Revista Ordem dos Médicos Nº106 Dezembro 2009

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Revista Ordem dos Médicos Ano 25 - Nº106 Dezembro 2009

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S U M Á R I O

Ano 25 – N.º 106 – Dezembro 2009

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Tiragem: 40.500 exemplares

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a do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99

Nota da redacção: Os artigos de opinião e outros artigos assinados são da inteira responsabilidade dosautores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos.

Ficha TécnicaFicha Técnica

MédicosOrdem dos

REVISTA

Relações entre a Medicinae os Média

10 O rigor da notícia

12 O papel das agências e dosconsultores decomunicação

14 Pedro Nunes presidereunião do CEOM

18 Organizações médicaseuropeias reunidas noPorto

20 Juramento de Hipócrates(discursos proferidos nascerimónias solenes daSecção Regional do Sul eda Secção Regional doNorte da Ordem dosMédicos)

28 Avaliação dos utentesquanto ao funcionamentodos Serviços

Ética e o erro mitigadopelo método cientifico porFernando Martins do Vale

46 A Dona Crise e a Saúdepor M. M. Camilo Sequeira

48 O que é «erro clínico» por

António de Oliveira Soares

História da Dermatologiapor A. Poiares Baptista, A.Rasteiro e M. Mendes

OPINIÃO38

NOTÍCIAS54

HISTÓRIAS DA HISTÓRIA55

ACTUALIDADE06

EDITORIAL04

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E D I T O R I A L

De tão usada, de tão afeiçoada àsnecessidades de cada um, a palavraética adquiriu um carácter nebulo-so, instrumental, pau para toda acolher, como em linguagem popularse diria.

De um ramo da filosofia estru-turante global da acção humana, nopressuposto de procura, que a to-dos comete e envolve, do bem, pas-sou a ser um conjunto de recomen-dações avulsas ou definições de com-portamentos esperados de gruposou comunidades.

De uma Ética universal rumou-se àainda vasta bioética e, muito rapida-mente, às éticas médica, empresari-al, política e até, vá lá saber-se como,republicana.

Fica-se com a ideia que por vezes aÉtica, por natureza campo de con-trovérsia e de busca, começa a serentendida como um conjunto de re-gras, definidas por vezes segundo aopinião de cada um, que se arremes-sam quando convém e se procuramenorizar o adversário.

Apesar de os códigos de Deonto-logia que visam, esses sim, definircomportamentos esperados econsensualizados pelo grupo (porexemplo o dos médicos) serem su-ficientemente claros, há semprequem prefira lavrar sentença da sua

e non è vero

e ben trovato(provérbio italiano)

cabeça e acusar os outros de faltade ética.

Tal acusação, que nos tempos quecorrem se tornou banal, só rivalizaem impacto mediático com a dadescoberta de putativos conluios,principalmente se tiverem o pican-te de uns fuminhos de corrupção einconfessados ganhos financeiros ilí-citos.

Escusado será dizer que a Comuni-cação Social que, como tudo no País,é a que merecemos, vogando ao sa-bor do trabalho dos estagiários malpagos e dos profissionais de marke-ting fazedores de títulos e de pri-meiras páginas, vai transformando apercepção que temos do País numlocal habitado por gente sem escrú-pulos apenas dedicada a «governar-se».

Neste enquadramento que todostão bem conhecemos, falar de éticaaos futuros colegas no seu Juramen-to de Hipócrates deixa-me sempreuma estranha sensação. Se, por umlado, sinto ser o mais útil que a fun-ção me cabe realizar – é sempre umprivilégio falar a outros nos momen-tos em que estão particularmentepredispostos a ouvir –, por outro,pergunto-me muitas vezes se algunsdeles daqui por uns anos me assa-carão a responsabilidade de os tertentado enganar.

Ainda não aconteceu cruzar-me comalgum colega mais novo num qual-quer corredor de hospital ou esquinade centro de saúde e ser interpela-do com a acusação de lhe ter «ven-dido» como real um mundo virtualsó existente na minha perversa ima-ginação.

Estou mesmo a prefigurar uma acu-sação em letra de forma no Ministé-rio Público, mero pródromo da com-petente acção cível, porque nos tem-pos que correm tudo pode servirpara ir buscar algum ao porta-moe-das do vizinho. Neste pedaço de tex-to em letra de forma, e anteceden-do a enumeração exaustiva dos ade-quados artigos do Código Penal, se-ria confrontado com a responsabili-dade por em anos sucessivos, consci-ente de que os futuros médicos iri-am trabalhar num mundo de «salve-se quem puder», os ter tentado con-vencer de que valeria a pena um com-portamento ético todo ele dedicadoao serviço e ao interesse do doente.

Com a minha irresponsável acçãoteria alegadamente (esta palavra ficasempre bem e permite afirmar ir-responsavelmente tudo o que sequeira) impedido o futuro jovemcolega de se «fazer à vidinha» e ga-nhar grossa maquia em vez de, comoteria sido o caso, se dedicar à «cau-sa pública», recebendo uns trocos emuita má vontade.

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Sabendo que estava a pôr em causao acesso do jovem colega, da sua fa-mília directa, descendentes e ascen-dentes a cargo, ao único bem (logo,valor ético) aceite por relevante –o dinheiro –, mesmo assim ter-me-ia conformado com as consequên-cias da minha acção, o que, se acasonão prefigura o «dolo» sempre pu-nível em sede criminal, pelo menosconcretizara um crime por negligên-cia.

Imaginei-me a contestar uma acçãode tal natureza e a dificuldade deexplicar ao juiz como, cidadão bati-do nas voltas da vida, médico há maisde 30 anos e ex-dirigente sindical,teria sido possível ignorar a realida-de chã da existência e tido o atrevi-mento de convocar os jovens parao sonho.

Atabalhoadamente invocaria o meuantigo professor de física no LiceuPedro Nunes, que na qualidade depoeta andara por aí a dizer que «osonho comanda a vida…». Tal invo-cação, para além do esgar trocistade toda a audiência, unicamente de-sencadearia uma reprimenda do juiz.

Nascido muitos anos depois dessaépoca de baladas, o juiz de imediatome lembraria que nos tempos quecorrem as bolas coloridas não sal-tam «entre as mãos de uma crian-ça», mas apenas se forem impulsio-nadas pelos pés dos cristianosronaldos, devidamente revestidospelas botas das marcas que pagarampara tal.

Confrontado por fim com o carác-ter reiterado do crime, já que o te-nho cometido anualmente desde hámais de uma década, confessaria omeu arrependimento, na ânsia de

conseguir diminuir um pouco a vio-lência da pena.

Alegaria, desculpas de mau pagador,em minha defesa, o carácter porvezes injusto da justiça, quando selimita a aplicar o direito e confundea venda com a cegueira, bem comoo uso reiterado da mentira na are-na política.

Diria com ênfase que em políticamentir é lícito quando se visa ummundo melhor, mesmo quando essemundo seja um qualquer desde quecom o mentiroso ao comando.

Diria que, comparado com afirmarpublicamente, com ênfase e sem serir, como vi altos responsáveis daNação fazer, que abrir novos cursosde Medicina em improváveis univer-sidades espalhadas pelo território sedestina a resolver o problema dafalta de médicos de família, apelar àética no Juramento de Hipócratesquase se pode considerar uma men-tira piedosa.

Diria que, comparado com um diri-gente da Ordem que percorre astertúlias afirmando categoricamen-te que o Bastonário impediu a con-testação da Ordem à Universidadedo Algarve, quando, em simultâneo,jornais e televisões transmitem orepúdio da população pelo corpo-rativismo do Bastonário que nãoquer mais estudantes de Medicina,apelar à Ética no Juramento deHipócrates não é tanto uma menti-ra mas unicamente um comporta-mento ingénuo, como tal não puní-vel.

Diria que apelar a uma vida dedicadaaos doentes e aos mais fracos, comose tal fosse o paradigma de todos os

médicos, era um derradeiro esfor-ço para manter o respeito por mimpróprio e por todos os que assimagem, e que acredito serem a maio-ria.

Diria por fim, já ciente da inexora-bilidade da conclusão, que fazer odiscurso do juramento, ano após ano,é uma catarse para 365 dias a lerqueixas disciplinares e a ver tele-jornais.

Que tal discurso, se mentira se re-velar ser, é em última análise, apenase unicamente, uma mentira a mimpróprio.

E tal mentira, assim considerado oseu destinatário, não é tipificadacomo crime em qualquer artigo doCódigo Penal…

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Isabel Caixeiro, presidente do Conse-lho Regional do Sul (CRS) da Ordemdos Médicos (OM), presidiu à abertu-ra do seminário tendo-se congratula-do com o facto de poder acolher nasinstalações da Casa do Médico estetipo de eventos e fez votos para que odebate fosse produtivo, assinalando aimportância de um jornalismo sério erigoroso. «Quando se evita os exces-sos e a falta de informação, confirma-se o jornalismo como um fundamentoessencial», referiu, não deixando con-tudo de acrescentar que muitas vezesse escreve de «forma precipitada so-bre as doenças e os medicamentos».«Os jornalistas percebem pouco demedicina e os médicos percebem pou-co de jornalismo: eis a origem de mui-tas confusões», sublinhou a presiden-te do Conselho Regional do Sul da OMa propósito da relevância deste tipode encontros.Para Joaquim Vieira, do Observatóriode Imprensa, é importante que os jor-nalistas «percebam melhor o ponto devista dos médicos», algo que só pode-rá acontecer através da promoção deencontros como este. «O Observató-rio de Imprensa o que pretende é pre-cisamente pôr em contacto estes doistipos de profissionais» pois, «nestasmatérias, não se pode informar de âni-mo leve». Ainda assim, Joaquim Vieira,não hesita quanto ao facto de ser ob-viamente «importante a comunicaçãopara manter a população informada».Em seguida referiu algumas das difi-culdades que acarreta o fenómeno daglobalização da informação e o papeldo Observatório de Imprensa: «hojeem dia, quando um paciente vai ao mé-

Relações entre a Medicina e os MédiaDecorreu no passado dia 28 de Novembro na Casa do Médico de São Rafael,

em Sines, o seminário ‘A Medicina e os Média’, uma iniciativa do Observató-

rio de Imprensa e da Ordem dos Médicos, com o apoio da Merck Sharp &

Dohme. Este seminário, que se realiza há vários anos, pretende estabelecer

pontes para uma melhor comunicação entre médicos e jornalistas.dico já andou na Internet a informar-se; isto implica que os profissionais desaúde também tenham uma forma di-ferente de comunicar com os doentes.(…) O Observatório de Imprensa, en-tidade sem fins lucrativos composta porprofissionais de jornalismo, tem umparticular interesse em desenvolveriniciativas para melhorar a qualidadeda informação».

Novos Média

Mesa moderada por Rui Guimarães,médico de Braga, ex-presidente doPWG, ‘Novos Media’, contou com aintervenção de Reginaldo Rodrigues deAlmeida, do programa ‘Falar Global’da SIC Notícias e com os comentáriosfinais da ex-ministra da saúde, ManuelaArcanjo e debruçou-se sobre o funci-onamento dos fluxos informativos e omito da infocracia.O jornalista da SIC Notícias começou

por referir como a comunicação nemsempre é clara, dando o exemplo deuma bula de um medicamento como«algo importante mas pouco esclare-cedor» para os não-médicos. ParaReginaldo Rodrigues de Almeida «ocerne da questão é curar de formaesclarecida e informada», uma tarefaque compreende não ser fácil quandoo próprio reconhece que um doente«raramente confessa as suas falhas aomédico e nunca diz quantos dias nãotomou o medicamento que era supos-to tomar». Referindo-se especificamen-te a doenças como a SIDA e o H1N1,sublinhou que «a melhor forma deacção para todos os efeitos é a pre-venção com informação qualificada»,ou, em resumo, «informar com ante-cedência, prevenir e eliminar conse-quências»; «Recomenda-se informarantes e depois das refeições». Defen-sor de uma medicina de proximidade,

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acrescentou a necessidade de todos osprofissionais, de todas as áreas, efec-tuarem uma aprendizagem contínua.Partindo do pressuposto de que a so-ciedade de informação não funciona eque «a área da saúde é complexa», con-cluiu que é uma área em que «a co-municação não existe», fenómeno porvezes agravado pela Internet: «naInternet encontra-se tudo; a formacomo se obtém informação é rápidamas nem sempre o que se encontrasão dados de qualidade». O jornalistaexplicitou que quando a populaçãoolha para o sistema «vê como respon-sável o médico, não o gestor ou o en-fermeiro» pois, «quer queiram quernão, os médicos ainda são verdadei-ros deuses e o ónus recai sobre eles».Reginaldo Rodrigues de Almeida ex-plicou o ponto de vista dos profissio-nais de comunicação da seguinte for-ma: «os jornalistas têm que transfor-mar coisas importantes em coisas in-teressantes» e acrescentou que «porvezes a comunicação social usa umcaso isolado e, com isso, macula o sis-tema». Para evitar problemas de co-municação, o jornalista da SIC Notíci-as defendeu a cooperação entre pro-fissionais das duas áreas e exaltou osmédicos a «informar de forma qualifi-cada mas por antecipação».Rui Guimarães, que no início haviaexibido imagens do programa ‘Nós porcá’ em que uma notícia sobre uma tro-

ca de medicamentos da responsabili-dade de um farmacêutico se transfor-mou num debate sobre a ilegibilidadeda letra dos médicos, introduziu o de-bate, efectuando alguns comentáriosnos quais frisou que «já existe uma or-dem dos utentes», conceito referido naintervenção de Reginaldo Rodrigues deAlmeida, e que «o seu nome é Ordemdos Médicos».Seguiu-se um debate bastante partici-pado em que vários médicos salienta-ram como no referido programa os jor-nalistas tinham abordado a questão datroca de medicamento sem nunca re-ferir o erro do farmacêutico e efectu-ando vários minutos de reportagem so-

bre a dificuldade em ler a letra dosmédicos, embora o caso em análisenada tivesse a ver com incompreensãodo nome do medicamento prescritovisto que a receita era perfeitamentelegível por qualquer pessoa. Foi referi-da a falta de cuidado na abordagemdeste tipo de questões e salientado omau profissionalismo e o mau serviçoprestado à população. Alguns médicosdeixaram um apelo a um «jornalismoconstrutivo». Especificamente sobre arelação médico/doente foi referidocomo «os computadores arruínam acomunicação»

Comentários finais

Manuela Arcanjo, ex-ministra da Saú-de, considerou que o debate se centrou,inicialmente, na comunicação médico/doente e a esse propósito referiu que«nem sempre o doente quer informa-ção esclarecida; nem sempre o médi-co pode dizer ao doente exactamenteo que ele tem pois alguns doentes nãosabem gerir essa informação». Especi-ficamente sobre os problemas com osMedia, Manuela Arcanjo afirmou a ne-cessidade de exacerbar o sentido crí-tico perante a informação recolhidanos novos meios como a Internet. Emrelação a esta realidade referiu aindaque a passagem do conceito de notí-cia ao conceito de conteúdo tambémacarreta mudanças e novas problemá-ticas e sublinhou a necessidade de fa-

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Para reflectir

O problema dos jornalistas é que não fazem uma análise adequada de toda a envolvência dos problemas– Pedro Reis, médico

Porque é que a imprensa dá maior relevância aos super-especialistas do que aos Médicos de Família quefazem muito mais pela saúde do país? – Henrique Garrido, cirurgião

Os jornalistas estão a precisar de assessoria médica. (…) Os médicos não têm tanto poder no sistemade saúde como os jornalistas e a população em geral julgam que eles têm – Nídia Zózimo, membro doCRS

Os doentes acham que a Internet informa. Os médicos têm que aprender a lidar com a sociedade deinformação - Nídia Zózimo

Há milhões de consultas durante o ano e as notícias fazem-se com base em uma consulta que corre mal– Martins dos Santos, presidente do Distrito Médico do Algarve

Na saúde podemos ter um doente muito satisfeito mas muito mal tratado; claro que é importante apercepção que os doentes têm do atendimento que recebem, mas a qualidade efectiva do atendimentoé ainda mais importante – Isabel Caixeiro, presidente do CRS da OM

Não façamos dos jornalistas inocentes ou inimputáveis. Hoje há uma mercantilização da doença dosmediáticos - Adalberto Campos Fernandes, presidente do Conselho de Administração do Hospital deSanta Maria

zer a destrinça entre informação e pu-blicidade. «Mas ainda existem demasi-ados problemas com os velhos Mediapara perdermos muito tempo com osnovos», concluiu. A propósito de umcongresso sobre os novos Media, queaconteceu há oito anos, Manuela Ar-canjo defendeu que não é necessária

uma nova ética. «O rigor jornalísticodeve suplantar-se à rapidez da Internete os jornalistas devem empenhar-se emdifundir informação verdadeira e de-sinteressada». Ainda sobre o compor-tamento dos jornalistas, a ex-minis-tra reconheceu os tempos actuaiscomo sendo de elevada ética. «Nós

não vivemos numa sociedade de in-formação pois, para isso, teríamos quesaber usar o que essa sociedade deinformação põe à nossa disposição.Também não vivemos numa socieda-de de conhecimento pois diminuímosos analfabetos mas a iliteracia temaumentado», concluiu.

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Diagnóstico e tratamento do cancro

da mama: recomendações nacionaisO Manual das Recomendações Nacionais para Diagnóstico e Tratamento do Cancro da Mamaé o resultado do trabalho produzido pelo grupo de trabalho criado em Janeiro de 2007 pelaCNDO - Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas. Este manual está disponívelno site da CNDO em: www.acs.min-saude.pt/pt/doencas-oncologicas, em formato PDF, ondeserão colocadas, sempre que existirem, as actualizações e alterações ao mesmo. Paralelamen-te, a Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas enviou manuais em suporte depapel para todos os hospitais.

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O jornalista Ferreira Fernandes inicioua sua intervenção com uma nota ne-gativa referindo que «o jornalismo estánas ruas da amargura» e pedindo acompreensão dos médicos para a classeque representa pois, apesar disso, e «àsemelhança da medicina, o jornalismoé essencial» para a sociedade. Defi-nindo o jornalista como a pessoa que«parte e regressa para contar», FerreiraFernandes considera que «o resto vemcom a vida». «O jornalismo é a profis-são do caso a caso, assunto a assunto;É preciso prudência». Ferreira Fernan-

O rigor da notíciaFerreira Fernandes, jornalista, Pedro Marques Lopes, jurista e comentador

político, e Adalberto Campos Fernandes, presidente do Conselho de Admi-

nistração do Hospital de Santa Maria apresentaram as suas ideias quanto ao

rigor das notícias, no âmbito do seminário ‘A Medicina e os Média’.

des sublinhou a importância do con-texto, «a informação é abundante eencandeia mas o contexto é escasso eilumina», e da escolha da linguagem,«devemos procurar dar a máxima in-formação com rigor para um públicoo mais abrangente possível»; «deve fa-lar-se para milhões, não para centenas»,e portanto a linguagem deve ser aces-sível e compreensível para o máximode pessoas.Pedro Marques Lopes concordou que«cada vez mais dependemos dos jor-nalistas e do rigor da informação que

nos transmitem». Dado que o volumede informação que nos chega é cadavez maior, «precisamos dos Media paranos servirem de filtro». Com o intuitode lançar o debate, o jurista questio-nou: «será que um jornalista deve trans-mitir algo que soube por meios ilegíti-mos? Será que deve dizer tudo o quesabe? Quais são os limites? (…) Sere-mos todos capazes de avaliar toda ainformação que é posta à nossa dispo-sição?» Partindo destas indagações,Pedro Marques Lopes referiu a neces-sidade do conhecimento ser limitado

Pedro Marques Lopes, Adalberto Campos Fernandes e Ferreira Fernandes

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Para reflectir

O que se espera de um jornalista é que ele tenha uma informação superior ao Sr. Costa do talho… –Ferreira Fernandes, jornalista

Hoje em dia a exigência que se faz a um jornalista é muito superior. A pressão aumenta na mesma medidado fluxo de informação e da maior necessidade de filtrar esse mesmo fluxo informativo – Pedro Mar-ques Lopes, jurista

Os jornalistas deviam avaliar o impacto das notícias que dão. Um médico faz essa avaliação quando falacom um doente – Florindo Esperancinha, médico

O contexto de uma notícia faz toda a diferença; muitas notícias são más simplesmente porque estãodescontextualizadas – Isabel Caixeiro, presidente do CRS da OM

É importante que médicos e jornalistas trabalhem em conjunto para se tornarem um melhor veículo deinformação à população – Isabel Caixeiro

A maioria das redacções tem jovens estagiários não remunerados. Como é que se regula um mercadoinundado de estagiários à procura de uma oportunidade? – Rui Guimarães

«por um conjunto de valores que de-vemos ter em conta» e de efectuar umenquadramento das notícias pois esse«é o valor da notícia». O comentadorreferiu ainda que a confusão entre in-formação e comentário é um proble-ma comum. «Um jornalista não temque ser um especialista em assuntosmédicos; tem que ser um especialistaem relatar factos, dar notícias, infor-mar», referiu quanto às característicasde um bom jornalista e acrescentou aideia de que um profissional de infor-mação que se diz especialista em me-dicina pode ver a sua capacidade dedar uma notícia perturbada e passar adar uma opinião o que o torna maisvulnerável a críticas.Adalberto Campos Fernandes, presi-dente do Conselho de Administração

do Hospital de Santa Maria, modera-dor desta mesa, começou a sua inter-venção referindo que «em Portugal temum conjunto de jornalismos» o que seconfirma quando se «compara a mes-ma notícia em vários jornais». Conside-rando que houve uma proletarizaçãoda profissão de jornalista, o médico edirigente hospitalar referiu que a sen-sação que existe é que são os jornalis-tas mais jovens que fazem a coberturada área da Saúde. «Os jornalistas emPortugal fazem um trabalho de méritoem condições adversas. Ensinem-nosa comunicar melhor convosco e perce-bam a dificuldade que temos em comu-nicar com os profissionais de comuni-cação», solicitou o moderador.Já na fase de debate, Ferreira Fernandesreferiu a atitude cínica de muito jor-

nalismo que se faz em Portugal e aler-tou para a necessidade de se fazer umtratamento sério e profundo e o devi-do enquadramento nas notícias que sedivulgam.Também presente neste seminário es-teve Pedro Nunes, bastonário da Or-dem dos Médicos, que afirmou nãosubscrever as críticas aos jornalistasmas alertou para aquilo que apelidoude «separação entre título e notícia»:«hoje em dia o título é um mero exer-cício para atrair clientes e muitas ve-zes o que se lê no desenvolvimento danotícia nada tem a ver com o título».«Um facto pode não ser uma notícia;o que esperamos dos jornalistas é quetenham a capacidade de filtrar», acres-centou.

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Eduardo Dâmaso falou de uma «trans-ferência de responsabilidade social ex-cessiva para os jornalistas» e explicou

O papel das agênciase dos consultores de comunicação‘Quem constrói a agenda?’ foi o tema da última mesa do seminário ‘Medicina

e os Média’, na qual se explicitou o papel das agências e dos consultores de

comunicação na construção da agenda dos órgãos de comunicação social.

Maria de Belém, ex-ministra da Saúde foi a comentadora e Eduardo Dâmaso,

jornalista do Correio da Manhã, e Salvador da Cunha, da Associação Portu-

guesa das Empresas de Conselho em Comunicação e Relações Públicas

(APECOM), foram os conferencistas desta mesa moderada por António Reis

Marques, médico e ex-presidente do Conselho Regional do Centro da OM.

que, para ele «o jornalismo não se re-sume ao ‘onde’, ‘quem’, ‘o quê’ e ‘quan-do’. O ‘como’ e o ‘porquê’ são funda-

mentais». Afirmando que a fronteiraentre o público e o privado é ténue,Eduardo Dâmaso esclareceu que «uma

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Para reflectir

O verdadeiro poder é seleccionar aquilo de que se dá conhecimento às pessoas… – Nidia Zózimo, CRSda OM

A rapidez da comunicação levará muitas vezes a que os jornalistas publiquem notícias sem efectuar adevida confirmação – Martins dos Santos, Conselho Distrital do Algarve da OM

É o acaso e factores circunstanciais quem, na verdade, constrói a agenda de um meio de comunicação –Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos

Uma opinião quanto mais esclarecida for menos subjectiva será – Maria de Belém, ex-ministra da Saúde

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determinada conversa de amigos podeser privada mas pode, ao mesmo tem-po, ter relevância pública e estar emcausa um interesse público relevante».«Vivemos numa sociedade em que apolítica pesa excessivamente sobre aeconomia, as empresas, a banca; A saú-de é um dos territórios onde essa cli-vagem se nota de uma forma muitoviolenta», referiu, reforçando em segui-da a sua posição de «defensor do Ser-viço Nacional de Saúde, um bem ad-quirido da sociedade portuguesa».Conforme foi explicitado, existem in-teresses, «nem sempre visíveis ou ób-vios», que enquadram a informaçãoque é transmitida.Salvador da Cunha, da APECOM, ex-plicou que as agências de comunica-ção tentam equilibrar a relação entreas fontes e os meios de comunicação.Tal como foi explicado a AssociaçãoPortuguesa das Empresas de Conse-lho em Comunicação e Relações Pú-blicas rege-se por códigos de ética in-ternacionais. Os consultores de comu-nicação têm como função a defesa da

reputação das empresas/grupos de in-teresses que representam. Para tal, osconsultores «olham para a informaçãoproduzida pela empresa e tentam per-ceber qual o alvo que tem interessenessa informação e procuram os me-lhores meios para chegar até ele». «Amais valia de um consultor é conhe-cer os jornalistas e saber a quem inte-ressa o quê» e «defender os clientesdo mau jornalismo». Para Salvador daCunha não existe um poder das agên-cias de comunicação mas sim das em-presas/entidades que as agências re-presentam e não há subterfúgios:«quando uma agência contacta um jor-nalista, é sempre muito claro quem é aempresa que está a ser representadanesse momento».Maria de Belém, ex-ministra da Saúde,iniciou os seus comentários assumin-do que «somos todos muito influenci-ados pela informação que chega aténós, permeada por aquilo que é o nos-so conhecimento e ‘substrato’ pessoal».Considerando que «a adequada ges-tão de recursos é uma questão ética

em Saúde», Maria de Belém alertoupara a necessidade de, no contexto des-te seminário, «recolher o máximo deinformação e eliminar o mais possívela subjectividade». Sublinhando a ne-cessidade de entreajuda entre os pro-fissionais de várias áreas, concluiuque «a verdade absoluta nunca estáapenas de um lado: nem dos jornalis-tas nem dos médicos». Sendo certo quese há um erro médico isso é notícia, acomentadora referiu a falta de confian-ça causada pelo facto de nunca havernotícias de «acções auto-punitivas dosjornalistas quando há falhas destes pro-fissionais no exercício da sua activida-de», algo que considera «essencial»para que «não se crie um quadro dedesconfiança».O seminário foi encerrado pelo bas-tonário da Ordem dos Médicos. PedroNunes, reconhecendo o debate profí-cuo que teve lugar na Casa do Médicode São Rafael, lamentou que a adesãoà iniciativa não tivesse sido ainda maisalargada dada a importância das temá-ticas abordadas.

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Pedro Nunes iniciou a reunião agra-decendo a confiança dos seus pareseuropeus, confiança essa que foi de-monstrada na sua recente eleição paraa presidência do Conselho Europeu dasOrdens dos Médicos, «uma instituiçãomuito importante que visa defender adeontologia e regulamentar a qualida-de da Medicina». Considerando funda-mental efectuar um trabalho específi-co na área da deontologia, Pedro Nu-nes afirmou que, «apesar de haver mui-tas diferenças na Europa e de cada paíster, na área da Saúde, as suas especifi-cidades», a defesa da medicina de qua-lidade interessa a todos.Francis Montane, delegado geral paraassuntos europeus e internacionais daOrdem dos Médicos francesa, referiuque, nesta primeira fase, o importante

Pedro Nunes preside reunião do CEOMO Porto recebeu no dia 4 de Dezembro o encontro do Conselho Europeu

das Ordens dos Médicos (CEOM), a que presidiu, pela primeira vez no man-

dato que lhe foi recentemente conferido, o bastonário da Ordem dos Médi-

cos de Portugal, Pedro Nunes. Esta organização médica europeia tem como

objectivos intervir em toda as questões que se relacionem com a Ética e a

Deontologia, bem como com os mecanismos de autorregulação dos médicos.

é «destacar os princípios deontológicoseuropeus comuns e, sem ser exausti-vo, encontrar o Código DeontológicoEuropeu do Conselho Europeu dasOrdens dos Médicos».Tanya Schubert, da Grã-Bretanha, apre-sentou os resultados preliminares deum estudo sobre a implementação dapartilha de informação no âmbito doHealthcare Professionals Crossing Bor-ders (www.hpcb.eu). Das 41 respostasrecebidas de 22 países europeus con-cluiu-se pela existência de algumas di-ferenças substanciais, nomeadamenteno que se refere às competências dasordens profissionais sendo que nem to-das têm cumulativamente responsabi-lidade regulatória, disciplinar, de regis-to e inspecção e acreditações. A maio-ria dos países possuiu uma entidade

de registo nacional, um país tem enti-dades de registo regionais e um outropaís entidades de registo dos profissi-onais de medicina de âmbito local. «OAcordo de Portugal encoraja as auto-ridades competentes para o registo amanterem uma página na Internet naqual se encontre uma lista publicamen-te acessível para pesquisa de médicosinscritos», com o objectivo de outrasentidades de registo de outros paísesterem uma forma fácil de aceder à in-formação. Nem todas as entidades queresponderam ao inquérito partilhaminformações de forma proactiva refe-rindo ser uma questão legal comple-xa. Tal como explicou Tanya Schubert,outra agravante para este processo decomunicação é o facto de algumas dasentidades que responderam terem afir-mado que não podiam levar em containformações sobre a capacidade de ummédico para o exercício da medicinaquando fornecidas por outra autori-dade competente. Ainda assim, 21 dosrespondentes afirmou ser proactivo natroca desse tipo de informação. Umapartilha de informação que foi apeli-dada de «muito positiva» especial-mente quando o registo de um médi-co é suspenso temporaria ou definiti-vamente. Tanya Schubert terminou asua intervenção encorajando a trocasistemática de informação e de expe-riências.A intervenção seguinte foi de WalterVorhauer, secretário geral do Conse-lho Nacional da Ordem dos Médicosfrancesa, que falou sobre a Carta Eu-

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ropeia dos Profissionais de Saúde, umprojecto financiado pela Comissão Eu-ropeia no quadro da política de promo-ção da mobilidade dos profissionais.Este projecto das autoridades de regu-lação dos profissionais de saúde visadesenvolver diferentes ferramentas deautentificação dos profissionais de saú-de a trabalhar na Europa. Nesta faseem que ainda se está a estudar as con-dições de implementação do cartãoeuropeu, o representante da Ordemfrancesa sublinhou que «é importanteidentificar os médicos através de umcartão e assim assegurar a segurançados doentes e, ao mesmo tempo, facili-tar a comunicação entre as entidadesde registo». Um dos primeiros passosé identificar as entidades de registo sen-do que existem 890 entidades dessanatureza na União Europeia. Existempaíses em que são as ordens profissio-nais ou as associações que fazem o re-gisto, mas existem outros em que é opróprio Ministério da Saúde, por exem-plo. Em termos de organização terri-torial também existem grandes diferen-ças: se em França e Suécia, por exem-plo, a entidade de registo é de âmbitonacional, na Alemanha é regional e naItália local. Foi feita uma análise do de-senvolvimento actual dos cartões deidentificação dos profissionais de saú-de na Europa tendo-se concluído queexistem países, como a Polónia, quedão um passaporte profissional, outros

como o Luxemburgo que entregamuma identificação que é um «papel ama-relo» e outros em que não é atribuídaqualquer identificação específica. Talcomo explicou Walter Vorhauer, o quese pretende é criar uma estrutura fiávelde reconhecimento dos profissionaisde saúde no espaço europeu atravésdo recurso a cartões electrónicos. Paraisso têm que ser criadas condições deaplicabilidade que incluem factores po-líticos/legais (legislação adequada; iden-tificação e designação das entidadescompetentes para registo; definição dasactividades incluídas), organizacionais(procedimentos de registo e de verifi-cação), semânticos (escolha dos dadosde identificação, etc) e técnicos (certifi-cados, bases de dados, infraestruturasde pesquisa). «Cooperação é a pala-vra-chave, com recurso a interfaces; ofuturo é a colaboração, não a substitui-ção», reforçou Walter Vorhauer. A pro-pósito da intervenção de Walter Vor-hauer, Gordana Kalan Zivec, presiden-te da Ordem dos Médicos da Eslovénia,referiu ser «inaceitável que existam tan-tas instituições a certificar porque essadispersão permite maiores possibilida-des de fraude». A representante da Es-lovénia referiu mesmo que a priorida-de é a definição e reconhecimento dasautoridades competentes para registo«e que as mesmas comuniquem entresi quando um médico entra, ou sai, dosistema». Quase todos os países repre-

sentados na reunião do CEOM se ma-nifestaram a favor de uma comunica-ção proactiva nestas matérias. A nãoexistência de um sistema de registo emtodos os países e as dificuldades decomunicação entre as autoridades decertificação têm provocado muitas di-ficuldades, como explicaram os repre-sentantes italianos: «só um sistema deidentificação electrónica certificadopode garantir a definição de procedi-mentos disciplinares eficazes; há médi-cos italianos que foram suspensos mascontinuam a trabalhar em Inglaterraporque o sistema de comunicações nãofunciona».

Código Europeu de DeontologiaMédicaRoland Kerzmann da delegação belgafez uma intervenção sobre a criaçãodo Código Europeu de DeontologiaMédica onde foram lançadas algumasquestões relativamente ao método pa-ra alcançar esse núcleo de princípioscomuns. Uma das hipóteses referidaseria ter como base o Código Interna-cional de Ética Médica de 1949 ou osPrincípios da Ética Médica Europeia de1987. Foram referidas muitas questõesnão consensuais entre os países euro-peus como a eutanásia, o suicídio assis-tido, as competências das organizaçõesprofissionais, etc. Concluindo-se queterá que haver uma reflexão sobre omenor denominador comum em ter-mos deontológicos e disciplinares, umapergunta ficou no ar «como equilibraresta equação de múltiplas variáveiscom um enquadramento legislativo di-ferente?» Apesar das diferenças e dealgumas preocupações com a aplica-bilidade real do código em causa, mui-tas das instituições presentes nesta reu-nião concordaram que seria possíveldesenvolver um conjunto de princípi-os que sejam comuns a todos em ma-térias tão fundamentais como o deverde sigilo, informação e consenso, e re-lações entre médicos. O presidente doCEOM, Pedro Nunes, reconheceu queeste não é um caminho isento de difi-culdades e que «existem muitas áreasem que não há homogeneidade». Noentanto, «há grandes questões deonto-

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Gordana Kalan Zivec, Eslovénia

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lógicas em que estamos todos de acor-do». Assim sendo, «há muito trabalhoa fazer mas conseguiremos obter umtexto que seja confortável para todos».Juan José Rodriguez Sendin, presiden-te da Organização Médica Colegial es-panhola efectuou uma intervenção so-bre a regulamentação da profissão mé-dica e explicou as dificuldades que sesentem no seu país: «há países onde aregulamentação é feita pelo Estado,noutros é a própria profissão que seautoregula. Em Espanha são os Colé-gios de Médicos que têm essa função.Contudo algumas comunidades autó-nomas pretendem que seja a adminis-tração a fazê-lo». Também a Directiva2006/123/EC de serviços no mercadointerno está a levantar questões nestepaís: «embora a Directiva não seja di-rectamente aplicável à profissão médi-ca, a sua transposição em Espanha erespectiva regulamentação afecta osColégios Médicos e acaba por nos obri-gar a fazer ajustes e alterações em vá-rios artigos», o que pode aumentar ointervencionismo do Governo emquestões anteriormente sob a alçadada autoregulação. Neste momentoexistem demasiadas questões em aber-to: «só um ano depois da transposiçãoda Directiva é que o Governo irá regu-lamentar e definir em que moldes sefaz o registo dos médicos nos Colégi-os. A inscrição será obrigatória? Emque condições?». Sobre as vantagensda autoregulação, Rodriguez Sendinnão hesitou em referir que a participa-ção mais activa dos profissionais nosistema leva a uma melhor aceitaçãoprofissional, «desde que a regulaçãovenha do interior da profissão médi-ca», e o interesse dos médicos em, natu-ralmente, manter a sua reputação vis-to que «a população espanhola depo-sita grande confiança nestes profissio-nais». Foi ainda referido que a autore-gulação potencia a flexibilidade e a ca-pacidade de adaptação às situações demudança e que torna mais fácil não sódetectar as falhas dos médicos mas tam-bém dar resposta Às queixas de ou-tros profissionais e doentes. O alto re-presentante da Organização MédicaColegial espanhola defendeu a certi-

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ficação electrónica profissional com re-gistos supranacionais, inscrição obri-gatória que facilite a livre circulaçãomas «em condições de segurança paraos doentes». «Nunca será fácil exer-cer medicina nem regular a profissãomédica, mas com esforço é possível»,concluiu.Apesar da situação em Espanha trazeralguma apreensão, os representantesde França, Grã-Bretanha, Bélgica e Por-tugal referiram que nos países em causanão se prevê impacto da Directiva deServiços visto não ser aplicável à pro-fissão médica. Claude Wetzel, presiden-te da FEMS – Fédération Européenne

Juan José Rodriguez Sendin, Espanha

des Médecins Salariés, explicou que asorganizações médicas europeias tive-ram muito trabalho para conseguir ex-cluir a saúde da Directiva de Serviçose que, portanto, nos países europeus amedicina não está claramente abran-gida por essa Directiva pelo que «nãose aplica e não nos diz respeito». JuanJosé Rodriguez Sendin concordou que«efectivamente a profissão está excluí-da dessa Directiva» mas acrescentou:«quando se alteram catorze Leis», comoaconteceu em Espanha, por causa datransposição deixa de ser tão linearque não afecte em nada os médicos.Claude Wetzel reforçou a necessidade

José Ramón Huerta, Espanha

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de «não aceitar as tentativas de apli-cabilidade da Directiva à profissãomédica». Antes do encerramento dostrabalhos neste dia, um representanteda comitiva espanhola, José RamónHuerta, presidente do Colégio de Mé-dicos de Soria, explicou ter sido feitoum inquérito sobre recertificação naEuropa mas que se obtiveram poucasrespostas e que os dados, por sereminsuficientes, não permitem uma análi-se profunda.Após reflexão dos membros, na reu-nião de Primavera do CEOM, será de-batido o desenvolvimento dos estatu-tos desta organização e a sua forma-lização em termos de direito interna-cional.

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O «President’s Committee» é uma pla-taforma de encontro e articulação en-tre as Organizações Médicas Europeias(EMOs) que promove uma melhor re-presentatividade dos médicos europeusna defesa de desígnios comuns. NoPorto estiveram os presidentes do Con-selho Europeu das Ordens dos Médi-cos – CEOM (Pedro Nunes, Portugal),da União Europeia de Médicos Espe-cialistas – UEMS (Zlato Fras, Hungria),do Comité Permanente de MédicosEuropeus (Michael Wilks, Grã-Bre-tanha), da União Europeia de Médicos

Organizações Médicas Europeias reunidas no Porto

Convergência para união de esforçosNo âmbito da reunião do Conselho Europeu das Ordens dos Médicos, decor-

rida a 4 de Dezembro de 2009, os presidentes das organizações médicas reu-

niram-se a 5 de Dezembro também na Casa do Médico, no Porto.

de Família e Clínicos Gerais (Isabel Cai-xeiro, Portugal), da Federação Europeiade Sindicatos Médicos – FEMS (ClaudeWetzel, França), da Associação Euro-peia de Médicos Hospitalares (João deDeus, Portugal), da Associação Euro-peia de Médicos em Exercício Liberal– EANA (Jorg Pruckner, Áustria) e doGrupo Permanente Europeu de Médi-cos Internos – PWG (Bernardo Pinto,Portugal).A agenda de trabalhos focou-se noestreitamento da colaboração entre asEMOs, tendo sido lançadas as bases

que poderão convergir para uma Ali-ança Europeia de Médicos instituiçãoque, mantendo a individualidade e in-dependência de cada organização, per-mitirá desenvolver esforços conjuntose concertados na definição de umaagenda comum. A identificação das ex-pertises e sinergias partilháveis pelasdiferentes organizações constitui umaestratégia de reforço da intervençãomédica no espaço europeu, tendo sidoconsensualizados a definição das prin-cipais áreas de interesse e aptidão decada EMO.

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A reunião serviu também para iden-tificar acções concertadas em relaçãoa iniciativas em curso, nomeadamen-te em função do recuo verificado naaprovação de uma Directiva Comu-nitária sobre Cuidados de SaúdeTransfronteiriços (proposta recente-mente ‘chumbada’ pelo Conselho Eu-ropeu) e revisão da Directiva de Tem-po de Trabalho (‘chumbada’ pelo Par-lamento Europeu em Dezembro de2008).A reunião do «Presidents Committe»lançou um novo impulso no relacio-namento entre as EMOs e alicerçou oreforço da cooperação entre organi-zações médicas visando uma interven-ção coesa no âmbito das políticas desaúde com origem em Bruxelas. Deentre os múltiplos projectos conjun-tos foram aprofundadas colaboraçõesem relação à plataforma on-line parti-lhada (www.edomusmedica.eu) e ana-lisada a hipótese da utilização de es-paço comum para escritórios em Bru-xelas (projecto «Domus Medica»).A elevada participação dos médicosportugueses em iniciativas de carácterinternacional e, nomeadamente euro-peu, tem sido reconhecida pelos con-géneres europeus através de um signi-ficativo número de presidências deorganizações confiadas a representan-tes do nosso país e, também, no apro-fundamento e trabalho conjunto en-tre as diferentes EMOs.

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Decorreu no dia 9 de Dezembro, no auditório da Fundação Calouste

Gulbenkian, a cerimónia de Juramento de Hipócrates da Secção Regional do

Sul. Isabel Caixeiro, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos

Médicos, relembrou, num discurso que ora transcrevemos, que, se há algo

que distingue todas as pessoas que efectuaram o juramento milenar, esse

motivo distintivo é precisamente a qualidade de ser médico. Perante a rele-

vância da cerimónia, o Presidente da OM, Pedro Nunes dirigiu aos seus pares

palavras de incentivo mas também de alerta para os perigos do «facilitismo

da mera execução de actos técnicos». O bastonário exaltou os novos Cole-

gas a recordarem e respeitarem para sempre o compromisso ético neste

dia assumido. Transcrevemos igualmente o discurso proferido por José Pedro

Moreira da Silva, presidente do CRN, durante a cerimónia solene que se rea-

lizou no dia 19 de Dezembro no Porto e que assinalou a entrada na profissão

dos jovens médicos da SR do Norte.

Juramento de Hipócrates

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Discurso proferido por Isabel Cai-xeiro, presidente do ConselhoRegional do SulExma. Senhora Ministra da Saúde, Dra.

Ana Jorge; Saúdo-a com a honra espe-cial de saudar uma colega, um mem-bro da nossa Ordem e particularmen-te da Secção a que eu presido, em dis-

tintas funções de Estado;Cumprimento o digníssimo Bastonárioda Ordem dos Médicos, Dr. Pedro Nu-nes, e através dele todos os ilustresmembros da mesa e convidados;Caros futuros colegas, exmos. familia-res e amigos; Exmos. Colegas; Minhassenhoras e meus senhores;Cabe-me a honra de, como Presidentedo Conselho Regional do Sul, que re-presenta mais de 20 mil médicos, vosdar as boas-vindas nesta cerimónia quetanto significa para todos nós.E começo com um parêntesis mere-cido… À Fundação CalousteGulbenkian, na pessoa do seu Presi-dente, Dr. Emílio Rui Vilar, o nossomuito obrigado pela colaboração ines-timável ao aceder mais uma vez aonosso pedido, disponibilizando esteespaço magnífico que dignifica esteacto que queremos solene e inesque-cível. A Fundação Calouste Gulbenkiané há mais de 50 anos referencial da

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cultura, apoio à saúde e à investigaçãocientífica que nos habituámos a res-peitar. Aqui nesta sala Magna, onde tan-tos concertos, conferências e colóqui-os têm decorrido, manifesto a disponi-bilidade da OM para projectos de co-mum interesse.As minhas palavras destinam-se ago-ra, em particular, aos jovens colegasque hoje solenemente prestam o jura-mento de uma vida.De uma vida especial e particular ondea razão e emoção preencherão muitosdos vossos dias. Dias bons e menosbons, alguns mesmo dramáticos e ex-tenuantes, com frustrações várias.É nesta vida que aprenderão, comocada um de nós vem aprendendo, osignificado real e pleno do juramentoque os mais jovens hoje assumem e osmais experientes reavivam:«A saúde do meu doente será a minhaprimeira preocupação»É este juramento milenar que une todosos médicos.Esta fórmula, aparentemente simples,encerra o significado profundo do sermédico.Sintetizamos nestas palavras valoresque, para nós e para os doentes, sãoinultrapassáveis pelas conjunturas, pe-las modas ou pelo politicamente cor-recto ou ainda, pelas crises e indefini-ções que ciclicamente abalam as socie-dades.Ancorado na firmeza deste propósito,cabe ao médico ser um esteio de con-fiança na sociedade, assegurando dia-riamente a confiança daqueles que nassuas mãos depositam receios, ambições,expectativas, alegrias, tristezas e, até, asua vida.Não têm sido boas as notícias maisrecentes.A evolução social nacional e interna-cional está suspensa nas incertezaseconómicas e de desenvolvimento.Na saúde, aos riscos já conhecidossomam-se os abruptamente criadospelas debilidades económicas.Sociedades com aumento de pobrezaserão populações em risco, com ca-rências de saúde e maior probabilida-de de doença.A globalização em que vivemos torna-

nos permeáveis a novas ameaças emsaúde, como a gripe A (e outras anti-gas), que nos exigem enquanto médi-cos que sejamos capazes de respon-der adequadamente e, acima de tudo,actuar também na minimização da an-siedade e fragilidade que se geram emmomentos como estes.Esta é também a responsabilidade queassumimos com o nosso juramento.Não fazemos apenas uso das capaci-dades de aplicar o melhor conhecimen-to disponível para prevenir a doençae promover a saúde.Enquanto médicos, estamos mobiliza-dos e organizados para intervir na so-ciedade que nos rodeia na defesa daequidade na prestação de cuidados desaúde e da dignidade da pessoa huma-na nas unidades de saúde, públicas ouprivadas, centros de saúde, hospitais,consultórios ou unidades de cuidadoscontinuados.A todos vós, que hoje publicamenteassumem a condição de médicos, nãoposso dizer que a tarefa será fácil.Nunca foi fácil ser médico!Não era fácil há 30 anos quando, aoterminar o curso de Medicina, já tinhaas «malas aviadas» para iniciar o está-gio de Saúde Pública (a parte não hos-pitalar do Internato de Policlínica), comdois meses de atraso em relação aosrestantes colegas.Não era fácil quando, no ano de Servi-ço Médico à Periferia, nos confrontá-

vamos com o país real, tão diferentedo que tínhamos estudado na Facul-dade e no estágio hospitalar.Não era fácil quando se esperava seisanos até se conseguir entrar no Inter-nato da Especialidade.Não foi fácil para vós ultrapassar a bar-reira das centésimas para entrar nocurso desejado, os seis anos de estu-do, dedicação e sacrifício vosso e dasvossas famílias.Não foram fáceis os últimos mesespassados na companhia obsessiva doHarrison.Não será fácil o caminho que hoje ini-ciam, na procura do equilíbrio entre orespeito e a compaixão pelo doente ea exigência dos vossos direitos.Não será fácil o Internato Médico queiniciarão em breve, o Ano Comum, aescolha da especialidade limitada porvagas que muitas vezes não correspon-dem às vossas expectativas.Quero agora dar-vos conhecimento dealgumas das nossas preocupações, paraque também as tomem como vossas.Bom… a vossa chegada à profissãotem que servir de alguma coisa a nósque somos mais velhos, por exemplo,dividir preocupações. Eis apenas algu-mas, mas lamento dizer-vos que vãoencontrar muitas mais…A obsessão da produtividade, conta-bilizada no imediato em números deconsultas ou intervenções cirúrgicas,faz esquecer, por vezes, que o país e a

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saúde dos portugueses precisam queas novas gerações de médicos tenhamuma formação especializada de quali-dade.A Ordem dos Médicos, enquanto en-tidade reguladora responsável pelavertente técnica da formação médica,tem manifestado publicamente a suapreocupação pela falta de visão estra-tégica de alguns responsáveis ao en-cararem a formação como um encar-go e não como um investimento nofuturo.Vale então a pena abordar esse desnorteestratégico que será pago por todos;por nós, médicos, e pela sociedade.O recente anúncio (estranhamente umpouco envergonhado), de abertura demais uma Faculdade de Medicina, emAveiro, também nos leva a questionaro modelo de futuro que se quer cons-truir.Não conseguimos entender como éque, em matéria tão delicada e de tan-ta importância para o nosso país, sequeira passar do 8 para o 80 com aligeireza que alguns governantes têmrevelado nas suas decisões.Os médicos querem ser uma força dedesenvolvimento do Serviço Nacionalde Saúde e da qualidade dos cuidadosprestados, mas querem sê-lo respon-savelmente, equilibradamente, sem de-magogias populistas.Garantindo o melhor para os portu-gueses, mas também as melhores con-dições para vocês, que encetam agoraa vossa carreira e merecem os melho-res ensinamentos, os melhores mestrese as melhores condições de aprendi-zagem, para serem no futuro os me-lhores médicos.Por isso, lançamos aqui um desafioresponsável. Estamos disponíveis paraparticipar activamente num estudo ri-goroso sobre o número de médicosem actividade, as suas especialidades,os défices no sistema público e as ne-cessidades de futuro, tendo em contamuito particularmente o número deestudantes que estão fora do nossopaís.Os efeitos do numerus clausus asfixian-te, que levou tantos jovens portugue-ses a ir estudar Medicina para o es-

trangeiro (são mais de 1200 de acor-do com as informações mais recentesque tenho), não se resolvem com aabertura indiscriminada de vagas e denovos cursos, apostando num cenáriode desemprego ou de emprego precá-rio para os jovens médicos.Não se podem desbaratar as expecta-tivas de tantos jovens, como já se fezem tantas outras áreas de formação.O número de vagas para Medicina de-ve ser aquele que, de acordo com osresultados de um estudo rigoroso, sepreveja necessário para o país dentrode um período de tempo razoável, pelomenos uma dúzia de anos, e a que sejapossível assegurar uma formação es-pecializada de qualidade, já que nãose concebe nos dias de hoje a existên-cia de médicos indiferenciados.Se assim não for, estaremos a desper-diçar recursos públicos e esforço dosjovens que escolheram ser médicos.A Ordem dos Médicos tem repetida-mente demonstrado a sua solidarieda-de para com os jovens médicos, e osque o desejam ser, que têm sido de-fraudados por sucessivos governos.Como médicos, também há muito quevimos alertando para o risco de algu-mas convulsões (eufemisticamente de-nominadas de reformas, esquecendo-se os decisores que nós sabemos mui-to bem o que é uma reforma e o que éuma convulsão) que têm vindo a de-gradar o Serviço Nacional de Saúde.São alterações centradas numa redu-ção acrítica de custos, em cortes nosdireitos dos doentes e medidas sem de-monstração de eficácia ou racionali-dade têm merecido a nossa crítica.Terá sido, porventura, melhorada aengenharia numérica, modernizada aburocracia e, frequentemente, geridomediaticamente o rumo da saúde nonosso país.Com mais ou menos hospitais EPE,Agrupamentos de Centros de Saúde,maior ou menor inovação na gestão,maiores ou menores tentativas de re-duzir o acto médico a um número frioe inexpressivo, o que é facto é que con-tinuam a ser os médicos o garante dasaúde e o rosto de confiança que osdoentes vêem diariamente.

Congratulamo-nos com a recente pu-blicação dos diplomas das CarreirasMédicas, que abrangem também osmédicos em contrato individual de tra-balho, exigindo um desenvolvimentoprofissional contínuo.Hoje tiveram oportunidade de conhe-cer na recepção que vos foi dedicadaa vossa nova casa, as áreas de interven-ção da Ordem dos Médicos e dos Sin-dicatos Médicos.Temos consciência que muito há ain-da a fazer num trabalho coordenadoentre todos.Dada a importância estruturante des-tas matérias todos os médicos, a exem-plo do projecto iniciado na década de1960, são responsáveis pelo desenvol-vimento das Carreiras Médicas. Elassão a alavanca de modernidade e deinspiração profissional, ferramenta in-dispensável da qualificação médica egarantia de segurança e qualidade doscuidados de saúde.Continuaremos também a pugnar porum Acto Médico que seja o espelhodo respeito pelas competências médi-cas e elemento clarificador das respon-sabilidades e intervenções em saúde.Continuaremos a ser intransigentes nadefesa da ética médica como direitoinquestionável dos cidadãos e garanteúltimo da adequação dos cuidadosprestados ao interesse dos doentes queservimos. A independência técnica crí-tica de cada médico não é negociável.Em suma, «A Saúde do nosso doente seráa nossa primeira preocupação».Termino com as boas notícias.Acredito que as novas gerações demédicos, de que fazem parte a partirde hoje, irão mudar e melhorar o futu-ro da saúde no nosso país.A criatividade e inconformismo de quesão portadores, aliado ao saber e prá-tica dos mais experientes, constituemo melhor seguro para um sistema desaúde orientado para as reais necessi-dades dos doentes.Para todos nós, hoje assinala-se ummomento de vitalidade e esperança.Abraçam hoje a nossa causa 455 no-vos colegas, garantindo-nos a continui-dade de valores e princípios que nosunem como médicos.

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Para a Ordem dos Médicos é motivode satisfação contar com cada um dosnovos médicos e, para eles, direccionaros nossos esforços e apoio nos mo-mentos necessários.Foi por isso que contratámos um se-guro de responsabilidade civil profis-sional que abrange todos os médicos,sem encargos, para vós em especial umseguro de acidentes pessoais nos doisprimeiros anos de exercício.A Ordem dos Médicos pertence-vosde hoje em diante. A partir de agora anossa casa é a vossa casa, a OM é a

Discurso proferido por PedroNunes, presidente da Ordem dosMédicos

Meus caros colegas,É hoje provavelmente a última vez queme dirijo a uma assembleia plenáriade novos médicos. De facto inicia-se a1 de Janeiro o útimo ano do meu se-gundo mandato como Presidente daOrdem dos Médicos, que decidi deverser o último.Para o ano um novo ou uma nova Pre-sidente terá oportunidade de, pela pri-meira vez, marcar com as suas pala-vras e a sua presença o início de umacarreira de tantos novos colegas,Acreditem que de todas as funções quedesde há dezasseis anos desempenheina Ordem e daquelas que durante opróximo ano ainda terei o privilégio

de desempenhar, é o Juramento deHipócrates o que mais me gratifica.Poder-se-ia dizer que a relação de afec-to que me liga a esta cerimónia derivada sua grandiosidade e da presençade tantos dos vossos familiares e ami-gos o que permite à Ordem abrir-seao exterior e comunicar com um gru-po diversificado de pessoas.Não é o caso. A Ordem de há muitoque consegue fazer sentir a sua pre-sença na Sociedade e com lealdade,umas vezes aplaudida outras criticada,sempre conseguiu fazer ouvir a sua voz,a voz livre e descomprometida dosmédicos portugueses em defesa daqualidade da sua profissão, da digni-dade do seu papel, dos direitos ina-lienáveis daqueles que a doença colo-ca na dependência da sua ajudaTambém se poderia dizer que o que

tanto me liga a esta cerimónia é ofacto de ter sido por minha iniciativae contra o parecer de muitos que du-vidavam da adesão dos jovens, que estacerimónia se iniciou há muitos anos,sendo então Bastonário o Dr. C. San-tana Maia. Também não é esse o caso.Se estas cerimónias ano após ano con-taram com o apoio entusiástico de su-cessivas gerações de médicos deve-senão a quem teve a ideia de as organi-zar mas ao empenho, satisfação e es-perança no futuro de todos os queano após ano sentem este dia com omisto de dever cumprido, orgulho deter conseguido e a apreensão, para nãodizer terror, de pensar na responsabi-lidade imensa do que virá a seguir.São esses sentimentos, por vezes con-traditórios mas sempre intensamentevividos que me faz sentir valer a penaestar, ano após ano, neste lugar.O que importa é sentir que dezenasde médicos, felizmente hoje centenasde médicos, se preparam para trilharos caminhos que cada vez há maisanos, nós próprios trilhamos.O que importa é sentir que as mes-mas ilusões, a mesma vontade, a mes-ma esperança motiva agora tanta gen-te nova que pagou o alto preço dosacrifício e do trabalho para conquis-tar o direito a aqui estar hoje.O que importa e tanto valoriza estedia para o mais velho a quem comete-ram a tarefa de todos representar é,num momento único e irrepetível, omomento em que tudo começa, poderdirigir-se aos mais novos e lembrar-lhesalguns factos simples mas incon-

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vossa Ordem, o emblema que vos foidistribuído é o símbolo da camisola quehoje vestem.A Ordem dos Médicos somos todosnós: médicos. Da parte dos seus dirigentes, e emparticular do Conselho Regional do Sulque represento, contem com a dispo-nibilidade e dedicação para os vossos/nossos desafios.Da parte de todos os colegas médicosdo país, e em nome dos mais de 20 milrepresentados nesta Secção Regionaldo Sul, trago-vos o empenho e dispo-

nibilidade em vos acolher e convoscopartilhar os ensinamentos de experi-ência feitos. Os jovens médicos de hoje são os no-vos porta-vozes de uma profissão quediariamente tem uma palavra a dizer amilhares de portugueses.A todos os jovens médicos os votosrenovados dos maiores sucessos pes-soais e profissionais.Contamos convosco.

Obrigada por terem vindo juntar-se anós.

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tornáveis da vida. Lembrar-lhes que asensação de conquista e de vitória vaificar para sempre depositada à portadeste auditório. Que de hoje em dian-te a rotina será as inúmeras derrotasde que é feito o dia-a-dia de quem seatreve a lutar contra a doença e a ine-vitável morte.Saber aceitar as vossas limitações, aimensidão do desconhecido, os traiço-eiros sinais e sintomas das inúmerasdoenças, as expectativas quantas ve-zes infundadas dos doentes, vai fazer,a partir de hoje parte sofrida de todosos vossos dias.Saber esconder o que sabem, desvalo-rizar o que não sabem, corrigir a tem-po o que julgavam saber e se revelouinfundado, faz parte da habilidade deuma arte milenar da qual só agora setornaram os mais jovens dos aprendi-zes. Saber viver com este peso de guar-darem em segredo o que é do dominiodo segredo sem qualquer tentação dedele desfrutar a vosso proveito é a maiorexigência que a vossa ética vos intima.Ser poderoso e prescindir do poder porum compromisso que hoje aqui irãoassumir, será peso que vos acompanharáem todos os dias da vossa vida.Ter o poder do saber, da incomensu-rável assimetria do conhecimento quese alia á assimetria da postura que afas-ta quem está saudável de quem a do-ença fragilizou, e não poder utilizar taispoderes exigirá de Vós uma reflexãodiária. Um diário compromisso com obem, uma diária subserviência aos va-lores do humano por oposição aosvalores materiais que vos poderiamtornar a vida confortável.Ter o poder de interrogar, de anestesiar,de violentar física e psiquicamente ovosso concidadão e por ter esse po-der não estar autorizado, em caso al-gum a usá-lo em vosso proveito é oexercício diário da resistência à tenta-ção com que a partir de hoje convive-rão todos os dias.Conviverão igualmente com a desilu-são do comportamento dos que vosrodeiam, alguns mesmo vossos colegas.Verão inutilidade do sofrimento daque-les a quem uma sociedade mais solidá-ria poderia ter evitado a infelicidade e

a doença que vos chamam a tratar.Verão a estupidez da ambição huma-na perverter diariamente o valor dohomem, de cada homem, individual eirrepetível.Verão como alguns de vós, alguns dosque estão hoje aqui sentados, comoalguns que se sentaram nos anos an-teriores e os que se sentarão no futu-ro, se deixarão tentar pela via fácil deum tecnocracismo sem alma.Verão alguns sucumbir ao facilitismode uma mera execução de acto técni-co, distante, frio, asséptico, complexona sua densidade física mas liberto daenorme carga emocional de percebero homem atrás de cada órgão em quese intervem.Verão alguns perceber que a medicinapermite ganhar dinheiro, muito dinhei-ro, mas só na condição de se esquece-rem os deveres de solidariedade paracom todo e cada um dos membros dasociedade que nos acolhe, só na con-dição de se esquecerem os valores damoderação, da disponibilidade, da pro-cura do melhor para cada um que seentrega ao vosso cuidado.Encontrarão, estou certo, cada um devós, a justa e pessoal dimensão do com-promisso ético que aqui hoje vieramassumir. Se se recordarem deste dia,tenho a ousadia de acreditar, que serecordarão do motivo ao qual vieram,do que pretendem das vossas vidas,

do que todos esperamos de Vós, doque têm o direito de exigir de nós maisvelhos.Para além dos dirigentes actuais e pas-sados da casa que a partir de hoje tam-bém é vossa, da confraria de homense mulheres livres, independentes ecomprometidos que vos acolhe e a quevão jurar não defraudar nos princípi-os e valores que se conformam.Hoje têm também perante Vós um ele-vado dirigente político. Não é hábitoconvidar ministros para esta cerimónia.Este é um momento nosso, dos médi-cos. Até hoje só uma vez uma ministraestivera presente, temos, no entanto,entre nós alguém por direito próprio,além de Ministra, Colega, Alguém quealguma vez assumiu o mesmo compro-misso.Alguém a quem independemente daconcordância ou discordância com asua interpretação dos melhores politi-cas nos une a igualdade do compro-misso ético. O meu respeito Sra Minis-tra pelas provas que tem dado de fide-lidade ao seu.Porque um médico, caros colegas, qual-quer que seja o lugar a que o mérito eos acasos da fortuna é acima de tudo,testemunha de um compromisso.Com consciência plena e livre da von-tade de o cumprir aqueles que oaceitam levantam-se e comigo assu-mam-no.

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Discurso proferido por JoséPedro Moreira da Silva,presidente do ConselhoRegional do Norte da OM

Exmas./os Senhoras/os, Exmos. Con-vidados, Caros Colegas

Muito obrigado pela vossa presençaneste dia de tão grande significado paranós. Hoje é um dia importante paratodos os médicos recém-licenciadospelas Faculdades de Medicina Portu-guesas (Porto, Braga, Coimbra, Lisboae Covilhã), assim como de outros alu-nos portugueses licenciados em Facul-dades não nacionais.A ocasião, que nos leva a estar aqui hoje,a comemorar este dia, é que, a partir deagora, deixarão a vida de estudantes. Apartir de hoje estarão preparados paraabraçar a profissão que escolheram.Uma primeira palavra para o ensino prée pós graduado. Até agora as respon-sabilidades do ensino médico estavamespartilhadas, no pré graduado as Fa-culdades, no pós-graduado a Ordem dosMédicos e as Sociedades Científicas.É tempo de acabar com espartilhos eunirmos esforços no pré e pós gradua-do. Temos de partilhar com as Faculda-des os saberes para que o ensino prégraduado seja cada vez mais adequadoà profissão médica, trocando experiênci-as e absorvendo conhecimentos que

possam ser úteis para todos.Não posso deixar este tema, sem daruma palavra sobre a criação de novasFaculdades de Medicina em moldes, queno mínimo poderemos apelidar de abs-tractos. Contrariando os nossos Mi-nistros, não posso deixar de lembrarque no inicio da década foi feito umestudo muito interessante pelo Prof.Doutor Alberto Amaral, que conclui,que apesar de na altura a idade da re-forma ser ainda ao 60 anos, não seremprecisos formar em Portugal mais de1000 médicos por ano. Hoje somoscerca de 40000 médicos, isto dá umamédia de 1 médico para 250 habitan-tes, o que já está acima da maior partedas médias dos países europeus. Umverdadeiro disparate, que vai levar acurto prazo, a um desemprego médico.Portanto além dos problemas que va-mos tendo, e que irei elencar adiante,este é mais um que nos irá preocupare muito. Este é um momento importan-te da vida de um médico, pois hojeiremos jurar em conjunto e perante aopinião pública, que passaremos a tercomo objectivo o bem-estar dos nos-sos doentes, a humanidade com queos trataremos, a qualidade que iremosimpor a todos os nossos actos e a pa-ciência que teremos de ter para os ou-vir, tratar e acarinhar. Como já todosperceberam durante o Curso de Me-dicina, cada doente é um caso, e na

génese de cada doença há vários pro-blemas que teremos de equacionar. Pro-blemas do doente, da família e de to-dos os que com eles se relacionam.Teremos muitas vezes de não ceder àtentação de ir pelo caminho mais fácil,mas sim de ir pelo caminho mais cor-recto e mais qualificado.Teremos muitas vezes de lutar contraos métodos economicistas que nos ten-tam impor, mas ter sempre presente, queo melhor tratamento do doente, não éa última novidade, é o mais adequado,que também por vezes não é o maisbarato. Teremos muitas vezes de desem-penhar as nossas funções em locaismenos dignos, mas não esquecendo, quetemos a obrigação de continuarmos alutar, sempre por mais e melhores con-dições, sem nunca nos acomodarmos.Teremos frequentes vezes de nos adap-tarmos a novas tecnologias, desde queelas tragam benefício para os doentes,e não, como algumas vezes acontece,beneficiar outros propósitos. Teremosmuitas vezes de lutar contra interes-ses instalados, mas não instalados nointeresse da boa prática médica, nemno interesse dos doentes.Teremos muitas vezes de contrariar al-gumas pessoas, por vezes mais velhas,que se colocam ao serviço de outros inte-resses, e que perdem a noção de que osdoentes são, como se disse atrás, sereshumanos e não números. Por tudo isto,penso que um bom médico é aquele quepensa o que pode fazer de melhor peloseu doente, e não aquele que pensa oque o doente pode fazer por ele.Esperando que as condições para umdesempenho digno das funções conti-nuem a melhorar, desejo-lhes as maio-res felicidades para a vossa carreira queagora dá os primeiros passos e tam-bém uma palavra de apreço aosprestigiados Professores que vos acom-panharam na construção do caminho,que se quer em desenvolvimento segu-ro, sustentado na humanização, respon-sabilidade, honestidade e cidadania.Gostava de terminar, transmitindo-vosas nossas felicitações por este dia e de-sejar as maiores felicidades para umacarreira que agora começa.Festas felizes e um bom ano de 2010.

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Caracterização do estado e dos hábitos de saúde

Cuidados materno-infantis

A vigilância realizada durante a gravidez do último filhoapenas pelo médico de família é mais comum entre as in-quiridas que têm actualmente idades compreendidas entreos 50 e os 64 anos, enquanto a vigilância feita por ummédico obstetra/ginecologista é mais frequente entre as

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Estudo sobre o recurso e a avaliação que os utentes fazem do funcionamento dosserviços, da qualidade dos cuidados e da equidade do Serviço Nacional de Saúde em 2008.

A amostra é constituída por 3039 entrevistas, representativa da população adulta de Portugal continental(http://www.apis.ics.ul.pt).

Avaliação dos utentes quantoao funcionamento dos serviços

H. Carmona da Mota

O autor deste artigo, H. Carmona da Mota, resumiu um estudo recente so-

bre o recurso e a avaliação que os utentes fazem do funcionamento dos ser-

viços, da qualidade dos cuidados e da equidade do Serviço Nacional de Saúde

em 2008 (M. Villaverde Cabral, P. Alcântara da Silva. O Estado da Saúde um

Portugal. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. 2009). Con-

siderando a importância do conhecimento dos médicos em relação a este

estudo, o autor resumiu-o, no intuito de permitir que o leitor coteje a sua

com a opinião da amostra.

edúasausamaigiveuqserehlumed%alauQacigólocenig

%1,34

edopitetsemezafacnuneuqsaleuqad%alauQaicnâligiv

%5,41

amitlúausaetnarudeuqserehlumed%alauQailímafedocidémolepsadahnapmocamarof,zedivarg

%0,63

atsigolocenig/artetsboocidémolepe %1,53

reuqlauqmarevitoãneuqserehlumed%alauQzedivargaetnarudaicnâligiv

%2,61

inquiridas entre os 30 e os 49 anos

A vigilância da gravidez no sector privado é mais frequenteentre as mulheres que têm actualmente idades entre os 40e os 49 anos e, a seguir, entre os 30 e os 39 anos, com umestatuto sócio-económico elevado.

Os nascimentos em casa concentram-se quase exclusiva-mente nas mulheres que têm hoje mais de 65 anos.

odzedivargadaicnâligivajucserehlumed%alauQsodotibmâonadazilaeriofohlifomitlúues

socilbúpedúasedsodadiuc%9,28

,odavirprotcesonmarezifoeuq%alauQedadiratnemelpmocmeuoetnemavisulcxe

%9,02

ocilbúprotcesonsotraped%alauQ %2,87

sacinílcuosiatipsohmesotraped%alauQsadavirp %9,5

asacmezulàuedeuq%alauQ %7,51

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29Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Dezembro 2009

O recurso ao médico particular ou a um hospital privadoquando um dos filhos adoece é mais frequente entre asmães com maior escolarização e com estatuto sócio-eco-nómico mais elevado (a ida directa para o hospital é tam-bém mais comum entre as mães mais escolarizadas), en-quanto a deslocação a um Centro de Saúde ocorre maisfrequentemente entre as mães menos escolarizadas e comum estatuto sócio-económico mais baixo.

Como é que os cuidados de saúde prestados aosfilhos são avaliados pelas mães?

Esta avaliação positiva é transversal a todo o território na-

cional. Independentemente da idade e do estatuto sócio-económico; as mães com maior nível de escolaridade (quefrequentaram o ensino secundário ou superior) são quemmelhor avalia os cuidados de saúde prestados aos filhos.

Qual a principal razão porque foi à última consultano Centro de Saúde em 2008 (%)

Condições de acesso ao sistema de saúde Acessibi-lidade ao sistema de saúde e seguros

Os seguros privados são mais comuns em Lisboa e Vale doTejo, ao contrário do que ocorre na Região Norte, que apre-senta um valor inferior a todas as outras regiões.A posse de um seguro privado está claramente associada aum perfil sócio-demográfico específico: são sobretudo oshomens, os inquiridos entre os 30 e os 49 anos, os maisescolarizados (acima da escolaridade obrigatória) e os quetêm um estatuto sócio-económico elevado.A fim de explicar a grande diferença entre a percentagem deinquiridos com seguro de saúde e a baixa utilização comcarácter frequente dos cuidados de saúde privados, é lícitoformular a hipótese segundo a qual a maioria dos detentoresdesses seguros, até pela sua faixa etária, recorre pouco aoscuidados de saúde, em geral, e/ou reserva o seguro privadopara situações de maior urgência, nomeadamente consultasde especialidade ou cirurgias, como veremos adiante.

Acessibilidade aos cuidados de saúdeAs mulheres são quem pior avalia essa acessibilidade, talcomo os inquiridos menos escolarizados (no máximo, coma instrução primária) e com baixos recursos económicos(trabalhadores manuais), ao contrário dos homens, dos in-quiridos mais escolarizados (ensino superior) e com estatu-to sócio-económico mais elevado.Em suma, é quem mais recorre aos serviços de saúdepúblicos e presumivelmente mais necessita deles quem maisdificuldade diz encontrar em aceder a eles.

edocidémoasohlifsomahnapmocaeuq%alauQetnemosresmes,éotsi,avitneverperalugeramrof

açneodedoãçautisme%9,56

sanepaocidémoasohlifsomaveleuq%alauQsetneodmavatseodnauq %6,13

,meceodasohlifsoodnauq,euqseãmeuq%alauQedanozausadedúaSedortneCoamavelso

aicnêdiser%9,17

ralucitrapocidémaavelsoeuq%alauQ %3,11

airtaidepedoçivresmuaerrocaeuq%alauQralatipsoh

%4,61

-suamotiuM %9.0

-suaM %3.3

-Mmen/BmeN %9.71

-snoB %3.07

-snoBM %6.7

amrifaeuqseseugutropedmegatnecrepalauQonavitaiciniamuglaramotaetnemlautcaratseedodatseuesoretnamuorarohlemedoditnes

edúas

%8,94

ocisífoicícrexerezafaratsemamrifaeuq%alauQraluger

%5,74

siamsateidodatpodaretmerefereuq%alauQsieváduas

%4,34

oãsserparazirotinommerefereuq%alauQralugeramrofedlairetra

%5,74

oseporalortnocratnetmerefereuq%alauQ%1,93

etneoduitneseseuqroP 8,03

)açneodropodavitom(anitoredemaxE 6,71

)açneodropodavitomresmes(anitoredemaxE 5,12

semaxeuosatiecerrideparaP 1,31

edlanoicaNoçivreSodoãçazilitued%alauQatceridaivropedúaS

%9,98

edecaeuqoãçalupopadmegatnecrepalauQodsocidémsodadiucaetnemetneuqerfsiam

,odavirpametsis%9,1

edserotnetedsoudívidniedmegatnecrepalauQedúasedsoruges

%8,11

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30 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Dezembro 2009

É nas Regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve queexistem mais inquiridos sem médico de família atribuído,ao contrário do Alentejo e do Centro, onde a quase totali-dade dos inquiridos afirma ter um clínico geral a quemcostuma recorrer sempre que necessita.

Em 2008, independentemente do género e do estatuto só-cio-económico, são os inquiridos mais jovens (até aos 29anos) e os mais escolarizados (acima da escolaridade obri-gatória) quem refere mais frequentemente não ter médicode família a quem recorrer.

Qual a % de utentes que não recorre a algum servi-ço público de saúde devido ao pagamento de taxasmoderadoras

o que se deve com certeza à extensão das isenções quevigoram em Portugal.

De uma forma geral, as mulheres, os mais idosos, os menosescolarizados (instrução primária ou menos) e as pessoascom estatuto sócio-económico mais baixo (trabalhadoresmanuais) são sempre, como seria de esperar, os que maisreferem ter abdicado de comprar ou pagar algum dos itensde saúde referenciados, apontando, pois, para a existênciade significativas «bolsas de iniquidade» no sistema de saúde.

A percepção que os inquiridos têm da oferta de cuidadosde saúde na sua zona de residência revela-se ligeiramentemais negativa do que há sete anos, embora equilibrada, ava-liando o acesso aos serviços de urgência e ao médico defamília como sendo os mais acessíveis, enquanto os dentis-tas, as consultas e os tratamentos hospitalares, bem comoos médicos especialistas, são os de acesso mais difícil, sobre-tudo para quem a eles mais recorre, isto é, as mulheres e osinquiridos com estatuto sócio-económico baixo. No entan-to, é cada vez menor a percentagem de inquiridos que de-claram não ter médico de família atribuído, estando agora aesmagadora maioria da população portuguesa abrangidapor esta especialidade no seu Centro de Saúde, emboracom algumas desigualdades regionais.

Recurso aos Centros de Saúde

Houve um aumento de 20% em sete anos; esta pressãocontribui só por si para explicar, ceteris paribus, uma partedo alongamento das demoras e filas de espera que se ob-servam recorrentemente nas declarações dos inquiridos.As Regiões do Algarve e de Lisboa e Vale do Tejo distin-guem-se significativamente das outras por registarem me-nos consultas nos Centros de Saúde, com mais inquiridos adeclarar que não foram ao médico no último ano, ao con-trário da Região Centro, onde são mais numerosos os in-quiridos que foram à consulta no Centro de Saúde mais deuma vez, e do Alentejo, onde é maior a percentagem dosque foram pelo menos uma vez.

Em 2008, as mulheres, os inquiridos mais idosos (a par-tir dos 65 anos), os menos escolarizados (instrução pri-mária ou menos) e de mais baixo nível sócio-económi-co (em particular, trabalhadores manuais não espe-cializados) são quem mais recorre a consultas nos Cen-tros de Saúde.

zededsonemaátseeuqseseugutroped%alauQedúaSedortneCmudaicnâtsidedsotunim

%1,85

sassenoirpórporracazilitueuq%alauQseõçacolsed

%1,44

épaairiuo/iaveuq%alauQ %7,34

redopamrifaeuqseseugutroped%alauQoãnotnemidnetaedoçivresoarerrocer

adedúaSedortneCon)saicnêgru(odamargorpaicnêdiseredaeráaus

%5,84

ropadignarbaaseugutropoãçalupopad%alauQedúaSedortneCuesonailímafedocidém

%2,19

oãneuqseseugutropedmegatnecreped%alauQrerrocermeuqaailímafedocidémmêt

%9,7

socituêpareteocitsóngaidedsoiem %3,4

edúaSedsortneCsonsatlusnoc %8,3

siatipsohsoa %2,3

omitlúonmaracidbaeuqsodiriuqnied%alauQredopoãnropsotnemacidemrarpmocedona

sotsucsoratropus%8,9

soiemrazilaeredmaraxiedeuquoocitsóngaidedseratnemelpmoc

%3,5

sacidémsatlusnocauo %1,01

atsitnedoarerrocer %0,02

solucómararpmocoãneuquo %7,41

sotunimzedétaatsageuqoãçalupoped%alauQedúaSedsortneCsuessoaracolsedesarap %85

edsotunim03<aátseeuqoãçalupopad%alauQralatipsohederadaicnâtsid

%28

serodazilituseseugutropedmegatnecrepalauQedúaSedsortneCed %3,56

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Page 27: Revista Ordem dos Médicos Nº106 Dezembro 2009

31Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Dezembro 2009

Relação com o médico na última consulta no CS(2008)

A avaliação global (satisfação global) que os inquiridos fa-zem do funcionamento dos Centros de Saúde com base nasua experiência pessoal de utilização dos serviços no últi-mo ano

O tempo de espera por uma consulta do médico de famíliaé o aspecto que gera maior descontentamento.

Recurso aos Hospitais Públicos

Urgências

Os habitantes da Região Centro foram os que mais recor-reram a serviços de urgência públicos em 2008 (pelo me-nos uma ou duas vezes) nos últimos três anos, enquanto osinquiridos do Alentejo e do Algarve foram os que declara-ram mais frequentemente que nunca recorreram às urgên-cias hospitalares públicas nesse período de tempo.

Qual a razão que levou os utentes a recorrer àsurgências públicas em 2008

A possibilidade de terem um atendimento mais rápido foi omotivo destacadamente mais apontado para os utentes re-correrem a uma urgência hospitalar (42,0%).

A avaliação que os utentes fazem do tratamentorecebido na última vez que tiveram de recorrer auma urgência hospitalar pública em 2008

Os serviços de urgência da Região Centro são os melhoravaliados, enquanto as urgências dos hospitais do Algarvee de Lisboa e Vale do Tejo recebem as avaliações menospositivas.

Internamentos

A grande maioria desses internamentos foi realizada há maisde três anos (67,5%) e os restantes entre um e três anos(18,4%) ou no último ano (14,1%),

euqatlusnocamitlúajucsodiriuqnied%alauQedsévartaaditboiofedúaSedortneConmarevit

aidoirpórponadíubirtaahnes%6,05

odrocnoCetnemlatot

odrocnoC %latoT

odotehl-uedocidémO-seceneuqedopmeto

atlusnocaarapuotis4,22 9,16 )3.48(

auednopserocidémOoeuqseõtseuqsasadot

mavapucoerp2,52 7,06 )9.58(

odaralcoãçacilpxE/semaxesoarapocidémsodatiecersotnematart

1,22 5,26 )6.48(

-icehnocahnitocidémOuossapeseuqodotnemseroiretnasatlusnocme

7,72 8,06 )588(

-suamotiuM %8.0

-suaM %7,7

-Mmen/BmeN %8,23

-snoB %65

-snobM %8,2

aicnêgruamuazevamuuerrocereuq%alauQ,sonasêrtsomitlúsonralatipsoh

%6,22

sezevsaud %7,8

sezevsaudedsiam %21

atibúsaçneod %3,55

seõçisopsidni %1,32

setnedicasoe %51

otiefsitasetnatsaB 1,01

otiefsitaS 6,36

otiefsitasnimen/tasmeN 6,01

otiefsitasnI 2,9

otiefsitasnietnatsaB 4,6

odisaivahájeuqseseugutroped%alauQmunadivausanzevamusonemolepadanretni

ocilbúplatipsoh%0,74

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Page 28: Revista Ordem dos Médicos Nº106 Dezembro 2009

32 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Dezembro 2009

Qual a % de doentes hospitalizados

Esta concordância é independente do género, da idade edos níveis de instrução e sócio-económico.

Este valor é independentemente do género, da idade, donível de escolaridade e sócio-económico.

Em termos gerais, a avaliação que os doentes fazem doscuidados de saúde recebidos durante o seu internamentonum hospital público é:

Em termos gerais, a avaliação que os doentes fazem doscuidados de saúde recebidos durante o seu internamentonum hospital público é ligeiramente mais positiva do que

há sete anos, sendo na altura, como agora, considerados,em média, bons.

Os utentes da Região Centro são os que avaliam mais po-sitivamente os cuidados de saúde que receberam, ao con-trário dos do Algarve, do Norte e de LxVT que são os maisdescontentes embora todos avaliem os cuidados adminis-trados de forma bastante positiva.

Cirurgia

O tempo de espera decorrido entre a consulta emque foi decidida a cirurgia e a data da intervenção

O aumento do tempo de espera declarado pelos inquiridosentre o dia da consulta e a data da cirurgia parece reflectir-se na forma como os pacientes interpretam a evolução doseu estado de saúde, existindo mais doentes a afirmar queeste piorou um pouco (20,6% em 2001 para 29,0 em 2008),embora a maioria, mas menos do que em 2001, continue areconhecer que a sua situação clínica se manteve estávelenquanto esperou ou que, eventualmente, até melho-rou (72,5% em 2001 e 65,1 % em 2008).

Recurso ao sector privado

Dos que foram a uma consulta fora do sector público

Também aqui as mulheres são quem mais recorre a consul-tas médicas privadas. No entanto, os inquiridos de idadesintermédias, os mais escolarizados e os que têm estatutosócio-económico mais elevado são quem mais recorre aoprivado (pelo menos uma vez entre os 30 e os 39 anos evárias vezes entre os 40 e os 49 anos) ao contrário dosmais velhos (mais de 65 anos), dos menos escolarizados(instrução primária ou menos) e com menos rendimentos(trabalhadores manuais), que referem mais frequentementenunca terem recorrido no último ano.

,aicnêgremeedseõçautis %8,64

latipsohortuoedocidémmuedoãçacidniropailímafedocidémolepuo

%8,32

latipsohomsemodocidémmuedavitaicinirop %2,41

mocarepseedatsilmemerartnocneesropotnemaenalp

%0,31

ralucitrapocidémmuedoãçacidnirop %5,5

Qual a % de forma de entrada

açneodrop %8,33

adamargorpaigruric %3,72

otrapmeserehlum %7,81

etnedica %1,9

odapicitrapretuomrifaeuqsetneoded%alauQracilpaaotnematartoerbosseõsicedsan

otnemanretnioetnarud%8,98

aaralcedeuqsodiriuqnied%alauQarapsoriemrefneuosocidémsodedadilibinopsidaerbossetneodsomocetneicifusopmetomeralaf

oãçarepuceraeralatipsohatla

%2,68

suaMotiuM %8.0

suaM %8.3

snoB %8,86

snoBotiuM %8,41

sêrtedsiamuorepseeuqsetneicaped%alauQodareporesarapsesem

%6,13

onmarezifoeuqseleuqadmegatnecrepalauQsêmmuedoçapse

%2,22

marofoãneuqramrifaaseseugutroped%alauQonaomitlúonsadavirpsatlusnocamuhnena

%2,96

uiofeuqramrifaaseseugutroped%alauQ amzev onaomitlúonsadavirpsatlusnoca

%5,31

lareganicidemed%alauQ %1,12

sedadilaicepseedsatlusnoced%alauQ %9,87

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33Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Dezembro 2009

O principal motivo apresentado pelos inquiridos para teremrecorrido à consulta privada mais recente no último anoficou a dever-se à demora para terem nova consulta no Cen-tro de Saúde (25,3%), seguindo-se a falta da especialidade deque necessitavam no hospital público na zona onde habitam(20,8%), o facto de ser mais fácil marcar a consulta (20,5%).

O tempo que teriam de esperar para obter uma cirurgia nosector público é o motivo apontado por perto de metadedos utentes (45,4%) que recorreram a uma clínica ou hos-pital privado para realizar a sua operação.Em síntese, constata-se na relação dos portugueses como sector privado, entre 2001 e 2008, uma diminuição dorecurso a consultas privadas, ao mesmo tempo que se as-siste a uma alteração qualitativa importante no reforço dapredominância das consultas de especialidades neste sec-tor, em detrimento das consultas privadas.

Medicamentos

As mulheres são igualmente as mais medicadas, tal comoos inquiridos com mais de 50 anos (aumentando ao longodas faixas etárias seguintes), os menos escolarizados (nomáximo, com a instrução primária) e os que têm um esta-tuto sócio-económico mais baixo (trabalhadores manuais);os homens, os inquiridos até aos 49 anos, os que frequen-taram acima do ensino primário e os trabalhadores nãomanuais são quem menos refere ter tomado medicamentosreceitados por um médico no último mês.

em particular as mulheres e os inquiridos mais escolarizados(acima da escolaridade obrigatória).

Atitudes e opiniões sobre os cuidados de saúdepúblicos

A avaliação que a população portuguesa, em geral, com ousem experiência pessoal do sistema de saúde, faz dos dife-

rentes serviços do SNS mantém-se relativamente estável entre2001 e 2008, com uma ligeira tendência para melhorar.Quanto à evolução recente do desempenho do SNS entre2001 e 2008, os portugueses manifestam actualmente umaopinião mais negativa, embora a avaliação continue a girarem tomo do ponto médio, tendo passado de 3 para 3,2.Avaliação que os inquiridos fazem do SNS, em termos do graude mudanças no seu funcionamento eventualmente necessáriasa fim de corresponder melhor às necessidades da população:

Conclusão

A terminar, apresentamos sinteticamente as conclusões quese podem extrair dos resultados anteriormente analisa-dos, quer no que respeita às comparações nacionais entre2001 e 2008, quer às comparações regionais relativas a2008. Com efeito, não é fácil tirar uma conclusão geral,integrando todas ou pelo menos algumas das conclusõesparciais que fomos fazendo ao longo da exposição e quepassamos a sintetizar a seguir. A razão parece-nos residirno facto de o SNS, bem como a sua articulação históricacom a clínica particular e a oferta de cuidados de saúdeprivados, se encontrarem hoje extremamente consolida-dos, havendo adquirido rotinas funcionais interiorizadastanto pelos profissionais de saúde como pelos utentes.Também por isso, parece difícil e, porventura, indesejávelpromover reformas bruscas e profundas no seu funciona-mento.O grau de funcionalismo que presidiu à própria fundaçãodo SNS e, sobretudo, à sua posterior evolução ter-se-á tra-duzido, segundo alguns actores relevantes (como o Profes-sor Sakellarides, antigo Director-Geral de Saúde), por umamassificação insuficientemente diferenciada, a qual tem per-mitido ganhos de saúde apreciáveis, mas, possivelmente,poucos ganhos de eficiência. A este propósito, o gasto na-cional com a saúde tem sido frequentemente discutido (porexemplo, Pinto 2009,62-63), mas não nos cabia nem nosfoi solicitado que nos pronunciássemos a este respeito. Emtodo o caso, se a despesa portuguesa em saúde pode serconsiderada elevada relativamente ao PIB, em compensação,Portugal é um dos países da UE onde as famílias contribuem

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A C T U A L I D A D E

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A C T U A L I D A D E

com uma percentagem maior da despesa total em saúde.(27,7% do total das despesas de saúde que, por seu turno,representam 10,2% do PIB, quando na UE-15 os mesmosvalores representam 24,5% de 9,2% (OMS, 2008 citado porLourenço & Raposo, 2009, pp. 60-61). Diante dos ganhosem saúde obtidos em Portugal na última década e meia,parece lícito concluir com o Professor Gouveia Pinto que«dificilmente se poderá considerar a despesa em saúde ineficienteou demasiado elevada, se comparada com os países de referên-cia» (Pinto 2009, 63).É nossa convicção que o êxito do sistema de saúde portu-guês, confirmado internacionalmente (OMS, 2000) e poralgumas das comparações internacionais feitas aqui mes-mo, se deve a uma «aliança virtuosa» entre a grande maio-ria dos utentes do SNS e a generalidade dos profissionaisde saúde. Esta convergência é, contudo, mais evidente noplano da avaliação dos cuidados e serviços efectivamenteprestados do que no plano das opiniões genéricas e difusas,sendo estas últimas muito influenciadas pelas mensagensgeralmente hostis da comunicação social* e pela difícil con-juntura político-econórnica que o país tem atravessado pre-cisamente desde o nosso anterior estudo.Seja como for, o conjunto dos cuidados de saúde presta-dos no país assegura de forma globalmente satisfatória aprocura da esmagadora maioria da população, como, deresto, os grandes outcomes nacionais tendem a demons-trar (a mortalidade infantil é melhor do que a esperança

de vida e sobretudo do que a mortalidade precoce). Deacordo com a metodologia que havíamos desenvolvido háalguns anos para o estudo do relacionamento da popula-ção com o sistema, em geral e em particular, aquilo queobservámos foi uma evolução globalmente positiva, comganhos sustentados praticamente em todas as áreas,excepto na rapidez de processamento dos utentes. Estesganhos nem sempre são reconhecidos pelos utentes e,sobretudo, pelos não-utentes mas, de uma forma geral, asavaliações são equilibradas e consistentes ao longo dotempo e das próprias Regiões.

M. Villaverde Cabral, P. Alcântara da Silva. O Estado da Saú-de um Portugal. Instituto de Ciências Sociais da Universida-de de Lisboa. 2009

*Tipicamente, Constantino Sakellarides escrevia a respeitodos documentos nacionais e internacionais de análisedo funcionamento do sistema de saúde na década de1990: «O impacto imediato nos meios de comunicaçãosocial e na opinião pública em geral da divulgação dosdocumentos referidos parece ter sido tanto maior quan-to mais fácil terá sido extrair dos documentos tornadospúblicos uma imagem negativamente crítica da situaçãodo sistema de saúde português e da sua gestão».(Sakellarides 2000, 32).

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O grande objectivo da Ciência é com-preender a Natureza, para interagircom ela da forma mais favorável paraa Humanidade. Mas, para a Ciência serútil à Humanidade deve aproximar-seda realidade, tentando obter informa-ção objectiva e fidedigna, o que obrigapara mitigar factores de enviesamento,a usar o rigoroso método científico quepode colidir com a Ética.Este choque das exigências do méto-do científico com os princípios da Éti-ca é o tema central desta conversa, esó a consciência dos factores de erroa que toda a investigação está sujeitapermite compreender as imprescindí-

«A vida é curta, a arte longa, a ocasião fugidia, a experiência enganadora, e a decisão difícil»Hipócrates (450 ? – 377 ? a.C.)Medicina é a ciência da incerteza e a arte da probabilidade.William Osler (1849-1919).A ciência é incerta …… A ciência não prova, apenas refuta falsas teorias.Não se podem evitar os erros, o importante é aprender através deles.Karl R. Popper (1902-1994)

Ética e o erro mitigado pelo método científico

Considerações sobre a investigaçãoem Farmacologia1

veis exigências da metodologia cientí-fica. Por esse motivo propomos primei-ro uma breve incursão na História daMedicina, que é sem dúvida a melhorilustração das limitações e fragilidadesdo conhecimento humano.

1. – Breve viagem ao cemitério deverdades da História da Medici-na

a) As doenças e o sobrenatural.Nos comícios da antiga Grécia quan-do alguém tinha uma crise de grandemal epiléptico, tal facto era interpreta-do como um sinal de descontentamen-to dos Deuses em relação ao que seestava a passar no comício, e daí o no-me de «mal comicial» ainda hoje usa-do para descrever estas crise epilépti-cas.A relação entre as doenças e a arte decurar com o sobrenatural é ainda hojeobservável em muitas culturas primiti-vas, onde não é raro o feiticeiro sertambém o curandeiro.A própria palavra «terapêutica» (dogrego therapeía) tem um significado deserviço ou cuidado religioso, encon-trando-se o mesmo significado no ter-mo «cura» de origem latina (curatio),que começou por ter também o senti-

do de cuidado (oposto a «incúria»)1, eque curiosamente é também usadopara designar o pároco das nossas al-deias.b) A Escola Hipocrática e oexperimentalismo de Galeno.Hipócrates (450? – 377? a.C.) conhe-cido sobretudo como autor do primei-ro código de Ética que foi o seu céle-bre juramento, foi quem iniciou umaabordagem científica da Medicina aoprocurar causas naturais para as do-enças. No entanto, as suas observaçõesestavam fortemente limitadas pela proi-bição de estudar cadáveres humanosno império grego com excepção deAlexandria (onde a tradição egípcia damumificação facilitou as autópsias).Baseado na teoria dos quatro elemen-tos (terra, fogo, ar e água) que segun-do a cultura grega governavam o ma-crocosmo, Hipócrates construiu a teo-ria dos quatro humores reguladoresdo microcosmo do nosso organismo.Segundo esta teoria o estado de saúdecorrespondia ao equilíbrio dos quatrohumores (sangue, fleuma, bílis amarelae bílis negra), e as doenças resultavamdo excesso ou deficiência de um oumais desses humores. Esta teoria da«patologia humoral»1,2,3 dominou aMedicina Ocidental durante séculos, edeu origem a termos fortemente en-raizados nas línguas europeias e queainda hoje usamos como «bom ou1. Aula no 3º Mestrado de Bioética – Faculdade de Direito da UL em 17-4-08.

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mau humor», «colérico» (cole = bílis),«melancólico» (melos = negro + cóle= bílis), «fleumático», «sanguíneo» ou«maus fígado».Limitada pela impossibilidade de estu-dar o corpo humano, a Medicina gre-ga era mais uma Filosofia da Naturezaque uma Ciência da Natureza. É mui-to curioso o facto de Aristóteles (384-322 a.C.) ter considerado que o cor-po era comandado pelo coração (pro-vavelmente por muitas emoções serem«sentidas» neste órgão). Esta teoria estátambém profundamente enraizada nanossa cultura, o que fica bem expres-so em frases como «fulano tem bomou mau coração». É muito interessan-te a análise da origem etimológica daspalavras, pois a língua acumula muitosvestígios que reflectem a respectivacultura.Esta teoria aristotélica só foi contesta-da alguns séculos mais tarde por Gale-no (129-216 d.C.), que realizou a pri-meira experimentação animal, ao in-duzir paralisias por secções de diver-sos nervos, o que demonstrou o co-mando do corpo pelo sistema nervo-so. Por estas experiências Galeno de-veria ser considerado o pai da Medici-na experimental.Embora Galeno tenha induzido umgrande desenvolvimento da Medicina,os seus conceitos anatómicos e fisio-lógicos são contudo muito diferentesdos nossos: admitia que o sangue ori-ginado no fígado, era distribuído pelasveias a todo o organismo, em movi-mentos de fluxo e refluxo, e que partedo sangue passava através de porosexistentes no septo cardíaco do ven-trículo direito para o esquerdo, ondeera misturado com o «pneuma» pro-veniente dos pulmões4. Provavelmen-te, Galeno durante os seus estudos emAlexandria terá feito autópsia a algumdoente com comunicação inter-ventricular, e poderá ter assumido estapatologia rara como o normal. Galenopassou a maior parte da vida em Roma,e aí as suas investigações anatómicasficaram limitadas à exploração das fe-ridas de combate.Após a morte de Galeno, em vez docriticismo e experimentação por ele

preconizado, instalou-se a dogmatiza-ção das teorias do grande mestre e aconsequente estagnação da Medicinaque durou 14 séculos. Este sono dog-mático só foi quebrada com o Renas-cimento e sobretudo com o Iluminismo.

c) Renascimento, Iluminismo, emétodo científico.O gosto pelo natural que caracterizouo Renascimento impulsionou fortemen-te os estudos anatómicos, que foramrealizados não só por médicos comoAndreas Vesalius (1514-1564), mastambém por alguns artistas como Leo-nardo da Vinci (1452-1519). A análiseda forma e estrutura dos órgãos reve-lada pela Anatomia, permitiu compre-ender melhor a sua função. A janelamorfológica abriu o caminho para aFisiologia, como é bem ilustrado peladescoberta da circulação sanguínea.Os anatomistas não encontraram osporos que Galeno referiu no septointer-ventricular. Por outro lado, a des-coberta das válvulas venosas por Aqua-pendente, contrariava o conceito ga-lénico de fluxo e refluxo do sanguenas veias, o que foi crucial para funda-mentar a teoria da circulação de W.Harvey (1578-1657), que perante o Reirealizou uma pequena experiência noseu próprio braço, a qual fazia umademonstração do fluxo unidireccionaldo sangue: o esvaziamento das veiascom a compressão dum dedo leva sem-pre ao seu preenchimento centrípetoe nunca à repleção centrífuga. Apesardestas evidências, esta teoria continuoua despertar muita oposição, e não con-seguia explicar o principal argumentodos seus opositores: «como passava osangue à periferia do sistema arterialpara o venoso?» A teoria da circula-ção só foi consolidada com a inven-ção do microscópio (1674) por Leeu-wenhoek, e a descrição dos capilaressanguíneos por Marcello Malphigi(1628-1694) que forneceu o elo omis-so para ligar o sistema arterial com ovenoso5.A teoria de Harvey obteve tambémgrande apoio nas doutrinas filosóficasde grandes vultos do Iluminismo4, me-recendo talvez destaque especial o

experimentalismo de Francis Bacon(1561-1626), e o princípio da «dúvidametódica» de Descartes (1596-1659)que abriu o espírito a novas ideias. Aoquebrar velhos dogmas, o Iluminismoimpulsionou de novo o criticismo e oexperimentalismo (que os seguidoresde Galeno tinham esquecido) que con-duziram a Medicina aos grandes su-cessos dos séculos XIX e XX4.É espantoso o facto de a circulaçãosanguínea só ter sido descoberta empleno século XVII, mas é ainda maisextraordinário que no século seguin-te, Miguel Servedo (1715-53) tenha sidocondenado à morte pela inquisição es-panhola, por negar a porosidade dosepto cardíaco, e por afirmar a exis-tência da circulação pulmonar, o queilustra bem a força que podem ter osdogmas.A teoria da patologia humoral, paralimpar os humores excedentários cau-sadores de doença, propunha terapêu-ticas como sangrias, sanguessugas, oupurgas, que foram praticadas durantemais de dois milénios, e ainda no sé-culo XIX, durante uma epidemia de có-lera em Londres, há relatos da aplica-ção de sangrias no «Middlesex Hospi-tal», onde as mortes foram o triplo dasregistadas no «London HomoeopathicHospital»6. Provavelmente, as sangriasagravaram a desidratação induzida peladiarreia colérica, e estes maus resulta-dos das sangrias com a Medicina Ha-lopática, poderão ter contribuídopara o lançamento da Homeopatia,que ainda hoje tem muitos adeptos, em-bora a evidência científica da sua efi-cácia seja muito duvidosa e diluídacomo os seus «medicamentos».Os «medicamentos» homeopáticos sãofeitos com tantas diluições seriadas,que matematicamente no preparadofinal já não há uma molécula da subs-tância original, o que leva a maioriados cientistas a considerá-los placebosaquosos7. O placebo («mica panis») éuma substância inerte que tambémpode exercer efeitos terapêuticos, so-bretudo no alívio de sintomatologiasubjectiva como a dor. Sabe-se que aanalgesia induzida pelo placebo é re-vertida pela administração de antago-

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nistas dos receptores da morfina (comoa naloxona), o que sugere a participa-ção do sistema analgésico endógenodas endorfinas (morfinas endógenas)neste efeito do placebo8.Quando a avaliação dos produtos ho-meopáticos é feita em ensaios clínicoscom controlo de placebo e obedecen-do a requisitos metodológicos rigoro-sos, verifica-se que a sua eficácia é se-melhante à do placebo9-13.A História da Medicina está repleta deerros sobre a eficácia e segurança detratamentos outrora consagrados co-mo benéficos, e hoje considerados co-mo nocivos. Só o rigoroso método cien-tífico nos pode aproximar da verdade.

2. – Enviesamento na investiga-ção e sua mitigação pelo métodocientífico

Das qualidades básicas do espírito ci-entífico que são a curiosidade, a aten-ção, a imaginação criadora, a discipli-na interna, a ho-nestidade inte-lectual e o espí-rito crítico14, tal-vez a mais im-portante sejaesta última.A Ciência pro-cura compreen-der a Natureza,mas nessa bus-ca da verdadetem como prin-cipal obstáculoo enviesamen-to da observa-ção/avaliação. Jáno Século XVII,Francis Bacon,filósofo empiris-ta e pioneiro dametodologia ci-entífica, no seutratado «No-vum Organum»(1620) chamavaa atenção paranecessidade dedurante a inves-tigação científi-

ca ou filosófica de questões, rejeitar as«suposições preconcebidas (que eledesignava por «ídolos») e cuja existên-cia nem sempre consciencializamos(Microsoft Encarta ® 2006). Na inves-tigação é fundamental ter a consciên-cia de que a nossa observação e avali-ação dos fenómenos, pode estardistorcida não só por preconceitos, de-sejos, ou sugestão (bem ilustrada pelaeficácia do placebo), mas também porartefactos (gerados pelo método ou ins-trumentos), ou ainda por tomarmos aparte pelo todo, não equacionando fac-tos desconhecidos ou ignorados pelanossa excessiva especialização (a es-pecialização é apenas uma necessida-de pedagógica à qual a Natureza éalheia)15.A Ciência tenta mitigar este enviesa-mento recorrendo não só a instrumen-tos de medição rigorosos (que contu-do podem induzir artefactos), mas tam-bém ao espírito crítico que fundamen-ta o método científico, o qual pressu-

põe a dúvida metódica (cartesiana) so-bre as teorias estabelecidas, e exigehumildade para admitir o «erro»15. Estadúvida metódica é extremamente sau-dável e só ela permite abrir o espíritopara ver outras hipóteses quiçá maispróximas da verdade. Pasteur dizia que«as descobertas só podem surgir emespíritos preparados», isto é, em espí-ritos abertos inclusivamente ao con-traditório das nossas teorias.O pioneiro dos ensaios clínicos rigo-rosos foi Benjamin Franklin (1706-1790), que quando foi convidado pelorei de França para presidir a uma co-missão avaliadora das técnicas de Frie-derich Anton Mesmer, que usava bas-tões de ferro magnetizado para o tra-tamento de diversas doenças. Franklin,mandou colocar uma venda nos olhosdos doentes, para que não soubessemse estavam ou não a receber o trata-mento pela técnica de Mesmer, e de-monstrou que os resultados eram in-dependentes da exposição aos bastões

Fig.1 – Principais factores de erro que podem enviesar os resultados num ensaio clínico, e receitas da Farmacologia Clínicapara os evitar.

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de ferro magnetizado ou de madeira16.Ao avaliar e comparar a eficácia detratamentos nos ensaios clínicos, écrucial estarmos conscientes destespossíveis factores de enviesamento daobservação/avaliação, para que possa-mos mitigá-los por uma metodologiarigorosa (Fig. 1) que a FarmacologiaClínica concebeu no último quartel doSéculo XX: 1 – administrar as terapêu-ticas em moldes de ocultação paraevitar o efeito da sugestão no doente,ou de dupla ocultação para tambémevitar a do investigador, 2 – adminis-trar as terapêuticas a testar em gru-pos homogéneos obtidos pela distri-buição aleatória dos doentes (nãose pode concluir pela eficácia dum tra-tamento se os grupos comparados ti-verem diferenças na patologia, idadeou outros factores), e 3 – comparan-do resultados com controlos deplacebo quando possível.Os estudos retrospectivos de ob-servação de populações sujeitas adeterminadas condições ou tratamen-tos, são muito úteis para levantar pis-tas sobre a possível relação de fenó-menos associados, mas, fica com fre-quência a dúvida sobre o seu nexo ca-sual ou causal. Os estudos prospec-tivos, embora mais difíceis de fazer, sãomais fidedignos pois além de permitirdefinir os critérios de exclusão/inclu-são dos doentes, criam grupos de com-paração mais homogéneos (na idade,sexo, estilo de vida, patologia associa-da, etc.) pela sua distribuição alea-tória. O que se passou com a terapêu-tica estrogénica na menopausa ilustrabem toda esta problemática.A menor incidência de doença coroná-ria na mulher pré-menopausica era atéhá pouco tempo atribuída aos efeitosbenéficos dos estrogénios sobre aslipoproteínas/colesterol (redução dasLDL e aumento das HDL). Esta hipóte-se era confirmada por diversos estu-dos de observação que mostravamuma menor incidência de doença coro-nária após a menopausa, nas mulhe-res medicadas com estrogénios.No entanto, o «Women’s Health Initia-tive»17 que foi um estudo prospectivo,em que 16.000 mulheres menopau-

sicas foram aleatoriamente medicadascom placebo ou estrogénios, obteveresultados inversos: maior incidênciade efeitos adversos cardiovasculares(sobretudo AVC) com a terapêuticaestrogénica de substituição, o quemotivou a suspensão do estudo.O aparente benefício dos estrogéniosnos estudos retrospectivos de obser-vação pode ter resultado da heteroge-neidade dos grupos em estudo: as mu-lheres que estavam com terapêuticahormonal podiam ter melhor assistên-cia médica, melhor estilo de vida (dife-renças nos hábitos alimentares, exer-cício físico, ou tabagismo), ou ser maissaudáveis. As causas dos fenómenospodem ser múltiplas, e à nossa visão eanálise parcelar podem sempre esca-par alguns factores desconhecidos peloactual estado da arte ou por nossa ig-norância, sobretudo quando existeuma excessiva especialização18.Outra lição importante deste estudofoi a revelação da importância de terbem definido os resultados da evolu-ção clínica («outcomes») que vamosobservar (neste caso, a inclusão dosefeitos adversos cardiovasculares comoos AVCs). É fundamental definir os ob-jectivos da nossa atenção (definir paraonde vamos olhar). A chamada desco-berta fortuita é rara.Ao avaliar uma terapêutica devemostambém evitar a falácia do «depois dis-to, logo por causa disto» (post hoc ergopropter hoc) já que a associação podeser casual, ou porque a melhoria dodoente pode resultar doutros factorescausais que não estamos a observar,pode fazer parte da evolução naturalduma patologia com períodos de re-missão, ou pode ser apenas uma ilu-são fruto da existência de grupos tera-pêuticos heterogéneos, ou do efeito dasugestão quando não se constituiu umgrupo com controlo de placebo19. Noentanto, muitos doentes são fortementeinfluenciados por estas associações es-porádicas: «o meu amigo tomou estemedicamento e curou-se».A chamada Medicina Baseada naEvidência (MBE), pretende valorizarum tipo de prática clínica caracteriza-da pela «utilização conscienciosa, ex-

plícita e criteriosa da evidência clínicaactualizada», criando orientações tera-pêuticas fundamentadas na melhorprova científica, classificando os en-saios clínicos pelo seu grau de robustezcientífica20. Essencialmente a MBE ba-seia-se nos métodos da FarmacologiaClínica: os ensaios mais conclusivos sãoos prospectivos, com distribuição alea-tória dos doentes (aleatorizados) e ad-ministração dos tratamentos em du-pla ocultação (doble blind).A MBE tem tido o grande mérito dedisponibilizar «centrais de conheci-mento» especializadas no fornecimen-to rápido de informação científica deconfiança, e de valorizar os bons pre-ceitos da Farmacologia Clínica20. Noentanto, alguns autores têm salienta-do as fragilidades dos métodos utiliza-dos no fabrico de «evidências», comopor exemplo as meta-análises, queapelidam de «caldeiradas de dadoscientíficos»21,22.Estas críticas parecem-nos exageradas,pois que as meta-análises baseiam-sena compilação de ensaios clínicos re-lativamente homogéneos: incluindo es-tudos com metodologia semelhante, emgrupos de doentes homogéneos (napatologia, idade, tratamento, etc.). Asmeta-análises têm também a seguran-ça de observar grandes populações dedoentes (muito superiores ao exequívelnos ensaios clínicos). Porém, emboraeste tipo de estudos incluam na suaanálise populações aparentemente ho-mogéneas, pode haver variáveis nãocontroladas (alimentação, estilo de vi-da, etc.) que afectem os resultados, epor outro lado, um ensaio clínico é sem-pre uma visão da realidade observadaatravés duma janela criada pela meto-dologia, e critérios de avaliação e diag-nóstico que varia com o investigador.Em cada estudo a observação pode terenviesamentos que se multiplicam naanálise global dos ensaios englobadosna meta-análise.Em português o termo evidência temum conteúdo mais marcado de certe-za (é evidente, é óbvio). O termo jáconsagrado de «Medicina Baseada naEvidência» transmite uma excessivainfalibilidade, o que pode ser prejudi-

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cial não só para a investigação médica(limitando a capacidade de autocrítica),como também no foro jurídico, o ter-mo pode sugerir a pretensa transfor-mação da Medicina numa ciência exac-ta, o que pode afectar a justa avalia-ção dos actos de quem pratica umaciência de incertezas usando a arte daprobabilidade. Seria mais correcto otermo «Medicina da Prova», pois que«evidence» em inglês significa prova(termo usado especialmente nos tribu-nais anglo-saxónicos para designar asprovas de ambas as partes)15.Na determinação da verdade como ca-tegoria filosófica, à formulação de To-más de Aquino de que «a verdade é aadequação do intelecto à coisa», Bara-ta Moura (199823) acrescenta o para-digma da «certeza subjectiva» emque a classificação de «verdadeiro» de-pende do sentimento do julgador, jáque é ele quem decide «aceitar» essaverdade. Consideramos como verda-deiro aquilo que «sentimos» como ade-quado à realidade, e o gosto de «pos-suir a verdade» pode enviesar aindamais o nosso juízo sobre ela. Esta sub-jectividade na avaliação duma verda-de, vem acentuar ainda mais a fragili-dade do nosso conhecimento, e só oespírito crítico aumentando o limiar desensibilidade para a realidade, abre amente permitindo ver outros pontosde vista quiçá mais adequados e apro-ximando-nos da verdade. Pelo contrá-rio, a excessiva convicção da «posseda verdade» pode impedir-nos de re-conhecer os erros como aconteceucom os dogmas que atrasaram a des-coberta da circulação sanguínea15.Como refere Karl Popper (1902-1994)24 a ciência é incerta …. Todas asteorias são inseguras, chega-se às boasteorias pela experimentação e exclu-são das falsas teorias que não se ajus-tam aos novos dados. W. Osler diziaque a Medicina é a Ciência da incerte-za e a Arte da probabilidade. Não po-demos evitar os erros, o importante éaprender através deles.Todas estas reflexões devem conscien-

cializar-nos dos erros a que está sujei-ta a Ciência, mas também devem re-forçar o princípio de que só a experi-mentação guiada pelo método científi-co rigoroso e o diálogo crítico com asoutras ciências, permitiu aproximar-nosda verdade científica e alcançar asgrandes vitórias contra a doença quea Medicina do Século XX nos deu. Aintegração do conhecimento com ou-tras ciências é fundamental, já que acompartimentação do saber em especi-alidades (e até sub-especialidades) éapenas uma necessidade pedagógica àqual a Natureza é alheia, e que podeconduzir quando excessiva à ignorân-cia da unidade do doente, e à sua pere-grinação de especialista em especialista.

3. – Exigências do Método Cien-tífico e Ética

Na investigação gastam-se recursos ecausa-se incómodo aos voluntários. Sea pesquisa não obedecer às exigênci-as do método científico, provavelmen-te será inconclusiva e portanto fútil.Para uma investigação ser ética temde produzir informação fidedigna, masesta obriga a aplicar uma metodologiarigorosa, que no entanto, pode confli-tuar com os princípios da Ética (admi-nistração aleatória de tratamentos, usode placebo etc).É imprescindível encontrar um equilí-brio entre as exigências metodológicase os Direitos Humanos, sendo que ointeresse da pessoa (beneficência) devesempre sobrepor-se ao interesse daciência. O Médico não tem o direitode escolher os mártires da ciência (nãomaleficência), nem de trair a autono-mia ou a confiança que o doente neledepositou (consentimento esclarecidoe confidencialidade). Este equilíbrio en-tre o rigor científico em prole do bemda Humanidade, e o respeito pelo serhumano que de nós espera benefícioe que em nós confiou, é uma área deconflitualidade em que a arte e sensi-bilidade médica devem prevalecer, eonde as Comissões de Ética podem

desempenhar uma arbitragem funda-mental15.Um instrumento científico de extremautilidade é o placebo (mica panis),já que avalia o benefício absoluto dosfármacos com ele comparados. A utili-zação do placebo é eticamente inad-missível em patologias graves que nãopermitem ausência de terapêutica, co-mo no caso de infecções ou tumores.Em muitas situações, o uso do placeboparece incorrecto por privar os doen-tes do benefício do tratamento. No en-tanto, o Cardiac Arrhythmia Supres-sion Trial (CAST)25 demonstrou quenem sempre é assim.Após o enfarte agudo do miocárdio(EAM), cerca de metade dos doentes évitimado (nas primeiras horas) por mor-te súbita devida a arritmias, pelo quese considerava como evidente que a«limpeza farmacológica das arritmiasreduziria a incidência das mortes apósEAM». No entanto há muito que eramconhecidos efeitos adversos parado-xais (arritmias graves) dos fármacosantiarrítmicos. Com base no conheci-mento destes efeitos, os Autores doCAST foram testar a hipótese «será queos antiarrítmicos reduzem a morte súbi-ta após EAM?». Medicaram aleatoria-mente 1.727 doentes com EAM recen-te, com antiarrítmicos (moricizina,flecainida/encainida), ou placebo. Ascaracterísticas basais (idade, antiguida-de do EAM, função cardíaca, fármacosassociados) dos grupos eram seme-lhantes. A avaliação dos doentes eraefectuada cada 4 meses. Aos 10 meseso estudo foi suspenso pela comissãode segurança, porque com algunsantiarrítmicos (flecainida/encainida)havia mais óbitos (7,67%) do que como placebo (3,03%). É fundamental terpresente que nos estudos com duplaocultação, deve haver sempre umacomissão de segurança compostapor médicos conhecedores da chavedas medicações ensaiadas, para actu-ar rapidamente no caso de haver sus-peita de toxicidade elevada com umdos fármacos.Este estudo não só demonstrou que autilização de alguns antiarrítmicos (en-cainida/flecainida) nas arritmias (EV)2. O que não se aplica a todos os antiarrítmicos, e às arritmias mais graves ou sintomáticas.

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assintomáticas foi nefasta2, mas tam-bém revelou que o placebo pode sermais benéfico que alguns fármacos su-postamente eficazes. Porém, talvez alição mais importante do CAST seja abrilhante ilustração da fragilidade daverdade científica (mesmo quando ateoria estabelecida parece «evidente»).Quando as exigências metodológicas doensaio clínico exigem a administraçãoaleatória dos tratamentos ou de placebo,há que salvaguardar o fundamental res-peito pela autonomia do doente, coma obtenção do seu consentimentoesclarecido para a realização do en-saio clínico. Alguns investigadores pre-ferem inclusivamente o termo de «esco-lha informada». Este documento deveconter uma informação clara, leal, e semtermos técnicos esotéricos.Quanto aos pormenores diagnósticosou prognósticos, a literatura anglo-

saxónica preconiza em geral que sedeve dizer «toda a verdade». É indis-cutível que o doente tem o direito desaber tudo sobre a sua situação, e casose manifeste nesse sentido deve-lhe sertransmitida toda a verdade, mas nãopode também ser negado o seu direi-to a ignorar o diagnóstico ou prog-nóstico. Com Ribeiro da Silva (199426)e W Osswald (199627) consideramosque se deve transmitir «aquela verda-de que o doente pode suportar». Adúvida sobre o diagnóstico pode re-presentar um amparo para alguns do-entes. Há inclusivamente algumas cul-turas (Índios Navajo) para as quais ofalar dos perigos propícia o seu apare-cimento28. É fundamental a sensibilida-de e inteligência para saber avaliar apersonalidade do doente e a culturaem que está inserido, e encontrar amelhor forma de lhe transmitir a ver-

dade, é também neste aspecto que re-side a arte médica.Outro aspecto fundamental é o deverde assegurar a confidencialidadedos dados obtidos. Os investigadoresdevem guardar a documentação clíni-ca de forma segura, não só para evitara violação da confidencialidade, mastambém para satisfazer eventuais pe-didos de auditoria científica que pos-sam vir a ser solicitados, dado que infe-lizmente tem havido casos de fraude29.

4. – Fases de estudo dos medica-mentos e sua regulamentação

O caso da Talidomida, que foi lançadano mercado anunciando a sua utilida-de em grávidas, sem que se tenhamfeito experiências em animais prenhes,originou após os primeiros casos defocomélia, um processo judicial que foi

Fig. 2 – Fases da investigação de novos medicamentos

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determinante da rigorosa regulamenta-ção que passou desde então a ser exigidaaos novos produtos farmacêuticos paraa sua introdução no mercado.Paradoxalmente a comercialização deprodutos dietéticos, de medicamentosà base de plantas ou homeopáticos, temuma regulação excessivamente permis-siva30, cuja justificação assenta normal-mente no seu uso tradicional ou nacrença da sua inocuidade. Porém, o usotradicional não justifica o laxismo re-gulador deste mercado. Também as san-grias, sanguessugas e purgas foram apli-cadas durante milénios e o seu uso jánão é admissível. Atenção especial me-rece também a regulamentação domarketing destes produtos naturais, fre-quentemente apresentados comomiraculosos (com excessivas virtudese ocultação da sua toxicidade).Esta situação pode representar umperigo para a Saúde Pública já que, nãosó podemos privar o doente de tera-pêuticas mais eficazes, como tambémporque muitas plantas podem ser tó-xicas ou estar contaminadas com pesti-cidas, metais pesados e outros com-postos perigosos31-33.O uso das plantas como medicamentosperde-se no tempo. O primeiro tratadode plantas medicinais «De Materia Me-dica» escrito por volta do ano 77 DC,pelo médico grego Dioscorides, já des-crevia diversas plantas como venenosas.É urgente rever a regulamentação dosmedicamentos naturais. Na Naturezatambém há venenos: rícino, Cicuta ma-culata, estricnina (da strychnos nuxvo-mica), aconitina (substância arritmi-zante usada pelos archeiros chineses),alguns cogumelos como a amanitasphalloids ou muscaria, ou a cravagemdo centeio causadora de epidemias degangrena (fogo de S. Antão) ou de alu-cinações que assolaram a Europa naIdade Média, e que ficaram bem ilus-tradas nos quadros de J. Bosh.A investigação dos novos medi-camentos é um processo muito dis-pendioso e demorado, no qual se po-dem distinguir diversas fases (v. Fig.2).Na fase pré-clínica a experimenta-ção animal vai definir o perfil farma-cológico (farmacocinética, mecanismo

de acção, e efeitos sobre os diversosórgãos e sistemas) e toxicológico (in-cluindo a toxicidade sobre animais grá-vidos e o eventual efeito cancerígeno).Na fase clínica-1, é confirmado nohomem o perfil farmacológico do medi-camento, com estudos de rótulo aber-to que incidem num reduzido nº devoluntários, e existe uma vigilância in-tensiva em relação a eventuais efeitosadversos. Na fase-2 alarga-se o nº dedoentes abrangidos e a medicação éjá comparada com outros fármacosequivalentes em ocultação simples (oinvestigador sabe a medicação aplica-da nos doentes). Só na fase-3, quandojá se conhece melhor o perfil de segu-rança, é que a comparação com ou-tros fármacos é feita em moldes de du-pla ocultação, mas sempre supervisio-nada por uma comissão de segurança.Após longos anos de estudo do fár-maco (em laboratório e em ensaios clí-nicos), se a relação benefício/risco forfavorável, a agência reguladora conce-de a autorização para a introdução nomercado (AIM), e o medicamento jáno mercado entra na fase-4 ou de far-macovigilância.A detecção dos efeitos adversos rarossó é possível quando o medicamento éreceitado em larga escala, desde queexista a participação das reacções ad-versas pelos clínicos, e a coordenaçãodessa informação pelos centros de far-macovigilância. É uma fase fundamentalpara a Saúde Pública, a que lamentavel-mente escapam habitualmente os pro-dutos naturais, até porque são de vendalivre, e os médicos raramente são infor-mados pelos doentes que os tomam.O princípio defendido obsessivamen-te pela ANF, de que ao farmacêuticodeveria ser facultado o direito de alte-rar a receita do médico, substituindoos medicamentos de marca por gené-ricos «similares», parece-nos inaceitá-vel por vários motivos.Ao alterar a receita médica, o farma-cêutico pode anular a detecção de efei-tos adversos causados por excipientesou impurezas doutro medicamento de-feituoso. Desconhecendo a alteraçãofeita pelo farmacêutico, o médico poderelatar um efeito adverso como asso-

ciado ao medicamento A, quando odoente recebeu do farmacêutico o me-dicamento B, o que obviamente com-promete a Farmacovigilância e consti-tui eventual atentado à Saúde Pública.Convém recordar que apesar do rigo-roso controlo de qualidade que a FDAexerce sobre os medicamentos no mer-cado dos USA, de forma transparentea própria FDA relata periodicamentecasos de falhas de qualidade nos me-dicamentos, os quais foram detectadosnão só pela análise laboratorial (http://www.fda.gov/medwatch/safety/2008/safety08.htm#Ethex), mas também pe-los efeitos adversos observados nosdoentes34.Por outro lado, sendo o farmacêuticoparte interessada na venda de medica-mentos, não deve ter direito decisóriosobre a sua escolha. As velhas Orde-nações Afonsinas já sabiamente sepa-ravam as águas: assim como interdita-vam aos médicos a venda dos medica-mentos, igualmente proibiam aos boti-cários o acto de receitar os produtosque tinham para vender. É com mágoaque temos ouvido altos responsáveisda ANF, defenderem de forma obsessi-va o princípio da alteração do recei-tuário médico pelo farmacêutico35.Acresce que a modificação da receitamédica, suscita no doente uma pergun-ta: «qual a razão por que o farmacêuti-co alterou a receita? era o medicamen-to que o médico receitou o mais caro?ou seria pior?» Ao gerar no espíritodo doente estas dúvidas, a alteraçãoda receita médica vai inevitavelmenteminar a relação de confiança médico/doente, comprometendo a adesão des-te à terapêutica. É de louvar a recentecondenação desta postura eticamenteerrada pela actual Bastonária dos far-macêuticos.Os genéricos são medicamentos como mesmo fármaco ou princípio activodo medicamento de marca cuja patentejá caducou, mas com eventual variabi-lidade dos excipientes (estabilizantese solubilizantes) ou do processo defabrico (que pode condicionar a pure-za do princípio activo).A introdução dos genéricos foi muitobenéfica na redução de gastos quer pe-

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los doentes quer pelo Estado, mas seadmitirmos que a escolha entre gené-ricos é apenas uma questão económi-ca, neste caso não é o vendedor massim o próprio doente comprador, a úni-ca pessoa competente para escolherquanto quer pagar, devendo informaro seu médico da alteração do medica-mento, ou escolher com ele a opçãomais económica35. Neste sentido de-veria ser facultado na Internet (em linkdo INFARMED ou do MS) uma listados genéricos com preços e farmáciasonde podem ser encontrados (para quenão haja trocas por falhas de stock) coma qual o médico mostraria ao seu do-ente as hipóteses de escolha, ficando omédico a saber exactamente o medica-mento que o seu doente iria tomar.

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M. M. Camilo SequeiraChefe de Serviço de Medicina Interna

A situação dramática de desigualdadesocial que é imagem do mundo ondevivemos é, pelo menos marginalmente,um dos aspectos mais visíveis da «cri-se» económica que tem sido notícianos últimos meses.E deveria ser um dos mais poderososfactores de pressão para se procura-rem modelos de partilha e desenvolvi-mento que permitissem a sua continu-ada melhoria.E digo melhoria das desigualdades por-que entendo que acreditar no seu fimnão tem sentido.De facto a desigualdade sempre foi pa-drão do mundo dos Homens.E hoje, apesar de uma boa parte denós viver muito melhor do que há anosatrás, a verdade é que continuamos,até em nome do progresso, a criar no-vas desigualdades seguramente tão dra-máticas como as antigas.É neste contexto social que o cidadãocomum vai tentando compreender o sen-tido das soluções que as diversas entida-des políticas, nacionais e internacionais,vão sugerindo como resolução desta tãopreocupante «crise» económica.E afirmam-se muitas «coisas».Todas elas, decerto, com pretensão deserem cientificamente correctas, e in-questionáveis, apesar de frequente-mente contraditórias.Uma dessas pretendidas soluções sur-giu agora com o simbólico majestáticode ter a sua origem numa organizaçãointernacional que devemos ver comoimparcial e mesmo como uma referên-cia no mundo da política económica.E o que se propõe é a redução dos ven-cimentos dos funcionários públicos por-tugueses, a redução dos benefícios so-ciais conquistados por todos nós, a di-minuição das pensões e, se estas fór-mulas não forem suficientes, aumentaro imposto sobre o valor acrescentado.Cabe-nos acreditar que se trata de umaproposta ponderada, isenta de precon-ceitos em relação a quem trabalha, eorientada exclusivamente para a cria-

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A Dona Crise e a Saúdeção de bem estar para tantos mais ci-dadãos quanto possível.Para que a paz social persista deve-mos, de facto, acreditar nisso.… Mas será que a proposta mereceesta crença?

A injustiçaAs medidas políticas de recuperaçãodos factores de crescimento económi-co devem ter como objectivo promo-ver condições sociais de estabilidade,de confiança nos seus promotores, deinequívoco tratamento similar de to-dos os que têm de participar nesse es-forço habitualmente difícil.E por isso é com surpresa que somosconfrontados com propostas que, sejaqual for a sua origem, implicam sem-pre a redução da capacidade financei-ra de alguns grupos profissionais selec-cionados que são, bizarramente e sem-pre, os elementos mais fracos da estru-tura laboral que produz riqueza.Não há qualquer referência aos cus-tos colectivos dos benefícios e mordo-mias dos agentes responsáveis pelas es-truturas políticas e económicas que, emboa verdade, criaram ou ajudaram acriar a actual situação de crise.Não há sequer qualquer referência àcircunstância de existirem grupos deprivilegiados que recebem mensalmen-te, acumulados por diferentes itens, cemou mais ordenados mínimos.Referenciando-se, antes e sistematica-mente, a necessidade de penalizar quemrecebe de vencimento mensal, semquaisquer outros rendimentos, um oudois ou três ordenados mínimos.Será que isto é ciência económica?Mas também não parece ser motivode preocupação para o gestor da coi-sa pública que alguns (e será que sãosó alguns?) destes «esquecidos» privi-legiados não só têm vencimentos ab-surdamente elevados, quando compa-rados com os que devem pagar a cri-se, como ainda se lhes «reconhece» odireito de isenção do pagamento deimpostos quando, anos a fio, se dis-traem e não fazem a declaração de ren-dimentos anual como, ocasionalmen-

te, se vai sabendo deste e daquele.Declaração esta a que todos estamosobrigados.(Ou será que esta é uma ideia errada?)A prova de que esta dúvida tem senti-do é o facto de a Direcção-Geral dasContribuições e Impostos nunca (comoparece) ter a preocupação de actuarem relação a estes prevaricadores co-mo faz (sem qualquer hesitação) emrelação aos «pobres», aos «menos ri-cos» ou aos «sem influências»: quemnão entrega a declaração de rendimen-tos ou não paga o imposto devido écastigado sem perda de tempo.Com, pelo menos, multa e ou penhora.E este absurdo é agravado por perce-bermos que esta complacência, que éuma forma de cumplicidade, se arras-ta durante vários anos.

A justiçaÉ minha convicção que os «não esque-cidos», os que pagam sempre os im-postos por suas iniciativa e civilidade,seriam mais tolerantes para as soluçõesdisparatadas que se propõem para re-solver a crise se as propostas conside-rassem como prioritário a resoluçãoimediata dos vícios da má distribuiçãoda riqueza e a regularização, tambémimediata, dos pagamentos ao Estadopelos que se «esqueceram» de o fazer.E se ainda se tornar necessário então,sim, aceitariam as medidas penaliza-doras dos que sobrevivem no dia a diacom pequenos ordenados.Claro que se isto não é científico é,seguramente, justo…E é justo também porque os agentesda ciência económica ensinam que énecessário estimular o mercado parase conseguirem o progresso e o de-senvolvimento.Embora também ensinem que é neces-sário reduzir o poder de compra doscidadãos para evitar que a inflaçãocresça o que perturba o crescimento.Mas, então, em que é que ficamos?O cientificamente justo é a reduçãodos vencimentos para que os cidadãoscomprem menos, ou deixem mesmode comprar produtos que não sejam

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de absoluta necessidade e assim «re-

solver» a crise ou é antes o aumentodesses vencimentos para que possamcomprar o supérfluo e assim dinami-zar o comércio e «resolver» a crise?Deixemos esta preocupação para oscientistas (mas sem lhes oferecermos oexclusivo de reflectir sobre elas) e pen-semos nas potenciais consequências daspropostas antes referidas que agora al-guns quererão ver como consensuais.Porque é aqui que surge a Saúde e osentido deste texto numa revista médica.

A Saúde, pois claroA redução da capacidade financeira dequalquer grupo profissional implicauma série dolorosíssima de alteraçõesno padrão de vida tido como «natu-ral» pelo cidadão que trabalha e sejulga com estabilidade.E que assume, neste pressuposto deestabilidade, despesas que a sociedade,em nome dos crescimento e progresso,lhe propõe e mostra como adequadasà sua circunstância económica famili-ar: a habitação, a educação, um deter-minado tipo de lazer, a sociabilidadecom pares do mesmo estatuto, o con-ceito do ser-se feliz desta nossa época.Que são tidas, insisto, como direitoadquirido imutável.Mas que, infelizmente, mudam quandoa tal estabilidade deixa de existir.Como resultado, por exemplo, das me-didas antes referidas que são propos-tas para resolver a crise.As quais implicam «consequências».E quem vai ter de lidar com elas sãoos Médicos.Porque a expressão mais aceitável deencarar uma dificuldade inesperada éa somatização.Com o recurso insistente à consultamédica na expectativa (inconsciente?)de receber uma prescrição que lherestitua o estatuto perdido e a vida quese desfez ou está em via disso.E cabe ao Médico ouvir o que lhe é pro-posto como sofrimento, procurar valo-rizar essas queixas num quadro clínicoque considere os sintomas num deter-minado sistema biológico e depois, mui-tíssimas vezes, tentar desdramatizar comboas palavras o que, de facto, carece deoutro tipo de intervenção clínica.

E embora consciente de que a etiologiada «doença» social que vai tentar tra-tar não está no âmbito da acção dosfármacos que prescreve a convicçãode que tornar o doente menos reactivoé uma forma de lhe dar algum confor-to orienta a sua prescrição.Para ansiolíticos e antidepressivos.Fármacos que são mais um peso nasfinanças de quem sofre por ter poucodinheiro para responsabilidades pre-viamente assumidas e que serão ou nãocomprados pois o que se espera doMédico é a restituição do estatuto per-dido e não um remédio que não é óbvioque permita alcançar este objectivo.E assim o Médico cria outros factoresde tensão.Por um lado o doente fica pouco satis-feito porque o seu interesse era a reso-lução de um problema que está forada competência do Médico. E mesmoque obtenha uma redução da expres-são da angústia isso não chega paralhe dar bem estar.Por outro será censurado pelos ana-listas sociais porque haverá um acrés-cimo do consumo de psicofármacos oque se considerará se não uma provade má prática pelo menos um «estra-nho, dirão» excessivo recurso a essetipo de medicamentos.Sem qualquer interesse na apreciaçãoda circunstância que o justifique.

O negócioEsta época em que vivemos embora cheiade contradições tem a grande qualida-de de ser o período em que parece sermais fácil dizermos o que pensamos semreceio de que «o Céu nos caia em cima».Sendo esta a razão porque alguns têmdesignado este tempo como o da soci-edade da informação.Julgo que se trata de um perfeito dis-parate.De facto o que me parece adequado édizer-se que vivemos na sociedade danotícia o que nada tem que ver cominformação.É claro que, eventualmente, podeacontecer que um dado de informa-ção seja a razão para se produziremvárias notícias.Mas será uma questão colateral.Que nada, ou quase nada, terá que ver

com a sua divulgação, a sua aprecia-ção crítica colectiva ou a sua integra-ção na vida de cada um, ou de todos.Até porque a própria notícia, apesarda sua relevância actual, também não éo elemento definidor da nossa época.O qual é, de facto e efectivamente, onegócio.A nossa sociedade, pelo menos nomundo que descrevemos como desen-volvido, é a sociedade do negócio.Sendo esta entidade que, quer para o bemquer para o mal, é o motor que mobilizao conjunto de padrões de vida queconstruímos e de que usufruímos hoje.E a notícia é relevante apenas por tam-bém ser um negócio.Negócio este que, infelizmente, pertur-ba o ganho de conhecimento por tercolocado a informação longe do seupropósito.Impedindo-a de chegar a tantos maiscidadãos do mundo quanto possível.E não pode deixar de ser referido queesta restrição no acesso à informaçãoresulta muito de culpa destes mesmoscidadãos que nós somos.Porque nos transformámos em consu-midores passivos da notícia o que nosfez perder capacidade crítica para adiscutirmos e, em consciência, aceitá-la ou recusá-la…

ConclusãoA saúde é uma questão social muitoséria.E as questões económicas e políticasnão o são menos.A interacção entre uma e outras é umfenómeno do nosso tempo com que te-mos de lidar e sobre o qual temos dereflectir procurando compreender nexose criticar o que possa ser susceptívelde acarretar prejuízos ou sofrimento.Com o propósito de suscitar outrasreflexões e, desejavelmente, participarna mudança para melhor do que sevai fazendo.Nem sempre bem.Este pequeno documento exprimeuma leitura simplista e até caricaturalda complexidade das questões econó-mico-financeiras.Mas admito que haverá muito cidadãoque a aceitaria como sua.O que justifica a sua divulgação.

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Ilustre Colega, Senhor Dr. PedroNunes

Sei que as importantes funções queV. Ex.ª desempenha não podem dei-xar-lhe muito tempo para aturar ca-turrices de velhos colegas. Contudo,atrevo-me a escrever-lhe porque achoimportante dizer-lhe algo da minha ex-periência de iatrogenia hospitalar, mor-mente depois de ouvir o colega afir-mar, numa entrevista à televisão, queconsiderava exagerada a estimativa«oficial» de 10% dos doentes interna-dos nos hospitais portugueses seremvítimas de «erros clínicos». Eu pensoo contrário, isto é que talvez essa pre-valência seja realista.Há à partida um grande problema deavaliação dos efeitos indesejáveis nashospitalizações: definir aquilo de quese trata. O que é «erro clínico»? Seráque o conceito abrange somente ac-tos de diagnóstico e terapêutica prati-cados por médicos? Ficarão, assim, defora as ocorrências de má prática deenfermagem e de negligência ou incor-recção técnica de outros profissionaisque contribuam para o tratamento dosinternados, várias classes de técnicose de auxiliares? E os erros de processa-mento de medicamentos e de materi-al? E os defeitos ou má manutençãode equipamentos e aparelhagem? Etantas outras coisas, desde a gestão dohospital à qualidade dos alimentos eda água?Eu julgo que é mais correcto estudaras ocorrências adversas dos interna-mentos de todas as naturezas e da res-ponsabilidade de todos os intervenien-tes no manejo dos doentes.Finda uma carreira de quase quatro dé-cadas como médico de hospital central,seria muito estranho que eu não metivesse debruçado sobre a dolorosa eperturbante realidade que é a iatrogeniahospitalar. De facto fi-lo, realizei algu-ma investigação clínica do assunto, pu-bliquei artigos, tenho números e tenhoideias. Apesar de consciente do carác-

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ter discutível desse meu trabalho, nãoresisto a mencionar o essencial:Através dum estudo prospectivo queconcebi e dirigi, entre 1998 e 2001,numa enfermaria de Medicina Internado Hospital de St.ª Maria1 e em que seconsideraram fenómenos iatrogénicosde causa medicamentosa, infecciosa epor forças fisica (quedas, acidentes depunção, v.g.) concluiu-se que estiverampresentes iatrogenias em 17% dos inter-namentos desses quatro anos, isto é,em 112 do total de 632 internamentos.A causalidade medicamentosa domi-nava, com 92 das 112 ocorrências e,dentro dela, a hipoprotrombinemiacumarínica e a hipocaliemia diuréticaeram os fenómenos adversos mais pre-va1entes.Há que fazer a ressalva de só 31 dosinternamentos com iatrogenia (25,6%)corresponderem a efeitos ocorridos nohospital. Nos outros 90 doentes, osquadros em causa já eram patentes nomomento da admissão e tinham resul-tado de tratamentos em ambulatório.Assim, a considerar-se como iatrogeniahospitalar a que só se iniciou duranteo internamento, ela estaria limitada a4,9% dos internamentos estudados (to-tal = 632).Em suma, 17,7% de internamentoscom fenómenos iatrogénicos mas ape-nas 4,9% com início intra-hospitalar.Isto mostra como os números podemser lidos de formas variadas e assu-mem significado passível de discus-são. Não surpreende, pois, a já refe-rida estimativa de «erro médico» em10% dos internamentos, relativamen-te concordante com os valores queachámos.Revendo a literatura encontrámos umaprevalência de iatrogenia da ordem danossa num estudo promovido pelasautoridades sanitárias australianas2:16,6% dos internamentos. Em outrostrabalhos de diferentes origens forampublicados resultados mais lisonjeirospara os hospitais, sendo a mínimaprevalência de patogenia a encontra-da no conhecido «II Estudo da Prática

Médica de Harvard»3 – 3,7%. Esta gran-de diferença não resulta só de diferen-te qualidade de cuidados hospitalaresmas também de diversa metodologia:o estudo da Austrália entrou em con-ta com tudo o que de adverso aconte-ceu aos internados e o de Harvard con-tabilizou apenas consequência nocivasde actos médicos em sentido estrito.Dá para ver como é dificil estabelecercomparações e juízos qualitativos.É óbvio que a análise de pequenasamostras tem valor muito limitado masé melhor do que não investigar nadae, apesar de tudo, sempre estudámos632 internamentos, número que já po-derá ter alguma relevância para a for-mulação de um parecer.A pequena difusão e escasso conheci-mento deste nosso trabalho deveu-se,evidentemente, às suas intrínsecas li-mitações mas não pode deixar de seter em consideração a muito pequenatiragem e âmbito local da revista emque foi publicado. Junto fotocópia doartigo, à falta de separata.Senhor Dr. Pedro Nunes, peço-lhe queentenda esta carta como uma conver-sa dum colega que não tem oportuni-dade de a fazer pessoalmente mas quisdar-lhe a conhecer uma modesta aná-lise de casuística de enfermaria quepoderá fornecer algum motivo de re-flexão. A iatrogenia hospitalar é umaespinha cravada na garganta da Medi-cina, não agrada pensar que acontecee falta coragem para tentar removê-lasem se dispor de pinça e espelho ade-quados. . .Será que 10% dos internamentos comocorrências iatrogénicas são um exa-gero?Como mostrei, depende do que seconsiderar como iatrogénico. Hágrandes diferenças de significado clí-nico entre um erro na prescrição dumfármaco e uma queda provocada pordeslizamento num sobrado sujo. Con-tudo, ambos esses acontecimentos po-dem ser entendidos como iatrogeniahospitalar, ambos lesam doentes du-rante a sua permanência no hospital.

O que é «erro clínico»?

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Muitos assim entendem, como verifi-quei em estudo comparativo a queprocedi para escrever um ensaio quepubliquei em tempos4. Toma-se im-prescindível saber muito bem qual oconceito que inspirou uma qualqueranálise do número de casos dumfenómeno.Consequentemente não me sinto ca-paz de afirmar que 10% de internamen-tos com iatrogenia são uma incidênciaalta ou baixa de efeitos indesejáveis.Os melhores cumprimentos de muitaestima e admiração pessoal do seudedicado colega que agradece a suapaciência para esta carta.

António de Oliveira SoaresChefe de Serviço, aposentado, do

Hospital de St.ª Maria

Referências:1. Oliveira S, Gomes MJ e Oliveira-So-ares A. Iatrogenia, Casuística de Enfer-maria (Estudo Prospectivo). Revista doInterno 2002/3/4; 13-14-15:7-11.2. Wilson RM, Runciman WB, GilbertRW; Harrison BT: Newby I e HamiltonJD. The Quality in Australia HealthcareStudy. Med J Austr. 1993; 163:458-471.3. Leape LI, Brennan TA, Laird NM, etal. The Nature of Adverse Events inHospitalized Patients. Results of theHarvard Medical Practice Study II.NEJM 1991;324:377-384.4. Oliveira-Soares A. Iatrogenia, Velhose Novos Aspectos da Face Velada da

Medicina. Medicina Interna 2 (2): 122-138, 1995.

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Direito do MedicamentoA sessão de lançamento da obra Direito do Medicamento, da qual são co-autores Paulo Pinheiro e Miguel Gorjão-Henriques, decorreu no dia 26 de Maio. A apresentação da obra, editada pela Coimbra Editora, em articulação com oCentro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ficou a cargo do Dr. Gomes Esteves,Vice-Presidente da CIP e Presidente AG Apifarma.Com mais de 1.000 páginas, o livro contém um comentário artigo aartigo do Estatuto do Medicamento, no qual estão tratadas matérias como a autorização de introdução no mercado, ofabrico, a importação, a distribuição, a promoção, a publicidade ou a farmacovigilância.O Direito do Medicamento é umcampo vasto e não existia, até à data, em Portugal nenhuma obra jurídica dedicada a este ramo do Direito.

Doação de medicamentos a Cabo VerdeDecorreu no dia 15 de Dezembro, na sede de Saúde em Português, um Acto Público de Doação de Medicamentos paraCabo Verde. Na sequência da situação de emergência vivida nas Ilhas do Sotavento em Cabo Verde - nomeadamente S.Nicolau, desde o passado mês de Setembro, devida às intensas chuvas que repetidamente se abateram sobre aquela região,houve surgimento e agravamento de doenças múltiplas em numerosa população. A instituição de utilidade pública ‘Saúdeem Português’ recebeu uma solicitação de apoio em medicamentos e equipamento médico através de Annette Cravo,médica de Cabo Verde, que foi Directora Clínica da Maternidade Dr. Daniel de Matos, dos Hospitais da Universidade deCoimbra. A recolha de medicamentos só foi possível com o apoio da GERMED Farmacêutica Lda.

N O T I C I A S

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Na sequência da profunda reforma daUniversidade de Coimbra, ordenadapelo Marquês de Pombal em 1772, ainstituição passou a ter maiores res-ponsabilidades no ensino das diversasáreas científicas e humanísticas, mas fo-ram-lhe também atribuídas maiores res-ponsabilidades na vida política, sociale económica do país. Com frequênciaos responsáveis pelo governo solicita-vam à Universidade opinião sobre osmais diversos assuntos, certamentepartindo do princípio que os profes-sores tinham conhecimentos mais fun-damentados.No âmbito da medicina, eram relativa-mente frequentes os pedidos de opi-nião sobre assuntos vários, nomeada-mente sobre a eficácia de remédiosindicados na terapêutica de várias do-enças e legalmente sancionados.O Prof. Bernardo António Serra deMirabeau1 descreveu no seu livro «Me-mória histórica e commemorativa daFaculdade de Medicina»2, um exemplode entre as várias «requisições dirigidasà Faculdade» e que «excitou a curiosi-

HISTÓRIA DA DERMATOLOGIA

Um pedido do Marquês de Pombal (1774) sobre a eficácia de um remédio

para o «mal de São Lazaro».

A. Poiares Baptistaa, A. Rasteirob e M. Mendesc

dade por se interessar nella o gover-no» em carta enviada e assinada peloMarquês de Pombal. Os documentosfazem parte do Arquivo da Universi-dade.Porque consideramos terem os docu-mentos interesse não apenas para ahistória da Faculdade de Medicina daUniversidade de Coimbra, mas tambémpara a história da dermatologia, nomea-damente, pelas curiosas consideraçõesmédicas expressas na referida carta,resolvemos reproduzi-la.A Faculdade foi solicitada, em 23 deAbril de 1774, por carta do Marquêsde Pombal, a dar opinião sobre umremédio para o «Mal de São Lazaro»3

apresentado por um francês, JoãoFrancisco Ravin4 vindo do Rio de Ja-neiro, que afirmava obter bons resul-tados, baseado nos seus estudos e ex-periências. Certo da sua eficácia pro-curou obter junto ao Marquez dePombal a aprovação e o reconheci-mento público. Como escreve o Prof.Mirabeau, o próprio Marquês de Pom-bal, numa longa e curiosa carta (fig.1)

«resolveu mandar inquerir o francezpor peritos idóneos, a fim de averi-guar se algum proveito podia obter-se da sciencia que inculcava. Para tãoespecial averiguação scientifica nãohavia então no reino junta ou cor-poração competente e legalmenteconstituída além da Faculdade deMedicina. Encarregou-a o Marquez deexaminar attentamente o caso; e paraque tudo se conseguisse sem detri-mento do serviço académico, mandouo francez para Coimbra precedido daseguinte carta dirigida ao reitor», oEx.mo e Rer.mo Sr. Bispo eleito coadjutor efuturo sucessor de Coimbra, reformadorreitor da Universidade5

Ex.mo e R.mo S.or.A essa Universidade vai dirigido João Fran-cisco Ravin para que na Congregação daFaculdade de Medicina se examine comcircumspecção, e sem espírito de parciali-dade, a tentativa por elle feita sobre aorigem, progressos e curativo próprio daenfermidade chamada mal de São Lazaro.Este mal, conhecido há muitos séculos em

Fig. 1a – Carta do Marquês de Pombal, datada de 23 de Abril de 1774. Livro segundo dos Alvarás, Cartas Régias, Provisões, Ordens eAvisos da Secretaria de Estado pertencentes ao governo da Universidade. Arquivo da Universidade de Coimbra.

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Portugal, e fora d’elle, sem de todo seatinar com a sua verdadeira cura, aindaque hoje não seja tão frequente pela ra-zão que logo referirei, no Rio de Janeiro écommunissimo. E pedindo a saúde dospovos d’esta colónia portugueza que seacuda à sua conservação, é bem necessá-rio que se lhe dê um socorro próprio àssuas urgências, examinando-se as causasd’aquella enfermidade, pela informação eexperiencia de um homem, que parecehábil, como o referido João Francisco Ravin,que assistiu muitos annos, na sobreditacolónia, examinando e curando o mesmomal. O fim d’esta diligência é chegar-se poreffeito de exames, e conferencias da con-gregação da Faculdade a assentar-se nopróprio e especifico curativo da dicta en-fermidade, tendo-se conhecido e assenta-do qual seja a causa originaria, e primitivad’ella; para que o mesmo Ravin volte aoRio de Janeiro a fazer as methodicas cu-ras, em que se assentar, e fique depoistendo uma correspondencia aberta coma Faculdade, ao fim de aplanar algumasduvidas, que sobrevenham na practica domesmo curativo e de comunicar à Facul-dade as observações que for fazendo, ou

da alteração ou da variedade dos já co-nhecidos symptomas, ou dos novos remé-dios, que for descobrindo e applicando.O modo que se há de practicar nestasconferencias deve ser de se congregar aFaculdade, ser na presença d’ella ouvido osobredicto Ravin, e por elle ser lido o opús-culo, votar o primeiro lente da Faculdadecom pleno conhecimento da causa, exa-minado em sua casa o dicto opúsculo;votando por escripto, e ficando em segre-do o voto. Passar d’este a segundo, de-pois terceiro, até o ultimo voto da Facul-dade pela mesma forma, e com tal se-gredo, que os votos d’uns não sejam vis-tos pelos outros, antes da publica abertu-ra d’elles. Em estando concluídos, chamartoda a congregação, lerem-se nella todosos votos, e pelo resultado d’elles, discuti-rem-se as duvidas que se apresentarem,ou convencendo-as com força de bons fun-damentos, ou conciliando-os dado que sevenha a assentar no sólido, verdadeiro, eutil methodo curativo, com que se vá acu-dir ao grande numero de enfermosd’aquella capital que insta pelo remédiod’uma enfermidade, que pode vir a serultima consequência e a produzir um con-tagio sucessivo e irremediável.

Não será porém fora de propósito que aeste respeito lembre eu a v. exª algumasespécies que me occorrem, e que, sendocomunicadas à sobredicta Faculdade, da-rão algumas luzes para o presente caso.Desde tempos antiquíssimos houve emPortugal o costume de se fazerem mui-tos hospitaes destinados para Lázaros ouGafos (nome que ainda hoje nas provínci-as do norte d’este reino se dá aos queenfermam de mal venéreo) e se achammemorias de muitos legados e instituiçõesparticulares para Gafarias, o que dá umaclara ideia de serem então este mal mui-to frequente. Depois porém que se co-nheceu o curativo do morbo céltico, pou-co e pouco se foi minorando aquelle gran-de numero de Lázaros ou Gafos, por seatalhar com remédios antivenereos o pro-gresso d’este mal, sem que chegue aoultimo estado, que reduz os enfermos aLázaros irremediáveis.Este mesmo mal é a Lepra Asiática bemconhecida no Levitico, e cujos symptomas,expresos naquelle livro, combinados comos do mal que se tracta, são pouco me-nos que idênticos, a respeito dos da ulti-ma ruina, a que a queixa céltica reduz oscorpos dos que chegam a esse estado.

Fig. 1b – Pormenor da mesma carta com a assinatura do Marquês.

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Esta é originalmente a Lepra Syriaca; e oque me confirma neste conceito é a Le-pra de Naaman o Syrio, sabendo nós pe-las descripções, que d’esta enfermidade(ainda hoje commum naquelle paiz) se nosfazem, que são uma pintura fiel dos arru-inados e perdidos pelo mal céltico, e sa-bendo, que a nimia devassidão dos povosasiáticos até fazia ponto de religião dasua immoderada e brutal incontinência,bem fácil é de crer que aquella lepra erao mal céltico, de que não tinham conheci-mento, e a que não sabiam remédio es-pecifico, que o atalhasse.Combinado isto com as ideias medicas,que nos dão alguns viajantes celebres, comos conhecimentos positivos de Tournefort6

e de Moundrel, que nos decidem da cau-

sa da dicta enfermidade, e com os outrosconhecimentos, que também temos, dadevassidão sensual dos povos americanos,será fácil de reconhecer que d’esta desor-dem provem a mesma queixa, ou por in-fecção contrahida, ou hereditária; e que opouco cuidado de atalhar esta enfermida-de nos seus princípios, a deixa habituaraté ao ponto de reduzir os corpos dosenfermos d’ella ao triste estado de Lázarosou Gafos.Se d’estas luzes se poder tirar algumautilidade em beneficio da causa, que fazo assumpto d’esta carta, estimarei que aFaculdade de Medicina conheça que eudesejo muito os grandes progressos d’ella.Deus guarde a v. ex.ª. Sitio da Nossa Se-nhora d’Ajuda em 23 de Abril de 1774 –Marquez de Pombal

João Francisco Ravin compareceu emCoimbra cerca de dois meses depoisdo envio da carta, tendo sido ouvidopela Congregação da Faculdade deMedicina em 25 de Junho. No aponta-mento para a respectiva acta, que nãochegou a ser formalmente redigida,consta o seguinte:«Aos 25 de Junho de 1774 na Sala dasCongregações e sendo presente o Illus-tríssimo Ex.mo Sr. D. Francisco de Lemosde Faria Pereira Coutinho do Conselho deSua Magestade Bispo Cuadjutor e futurosuccessor deste Bispado e Reitor Refor-mador desta Universidade e todos os len-tes da Faculdade Medica proprietários,substitutos e os coadjutores na forma daPortaria do Ex.mo Marquez se procedeo atratar dos negocios a que fim se convo-cou a junta e em primeiro lugar propos oEx.mo Sr. Bispo Reitor Reformador a or-dem do Ex.mo Sr. Marquez de Pombal arespeito de hum Frances João FranciscoRavem sobre o methodo de curar do mal[…] ou de S. Lazaro e sendo chamado seappresentou na Congregação onde foiperguntado por todos sobre o dito metho-do, observações sintomas e remédios eapresentou hum papel que tinha feito so-bre a matéria para a Faculdade examinaro que se cometeo ao lente mais modernopara o passar e asim de huns a outros».Infelizmente não foram encontradoselementos que permitam conhecer adecisão final. O Prof. Mirabeau2 afirma

não ter encontrado elementos que in-dicassem a opinião da Faculdade, «nemdos apontamentos para as actas, nemda correspondência do ministro cons-ta o destino que teve o francez ou oapreço que se deu em Coimbra à suaespecialidade therapeutica. Este silen-cio a respeito de pessoa tão recomen-dada e sobre negocio de tanta impor-tância, deixa presumir que se nãoachou fundamento para se travarcorrespondencia scientifica entre aFaculdade e o francez e muito menospara se lhe auctorizar o exercíciod’uma arte sublime, que sempre dege-nera em flagello nas mãos de curio-sos». Talvez possamos acrescentar umapequena nota sobre uma possível re-duzida experiência dos membros daCongregação em assuntos de lepra. Porum lado, é curioso que nos aponta-mentos para a acta esteja em aberto aoutra designação do mal de S. Lazaro,muito provavelmente a de «elephan-tiase». Por outro lado, como assinala oProf. Rocha Brito7, os médicos da Fa-culdade não davam qualquer assistên-cia aos pacientes da Gafaria existenteem Coimbra, situada «fora de portas»,o que só aconteceu depois da suaintegração no Hospital da Universida-de, sito ainda na parte baixa da cida-de, por ordem do Marquês de Pombalem 15 de Abril de 1774.Da leitura desta curiosa carta podere-mos depreender o especial interessedo Marquês de Pombal pelo pedidodo francês João Francisco Ravin e pelaverdade sobre a eficácia da terapêuti-ca proposta para um «morbo» de tan-ta importância, o «mal de S. Lázaro»,também denominada de lepra ou de«elephantiase»3 (fig. 2 e 3). O totaldesconhecimento do diagnóstico clí-nico e da composição do remédio im-pede-nos de formular hipóteses sobreo seu eventual interesse.Também é curioso, e cremos que re-força o seu interesse pessoal, que oMarquês de Pombal tenha dado ins-truções bem precisas sobre o modode cada membro proceder à avaliaçãoindividual do remédio, com audição dorequerente, e o modo da secreta vota-ção, procurando desta forma que o

Fig. 2 – «Maladies du système cutané:Elephantiasis des Árabes» do membroinferior. Vasseur, c. 1864. Modelo em cera dacolecção do Museu de Anatomia Patológicada Faculdade de Medicina de Coimbra.

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julgamento fosse efectuado por cadaprofessor sem influência mútua, embo-ra com discussão final e pública. Teriasido de interesse saber em que critéri-os se apoiavam os professores paraformularem pareceres válidos basea-dos na análise do «papel» apresenta-do pelo requerente e cujo teor, infeliz-mente, também não é conhecido.Mas também não podemos deixar derealçar que o Marquês considere que«não será porem fóra de proposito quea este respeito lembre Eu a V. Ex.a», aoreitor e obviamente aos professores,alguns dados que «darão algumas lu-zes para o prezente cazo»!Não deixa de ser curioso que o Mar-quês de Pombal, certamente que igno-rante das coisas médicas, tenha feitotais comentários sobre a lepra a fimde, como escreve, dar «algumas luzes»aos considerados idóneos na matéria.É de supor que os comentários lhe te-nham sido indicados ou por um médi-co, que hoje diríamos seu assessor, outalvez, mais provavelmente, pelo pró-prio requerente que «era homem há-bil e que discursava na matéria comoquem d’ella tinha particular conheci-mento»2. Talvez também uma das ra-zões dos comentários do Marquês seja

para chamar a atenção dos professo-res sobre matéria de que não tinhamexperiência como assinalamos acima.É evidente que é impossível fazer umaanálise dos conceitos nosológicos e dodiagnóstico das diversas modalidadesda doença ou doenças que o Marquêsmenciona denominando-as, indistinta-mente, mal venéreo ou lepra. É certoque naquela época, as doenças, e emespecial as enfermidades cutâneas (olivro de Bernardino António Gomestem muitos exemplos) por serem asmais chamativas e com aparências mui-to variadas (tal como hoje acontece eque muitas vezes lança a confusão nosmédicos menos experimentados...)eram diagnosticadas e classificadas deum modo totalmente caótico na au-sência de uma semiologia clínica maisou menos definida que só se iniciouno decorrer do século XIX, tendo tidocomo principais precursores, nadermatologia, R. Willan, Th. Bateman eJ.-L. Alibert.

Eis pois um curioso pequeno episódioda história da medicina portuguesa que,embora desconheçamos o epílogo, con-sideramos ter o seu interesse, compro-vando que o Marquês de Pombal, pro-motor, em 1772, da profunda reformanas instalações, nos estatutos e nosconteúdos científicos e pedagógicos daUniversidade, também se preocupavapela saúde dos povos do Reino8.

1. Bernardo António de Serra Mirabeau(1826-1903), natural da Covilhã, foi pro-fessor da Faculdade de Medicina de diver-sas disciplinas. Foi também Director daImprensa da Universidade, Administradordos Hospitais da Universidade e Direc-tor da Faculdade.2. Mirabeau, B. A. Serra – « Memória his-tórica e commemorativa da Faculdade deMedicina nos cem annos decorridos des-de a reforma da Universidade em 1772até o presente». Coimbra: Imprensa daUniversidade, 1873, p.72-76.3. Era uma das designações da lepra, tam-bém muitas vezes denominada «Elephan-tiase». Até fins do séc. XIX, eram conside-rados dois tipos de elefantiase: a dos ára-bes e a dos gregos. Tudo leva a crer que a«elephantiase dos árabes» corresponderá

hoje ao edema crónico consequência deerisipelas recidivantes, e que a «elephan-tíase dos gregos» terá correspondido àlepra ou a outras dermatoses infiltrativascrónicas da face e de outros locais. Ber-nardino António Gomes, no seu famosolivro «Ensaio dermosographico» (1820),assimila o Mal de S. Lazaro à Elephantiase,afecção localizada à face e aos membros,de longa duração, mas não lhes chama le-pra. De resto, na «prefação» do mesmolivro escreve que a caracterização do géne-ro Elephantiasis «carece ser observadapor mais tempo», apesar da sua grandeexperiência «no hospital de S. Lazaro deLisboa, o exame, ainda que passageiro, de29 doentes no hospital dos lázaros da ilhada Madeira, quando alli arribei hindo coma Sereníssima Princeza Real para a cortedo Rio de Janeiro, e o exame mais indivi-dual de 72 doentes no hospital dos lázarosdo Rio de Janeiro».4. Jean François Ravin era um naturalistaque vivia no Brasil, autor de um manuscri-to intitulado «Exposição da conduta e dautilidade de hum naturalista peregrino noBrasil», datado de Lisboa, em 26 de Marçode 1774, existente no Instituto de EstudosBrasileiros da Universidade de São Paulo.Disponível em http://www.ieb.usp.br Ace-dido em 2009.02.16.5. D. Francisco de Lemos de Faria PereiraCoutinho, natural de Jacotinga (Rio de Ja-neiro), foi o principal colaborador e im-pulsionador da reforma pombalina emCoimbra. Exerceu o cargo de Reitor Refor-mador por dois períodos (1770-1779 e1799-1821).6. Tournefort (Joseph Pitton de) foi umconhecido viajante e botânico, natural deAix-en-Provence (1656-1708). É conside-rado um precursor de Lineu.7. Rocha Brito, Alberto da – «História daGafaria de Coimbra». In Arquivos deDermatologia e Sifiligrafia, 1931, nº 1.8. No mesmo livro do Prof. Mirabeau vemtambém referido (p. 194-195) um outroensaio de um medicamento para a «ele-phantiase», realizado em 1848, em Coim-bra, durante alguns meses no então Hospi-tal dos Lázaros, o actual Hospital Militar. Oproduto era extraído da casca e do «lei-te» de uma planta do Brasil denominada«assacú». Os resultados foram negativos.

a Professor Catedrático de Dermatologia,Jubiladob Professor Associado Jubiladoc Mestre em Museologia, Faculdade de Me-dicina da Universidade de Coimbra

Fig. 3 – «Elephantiasis des Grecs. Elephan-tiasis tuberculeux. Tsarâth phymatode(Cazenove). Dermatoses lepreuses (Alibert)».Vasseur, c. 1864. Modelo em cera dacolecção do Museu de Anatomia Patológicada Faculdade de Medicina de Coimbra.

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