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STHEFANY DE SOUZA RIBEIRO FALCO REVISTA MATTO-GROSSO: um estudo de/sobre impressos produzidos por grupos religiosos em Mato Grosso (1904-1915) Dourados 2019

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STHEFANY DE SOUZA RIBEIRO FALCO

REVISTA MATTO-GROSSO: um estudo de/sobre impressos produzidos por

grupos religiosos em Mato Grosso (1904-1915)

Dourados – 2019

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STHEFANY DE SOUZA RIBEIRO FALCO

REVISTA MATTO-GROSSO: um estudo de/sobre impressos produzidos por

grupos religiosos em Mato Grosso (1904-1915)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em História da Faculdade de Ciências Humanas da

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

como parte dos requisitos para a obtenção do título de

Mestre em História.

Área de concentração: Sociedade, Política e

Representações.

Orientadora: Profa. Dra. Adriana Aparecida Pinto

Dourados – 2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

©Direitos reservados. Permitido a reprodução parcial desde que citada a fonte.

F181r Falco, Sthefany De Souza Ribeiro

REVISTA MATTO-GROSSO: um estudo de/sobre impressos produzidos por grupos religiosos

em Mato Grosso (1904-1915) [recurso eletrônico] / Sthefany De Souza Ribeiro Falco. -- 2020.

Arquivo em formato pdf.

Orientadora: Adriana Aparecida Pinto.

Dissertação (Mestrado em História)-Universidade Federal da Grande Dourados, 2019.

Disponível no Repositório Institucional da UFGD em:

https://portal.ufgd.edu.br/setor/biblioteca/repositorio

1. Revista Matto-Grosso. 2. Impressos Periódicos. 3. Educação. I. Pinto, Adriana Aparecida. II.

Título.

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STHEFANY DE SOUZA RIBEIRO FALCO

REVISTA MATTO-GROSSO: um estudo da/sobre a impressos produzidos por grupos

religiosos em Mato Grosso (1904-1915)

DISSERTAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/UFGD

Aprovada em 15 de outubro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

Presidente e orientadora:

Adriana Aparecida Pinto (Dra./UFGD)_______________________________________________

2º Examinador:

Eudes Fernando Leite (Dr./UFGD)__________________________________________________

3ºExaminador:

Vera Teresa Valdemarin (Dra./UNESP)______________________________________________

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Aos meus avós Luiza e Enocke (in memoriam).

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AGRADECIMENTOS

A feitura da dissertação é um caminho com muitos percalços, mas intensamente

gratificante, principalmente quando podemos contar com o apoio intelectual, financeiro e

emocional, daqueles que nos cercam e que acreditam nos nossos projetos.

Eu gostaria de agradecer, primeiramente, a minha orientadora, Adriana Aparecida Pinto,

por ter me incentivado, desde os tempos de graduação, a seguir com a pesquisa acadêmica; pelas

grandes contribuições intelectuais; pelos ensinamentos, tanto na área dos estudos com e dos

impressos, quanto sobre História da Educação. Agradeço por ter acreditado em mim, quando nem

eu mesma me sentia capaz; por ter me dado forças nos momentos tão difíceis que me

acompanharam no período do mestrado; pelo colo e ombro amigo; por ter sido, além de excelente

profissional, uma amiga para mim.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo

financiamento dessa pesquisa.

À minha família, em especial aos meus avós Luiza e Enocke (in memoriam), a quem

dedico esse trabalho, por sempre terem acreditado na minha capacidade; pelas economias

inimagináveis que alguém pode fazer com um mísero salário mínimo, para que eu pudesse ter a

melhor educação possível, e um dia usufruir de uma vida mais confortável do que a que

acreditavam possuir. À minha mãe, Sonia, primeira historiadora que conheci; que me apresentou,

ainda criança, à universidade e à vida acadêmica; e quem me deu o maior presente: a minha vida.

Às minhas irmãs maternas Áriny Kaminy e Anna Luiza, por todo amor, paciência e divertimento

que me proporcionaram. Às minhas irmãs paternas Andressa, Jaqueline e Gabi, que mesmo

distantes estavam sempre lembrando de mim e me enviando mensagens de carinho.

Aos meus grandes amigos, Mayara e Samuel. Não tenho palavras para exprimir o quanto

sou grata por ter vocês do meu lado, sempre me apoiando, me incentivando, me oferecendo ajuda

no que eu precisasse, principalmente: colo, ombro e amor. À minha amiga Maria Carolina, que

desde a graduação me acompanha, agradeço imensamente pelo seu amor, sua amizade e

companhia.

Aos meus amigos Michael, Luciana, Diandra, Stefany, Joyce, Lucas; pelos momentos de

distração e lazer, pelas risadas e pelo carinho de sempre, tão importante para a manutenção da

sanidade em tempos de escrita.

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Agradeço, em especial, às minhas irmãs de orientação, presentes preciosos da pós-

graduação, Gabriella e Ana, pelas contribuições intelectuais, pelo apoio emocional e pelas

conversas terapêuticas. Sem elas minha caminhada seria muito mais difícil. Aos meus também

irmãos de orientação Larissa e Michel, pela ajuda de sempre e pelos momentos de descontração.

Não posso deixar que agradecer também aos colegas de turma, mestrandos e doutorandos

do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados

(PPGH/UFGD), pelas trocas de conhecimento e de experiências de vida. Em especial às minhas

amigas, Kaoana e Myla, mulheres fortes, inteligentes e guerreiras, que se tornaram fonte de

inspiração para toda a minha vida. Também agradeço à Rafaely, Mariely, Bruna e Joyce, por todo

carinho, apoio, lágrimas e risadas compartilhadas.

Aos professores da Faculdade de Ciências Humanas (FCH) da UFGD, em especial aos

professores Dr. Losandro A. Tedeschi, Dr. João Carlos de Souza, Dr. Linderval Monteiro, Dr.

Fernando Perli, Dr. Paulo Roberto Cimó Queiroz, Dr. Leandro Baller e Dra. Nauk M. de Jesus,

pela contribuição intelectual e formativa nas disciplinas oferecidas durante o mestrado.

Agradeço aos membros das bancas de qualificação e defesa, os professores Dra. Vera

Teresa Valdemarin e Dr. Eudes Fernando Leite, pela disponibilidade, correções, ideias e

contribuições para esse trabalho de pesquisa.

Agradeço pelo apoio técnico oferecido pela gestão administrativa da Faculdade de

Ciências Humanas (FCH) e do Centro de Documentação Regional (CDR), em especial ao

secretário da pós-graduação, Walace Gomes.

Meus sinceros agradecimentos ao Colégio São Gonçalo por me receber e me autorizar e

acessar seus arquivos; principalmente à Dona Benedita, bibliotecária dessa instituição.

Aos funcionários do Palácio da Instrução Pública de Cuiabá e da Biblioteca Estadual

Estevão de Mendonça, especialmente à Carine, Célia, Eunucio, Fernando e Lucivaldo, pela

autorização da pesquisa em seus acervos, pela ajuda, além das suas funções, na busca e

mapeamento da fonte.

Por último, gostaria de agradecer àqueles que, de uma maneira ou de outra contribuíram

para a realização dessa pesquisa, mas que tenham me faltado a memória no momento desta escrita.

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RESUMO

Essa dissertação tem por objetivo, no âmbito dos estudos da História Cultural e no diálogo com o

campo educacional, compreender a Revista Matto-Grosso (1904-1915), enquanto fonte e objeto.

A Revista Matto-Grosso era redigida e impressa mensalmente pelo Liceu Salesiano de Artes e

Ofícios de São Gonçalo, localizado em Cuiabá, no estado de Mato Grosso, entre os anos de 1904

e 1915. Os objetivos da revista, segundo seus redatores, era a divulgação científica, religiosa,

artística, noticiosas e de entretenimento no geral. A partir da localização, mapeamento e atenciosa

leitura da fonte, procurou-se identificar e contextualizar na revista no campo educacional,

entendendo que os periódicos têm função pedagógica e são difusores de práticas e valores. Partiu-

se do pressuposto que essa revista fora um artefato cultural de seu tempo, e que, de maneira direta

ou indireta, se tornou um produto utilizado pelos salesianos para a divulgação de seus trabalhos,

de sua crença religiosa, sua pedagogia e dos ideais civilizadores.

Palavras-Chave: Revista Matto-Grosso; Impressos Periódicos; Educação.

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ABSTRACT

This dissertation aims to understand the Revista Matto-Grosso (1904-1915), in the context of

Cultural History studies and in the dialogue with the educational field, as source and object. The

Revista Matto-Grosso was written and printed monthly by the Liceu Salesiano de Artes e Ofícios

de São Gonçalo, located in Cuiabá, in the state of Mato Grosso, between the years of 1904 and

1915. The objectives of the magazine, according to its editors, were to disseminate scientific,

religious, artistic, news and entertainment in general. From the location, mapping and attentive

reading of the source, it sought to identify and contextualize the journal in the educational field,

understanding that the journals have pedagogical function and they are diffusers of practices and

values. It is assumed that this magazine was a cultural artefact of its time, and that directly or

indirectly became a product used by the Salesians to spread their works, their religious beliefs, their

pedagogy and the ideals of civilization.

Keywords: Revista Matto-Grosso; Newspapers; Education.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Relação sobre a quantidade de volumes, número, média de páginas por

números e seções da RMT entre 1904-1915...................................................

65

TABELA 2 Relação quantitativa das imagens presentes na RMT, entre 1904-1915......... 77

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Fotografia do prédio do Liceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo,

publicada em 1914 (finalidade ilustrativa)......................................................

50

FIGURA 2 Fotografia do prédio atual do Colégio Salesiano São Gonçalo, Cuiabá – MT

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

50

FIGURA 3 Fotografia das alunas e das Irmãs de Maria Auxiliadora, suas professoras em

uma aula de costura, na Colônia Sagrado Coração (finalidade ilustrativa).......

52

FIGURA 4 Capa da do quarto volume da RMT em 1907 (finalidade ilustrativa)............. 54

FIGURA 5 Fotografia de Pe. Helvécio Gomes de Oliveira, diretor do Liceu Salesiano

São Gonçalo, e os bacharéis do Liceu, José Barnabé de Mesquita, Leonidas

Pereira Mendes, Generoso Alves de Siqueira e Oligário Moreira de Barros

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

55

FIGURA 6 Fotografia de grupo de alunos do Liceu Salesiano de Arte e Ofício São

Gonçalo (finalidade ilustrativa).......................................................................

57

FIGURA 7 Gráfico de comparação entre Mato Grosso e Brasil, relação de analfabetos

nos censos de 1872, 1890 e 1920.....................................................................

58

FIGURA 8 a) Fotografia das Revista Matto-Grosso que estão na Biblioteca Estevão de

Mendonça. b) Capa de encadernação original do primeiro volume da RMT –

1904 (finalidade ilustrativa)..........................................................................

63

FIGURA 9 Fotografia das revistas com nova encadernação feita pela Biblioteca do

Colégio São Gonçalo – Cuiabá – MT (finalidade ilustrativa).........................

63

FIGURA 10 a) Editorial da Revista Matto-grosso – “Mais um anno”. p.2. b) Recorte do

parágrafo no qual os redatores afirmam que a revista estava cumprindo a

missão de servir à religião e à pátria (finalidade ilustrativa)...........................

66

FIGURA 11 Fotografia da oficina de compositores de imprensa dos padres salesianos

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

69

FIGURA 12 Fotografia do prelo grande, máquina de impressão utilizada na oficina de

tipografia (finalidade ilustrativa)......................................................................

69

FIGURA 13 Recorte de página da revista, aviso sobre o atraso na edição de abril da RMT

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

70

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FIGURA 14 Recorte de página da revista, aviso sobre o atraso na edição de abril da RMT

e compra da nova máquina tipográfica (finalidade ilustrativa).........................

71

FIGURA 15 Fotografia da oficina de aprendizes de encadernador do Liceu Salesianos

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

71

FIGURA 16 Digitalização de página inteira exemplificando a divisão do conteúdo, na

revista, em duas colunas (finalidade ilustrativa)...............................................

73

FIGURA 17 Digitalização de página inteira com artigo de homenagem póstuma disposta

em apenas uma coluna (finalidade ilustrativa)..................................................

74

FIGURA 18 a) Art-Nouveau presente em página interna do mês de fevereiro de 1904. b)

Capa da edição de janeiro de 1908, contendo “linha belga”, folhagem e

tipografia da Art-Nouveau (finalidade ilustrativa)...........................................

76

FIGURA 19 Gráfico sobre imagens presentes na RMT entre os anos de 1904-1915,

considerando-se fotografias, ilustrações e caracteres introdutórios..................

78

FIGURA 20 Fotografia publicada na RMT em 1906 – Botafogo, Rio de Janeiro

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

79

FIGURA 21 Fotografia publicada na RMT em 1906 – Avenida Central, Rio de Janeiro

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

80

FIGURA 22 Digitalização de página inteira sobre a seção Apontamentos de Barão de

Melgaço – Apontamentos chronologicos da província de Matto-Grosso

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

82

FIGURA 23 Digitalização de página inteira sobre a seção Apontamentos de Barão de

Melgaço – Roteiro de navegação do Rio Paraguai (finalidade

ilustrativa)........................................................................................................

83

FIGURA 24 Recorte de página da revista, seção Do Rio de Janeiro (finalidade

ilustrativa)........................................................................................................

84

FIGURA 25 Recorte de página da revista, seção Evangelho (finalidade

ilustrativa)........................................................................................................

84

FIGURA 26 Recorte de página da revista, seção Romance. Fabiola ou A Egreja das

Catacumbas, capítulo XV – 1908 (finalidade

ilustrativa)........................................................................................................

85

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FIGURA 27 Recorte de página da revista, seção de Notícias (finalidade

ilustrativa)........................................................................................................

86

FIGURA 28 Digitalização de página inteira sobre a seção Meteorológica – 1907

(finalidade ilustrativa)......................................................................................

87

FIGURA 29 Recorte de página da revista, seção Parnaso mattogrossense (finalidade

ilustrativa)........................................................................................................

89

FIGURA 30 Recorte de página da revista, Secção Agrícola (finalidade ilustrativa)............. 90

FIGURA 31 Recorte de página da revista, Secção Amena (finalidade ilustrativa)................ 90

FIGURA 32 Recorte de página da revista, seção Santos e Festas da Egreja – fevereiro de

1904 (finalidade ilustrativa).............................................................................

91

FIGURA 33 Gráfico comparativo dos colaboradores que mais escreveram para a RMT

entre os anos de 1904-1915...............................................................................

107

FIGURA 34 Recorte de página da revista, Theoria das Combinações.................................. 113

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 Sistema Repressivo e Sistema Preventivo........................................................ 34

QUADRO 2 Localização da fonte a partir de suporte digital............................................... 60

QUADRO 3 Localização da fonte a partir de suporte físico................................................ 61

QUADRO 4 Levantamento sobre títulos que aparecem em mais de um mês no ano de

1904, e que dão continuidade a algum assunto específico..............................

65

QUADRO 5 Comparação dos valores das assinaturas entre a RMT e outro periódicos do

mesmo período.................................................................................................

67

QUADRO 6 Seções da Revista Matto-Grosso..................................................................... 81

QUADRO 7 Colaboradores mais efetivos, segundo a Revista Matto-Grosso..................... 104

QUADRO 8 Levantamento sobre títulos e respectivos escritores da RMT (Extrato)......... 105

QUADRO 9 Levantamento sobre conteúdo, possivelmente instrutivo às mulheres,

presente na RMT. (Extrato)..............................................................................

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS................................................................................................... 10

LISTA DE FIGURAS................................................................................................... 11

LISTA DE QUADROS................................................................................................. 14

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 16

Capítulo 1

OS SALESIANOS E A REVISTA MATTO-GROSSO.............................................. 28

1.1 Dom Bosco e os salesianos...................................................................................... 29

1.2 Os Salesianos em Mato Grosso: religião, civilização e educação........................... 43

1.2.1 O Liceu Salesiano de Artes e Ofícios “São Gonçalo”.................................... 49

Capítulo 2

A REVISTA MATTO-GROSSO: Forma, conteúdo e abordagens........................... 60

Capítulo 3

A REVISTA MATTO-GROSSO COMO DISPOSITIVO DE EDUCAÇÃO,

CULTURA E RELIGIOSIDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XX ..........................

94

3.1 A escrita e as ideias: os colaboradores da RMT...................................................... 104

3.2 Dos conteúdos/temas mais publicados na RMT...................................................... 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 127

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fontes............................................................................................................................ 132

Referências Bibliográficas............................................................................................ 132

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INTRODUÇÃO

Para a realização desse trabalho, partiu-se do entendimento de que os impressos periódicos

são responsáveis pela difusão de práticas, valores e normas de conduta nos períodos e lugares em

que circulam, permitindo que possam ser observados aspectos sociais e reflexos culturais de seus

tempos. Assim, a presente dissertação propõe o exame de impressos como fonte para a pesquisa

histórica, por meio do diálogo entre os campos de História Cultural e História da Educação.

Buscou-se compreender aspectos relativos às práticas culturais e educativas nas primeiras décadas

do século XX, a partir da leitura e exame de um impresso periódico, a Revista Matto-Grosso,

produzido por uma ordem religiosa sediada em Mato Grosso, que exerceu impacto significativo no

contexto regional: os salesianos.

O interesse em estudar este impresso deu-se a partir de preocupações iniciais a respeito da

educação veiculada por meio dos periódicos em Mato Grosso, e do acesso a um levantamento

preliminar para o projeto de mestrado, em que pôde-se constatar que havia periódicos pouco

investigados sob essa óptica, que no entanto tiveram alguma participação ativa na constituição

histórico regional durante a Primeira República (1889-1930). Por meio de investimentos de

pesquisa (PINTO, 2010; FALCO; PINTO, 2017) localizou-se a Revista Matto-Grosso que circulou

entre 1904-1915, em Cuiabá.

A revista também carregava a “representatividade” de ter o nome do estado, o que sugere

intensão/pretensão de se colocar como referência no campo da imprensa naquele momento. Outro

dado que consolida a inferência anterior, consiste na leitura do historiador Osvaldo Zorzato (1998),

que considera a Revista Matto-Grosso e a revista O Archivo, ambas com o início de suas

publicações no ano de 1904, marcos no processo de construção de uma identidade mato-grossense.1

Este periódico impressionou pela qualidade gráfico-editorial, cujos recursos para financiamento

advindos, sobretudo, da ordem religiosa responsável por sua edição e impressão, devem ter sido

significativos.

Na feitura desse trabalho, houve momentos em que os objetivos se construíram,

descontruíram e reconstruíram, até chegar ao produto final da dissertação: inicialmente buscou-se

entender apenas os aspectos educativos (não escolares) sugestionado às mulheres mato-grossenses

1 FALCO, Sthefany de Souza Ribeiro; PINTO, Adriana Aparecida. Revista como fonte para o estudo da história das

mulheres: Revista Matto-Grosso (1904-1915). In: Congresso Internacional de História, 8., 2017, Maringá. Anais... Maringá: UEM, 2017. p. 2291-2300. Disponível em: <http://www.cih.uem.br/anais/2017/trabalhos/3689.pdf>. Acesso

em: 15 abr. 2018.

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no início do século XX, utilizando a Revista Matto-Grosso como fonte primária. O foco estava

voltado à questão de instrução e educação das mulheres por meio dos periódicos, e como/e se

poderiam ser identificados tais aspectos na RMT2. Havia sido localizado apenas um único trabalho

que utilizou a Revista Matto-Grosso como fonte, no qual os autores procuravam responder questões

a respeito da divulgação científica no início do século XX e, para tanto, fizeram uso de apenas um

ano da Revista Matto-Grosso, 1907. 3 No entanto, como não identificou-se, até o momento, outros

estudos sistematizados a respeito desta Revista, que explicasse suas funções, características e

objetivos, entende-se que haveria um espaço para apresentá-la como importante suporte impresso.

Além disso, após a realização de um mapeamento inicial da revista, compreende-se sua

complexidade e a importância de um estudo mais abrangente de seus aspectos educativos. Ao

manejar a documentação coletada, observou-se que haviam vários estudos que destacavam o

relevante papel exercido pelos salesianos em Mato Grosso e em outras localidades do país

(MANFROI, 1997; RAMPI, 2007; DALCIN, 2008; NAKATA, 2008; AMARAL, 2010;

FRANCISCO, 2010), carecendo ainda, de estudos sistemáticos com alguns dos materiais

produzidos por esses religiosos.

Com o horizonte de trabalho definido, partiu-se do pressuposto que a RMT seria parte do

projeto educacional dos salesianos para a instrução interna e externa das instituições vinculadas

àquela ordem. A hipótese levantada foi a de que essa Revista pretendia, além de informar e formar,

ser um produto cultural dos salesianos, consolidando sua marca no cenário regional, valendo-se

ainda para a propagação da fé, moral e valores católicos. A organização documental pautou-se em

levantamentos preliminares da publicação (PINTO, 2010), ampliados significativamente neste

estudo.

O exame, leitura e manejo da Revista permitiu compreender aspectos relacionados à função

pedagógica e instrutiva da imprensa (PINTO, 2013), ainda que não se trate de um impresso

periódico direcionado à educação ou ao ensino, guarda em suas páginas, forte conotação

prescritiva, característica dos impressos pedagógicos que circularam no início da Primeira

República em outras localidades. Entende-se, assim, que a RMT pretendia não somente divulgar o

trabalho dos salesianos, mas também levar aspectos da educação religiosa e científica para seus

2 A Revista Matto-Grosso, doravante, passará a ser identificada pela sigla RMT no decorrer desse trabalho. 3 BARBOSA, Gabriel Soares; MOREIRA, Benedito Dielcio. A ciência e sua divulgação em Cuiabá no começo do século XX: O caso da revista Matto-Grosso, de 1904. In: MOREIRA, Benedito Dielcio; SILVA, André Chaves de

Melo (Org.). Divulgação científica: debates, pesquisas e experiências. Cuiabá: EdUFMT, 2017. p. 148-168.

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leitores, assim como ser formadora cultural para a região; o que a caracterizaria como uma revista

híbrida.

Em face ao exposto e após as sugestões e observações dos avaliadores durante o exame de

qualificação, passou-se a entender a RMT como fonte e objeto dessa pesquisa. Desse modo, foi

necessário um cuidado maior sobre suas características formativas e um entendimento mais

adensado de sua constituição material e textual. Nesse sentido, o presente trabalho justifica-se na

medida em que auxilia na compreensão dos aspectos históricos e culturais do tempo no qual a

revista está inserida, e revela-se significativa para uma série de outros estudos históricos e

educacionais. Sendo assim, o recorte temporal para o estudo perfaz o período de circulação da

Revista4.

A metodologia de pesquisa se baseia no estudo da e através da imprensa pelo fato de

compreender que esta possui grande relevância no entendimento das práticas culturais dos espaços

em que se inserem. O uso da imprensa como fonte para a escrita da história é mais recente na

produção desse campo quando comparado a outras tipologias documentais (LUCA, 2005). Mesmo

assim, o impresso revista já era utilizado como fonte desde meados do século XIX, entendidos

como pistas para rastrear o passado.

De acordo com Le Goff (2005), há uma ampliação do entendimento da imprensa como

fonte e objeto da pesquisa histórica, sendo os precursores desse novo olhar para a fonte Lucien

Febvre e Marc Bloch, com o início da Escola dos Annales, em 1929. O que muda depois do

surgimento da Nova História5 é o uso de periódicos como fonte primária da pesquisa

historiográfica, tendo assim a mesma importância e relevância que fontes entendidas como oficiais,

e depreendendo a escrita da história por ângulos diversos.

4 Para compreender o período consultar:

ZORZATTO, Oswaldo. Conciliação e Identidade: considerações sobre a historiografia de Mato Grosso (1904-1983).

Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo. SP: USP, 1998. MORAES, Sibele de. O episcopado de D. Carlos Luiz d'Amour: 1878-1921. 2003. 144 f. Dissertação (Mestrado em

História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, 2003.

PEREIRA, Mabel Salgado. Dom Helvécio Gomes de Oliveira, um salesiano no episcopado: artífice da

Neocristandade (1888-1952. 2010. 349 f. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

FRANCISCO, Adilson José. Educação e Modernidade: Os Salesianos em Mato Grosso (1894-1919). Cuiabá:

EdUFMT, 2010.

BARBOSA, Gabriel Soares; MOREIRA, Benedito Dielcio. A ciência e sua divulgação em Cuiabá no começo do

século XX: O caso da revista Matto-Grosso, de 1904. In: MOREIRA, Benedito Dielcio; SILVA, André Chaves de

Melo (Org.). Divulgação científica: debates, pesquisas e experiências. Cuiabá: EdUFMT, 2017. p. 148-168. 5 Ver mais em LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes. 2005.

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Segundo Tânia de Luca (2005) é a partir da década de 1970 que aumentaram os números

de trabalhos relevantes que escrevem história por meio da imprensa e não somente da imprensa,

como era mais comum. Desde então, esses trabalhos têm promovido, cada qual em seu campo

teórico, uma sustentação e legitimação historiográfica da pesquisa a partir do uso dessa fonte.

Contudo, a mesma autora salienta a importância do máximo cuidado na utilização desse

tipo de texto como fonte para a escrita da história. Luca (2005) salienta que não se pode desassociar

o conteúdo de sua origem, do lugar que está inserido e é formatado e formulado. Identificar esses

espaços e sua dinâmica, é o primeiro passo que o pesquisador em história deve dar. Essa

contextualização da fonte, principalmente no caso de jornais e revistas, é fundamental para

legitimar a pesquisa. Uma informação sem ambientação se torna frágil e possível de uma

interpretação equivocada e/ou tendenciosa. Para isso o historiador precisa entender o contexto da

fonte e analisá-la de forma crítica, compreendendo toda sua dinâmica e subjetividades presente.

(CAPELATO; PRADO, 1980; LUCA, 2005).

Para tanto, a experiência na análise dos periódicos é importante para que o pesquisador

possa observar melhor os vestígios e analisar com mais afinco o dito e não dito dos impressos. A

experiência pessoal da pesquisadora com fontes dessa natureza inicia-se no ano de 2013, quando

em pesquisa realizada anteriormente pela mestranda (FALCO, 2014)6, documentos da natureza dos

impressos foram utilizados para compreender a formação da Companhia de Viação São Paulo

Matto Grosso (CVSPMT), entre os anos de 1900-1908. No manejo da documentação foi possível

perceber dificuldades e potencialidades dos periódicos. A atenção deve ser máxima às normas

padrões da Língua Portuguesa vigentes no período de circulação. É evidente que os estudos

utilizando imprensa oficial e imprensa periódica de circulação geral diferem entre si, no que diz

respeito as formas e interpretações dos discursos, mas essa experiência anterior pode possibilitar

uma facilidade em relação às leituras desse tipo de veículo de (in)formação.

Na atual pesquisa, o desafio foi trabalhar com o impresso periódico revista, entendendo

suas características próprias e suas possíveis contribuições para a pesquisa historiográfica. A

diversidade desse suporte, a maneira com que os costumes são apresentados em suas páginas é um

importante indício para que o pesquisador compreenda as práticas, representações e os processos

6 Relatório de Iniciação Científica (2013-2014), de Sthefany de Souza Ribeiro Falco, sob orientação do Prof. Dr. José

Carlos Ziliani, tinha por título: “Discursos Oficiais e Regulamentos Normatizadores das Ações dos Agentes do Processo de Ocupação Pioneira no Sul do Estado de Mato Grosso do Sul”. Este relatório ganhou o prêmio de Melhor

Trabalho de Iniciação Científica na área das Ciências Humanas em 2014.

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históricos da sociedade em que tal periódico foi formatado e encontra-se inserido. É interessante

que em uma tipologia impressa como a revista há tanto a se explorar, por essa envolver diferentes

tipos de texto, imagens, informações culturais e noticiosas que podem demonstrar todo um contexto

cultural de diferentes entendimentos de uma época e lugar (MARTINS, 2003).

Pesquisar revistas, especificamente, requer atenção e cuidados e um olhar vigilante para

não cair nas armadilhas e distrações que esse tipo de periódico pode oferecer. Para isso, é preciso

compreender o processo de feitura de uma revista, ou qualquer outro impresso periódico, assim

como dos envolvidos em sua produção, pessoas e máquinas, as técnicas utilizadas, e principalmente

quem eram seus patrocinadores, pode-se ter importância para o entendimento da sociedade e ações

de seu tempo reveladas (MARTINS, 2003). O pesquisador deve ser cauteloso para não ser pego

pelas armadilhas documentais e as possíveis “distorções e disfarces”, uma vez que estes são

apresentados de forma a conduzir o leitor por um caminho pré-estabelecido (MARTINS, 2003).

É preciso estar atento a alguns aspectos práticos: quem escreve a revista, para quem e com

qual financiamento, à mensagem iconográfica do periódico, mesmo que pareça apenas para fins

ilustrativos. Por isso ao trabalhar com a RMT procurou-se, além da busca pelo conteúdo

pedagógico, observá-la como um todo, “(...) as formas como os homens do passado olharam o

mundo, se deram a ver no mundo, buscaram ensinar o outro a olhar este mundo de uma determinada

maneira” (CAMPOS, 2012, p. 62)

Essa forma de ler a fonte faz parte do campo da Histórica Cultural na qual essa pesquisa

procura se assentar. Buscou-se dialogar na perspectiva histórico-metodológica de Roger Chartier,

visando compreender a construção e apresentação da fonte impressa, e um produto histórico-

cultural de seu tempo. Nessa perspectiva a materialidade do texto escrito revela as intenções de

seus autores e produtores, afim de direcionar a leitura ou tentar controlar sua recepção, e o modo

como é encaminhada propositalmente em algum sentido. A leitura vista como prática cultural, é

direcionada por quem produz, quando esse compreende quais as representações estabelecidas a

quem o texto se destina, assim como também no uso de artifícios externos, como os tipográficos,

que buscam modificar o texto e induzir a leitura por certo caminho (CASTRO; CASTELLANOS,

2009).

A imprensa, embora deva ser considerada mais que um produto dado a ler, lança

representações que se diferem das intenções primárias de quem a produz. Para Chartier (1988), a

leitura é considerada uma atividade intelectualmente ativa, em que o consumidor resiste, faz

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reapropriação de seus significados, desvia o foco e reinventa sentidos. Ao leitor, elemento não-

passivo, é atribuída a significância, relevância e existência que o texto escrito recebe. Essa prática

da leitura está intimamente ligada às práticas culturais de seu tempo, assim como do seu contexto

histórico e social.

Apoia-se no fato dos jornais e revistas terem um papel importante na formação da

sociedade, sobretudo no período a que essa pesquisa propõe abarcar, que se encontra entre os

séculos XIX e XX. Nesse período a imprensa se modifica rapidamente e se moderniza; houve a

utilização de maquinários mais autônomos e velozes coincidindo e/ou promovendo o crescimento

do imaginário moderno e a construção de um modelo de república em território brasileiro, no qual

as referências culturais vinham tanto da Europa quanto dos Estados Unidos. No Brasil, a imprensa

teve o papel de alinhar o país ao mundo moderno por meio da circulação de notícias do exterior,

dicas de educação, refinamento e etiqueta social tal qual se dava nas mais importantes capitais do

mundo, tentava moldar um projeto de nação. (MARTINS; LUCA, 2008; PINTO, 2013).

Para, então, compreender essa pretensa função pedagógica da imprensa, e a forma que se

dava a construção dos elementos da educação a partir de uma revista, partiu-se do pressuposto de

que a educação se processa para além das instituições, ela se faz nos mais variados ambientes, no

meio do social e religioso. Vincula-se aos aspectos da moralidade como parte de um processo

civilizatório. O texto escrito tem essa característica de educação e coerção, sendo ele publicado em

um periódico ou não, porque possui um aspecto de convencimento daquele que o lê. No caso mais

especificamente da imprensa, esta procura moldar o pensamento e imaginação dos receptores às

perspectivas dos emissores e de seus respectivos campos de atuação e sociabilidade (CAMPOS,

2009; SILVA, 2009).

Sendo assim, é impossível dissociar o papel da imprensa na (in)formação e ampliação da

sociedade brasileira na transição do século XIX para o XX, bem como em outros momentos, como

atestam os estudos que se dedicam ao tema (LUCA, 2011; CAMPOS, 2012). Publicações dessa

natureza tinham o papel de informar, denunciar, entreter envolvendo-se em muitas dimensões do

cotidiano em que estavam inseridas. Ademais, relações e espaços de sociabilidade eram

potencializados a partir dos assuntos abordados, como pautas do cotidiano sobre comportamento

social, etiqueta, decoração, roupas e estilos para homens e mulheres, e tudo mais que dizia respeito

às observações dos hábitos para se adequar as normas da “boa sociedade” (CAMPOS, 2012).

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Dessa forma, o papel da imprensa é entendido como instrutivo, e igualmente educativo,

uma vez que este situava-se em um lugar de difusão da “luz” modernista e da razão, ao mesmo

tempo em que, em alguns de seus veículos, promovia a moral socialmente aceitável. A imprensa

contribuía como socializadora, formadora, construtora do imaginário, moralizadora e divulgadora

dos ideais socialmente construídos e determinados em tal tempo/espaço, como apontam alguns

trabalhos (SANTOS, 2007; PALLARES-BURKE, 1998; RIBAS, 2009).

Em estudo realizado por Rodrigues (2017) utilizando a revista mensal ilustrada Folha da

Serra (1931-1940), que circulou em Campo Grande - MT, a pesquisadora pode perceber dimensões

educativas em um periódico não-pedagógico. Segundo a autora, a revista apresentava valores,

modelos, ideais e princípios elitizados, que se direcionavam a instruir outros grupos afim de

alcançar um ideal de progresso, modernidade e civilidade. Da mesma forma compreende-se que

há, no conteúdo da RMT, objetivos semelhantes.

Os agentes desse processo procuravam tornar a sociedade civilizada, aos moldes europeus.

Para Cecchin e Cunha (2007) ser civilizado, nesse caso, era “estar no mundo, habitar a urbis” o

que implicava numa “comunhão com os outros”. Assim, uma sociedade que se torna civilizada nos

termos e referências que procuram “direcionar o comportamento a uma normatização das atitudes

no intuito de moldar posturas, desde a primeira hora do dia até o momento de recolher-se para o

descanso” (CECCHIN; CUNHA, 2007, p.1). Para as autoras, a boa educação fazia parte da busca

pela sociedade civilizada e era proposta modernizadora, onde busca-se abandonar qualquer prática

que possa ser considerada “bárbara” necessitando, assim, adotar o “processo civilizador”. Para

Rainho (1995), ser civilizado também era ser “cultivado, polido ou contido”, havendo, assim, uma

necessidade de manutenção das hierarquias e aparência, para uma sociedade que pretende preservar

seu status quo.

Compreende-se assim que, esse processo estava posto no país, no início da república, com

intensa preocupação com a modernização, urbanização e civilização; a imprensa nos leva a crer,

de maneira mais ampla, como a educação contribuiu para tanto, assim como as mais variadas

formas de transmitir o conhecimento e instruir. Logo, considerou-se a associação do papel da

imprensa ao da educação (SCHELBAUER, 2007; PINTO, 2013; JUSTINO, 2016).

Isso se deve ao fato de entender que a educação não acontece apenas nos meios e

instituições formadas especificamente com esse propósito. De acordo com Justino (2016, p.112)

“A educação acontece entre os sujeitos, entre as pessoas, não é exclusividade do ambiente escolar”,

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o que leva a compreender a relevância da imprensa como fonte e objeto de estudo. No mesmo

sentido, Pinto afirma que

a imprensa, seja ela especializada em educação ou de circulação geral, não se encontra em um campo alheio às políticas de (re)organização da

instrução/educação. Ao contrário, atua como força corroboradora que conta com

espaço privilegiado para algumas discussões e, ao mesmo tempo, se insere no campo das disputas por uma hegemonia no plano das ideias, conferindo àqueles

que publicizam seu pensamento nas páginas dos impressos, supostamente, a

legitimidade do discurso educacional dominante (PINTO, 2013, p. 29).

No caso da educação em Mato Grosso, o local de produção e circulação da revista que é

fonte e objeto desse estudo, também se fazia por meio dos e pelos impressos. De acordo com Pinto

(2017) a imprensa mato-grossense no século XX apresentava em seu conteúdo, notícias do país e

de outras localidades demonstrando a vida dos grandes centros. A imprensa mato-grossense do

final do século XIX já demonstrava preocupação até mesmo com a educação feminina (NADAF,

2002).

O cenário político e econômico de Mato Grosso nesse período também contribuía para a

difusão e prática dos valores civilizados do ideal liberal burguês. Considerando que entre os séculos

XIX e XX, as nações da América Latina passaram por longos processos de independência e

mudanças políticas, Galetti (2012) destaca a necessidade de “inventar tradições próprias” para se

afirmar com entidade independentes e diferentes de suas antigas metrópoles.

Se a realidade do Estado de Mato Grosso no período da primeira república não condizia,

num primeiro momento, com a modernidade, então era necessário cria-la (FRANCISCO, 2010).

Estudos realizados afim de entender a modernidade em Mato Grosso apontam uma série de indícios

e características desse processo (PINTO, 2013; PINTO; VALDEMARIN, 2019; FRANCISCO,

2010).

Segundo Francisco (2010) o iluminismo europeu do século XVIII inaugurou o tempo da

modernidade, a partir dos aspectos de racionalidade e mudanças políticas, culturais, econômicas e

sociais. Para ele, a modernidade ocidental tem raízes em ideias iluministas, tais como o a

racionalidade como meio para adquirir conhecimento, avanço técnico-científico, o alcance do

progresso, o setor judiciário bem desenvolvido, maior participação política pelos cidadãos e

avanços no setor produtivo (FRANCISCO, 2010).

Zorzato (1998; 2000), por sua vez, afirma que para a construção da identidade mato-

grossense intelectuais buscavam, na escrita das memórias, registrar-se como “civilizadores dos

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sertões”. A iniciativa da criação de revistas como a do IHGMT (Instituto Histórico e Geográfico

de Mato Grosso) em 1919, por exemplo, serviria como um espaço de cultivo da memória

civilizatória, consolidando alguns espaços autorizados para a transmissão e/ou escrita da história.

Esse também seria um passo rumo à modernidade.

Ao identificar a modernidade como uma consciência cultural, pautada nos investimentos do homem para o desvendamento das leis da natureza, toma-a como

um projeto, que reflete e ao mesmo tempo consubstancia um conjunto de

aspirações a serem colocadas em prática na escrita da história da humana.

(PINTO, 2013, p.38)

Francisco (2010, p. 230) afirma que para civilizar-se, o Mato Grosso necessitava

modernizar-se. Nessa sociedade “modernizar-se era civilizar-se, abrir-se aos parâmetros e valores

do ethos capitalista oriundos do cenário europeu”. A partir dessa afirmação o autor conclui que os

salesianos (ordem católica responsável por instituições educacionais, e criadora da Revista Matto-

Grosso) uniam-se, de forma complementar, às políticas de modernização.

As forças que parecem se estabelecer nesse caminho da modernidade em Mato Grosso, são

ao mesmo tempo complementares e contraditórias. Através de seu estudo sobre folhetins nos

jornais de Mato Grosso, entre os séculos XIX e XX, Nadaf (2002) sugere que há por um lado a

tentativa de fortalecimento de antigos princípios do velho mundo como religião, moral e

patriotismo, por outro, consolidam o pensamento racionalizando através da força da comunidade

letrada, a elite culta e politizada da capital mato-grossense. A autora conclui que “manteve,

portanto, a tradição do ideário conservador correspondente à conjuntura burguesa circulante, a que

serviu” (NADAF, 2002, p. 209).

Esses valores difusos “acham-se calcados nos dogmas do Evangelho e do pensamento

manifesto pelos filósofos Jean-Jacques Rousseau e Auguste Comte” (NADAF, 2002, p. 207). Revel

(2009) afirma que através da instrução didática e editorial, essas civilidades republicanas tentam

unir a educação rousseauniana à fórmula erasmiana renovada.

Dessa forma que se pode compreender que a participação da Igreja, juntamente com Estado

e sociedade, corroborava para essa pretensa ideia de modernidade, defendida por Francisco (2010),

em diálogo intensivo com o campo educacional. Segundo Pinto:

(...) Entre os anos de 1900 a 1920 as contribuições destes religiosos consolidaram-se como marca significativa na conformação do pensamento histórico em Mato

Grosso, dada a profusão das Missões que se estabeleceram no território, das ações

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evangelizadoras e educacionais que empreenderam, utilizando-se da imprensa

para divulgação de obras e investimentos em prol da modernidade, progresso e civilização naquelas terras. (PINTO, 2018, p.104-105)

Assim, os salesianos, instalados em Cuiabá desde 1894, atendiam a esse objetivo de educar

para civilizar. Francisco (2010) salienta o papel da imprensa, nesse sentido, avisando de sua

influência na divulgação do ideário modernista, assim como da impressão de novos hábitos e

costumes. Em concordância Pinto assegura que

A imprensa periódica tem, nessa concepção, papel importante na formatação e divulgação das ideias produzidas: jornais e revistas foram postos a circular e, no

período, encontram-se pontos de convergência e dissonâncias que marcam lutas

de grupos em disputa pelo poder e pela manutenção de um conjunto de ideais, corroborando para a consolidação de hegemonias vigentes. Instauram-se projetos

e formas de convivência balizados por modelos em disputa, de nação e

governabilidade: o norte americano e o europeu, representativos do ideário de

Modernidade que se buscava alcançar (PINTO, 2013, p. 177).

Em estudo realizado pela mesma autora, além da urbanização, da energia elétrica, dos

bondes, ferrovias, acesso à água potável e telégrafos, a imprensa também pode ser considerado um

signo da modernidade. A pesquisadora observou que muitas das iniciativas dos mais diferentes

setores das sociedade mato-grossense poderiam ser comparadas as que ocorriam nos países

referência, considerados “civilizados”. Nesse sentido a imprensa seria uma “janela para o mundo”,

uma vez que estes se preocupavam com toda e qualquer notícia vida de fora, principalmente do

continente europeu (PINTO, 2013).

Considera-se que os impressos têm uma influência crucial nesse processo. Em Mato Grosso

o início da imprensa data de 1839, o que para Morgado (2011) não deve ser considerada tardio em

relação a vinda da imprensa para o Brasil, instalada em 1808 com a chegada da Família Real

Portuguesa nestas terras. O primeiro impresso de Mato Grosso foi o jornal Themis Mattogrossense,

cuja circulação iniciou-se em 14 de agosto de 1839 (JUCÁ, 2009; MORGADO, 2011)

Registra-se que entre o final do século XIX e início do século XX, houve mudanças nas

práticas de leitura. Foi dentro das casas que se intensificou o hábito de ler, que fez com que

houvesse um aumento significativo nas impressões de periódicos, tanto em quantidade, quanto em

variedades de assuntos (RIBAS, 2009).

A República também trouxe consigo o estado laico, uma separação institucional de Igreja

e Estado. Essa separação da Igreja repercutiu de modo expressivo na imprensa com o crescimento

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das revistas institucionais, muitas delas de cunho que científico, que foram o combustível para

legitimar as organizações nascidas nessa nova ordem (MARTINS, 2003). O estado laico também

garantia a liberdade de culto, o que propiciou a disseminação de outras religiões, como espíritas e

protestantes, por meio de revistas próprias (MARTINS, 2003). Segundo Santos (2010) os primeiros

protestantes chegaram em Cuiabá após a Proclamação da República, por volta do ano de 1897

segundo relatos, o que foi considerado tardio em relação à outras regiões brasileiras. Muitas dessas

instituições religiosas no período contavam com meios significativos para a produção de impressos

periódicos: possuíam gráficas próprias e bons recursos, tanto materiais como de mão de obra, e

várias delas recebiam ajuda de profissionais qualificados que Martins (2003) denomina como sendo

“talentosos articulistas e ilustradores”.

Mesmo assim, a parcela mais significativa desses periódicos era de origem católica, pois a

população ainda se mantinham, em sua grande maioria, pertencentes à essa denominação religiosa,

o que garantia a imensa circulação das revistas católicas dentro dos lares (MARTINS, 2003).

No caso da RMT, percebe-se que os redatores intencionam unir as duas temáticas, sendo

uma revista de cunho científico e religioso, não havendo, nessa junção conforme seus editores, uma

contradição ideológica. Tentaram assim unir a tradição católica à modernidade. Ao que parece eles

enxergaram duas possibilidades, se reformular ou sucumbir, e diante disso os salesianos

escolheram sobreviver, crescer e multiplicar.

Todavia, não foram apenas os salesianos que ficaram preocupados em fortalecer o

catolicismo no Brasil. A Igreja Católica como um todo se movimentou, durante esse período, para

manter seu poder na sociedade. A imprensa, sem dúvida, foi a chave mestra para isso. Em 1910,

foi fundado no Rio de Janeiro o Centro da Boa Imprensa, mantido pela Liga da Boa Imprensa,

criada especificamente com essa finalidade (OLIVEIRA, 2016). O conceito de “Boa Imprensa” foi

cunhado nas últimas décadas do século XIX, como uma “imprensa católica, dirigida e

supervisionada pelo clero, cujo objetivo centrava-se na normatização dos costumes dentro dos

preceitos cristãos” (RIBAS, 2009, p. 12). Nesse sentido a Igreja católica passou a classificar as

publicações em dois grupos: Boa Imprensa e Má Imprensa, no sentido de guiar aquilo que era mais

aceitável para a prática de leitura de seus fiéis. A partir de então era considerado Boa Imprensa os

escritos que estavam de acordo com a fé católica, sua doutrina e discurso, e que estivesse sob

supervisão de um representante do clero (RIBAS, 2009).

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Podendo ser considerada parte da Boa Imprensa, os trabalhos iniciais da Revista Matto-

Grosso marcaram a imprensa cuiabana, atribuindo aos salesianos o título de precursores da

literatura periódica religiosa no estado (OLIVEIRA, 2016). Antes da RMT já eram impressos

outros documentos eclesiásticos, com objetivos comunicacionais mais específicos, por exemplo:

portarias, cartas, e outras comunicações da diocese da capital. Esses impressos não eram

produzidos na própria administração diocesana, pois esta não tinha sua própria tipografia,

necessitando utilizar-se dos serviços de gráficas externas (OLIVEIRA, 2016).

Os salesianos beneficiaram-se por ter sua própria oficina tipográfica, em virtude do

oferecimento do ensino profissionalizante do ofício de tipógrafo em seu Liceu. Além da RMT,

imprimiam-se na mesma tipografia inúmeros outros periódicos nas primeiras décadas do século

XX, entre eles o de maior destaque fora o jornal A Cruz, iniciado em 1910, produto da Liga Social

Catholica Brazileira de Matto-Grosso.

Considerando o contexto apresentado, a presente dissertação estrutura-se em três capítulos,

que objetivam dar a conhecer o percurso no exame da documentação, sua importância como fonte

e objeto para a educação em Mato Grosso, assim como seu potencial de artefato cultural.

O primeiro capítulo apresenta a importância da congregação salesiana no mundo ocidental

a partir da sua fundação e a partir do estabelecimento da sede no estado de Mato Grosso e a criação

da RMT; o segundo capítulo volta-se à compreensão da RMT como objeto histórico, buscando

explorar aspectos relativos à sua materialidade e conteúdo; e o terceiro capítulo evidencia as

nuances da RMT relativas à educação, contendo as análises que são possíveis perceber com temas

mais predominantes; a divulgação das obras dos salesianos e seu intuito.

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CAPÍTULO 1: OS SALESIANOS E A REVISTA MATTO-GROSSO

A congregação Sociedade São Francisco de Sales ou, simplesmente, salesianos, foi fundada

por D. Bosco, em 1859, na região de Piemonte, norte da Itália. Seu principal objetivo era a educação

de crianças e jovens. Surgiu como uma resposta da Igreja perante a racionalização e laicização da

sociedade e das mudanças decorridas da industrialização na segunda metade do século XIX

(FRANCISCO, 2010; LOURENÇO, 2014). Na historiografia, esse período corresponde à “Era das

Revoluções”, conforme Hobsbawm (2014), em que se observa o processo de busca pelo

conhecimento racional e científico, culminando em um afastamento, cada vez maior, das respostas

religiosas.

Assim, observa-se um aumento no distanciamento das massas urbanas trabalhadoras da

religião cristã (HOBSBAWM, 2014). Com a Revolução Industrial e o êxodo rural, as igrejas de

algumas das principais cidades industriais da Inglaterra, como por exemplo Sheffield, Liverpool e

Manchester, comportavam menos de um terço da população dentro de seus templos, segundo dados

levantados por Hobsbawm (2014). As classes trabalhadoras eram negligenciadas pelas igrejas

desses centros industriais, que acabavam por abandonar os menos favorecidos, cujo único refúgio

que encontravam eram no seio dos movimentos trabalhistas (HOBSBAWM, 2014).

De um lado havia a questão do afastamento das massas trabalhadoras da Igreja, tanto pela

questão da infraestrutura quanto pelas relações de trabalho árduo e contínuo a que estavam

submetidas, do outro, a própria racionalização e avanço da ciência no período. De acordo com

Hobsbawm “a tendência geral do período desde 1789 até 1848 foi, portanto, de uma enfática

secularização. A ciência se achava em crescente conflito com as Escrituras, à medida que se

aventurava pelos caminhos da evolução” (HOBSBAWM, 2014, p.346).

Por sua vez, a Itália, país de origem dos salesianos, também teve suas características sociais

e religiosas modificadas pela revolução industrial. Assim como no restante da Europa, um grande

número de pessoas migrou da zona rural para a urbana; houve um aumento significativo no número

de fábricas e, consequentemente, da exploração do trabalho. Esses foram alguns dos fatores que

ocasionaram um aumento da pobreza e das dificuldades dos trabalhadores (FRANCISCO, 2010).

Essas consequências devastadoras para as massas urbanas, influenciaram na formação de

movimentos políticos e sociais na Itália do século XIX. De acordo com Francisco:

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Os movimentos revolucionários de meados do século não tardaram a ganhar

terreno, atingindo as massas. No Piemonte, as forças liberais e nacionalista sacodem o jugo austríaco e implementam algumas reformas, que culminam na

tomada de Roma e na unificação da Itália em 1870. No campo educacional, a

laicização do ensino é marca característica destas reformas que primando por

anticlericalismo crescente, promovem a escola leiga e estatal subtraindo-a da mão do clero. A laicização do ensino insere-se no campo das batalhas desencadeadas

na França pelas correntes iluministas-liberais, as quais dentro do ‘espírito

moderno’, pleiteiam emancipação do indivíduo, a autonomia de governo civil e representativo e a libertação desse governo das bases teocráticas. (FRANCISCO,

2010, p.90).

É nesse contexto que nasceu a congregação Salesiana, como uma “reação católica do

processo de laicização do ensino” (FRANCISCO, 2010, p.91). Para os salesianos o ensino laico

representava um perigo para os jovens, principalmente aqueles mais humildes. Conforme D. Bosco,

seu fundador, todo o sistema educativo deveria basear-se a racionalização do ensino e na busca por

“salvar”, especialmente, a juventude dos perigos do mundo anticlerical, preocupação que abarcava

tanto os jovens mais humildes quanto os da elite, cada qual contribuindo com o seu lugar no mundo,

do ponto de vista religioso (BRAIDO, 2017; FRANCISCO, 2010). Dessa forma, é importante, para

esse estudo, a compreensão dos objetivos dos salesianos e o conhecimento a respeito do seu

fundador e suas principais ideias, como poderá ser visto na sequência.

1.1 Dom Bosco e os salesianos

João Melchior Bosco7 foi filho de família humilde, nasceu na região de Piemonte, na

Península Itálica, em 1815. Perdeu o pai ainda criança e cresceu sob os cuidados da mãe Margarida

Occhiena (1788-1856), que incentivou João Bosco a seguir o sacerdócio. Margarida foi sua

primeira educadora. Seu papel foi decisivo nas escolhas de João Bosco, indo além do incentivo

vocacional, inspirando-o no seu entendimento de amor materno, o que seria decisivo na proposição

de seu sistema educacional.

Segundo Braido8 (2017), na sua casa João Bosco aprendeu que os rituais religiosos eram

muito importantes e parte do conjunto de deveres dos cristãos, mesmo que representassem

7 No Italiano Giovanni Melchiorre Bosco. 8 D. Pietro Braido (1919-2014), foi professor na Universidade Pontifícia Salesiana (Itália), foi um grande pesquisador

da vida e obra de D. Bosco, umas das suas principais referências. Braido foi o responsável por organizar um conjunto

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sacrifícios de alguma forma. Para Braido (2017), o ponto mais marcante na infância de João Bosco

foram atividades ao ar livre, proporcionadas por sua vida no campo. Teve uma infância marcada

pelo dever, mas também pelas brincadeiras e atividades lúdicas, as quais serviram-lhe de base para

compor seu sistema educacional.

De acordo com autores que estudaram aspectos biográficos da vida do fundador dos

salesianos (BRAIDO, 2017; RAMPI, 2007; PERAZZO, 2011), ainda menino, por volta dos 9 anos,

João Bosco teve um sonho que influenciou suas escolhas vocacionais e a pedagogia que viria a

construir. No seu sonho alguns meninos estavam brigando e blasfemando. João Bosco, para separá-

los, usou de violência, o que não foi suficiente. Após o fato ele viu um homem e uma mulher que

o aconselharam a ganhar a confiança daqueles jovens com mansidão e que assim conseguiria

mostrar-lhes o bom caminho. João Bosco interpretou o sonho associando o homem à Jesus e a

mulher à sua mãe Maria. (RAMPI, 2007; PERAZZO, 2011). Segundos os autores, o próprio João

Bosco atribuiu a esse sonho parte do conceito da construção do seu sistema educacional de sua

congregação.

Entre os anos de 1835 e 1841, o jovem João Bosco esteve em Chieri onde estudou

gramática, retórica e humanidades na escola pública. Segundo Braido (2017), os anos de discussão

mais teórica do seminário tiveram pouca influência nas formulações posteriores de João Bosco. De

certa forma, ele passou a criticar as excessivas discussões filosóficas que pareciam afastar dos

preceitos mais fundamentais de sua fé (“imitação de Cristo”). Em sua filosofia pedagógica

procurava ir além do caráter universitário de seus estudos, suas bases estavam alicerçadas na moral

religiosa aplicada de uma maneira prática.

Após esse período, João Bosco entrou para o seminário, onde estudou filosofia e teologia,

formando-se sacerdote em 1841 (BRAIDO, 2017). No entanto, é provável que tenha sido no

seminário que João Bosco tenha tido contato com a história e filosofia de dois santos católicos, São

Felipe Néri e São Francisco de Sales, que incidiram no modo como formulou a sua pedagogia

preventiva. Esse último em especial, o santo escolhido para a proteção da comunidade salesiana,

por inspirar ternura e mansidão (BRAIDO, 2017).

de trabalhos de D. Bosco sobre o Sistema Preventivo em uma obra disponível em italiano: BRAIDO, Pietro (Org.).

Scritti sul sistema preventivo nell'educazione della Gioventu'. Brescia: La Scuola Editrice, 1965. 736 p.

Para os fins dessa pesquisa, utilizou-se uma versão desse conjunto de textos de D. Bosco, também organizado por Braido, disponível em português: BRAIDO, Pietro. Previnir, não reprimir: O sistema preventivo de Dom Bosco.

Porto, PT: Edições Salesianas, 2017. 406 p.

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Também foi durante o período de seus estudos no seminário em Turim9 que ele teve contato

com os jovens “e, em especial, com os jovens nas prisões, que lhe possibilitou se dedicar ao

trabalho com os pobres, abandonados e marginalizados” (RAMPI, 2007, p. 18). Como já sinalizado

no início desse capítulo, as reformas iluministas-liberais promoveram, principalmente uma

educação laica, e foi a partir desse quadro que D. Bosco10 mobilizou-se para propor uma educação,

que mesmo sendo racional, procurasse “salvar as almas” e aproximasse as crianças e jovens à

Igreja. Assim, em 1841 o jovem sacerdote fundou o Oratório Festivo que buscava, de uma maneira

lúdica, ensinar moral e religião (FRANCISCO, 2010).

Todavia, o Oratório Festivo não foi ideia exclusiva de D. Bosco. Ele apropriou-se de uma

prática corrente e fez adaptações relacionadas aos seus propósitos. Segundo Souza (2014), os

oratórios, para os salesianos, se referiam tanto às práticas cultivadas por eles, quanto ao espaço

físico onde desenvolviam o seu trabalho pastoral. D. Bosco teve como base tanto a experiência

leiga de Vitorino da Feltre (século XV) que trabalhava com os jovens carentes a respeito de

moralidade e intelectualidade; quanto o exemplo religioso dado pelo padre Felipe Neri, que

também atendia jovens necessitados utilizando-se de meios educativos (SOUZA, 2014).

De acordo com Souza (2014), o Oratório de D. Bosco apresentava-se a partir de três lugares

sociais: a igreja, responsável pela educação religiosa, vocacional e espiritual; a escola, como sendo

um lugar de aprendizado sistemático, e até profissionalizante; e o pátio, “do ponto de vista do

educador, o valor máximo das práxis educativas: encontrar o jovem como ele é” (SOUZA, 2014,

p.149). Foi justamente a adaptação da proposta com atividades recreativas, que conferiu ao oratório

de D. Bosco o predicado “festivo”, reformulando, assim, a proposta original dos oratórios.

Outra diferença que pôde-se identificar nos Oratórios Festivos propostos por D. Bosco,

refere-se ao acolhimento de jovens marginalizados e excluídos socialmente, não apenas os de boa

conduta, como nos oratórios tradicionais (BRAIDO, 2017). Havia alguns jovens com os quais D.

Bosco mais se preocupava: desabrigados que viviam nas ruas; aqueles que não se interessavam por

trabalho ou estudos; os jovens frutos do êxodo rural; os que haviam passado pelo sistema prisional;

jovens que, no geral, poderiam ser corrompidos mais facilmente (RAMPI, 2007; SOUZA, 2014).

De acordo com Braido (2017),

9 Capital piemontesa. 10 João Bosco passou a ser chamado de Dom Bosco, em 1841, após se formar no seminário e tornar-se Padre.

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À causa da juventude “pobre e abandonada” Dom Bosco dedica suas jovens

energias desde os primeiros anos da década de 40, envolvendo operativamente todas as pessoas, com contatos pessoais, por cartas individuais e circulares,

apelos, com a publicidade em linguagem alternativamente realista e retórico. A

fórmula, acompanhada por outras similares, como “em perigo e perigosos”, órfãos

e orfãozinhos...) é repetida por anos sem mudar, quando se referem aos mais diversos hóspedes de suas instituições: oratórios, orfanatos, colégios para

estudantes e aprendizes, escolas agrícolas; em conclusão, jovens dos mais

diversos extratos culturais, inclusive os de famílias populares, burgueses e nobres. (BRAIDO, 2017, p. 157)

Por um tempo o oratório passou por vários lugares sem ter um estabelecimento fixo. Em

1846 foi efetivado em um bairro de Turim chamado Valdocco (SOFFNER; SANDRINI, 2012;

SOUZA, 2014). Naquele mesmo ano, passou a oferecer também educação escolar noturna,

tornando-se, posteriormente, escola-internato.11

De acordo com Braido (2017), o modo com que D. Bosco implementou seu projeto

educativo-religioso, procurando atender os mais variados grupos de pessoas, levou-o a criar

diferentes modelos de instituições: internatos, externatos, abertos no geral ou não, em outros países,

etc.; o que demostra uma particular associação com os ideais de São Carlos Borromeu12 e a

Companhia da doutrina Cristã13. As diretrizes pedagógicas elaboradas para a organização das

instituições de ensino, regulamentos e estilo de trabalho foram resultantes do acúmulo de

conhecimento e das trajetórias vividas por outros, cujos trabalhos ele pode conhecer e usar como

base (NICOLAU, 2006, BRAIDO, 2017).

O projeto educativo-religioso de D. Bosco estabeleceu-se a partir da criação do Sistema

Preventivo, que era pensado a fim de evitar certos problemas antes que acontecessem. Esse sistema

de difere do Sistema Repressivo, mais usual nas instituições italianas como escolas, prisões e

quarteis, onde se utilizava de castigo para educar, ou seja, uma ferramenta posterior à identificação

do problema (NICOLAU, 2006, BRAIDO, 2017).

11 Algumas datas tiveram muita relevância nesse início da Sociedade Salesiana. Em 1852 o Arcebispo Monsenhor

Fransoni nomeou D. Bosco como “Diretor e Chefe Espiritual” do Oratório São Francisco de Sales. Mas foi somente

em 1859 que iniciou, oficialmente, a Pia Sociedade de São Francisco de Sales. A primeira oficina de tipografia no

ginasial salesiano foi datada do ano de 1861, a de encadernação surgiu antes, em 1854. A ordem feminina dos

salesianos, as Filhas de Maria Auxiliadora, foi criada em 1872, pouco antes dos salesiano começar a estender seu

trabalho por outras partes da Europa e do Mundo (1875-1887), o que Alexandra Lourenço (2014, p.61) chamou de

“cruzada de evangelização e civilização fora dos limites europeu”. D. Bosco veio a falecer em 1888. (BRAIDO, 2017) 12 Clérigo Italiano, viveu entre 1538-1584. Foi o primeiro bispo a fundar seminários para a formação de padres. 13 A Companhia da Doutrina Cristã foi fundada por São João Leonardo (1541-1609) com o objetivo de catequizar as crianças.

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O Sistema Repressivo e o Sistema Preventivo eram bem distintos entre si e ambos surgiram

na França no século XIX (BRAIDO, 2017). Quando comparados pode-se identificar como

principal diferença a preocupação com a punição do sujeito quando sua ação não se fazia adequada

no primeiro sistema, enquanto no segundo afirma-se ser preciso fazer o indivíduo entender os

fundamentos dos seus princípios, sendo a obediência às regras uma consequência (NICOLAU,

2006, BRAIDO, 2017). Nesse último, os alunos deveriam estar em vigilância constante por parte

dos encarregados educacionais, professores, diretores e auxiliares, sendo lembrados

frequentemente das diretrizes da instituição e da sociedade. Quanto à conduta dos profissionais da

educação dentro do sistema preventivo, era assemelhada a dos pais.

A comunidade escolar nesse sistema era comparada a unidade familiar, na qual as ações

educacionais deveriam ser desenvolvidas utilizando carinho, bondade e conselhos; as correções

deveriam ser dadas com amor, criando assim uma relação de confiança entre professores, diretores

e alunos, de tal forma que os últimos estariam psicologicamente impossibilitados de cometer

infrações dentro das regras pré-estabelecidas (SOFFNER; SANDRINI, 2012).

Por outro lado, o Sistema Repressivo era entendido como sendo aquele que apresentava

suas diretrizes em primeiro plano, sendo a parte mais relevante do sistema, vigiava e punia os que

não seguissem suas regras. Os alunos14 ficavam sob a vigia constante dos superiores, que através

de uma hierarquia bem estabelecida procuravam punir os inferiores a cada desvio (SOFFNER;

SANDRINI, 2012). Em discordância ao sistema preventivo, as diferenças entre diretores

professores e alunos deviam ser bem demarcadas para que não houvesse confusão entre seus

lugares dentro do sistema, e sem nenhum laço semelhante ao familiar (SOFFNER; SANDRINI,

2012).

D. Bosco tinha ciência de que a proposta do sistema de ensino salesiano não era uma ideia

inédita, e sim uma junção de pedagogias já conhecidas e discutidas por pensadores de seu tempo,

principalmente autores católicos15, com os quais possuía mais afinidade em virtude do ideal

religioso. As mais diversas experiências pessoais e culturais influenciaram D. Bosco na sua visão

pedagógica. Sua vocação nos assuntos educacionais e sua aproximação da juventude certamente o

14 No caso escolar, mas esse era um sistema amplamente utilizado em outras instituições como militares e prisionais. 15 Dos pedagogos católicos, os que mais influenciaram D. Bosco foram Ludovico Pavoni (um dos iniciadores dos

Oratórios), Ferranti Aporti, Marcelino Champagnat (fundador da Ordem dos Irmãos Maristas), Teresa Eustochio Verzeri (fundadora da Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Jesus), entre outros. Vale conferir mais em

Dalcin (2008), Francisco (2010), Braido (2017).

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influenciaram. Ressalte-se ainda o próprio estudo sacerdotal no Colégio Eclesiástico em Chieri,

(BRAIDO, 2017). Acrescente-se a isso seu apresso pela leitura, entendimento dos santos católicos,

interesse pela caridade e assistência social (BRAIDO, 2017).

Andréia Dalcin, sistematizou o Sistema Preventivo e o Sistema Repressivo em sua tese,

elaborando um quadro comparativo entre eles, que se reproduz a seguir (Quadro 1):

Quadro 1: Sistema Repressivo e Sistema Preventivo

SISTEMA REPRESSIVO SISTEMA PREVENTIVO

É necessário conhecer as leis (regras) de uma instituição

para cumpri-las com rigor.

É necessário conhecer com o sentido de “tomar

consciência” das regras. Por meio da Razão o aluno

“reconhece a necessidade e quase a deseja” (p.12) e sob

os olhares atentos do diretor ou dos assistentes é

constantemente “vigiados com carinho”.

A concepção de vigiar está associada à ideia de

“controlar” para punir

A concepção de vigiar está associada à ideia de

“vigilância”, para evitar que se cometa o pecado.

O Superior possui semblante severo e até ameaçador. “O

Diretor, para dar mais prestígio a sua autoridade,

apenas apresenta-se fisicamente quando é necessário

ameaçar ou punir” (p12).

Incentiva a impessoalidade das relações entre

educadores e alunos.

A presença do diretor é constante. “Deve, pois, o diretor

consagrar-se totalmente aos seus educandos: jamais

assuma compromissos que o afastem de suas funções.

Pelo contrário, permaneça sempre com seus alunos,

todas as vezes que não estiverem por outros

devidamente assistidos” (p.4)

Incentiva a presença constante, “falar-lhes com

linguagem do coração” (p.13)

“O Sistema Repressivo pode impedir uma desordem,

mas dificilmente melhorará os culpados. Diz a experiência que os jovens não esquecem os castigos

recebidos, e geralmente conservam ressentimento

acompanhado do desejo de sacudir o jugo e até de tirar

vingança” (p.13).

“O Sistema Preventivo, pelo contrário, granjeia a

amizade do menino, que vê no assistente um benfeitor que o adverte, quer fazê-lo bom, livrá-lo de dissabores,

castigos e desonras” (p.13).

São aplicados castigos físicos que envolvem o uso de

palmatórias, bofetões, puxões de orelha, banco dos ignorantes, mordaça sobre a boca para os tagarelas, entre

outras formas de castigos. O castigo é tido como

corretivos e penitência como expressão de autoridade

por parte de quem castiga.

“Por quanto possível, jamais se faça uso de castigos.

Quando, porém, a necessidade o exige, observa-se...” (p.18).

Entre os meninos é castigo o que se faz passar

por castigo.

Salvo raríssimos casos, as correções, os

castigos, nunca se deem em público, e empregue-se a

máxima prudência e paciência para que o aluno

compreenda a falta, a luz da Razão e da Religião.

Bater, de qualquer modo que seja, pôr de

joelhos em posição dolorosa, puxar orelhas, e outros

castigos semelhantes, deve-se absolutamente banir,

porque são proibidos pelas leis civis, irritam sobremaneira os jovens e desmoralizam o educador.

Fonte: Adaptações de “A Pedagogia de Dom Bosco através de seus escritos” (1987). Elab.: DALCIN. (2008)

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O sistema educativo proposto por D. Bosco assenta-se em três dimensões, podendo ser

denominadas de princípios: religião, razão e afeto16.

Dom Bosco estabelece com os jovens de sua comunidade um binômio

inseparável, que caracterizará sua pedagogia, escorada no tripé razão-religião-afeto. Em ligação com as reflexões sobre a complexidade, pode-se dizer que para

Dom Bosco é impossível uma educação apenas com uma visão unidimensional.

Ele não simplifica a educação porque vê o jovem em suas diversas dimensões. De

forma resumida, podemos dizer que ele é uma cabeça (razão), um coração (amorevolezza – afeto) e um joelho (religião) a serem educados (SOFFNER;

SANDRINI, 2012, p. 167).

Nesse sistema o educador era a peça chave. Ele mesmo deveria ter as qualidades da religião,

razão e afeto. Todos esses elementos, ou princípios, serviriam de mediação entre educador e

educando, de forma essencialmente cooperativa (SOFFNER; SANDRINI, 2012; BRAIDO, 2017).

No sistema proposto por D. Bosco o educador precisava vivenciar todos os princípios para que seu

exemplo pessoal influenciasse e envolvesse os alunos voluntariamente. O mestre deveria ser o

“modelo de moralidade”, para que a dinâmica do sistema preventivo ocorresse como esperado.

Logo, a moralidade e obediência voluntária dos alunos seria o espelho do comportamento do mestre

(BRAIDO, 2017).

A formação científico-humanista não deixava de encontrar no seio das famílias

burguesas sensível simpatia, ocorrendo uma boa aceitação desse sistema baseado nesses três princípios. Na sólida e profícua educação, elas viam a oportunidade de

formar seus filhos para os quadros do Estado ou para as profissões liberais o que

constituía, a médio prazo em força restauradora do catolicismo no âmago do

próprio Estado ou sociedade civil (FRANCISCO, 2010, p.93).

Os princípios que sustentam o sistema educativo dos salesianos também podem ser

observados na Revista Matto-Grosso. Há, em especial, uma série de artigos entre os anos de 1913

e 1914 chamados de Excerptos17 Pedagógicos, que trazem informações sobre como deve ser uma

educação aos moldes da proposta original. Sobre as questões morais e como essa deve surgir do

exemplo das pessoas que cercam o menino (há no texto uma preferência do gênero masculino o

que pode demonstrar uma não inclusão da educação feminina nesses recortes pedagógicos), assim

como a importância de história e parábolas para atingir esse objetivo.

16 Afeto foi o sentido adotado para representar o termo amorevolezza, do italiano e sem um sinônimo direto na língua portuguesa, mas que também pode ser entendido como a caridade ou amor educacional. 17 Fragmentos, passagens, trechos.

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Numa palavra, o bem para ser pratico é necessario não sómente ser conhecido,

mas tambem amado. Daqui a importancia summa, repetimol-o, de educar o sentimento moral, ou seja cultivar e revigorar a consciencia do dever. Quando

dizemos que a educação consiste em exalçar, nobilitar o sentimento, entendemos

falar do sentimento moral. (...) O primeiro meio, pois, para a cultura do sentimento

moral é o bom exemplo tanto do mestre como dos collegiaes, isto é, o bom exemplo das pessôas que em geral cercam o menino e expandem ao redor dele o

bom odôr das suas virtudes. Ha um contagio do bem, assim como do mal e das

molestias. Depois do exemplo vem a historia, isto é, a narração das acções daquelles que nos precederam ou tambem vivem contemporaneamente comnosco.

Infundamos, pois, no menino o amor á virtude e o horror ao vicio mediante contos,

descripções, quadros históricos, etc. Porém não pensemos em fazer delle um

heróe; bem que, pondo-lhe tambem diante um ideal moral muito elevado, temos por escopo affeiçoal-o ás virtudes simples, humildes, acessiveis a todos, isto é,

áquellas que ocorrem nos casos mais communs da vida social. Mas o exemplo e

a historia não bastam; requer-se tambem o preceito, ou seja o conjucto das principaes máximas attinentes aos nossos deveres, de que devemos alimentar a

memoria, tão poderosa no menino, maxi mis que lhe servirão um dia de luz e

sustentaculo contra as seducções de vicio e as fraquezas da vontade. Estas máximas devem ser apresentadas aos meninos de uma forma antes pratica e

concreta; procedendo á forma theorica e abstracta pouco a pouco, a medida que

for desenvolvendo-se nelles a razão. Para tal effeito servem muito os apologos as

fabulas Moraes, as parabolas. Estas ultimas foram empregadas por J. C. com tanta efficacia de methodo e felicidade de êxito na pregação ás turbas, que o Divino

Redemptor ficará sempre, tambem a este respeito modelo a imitar. (REVISTA

MATTO-GROSSO, ano X, v.6, nov-dez/1913, p.282-284)18

A moralidade vinculava-se à religiosidade e à boa conduta, sendo sua ausência a causa dos

problemas sociais, na visão dos religiosos. Por isso a moral faz parte integral da base para a

educação das crianças. De acordo com Pinto (2013), quando se fala sobre a educação e a instrução

nesses modelos de moralidade há uma diferença entre os conceitos que vale ressaltar: “(...)

traduzindo-se pela distinção clássica entre Instruir e Educar: a primeira, responsabilidade do poder

público ou das instituições, cuja finalidade é o ensino das letras; a segunda, sob a égide da família,

devendo ser acompanhada e mantida em outros espaços sociais” (PINTO, 2013, p. 197). Contudo,

no sistema salesiano essa distinção não é muito clara, ora a família é responsabilizada pela instrução

moral, ora a própria instituição e educadores. Essa discrepância pode ser observada em um mesmo

trecho dos Exceptos Pedagógicos de 1913.

Sobre este ponto o educador deve usar de muita attenção, para que não desperte aquillo que não deve despertar, e impeça, em tempo, extravios de affectos muitas

vezes fataes. (...) O que a creança fizer na família, fará depois, quando menino,

18 Optou-se por manter a grafia original da fonte.

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joven, na escola, e quando homem na sociedade. (REVISTA MATTO-GROSSO,

ano X, v.4, mai-jun/1913, p.127. Grifo nosso)

No ano de 1909 a RMT traz um artigo voltado especialmente para a educação no âmbito

familiar sob o título Educação Doméstica, onde voltam a abordar a temática da moralidade na

educação.

O ideal dos paes deve ser, pois a educação moral. A formação physica e a intellectual são meios para se obter a formação da moral, que é a que faz o homem.

E como na construção de uma casa o alicerce deve ser solido, também na formação

moral ha esta mesma necessidade. Este alicerce, disse e repito é a idéa de Deus e da vida futura. Sem esta idea formar-se-ão sabios, talvez, mas não homens que

sejam uteis a familia e á pátria. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VI, v.2,

fev/1909, p.42)

Como se pode observar nos trechos acima, e em tantos outros que perpassam o conteúdo

da revista, a religião era a base fundamental do sistema educativo salesiano. Para D. Bosco, seu

papel era fundamental para “salvar suas almas”. No mais, a preocupação em formar jovens que

fossem bons cristãos e cidadãos, os preceitos e ensinamentos religiosos se entrelaçavam ao espírito

da razão dando lugar a uma pedagogia na qual, supostamente, não separava a ciência da fé

(FRANCISCO, 2010; PASSOS JUNIOR, 2011).

Segundo Francisco (2010, p. 96), o lema dos salesianos era: “Dai-me almas e ficai com o

resto”, propósito que seu líder e fundador era rigoroso em fazer cumprir. Dessa forma toda a sua

forma de educação assistencialista estava baseada na missão principal, “salvar as almas”. Ou seja,

o objetivo de todo o processo educacional e dos oratórios festivos, centrava-se nos aspectos

religiosos, a busca por essa moral e seus princípios, sem perder de vista certa racionalidade

(FRANCISCO, 2010; PASSOS JUNIOR, 2011).

De acordo com Braido (2017), D. Bosco inspirado em Morichini19, acreditava que a

verdadeira educação só poderia ser feita através da religião, pois somente essa seria a responsável

por prover uma moral inabalável. Para ambos, o que mais importava era que a religião fizesse

diferença no ato educacional, uma vez que ela poderia oferecer a educação intelectual e, ao mesmo

tempo, criar laços de virtude nos educandos. Nesse caso, deveria cada instituição unir o ensino das

disciplinas seculares ao catecismo. Essa união seria um dos aspectos racionais de seu sistema.

19 D. Luiz Carlos Morichini (1805-1879), cardial italiano. Escreveu a obra: Dos Institutos de caridade pública e de

instrução primária das prisões em Roma. Roma: Marini e companhia, 1942.

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Nos Excerptos Pedagogicos no início do ano de 1914, se faz mencionado a importância da

religião na educação, segundo o pensamento salesiano.

E, pois, necessario e principal, querendo-se educar devéras o sentimento moral do

menino, apresentar-lhe a idéa, o conhecimento de Deus pae na sua triplice

qualidade de creador, redemptor e consummador, ou seja remunerador dos bons e castigador dos maus. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano XI, v.1, jan/1914, p.3)

O texto da RMT atribui a formação da moral ao conhecimento da doutrina religiosa, para

que a criança entenda que seria castigada pelo Deus pae se fizesse algo de imoral, assim como

também seria recompensada pelas boas ações. A educação salesiana, nesse sentido, estava

intimamente ligada aos dogmas da religião católica, no fato de entender a moral como resultado da

religiosidade. Por sua vez, a racionalidade também fazia parte do tripé da educação salesiana, e se

encontrava em segundo lugar observando-se seus princípios hierarquicamente. A razão seria a

responsável pela “liberdade, espontaneidade e alegria” (FRANCISCO, 2010, p. 96).

Com o uso da razão a juventude seria levada a entender o funcionamento do mundo a sua

volta e da sociedade, compreendendo por si mesmo a diferença entre bem e mal. Seria a construção

do raciocínio lógico e do sentido a maneira mais eficaz de ensinar e aprender, dando assim, a

oportunidade ao educador de ter uma resposta mais eficiente de seus esforços educativos. Nesse

caso, quando o educando passasse a reconhecer racionalmente aquilo que estava sendo proposto a

ele, esperava-se que tivesse bons frutos e obedecesse às regras consequentemente (PASSOS

JUNIOR, 2011, p. 94).

Cabe aqui esclarecer como era entendido o princípio da racionalidade e qual seu uso

proposto pela pedagogia de D. Bosco. Segundo Francisco “elemento essencial do conteúdo

humanístico, a razão era entendida como bom senso, concretude, simplicidade, isenção de

formalismos e distanciamentos” (FRANCISCO, 2010, p. 96).

Além disso, fora o princípio da racionalidade que estabeleceu dentro da instituição os

parâmetros, regras, ordens e disciplina. A razão também era a responsável pelos códigos de

linguagem, escrita e falada; assim como os níveis de ensino adotados, do tempo estabelecido para

cada atividade, dos métodos de ensino e aprendizagem, entre outros aspectos técnicos

(FRANCISCO, 2010). Assim, quando se pensa no ideal desejado para esses educandos, os de

trabalhador honesto, cristão, cumpridor do seu dever para com a Igreja, o Estado e a família, esse

princípio ganhava ainda mais importância. As responsabilidades deveriam ser resguardadas pelos

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mais diversos tipos de treinamento na educação salesiana, sendo o dever e o tempo pontos

fundamentais nesse processo.

Como incentivo para o estudo, ao lado do método intuitivo, o sistema propõe a

adoção de técnicas individualizadoras, como a educação especial aos mais

necessitados, despertando-lhes a atenção com perguntas, explicações e repetições, além de outras atividades, como as dramatizações e sessões lítero-teatrais

(FRANCISCO, 2010, p. 97).

Entretanto, textos voltados a educação na RMT alertavam para os perigos de muitos

questionamentos e falta de fé. Destaca-se, nesse sentido, um trecho dos Excerptos Pedagogicos de

1913, que procurava instruir o educador quanto à sua forma de agir diante de perguntas que não

são apropriadas.

Outras vezes, fazem interrogações que encerram devéras uma sagacidade mental

particular; ou sómente parecem encerral-a. Neste ultimo caso, é preciso ter muito cuidado, para não exagerar o seu engenho, dando ás interrogações um sentido que

não têm. Em ambos os casos, pois, não fica bem responder com patranhas; seria

zombar delas; ellas mesmas, mais tarde, quando não for logo, levarão a mal estes gracejos. E’ melhor responder com evasivas, ou dirigir a curiosidade para outro

ponto, ou responder que lia cousas que sô adultos e depois de muitos estudos

pódem ser entendidas. A mentira nunca surte bem, como tambem não seria

conveniente habituar o menino a crêr só naquillo que elle compreende por si mesmo. (...) A fé, tambem humana, não é sómente base fundamental da educação

moral, mas a condição indispensavel, o dregráo, por assim dizer, para o

desdobramento da razão e para o conhecimento da verdade. A fé supõe a autoridade, e sem autoridade não é possivel a educação. (REVISTA MATTO-

GROSSO, ano X, v.5, jul-ago/1913, p.187)

Por fim, as formulações salesianas contemplavam o princípio do afeto, amorevolezza em

que se buscava estabelecer vínculos relacionais semelhantes aos familiares, criando um sentimento

paternal para com os educandos, valorizando a bondade, a caridade e a fraternidade para ganhar a

alma e o coração dos jovens. A relação entre mestre e aprendiz deveria ser todo o tempo permeada

pelo afeto e compreensão, até mesmo nos momentos que fosse necessário algum tipo de repreensão,

desta forma seria mais fácil para esses jovens compreender e aceitar qual fossem as condições,

sabendo que é para o seu próprio bem (NICOLAU, 2006).

D. Bosco, em seus ensinamentos, estava continuamente lembrando da caridade como o

mais puro fundamento cristão e muito necessário à educação (BRAIDO, 2017). Logo, nesse

sistema, a caridade era então interpretada a partir do princípio da amorevolezza.

Ressalte-se que a maior parte dos jovens atendidos pelos salesianos em suas instituições no período

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de início de sua sociedade eram carentes, pobres, muitos moravam nas ruas, outros já haviam sido

presos, e nesse caso a caridade serviria como um amor paternal ausente na vida de grande número

deles (NICOLAU, 2006).

O diretor representaria o chefe da família escolar, o pai, por assim dizer, que também

castiga, mas com amor, o que torna o sistema diferente, enquanto os professores poderia ser

entendidos como os melhores amigos, o amigo mais velho dos discentes, podendo aconselha-los e

ter uma relação mais pessoal e igualitária (NICOLAU, 2006). Essa relação familiar estava baseada

nos princípios cristãos do amor divino, representados pelas figuras do Deus Pai e do Deus Filho e

sua relação de amor, zelo e obediência (FRANCISCO, 2010, p. 98).

De acordo com Braido (2017), as instituições que faziam parte desse sistema eram liceus,

oratórios festivos e casas de acolhida, voltadas para atendimento da juventude. O sistema baseava-

se na pedagogia de ambiente que procurava se estabelecer tal qual a família, tanto na sua forma,

quanto no sentimento que desejava criar e estabelecer entre os componentes humanos.

Braido (2017, p. 242) explica que “um dos principais êxitos do regime familiar é a

superação, não somente teórica, da antinomia autoridade e consenso, dois fatores igualmente

essenciais na educação”. Uma vez que todos se sentissem pertencentes a essa unidade familiar,

quaisquer que fossem as ordens não se tornariam objeções, mas seriam cumpridas conscientemente

e de forma voluntária. A convivência entre professores e alunos, a até mesmo entre os alunos,

deveria permanecer nesse espírito de solidariedade e familiaridade, superando as tensões diárias.

Mesmo com a presença constante de um responsável entre os jovens para evitar os erros e

orientá-los, de forma que esta prática pudesse substituir os castigos físicos, fica evidente que eles

existiam, por mais que fossem evitados, quando muito necessário feitos de acordo com normas pré-

estabelecidas, tal qual como acreditava-se que deveria ser no ambiente familiar (LOURENÇO,

2014, p. 60-61).

Segundo Braido (2017, p. 263), D. Bosco tinha uma fórmula para “fazer-se amar antes de

fazer-se temer”. Ao analisar essa afirmação pode-se entender que um ato não exclui o outro, mas

o amor deve preceder o temor. Quando o educando se sentisse amado tal qual um filho, o respeito

pela autoridade de seu superior viria automaticamente. Esse seria o temor, o ato de sujeitar-se ao

outro pelo amor. Em todo caso, deveria ser apresentado nesse processo os direitos e deveres de

cada parte, mas isso faria parte de alguns momentos específicos e não como essência pedagógica.

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No caso das correções, apresentava-se também outro princípio do Sistema Preventivo, a

razão, que nesse caso é a responsável pelas resoluções e normas específicas (BRAIDO, 2017).

Nesse caso, tanto o sistema repressivo quanto o sistema preventivo possuíam seus regulamentos,

diretrizes, que explicitavam quais deveriam ser os objetivos a serem obtidos, assim como deveria

ser o dia a dia que cada instituição. Por maior que fosse o clima familiar do sistema preventivo de

D. Bosco, não eximia de ter um conjunto de códigos, em que educadores e alunos encontrariam

explicitamente como deveriam se comportar entre eles e para com seu Deus (BRAIDO, 2017).

De acordo com Braido (2017), os dois sistemas procuravam primeiramente deixar claro o

comportamento que se esperava, para depois vigiar e disciplinar. Mesmo que D. Bosco tivesse um

entendimento diferenciado em relação a sansão disciplinar ela existia para que fosse, em última

instância, mantida a ordem de funcionamento.

Ainda assim os castigos eram algo à parte do sistema educacional de D. Bosco. Castigos

violentos não faziam parte seu sistema, e quando fosse necessário a aplicação de determinado

castigo, o educando não seria contra, pelo contrário, entendendo as normas e participando desse

clima familiar construído pelo sistema educacional, até esperaria de bom grado pela correção. Em

todo caso, ele afirmava que era preciso fazer todo o possível para evitar que fosse aplicada tal

punição. Quando fosse preciso castigar, necessitando manter a ordem, D. Bosco aconselhava que

fosse feito apenas pelo diretor da instituição, sendo expressamente proibido que os assistentes

tomassem tal providências.

Todavia, segundo Braido (2017), o mentor do sistema preventivo aconselhava a

primeiramente retirar a benevolência que na maioria das vezes já resolveria o problema da

desobediência, sem precisar recorrer a métodos humilhantes. Seria preciso elogiar sempre que o

jovem apresentasse um bom resultado, para que quando a repreensão verbal fosse o suficiente para

se entendesse sua falta e voluntariamente se autocorrigisse. Dessa forma, o processo diferenciado

de correção dos educandos era parte importante do sistema educativo salesiano.

Tanto o Sistema Educacional, quanto os seus princípios condutores surgiram para dar base

a todas as instituições educadoras dos salesianos, tendo reflexos das necessidades de seu tempo. O

momento histórico em que foram criados os oratórios festivos e, posteriormente, os centros

educacionais dos salesianos estava envolto em mudanças políticas e enfraquecimento do poder

católico, uma vez que houve a separação de Estado e Igreja. Em 1864, o Papa Pio IX escreveu em

uma carta encíclica sobre os perigos que estavam ao redor do povo de Deus e que poderiam

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influenciar principalmente a juventude, sendo alguns deles o comunismo, socialismo e liberalismo.

Assim D. Bosco acreditava que conquistando os jovens com Amor seria possível moldá-los no

caminho do bem (NICOLAU, 2006).

Além da luta contra a secularização do ensino, os salesianos também se preocupavam em

evangelizar e civilizar os povos por eles considerados bárbaros.

(...) o projeto das missões salesianas estava sintonizado com o ideário imperialista

europeu, que preconizava uma das missões civilizadora naquelas regiões do mundo consideradas bárbaras ou atrasadas. Os missionários salesianos se viam

simultaneamente como arautos do cristianismo e da civilização, responsáveis por

transformar os preguiçosos nativos daquelas regiões em cristãos ordeiros e

disciplinadores para o trabalho (LOURENÇO, 2014, p.67).

O fundamento religioso de D. Bosco foi iniciado com o objetivo de formar “bom cristão e

honesto cidadão”, que após sua expansão missionária para evangelização de terras mais distantes,

numa aspiração ao ideal de união entre “civilização e religião” (BRAIDO, 2017). Depois das ondas

revolucionárias, o objetivo das missões salesianas era o de que todos os povos conhecessem a

mensagem da salvação das almas e ao mesmo tempo compreendessem seu papel moral, social e

civil (BRAIDO, 2017).

Para esse caminho de cristianização dos povos, os princípios educacionais que D. Bosco

havia fixado navegavam entre a caridade, a moralidade, a razão e a civilidade, tendo como base a

doutrina religiosa cristã. Ele acreditava que a recuperação da fé em Cristo, na tradição religiosa, da

busca pela fé na educação seria a maneira mais completa de salvação das almas, e estava disposto

a espalhar essa mensagem ao mundo.

Dalcin (2008), em sua tese de doutorado intitulada “Cotidiano e práticas salesianas no

ensino de matemática entre 1885 e 1929 no Colégio Liceu Coração de Jesus de São Paulo:

construindo uma história”, faz uma abordagem interessante a respeito do sistema educacional de

D. Bosco, utilizando Pietro Braido como referência principal. Salienta que D. Bosco escreve,

naquele período, a partir das mesmas influências que outras ordens religiosas católica. Afirma,

ainda, que dentre os diálogos que D. Bosco estabeleceu com outras irmandades o mais próximo

teria sido com os lassalistas:

A grande aproximação entre as propostas das duas Congregações está

provavelmente na origem de certas identificações entre salesianos e lassalistas feitas por alguns historiadores da Educação. A identificação mais frequente diz

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respeito à associação do nome “salesiano” à São Batista de La Salle. (...) La Salle,

por sua vez foi fundador da ordem religiosa católica “lassalistas”, inicialmente conhecida como “Irmãos das Escolas Cristãs”. (DALCIN, 2008, p.117-118)

Nas páginas da RMT de 1914 puderam ser identificados trechos sobre educação em que se

abordava a importância do papel do educador, como era entendido por esse sistema, assim como

um alerta que se achavam necessário fazer a respeito dessa relação e na intencionalidade de

incentivar certos sentimentos que julgavam serem necessários a formação do cidadão.

E’, portanto, dever do educador proporcionar-lhe a maior somma de sensações agradaveis e afastar tudo o que póde entibiar, comprimir a sua sensibilidade

incipiente. (...) Mas este trabalho seja feito com criterio e discripção; de outro

modo corre-se perigo de corrompel-a á força de complacencias. Taes são os sentimentos pessoaes, primários, dos quaes depois provêm todos os demais

gradativamente, para com nossos semelhantes, sentimentos que alguns

pretendêram compendiar no bárbaro vacabulo; Altruismo. Desta maneira são sentimentos de sympathia, de benevolencia, de compaixão, generosidade, de

fraternidade, de patriotismo, de amor para com a humanidade inteira, com os seus

oppostos. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano X, v.3, mar-abr/1913, p.59)

Em síntese, o sistema educacional salesiano unia educação religiosa, moral e profissional,

e, segundo eles, era voltado especialmente para a formação de mão de obra e “salvação das almas”,

conforme pode ser identificado através do mapeamento inicial da RMT. Mas se faz necessário

frisar que os periódicos revelam muito mais nas entrelinhas.

De maneira geral, esse modelo da educação salesiana foi diferenciado e original para o

momento de sua construção e estabelecimento. Todavia salienta-se que D. Bosco procurava realizar

uma pedagogia baseada na moral religiosa procurando unir os seguintes objetivos: formar jovens

que fossem bons cristãos e bons cidadãos.

1.2 Os salesianos em Mato Grosso: religião, civilização e educação

O interesse precípuo da congregação salesiana centrava-se na “salvação das almas”, sem,

contudo, preterir da racionalidade como um caminho para o crescimento intelectual das sociedades.

Entendiam que parte de sua responsabilidade social passava pelos processos de civilização, cuja

matriz jesuíta, no século XVI, havia consolidado como ‘missão’, assim como em tantas outras

congregações missionárias. De acordo com Nakata (2008),

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Não apenas cada projeto missionário utilizou-se das ideias individuais de

civilização e de religião como significantes de realidades distintas entre si, mas também a composição da ideia de ‘missão civilizatória’ é fundamental a cada um

dos projetos missionários, considerados separadamente, que se sucederam em

mais de quatro séculos de missão cristã no Brasil (NAKATA, 2008, p. 32-33).

Deste contexto, interessa o entendimento de que os salesianos se utilizaram da educação

para realizar o que consideravam ser sua missão civilizatória no Brasil, em especial na região de

Mato Grosso, de modo dualista, ora unindo-se ao sistema vigente, ora contrapondo-se,

acompanhando o ideal de modernidade decorrente dos anos finais do século XIX início do XX

(PINTO; VALDEMARIN, 2019), utilizando-se dos impressos, como demonstra este estudo, para

registrar sua marca na história regional.

Segundo Lourenço (2014), as escolas fundadas pela Missão Salesiana faziam parte do seu

projeto civilizatório, pois nelas se procuravam educar pelo e para o trabalho. Nessas escolas

estabeleceram-se as oficinas tipográficas, de suma importância para divulgação de seus ideais,

interesses religiosos e manutenção financeira de parte de seus projetos, como poderá ser visto mais

adiante.

Os salesianos chegaram no Brasil em 1883, se estabelecendo primeiramente em Niterói/Rio

de Janeiro. Em Mato Grosso, se assentaram uma década depois, no ano de 1894. Os representantes

da Igreja, Bispo D. Carlos e do Governo do Estado, o presidente Manoel José Murtinho, enviaram

uma carta a D. Lasagna, representante dos salesianos que se encontrava estabelecido no Uruguai,

convidando-os a também se fixarem no Mato Grosso e auxiliarem no trabalho das colônias

(Sagrado Coração de Jesus; Imaculada Conceição; Colônia das Palmeiras; e Colônia do

Sangradouro) (LOURENÇO, 2014; FRANCISCO, 2010). Buscavam ajuda para pacificar os

indígenas, em um processo civilizatório, e por consequência “salvar” suas “almas mundanas”.

Pouco tempo após sua chegada ao Mato Grosso, a comunidade de S. Francisco de Sales já tinha

fundado algumas de suas instituições no estado20.

Nessas colônias havia a preocupação de praticar a catequese com os indígenas, além de

criar escolas, oficinas para ensinar carpintaria, tecelagem, ferraria entre outras atividades laborais.

Em Corumbá, até 1908, já havia o Collegio Santa Thereza, que funcionava tanto no formato

internato como no externato, e Escola Profissional e Noturna, desenvolvendo, também, o trabalho

20 Os dirigentes da Missão Salesiana de Mato Grosso, reuniram em uma obra, parte das suas realizações no estado,

entre os anos de 1894 a 1908. Obteve-se acesso a essa informação através do trabalho de Lourenço (2014).

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missionário. Por fim, na Capital Cuiabá já havia a mais importante instituição dos salesianos dessa

comarca, que era o Liceu de Arte e Ofício, que oferecia curso ginasial e profissionalizante (oficinas

de tipografia, encadernação, alfaiataria, carpintaria, serralheria, sapataria, etc). No Liceu também

havia uma capela para as cerimônias religiosa; realização dos oratórios festivos; e, a joia da

instituição, o Observatório Meteorológico (LOURENÇO, 2014).

O complexo institucional formado pela Ordem fazia parte do seu projeto civilizador, que

pretendia evangelizar e levar o progresso para as regiões mais longínquas. Acreditavam na

necessidade de educar os nativos da região para terem um oficio e contribuir socialmente com o

seu trabalho. Os salesianos buscavam remover o espírito bárbaro e preguiçoso, que julgavam ter

essas populações, de forma a incluírem-nas na nova dinâmica política e econômica do período,

pensamento que estava de acordo com as elites locais, para os quais indígenas, pobres, libertos e

mestiços fortaleciam a ideia de atraso e, de certa forma, impediam o progresso (LOURENÇO,

2014).

Segundo Lourenço (2014) e Francisco (2010), uma vez que essas elites tinha a ideia de que

a imagem de Mato Grosso era a do atraso, estavam certos de que algo deveria ser feito para mudar

tal quadro. Essas mesmas elites, especialmente a elite intelectual 21, tinham por modelo as cidades

europeias, além da capital Rio de Janeiro. Assim, estar de acordo com costumes dessas

“sociedades-modelo” fazia parte do próprio sentimento de ser civilizado e moderno. A assimilação

desses hábitos e valores perpassava pela economia, política e na dinâmica comportamental da

sociedade. Portanto, mesmo com a mudança no sistema organizacional brasileiro, a

representatividade religiosa manteve-se presente e atuante, nas esferas de poder, em algumas

localidades. Segundo Marin (2000)

a associação entre Igreja e Estado devia -se ao interesse em civilizar os indígenas

que resistiam à ocupação de suas terras devido à expansão da fronteira agrícola.

As correrias e ataques dos índios poderiam dificultar o povoamento e ocupação das terras, consequentemente opunham-se à civilização e ao progresso de Mato

Grosso. Tratava-se de eliminar um entrave, travestindo-se de caráter humanitário

e patriótico, ou seja, de inserindo-os à civilização e à nacionalidade (MARIN, 2000, p. 173).

21 Termo utilizado por Galetti (2012) para descrever personalidades que se empenharam nas letras em Cuiabá, no

início do século XX.

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Demonstrando-se adequados e ajustados aos interesses dos governos de plantão, até o

momento em que eles exigiram poder e representatividade, os salesianos foram uma ferramenta

importante no combate a pretensa barbárie de alguns dos povos indígenas, coibidos e “educados”

por missões evangelizadoras e civilizadoras, tal qual já era idealizado pelo plano de expansão da

comunidade salesiana pelo mundo. As relações políticas se intensificam ao ponto de um dos

diretores do Liceu salesiano, D. Francisco Aquino Correa, tornar-se presidente do estado (1918-

1922).

A intensa troca de informações e poderes entre salesianos, políticos e intelectuais, não era

bem avaliada por todos os setores eclesiásticos. Durante todo o período de tiragem da RMT, a

arquidiocese de Cuiabá esteve sob os cuidados da figura emblemática do Bispo22 D. Carlos Luiz

d’Amour. Conhece-lo é importante para entender o emaranhado de ideias e ações que permeavam

a escrita da RMT. Maranhense de nascimento, de uma família humilde, o bispo de Cuiabá nasceu

em 1887. Tornou-se padre em 1860, depois de ir para o Seminário de Santo Antônio onde estudou

teologia sob os cuidados de D. Manoel. Durante o pontificado de Pio IX (1846-1878) houve uma

exasperação entre os dogmas e a modernidade, principalmente em relação as ideias liberais. Após

o Concilio de Trento23 as ações ultramontanistas ganharam força entre vários líderes católicos. Essa

também foi a perspectiva da formação sacerdotal de D. Carlos, que se configurou perante os valores

mais conservadores e radicais da doutrina católica. Em 1876, D. Carlos foi nomeado pela Princesa

Isabel bispo de Cuiabá, depois do falecimento de D. José Antonio dos Reis. No entanto, foi apenas

em 1879 que D. Carlos chegou à sede de seu bispado, onde permaneceu administrando por 43 anos

(MORAES, 2003).

D. Carlos foi um dos maiores incentivadores da criação e manutenção do periódico católico,

o Jornal A Cruz24, no ano de 1910, em resposta às ferrenhas críticas recebidas do jornal A Reacção,

22 Em 1910 Papa Pio X, eleva a Diocese de Cuiabá à Arquidiocese, o que tornou D. Carlos d’Amour Arcebispo de

Cuiabá. 23 O Concílio de Trento, também conhecido como contrarreforma, em resposta a reforma protestante ocorreu entre os

anos de 1545 e 1563, em Trento na Itália. As conferências de caráter ecumênico foram convocadas pelo Papa Paulo

III, onde depois de divergências, atrasos e retomadas decidiram manter o celibato sacerdotal, assim como o sete

sacramento, culto dos santos, das relíquias e indulgências; infalibilidade papal; adoção do latim para suas liturgias,

criação dos seminários para formação de pessoas que tivessem interesse em seguir a vida sacerdotal; entre outros

pontos acertados através de decretos. 24 A Cruz: Orgão da Liga Social Catholica Brasileira de Matto-Grosso era impresso nas Officinas Typográficas das

E.P. Salesianas – Cuiabá e tinha tiragem de 1100 exemplares, conforme informações do próprio periódico. A Cruz foi o periódico mato-grossense de maior duração (1910-1969) na região, excluindo a imprensa oficial, segundo Canavarros

(2009); e Oliveira (2016).

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redigidos por intelectuais da capital mato-grossense que abominavam o poder que a igreja mantinha

mesmo em tempos de República. A Cruz foi certamente um dos principais meios de propagar e

sublinhar a fé católica naquela sociedade (CANAVARROS; SILVA, 2002; CANAVARROS,

2007; 2009; MORAES, 2003; OLIVEIRA, 2016).

Segundo Moraes (2003), as mudanças políticas e a dicotomia entre o moderno e o antigo

foram sombras que acompanharam toda a trajetória episcopal de D. Carlos em Cuiabá,

principalmente quando observado que estava em transição de monarquia para a república e que

isso acarretou na perda de poder, pelo menos oficial, da Igreja sobre o Estado. A dicotomia

modernidade e tradição, os novos valores que estavam sendo adquiridos contrariamente às

doutrinas católicas, eram campos de combate para o arcebispo ultramontano.

Os embates de D. Carlos não se resumiam apenas às mudanças da sociedade, mas às

divergências entre grupos da própria Igreja, em ordens diferentes da sua. Os salesianos foram uma

dessas congregações do mesmo período da gestão de D. Carlos, e devido às ideias diferentes,

algumas desavenças não puderam ser evitadas. Esses desentendimentos ocorreram principalmente

por diferenças ideológicas. Durante o tempo em que o bispo de Cuiabá era um ultramontano, ou

seja, defendia as ideias mais radicais da Igreja, como a conservação da tradição católica tridentina,

a infalibilidade do Papa, entre outras, enquanto o projeto da ordem dos salesianos estava de acordo

com os ideais alinhados ao paradigma da modernidade, os quais estavam ganhando mais e mais

força na sociedade brasileira no entresséculos (MORAES, 2003).

Os salesianos estavam em sintonia com o pensamento das elites, enquanto seus objetivos

eram formar jovens que cumprissem com seu dever enquanto cidadãos e contribuíssem socialmente

com o seu trabalho, o que resultaria no progresso da nação. Segundo Moraes (2003), a ordem

salesiana, por princípio, mantinha boas relações com os governantes, e com membros de algumas

classes rejeitadas pelos católicos mais tradicionalistas como, por exemplo, os maçons, membros de

denominações protestantes e até mesmo ateus. A preocupação deveria ser com o seu trabalho e a

manutenção física e financeira dele. Ou seja, não importava a origem da ajuda, desde que ela

houvesse. Seguindo os ensinamentos de seu líder, D. Bosco, não poderiam rejeitar a ajuda de

ninguém, seja quem fosse. Era preciso pensar primeiramente nos projetos da ordem.

Além de discordar com o fato de os salesianos manterem contato com pessoas fora da fé,

D. Carlos também não concordava com o formato do trabalho dos salesiano. Ele estranhava a

metodologia de aproximação entre padres e estudantes, característico do sistema preventivo de D.

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Bosco, assim como também discordava das atividades lúdicas e esportivas que integrava a

metodologia dos oratórios festivos. Acreditava ele que essas atividades afastavam a divindade e

tiravam o respeito clerical.

Por mais que os salesianos tivessem sua independência como comunidade, D. Carlos

julgava que sua liderança era caótica, logo, eles deveriam estar sob sua supervisão e sob suas regras,

aceitando assim suas intervenções quando estas fossem necessárias (MORAES, 2003). Como era

de se esperar, em várias situações essas diferenças causaram atritos entre D. Carlos e os salesianos,

que por sua vez consideravam o Bispo antimodernista (MORAES, 2003). Um dos maiores

conflitos entre eles deu-se durante os preparativos para a tradicional Festa do Espírito, em 1903,

em que Pe. Helvécio de Oliveira, então diretor dos salesianos e fundador da Revista Matto-Grosso,

entrou em discordância com o bispo.

Segundo Oliveira (2016), D. Carlos procurou fazer algumas reformas, principalmente na

comemoração de festas religiosas. Suas novas diretrizes implicaram diretamente na realização da

tão aguardada Festa do Espírito Santo, que no ano de 1903 ficaria a cargo do Major João Lourenço.

João Lourenço de Figueiredo havia sido escolhido como festeiro por meio de um sorteio, e

preparavam-se uma missa para dia 31 de maio. O Bispo D. Carlos sabendo dos preparativos

ordenou que fosse cancelada a missa, chegando a ameaçar Figueiredo com a excomunhão.

O resultado foi que mesmo o festeiro desistindo do seu cargo, foi excomungado pelo Bispo,

por não ter entregue as insígnias da festa como havia sido solicitado. O Bispo ainda fez questão de

comunicar Pe. Malan, inspetor dos salesianos, oficialmente sobre a impossibilidade de realização

da missa. Nesse ponto as discordâncias entre o Bispo e os salesianos ficam mais evidentes. Mesmo

D. Carlos proibindo João Lourenço a participar de qualquer que fosse atividade religiosa. Pe.

Helvécio G. de Oliveira, então diretor do Liceu, realizou a tal missa encomendada pelo major

excomungado, por entender que não havia “impedimento legal” para não a celebrar. (MORAES,

2003; PEREIRA, 2010; OLIVEIRA, 2016).

De acordo com Moraes (2003), D. Carlos sentindo-se “profundamente amargurado”, retirou

os salesianos de todas as funções que exerciam na diocese, além de frisar sua profunda decepção

pelas relações entre os salesianos e aqueles que o Bispo tanto desprezava, maçons, espíritas e

outros. Também entendeu que Pe. Malan concordava com a atitude de Pe. Helvécio, ao não tomar

nenhuma providência, o que para ele foi um desrespeito a sua posição e autoridade.

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Mesmo aceitando perdoar os salesianos, exigiu que Pe. Helvécio fosse transferido para

outra diocese, como forma de punição. Dessa forma pode-se ver as diferenças de entendimentos

doutrinais entre salesianos e o Bispo de Cuiabá. Fica bem claro que o estilo mais inovador dos

seguidores de D. Bosco, suas atitudes que concordam mais com o espírito modernizador, buscando

formar uma sociedade cristã e cidadã, unindo ideais da Igreja e do Estado, esteve longe de ser o

esperado de uma comunidade católica nos termos de D. Carlos.

Segundo Moraes (2003) essa diferença fica ainda mais clara quando se compara o estilo de

D. Carlos com o de seu sucessor, D. Francisco Aquino Correa, conhecido pelo carisma e

flexibilidade frente aos novos tempos.

1.2.1 O Liceu Salesiano de Artes e Ofícios “São Gonçalo”

Os salesianos impulsionaram o desenvolvimento educativo e cultural de alguns setores

sociais: a catequização dos indígenas e a instalação de um Liceu de Artes e Ofícios na capital foram

exemplos dessas ações, todas alinhadas aos seus objetivos: “disciplinar e instruir as populações

despossuídas, corrigir os indivíduos vadios e preguiçosos” (LOURENÇO, 2014, p.66).

No ano de 1896 foi instalado o Liceu Salesiano de Arte e Ofícios “São Gonçalo” (Figura

1) permanecendo lá até os dias atuais (Figura 2). Na época o Liceu servia para a educação escolar

e técnica para meninos, internos e externos à instituição.

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Figura 1: Fotografia do prédio do Liceu Salesiano de Artes e Ofícios São Gonçalo, publicada em 1914.

Fonte: Álbum Gráfico de Mato Grosso, 1914.

Figura 2: Fotografia do prédio atual do Colégio Salesiano São Gonçalo, Cuiabá – MT.

Fonte: Divulgação do site da instituição. Disponível em: http://www.missaosalesiana.org.br/colegio-salesiano-sao-

goncalo/. Acesso em: 23 de jan de 2019.

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A missão salesiana foi extremamente significativa para a política mato-grossense,

principalmente no que diz respeito na retomada da união igreja-estado. Tal alinhamento foi

evidenciado pelo fato de um bispo ter ocupado cargo político de Presidente do Estado de Mato

Grosso. Aos trinta e dois anos, D. Francisco de Aquino Correa, o primeiro bispo salesiano no Brasil

e o mais jovem do mundo, se tornou Presidente do estado para o período de 1918-1922 (LOPES,

2009).

Segundo Francisco (2010), o governo de D. Aquino foi importante para apaziguar os

conflitos políticos entre grupos rivais que impediam o Estado um progresso como se esperava.

Além disso, um religioso no cargo político de mais relevância era uma demonstração de

conciliação, pós República, entre o poder estatal e o poder religioso. Fora uma situação em que se

fazia a tentativa de atender as necessidades dos diferentes poderes ali estabelecidos. De um lado, a

Igreja procurava reestabelecer sua influência na sociedade como um todo, de outro, aqueles que

buscavam o progresso viam na Igreja uma forte aliada, pelos valores morais que pregavam, que

poderiam ajudar na “manutenção da ordem pública” (FRANCISCO, 2010, p. 145-146).

Mas antes de D. Aquino assumir a presidência do Estado, já era possível observar a

existência da parceria Igreja-Estado, talvez não com a mesma intensidade, mas presente. Prova

disso foi o auxílio recebido pelos salesiano, do governo estadual, para compra de terras onde foi

construído o Liceu de Artes e Ofícios São Gonçalo, em 1896 (LOURENÇO, 2014, p.68). A

Mensagem de Presidente de 1897 fornece elementos para compreender o cenário:

Continua a concorrer efficazmente para a diffusão do ensino o collegio de S.

Gonçalo, fundado pelos padres da Missão Salesiana no Estado. O predio da

chacara que para esse fim adquiriu o governo, foi consideravelmente augmentado

por novas edificações apropriadas para as diversas aulas e dependencias de um grande estabelecimento de tal genero, digno, pelos elevados intuitos de seus

fundadores, a protecção do Estado. Além da quantia de 15 contos de réis, pela

qual foi adquirido o citado predio, nenhum outro auxilio dos cofres publicos tem tido a Missão Salesiana para a fundação do collegio, cujas obras devem ter custado

avultadas somma; sendo insufficiente a subvenção votada pelo Congresso

Nacional n'este exercio para satisfazer as dividas contrahidas para sua realisação. Peço-vos, pois, no orçamento de 1898 um auxilio para essa instituição.

(MENSAGEM DE PRESIDENTE, 1897, p. 30).

O Liceu de Artes e Ofícios São Gonçalo ainda existe nos dias atuais, com o nome de

Colégio Salesiano São Gonçalo. Entre os anos de 1904 a 1914 era uma instituição voltada para a

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formação especificamente de meninos, não atendendo ao público do sexo feminino durante o

período acima mencionado, que culmina com a produção da RMT.

A educação feminina ficava a cargo do Colégio Maria Auxiliadora, em Coxipó, fundado

em 1898, funcionando até 1905 apenas como internato (Figura 3). Havia também outra instituição

salesiana para moças no interior do estado, em Corumbá, Colégio Imaculada Conceição fundado

em 1904, sendo também um internato, ambos a cargo das irmãs de Maria Auxiliadora, repartição

feminina dos salesianos, que chegou à Mato Grosso um ano após a comunidade principal

(FRANCISCO, 2010, p. 132).

Figura 3: Fotografia das alunas e das Irmãs de Maria Auxiliadora, suas professoras em uma aula de costura, na

Colônia Sagrado Coração.

Fonte: Revista Matto-grosso ano V, v. 5, mai/1908.

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Logo após a instalação do Liceu, deu-se início ao ensinamento de ofícios, com objetivo de

ensinar profissões aos jovens carentes daquela sociedade25. Os filhos das elites também eram

atendidos, mas a esses eram reservados os cursos voltados às humanidades que os encaminhavam

aos cursos de Direito e outros nas grandes capitais e fora do país.

A educação profissionalizante no Liceu, além da aprendizagem de um ofício, procurava

criar nos jovens a valorização do trabalho, um sentimento de importância da atividade laboral para

o progresso da sociedade. Ao aluno era incentivado o entendimento dos aspectos morais do

trabalho, que pudesse torná-lo mais completo para atuação profissional durante toda a vida

(FRANCISCO, 2010; BRAIDO, 2017). Era um combate ao que representava atraso e a barbárie.

Acreditavam que a valorização do trabalho era parte crucial da aprendizagem, entendendo que o

progresso dependia da educação, do abandono do ócio e uma ocupação do lugar social

(FRANCISCO, 2010; BRAIDO, 2017).

O Liceu salesiano constituiu-se em uma importante instituição educativo-religiosa no início

do século XX em Mato Grosso. O ensino profissionalizante, ali praticado, é destacado como

fundante para a região, a partir de três objetivos: a.) atrair novamente as classes populares,

demarcando o seu poder e lutando contra a influência das novas religiões que começavam a se

estabelecer nesse período, como era o caso dos evangélicos protestantes e dos espíritas. b.) oferecer

formação de mão de obra para operarem junto a sociedade como atuantes na busca do progresso.

c.) designar os lugares sociais de cada um, da divisão de classes na sociedade, em que cada um é

peça de uma engrenagem que movimenta a nação. (FRANCISCO, 2010)

Os salesianos aproveitavam a mão de obra formadas por eles para a execução de toda a

natureza de trabalho que realizavam. Dos mais diversos ofícios ali desenvolvidos, interessa a este

trabalho aqueles relativos à tipografia. Eles investiram de maneira significativa na produção

impressa, tanto em conteúdo redigido, como em maquinário adquirido. As publicações ali

originadas serviram tanto para difundir sua fé quanto para contribuir com a cultura letrada da região

(FRANCISCO, 2010).

Na oficina de tipografia eram impressos diversos jornais, revistas e folhetos. Mas dentre

todos tipos de impressos originados dessa oficina destaque-se a Revista Matto-Grosso, que em sua

25 Nos primeiros anos de funcionamento, a direção do Liceu ficou a cargo do Pe. Antonio Malan, que também era

superior da missão salesiana em Mato Grosso e vice inspetor. O diretor, segundo os ideais do próprio D. Bosco, era a “alma da casa”, demonstrando o seu importante papel de liderança nessa instituição escolar.

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epígrafe já demonstrava sua principal preocupação de informação do conteúdo jornalístico tratado:

divulgação de ciências, artes, religião, letras e variedades (Figura 4).

Figura 4: Capa da do quarto volume da RMT em 1907.

Fonte: Revista Matto-grosso ano IV, v. 1, jan/1907. (capa)

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Conforme os levantamentos realizados, a proposta desse impresso nasceu em 1903 quando

padre Helvécio Gomes de Oliveira (Figura 5), que ocupava o cargo de diretor do Liceu desde 1901,

também o de diretor do Observatório Meteorológico, deu início à RMT no formato de panfletos

(PEREIRA, 2010; MORAES, 2003). Após o desentendimento de Pe. Helvécio com o Bispo de

Cuiabá D. Carlos Luiz d’Amour, o padre foi transferido para interior do estado de São Paulo.

Figura 5: Fotografia de Pe. Helvécio Gome de Oliveira, diretor do Liceu Salesiano São Gonçalo, e os bacharéis do

Liceu, José Barnabé de Mesquita, Leonidas Pereira Mendes, Generoso Alves de Siqueira e Oligário Moreira de Barros.

Fonte: Revista Matto-Grosso ano VIII, v. 2, fev/1911, p. 40. (Recorte)

A Figura 5 destaca Pe. Helvécio e seus alunos considerados ilustres, publicada por ocasião

de seu aniversário, com um pequeno texto laudatório a sua pessoa. O texto ajuda a perceber que

Pe. Helvécio era reconhecido pelos salesianos de Cuiabá como sendo o fundador da RMT no ano

de 1903, como evidencia o trecho a seguir:

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Orna as collumnas da Revista “Matto-Grosso” o retrato de seu fundador, Ver.

Padre Helvécio Gomes d’Oliveira, quando em 1903, exercia com criterio e reconhecida competência o cargo de Director do Lyceu Salesiano de Artes e

Officio “S. Gonçalo” Circumdado pelos nossos jovens patricios que cursam

actualmente a Faculdade de Direito de S. Paulo, este facto por si só, dá realce ao

mavioso do quadro, pondo em relevo e destaque o busto sympathico e venerado do mestre, do sempre aureolado Padre Director, que hoje completa mais um anno

de preciosa e util existencia.

A estampa traz o cunho da opportunidade, e importa uma eloquente homenagem de justo e comprovada illustração do apostolo de Christo que, tão moço, se

recommenda pels seus innumeros serviços á missão Salesiana deste Estado, onde

conta com o recnhecimento e affeição geral dos seus habitantes.

Que Deus o conserve por muitos dilatados annos, sempre rodeado da flôr da mocidade affeita aos nobre e elevados idéaes.

Taes são os votos de quem lhe envia destas columnas saudoso abraço e palmas.

(REVISTA MATTO-GROSSO, n.2, fev/1911, p. 40)

No texto, Costa Ribeiro demonstra certa simpatia que tinham pelo Pe. Helvécio, o que não

implica estender tal consideração a todos os membros da redação da RMT, mesmo assim percebe-

se que ele tinha seus méritos, pois reservaram duas páginas inteiras da revista para homenageá-lo.

Em uma das páginas foi impressa sua fotografia com os alunos ocupando quase toda a sua extensão.

Levando em consideração que o uso e a impressão de imagens no período tinham suas limitações,

isso pode ser considerado relevante quando destacadas as personalidades que estão acompanhando

Pe. Helvécio na fotografia.

Quando feita uma segunda análise do conjunto fotografia e texto, essa publicação parece

demonstrar também uma estratégia de propaganda do Liceu Salesiano. Tanto na legenda da

imagem quanto no texto para Pe. Helvécio, são citados quatro bacharéis que acompanham o diretor

na foto. Seus nomes estão nas duas ocasiões acompanhados da informação de que se formaram no

Liceu e encontravam-se todos cursando a Faculdade de Direito de São Paulo.

Esse tipo de divulgação perpassava os mais variados assuntos da RMT. Certamente, parte

de seu papel era a divulgação do trabalho dos salesianos e principalmente do Liceu São Gonçalo.

São inúmeras as vezes que o nome do Liceu, vinha acompanhado da afirmação “Equiparado ao

Ginásio Nacional” demonstrando que a todo momento queriam reafirmar sua imagem moderna e

sua relevância. Estar equiparado significava ser reconhecido conforme os moldes empregados pelo

Ginásio Nacional. (Figura 6).

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Figura 6: Fotografia de grupo de alunos do Liceu Salesiano de Arte e Ofício São Gonçalo.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano I, v. 1, jan/1904, p. 17. (Recorte)

Segundo informações do Álbum Gráfico de Mato Grosso (1914)26, essa equiparação com o

então Gymnasio Nacional, veio oficialmente a partir de um decreto do Governo Federal, nº 4.650

de 11 de novembro de 1902, por formarem alunos aptos a prestarem os exames admissionais das

faculdades. A RMT se preocupa em demonstrar que os egressos do Liceu têm um acúmulo de

conhecimento que os permite acessar as faculdades dos grandes centros, atestando a qualidade do

ensino oferecido por aquela instituição.

A partir dessas conclusões, surgiu uma preocupação em apurar os dados sobre os possíveis

leitores diretos, ou seja, aqueles que tinham tido acesso ao aprendizado das letras. A Revista coloca-

26 Obra de 433 página, impressa em ótima qualidade tipográfica na Alemanha no ano de 1914, visto como um elaborado

conjunto de propaganda do estado, de iniciativa privada e com o apoio das lideranças políticas. Há no álbum algumas páginas dedicadas ao serviço missionário dos salesianos e de suas instituições. Para mais informações ver Zorzato

(1998).

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se nesse cenário ao reforçar a divulgação das atividades desenvolvidas no Liceu, textos de natureza

religiosa e notícias do país e do mundo.

Durante o período em que a RMT esteve em circulação (1904 e 1915), não houve a

realização de recenseamentos gerais no Brasil. Para compreender as possibilidades de acesso de

uma pretensa comunidade de leitores à revista, pautou-se nos dados do Censos de 1872, 1890 e

1920, isso porque estudos consultados (FERRARI, 1985; ROSEMBERG, PIZA, 1995-1996)

afirmam que o recenseamento geral de 1900 apresentou em conjunto um sub recenseamento das

áreas rurais que contribuiu para o aumento percentual de analfabetos, uma vez que esses locais

ofereciam pouca condição de estudos institucionalizados.

Figura 7: Gráfico de comparação entre Mato Grosso e Brasil, relação de analfabetos nos censos de 1872, 1890 e 1920.

Fonte: Censos Demográficos.

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2017)

O gráfico (figura 7) indica, de modo ampliado, que o número percentual de analfabetos no

Brasil e em Mato Grosso, em particular, era alto. Observa-se uma leve queda durante as primeiras

décadas do século XX, possivelmente atribuída à ampliação do número de escolas, decorrente do

processo de implantação da República, ainda que de modo lento e gradual. Uma das bandeiras do

republicanismo era tirar o Brasil do analfabetismo que grassava o país.

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1872 1890 1920

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Percentual populacional de analfabetos (por sexo)Mato Grosso x Brasil

Homens - MT Mulheres - MT Homens - BR Mulheres - BR

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Em relação ao período de transição entre os séculos XIX e o XX, o número de mulheres

analfabetas, por exemplo, é maior que o número de homens nas mesmas condições, tanto em nível

regional quanto nacional, com pequena variação entre os dois. No primeiro recenseamento da

República o número percentual de mulheres analfabetas no Brasil era de 89% enquanto em nível

regional esse número teve uma leve queda, finalizando em 83%. Em 1890 esse mesmo dado ficou

em 90% de mulheres analfabetas no Brasil e 89% em Mato Grosso. Trinta anos depois esses dados

apresentaram redução fechando em 80% de mulheres analfabetas no país e 79% no estado de Mato

Grosso, uma queda em torno de 10% nos dois casos.

De acordo com Pinto (2013, p. 256), “os gastos com instrução apresentaram um salto

quantitativo em torno de 20%, entre os anos de 1906 a 1907, mantendo-se com sensível aumento

até o ano de 1910, em que se registram gastos próximos de 18% a mais que no ano anterior”. Há

uma onda modernizadora anterior a 1910, mas que se intensifica a partir dessa década, no que diz

respeito à educação (PINTO, 2013, p. 256). A primeira reforma da Instrução Primara em Mato

Grosso data de 1910 e implementou, dentre outras pautas, a obrigatoriedade do ensino primário a

todas as crianças, dos 7 aos 10 anos de idade (JACOMELI, 1998).

Tais dados indicam, a exemplo do que pontuam Ana Luiza Martins e Tania de Luca que “à

alfabetização, aliás, pedra de toque para os republicanos, acrescente-se a formação do leitor, que

encontrou naquele periodismo o suporte preferencial para o exercício da leitura e das letras.”

(MARTINS; LUCA, 2008, p. 84)

A Revista ocupa-se significativamente com notícias sobre o Liceu, de natureza variada

(festivas, premiações, artigos sobre o início e final do ano letivo, páginas escolares,

regulamentares). Isto leva a crer que seria oferecida ou comercializada às famílias dos discentes,

mas no exame interno da publicação não foi possível extrair dados para confirmar esta hipótese,

até o momento.

Infere-se, com base no gráfico, que não havia muitos leitores que poderiam ter acesso ao

conteúdo da RMT de forma direta. No entanto, outras práticas de leitura correntes na época, eram

comuns à época da publicação. Ou seja, poderia a revista ser lida em voz alta nos lares e

estabelecimentos da capital do estado. Assim como também seu conteúdo poderia ser comentado

de forma indireta por aqueles que também tinham acesso. No mais, a Revista constituir-se-ia em

um compêndio de informações “úteis” à família mato-grossense, como se pretende demonstrar ao

longo do estudo.

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CAPÍTULO 2: A REVISTA MATTO-GROSSO: Forma, conteúdos e abordagens

A iniciativa dos salesianos em propor, editar e manter uma publicação seriada em Mato

Grosso chamou a atenção pelos motivos apresentados no primeiro capítulo, mas também pelas

condições de se manter um empreendimento editorial desta natureza, nas primeiras décadas

republicanas na região central do Brasil. Face à importância atribuída a esse periódico, neste

estudo, o presente capítulo dedica-se a apresentar a publicação no que concerne aos seus aspectos

internos, materialidade (impresso, tamanho, fonte tipográfica, ilustrações e diagramação, aos

valores de assinatura e corpo editorial) e circulação, compreendendo que essa análise é parte

fundamental da pesquisa feita na e a partir da imprensa (LUCA, 2005). Evidencia ainda os passos

de localização, digitalização e mapeamento da Revista Matto-Grosso, informações que se

consideram importantes ao trabalho realizado no campo da História.

Considerando que, até o presente momento, não foram localizados outros estudos que

tomam a RMT como fonte, utilizou-se a metodologia de investigação a partir dos indícios

percebidos no levantamento bibliográfico.

Inicialmente, a busca pela Revista Matto-Grosso revelou alguns exemplares digitalizados

e disponíveis na Hemeroteca Digital no site da Biblioteca Nacional, mas a seriação não estava

completa. Foram encontrados, nesse acervo digital, as revistas dos anos de 1907 a 1915, e entre

essas, alguns anos não estavam reunidos em sua totalidade. De 1908, faltava o exemplar de janeiro;

1910 tinha-se apenas os números 1,10 e 11; 1911 apenas o número 3; 1912 estavam digitalizados

somente os números 2, 4 e 5; e 1913 e 1915 apenas o número 2 de cada ano. (Quadro 2)

Quadro 2: Localização da fonte a partir de suporte digital.

SUPORTE DIGITAL

Ano Acervo Observações

1904 Não localizado —

1905 Não localizado —

1906 Não localizado —

1907 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Completo

1908 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Incompleto

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1909 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Completo

1910 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Incompleto

1911 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Incompleto

1912 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Incompleto

1913 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Incompleto

1914 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Incompleto

1915 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Incompleto

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2017)

Contribuiu para esse estudo o levantamento feito pela professora Dra. Adriana Aparecida

Pinto (2010), a partir de uma pesquisa na sessão de obras raras do Mato Grosso, do Palácio da

Instrução Publica – Biblioteca Estevão de Mendonça. Para verificar das informações recolhidas,

foi feita uma visita técnica aos arquivos do Palácio da Instrução Pública, em Cuiabá, de acordo

com o cronograma pré-estabelecido. Verificou-se a existência das revistas dos anos de 1904-1914.

Outros exemplares foram localizados na biblioteca do Colégio São Gonçalo (Quadro 3)

Quadro 3: Localização da fonte a partir de suporte físico.

SUPORTE FÍSICO

Ano Acervo Observações

1904 Biblioteca Estevão de Mendonça Completo

1905 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Incompleto

1906 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1907 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1908 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1909 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1910 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1911 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1912 Colégio São Gonçalo Completo

1913 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1914 Colégio São Gonçalo / Biblioteca Estevão de Mendonça Completo / Completo

1915 Não localizado —

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2017)

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Conforme demonstra o quadro 3, a trajetória de pesquisa percorreu lugares que

mencionavam a existência da Revista. Cada indício levou para mais perto do encontro da fonte, e

esse foi um trabalho de detetive, pode se dizer assim27. Dessa forma os caminhos de pesquisa

apontados nas obras de Ginzburg contribuíram nessa fase inicial da pesquisa. “O que caracteriza

esse saber é a capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar uma

realidade complexa não experimentável diretamente” (GINZBURG, 2007, p.152).

Fazendo uso dos pressupostos sugeridos por este historiador, registra-se o aprendizado com

a pesquisa documental de natureza serial. A grande contribuição de Ginzburg, a partir do seu modo

de pesquisa e escrita, foi mostrar a importância de se ater aos detalhes na pesquisa histórica. O

paradigma indiciário foi uma ferramenta de pesquisa para se analisar um fato, pessoa, local, entre

outros. O uso desse paradigma permitiu ter uma visão mais adensada dos períodos e lugares pelos

quais a RMT circulou, o investimento em várias frentes de trabalho fez diferença significativa.

Finalizando o processo de localização, por meio das visitas técnicas e acesso aos catálogos

in loco do Palácio da Instrução Pública e da Casa Barão de Melgaço, os registros foram

sistematizados totalizando, aproximadamente 144 números (RIBEIRO, 2017).

Na primeira versão da proposta de estudo para o mestrado, mais direcionada a compreender

a educação das mulheres na publicação, fez-se um primeiro mapeamento buscando recorrências

feminina na revista, para que se pudesse entender se a RMT apresentava aspectos de educação

sugestionados às mulheres. Contudo, como sinalizado na Introdução deste estudo, houve a

necessidade de redimensionar o estudo sobre a publicação optando, por fim, não o realizar a partir

de um recorte temático. O novo mapeamento foi mais abrangente, procurando reconhecer cada

parte da revista, assuntos tratados, tipologia geral, assim como que escrevia na RMT, como será

apresentado mais adiante.

Sobre as formas de acesso à Revista, se encontravam com a encadernação original na

Biblioteca Estevão de Mendonça (Figura 8) e com uma nova encadernação no Colégio Salesiano

São Gonçalo (Figura 9).

27 A utilização dos pressupostos identificados por Ginzburg foi inserida na pesquisa após a oportunidade de cursar a disciplina de Micro Análise Histórica, ministrada pelo professor Dr. Linderval Augusto Monteiro,cursada em 2017

para o Programa de Pós-Graduação em História, na Universidade Federal da Grande Dourados.

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Figura 8: a) Fotografia das Revista Matto-Grosso que estão na Biblioteca Estevão de Mendonça. b) Capa de

encadernação original do primeiro volume da RMT – 1904

Fonte: RIBEIRO, S. S. (2017).

Figura 9: Fotografia das revistas com nova encadernação feita pela Biblioteca do Colégio São Gonçalo – Cuiabá –

MT.

Fonte: RIBEIRO, S. S. (2017).

a) b)

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O processo de manejo da documentação consistiu no exame, digitalização e leitura quase

3800 páginas que comportam os mais de onze anos de publicação mensal. Em paralelo às leituras,

tomou-se notas em tabelas e relatórios escritos para que, nenhuma informação se perdesse. Como

se tratavam de vários anos de publicação, escolheu analisar ano a ano para visualizar com clareza

suas mudanças durante todo o período que a revista esteve em circulação.

A partir de uma leitura geral, percebeu-se a presença de alguns assuntos mais recorrentes

em quase todos os números. Optou-se por classificar os textos da revista em oito grandes grupos

de assuntos:

1. Religiosos: cartas, artigos, poemas, epístolas, conselhos;

2. Científicos: artigos, relatórios;

3. Literários: poemas, folhetins, crônicas;

4. Biográficos: artigos;

5. Históricos: artigos, crônicas, poemas;

6. Noticiosos: notícias, relatos;

7. De entretenimento: charadas, textos cômicos, contos;

8. De divulgação do Liceu e de outros trabalhos dos salesianos: relatórios.

Observou-se que dentre os títulos que mais se repetiram no primeiro ano da RMT, 1904,

havendo variedade de categorias: religião, ciência, história, caridade e notícias. Dos mais relevantes

destaca-se os textos históricos Apontamentos Chronologicos da Província de Matto-Grosso, pelo

Barão de Melgaço – Publicação feita sob a direcção de Estevão de Mendonça (Original Inédito),

que começou no mês de maio se estendendo pelo restante do ano. Durante todo o ano houve

também algumas páginas com os apontamentos meteorológicos feitos no Observatório

Meteorológicos “D. Bosco”, com dados científicos sobre clima, pressão atmosférica entre outro,

presentes em todos os anos da RMT.

A caridade, um dos princípios salesianos, pode ser identificada, por exemplo, em uma lista

de doadores para a catequização de indígenas, com nomes e valores em réis, explicitados durante

onze números da revista no ano de 1904. (Quadro 4)

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Quadro 4: Levantamento sobre títulos que aparecem em mais de um mês no ano de 1904, e que dão continuidade a

algum assunto específico.

Título Assunto Frequência

(meses)

A Atitude dos Cientistas Modernos para com a Religião Científico/Religioso 4

Apontamentos Chronologicos da Província de Matto-Grosso

(Seção)

Histórico 7

Bosquejos Históricos da Obra Salesiana e eu influxo no Estado

de Matto-Grosso

Salesianos 3

Santos e Festas do Mêz (Seção) Religioso 11

Cathequese dos Indigenas Bororos-coroados Caridade 11

Do Rio de Janeiro (Seção) Noticioso 10

Evangelho (Seção) Religioso 12

Notas Escolares do Liceu Salesiano Salesianos 5

Notícias (Seção) Noticioso 10

Observatório Central do Rio de Janeiro Científico 5

Observatório Meteorológico “D. Bosco” (Seção) Científico 12

Sciencia e Fé Científico/Religioso 3

Theoria das Combinações – introdução ao binômio de Newton Científico 4

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2018)

Ao final do processo de mapeamento da fonte, obteve-se os dados consolidados que

correspondiam as revistas que se teve acesso, média de páginas por número, quantidade de volume

e número de seções por ano. (Tabela 1)

Tabela 1: Relação sobre a quantidade de volumes, número, média de páginas por números e seções da RMT entre

1904-1915. Ano Volumes Números

publicados

Páginas por

número (média)

Seções

1904 12 12 28 6

1905 12 12 28 7

1906 11 12 28 4

1907 12 12 28 4

1908 12 12 28 4

1909 12 12 28 6

1910 12 12 28 5

1911 8 12 28 3

1912 * * 28 4

1913 6 12 28 3

1914 8 12 28 3

1915 2** 2** 28 2

* No ano de 1912 obteve-se acesso a apenas 1 volume da revista, não podendo assim ser computado nesse quadro.

** Pôde-se ter acesso a apenas um número desse ano, mas através do estudo conclui-se que esse ano teve a

publicação de dois números da RMT, referentes a janeiro e fevereiro.

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2018)

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Optou-se por dividir a revista em volume e números, pelo fato de nos anos de 1906, 1911,

1913 e 1914, a redação interromper a periodicidade da RMT, publicando dois ou mais números em

um mesmo volume. Somente na edição de 1911 os editores têm a preocupação em justificar a

interrupção, dada em decorrência da mudança do maquinário tipográfico. Foram publicados em

conjunto os números 7-8 de 1906; os números 4-5, 6-7, 8-9 e 11-12 de 1911; em 1913 foram os

números 3-4, 7-8, 9-10, 11-12; e por fim 2-3-4, 5-6, 7-8 do ano de 1914; sinalizando assim as

exceções em relação a publicação mensal da revista. Nesse caso, quando se aborda o termo volume,

refere-se aos números conjuntos dos números publicados.

O formato Revista passou a circular a partir de 1904. De periodicidade mensal, era escrita,

formatada, impressa e encadernada pelo Liceu Salesiano. A preocupação principal dos salesianos

com a impressão de jornais revistas e outros periódicos era a de “propagação dos princípios e

verdades da fé católica, bem como a divulgação da própria ação missionária daqueles religiosos,

no estado e fora dele” (FRANCISCO, 2013, p. 3).

O primeiro número de cada ano da RMT trazia no início um editorial em que os redatores

escreviam agradecimentos aos assinantes e colaboradores e suas aspirações com o novo ano de

publicação. Logo no primeiro ano afirmam, em um desses editoriais, que a principal função da

revista era servir a religião e a pátria. (Figura 10).

Figura 10: a) Editorial da Revista Matto-Grosso – “Mais um anno”. p.2. b) Recorte do parágrafo no qual os redatores

afirmam que a revista estava cumprindo a missão de servir à religião e à pátria.

Fonte: RIBEIRO, S. S. (2017). Montagem elaborada a partir da Revista Matto-Grosso, ano VII, v. 1, jan/1910, p. 2.

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Sua distribuição dava-se por meio de contrato de assinaturas. Uma das maneiras que a

redação utilizava para oferecer a revista para possíveis assinantes era enviando uma cópia para

leitura, caso gostassem poderiam assinar a RMT, caso contrário pediam que devolvesse o exemplar.

Aviso: as pessoas que receberem pela primeira vez a Revista, caso não queiram assignal-a pedimos devolver o presente n. Outrosim, rogamos aos nossos

assignantes que se acham em ATRAZO, o obséquio de saldarem suas

assignaturas. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VI, n.1 /1909, p.13)

Entendendo que os valores dos periódicos selecionam seus leitores, de maneira indireta,

mas factual, buscou-se analisar quais seriam os preços exigidos para ser feita a assinatura da RMT.

Pode-se encontrar nos números da RMT, a que se teve acesso, quatro ocasiões em que na página

final da revista há uma informação a respeito dos valores de assinatura.

A assignatura annual para a Capital, da REVISTA MATTO-GROSSO, é de

10$00028 pagos ADEANTADAMENTE ou no PRIMEIRO TRIMESTRE do

recebimento da REVISTA. E, para fóra da Capital, é de 12$000. Assignaturas

mensaes 1$000. A importância, da assignatura deve ser enviada directamente á REDACÇÃO em vales postaes ou carta registrada com valor declarado.

(REVISTA MATTO-GROSSO, ano VII, n.12 /1910, p.385)

A título de comparação, afim de que se possa dimensionar o valor monetário da revista na

época, seguem no quadro (5) os valores de outros periódicos no mesmo período de circulação da

RMT.

Quadro 5: Comparação dos valores das assinaturas entre a RMT e outro periódicos do mesmo período

Periódico Tipologia Local Frequência da

publicação

Valor da assinatura

anual

Revista Matto-Grosso Revista Cuiabá Mensal 10$000

O Matto-Grosso Jornal Cuiabá Semanal 13$000

Autonomista Jornal Corumbá 17$000

Correio do Estado Jornal Corumbá Duas vezes por

semana

18$000

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2018)

Observando os dados apontados no Quadro 5, percebe-se que o valor da RMT acompanha

outros das publicações de natureza periódica. Contudo, trata-se de uma publicação de tipologia

distinta, sendo uma revista e não um jornal. É importante para esse trabalho salientar a diferença

entre jornal e revista nesse período. De acordo com Martins (2008), há características próprias da

28 Lê-se “Dez mil réis”.

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revista que a diferencia do jornal, entre elas a incorporação de capa, não mais folhas soltas como

nos jornais; periodicidade mais intervalada, como circulação semanal, quinzenal, mensal, anual,

enquanto o jornal em geral tem fluxo mais contínuo, muitas vezes diário; temáticas mais

aprofundadas e selecionadas; e apresentação de um programa editorial.

No caso do quadro 5, o comparativo dos valores foi feito entre jornais e a RMT,

considerando que Mato Grosso a circulação de revistas no período foi menor. Jornais aqui

apresentados eram publicados com regularidade semanal, enquanto a RMT era uma publicação

mensal, mais com cerca de 28 páginas, em um papel de qualidade superior dos jornais e com uma

grande quantidade de imagens. Ainda assim, o valor da assinatura anual da RMT é inferior aos dos

outro periódico do quadro comparativo, levando-nos a entender que nesse aspecto ela se fazia

relativamente acessível. É provável que por se tratar de um periódico de natureza religiosa, ainda

que de alcance temático ampliado, possa justifica o baixo valor da assinatura.

Ao considerar os dados de população alfabetizada em Mato Grosso, infere-se que revista

seria destinada à um público mais elitizado e, possivelmente, escolarizado. O conteúdo versava

sobre práticas educativa salesiana e trabalhos desenvolvidos nas Missões; noticiava

acontecimentos dos grandes centros; sinalizava investimento na divulgação científica.

Uma vez que a RMT era adquirida por meio de assinaturas, deduz-se que parte do

financiamento para sua produção derivava desta receita. No entanto, também é possível que a

própria Missão Salesiana oferecesse recursos para a produção desse material, uma vez que a RMT

aparenta ser um meio de divulgação do trabalho civilizador e religioso da Ordem. Não foram

localizadas informações sobre a tiragem na revista, como é comum em alguns periódicos.

De acordo com as informações levantadas, sabe-se que o Liceu São Gonçalo possuía em

sua tipografia (Imagens 11 e 12), primeiramente uma máquina tipográfica manual chamada Catu

(JUCÁ, 2009). Em 1911 foi anunciado, na própria revista, a aquisição de uma moderna rotativa

vinda direto da França denominada Marinoni29, uma revolução na impressão de periódicos uma

vez que essas rotativas permitiam uma quantidade grande de páginas impressas, em um tempo

relativamente menor quando comparadas as impressoras manuais. As rotativas francesas podiam

29 Hyppolite Auguste Marinoni foi um inventor francês, responsável pela criação dessa máquina rotativa em 1866, uma

revolução para a impressão nesse período. Para mais informações sobre máquinas tipográficas ver Pinto (2014).

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69

imprimir aproximadamente 10.000 páginas por hora30 e reproduziam imagens com qualidade

superior ao que havia até o momento31.

Figura 11: Fotografia da oficina de compositores de imprensa dos padres salesianos.

Fonte: Álbum Gráfico de Mato Grosso, p. 215, 1914.

Figura 12: Fotografia do prelo grande, máquina de impressão utilizada na oficina de tipografia.

Fonte: Álbum Gráfico de Mato Grosso, p. 215, 1914.

30 Essa informação sobre a quantidade de páginas impressas pela rotativa Marinoni é confusa, pois as referências

consultadas trazem número distintos, mas se tem certeza de que está na casa dos milhares. No Jornal A Cruz na ed 25

de 1911, p. 3, em uma resposta A Reacção afirma estar em processo de instalação o maquinário Marinoni capaz de imprimir 5000 números por mês. 31 Ver mais em Madio (2007).

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70

A instalação dessa nova máquina ocasionou atraso na edição abril de 1911 da RMT. Os

redatores optaram por publica-lo em edição conjunta, reunindo os meses de abril e maio juntos. A

justificativa do atraso foi anunciada pelo jornal quinzenal A Cruz em sua edição maio de 1911.

(Figura 13), possibilitando perceber o diálogo que os redatores estabeleciam entre os grupos.

Figura 13: Recorte de página da revista, aviso sobre o atraso na edição de abril da RMT.

Fonte: A Cruz n. 25, mai./1911, p. 3. (Recorte)

O atraso também foi justificado na RMT, conforme demonstra o excerto de texto da Figura

14. Ao longo do exame da publicação, observaram-se outras ocorrências dessa periodização

diferenciada, durante os anos de 1906, 1913 e 1914, nem todas com ampla justificativa.

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Figura 14: Recorte de página da revista, aviso sobre o atraso na edição de abril da RMT e compra da nova máquina

tipográfica.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano VIII, v. 4, abr-mai/1911, p. 147. (Recorte)

Ao final de cada ano todos os números referentes ao período eram reunidos em um único

volume e encadernados na oficina de tipografia do próprio Liceu (Figura 15). Eram numerados em

continuidade e feito um índice anual. Para tanto, os salesianos contavam com uma máquina manual

de encadernação importada de Leipzig, na Alemanha (JUCÁ, 2009).

Figura 15: Fotografia da oficina de aprendizes de encadernador do Liceu Salesianos.

Fonte: Álbum Gráfico de Mato Grosso, 1914, p. 215.

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Como sinalizado no capitulo 1, os salesianos voltaram-se à catequização dos indígenas e à

educação das crianças e jovens não-indígenas. As formas de atendimento educativo variavam de

acordo com a classe à qual pertenciam. Os estudos profissionalizantes, sobretudo aqueles

ministrados na oficina de tipografia, destinavam-se aos meninos mais carentes da região, bem como

outros ofícios mais técnicos que ali ensinavam. Já os estudos das humanidades se destinavam aos

filhos das famílias mais abastadas e influentes, os quais pretensamente, iriam se formar em

bacharéis em algum grande centro. Assim, os meninos pobres eram preparados para atuarem como

mão de obra, justificando sua utilidade social. Informações sobre essa estruturação podem ser

encontradas, por exemplo, no Álbum Gráfico de Mato Grosso:

O curso de Humanidades prepara a para a vida culta e pratica, bem como para a admissão nas Academias superiores; o de Escripturação Mercantil forma

intruidos guarda-livros e commerciantes; o de Agrimensura prepara

Agrimensores, tornando-lhes ao mesmo tempo muito mais fácil o curso de Engenharia.

O ensino profissional, destinado principalmente á meninos pobres e

desamaparados, é distribuido nas seguintes escolas theorico-praticas. 1. Typographia

2. Encadernação

3. Alfaiataria

4. Sapataria 5. Carpintaria e Marcenaria

6. Ferraria e Serralheria

Para os aprendizes artifices ha, outrossim, um Curso adaptado de Religião, Portuguez, Arithimetica, Desenho, Escripturação mercantil, Geografia e

Frances. (ALBUM GRAPHICO DO ESTADO DE MATTO-GROSSO, 1914,

n.p. Grifo nosso)

Quanto ao formato da RMT, este foi mantido o mesmo em relação ao tamanho e tipo de

papel utilizado para a impressão. No geral cada número da revista tinha entre 28 e 30 páginas, com

exceção dos meses em que reunia mais de um número. O papel utilizado para a impressão era

medido em 27 cm x 17 cm32.

A diagramação da revista era apresentada com texto dividido em duas colunas, como se

pode observar na Figura 16, com algumas exceções.

32 Barbosa e Moreira (2017) confirmam essas informações em seu trabalho.

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Figura 16: Digitalização de página inteira exemplificando a divisão do conteúdo, na revista, em duas colunas.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano VII, n. 10, out/1910, p. 289

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Imagens e poemas ocupavam todo o horizonte da página, assim como alguns textos de

homenagens póstumas, exemplificados na Figura 17.

Figura 17: Digitalização de página inteira com artigo de homenagem póstuma disposta em apenas uma coluna.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano VI, v. 7, jul/1909, p. 189

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Dentre elas destaca-se o número 7 de 1909, que veio à público com 16 páginas, em coluna

única cada, em que redatores e colaboradores da RMT prestam suas homenagens fúnebres ao

Presidente da República Afonso Augusto Moreira Pena, que faleceu durante o mandato. Os artigos

ali publicados tratavam de elogiar o falecido presidente e expor parte da sua biografia: afirmando

estar toda a pátria enlutada.

Quanto a estética e arte empregadas na RMT, os números, em gerais, possuíam uma

ornamentação que chama atenção para os padrões da época. As imagens ilustrativas, algumas das

fontes tipográficas utilizadas, principalmente nos títulos, remetem à art-nouveau33 muito comum

nos impressos da belle époque, período entre os anos de 1880 e 1914, caracterizada pela euforia e

otimismo da burguesia (CANTARELLI, 2006 p. 13). Segundo Martins (2003), as revistas

ilustradas (principalmente) eram excessivamente adornadas por molduras florais característica da

art-nouveau, demonstrando que os editores da RMT estavam atentos ao layout e o design de outras

revistas contemporâneas.

Essa escola artística foi reconhecida pelo uso de linhas sinuosas e assimétricas que variavam

entre traços finos e traços mais grossos e bem marcados; uso de elementos naturais como florais,

penas e folhagens; linhas curvas remetendo aos longos cabelos femininos; cores fortes; arabescos;

presença de símbolos; entre outras características (CANTARELLI, 2006, p.70) Mas a principal

marca da art-nouveau presente na RMT, em especial nos seus primeiros anos, é a chamada “Linha

Belga”, também conhecida por “chicoteada”, onde há um crescimento e decrescimento em relação

a sua espessura. (Figura 18)

33 Para mais informações sobre art-nouveau em impressos é interessante conferir Cantarelli (2006).

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Figura 18: a) Art-Nouveau presente em página interna do mês de fevereiro de 1904. b) Capa da edição de janeiro de

1908, contendo “linha belga”, folhagem e tipografia da Art-Nouveau.

Fonte: a) Revista Matto-Grosso, ano I, v. 2, fev/1904, p. 46. b) Revista Matto-Grosso, ano V, v. 1, jan/1908. (capa)

A art nouveau representava todo uma mudança na forma de enxergar certos elementos

artístico, de certa forma libertando o uso de alguns padrões estéticos e valorizando curva, natureza

e linhas livres. De acordo com Schnitman:

A desconstrução e a busca de novos de paradigmas nas artes plásticas vai gestar

vários movimentos, nenhum deles com vigor para impor um estilo definitivo. Entretanto, o inconformismo em relação à medíocre estética da produção de massa

traz de volta o artesanato e dissemina o gosto pelo genuíno, simples e caseiro.

Deste inconformismo emerge a Art Nouveau, de forte inspiração artesanal. Fruto

do movimento contra a técnica, esta arte foi buscar inspiração no oriente distante, no Japão. Os novos materiais possibilitavam o uso de formas Assimétricas,

sinuosas de característica naturalista. Esta nova arte, considerada por alguns anti-

histórica, inspirou-se também na arte medieval, no barroco e no rococó.

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Valorizava o decorativo, o ornamental em contraposição à simetria das formas

industriais (SCHNITMAN, 2007, p.124)

O padrão tipográfico empregado em alguns dos títulos estavam de acordo com a estética da

art nouveau, outros tinham uma estilo gótico, ou seguiam o mesmo padrão tipográfico do corpo do

texto: uma fonte mais simples, com serifa34, semelhante a Times New Roman, não sendo

especificamente essa, por ter sido criada, posteriormente a impressão da RMT, em 1931.

Contabilizou-se, durante o mapeamento da RMT, a quantidade de imagens presentes na

revista, cujo resultado pode ser observado no tabela 2. Elegeu-se três tipologias de imagens para a

mensuração quantitativa das apresentações: fotografias; ilustrações e caracteres introdutórios.

Em relação à tipologia fotografias, partiu-se da quantificação de imagens provenientes de

registros via máquinas fotográficas, identificadas diretamente na ou a partir da leitura e

entendimento da pesquisadora. Quanto à classificação da tipologia ilustrações, estas referem-se as

imagens produzidas à mão ou impressas com algum conteúdo, para além do intuito decorativo ou

utilizadas para evidenciar separação das informações e artigos. Por fim, em relação aos caracteres

introdutórios, foram identificadas e nomeadas pequenas ilustrações de início de texto, ou até

mesmo iluminuras, letras capitulares com algum tipo de arte ou pintura decorativa.

Tabela 2: Relação quantitativa das imagens presentes na RMT, entre 1904-1915.

ANO FOTOGRAFIAS ILUSTRAÇÕES CARACTERES

INTRODUTÓRIOS

1904 6 11 102

1905 3 25 82

1906 10 7 93

1907 10 3 90

1908 16 1 67

1909 26 1 46

1910 40 10 33

1911 31 5 10

1912* 2 1 4

1913 8 0 1

1914 5 0 0

1915 1 0 0

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2019)

34 “[Do ingl. Serif.] S. f. Tip. Pequeno traço, ou, às vezes, simples espessamento, que remata, de um ou de ambos os lados, os terminais das letras não lineais de caixa-alta e caixa-baixa, e que pode ter a forma de filete, barra, etc.; remate.”

(FERREIRA, 1986, p. 1574)

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Ao contabilizar-se os dados, percebe-se uma diminuição gradativa dos caracteres

introdutórios, ao passar dos anos de publicação da Revista, mais intensamente utilizados nas 4

primeiras edições; o uso de fotografias aumenta entre os anos de 1909-1911, tendo seu pico em

1910; enquanto as ilustrações gerais aparecem mais na revista nos anos de 1905 e 1910. Todos as

tipologias não guardam incidências significativas nos quatro últimos anos da RMT. É importante

ressaltar aqui que foram analisados apenas 3 números do o ano de 1912, podendo assim ser

desconsiderado em uma análise mais pontual. Para que se possa visualizar essas mudanças na

impressão de Figura na RMT, elaborou-se um gráfico (figura 19) que se segue:

Figura 19: Gráfico sobre imagens presentes na RMT entre os anos de 1904-1915, considerando-se fotografias,

ilustrações e caracteres introdutórios.

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2019)

A partir do gráfico (figura 19) observam-se as oscilações nas publicações de imagens na

RMT. Com a queda na utilização dos caracteres introdutórios, representados no gráfico pela linha

cinza, percebe-se que há outro estilo gráfico-visual ocupando espaço no periódico, com menos

ilustrações e, possivelmente, mais textos. Em 1906 a quantidade de fotografias ultrapassa a de

ilustrações, e em 1910 a de caracteres introdutórios. Infere-se que o aumento da quantidade de

fotografias e a diminuição das outras imagens pode ser atribuído às melhorias técnicas e de

maquinário e uma representação dos aspectos modernos que os salesianos almejavam no período.

0

20

40

60

80

100

120

1 9 0 4 1 9 0 5 1 9 0 6 1 9 0 7 1 9 0 8 1 9 0 9 1 9 1 0 1 9 1 1 1 9 1 2 * 1 9 1 3 1 9 1 4 1 9 1 5

IMAGENS PRESENTES NA RMT

Fotografias Ilustrações Caracteres introdutórios

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As fotografias presentes na RMT ora compunham o corpo do texto, ilustrando algum artigo,

ora no início ou fim da edição da revista. Em grande parte, as fotografias se relacionavam a

conteúdos referentes a bibliografia de algum religioso ou personalidade; trabalho dos salesianos

nas colônias; fotografias de Cuiabá e Rio de Janeiro, capital do estado de Mato Grosso e capital do

Brasil, respectivamente.

Registra-se a recorrência de fotografias do Rio de Janeiro publicadas no ano de 1906,

impressa em papel mais nobre que os anteriores: ocupavam toda a página sendo dispostas em modo

paisagem da folha e não eram contabilizadas na paginação da revista. Importante ressaltar também

que estas possuíam uma breve legenda, sem acompanhamento de texto explicativo; com uma marca

dentro da imagem escrito: “TH. WENDT SÃO PAULO”, e com assinatura e data, aparentemente

manuscrita, mas difícil para a leitura considerando o estado de conservação das páginas da RMT.

(Imagens 20 e 21)

Figura 20: Fotografia publicada na RMT em 1906 – Botafogo, Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano III, v. 2, fev/1906.

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Figura 21: Fotografia publicada na RMT em 1906 – Avenida Central, Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano III, v. 9, out/1906.

A força da representação atribuída à cidade do Rio de Janeiro sugere o exemplo a ser

seguido pela sociedade cuiabana, cujo a modernidade deveria ser fonte de inspiração. A RMT

dialoga, por meio de seus textos, em diversos momentos, com a capital do país, seja através de

artigos sobre a cidade, notícias e as fotografias, conformando-se em referência importante para as

elites locais.

A Revista apresenta diversidade nas publicações, contrariando a aparente pretensão em ser

uma revista de cunho religioso e moral. Nos primeiros números, em editorial, a redação afirma que

pretende formar um conteúdo que abranja a história regional e dos seus heróis, para servir de

consulta para o futuro, ao mesmo tempo que se preocupam com as pautas religiosas, científicas e

de entretenimento. Para evidenciar, de modo mais objetivo, os conteúdos publicados pela RMT,

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segue o quadro (6) em que são apresentadas as seções mais regulares na publicação, relacionando

com os anos em que estavam presentes.

Quadro 6: Seções da Revista Matto-Grosso.

SEÇÕES DA RMT

1904

1905

1906

1907

1908

1909

1910

1911

1912

1913

1914

1915

Apontamentos do

Barão de Melgaço

X X X X X X X X X

Do Rio de Janeiro X X X

Evangelho X X

Romance X X X X X

Notícias X X X X X X X X

Observatório

Meteorológico

X X X X X X X X X X X X

Página Humorística X

Parnaso

Mattogrossense

X X X X

Santos e Festas X X

Seção Agrícola X X

Seção Amena X X

Seção Charadística X

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2017)

Os Apontamentos de Barão de Melgaço são retratados na RMT são registrados por Estevão

de Mendonça, publicados em seção fixa entre 1904 e 1912, e foram organizados em quatro:

Apontamentos Cronologicos da Provincia de Matto-Grosso (Figura 22); Roteiros de Navegação

no Rio Paraguay; Extrato do Diário da Diligencia ao reconhecimento do Rio Paraguai desde o

lugar do Marco do Jaurú (Figura 23); e por fim, Apontamentos Avulsos.

Estevão de Mendonça reuniu suas diversas anotações e outros escritos publicados no

Arquivo de Cuiabá (CORRÊA, 2011). O ano de 1908 inicia-se com uma homenagem da RMT ao

Barão de Melgaço35 e sua imagem figura à capa do primeiro número desse ano, com o título:

35 Barão de Melgaço, título recebido pelo francês Augusto Leverger por sua importante participação durante a Guerra do Paraguai (1864-1970), foi um intelectual que se estabeleceu em Cuiabá, onde casou-se com uma mulher da elite

local e destacou-se pelas obras escritas e publicadas sobre a história regional. (GALETTI, 2012; PINTO, 2018)

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Homenagem ao emérito servidor da pátria matto-grossense Barão de Melgaço. Nas primeiras

páginas há vários textos em homenagem ao Barão de Melgaço, assinados por Estevão de

Mendonça; Carlos Soares Filho; Moraes e Mattos; Heliodoro de Miranda; Antonio F. de Souza; O.

Correa; e Luiz Portella Moreira.

Figura 22: Digitalização de página inteira sobre a seção Apontamentos de Barão de Melgaço – Apontamentos

chronologicos da província de Matto-Grosso.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano IV, v. 3, mar/1907, p. 67.

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Figura 23: Digitalização de página inteira sobre a seção Apontamentos de Barão de Melgaço – Roteiro de navegação

do Rio Paraguai.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano V, v. 2, fev/1908, p. 39.

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Do Rio de Janeiro era uma seção de notícias escrita por Waldemiro Speridião, que ora

identificava-se pelo nome completo e em outras apenas as iniciais W.S. O exame dos textos sugere

que Speridião era um correspondente que abordava acontecimentos da capital da República

Brasileira, escrita por vezes em formato de crônicas, tratando de assuntos políticos, policiais, entre

outros. Alimentava, assim, a imprensa cuiabana com notícias da capital. A Figura 24 destaca a

forma de apresentação desta seção.

Figura 24: Recorte de página da revista, seção Do Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano II, v. 4, abr/1905, p. 87. (recorte)

Sem perder de vista o conteúdo religioso, a seção Evangelho aparece apenas nos dois

primeiros anos da RMT. Caracteriza-se por textos religiosos e trechos da Bíblia Católica, cuja a

leitura deveria ser feita a cada domingo do mês, segundo sugestão apresentada no subtítulo da

respectiva seção. Pode ser localizada ao final de seção de notícias, após as páginas escolares quando

estas são publicadas (Figura 25)

Figura 25: Recorte de página da revista, seção Evangelho.

Fonte: Revista Matto-Grosso, ano II, v. 4, abr/1905, p. 105. (recorte)

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A seção Romance era composta por romances de cunho religioso, onde é possível observar

uma preocupação em revelar aspectos morais esperados do bom cristão ou cristã, foi publicada

esporadicamente, entre os anos de 1907-1908 e 1912-1914, com romances publicados um capítulo

por número. Foram dois romances publicados: Fabíola ou a Egreja das Catacumbas, do cardeal

anglo-hispânico Nicholas Wiseman, publicado originalmente em 1854 (Figura 26); e O Raio de

Luz, de Reynés Monlaur, que segundo informações da própria revista fora traduzido, por Dr. J. J.

de Freitas Coutinho, da 69ª edição francesa, especialmente para a RMT.

Figura 26: Recorte de página da revista, seção Romance. Fabiola ou A Egreja das Catacumbas, capítulo XV – 1908.

Fonte: Revista Matto-grosso ano V, v. 3, mar/1908. (recorte)

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Seção fixa na RMT desde o início do periódico até 1911, as notícias eram publicadas, em

geral, na penúltima seção. Os títulos se alteravam, mas os conteúdos permaneciam com o mesmo

tom redacional, (Notícias, Notícias de Aquém e Além Mar; e especialmente no ano de 1909 como

Seção de Notícias e Variedades), conforme se vê na Figura 27.

Figura 27: Recorte de página da revista, seção de Notícias.

Fonte: Revista Matto-grosso ano IV, v. 4, abr/1907. (recorte)

Nessa seção, havia notícias do Brasil e de outros países, principalmente da Inglaterra,

França, Alemanha e Estados Unidos. Havia, em alguns números de cada ano, as Páginas

Escholares, onde era possível encontrar informações sobre o Liceu, em relação a lista alunos que

se destacaram pelas notas dos exames.

A circulação de notícias entre os periódicos também foi identificada na RMT. A Revista

notificava, com regularidade, menções de outros que recebiam a RMT, contendo uma frase com

um elogio a revista e um breve agradecimento. A seção Bibliographia fazia o movimento inverso,

ou seja, registrava o recebimento de títulos pela redação. Citavam-se os periódicos nacionais:

Estandarte Catholico (São Paulo); Jornal dos Agricultores (Rio de Janeiro); O Commercio (Rio

Grande do Sul); A Gazeta Official, O Estado, O Matto-Grosso, O Rebate (Mato Grosso); A Estrella

(Curitiba); e os periódicos internacionais: Boletim Salesiano (Turim); Boletim Mensal

Meteorológico (México); La Vera Roma (Roma); Bolletin des Observations del Zi Ka-Wei (China);

Beobachtungen na der K. K. Zentralanstalt für Meteorologic und Erdmagnetismus (Viena);

Agricola (Perú); Extract de Bulletin Meteorologique et Agricole (Bulgária); O Petardo (Lisboa);

Monthlg Weather Revierv (EUA); entre outros. Dessa forma foi possível reconhecer, com base na

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incidência dos tópicos, uma intensa troca de informações com jornais e revista de outros estados,

assim como de outros países.

Assim como a seção de notícias, a seção de assuntos meteorológicos estava presente

regularmente na RMT, ocupando, em média, as cinco últimas páginas de cada número,

demonstrando a preocupação com o racionalismo do conhecimento científico. Nessa seção, era

possível encontrar apontamentos resultantes do Observatório Meteorológicos “D. Bosco”, com

dados científicos sobre clima, pressão atmosférica entre outros, além de informações recebidas de

outros observatórios, como o de “Greenwich na Estação Central do Rio de Janeiro e transmitidas

diariamente ao Observatório ‘D. Bosco’”; e do “Observatório Meteorologico ‘Presidente Antonio

Paes de Barros’, dirigido pelos R. R. P. P. Salesianos em Araguaya – Matto-Grosso”, segundo

informações do cabeçalho da seção. (Figura 28)

Figura 28: Digitalização de página inteira sobre a seção Meteorológica – 1907.

Fonte: Revista Matto-grosso ano IV, v. 4, abr/1907.

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O Observatório Meteorologico “D. Bosco”, assim como a tipografia, era utilizado como

espaço de aprendizagem de alguns dos cursos de ofícios profissionalizantes oferecido pelo Liceu,

funcionando como laboratório de física química, além da coleta de dados climáticos

(FRANCISCO, 2010). Havia breve descrição, a respeito de seu fundamento e funcionalidade, na

própria RMT:

O curso meteorologico, estreado por occasião do triduo festival commemorativo do anniversario 25º das nossas missões sul-americanas, traça por sem duvida uma

pagina de luz nos fatos matto-grossenses.

O Elegante gabinete, que é ao mesmo tempo um mimoso lavôr de alvenaria, ateia-

se a cavalleiro da cidade em graciosa collina arejada por variações perennes, 235,m02 de altitude, 15º 38' 57" de longitude, 12º 50' 7" de longitude (occ. Rio).

Adornado de preciosos instrumentos acham-se em communicação directa com 51

observatorios e ha já divulgado pelo periódico "Matto-Grosso" suas acuradas observações meteorologicas (...). (REVISTA MATTO-GROSSO, n.5, ano I,

mai/1904, p.127)

A presença desse observatório no Liceu salesiano e a relevância dada a ele pelos redatores

da RMT, bem como aos dados ali produzidos, sugerem que aquele seria um espaço formativo

alinhado aos interesses dos salesianos. Contudo, não se obteve dados, no curso desta pesquisa, para

ampliar tais considerações.

A Página Humorística aparece como seção em 1905. Nos dois anos anteriores, os textos de

humor eram trazidos em diferentes lugares da composição de cada número, geralmente entre um

artigo ou outro, compostos por pequenas histórias em quadrinhos e contos. O mesmo ocorria com

Seção Charadística, em que estavam expostas algumas charadas e enigmas. É importante ressaltar

que a presença de texto humorístico se fazia em todos os anos da publicação, o que demonstrava

uma tentativa de ser vista como uma revista voltada ao entretenimento, além de poder representar

um espaço de crítica à sociedade e aos costumes de época. Em outra via de produção textual, a

produção literária também era contemplada com espaço na publicação, a seção Parnaso

mattogrossense é composta por poemas sobre Mato Grosso. (Figura 29)

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Figura 29: Recorte de página da revista, seção Parnaso mattogrossense.

Fonte: Revista Matto-grosso ano 9, v. 4, abr/1912, p. 97. (recorte)

Foi possível encontrar essa seção entre os anos de 1912 e 1915. Na primeira aparição da

seção na RMT, a redação divulgou a seguinte nota:

Parnaso mattogrossense - Avida sempre de contribuir, segundo suas posses, para

o engrandecimento deste torrão abençoado, inicia hoje a nossa Revista essa secção destinada a registrar producções poeticas de auctores patricios, as quaes primem

pela nobreza da inspiração e dos sentiementos, maxime si bafejadas pelos ideaes

supremos de Deus e Patria. Rogamos, pois, aos nossos amaveis leitores, zelosos das patrias lettras, queiram

enviar-nos os trabalhos que porventura conservem de nossos finados poetas, e

estimular os jovens estreiantes a se inspirarem naquelles sublimes themas, eternos

mananciaes de poesia e canticos para toda alma bem talhada. (REVISTA MATTO-GROSSO, n.2, ano IX, fev/1912, p.40)

Entre 1909-1910 consta publicada a Seção Agrícola (Figura 30), que era composta por

artigos voltados a escolha das melhores sementes; tipos diferentes de culturas; utilização de

máquinas agrícolas; e combate às pragas. Os artigos apresentados nessa seção tinham autoria

diversa; alguns textos sem assinatura; e republicação de outras publicações impressas,

principalmente do O Entomologista Brasileiro, mas também de outros, que são: A B C do

agricultor, Jornal dos Agricultores, A Lavoura e Chácaras e Quintaes. Os respectivos periódicos

foram citados, mas não há detalhes sobre eles, como origem, se são jornais ou revistas, entre outras

informações.

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Figura 30: Recorte de página da revista, Secção Agrícola.

Fonte: Revista Matto-grosso ano VI, v. 1, abr/1909, p. 15. (recorte)

No mesmo período da Seção Agrícola (1909-1910) também fora incluída a Seção Amena

(Figura 31). Essa, por sua vez, tratava-se de contos com lição de moral, voltados para lições de

educação e obediência aos pais e a religião. Os contos geralmente estavam divididos em dois ou

mais números da revista, ocupando de duas a quatro páginas em cada edição. Os títulos eram

apresentados acompanhados de dados sobre a publicação, entre parênteses, contendo as seguintes

palavras: traduzido, continua, conclusão e fim; de acordo com a necessidade do texto apresentado.

Em sua maioria, os contos eram assinados apenas por iniciais, impossibilitando, neste

momento, a identificação de autoria. Constavam assinados os textos de Paulo de Feval e Mme.

Emmeline Raymond; e os que possuíam a informação sobre a republicação de A Instrucção36.

Figura 31: Recorte de página da revista, Secção Amena.

Fonte: Revista Matto-grosso ano VI, v. 1, abr/1909, p. 15. (recorte)

36 Não há informação se esse periódico se trata de um jornal ou uma revista.

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A partir da leitura dos contos que compõem essa seção, percebe-se que os textos traziam

lições de moral embutida em suas estórias, com redação simples e coloquial, agradável a leitura. A

moral referida aqui estava atrelada à compreensão de mundo a partir da doutrina religiosa católica.

Por último apresenta-se a seção Santos e Festas da Egreja, identificada nos dois primeiros

anos de circulação do periódico. Cada número do ano trazia um calendário mensal com os

respectivos santos de cada dia do mês e as festas religiosas. (Figura 32)

Figura 32: Recorte de página da revista, seção Santos e Festas da Egreja – fevereiro de 1904.

Fonte: Revista Matto-grosso ano I, v. 2, fev/1904.

Em fevereiro de 1915, os redatores da RMT publicam um artigo intitulado “Despedida” em

que anunciam o fim da revista. Afirmam ter cumprido a missão que tinham se proposto desde o

início: servir a religião e a pátria. A finalidade do periódico, segundo os seu redatores, estava

descrita no primeiro editorial em 1904, afirmavam que a revista pretende “preencher uma lacuna”

no estado de Mato Grosso, no que se refere a uma reunião de registros sobre a região, e que assim

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pretendiam colaborar. Destacaram que buscariam com a revista o que chamam de “servir a causa

pública”.

Apparece hoje esta revista como haviamos annunciado e que vem

incontestavelmente preencher uma das lacunas de que muito resente-se o nosso Estado. (...) Um anno que começa, a necessidade de um repositorio ou registro do

que existe aqui sobre a nossa terra, seguido dos factos coordenados em que ordem

a fornecer de futuro, subsidio seguro para nossa historia, são os principaes motivos

que impellem-nos a aventurar este commenttimento talvez superior às nossas forças. (...) O programma da Revista será o mesmo do jornal 'Matto-Grosso', os

mesmos os seus intuitos civilisadores (...). (REVISTA MATTO-GROSSO, ano I,

n.1, jan/1904, p.1)

Aproveitaram para agradecer a todos que contribuíram com o conteúdo do periódico desde

1904, dando uma ênfase ao desembargador Luiz da Costa Ribeiro que, segundo eles, orientou,

auxiliou e colaborou quase continuamente com a revista. Os redatores descreveram alguns pontos

que levaram ao fim da publicação, conforme destaca o excerto que segue:

Hoje difficuldades novas antolham-nos o caminho, não ultima a crise financeira que assola a sociedade. A morosidade de pagamentos de assignantes, por parte de

alguns, a falta de papel que não se encontra em nossa praça37 e não nos vem do

exterior; e ainda, mais a actual crise que fez com que corações benfazejos não

auxiliem na proporção das necessidades o sustento dos orphans gratuitamente educados nas officinas Salesianas e suja manutenção a Missão Salesiana deve

completamente pensar e occorrer, obrigando-nos a suspender a publicação da

Nossa Revista. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VIII, n.2, fev/1915, p.36)

Para concluir a mensagem de despedida, os redatores afirmaram ter saudosas recordações

todo o período da revista, tendo contribuído de alguma forma na publicidade do estado de Mato

Grosso. A própria carta de despedida da redação foi uma pista no entendimento de que a RMT fora

formulada na intenção de promover, além da religião, o próprio estado de Mato Grosso, assim

como registrar elementos para constituição de uma identidade regional e, consequentemente, uma

história.

Ressalta-se ainda, que o fim da RMT coincide com uma mudança de direção no Liceu São

Gonçalo. Durante todo o período da revista estiveram na direção três padres, Helvécio Gomes de

Oliveira (1901-1903), fundador da RMT, ainda no seu antigo formato de folheto; Manuel Gomes

de Oliveira (1903-1911), com o maior período de tempo na administração nesse recorte que foi

37 Segundo Ligia Cosmos Cantarelli (2006), as primeiras fabricas nacionais de papel foram as seguintes: Klabin em

1906, e Melhoramentos em 1921.

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feito; e Francisco Aquino Corrêa (1912-1914), que viria a se tornar presidente do Estado, arcebispo

de Cuiabá, fundador e presidente do Instituto Histórico de Mato Grosso. No ano em que se

publicaram os dois últimos números da revista, 1915, a direção do Liceu passou aos cuidados de

Pe. João Batista Couturon, que permaneceu no cargo até 1918.

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CAPÍTULO 3: A REVISTA MATTO-GROSSO COMO DISPOSITIVO DE EDUCAÇÃO,

CULTURA E RELIGIOSIDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XX

À apresentação do contexto em que se insere a produção e circulação da Revista Matto-

Grosso, acompanhada pela sua materialidade, formas de apresentação internas e temas distribuídos

ao longo de seus quase 11 anos de publicação feitas nos capítulos anteriores, segue-se, no presente

capítulo, a discussão desse impresso como um artefato cultural produzidos pelos salesianos,

buscando compreender suas formas de pensamento, valores e modos pelos quais implementaram

seus ideais. O conteúdo da RMT será material a partir do qual será feito algumas análises, afim de

perceber seus aspectos culturais e educacionais, bem como a presença dos princípios da educação

salesiana nos textos desse impresso.

O estudo da cultura balizados por meio dos impressos, dialoga intimamente com o campo

da história cultural, considerando-os como produtos do tempo em que se insere, revelando ditos e

não ditos, intencionalidades e possibilidades de compreensão de determinados temas, perante o

período histórico em que se inserem. De acordo com Chartier

A história oferece duas abordagens que são necessariamente ligadas: reconstruir a diversidade de leituras mais antiga a partir de seus vestígios múltiplos e esparsos,

e identificar as estratégias através das quais autoridades e editores tentaram impor

uma ortodoxia ou uma leitura autorizada do texto (CHARTIER, 1992, p.215)

Dessa forma, pretende-se compreender as propostas da revista e de seus editores, suas

intenções ao escrever os artigos e selecionar outras fontes e notícias, em um período que se entende

como fundamental para a formulação de ideias no início do século XX, em Mato Grosso. Em

contrapartida, acredita-se que seu uso e seus efeitos diferem dessa intencionalidade pré-

estabelecida uma vez que a apropriação cultural do texto depende de fatores externos que não

podem ser controlados por aqueles que escrevem, editam e imprimem. Tal afirmação baseia-se nos

estudos a respeito dos impressos feitos por Chartier, no âmbito da história cultural, em que o

historiador conclui que “(...) as práticas de apropriações sempre criam usos ou representações muito

pouco redutíveis aos desejos ou às intenções daqueles que produzem os discursos e normas”

(CHARTIER, 1992, p.233).

Assim, ao falar sobre os objetivos de quem a escreve e as práticas que sugerem, pode-se

entender que a RMT é um artefato cultural que funciona como um mecanismo de representação,

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influenciando na construção de uma identidade histórico e cultural de Mato Grosso. Vai além de

um produto a ser consumido de forma determinada, mas busca reproduzir valores, instrução e

história por meio das representações contidas em seus artigos.

A RMT é produto e produtora cultural, uma vez que expressa desejos de uma determinada

camada da sociedade, dialogando com ideais de grupos locais, mas também ressoando os interesses

de grupos externos ao Mato Grosso, pautando-se em interesses comuns, em especial a sua essência

religiosa e civilizadora.

Renata Rolon, em sua tese de doutorado “No fundo do mato virgem nasceu uma literatura:

história e análise de obras direcionadas para crianças e jovens em Mato Grosso”, analisa a formação

do que ela qualifica de “sistema literário local” e a produção de literatura infanto-juvenil em Mato

Grosso. Em uma breve menção à RMT, enquanto abordava os periódicos mais relevantes do início

do século XX, Rolon faz a seguinte observação sobre o trabalho e os objetivos dos salesianos:

Compenetrados numa missão educativa e didática, os salesianos produziam peças teatrais, jornais e revistas ressaltando a manutenção de valores, atitudes e

ensinamentos. Essa era a possibilidade de iniciar a criança e o jovem no

conhecimento da realidade, de mostrar a eles os modos de vivência e de

comportamentos. Por isso, na tentativa de “educar” o público local, a cultura escrita é tomada como a principal formadora do sistema literário. Nesse sentido,

cumpre dizer que toda a elaboração inicial desse sistema baseia-se,

necessariamente, na amostragem da cultura da sociedade mato-grossense e na valorização de elementos locais e nacionais. Esses elementos se entrelaçam e se

materializam no plano temático e também no da linguagem. (ROLON, 2014, p.57)

Ou seja, a produção da Revista reverbera por diversos espaços da sociedade mato grossense,

visto que nasce em um período de efervescência política, o qual culmina com o discurso de

“entrada” de Mato Grosso na Modernidade, o que, em boa medida, se faz pela via dos impressos.

Entender aspectos gerais do contexto social, político e econômico da região nos ajudam na leitura

crítica desse periódico e na interpretação da fonte. De acordo com Zorzato (1998, p. 27) “Com o

advento da república, a exemplo do que ocorre em outras regiões do país, a parcela dominante da

população que emerge como força política regionalizada, busca criar a sua própria memória,

atrelando-a, dentro do possível, à ideia de nação em formação”. Em Mato Grosso, no início do

século XX, houveram violentas disputas pelo poder, que segundo Zorzato (1998, p.15-17),

culminou na busca pela constituição de uma memória historiográfica local e uma identidade que

unissem facções rivais e criasse uma noção de pertencimento que levassem às elites a manutenção

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do poder e de seus privilégios. Além disso, o estabelecimento de uma identidade de grupo os

protegeria da chegada de forasteiros garantindo também o seu poder.

Daí o dilema vividos por estes pensadores: construir com referenciais externos

uma explicação que dê conta de apontar um caminho rumo à civilização desejada,

sem negar as especificidades que julgam ter. Assim, necessitam construir uma memória que os afaste daqueles adjetivos indesejáveis. Colocando-se como

herdeiros e guardiões do povo a que pertencem, buscam construir imagens e

representações através das quais querem ser vistos. Passam então a se considerar como sentinelas avançadas da civilização no sertão. Ao invés de ‘selvagens’,

reforçam a origem paulista quando não da ‘melhor estirpe europeia’; e, ao invés

de ‘sanguinários’, constroem as imagens de ‘revolucionários’, ‘patriotas’ e

‘destemidos’. No lugar de ‘preguiçosos’, colocam-se como gente adaptada à rudeza do meio, amante do progresso disposta ao sacrifício em nome do ‘amor à

terra natal’. Por fim, mesmo diante de situações adversas, se dizem amantes

das artes, da religião, cultuadores da ciência e, sobretudo, da história e da geografia. Na realidade, a ênfase dada a estas disciplinas explica-se mais como

recursos onde se buscam informações, a partir das quais constroem um quadro

idílico de imagens favoráveis à identidade almejada.” (ZORZATO, 1998, p.16-

17. Grifo nosso)

A Revista nasce, conforme seus editores, com a proposta de levar cultura, arte, ciência e

religião, além de procurar preservar escritos históricos-memorialistas. Sua importância é

mencionada nos estudos de Osvaldo Zorzato, que as entende como marcas da construção da

identidade regional mato-grossense.

Posso afirmar, portanto, que as revistas são ponto de partida no processo de elaboração identitária regional na medida em que por suas páginas iniciam-se

publicações de textos que servem de constante referência, como fonte documental

dos tópicos a serem preservados. Não por acaso, artigos publicados naquelas revistas são transcritos ou referenciados no Álbum (ZORZATO, 1998, p. 48-49).

O exame da publicação permite afirmar que a imprensa tem um papel preponderante no que

concerne ao projeto de divulgação de ideias dos salesianos. Seu fundador, D. Bosco, divulgada a

importância de uma “regeneração da imprensa”38,que consistia em fazer frente ao movimento de

expansão e difusão das igrejas reformadas, dando a eles a missão de combater todo seu

proselitismo, principalmente em relação à juventude e às massas populares. Segundo Braido:

(...) vasto setor, particularmente congênito com a mentalidade e com as atitudes de Dom Bosco, são as atividades publicitárias, editoriais e livreiras. Escritor de

produção relativamente abundante, especialmente no campo catequético,

38 REVISTA MATTO-GROSSO, ano VII, v.1, jan/1910, p.5.

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religioso, devocional, apologético, agiográfico, ele amplia logo as possibilidades

de difusão com a fundação de tipografias, livrarias e editoras com proporções sempre maiores. (BRAIDO, 2017, p. 139).

Sublinhando essa preocupação de D. Bosco com a produção impressa, a Revista traz à

público, em seu primeiro número do ano de 1910, artigo sobre próprio fundador39, que destaca o

papel da imprensa, como aliada da missão de voltar os olhos dos homens para os princípios

religiosos na sociedade. Nas palavras do artigo “D. Bosco foi um homem admirável, que a

Providencia suscitou para a sarar uma sociedade corrompida e corruptora” (REVISTA MATTO-

GROSSO, ano VII, v. I, jan/1910, p.5). Os redatores ainda frisam que a época de trabalho de D.

Bosco estava tomada pelo “socialismo absurdo” com seus “princípios funestos e subversivos”.

A imprensa seria, ao lado da educação, a ferramenta para o combate às ideias que cada vez

mais se separavam da doutrina católica e da moral religiosa. No referido artigo se questiona o que

deveria ser feito diante do mau uso da imprensa, da produção de livros, folhetos e periódicos

“irreligiosos e deshonestos”, nas palavras deles. E são apresentadas algumas respostas, visto que

“A imprensa nenhuma culpa tem dos males que se lhe attribuem" (REVISTA MATTO-GROSSO,

ano VII, v.I, jan/1910, p.5). A solução proposta por D. Bosco foi utilizar a imprensa em favor dos

interesses de sua ordem: apresentar livros, jornais e outros tantos escritos que contivessem a sua

verdade religiosa e seus princípios para o refinamento social:

Elle teria podido percorrer as provícias e as cidades todas da Itália, renovando a

cruzada de "Gerolamo Savonarola" reunir nas praças montões de livros máus, e

ao canto de psalmos destruil-os; santo protesto, não ha duvida; mas frustrado. Centenares e milhares de machinas quotidianamente trabalhando, reproduziriam

o livro, o opusculo, o jornal, queimados pelas chamas purificadoras, mais rapidas

que as próprias chammas; e D. Bosco julgou que outro caminho devia trilhar: apossar-se das machinas, constrangil-as ao serviço da verdade e da virtude,

infiltrar nas aguas turbulentas da impransa corruptora, as aguas limpidas e fresca

da imprensa honesta. (REVISTA MATTO-GROSSO, n. 1, ano VII, jan/1910, p.5)

Mais adiante afirmam sobre os objetivos de imprensa, afirmam:

E eis D. Bosco, escreve e publica; ao redor d'elle, pullula uma phalange de

valentes publicistas, que sem exporem-se no campo aberto das luctas quotidianas,

pouco compativeis com espirito animador do Instituto, alimentaram innumeras typographias, e espargiram no meio do povo, avido de leituras, livros de toda

espécie, aptos a alimentar a piedade como a recrear o espírito, a difundir noções

praticas e uteis, a fornecer os meios de uma seria cultura outrosim litteraria.

39 D. BOSCO e a imprensa. In: Revista Matto-Grosso, ano VII, v.1, jan/1910, p.4.

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Certamente D. Bosco na imprensa, como em todas iniciativas, nunca perdeu de

vista a noção educativa (...). D. Bosco não só tornou-se editor, mas fundou entre os seu alumnos uma verdadeira e própria typografia, que já possue tradições

honrosas; fez, isto é, da imprensa, não somente um instrumento de propaganda

da verdade e moralidade, mas tornou-a instrumento de rerdempção para tantos

derelictos, os quaes aprendendo sem perigo espiritual, uma arte proficua, proporcionam-se honestamente o pão para a propria existencia. (REVISTA

MATTO-GROSSO, n. 1, ano VII, jan/1910, p.6. Grifo nosso.)

A imprensa tem, com base nessa percepção salesiana, função pedagógica e educativa,

acumulando-as com a informativa, de caráter moral e civilizador, sendo a Revista o fruto dessa

imprensa “regenerada” criada pelo mentor da sociedade salesiana. Os objetivos que o texto

apresenta, como sendo os que a imprensa salesiana busca no geral, vão ao encontro dos próprios

objetivos da Revista, como é de se esperar. Ao “recrear o espírito”, como sinalizado o excerto

acima, os textos da Revista pretendem propiciar aos seus leitores leituras de recreativas, a própria

seção Amena é exemplo dessa intenção, de entretenimento. Não obstante, deveriam, também,

“difundir noções práticas e úteis”, não só aos interesses morais e religiosos, mas outros de natureza

edificante para a região, como exemplifica a Seção Agrícola, cujo o objetivo apresenta como sendo

o de instruções práticas a respeito dos mais variados tipos de plantio e de métodos.

A sua organização temática sugere ainda que intencionava divulgar a cultura regional, em

específico a literária, com a publicação de textos, poemas e romances, contos e crônicas. Como se

auto proclamam “instrumento de propaganda da verdade e da moralidade”, reforçam a função

pedagógica sinalizada acima, e profissionalizante, acompanhando as especificidades do Liceu.

Assemelha-se, deste modo, a uma publicação de cultura geral, com artigos que vão desde charadas,

passando por curiosidades, divulgação científica, até notícias, semelhantes à muitas outras

publicações do mesmo período. Mas mantém, de modo predominante, a função de ser uma

propagadora da doutrina católica e dos princípios educacionais dos salesianos.

Optou-se, para este momento final da dissertação, por um estudo dos editoriais,

considerando que estes apresentam, de modo mais efetivo, o direcionamento da publicação e

permitem inferir intencionalidades, permeadas pelos objetivos, quando explícitos nos textos. No

que diz respeito ao volume, foram poucos, eram publicados no primeiro número de cada ano da

revista, em que abordavam seus objetivos, agradecimentos e desejos para o início do novo ano.

Foram identificados nos meses de janeiro nos seguintes anos: 1904; 1906-1911; 1913-1914. Os

anos que não foram identificados:1905; 1912; e 1915, justifica-se por não constarem as páginas

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iniciais ou ao primeiro número do ano, nos volumes examinados. Dada a frequência de editoriais

publicados anualmente nos volumes a que se teve acesso, acredita-se que também possa haver essa

tipologia textuais nos periódicos não localizados.

O editorial do ano de 1904 marca a circulação inicial da RMT, com a apresentação de seus

os objetivos e proposta de trabalho:

Apparece hoje esta revista como haviamos anunciado e que vem em

incontestavelmente preencher uma das lacunas de que muito resente-se o nosso Estado. Inspirados no sentimento de seus verdadeiros interesses, quasi todos os

povos trabalham com ardor para perpetuarem os seus feitos, eirigindo esses

monumentos que a litteratura tem sabido crear atravez dos seculos e que

constituem verdadeiros arsenaes de conhecimentos uteis. Houve poetas distictissimos, historiadores, geographos, estudos de incotestavel valor, mas que

d’elles só temos noticias pelos mais lamentaveis descaminhos. As obras do Barão

de Melgaço, de João Augusto Caldas, de José Thomaz e muitos outros são d’isto exemplo; por isso dissemos, a natureza de seu fim, as necessidades de nossa terra

e as mais altas conveniencias de occasião, fazem-nos preferir uma revista a um

simples jornal que entre nós desde muito não tem faltado. Um anno que começa, a necessidade de um repositorio ou registro do que existe aqui sobre a nossa

terra, seguido dos factos coordenados em ordem a fornecer de futuro, subsidio

seguro para nossa historia, são os principaes motivos que impellem-nos a

aventurar este commettimento talvez superior ás nossas forças. Modesta e sem outro apoio além dos bons desejos de servir a causa publica, inicia-se em pequeno

formato e será publicada mensalmente com as secções que as condições de

oppurtunidade lhe forem offerecendo. Para ella pedimos pois o conselho dos eruditos, a benevolencia do publico e o concurso de todas as intelligencias que,

adherindo ao nosso proposito, quiserem coadjuvar-nos com seus escriptos. O

programma da Revista será o mesmo do jornal “Matto-Grosso”, os mesmos seus intuitos civilisadores cujo trausumpto de idolatrado mestre, consta em substancia

do luminoso artigo com o qual, honramos a sua primeira pagina. (REVISTA MAT

TO-GROSSO, ano I, n.1, jan/1904, p.1. Grifo nosso)

A pretensão de “preencher uma lacuna” histórica no estado de Mato Grosso, no que se

refere a uma reunião de registros sobre a região, é destacada na produção, sendo ainda uma

característica da imprensa mato grossense, de modo mais ampliado (PINTO, 2018), o que sugere

certo alinhamento dos interesses deste grupo, àqueles em circulação no momento de sua

publicação, buscando “servir a causa pública”, mediante seu papel civilizador na sociedade.

Informam, por fim, que a revista seria publicada mensalmente, em formato pequeno, e aberta a

colaboradores externos ao grupo de redatores.

O editorial de 1906 inicia seu texto agradecendo aos colaboradores e assinantes, e, de modo

pontual, ao Major Amarílio de Almeida, ex redator-chefe do jornal O Matto-Grosso, e que

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compunha o quadro de colaboradores da RMT. Aproveitam para lembrar os assinantes da

importância do pagamento dos valores da revista para a manutenção da mesma. Esse editorial

aparenta ser mais voltado as causas religiosas que o primeiro. Os redatores lembram da importância

da imprensa para o progresso, mas que se deve ter atenção para que faça a leitura da “boa

imprensa”, já mencionada na introdução, na qual a Revista se enquadra. A preocupação precípua,

neste editorial, permanece com a moral católica e ensinamento dos bons costumes.

Revista “Matto-Grosso”, entrando no terceiro anno de sua vida social, cobre-se de

galas para congratular-se-com os seus emeritos colaboradores e benevolos

assignantes. Audazes industriaes, activos lavradores, ousados emprehendedores, buscando o aperfeiçoamento do cespede natal, e pobres operarios, molhando a

terra com os suores que borbulham de suas rugadas faces: todos se convergem

para o unico radioso centro – o progresso d’este esperançoso Estado. Mas, a sentinela que os alenta nos seus nobres commettimentos, chamando todos aos

proprios deveres, é a imprensa, essa immortal concepção de Guttemberg, que,

sendo a valvula do progresso, é tambem o poderoso correctivo nas modernas

sociedades. Os corações talhados para o magnos successos não só amam, mas tambem difundem a bôa imprensa, que apregôa a moral immaculada do

Catholicismo, ensina os bons costumes, incute a paz nas familias, a ordem na

sociedade e a obediencia e acatamento á autoridade legitimamente constituida, o amor sagrado á patria e o sacrossanto temor de Deus. Nos estreitos horisontes de

sua aptidão, a Revista como que se gloria de ter cumprido todos esses pontos,

synthetizados nos dois mandamentos: amar a Deus e ao proximo. (...) O snr. Major

Amarilio d’Almeida, que até o numero antecedente figurou na serie dos nossos colaboradores, desde o nascer d’esta publicação, pediu que não se estampasse o

seu nome como tal; porém, como tinha sido ele o Redactor Chefe do jornal

“Matto-Grosso”, que fora substituido pela Revista, em ocasião que se achava ausente no Rio de Janeiro, não nos furtámos o prazer de, mesmo ao seu contra

gosto, collocalo no numero dos collaboradores, ao menos como penhor de

reconhecimento e homenagem á dedicação nunca desmentida de tão prestante cooperador. Porém, um novo e insistente pedido força-nos a omitir o seu nome,

obedecendo, com pezar, aos seus desejos, oriundos de uma mal entendida

modestia. (...) São, pois, muitos os assignantes e tão precarias e insufficientes as

contribuições que se auferem. Esperamos que esta generosa população não falte jamais de proporcionar-nos os salutares recursos, o seu apoio de toda a espécie e

emfim as mercês, que são as esperanças que alimentam os nossos ideaes mais

belos. Não basta amar a bôa imprensa, tão util ao bom andamento de

qualquer nação, se lhe devem ajudar n’esse proficuo apostolado, com o

indispensavel o bolo destinado á sua quotidiana despeza. (REVISTA

MATTO-GROSSO, ano III, n.1, jan/1906, p. 1. Grifo nosso)

Acompanhando a linha editorial do ano anterior, em 1907, a RMT relembra a preocupação

com o progresso, resultado das contribuições de todas as classes sociais no desempenho de suas

funções, e que a imprensa seria fundamental no processo.

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Revista Matto-Grosso, colhendo mais um anno de sua operosa existencia

litteraria, engrinalda-se das mais olentes flores para saudar, reverente, aos seus illustrados Colaboradores e disctictos assignantes, com os quaes congratula-se

pela entrada do anno novo, esperando continuar a merecer dos mesmos o generoso

acolhimento e o efficaz apoio que lhe têm sido prodigalisado desde o seu

apparecimento no scenario social. Toda a humanidade: desde o pequeno discipulo, nos bancos escolares aprendendo os primeiros rudimentos do materno

idioma, até o mais experimentado preceptor academico, burilando as suas

admiraveis operas scientificas ou litterarias; desde o infimo membro das sociedades, que apenas com os suores borbulhantes da fronte laboriosa pode

lograr o pão de cada dia, até o cidadão mais abastado que habita os mais luxuosos

palacios: todos convergem para um unico ponto – o progresso. (REVISTA

MATTO-GROSSO, ano IV, n.1, jan/1907, p. 1. Grifo nosso)

No entanto, distingue-se da imprensa indiferente, irreligiosa e pornográfica que também

surge com a modernidade. Lembram os redatores, que continuam na tentativa de engrandecer o

intelecto humano e a religião na sociedade.

O genial Guttemberg, encarando, d’uma parte, os estragos e as corrupções que

produziria a má imprensa, quase que desejava anniquilar a sua immortal empresa;

mas, contemplando, atravez d’um formoso prisma, os incalculáveis beneficios que seriam espalhados pela bôa imprensa, resolveu dar vida á sua lustrosa concepção,

onde se occultava o verdadeiro progresso dos povos. E’ por isso que nós,

impulsionados pelo bem das intelligencias e dos corações, alheios a tudo quanto pode macular o esplendor da razão e da Moral evangelica, continuando a diffundir

as sementes do verdadeiro, do bom e do bello, vamos atravessando os anos

cumprindo escrupulosamente a nossa tarefa humanitaria em prol do engrandecimento intellectual e religioso d’esta nossa bôa Sociedade, em quem

depositamos as nossas mais lisonjeiras esperanças. (REVISTA MATTO-

GROSSO, ano IV, n.1, jan/1907, p. 1)

O editorial de 1908, dedica-se à homenagear a memória do Barão de Melgaço. O texto dos

redatores é seguido por mais 6 páginas de artigos e poemas dos colaboradores sobre o Barão de

Melgaço. Ao final comunicam que a RMT passaria a publicar trabalhos do Barão de Melgaço.

Com o intuito de maior vulgarisação, a Revista Matto-Grosso resolveu fazer do

presente numero uma tiragem dupla, e em consequencia uma larga distribuição

nesta capital. A Redacção alimenta a esperança de encontrar o mais franco acolhimento por parte da generosa população desta cidade, e nessa convicção

considerará assignantes toda a pessoa que retiver em seu poder o presente

exemplar. Tratando-se de uma publicação cuja utilidade não póde ser contestada,

as paginas da Revista falam em seu favor como attestado eloquente de um esforço que bem merece o apoio dos que se interessam pela prosperidade moral e

intelectual do Estado. No correr de 1908, alem do trabalho do inesquecivel Barão

de Melgaço cuja publicação tem hoje inicio, outros serão dados a luz, fornecendo a Revista por esse modo aos estudiosos farta messe para o conhecimento exacto

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das cousas que dizem a respeito ao passado matto-grossense. Rogamos tambem

aos srs. assignantes que se acham em atraso, o obsequio de saldarem as suas assignaturas, o mais breve possivel. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano V, n.1,

jan/1908, p. 8)

Reforçando a importância da imprensa e seu papel nesse cenário, o editorial de 1909

informa que a revista divulga a ciência e o cristianismo, procurando elevar o apreço a virtude moral

e cívica, demonstrando dessa forma o papel híbrido que a RMT possuía.

Nossa Revista, sempre vizando a trilha prefixa, enceta mais este periodo de doze

mezes, prazenteira, alegre, architectando castelos de esperanças, na certeza de um impulso novo que lhe emprimam seus egregios collaboradores. Posto que

humilde, tem achado logar nas estantes dos scienciados da França, Allemanha,

Belgica, Estados Unidos do Norte, etc. e occupado a attenção dos observadores dos phenomenos naturaes, incansaveis bemfeitores e grandes auxiliadores da

fonte inexaurivel de riqueza universal – a agricultura. Porém, mister se faz, que a

voz maviosa e insinuante, calorosa e enthusiasta dos seus talentosos redactores não deslembrem das suas columnas, afim de cooperar com as luzes do proprio

talento para a fecundante sementeira do bem, que, hoje mais do que nunca, é acção

da imprensa moldada nos são principios do christianismo. Sobejam razões que

recommendem o ministerio sublime da palavra escripta ou fallada, orgão dos ideaes alevantados, dos sentimentos que dignificam um homem, um povo, um

século, uma nação. Assim a nossa modesta Matto-Grosso, de capinha azul como

o colorir do céo, penetra hoje os lares dos seus prezados leitores, confiada de que, aquelles que não desertaram da cooperação que lhe garantiram, a abrilhantarão

com a amestrada penna de que são dotados. Que missão altamente social da

imprensa! Anathemetizar o erro, fazer estimar o elevado apreço que merece a virtude moral e cívica; encantar o espirito com graciosas narrativas, commover

enthusiasmar. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano V, n.1, jan/1908, p. 5)

Em 1910, os redatores relembram, no editorial de abertura, a importância da RMT para o

registro e divulgação da história regional, enfatizando a missão de servir a pátria e à verdadeira

religião.

Com o presente numero a Revista Matto-Grosso no setimo anno de sua publicação

periodica. Um resumindo numero de mato-grossenses devotados, uniam-se em 1904, para “preencher uma das lacunas de que muito ressentia-se o nosso Estado”.

Escreviam no primeiro numero: “Inspirados no sentimento de seus verdadeiros

interesses, quasi todos os povos trabalham com ardor para perpetuarem os seus feitos, erigindo esses monumentos que a litteratura tem sabido crear atravez dos

seculos e que constituem verdadeiros arsenaes de conhecimentos uteis. (...) O

programma da Revista será: Religião e Patria”. Depois de seis anos de publicação, inspirada sempre no seu programma, a Revista Matto-Grosso volve o olhar

retrospectivo e confessa sentir-se satisfeita de sua existencia, convencida ter até

hoje, attingido o alvo que se propunha, combatendo a favor da verdadeira religião, derramando luzes sobre o nosso estensissimo Estado, tão desconhecido aos

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proprios brasileiros, enaltecendo o idolatrado Brasil. (REVISTA MATTO-

GROSSO, ano VII, n.1, jan/1910, p. 1)

No oitavo ano da revista, 1911, os redatores afirmam que a RMT tem, em suas palavras,

“ressuscitado a história mato-grossense” em suas páginas. Comunicam que a RMT continuaria a

contribuir para o progresso moral e material da sociedade, procurando difundir a glória do estado

e da República.

Raiou mais uma aurora; completamos mais um anno de existencia no campo da imprensa mattogrossense. Raiou resuscitando em nossa mente toda uma historia

perpassada por entre as alegrias mais lidimas e sacrificios os mais ímprobos...

Alegrias esperimentadas sempre que viamos, calmo e fagueiro, desenrolar-se o

nosso programma; sacrificios que abrolham o caminho a quantos fitos em nobre ideal, por ele pugnam virilmente. Nas victorias como nas luctas conservamos a

calma, nunca a alegria nos arrancou palavras de ostentação, nem a lucta, nem as

difficuldades nos prostaram. Soldados affeitos ao labutar constante não desfallecemos; a virtude e o dever foram e serão sempre a directriz de nossos

actos. Hoje, pois, ao iniciarmos mais um anno de publicação desta Revista, oitavo

de sua existencia, calmos e serenos, repetimos: Avante. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VIII, n.1, jan/1911, p. 1)

O editorial de 1913 fora escrito com uma linguagem mais poética que os anteriores e sob o

título “Dois Lustros”40, comemorando os 10 anos da publicação. Faz as mesmas observações

quanto aos agradecimentos a colaboradores e assinantes e reafirma ser um caminho para a luz e o

progresso.

A revista sente, por fim, o dever de agradecer e augurar. Agradecer pelo passado,

augurar para o porvir. A flôr é symbolo dos mais bellos sentimentos. Com a flôr

desabotoada do seu decimo anno, exprime, pois, ella a mais sincera gratidão para com seus dedicados collaboradores e assignantes. A flôr é tambem uma taça. Com

esta brinda a Revista á prosperidade de todos os seus paladinos, para que

continuem a guial-a atravez desse mesmo programma, que é uma rota de luz, de

paz e de progresso. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano X, n.1, jan/1913, p. 1)

Por fim, o último editorial de abertura a que se teve acesso, datado de 1914, já sinaliza

dificuldades de continuidade da publicação, as quais, contudo, não os fariam desistir da missão que

se empenharam em realizar. Missão essa que voltam a salientar como sendo de paz, na qual

procuram levar às famílias mato-grossenses a memória de dias “gloriosos”, buscando assim,

engrandecer a religião e a pátria.

40 Lustro – período de 5 anos, quinquênio.

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Alheios á politica, adversos ás polemicas rubras, proseguiremos, olhos fitos em

Deus e nos nossos ideaes, a nossa missão de paz, levando ao seio das familias mattogrossenses a recordação das nossas glorias passadas, um pensamento que

illumine, um affecto que console, conscios de assim contribuirmos, bem que

obscuramente, para a edificação e o engrandecimento da Religião e da Patria.

(REVISTA MATTO-GROSSO, ano XI, n.1, jan/1914, p. 1)

Em 1915, o único editorial que nos foi acessível se faz presente no segundo número do ano,

último da RMT, em que os redatores comunicam o fim do periódico. Agradecem aos assinantes e

colaboradores, afirmam ter cumprido a missão a que se propuseram, e justificam o fim pela falta

de recursos financeiros e gráficos.

3.1 A escrita e as ideias: os colaboradores da RMT

No exame e leitura dos editoriais foi possível identificar, em boa medida, que a Revista se

propõe a ser esse veículo de divulgação cultural que anuncia. Um dado que corrobora para a

confirmação de tal hipótese consiste na pluralidade da formação dos seus redatores, que não são,

necessariamente, todos vinculados à matriz religiosa salesiana, muito embora, possivelmente,

defensores do cristianismo católico. Nesse sentido, a capa da primeira edição da RMT, em janeiro

de 1914, traz uma relação de Collaboradores Effectivos, aqueles comprometidos a escrever na

revista a qualquer tempo, que estão apresentados no quadro 7 que se segue:

Quadro 7: Colaboradores mais efetivos, segundo a Revista Matto-Grosso.

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2017)

NOMES DOS COLABORADORES MAIS EFETIVOS DA RMT

Desembargador Luiz da Costa Ribeiro

Major Amarillio Alves d’Almeida

Alferes Augusto Corrêa Lima

Dr. Carlos J. Sallaberry

Estevão A. Monteiro de Mendonça

Tenente Firmo José Rodrigues

Advogado Francisco Agostinho Ribeiro

Dr. Joaquim P. Ferreira Mendes

Dr. Manoel Joaquim dos Santos

Desembargador Terencio G. F. Velloso

Waldomiro Speridião

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Para além da informação da revista, procurou-se observar os colaboradores de forma geral

que fossem mais frequentes, mesmo não tendo creditados como efetivos pela RMT. O processo de

identificação da autoria dos textos presentes na RMT se deu com o trabalho de mapeamento, geral

e paralelo, formatado em tabelas, utilizando-se de software específico para essa função (Microsoft

Office - Excel). No mapeamento dos colaboradores da RMT, considerou-se as seguintes

informações: título do texto, gênero, localização e assinatura. Foi feita a leitura de todas as páginas

da RMT a que se teve acesso em busca das assinaturas, desconsiderando editorias; republicações

de outros periódicos, que não possuía identificação dos autores; e conteúdo sem assinatura. Os

textos assinados apenas por iniciais foram considerados no levantamento, mas ignorados, neste

estudo, para o cálculo percentual de colaboradores.

Ressalta-se que boa parte deles não eram religiosos clericais, e sim desenvolviam outras

funções sociais. Essa é uma hipótese que foi levantada, ao nos questionar o quanto a RMT parecia

ser híbrida, em relação aos assuntos desenvolvidos no periódico. Os artigos e notícias apresentavam

ora aspectos religiosos, ora seculares. Para entender mais sobre tal questão, procurou-se localizar

os autores e colaboradores da revista. Para isso foi feito um levantamento de todo os textos que

continham assinatura de seus responsáveis. Localizou-se um total de 952 textos assinados, dos mais

diversos gêneros, nos 124 números na revista a que se teve acesso.

O extrato apresentado no quadro 8, exemplifica a feitura desse levantamento.

Quadro 8: Levantamento sobre títulos e respectivos escritores da RMT. (Extrato)

Ano Mês Volume Número Título Página Gênero Autoria

1904 Janeiro 1 1 Catechese - Uma viagem a

Colonia do Sagrado Coração

no Barreiro do Araguaya

p.4-6 Artigo Ambrosio

Turricida

1904 Janeiro 1 1 Rosalina p.9-10 Folhetim Augusto Corrêa

Lima

1904 Janeiro 1 1 Hygiene Alimentar p.15-

16

Artigo Dr. Manoel

Joaquim dos

Santos

1904 Janeiro 1 1 A Imprensa p.2 Artigo Duarte Azevedo

1904 Janeiro 1 1 Os bandeirantes e a nossa

nacionalidade

p.16-

17

Artigo

Firmo José Rodrigues

1904 Janeiro 1 1 O Anno Catholico p.11-

12

Artigo Francisco

Agostinho

Ribeiro

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1904 Janeiro 1 1 Supplica p.4 Poema João Nunes da

Cunha

1904 Janeiro 1 1 Sciencia e Fé p.13-

14

Artigo Terencio G. F.

Velloso

1904 Janeiro 1 1 Do Rio de Janeiro p.6-8 Notícias Waldemiro

Speridião

1904 Fevereiro 1 2 A destruição de Jerusalém ou

o castigo de Deus

p.47-

48

Artigo Augusto Corrêa

Lima

1904 Fevereiro 1 2 Philosophando p.48-

49

Artigo Dr. Carlos

Sallaberry

1904 Fevereiro 1 2 Hygiene Alimentar p.35-

36

Artigo Dr. Manoel

Joaquim dos

Santos

1904 Fevereiro 1 2 Pastoral Collectiva p.40-

44

Carta Joaquim,

Arcebispo do

Rio de Janeiro

1904 Fevereiro 1 2 Justiça e crença p.33-

35

Artigo Luiz da Costa

Ribeiro

1904 Fevereiro 1 2 Sciencia e Fé p.44-45

Artigo Terencio G. F. Velloso

1904 Fevereiro 1 2 Do Rio de Janeiro p.38-

40

Notícias Waldemiro

Speridião

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2018)

Somando a quantidade de textos escritos por colaboradores chegou-se a 352 ocorrências. O

restante, 600 textos, somam um total de 336 assinaturas diferentes. Muitas dessas assinaturas

constam apenas iniciais, outros prováveis pseudônimos jornalísticos, como é o caso de Paulo

Girand, que aparece como responsável por um artigo chamado As Modas, em que trata do

comportamento esperado para as mulheres cristãs diante das novas tendências do vestuário, as

quais ele considera mundanas e desonrosas. Após uma busca por esse autor, descobriu-se que o

mesmo era o Cônego Alfredo Xavier Pedrosa, nessa época redator chefe do jornal A Tribuna de

Pernambuco, que escrevia sob esse pseudônimo (AMARAL, 2014; NASCIMENTO, 1983), ou

seja, o texto pode ser uma transcrição, e não uma publicação original para a RMT.

Alguns destes já tinham trajetória consolidada no campo intelectual em Mato Grosso,

participando, na criação e/ou colaboração, do/no Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso

(1919). Outros tiveram papel de destaque na construção da memória histórica mato-grossense

(ZORZATO, 1998). Destacam-se o fundador IHGMT e então presidente do estado, Bispo D.

Francisco Aquino Correa; Estevão de Mendonça, que já foi citado anteriormente; José Barnabé de

Mesquita; Virgílio Correa Filho; Firmo Rodrigues e Antonio Fernandes de Souza. Todos os

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mencionados participaram ativamente da imprensa, na redação de jornais, como proprietários ou

colaboradores, atuaram na educação escolar e ocuparam cargos públicos, em momentos anteriores

à publicação da Revista (PINTO, 2018).

O gráfico a seguir demonstra, em dados percentuais, os colaboradores mais ativos da RMT

em relação ao restante dos textos assinados (Figura 33).

Figura 33: Gráfico comparativo dos colaboradores que mais escreveram para a RMT entre os anos de 1904-1915.

Fonte: Revista Matto-Grosso (1904-1915)

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2018)

Com base no gráfico percebe-se que há três colaboradores que mais se destacam: Estevão

de Mendonça, João Nunes da Cunha, e Francisco de Aquino Correa. Tanto Estevão de Mendonça

quanto Francisco Aquino Correa fizeram parte da fundação do Instituto Histórico de Mato Grosso,

em 1919, além de envolverem-se ativamente da imprensa em MT desde o final do século XIX. De

acordo com Zorzato (1998), Estevão de Mendonça (1869-1949) foi extremamente importante na

reunião das memórias do estado de Mato Grosso, tendo o reconhecimento desde os seus

contemporâneos até os dias atuais. Advogado de formação, foi importante intelectual de sua época

e grande historiador. Suas obras Quadro Corográfico de Mato Grosso e Datas Mato-grossenses

aparecem ao lado do Álbum Gráfico de Mato Grosso, como importantes contribuições para a

construção de uma identidade mato-grossense. Estevão de Mendonça também foi o primeiro diretor

98 81 5723 18 18 17 14 13 13

600

0

100

200

300

400

500

600

700

Colaboradores mais frequentes

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da Biblioteca Pública do Estado de Mato Grosso, acumulando, segundo Pinto (2018), as funções

de professor, em alguns momentos da sua atuação profissional, como destacam os anúncios na

imprensa, do Curso Primário conduzido por criado.

No editorial de abertura da edição da RMT como uma revista, propriamente dita, a redação

traz como sendo o programa que perpassa a publicação, a divulgação e registro para a posteridade

os aspectos da história e geográfica regional, dando ênfases a nomes de intelectuais memorialistas.

Inspirados no sentimento de seus verdadeiros interesses, quasi todos os povos

trabalham com ardor para perpetuarem os seus feitos, eirigindo esses monumentos

que a litteratura tem sabido crear atravez dos seculos e que constituem verdadeiros arsenaes de conhecimentos uteis. Houve poetas distictissimos, historiadores,

geographos, estudos de incotestavel valor, mas que d’elles só temos noticias pelos

mais lamentaveis descaminhos. As obras do Barão de Melgaço, de João Augusto Caldas, de José Thomaz e muitos outros são d’isto exemplo; por isso dissemos, a

natureza de seu fim, as necessidades de nossa terra e as mais altas conveniencias

de occasião, fazem-nos preferir uma revista a um simples jornal que entre nós

desde muito não tem faltado. Um anno que começa, a necessidade de um

repositorio ou registro do que existe aqui sobre a nossa terra, seguido dos

factos coordenados em ordem a fornecer de futuro, subsidio seguro para

nossa historia, são os principaes motivos que impellem-nos a aventurar este commettimento talvez superior ás nossas forças. (REVISTA MATTO-GROSSO,

n.1, ano I, jan/1904, p.1. Grifo nosso)

Procuram, dessa forma, justificar e demarcar o seu espaço como uma revista que iria além

da recreação para se tornar uma fonte histórica aos seus modos, e de acordo com a sua visão de

mundo, procurando construir uma história que unificasse a região e justificasse os acontecimentos

na sociedade em que estavam inseridos.

No ano de 1910, a redação relembra esses primeiros desejos e agradece aos colaboradores,

em especial a Estevão de Mendonça, por várias vezes citado no decorrer de editorias e em outros

artigos do periódico, como sendo um dos seus principais colaboradores.

Ao despontar do dia que recorda seu apparecimento, a Revista sente-se impellida a manifestar sua gratidão a todos os redactores, salientando entre elles, o illustrado

Estevão de Mendonça, a quem deve mais vivo e sincero reconhecimento pelos

conselhos acertados e pela continua collaboração. O primoroso escriptor, é quem nos deu os manuscriptos do Exmo. Sr. Barão de Melgaço, obra de subido valor

intellectual, attrahente, e que tanto recommenda a Revista á consideração e leitura

de quantos amam conhecer nosso Estado, tornando-a outrosim um documento de

inestimavel valor scientifico. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VII, v. 1 jan/1910, p.1)

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Francisco de Aquino Corrêa recebeu um destaque especial pela forma em que fluía nos

mais diferentes ambientes da sociedade, além de ser, segundo Galetti (2012), um dos intelectuais

mato-grossenses mais relevantes para a construção de uma identidade regional. Nascido em

Cuiabá, em 2 de abril do ano de 1885, muito jovem entrou para Noviciado dos Padres Salesianos,

onde iniciou seus estudos sacerdotais. Formou-se doutor em Roma, onde chegou no ano de 1904.

No seu retorno ao Brasil, em 1909, foi professor no Liceu salesiano e posteriormente diretor (1912-

1914). Com apenas 32 anos, se tornou Presidente do Estado de Mato Grosso (1918-1922),

destacando seus diversos avanços para a cidade de Cuiabá, como a iluminação da cidade. Sucedeu

a D. Carlos, no Arcebispado de Cuiabá, após sua morte. Além de ter sido um dos fundadores do

Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, foi eleito membro da Academia Mato-grossense

de Letras no final 1926, onde ocupou a cadeira de Lauro Muller. Faleceu em 1956 (MORAES,

2003).

Quanto a João Nunes da Cunha, não se obteve muitas informações a seu respeito, até o

momento de conclusão deste estudo. Nascido em Poconé, conhecido também pelo apelido de

“Califórnia” (REVISTA, 1935; MESQUITA, 1992;). Pai de João Cunha, que participou,

juntamente com os outros 3 autores, da fundação do Instituto Histórico de Mato Grosso, ocupando

de início o cargo de tesoureiro da instituição.

3.2 Dos conteúdos/temas mais publicados na RMT

O estudo da organização e materialidade da publicação, permitiu, para além do mapeamento

de autores e artigos, delinear os assuntos mais recorrentes em suas páginas. Como é de se esperar,

identificou-se constante presença do temário religioso na revista como, um todo. Há textos bíblicos,

como na seção Evangelhos, presente durante todo ano para a leitura dos fiéis, a cada domingo do

mês; conselhos; orações; poemas; especiais sobre santos, padres, pontífices; entre outros. A religião

perpassa, ainda o diálogo com textos de diferentes assuntos. Entre eles destaca-se o especial

“Sciencia e Fé”, assinado por Terencio Velloso, que discutia as falhas da ciência frente a certeza

inabalável da fé, segundo o colaborador. Segue um trecho que evidencia essa percepção:

Em verdade, por mais admiraveis que sejam os esforços despendidos, as investigações laboriosas, os processos estabelecidos, os instrumentos inventados,

e a perseverança infatigavel dos sábios, ainda não conseguimos os termos da

jornada, não temos, scientificamente a constatação evidente, indiscutivel,

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incontroversa, por isto mesmo universalmente comprehendida e acceita, dos

mysterios da naturezza. Somos demasiado debeis para conseguil-o.... Si uma hypothese levanta-se, é para cahir mais tarde, peladistancia em que fica do

objetivo almejado; si um argumento, apparentemente verdadeiro, protegido por

instrumentos engenhosos, libra-se alviçareiro, produzindo uma especie de

fascinação nos espiritos, passa-se algum tempo, e, afinal, verifica-se a mais amargurada decepção, como para castigar as investidas ouzadas do sabio,

procurando dar origem e destino supremo do mundo e da Humanidade!

E assim, á despeito de tudo, no meio de tantas theorias seductoras, somente, para consolação, subsiste, invulneravel, n'este dedalo impenetravel, a fé adquirida por

esta intuição sublime e extraordinária com que Deus dotou-nos, e pela qual somos

levados a crêl-o e amal-o! (REVISTA MATTO-GROSSO, n.1, ano I, jan/1904,

p.13)

Essa discussão sobre ciência e religião movimentava os debates do início do século, e

reflete-se por todos os anos da RMT. Em alguns anos se sobressai a religião, em outros a ciência,

em outros, ainda, o patriotismo, sem preterir os princípios que os regem. Tal percepção reforça o

argumento de que a RMT é uma revista híbrida, seu conteúdo de fundo moral a torna educativa e

também pedagógica. A questão da moral, do patriotismo e da educação voltada a preservação da

memória, que, ao nosso ver, nada mais era que a tentativa de criação de uma memória e uma

história.

Os redatores concluem o editorial de 1910 agradecendo aos assinantes da revista e

aproveitam para frisar os pilares de sustentação que dizem guiar a publicação: Religião e Pátria.

Aos amigos e leitores, a Revista envia vivos agradecimentos pelo amor que lhe dispensaram e dispensam, desejando a todos, muitas felicidades e venturas

durante o novo anno; e, aproveita o ensejo para certifical-os que cheia de vida, de

torça e bôa vontade, repete firme e inabalavel: meu programma será sempre: Religião e Patria. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VII, v. 1 jan/1910, p.1.

Grifo nosso)

A palavra “pátria” aparece em 4 editoriais da revista geralmente acompanhada de

“religião”. Os editoriais enfatizam essa união, buscando afirmar que é possível manter atreladas

religião e espírito modernista, Igreja e Estado. Há, também no penúltimo ano de publicação, uma

intenção de afirmar que a RMT se mantém distante da política, mesmo dizendo que prezam pelo

bem-estar da população e o engrandecimento da pátria.

Alheios á politica, adversos ás polemicas rubras, proseguiremos, olhos fitos em

Deus e nos nossos ideaes, a nossa missão de paz, levando ao seio das familias

mattogrossenses a recordação das nossas glorias passadas, um pensamento que

illumine, um affecto que console, conscios de assim contribuirmos, bem que

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obscuramente, para a edificação e o engrandecimento da Religião e da Patria.

(REVISTA MATTO-GROSSO, ano XI, v. 1 jan/1914, p.1)

No trecho selecionado os redatores reafirmando seu papel instrutivo da RMT, advinda da ideia de

que era necessário formar um espírito progressista e ao mesmo tempo religioso na sociedade em que estava

inserido. Esse papel educativo estava ora de forma clara nos artigos da RMT, ora nas entrelinhas de seus

textos. Entendendo a educação como parte da formação cultural de uma sociedade, importante para

a construção de identidade e uma ferramenta civilizatória, considera-se relevante mencionar de

modo mais direto, os princípios pelos quais os salesianos compreendiam e instrução e como a

organizavam. Seu conceito educacional fazia parte de um sistema formulado por D. Bosco, já

explanado no capítulo 1, e que, neste capitulo, procurou-se cotejar com alguns textos publicados

na RMT.

Considerando que os salesianos formularam um sistema educativo próprio, buscou-se

textos na RMT que tivessem esse perfil. No primeiro ano da RMT (1904) há um artigo divido em

três números da revista (4-6) sob o título Bosquejos históricos da obra salesiana e seus influxos no

Estado de Matto-grosso, cujo objetivo era esboçar a obra educacional dos salesianos sob a óptica

do que eles chamaram de “schema educativo” de D. Bosco. Nesse artigo escrito pelo Padre Antonio

Malan, superior da Missão Salesiana em Mato Grosso, datado de 14 de novembro de 1903, é

possível encontrar como se deu o processo de chegada dos salesianos em Mato Grosso, da formação

das suas colônias, assim como também de suas instituições de ensino. A principal delas, segundo

o texto, é o Liceu de Artes e Oficios “S. Gonçalo”, em Cuiabá:

Fundado desde o inicio das nossas missões repousa de presente em uma das mais

amenas e saudaveis localidades da Capital, onde o clima aprazivel garante o bem

hygienico dos alumnos. Foi tão prazenteiramente acolhido pela sympathica população, que as aulas eram cursadas por numero sempre crescente de estudantes

e o Superior varias vezes tem-se visto obrigado a partir para a Europa afim de

solicitar auxiliares para o gremio docente que escasseava diante dos complexos

que fazeres do magistério. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano I, v.5,, mai/1904, p.126)

O texto segue enfatizando a qualidade do Liceu, o brilhantismo de seus alunos e o

reconhecimento do Governo Federal ao aprovar um decreto que o equipara ao Gymnasio Nacional:

D'esta sorte os cursos scientíficos-profisionaes iam tomando progressivo impulso

e já o nosso Lyceu pleiteava parelhas como os melhor conceituados Collegios da

Capital, preparando com esmero numerosos candidatos aos exames estadoaes e

federaes. E hoje em o numenro dos seus 2000 discipulos pode enumerar doutores graduados com brilahntismo nas Faculdades da Confederação, estudantes

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academicos e honrados operarios cobertos das bençãos de Deus, da Patria e da

Familia. Attento esse desenvolvimento, ao Governo Federal approuve dignificar o Lyceu Salesiano com a equiparação ao Gymnasio Nacional, decretada a 11 de

Novembro de 1902. Modelado assim pelo Regulamento do Gymnasio Nacional,

o Lyceu de Artes e Officios abrange dous cursos scientíficos, qual se vê dos

inclusos Estatutod: o primario, organisado de accordo com o programma dos exames de admissão ao 1º anno do curso Gymnasio; e o secundario formulado

pelo decreto n. 3890 do 1º de Janeiro de 1901, que franqueia a matrícula nas

Academias Superiores da Federação e graúda bachareis em sciencias e lettras. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano I, v.5, mai/1904, p.126-127)

Em seu artigo Pe. Malan também fala sobre a RMT, que no momento em que ele escreveu

ainda não tinha o formato Revista. Ele aponta, brevemente, sobre o conteúdo e os objetivos do

periódico:

Foi montada no anno passado a tarefosa officina typografica que emitte

dezenalmente desde o 1º de Janeiro do fluente anno uma folha religiosa e popular,

sob título de - Matto-Grosso, de que enviamos collecção completa. O primoroso orgão encimado por artística epigraphe, em que se resalta o pittoresco panorama

de Cuyabá, é anciosamente attendido pela população tanto pelo recente e surioso

telegrammas e noticias, como pelo bem elaboado e flórido das producções

litterarias da pléiade intellectual matto-grossense. (REVISTA MATTO-

GROSSO, ano I, v. 5, mai/1904, p.127)

Ao abordar as propostas educativas da RMT, entende-se que ela deve se basear em um

sistema educacional próprio desse grupo religioso. Qual seria ele? De acordo com Braido (2017),

por mais que D. Bosco não tenha escrito direta e detalhadamente sobre seu sistema pedagógico,

em suas muitas publicações, com os mais diversos assuntos e temas, suas propostas educativas se

faziam presentes. No trabalho de Braido (2017) ele ainda afirma que para além dessas publicações

do próprio fundador dos salesianos, escritas testemunhais, de quem pode acompanhar seu trabalho

de perto, auxiliaram à formulação de suas ideias.

Especificamente para as instituições salesiana, sejam os oratórios, liceus ou colônias, D.

Bosco deixou algumas diretrizes. Segundo Braido (2017), os mais relevantes, no sentido

pedagógico, foram Regulamento do Oratório de São Francisco de Sales para os externos (1877) e

o Regulamento para as casas da Sociedade de São Francisco de Sales (1877).

Outros títulos, que também aparecem na RMT, têm um objetivo claramente instrutivo, em

uns sentido quase que escolar, lembrando muito conteúdo de manuais com finalidade escolar, como

no caso de Theoria das Combinações – introdução ao binômio de Newton, que dentre 4 números

da revista em 1904, o autor (F. Rodrigues) se propõe a ensinar tal conteúdo matemático. (Figura

34)

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Figura 34: Recorte de página da revista, Theoria das Combinações.

Fonte: Revista Matto-grosso ano 1, n. 4, abr/1904. (Recorte)

Diferentemente do exemplo acima que demonstra ser um conteúdo instrutivo claramente

escolar, o artigo Hygiene alimentar da infancia também é instrutivo, mas voltado a instrução

doméstico. O artigo é direto em seu objetivo, logo no início:

Nunca serão de mais conselhos ás jovens mães de familia, no sentido de protegerem esses pequeninos seres e é a ellas especialmente que se dirigem estas

poucas linhas, nas quaes procuraremos resumir o que se tem dito modernamente

sobre o assunto. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano I, n.4, abr/1904, p. 102)

Em linhas gerais o autor defende o uso do leite materno pelo menos durante os 9 primeiros

meses de vida das crianças, e afirma que pesquisas confirmam que esse tipo de alimentação é ideal

para diminuir a mortalidade infantil. Nesse texto foram identificados dois dos princípios salesianos:

primeiro a razão, sinalizada pelas justificativas científicas para o uso do leite materno, como afeta

as crianças e se não puder por algum motivo prover esse tipo de alimentação, indicando também

alternativas resultantes de estudos científicos, que o possam substituir; e o segundo princípio que

pode ser observado foi o afeto representado pelo amor e cuidado familiar, tal qual D. Bosco usou

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de inspiração para a construção de seu sistema preventivo. Esse artigo alinha-se ao pensamento do

início do século XX.

Em um artigo de abertura da edição de novembro do ano de 1910 da RMT, há uma extensa

discussão a respeito da importância de uma educação religiosa para a formação do caráter e da

moral, de acordo com os entendimentos católicos. O título do artigo é Educação Desprezada e é

assinada por Dr. Saturnino da Veiga. O autor começa o texto afirmando haver uma crise moral no

período.

Merece especial attenção e meticuloso exame o estudo do que se passa

actualmente na sociedade destes tempos, que parece dominada por uma grande

crise moral, que tende a se agravar todos os dias e que ha necessariamente

determinar acontecimentos de immensa gravidade, seriamente pertubadores da paz social e do futuro e felicidade das famílias. (REVISTA MATTO-GROSSO,

ano VII, v.11, nov/1910, p.321)

O autor demostra convicção ao afirmar que somente a fé católica é capaz de incumbir na

sociedade a moral desejada e os bons costumes. Para isso afirma que a educação é a base dessa

mudança, e principalmente a educação ligada aos aspectos religiosos.

A educação moral e religiosa é o meio soberano e unico a que nos podemos

prender, para a resistencia efficaz e salvadora a tantos e tão differentes ataques que recebemos de todos os lados, sob multiplice forma, e que parece trahir os

planos secretos da fatalidade, que tende a avassalar a sociedade, para conquistar

soberano dominio dos espiritos e das consciencias, imperando afinal sobre ruinas do bem, da virtude e de tudo quanto pode tornar serena e tranquilla a ephemera

jornada, que temos de realizar neste valle sombrio da morte. (REVISTA MATTO-

GROSSO, ano VII, v.11, nov/1910, p.321)

Dessa forma é ainda salientado no artigo que por mais que tente o Estado não é capaz de

por si só, oferecer uma educação que busque a moral e os bons costumes, nos termos apresentado

pelo autor.

Não se pode tudo esperar da administração pública e, por mais bem intencionada

que ella seja, deve-se comprehender que o governo de uma nacionalidade ou de

um Estado, é uma machina de complicada engrenagem e que é impossível

harmonisar, em um só intuito, espiritos de diferente preparo e de variada comprehensão e tendencia, e que, consagrando intelligencia e actividade à

resolução de tão diversos problemas de natureza material e política, tenham tempo

e boa vontada de pra estudar o lado da moral das cousas, onde, acreditamos, existir o verdadeiro embaraço para a felicidade publica e, conseguintemente, para o

verdadeiro progresso da patria. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VII, v.11,

nov/1910, p.321-322)

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No entanto, a crítica ao Estado não é tão assertiva, quanto à observada em jornais de

circulação geral, no mesmo período. Destacam-se termos como “por mais bem intencionada que

ella seja”, dentre outros de sentido semelhante. Afirma também que pode haver até uma boa

intenção nessas políticas, mas que faltam “tempo e boa vontade” para as questões morais. Infere-

se, portanto, o cuidado para não criticar diretamente o governo, traço marcante da participação dos

salesianos em Mato Grosso. Mesmo tendo posicionamentos ideológico e político diferentes do

novo regime implantado no país (republicano), os salesianos costumavam ser cuidadosos na

emissão de opiniões sobre representantes de governo (FRANCISCO, 2010). Essa preocupação e

cuidado em relação a emissão de opinião possibilitava que tivessem liberdade para praticar sua

obra e ainda receber certos auxílios do Estado. Exemplos dessa convivência, pretensamente

amistosa, podem ser observados na implementação de um calendário cívico nas suas instituições

educacionais, onde comemorações de ordem cívica faziam parte do calendário escolar

(FRANCISCO, 2010, p.183). A ascensão ao governo do Estado, por D. Francisco Aquino Correa

é outro dado que corrobora com essa percepção.

Porém mesmo com cuidado, a revista não deixa de criticar a falta de religiosidade no ensino

atribuindo-a a perversão dos costumes. No mesmo texto Educação Desprezada há críticas a

educação familiar, onde se salienta, principalmente o papel das mães na falta de zelo e de moral

dos filhos; assim como a influência de divertimentos como lutas, leituras de romances e teatro.

Passa-se, assim, a tecer uma crítica também as instituições escolares e aos professores, que

ao seguir as ementas que o estado os sugestiona, deixam de incluir os aspectos religiosos,

fundamentais, segundo o texto:

Nas escolas, o professorado se esforça em dar a instrucção que a lei determina em

programmas, calcados sobre bases que é indipensável observar com rigor, e tendo preceitos legaes que impendem que ao espirito dos innocentes crianças se faça

chegar a ideia ou a lembrança de Deus, sendo preferivel o conhecimento de

marchas militares e de exercícios physicos á noção suave e consoladora dos princípios da religião, do amor e da caridade, que é a religião de Christo.

(REVISTA MATTO-GROSSO, ano VII, v.11, nov/1910, p.323)

O autor finaliza o texto reafirmando ser o ensino baseados nos conceitos da religião a única

maneira de formular um caráter e “salvar” a sociedade da ruína que ele acredita se encontrar.

Como prover a toda essa série de desgraças materiaes e moraes? Como fazer parar essa medonha avalanche de infortunios desatrosos?

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Só uma resposta cabe a estas penosas interrogativas: - a educação moral e religiosa

é o único e sobrano remedio a oppôr a esta tremenda desgraça, que ameaça a sociedade e que pode destruil-a inteiramente. Fóra deste meio tudo que é fallaz e

inputil - absolutamente inutil! (REVISTA MATTO-GROSSO, ano VII, v.11,

nov/1910, p.324)

Na edição conjunta de março e abril em 1913, há uma nota a respeito das consequências da

secularização do ensino, com o título Educação Leiga, partindo do contexto europeu (Francês),

para reforçar a importância do ensino religioso em oposição ao ensino leigo.

De uma estatística recentemente publicada, em Paris: entre 100 meninos condemnados por varios delictos pelo tribunal do Sena, apenas 12 haviam cursado

aulas de escolas catholicas, ao passo que 88 haviam-se educado em escolas leigas;

de 100 meninos presos em Paris por faltas mais ou menos graves, 98 tinham-se

educado em escolas leigas. Haverá eloquencia mais convincente que destes algarismos? (REVISTA

MATTO-GROSSO, ano X, v.3, mar-abr/1913, p.96)

Em que pesem as grandes diferenças contextuais entre Brasil e França, do início do século

XX, a justificativa do ensino confessional serve de argumento para contrapor-se, com

superioridade, ao ensino leigo, quando diz respeitos a aspectos considerados morais na sociedade.

A Moral estaria “garantida” na formação do caráter nos jovens e das virtudes desejadas, conforme

a defesa propalada pelos salesianos.

Em outra passagem, nos Excerptos pedagógicos de 1914, afirmam ainda:

Do estupor de todos os bons pensadores, vemos que hoje, naquellas escolas nas quaes não se ensina a religião, nem tão pouco a respeitam; não se respeitar as

crenças das familias, que, não obstante, teriam um sagrado direito a isso.

Naquelles lábios, dos quaes não deveria sahir senão a verdade, os meninos vêem irromper um sorriso de compaixão, de escarneo, quando se trata de Deus e do seu

culto; quando tambem não ouvem cargas cerradas contra a Igreja, o Papa, os seus

ministros, etc. (...) Numa palavra, requer-se uma religião positiva, uma religião dogmatica com as suas verdades para crêr e as virtudes para praticar; e estas

verdades e estas virtudes devem-se ensinar, inculcar de modo positivo e expedito,

si se quer que o sentimento moral tenha solida base, vida e razão de ser.

(REVISTA MATTO-GROSSO, ano XI, v.1, jan/1914, p.4)

Não menos importante, e relevante para a RMT, a religião ou religiosidade deveria ser

condição necessária à educação da mulher mato grossense. Contudo, percebe-se que não são

públicos privilegiados na publicação. A importância da construção do lugar social da mulher como

mãe zelosa e cuidadora na construção de uma nação também é assunto na RMT. A mulher também

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não deixa representada na revista através da figura Maria, mãe de Jesus, que é uma figura central

na educação salesiana, da qual D. Bosco também buscava inspiração.

A Revista Matto-Grosso, embora não seja uma publicação direcionada à educação e tão

pouco apresentar-se como uma revista voltada ao público feminino, intenciona, de alguma forma

instruir o comportamento das mulheres, por meio da divulgação e circulação de modelos e práticas

de condutas direcionadas a elas ou as famílias, demonstração da moral aceitável, atendendo às

expectativas do período em que se inscreve. Procurou-se identificar em que medida a RMT se

direcionava ao público feminino, observando citações em artigos, poemas, crônicas, romance e

notícias, ou como mulheres colaboradoras na escrita das mesmas. Foram identificados conteúdos

que tratam sobre o lugar social da mulher e o comportamento que se esperava da mesma, textos

com ênfase aos temas: casamento, maternidade, religiosidade, aparência, entre outros. (Quadro 9)

Quadro 9: Levantamento sobre conteúdo, possivelmente instrutivo às mulheres, presente na RMT. (Extrato)

Ano Mês Volume Número Título Página

1906-

1907

fev/06-nov/07

III/IV - Casamento e União Livre 40 (1906)

1904 Abr I 4 Hygiene Alimentar da Infancia 102

1905 Out II 10 Aos Paes e Mães de Familia 264

1907 Abr IV 4 Duas Mães 92

1907 ago IV 8 O Sonho de Eva 208

1907 out IV 10 Morte de Uma Mãe 258

1907 set IV 9 O Nome de Maria 234

1908 abr V 4 Conselho as Mães 89

1908 set V 9 Divórcio e Degeneração 249

1908 set IV 9 Maria 232

1909 fev VI 2 Educação Doméstica 51

1909 dez VI 12 Uma Lição e Um Exemplo 374

1909 Jun VI 6 Lar Christão 166

1912 mai IX 5 O Mez de Maria 113

1914 Fev/mar

/abr

XI 2/3/4 Quanto Vale Uma Noiva? 31

1914 Fev/mar

/abr

XI 2/3/4 As Modas 43

1914 dez XI 12 Breviario das Virtudes de Maria 320

1914 out XI 10 Mãis Que Não Amam a Seus Filhos 260

1915 fev XII 2 O Soldado e a Irmã de Caridade 49

Elab.: RIBEIRO, S. S. (2017)

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Tendo em vista que a historiografia não privilegiou, por muito tempo, as mulheres como

sujeitos na produção do conhecimento e produção histórica (PRIORE; BASSANEZI 1997;

DAUPHIN, 2001; PINSKY, 2012) é preciso enveredar-se pelas mais diversas fontes para fazer

essas personagens saírem do “sótão da história” (PERROT, 2005), e as revistas são fundamentais

para dar visibilidade à presença feminina (LUCA, 2012).

As mulheres aparecem de uma história ditada pelas fontes documentais, fontes de

mudanças estruturais no mundo político, econômico, religioso. Elas circulam em documentos de toda a sorte: processos de inquisição, greves, leis, livros, crônicas

de viagem, atas de batismo, diários, fotos, relatórios médicos, jornais, pinturas,

policiais... (TEDESCHI, 2012, p.125)

Para Michelle Perrot há uma necessidade de buscar pelas mulheres e por seus

silenciamentos: “Escrever tal história significa levá-la a sério, querer superar o espinhoso problema

das fontes (‘Não se sabe nadas sobre as mulheres’, diz-se em tom de desculpa)” (PERROT, 1995,

p.9). Acompanho a sugestão de Perrot, um dos primeiros mapeamentos que foi feito da RMT

buscou-se de aspectos educacionais sugestionados as mulheres, visto que este compunha o primeiro

conjunto de ideias para a pesquisa de mestrado. Nesse exercício de manejo documental observou-

se, na leitura, citações em artigos, poemas, crônicas, romance e notícias, identificando conteúdos

que tratavam sobre o lugar social atribuído às mulheres, por aquele grupo de colaboradores.

Nessa seara, a intenção de civilizar e educar mulheres perpassa aos interesses da publicação,

principalmente no aspecto moral. Um artigo de opinião, em especial, chamou muito a atenção:

publicado em 1914, numa edição que agregava 3 números daquele ano (fevereiro, março e abril)

sob o título “As modas”, assinado por Paulo Girand, pseudônimo de Cônego Alfredo Xavier

Pedrosa, que ocupou os cargos de secretário, redator, redator-chefe do jornal A Tribuna de

Pernambuco entre os anos de 1906-1922, além de ter sido membro da Academia Pernambucana de

Letras e secretário (1915-1920) e diretor (1920-1922) da revista Maria (1913; 1915-1969),

(AMARAL, 2014; NASCIMENTO, 1975, 1983).

O artigo de opinião compõe a cena jornalística e é um texto em que o enunciador manifesta

um ponto de vista a respeito de acontecimentos ou fatos sociais que constituem notícia jornalística.

Seu propósito comunicativo é opinar, argumentar contra ou a favor de algo. Esse gênero configura

espaço propício para a propagação de normas de civilidade, visto que, na medida em que o

enunciador expõe argumentos valorativos a respeito do tema tratado, pode disseminar normas de

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convivência social e construir representações de atores sociais, como a mulher, por exemplo.

(ALMEIDA, 2008; p. 201)

Ao selecionar o texto de Girand para compor a publicação, os editores, possivelmente, não

o fizeram de modo ingênuo. Trata-se de um texto que sugere formas de vestir para as mulheres de

determinado extrato social, acompanhando a moda feminina, por suas características

normatizadoras e reflete um determinado modus operandi de conceber os ideais sociais do

momento em que é construído. Segue a transcrição do artigo em questão.

Muito se tem escripto sobre as inconveniencias e os escandalos da moda e com

razão. S. Bernardo falando da modéstia das mulheres christãs, chama-se a perola

dos costumes, a irmã da modéstia, o desperdício de uma alma pura, o decoro da

vida e a séde da virtude. Ora, sem querer ofender a dignidade feminina em geral, nós avançamos que as modistas escandalozas desconhecem essa virtude sublime

que faz da mulher o adorno da sociedade.

Não reprovamos absolutamente a moda, porque esse gosto que se experimenta pela novidade, a sêde pelo que é novo, com já li algures provamos que fomos

creados para outras espheras e revela-nos o que quer que seja de alto e nobre.

S. Francisco de Salles desejava mesmo que a “sua devota fosse a mais graciosa e

bem vestida comtanto que não fosse a mais <ilegível> e affectada. Uma cousa é seguir as regras do bom tom, amar o que é artístico e vistoso e outra

cousa bem differente é servir-se da moda desregradamente, fazendo dos vestidos,

que já denominara <ilegível> acerto “cumplices das paixões”, mascaras da indignidade palladios de vicios, escravos de corações mesquinhos que vivem na

terra para continuar esta blasphemia de Bruto: “virtude não é senão um nome!”.

As mulheres, em cujos corações existe o espirito de religião, deviam levantar uma cruzada contra os escandalos da moda que faz desmerecer o seu sexo perante o

bom senso e a Religião. Na Belgica existe a Liga das Familias para protestar

contra a invasão dos máos costumes e das toilettes deshonestas.

Na Hespanha uma mulher admiravel vai levantando uma campanha <ilegível> contra a moda desregrada e pouco honesta. Esta senhora que se chama Rosaria

Rozende teaciona estabelecer “a obras das modas decentes”. Todos applaudem a

sua idéa e avança com enthusiasmo christão a sua Cruzada da modestia christã. Na Colombia as mulheres christãs sabendo que a maçonaria favorece as

indecências da moda, pediram aos ministros que “não permitissem na Colombia,

consagrada ao Coração de Jesus, essas sociedades secretas, que tudo sacrificam, consciencia, patria, honra e familia” para conseguir o seu fim. Das grandes almas

a nobreza é esta.

E quando as mulheres brasileiras levantarão uma cruzada tão digna?

Na Bahia já vemos em outro sentido um esforço nobre das senhoras catholicas. Prouvéra a Deus que tivessemos muitas dessas LIGAS que não vivem para o

ridiculo, como umas tantas que nó conhecemos e o Zé...Prouvera! (GIRAND,

1914, p. 43)41

41 GIRAND, Paulo. As Modas. In: Revista Matto-Grosso, ano X, v.2, fev-abr/1914, p.43.

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O texto permite uma série de considerações acerca dos modos de entender a condição da

mulher e a importância de alguns aspectos do cotidiano na sua educação. Revela, a partir de uma

escrita masculina, alguns aspectos considerados pelo autor como instrutivos e civilizatórios,

abordando claramente as formas de comportamento feminino, cujo direcionamento se faz em tom

explícito, em uma escrita voltada para as mulheres, sobretudo “mulheres cristãs”. Um delimitador

para as considerações postas assenta-se nos aspectos religiosos. Girand utilizou-se de referências

conhecidas aos católicos, S. Bernardo e S. Francisco de Salles, para dar legitimidade e validade

social e moral aos valores que desejava arregimentar.

Partindo desse discurso de matriz religiosa, o texto apresenta características consideradas

como aceitáveis, louváveis e esperadas que as mulheres possuam ou desenvolvam: “irmã da

modéstia”, “decoro”, “virtude” e “graciosidade”. Em tom de advertência, para àquelas que seguem

“desregradamente” a moda, que de acordo com a moral cristã interpretada pelo autor, são

desonestas ou indignas. Em tom prescritivo, o texto aponta uma divisão binária entre mulheres

boas e más, entre práticas sociais corretas/incorretas e adequadas/inadequadas. Os exemplos de

conduta marcam o texto, que, ao reforçar exemplos estrangeiros, demonstravam pautar-se em um

ideário em formação em países vistos, à época, como modernos, portanto, como modelos, os quais

se seguidos, estariam em conformidade com código cristão, necessário à boa conduta.

Outro modo de exemplificar a boa conduta feminina pauta-se nas constantes menções à

figura de Maria, mãe de Jesus Cristo. Reiteradas são as vezes que o seu comportamento, seu espírito

afetuoso e suas qualidades são destacados nos textos da RMT. No primeiro mapeamento realizado,

com base apenas nos 56 exemplares digitalizados e disponibilizados pela Hemeroteca Digital da

Biblioteca Nacional, resultaram da busca por palavras-chave e descritores ligados à mulher a

considerável incidência do termo “Maria”, em distintos gêneros textuais (poemas, crônicas, artigos,

e excertos de textos bíblicos): resultaram da busca 167 ocorrências de substantivo próprio.

A recorrência à figura de Maria pode ser atribuída à ligação dos salesianos com a

personificação santificada da mãe de Jesus. Maria é uma inspiração constante para os salesianos,

uma vez que seu fundador D. Bosco teve um sonho (descrito no Capítulo 1), em que ele identifica

Jesus e Maria como sendo os personagens que o aconselhou a resolver os conflitos com paciência

e mansidão e não por meio da violência. A partir de então, os ideais associados a Maria passaram

a guiar a maneira com D. Bosco e os salesianos lidavam com os aspectos educacionais.

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Mas não é uma característica exclusiva dos salesianos ter Maria como exemplo do supremo

feminino, mas da sociedade ocidental baseada no modelo judaico-cristão, que tem estabelecido o

lugar da mulher de uma maneira particular. Apoiada nas discussões da moral religiosa, do corpo,

da medicina e da psicologia, a sociedade ocidental tem-se moldado, orientando qual o lugar que as

mulheres deveriam ocupar. “(...) A imagem da mulher vinculada pela moral cristã será encarada

como fator determinante dos modelos de auto representação da mulher e da identidade feminina

que são por si construções sócias em nível mais vasto, em que a religião assume um papel

particularmente importante” (TEDESCHI, 2012, p.57).

Assim se destacam no mito cristão duas figuras femininas extremamente importantes para

explicar o lugar da mulher, de acordo com a Igreja Católica: Eva e Maria. “A Eva pecadora e a

Virgem Maria assexuada, imagem dupla feminina como que desde sempre acompanhando a

história corporal das mulheres” (COLLING, 2014, p.43)

Eva, a primeira mulher de acordo com a bíblia (livro sagrado para a religião cristã, e

norteador da moral e dos costumes), foi quem deu ouvidos à serpente, comeu o fruto proibido e

levou toda a humanidade ao pecado e à perdição. Além disso, foi ela que enganou Adão para que

comesse do fruto, e não o contrário, culpabilizando a mulher, que de acordo com Ana Maria Colling

(2014, p. 4), era o motivo dela não ser aceita nos templos, conforme indicava Santo Ambrósio, por

exemplo. As mulheres foram constantemente associadas ao pecado original, e por isso era

entendido que elas tinham uma tendência nata a serem imperfeitas e terem um espírito desviado.

Ademais, as próprias Escrituras Sagradas salientam que as mulheres deveriam assumir tais

posturas, sendo submissas aos homens, como uma espécie de forma de redenção.

Com o Iluminismo e os ideais reformistas, o papel das mulheres passou por mudanças.

Segundo Colling, “a ideia da mulher luxuriosa, fonte dos males e de pecado não desaparecerá

imediatamente e nunca ao todo”, mas iniciou-se então “uma configuração do novo modelo de

domesticidade, que se transformará no ‘anjo do lar’ do século XIX” (COLLING, 2014, p.69)

Maria, a partir da instalação do casamento monogâmico ocupou o lugar de Eva como o

ideal feminino. O aspirado pela igreja e sociedade era que as mulheres fossem mães, purificadas,

bem afeiçoadas, recatadas, e que cuidassem da casa e dos filhos com zelo. Maria é, então, aquela

que virgem, deu luz ao filho de Deus. Santificada, pura, amorosa, abnegada e casta, ela mostrou

que era possível que uma mulher pudesse negar seu espírito natural pecaminoso e adquirir

características celestiais. Ela fora, então, a redenção feminina.

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(...) o Cristianismo tem dois tipos para representar o universo feminino, sendo que Maria assume um caráter antiético face a Eva. Enquanto todas as mulheres são

identificadas como Eva e percepcionadas como suas filhas pecadoras por

natureza, Maria eleva-se a um estatuto de perfeição inatingível para as restantes

das mulheres e é considerada o único exemplo do seu tipo. (...) Com a sua obediência e fé, a mãe de Cristo trouxe a vida e a salvação ao mundo, ao contrário

da sua antepassada que supostamente teria trazido apenas a morte e a desgraça a

toda a espécie humana”. (TEDESCHI, 2012, p.69-70)

Maria, como a redentora e mostrando a possibilidade de a mulher conter os impulsos

naturais do espírito de Eva, acrescenta uma cobrança moral para as mulheres, principalmente

através do discurso cívico-religioso. Observa-se essa nuance de modo enfático na RMT, geralmente

atrelada à um discurso comportamental. As qualidades atribuídas à Maria poderiam ser

emprestadas às mulheres mato-grossenses, a pureza e dignidade seriam dois bons exemplos, como

evidencia o poema “Maria”, escrito por um autor identificado apena pelas iniciais A.G.:

(...)

Maria! Cheia de graças, De candura e de beleza;

Maria divina Mãe

Do autor da Natureza. (...)

Maria! Cantam no céo

Os anjos com alegria:

Salve! Rainha das Virgens. Salve! Excelsa Maria.

(...)

(REVISTA MATTO-GROSSO, ano IV, n. 9, set/1908, p.232. Grifo nosso).

Pode-se observar que há a presença das características clássicas da figura de Maria nesse

poema: cheia de graça, bela, pura, divina, virgem e excelsa. Na verdade, o trecho fala de “rainha

das virgens”, o que se pode supor que é um atributo natural que se espera encontrar em muitas

outras mulheres. Outros adjetivos de Maria, pode ser encontrado em um artigo chamado “O mez

de Maria”, matéria capa da edição número cinco do ano de 1912.

Maio entra a sorrir, como diz o poeta, pela bocca das flôres, e MARIA surge, a

brilhar, entre preces e aromas, branca, pura, immaculada, e santa, com o manto espalmo, a mão aberta, o olhar translucido, a acalentar remorsos, afagar angústias,

acenar bonanças, prometer paraísos. (...) Maria é toda feita de açucena e rosicleres,

os seus olhos têm sombras que abrigam e aves que cantam, os seus lábios tem palavras de esperanças, cariciosas como vagas que embalam e o seu rosto é todo

um sorriso de aurora, a iluminar, a orvalhar, a purificar o mundo... (REVISTA

MATTO-GROSSO, ano IX, n.5, mai/1912, p.113. Grifo nosso)

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Outro elemento que intenciona alçar Maria à condição de exemplo nato de conduta das/para

as mulheres foi identificado em artigo aponta as qualidades da Virgem Maria, com a proposta de

serem praticadas a cada dia do mês, visto que estavam divididas em 31 virtudes. Não há

direcionamento explicito ao público feminino, o que se pode entender que poderia ser praticado

pelas pessoas de modo geral. Contudo, raramente se atribuíam aos homens qualidades da esfera do

feminino.

Ella era:

Virgem de corpo e espírito.

Humilde de coração. Grave nas palavras.

Prudente nos conselhos.

Applicada ao trabalho. Sensata na conversa.

Amiga da leitura

(...)

(ilegível) por principio: Não procurar senão a Deus.

Viver na solidão.

Não affligir ninguém. Fazer bem a todos.

Honrar os velhos.

Não invejar seus semelhantes.

Fugir da glória vã. Amar a virtude.

Seguir sempre a razão.

(REVISTA MATTO-GROSSO, n.12, dez/1914, p.320)

Novamente a revista sublinha a castidade, humildade, prudência e tantas outras virtudes de

Maria, e nesse momento como um objetivo diretamente colocado como qualidades a serem

adquiridas. Maria é o exemplo-chave da revista, que pouco fala, diretamente, a respeito das

mulheres sem deixar de indicar como elas deveriam ou não se portar.

Não é possível deixar de considerar que a revista era produzida por homens, de um espaço

religioso e educativo composto por homens, de uma congregação católica masculina e tendo como

objetivo principal a divulgação científica. Trata-se, sob este aspecto, de um discurso produzido por

homens para alcançar também educadores de mulheres, ainda que devam ser considerados os

valores e modos de educação da época.

Ainda sobre o tema, registre-se a presença na RMT de uma série de artigos dividido em 21

números publicadas entre os anos de 1906 e 1907, chamada Casamento e União Livre. Nesse

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artigo, sem identificação de autoria, está disposta uma longa discussão sobre casamento tradicional,

união livre e divórcio, procurando estabelecer uma justificativa que promova a doutrina católica.

Sobre a união livre, o primeiro parágrafo do artigo já se encarrega de julga-lo objetivamente como

sendo o contrário do matrimônio:

Agora, até se chega a dizer que, se quizer verdadeiramente conservar a dignidade no casamento, é muito transformal-o em união livre, o que significa, pouco mais

ou menos, em termos precisos, que a unica maneira rasoavel de conservar o

casamento é suprimil-o. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano III, n.2, fev/1906,

p.40)

No início da discussão também é salientado as mudanças nas legislações que implicam

diretamente em transmutações das tradições:

(...) e quasi sempre concluiu pelo inverso das tradições que a legislação representa,

reinvindicou-se para a mulher a independencia, para o filho natural a egualdade e

o parallelo com os filhos legitimos. Assim, por todos os lados, a velha instituição

matrimonial, que deriva ao mesmo tempo do direito romano e do direito christão, ameaça derrubar em ruínas. (REVISTA MATTO-GROSSO, ano III, n.2,

fev/1906, p.40)

Outro assunto abordado é os motivos pelos quais homens e mulheres apresentam como

justificativa para a necessidade do divórcio. Logo no início lê-se o seguinte:

As censuras formuladas contra o casamento reduzem-se todas a uma quaixa dos

esposos contra a sua propria desgraça.

Dizem as mulheres: Como poderia eu estar ligada para sempre a um sêr que não respeita meus juramentos, que abusa da minha franqueza e da autoridade que a lei

lhe confere para me roubar, para me spojar, para me deixar morrer de fome, ou

impôr-me privações a que minha fortuna me devia poupar para maltratar os meus

filhos e dar-lhes os peores exemplos, um homem que não sabe respeitar nem as franquezas do meu organismo, nem a delicadeza dos meus sentimentos, que

ultraja até os meu pudores mais íntimos, que não respeita em mim o direito que

nem todo o ser humano de viver uma vida propria, de não, estar escravisada a fim que lhe sejam extranhos, de se desenvolver livremente, de ser mais que o

complemento d'uma outra personalidade, de seu uma luz e não um simples

reflexo, de ser enfim uma pessôa e não uma cousa, em miseravel instrumento que assegura, com pontualidade, economia e segurança, simultaneamente, a

administração do lar, a perpetuaidade da raça e os prazeres da alcôva?

E os homens replicam: Como poderia eu estar ligado para sempre a uma mulher

infiel aos meus juramentos, que me trahe e engana, que me obriga a dar meu nome a filhos dos quaes não sou o pae, que me força a sustental-os, a educal-os, a dotal-

os, como se elles fossem meus; - a uma mulher que só sabe engeitar-se, que não

cuida nem da casa nem dos filhos, que não tem nenhuma das minhas inclinações:

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prodiga, quando sou economico, avarenta quando sou liberal, mundana uando sou

amigo do lar, amigo do lar quando sou mundano, - um infernalcaracter que sem cessar ralha ou murmura, ou fica silencioso ou despéde uma torrente de injurias

uma mulher, em fim, que faz da minha casa um inferno? (REVISTA MATTO-

GROSSO, ano III, n.2, fev/1906, p.40-41. Grifo nosso)

Ao fim, mas não menos importante, o papel da mulher enquanto mãe não deixa de ser

ressaltado pela RMT. Entre eles encontra-se uma pequena nota no final do número 10 de 1914, sob

o título Mãis que não amam a seus filhos:

São aquellas que pondo parte o cuidado que devem ter à sua alma, não começam a falar-lhes em Deus desde que elles tem alguma pequena comprehensão; não os

acostumam a rezar desde os primeiros annos; não lhes ensinam nem fazem ensinar

o Cathecismo; não trabalham por que elles frequentem a egreja, ouçam missa e façam a sua confissão e communhão desde os sete annos. A' essa negligencia

deixando que elles fóra de seu olhar vigilante acompanhem meninos e meninas

que ellas não muito bem conheçam como innocentes, direi que taes mãis desejam que seus filhos se percam physica e moralmente. (REVISTA MATTO-GROSSO,

ano XI, n.10, out/1914, p.260)

Os excertos de textos selecionados, assim como outros que constam da pesquisa em curso,

fornecem indícios da proposta editorial da Revista Matto-Grosso, em relação às formas de

abordagem de assuntos ou temas relativos à educação da/para a mulher mato-grossense. Esses e

outros textos, embora tratem do temário feminino, seriam leituras para as mulheres, ou para os

homens que educavam as mulheres? No caso do artigo em questão pode-se dizer que existe a opção

de ter sido escrito para as mulheres que liam a revista ou para os homens que receberiam a

informação e, consequentemente, educariam suas mulheres: a segunda opção parece mais coerente

com a forma de escrita.

De maneira geral a RMT foi uma revista com a proposta de entreter e divulgar, mas que

possuía aspectos educativos em todos o seu texto. Educação essa guiada pela doutrina cristã e

tradição católica. Entendendo então, que a educação é um fenômeno que está além do ambiente

escolar e que a imprensa possui a característica instrutiva em sua essência, comprovamos com o

estudo da RMT esse seu papel e importância.

Os aspectos instrutivos da página dessa revista voltavam-se tanto para crianças, quanto a

homens e mulheres, o que se leva a dizer que era uma revista para a família. Havendo uma

frequência na divulgação de assuntos sobre o Liceu e seus alunos, conclui-se que boa parte do

público leitor eram as próprias famílias dos estudantes das instituições salesianas.

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Dessa forma, conclui-se que a RMT foi uma propagadora dos princípios educacionais

salesianos e da religião católica, com o foco na moral e na importância da unidade entre religião e

pátria para o progresso da nação. O periódico divulgava em instruía buscando civilizar e lutar

contra tudo que consideravam barbárie, tendo a divulgação de ciência como umas das formas de

demonstrar sua evolução perante os povos indígenas e leigos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caminho percorrido durante o desenvolvimento da pesquisa motivou-se pelo interesse em

aprofundar estudos sobre imprensa, considerando-se o percurso inicial trilhado no Curso de

Graduação em História, afunilado, como se demonstrou na dissertação, para a imprensa produzida

e em circulação em Mato Grosso entre os anos de 1904 a 1915. Essa pesquisa alicerçou-se nos

campos da História e da Educação, tendo na imprensa sua fonte e objeto de estudo, uma vez que é

entendida como responsável pela difusão de prática, valores e normas de condutas nos tempos e

lugares em que é produzida e posta em circulação. Assim, fez-se a busca pela compreensão das

práticas culturais e dos aspectos educativos em Mato Grosso no início do século XX, a partir desse

periódico, editado e impresso pela comunidade religiosa dos salesianos, em Cuiabá.

Com enfoque em um impresso produzido por aquele grupo religioso, a Revista Matto-

Grosso, construiu-se um trabalho de natureza descritiva-analítica-interpretativa. A partir da leitura

de outros trabalhos voltados ao estudo da história de Mato Grosso e dos próprios salesianos,

compreendeu-se a importância dessa comunidade como propagadores de uma proposta

educacional voltada as questões da modernidade, sem, contudo, abrir mão de seus princípios

religiosos.

Sabendo que a congregação Sociedade São Francisco de Sales ou, simplesmente,

salesianos, foi fundada por D. Bosco em 1859 no norte da Itália, na região de Piemonte, procurou-

se nesse trabalho, apresentar o contexto de mudanças graças a revolução industrial, no qual passava

a Itália assim como no restante da Europa. Sendo assim, entendeu-se que o principal objetivo da

comunidade iniciada por D. Bosco era a educação de crianças e jovens, sendo a sua formação e

estabelecimento como uma forma de resposta católica à racionalização e laicização da sociedade e

das mudanças decorridas da industrialização na segunda metade do século XIX.

Ao expandir seu trabalho a outros cantos do mundo, os salesianos passaram a atual também

no Brasil, chegando nesse país em 1883, onde se estabeleceram em Niterói, primeiramente. Em

Mato Grosso, chegaram em 1894, após convite feito pelo presidente do estado e pelo bispo D.

Carlos d’Amour. Formaram colônias e instituições de ensino, em sua “missão civilizatória” na

região, com o objetivo de catequizar indígenas, assim como educar crianças e jovens, de diferentes

classes sociais. Sua importância para as autoridades locais, dava-se pelo fato de impulsionar o

desenvolvimento nas áreas de educação e cultura de alguns setores sociais, principalmente no que

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diz respeito ao combate à barbárie dos povos nativos, por eles assim entendidos, e a instalação do

Liceu de Artes e Ofícios na capital.

Ressalta-se, pois, a relevância do Liceu Salesiano como uma instituição educativo-religiosa

na região da capital de Mato Grosso, no início do século XX, principalmente no que diz respeito

às atividades de ensino profissionalizantes oferecidos da instituição. Esses religiosos entendiam

que o trabalho era uma forma de “resgate das almas”, uma maneira de atrair as classes populares

de volta a religião católica, uma vez que na região já se fazia presente novas religiões como as

evangélicas protestantes e espíritas. Além disso, era importante, também, que se formassem mão

de obra para operarem junto a sociedade como atuantes na busca do progresso. Outra função desses

cursos, era a delimitação de papeis sociais, uma vez que para os filhos das elites existia o curso de

humanidades voltado a preparação para o bacharel, enquanto os jovens de classes menos

favorecidas aprendiam ofícios mais técnicos e de baixa rentabilidade, como: sapataria, serralheria,

alfaiataria, carpintaria, entre outras.

Desses ofícios oferecidos, o mais relevante para essa pesquisa diz respeito à tipografia. Para

além do aspecto instrutivo dessa oficina no Liceu, ela era importante pelo fato de imprimir não só

materiais dos próprios salesianos, mas encomendas também de externos. Antes da RMT já eram

impressos outros documentos eclesiásticos, com objetivos comunicacionais mais específicos como

documentos da própria diocese cuiabana.

Dentre todos os impressos produzidos pela tipografia do Liceu, destacou-se, então, a

Revista Matto-grosso, criada em 1904 a partir de um folheto já existente desde o anterior. De

acordo com as informações da própria revista, seu intuito era divulgar ciências, artes, religião,

letras e variedades. Os objetivos em relação ao conteúdo da revista, foi a primeira guia de leitura

desse impresso. Através dos mapeamentos realizados a partir edições à que se teve acesso, após

sistemático processo de localização do periódico e leitura de seu conteúdo, pode-se entender se as

propostas apresentadas pelos redatores consistiam no que se apresentava nas entrelinhas. De acordo

com os editoriais, a RMT tinha objetivo de servir à “Religião e Pátria”, assim como o desejo de se

tornar, também, um depositário sobre a história e geografia regionais.

Com o processo de manejo da documentação, que consistiu no exame, digitalização e leitura

dos mais de onze anos de publicação mensal, foi possível formular quadros e tabelas e ensaiar

analises e interpretações, que ultrapassaram o campo das descrições, igualmente importantes ao

trabalho do historiador dos impressos, sendo possível adentrar para além das primeiras impressões,

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ao exame da revista como fonte e objeto para a produção de um conhecimento histórico sobre

Mato Grosso.

O estudo da materialidade e organização da publicação permitiu, para além da identificação

dos aspectos técnicos, demarcar os assuntos mais recorrentes em suas páginas, que foram

sistematizados por meio de oito tópicos gerais: religiosos; científicos; literários; biográficos;

históricos; noticiosos; de entretenimento; de divulgação do Liceu e de outros trabalhos dos

salesianos. Em relação aos textos, pode-se a proposta editorial salesiana perpassa de modo amplo

e abrangente à toda publicação: há elementos relativos à princípios da educação religiosa salesiana,

aspectos instrutivos, tanto na vertente secular como religiosa, com abordagem nos campos

científicos e históricos.

A revista apresentou-se como sendo híbrida em seu conteúdo e objetivos, na tentativa de

promover instrução e entretenimento. Também buscou-se fazer uma discussão desse impresso,

entendendo este como um artefato cultural produzidos pelos salesianos, procurando compreender

formas de pensamento, valores e modos que os guiaram na implementação de seus ideias e visão

de mundo por meio da RMT. Procurou-se dialogar com o conteúdo da RMT afim de captar nos

ditos e não ditos seus aspectos culturais e educacionais, bem como a presença dos princípios da

educação salesiana nos textos desse impresso periódico.

Com a observação e busca pelos três princípios pedagógicos salesianos e suas

funcionalidades na produção de conteúdo na RMT, foi possível perceber eles que perpassavam

todo do impresso. Dos três princípios, a religião ocupa espaço significativo nas páginas do

periódico: está nos artigos diretamente religiosos, ou com intuito moralizante, nos trechos dos

evangelhos bíblicos, nas cartas papais, nos relatórios das missões indígenas, nos editoriais ne início

de ano, nos poemas e em outros gêneros textuais.

O princípio da Razão fez-se presente nos textos de caráter científicos, alguns com a clara

intencionalidade de serem instrutivos, outros permeados pela intenção de informar de uma maneira

mais branda utilizando-se da perspectiva da curiosidade e dos contos. Havia também, informações

técnicas na RMT, como era o caso da publicação dos dados do Observatório Meteorológico,

durante todos os anos da publicação, tornando-se a seção de maior duração na revista e

demonstrando a intensão de estabelecer seu caráter científico e moderno.

O Afeto estava presente no sentido da busca por uma educação mais pautada nos princípios

da família e de escrita mais amável dos textos que permeavam toda a publicação. Segundo a

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educação salesiana, as crianças e jovens precisavam ter na escola uma segunda família, entendendo

que as relações mais afetuosas entre educadores e educando dariam melhores resultados na

aprendizagem, dessa forma.

Para além da identificação dos princípios educacionais salesianos, foi possível compreender

a importância que a revista tinha em relação ao tempo e lugar que fora produzida. A RMT, assim

como os impressos de maneira geral, foi um produto do tempo, revelando suas intencionalidades e

possibilidades de compreensão de determinados temas. O periódico estava interligado com as

notícias do Brasil e do mundo; em seção destinada a esse fim, trazia um resumo dos principais

acontecimentos, dando ênfase para as notícias de cunho religioso e tecnológico. No aspecto social,

os redatores procuravam falar sobre as personalidades locais, em geral políticos, textos

bibliográficos, mas demonstrando certas preferências daquele grupo. A divulgação de notícias de

outros periódicos, nacionais e internacionais, configurou uma ampla rede de contatos, provando,

mais uma vez, que Mato Grosso não se encontrava em atraso como se acreditava, tampouco estava

em situação de isolamento. A imprensa regional fazia seu papel de interligação de estados e países,

e a RMT foi parte importante desse trabalho ao trazer mensamente assuntos diversos e atuais.

Havia também uma preocupação em trazer discussões a respeito de aspectos da

modernidade que consideravam ruins, como separação conjugal, moda feminina, educação laica,

entre outros assuntos. As discussões e posicionamentos nos artigos com esses assuntos estavam,

de maneira geral, baseados na moral religiosa cristã e nas tradições católicas. A RMT também foi

uma divulgadora da história e geografia regional, elegendo textos de personalidades das letras, que

construía uma imagem de heroísmo e progresso.

Ao estudar a RMT, percebe-se que há um conflito entre as intenções, pois ao mesmo tem

que se busca trazer um conteúdo diverso, moderno e científico, este costuma está alicerçado nos

aspectos religiosos. Muitas das notícias trazem notas sobre os perigos do distanciamento da

religião, ou elogios a pessoas religiosa que produzem inventos e fazem descobertas, procurando

reafirmar a existência de uma força sobrenatural que auxilia na obtenção tais resultados. Nas

crônicas, poemas, bibliografias, também há uma constante presença da doutrina cristã e suas

tradições. Sem falar nos muitos textos especificamente religiosos, ou de divulgação dos próprios

salesianos. As exceções, ao se analisar esse aspecto, encontra-se apenas nas divulgações técnicas

dos dados meteorológicos. Dessa forma pode-se afirmar que a RMT é uma revista diversificada

quanto aos gêneros e assuntos, no entanto quando pensado no fio condutor do periódico conclui-se

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que é um periódico voltado a instrução e divulgação religiosa, com intuitos evangelizadores e

civilizatórios.

Assim, compreendeu-se, através da seleção de artigos e textos, as propostas civilizadoras

da revista e de seus editores, uma vez que estes eram responsáveis pela escrita e seleção de artigos

e notícias, em um período fundamental para a formulação de ideias no início do século XX, em

Mato Grosso. Constatou-se, assim, a partir do exame dos textos selecionados, que a RMT se

configurou como um veículo de divulgação cultural. Além de ser um impresso de circulação pré

direcionada, é um produto de representação que contribuiu para a formação de uma identidade

histórico-cultural na região, publicizando valores e práticas culturais de seu tempo.

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