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PENSE Direito – Revista de Direito das Faculdades Integradas Barros Melo. v.4 - n.7 - Dezembro 2011 -Publicação Científica - ISSN 1983-5957 Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo Volume 4 - número 7 - Dezembro - 2011 Edição Especial NÚCLEO PERMANENTE DE ESTUDOS EM CIÊNCIA POLÍTICA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS

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REVISTA ACADÊMICA MULTIDISCIPLINAR “PENSE” VIRTUAL EDIÇÃO ESPECIAL - NÚCLEO PERMANENTE DE ESTUDOS EM CIÊNCIA POLÍTICA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS A Revista Acadêmica das Faculdades Integradas Barros Melo tem por escopo a publicação científica de artigos acadêmicos. Os artigos são de responsabilidade dos respectivos autores, não refletindo necessariamente a opinião do Conselho Editorial acerca do conteúdo dos mesmos. Direitos Reservados à AESO – Faculdades Integradas Barros Melo.

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PENSE Direito – Revista de Direito das Faculdades Integradas Barros Melo. v.4 - n.7 - Dezembro 2011 -Publicação Científica - ISSN 1983-5957

Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros MeloVolume 4 - número 7 - Dezembro - 2011

Edição Especial NÚCLEO PERMANENTE DE ESTUDOS EM CIÊNCIA

POLÍTICA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS

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REVISTA ACADÊMICA MULTIDISCIPLINAR “PENSE” VIRTUALEDIÇÃO ESPECIAL - NÚCLEO PERMANENTE DE ESTUDOS EM CIÊN-CIA POLÍTICA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS

Conselho editorial

Alexandre Henrique Tavares Saldanha - Mestre em DireitoSandra Ferreira de Lima - Mestre em MultimeiosMatthew Gerard O"Connor - Mestre em Ciência Política

Editor: Lucas Tavares Galindo Filho - Mestre em Sociologia e Metodo-logia CientíficaCoordenação técnica: Sydia Magnólia Pinto Sousa – Especialista em Informação Tecnológica – CRB-4 1246Diagramação: Andreza de Souza – Livro RápidoRevisão ortográfica: Gabriele GomesProjeto gráfico: Renato JoséAraújo de Albuquerque

A Revista Acadêmica das Faculdades Integradas Barros Melo tem por escopo a publicação científica de artigos acadêmicos. Os artigos são de responsabilidade dos respectivos autores, não refletindo neces-sariamente a opinião do Conselho Editorial acerca do conteúdo dos mesmos.

Direitos Reservados à AESO – Faculdades Integradas Barros Melo.

Copyright by Ensino Superior de Olinda Ltda-AESO.

A Ensino Superior de Olinda Ltda - AESO cumpre, rigorosamente, a Lei do Depósito Legal (Lei nº 1.825 de 20 de dezembro de 1907), sendo a Revista das Faculdades Integradas Barros Melo, preservada como patrimônio jurídico-literário na Biblioteca Nacional.

É permitida a reprodução parcial dos artigos, desde que citada a fonte.Solicita-se permuta / Exchange disued / On demande échange

Impresso no Brasil . Printed in Brazil – 2011

PENSE Direito – Revista de Direito das Faculdades Integradas Barros Melo. Olinda: AESO, v.3, n.3, 2011. 95p.AnualISSN 1983-5957

1. Direito - Periódicos. 2. Ensino Superior de Olinda – AESO. I. Faculdades Integradas Barros Melo.

CDD 340.05

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Editorial

Nascido no seio da Graduação em Direito, todavia aberto a todos os Cursos desta Co-munidade Acadêmica, o Núcleo Permanente de Estudos de Ciência Política, Relações in-ternacionais e Direitos Humanos tem como intento fundamental a promoção da inserção da Comunidade Acadêmica constituída pela AESO-FIBAM na Comunidade Cientifica e Operativa mundial numa perspectiva multidisciplinar naquilo que tange os campos da Ciência Política, das Relações Internacionais e dos Direitos Humanos, tanto do ponto de vista de uma fecunda produção intelectual e científica quanto da perspectiva da abertura à Comunidade num viés empírico-aplicativo e, finalmente, como abertura institucional ao diálogo e ao intercâmbio com outras Comunidades Acadêmicas esparsas no mundo inteiro.

Por consequência funciona também como elemento aglutinador dos interessados pelas temáticas relativas aos propósitos fundamentais, tanto numa perspectiva teórica quanto empírica. Entre suas atividades, figuram a organização de seminários locais, re-gionais e internacionais num empenho de inserir esta Comunidade acadêmica em redes de pesquisa e produção científica e intelectual em sintonia com o patrimônio clássico--contemporâneo composto pela perspectiva multidisciplinar e ao mesmo tempo unitária dos campos escolhidos como temas. Paralelamente tenciona promover cursos de exten-são e estabelecimento de relações de cooperação não somente entre as Comunidades Acadêmicas, mas concomitantemente com organismos supranacionais, como a Organi-zação Mundial das Nações Unidas e não somente.

No vasto universo de possibilidades de campos temáticos é possível enunciar como pontos de partida: a Declaração Universal; os deveres para com a Comunidade; o direito ao desenvolvimento; papel dos Estados nacionais na visão do desenvolvimento integral; o dever de cooperação; premissas epistemológicas; liberdade universal: o “globalismo democrático”; igualdade universal: a “democracia global”; fraternidade universal nas re-lações entre os Estados; as relações transnacionais: redistribuição e valores; os alvores de uma “teoria pragmática” da fraternidade universal; diálogo e construção de paz, comu-nidades continentais, mercados comuns etc.

A presente Edição Especial da Revista Multidisciplinar Acadêmica PENSE Virtual cons-titui sinal tangível da fecundidade desta iniciativa e, portanto, desta Comunidade Aca-dêmica, pois contém os artigos espontaneamente produzidos pelo primeiro grupo de Acadêmicos da AESO-FIBAM.

Neste momento um notável grupo de Acadêmicos continua o trabalho dos pioneiros: sejam eles multidões! E construam conosco, Instituição e Docentes, “o bem da humani-dade” 1.

Prof. M.Sc. Lucas Tavares Galindo FilhoEditor

1 Prof. Dr. Inácio de Barros Melo, Fundador da AESO – FIBAM, 11 de Abril de 1996.

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Beniti Soares de Vasconcelos & Isabella Melisa Barros

Intervenção da ONU no Haiti 07

Eliel Rodrigues Nogueira de Lira O Conselho de Segurança da ONU, sua repre-sentatividade no cenário político e econômi-co atual, a proposta de reforma e a candida-tura do Brasil a um assento permanente. 19

Gabriel dos Santos Medeiros Uma crítica à sociedade internacional 29

Marcos Renato de Albuquerque Os Direitos Humanos sob um olhar protetivo universal: a importância dos tratados inter-nacionais na incorporação do Direito Huma-nitário à Constituição Brasileira de 1988 35

Ana Regina Alencar Laurentino

Petros José da Rocha Brandão

Renato Kramer da Fonseca Calixto & Arthur Paiva César de Albuquerque

Maycon Charles Soares Cardoso

Lucas Tavares Galindo Filho

Direitos Humanos, consagração, autoafirma-ção e processo histórico 43

A problemática das relações de poder na for-mação dos Estados Nacionais no Continente Africano 51

Transconstitucionalismo: em busca de uma maior legitimidade na proteção dos Direitos Humanos 59

Sistemas de interações sociais: dádiva e es-colha racional. Uma perspectiva dos Direitos Humanos 65

“Por uma nova humanidade.” Fraternidade, Gratuidade, Amor, Reciprocidade, Ágape: Novas perspectivas teórico-práticas para as Ciências Sociais. (Versão revista e amplia-da). 73

Versão sintética e simplificada das normas para publicação de trabalhos 1 89

1 Além das ABNT/NBR e do patrimônio constituído pela coleção completa das Revistas PENSE Direito AESO – FIBAM, uma das fontes para a confecção do presente trabalho foi a síntese de Normas para publicação emitida pela Escola Superior de Magis-tratura de Pernambuco.

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Intervenção da ONU no Haiti

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INTERVENÇÃO DA ONU NO HAITI

Beniti Soares de Vasconcelos A Coautora é Acadêmica do segundo

período da Graduação em Direito das Faculdades Integradas Barros Melo

Isabella Melisa Barros A Coautora é Acadêmica do segundo

período da Graduação em Direito das Faculdades Integradas Barros Melo

O Haiti não deve cair no esquecimento, mas também é inaceitável que se submeta a joguetes políticos. Essa nação necessita ser pautada no respeito aos Direitos Hu-manos, na solidariedade e, sobretudo, na seriedade por parte dos seus administra-dores. Essa República precisa, enfim, liber-tar-se das correntes da nova escravidão: a econômica. Os Jacobinos negros precisam reagir.

O Haiti não deve cair no esquecimento, mas também é inaceitável que submeta-se a joguetes políticos. Essa nação necessita ser pautada no respeito aos Direitos Hu-manos, na solidariedade e, sobretudo, na seriedade por parte dos seus administra-dores. Essa República precisa enfim, liber-tar-se das correntes da nova escravidão: a econômica. Os Jacobinos negros precisam reagir.

Haiti, Direitos Humanos, ONU. Haiti. I diritti dell'uomo. Le Nazioni Unite.

Resumo Riassunto

Palavras-Chave: Parole-Chiavi:

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1. INTRODUÇÃO

Nesse presente trabalho será abordada toda temática no que concerne à intervenção da Organização das Nações Unidas na República Haitiana. Para tanto serão apresentadas noções sobre os Direitos Humanos, a ONU, bem como as causas motivadoras da Interpe-lação.

O Haiti vive um caos. Os dados são alarmantes e preocupam toda humanidade – ou pelo menos deveriam preocupar, já que os direitos de lá não são tão humanos assim. O que ocorre é que com a globalização dos Direitos Inerentes ao ser humano, passou-se a perceber uma responsabilidade mundial no que concerne aos direitos individuais, coleti-vos e difusos. Portanto é inadmissível que um Estado soberano não tutele essas questões naturais já consagradas em Revoluções como a Francesa e a Industrial ou que estão em vias de ratificarem-se na era contemporânea.

O Haiti precisa ser observado a partir de suas peculiaridades, de sua formação histó-rica, bem como de suas tragédias políticas e naturais. A intervenção no Haiti não pode transformar-se em invasão. É preciso respeitar os ideais de Liberdade, Igualdade e Fra-ternidade dos sonhadores haitianos, ou seja, os direitos de 1°, 2° e 3° Gerações.

2. DIREITOS HUMANOS E SUAS DIMENSÕES.

Os Direitos Humanos são garantidos por normas jurídicas superiores. Esses direitos são intrínsecos à natureza humana e sem eles o homem é incapaz de desenvolver-se ple-namente. A tutela dos Direitos Humanos era reservada a cada Estado soberano, sua rela-ção com a população correspondente não era suscetível a intervenções externas. Contu-do esses direitos não podiam restringir-se às fronteiras estatais, então houve a chamada internacionalização dos direitos.

A conquista dos Direitos Humanos ocorreu e ainda ocorre em decorrência das neces-sidades humanas, através de lutas sociais, ideologias e mentalidades. Os processos histó-ricos vividos por cada povo faz ascender a direitos que atendam a sua realidade espaço--temporal. A Evolução Histórica dos Direitos Humanos desencadeou a consagração dos direitos reconhecidos atualmente: civis, políticos, sociais, ambientais e econômicos. No entanto eles não foram conseguidos concomitantemente. Esses direitos são percebidos em três gerações.

3. OS DIREITOS DE 1°, 2° E 3° DIMENSÕES.

A primeira dimensão compreende os direitos da Liberdade, denominados civis e po-líticos (vida, propriedade, liberdade, intimidade, participação em processos político-de-cisórios). Estes foram conquistados a partir das revoluções liberais, que tinham como objetivo alterar a estrutura política, passando do Estado Absolutista para o Estado Libe-ral. Os direitos conquistados nesse momento são considerados direitos negativos, pois se opõem ao Estado.

A segunda dimensão compreende os direitos da Igualdade, os direitos sociais, bem como os direitos Econômicos e Culturais – são, portanto, direitos coletivos. O Estado pas-sou a intervir no domínio econômico e prestar políticas públicas, como educação, saúde, lazer e trabalho. São por isso mesmo direitos positivos, pois são conseguidos por meio do Estado, com a finalidade de distribuir a riqueza.

A terceira dimensão é constituída pelos direitos difusos – exemplos disso são os di-reitos do consumidor e ambiental. Essa dimensão foi consagrada logo após a II Guerra Mundial, almejando a fraternidade e solidariedade mundiais. Essa dimensão tem como

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Intervenção da ONU no Haiti

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propósito favorecer as classes minoritárias e promulgar a autodeterminação dos povos, bem como a soberania nacional e a não intervenção. É exatamente nessa época que nasce a ONU com a Declaração Universal Dos Direitos Humanos, corroborando todas as dimen-sões dos direitos vistos até aqui.

4. A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU): CONTEXTO HISTÓRICO E OBJETI-VOS.

Para uma melhor compreensão do intuito para o qual essa Instituição Internacional foi criada é preciso analisar o contexto histórico, bem como a sua estrutura política e os propósitos da Organização. A primeira tentativa de consolidar uma organização univer-sal para firmar um tratado de paz internacionalmente reconhecido foi após a Primeira Grande Guerra. Os países vencedores do conflito reuniram-se em Versailles, na França, em 1919, constituindo a Liga das Nações. Todavia a Liga ruiu, pois não tinha um poder executivo forte e não foi capaz de evitar a Segunda Guerra Mundial.

A ONU foi a sucessora desse Instituto. Nasceu em 1945 na Conferência de São Francis-co, com sede em Nova York, após a II Guerra Mundial. A nova organização reproduzia a “intenção” americana de reconstruir o mundo, sobretudo a Europa, e pretendia esta-belecer um governo mundial com uma ordem justa e pacífica. O Conselho de Segurança da ONU era formado por um diretório regido pelas 5 potências vencedoras da guerra, dispondo de assentos permanentes e do direito individual de vetar decisões. A Assem-bleia, formada pelo restante dos Estados-Membros, em contrapartida, não dispunha de autoridade para que suas resoluções fossem cumpridas, ficando restrita a aprovação de recomendações. Nota-se assim um vício de Representatividade. Demétrio Magnoli expli-ca, em seu livro Relações Internacionais, esse defeito da ONU: “ela emanou das relações de força geradas pela Guerra”.

Em 1948 foi aprovada a Declaração Universal Dos Diretos Humanos, que foi conside-rada o marco do reconhecimento dos direitos inatos à pessoa, tendo como prioridade a proteção da dignidade da pessoa humana. A ONU tem como missão tutelar os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à fraternidade, consagrando assim os direitos individuais, coletivos e difusos, além das liberdades fundamentais.

A Organização tem, em tese, como pilar o Princípio da Igualdade Soberana de todos os seus membros, proclamando a não intervenção, a autodeterminação e a soberania nacional. Porém essas características são limitadas, pois deve haver uma cooperação in-ternacional para solucionar problemas mundiais de caráter social, econômico, cultural e humanitário. Segundo a ONU, ela tem o papel de promover a paz e a segurança mundial, desenvolvendo relações amistosas entre as nações.

Nos tempos hodiernos a ONU possui 193 países membros. Sua sede central fica em New York e as outras estão localizadas em Genebra (Suíça), Veneza (Áustria) e Nairóbi (Quê-nia). A ONU possui vários órgãos, dentre os quais há 5 mais relevantes: Assembleia Geral; Conselho de Segurança; Secretariado; Conselho Econômico e Social e Corte Internacional de Justiça.

5. CAUSAS DA INTERVENÇÃO DA ONU NO HAITI

Pela própria história de instabilidade política, econômica, social e ambiental do Haiti, o mesmo sofreu e ainda sofre interpelação de outros países e da ONU. Essa ilha, quan-do colônia francesa, era uma das porções mais ricas da América Latina. Foi a primeira república negra a conquistar a Independência e sempre foi dotada de muitos recursos naturais que permitiam amplamente o seu desenvolvimento econômico. No entanto essa

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república nunca conseguiu efetivar sua soberania num processo político-democrático e clama por justiça e paz. Para entender as razões de como uma colônia em potencial transformou-se no país mais pobre das Américas e com um dos piores Índices de Desen-volvimento Humano do mundo, precisamos entender a sua História.

A República Haitiana foi invadida em 1492, por Cristóvão Colombo. Daí em diante a ilha foi colonizada através da escravização, da tortura e do genocídio. Os lucros obtidos pelos invasores decorreram da monocultura e dos latifúndios. Contudo a situação foi al-terada já que os haitianos insurgiram-se contra a discriminação do sistema escravocrata por influência dos ideais da Revolução Francesa e também pela Independência dos EUA. Mas somente em 1° de janeiro de 1804 os haitianos conquistaram finalmente a Indepen-dência da nação, encabeçados por Jean-Jacques Dessalines.

"A revolução Haitiana representa um testemunho da universalidade dos direitos do homem", afirma Carolyn Fick, professora no departamento de História, da Universidade de Concordia. As potências europeias e os governantes dos países escravocratas temeram que a revolução negra contagiasse as outras colônias. Por esse motivo não foi reconhe-cida a independência da nova nação e houve um bloqueio econômico, culminando na desordem política.

O período mais triste na história do Haiti iniciou-se em 1957, com a ditadura do médico François Duvalier, o Papa Doc. O regime repressor perseguiu seus opositores, torturando e assassinando muitos deles através dos tontons macoutes. O Papa Doc foi assassinado em 1971. Seu filho, Jean Claude Duvalier, o Baby Doc, apesar de ter incentivado o turismo e ter diminuído o isolamento econômico do país, deu continuidade ao regime de terror imposto pelo pai e governou até 1986. Foi deposto por um golpe militar.

O Haiti, de 1986 a 1990, foi administrado por governos provisórios. Em dezembro de 1990, Jean-Bertrand Aristide foi eleito, porém, poucos meses depois, foi deposto por um golpe militar. A ONU impôs sanções econômicas ao Haiti para forçar a volta de Aristide. Aristide vence novamente as eleições em 2000, mas sob suspeita de fraude e de pouca participação da população. Em sua gestão os problemas haitianos não obtiveram melho-ra. A violência, o desemprego e a corrupção continuaram.

Em 2004, sob pressão crescente da ala rebelde e muitos protestos, Aristide foge para a África e o Haiti sofre intervenção da ONU. Um governo interino assume, assim, o poder para organizar novas eleições sob o comando da Missão da ONU no país, a MINUSTAH.

Além disso o Haiti foi vítima de furacões, tempestades e um terremoto avassalador, que abalou ainda mais a economia e a infraestrutura do país.

6. MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ESTABILIZAÇÃO NO HAITI

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) foi criada em 2004 pelo Conselho de Segurança da ONU. O Mandato dizia ter como objetivo restaurar a ordem e a segurança públicas, bem como o Estado Democrático de Direito; monitorar os processos políticos e constitucionais e garantir os Direitos Humanos a toda população haitiana, além de tentar dirimir a epidemia de cólera e auxiliar as vítimas do terremoto.

Essa missão tem como fundamento a restauração da confiança de uma população em relação a seu país e isso é facilitado, segundo a ONU, por meio da reforma do setor de segurança, que inviabiliza ameaças e pressões internas e externas e faz com que os habi-tantes de um determinado local sintam-se seguros.

As operações de paz no Haiti precisam trabalhar com as autoridades nacionais para a construção de instituições jurídicas válidas, legítimas e eficientes, a fim de restabelecer o Estado de Direito.

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Por fim, o pilar essencial das Nações Unidas são os Direitos Humanos e todos os seus funcionários devem assegurar a promoção dos mesmos.

7. OS DIREITOS DESUMANOS NO HAITI

No Haiti, em 2010, 80% da população, era classificada abaixo da linha da pobreza. Além disso, o desemprego local superou 40% nesse mesmo ano, de acordo com a CIA (Agência de Inteligência Norte-Americana). Menos de 12% das pessoas contavam com a distribui-ção de energia elétrica, segundo Departamento de Estado Americano. Afora isso, somen-te um em cada dois haitianos eram providos de água potável antes do desastre, conforme a OMS (Organização Mundial de Saúde), e apenas 17% dos habitantes tinham acesso à rede sanitária em 2008, segundo dados do IBGE. O Programa Mundial de Alimentos da ONU afirma que até 2008, 45% das crianças menores de 5 anos sofriam de desnutrição infantil e 55% da população haitiana é analfabeta, conforme jornal O Globo. O ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) apresenta o Haiti na centésima quadragésima quinta posição. A partir dessas informações, podemos concluir que a presença da ONU no Haiti, que ocorre desde 2004, não é suficiente para assegurar direitos básicos no que tange à dignidade da pessoa humana.

Segundo a National Geographic, o solo do Haiti, que era um dos melhores da América Latina, sofreu processo de erosão devido à irregularidade das plantações e do desmata-mento frequente. O Haiti importava, até 2008, a maior parte dos ingredientes básicos da dieta haitiana. Com isso os gêneros alimentícios tornavam-se muito caros, inacessí-veis àquele povo. Para não sentirem fome, os haitianos resolveram criar uma receita de biscoito, chamada pelos locais de Tê. Eram ingredientes dessa receita: barro, manteiga, água e sal. É notável que a fome atenta quanto ao direito à vida (1°dimensão) e o desma-tamento, quanto aos direitos ambientais (3° dimensão). Percebe-se assim que a ONU não tutela de maneira eficiente os direitos humanos no Haiti e isso contraria os seus objetivos perante o mundo.

Após o terremoto de 2010, milhares de desabrigados ficaram aliviados com os acam-pamentos improvisados após a tragédia, pois lá havia distribuição de remédios, água e comida, aspectos positivos, não suficientes antes do abalo. No entanto a reconstrução do país ocorre lentamente e as famílias abrigadas precisam desocupar as áreas em que se situam, já que as mesmas constituem propriedades públicas e privadas. Sendo assim, observa-se um desacato contra o direito de propriedade, que corresponde a um direito individual.

8. HAITIANOS NÃO QUEREM A MINUSTAH

O Brasil, na tentativa de conquistar um assento permanente no conselho de segurança da ONU, entra no Haiti com uma Missão de Paz. Em 2004 o General Augusto Heleno Ri-beiro assume o comando da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti). Em Dezembro afirma em audiência a Câmara dos Deputados que sofre muita pressão dos EUA, Canadá e França para usar violência. O General permaneceu no cargo até 2005. Saiu após a carnificina em Cité Soleil, a maior favela de Porto Príncipe e uma das regiões mais violentas do país. O chefe da Missão de Paz da Organização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), Mariano Fernández, acredita que a situação no Haiti me-lhorou, devido à segurança e à diminuição dos níveis de criminalidade. Se o mesmo tem essa crença, ele deve achar que os crimes reduzem-se a partir da destruição de favelas.

Em Setembro de 2005 o cargo passou para o General Urano Teixeira da Matta, que lutou contra a Guerrilha do Araguaia, na procura de militantes do PC do B. Nenhum

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sobreviveu ao confronto. Com a saída do mesmo, o Chile assumiu o comando e o Brasil retornou em janeiro de 2006 através do General José Elito de Carvalho, que afirmou: “não podemos deixar de exercitar e mostrar que somos fortes, que estamos presentes e temos capacidade de enfrentar qualquer ameaça” num tom revestido de violência. O Gal. Carlos Alberto dos Santos Cruz assume o posto em 2007 e permanece até o momento.

No comando da Missão sucederam-se 5 comandantes até o momento. As escolhas da ONU são um pouco insensatas em relação ao comando da MINUSTAH, que elege coman-dantes controversos. Não há como estabilizar um país inteiro se nem o comando das tropas a ONU consegue estabilizar. Além disso a MINUSTAH contraria o Estado de Direito Haitiano, já que foi elaborada em caráter emergencial e impera no Haiti há 7 anos, não concedendo à nação caribenha que seus membros elejam seus representantes.

Em dezembro de 2005 Cité Soleil é massacrada, morrem 30 pessoas, em sua maior parte mulheres e crianças. Um morador diz: “não acho que eles tenham realmente ma-tado os bandidos – a não ser que todos nós sejamos bandidos...”. Para piorar a situação, o coordenador da Cruz Vermelha no Haiti acusa a MINUSTAH de bloquear a entrada da Cruz Vermelha em Cité Soleil, impedindo o socorro às vítimas e violando a Convenção de Genebra.

Em 2006 a ONU admite o fato de civis serem mortos por tropas brasileiras da MINUS-TAH. Todavia os soldados da Missão têm imunidade, não podendo ser julgados pelo poder local, apenas pelos países originários. O problema disso tudo é que nenhum soldado da MINUSTAH foi processado, e isso contraria o Princípio da Reciprocidade, no qual admite que quando o Estado competente para julgar o crime omitir-se, outro Estado interessado poderá realizar o julgamento. Assim, percebe-se um desrespeito à soberania haitiana.

Em abril de 2007 houve um protesto de haitianos. Eles marcharam em direção à base da MINUSTAH, mas foram repelidos pelos capacetes azuis com gás e balas de borracha, chegando a atingir o diretor do jornal The Guardian. Na constatação desse fato, não há como ser benevolente em relação à presença da ONU no Haiti. Além disso 10 soldados brasileiros agrediram brutalmente dois policiais locais em 2008. Os haitianos não estão satisfeitos e a Organização descumpriu com o princípio de tutelar segurança aos civis.

Em 2010 surgiu uma epidemia de cólera no Haiti, que pode ter entrado no país por meio das tropas nepaleses da ONU, indica um relatório do médico francês Renaud Piar-roux (um dos especialistas mais respeitados do mundo no estudo da cólera), elaborado por encomenda das autoridades haitianas. O relatório constata que as águas fecais do acampamento nepalês eram drenadas no mesmo rio em que os habitantes do povoa-do bebiam água. Essa corrente fluvial facilitou a propagação do vírus. A doença apare-ceu pouco tempo depois da chegada dos soldados nepaleses e no local onde os mesmos montaram seu acampamento – além disso, o Nepal é um país que carrega consigo uma epidemia de cólera. Visto que o Direito à saúde é um Direito intrínseco ao ser humano, não podemos admitir que ele seja menoscabado. Até agora a missão da ONU no Haiti (MINUSTAH) negou que a epidemia fosse acarretada pelos seus representantes. Uma in-vestigação foi aberta para apurar o caso.

Segundo o adolescente Johnny Jean, membros das tropas uruguaias, representantes da ONU, estupraram- lhe, na data 28 de julho de 2011, no Haiti. "Dois soldados me segu-raram e dois outros me estupraram. Eles me bateram várias vezes. Depois os soldados tentaram negociar com minha mãe para esconder o crime, mas ela alertou as autoridades e entrou com um processo”, afirma Johnny. Isso representa falta de credibilidade por parte da MINUSTAH e dificulta a relação entre haitianos e tropas da ONU, que já não está muito amistosa. A ONU diz que a investigação inicial indica apenas uma “brincadeira pesada”, porém essa brincadeira contraria o direito à intimidade e à liberdade sexual.

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9. MARTELLI

Martelli inspirou certa desconfiança no início das eleições por manter amizade com o ex-presidente René Préval, que aprovou a manutenção das tropas da ONU no Haiti, e com o coronel Michel François, que foi condenado por abusos contra os direitos humanos. Além disso ele possuía ligações com militares que deram um golpe de Estado em Aristide, em 1991.

Michel Martelli, apesar de ter vencido as eleições presidenciais no Haiti de modo de-mocrático, ou seja, através de eleições populares, apresenta pouca experiência política para um cargo como o de presidente em um país como o Haiti, pois a situação econômico--social do mesmo é lastimável, precisando possuir representantes sérios e comprometi-dos verdadeiramente com uma mudança radical na estrutura do país.

Na situação em que o Haiti encontra-se, não resta outra alternativa a Martelli senão conciliar as carências do povo haitiano com os desejos das potências estrangeiras que comandam a ONU.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O termo Reconstrução não pode ser aplicado a uma nação como o Haiti, pois esse país nunca teve uma estrutura política adequada que atendesse as necessidades de um povo tão depreciado. O Haiti precisa ser independente, em sua acepção mais ampla, pois ape-sar de ser uma República, ainda se comporta como Colônia. O Haiti deve nascer de novo. A ONU, como comunidade internacional tem como incumbência não apenas a elaboração de relatórios e propostas. Devem concretizar seus princípios em prol do bem social, de modo eficaz, respeitando a autodeterminação e a soberania haitianas. Esse Instituto, en-fim, deve assistir os Direitos Humanos aos membros daquela pátria.

A antiga República das Bananas chegou a ser considerada uma das maiores potências coloniais, distribuindo açúcar, café, milho, batata-doce e arroz. Atualmente se transfor-mou numa nação volúvel, que não possui recursos básicos nem para sua própria sub-sistência. Em decorrência da fragilidade haitiana, faz-se necessário auxílio financeiro internacional em caráter emergencial para combater a fome, a miséria, a propagação de epidemias e oferecer moradia aos desabrigados. No entanto essa assistência deve ser temporária e a ONU não deve submeter o país a imposições insensatas. Em seguida a Organização poderia oferecer capacitação educacional e profissional, por meio de inter-câmbios.

O Governo Haitiano precisa fazer campanhas para informar a população sobre as do-enças existentes no país e como tratá-las, fornecendo métodos preventivos, como acesso à rede sanitária, água potável, vacinas, bem como facilitar a entrada de Instituições como Cruz Vermelha e Médicos Sem Fronteiras. Outra problemática a ser verificada é a cor-rupção. Assim, é urgente o monitoramento das verbas públicas e dos recursos destinados à construção de um novo país. O contexto em que o Haiti se insere, implora também o perdão das dívidas contraídas até o presente momento, porque o país já quitou seu débi-to com seu sofrimento.

O Espírito Haitiano tem muita força e garra para suportar um histórico repleto de tragédias e manter-se erguido. A esperança mantém-se viva e isso transparece no apelo caribenho de tornar o seu Estado visível, de maneira amistosa. Contudo os caribenhos querem se libertar das Missões de Paz, que ocasionaram o inverso do que pregavam e os mesmos não desejam ser instrumento de jogo político. É possível reconstruir aquilo que nunca foi construído?

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REFERÊNCIAS

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Intervenção da ONU no Haiti

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O conselho de segurança da ONU, sua representatividade no cenário político e econômico atual, a proposta de reforma e a candidatura do Brasil a um assento permanente

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O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU, SUA RE-PRESENTATIVIDADE NO CENÁRIO POLÍTICO E ECONÔMICO ATUAL, A PROPOSTA DE REFOR-MA E A CANDIDATURA DO BRASIL A UM AS-SENTO PERMANENTE

Eliel Rodrigues Nogueira de Lira O Autor é Acadêmico do segundo perí-

odo da Graduação em Direito das Faculda-des Integradas Barros Melo

Sem a intenção de expressar qualquer corrente de pensamento político par-tidário tendente a beneficiar esta ou aque-la agremiação, o presente texto visa abor-dar temática de vultosa importância para a sociedade internacional hodierna, espe-cialmente os países em desenvolvimento e não desenvolvidos, tendo como foco principal a atuação do Conselho de Segu-rança da ONU em assuntos de segurança e manutenção da paz internacional, assim como a premente necessidade de reforma neste órgão, visando a ampliação do quan-titativo de assentos permanentes e não permanentes e a candidatura brasileira a um assento permanente naquele órgão.

Senza l'intenzione di esprimere qual-siasi scuola di pensiero politico che tende a beneficio di questo o di quello gruppo, questo testo si propone di affrontare il problema di incombente importanza per la società internazionale di oggi, in par-ticolare dei paesi in via di sviluppo e non sviluppati, concentrandosi principal-mente sulle azioni di Consiglio di Sicurez-za dell'ONU in materia di mantenimento della pace e della sicurezza internazionale, nonché l'urgente necessità di una riforma in questo corpo, allo scopo di aumentare la quantità di permanente e non permanente e candidatura brasiliana per un seggio permanente in quel organo.

Haiti, Direitos Humanos, ONU. Le Nazioni Unite. Il Brasile e la riforma del CS. La candidatura del Brasile al CS.

Resumo Riassunto

Palavras - Chave: Parole - Chiavi:

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“Do mesmo modo que a usurpação consiste no exercício do poder a que outrem tem direito, a tirania é o exercício do poder além do direito, o que não pode caber a pessoa alguma. E esta consiste em fazer uso do poder que alguém tem nas mãos, não para o bem daqueles que lhe estão sujeitos, mas a favor da vantagem própria, privada e separada...”

John Locke, apud Weffort, p. 107, 2002.

1. INTRODUÇÃO: A ONU – HISTÓRIA

Em fevereiro de 1945, ao ocaso da II Guerra Mundial, as potências vencedoras aliadas (EUA, Inglaterra e a ex-URSS) reuniram-se na região da Crimeia para discutir as estraté-gias que poriam fim aos cinco anos do conflito que devastou dezenas de países pelo mun-do. Nesta ocasião, os senhores do mundo – Roosevelt, Churchill e Stalin – decidiram criar um órgão supranacional voltado para a salvaguarda da Paz e da Segurança Mundial1. Mais tarde, entre 25 de abril e 26 de junho deste mesmo ano, aconteceu uma Conferên-cia sobre Organização Internacional na cidade de São Francisco, EUA, que contou com a participação de representantes de 50 países, cuja finalidade era a elaboração da Carta das Nações Unidas que deu origem à ONU – organização supranacional com a finalidade principal de fomentar e proteger a Paz e a Segurança Mundial, bem como estimular a co-operação e a harmonização das relações internacionais. O nascimento da ONU, por assim dizer, pôs termo àquela que seria a sua predecessora, a Liga das Nações, que fora criada em 1919 sob circunstâncias similares, logo após a I Guerra Mundial, e que veio a desfa-lecer ante a incapacidade de evitar o início da II Guerra. Assim, ao final da Conferência, com a anuência de quase a totalidade dos países signatários, inclusive a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a ex-União Soviética. No dia 24 de outubro de 1945, foi oficialmente criada a ONU, com sua sede principal permanente localizada na cidade de Nova Iorque2.

No âmbito da ONU foram criados diversos órgãos, dentre os quais, o Conselho de Segu-rança, com a função precípua de manter, investigar e determinar se existe ameaça à paz e a segurança mundial, podendo também decidir sobre ações militares (atualmente exis-tem dezesseis em atividade, das quais o Brasil participa de nove) ou não militares direcio-nadas aos países que obstem os interesses da paz e da segurança mundial. Inicialmente o CS compunha-se de 11 membros, sendo cinco permanentes e seis não permanentes, elei-tos dentre os países signatários para mandato de dois anos. Desde sua fundação, o Con-selho passou por apenas uma única reforma, em 1965, onde foram acrescentados quatro novos assentos não-permanentes, com vistas a melhorar sua representatividade global em face do aumento do número de países membros da ONU – de 51, em 1945, para 117, em 1965 –, decorrente do processo de descolonização na África e na Ásia. Atualmente a ONU conta com 193 países membros (seu mais novo membro é o Sudão do Leste, acolhido na ONU em setembro de 2011). Não obstante o Conselho de Segurança ainda mantém a mesma estrutura representativa de 46 anos atrás (dez membros não-permanentes com direito a voto, mais cinco membros permanentes – EUA, Gran Bretanha, França, Rússia e China – com direito a voto e veto, totalizando quinze membros)3. Segundo o regulamen-to do CS, qualquer assunto submetido à apreciação e votação no órgão, será aprovado se contar com, pelo menos, nove votos favoráveis (dos quinze totais), incluindo a unanimi-dade dos membros permanentes.

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2. A ATUAÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA

Dentre os órgãos da ONU, o CS é o que mais cresceu em importância e poder desde a sua criação e ainda assim mantém o mesmo formato adquirido originalmente no seu nascimento. É a partir deste Conselho que algumas poucas autoridades podem interferir diretamente na vida de milhões de pessoas no mundo todo. Por suas decisões, governos podem cair ou serem erguidos; comunidades inteiras poderão vir a ser devastadas ou mesmo protegidas sob o manto da força e do poderio de suas ações militares. Por deter-minação de boicote emanada deste Conselho, países podem ter sérios problemas no fluxo de bens e serviços com atrasos significativos para os seus processos de desenvolvimento econômico e social. Brincando de deuses, autoridades reunidas no CS podem determinar o que é ou não é ameaça à paz regional e mundial e, a partir daí, mudar todo o rumo da história de um grande número de crianças, jovens e adultos; pessoas com as quais nunca tiveram – e provavelmente nunca terão – um único contato na vida. Independentemente de estarem equivocadas ou não, essas decisões, assim como a execução delas, estarão amparadas e legitimadas sob o manto protetor do interesse social e do Direito Interna-cional, restando àqueles que se encontrarem debaixo das suas sanções, apenas arcar com as consequências. É por este prisma que se percebe a magnitude do poder concentrado em um único e minúsculo colegiado supranacional. Esta concentração potencializa-se ainda mais quando consideramos o duplo privilégio (a vitaliciedade do assento e o di-reito ao veto) do seleto grupo dos membros permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia). Nessa medida é fácil observar o quanto se faz necessário existir uma ampla representatividade e imparcialidade nas deliberações quanto ao uso de tão vultoso poder.

Conforme abordado anteriormente, este extraordinário núcleo de poder coativo, no apogeu dos seus 66 anos de existência, ainda mantém seus moldes quantitativos e repre-sentativos inalterados desde seu nascimento, com apenas uma exceção para a pequena mudança ocorrida em 1965, quando foram acrescentados quatro assentos rotativos para atender à carência política gerada pela descolonização na África e na Ásia; mudança esta que alterou em praticamente nada o formato original do Conselho. Em sentido oposto, a geografia do poder no mundo sofre constantes mutações em todos os sentidos. O poder político e econômico é constantemente alterado em todos os continentes, mormente no que diz respeito aos países em desenvolvimento. Desde a criação da ONU, a dinâmica do poder e da diplomacia internacional já passou por transformações estruturais e ideológi-cas profundas, as quais permitem afirmar que o atual modelo do Conselho de Segurança da ONU, concebido no calor da II Guerra Mundial, carece de ampla reforma que possibili-te sua aproximação da realidade política, diplomática e econômica mundial contemporâ-nea, conferindo maior representatividade e transparência às suas atividades, assim como possibilitando o aumento da legitimidade e da eficácia de suas decisões. É neste diapasão que novos atores da política internacional fazem um coro em torno da necessidade pre-mente de atualização da estrutura representativa do CS.

3. A ATUAÇÃO DO BRASIL NO CS

Devido à assimetria entre o CS e o atual plano geopolítico e econômico internacional, os países em desenvolvimento têm sido, cada vez mais, imprescindíveis às interlocuções na prevenção e resolução eficaz das grandes questões internacionais. Frequentemente estes atores têm protagonizado importante papel na resolução de conflitos regionais, justamente por encontrarem-se geograficamente mais próximos dos conflitos e serem mais chegados aos países conflitantes. Neste contexto, o Brasil tem desenvolvido papel

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relevante no cenário da política externa mundial, atuando através de princípios voltados para a harmonização e a prioridade do diálogo na resolução de conflitos entre Estados soberanos. Atualmente o Brasil mantém Delegações Diplomáticas permanentes na sede da ONU em Nova Iorque e em Genebra, com a finalidade de avançar posições brasileiras na agenda internacional. E isto não é tudo: desde 1948, o Brasil já atuou em 30 opera-ções militares de manutenção da paz na África, na America Latina e Caribe, na Ásia e na Europa, com o incremento de mais de vinte e quatro mil homens (militares e policiais) nessas operações. Deste contingente, o Brasil já manteve tropas militares completas em Suez, Angola, Moçambique, Timor Leste e Haiti. Desde 2004 o Brasil tem comandado a operação militar da ONU, de manutenção da paz no Haiti (MINUSTAH), composta por 18 países, sendo 09 latino-americanos, 04 asiáticos, mais as Filipinas e a Jordânia, além de EUA, Canadá e França, contabilizando um efetivo de 13.000 homens (militares e po-liciais), dos quais 2.100 são militares brasileiros, em regime de rodízio semestral. Neste período o Brasil já participou com mais de treze mil homens, ao custo de R$ 1bilhão4. As ações de manutenção da paz internacional da ONU são, em grande parte, custeadas pelos cinco países membros permanentes do CS; todavia os países em desenvolvimento é que suprem quase a totalidade das necessidades de tropas militares (90,7%) destas operações5 – atualmente o número de boinas azuis espalhados pelo mundo chega à casa dos 120.0006.

4. O DEBATE SOBRE A REFORMA

O debate pela reforma e expansão do Conselho de Segurança já entrou no seu 18º ano, com a maioria dos Estados membros da ONU favoráveis ao pleito. É quase unânime a ideia de que o atual formato do CS e a Carta das Nações Unidas refletem a realidade política e econômica do período em que nasceram e, portanto, carecem de mudanças urgentes para adequarem-se ao mundo atual. Exemplo disso é o fato de a Alemanha e o Japão, que são membros atuantes (comprometidos com os ideais de paz da ONU) desde 1973 e 1956, res-pectivamente, ainda constarem na Carta das Nações como países inimigos. Atualmente a comunidade Africana representa mais de 1/4 dos Estados membros da ONU e não possui nenhum representante permanente no CS; a America Latina, do mesmo modo, carece de representação permanente no Conselho. Foi por estas e outras razões que Brasil, Índia, Japão e Alemanha uniram-se em 2004 para formar o G4, com a finalidade de discutir e elaborar um projeto de reforma e expansão representativa do CS. Em 2005 foi apresen-tada pelo G4, na Assembléia Geral, uma proposta de acréscimo de mais dez assentos no CS, sendo seis permanentes e quatro não permanentes, e mais o estabelecimento de um prazo de quinze anos para uma posterior revisão da reforma com apreciação do direito ao veto para os novos membros permanentes. O projeto não foi à votação por motivos diversos, tais como: divergências entre os reformistas; posição africana de reivindicar a concessão imediata do direito ao veto para os possíveis novos membros permanentes do

CS e ainda pela reação refratária dos cinco membros permanentes à proposta. Independente do ocasional fracasso em 2005, o debate em torno da reforma continuou

acontecendo no âmbito da ONU, até que em 2008, por decisão da Assembleia Geral, ini-ciou-se uma nova rodada de discussões intergovernamentais sobre a reforma. A partir de então o G4 iniciou trabalho de aproximação com outros países, principalmente aqueles em desenvolvimento e desenvolvidos que não fazem parte do seleto grupo dos cinco no CS, no sentido de somar esforços na direção da reforma. Tal iniciativa tem possibilitado o aumento significativo do número de países simpáticos à proposta e que se manifestam a favor da reforma na tribuna da Assembleia Geral. Neste processo, o Brasil tem conquis-tado apoio de boa parte dos países, inclusive de quatro dos cinco membros permanentes, restando apenas a resistência dos EUA, que apoia oficialmente a candidatura da Índia.

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Para o Brasil, conquistar um assento permanente no CS significa, não apenas prestigio internacional, mas, principalmente, a possibilidade de através deste importante instru-mento no jogo do poder, influenciar diretamente nas decisões de alcance global, assim como na normatização em matéria de segurança e manutenção da paz mundial, e ainda evitar a aplicação destas normas, segundo os princípios que regem sua política externa e que condizem com os princípios defendidos pela maioria dos países em desenvolvimen-to7.

5. O APOIO DOS EUA À CANDIDATURA INDIANA

Apesar de reconhecerem a importância do Brasil no cenário da política internacio-nal e seu peso econômico e na política externa regional, os EUA apoiam oficialmente a candidatura da Índia ao CS. Esta posição estadunidense, que é desfavorável à candidatu-ra brasileira, deve-se principalmente à barreira da hegemonia americana no hemisfério sul, pelo fato de o Brasil manter uma política externa que diverge ideologicamente, em vários pontos, da política externa de Washington; coisa que já rendeu diversos embates nos órgãos internacionais, alguns deles favoráveis ao Brasil (mormente no setor do co-mércio exterior). Desde o final da II Guerra os Estados Unidos trabalharam no sentido de consolidar-se hegemonicamente em todo o hemisfério americano, com foco especial para o mercado consumidor brasileiro. Em sentido oposto, o Brasil, desde a era diplomá-tica do Barão do Rio Branco, envidou esforços no sentido de consolidar-se no continente sul americano como pólo geopolítico capaz de influenciar o diálogo entre a Hispano--América e os EUA. Esta posição brasileira ganhou bastante força com a reaproximação estratégica do Brasil com a Argentina, fato que possibilitou o nascimento do MERCOSUL e custou certo entrave aos anseios estadunidenses no que se refere à hegemonia política na região. Por esta análise, fica claro perceber a motivação norte-americana em resistir à candidatura do Brasil ao CS e o seu mal intencionado apoio à candidatura da Índia, que se localiza no outro extremo do planeta.

6. UM LONGO CAMINHO A PERCORRER

É pacífica a ideia na comunidade internacional, que é imperativo ao Conselho de Segu-rança da ONU passar por uma ampla reforma que possibilite sua compatibilização com a atual geografia do poder mundial, melhorando sua representatividade e aumentando a legitimidade de suas decisões. No entanto há divergências que até o momento dificultam a realização da tão sonhada reforma e que habitam nos interesses reservados das gran-des potências mundiais que compõem o núcleo rijo do CS – os membros permanentes. A candidatura do Brasil a um assento permanente é vista com simpatia pela maioria abso-luta dos membros da ONU, inclusive aqueles permanentes; no entanto, o avanço da cam-panha brasileira esbarra em problemas tanto externos como internos ao seu território. É imprescindível ao Brasil vencer a resistência dos atuais membros permanentes, assim como cumprir alguns deveres de casa para conseguir chegar à estatura de um Estado for-te e crível o suficiente para assumir um assento permanente em um órgão de tão vultosa importância como é o CS.

O dever de casa do Brasil deve passar por uma ampla reforma político-administrativa, com vistas a diminuir a burocracia e aumentar a eficiência do Estado, assim como a ado-ção de um pacto de poder mínimo que assegure uma agenda comum, capaz de sobreviver às mudanças de governo. É preciso a criação de uma agenda de aplicação de investi-mentos de curto, médio e longo prazo em setores chaves do país, como infra-estrutura (portos, aeroportos, estradas, transportes e etc.), saúde pública, educação, pesquisa tec-

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nológica, lazer, criação de empregos, distribuição equitativa de renda etc. Tais investi-mentos, a médio e longo prazo, trarão resultados como a dinamização da economia e o crescimento sustentável do país, e ainda a redução das desigualdades sociais, com a pos-sibilidade de o país alçar vôos mais altos, no cenário político-econômico internacional e, consequentemente, mitigar a resistência internacional à sua candidatura. Em impor-tância equidistante aos investimentos retromencionados, está o investimento constante e racional na área de segurança e defesa nacional. Um aparato bélico moderno e de boa proporção confere ao país maior respeito e prestigio internacional. Isto não implica di-zer que se deva utilizá-lo como meio de barganha ou intimidação perante a comunidade internacional, antes é de grande valia no interesse social da manutenção da segurança e da paz internacional.

7. A PASTA DE DEFESA DO BRASIL, NO MUNDO

Apesar de haver muito a se fazer, é inegável o esforço do governo brasileiro em dis-pensar atenção especial à sua Pasta de Defesa, no sentido de melhorar sua imagem pe-rante a comunidade internacional. A Diplomacia brasileira, através dos Ministérios das Relações Exteriores e Defesa, tem trabalhado duro para estabelecer laços de amizade e cooperação bilateral em suas respectivas áreas de competência com diversos países em todos os continentes do mundo. Acordos têm sido assinados em diversos países, com vistas a projetar o Brasil com boa visibilidade na área de defesa e manutenção da paz internacional.

A partir de 2003 o governo brasileiro intensificou o relacionamento, no campo de de-fesa e segurança, entre o Brasil e os países africanos, com vistas à manutenção da paz e do desenvolvimento tecnológico. Desde então, acordos de cooperação no domínio de defesa têm sido celebrados, os quais vêm possibilitando a participação de empresas da indústria bélica brasileira (ex: Embraer e Engepron) na África, na área do comércio, assim como na difusão de tecnologias e elaboração conjunta de projetos no campo de defesa.

Na América do Norte, o Brasil aprofundou os relacionamentos junto aos EUA e Canadá, donde se logrou a assinatura do acordo Brasil-EUA em matéria de defesa, bem como a superação de divergências no relacionamento com o Canadá, o que rendeu um aumento inédito no nível de cooperação em defesa e a assinatura de um acordo nos moldes daque-le assinado com os EUA.

O Brasil buscou ainda intensificar o contato com os principais países da Ásia e Oceania, com vistas a promover a cooperação e o intercâmbio em matéria de pesquisa e desen-volvimento, treinamento e capacitação e mais: estabelecer parcerias em posicionamento coordenado em grandes temas da agenda internacional. Este esforço rendeu ao Brasil acordos na área de defesa com a China e a Índia, e a criação do Comitê Consultivo de Defe-sa e Diálogo Estratégico Bilateral, além de outros projetos ainda em andamento. O Brasil estendeu ainda o comércio de produtos de defesa com outros países da região, o que tem contribuído para o reaparelhamento das forças armadas brasileiras.

Com a Europa, o Brasil tem buscado estabelecer parcerias na busca pela aquisição de tecnologias de ponta na área de defesa e aquisição de equipamentos bélicos com trans-ferência de tecnologias para o país, evitando assim, as compras off-the-shelf, além de já contar com vários acordos de cooperação, já formalizados, e outros em estudo com diver-sos países do continente. Esses acordos abrangem temas diversos, contemplando desde o aprimoramento na formação de pessoal e passando por assuntos relativos à segurança de informações sigilosas, até a construção de aeronaves, navios e submarinos8.

Quanto à America Latina e Caribe, o Brasil tem buscado concretizar a intenção con-tida no parágrafo único do artigo 4º da CF/88, que diz: “O Brasil buscará a integração

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econômica, política e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” Nesta linha, o Brasil tem adotado uma política externa proativa na diplomacia com seus vizinhos latinos e já conseguiu, em iniciativas conjuntas, criar algumas instituições multilaterais importantes para a formação de uma identidade própria da região nas mais diversas áreas, inclusive defesa. Nesse diapasão tivemos a criação do MERCOSUL, da UNASUL e do CDS que, juntos, formam importante ferramenta de promoção do desenvolvimento dos países da região.

8. A SITUAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS SUL AMERICANAS

Os governos dos países sul americanos, com seus muitos problemas de desenvolvi-mento político, econômico e social, têm um longo histórico de abandono e apatia política em relação às suas pastas de defesa. Tal situação gerou uma deficiência crônica no supri-mento de recursos financeiros e políticas públicas para o desenvolvimento e moderni-zação do aparato militar da região. Diante da escassez de recursos financeiros, da obso-lescência do aparelho militar, da falta de recursos humanos bem treinados e da ausência de novas tecnologias no setor, todo o sistema de defesa da região tornou-se ineficaz e exposto à grande fragilidade. Mas, desde o inicio deste século, os governos da região têm tentado paulatinamente mudar esta realidade, aplicando recursos na aquisição de novos equipamentos bélicos e na modernização dos já existentes.

O site www.militarypower.com.br realiza constantes pesquisas sobre as forças armadas no mundo e divulga bienalmente o ranking com relatório da situação de cada uma delas; assim, o biênio 2009/2010, apresentou pouca mudança no continente e por duas razões simples: a) o prazo dilatado de maturação dos contratos de aquisição de equipamentos – de 03 a 04 anos, desde a assinatura do contrato até a entrega do material ao comprador e b) a tradicional insuficiência de recursos destinados à pasta de defesa.

Segundo o citado site, no ranking do ultimo biênio o Brasil continuou em primeiro lugar entre as forças armadas da América do Sul, principalmente devido ao tamanho de seu equipamento bélico; o Chile logrou a segunda posição por sua racionalidade na apli-cação de recursos para a modernização de suas forças armadas; já o terceiro lugar ficou com o Peru, em virtude de algumas novas aquisições e seu esforço em modernizar parte do seu inventário. Graças à pesada ajuda dos EUA, a Colômbia ocupou a quarta posição no ranking, seguida pela Argentina que, em decorrência do descaso do seu governo em relação à sua pasta de defesa, amargou o quinto lugar; na sequência temos a Venezuela, que apesar de ter feito investimentos em aquisição de material bélico de origem russa e chinesa, ficou com a sexta posição. O sétimo e último lugar foi ocupado pelo Equador que tem dificuldade até mesmo de manter em operação o armamento que dispõe.

Nesta pesquisa foram levados em consideração: o grau de obsolescência dos equipa-mentos e seu tempo de uso versus tempo restante de vida útil; o quantitativo de equi-pamento de segunda mão; a proporção entre o efetivo das forças armadas e o número total de habitantes de cada país; o grau de estratégia de defesa nacional (representado pela vontade política, interesse no fortalecimento das forças armadas, indústria bélica, política de defesa e planejamento de longo prazo); o índice de gastos militares em relação ao PIB do país; a projeção estratégica que leva em conta a população do país, a área ter-ritorial, os efetivos militares, o PIB versus a capacidade de mobilização e atuação do país em missões de paz da ONU.

9. FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS – SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS

PParalelamente à atuação da diplomacia brasileira na busca por estabelecer, com ou-

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tros governos, contatos de amizade e promover acordos bilaterais na área de segurança e defesa, o Brasil tem desenvolvido política interna de investimentos voltados para a ampliação e modernização do próprio aparato militar, com vistas a melhorar sua ima-gem frente à intenção de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Destarte, vejamos alguns projetos que o Brasil tem desenvolvido atualmente, em relação ao aumento e modernização de suas forças armadas9:

PROJETO FX2 – Aviões de Caça de Última Geração – Projeto de aquisição já em fase final, aguardando definição final do governo sobre o modelo vencedor da licitação.

EC-725 SUPER COUGAR – Helicópteros de Transporte – Contrato assinado para aqui-sição de 50 unidades, sendo 16 para cada uma das forças armadas e 02 para transporte presidencial.

AMX/A1 – Caças leves – Contrato para modernização, em andamento. Primeira uni-dade já entregue.

LOCKHEED P-3 ORION – Aviões de Patrulha Marítima – Previsão de 03 unidades a se-rem entregues em 2011.

MIL MI 35M – Helicópteros de Ataque – A força aérea já recebeu um lote com 03 uni-dades e aguarda outra remessa da Rússia.

UH-60 BLACK HAWK – Helicóptero – 04 unidades encomendadas para a Força Aérea Nacional.

C-295 (C-105 AMAZONAS) – Avião de Transporte Casa – 08 unidades encomendadas para a FAB.

KC-390 – Novo avião de Transporte da EMBRAER – Contrato assinado para aquisição de 28 unidades.

VBTP/GUARANI– Veiculo Blindado de Transporte Sobre Rodas – O Exército Brasileiro assinou contrato para aquisição de 2.044 unidades de diversos modelos, tendo já recebido dois lotes do modelo MBT LEOPARD 1A5.

HM-1 PANTERA – Helicópteros – O Exército Brasileiro contratou a HELIBRAS para mo-dernizar toda sua frota destes helicópteros, prolongando sua vida útil por, pelo menos, mais 15 anos, e analisa a possibilidade de adquirir sistemas avançados de defesa antiaé-rea.

SCORPENE – Submarinos – A Marinha do Brasil assinou contrato com a França para a construção, no país, de 04 submarinos e a assistência técnica para construção do casco resistente do primeiro submarino nuclear brasileiro.

NAPA 500 – Navios – Construção em andamento, a pleno vapor.Estão adiantados os estudos para aquisição de pelo menos, 05 FRAGATAS de 6000 t,

mais 05 Navios OPV de 1800 t, mais 01 Navio de Apoio Logístico de 20000 t10.

10. A UNASUL E O CDS

Em 2004, os dez países da América do Sul, juntamente com a Guiana e o Suriname, reEm 2004 os dez países da América do Sul, juntamente com a Guiana e o Suriname, reuniram-se em torno da Declaração de Cuzco e criaram a UNASUL, com a finalidade de estabelecer uma zona de livre comércio – nos moldes da UE – e o intercâmbio de infor-mações e experiências em matéria de defesa, com abrangência de atuação no território, hoje compreendido pelo MERCOSUL, pela COMUNIDADE ANDINA e pelos países: CHILE, GUIANA E SURINAME11.

Em março de 2009, em reunião da UNASUL realizada em Santiago do Chile, foi for-malizada a criação do CDS – Conselho de Defesa do Sul –, com o objetivo de consolidar a América do Sul como uma zona de paz, construir uma identidade sul americana, em matéria de defesa, e gerar consensos para fortalecer a cooperação regional neste campo.

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O conselho de segurança da ONU, sua representatividade no cenário político e econômico atual, a proposta de reforma e a candidatura do Brasil a um assento permanente

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Desde então o CDS passou a ser a principal plataforma de exportação de planos militares do Brasil e importante instrumento para a criação de uma agenda de interesse regional; para a redução de conflitos entre os vizinhos e para a integração política da região no campo de defesa, bem como para alavancar a indústria bélica regional12.

O CDS mantém como planos de ações: a) realização periódica do inventário da capa-cidade militar do continente; b) comparar informações sobre os gastos com a pasta de defesa e c) criar uma doutrina militar comum para o continente. Em 2008, os 12 países da região gastaram US$ 50 bilhões com assuntos de defesa, sendo 30% na aquisição de novos equipamentos e manutenção de bens e serviços e 70% com pessoal ativo e inativo. Neste mesmo período o Brasil gastou com defesa 20% na aquisição de novos equipamentos e manutenção de bens e serviços e 80% com pessoal ativo e inativo. A UNASUL conta com um efetivo de mais de um milhão de militares nos doze países, o que constitui um amplo mercado consumidor de equipamentos, armamentos e suprimentos em geral13.

11. CONCLUSÃO: DISCURSO DA PRESIDENTE DO BRASIL NA ABERTURA DA 66ª AS-SEMBLEIA GERAL DA ONU

A Presidente do Brasil, Dilma Roussef, é a primeira mulher na história da ONU a ter a honra de fazer o discurso de abertura de uma Assembleia Geral. Seu discurso, que abor-dou diversos assuntos importantes para a agenda internacional, discorreu sobre a neces-sidade premente de reforma no Conselho de Segurança e a pretensão do Brasil de ocupar assento permanente naquele importante órgão. Com bastante consistência, coerência e coesão das ideias prolatadas naquela tribuna, a Presidente Dilma Roussef expôs por completo toda a legitimidade e coerência da reivindicação das nações em desenvolvi-mento por ampla e urgente reforma naquele órgão, que originalmente pretendeu ser representativo das nações do mundo, na promoção e manutenção da paz e da segurança internacionais. Segue-se então trecho do discurso onde a Presidente do Brasil explana, com bastante robustez, sobre a reforma do Conselho e a candidatura do nosso país a um assento permanente:

... Temos insistido na inter-relação entre desenvolvimento, paz e segurança; e que as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, associadas às estratégias do Conselho de Segurança, na busca por uma Paz sustentável.

É preciso que as nações aqui reunidas encontrem uma forma legítima e eficaz de ajudar as so-ciedades que clamam por reforma, sem retirar de seus cidadãos a condução do processo.

Repudiamos com veemência as repressões brutais que vitimam populações civis. Estamos con-vencidos de que, para a comunidade internacional, o recurso à força deve ser sempre a última alternativa. A busca da paz e da segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situ-ações extremas.

Apoiamos o Secretário Geral no seu esforço de engajar as Nações Unidas na prevenção de confli-tos por meio do exercício incansável da democracia e da promoção do desenvolvimento.

O mundo sofre hoje as dolorosas consequências de intervenções que agravam os conflitos, pos-sibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis.

Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões. E a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma.

A cada ano que passa, mais urgente se faz uma solução para a falta de representativi-dade do Conselho de Segurança, o que corrói sua eficácia...

O mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refletir a realidade contemporâ-

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Eliel Rodrigues Nogueira de Lira

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nea, um Conselho que incorpore novos membros permanentes e não-permanentes, em especial, representantes dos países em desenvolvimento.

O Brasil está pronto a assumir suas responsabilidades como membro permanente do Conselho. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de 140 anos. Temos promovido com eles, bem-sucedi-dos processos de integração e de cooperação. Abdicamos, por compromisso constitucional, do uso da energia nuclear para fins que não sejam pacíficos. Tenho orgulho de dizer que o Brasil é um vetor de paz, estabilidade e prosperidade em sua região, e até mesmo fora dela14.

REFERÊNCIAS

MAGNOLI, Demétrio (2004). Relações Internacionais – Teoria e História. São Paulo: Saraiva.

WEFFORT, Francisco C. (2002). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática.

ONU - A história da Organização. Disponível em: www.onu.org.br/conheca-a-onu/historia-da-organizacao/

O que é a ONU? Objetivos; Funções; História da ONU. Disponível em: www.suapesquisa.com/geografia/onu

A atuação do Brasil junto à ONU. Disponível em: www.brasil-cs-onu.com/brasil-no--conselho-de-segurança-da-onu

Ranking do Poder Militar na América do Sul – 2009/2010. Disponível em: www.milita-rypower.com.br/frame4-ranking.htm

Noticias Internacionais. Disponível em: www.cartacapital.com.br/internacional

Revista Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: www.diplomatique.uol.br/edi-coes_anteriores.php

Noticias Internacionais – Edições Anteriores. Disponível em: www.folha.uol.com.br/poder; www.folha.uol.com.br/folha/BBC

Noticias Internacionais. Disponível em: www.noticias.terra.com.be/internacionalMinistério das Relações Exteriores – Balanço de política externa 2003/2010; América

do Sul e integração regional; Relações bilaterais; Temas multilaterais; Atos internacio-nais. Disponível em: www.itamaraty.gov.br

Ministério da Defesa. Disponível em: www.defesa.gov.br

Defesa, estratégia, tecnologia e inteligência. Disponível em: www.defesabrasil.com/portal

Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – CRE. Disponível em: www.senado.gov.br/atividade/comissoes/comissao.asp?origem=SF&com=54

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O conselho de segurança da ONU, sua representatividade no cenário político e econômico atual, a proposta de reforma e a candidatura do Brasil a um assento permanente

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Solução judicial, pluralismo e o projeto de lei das relações Sindicais Brasileiras

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UMA CRÍTICA A SOCIEDADE INTERNACIONAL

Gabriel dos Santos Medeiros O Autor é Acadêmico do oitavo período

da Graduação em Direito das Faculdades Integradas Barros Melo.

O presente artigo tem por objetivo de-senvolver uma análise holística sobre os parâmetros ontológicos, teleológicos e ideológicos consubstanciados na organi-zação internacional.

Questo lavoro si propone di sviluppare un'analisi olistica dei parametri onto-logici, teleologici e ideologici sostanziati nell'ambito delle organizzazioni interna-zionali.

Direito internacional. Sociedade. Comuni-dade. Fraternidade.

Diritto Internazionale. Società. Comunità. Società.

Resumo Riassunto

Palavras-Chave: Parole - Chiavi:

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Romulo Nei Barbosa de Freitas Filho

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“Onde há sociedade, há direito.” O direito é uma manifestação social, um produto da sociedade, que se transfigura como fator condicionante e dialético do próprio direito. Tal aforismo denota de forma evidente que seria impossível fragmentariedade ou alijamento tanto do direito como da sociedade desse escopo concêntrico que conforma a estrutura do Estado, tanto no plano do direito interno como na dimensão do ordenamento jurídico internacional. Como ressalta Celso de Mello:

[...] o direito só pode ser compreendido nas suas características e modo de funcionamento se for feita uma análise de sociedade que lhe dá origem e cujas relações ele procura regulamentar. É matéria que não pertence ao Direito Positivo, mas a Sociologia. (MELLO,1996, p.3)

Sendo assim, aprioristicamente se faz mister um aprofundamento sobre a noção do que é sociedade.

Para Chinoy (1986 apud MELLO,1996, p. 4) “não há, até agora, uma definição de socie-dade que seja única e aceita de modo geral ”. Escreve que existem “três usos mais comuns do termo”: a) “um sentido mais lato, refere-se à totalidade das relações sociais entre as criaturas humanas”, b) “cada agregado de seres humanos de ambos os sexos e de todas as idades, unidos num grupo que se autoperpetua e possui suas próprias instituições e cul-turas distintas em maior ou menor grau, pode ser uma sociedade”; c) “as instituições e a cultura de um grupo de pessoas de ambos os sexos e todos as idades, grupo esse inclusive, mais ou menos distinto e que se autoperpetua.”

Birou (1977 apud MELLO, 1986, p.4) também apresenta “sentidos extremamente va-riados” para a palavra sociedade. Suas “características essências” seriam a “universali-dade” – “engloba e suplanta o indivíduo como unidade significativa de organização de vida”; b) “continuidade e duração que ultrapassam a existência de cada indivíduo”; c) “participação mais ou menos ativa e desejada, mais ou menos consciente e sentida pelos membros, mas que faz com que cada partícipe dos benefícios da vida em comum e de qualquer modo nela tenha normalmente uma parte ativa”; d) “autonomia funcional que faz de cada sociedade uma unidade operatória. “Os indivíduos devem integrar-se nela e submeter-se às leis do seu funcionamento”.

Como visto, é tarefa árdua estabelecer os limites da definição tanto de sociedade como de comunidade. Tal encargo fora assumido por um rol de estudiosos como Max Weber, Durkheim, Herbert Spencer, entre muitos outros. Porém a que nos parece mais abran-gente e conclusiva é a citada por Celso Mello:

A distinção entre sociedade e comunidade nos é dada pela socio-logia e Ferdinand Tonnies a fez na Obra “Comunidade e Sociedade“ publicada no século passado. Este sociólogo, levando em conside-ração a “intensidade do vínculo psicológico” nos grupos sociais, os classificou em comunidade e sociedade. A comunidade apresenta-ria as seguintes características: formação natural; vontade orgânica (energia própria ao organismo, manifestando-se no prazer, no há-bito e na memória); e os indivíduos participariam de maneira mais profunda na vida comum. [...] A sociedade já possuiria caracteres diferentes: formação voluntária, vontade refletida (seria produto do pensamento, dominada pela ideia de finalidade e tendo como fim supremo a felicidade); os indivíduos participariam de maneira me-nos profunda na vida em comum. A comunidade estaria regida pelo direito natural, enquanto a sociedade se encontraria num contrato. (MELLO, 2002, p.51)

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Diante do ato de intelecção da diferença apresentada por Ferdinand Tonnies, podemos chegar ao entendimento de que no âmbito das relações internacionais inexiste, pelo me-nos por enquanto, uma comunidade. Como visto, a formação de comunidade pressupõe um laço espontâneo e subjetivo de identidade entre seus partícipes, nesse caso apresen-tando características diametralmente opostas à concepção de sociedade, que se caracte-riza pela formação baseada na ideia de vontade dos seus partícipes, visando determina-dos objetivos e finalidades comuns. Portanto, no universo das relações internacionais, sobreleva-se o caráter Societário.

Contudo, não obstante o que fora desenvolvido, o fulcro de nosso raciocínio não se li-mita à perspectiva de qual modelo social conforma-se às relações interestatais, afinal tal apreensão seria deveras dedutível, haja vista a própria natureza do gênero humano, que traz consigo de forma inerente, ou até atávica, traços de gregariedade ou mais especifica-mente de sociabilidade, mas sim uma análise holística sobre os parâmetros ontológicos, teleológicos e até ideológicos, consubstanciados na organização internacional.

A partir de uma diligente apreensão chegamos a uma ilação cogente, de que as rela-ções internacionais continuam arraigadas na filosofia clássica absolutista, construindo em sua práxis a consecução dos velhos ideais mercantilistas, fundada em um parâmetro que tem papel proeminente e multifacetado, “a dominação”. Como destaca Weber (1994, p.187), “todas as áreas da ação social, sem exceção, mostram-se profundamente influen-ciadas por complexos de dominação”.

Defluem a respeito do assunto inúmeras teorias que apresentam prismas diferentes, peculiaridades inerentes, mas que se mostram concêntricas, confluentes quanto ao cer-ne na dominação de classes, estratificação social, disparidade e desorganização desenca-deada pelas práticas político-econômicas predatórias.

Sendo assim a organização internacional ainda está distante do fito ao qual foi sonha-da, a começar pela inobservância quanto ao seu espectro de funções ou potencialidades mínimas, tais como: desenvolvimento de meios para controlar conflitos; proteger os di-reitos do homem; restringir o poder dos Grandes e consequentemente aumentar as opor-tunidades dos Estados subdesenvolvidos, diminuir os aspectos da política nacionalista importando na percepção da importância da política internacionalista; facilitar o canal de comunicação, exercer influência nas decisões dos Estados, entre outros.

Pari passu, pela própria natureza confluente, a ordem jurídica internacional ainda não infere a segurança e justiça prospectada, tanto pela inobservância de sua objetivação, ou seja, superação do dogma “voluntarista”, quanto pelo desenvolvimento de uma codifi-cação e jurisdicionalização internacional coativa. Vale frisar que, quanto à codificação e jurisdicionalização, não se critica a inexistência dos mesmos, mas sim sua efetividade.

Sendo assim, aparentemente o direito internacional continua a ser um consagrador do status quo, não atendendo ainda sua função social nem as tendências preeminentes das relações internacionais, como universalização, cooperação, integração e humanização, expressando-se em um direito que atende aos países desenvolvidos e não aos em via de desenvolvimento.

No tocante à universalidade, apontamos a vetusta e pseudoigualdade ou paridade dos atores internacionais, que embora ratificada e muito bem projetada em seu aspecto for-mal, mostra-se de pouca aplicabilidade material, continuando a prevalecer às pressões dos mais fortes sobre os fracos as ameaças e coações, instrumentos que marginalizam, segregam e retardam cada vez mais o desenvolvimento de uma coletividade internacio-nal equânime e justa.

Quanto à sua natureza funcional de interação e cooperação, continuam a sobrepujá--los a manutenção das relações individualistas que ensejam no centrismo estatal, total-mente adverso aos parâmetros de coesão, adaptação, incorporação, articulação ou inter-

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câmbio para diminuição de óbices e superação de rivalidades no âmbito internacional.Em relação à humanização, apesar da notória arquitetura normativa de proteção dos

diretos humanos, consubstanciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) entre outros inúmeros tratados, a conformação de todo esse organismo interna-cional e suas instituições jurídicas de defesa ainda não salvaguardam por completo a dignidade humana contra a violência, o aviltamento, a exploração e a miséria.

Parece-nos ironia, diante de toda efervescência do conhecimento humano e de todo movimento constante e inelutável de unificação da humanidade, vivermos ainda a ratifi-cação dos direitos e garantias fundamentais, tentarmos ainda erigir e vultar os conceitos de coletividade e humanidade.

Tal paradoxo pode aparentar certo pessimismo, mas apresenta-se tangível a sensibi-lidade daqueles que transcendem aos caracteres mecânicos da sociedade internacional.

Sob uma perspectiva valorial, vivemos um recrudescimento dos valores clássicos ma-terializados cronologicamente pela marcha dialética histórica da afirmação dos Direitos Humanos. Essa percepção pode nos parecer certo apego, um mero ornamento, mas é de suma significância, afinal, é essa construção das gerações ou dimensões dos diretos que nos faz de maneira mnemônica consolidar na estrutura do Estado os direitos e garantias que devem ser respeitados não só em seu âmbito territorial, mas para além de suas fron-teiras.

Como destaca Alexandre Moraes citando o Ministro Celso de Mello:

[...] enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos e sociais e culturais) – que identificam as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam po-deres de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e cons-tituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma es-sencial inexauribilidade.

A compreensão sobre construção, evolução e concretização dos direitos humanos, subsidia a materialização do ideal fundado no conceito de humanidade, que aduz a ideia de gênero humano, atribuindo a noção de igualdade – igualdade que consubstancia um panorama de coletividade ou mais especificamente comunidade, transmitindo a ideia de convergência e coesão de nítidos valores éticos e morais comuns, que suplantam as peculiaridades e características de cada nação enquanto ente integrante desse gênero.

Corrobora com tal entendimento Fábio Comparato:

[...] A concentração do gênero humano sobre si mesmo, como re-sultado da evolução tecnológica no limitado espaço terrestre, se não for complementada pela harmonização ética fundada nos direitos humanos, tende à desagregação social, em razão fatal da prevalência dos mais fortes sobre os mais fracos. Por sua vez, sem a contribuição constante do progresso técnico, não se criam condições materiais indispensáveis ao fortalecimento universal da comunhão humana: os diferentes grupos sociais permanecem distantes uns dos outros, desenvolvendo mais os fermentos de divisão do que os laços de cola-boração mútua. (COMPARATO, 2005, p.39)

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Tal panorama remonta-nos a um dos mais importantes movimentos político-ideológi-cos da história da humanidade, a Revolução Francesa, que se destacou pelo célebre lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Tal lema corresponderia às respectivas dimen-sões ou gerações dos direitos fundamentais, onde dos quais a primeira geração seria a dos direitos de liberdade; a segunda, dos direitos a igualdade e a terceira, que assim com-plementaria o lema, a Fraternidade. Apesar de parecer análogo, congênere à acepção do lema da revolução aos direitos fundamentais, parece-nos que o conceito de fraternidade possui uma peculiaridade que amplia, dilata a extensão de seu conceito. Tal juízo pode ser abalizado a partir da exegese da etimologia do vocábulo.

Segundo Aurélio Ferreira (1986, p.810) fraternidade origina-se do latim Fraternitate e significa “[...] Parentesco de irmãos; irmandade. [...] Amor ao próximo; fraternização. [...] União ou conveniência de irmãos; harmonia, paz, concórdia, fraternização.”

A noção de fraternidade transcende a mera solidariedade mecanicista, arraigada à ideia de hipossuficiência e deficiência geradas pelo sentimento etnocêntrico de supre-macia e superioridade. O verdadeiro conceito de fraternidade remete-nos a uma solida-riedade em essência, congênita, que se aproxima da concepção de comunidade delineada por Ferdinand Toonies, uma comunidade de vontade orgânica e formação natural, uma comunidade norteada pelo um sentimento primordial, que deveria ser inerente a toda sociedade internacional, o sentimento de vida em comum, o sentimento de irmandade.

Muito embora possa parecer com a defesa de uma bandeira, não se considera objetivo desse trabalho enfatizar a comunidade como modelo sublime e aprimorado para as rela-ções internacionais. O verdadeiro objetivo dessas reflexões é não restringir as relações internacionais ao âmbito meramente mecânico economicista, em que a riqueza de uns implica na miséria de outros, e que o ideal comum pertinente à comunidade poderia ressignificar essas relações internacionais, atribuindo a elas o caráter mais elementar de nossa natureza, a “humanidade”.

REFERÊNCIAS

COMPARATO, Fábio Conder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4°. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FERREIRA HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2º. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasí-lia: UNB, 1999.

MELLO, Celso D. de Abuquerque. Direito Internacional da Integração. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direto Internacional Público. 14°. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 21°. ed. São Paulo: Atlas, 2007.PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7°. ed.

São Paulo: Saraiva, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27°. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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Os Direitos Humanos sob um olhar protetivo universal: a importância dos tratados internacionais na incorporação do Direito Humanitário à Constituição brasileira de 1988

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OS DIREITOS HUMANOS SOB UM OLHAR PROTETIVO UNIVERSAL: A IMPORTÂNCIA

DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA INCORPORAÇÃO DO DIREITO HUMANITÁRIO À

CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Este artigo trata do tema abrangente de Direitos Humanos, elaborando uma corre-lação entre aspectos referentes ao Direi-to Internacional Humanitário e o Direito Constitucional Brasileiro. É retratada a evolução de um perfil protetivo de Direi-tos Humanos ao longo da história de afir-mação do constitucionalismo e os avanços de prevenção dessa categoria primordial de direitos à existência humana, no que diz respeito à formação de uma Ordem Internacional capaz de garantir a concre-tização de um Sistema Global de proteção de direitos.

Questo articolo tratta il tema genera-le dei diritti dell'uomo, producendo una correlazione tra gli aspetti relativi al di-ritto umanitario internazionale e la leg-ge costituzionale brasiliana. Ha ritratto l'evoluzione di un profilo di protezione dei diritti umani in tutta la storia di costitu-zionalità di affermazione, e progressi nella prevenzione primaria di questa categoria di diritti per l'esistenza umana, per quanto riguarda la formazione di un ordine inter-nazionale in grado di assicurare la realizza-zione di Global System per la protezione dei diritti.

Marcos Renato de Albuquerque O Autor é Acadêmico do segundo

período da Graduação em Direito das Faculdades Integradas Barros Melo.

Direitos Humanos. Constituição Brasilei-ra. ONU.

Diritti dell'uomo. La Costituzione brasilia-na. Le Nazioni Unite.

Resumo Riassunto

Palavras-Chave: Parole-Chiavi:

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Marcos Renato de Albuquerque

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Agradecimentos: Ao Professor Lucas Galindo, agradeço pela iniciativa de formar o Núcleo de Estudos, espaço este muito bem planejado pelo Professor e pela Instituição de Ensino para o enri-quecimento de meus estudos acadêmicos. Quero dedicar este pe-queno artigo para você, professor, que me fez despertar o desejo de publicar essa produção como uma primeira experiência no curso e parabenizar os integrantes do Núcleo pelos futuros artigos que se-rão publicados. Ao Senhor, um forte abraço e muito obrigado pela oportunidade.

1. DIREITOS HUMANOS: UMA APRESENTAÇÃO A RESPEITO DO TEMA DE VALOR UNIVERSAL

É relevante destacar como início de uma exposição sobre Direitos Humanos a neces-sidade de compreensão a respeito dos valores e peculiaridades que envolvem o tema. Tamanha importância reside no fato de que a ausência dos Direitos Humanos na vida de cada pessoa representaria uma descaracterização, ou seja, uma desconfiguração dos padrões adequados de vida humana na sociedade.

Em sua essência, os Direitos Humanos apresentam um caráter de universalidade, já que devem ser reconhecidos em qualquer parte do mundo como uma categoria de Direi-tos inerentes à condição humana. A não necessidade de um reconhecimento por parte de uma autoridade estatal configura o perfil desses Direitos que, como já foi exposto, são aqueles sem os quais o ser humano perde as suas respectivas características existenciais. Vale ressaltar que a eficácia dos Direitos Humanos no plano social depende diretamente de uma intervenção por parte de uma Ordem Internacional, cuja tarefa consistirá justa-mente em garantir o respeito à dignidade humana por meio da formulação de um perfil protetivo de direitos. Para uma primeira apresentação pode-se caracterizar os Direitos Humanos como expressão de um Direito Natural, cuja essência fundamenta-se justamen-te na aquisição de direitos ao Ser Humano desde seu nascimento, sem a necessidade de positivação de seus princípios em um texto constitucional.

É necessário destacar, como questão correlata aos Direitos Humanos, os Direitos Fun-damentais, cuja expressão é típica do discurso constitucionalista. Estes representam a manifestação do Direito Positivo, no que diz respeito à condição de sua validade estar submetida aos ditames operacionais de uma autoridade estatal. Seu campo de aplicação e garantia encontra-se nas prescrições normativas presentes na Constituição, cujo caráter natural de relatividade configura a possibilidade de variação das normas com o tempo e o espaço. Enfim, os Direitos Humanos representam uma manifestação natural de valores essenciais à existência humana, cuja credibilidade, diferentemente dos Direitos Funda-mentais, não depende de qualquer interferência governamental.

1.1 A evolução de um perfil protetivo de Direitos Humanos: O Modelo Liberal e o Modelo Social.

Dentro de uma perspectiva evolutiva dos Direitos Humanos, que coincide com o pro-cesso de desenvolvimento e expansão do Constitucionalismo, é possível ter uma noção de que o processo de evolução dos direitos é marcado historicamente por três momentos de ruptura de um modelo estatal antes vigente para outro modelo de autoridade diferente.

Vale destacar aqui, primeiramente, o Governo Absoluto vigente durante boa parte do Século XVIII, marcado por um governo soberano em que reinava a manipulação arbitrá-ria do rei aos seus súditos. A oposição a essa forma de governo consolida-se com a forma-ção de um Estado Liberal, modelo esse caracterizado pela figura absenteísta do Estado,

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Os Direitos Humanos sob um olhar protetivo universal: a importância dos tratados internacionais na incorporação do Direito Humanitário à Constituição brasileira de 1988

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que passa a ser responsável apenas pela garantia dos direitos individuais, não tendo as-sim qualquer interferência nas relações econômicas. O Estado Liberal concretiza-se com a ascensão da burguesia ao poder de controle nas atividades relacionadas à economia e à forte influência na política. Os principais benefícios adquiridos por esse Modelo Liberal voltavam-se essencialmente aos capitalistas, o que gerou certa tensão entre os detento-res dos meios de proteção e a classe operária que surge durante o contexto de expansão da industrialização na Europa.

O desejo de ruptura do Modelo Liberal por parte da grande parcela não beneficiada pelo sistema marca o início da adoção de um modelo de Estado Social voltado à garantia de Igualdade, Saúde, Educação, Trabalho, Lazer. O Estado Social, portanto, reideologia-se ao modelo de Estado absenteísta presente no Modelo Liberal, de forma que a prestação de direitos sociais seja positiva, já que esses próprios direitos são executados e defen-didos a partir da intervenção direta do Estado na vida dos cidadãos. Esse Modelo Social fundamentava-se no princípio da Igualdade como forma de reação às práticas de discri-minação social presentes durante o regime Liberal. Este, portanto, antecedeu o surgi-mento do Estado de bem-estar ou Welfare State, como era conhecido o modelo social, e foi marcado pela figura de um Estado mínimo, voltado à proteção dos direitos individuais principalmente da burguesia, tais como: direito à vida, direito à propriedade, direito à privacidade. O fundamento do Estado Liberal vinculava-se ao princípio da Liberdade. A excessiva discriminação social presente nesse tipo de governo expande-se durante o crescimento das práticas de industrialização, em virtude das divergências econômicas entre os detentores de produção e a classe operária. Tal ausência do governo liberal nas relações econômicas contribui para o surgimento de Estado Social, como já mencionado. A sua atuação passa a caracterizar-se de duas formas: no domínio econômico, quando o Estado compete de forma igualitária com o particular, ou quando sua intervenção aplica--se sob o domínio econômico, quando o Estado impõe as regras limitadoras para o devido exercício das práticas econômicas na Sociedade.

Para uma análise dos momentos históricos em que associamos esses modelos estatais citados, pode-se caracterizá-los da seguinte forma:

• Direitos de Primeira Geração: Direitos Civis e Políticos, cuja base normativa encontra-se vinculada ao Princípio de Liberdade (Modelo Liberal de Estado)

• Direitos de Segunda Geração: Direitos Sociais, cuja base normativa encontra-se vinculada ao princípio de Igualdade (Modelo Social de Estado).

1.2 Os Direitos Humanos sob uma perspectiva contemporânea de análise

A partir de um olhar contemporâneo de compreensão do tema, os Direitos Humanos apresentam-se como difusos na sociedade, de forma que sua matriz ideológica atual se fundamenta em um processo de reconciliação dos modelos liberal e social. Sua expressão social prega uma valorização de ideais, como a solidariedade, fraternidade entre os cida-dãos; estabelecendo assim uma importante contribuição entre estes e as instituições so-ciais, no que diz respeito à proteção e conservação do bem comum a todos na sociedade.

Conhecidos como Direitos de Terceira Geração, os Direitos Humanos sob um olhar contemporâneo pregam a necessidade de destacar valores éticos e a justiça social como elementos essenciais para a prática da cidadania, sendo assim as relações humanas pau-tadas nesse processo de respeito e contribuição mútua entre os cidadãos e os entes pú-blicos. Falar de “Gerações de Direitos” pode implicar uma análise pré-formulada de que a sucessão de gerações pode acabar promovendo uma negação das vertentes anteriores pelas matrizes posteriores. Para que esse pensamento não se torne presente em nossas

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consciências, é possível utilizar a expressão “Dimensões de Direitos”, dando assim uma ideia de que os direitos afirmados historicamente se inter-relacionam em uma mesma e única estrutura multidimensional. Dentre um rol exemplificativo de direitos difusos na sociedade, podemos destacar aqui o respeito à preservação do meio ambiente; a pro-liferação da educação para todos; a participação direta do povo nas decisões políticas a partir do sufrágio; a participação do Congresso Nacional no processo de incorporação de tratados internacionais ao Direito Interno; a garantia de atendimento à população caren-te por meio de projetos públicos; a promulgação de normas constitucionais que possam garantir o bem-estar dos cidadãos.

1.3 O Status Normativo de Proteção dos Direitos Humanos: O compromisso da Constituição Brasileira com tratados e acordos internacionais em matéria de Di-reito Humanitário.

A Constituição Brasileira de 1988 representa um marco na relevância da defesa dos Di-reitos Humanos. O período que antecede a sua formação é marcado pela desconsideração de preceitos inerentes à condição humana, como forma de atendimento exclusivo aos requisitos pretendidos pelo governo ditatorial militar durante o período de 1964 a 1985 no Brasil. A decretação da nova Carta de 1988 surge como forma de negação aos princí-pios influentes no período ditatorial, passando agora a defender os direitos da cidadania e declarar maior relevância aos valores éticos e à justiça social.

A Formulação do Título II da nossa Constituição, que exalta um perfil protetivo aos Di-reitos e Garantias Fundamentais, é fruto de um processo de reaproximação entre Direito e Moral no contexto social brasileiro. A relevância à proteção dos Direitos Humanos pela Constituição Brasileira é vista de forma especial pela Ordem Internacional (Organização das Nações Unidas), cujo interesse e objetivo principal vinculam-se aos aspectos ineren-tes à condição humana. Vale destacar aqui o artigo 4 da Constituição de 1988, que declara a prevalência dos Direitos Humanos sobre qualquer lei nacional: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (…) II- pre-valência dos direitos humanos; (…)

Um importante Pacto Interamericano, que trata diretamente do respeito e da prote-ção dos Direitos Humanos, foi decretado na cidade de San José, Costa Rica. Seus ideais refletem-se diretamente nos mecanismos de manifestação da Constituição Brasileira, que passa a aderir oficialmente ao Pacto de San José, elaborado pela Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos em 25 de Setembro de 1992, após 23 anos da adoção desse Tratado Interamericano na Costa Rica. A demora pode ser explicada pelo fato de que o Brasil estava vivendo um regime de exceção no momento da conferência e os governan-tes militares não aceitavam ingerência externa nos assuntos considerados políticos. É necessário frisar que, para serem equiparados às normas constitucionais de um país, os tratados internacionais devem obter uma votação de três quintos dos deputados e sena-dores para incorporação ao direito interno. Em geral, os tratados valem mais do que as leis ordinárias e menos que as normas constitucionais.

A origem e a necessidade de se criar uma Organização Internacional que tratasse de forma direta da proteção dos Direitos Humanos, em matéria de Direito Internacional, deu-se justamente devido às atrocidades verificadas durante a Segunda Guerra Mundial. Esse período histórico foi marcado por torturas e práticas cruéis, desumanas e degradan-tes por governos totalitários nazi-fascistas que chocaram o mundo. A Formação da Orga-nização das Nações Unidas em 1945 marcou um momento essencial na história da huma-nidade, no que diz respeito a uma necessidade de reaproximação do Direito aos valores éticos e morais inerentes á dignidade humana. Foi a partir da Carta de São Francisco,

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Califórnia, que parte do mundo começava a se mobilizar em busca da formação de uma Ordem Internacional preocupada em garantir a proteção dos Direitos Humanos como valor universal a ser defendido. Como mencionado anteriormente, a Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos considerou a forte preocupação de combater o desrespeito aos direitos essenciais para a existência humana. Dentre esses direitos, que passam a se tornar amplamente difundidos pela Constituição Brasileira de 1988, podemos destacar:

- Direito à vida- Direito à integridade pessoal- Proibição da escravidão e da servidão- Direito à liberdade pessoal- Garantias judiciais- Princípio da legalidade e da retroatividade- Direito à indenização- Proteção da honra e da dignidade- Liberdade de consciência e de religião- Liberdade de pensamento e de expressão- Direito de retificação ou resposta- Direito de reunião- Liberdade de associação- Proteção da família- Direito ao nome- Direitos da criança- Direito à nacionalidade- Direito à propriedade privada- Direito de circulação e de residência- Direitos políticos- Igualdade perante a lei- Proteção judicial- Desenvolvimento progressivo

Em se tratando de relevância constitucional na garantia de defesa dos Direitos Funda-mentais, podemos dar ênfase aos quatro parágrafos que compõem o artigo 5 da Consti-tuição de 1988. Como exposto no primeiro parágrafo do artigo, as normas vinculantes à proteção dos direitos e garantias fundamentais sofrem aplicação imediata, como forma de defender a ordem jurídica brasileira da síndrome de ineficácia normativa. Outro com-promisso da Constituição com os Direitos Humanos é expresso no segundo parágrafo do artigo 5, quando se trata da cláusula de abertura material do rol de Direitos Funda-mentais explícitos no texto constitucional, aberto a tratados internacionais de Direitos Humanos pelo qual o Brasil faz parte, e a princípios e regimes aderentes à Constituição. Esse processo marca a abertura do rol aos Direitos Fundamentais implícitos. É relevante destacar também o compromisso jurídico que o Brasil passou a ter, a partir da decretação da Emenda 45/2004, com a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, órgão cuja com-petência restringe-se aos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos de seu estatuto, o TPI terá competência para julgar os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão. A sua atuação de defesa aos Direitos Humanos complementa a interpretação e a aplicação dos princípios constitucionais brasileiros.

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1.4 O Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos

O período pós Segunda Guerra Mundial representou um momento de extrema refle-xão para a humanidade, no que diz respeito às atrocidades e desastres causados pelos regimes totalitários. Era preciso criar uma Organização Internacional capaz de prevenir consequências tão graves como aquelas verificadas durante o período da Guerra. O início para uma solução que pudesse controlar e ao mesmo tempo evitar novos desastres, foi dado na cidade norte-americana de São Francisco, onde países como Estados Unidos,

União Soviética, França e China reuniram-se para realizar uma Conferência das Na-ções Unidas sobre Organização Internacional. Desse encontro foi assinado uma Carta das Nações Unidas que marcou a formação da ONU, mais precisamente em 26 de junho de 1945.

Hoje a ONU conta com a participação direta de 192 países-membros e seus principais órgãos são a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e Social e, dentre eles, podemos destacar a participação do órgão de Conselho de Direitos Humanos. Este último integra a participação de 47 membros efe-tivos eleitos por voto secreto pelos representantes da Assembleia Geral da ONU. Podemos aqui destacar algumas competência referentes ao Conselho de Direitos Humanos:

Promover a educação e o ensino em Direitos Humanos e dar assistência técnica;• Debater temas de Direitos Humanos;• Implementar obrigações de Direitos Humanos;• Mapear o cumprimento dos Direitos Humanos no mundo;• Contribuir para a prevenção da violação de Direitos Humanos;• Trabalhar em cooperação com Estados, entidades e sociedades civis para a proteção aos

Direitos Humanos.

É de se destacar também como etapa marcante no processo de formação de um perfil protetivo de Direitos Humanos, a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Huma-nos, que expressa uma valorização da ética mundial para toda humanidade. Formulada em 1948, a Declaração defende um rol de categorias de Direitos, são eles: Civis, Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais. Em seu artigo I, retrata que “todos os homens nascem iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em rela-ção uns aos outros com espírito de fraternidade”

Em seus 30 artigos que compõem sua estrutura, a Declaração trata diretamente de temas como o Direito à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho – Direitos Sociais, Econômicos e Culturais –; à vida, à liberdade pessoal de consciência e religião, à partici-pação política, à propriedade privada, à liberdade de expressão e pensamento – Direitos Civis e Políticos. Sua força normativa vinculante obriga os Estados membros da ONU a introduzir os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos em suas normas constitucionais de Direito Interno.

Existem Juristas que debatiam a respeito da força vinculante da Declaração, declaran-do certo comprometimento em sua aceitação universal, já que ela não se tratava de um Tratado Internacional. O passo fundamental para expansão e credibilidade universal da Declaração foi dado a partir de 1966, com a elaboração de dois tratados internacionais: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, vertente mais voltada aos países capita-listas durante o período da Guerra Fria, sendo a Liberdade o princípio básico desse pac-to, e o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, mais voltado à aceitação dos países socialistas da época. O que vale ressaltar com bastante clareza é que o Sistema Global de Direitos Humanos passou a ser formado e aceito internacionalmen-te por meio da formação do conjunto composto pela Declaração Universal dos Direitos

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Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais.

1.5 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é apenas uma parte do conjunto que for-ma um campo de atuação e defesa dos direitos humanos. É bem verdade que, em se tra-tando da dignidade humana, é dever do Estado garantir condições mínimas para uma existência digna de seus cidadãos, sendo essa garantia efetivada quando as autoridades governamentais asseguram direitos como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e assistên-cia aos desamparados na forma da Constituição Nacional.

À ideia de princípio, podemos associar aspectos autônomos e valorativos próprios de sua natureza. O princípio da Dignidade Humana é autônomo por conter “vida própria”, não dependendo de nenhuma situação que condicione sua credibilidade social, e é valo-rativo, no sentido de que seu conteúdo contém ideias de valor significativo e universal. Existe um grande desafio internacional em garantir que o princípio da dignidade huma-na seja posto em relevância em todos os casos associados à defesa dos Direitos Humanos, de forma que o Direito Interno de cada país possa relevar a plano principal a proteção de direitos inerentes à personalidade da pessoa (liberdade e igualdade) e também a pro-teção do conjunto de direitos estabelecidos para a coletividade (sociais, econômicos e culturais).

Como prescrito na Constituição Brasileira de 1988, em seu parágrafo segundo do arti-go 5: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorren-tes do regime e dos princípios constitucionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Sendo assim, o princípio da dignidade humana é tido como princípio funda-mental, portanto de ter precedência sobre outros princípios constitucionais.

1.6 Considerações finais

Para uma compreensão geral a respeito do fenômeno de difusão dos Direitos Huma-nos, em se tratando de um discurso internacionalista, é necessário dar grande enfoque à tutela jurídica dos direitos relacionados à vida humana. O papel da ONU, no que diz respeito a conferir o cumprimento e as possíveis violações dos direitos humanos no con-texto global dos mais diversos países do mundo, especialmente os 192 membros que in-tegram a Organização, mostra-se fundamental no processo de incorporação de uma ética mundial capaz de assegurar valores morais aos regimentos constitucionais internos dos países.

O direito à vida, compreendido como requisito fundamental de tutela jurídica, deve ser tratado de maneira especial pelos regimes estatais, já que apresenta complexidade em sua essência. Em se tratando do dever do Estado em garantir uma condição digna de vida a cada cidadão, sem qualquer tipo de distinção de raça, cor, sexo e religião, é im-portante frisar que essa garantia do direito à vida realiza-se pelo menos nos seguintes planos: o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e o direito à existência. O respeito à vida humana pode abranger diversas situações, dentre as quais se pode destacar o direito que cada ser humano tem de não ser ofendido ou agredido injustamente, até casos em que a lei permite repelir uma ofensa injusta por meio da legítima defesa.

É claro que a garantia de direitos iguais a todos é um desejo ainda distante se formos analisar o contexto social brasileiro, mas a conquista de um perfil protetivo de direi-

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tos advinda com a promulgação da Constituição Federal de 1988 representou um passo importante na história do país, ainda mais se pararmos para refletir a respeito das con-sequências degradantes do período ditatorial. A reaproximação entre as normas cons-titucionais e os valores éticos no contexto brasileiro muito deve à influência exercida por acordos e tratados internacionais de Direitos Humanos patrocinados pela ONU, que atuam justamente com o objetivo de trazer ao Direito Interno de cada país os requisitos primordiais ao regimento social em matéria de Direito Internacional Humanitário.

REFERÊNCIAS

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 7 edição. Editora Saraiva, 2010, 590 páginas.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Nova Edição. Editora Campus, 2004, 219 páginas.

CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos, Sinopses Jurídicas. 2 edição. Editora Saraiva, 2012, 204 páginas.

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DIREITOS HUMANOS, CONSAGRAÇÃO, AUTOAFIRMAÇÃO E PROCESSO HISTÓRICO

No processo histórico dos Direitos Humanos, é possível observar a vultosa disparidade existente entre a teoria le-cionada nos livros e a praxe da realidade humana, possuindo caráter desafiador no que se refere ao Universalismo dos Direi-tos Humanos. O presente trabalho procu-ra mostrar casos concretos de constantes violações, ao passo que também procura propor uma reforma na conotação univer-sal desses direitos, visando a singularidade da vida humana.

Nel processo storico dei diritti umani è possibile osservare il divario considerevole tra la teoria insegnata nei libri e la pratica della realtà umana, mettendo in discus-sione il carattere visto l'universalismo dei diritti umani. Questo lavoro si propone di mostrare casi concreti di violazioni persis-tenti cercando nel contempo di proporre una riforma in la connotazione di tali dirit-ti verso l'obiettivazione dell’unicità della vita umana.

Ana Regina Alencar Laurentino A Autora é Acadêmica do segundo perí-

odo da Graduação em Direito das Faculda-des Integradas Barros Melo.

Direitos Humanos. Universalismo versus mistas culturas. Pena capital.

Diritti dell'uomo. Universalismo versus culture miste. La pena capitale.

Resumo Riassunto

Palavras-Chave: Parole-Chiavi:

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INTRODUÇÃO: DIREITOS HUMANOS – CONTEXTO POLÍTICO-FILOSÓFICO.

Adentrar no preâmbulo dos Direitos Humanos é, direta ou indiretamente, transitar nos conflitos que os envolvem em sua máxima atuação, enquanto processo de afirmação histórica e social da dignidade do ser humano, sem, portanto, fazer distinção de cor, raça, sexo ou crença. Dentro do conjunto de direitos, podemos observar o distanciamen-to do Estado em relação aos indivíduos integrantes da sociedade, bem como para com as obrigações preestabelecidas entre Legislador e Legislados. O Estado, como tutor do poder soberano, acaba por deslocar suas “prioridades” para causas supérfluas, suscitan-do verdadeira precariedade social, intelectual, política e moral dos indivíduos que ali se encontram.

No processo de consolidação dos Direitos Humanos, em seu percorrer de passos, seus confrontos estão tão evidentes que se torna impossível ignorar alienantes eventos po-líticos, que acabam por pasmar aqueles que ainda conseguem duvidar das armadilhas políticas impostas pelo Estado com o único fim de mascarar a realidade em que seres humanos são submetidos a conviver. Enquanto possuidores de dignidade humana, esses indivíduos buscam um verdadeiro modelo de Estado, sendo este protetor, perfeito e que supra as necessidades básicas daqueles que fazem parte de uma sociedade. No contexto social, podemos afirmar que os direitos do homem são definidos, visto que, a grande mutação social é a principal responsável pela grande variedade de direitos. Tais direitos são também invioláveis, já que não podem sofrer negação visto que são inatos aos seres humanos, e seu conteúdo, que emana da Declaração Universal dos Direitos Humanos procura afirmação, não somente de tais direitos, como também de muitos outros acerca da garantia e da promoção dos direitos do homem. Em relação à Constituição Brasileira, nota-se uma bela retórica sobre os Direitos Humanos, entretanto percebe-se que tais direitos foram criados apenas para embelezar as páginas dos livros que tomam temas acerca deste assunto.

Norberto Bobbio1 afirma que: “O importante não é fundamentar os direitos do ho-mem, mas sim protegê-los”. Nesse diapasão, a dignidade da pessoa humana não é ques-tionada, possuindo, sim, relevância na discussão, principalmente diante da inesgotável e incessante luta pela afirmação dos direitos inerentes à natureza humana no âmago de cada sociedade. Não obstante, elencar fatos que mostrem a constante violação dos direitos “ditos” humanos não requer muito esforço: para tanto basta uma breve análise no conteúdo dos artigos de nossa majestosa Constituição Brasileira que versam sobre a matéria. Cite-se o enunciado de nossa Carta Magna2: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Vejamos o exemplo da questão do aborto, onde se observa a violação da vida em con-flito como o disposto no artigo supracitado, sobretudo no tocante aos Direitos Huma-nos “Universais”, que não são aplicados aos fetos anencéfalos (fetos com ausência de cérebro), que, no entanto, até onde se sabe, são seres humanos. Destarte, ao longo da história verificaram-se inúmeras violações brutais desses direitos, como a observada no Nazismo com Adolf Hitler. Ao homem, que é, indiscutivelmente, o bem superior de todo ordenamento do jurídico, faz-se necessária proteção pronta e eficaz, capaz de afirmar a relevância dos direitos inerentes à condição humana,

No levante da questão, surge a problemática da verdadeira aplicação da Universalida-de dos Direitos Humanos, conforme negação evidenciada no caso de Zaíra (França), que gerou repercussão internacional quando teve tolhido o direito de usar o véu que cobria a sua cabeça, rito de sua religião. Ela, residente na França, de religião Islâmica, de na-1 Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992

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cionalidade marroquina, não pôde usar o adereço religioso no interior da instituição de ensino que frequentava, em obediência a uma lei vigente a partir de setembro de 2004. Apesar de grande contenda jurídica gerada nos tribunais e a despeito da tríade revolu-cionária francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), Zaira foi proibida de usar o véu, sendo completamente ignorado o seu direito de manifestação religiosa e liberdade de consciência.

DISCUSSÃO ACERCA DA VIDA HUMANA.

A partir desse primeiro estudo podemos avançar citando o tão comentado DIREITO À VIDA. A vida é dotada de critérios e peculiaridades que a tornam única, a exemplo da consciência humana que, por natureza, é singular em sua manifestação, criação e vivên-cia, e ainda permissiva com relação às bondades advindas do Estado e sofredora quando violada. A violação da vida poderá ocorrer em casos de puro interesse do Estado, no tocante ao interesse social que passa a ser o bem jurídico mais relevante. Emprestando suporte a essa violação, o próprio Estado, que deveria proteger a vida, é o mesmo que a viola; e ao passo que a coloca em segundo plano, surge a grande questão aqui elencada: para o Estado, a vida humana realmente possui valor prolatado pela Constituição? E, se possui, qual será esse valor?

Quando se fala do processo de criação da Declaração Universal dos Direitos do Ho-mem, correlaciona-se ao pressuposto de que esta declaração viesse a proteger os direitos inerentes à condição humana. O desenvolvimento dos Direitos do Homem ocorreu em etapas; tais etapas correspondem ao tempo em que esses direitos levaram para se firmar. A primeira etapa corresponde ao Direito à Liberdade, ou seja, aquele direito que possui o escopo de limitar e até dirimir o poder do Estado nas decisões dentro da sociedade, proporcionando ao indivíduo certa liberdade de expressão, sem que para isso fosse ne-cessário reportar-se ao Estado. Por conseguinte, essa primeira etapa alude ao objetivo principal residido na segurança da não opressão do Estado para o com o povo, não per-mitindo que a criação de um monstro ditador pudesse vir a subjugar manifestações de insatisfação e cólera no interior de uma sociedade esclarecida. Na segunda etapa foram propugnados os Direitos Políticos, que consistiam na convalidação da atuação estatal no meio social como instituição responsável pelo bem estar entre os indivíduos que formam a sociedade como um todo e, como consequência disso, o Estado deveria oferecer a estes membros condições de trabalho remunerado, saúde de qualidade, lazer gratuito e ade-quada moradia. Essa segunda etapa recorre ao Estado com a finalidade voltada para uma adequada proporção que leve em consideração a realidade vigente na sociedade cuja atuação estatal desmembrasse os incautos que circundavam o âmbito social.

Norberto Bobbio2 cita : “a Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre”. Fazendo uma breve menção ao que o autor cita no parágrafo supracitado, podemos, por hora, demarcar a evolução histórica dos direitos e das suas etapas, precipuamente no momento de deliberação para um debate envolto do tempo e do espaço em que esses direitos iniciaram sua afirmação, levando também em consideração o discurso humanístico emanado da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não seria prudente negar a suma importância da verdadeira legitimação dos Direitos Humanos ou até mesmo concernir com os atos praticados com tal finalidade, visto o caráter de absoluto que esses direitos trazem consigo, mas é preciso aqui elencar que vivemos em um mundo absolutamente mesclado de culturas das mais diversas pos-

2 Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro : Campus, 1992.

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síveis e ensejar que todas estas culturas absorvam de forma uniforme o que seria dito fundamental para elas, seria comportar-se de forma ilusória, dado caráter o atávico que cada uma carrega em seu interior político, moral e social.

Em dados momentos faz-se necessária uma reflexão no que compete aos Direitos Hu-manos, na observância da ligação ao Universalismo, no qual a eles foi conferido. Acordar esta questão é, sem duvida, adentrar no mais polêmico debate com relação aos direi-tos do homem, pois se utilizarmos uma lógica racional humana, poderemos aferir que cada cultura é dotada da mais singular manifestação; logo, como poderemos aplicar, por exemplo, às tribos indígenas nômades que residiram no Brasil no interior do Amazonas o conceito de que uma criança com deficiência motora não poderia ser banida da tribo por-que lhe era conferido o direito à vida ou então explicar a um indígena da tribo Tupinam-bá que a prática da antropofagia era uma devastadora manifestação de horror de um ser humano para o com o outro e não uma forma de obter a energia e a força de adversário?

Neste ponto do estudo, será necessário trazer à tona o debate do Relativismo ou Uni-versalismo dos Direitos Humanos. Julgar qual seria a melhor opção para endossar a Clas-sificação do que seriam, de fato, os Direitos Humanos, seria não levar em conta todo o legado histórico que sofreram os Direitos do Homem no seu processo de afirmação. Não repelindo as correntes filosóficas que falam do assunto, é valido citar que há correntes como os universalistas que manifestam em seus estudos e declarações que os direitos são considerados Universais, isto é, deve se levar em consideração os direitos mínimos her-dados, tais como Direito à vida ou até à dignidade. Esta problemática não nasceu de hoje. Há bastante tempo que se vem discutindo o caráter que os Direitos Humanos carregam consigo, mas a grande questão não é o que eles são, mas sim a o que eles atendem. Arguir sobre o que é ético numa cultura e o que é falho noutra seria a forma mais instantânea usada para denegrir uma tradição, ou até uma sociedade inteira, deixando escapar todos os princípios éticos proferidos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Norberto Bobbio 3 cita “O retorno a velhos temas que pareciam esgotados não é nem uma reexumação, nem uma repetição. Os problemas nascem quando certas condições históricas os fazem nascer, e assumem em cada oportunidade, adaptados às circunstan-cias”. Decorrente do que se pode aferir da passagem supracitada, ocorre que o fenômeno do multiculturalismo está mais presente no mundo do que uma discussão voltada para o que deveria vir a ser universal ou não, como um processo global que se entranha nos países. A mistura de culturas se junta com o que ocorre nos filtros humanos, ou seja, não se encontra claro um processo antigo de manifestação cultural que já ultrapassou anos no interior do mundo. As ditas “raças” não são do mais do que um verdadeiro conjunto de pessoas que compartilham de fazeres humanos. Universal seria se todos pensassem iguais, agissem da mesma forma ou se vestissem do mesmo jeito; se esse processo de fato ocorresse, não seríamos tão particulares nas descobertas. Seres pensantes que agem de forma racional, buscando formas de assegurar direitos tão fundamentais quanto o direito de nascer. Destarte, ao buscar um reconhecimento enquanto instituição única, os direitos acabam por englobar uma série de fatos que não podem ser esquecidos, mes-clando o que se conhece por cultura. Os direitos oferecem vazão constitucional para um reconhecimento universal.

Outro tema que insistentemente tem ganhado repercussão na mídia e no mundo en-contra-se envolto sobre a pena de morte, que está destinada aos delinquentes cujo crime praticado não propicia ressocialização após o período que residiu na penitenciária em questão, sem levar em conta as condições humanas em que viviam esses condenados, para que estes pudessem pagar sua pena de forma íntegra e digna. Como já se tem ciên-cia, há países que já adotam esse tipo de prática em seu regime penal, como, por exemplo, 3 Bobbio, Norberto. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992

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36 estados dos 50 que se encontram nos Estados Unidos da América, tais como Colorado, Montana, Nebraska, Missouri, Pennsylvania, Oregon e etc. Esses Estados oficializaram a pena de morte em 1976 e a partir daí continuaram utilizando de forma constante a exe-cução de alguns delinquentes. O principal intuito de utilizar esse método seria descartar indivíduos que foram, ao longo de sua trajetória de vida, marginalizados pelo próprio sis-tema político daquele local, não oferecendo qualquer serventia para a sociedade ou para o Estado. A solução encontrada seria a mais óbvia possível, ao passo que o pensamento em vigor só levaria em prestígio a seguinte colocação: por que não descartá-los de uma forma mais rápida e prática? Quando um Estado não oferece aparato para que um indi-víduo consiga desenvolver plenamente suas faculdades políticas, sociais e intelectuais, a culpa não pode ser colocada no agente que cometeu o delito, visto que pratica crimes pelas condições que a ele foram oferecidas, não podendo o Estado, assim, por exemplo, cobrar de um analfabeto que ele leia toda uma cartilha de texto sem que para isso tenha tido oportunidade de aprender a ler. Como pode um Estado, que propõe promover o bem estar entre as pessoas que constituem uma sociedade na promoção de saúde, dignidade e lazer, ao mesmo tempo punir aquele que mais necessitam de auxílio, através da forma mais injusta possível, como a pena capital? Os motivos que levam a este acontecimento são inúmeros, porém a grande controvérsia vista na situação criada por décadas, encon-tra-se na violação da vida sem maiores precedentes, com a tácita aceitação social e esta-tal. Ora, então a vida pode ser violada em qualquer tempo se assim for mais conveniente aos que tiram proveito?

John Stuart Mill 4 cita: “Toda a história do progresso humano foi uma série de tran-sições através das quais costumes e instituições, umas após outras, foram deixando de ser consideradas necessárias à existência social e passagem para a categoria de injustiças universalmente condenadas”.

As formas mais comuns de ceifar a vida humana utilizando a pena capital, contando com todo arcabouço legal propiciado pelo Estado, são registradas, tais a cadeira elétrica, injeção letal, dentre outras. A primeira funciona da seguinte forma: o condenado é co-locado numa cadeira de aço; depois são colados ao seu corpo dispositivos condutores de energia que irão conduzir uma carga elétrica por todo o corpo do condenado, causando a morte do mesmo. A segunda prática, mais “comum”, corresponde a uma mistura quí-mica de substâncias letais ao ser humano, que adormecerão o condenado, causando, por conseguinte, a falência múltipla dos órgãos. Depois de todo esse tratamento de tortura e com os procedimentos mais desumanos já existentes, os casos são anotados, divulgados e registrados para depois serem contabilizados os valores quantitativos das mortes que vieram a ocorrer na semana, no mês e no ano; como se mais fossem notícias de jornal, como se a vida fosse uma mercadoria posta à venda para interessados em adquiri-la ou descartá-la ao bel prazer. Destarte, em que dimensão encontram-se os Direitos Humanos nos casos de tortura evidente, tais quais supracitados? Os caracteres universais dos direi-tos são revistos e aplicados aos casos que convêm fazê-lo. Não obstante da realidade que rege as sociedades que autorizam a pena capital como pena alternativa na busca pela so-lução de problemas sociais, encontra-se a nítida matança humana. Esperanças e oportu-nidades de futuro interrompidas pela decisão de alguns no que concerne o Direito à Vida.

Do ponto de visto humanístico, a pena de morte nada mais é do que a falta de potencial que os próprios seres humanos possuem em suas atividades jurídicas. Punir semelhante de forma degradante é, sobretudo, uma das piores formas de denegrir a dignidade do homem, não levando em consideração a contínua violação que esse indivíduo já sofre por parte de toda uma sociedade preconceituosa, tanto para os condenados como para os ex-condenados; mostrando assim o fracasso de todo um sistema opressor, que deixa 4 Mill, Stuart John. Utilitarisnism, cap. V, pág. 94 , 1861 Mill, Stuart John. Utilitarisnism, cap. V, pág. 94 , 1861

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Ana Regina Alencar Laurentino

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à míngua, por conta própria, os excluídos e marginalizados, resultando nos inúmeros casos já estatisticamente computados no liame dos condenados à pena capital.

CONCLUSÃO

Ao iniciar um debate sobre a pena de morte, será possível obter inúmeras razões para que ocorra uma paralisação do Estado para com esse processo; sobretudo será prudente afirmar que o Estado gasta mais com um indivíduo que espera para ser executado do que com um individuo que irá produzir em escalas muito maiores do que um condena-do – sem levar em consideração os preceitos morais que envolvem tal prática. O dever do Estado, de punir (Jus Puniendi), vai de encontro ao direito de reprimir condutas que são reprovadas socialmente, visando a manutenção da ordem pública. Mas a questão é se o direito de punir justifica o exacerbado cumprimento desse direito, ao que se refere à pena de morte e ao não posicionamento desse Estado para com os indivíduos que se encontram em degradantes condições psicológicas no período da execução de suas pró-prias vidas. Destarte, a complexidade de um sistema carcerário não é apenas a grande discussão deste trabalho, bem como a rigidez com que esses condenados são submetidos a pagar sua pena, mas sim a verdadeira falência de seus direitos como seres humanos que erraram suplicando, por um mínimo que seja, por um reconhecimento no âmago de seus direitos. Logo, a falência de seus direitos humanos dá-se no momento em que são taxados de marginalizados, condenados por toda uma sociedade que sistematicamente não propicia oportunidade de reação para esses indivíduos.

No tocando aos Direitos Humanos, reside a necessidade de uma reafirmação no inte-rior de um aparato constitucional, sobretudo no que condiz com as diversidades culturais encontradas no âmago social. A posteriori, negar a brusca necessidade de uma revisão no momento da aplicação justa e consonante com a realidade no instante em que os Direitos Humanos vieram com o intento de proteger os direitos do homem, seria negar todo um legado histórico em relação ao progresso dos direitos. A problemática sobre processo do Universalismo em torno da Declaração Universal dos Direitos Humanos reside no comple-xo cultural que o mundo possui, visto que certos preceitos são universais; entretanto, mesmo dotados de universalidade, operam a favor de uma prática real desses direitos que lhes foram conferidos. A complexidade que se encontra na firmação do que pode vir a ser constitucional em relação aos direitos do homem no âmbito dos Direitos Humanos, traz vastas perguntas sem respostas, mas dentre tantos direitos, o mais relevante mani-festa-se através do Direito à Vida. Lutar contra a destruição do homem para com outro semelhante, parte da premissa de que todos os homens são iguais, da não consagração de uma pena que venha manifestar apoio a esse processo condenatório tão amargo.

REFERÊNCIAS

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Direitos Humanos, consagração, autoafirmação e processo histórico

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A problemática das relações de poder na formação dos Estados Nacionais no Continente Africano.

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A PROBLEMÁTICA NAS RELAÇÕES DE PODER NA FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS NO

CONTINENTE AFRICANO

O artigo vai procurar, como o próprio título já procura afirmar, problematizar a estrutura política africana na atual con-jectura, visto que é um continente o qual sofreu um processo ímpar de formação dos estados nacionais. Assim, o objetivo é rela-cionar o processo histórico com as conse-quências do mesmo no presente momento. Por fim mostrar que a forma com que se deu o processo de colonização já era ile-gal em seu próprio tempo e descumpria a soberania nacional de cada nação africana, a qual já existiam há séculos e que foram forçadas a compor “novos” países a partir da descolonização dos mesmo.

L'articolo cercherà, come il titolo già an-nunzia, di discutere l'attuale struttura po-litica africana perché è un continente che ha subito un processo dispari di formazio-ne degli stati nazionali. Quindi l'obiettivo è mettere in relazione il processo storico con le conseguenze di esso al momento. Infine, dimostrano che il modo in cui è stato il pro-cesso di colonizzazione era già illegale nel proprio tempo ed há significato una grave aggressione alla sovranità di ogni nazione africana, che esiste da secoli e che sono sta-ti costretti a comporre "nuovi" paesi dopo la decolonizzazione lo stesso.

Petros José da Rocha Brandão O Autor é Acadêmico do segundo perí-

odo da Graduação em Direito das Faculda-des Integradas Barros Melo.

África. Colonização. Soberania. Africa. Colonizzazione. Sovranità.

Resumo Riassunto

Palavras-Chave: Parole-Chiavi:

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Petros José da Rocha Brandão

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1. O CONTINENTE NEGRO1.1 África: uma construção histórica

“Aconteça o que acontecer, nós temos metralhadoras e eles não” 1. EEssa foi uma fase escrita pelo poeta inglês Hilaire Belloc em relação às guerras que os países imperialis-tas europeus e os EUA realizaram na África para tomar as nações desses continentes e transformá-las em colônias. Isso ilustra a situação de disparidade bélica entre os países europeus e os países africanos: os últimos apenas eram armados por no máximo espin-gardas, já obsoletas, as quais ainda eram carregadas pela boca. Essa era a situação pela qual o continente africano passou durante o processo de colonização.

Não foi apenas a sua soberania que foi retirada da África, mas também a sua indepen-dência e seus valores culturais. É de senso comum perceber que ao continente Africano é muitas vezes atribuído um caráter de homogeneidade de maneira extremamente fala-ciosa, sendo fruto da aculturação sofrida depois da invasão. Essa problemática pode ser esclarecida a partir de uma reconstrução histórica de como foi o processo de formação da atual conjectura política das nações africanas. Dessa forma é imprescindível, antes de tudo, uma reelaboração da historia da África pelos meios de formação dos indivíduos que compõem a sociedade, sejam esses a educação formal ou a informação midiática.

O primeiro grande problema esta na comunicação. A opinião publica é formada a par-tir dos discursos, que compõe uma série de escolhas quanto ao conteúdo e ao vocabulá-rio utilizado; assim é imprescindível que os formadores de opinião tenham um cuidado maior com a forma com que se referem à África e a todos os elementos alusivos a eles. Isso contribui muito para a construção de uma África exótica com seus animais e suas paisagens que dão uma ideia de lugar paradisíaco e sem civilização ou miserável e violen-to, onde seus habitantes vivem em constantes conflitos armados, como no caso da Guerra Civil de Angola. Um exemplo bem visível disso é ao analisar as matérias relacionadas à Copa do Mundo de Futebol de 2010 na África do Sul: todas elas referiam-se a esta como a Copa da África. É bem verdade que esta era a primeira copa realizada no continente, mas o mesmo não ocorreu quando em 2002 a copa havia sido realizada na Coréia do Sul e no Japão, pois não se referiam a ele como sendo a copa da Ásia, e sim com o nome de seus respectivos países sede.

Muitos dos escritores que trabalham com a temática da colonização muitas vezes ig-noram o fato de que alguns anos antes do processo de colonização as potências imperia-listas realizaram diversos tratados políticos com as nações africanas, já existentes ante-riormente aos primeiros contatos com os europeus. Ao revelar esse fato, fica evidente que as nações europeias reconheciam a soberania das nações africanas e que esses trata-dos, na sua grande maioria, serviram de base para o processo de dominação. Ao contrário do que se pensa em boa parte dos anos antes do século XIX, apenas uma estreita faixa de terra litorânea e algumas ilhas pertenciam a alguma nação europeia.

2. O PROCESSO DE COLONIZAÇÃO E DESCOLONIZAÇÃO2.1 A “invasão” europeia

A partilha da África começou a partir dos interesses pessoais do rei Leopoldo II, da Bélgica, em ampliar a sua propriedade particular, anexando o território do Congo, con-vocando assim a primeira conferência relacionada a essa temática, que foi a Conferência Geográfica de Bruxelas, onde o rei Leopoldo II procurou convidar as principais nações imperialistas, tais como a Inglaterra e a França. No entanto Portugal, que era o detentor de boa parte das colônias ocupadas na África (algumas faixas litorâneas e alguns arqui-

1 Apud Perham, 1961, p. 32.

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pélagos), não fora convidado para a conferência. Por isso procurou-se realizar uma nova conferência, criando as regras para o processo eminente de colonização, esse chamado de Conferência de Berlim, onde um dos principais acordos talvez tenha sido o da coope-ração entre as nações europeias para que uma não interferisse no processo de coloniza-ção da outra.

2.2 A resistência à invasão

Como já foi citado, as nações europeias utilizaram largamente do recurso de tratados políticos; no entanto esses tinham como objetivo único a penetração cada vez mais ativa no controle tanto político quanto econômico das regiões tratadas. Na maioria dos casos era visível a relação de imposição de elementos favoráveis somente aos europeus e, no entanto, eram apresentados na forma de argumentos que ludibriavam e davam um ca-ráter de atribuir vantagem para ambos os lados. Contudo os líderes locais muitas vezes tinham plena consciência disso e procuravam opor-se a isso, tanto a partir da própria diplomacia, argumentando a seu favor com modificações nos tratados ou propondo no-vos acordos, como no caso do rei Menelik, da Etiópia, quando propõe às nações europeias ajuda para recuperar parte de seus territórios:

Não tenho a menor intenção de ser um espectador indiferente, caso ocorra a potências distantes dividir a África, pois ao Etiópia há quatorze séculos tem sido uma ilha cristã num mar de pagãos. Dado que o Todo-Poderoso trem protegido a Etiópia, tenho a esperança de que continuará a protegê-la e engrandecê-la, e não penso sequer um instante em que a Etiópia seja dividida entre outros Estados. Anti-gamente as fronteiras da Etiópia eram o mar. Não tendo recorrido à força nem recebendo ajuda dos cristãos, nossas fronteiras marítimas caíram em mãos dos mulçumanos. Não abrimos hoje a pretensão de recuperá-las pela força, mas esperamos que as potências cristãs, ins-piradas por nosso salvador, Jesus Cristo, a nós ou nos concedam pelo menos alguns pontos de acesso ao mar2

Ou no caso do império Ashanti, onde enviaram também uma carta a lideres dos países imperialistas, onde é perceptível a relação ate então quase que estritamente de comércio e que estava para sofrer intensas mudanças:

A proposta para o país Ashanti, na presente situação, colocar-se sobre a proteção de Sua Majestade, a Rainha e Imperatriz da Índia, foi objeto de exame aprofundado, mas me permitam dizer que che-gamos à seguinte conclusão: meu reino, o Ashanti, deve continuar a manter, como até agora, laços de amizade com todos os brancos. Não é por ufanismo que escrevo isso, mas tendo clareza de significado das palavras [...] A causa dos Ashanti progride, e nenhum Ashanti tem a menor razão para se preocupar com o futuro ou para acredi-tar, por um só instante, que as hostilidades passadas tenham preju-dicado a nossa causa 3

Nessa citação ainda é possível perceber certo respeito ao “aliado econômico e políti-co” que é a Europa; no entanto existiram aqueles líderes locais que realmente não tinham o menor interesse em manter qualquer tipo de relação com a Europa:2 ASMAI, Arquivos do Ministério degli Affari Esteri (ROMA), Ethiopia Pos. 36/13-109 Menelik to Queem Victoria, Adis Abeba, 14 Miazia, 1883, documento acrescentado a Tarnielle to MAE. Lomderes, 6 de agosto de 1891.3 ABBAS, 1931, p. 9, aupd Berque, capítulo 24, historia geral da áfrica, áfrica sob domínio colonial 1880-1935.

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Petros José da Rocha Brandão

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“Sei que os brancos querem me matar para tomar o meu país, e, ainda assim, você insiste em que eles me ajudarão a organizá-lo. Por mim, acho que meu país está muito bem como está. Não preciso de-les. Sei o que falta e o que desejo: tenho meus próprios mercadores; considere-se feliz por não mandar cortar-lhe a cabeça. Parta agora mesmo e, principalmente, não volte nunca mais.” 4

Mostrando assim que as nações africanas não estiveram apenas esperando a conquista dos invasores, muito pelo contrário, procuraram defender-se com todos os meios possí-veis.

3. REESTRUTURAÇÕES DA ÁFRICA3.1 Consequência das duas Guerras Mundiais

O período entre guerras teve forte influência nas relações político-administrativas no território africano, tendo em vista que a maioria esmagadora do território africano pertencia a algumas das ações envolvidas na guerra. Fora isso, boa parte dos confrontos armados ocorreram em território africano, principalmente na região norte da África, banhada pelo mar Mediterrâneo.

Com a participação efetiva dos africanos no fronte das batalhas, lutando ao lado da co-lônia pelos interesses de seus colonizadores, acabou gerando um sentimento de equidade entre os nativos e o colonizadores, comprovando assim que as teorias que traziam a ideia de “raças” diferentes e de “racismo” não tinham cabimento nenhum, pois os “brancos” não eram nem melhores nem piores que os “negros”.

Com essa quebra de mentalidade, os povos africanos tiveram um pouco menos de di-ficuldades para se articular para promover movimentos de emancipação política das co-lônias e assim ter de volta assim a sua, outrora roubada, liberdade. No entanto não foi apenas esse elemento que promoveu esse inicio de movimentação.

Após as duas grandes guerras ouve o processo de descolonização dos continentes afri-cano e asiático, porém isso não se deu de forma pacifica e efetiva. Na sua grande maioria ocuparam longos períodos de confrontos armados entre os colonizadores, onde muitos já eram descendentes dos antigos estrangeiros que invadiram o continente, e os nativos, os quais muitas vezes já haviam sido miscigenados com os europeus. Um caso bem mar-cante desses confrontos foram os conflitos na cidade de Argel, na Argélia, região norte da África. A Argélia fazia parte das colônias francesas no norte da África e tinha uma população basicamente da religião islã – isso já contribuía para a revolta da população quanto à colonização, já que um dos preceitos da religião islâmica é que Alá é o único senhor e por isso ninguém deve ter escravos ou ser escravizado nem dominado. Assim, a forma que os argelinos tiveram de resistir foi a criação do grupo de resistência chamado FNL (Força de Libertação Nacional), um movimento de guerrilha urbana, o qual procu-ravam realizar atentados na própria cidade, nos bairros europeus, como eram chamados os bairros de administração branca. Em repressão, o governo francês mandou os “para-quedistas” para realizar trabalhos de investigação e desestruturação do movimento. Eles utilizavam-se de técnicas repreendidas pela comunidade internacional, como a tortura, para recolher informações a respeito do movimento.

4. MOVIMENTOS NACIONALISTAS E AS INTERFERÊNCIAS DA ONU4.1 Movimentos: Pan-africanista e Pan-arabista

Isso somado movimento pan surgido no Egito, criado pelo líder local Gamal Abdel Nas-4 Apud FYNN, 1971, p. 43-4.

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ser. Esse movimento buscava a unificação dos países islâmicos na luta contra o opressor colonizador. Eles apoiavam-se na unidade religiosa e cultural que existiria entre os paí-ses mulçumanos. Para ele as nações deveriam unir-se e formar um único Estado-Nação, agrupando todos os territórios islâmicos, pois assim teriam força suficiente para enfren-tar o colonizador, aos moldes do formato da União Soviética. O movimento não teve forca política suficiente para que o projeto fosse efetivado.

Movimento semelhante e contemporâneo ao pan-arabismo foi o pan-africanismo, mo-vimento que buscava a criação de uma identidade para a África (uma áfrica negra para os africanos, uma verdadeira Mama África), idealizado por estudantes africanos que de alguma forma tinham condições de estudar fora da África – na Europa ou nos Estados Unidos. Também visava uma união africana inspirada nos moldes da União Europeia, que começava a engatinhar na mesma época. O problema desse movimento é que ficava muito evidente o mito no imaginário de uma África homogênea e unida, coisa que não existia, na realidade. Pelo contrário, nunca existiu uma unidade africana. O que existia era uma série de nações e povos que possuíam culturas bem distintas. De toda maneira o movimento pan-africanista não teve um grande aprofundamento nos movimentos popu-lares devido à sua circulação por um campo muito restrito de pessoas.

No período da expansão neocolonial dos países imperialistas, um dos principais ins-trumentos utilizados por estes na “partilha” da África foi o uso de acordos e tratados, tanto entre as nações imperialistas quanto entre países europeus e africanos. Primeira-mente, no século XIX já existiam colônias na África – estas eram de posse de Portugal –, no entanto eram apenas estreitas faixas de terra em locais pontuais da costa do conti-nente e em algumas ilhas do Atlântico. (Rei da Bélgica, Tratado de Berlim, Imperialismo Inglês e Francês).

4.2 O papel da ONU

Logo após o fim das duas grandes guerras, no ano de 1945, foi criada a ONU (Organi-zação das Nações Unidas), que foi um aprimoramento do que tinha sido a Liga das Na-ções, uma instituição pensada durante a guerra pelos países aliados (Inglaterra, frança, URSS e EUA) para desmembrar os países do eixo (principalmente a Alemanha e a Itália). Assim a ONU surgiu com o intuito de ser um moderador das relações entre países para evitar novos conflitos armados desse mesmo porte ou que qualquer tipo de genocídio semelhante ao que ocorreu na Europa viesse a acontecer. Composta primeiramente pe-los países vencedores da Segunda Guerra Mundial, os quais eram a União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS), os Estados Unidos da América (EUA), a França, a China e a Inglaterra. Esses cinco países são os que compõem hoje as cadeiras permanentes no Con-selho de Segurança da ONU e têm o direito de veto quanto à intervenção da organização em situações de conflitos no mundo, ou seja, caso um desses quatro Estados opte pela não atuação, a instituição terá de acatar. Então por consequência do julgamento de guerra realizado no tribunal de Nuremberg, o qual foi realizado para julgar líderes que perten-ciam ao Partido do Nacional-Socialismo Alemão (ou Nazismo) quanto a crimes de guerra cometidos. Esse foi o primeiro julgamento de crimes contra humanidade, realizado em âmbito internacional. A junção desses dois elementos teve forte influência na mudança do cenário geopolítico global, além da forte ascensão das duas mais novas superpotên-cias globais, a URSS e os EUA.

Com a efetivação da ONU houve pseudomelhoras na evolução do processo de indepen-dência das nações colonizadas. Isso porque, mesmo apresentado um discurso favorável à emancipação das colônias asiáticas e africanas, o mesmo não acontecia em ações efetivas

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Petros José da Rocha Brandão

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na prática. O que geralmente alegavam era a questão da soberania nacional da cada colô-nia e que isso teria de ser resolvido lá mesmo.

5. A ÁFRICA PÓS-COLONIAL5.1 Efeitos da descolonização e influências da Ásia na África

O fim da colonização não significava o fim dos problemas na África. Muito pelo contrá-rio, isso acabou agravando ainda mais questões que já eram insuportáveis. Os exemplos mais evidentes e marcantes disso são os conflitos étnicos, que ainda hoje estão em forte atuação em vários países africanos, como no caso de Moçambique, onde a guerra civil durou até o século XXI, ou no Sudão, que recentemente foi dividido em dois. Talvez os mais famosos desses sejam o Apartheid, na África do Sul, que fora a segregação étnica entre brancos e negros em todas as repartições públicas e privadas deste país, e a guerra civil de Ruanda, um confronto entre duas etnias locais, os tutsis e os hutus, onde uma mi-noria étnica deixada no poder pelos belgas (os tutsis) dominava as estruturas políticas e econômicas do país, enquanto a grande maioria hutu vivia em condições extremamente precárias, gerando ódio entre os dois povos; no entanto a diferenciação entre os dois era basicamente a miscigenação com os belgas e o poder monetário, pois se um hutu tivesse dinheiro suficiente poderia tornar-se um tutsis. Assim é possível perceber que esse con-flito teria sido gerado artificialmente pelos colonizadores belgas.

O Apartheid merece uma atenção especial ao ser analisando, pois ele demonstra toda a tensão vivida entre as colônias e as nações dominadoras. Primeiro é necessário relacio-nar a África do Sul a um conjunto de colônias espalhadas pelo mundo, como compuse-ram o Império Britânico, um dos maiores já existentes; em segundo lugar também se faz necessário saber do formato administrativo utilizado pela coroa inglesa e por todos os outros países colonizadores, que foi a utilização de grupos étnicos que melhor assimilas-sem a sua cultura e consequentemente fossem escolhidos para organizar os negócios da colônia, já que as populações europeias não dariam conta de controlar sozinhas todos os territórios. No caso sul africano, os encarregados muitas vezes eram os indianos – dessa forma havia um intercâmbio muito forte entre a Índia e a África do Sul. Isso contribuiu muito para o surgimento de dois dos mais importantes líderes contra a colonização (onde muito provavelmente um influenciou e sofreou influência do outro): Mahatma Gandhi, na Índia e Nelson Mandela, na África do Sul.

Gandhi, formado em Direito, foi o líder indiano e grande responsável pela campanha de desobediência civil realizada na Índia para a autonomia política e econômica do país em relação à Inglaterra. Ele pregava que deveriam, sim, haver lutas contra o opressor, mas essas lutas não deveriam ser combates corporais, e sim o descumprimento das “leis” dos britânicos. Gandhi também dizia que ao serem descumpridas as leis, todos deveriam acatar as punições que estariam previstas na mesma, caso houvesse essas infrações. O objetivo disso era exercer pressão internacional para que outros países induzissem a Inglaterra a libertar a Índia de seus domínios. Com muito esforço Gandhi conseguiu au-tonomia para a Índia; no entanto houve divergências políticas internas e, como consequ-ência disso, houve uma divisão do estado em dois: a Índia, que teria maioria da população da religião hinduísta, e o Paquistão, que seria maioria islâmica.

Enquanto Gandhi fazia a revolução na Índia, Mandela era um dos líderes do movimen-to contra o Apartheid. Mandela morava numa periferia de Johannesburgo (maior cidade da África do Sul) e foi o primeiro da família dele que teve condições de estudar numa escola convencional. Assim como Gandhi, formou-se em Direito. Foi condenado à prisão perpétua pelo regime e passou vinte anos preso, até que fosse liberto. Foi eleito como o primeiro presidente negro no continente africano, sendo um marco na historia da África,

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A problemática das relações de poder na formação dos Estados Nacionais no Continente Africano.

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demonstrando ao mundo que o país poderia, sim, ser dos africanos, desmentido de uma vez por todas as ideias eugênicas que perpassaram os séculos XIX e XX.

Atualmente a África é um continente de contrastes. Isso porque é o continente com o menor índice de desenvolvimento humano e ao mesmo tempo o continente com o maior número de riquezas naturais da terra. São vários os problemas do continente; no entan-to ainda não foram encontradas soluções. É perigoso, contudo, deixar a responsabilida-de da reconstrução da África nas mãos das nações que um dia colonizaram-na e ainda hoje controlam completamente a sua economia. Isso fica claro quando se procura olhar com atenção as intervenções da ONU, por exemplo, nas guerras civis onde os confron-tos armados em territórios altamente povoados e urbanos, como no caso de Ruanda ou Moçambique, em que o órgão não foi muito mais do que um mero espectador de todo o massacre. Ou, mais recentemente ainda, nos casos do norte africano, onde as tropas do Ocidente só se interessaram em intervir no momento em que essas revoltas passaram a ocorrer em territórios ricos em petróleo, como a Líbia, por exemplo. Isso só faz com que seja necessária a abertura o diálogo quanto à relação da Mama África com o restante do mundo e a relação do mundo com o continente negro.

REFERÊNCIAS

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Transconstitucionalismo: em busca de uma maior legitimidade na proteção dos Direitos Humanos.

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TRANSCONSTITUCIONALISMO: EM BUSCA DE UMA MAIOR LEGITIMIDADE NA PROTEÇÃO

DOS DIREITOS HUMANOS

Este artigo tem como objetivo analisar as decisões nacionais e transnacionais à luz da expansão global da jurisdição dos direitos humanos, tendo como referencial teórico a obra do autor Pernambucano, Marcelo Neves, chamada “Transconstitu-cionalismo”. Neste livro o autor apresen-ta casos em que diferentes ordens jurídi-cas são confrontadas nos mais diversos âmbitos de jurisdição – local, nacional, regional, internacional e global. Segundo o autor não se deve buscar a primazia de uma ordem em detrimento de outra, mas a construção de uma comunicação transver-sal, que viabilize a reconstrução do sentido das normas constitucionais através de um diálogo construtivista entre as diversas tradições jurídicas existentes.

En este artículo se pretende analizar las decisiones nacionales y transnacionales, a la luz de la expansión global de la juris-dicción de los derechos humanos, con el trabajo teórico del autor Pernambuco, Marcelo Neves, llamado "Transconstitucio-nalismo". En este libro el autor presenta los casos en que los diferentes ordenamientos jurídicos se enfrentan em diversas áreas de la jurisdicción - local, nacional, regional, internacional y mundial. Según el autor no debe buscar un orden de prioridad sobre la otra, pero la construcción de una comu-nicación transversal, que hace posible La reconstrucción del sentido de las normas constitucionales a través de um diálogo constructivo entre las distintas tradiciones jurídicas.

Renato Kramer da Fonseca CalixtoO Co-autor é Acadêmico do segundo

período da Graduação em Direito das Faculdades Integradas Barros Melo.

Arthur Paiva César de AlbuquerqueO Co-autor é Acadêmico do segundo

período da Graduação em Direito das Faculdades Integradas Barros Melo.

África. Colonização. Soberania. Derechos humanos. Transconstituciona-lismo. Ordenamientos jurídicos.

Resumo Abstract

Palavras-Chave: Palabras-Llave:

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Renato Kramer da Fonseca Calixto e Arthur Paiva César de Albuquerque

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INTRODUÇÃO

Livro muito interessante do autor Marcelo Neves sobre a possibilidade de comunica-ção entre as diversas ordens constitucionais em virtude do advento da jurisdição global dos direitos humanos. É possível um diálogo construtivista entre as diversas ordens de proteção de direitos humanos na contemporaneidade? Como conciliar uma hipotética decisão de uma corte internacional, que venha a afrontar, em sentido contrário, uma decisão já proferida por uma Suprema Corte de um país, a respeito da violação ou não de

tratados internacionais de proteção de direitos humanos de que o país seja signatário? Em caso de conflito, qual deveria prevalecer?

É sobre esse tema que ganha relevância nos dias de hoje a compreensão da dinâmica inter-relacional entre várias instâncias decisórias, à luz da racionalidade ‘multicêntrica’ e ‘policontextualizada’’ das diversas ordens jurídicas existentes, sem que isso resulte em uma unidade pressuposta ou um instrumento racional de um discurso totalizante.

Com o advento da globalização, ganhou corpo e relevo o chamado cosmopolitivismo jurisdicional, ou seja, a concorrência de vários centros de poder, horizontalmente rela-cionados, que possuem a competência para julgar e decidir conteúdos de natureza emi-nentemente constitucionais, como, por exemplo, os direitos humanos, relativizando, por conseguinte, a tradicional imagem piramidal da ortodoxia formal do positivismo Kelse-neano, que tinha na ideia de hierarquia das normas jurídicas, o pressuposto de validade para a solução de antinomias.

Não havendo hierarquia entre as várias ordens normativas, o que deverá ser feito em caso de decisões conflitantes? Dentro de um espírito de solidariedade e de aceitação plural das diferenças do “outro”, deve-se buscar um entrelaçamento construtivista entre as diversas ordens, na busca de uma solução pacífica para os problemas transconstitu-cionais.

O presente trabalho, portanto, busca analisar a comunicação “transversal” das dife-rentes ordens jurídicas no tabuleiro geopolítico internacional, abordando e discutindo o fenômeno “Transconstitucionalista” na modernidade a partir dos trabalhos desenvolvi-dos pelo autor pernambucano Marcelo Neves.

BRASIL E A JURISDIÇÃO GLOBAL DOS DIREITOS HUMANOS

Atualmente os problemas constitucionais têm ultrapassado cada vez mais as fronteiras territoriais dos Estados e desafiam os diferentes centros de poder a criarem mecanismos ou medidas racionais de proteção dos direitos humanos, em decorrência das assimetrias culturais existentes na sociedade internacional. No entanto a busca de uma relativização da soberania, em virtude da recepção de um catálogo de direitos oriundos da ratificação de tratados e acordos internacionais de proteção de direitos humanos, tem gerado conflitos entre as diversas instâncias decisórias em razão da impossibilidade da sobreposição de uma ordem normativa sobre a outra.

Caso emblemático, citado pelo autor Marcelo Neves, aconteceu em 2003, na Alemanha. O Tribunal Constitucional da Alemanha negou recurso da princesa de Caroline de Mônaco contra a imprensa alemã, que havia publicado fotos dela e de sua família em momentos de privacidade. Para a Corte Alemã, o direito à intimidade de personagens públicos é diferente do de pessoas comuns, denegando, pois, provimento. Transtornada e inconformada com a situação, a princesa recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos, que decidiu favoravelmente à sua pretensão, condenando a imprensa alemã a reparar o

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injusto dano à invasão da intimidade da princesa de Mônaco.No entanto a aludida decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos não vinculou a

decisão proferida pela Corte Constitucional Alemã, uma vez que não há hierarquia entre as respectivas ordens, logo não há subordinação. Os tratados internacionais, enquanto acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituem atualmente a principal fonte de obrigação do direito internacional.

Nesta seara cabe registrar, também a título exemplificativo, a recente decisão proferida em abril de 2010 pelo STF a respeito da Lei 6.683/1979 (Lei de Anistia), contrariando uma jurisprudência já pacificada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. O STF denegou a ação interposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, que pedia uma revisão da respectiva lei no que se referia ao perdão concedido aos crimes conexos “de qualquer natureza”, quando relacionados aos crimes políticos, e exigia uma investigação e punição dos militares que praticaram crimes contra os direitos humanos durante o regime de exceção da ditadura militar.

O STF, por 7 votos a 2, declarou improcedente o pedido da ADPF 153/2008, rejeitando, por conseguinte, a anulação do perdão conferido aos representantes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar torturas e outros atos desumanos e degradantes. Acompanhando o relator, o ministro Eros Grau, quanto à improcedência do pedido, o ministro Cézar Peluso afirmou que:

Se eu pudesse concordar com a afirmação de que certos homens são monstros, diria que os monstros não perdoam. Só o homem perdoa. Só uma sociedade superior, qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar; uma sociedade que queira lutar contra seus inimigos com as mesmas armas, os mesmos instrumentos, os mesmos sentimentos, está condenada a um fracasso histórico.

Seguindo a divergência iniciada pelo ministro Ricardo Lewandowiski, o ministro Carlos Ayres Britto defendeu que o obscurantismo observado na Lei de Anistia, resultado de sua falta de clareza, não assumiu “essa propalada intenção de anistiar torturadores, estupradores, assassinos frios de prisioneiros já detidos, pessoas que ligavam fios desencapados nas genitálias femininas, isso sem falar em pedofilia”.

Nesse diapasão, a decisão do STF, em sentido diametralmente oposto, negou provimento ao recurso, contrariando a jurisprudência da CIDH ao deixar de observar o jus cogens decorrente da produção de normas peremptórias, que vinculam os Estados em razão da Convenção Americana sobre Direitos Humanos1 (conhecida também como Pacto de São José da Costa Rica), violando, por conseguinte, o princípio do pacta sunt servanda em virtude do reconhecimento da vigência da Lei de Anistia e à constitucionalidade da interpretação do § 1º, do art. 1º, da respectiva Lei.

Em resposta à decisão da Suprema Corte do Brasil em relação à manutenção da constitucionalidade da Lei de Anistia no ordenamento jurídico interno, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu a seguinte decisão:

174. Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana, as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos. Em consequência, não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil2.

E continuando nesta esteira, em breves linhas a CIDH reiterou que:176. Este Tribunal estabeleceu em sua jurisprudência que é consciente de que as autoridades

internas estão sujeitas ao império da lei e, por esse motivo, estão obrigadas a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. No entanto, quando um Estado é Parte de um tratado interna-cional, como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também estão

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submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade, e que desde o início carecem de efeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está internacionalmente obrigado a exercer um “controle de convencionalidade” ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências e das regula-mentações processuais correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não somente o tratado, mas também a interpretação que a ele conferiu a Corte Interamericana, intér-prete última da Convenção Americana3.

TRANSCONSTITUCIONALISMO: A POLÍTICA DO PODER NOS LIMITES DARACIONALIDADE DA ORDEM INTERNACIONAL

No que diz respeito aos tratados e acordos internacionais de proteção de direitos humanos, no entanto, essa obrigatoriedade decorrente do princípio do pacta sunt servanda e a consequente intervenção de seus efeitos no espaço de autodeterminação dos povos através de sanções políticas ou econômicas, não tem sido observada pelo círculo de países que integram as grandes potências, os quais se reservam a prerrogativa de fixar “as regras do jogo”, mas apenas pelos formuladores de política externa de países “sem excedentes de poder”4, os chamados países emergentes ou em desenvolvimento.

Para resolver esse imbróglio, Marcelo Neves, enveredando numa perspectiva idealista, apresenta como resposta para esse conflito o diálogo e a cooperação entre as diversas tradições jurídicas, a fim de se buscar uma solução mais adequada para os problemas transnacionais.

Invocando a metáfora do “ponto cego” para ilustrar e fundamentar a sua teoria, o autor apresenta ao leitor uma nova perspectiva ao afirmar que o nosso campo de visão amplia-se consideravelmente a partir do momento em que estamos dispostos a ouvir o que o outro tem a dizer, num processo constante de aprendizado recíproco, permitindo-se, assim, construir um modelo plural de aceitação do “outro”, ao invés de querer orientar o nosso “eu” para o confronto cotidiano com a diferença. Como bem ilustra o autor:

O caminho mais adequado em matéria de direitos humanos parece ser o ‘modelo de articulação’, ou melhor, de entrelaçamento transversal entre ordens jurídicas, de tal maneira que todas se apresentem capazes de reconstruírem-se permanentemente mediante o aprendizado com as experiências de ordens jurídicas interessadas concomitantemente na solução dos mesmos problemas jurídicos constitucionais de direitos fundamentais ou direitos humanos5.

Nesse sentido o transconstitucionalismo seria visto, segundo Neves, como um “entrelaçamento de ordens diversas, tanto estatais, como transnacionais, internacionais e supranacionais em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional”6. Para o autor, os direitos humanos seriam o resultado de um devir histórico e deveriam ser compreendidos a partir da articulação ou comunicação transversal das diferentes ordens normativas, a fim de se construir um ambiente aberto e saudável para troca de experiências.

O transconstitucionalismo descreve a sociedade internacional como sendo um sistema social global, interligado por vários subsistemas funcionalmente diferenciados entre si e marcados pela complexidade e pela contingência. Rompendo com a dialética dualista monismo/pluralismo, o modelo transconstitucionalista do eminente autor, reconstrói continuamente a sua identidade a partir da ideia de alteridade, mediante o entrelaçamento recíproco entre as diversas ordens normativas.

Com isso, o que irá caracterizar o subsistema jurídico nessa sociedade global será justamente a sua relação “multicêntrica” e/ou “policontextualizada” com os diversos outros subsistemas, onde, segundo o autor, “nenhuma das ordens pode apresentar-se

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legitimamente como detentora da ultima ratio discursiva”7.O relacionamento entre as diversas ordens jurídicas se dará segundo um modelo

centro/periferia, onde cada ordem passará a perceber-se como parte de uma engrenagem de uma complexa rede do sistema global8. Nas palavras do autor Marcelo Neves:

O constitucionalismo relaciona-se com transformações estruturais que engendraram as bases para o surgimento da sociedade moderna. O incremento da complexidade social levou ao impasse da formação social diferenciada hierarquicamente da pré-modernidade, fazendo emergir a pre-tensão crescente de autonomia das esferas de comunicação, em termos de sistemas diferenciados funcionalmente na sociedade moderna. Há não só um desintricamento de lei, poder e saber, nem apenas a obtenção da liberdade religiosa e econômica pelo homem, mas um amplo processo de diferenciação sistêmico-funcional. Mediante esse processo, a sociedade torna-se “multicêntrica” ou “policontextual”. Isso significa, em primeiro lugar, que a diferença entre sistema e ambien-te, desenvolve-se em diversos âmbitos de comunicação, de tal maneira que se afirmam distintas pretensões contrapostas de autonômia sistêmica. E, em segundo lugar, na medida em que toda di-ferença torna-se “centro do mundo”, a policontexturalidade implica uma pluralidade de autodes-crições da sociedade, levando à formação de diversas racionalidades parciais conflitantes. Falta, então, uma diferença última, suprema, que possa impor-se contra todas as outras diferenças. Ou seja, não há um centro da sociedade que possa ter uma posição privilegiada para sua observação e descrição; não há um sistema ou mecanismo social a partir do qual todos os outros possam ser compreendidos9.

CONCLUSÃO

Baseando a sua teoria nas observações recentes das cortes transnacionais de proteção de direitos humanos, o autor Marcelo Neves abriu uma nova perspectiva ao propor uma busca não destrutiva das diferentes ordens em razão da impossibilidade de uma determi-nada instância arrogar o direito de impor sobre as outras o poder coativo de sua pretensa decisão.

Deve-se construir um “modelo de articulação”, ou melhor, de “entrelaçamento trans-versal” entre as diferentes ordens jurídicas, a fim de que uma determinada instância jurídica possa aprender reciprocamente com as experiências de outra e, nessa relação de alteridade, permitir-se ser também influenciada mutuamente por ela, ao invés de querer reproduzir cândida e apressadamente uma ideia seletiva da noção de verdade, direito e justiça, baseada numa duvidosa hierarquia da superioridade do “eu”.

Nesse sentido, portanto, é possível criar pontes entre as diversas tradições jurídicas, ao invés de muros, que sempre são devastados pela ideia nefasta da cultura “legítima” da força.

REFERÊNCIAS

COSTA, Alexandre Araujo. O Transconstitucionalismo de Marcelo Neves. Disponível em <http://groups.google.com/group/politicaedireito/browse_thread/thread/ecccab--8d1dc6e18a>. Acessado em 19/11/2011.

JÚNIOR, Gelson Fonseca. A legitimidade e outras questões internacionais: poder e éti-ca entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. Ed. Martins Fontes, 2011.

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______, Marcelo. Entrevista concedida ao Conjur. Disponível em <http://justicasupre-ma.blogspot.com/2009/07/o-que-e-transconstitucionalismo.html>. Acessado

em 19/11/2011.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Editora Saraiva, 2010.

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Sistemas de interações sociais: dádiva e escolha racional. Uma perspectiva dos Direitos Humanos.

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SISTEMAS DE INTERAÇÕES SOCIAIS: DÁDIVA E ESCOLHA RACIONAL. UMA PERSPECTIVA

DOS DIREITOS HUMANOS

No que concerne a sistemas interacio-nistas, o ponto mais importante é que a relação social está na base de toda e qual-quer sociedade. Falamos, por exemplo, da carta de direitos humanos, das relações in-ternacionais, da política. O que seriam de-les se não fosse a interação social? Na ver-dade cada um desses pontos tem o único motivo: tornar a relação entre os homens mais harmoniosa. Tendo isso em vista, dis-correremos aqui em alguns comentários esse assunto que está na base de toda so-ciedade.

Per quanto riguarda i sistemi interazio-nisti, il punto più importante è che la rela-zione sociale è la base di ogni società. Par-liamo, ad esempio, della Dichiarazione dei Diritti Umani, le relazioni internazionali, la politica. In cosa sarebbero fondate queste realtà, se non nell'interazione sociale? In realtà ciascuno di questi punti ha um unico motivo: rendere il rapporto più armonioso tra gli uomini. Considerando questo, discu-teremo qui in alcuni commenti che la ques-tione è la base di ogni società.

Maycon Charles Soares Cardoso O Autor é Acadêmico do segundo perí-

odo da Graduação em Direito das Faculda-des Integradas Barros Melo.

Complexidade da relação social. Raciona-lidade. Dádiva.

Complessità dei rapporti sociali. Raziona-lità. Teoria del Dono.

Resumo Riassunto

Palavras-Chave: Parole-Chiavi:

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INTRODUÇÃO

É impossível pensar numa sociedade onde o homem não vise potencializar o próprio ganho e diminuir a própria perda, mesmo porque essa é uma medida que não é exclusiva do ser humano – também é possível encontrá-la em animais quando, por exemplo, um leão está caçando: ele sempre espera minuciosamente o melhor momento, aquele no qual a presa encontra-se num ângulo fatal, pois agindo assim minimiza a possibilidade de perder a presa, ou seja, é um mecanismo de sobrevivência. Também não se imagina uma sociedade onde não exista o “dom”, pois como explicar o papel das ONGs, que são entidades que não visam lucro? Podemos ir mais longe: imaginemos uma pessoa que, antes de morrer, resolva ser doadora de órgãos e tecidos, salvando a vida ou melhorando a vida de muitas pessoas. Qual o motivo que essa pessoa pode ter para não ser altruísta se quando a doação for realizada ela não estará mais com vida? Mas podemos aqui falar de um simples gesto de ajuda a um deficiente visual que quer atravessar uma de nossas avenidas congestionadas ou simples gesto de emprestar um botijão de gás quando, na hora de preparar o jantar, acaba o gás e não há nenhum estabelecimento aberto que venda? Como falar em ajudar o próximo sem citar as grandes catástrofes, onde você se solidariza com pessoas que você nunca viu na vida e provavelmente nunca verá novamente? Então é possível compararmos o dom e a escolha racional com as coisas mais complexas da relação social e até as mais simples.

São gestos que, para a “escolha racional”, entende-se como um jogo de interesse (quando for citado “interesse” nesse artigo, terá um sentido autocentrado); que o ser humano sempre age pensando no retorno; que o bem não é feito simplesmente pelo sentido de fazê-lo, mas sim visando uma recompensa que vai ser direcionada a si mesmo, seja ela material ou até mesmo psicológica, como, por exemplo, ajudar uma pessoa que esteja necessitada: caso ajude, é com o intuito de despertar nos outros um olhar positivo ou alguma possível recompensa futura. Com isso se entende que o homem faz uma boa ação porque é interesseiro.

Já de um ponto de vista da “dádiva” entende-se que o homem faz um favor porque é o correto e não visando algum retorno. Pode-se, sim, falar em interesse, desde que seja o único interesse fazer o bem (que tomei a ousadia de classificar como “interesse heterocentrado”) visando o próximo, achar que o mesmo é mais do que um mero adversário. Pois é assim que o olhar racional trata a relação social. Dessa vez entende-se o pensamento em uma relação social que o homem deve fazer o que é correto não porque traz alguma consequência e sim porque é correto.

A dádiva não se aplica a fazer o bem por obrigação, aplica-se na espontaneidade, ou seja, quando se presenteia um amigo e deixa o preço é possível que a intenção seja de receber algo à altura ou melhor – é isso que a dádiva repugna. Esse pensamento é mais próximo da escolha racional.

É obvio que não estou aqui diminuindo o valor social que tem a teoria da escolha racional, mas é um pensamento ultrapassado falar que o homem “só e somente só” vise sempre potencializar o ganho e diminuir a própria perda, se isso é um mecanismo que até os seres irracionais ativam. O interesse existe e às vezes é até mais “saudável” do que pseudoafirmações de altruísmo, como afirma Godbout quando cita uma passagem de Koestler que diz: “em toda a história, os danos causados por excessos de afirmação individual são quantitativamente irrisórios quando comparados às carnificinas organizadas por transcendência altruísta para a glória de uma bandeira, de um chefe, de uma fé ou convicção política”. Outra passagem interessante, agora de Alain Caillé que, citando Mauss, mais uma vez mostra o interesse na relação social, que é a essência da escolha racional, que existe, sim, mas paralela ao dom:

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(...) não implica de modo algum subestimar a priori a força ou a legitimidade dos interesses materiais, utilitários. E tampouco leva a afirmar que os homens, ignorando o interesse, o cálculo, a esperteza ou a estratégia agiram por puro desprendimento. Pelo mero fato de sugerir que nenhuma sociedade humana poderia edificar-se exclu-sivamente sobre o registro do contrato e do utilitário, ao contrário, em que a solidariedade é indispensável a qualquer ordem social só pode surgir da subordinação dos interesses materiais a uma regra simbólica que os transcende. (GODBOUT, 1979 p.88)

Talvez seja uma das citações mais importantes desse artigo, pois Mauss, sendo o precursor da teoria da dádiva, admite que o ser humano não é unicamente movido pelo sentimento que está na raiz da dádiva, que é o de dar, receber e retribuir. Godbout também afirma que não existe sociedade em que o ser humano não vise a vontade de ganhar, pois essa ideia está na base de toda sociedade e sem a qual não há.

O dom aparece quando o ser humano passa a ver que ele não está sozinho no mundo e que independente de com quem ou qualquer simples interação social, como um acender de luz para iluminar sua casa, se não houver uma relação social, é impossível haver o abastecimento de luz elétrica. O homem passa a ver o outro com o valor que ele tem e deixar de lado a visão de ganhar de alguma forma com a relação social; logo constata outra presença no mundo, percebe que desde a origem do menor microorganismo até o ser mais evoluído, necessitamos do outro. Pegando emprestada uma citação de Paulo Henrique Martins, no seu artigo “De Lévi-Strauss a M.A.U.S.S., Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais: itinerários do dom” que, citando Maurice Merleau-ponty, diz: “os lugares do sujeito e do objeto do conhecimento apresentam uma conotação particular quando se pensam as relações entre os seres humanos e a invenção de um mundo compartilhado” (MARTINS, 2008). Nesta ótica ele sugere que o sujeito perceba-se imediatamente no outro e que ele e o outro sejam seres igualmente atravessados pelo mesmo mundo.

Alain Caillé também chega à conclusão de que a escolha racional é o “carro chefe, numa abordagem sociológica atualmente” de incapacidade de compreender o homem em sua totalidade, quando cita em seu “Nem holismo nem individualismo metodológico. Marcel Mouss e o paradigma da dádiva” que o individualismo metodológico revela-se incapaz de proceder à geração lógica do elo, pois une átomos individuais, como pessoas ilhadas, calculistas e egoístas.

DÁDIVA

Essa de Paulo Henrique Martins trará uma noção simplificada a respeito d dádiva:

“Dom consiste num conjunto de prestações e contraprestações que se expandem ou se retraem mediante uma tríplice obrigação-doação, recepção e retribuição de bens ma-teriais e simbólicos, sendo constatada sua presença em todas as sociedades existentes, tradicionais e modernas”. Bem, antes de continuar gostaria de esclarecer que o termo “dom” tem o sentido de dádiva, pois é assim no meio acadêmico que é tratado o assunto.

Talvez seja oportuno dar uma breve explicação do contexto histórico que envolveu a humanidade na criação da teoria da dádiva. O advento do Positivismo, no século XIX, trouxe consigo uma ideia bem utilitarista: o ser humano foi reduzido a um estrategista. A escolha racional é filha do Positivismo e a teoria da dádiva, contrapondo a escolha racio-nal, surge no século XX, com Marcel Mauss, sobrinho de Émile Durkheim, de quem legou uma vasta herança sociológica. É louvável deixar claro que a dádiva surge para pôr um

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freio nesse utilitarismo todo que reduziu o homem a um ser racional, egoísta. A dádiva é de uma racionalidade mais complexa.

Uma outra definição de dádiva, agora de Godbout, nos ajudará a entender melhor essa teoria que tira o homem de onde está (do utilitário) e lança-o no lugar que deveria estar, que é o dos seres racionais: “entende-se por dádiva tudo o que circula na socie-dade que não está ligado nem ao mercado nem ao estado (redistribuição), nem à vio-lência física. De um modo mais positivo, é o que circula em prol do eu em nome do laço social”(Godbout 1998).

Duas citações de Godbout ajudam-nos a entender um pouco sobre o que leva o ser humano a agir de determinada forma, são elas: “os agentes sociais não agem somente em função de seus interesses, mas também em função de normas, valores. É a natureza moral dos atos que distancia os agentes sociais do paradigma da economia neoclássica”; a outra: “a sócio-economia consiste em mostrar que o interesse não explica tudo, que existem também regras, normas, os valores, a moral, o dever” (GODBOUT, 1998). (Esse paradigma da economia neoclássica é a escolha racional entre outras teorias que tentam explicar a relação social.) Essas citações chocam-se com a ideia que o homem é estrate-gista, que antes da estratégia podem vir valores éticos, que a escolha racional não relata que só viemos encontrar numa teoria interacionista assim como a dádiva, que abre as portas para uma compreensão do homem em sua totalidade.

A dádiva por obrigação, por obediência a uma norma, é considerada de qualidade in-ferior. A moral do dever não se aplica à dádiva, ou seja, digamos que um fato típico, como aqueles que trabalham para manter a ordem da sociedade, mas fazem-no com o intuito de obter algumas vantagens. Isso se afasta da dádiva, pois o dom é aplicado no que é es-pontâneo. A exemplo dessa espontaneidade podem ser citados exemplos de gentilezas do cotidiano. Assim, quando é realizada uma boa ação e a pessoa agradece, retribui-se com “de nada” ou “não tem por onde” – garantem os doadores pelas dádivas que prestaram, como quem faz algo por puro desprendimento. É a luta contra o determinismo, contra a necessidade. “Você não devia” ou “não precisava” é o que se diz quando se recebe algo, libertando assim do ato da ordem e da necessidade, aproximando-se mais uma vez da espontaneidade. É o oposto ao que se diz a um funcionário quando está sendo atendido “o senhor deve fazer, isso é um direito meu”. A dádiva se opõe, portanto, aos sistemas me-canicistas e deterministas e aproxima-se da vida; além do mais se opõe à previsão de que o homem vai agir assim porque é de sua natureza, como diz o sociólogo Marcel Crouzier, que o homem é dotado por natureza de um instinto estratégico. A teoria da dádiva sabe que existem obrigações sociais, mas abre oportunidade para o homem transgredi-las.

A teoria da dádiva, bem como demais teorias desenvolvidas pelas ciências humanas e sociais, busca envolver e explicar objetos de análise à luz de determinadas problematiza-ções, como é caso das relações comerciais entre países, que devem fluir com um contrato abstrato de confiança.

Algo que chama a atenção na dádiva, é que repousa sobre um paradoxo, ela se comple-ta quando o homem age por pura espontaneidade, mas assegura que a essência da rela-ção social sustenta-se sobre uma tríplice obrigação que é a de “dar, receber, e retribuir”.

Um questão levantada nesse artigo foi como explicar o papel das ONGs... Mariana Félix cita em seu artigo, “A percepção da teoria da dádiva em um modelo contemporâneo de fazer sociológico”, que uma pesquisadora (Vlima Soares de Lima, na dissertação “Dádiva a voluntariado: ações de apoio junto a portadores com câncer”, 2004) fez um trabalho sobre o que movia a relação entre voluntários de uma ONG em Sergipe. A hipótese prin-cipal investigada foi se a ação dos voluntários da entidade contribuía para a formação de uma esfera de atuação social que se distanciasse das lógicas sistêmicas instrumentais. Com essa pesquisa, constatou que a ação voluntária (gratuidade) é movida por diversas

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lógicas, de modo que tentar instrumentalizá-las no sentido de maximizar sua utilidade na instituição pode levá-la a perder o seu sentido.

Por fim pode-se relacionar a ideia de dádiva com o que se tem do significado de dádiva no senso comum. Nos países que sofrem uma forte influência do catolicismo, assim como o Brasil, associa-se o termo “dádiva” a ideias de caridade, virtude divina, angelismo etc.; isso dificulta sua compreensão científica. Pode-se dizer que essa é apenas uma das leitu-ras do termo, que não a mais importante, mas não pode ser desprezada, como afirmou Paulo Henrique Martins.

ESCOLHA RACIONAL

Assim como a dádiva, a teoria da escolha racional surge para buscar, envolver e explicar objetos de análise à luz de determinadas problematizações. Mas é só a finalidade que elas têm em comum, pois diferem no meio a atingir essa finalidade, porque a última trabalha na dupla obrigação de dar e receber, ou seja, “eu dou para receber”.

Começo com uma definição de Godbout (2008, p.1): “existe hoje um paradigma dominante nas ciências sociais, o neoliberalismo”. No seu artigo ele dá vários exemplos, como individualismo metodológico, escolha racional, utilitarismo, homo oeconomicus, racionalidade instrumental. Mas como ele mesmo afirma, esses vários exemplos designam aspectos diferentes desse paradigma, mas apresentam uma coisa em comum: dizem respeito ao que circula, procuram explicar o sistema de produção e, sobretudo, de circulação das coisas e dos serviços na sociedade a partir das noções de interesse, de racionalidade, de utilidade. Bem, perceba que todas elas têm um fim em comum: explicar a ação humana a partir do interesse, da estratégia. Como era de se esperar, meu enfoque nesse artigo é a escolha racional.

A importância dessa teoria na modernidade é tão grande, que essa serve como referência obrigatória para explicar as outras teorias (esse neoliberalismo), e o que impera na modernidade é que o homem moderno não é mais capaz de pensar o que circula na sociedade sem partir dessas noções e desse modelo.

Existem duas noções fundamentais dessa teoria: uma é a de preferência, outra, a de otimização. Segundo a primeira noção, o indivíduo age de acordo com suas preferências e é o único a saber quais são. Godbout trata a preferência como o interesse, os valores, os fins, as necessidades, as paixões. Na segunda noção, e é a que iremos dar mais ênfase, pois a razão é óbvia: é o conceito central da escolha racional, o da otimização. Bem, quando fala em otimização, Godbout trata da seguinte forma: “parte-se do princípio de que, ao agir racionalmente, o ator (que é quem pratica a ação) envolve-se com algum tipo de otimização. Isso pode ser expresso como maximização do benefício ou como minimização do custo, ou ainda de outros modos”. A teoria da escolha racional compara ações em função de seus resultados esperados pelo ator e postula que este escolherá a ação com o melhor resultado.

Uma grande mente que tratou sobre esse assunto, entre tantos outros, foi Jon Elster. Gostaria aqui, em alguns comentários, de deixar seu ponto de vista, que é tão utilizado hoje em dia no meio acadêmico como referência.

A escolha racional é instrumental: é guiada pelo resultado da ação. As ações são avaliadas e escolhidas não por elas mesmas, mas como meios mais ou menos eficientes para um fim ulterior. A utilidade de cada resultado possível de uma ação é ponderada pela probabilidade estimada desse resultado para produzir a utilidade esperada da ação.

Outra questão levantada por mim foi a de ação por altruísmo, sem pensar em ganhos futuros e sim pelo mero fato de fazer o bem aos outros. Isso era o que veríamos com um olhar da dádiva; mas sob um olhar da escolha racional o sentido de altruísmo muda

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Maycon Charles Soares Cardoso

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completamente. Diz Jon Elster “o comportamento altruístico surge do autointeresse. Por exemplo, não é de meu interesse a longo prazo ajudar os outros de modo que possa receber ajuda quando precisar? O patrono de uma obra beneficente não é movido antes por seu próprio prestígio que pelas necessidades dos beneficiários? Para essa pergunta ele responde dizendo que o que importa é que suas ações sejam reconhecidas e não quem se beneficie dela. Jon Elster constatou isso quando passou pela primeira vez no instituto de arte de Chicago e notou que as placas com o nome dos doadores eram proporcionais ao tamanho das doações, e isso provocava certa disputa por parte dos doadores para ver quem tinha o seu nome mais visível.

Considerando essa visão de que toda ação racional é autointeressada, pois em última análise é motivada pelo prazer que proporciona ao agente (ator), Jon Elster usa como exemplo o “amor”. Diz que o amor é definido como ter prazer em dar prazer ao outro: se dou um presente a alguém que amo, não estou simplesmente usando essa pessoa como meio para minha própria satisfação? Ou, outro exemplo, mas ainda seguindo a mesma linha de raciocínio, quando eu dou um presente a alguém e esse alguém não gosta, por que eu fico frustrado se o meu interesse único era de presentear alguém e não de ficar feliz ou triste, dependendo da reação da pessoa?

Um exemplo atual e bem egoísta é quando acaba um relacionamento e o homem diz “se ela não for minha, não vai ser de mais ninguém”. Com isso sequestra a namorada, segundo ele por amor. Mas que amor é esse que não leva em consideração o que a outra parte deseja? É mais uma prova do autointeresse da ação humana.

Para findar, gostaria de tocar num último ponto que alguém possa mencionar: e a honestidade? A teoria da escolha racional diz que a honestidade não deve ser confundida com altruísmo, pois mantenho minha promessa para com você porque me preocupo com minha reputação de pessoa honrada.

CONCLUSÃO

“Como outras teorias, a teoria da dádiva é um caminho de explicação e elucidação de problemas sociológicos, porém ela não é em si um modelo pronto e acabado de como desenvolver pesquisas”. “Acreditamos que nenhuma teoria pode se constituir, pura e simplesmente como um encaixe perfeito do que se quer estudar” (MELO, 2010. p.42). Ouso dizer que essa concepção não pousa apenas sobre a dádiva, mas estende-se a todas as teorias sociológicas que se têm notícias; não obstante o enfoque principal desse artigo é no dom e escolha racional.

REFERENCIAIS

COHN, Gabriel. As diferenças finais: De Simmel a Luhmann. Revista Brasileira de Ciên-cias Sociais. vol. 13 n. 38, São Paulo, outubro, 1998

GODBOUT, Jacques T. Introdução à dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol.13 n.38, São Paulo, outubro, 1998

CAILLÉ, Alain. Nem holismo nem individualismo metodológicos. Marcel Mauss e o pa-radigma da dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 13 n. 38, São Paulo, outu-bro, 1998

MARTINS, Paulo Henrique. De Lévi-Strauss a M.A.U.S.S. – Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais: itinerários do dom. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 13 n.

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Sistemas de interações sociais: dádiva e escolha racional. Uma perspectiva dos Direitos Humanos.

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66, São Paulo, fevereiro, 2008

MELO, Mariana Félix. A percepção da Teoria da Dádiva em um modelo contemporâneo de fazer sociológico. Revista Espaço Acadêmico – n. 111 Recife, agosto, 2010

ELSTER, Jon. Peças e engrenagens das Ciências Sociais. Tradução de Antônio Trânsito. Rio de Janeiro: Relume – Dumara, 1994

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“Por uma nova humanidade.” Fraternidade, Gratuidade, Amor, Reciprocidade, Ágape: Novas perspectivas teórico-práticas para as Ciências Sociais. (Versão revista e ampliada).

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“POR UMA NOVA HUMANIDADE.”FRATERNIDADE, GRATUIDADE, AMOR,

RECIPROCIDADE, ÁGAPE: NOVAS PERSPECTIVAS TEÓRICO-PRÁTICAS PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS.

(VERSÃO REVISTA E AMPLIADA).

Depois de ter longamente se dedicado ao estudo da justiça e das situações de con-flito, Luc Boltanski dedica-se a uma reali-dade frequentemente deixada à margem das teorias da ação: os estados de paz. Se é verdade que as relações sociais podem causar conflitualidade, é igualmente ver-dade que em muitos casos o agir dos indi-víduos acontece de modo pacífico.

Ao lado dos outros regimes de ação, “o ágape conserva a própria força, e a sua presença na sociedade humana, por quan-to seja modesta, não é de modo algum irrelevante”1. Na intenção fundamental da ciência de produzir asserções e nexos en-tre afirmações sobre a realidade com uma racional pretensão de impessoalidade, a rejeição apriorística de uma realidade sig-nificaria a negação mesma da ciência.

Um tal regime, normalmente ignorado

1 Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Mi-lano: Vita e pensiero, 2005.

Dopo aversi a lungo dedicato allo studio della giustizia e delle situazioni di conflit-to, Luc Boltanski si dedica ad una realtà frequentemente lasciata alla margine del-le teorie dell’azione: gli stati di pace. Se è vero che le relazioni sociali possono causa-re conflittualità è ugualmente vero che in molto casi l’agire degli individui si svolge in modo pacifico.

Accanto agli altri regimi di azione «l’agape conserva la propria forza, e la sua presenza nella società degli uomini, per quanto modesta, è tutt’altro che trascura-bile» 1. Nell’intento basilare della scienza di produrre asserti e nessi fra asserti sulla realtà con una ragionevole pretesa di im-personalità, il rifiuto aprioristico di una re-altà presente nella società, per quanto mo-desta, significherebbe la negazione della scienza stessa.

1 Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Mi-lano: Vita e pensiero, 2005, copertina.

Lucas Tavares Galindo FilhoMestre em Sociologia e Metodologia Científica pela Faculdade de Ciências Políticas “Cesare Alfieri” da Universidade de Florença, na Itália (2007) – Centro de Excelência Europeu –; é Professor Titular das disciplinas de Sociologia, Metodologia Cientifica, Ciência Política & Teoria Geral do Estado e Filosofia, possui o título internacional já oficialmente reconhecido em todo o território nacional pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Realizou pesquisas científicas, com ênfase em Sociologia e Etnologia, pela Universidade de Florença e pela ONG New Humanity – membro integrante do ECOSOC (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas), elevado ao mais alto grau de status consultivo da ONU, onde é colaborador permanente. Sua produção científica junto à Comunidade Acadêmica Florentina alcançou nota máxima na seção de discussão com conselho unânime de publicação da produção científica e encontra-se em estudos para publicação na Europa. No Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE exerceu a função de professor substituto em 2008. Atualmente Coordena o Programa de Iniciação Científica, a Revista Acadêmica e o Núcleo de Estudos de Ciência Política, Relações Internacionais e Direitos Humanos na AESO – Faculdades Integradas Barros Melo.

Resumo Riassunto

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pelas modernas teorias sobre os regimes de ação mais largamente conhecidos e fundamentados sobre a hipótese de uma calculabilidade generalizada, pode ser cha-mado em causa para tornar compreen-síveis muitas situações ordinárias onde, aparentemente sem razão, as pessoas doam mais do que a lógica comum preveja, espere ou suponha a partir de outros mo-delos de ação.

A dissertação intitulada “LA CITTA-DELLA. Teoria ed empiria del αγαπη. Frater-nità, gratuità, amore, reciprocità, agape: nuo-ve prospettive teorico-pratiche per le scienze sociali.”, aprovada com nota máxima pela banca examinadora do Departamento de Sociologia e Ciências Políticas da Universi-dade de Florença, na Itália, tem a intenção de ser um passo a mais na direção.

Nela a perspectiva teórico-pratica do amor-ágape é estudada a partir de um quadro teórico composto pela teoria clássico-contemporânea sobre o amor, isto é, o pensamento de Aristóteles e Platão, Pitirin Sorokin 1954, Luc Boltanski 2005, Luigino Bruni 2006, Vigna e Zanardo 2005, e a partir da abordagem do realismo criti-co-relacional de Pierpaolo Donati 1983; e indagada empiricamente num estudo de caso realizado a partir da complementari-dade e integração das principais técnicas de pesquisa social, utilizando instrumen-tos seja da pesquisa qualitativa, seja da pesquisa quantitativa.

O estudo de caso demonstrou as pro-priedades do regime de ação chamado ágape: renúncia às equivalências,“descuido2 ” e permanência, e traz à luz novos aspectos deste mesmo regime, ou seja, os mecanis-mos de manutenção e estabilidade do mo-delo de ação: intencionalidade e retificação da intenção, persistência e prevalência e o “constante encanto na duração”, concluindo--se com a proposição do modelo do ágape puro, a reciprocidade gratuita.2 A tradução mais fiel da carga semântica da palavra ita-liana “incuranza”, dentro do quadro teórico produzido por Luc Boltanski, seria “descuido” em português, e é aplicada à característica substanciada numa escassa ou nula capacidade de calculo na duração da ação em regime de ágape, a qual será aprofundada adiante.

Fraternidade. Gratuidade. Amor. Recipro-cidade. Ciências Sociais.

Amore. Gratuità. Reciprocità gratuita. Azione e interazione.

Palavras-Chave: Parole-Chiavi:

Un tale regime, normalmente ignorato dalle moderne teorie sui regimi di azio-ne più largamente conosciuti e fondati sull’ipotesi di una calcolabilità generalizza-ta, può essere comunque chiamato in causa per rendere comprensibili molte situazioni ordinarie dove apparentemente senza ra-gione le persone donano di più di quanto la logica comune preveda, attenda o sup-ponga a partire di altri modelli dei regimi di azione.

La tesi di master intitolata “LA CITTA-DELLA. Teoria ed empiria del αγαπη. Frater-nità, gratuità, amore, reciprocità, agape: nuo-ve prospettive teorico-pratiche per le scienze sociali.”, approvata con il massimo punte-ggio dalla commissione di discussione del Dipartimento di Sociologia e Scienze Poli-tiche dell’Università degli Studi di Firenze, vuole essere un passo in più in questa di-rezione.

La prospettiva teorico-pratica dell’amore-agape per le scienze sociali vie-ne studiata a partire dalla cornice teorica composta dalla teoria classico-contempo-ranea sull’amore, ovvero il pensiero di Aris-totele e Platone, Pitirin Sorokin 1954, Luc Boltanski 2005, Luigino Bruni 2006, Vigna e Zanardo 2005, e a partire dall’approccio del realismo critico-relazionale di Pierpa-olo Donati 1983; e indagata empiricamen-te attraverso un studio di caso realizzato a partire della complementarietà ed integra-zione delle principali tecniche della ricerca sociale, utilizzando gli strumenti sia della ricerca qualitativa sia di quella quantitati-va.

La ricerca dimostra le proprietà del re-gime di azione di agape: rinuncia alle equi-valenze, incuranza e permanenza e porta alla luce nuovi aspetti dello stesso regime, ovvero i meccanismi di mantenimento e stabilità del modello: intenzionalità e rettifi-cazione dell’intenzione, persistenza e prevalen-za ed il «Costante incanto nella durata», con-cludendosi con la proposizione del modello dell’agape pura come reciprocità gratuita 2.2 L’articolo è stato pubblicato in Brasile sotto il titolo: “FRA-TERNIDADE, GRATUIDADE, AMOR, RECIPROCIDADE, ÁGAPE:NOVAS PERSPECTIVAS TEÓRICO-PRÁTICAS PARA AS CIÊN-CIAS SOCIAIS.”

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“Por uma nova humanidade.” Fraternidade, Gratuidade, Amor, Reciprocidade, Ágape: Novas perspectivas teórico-práticas para as Ciências Sociais. (Versão revista e ampliada).

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INTRODUÇÃO.

O conceito de reciprocidade gratuita, substanciado no modelo ideal-típico do regime de ação definido ágape puro, e o patrimônio cognoscitivo de prática e de reflexão teórica a ele coligado, é fundamental para garantir a simetria dos modelos de ação e a inteligibilidade do inteiro conjunto das formas concretas assumidas pelas relações entre as pessoas na realidade social.

O presente trabalho, enxertando-se na tradição teórico-empirica sobre o amor-ágape1, conceito central da pesquisa, entende examinar a presença deste modelo de ação e interação a partir da teoria clássico-contemporânea sobre o ágape e da abordagem do realismo crítico-relacional.

O objeto de pesquisa é uma comunidade que faz parte de uma associação conhecida como Movimento dos Focolares, que funda a própria vida e o próprio pensamento sobre o amor.

Nascido durante a Segunda Guerra Mundial e hoje difundido em mais de 180 nações nos 5 continentes, o Movimento dos Focolares compreende atualmente milhões de pessoas dos mais variados credos e também pessoas sem um referencial religioso. Conta com 33 cidadezinhas e 26 editoras espalhadas pelo mundo. Multiplicaram-se e continuam a chegar reconhecimentos dos diversos governos e organismos internacionais – ONU, UNESCO, etc.

No texto original a ordinariedade do regime de ação chamado ágape é ilustrada com a exposição das origens e do desenvolvimento histórico do conceito principal e das suas conexões com os princípios adjacentes: a Regra de Ouro, a “Virtude” e enfim a “fraternidade” no trinômio da Revolução de 1789. Serão sinteticamente analisados os conceitos de amor articulados no pensamente grego clássico e serão reexaminados os inícios da formação lexical que exprime o conceito original do ágape na koiné popular. Em seguida será aprofundado sumariamente o conceito de ágape na teoria clássico-contemporânea, com suas propriedades, e são anunciados os postulados e as perspectivas do presente trabalho.

Ainda no mesmo texto, a “Cittadella” é estudada a partir de várias perspectivas no intento de realizar uma legítima aproximação cognitiva a um objeto de estudos tão po-liédrico: a) É estudada a partir da perspectiva da Network-analysis através dos espaços e das redes relacionais; b) A presença de cidadãos provenientes de aproximadamente 70 nações nos 5 continentes constitui um dos traços mais expressivos da “Cidadella”: uma vasta pluralidade de horizontes culturais em um mesmo contesto relacional, em cons-tante tenção dialógica verbal e não verbal; c) Um outro tema de interesse é o profundo compartilhamento do patrimônio simbólico-valorial, que produz tal vitalidade no tecido identitário sócio-cultural a ponto de legitimar a consideração da presença de elementos constitutivos de identidade étnica 1; d) Sucessivamente ao estudo etnográfico, a comu-nidade é examinada a partir da dimensão do tempo social, isto é, das representações culturalmente codificadas no patrimônio simbólico-valorial compartilhado e concreti-zadas objetivamente na quotidianidade; e) O texto original trata também da relação dos habitantes da “Cittadella” com os meios de comunicação.

No presente artigo, por limites de espaço e tempo, circunscreveremos nossa atenção a percorrer sinteticamente o conteúdo do capítulo central da dissertação supracitada.

Dos parágrafos centrais emergem as confirmações sobre a factibilidade do regime de ação chamado ágape nas formas concretas da relação social. Foi verificada empiricamente a possibilidade de emergência das faculdades ordinárias das pessoas de estar neste

1 Weber, Max. Economia e società. 5 vol. Ed di Comunità: Milano, 1980, 1° e 2° vol. e Tullio-Altan, Carlo. Ethnos e civiltà. Identità etniche e valori democratici. Milano: Feltrinelli Editore, 1995.

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regime de ação nas situações ordinárias da convivência concreta e cotidiana.As propriedades: renúncia às equivalências, “descuido” e permanência, resultam coligadas

empírico e conceitualmente à “intencionalidade e retificação da intenção” e à “persistência e prevalência”. No encontro de duas ou mais pessoas na coexistência no mesmo regime de ágape, configura-se o modelo ideal-típico do ágape-puro substanciado na reciprocidade gratuita. E mesmo se a teoria clássico-contemporânea sobre o amor e a base empírica da presente pesquisa demonstram que nas formas concretas da relação social a ativação do regime de ágape individualmente é mais frequente, vêm à luz, nas incessantes passagens entre os diversos regimes de ação, evidências do modelo de ação e interação que será definido: reciprocidade gratuita.

A pesquisa se imposta sobre a complementaridade nas diversas técnicas, e esta impostação mostrou-se adequada a um objeto de estudo com tal multiplicidade de aspectos constitutivos. A instrumentação é constituída pela observação participante e, na perspectiva da complementaridade no método e nas técnicas, pela pesquisa documental, pelo focus-group, pela entrevista estruturada através de questionário3, pela entrevista semiestruturada em profundidade, pelo diário sobre percepção e sobre o uso do tempo, e enfim pela entrevista narrativa ou histórias de vida. A forma de amostragem escolhida para as técnicas que necessitavam foi a da amostragem probabilística estratificada proporcional.

O artigo é finalizado com as conclusões da pesquisa, com os êxitos e as perspectivas teórico-práticas, coligadas de modo particular com o modelo de ação e interação ideal-típico do ágape-puro, isto é, a reciprocidade gratuita.

OS REGIMES DA AÇÃO

O pensamento de Boltanski propõe quatro regimes de ação, a partir dos parâmetros de conflito versus paz, equivalências ativadas versus desativadas: a primeira forma de interação e relação é chamada regime de justiça. Ele é definido pelo fato de ser um regime de disputa no qual “a disputa era tratada voltando-se à questão do justo, isto é, servindo-se das formas de equiparação julgadas socialmente legítimas” (Boltanski, 2005: 29 e 35-42), uma equivalência geral onde o saber comum é reativado.

A segunda forma de interação e relação é chamada regime de violência: trata-se de um regime de disputa no qual “a oscilação dos partner na violência dispensava a procura de uma convergência sob formas comuns de equiparação em favor de um relacionamento de forças” (p. 29 e p.p. 35-42) onde as pessoas não se medem mais com uma equivalência geral, mas somente uma com a outra.

Os dois regimes seguintes constituem as formas de interação e relação aparentemente pacíficas: a terceira forma, chamada regime de rotina é constituída pela aceitação passiva e, na maior parte das vezes pré-reflexiva, das formas de equivalência inseridas tacitamente na sociedade (Ibidem). A vida quotidiana se torna possível porque enquadrada em uma multidão de rotinas deste tipo.

A quarta forma de interação e relação é chamada regime de paz ou ágape.

ÁGAPE – PROPRIEDADES CONHECIDAS, NOVIDADES, PERSPECTIVAS: CARACTE-RÍSTICAS E ÊXITOS EMPÍRICOS.

A “Cittadella” mostrou-se um laboratório privilegiado para o estudo do conceito cen-tral da presente pesquisa (isto é, o ágape) e dos conceitos correlacionados, exatamente porque se trata de uma comunidade que fundamenta a própria vida e pensamento sobre um patrimônio simbólico-valorial no qual o conceito do ágape é central como referência

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de valor para os comportamentos individuais e coletivos2.

O ÁGAPE E A RENUNCIA ÀS EQUIVALÊNCIAS.

Entre as primeiras propriedades que caracterizam o ágape, estão a independência do desejo, seja de possuir – característica do eros terrestre – seja de transcendência – característica do eros celeste. O ágape é caracterizado também pela indiferença ao mérito que impede a consideração referente ao valor do objeto e à sua qualificação, gerando a gratuidade que lhe é característica (p.p. 74-75).

O ágape é independente também de favoritismos, não porque se põe o problema ético do mau ou do bom amor, mas simplesmente porque, desconhecendo o desejo, ignora também a distinção entre as pessoas. Portanto, na noção de ágape não existe “a ideia de um ‘imperativo nascido da universalização de uma lei (e não se dirige ao homem em geral, mas ao próximo’” (Ibidem). A atitude que identifica o ágape é sempre dirigida ao próximo, considerado na sua concretude e não abstratamente generalizado.

Rompe também com as noções de amor natural e instintivo. A noção de “próximo” é independente de ligações de consanguinidade, de proximidade, de amizade ou de conterraneidade. Rompe ainda com os princípios da philia porque, fundamentada sobre a noção de dom, não prevê a retribuição de nenhum modo, nem material nem imaterial.

Desconhecendo o imperativo de proporcionalidade, não necessita recorrer à definição aristotélica de justiça como “tipo de igualdade”. A supracitada definição pressupõe um princípio de equivalência não contido no ágape, o que provoca também uma ruptura do ágape com a noção ordinária de justiça.

Entre os vários exemplos de êxito empírico sobre a renúncia às equivalências, na entrevista estruturada, à pergunta sobre a percepção do perdão recebido, os habitantes que compõem a amostragem concentraram-se prevalentemente sobre as dimensões do continuum referentes às respostas que indicavam a possível presença de uma tendencialmente difusa tensão ao ágape, isto é, 84% para a percepção do perdão doado e 72% para a percepção do perdão recebido.

O ÁGAPE E O “DESCUIDO”.

Não conhecendo a equivalência, o ágape igualmente não cuida do cálculo. Não apresenta as condições para atuar avaliações de grandeza ou equivalências sincrônicas e ainda menos equivalências diacrônicas. A incapacidade para o cálculo, também aquele relativo a considerações espaço-temporais e, portanto, a ilimitadez deste estado, leva quem é em ágape a não ter mais do que aquilo que é necessário “para hoje” (Boltanski, 2005: 80). Além disso comporta o esquecimento do bem que realizou ou mesmo das ofensas que sofreu e comporta ainda o “doar gratuitamente” em uma clara atitude de dádiva.

Este descuido distingue-se da ideia de perdão enquanto essa ideia prevê a presença na memória da ofensa sofrida, o que não acontece naquele que se encontra em regime de ágape porque “benefícios e maldades são remitidos, porque não existe nada para retê-los, não existe a instrumentação necessária para calculá-los e memorizá-los” (Boltanski, 2005: 81).

Na entrevista realizada através de questionário estruturado, à pergunta que indagava

2 “A ética da alteridade, mais do que traduzir-se de modo linear em sociabilidade, constrói um ponto limite no qual os seres humanos encontram o impulso para plasmar as formas concretas da própria convivência. Neste sentido, Barman esclarece que a vida social é continuamente solicitada a recuperar a instancia moral originaria e a procurar traduzi-la – mais ou menos parcialmente – nas formas concretas da vida social” (Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 14).

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sobre a prevalência da percepção do sofrimento do próprio povo ou do sofrimento dos outros povos, tendo presente os problemas que afligem o mundo inteiro, as respostas in-dicam uma concentração de 99% sobre as dimensões do continuum que indicam uma per-cepção que vai do “igual sofrimento do próprio povo e dos outros povos” até a percepção de “maior sofrimento dos outros povos”. Juntamente com os habitantes provenientes de países desenvolvidos, muitos entre os habitantes da Cittadella provém de nações onde existe guerra ou de nações em vias de desenvolvimento, ou ainda países onde se encon-tram profundos desequilíbrios sociais. Disto pode-se concluir que uma tal tendência, que se orienta rumo a uma percepção dos sofrimentos dos outros igual ou maior do que a percepção dos próprios sofrimentos, indica a presença de uma atitude de “descuido” e de limitada autorreferencialidade típicos do regime de ágape3 . Igualmente significativo o percentual daqueles que declararam sentir do mesmo modo os sofrimentos do próprio povo e os sofrimentos dos outros povos. De modo equivalente é possível que a atitude em relação ao próprio povo e aos outros povos reflita-se de algum modo nas atitudes e no relacionamento interpessoal.

A PERMANÊNCIA NO ÁGAPE.

No que concerne à orientação temporal, o ágape “mantém-se obstinadamente no presente. Em definitiva é a opção pelo presente a fazer da consistência uma das principais propriedades que definem o ágape” (Boltanski, 2005: 82), opção que não significa valoração negativa ou rejeição do passado ou do futuro.

Para ser “mantido vivo” o amor permanece no não mensurável, que é o “seu elemento” (p. 85), isto é, no descarte de tudo aquilo que teria a possibilidade de levar à equivalência, e no “imensurável [que é o elemento do amor – comentário do autor] a reciprocidade é infinita de uma parte e da outra” (Ibidem).

Somente aquilo que é ligado ao tempo em quanto espaço de cálculo, e mais precisamente em um tempo definido, pode ser considerado na categoria “duração”. O ágape é completamente presente em cada sua ação e, ao invés da duração, o ágape é “imerso na permanência, a ação é a cada instante presente a si mesma... colocado na permanência, isto é, sempre recolocado no presente, o amor está protegido da “angústia”, porque não pode mais nem calcular, sendo um horizonte sem limites, nem pôr-se o problema da própria mudança” (p.p. 88-89).

Na entrevista estruturada através de questionário, na primeira pergunta sobre o quanto se considera importante “viver o momento presente” as respostas relevam um percentual de 88% na tensão rumo à atribuição de uma máxima importância ao ponto em questão.

Durante a entrevista semiestruturada uma jovem proveniente da América do Sul, estudante universitária e habitante estável da Cittadella afirma que: “portanto, projetos para o futuro, tudo bem, eu digo sempre que é necessário viver o momento presente projetados... o importante é a medida com a qual se vive”.

A preferência concordada com o presente pode ser um indicador do estado de ágape.

MECANISMOS DE MANUTENÇÃO E ESTABILIDADE DO MODELO.

Uma característica emersa já no projeto de pesquisa (o que pode representar também uma particularidade do presente trabalho) é a consideração de uma teoria pré-existente

3 Identificados os entrevistados através de questionário, os quais são provenientes de nações onde existe a guerra, procurou-se verificar a freqüência da percepção do sofrimento; a base empírica indica que 5 em cada 6 habitantes declaram igual, tenden-cial ou prevalente a percepção do sofrimentos dos outros em relação ao próprio sofrimento.

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à pesquisa, mas também a possibilidade de emergência de elementos teórico-práticos novos que podem levar ao progresso da teoria mesma.

ÁGAPE, INTENCIONALIDADE E RETIFICAÇÃO DA INTENÇÃO.

O primeiro postulado é a consideração de uma intencionalidade subjetiva presente no estado de ágape. No início da obra de Boltanski, lê-se que a emersão do ágape na vida quotidiana é “quase” definida como “rara e casual” quase “acidental”.

Ora, Donatti afirma que “a sociologia contemporânea já declarou infundadas e com-pletamente não utilizáveis aquelas tendências da sociologia que fazem do homem um “ser agido4” ... do homo sociologicus (cf. Dahrendorf, 1966)” (Donatti, 2002: 67) e afirma ainda que o ‘homem econômico’ e o ‘homem sociológico’ “devem e podem hoje ser subs-tituídos pelo paradigma científico, correntemente mais eficaz (além do que ontologica-mente mais verdadeiro), do ‘homem intencional’ ” 5 .

Postula-se também a existência e a presença no estado de ágape de uma “retificação da intenção” que existe em função da permanência intencional, consciente e subjetiva no ágape.

O conceito está presente na obra de Chiara Lubich6 (entre outras coisas, doutora Ho-noris Causa em Ciências Sociais pela Universidade de Lublin na Polônia) e é tenuemente intuído na obra de Boltanski. De fato ele afirma que “a validade dos atos, nos quais esta última [a interioridade característica do ágape – comentário do autor] realiza, depende de fato, da intencionalidade daquele que age e não mais do julgamento realizado por um terceiro” (Boltanski, 2005: 79).

Considerando a oscilação do ser humano nos vários regimes de ação – justiça, violên-cia, routine, ágape (p. 17), a permanência no estado de ágape ou a reentrada neste mesmo estado – de modo particular por quanto se refere à gratuidade7 da qual deve ser revesti-da a ação e a intenção para que o regime de ação assuma a configuração típica do regime de ágape – é estreitamente ligada ao conceito de “retificação da intenção”.

O habitante ideal da Cittadella emprenha-se em amar conscientemente todos, toman-do a iniciativa no amor, “fazendo-se um”8 , amando até mesmo quem lhe faz o mal, sem nenhuma pretensão ou outra intenção que não seja amar, e esta, portanto, é a “intencio-nalidade”. Quando este mesmo habitante apercebe-se de amar com alguma outra moti-vação e/ou intenção que não seja o amor mesmo, isto é, na intenção de obtenção de re-

4 Em italiano “essere agito”, no sentido de não subjetivo, incapaz de intenção e escolhas, etc.5 Ibidem. Ainda sobre a intencionalidade vide também Parsons, Talkot. La struttura dell’azione sociale. Bologna: Società edi-trice il Mulino, 1987, particularmente p. 84.6 Lubich, Chiara. Scritti spirituali / 1. L’attrattiva del tempo moderno. Roma: Città Nuova Editrice, 1978, p. 229; e ainda: Vande-leene, Michel. IO - IL FRATELLO – DIO nel pensiero di Chiara Lubich. Roma: Città Nuova Editrice, 1999, p. 161 nota 23 e p. 177; e ainda: Lubich, Chiara (a cura di Vandeleene, Michel). La Dottrina Spirituale. Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2001, p. 78 e p.p. 116-118 e p. 144. Chiara Lubich, Presidente e fundadora do Movimento dos Focolares. 7 “Uma expressão sintética para indicar esta lógica de reciprocidade é gratuidade: a ação inspirada na gratuidade è, de fato, relacional (não é individualista) mas não é condicionada à resposta dos outros. Neste sentido as virtudes civis, o ágape e a arte são circunstancias de gratuidade. Com as outras formas de reciprocidade, a terceira forma da qual estou falando [a reciproci-dade incondicional – comentário do autor] tem em comum somente a liberdade. A liberdade presente nesta terceira forma de reciprocidade é, porém, mais radical: de fato a ação que não é condicionada pela ação dos outros é mais livre do que aquela que é condicionada. A liberdade que nasce da obediência a uma convicção interior, que é expressão de uma motivação intrínseca, é talvez, a liberdade mais alta que podemos imaginar. Por isto a gratuidade é livre, e talvez, somente a gratuidade é realmente livre. Além disso, se o ato gratuito não nascesse de um ato de liberdade interior, a gratuidade se transformaria radicalmente no seu oposto” (Bruni, Luigino. Reciprocità. Dinamiche di cooperazione economia e società civile. Milano: Bruno Mondatori, 2006, p.p. 92-93).8 “Amar o outro como a si; o outro sou eu (…) E o amo como a mim mesmo: tem fome, sou eu quem tem fome; tem sede, sou eu quem tem sede; necessita de conselho, sou eu quem necessita” e ainda “É necessário ‘parar o que estiver fazendo’ e ‘sentir’ com o irmão. ‘Fazer-se um’ até que se toma nas próprias costas o seu peso doloroso ou se compartilha a alegria” (Come un arco-baleno. Gli aspetti nel movimento dei focolari. Roma: Città Nuova Editrice, 1999, p.p. 119-120 (Para uso interno do Movimento dos Focolares)).

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tribuição qualquer que seja, vantagem, lucro etc, ele “retifica a sua intenção” e recomeça a amar gratuitamente.

Um outro dos principais referenciais do patrimônio de vida e pensamento da Citta-della, estreitamente coligado à “intencionalidade e retificação da intenção”, é sintetiza-do na expressão “recomeçar sempre”9 . Através da pratica deste princípio os habitantes da Cittadella tenderiam, na continua oscilação dos regimes de ação, a entrar e/ou reen-trar em ágape.

O referencial de vida dito “recomeçar sempre” é estreitamente ligado também ao me-canismo de manutenção e estabilidade do modelo dito “persistência e prevalência”.

Durante a entrevista estruturada, foi apresentada aos entrevistados uma série de questões ligadas a atitudes que são consideradas possíveis indicadores da intencionalida-de e da retificação da intenção. O patrimônio simbólico-valorial da comunidade objeto do presente estudo considera a escuta profunda do outro, como um elemento constitutivo do amor. A concentração de, respectivamente: 89%, 75% e 85% na dimensão do continuum que tem a intenção de representar a intencionalidade da escuta-amor pode ser significa-tiva. Sublinhado também pelos baixos percentuais de pouca importância dada à opinião do outro, que são, respectivamente: 0%, 6% e 2% dos casos válidos10.

PERSISTÊNCIA E PREVALÊNCIA NO ÁGAPE.

Considerando o quanto foi visto, é possível perceber um aspecto ontológico do ágape, como emerge também de afirmações como a seguinte: “O interesse desta construção... é, antes de tudo, tratar o ágape como um dos estados aos quais as pessoas podem aceder colocando em ação capacidades provenientes da própria competência ordinária” (Bol-tanski, 2005: 153-154).

A presença da “persistência” no estado de amor leva à constituição de um novo mo-delo de passagem entre os regimes de justiça e amor e também entre violência e amor. Afirma Boltanski, considerando as passagens do regime de amor àquele de justiça e vice--versa, que “o amor pode prevalecer em ambos” (p. 148) e tendo como base quanto foi dito anteriormente se chega à concepção da “prevalência” do ágape, que consiste no reconhecimento teórico-empírico da “prevalência” do estado de amor sobre os outros regimes – de justiça ou de violência – que tendem a oscilar em ágape, também porque, como afirma Boltanski, citando H. Arendt, quando fala do perdão característico do “des-cuido” no ágape: “São este deixar-passar, este ‘descuido’, esta consequêncialidade, em suma, esta capacidade de obliteração que caracterizam a atitude do ágape... benefícios e malefícios são remidos, porque não existe nada para retê-los, não existe a instrumenta-ção necessária para calculá-los” (p. 81). Porque estando em regime de ágape, está presen-te a faculdade de obliteração que pode permitir até mesmo a remissão da frustração do “desejo de doar” gerado pelo “bloqueio imposto ao dom” que seria “o único obstáculo” ao “fluxo incessante” no ágape-puro (p.p. 148-150).

E tendo presente uma “persistência” deste gênero, é legitimo considerar uma possível “prevalência” do regime de ágape diante dos regimes de justiça ou violência11.

9 Lubich, Chiara (a cura di Vandeleene, Michel). La dottrina spirituale. Milano: Arnoldo Mondadori Editori, 2001, p.p. 143-144 e p.p. 165-167)10 Foram registrados alguns feed-back durante o trabalho em campo que apontam para uma possível “reação à pergunta” no sentido de ser compreendida como se fosse ligada à capacidade de ter opinião própria ou à possibilidade de sofrer a influencia dos outros , no sentido de uma espécie de ausência de capacidade critica e / ou seletiva, isto è, o interlocutor queria declarar a própria abertura para com o outro, tendo, porém, o temor de dar a impressão de ser “sem opiniões” ou mesmo incapaz de escolha e / ou critica. Este feed-back pode redimensionar o significado das respostas no sentido da confirmação das afirmações sobre a intencionalidade e retificação da intenção do individuo enquanto exerce sua competência ordinária de viver também em regime de ágape (Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 153-154). 11 Considerando uma pessoa em ágape e uma outra no estado de justiça ou mesmo violência, Boltanski afirma: “Aquele que

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A capacidade de acesso ao estado de ágape é uma competência ordinária (p.p. 153-154) de todos os atores sociais, portanto o conjunto substanciado pela ordinariedade da com-petência de aceder ao ágape, da intencionalidade do sujeito e da possibilidade de preva-lência do amor sobre os outros regimes, legitimam a afirmação da supracitada persistên-cia e prevalência e designam a sua configuração. O trabalho de campo e a consequente base empírica oferecem ulteriores possibilidades de confirmação.

Numa entrevista que contém, entre outras passagens, uma relação de anos de indife-rença e ódio entre um órfão de mãe e sua madrasta, que se reconstitui depois que o órfão decide amar gratuitamente e ela, finalmente, se coloca também em atitude de amor.

A prevalência do amor sobre os outros regimes de ação é, portanto, estreitamente ligada à persistência precedentemente citada e empiricamente considerada, a ponto de provocar a consideração de um único mecanismo de manutenção e estabilidade do mo-delo definido pelos dois termos, isto é: persistência e prevalência.

O ÁGAPE PURO E A RECIPROCIDADE GRATUITA.

Quem está no amor, estando imerso nas propriedades do ágape – renúncia às equiva-lências, “descuido”, permanência, intencionalidade e retificação da intenção, persistên-cia e prevalência – personifica o dom12.

No encontro entre duas pessoas em ágape, estando ambos completamente doados um ao outro sem a expectativa da retribuição13, eles tendem a gerar uma reciprocidade nova, não prevista e desconhecida pela teoria clássico-contemporânea do amor. Um modelo novo, desconhecido pela teoria do ágape nas e para as ciências sociais, que lança pers-pectivas científicas teórico-práticas novas porque “o ágape conserva a sua força e a sua presença na sociedade... não é de modo algum irrelevante” (Boltanski, 2005: 17 e 33).

O amor “existe” no momento presente (p. 89) e por isso “é ‘todo inteiramente presen-te em cada sua manifestação’” e “a ação é a cada instante presente a si mesma” (p. 88). O amor é mantido “no imensurável”, que é o “seu elemento” (p.85). Para tudo quanto foi afirmado precedentemente – de modo particular sobre viver para o outro – o amor “constitui, neste sentido, uma garantia de realismo” (p. 84).

A consideração do ágape como uma particular forma de relacionamento entre os seres humanos, na qual o conteúdo relacional é proeminente (p. 12), legitima a consideração de que – pelo aspecto proeminentemente relacional e pela gratuidade constitutiva do re-gime de ágape – a forma ideal-típica do ágape puro é a reciprocidade gratuita que emerge do encontro de dois ou mais sujeitos imersos neste regime de ação.

Do encontro entre estes aspectos e da compenetração entre eles, é possível considerar legitimamente “efeitos” sociais, econômicos, políticos e culturais da mesma forma rele-

está em justiça, considerando que o outro não espera retribuição sob a única forma aceitável pela justiça, isto é, sob a forma de um bem, material ou imaterial, separado de si mesmo, e sendo incapaz, no regime que lhe é próprio, de imaginar que não queira nada, pode concluir que as expectativas do partner se orientem exatamente sobre a sua pessoa: o partner quer obrigá--lo infinitamente, impor-lhe um debito impossível de ser pago e tomar, deste modo, possesso dele mesmo. Como sabemos, é exatamente mediante este gênero de argumentação que o dom é frequentemente denunciado como abuso. O dom será então interpretado dentro de uma lógica de violência à qual somente a rejeição pode colocar fim. O doador renunciará, portanto, a receber, não podendo, colocado em justiça, resignar-se facilmente” mas “também uma outra estrada, porém, é fechada para ele. Por amor à justiça, pode recusar de romper a reciprocidade engajada nas etapas precedentes e, suspensa a renuncia à res-tituição, prosseguir o jogo reelaborando o próprio impulso de modo que libere a intenção de doar. Poderá, então, realizar “a passagem do objeto ao dom” que sinaliza a entrada em ágape” (Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 156).12 “Não possuindo a capacidade de calculo ou valoração, e sendo imersos na impossibilidade de auto-referencialidade ‘em muitas situações realmente ordinárias as pessoas dao mais, em particular de si mesmas (sublinhamento e itálico do autor) do quanto exija a situação e isto aparentemente sem razão“ (Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 30).13 “O agape é definido pelo dom, não espera uma retribuição, nem sob forma de objetos, nem na veste imaterial de amor retribuido” (p.p. 76-77).

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vantes para as ciências sociais (p. 33), seja como potencial objeto de estudos, seja como nova perspectiva teórica na sua inteireza ou nos seus múltiplos aspectos.

Prosseguindo a abordagem cognitiva ao regime de amor no intento de afrontar a “re-ciprocidade gratuita”, é importante revisitar, neste sentido, alguns conceitos preceden-temente considerados.

A limitação da autorreferencialidade, estreitamente ligada à renuncia às equivalên-cias (p. 87) e ao “descuido” (Ibidem) fazem com que a pessoa em regime de ágape não nutra expectativas ou retenha a recordação, seja das ofensas sofridas ou dos benefícios que realizou, porque sendo todo orientado para o próximo que está ao seu lado no mo-mento presente (p. 82 e 84), “não existe nada para retê-los” (p. 81). Sendo todo orientado para o próximo no momento presente, a pessoa em ágape não espera a retribuição, nem sob a forma material – de objetos – nem sob a forma imaterial – na retribuição do amor (Boltanski, 2005: 77). A ausência de autorreferencialidade e a concretização sob o plano pratico, que é a garantia de realismo (p. 84), para com o próximo que está ao lado no presente, estão em relação estrutural (p. 87) no modelo deste regime de ação (p. 10). O acesso intencional 14 (p.p. 8-10 e 41-42) ao regime de amor, ligado à capacidade ordinária (p. 154) de aceder ao estado de ágape, e a reentrada neste mesmo regime de ação, depois das constantes oscilações (p. 17), agilizada pela retificação da intenção, que aviam um prolongamento da permanência e persistência, da mesma forma subjetiva, objetiva e intencional, e elevam as possibilidades de realização da prevalência ordinária do regime de ágape sobre os outros regimes de ação (p. 148).

A gratuidade do ágape é sempre direcionada a um outro (p.p. 83-84), é sempre um evento relacional. Sendo substancialmente “relação” a sua forma ideal-típica completa-mente realizada, que podemos chamar de ágape-puro, é a “reciprocidade gratuita”.

Na base empírica da presente pesquisa, é legitimo afirmar o relevamento de indícios e evidências que indicam a provável ocorrência do ágape-puro, da reciprocidade gratuita.

Francesco Châtel, habitante estável da Cittadella, graduado em Pedagogia e membro do Centro de Estudos Educacionais do Movimento dos Focolares, no seu livro publicado em 2005 afirma que:

“Existem pessoas que não somente se empenham em viver com os outros, mas decidem viver para os outros. Observando a vida des-sas pessoas descobriremos uma novidade importante: aquilo que virá em evidência não será tanto o sacrifício, mas a alegria do doar. E também estas pessoas devem perder parte do próprio espaço, das próprias ideias, para acolher o outro, para ser dom para o outro. Mas o fazem a partir de uma perspectiva diferente: não como uma pes-soa que perde alguma coisa para dar espaço a uma outra pessoa que vive com ela, mas como quem tem como razão da própria vida viver para o outro e que experimenta que o seu dom não é perdido, mas compartilhado. A sua realização, antes de tudo, está exatamente no doar-se. Se o outro não responderá, será contudo feliz. Se o outro, ao invés, se doará também, a alegria será ainda mais plena e receberá aquilo que havia doado, enriquecido por quanto o outro lhe doou novamente. (Châtel, 2005: 18-19)

A reciprocidade gratuita contida na ágape-puro apoia-se sobre uma lógica de recipro-cidade diferente daquela dos outros modelos de ação.

Na entrevista narrativa que concedeu, uma jovem proveniente da Europa Ocidental,

14 Bruni, Luigino. Reciprocità. Dinamiche di cooperazione economia e società civile. Milano: Bruno Mondatori, 2006, p.p. 92-93.

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que está nas escolas internacionais da Cittadella, espontaneamente, isto é, sem uma pre-cisa pergunta que se relacionasse ao argumento “gratuidade” ou mesmo “reciprocida-de”, faz a seguinte declaração em um trecho particularmente significativo para os fins cognitivos do presente estudo:

Trata-se de saber acolher completamente a cultura do outro, e também entendi que não devia desmontar a minha cultura porque no momento no qual eu acolho completamente aquela do outro, me percebo enriquecida de alguma coisa a mais e que, unida à minha, é uma coisa nova, e isto nos permite criar relacionamentos novos en-tre nós, seguir adiante. Quando não se consegue fazer isto, nascem os conflitos, mesmo pequenos, talvez, mas nascem no momento no qual nós criamos obstáculos um para com o outro. No momento no qual se acolhe o outro completamente, tu percebes que os nós se desatam.

A reciprocidade gratuita verificada entre dois ou mais sujeitos imersos no amor não anula a teoria da reciprocidade, mas acrescenta a ela novas perspectivas e a conduz a um mais completo desenvolvimento.

No ágape-puro, isto é, na plena atividade das faculdades ordinárias que as pessoas possuem neste estado, o dom que é feito é o dom de si através do símbolo da coisa doada, seja ela material ou imaterial.

ÁGAPE E O “CONSTANTE ENCANTO NA DURAÇÃO”.

O amor tem “a obrigação basilar de nunca debruçar-se sobre si mesmo” (Boltanski, 2005: 86) e, por isso, não pode “ser autorreferencial” (p. 87), “vive o outro”, “o próximo que encontra” (p. 75) “no momento presente” (p. 82).

Imerso no “descuido” que o caracteriza, quem está no ágape não espera nada (p. 80) e considera imensurável toda manifestação de amor, mantendo-se em um constante es-tado de encanto e paz (p.p. 10 e 40), que dura pelo tempo no qual o sujeito permanece neste regime de ação.

Quem está no ágape não conhece o próprio desejo e percebe, portanto, os bens – ma-teriais ou mesmo imateriais – que lhe chegam como “dom” (p. 94), e isto contribui sig-nificativamente ao estabelecimento do constante encanto na duração do regime de ação dito ágape.

É de fundamental importância precisar que o estado de constante encanto no qual se encontra imerso quem está no regime de ágape, na duração da ativação deste particular modo no qual as relações entre os seres podem ter lugar (p. 10), todavia, não tolhe a pes-soa da realidade porque orientando-se ao próximo no momento presente tem, portanto, “garantia de realismo” (p. 84).

Segundo Boltanski, aquele que está em regime de amor não tem os instrumentos para proceder os cálculos e, portanto, tende a não reconhecer as próprias necessidades, mas aquelas dos outros e “a quem não reconhece o próprio desejo, os bens provêm somente através do dom” (p. 94), e estes dons podem ser constituídos por bens materiais e/ou bens relacionais15 .

Por este conjunto de propriedades e fatores, “o amor está protegido da ‘angústia’” (p. 89) e, juntamente com a percepção do “dom imensurável” (p. 85) de tudo, de cada um e de cada coisa, durante a permanência no regime de amor, conduz quem está no ágape a

15 Bruni, Luigino. “Felicità, economia e beni relazionali.” Nuova umanità XXVII, 159-160, Mag. – Ago., 2005, 537-559.

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imergir na “paz”.De fato, entre as dezenas de milhares16 e visitantes que a cada ano chegam à Cittadella,

uma das primeiras e mais fortes impressões é o sorriso e a harmonia nos e entre os habi-tantes. E o conhecimento ordinário, aquele adquirido, e o estudo de campo demonstram que os habitantes da Cittadella são, normalmente, integrados à realidade.

No final de uma entrevista de grupo feita a um casal da Europa Ocidental, entre os pri-meiríssimos habitantes da Cittadella, e que vivem no lugar, emergiu a seguinte resposta que sublinha as propriedades do regime de amor em ação, os mecanismos e o constante encanto na duração: “Se (-) [me perguntassem]: Farias tudo de novo? Partirias novamen-te para viver esta experiência? Sem dúvida alguma faria tudo de novo!!! Mas faria me-lhor, (-) mas sempre pronta a isto, as (-) dificuldades não me fizeram sentir medo, porque se estás feliz, podes varrer mesmo o dia todo (-) mas não importa (-) sou feliz”

CONCLUSÃO.

A presente pesquisa foi impostada a partir de uma interrogação a respeito do ágape: “trata-se de uma construção que permite descrever ações concretizadas por pessoas na realidade, de um ideal parcialmente realizável, de uma utopia ou de um engano?” (Boltanski, 2005: 107).

O conceito central do presente trabalho, o ágape, entende-se somente em um consciente distanciamento dos lugares comuns, dentro dos quais as dimensões do amor e o seu conceito foram inflacionados pelo uso excessivo. É necessário munir-se dos instrumentos que facilitem a possibilidade de proceder a uma abordagem cognitiva à capacidade ordinária que as pessoas possuem de instaurar relações neste regime e de formular construções teórico-práticas originais, mutuadas pela tradição.

A literatura da Ciência Social abordou o amor sobretudo tomando em consideração, principalmente, a acepção de paixão17.

A tradução empírica da teoria foi executada partindo de uma consciente perspectiva de complementaridade no método e nas técnicas de pesquisa18 .

O modelo do ágape puro se imposta, portanto, na perspectiva do dom, ou seja, da gratuidade 19. Sendo dirigida sempre para “o outro”, o ágape puro é fundamentalmente 16 «In breve.» Loppiano. Cittadella Internazionale del Movimento dei Focolari. http://www.loppiano.it/newsite/MontaFra-meHOME.php?IDCat=8&IDSubCat=46&IDLng=IT&FCentro=SubMenuGenerale.php&IDEve=0&IDNews=0 (consultato il 29 dicem-bre 2006).17 Como por exemplo, Luhmann 1986 (Luhmann, N. Love as Passion. The codification of Intimacy. Cambridge: Polity Press, 1986; tradução italiana: Amore come passione. Trieste: Asterios Editore, 2001), Barthes 1977 (Barthes, R. Fragments d’un dis-cours amoureux. Paris : Seuil, 1977 ; tradução italiana: Frammenti di un discorso amoroso. Torino: Einaudi, 1979), Rougemont 1972 (Rougemont, D. de. L’amour et L’Occident. Paris : Plon, 1972 ; tradução italiana: L’Amore e L’Occidente. Milano: Rizzoli, 1979). Uma coletânea de escritos espalhados de Simmel, datados de 1982 a 1922, foi publicada em 1988 sob o título de Philo-sophie de l’amour, e nesta coletânea são tratados os temas da prostituição, família, sedução, etc (Simmel, G. Philosophie de l’amour. Paris: Rivages, 1988).18 Por brevidade de tempo e espaço sugere-se para um exame mais aprofundado dos êxitos empíricos da pesquisa em campo a consulta do texto original da dissertação que encontra-se arquivado nas seguintes bibliotecas: na biblioteca do Pólo de ciências sociais da Universidade de Florença, na biblioteca do Istituto Universitario Sophia em Florença e, brevemente, na biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco.19 “Todas as vezes que um comportamento é colocado em ser por motivações intrínsecas e não primariamente por um objetivo externo ao comportamento mesmo, estaremos tratando de gratuidade” (Bruni, Luigino. Il prezzo della gratuità. Roma: Città Nuova, 2006, p. 38); e ainda: “Com a expressão motivações intrínsecas tenho a intenção, de acordo com um dos mais concei-tuados estudos no campo psicológico (Deci-Ryan 1991), de colocar em moto determinadas atividades pela inerente satisfação que delas deriva, que não é em razão de qualquer separável resultado ou conseqüência. Em outras palavras, agir segundo motivações intrínsecas significa dedicar-se a uma atividade porque é considerada digna de valor e não pelo resultado que disso pode derivar. Neste sentido, como foi dito, existe um relacionamento estreito entre motivações intrínsecas e aquela dimensão que neste ensaio chamo ‘gratuidade’” (p. 40, nota 1). Vide ainda: “A partir do que foi dito até agora, minha proposta é obvia: a função toda particular que exerce em ser principio de gratuidade. Por gratuidade entendo aqui a atitude interior que leva a aproximar-se de cada pessoa, de cada ser, de si mesmos, sabendo que aquela pessoa, aquele ser vivente, aquela atividade, eu mesmo, não são coisas para usar, mas com as quais entrar em relação respeitando-as e amando-as” (p. 44). E ainda: “escolhas inspiradas por uma particular lógica, aquela do ágape” (Bruni, Luigino. Reciprocità. Dinamiche di cooperazione economia e

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relacional 20, portanto não pode ser outra realidade senão relação completa e incondi-cionada e tender à reciprocidade21, isto é, o “ágape-puro” é a “reciprocidade-gratuita”22 .

A pessoa em ágape exprime si mesma, porque o espaço de cálculo – para as estratégias de movimento e respostas ao movimento, ou mesmo de potencializar o próprio ganho e minimizar as próprias perdas – é inibido e/ou anulado. Portanto o ser em ágape puro, feito amor, feito dom incondicional, é todo e inteiramente presente em cada sua manifes-tação23. Doando-se na obliteração fundamental de não retornar nunca sobre si mesmo24 “o dom” – incondicionado e completo –, é o dom de si através do símbolo da coisa doada, seja ela material ou imaterial25.

Esta realidade é reforçada pelo fato de que na coexistência no estado de amor os seres subtraem-se à resistência típica dos outros regimes de ação26 .

Sendo também o outro no regime de ágape, acolhe o dom, e sendo incapaz de possuí-lo27, porque neste regime simplesmente doa28, doa novamente ao outro, o dom original enriquecido, porém do dom de si mesmo29, através do símbolo da coisa doada. O objeto “permutado” é diferente do original30 e, mesmo se o ágape é radicado no presen-te, o dom é diferenciado no tempo31. A diversificação do dom permutado e a sua diferen-ciação no tempo garantem a estabilidade do regime e a possibilidade de oscilação em um outro regime de ação – justiça, violência etc – pela rejeição do dom ou pela aparência de rejeição do dom, é reduzida e/ou cancelada.

A instrumentação que opera a coligação32 é a supracitada capacidade de ver o inco-mensurável em cada manifestação do outro, e neste caso, o incomensurável dom, que é o outro em si mesmo33.

A intencionalidade e a retificação da intenção, juntamente com a persistência e preva-lência, contribuem enormemente para um aumento das probabilidades da reciprocidade gratuita e de estabilidade na duração do regime de amor. A obrigação, contida na atual teoria do dom34, que poderia provocar a oscilação em outros estados, é também inibida

società civile. Milano: Bruno Mondatori, 2006, 92).20 “Portanto, o ágape deve ser entendido como uma forma particular de relacionamento entre seres humanos, na qual o con-teúdo relacional é proeminente” (Ibid., 12).21 “Dizer vida civil é dizer reciprocidade. Cooperação, amizade, contratos, conflitos, família, amor, são ações bem diferentes entre elas, mas tem um aspecto comum: são todos acontecimentos de Reciprocidade” (Ibid., p. IX).22 “Uma expressão sintética para indicar esta lógica de reciprocidade é gratuidade: a ação inspirada na gratuidade è, de fato, relacional (não é individualista) mas não é condicionada à resposta dos outros. Neste sentido as virtudes civis, o ágape e a arte são circunstancias de gratuidade”. (Ibid., p.p. 92-93).23 “o amor é “todo inteiramente presente em cada sua manifestação””, não retém reservas e, portanto, “imersa na permanên-cia, a ação é a todo instante presente a si mesma” (Bruni, Luigino. Reciprocità. Dinamiche di cooperazione economia e società civile. Milano: Bruno Mondatori, 2006, p. 88).24 Bruni, Luigino. Reciprocità. Dinamiche di cooperazione economia e società civile. Milano: Bruno Mondatori, 2006, p. 86.25 Bonan, Egle; “Tra reciprocità e dissimmetria: la Regola d’oro nel pensiero di Paul Ricœur.” Vigna, Carmelo e Zanardo, Susy (a cura di). La Regola d’Oro come etica universale. Milano: Vita e Pensiero, 2005, p.p. 342-343.26 “agem não oferecendo resistência” (Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 95).27 “Benefícios e maldades são remitidos, porque não existe nada para retê-los, não existe a instrumentação necessária” (Bol-tanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 81).28 “o ágape, definido pelo dom, não espera em retorno, nem sob a forma de objetos, nem sob a veste imaterial de amor em retribuição” (Ibid., p.p. 76-77), e ainda, “Na auto-referencialidade o amor se apaga” (Ibid., p. 86).29 Bonan, Egle; “Tra reciprocità e dissimmetria: la Regola d’oro nel pensiero di Paul Ricœur.” Vigna, Carmelo e Zanardo, Susy (a cura di). La Regola d’Oro come etica universale. Milano: Vita e Pensiero, 2005, p.p. 342-343.30 Ibid., p. 77.31 “Afim de que o dom tenha alguma medida comum ao dom, também e sobretudo se, como quer a concepção antropológica da relação dom / retribuição, a permuta é diferida no tempo [sublinhamento do autor] e realizada por meio de objetos diversos [sublinhamento do autor], é necessário que as pessoas possam recorrer a uma instrumentação para coligar, mesmo que seja aproximativamente, as prestações que compõem a seqüência” (Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 77), e aqui a instrumentação é o imensurável (Ibid., p. 85).32 Vide nota precedente.33 “Que dom maravilhoso cada uma, na própria diversidade!!!” (Rv230706FemGioEuO).34 Mauss, Marcel. Saggio sul dono. Forma e motivo dello scambio nelle società arcaiche. 3° ed. Torino: Giulio Einaudi editore,

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e/ou anulada e a estabilidade do regime de amor verifica-se em toda a duração, junta-mente com o “constante encanto”.

A teoria e a presente pesquisa demonstram que nas formas concretas da convivência (Boltanski, 2005: 14), é mais recorrente que as pessoas ativem o regime de ágape indi-vidualmente do que alcancem a reciprocidade gratuita, possivelmente – entre outras coisas – pelas incessantes passagens entre os diversos regimes (p. 147).

O patrimônio simbólico-valorial do objeto de estudo, a vida e o pensamente daqueles que fazem parte, evidencia e facilita o emergir das faculdades ordinárias35 das pessoas de “ser” no regime de ação dito ágape 36. Portanto, verificou-se, a partir da pesquisa de campo e da base empírica que derivou dela, uma difusa, tendencial propensão ao ágape, que permitiu a confirmação empírica de quanto foi afirmado sobre o ágape – factibili-dade, propriedades, perspectivas etc – e a descoberta de novos aspectos e perspectivas teórico-práticas.

Os êxitos empíricos tendem a confirmar a teoria.

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2002.35 “Em muitas situações realmente ordinárias [itálico e sublinhamento do autor] as pessoas dão mais, em particular de si mesmas, de quanto exija a situação, e isto aparentemente sem razão” (Boltanski, Luc. Stati di pace. Una sociologia dell’amore. Milano: Vita e pensiero, 2005, p. 30); “Para tomar distancia dos lugares comuns do discurso amoroso e para dotar-nos de instrumentos que permitam analisar as capacidades cognitivas utilizadas pelas pessoas quando entram em relações pacificas [itálico e sublinhamento do autor], onde a referencia à justiça é portanto descartado” (Ibid., p. 46); “Para retomar a dimensão temporal do ágape e para explorar a sua ligação coma s outras faculdade que as pessoas possuem [itálico e sublinhamento do autor] neste estado, nos orientaremos agora a Soren Kierkegaard, do qual a obra Gli atti dell’amore [Os atos do amor – N.d.T.] constitui, sem duvidas, o mais sistemático empreendimento voltado a tornar evidentes as propriedades do ágape e a integrá-las em um modelo que satisfaça vínculos de coerência” (Ibid., 83); “O interesse desta construção – que explica a disseminação do amor através de uma adesão incondicional e imediata (“o amor vence tudo”) ou, se quer, através uma pre-suposição criativa que, ao modo da profecia que se auto-cumpre [Merton, 1936, p. 65].36 Além dos êxitos teórico-empíricos, os indícios da reciprocidade gratuita foram verificados na quotidianidade, de modo particular na observação participante (a também nas entrevistas) sobretudo através dos backtalk: a) antes de tudo os relacio-namentos interpessoais (permutas, compartilhamento, ler, brincadeiras, etc.); b) nos processos decisórios, dos mais simples (como fazer o jantar ou mesmo que filme ver durante o weekend) aos mais complexos (processos relativos à nascente universi-dade); c) na produção artística (preparação de canções e até mesmo espetáculos inteiros com as musicas e as danças, trabalhos de criação, etc); d) na produção arquitetônica (o relato sobre a concepção e sobre a construção da Cittadella, que impressiona pela modernidade do seu design intencionalmente concebido como expressão de amor e que se reflete, por exemplo, na anu-lação das barreiras arquitetônicas para o acesso de pessoas diversamente hábeis em todos os espaços, etc.); e) Frequentemente nestas realidades estão presentes: as propriedades do ágape, os mecanismos de manutenção e estabilidade do modelo e, esta-belecendo-se a reciprocidade gratuita nas incessantes passagens entre os diversos regimes, o emergir também do constante encanto em toda a duração da configuração que permite o surgir do ágape-puro, mesmo se é mais freqüente que os sujeitos na quotidianidade se encontrem individualmente no estado de ágape. Geralmente o modelo apresenta a seguinte pista: um sujeito estando em ágape doa a sua idéia, pensamento ou inspiração desapegando-se dela; o outro ou os outros acolhem profunda-mente e consideram esta idéia como muito boa; estando, entrando ou reentrando em ágape enriquecem a doação original com o próprio pensamento dado também por amor; neste tempo se realizam as incessantes passagens entre os diversos regimes e então vem fora a oscilação de quem é em ágape para com os outros regimes, ou mesmo a oscilação do outro o dos outros que se encontram nos outros regimes rumo ao ágape: os mecanismos de manutenção e estabilidade do modelo são mais frequen-temente colocados em serviço, e as perspectivas de emergir o ágape-puro são potencializadas e muitas vezes estabelecidas, fazendo com que em vários momentos seja possível verificar os indicadores da presença da reciprocidade gratuita.

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“Por uma nova humanidade.” Fraternidade, Gratuidade, Amor, Reciprocidade, Ágape: Novas perspectivas teórico-práticas para as Ciências Sociais. (Versão revista e ampliada).

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Os descaminhos da prestação jurisdicional no âmbito punitivo. Algumas considerações sobre as reformas do código de processo penal brasileiro

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REVISTA ACADÊMICA “PENSE DIREITO”

Versão sintética e simplificada das normas para publicação de trabalhos

1 Apresentação1.1 Trabalhos apresentados oralmente em congressos, seminários etc. serão aceitos, des-de que mencionem o evento em nota de rodapé.1.2 Devem ser apresentados em formato A4, digitados em “word for Windows”, fontes Times New Roman ou Arial, tamanho 12, espaçamento 1 ½ entre linhas.1.3 Conter entre 13 e 20 laudas e as partes do trabalho serem subdivididas por numeração progressiva, conforme a ABNT/NBR-6024/2003, adotando-se algarismos arábicos (1, 1.1, 1.1.1 etc.). Os títulos das seções do trabalho devem ser alinhados na margem esquerda e não utilizar ponto ou hífen após o numeral, mas um espaço.1.4 Logo após o título e o subtítulo (se houver), o nome completo do autor e um resumo curricular.

2 Estrutura do trabalho2.1 O trabalho seguirá a seguinte estrutura: I. Título e subtítulo (se houver); II. Nome e titulação acadêmica; III. Resumo na língua do trabalho com até 250 palavras (NBR-6028/2003), seguido de 4 palavras-chave, separadas por ponto; IV. Introdução; V. Desen-volvimento; VI. Conclusão; VII. Tradução do título em língua estrangeira; VIII. Resumo em língua estrangeira com até 250 palavras (NBR-6028/2003), seguido de 4 palavras-cha-ve, separadas por ponto; IX. Referências – em ordem alfabética de acordo com a ABNT/NBR-6023/2002.2.2 Todas as citações apresentadas no corpo do trabalho devem indicar a fonte e serem descritas de acordo com a norma ABNT/NBR-10520/2002.2.3 De acordo com a NBR-10520/2002, toda a citação textual que ultrapassar três linhas deverá ser transcrita com recuo de parágrafo de 4 cm da margem esquerda, fonte 10, espaçamento simples, sem uso de aspas. Para destacar trechos da citação, usar negrito e a expressão – grifo nosso – entre parênteses. Deve-se evitar sublinhado e itálico, exceto para palavras estrangeiras.2.4 O autor que adotar o sistema numérico (notas de rodapé), ao citar uma obra pela primeira vez no trabalho, deverá apresentá-la com todos os dados identificadores: autor, título, edição, tradução, local, editora, data e página onde a citação encontra-se na obra original.2.5 O autor que adotar o sistema autor-data poderá utilizar o numérico apenas para notas explicativas sobre o texto.

3 Referências3.1 Livros: SOBRENOME, nome. Título e subtítulo (se houver) em negrito. Número da edi-ção. Local: Editora, Ano de publicação, Volume ou tomo, quantidade de páginas.3.2 Capítulo de livro: SOBRENOME, nome do autor do capítulo. Título e subtítulo (se hou-ver) do capítulo em negrito. Número da edição. Local: Editora, Ano de publicação, Volu-me ou tomo, quantidade de páginas.3.3 Artigo de periódico (revistas): SOBRENOME, nome. Título do artigo e subtítulo (se houver). Nome do periódico em negrito, Local, Ano e/ou volume, fascículo ou número, Página inicial – Pagina final, Mês, Ano de publicação.3.4 Artigos capturados na internet: SOBRENONE, nome. Título e subtítulo (se houver) em negrito. Nome do site, Local, Mês, Ano. Disponível em: < endereço eletrônico completo >. Acesso em: Dia, Mês, Ano.