Revista Metrópole
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Nº08 / 2012
v8.art.br R$ 9,90
ENTREVISTABUANA
MAGALHÃES
ARTESBERNARDOMATOS
ORIGAMISONHOS DE PAPEL
MADE IN BRAZILMODA
RALLY DAKAR
MÁRIODIAS
BRUNABUKOWSKI
SOLIDARIEDADE:08 M
ETRÓPOLE 2
012
JOSÉ
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Um dos maiores incômodos que eu tinha, resolvi neste começo de ano. Incrível como o Rally Dakar - antigo Paris-Dakar, Lisboa-Dakar, Granada-Dakar – ou simplesmente Dakar é tão conhecido no mundo todo. No Brasil, acredito que devemos muito à família Azevedo - o André e o Jean. Afinal, o André completou este ano vinte e cinco anos de participação neste que é o maior rali do mundo. Até brinquei com ele em Mar Del Plata: disse que quando ele tinha feito sua primeira participação eu tinha pouco mais de dois meses de vida. É. Parabéns pra ele.
Dakar, cheguei lá.
Fotos e texto: José Mário Dias
GENTE / OUTSIDE
ra desconfortante pra mim
quando me perguntavam com o
que eu trabalhava e eu respon-
dia que era fotógrafo especializado em
automobilismo. De cara perguntavam:
“Você já fotografou o Dakar?”. Juro que
era ruim responder que nunca tive a
oportunidade de ir. Neste momento,
alguns dias depois de ter completado o
evento, sou sincero em escrever com
água nos olhos: sim eu já fiz o maior rali
do mundo!
Quando saí de Campo Mourão
dia 26, após o Natal com a família,
estava com o coração apertado por dois
motivos. Um por não ter ficado tanto
tempo com minha família e com
amigos, outro devido a muita apreen-
são. Afinal, eu estava a caminho de um
de meus sonhos profissionais: o maior
rali do mundo. Na bagagem levava
algumas temporadas de Brasileiro de
Rali, Copa Peugeot e o mais próximo do
que é o Dakar, seis anos de Rally dos
Sertões. Juro que eu achava que seis
Sertões na bagagem iriam facilitar
muito, mas mesmo sendo o segundo
maior rali do mundo, infelizmente
ainda “falta chão” pra chegar próximo à
grandiosidade do Dakar.
Este ano o percurso foi de Mar
Del Plata, litoral Argentino, até Lima,
capital do Peru. Foram mais de nove mil
quilômetros em 14 dias de competição,
passando pelo Deserto do Atacama,
Cordilheira dos Andes e mais dezenas
de paisagens indescritíveis.
Quando cheguei a Mar Del
Plata, logo fui para o Bivouac, que é
onde se concentram todas as equipes,
estruturas de apoio e organização.
Comecei a andar, andar, andar e a ficar
assustado com o tamanho daquilo.
Tudo na minha cabeça eu comparava
com o Sertões e sempre me impressio-
nava mais e ficava mais apreensivo
também.
Na virada do ano, quando já
estava tudo pronto na camionete para
seguirmos viagem no meio da noite,
rumo ao primeiro dia de rali, dei um
abraço apertado no meu grande amigo
e mestre Haroldo Nogueira, fotógrafo
super experiente a quem eu dediquei
inteiramente o meu rali. No abraço
emocionado agradeci por ele estar me
dando aquela oportunidade. Oportuni-
dade que faltava para eu encher o peito
e dizer: sou fotógrafo de rali!
O primeiro dia, entre Mar Del
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E
Tradicionais dunas de Pisco, no Peru, cidade que leva o mesmo nome da bebida típica do País. Pisco é como uma cachaça, mas tendo como matéria prima a uva.
José Mário Dias, 26 anos, é mourãoense, filho da Rosira e do Irineu Dias,neto dos pioneiros Eloy e Elza Brisola Maciel. Estudante de jornalismo,
fotógrafo especializado em automobilismo, já cobriu as principaiscategorias de automobilismo do mundo, entre elas Fórmula 1, Indy,
LeMans Series, WRC (Mundial de Rali), Stock Car, Fórmula Truck, Rally dos Sertões e agora, Dakar, o maior rali do mundo.
Plata e Santa Rosa de La Pampa, já
começou anormal, com fotos com o
Atlântico ao fundo e muita areia. Eu
ainda estava um pouco nervoso e
apreensivo em ver os carros de rali com
mais tecnologia do mundo passando
pela minha frente ou ver ícones como o
francês Stéphane Peterhansel, que neste
ano sagrou-se, pela décima vez,
campeão da competição.
Depois de fotografarmos por
cerca de seis horas e depois de andar-
mos muito, fomos embora. Estávamos
indo pro carro cedo até – eram 16h – se
desconsiderássemos os mais de 600 km
que tínhamos que rodar naquele dia
ainda. E foi já neste primeiro dia que
comecei a ver a diferença entre
qualquer outro rali e este. Tudo é longe.
No segundo dia, chegamos
tarde ao ponto desejado, onde fotogra-
faríamos, e não tinha nada legal por ali.
Preparei meu colete de fotografia com
muita água e umas bolachinhas e falei:
“Vou caminhar”. E foi o que fiz. Eu
estava muito empolgado por estar lá,
então precisava de algum ponto ótimo
de fotografia, não importava o quanto
tivesse que andar. E andei... Umas 3
horas depois encontrei um lugar que
me agradou muito. Fiquei por lá. As
motos, que largam antes, já estavam no
final. Mas eu queria mesmo ver os
carros. Quando passou o primeiro
carro eu já abri um sorriso gigante.
Tinha acertado na escolha. Foram fotos
maravilhosas, talvez as melhores de
todo o rali. Aliás, o rali tem um ponto
muito forte, que é a solidão no meio do
nada. Gosto muito disso, me ajuda a
criar, pensar na vida e pensar em tudo.
Eu estava a uns 20 km de qualquer
pessoa, sozinho, sem nada, só eu,
barulho do vento, uma paisagem
anormal e, de tempo em tempo, um
carro passando e deixando o seu rastro
no chão de pedras. Depois de ter
andado tanto é que eu pensei: “Vale a
pena. Vale cada passo. Vale cada ´Volte
sempre a Campo Mourão, boa viagem .́
Somos criados para o mundo e ele nos
espera”.
A partir do segundo dia já
comecei a ficar mais esperto com a
rotina. Comecei a seguir o lema que
temos no Sertões: quando der pra
dormir, durma. Quando der pra comer,
coma. Quando der pra ir ao banheiro,
vá. E beba água o tempo todo. Tudo
isso, mesmo sem vontade. Esse é o lema.
Cada minuto é tempo valioso para o
físico.
No quarto dia já estávamos
entrando nos Andes. Andamos por
estradas lindas. Lembro-me que pedi
para parar o carro pra ligar a câmera
externa que tínhamos. Ainda comentei:
“Para o carro, preciso gravar esta
estrada pra minha mãe ver. Ela gosta de
estradas bonitas!”. Era sinuosa que nem
uma cobra, no pé das cordilheiras, coisa
linda. Chegamos em um leito de rio,
estava meio seco. Ele se enche no final
do inverno, com água do degelo. Vi a
primeira cena impressionante para
quem gosta do esporte. Estava com o
olho na câmera, fotografando três
motos que vinham juntas naquele largo
rio seco, quando, lá atrás, surgiu um
Hummer - do príncipe do Qatar, Nasser
Al-Attiyah, até então campeão do rali -
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“ Somos criados para o mundo, e ele nos espera.
Todos nós. Vamos descobri-lo.”
Bivouac, nome dado ao espaço reservado ao local onde ficam as estruturas de apoio. Este Bivuac foi em Fiambalá, Chile, que é denominada como a "Capital de la Cordillera".
Estreante brasileiro Felipe Zanol foi o melhor piloto das Américas, ocupando a décima colocação na geral.
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Marc Coma, um dos favoritos nas motos. Certamente o favorito na simpatia
Em foto de Haroldo Nogueira, nas dunas do Peru
O maior rali do mundo cortando o chão do deserto mais árido do planeta, o Atacama.
Quanto mais pó, mais arte se tem.
As equipes são muito bem organizadas nos Bivouacs
Em Fiambalá, no meio deste pó, os nativos me disseram que Deus deu de presentea chuva de um dia antes. Caso contrário, seria impossível andar por ali.
Os argentinos Lucio Alvarez e Ronnie Graue capotaram sua Toyota, mas mesmo assim terminaram o rali
Haroldo Nogueira e eu, na Laguna Verde
que veio passando por cima de tudo.
Aliás, se os motoqueiros não fossem
espertos, poderiam estar lá até hoje. Foi
lindo, passou pelo “risco” de água que
eu estava fotografando como se nada
tivesse acontecido, como uma bala
tascante. Só quem gosta e quem já viu
pode saber o que senti na hora.
Neste dia conhecemos um
peruano, que havia quebrado a moto
pouco antes. Veio se arrastando até nós.
Parou e ficou tentando arrumar a moto
por um bom tempo. Quando fomos
embora e o deixamos ele disse uma
ótima frase: “pelo menos uma coisa boa
nisso tudo. Eu vou embora”. E isso era
apenas o quarto dia. Tinham mais dez.
Lá, os pilotos de moto e quadriciclo,
sem dúvida, são os que mais sofrem.
Imagine você, em uma moto, andando
em um terreno desconhecido por mais
de 400 km? Não é fácil.
Mas, para compensar o cansaço, entre a
fronteira da Argentina e do Chile,
cruzamos pelo Paso de San Francisco,
onde fica um lago chamado Laguna
Verde. Simplesmente a paisagem mais
linda que já vi em toda minha vida.
Inigualável, muito emocionante, pode-
ria passar o dia todo vendo aquelas
paredes de rocha com um imenso lago
com tonalidade esverdeada e com
montanhas de gelo ao fundo. Dá vonta-
de de meditar, mesmo sem nunca ter
feito isto antes. Pena que na circunstân-
cia que estávamos tínhamos tão pouco
tempo.
Costumo dizer que existe a
crise do sétimo dia no Rally dos Sertões.
Incrível como sempre no sétimo dia
“Eu estava a uns 20km de qualquer pessoa, sozinho,
sem nada, só eu, barulho do vento,
uma paisagem anormal.”
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Os RedBull's Kamaz eram favoritos, mas foram "esfolados" pelos Ivecos.Um lagartinho do Atacama me deu o prazer de fazer a composição.
No Peru o público é apaixonado por ralis.
Stanovnik, após 15 anos de Dakar é exemplo de superação
Após ter quebrado a perna, o resgate chega para buscar o esloveno Miran Stanovnik
Laguna Verde, no Paso de San Francisco. Paisagem mais linda que vi na vida.
GENTE / OUTSIDE
todos já estão de saco cheio, todo
mundo brigando com todo mundo.
Vontade de ir embora e é quando bate o
arrependimento. Mas, no Dakar, o
oitavo dia é de descanso. Dia sem
competição. Resolvemos parar em uma
cidade magnífica chamada Taltal, na
beira do Oceano Pacífico, costa do
Chile. Tivemos o prazer de ver o lindo
pôr do sol e comer um bom e tradicio-
nal ceviche, que é peixe descansado em
suco de limão e outros temperos. Existe
uma disputa entre chilenos e peruanos
pra dizer onde foi criado, mas ambos
são ótimos, apesar de o peruano ter
mais pimenta. Acredito que se não fosse
um dia desse de descanso, metade
desistiria.
A partir deste dia de descanso
já começou a ser muito automático, o
cansaço, mesmo depois do ceviche, era
tanto, que já pensávamos diferente.
Víamos mais a “luz do fim do túnel”, o
fim do rali. Claro que todo dia tinha
algo diferente e espetacular: as dunas
de Antofagasta, no Chile, a paixão por
rali, dos peruanos de Nazca. Tudo era
bonito de ver, mas o que eu mais queria
era chegar a Lima.
Último dia e a sensação de
dever cumprido era tão grande que não
cabia dentro de mim. A felicidade de ter
feito parte do maior rali do mundo se
confundia com o alívio de ter acabado.
Fomos direto para a tão esperada rampa
de chegada, onde os competidores
sobem para ser premiados. Aí é cham-
pagne, papéis picados, gelo seco, luz
negra, qualquer coisa que se refira a
festa. Muita alegria em todos, competi-
dores choram apenas por ter completa-
do, mesmo que no pelotão de trás. Eu, o
fotógrafo Haroldo Nogueira e o grande
companheiro e motorista Ralph Gallas
estávamos na mesma alegria.
Rally Dakar, 34 anos de história. Agora
posso falar que já fotografei o maior rali
do mundo. E cada vez mais tenho certeza de uma
coisa: somos criados para o mundo e ele nos
espera. Todos nós. Vamos descobrí-lo.“Muita alegria
em todos, competidoreschoram apenas
por ter completado,mesmo que no pelotão de trás. Eu, o fotógrado
Haroldo Nogueira e o grande companheiro
e motorista Ralph Gallas estávamos
na mesma alegria.”
Os brasileiros Guiga Spinelli e Youssef Haddad estavam entre os 10, mas foram desclassificados por receber ajuda externa após quebra.
Na bela Laguna, minha equipe. Haroldo, eu e Ralph. Entrosamento 100%.
Tombos são inevitáveis. Mas eles levantamsacodem a poeira e continuam.
Francês Cyril Despres, campeão pela quarta vez. Primeiro dia de competição, com uma paisagem estonteante.