa nova realidade, permitindo que culturas sejam escutadas, a natureza seja preservada e recuperada, o consumo e a produção sejam revistos para possibilitar o empoderamento das classes sociais mais atingidas. A concretização dessas lutas terá efeitos globais e intergeracionais.

A mudança na atuação do Estado exige “descentralização e democratização dos processos políticos na gestão ambiental”, resultando numa “distribuição do poder entre as autoridades centrais, regionais e locais”, com um incremento da “participação da sociedade civil e das comunidades rurais na tomada de decisões sobre as estratégias de uso do solo e o aproveitamento dos recursos naturais”. A administração pública se torna transversal, com novos espaços de gestão e de organização que permitam questionar sua atuação tradicional. O Estado passa a ser o local em que os interesses

um planejamento que reconheça “os novos direitos culturais e ambientais” e (b) de condições para uma gestão participativa da sociedade.71

A complexidade da sociedade atual aumenta os pontos de vista possíveis e necessita da implantação da democracia deliberativa, que leva em conta o argumento do outro. Assim, a proposta de uma gestão ambiental democrática vista neste texto precisa de um complemento: passar da participação para uma deliberação ancorada na ética do discurso habermasiano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na concepção de Jürgen Habermas, a sociedade tem dois polos distantes, o mundo da vida e os sistemas, nos quais os indivíduos atuam utilizando-se de meios reguladores e linguagens próprias. O natural é não haver comunicação entre esses

--relacionamento e o entendimento mútuos. Habermas aponta, assim, o direito como mediador entre essas duas esferas, capaz de traduzir as intenções e atuações de uma esfera para tornar-se inteligível à outra esfera.

Esse papel mediador do direito é essencial na produção de normas e na elabo-ração de políticas públicas. Isso porque, trazer os indivíduos do mundo da vida para construir normas a políticas com a linguagem e instrumentos dos sistemas, exige um intermediário que entenda a ambos.

71 LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: a territorialização da racionalidade ambiental. Tradução Jorge Esteves Silva. Revisão Carlos Walter Porto-Gonçalves. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 322-323. Ocorre uma junção de esforços entre Estado e comunidade, como defende Herman Benjamin: “Com o desenvolvimento da consciência ambiental, fenômeno mundial, chegou-se à conclusão que o cidadão poderia participar diretamente da administração do patrimônio ambiental. Não como um expectador-privilegiado, mas como autêntico titular de um múnus, público, carreando em sua atividade autêntico dever-poder em favor do interesse de todos”. (Função ambiental. Brasília: BDJUR. p. 50. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8754>. Acesso em: 12 jun. 2012).

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é necessário implementar um método que transmita ao participante a situação que a lei precisa resolver, para que ele, entendendo plenamente a situação, seja capaz de transmitir a solução mais adequada.

que podem ser aceitas por seus destinatários. Para isso, as decisões e normas ambien-tais precisam de uma gestão democrática, que demanda (a) um novo Estado que faça essa abertura, e (b) um novo cidadão disposto a participar. Mas não basta participar da gestão ambiental. É preciso deliberar, num procedimento discursivo-argumentativo, no qual cada um pensa no todo.

O desenvolvimento de uma deliberação ambiental exige um constante treina-mento. O Estado é responsável por incentivar o aumento da criação de fóruns públicos de participação popular, chamando as pessoas a discutirem os assuntos que lhes são inerentes. Essa abertura para a deliberação constante fará com que as pessoas cada vez mais tenham interesse em transmitir sua opinião e ouvir a opinião dos demais, com uma disposição para transigir em busca do consenso. Isso também exige a construção de um sistema de ensino de qualidade, que permita nivelar por cima a formação escolar da população, concedendo-lhe o empoderamento concedido pelo conhecimento. E dos meios de comunicação esperamos que se tornem aliados da deliberação ambiental, fornecendo ao público as informações isentas e necessárias para argumentar e decidir.

Mas também não é possível esperar a iniciativa da Administração Pública para a deliberação ambiental. O cidadão deve estar disposto a realizar a discussão ambiental em fóruns informais de discussão, para que possa formar sua opinião sem os limites e regras do procedimento institucionais de deliberação.

REFERÊNCIAS

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Tradução Jorge Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borrás. Barcelona, Espanha: Paidós Ibérica/S.A.; Buenos Aires, Argentina: Paidós, 1998.

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