Revista Ordem dos Médicos Nº107 Janeiro 2010

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Revista Ordem dos Médicos Ano 26 - Nº107 Janeiro 2010

Transcript of Revista Ordem dos Médicos Nº107 Janeiro 2010

Admissão por consensona SubEspecialidade deMedicina da Reprodução

07 Legislação de AtestadosMédicos

08 Comunicado: Cursode Medicina de Aveiro

10 Candidatura à SecçãoRegional do Centro comliderança de FranciscoRolo

10 Fernando Gomes lideracandidatura à SecçãoRegional do Centro

Síndrome de Exaustão/Burnout – ProjectoNacional da Ordemdos Médicos – 2009

O Artigo 95º por TiagoTribolet de Abreu

16 É isto que queremos paraa Revista da Ordem? porTiago Tribolet de Abreu

17 – Vou tomar a Vacina daGripe A? – Claro! Voutomar a Vacina!! porHelena Porfirio

19 De quem são os dadosdo processo clínico? porRosalvo Almeida

20 Clínica privada:Do nó cego ao nó gordio– Janeiro 2010 por PedroAbreu Loureiro

22 É necessário redefiniro conceito de ProcessoClínico? por FernandoGomes

INFORMAÇÃO06

ACTUALIDADE11

EDITORIAL04

S U M Á R I O

Ano 26 – N.º 107 – Janeiro 2010

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordem

dos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

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a do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99

Nota da redacção: Os artigos de opinião e outros artigos assinados são da inteira responsabilidade dosautores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos.

Ficha TécnicaFicha Técnica

OPINIÃO16

MédicosOrdem dos

REVISTA

NORTEMÉDICO27

BOLETIM DA S.R. CENTRO51

MEDI.COM79

4 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Janeiro 2010

Introduzir os boletins regionais naROM comporta um novo factor decomplexidade e atraso que mera-mente se acrescenta aos já habituais.Para desespero da responsável pelaorganização e publicidade os argu-mentos para atrasar vão-se soman-do, os prazos prometidos sucessiva-mente queimados e, sem darmos porisso aqui temos o número de Janei-ro em casa no princípio de Março.

Contribuo também para os atrasoscom esta «mania» de querer pessoal-mente escrever os editoriais, o quepara além de estar sujeito a umaagenda carregada até ao absurdotambém se verga ao tempo certode clarificar alguma crise de forma anão falar antes de tempo. Nestas cir-cunstâncias o atraso, por vezes, des-contextualiza do tempo histórico oobjecto da análise. Nesses casos,como hoje, apenas me resta pedirdesculpa aos colegas que vão tendoa paciência de me ler.

No caso presente para além da bal-búrdia costumeira da casa, agravadacomo vem sendo tradicional por al-gumas excitações de quem perde osenso das realidades, nada de parti-cular justificador de atrasos que me-reça reporte circunstanciado. Aliás,procuro ter presente quando vosescrevo que a Revista é discutida emmúltiplas tertúlias, nem todas comparticular filia pelos médicos, peloque expor publicamente os nossosproblemas só em exclusão de outrahipótese.

Não quer isto dizer que muito nãohouvesse para vos contar ou que al-guns dos disparates ocorridos nosúltimos tempos não merecessem

ERÍSTICAcabal exposição. No entanto, desdeque mo permitam, deixarei dentrode portas o que só aos médicos res-peita não municiando os que nos dis-putam o papel na Sociedade com oconhecimento das infantilidades dealguns de nós.

É que os tempos que vão correndono que alguém dizia ser um jardim plan-tado à beira oceano são pouco propí-cios a diálogos francos e resolução comseriedade, honestidade e transparên-cia de problemas colectivos. O deba-te de ideias e o diálogo em que osintervenientes se «combatem» napermanente procura das melhores emais judiciosas soluções, aquilo quese identifica como dialéctica, deudefinitivamente o lugar ao ataque aocarácter, ao golpe abaixo da cintura,à utilização de qualquer argumentopor mais miserável ou alheio à ver-dade que seja. A procura da exce-lência, isto é, das melhores soluçõespara todos, cedeu definitivamente olugar ao único objectivo de «ganhar»o debate em termos pessoais.

A política, nobre arte de organizaras Sociedades e procurar caminhosde promoção do colectivo, num per-manente exercício de compatibilizaro objectivo elevado com a cruezada vida real, a conhecida arte do pos-sível, ou, de outro modo, o confron-to de ideais ou ideias, transformou-se numa básica, lamentável e abjectasucessão de insultos, meias verdadesou mesmo despudoradas mentiras,ao serviço do único objectivo de, nofim, ter mais votos e, com eles, as-cender a lugares.

Claro que, nestas circunstâncias, talocupação de lugares perde qualquer

correlação com objectivos de trans-formação social e derrama-se naúnica e chã função de permitir aoocupante usufruir das mordomiasque lhe são inerentes. Mesmo quan-do tal não corresponda a locupleta-ção ilícita de bens comuns, vulgarcorrupção ou financiamento de par-tidos ou organizações é sempre, eem qualquer caso, uma perda deoportunidade e de mais valias ex-pectáveis para a comunidade.

A revista « The Economist» de 19Dezembro 2009 analisa esta reali-dade à luz dos debates americanosem torno da reforma que Obamaprocura impor ao sector da Saúdenum saboroso artigo intitulado «Ar-guing to death». Não resisto a trans-crever-lhes uma parte do texto ima-ginando a sua aplicação à realidadenacional e ao seus permanentes ca-sos, escutas, jornalismos, debates par-lamentares e pomposas inaugura-ções quer de obras, quer de projec-tos ou meras intenções.

Confesso que foi ao ouvir argumen-tar da necessidade de criar novos cur-sos com metodologias experimen-tais e faculdades sem tradição outreino deste tipo de ensino da Me-dicina entre nós, dirigidos a duasou três dezenas de pagantes, com operegrino argumento de se lutarcontra a carência de médicos de fa-mília que me recordei do que lerana «The Economist».

Sem mais palavras deixo à vossa ar-gúcia perceber se a criação de no-vas faculdades de medicina, e as jus-tificações publicamente assumidaspara a decisão, se estribam em qual-quer racionalidade sensível a uma

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retórica dialética se meramente pre-tendem obter lucros eleitorais à cus-ta do que Sócrates não deixaria deconsiderar desprezível erística dis-cursiva.

... «Visiting America today, Socrates

might have dropped in on last summer’s

town hall meetings, in which members

of the public allegedly came to debate

the reform of health care with their

elected representatives. Socrates would

have beheld hysterical firebrands

shouting that America’s president and

senators were Marxists, Nazis or both.

Reaff irmed in his disdain for

democratic rhetoric , Socrates would

have left to seek better conversations,

as he used to do in Athens». . .

...«Socrates considered the debate in

such settings unedifying, pointless and

unworthy – in a word, «eristic». Eris

was the Greek goddess of strife (the

Roman Discordia) ... ... Eris is present

in presidential debates, in court rooms

and wherever people are talking not

to discover truth but to win.

In 1968 Stringfellow Barr, an historian

and president of St John’s College in

Maryland, wrote a Socratic critique of

American discourse: «There is a pathos

in television dialogue: the rapid ex-

change of monologues that fail to find

the issue, like ships passing in the night;

the reiterated preface. ‘I think that...’ as

if mattered who held which opinion

rather than which opinion is worth hold-

ing; the impressive personal vanity that

prevents each ‘discussant’ from really

listening to another speaker».

Socrates’s alternative was «good» con-

versation or dialectic ... ...Dialectic , in

other words, is decidedly not about win-

ning or losing, because all the conver-

sants are ennobled by it. It is a joint

search. Unfortunately, as Mr. Barr put

it, it is also «the most difficult kind of

conversation «especially for Americans

to achieve». (The Economist December

19 2009 pág 81-82)

Após este escrito que não hesitei empartilhar convosco e recordandoanos de intervenção da Ordem e os

resultados conseguidos junto dos su-cessivos Governos, sinto um irresis-tível impulso em rever as fontes his-tóricas interrogando-me se afinalnão foram os portugueses que des-cobriram a América...

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I N F O R M A Ç Ã O

Requisitos de Admissão por Consenso

I – Um subespecialista em Medicina da Reprodução é um especialista em Ginecologia e Obstetrícia com aptidõesteóricas e práticas nas seguintes vertentes:

A) Abordagem médica eB) Abordagem cirúrgica

de situações de infertilidade, nomeadamente com capacidade para estabelecer diagnóstico, efectuar terapêutica eelaborar prognóstico.

C) Domínio das Técnicas de Procriação Medicamente Assistida.

II – Critérios para candidatura à admissão por consenso à Subespecialidade de Medicina da Reprodução:1. Inscrição no Colégio de Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia2. Dedicação de mais de 50% do tempo diário à actividade na Sub especialidade.3. Exercício de funções de Especialista durante pelo menos 5 anos em unidade considerada idónea e com asseguintes características:

a. Autonomia funcional,b. Ser unidade de referenciação de doentes para estudo e tratamento específico, médico ou cirúrgico, bemcomo para PMA.c. Ter um volume de trabalho adequado por modo a garantir uma aquisição de conhecimentos e experiênciacompletos e alargados nas três áreas da Subespecialidade.

III – Os candidatos deverão apresentar curriculum sumário explicitando:1. O cumprimento dos critérios anteriores.2. A descrição da actividade individual nas três vertentes da Subespecialidade.3. A participação como formador em acções pós-graduadas na área da Subespecialidade.4. A autoria e/ou co-autoria de trabalhos publicados em revistas e/ou livros científicos da especialidade versan-do temas de medicina da reprodução.5. As palestras proferidas em reuniões científicas nacionais e/ou internacionais na área da Subespecialidade.

Deverão ser entregues sete exemplares do referido curriculum que, no corpo do texto, não poderá exceder 4000palavras.Em anexo deverão constar documentos autenticados, comprovativos do cumprimento dos critérios exigidos paraa candidatura à admissão por consenso.

Conselho Nacional Executivo de 17.11.2009 – Acta Provisória

Admissão por consenso na SubEspecialidadede Medicina da Reprodução

Foi decidido em Conselho Nacional Executivo homologar os critérios de ad-

missão na Subespecialidade de Medicina da Reprodução. Os interessados na

admissão por consenso nesta SubEspecialidade deverão apresentar a sua can-

didatura, junto da sua Secção Regional até ao dia 31 de Julho de 2010.

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I N F O R M A Ç Ã O

«Em primeiro lugar, importa esclarecer que existem inúmeros diplomas que prevêem minutas de atestados para situações muitoespecíficas, implicando a sua enumeração um trabalho exaustivo e que, julgamos nós, não se justifica para os fins pretendidos. Note-se que o consulente não referenciou qualquer situação concreta.De todo o modo, sempre sugerimos a consulta do portal da saúde pública1 (www. saudepublica.web.pt/10-Atestados/atestado.htm), onde sepoderá encontrar uma listagem muito completa das minutas existentes e dos respectivos diplomas legais.Sobre os atestados médicos, dispõe o Código Deontológico da Ordem dos Médicos o seguinte:

Artigo 98.º - Atestados médicos1 – Por solicitação livre, e sem qualquer coacção, do interessado ou seu legal representante, o médico tem o dever de atestar os estados de saúde oudoença que verificou durante a prestação do acto médico e os tenha registado.2 – Os atestados médicos, certificados, relatórios ou declarações são documentos particulares, assinados pelo seu autor de forma reconhecível e sósão emitidos a pedido do interessado, ou do seu representante legal, deles devendo constar a menção desse pedido.3 – Os atestados de doença, além da correcta identificação do interessado, devem afirmar, sendo verdade, a existência de doença, a data do seu início,os impedimentos resultantes e o tempo provável de incapacidade que determine; não devem especificar o diagnóstico de que o doente sofre, salvo porsolicitação expressa do doente, devendo o médico, nesse caso, fazer constar esse condicionalismo.4 – Para prorrogação do prazo de incapacidade referido no número anterior, deve proceder-se à emissão de novo atestado médico.5 – O médico não estando impedido de realizar actos médicos sobre si próprio ou familiares directos, igualmente não está impedido de atestar assuas observações e respectivas consequências.6 – Dado o carácter pericial que a sociedade indevidamente atribui ao atestado médico, é recomendável evitar a sua emissão em situações em quepossa ser alegado conflito de interesses.

Quanto à obrigatoriedade do preenchimento de minutas, entendemos que tal imposição não contraria a liberdade do médico que apreenche, porquanto a sua finalidade passa por garantir um interesse do doente e uniformizar procedimentos. Acresce que nadaimpede o médico de atestar, em documento autónomo ou complementar, outra realidade que a minuta não lhe permite.Relativamente às vinhetas, é sabido que as mesmas têm como finalidade primária o controlo financeiro do sistema. Não obstante, hácasos em que é exigido ao médico que coloque no atestado a sua vinheta, como sucede, por exemplo, com os certificados deincapacidade temporária para o trabalho por estado de doença.Desta informação deverá ser dado conhecimento ao consulente e, se o Conselho Nacional Executivo assim o entender, poderá serpublicada na ROM, como sugerido pelo consulente.

A Consultora Jurídico2009-11-21

Legislação de Atestados MédicosTendo sido solicitado à Ordem dos Médicos informação sobre a legislação que regula osatestados médicos, nomeadamente para saber se é legítima a imposição de minutasinalteráveis, e dada a importância desta informação para todos os médicos, passamos atranscrever o parecer do Departamento Jurídico da OM.

1. Algumas referências legais estão desactualizadas, mas, ainda assim, a informação parece-nos útil.

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A oitava Faculdade de Medicina em Portugal iniciou o seupercurso no ano lectivo de 2009-2010 na Universidade doAlgarve, levantando uma série de questões de extrema im-portância, com delicadas implicações futuras, que a Ordemdos Médicos gostaria de ter analisado com o DigníssimoMinistro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Prof.Doutor José Mariano Gago, pelo que, em Fevereiro de 2009,solicitou uma audiência formal com esse objectivo. Estra-nhamente, tal audiência não foi concedida.No ano lectivo de 2008-2009 abriram 1614 vagas para Me-dicina nas sete Faculdades de Medicina portuguesas. Se mul-tiplicarmos este número por 30 anos, significa que se forma-rão, durante este período de tempo, 48420 médicos. A estenúmero deveremos somar os cerca de 12 mil médicos for-mados nos dez anos anteriores, que, pelas novas regras deaposentação, terão que exercer pelo menos durante 40 anos.Quer isto dizer que, em 30 anos, sem sequer contar com osestudantes de medicina portugueses no estrangeiro e comos eventualmente formados na Universidade do Algarve (UA),Portugal irá duplicar o seu actual número de Médicos! Ab-surdamente, no ano lectivo de 2009-2010 o numerus claususpara Medicina aumentou novamente.Para que vai precisar Portugal de mais de 60 mil médicosno activo, particularmente quando se prevê uma reduçãoda sua população total?Portugal terá actualmente cerca de 30 mil médicos no acti-vo, um número exactamente sobreponível à média europeia.O actual problema da saúde em Portugal, salvo algumassituações pontuais, não é de falta de Médicos mas sim defalta de organização, como reconheceu publicamente a pró-pria Ministra da Saúde, com toda a propriedade.O rotundo êxito do programa específico de combate àslistas de espera para cirurgia das cataratas ilustra ampla-mente esta indisputável verdade. Com um pequeno investi-mento adicional, que permitiu a rentabilização da capaci-dade já instalada no SNS, em poucos meses acabou-se comas listas de espera de cataratas, sem que fossem necessáriosmais oftalmologistas!E se se prevê que, no curto prazo, possa haver alguma difi-culdade transitória de Médicos, ela não será resolvida pelaUniversidade do Algarve nem pelo putativo Curso de Medi-cina de Aveiro, pois só daqui a dez anos começarão os seusprimeiros licenciados a completar as respectivas especiali-dades, numa altura em que já terão sido ultrapassadas es-sas mesmas dificuldades. Este problema transitório será fa-cilmente resolvido se o Governo atrair os Médicos que es-tão actualmente perto da sua reforma para se manteremmais meia dúzia de anos no activo.A indesmentível verdade é que, em termos quantitativos, aFaculdade de Medicina do Algarve e o desnecessário Curso

COMUNICADO

Curso de Medicina de Aveirode Medicina de Aveiro se irão limitar a formar Médicospara o desemprego ou para exportação.Aliás, quem faz contas de forma honesta e transparente sabeque, a partir de 2010, o numerus clausus para Medicina de-veria começar a diminuir para evitar o desemprego médico.Médicos a menos prejudicam as populações pelas dificulda-des de acesso, mas Médicos a mais constituirão um desperdí-cio para o país e uma ameaça para os cidadãos saudáveis,pois serão compelidos a inventar doentes para sobreviver, efarão disparar os custos globais da saúde. Será tão difícilcompreender que à Saúde não se podem aplicar as regras demercado de qualquer outro sector da economia?!E numa altura em que o país se debate com uma profundacrise económica, em que as Universidades estão asfixiadase em que o SNS, por falta de recursos, está a ser minimalizadoe comprometido na qualidade dos serviços de saúde dis-ponibilizados aos doentes, é um dever patriótico que todosse questionem sobre as razões subjacentes a uma decisãoexclusivamente política, contrária a critérios técnicos, e quecustará dezenas de milhões de euros ao país, desta maneiraespantosamente desperdiçados.Perante a crueza dos números, por si próprios indesmen-tíveis, é evidente e incontestável que Portugal não precisade mais quaisquer Faculdades de Medicina para além dasoito já existentes. Invista-se na Universidade de Aveiro, quebem o justifica e merece, mas não de forma a desperdiçarrecursos que tanta falta farão noutros sectores da mesmaUniversidade.Um dos graves problemas do país é que passamos a vida afazer experiências que, depois, nunca são avaliadas nemextraídas conclusões consequentes. Elogiamos deslumbra-damente todas as experiências, mas nunca aprendemos comos resultados. E assim estamos cada vez mais na cauda daEuropa. A Comissão Científica Internacional (CCI) produ-ziu apenas um elogio no condicional à metodologia escolhi-da para o curso do Algarve. Na realidade, não existe Medi-cina Baseada na Evidência que comprove que o métodoPBL, em si mesmo extraordinariamente exigente, quandoministrado por um corpo docente maioritariamente semexperiência, seja globalmente superior aos métodos de en-sino presentemente utilizados, que já nada têm a ver comos métodos clássicos do antigamente.A Faculdade de Medicina do Algarve não é necessária, peloque a sua nova experiência, por muito interessante e esti-mulante que seja, é supérflua. Caso se pretenda reproduzira experiência de ensino integral em PBL em Portugal, o quea Ordem dos Médicos encara de forma positiva, então queprimeiro se avaliem de forma transparente e independenteos futuros resultados do Algarve.Finalmente, não se pode escamotear que as licenciaturas

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de Bolonha em outras áreas não conferem aos alunos amesma formação dos primeiros anos dos Cursos de Medi-cina, pelo que a Ordem dos Médicos encara com enormepreocupação a qualidade dos futuros licenciados pelo mé-todo PBL e com cursos de apenas quatro anos.Além do mais, não existe em Portugal massa crítica suficien-te para oito Faculdades de Medicina, muito menos para nove,nem existe capacidade no país para que todos os futuroslicenciados possam concretizar uma especialidade Médica.Então, não podemos deixar de perguntar, quais são as ver-dadeiras consequências de proletarizar e indiferenciar a Me-

dicina, reduzindo o seu nível global de qualidade, prejudi-cando, por essa via, os próprios doentes? O ónus destadecisão política vai ser pago por todo o País.Se as normas internacionais dizem que é suficiente umaFaculdade de Medicina por cada dois milhões de habitan-tes, para que se equaciona a criação da nona Faculdade deMedicina em Portugal?

Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos

Lisboa, 15 de Dezembro de 2009

I N F O R M A Ç Ã O

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10 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Janeiro 2010

I N F O R M A Ç Ã O

Nota à ImprensaPreocupados com o rumo da Ordem do Médicos, um grupo de médicos promoveu uma reunião onde se discutiram aspectosprogramáticos e de objectivos e do que é necessário para dar à Ordem dos Médicos um sentido de responsabilidade erespeitabilidade que a classe merece. Foi uma constante nas intervenções dos presentes a sua indignação perante o «lavar deroupa suja» com que os actuais dirigentes se degladiam na praça pública, postura na qual os médicos não se revêem.Perante tal cenário, foi decidido por unanimidade o apoio a uma candidatura à Secção Regional do Centro personalizadapelo Dr. Francisco Rolo, Urologista dos HUC, Presidente da Sociedade Portuguesa de Urologia e uma pessoa que sededicou toda a vida a causas e a servir o bem público.Destacam-se, no grupo de apoiantes dos HUC, os médicos Joaquim Murta, Horácio Firmino, Óscar Gonçalves, BaptistaGeraldes, Francisco Carrilho, Carlos Robalo Cordeiro, Nascimento Costa, Carlos Alberto Bastos, Joaquim Cerejeira, FilipeCaseiro Alves, Fernando Oliveira, Dulce Diogo, Francisco Matos e Américo Figueiredo; do IPO de Coimbra, FredericoValido, Carlos Cortes, Paula Alves e Cristina Oliveira; do Centro Hospitalar de Coimbra, Ciro Costa, Fernando Martins,António Vieira, Carlos Athayde, Costa Almeida e Carlos Janelas; da Medicina Legal, Silva Marques e Duarte Nuno; e daMedicina Geral e Familiar, Elsa Machado, Augusta Mota, Rui Nogueira, Cesário Andrade Silva e Nuno Leite Oliveira.

Candidatura à Secção Regional do Centrocom liderança de Francisco Rolo

Um grupo de médicos da Secção Regional do Centro divulgou a seguinte nota

à imprensa, que dá conta de uma candidatura aos órgãos dirigentes regionais.

O neurocirurgião Fernando Gomes é candidato à Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos nas eleições que serealizam em Dezembro de 2010. Na decisão do director do Serviço de Neurocirurgia dos Hospitais da Universidade deCoimbra, actual vice-presidente do Conselho Regional do Centro, pesou o facto de «considerar que há muito trabalho emcurso, que deve ser continuado e concluído».Em declarações ao DIÁRIO AS BEIRAS, Fernando Gomes afirmou também que para a sua decisão contribuiu «a confiançamanifestada pela equipa que nestes últimos cinco anos esteve na direcção da Secção Regional do Centro», bem como o facto de oactual presidente, José Manuel Silva, estar a ponderar «candidatar-se a outros cargos mais importantes na Ordem dos Médicos».Deste modo, Fernando Gomes avança acompanhado pela actual equipa da Secção Regional do Centro, admitindo, noentanto, que «poderá haver uma ou outra alteração», por menor disponibilidade das pessoas.A candidatura liderada por Fernando Gomes «não irá apoiar nenhum dos candidatos que venham a perfilar-se para aeleição a bastonário, «independentemente das opções pessoais» que os elementos que integram a lista possam ter.«A nossa lista não é contra ninguém, mas pretende, com a nossa experiência e vontade de trabalhar, defender um projectopara a Ordem dos Médicos», sublinha Fernando Gomes.Entre as prioridades, Fernando Gomes inclui «a defesa da qualidade do ensino e do exercício da Medicina, o que se traduz nadefesa dos doentes», bem como o desenvolvimento do projecto, iniciado neste mandato, da Aldeia do Médico do Centro.«Há ainda muito para fazer, mas o mais importante é colocar os médicos dentro da Ordem, para além dos muitos que jácolaboram, de forma voluntária», afirma o neurocirurgião dos HUC.

Fernando Gomes lidera candidaturaà Secção Regional do Centro

Nas próximas eleições, a lista que integrará a equipa que dirigiu o rumo da

Secção Regional do Centro nos últimos cinco anos, será liderada por Fernando

Gomes, noticiou o Diário das Beiras em notícia que passamos a transcrever.

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A evidência, o aumento exponencial doproblema, tem ecos de preocupação aonível de toda a União Europeia, e tam-bém em vários pólos mundiais onde sesalientam os Estados Unidos e o Brasil.A emergência do facto, na União Euro-peia, teve tradução no relatório daAgência Europeia para a Segurança eSaúde no Trabalho, especificamentedireccionado para a área da saúde quenuma observação fina das causas refe-re, «A study on junior hospital doctorshas shown that they routinely exceed55 hours per week, often workingcontinuous shifts of up to 32 hours» e«Extreme cases of working 70 hourswithout proper rest periods also exist.This causes poor mental health as aresult of extreme fatigue and stress».Ainda, neste contexto, a referida Agên-cia aponta que «Hospital doctors arealso particularly at risk from combina-tion of shift work and a long and un-predictable hours on-call work».Estas preocupações da entidade espe-cializada da União Europeia transfor-maram a prioridade estabelecida naOrdem dos Médicos numa tarefa ina-diável em prol do bem estar e qualida-de de vida da classe médica em parti-cular, e da qualidade da prestação doscuidados de saúde em geral.Nesse sentido o Conselho Regional Sul,através do seu Departamento de For-mação elaborou um projecto global devárias fases, sendo a primeira a realiza-ção de Acções de Sensibilização nas suasDistritais, subordinadas ao tema

Síndrome de Exaustão/Burnout– Projecto Nacional da Ordem

dos Médicos – 2009No âmbito do programa da actual gestão da Secção Regional Sul da Ordem

dos Médicos está claramente integrada e evidenciada a problemática do

Burnout, causas, consequências, diagnóstico e prevenção, nos profissionais

médicos como uma meta de carácter prioritário.«Síndrome de Exaustão – Burnout». Ésobre esta fase, ora terminada, que cons-tituirá a exposição do presente artigo.A preparação da tarefa iniciou-se emJaneiro de 2009 através da constitui-ção da equipa de trabalho, formada portécnicos estudiosos da temática e compreparação pedagógica (psicólogos),que programou a elaboração do pro-grama de trabalho, a formatação dasacções, a metodologia a adoptar e acalendarização.O passo seguinte foi faseado em duasdirecções: por um lado, os serviços doDepartamento de Formação divulga-ram o programa da acção e procura-ram sensibilizar os responsáveis dasDistritais para a importância do pro-jecto; por outro lado, os técnicos inici-aram uma pesquisa exaustiva sobre arealidade do tema de modo a podercompilar um conjunto de documen-tos que servissem de apoio ás acções.Assim, a linha condutora que consubs-tanciou a introdução ao documentode divulgação das acções focalizou al-guns aspectos, que fizeram parte dosuporte do programa, e que salienta-mos «A Sindrome de Burnout é umtermo do foro psicológico que descre-ve um estado de exaustão prolongadae redução de interesse, nomeadamen-te em relação ao trabalho (...) Seja qualfor a definição o facto é que, entre ou-tros, os/as trabalhadores/as da saúdesão potenciais vítimas desta síndrome(...) Burnout estabelece uma relaçãocom a situação de stresse ocupacional

sendo considerado como uma das con-sequências negativas mais marcantescomo a auto avaliação negativa e o de-sinteresse por tudo e por todos (...) Ocustos desta síndrome são elevados pa-ra os profissionais com consequênciasfísicas, psíquicas e comportamentais,algumas irreversíveis, para as institui-ções que integram e para a sociedadeem geral». O facto de ser uma situa-ção preocupante e potenciadora de ví-timas, implicou que proporcionalmen-te à frieza dos números e do real fosseapontado um caminho de positividade«Mas, tal como é possível descrever eviver com stresse em termos positivos(eustresse) é possível lidar com a sín-drome de burnout em termos preventi-vos. Para isso é necessário conhecê-la,compreendê-la e aprender a lidar comela». Este foi o móbil desta primeira fase.O programa das acções de sensibili-zação foi distribuído em 4 fases:1ª. «Os números e os dados...» em quese procurou mostrar, através de da-dos estatísticos, os resultados dessesinúmeros estudos sobre a temática noMundo, na Europa e em Portugal;2ª. «The only person without stress isa dead person» (Hans Selye) onde seexplicitaram os conceitos que, a mon-tante e jusante do burnout, poderiamclarificar a situação, nomeadamente oStresse (positivo e negativo), Burnout,Factores Etiológicos, Sintomas Físicose Manifestações Emocionais e compor-tamentais. Ainda nesta fase introduziu-se o instrumento de avaliação do Burn-

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out «Maslach Burnout Inventory eapresentaram-se 3 estudos, publicadosem 2008, sobre situações de Burnoutem especialidades clínicas;3ª. «Causas potenciadoras em Médi-cos, Consequência e Prevenção» ondese procurou direccionar para os pro-fissionais de medicina o diagnóstico eprognóstico da problemática. Para estafase o suporte foi um conjunto de estu-dos internacionais e nacionais que fi-zeram o inventário das áreas de espe-cialidade mais atingidas e os factoresmais emergentes de gerar situações deburnout. Ainda nesta fase foi apresen-tado um estudo de caso para interac-ção com os participantes;4ª. «Burnout – Engagement» onde seelaborou uma nota conclusiva da abor-dagem geral e se apresentaram um con-junto de conceitos tendentes a dar umnovo caminho ao Burnout procuran-do deixar algumas notas de como li-dar com ele e não deixar que se tornenuma situação de exaustão, passandoa linha do «borderline», impedindo quea porta do erro, da renúncia e do limi-te se abra como forma de solução.As acções decorreram, este ano, em Maionas Distritais de Ponta Delgada/R.A.dosAçores, Grande Lisboa, Lisboa e Funchal/R.A. da Madeira; em Junho nas Distritaisde Setúbal, Évora e Faro; em Julho nasDistritais do Oeste/Caldas da Rainha ePotalegre; em Outubro nas Distritais daTerceira/R.A. dos Açores e em Beja. Porrazões que nos ultrapassam não se rea-lizou na Distrital de Santarém.As acções, que envolveram mais de 250participantes decorreram, por decisãoorganizativa de cada Distrital, nas se-des de cada Distrital e nos Hospitaislocais. As sessões tiveram uma duraçãomédia de 4 horas, conforme o previsto,e foram sempre muito participadas compedidos de esclarecimentos, perguntas,críticas, apresentação de casos pesso-ais e de conhecimento geral, comentá-rios e sugestões. Em cada sessão esti-veram presentes jovens internos, diri-gentes clínicos, médicos/as de longacarreira e de várias especialidades bemcomo, em algumas Distritais, Psicólo-gos/as, Enfermeiros/as e outras profis-sões da saúde que não médicos/as.

De entre os vários pontos abordadostiveram especial atenção na discussãoos dados com origem num estudo naci-onal, que convergem com os dados re-colhidos de estudos internacionais, e quereferem consequências para os/as pro-fissionais de medicina como, «Os médi-cos têm frequente conflitualidade famili-ar e divorciam-se vinte vezes mais do quea população geral», «A doença psiquiá-trica em médicos tem uma prevalênciasuperior à da população em geral» e «Ataxa de suicídio é mais elevada nos mé-dicos do que na população em geral».Ainda neste contexto importa realçaro conjunto de notas potenciadoras doBurnout, que constituem um inventá-rio de situações, como «A dedicaçãointegral à medicina e a vida adiada»,«A formação insuficiente nas relaçõesinterpessoais e no saber-ser»; «A idea-lização do poder médico»; «O deficitde recursos humanos e materiais, osambientes não protegidos, a imagemdas organizações de saúde e os riscosemocionais»; «A não cultura de que afinalidade de curar nem sempre é viá-vel e trabalhar com dependência, so-frimento e morte» e «As mudanças daspolíticas de saúde são geradoras decontradições e incoerências, a progres-siva redução de autonomia, a falta defeedback positivo e os conflitos compapéis familiares e sociais».Curiosamente entre as variadas posições,de cepticismo, de apoio ao problema, defundamentalismo, de desânimo e de op-timismo sobressaiu um ponto comum: oproblema existe, as causas são conheci-das e é necessário conseguir «um cami-

nho que não fique pelo caminho». Unâ-nime foi o apoio à inciciativa do Conse-lho Regional Sul, e da Ordem no geral,um aplauso pela coragem de falar altode um tema tabú. Igualmente consensualfoi de que este projecto deveria ser ex-tensivo às restantes Secções.Apraz dizer que o contacto que tivemosantes de cada sessão, a participação ac-tiva no seu decorrer e os inúmeros con-tactos via e-mail e telemóvel depois dasacções vieram provar que o projecto éuma medida acertada e assertiva e que,nesta fase não é possível voltar atrás.Depois destas acções «nada mais serácomo dantes». Podemos referir que de-pois deste periodo de campo já tivemoscontactos para mais acções quer emDistritais onde já estivemos, quer parazonas de especialidades específicas emunidades hospitalares, bem como de ins-tituições académicas que tiveram conhe-cimento das acções.E terminamos esta observação com ascitações com que finalizámos as sessões,«Sem lugar a dúvidas, a droga mais fre-quentemente usada na clinica geral éo médico mesmo» (Balint, 1988),«Sem trabalho a vida é pobre masquando o trabalho é sem alma, a vidaasfixia» (Albert Camus).

Departamento de Formação do Con-selho Regional SulDavid Pires Barreira – PsicólogoJosé Magalhães – PsicólogoTeresa de Sousa – SecretariadoNídia Zózimo – Directora do Depar-tamento de Formação do ConselhoRegional Sul

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Sempre achei este artigo 95º algo deextraordinário. Está lá, preto no bran-co. Os médicos, através do seu órgãomáximo, a Ordem, assumem em plenoo seu dever de se auto-fiscalizarem. Éaos próprios médicos, e não a outros,que cabe o «dever indeclinável» de de-nunciar fraudes ou incompetênciasgraves de outros médicos. Os médi-cos constituem-se em polícias delespróprios. E está certo. Todos sabemoscomo a nossa profissão é difícil e com-plexa. Não é fácil diferenciar um casoem que é a doença que nos engana,ou nós que nos enganamos, mas sem«incompetência grave», de um outrocaso em que somos fraudulentos ougravemente incompetentes. Não é fá-cil diferenciar um e outro caso mesmopara nós, médicos, quanto mais paranão médicos! Por isso, está certo. De-vem os médicos ser os polícias delespróprios. E, por outro lado, se todosos médicos assumirem esse papel, será

O Artigo 95º«É dever indeclinável do Médico comunicar à Ordem, de forma rigorosa,

objectiva e confidencial, as atitudes fraudulentas ou de incompetência grave

no exercício da Medicina de que tenha conhecimento, aceitando depor nos

processos que em consequência venham a ser instaurados.»

Artigo 95º, Código Deontológico de 1985 da Ordem dos Médicos.difícil a um médico fraudulento ou gra-vemente incompetente conseguir es-capar ao escrutínio daqueles ao ladode quem trabalha todos os dias.E depois, como está bem redigido oartigo! A maneira como está expresso«dever indeclinável». Não nos pode-mos furtar a este dever. Ou como seespecifica «de forma rigorosa, objecti-va, confidencial». Não basta lançarboatos, lavar roupa suja em públicoou destilar inimizades. Se há fraude ouincompetência grave, há que a comu-nicar «de forma rigorosa, objectiva,confidencial». Ou o pormenor de seadjectivar a «incompetência grave».Não se propõe denúncias de peque-nos erros, enganos ou esquecimentosa que todos estamos, inevitavelmente,sujeitos. O objectivo é identificar frau-des (enganar os doentes de forma pro-positada) ou incompetência grave (nãoadmissível na prática normal de ummédico normal).

É por tudo isto que sempre considereieste artigo 95º como uma afirmaçãoextraordinária da auto-regulação dosmédicos pelos médicos.O novo código deontológico foi pu-blicado em Diário da República de 13de Janeiro de 2009. Desapareceu oartigo 95º. Nenhum outro equivalenteo substitui. O novo código determinao que é correcto ou incorrecto deon-tologicamente. Mas não especifica aquem cabe o dever de comunicar àOrdem o incumprimento dessas regras.Esse vazio é perigoso. Se não nos assu-mirmos a nós, médicos, como os fisca-lizadores da nossa própria actividade,não tenhamos dúvidas que outros as-sumirão esse papel. Perdemos nós nanossa dignidade, perdem todos os por-tugueses na funcionalidade do sistema.

Tiago Tribolet de AbreuAssistente Hospitalar de Medicina

Interna

Exmo. Sr. Bastonário:

O novo Código Deontológico da Or-dem foi publicado a 13 de Janeiro de2009.Li-o com atenção, como, logoapós o final da minha licenciatura, otinha feito ao Código anterior. A sualeitura mereceu-me duas apreciaçõescríticas, a primeira das quais envieipara publicação na Revista da Ordemdos Médicos (ROM) a 13 de Fevereirode 2009. Ainda não foi publicado.Neste entretanto, a ROM passou a in-cluir um «suplemento» da Secção Re-gional do Centro, onde membros des-ta secção têm todo o «tempo de ante-

É isto que queremos para a Revista da Ordem?Passamos a publicar carta que foi dirigida ao Presidente da Ordem dos Médicos.

na» que entenderem para expressa-rem as suas opiniões pessoais, incluin-do ataques à direcção nacional da Or-dem, democraticamente eleita.É isto que queremos para a Revista daOrdem? Um local em que, em nomeda liberdade de expressão, se lava rou-pa suja em público, em que se escrevecomo intuito de atacar pessoalmenteeste ou aquele?Sempre entendi que não. A ROM servepara os médicos expressarem opiniõesou preocupações sobre aspectos téc-nico-deontológicos da sua profissão, eserve para a Ordem com eles comuni-car sobre esses mesmos aspectos. Foi

nesse sentido que enviei o artigo queacima referi, há já 10 (!!) meses. Aguar-do, esperançoso, a sua publicação, parapoder enviar o segundo e assim, denovo esperançoso, eventualmentedespoletar alguma discussão útil sobreo novo Código Deontológico.«Conhecendo-o» pelo que escreve eexpressa, estou certo da sua concor-dância, pelo menos parcial, com este meudesabafo. Desconheço é se irá fazer algopara mudar este estado de coisas.

Um abraço,

Tiago Tribolet de Abreu

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Helena PorfírioPediatra

Desta vez por causa da Gripe A(H1N1) as perguntas são: «Tu vais to-mar a vacina?», «Se eu não acredito navacina vou aconselhá-la às minhas grávi-das, às minhas crianças?» apreensivapermito-me tecer algumas considera-ções:Somos Corpos Especiais. A classeprofissional dos médicos bem como ados enfermeiros e outros técnicos desaúde somos «Corpos Especiais»2. Te-mos por isso a responsabilidade de es-tar e de nos mantermos aptos a tratare a cuidar dos outros. A todo o mo-mento face a determinadas situaçõespodemos ser chamados a apresentar-mo-nos na linha da frente. A Socieda-de Civil e o Estado deram-nos esse es-tatuto denominado de Corpos Especi-ais, temos por isso o privilégio de ser-mos os primeiros a tomar a vacina, mastemos esse privilégio porque temos essaresponsabilidade perante a sociedade.Não está em causa que para qualquertratamento seja necessário dar o seuconsentimento informado. Disse bem:informado. Porque quando devolvo apergunta «mas porque é que não tehás-de vacinar?» as respostas vêm eiva-das de alguns argumentos de poucaevidência científica. «Mas a vacina ain-da não tem estudos», «Oh! Afinal a gri-pe A não é nada do que «eles» anda-ram para aí a apregoar, um exagero!»,«a ministra finlandesa disse...» «na te-levisão e nos telejornais diz-se..» asrespostas aparentam um certo medo.

– Vou tomar a Vacina da Gripe A?– Claro! Vou tomar a Vacina!!

Como pediatra sou algumas vezes interpelada por colegas de outras especi-

alidades em relação a alguns assuntos e particularmente em relação a vaci-

nas. Como tomar, como juntá-las quando são várias, o que as contra-indica, a

tosse, a rinorreia isolada, a constipação, etc, etc.1

Face a estes argumentos está emcausa a formação pré-graduada.Está em causa o COMO aprendemosa «medicina baseada na evidência», ocomo aprendemos a «saúde pública»,o como aprendemos a «medicina pre-ventiva» e até a farmacoterapêutica.Uma coisa é saber «o quê», isto é osconteúdos programáticos, saber OQUE está nos livros, outra é saber rela-cioná-los com o quotidiano e com assituações de excepção como é umapandemia. O saber aplicar os conteú-dos programáticos da medicina pre-ventiva, os da saúde pública, os damedicina baseada na evidência, o sa-ber usar os conceitos aprendidos naescola, usá-los no dia-a-dia. Ficou de-monstrada aos alunos a eficácia, a efi-ciência e a efectividade das medidasda saúde pública e as da medicina pre-ventiva?O médico, a pessoa – a sua rela-ção com o doente… «Se eu nãoacredito na vacina vou aconselhá-la àsminhas grávidas, às minhas crianças?»Pergunto: Então se sou fumador nãofalo aos meus doentes/utentes/clientesnos malefícios do tabaco? Não lhes in-dico a Consulta de Desabituação Tabá-gica? Se sou obeso ou tenho excessode peso, ou seja se me incluo nessecontingente pandémico da obesidade,não aconselho exercício físico e umacorrecta alimentação a todos os meusdoentes, tanto a gordos como a ma-gros? O que é ser médico?A responsabilidade médica. É pre-ciso saber que hoje o doente é muitomais instruído, informado, exigente em

termos de qualidade e reivindica maisos seus direitos. Existindo orientaçõestécnicas precisas por parte das orga-nizações creditadas para as emitireme não sendo estas aconselhadas ouprescritas pelo médico, mais tarde pe-rante uma morte ou uma sequela re-sultado da doença que poderia ter sidoprevenida, os familiares, ou o próprio,poderão vir a processar o médico ouo serviço de saúde por não terem sidoseguidas aquelas orientações3.A relação com a Autoridade. Estátambém em causa a relação de confi-ança ou se quiserem a relação de au-toridade para com os organismos quedetêm o poder de emitir orientações.Falo da OMS e da EMEA, poderia falarde outros, são organismos de elevadaqualificação científica e técnica, de ca-rácter internacional, que reúnem peri-tos em diversas áreas de elevada cra-veira profissional. Falo também da DGS.Contudo vivemos numa época em queessa autoridade, esse poder, é facilmen-te posto em causa. Atribuo-o aos massmedia clássicos (jornais, tv, rádio) e aosnovos media sociais (blogs, wikis, micro-blogging, twitter, etc) são ferramentaspoderosas e são usados pelas pessoaspara socializar, partilhar, comunicar, co-criar, contar histórias, colaborar, etc.Mas contêm em si a sua própria nemésis,podem veicular informação errónea einstantaneamente atingir toda a Webe automaticamente o mundo real. Atransparência existente nos media so-ciais é a nova objectividade. Esta trans-parência não é só desejável ela é ine-vitável, as pessoas confiam umas nas

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outras e não têm problemas em unirforças on e off line para o melhor. Porisso é obrigação da OMS, da EMEA eaté da DGS como comunicadores en-tender isso e tentar estar presente, aí,onde se encontra o público, criandovalor acrescentado.Quanto aos estudos clínicos, hou-ve contingentes populacionais que fo-ram os primeiros a ser vacinados, ten-do sido estudadas nestes a respostaimunológica induzida pela vacina bemcomo as suas reacções adversas. Deresto trata-se de uma vacina inactivadae a sua metodologia de fabricação éamplamente conhecida. A aprovaçãode um novo medicamento evoluiu mui-to, é hoje um processo altamente qua-lificado que obedece a regras pre-cisas, cada vez mais apertadas.Quanto à pandemia afinal não sero que se julgou. É de lembrar queos objectivos das medidas de saúdepública preconizadas, nas fases de con-tenção, transição e agora de mitigação,foram a diminuição da mortalidade eevitar a disrupção social e económicaentre outras. As medidas de conten-ção da Gripe pandémica A H1N1, fo-ram e têm sido as correctas. São sinaisda grande complexidade civilizacionalque vivemos. Pela 1ª vez na história damedicina e da humanidade foi possí-vel detectar, identificar, seguir geográ-fica e epidemiologicamente uma doen-ça altamente contagiosa. E mais: atra-

vés de medidas simples mas conhecida-mente eficazes (lavagem das mãos, eti-queta respiratória e isolamento dedoentes) foi possível impedir a progres-são avassaladora da epidemia que iriaprovocar a temível disrupção social eeconómica como as anteriores pande-mias provocaram. Por outro lado, pela1ª vez sob os auspícios das entidadesinternacionais creditadas, a OMS, aFDA, a EMEA (não há nenhumas maisacima delas em qualidade técnico-ci-entífica e imparcialidade), foi possívelorganizar as entidades privadas, labo-ratórios e distribuidoras, para se fabri-car uma vacina a tempo de contribuirtambém para a contenção da epidemia.E pela 1ª vez face a recursos escassos(o nº de vacinas/população) foi possí-vel organizar a sua distribuição de for-ma aceite pela população baseada emcritérios exclusivamente médicos e nãosocioeconómicos.Se não vemos «mais» (em quantidade)doença deve-se àquelas medidas. Se nãoé muito mais grave em termos de nº demortos e de nº de dias de doença issodeve-se às características de virulênciado vírus, felizmente que assim foi. Con-tudo Apesar da mortalidade não serelevada, o certo é que morrem grávi-das não vacinadas, adultos jovens e cri-anças os quais representam uma perdasocial muito significativa. Constituemperdas enormes para a sociedade.Por tudo isto estamos, humanidade, de

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parabéns. Estamos Ministério da Saú-de do Governo de Portugal e Direc-ção Geral de Saúde de Parabéns (nãodevemos ser parcos em elogios, por-que também não o somos em críticas).Finalmente, espero que desta situ-ação da Pandemia da Gripe A H1N1se retirem muitos ensinamentos eque aquelas atitudes e práticas queforam introduzidas se mantenham ese venham a replicar para outras si-tuações. Contudo, voltando à vaci-na, se nem sequer os médicos e osenfermeiros se vacinam, então a Saú-de e a Medicina com letra grandeainda têm muito a melhorar. Há mui-to trabalho a fazer!

1. Vacina Pandemrix®: informaçãocomplementar à Circular Normativa nº17A/DSPCD de 13/11/09 Nº: 45/DSPCDde 21/11/092. «…são justificados, legislativamente,como carreiras com um nível deresponsabilidade, estatuto, exigência,perigosidade, requisitos ou conteúdosfuncionais especializados que justificamum regime específico de retribuição».(googlar corpos especiais).3. O mesmo se pode passar em relaçãoao incumprimento das OrientaçõesNormativas existentes em relação àavaliação, prevenção e/ou tratamentocorrectos da dor no paciente com doraguda ou com dor crónica, tantas vezesesquecidas por nós nos planosdiagnósticos e terapêuticos.

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De quem é a fotografia de Che que Korda tirou?A quem pertence essa foto?De quem é a fotografia «Gare Saint-Lazare, Paris 1932» que H. Cartier-Bresson tirou?Do fotografado ou do fotógrafo?Do objecto ou do intérprete?O que significa «tirar» uma foto?De quem é o quadro Mona Lisa?De quem são os estudos para a Mona Lisa?De quem é/era o «negativo» de uma fotografia comercial (retocada)?De quem são os dados do processo clínico?Do doente? Do médico? Dos médicos? Do processo do?Os dados serão «do» doente; sê-lo-ão as interpretações que,sobre eles, o médico tiver feito?O que significa propriedade, neste contexto?Que consequências terão as decisões que tomarmos?Um processo clínico sem interpretações – limpo, sem riscos, defensivo?Pior a emenda que o soneto?Em vez de se tentar corrigir o defeito de uma parte, substitui-se amaçã bichoca por uma abóbora GM?O arguido poderia fazer valer o seu direito processual penal a não seauto-incriminar.

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/28-12-2009/condutores-podem-recusar-testes-de-alcool-no-sangue condenacao-ilegal-18488198.htm

De quem são os dadosdo processo clínico?

«Gare Saint-Lazare, Paris 1932», Henri

Cartier-Bresson

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As transformações ocorridas nos nos-sos Hospitais Públicos, intituladas de«Epezação» pela Dra. Manuela Arcan-jo, não trouxeram os benefícios espe-rados a nível financeiro, resultando umaumento significativo do défice das con-tas dos mesmos, tendo obrigado a umorçamento rectificativo no final de 2009.Desta forma, e apesar de atingidos al-guns objectivos estabelecidos no fun-cionamento destas unidades de saúde,o resultado financeiro – que não estásob a alçada da intervenção dos médi-cos – não foi o desejado. No entanto,e porque a União Europeia assim odita, o défice das contas públicas teráque descer, e o mesmo se aplica aodéfice dos Hospitais Públicos.Ora, se o défice aumentou, também ahonrosa classificação de 12º lugar en-tre 195 Países atribuída em 2001 à per-fomance do nosso Sistema de Saúdeutilizando indicadores idênticos paratodos os países, pela Organização Mun-dial de Saúde (OMS), tem vindo suces-sivamente a descer. Portugal ocupa hojeo 25º lugar do ranking europeu.Apesar dos esforços, e empenhamento,dos nossos administradores hospitala-res, equipas administrativas, médicos,enfermeiros e outros técnicos de saú-de empenhados em executar as estra-

Clínica privada: Do nó cego ao nógordio – Janeiro 2010Após uma leitura cuidada, na revista da Ordem dos Médicos (Out/Nov 2009),

da transcrição de algumas afirmações proferidas pela Dra. Manuela Arcanjo,

no debate ocorrido no passado dia 23, e após 40 anos de prática em clínica

pública e privada em Portugal, e no estrangeiro (EUA, Canadá e Reino Uni-

do), quis, como solicitado pela revista da Ordem, colaborar com o envio de

alguns comentários e análise do ponto de vista médico, assim como contri-

buir com a formulação de algumas sugestões que fazem hoje sentido, e que

podem ser aplicadas.

tégias políticas implementadas nos úl-timos 8 anos, a melhoria dos resulta-dos permanece longe do desejável.No mesmo debate o Professor Pita Bar-ros afirmou «que a medicina é uma acti-vidade demasiado complexa e específicapara ser gerida só por não-médicos», oque pode levar facilmente à interpre-tação que o afastamento da classe mé-dica dos locais de decisão pelas estra-tégias implementadas provocam resul-tados insuficientes, apesar do aumen-to substancial da despesa com os in-vestimentos feitos pela tutela em to-das as áreas da Saúde. Este é precisa-mente o mesmo fenómeno verificadono Reino Unido, que as nossas autori-dades da Saúde insistem em seguircomo modelo – embora não sendo oideal, como todos sabemos.Numa análise simplista, gostaria de po-der acreditar que o nosso Sistema deSaúde que conseguiu em cerca de 25anos, atingir resultados tão excepcio-nais que o levaram ao topo da tabelada classificação Mundial em 2001, comparâmetros «como a redução da mor-talidade infantil e perinatal; a reduçãodos anos de vida perdida por morteprematura; a redução das taxas de mor-talidade padronizada; o crescimento daesperança de vida à nascença e o cres-

cimento da esperança de vida saudá-vel ou ajustada por incapacidade», paracitar apenas alguns exemplos, que estelugar foi possível por ter ocorrido noperíodo anterior, quando os médicose restante pessoal da Saúde tinhammeios de intervenção, participação edecisão nos destinos do Sistema, o queveio a ser substancialmente alterado.Mais, o sistema misto que funcionavaentão com a Medicina Pública, conven-cionada e privada, estava razoavelmen-te articulado, caso contrario não teriasido possível um resultado tão positivo.Na última década, vimos surgir as gran-des alterações, algumas já menciona-das como os Hospitais EPE, um novosistema de cuidados primários comuma notória melhoria no seu funciona-mento e nos seus resultados, mas comproblemas significativos a nível da Ur-gência, relacionados também com a re-duzida participação da classe médicaa nível da sua pirâmide hierárquica,para não referir a ausência de forma-ção dos médicos mais jovens, comoexistia anteriormente.Nesta fase, surgem mais nuvens no hori-zonte apesar dos investimentos signifi-cativos de alguns grupos privados esemi-estatais no «negócio da Saúde»,o que podia finalmente, ter levado o

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nosso Sistema de Saúde para uma faseinovadora, através do Cartão de Utente,permitindo a todos os cidadãos recor-rer aos cuidados públicos ou privados,de forma indiscriminada, espelhada naexpressão britânica «let the Money ofour Taxes follow the Patients».Esta fórmula acabaria de vez com aslistas de espera e com as diferenças deatendimento e tratamento, com eviden-te satisfação da população – que até àrecente crise económica mundial, ti-nha na Saúde, a sua maior preocupa-ção. Este é o modelo seguido, por exem-plo, pelo Estado Francês, que, como é

sabido, usufrui de um dos melhoresSistemas de Saúde a nível Mundial.Recordemos ainda que, à excepção docontrato da ADSE com algumas insti-tuições privadas, o nosso sistema deSaúde continua demasiado rígido, nãosendo aproveitados todos os recursoshumanos, assim como o equipamentopúblico e privado, numa perspectivade complementaridade, como seria de-sejável e facilmente exequível dado ofacto dos valores dos actos médicos,ou de intervenção, estarem hoje codi-ficados na sua totalidade – e por sinal,a níveis inferiores no privado.

Uma possibilidade passaria por umconcurso de fornecimento de serviçosa nível nacional, ou regional, que leva-ria seguramente os preços a um pata-mar razoável – obrigando, no entanto,à transparência, que é apanágio da cha-mada Economia de Mercado a que oEstado também ficaria obrigado – e ali-viado, pois assistiria, como num NóGórdio, a uma solução muito mais sim-ples, rápida e democrática que a reali-dade do Sistema vigente.

Pedro Abreu LoureiroMédico Cardiologista

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É necessário redefinir o conceitode Processo Clínico?

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Terá esta interrogação razão de ser nomomento presente é a pergunta que al-guns colocarão. Penso que sim, e umadas razões que me levou a escrevinharestas linhas prende-se com o artigo deopinião publicado na ROM de Outubro/Novembro 2009 e subscrito pelo meuamigo Rosalvo Almeida com o título «Dequem são os dados do processo clíni-co?». Se o não tivesse feito evocando tam-bém a qualidade de membro do Conse-lho Nacional de Ética para as Ciênciasda Vida, teria limitado a discussão a umastrocas de e-mails, mas apesar de tudoparece-me que esta problemática mere-ce ser mais amplamente debatida.O artigo 100º do nosso Código Deon-tológico (Regulamento nº 14/2009, DR,2ª Série, de 13/01/2009) é claro ao es-tabelecer o DEVER de documentaçãoquando refere o registo cuidadoso dosresultados que o médico considere rele-vantes das observações clínicas dos do-entes a seu cargo conservando-os aoabrigo de qualquer indiscrição, de acor-do com as regras do segredo médico. Éigualmente claro ao indicar qual a suafinalidade (memória futura e comunica-ção entre profissionais) e ao definir queo médico é o detentor da propriedadeintelectual dos registos fá-lo com a sal-vaguarda expressa do não prejuízo dosdoentes e das instituições onde o médi-co trabalhe. E se dúvidas existissem so-bre o princípio do respeito pela autono-mia do doente também lá está plasma-do o DIREITO do doente a conhecer a

informação registada no seu processoclínico, a qual lhe será transmitida, serequerida, pelo próprio médico assistenteou, no caso de instituição de saúde, pormédico designado pelo doente para esteefeito.É a esta intermediação de médico que éconsiderada, por alguns, de «paterna-lismo-anacrónico» e pretensamente limi-tativa do direito ao conhecimento dosDADOS clínicos do doente, indo mes-mo ao extremo, em alguns países, aoreconhecimento legal de que o doentesendo proprietário dos seus dados poderesolver que eles sejam apagados (comou sem rasto electrónico).Mas o que contem o actual e generica-mente considerado processo clínico?Conterá só DADOS CLÍNICOS objecti-vos do doente?Todos nós sabemos que não. Para alémdos dados clínicos objectivos contémtambém o registo de dados opinativospor parte dos profissionais (que são desua «propriedade intelectual»), contémmuitas vezes informações de terceiros(familiares ou não) cujo direito constitu-cional à privacidade é mandatório pre-servar e, não menos importante, poderáconter matéria que ao segredo médicoobriga.O que entendeu o legislador?A Lei nº 67/98 (art. 11º) e a Lei nº 12/2005 (art. 3º) acautelavam estas situa-ções ao colocarem obrigatoriamente ummédico como intermediário, tipificandoainda esta última Lei uma situação, nadefesa do doente, em que partes do pro-cesso não seriam do seu acesso, em si-tuações excepcionais e obrigatoriamen-te fundamentadas desde que seja ine-quivocamente demonstrado que isso lheseja prejudicial.O Artigo 157º do Código Penal excep-ciona a comunicação dos factos que osmédicos entendam que se forem conhe-cidos pelos doentes sejam susceptíveisde pôr em perigo a sua vida ou de lhecausar grave dano à saúde física ou psí-quica (Privilégio Terapêutico).A lei aqui seguia a ética.É então que surge a Lei nº 46/2007 (Leide Acesso aos Documentos Administra-

tivos – LADA) que ao considerar o Pro-cesso Clínico um documento adminis-trativo nominativo lhe permite um totalacesso por parte do doente e em que aintermediação por médico só será feitase o requerente a solicitar.Esta situação criou um bicefalismo legal,de constitucionalidade duvidosa, pois sóse aplica aos doentes do sistema público,continuando os doentes dos sistemasprivados obrigados à intermediação domédico para obtenção dos seus dados.No entanto, é importante referir (art. 3ºnº 2 da LADA) que as notas pessoaisdos médicos, esboços, apontamen-tos ou outros registos de naturezasemelhante NÃO são consideradosdocumentos administrativos pelo queobrigatoriamente teriam que ser expur-gados.Sabem os colegas que hoje JÁ é práticanalgumas instituições, ao abrigo da Leinº 46/2007, a fotocópia integral dosprocessos clínicos desde que seja feitoum requerimento assinado pelo doenteou pelo seu legal representante?Anuncia-se nova Lei e espera-se o avan-ço do Registo de Saúde Electrónico.Atendendo às movimentações já indi-ciadas e à pressão das Seguradoras, cujointermediário médico só «atrapalha», ecom uma cláusula (em letras miudinhas)poder-se-á obrigar os segurados (se sequiserem segurar) a autorizar o conhe-cimento integral do processo clínico.Será isto em defesa dos doentes?Contendo um processo clínico dadosclínicos objectivos, notas pessoais domédico, informação de terceirose,eventualmente, matéria de âmbito doprivilégio terapêutico e sendo o registono Processo Clínico (em papel ou elec-trónico) um dever deontológico do mé-dico, um dever contratual do médico etambém um importante meio de provaem tribunal, terei que forçosamente con-cluir que: ou se modifica o Proces-so Clínico ou se regulamenta comseriedade o seu acesso no todo eem parte. Se tal não vier a acontecertemo que o «defensismo» médico possavir contrariar os deveres dos médicos eos legítimos direitos dos doentes.

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