Lei n 3.808 16-07-1981 Estatuto Dos Policiais Militares Do Piaui
Revista Piaui
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piauí_62novembro
30 anos de jornalismo:Eugênio Bucci faz balançoda carreira Alessandra Gardezani
Camila de Souza SilvaEmanuella Minari
Juliana AlvesMilene Silva
SIMPLESMENTE A MELHOR
PIZZA DA REGIÃO
"O jornalismo é conflito, e quando não há conflito
no jornalismo, um alarme deve soar. Alíás, a ética
só existe porque a comunicação social é lugar de
conflito. Onde a etiqueta cala, a ética pergunta.
"(Sobre Ética e Imprensa - pg 11)
Expediente:
Alunos:Alessandra GardezaniCamila de Souza SilvaEmanuella Minari Juliana AlvesMilene SilvaFotografia: Guilherme AlonsoIlustração: Miller GuglielmoDiagramação: Fábio da SilvaPré-orientação: Alexandre PossendoroOrientação: Cibele Maria BuoroCoordenador: Nivaldo FerrazGrande reportagem apresentada à Universidade Anhembi Morumbicomo critério parcial para obtenção do título de graduação no cursode Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. 3
EDITORIAL
O LADO B DE BUCCI
Ao trazer a ética para o centro dos debates sobre imprensa, Eugênio Bucci ganhou reconhecimento e hoje ocupa posto de autor de referência nos cursos de jornalismo
Loca l i zada a ce rca de 400
quilômetros da capital paulista, a
pequena Orlândia, cidade do interior
de São Paulo, tem aproximadamente
246 quilômetros quadrados de área e
cerca 37 mil habitantes. Pouco
conhecido, o município foi notícia nos
anos 70 na mídia local. Mais
precisamente no dia 1 de maio de
1976, o Diário da Manhã de Ribeirão
Preto levou a conhecimento público
uma informação pouco convencional
com a seguinte manchete: “Direção de
Escola em Orlândia censura matéria
do MDB no jornal estudantil”.
Talvez não fosse grande surpresa que
houvesse represálias, afinal em meio à
ditadura militar querer publicar
músicas de Chico Buarque que
estavam sob censura era desafiador,
até mesmo para uma publicação de
pequena circulação organizada por
três jovens de 16 anos e que era
veiculada somente na Escola Técnica
Estadual Profº Alcídio de Souza
Prado. Eugênio Bucci e os amigos
Gilberto Zancopé e Adilson Nunes
“infringiam a lei” - no entendimento
da direção do colégio - utilizando o
espaço do jornal Apelo. A solução
refletiu o contexto político da época:
os exemplares foram recolhidos.
“Estávamos motivados por uma
vontade grande de participar e
promover interação entre os
e s t u d a n t e s . E r a u m t e m p o
infelizmente sombrio no Brasil, então
não era um ambiente em que as ideias
podiam fervilhar com facilidade”,
contou Eugênio Bucci, com os olhos
voltados à esquerda como quem
resgata as memórias que há tempos
não são lembradas.
A escolha pela profissão de jornalista
foi uma resposta ao ato de ter ser sido
censurado e desestimulado a produzir
textos contestadores em Orlândia.
“Fui para São Paulo estudar
jornalismo por pirraça”, revela.
Mesmo jovem, o engajamento de
Bucci com a política sempre foi algo
presente. “A segunda edição do Apelo
trazia uma entrevista com o
governador Paulo Virgilio e alguns de
seus secretários e com o prefeito Cyro
Armando Catta Preta. Por conta de
alguns fatos relatados, a edição foi
proibida de circular. Foi um
acontecimento pequeno, era um jornal
de pouquíssimos anúncios e durou só
quatro ou cinco edições. Não foi um
evento de grande proporção, mas em
nossas vidas teve um peso muito
grande”, relembrou Bucci enquanto
buscava em suas prateleiras uma pasta
preta na qual guarda a matéria sobre a
censura até hoje.
Hoje, professor da Escola de
Comunicação e Artes (ECA) da
Universidade de São Paulo (USP),
Eugênio Bucci foi o único dos três
amigos que seguiu na carreira
jornalística. Possui um currículo
recheado de obras publicadas e artigos
em jornais de circulação nacional,
como O Estado de São Paulo, no qual
é responsável por uma coluna
quinzenal. Foi também secretário
editorial da Editora Abril e presidente
da estatal Radiobrás. Adilson Nunes,
ou Jovito, optou pela carreira de
radialista e Gilberto Zancopé, o Giba,
preferiu lidar com números e se
formou em economia. “Para nós era
uma brincadeira apenas, e algumas
críticas ou colocar piadas contra a
ditadura era um modo de fazer as
pessoas rirem”, contou ao telefone
Zancopé, em meio a uma de suas
reuniões de negócios em Curitiba.
Posteriormente, o trio cresceu e
ganhou mais um integrante. Miguel
Carlos Vitaliano, vulgo Carlucho,
juntou-se a Jovito, Giba e Eugênio, e a
partir de então o quarteto tornou-se
inseparável. Conhecido e 'temido', o
grupo de jovens contestadores
chamava atenção por onde passava.
Para ganhar ainda mais força, criaram
o grupo GEMA (Gilberto, Eugênio,
Miguel e Adilson) que fazia shows
frequentemente em diversas cidades
do interior e críticas através das
composições. “O Eugênio estava
sempre na ponta liderando. Para se ter
uma ideia, tínhamos uma música
chamada 'Jampary Club'. É uma
referência ao Rotary Club. No dia do
aniversário do presidente do Rotary
fomos na casa do cara e tocamos a
música. Não fomos expulsos a tapas
por muito pouco”, resgatou na
memória Carlucho. Empolgado em
falar do amigo Eugênio Bucci,
carinhosamente apelidado de Patinho
Feio, Miguel, o único que ainda mora
em Orlândia, ria e falava com
saudades da infância ao lado de Bucci.
Carlucho e Eugênio se conheceram de
uma maneira bastante inusitada. Dona
Mary Bucci lecionava a disciplina de
português para Carlucho. Certa vez,
Dona Mary pediu para que ele levasse
seu violão, pois tinha um filho que
sabia cantar e se apresentaria para seus
alunos. O grande dia chegou e Bucci
se intimidou frente às pessoas. A
cantoria não aconteceu, mas a
amizade dura até hoje. “Tínhamos
interesses em comum. Eu já militava
no movimento estudantil e o pai dele
tinha medo, eu com 20 anos e ele com
15. Eu era como um mau elemento,
Jornalista e teórico da comunicação abre as portas de seu escritório e dispõe-se a uma auto-critica
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que levaria o filho dele para o mau
c a m i n h o , m e t i d o a l i b e r a l .
Começamos a conversar e achei bem
interessante, um menino de 15 anos ler
o que ele lia e discutir sobre as ideias
de Sócrates, A República, de Platão e
Regras para a Direção do Espírito, de
Réne Descartes”, conta Miguel com
orgulho. Seu livro de cabeceira era
Siddharta, escrito pelo alemão
Hermann Hesse, vencedor do Prêmio
Nobel de Literatura de 1946. “Nos
dias de hoje estou lendo Antônio
Callado, que escreveu um livro
chamado Quarup, que também sou
bastante fã”, conta Bucci.
Sempre ligado às artes, o grupo
GEMA foi responsável por diversas
mudanças no ramo cultural de
Orlândia. Da criação de uma escola de
samba à FOARTE - uma feira de
artesanato de Orlândia – músicas e
poemas faziam parte do cotidiano dos
rapazes. Porém, a censura também os
' p e r s eg u i a ' . A F OA RT E f o i
recriminada por levar o dramaturgo
Plínio Marcus para palestrar durante o
evento. Isso desagradou grande parte
da população, que considerava suas
peças muito libertinas para a época.
A veia artística de Eugênio aflorou
desde menino. Aos 12 anos compôs
Helena, canção que leva os seguintes
versos: “Helena, mas que pena que
você, perequetê(...)/ você pertence às
mais altas camadas sociais (...)”.
Segundo Carlucho, o senso crítico de
Bucci já se mostrava presente. Quanto
ao motivo da composição, o amigo
revela que se tratava de uma paquera.
“Com cer teza fo i para uma
paixãozinha da época. Vivíamos
fazendo isso. Pegávamos o nome das
meninas e fazíamos arte. Estava na
cara que era para alguém. Aliás, ele
era muito namorador, viu?”, disse com
voz de quem contava um grande
segredo.
“Ele era poeta, era músico, produzia
músicas de boa qualidade”, endossa
Gilberto Zancopé. Porém Giba relata
que hoje essa veia romântica já não é
mais tão presente no amigo. “Embora
ele tenha se distanciado um pouco da
música e da poesia, acredito que tenha
feito isso depois que foi para a
esquerda e ficou ateu, e nós todos
éramos cristãos. Quando nos
mudamos para São Paulo começamos
a estudar e a militar no movimento
estudantil e aderimos à esquerda, ao
marxismo e ao ateísmo; e eu acho que
isso fez mais mal para ele do que para
mim”, explica detalhadamente como
uma passagem marcante de suas
vidas.
Orlândia não comportava mais os
planos de Eugênio, Miguel e Gilberto,
que decidiram partir para São Paulo
prosseguir com os estudos. Bucci
seguiria o jornalismo, legado dos atos
repressores dos quais foi vítima nos
períodos do jornal Apelo. Prestou dois
vestibulares na USP: para Jornalismo,
ingressando em 1978, e Direito na
Faculdade São Francisco, onde
começou a estudar em 1980. “Eu não
acho que eu era bom de redação. Aliás,
nos dois vestibulares tive notas muito
ruins na redação. Eu tirei três ou
menos de três nas duas redações”,
conta Eugênio de forma muito calma.
Em São Paulo, Bucci morou primeiro
com um primo. Posteriormente se
mudou para um apartamento na rua
Fradique Coutinho, em Pinheiros, no
qual passou a dividir com Carlucho e
Zancopé. “Eu queria estudar
jornalismo, então tive que vir à USP
porque queria participar das coisas
boas que estavam acontecendo.
Quando eu cheguei na universidade,
o sentimento de medo era muito
menor que o sentimento de otimismo
que a ditadura iria cair. Estava
surgindo o PT (Par t ido dos
Tr a b a l h a d o r e s ) e e s t á va m o s
reconstruindo as entidades estudantis,
então o sentimento de confiança era
muito maior”, recorda enquanto não
perde a atenção no computador e no
celular.
Mas qual é a sensação de sair de um
munícipio tão pequeno e chegar a uma
g r a n d e m e t r ó p o l e , o n d e a
universidade é praticamente uma
cidade? “Como me senti? Bem, a
cidade universitária era maior que
Orlândia! Daí você vê”, relembra
enquanto continua se movimentando
para frente e para trás em sua poltrona
que soltava um barulho arranhado e
incômodo, mas o professor da USP
parecia nem notar. Continuava
contando, absorvido na memória. “Eu
fiquei louco quando fui ao 'bandejão',
naquele tempo eles serviam copo de
leite! Dois meses depois, estávamos
fazendo greve. Ocupação porque a
comida estava cara, mas para falar a
verdade eu não achava cara, eu achava
baratíssima! Subiu o preço em alguns
centavos, mas eu achava muito
i n t e r e s s a n t e o p r i n c í p i o d o
movimento”, continuava a contar
empolgado entremeado de risos. “Mas
o restaurante era muito bacana. Então,
fiquei encantado. Eu me apaixonei
pela cidade universitária! Achei que
tinha chegado ao mundo ideal, e até
hoje acho isso”.
Apesar da seriedade e ideais políticos,
os momentos de festa também foram
frequentes durante a faculdade. “Nós
éramos muito bagunceiros. Quando o
grupo saía para beber, o Eugênio
também bebia. Mas ele também era a
pessoa que segurava e não deixava
com que passássemos do limite. Ele
sempre foi um amparo. Mais ético,
com mais moral. É amigo e mantinha
sua retidão”, revela Carlucho.
Segundo os amigos – que vêem a
retidão e a política presentes até hoje
em Eugênio Bucci – a educação
herdada da família é seu alicerce
moral. Filho de Mary e Bruno Bucci,
cresceu em uma família cristã,
frequentadora assídua da paróquia da
cidade. “Eram muito amorosos, uma
família muito harmônica. Um
exemplo para a comunidade pela
retidão, caráter e vida familiar; e isso
sempre esteve presente no Eugênio. É
e sempre foi uma pessoa muito
querida e apoiada, voltado aos eventos
benéficos para a sociedade”, recorda
Zancopé.
Seu Bruno e dona Mary esperavam
que o filho escolhesse uma carreira
considerada mais nobre, como
medicina, direito ou engenharia. “Ele
bateu o pé e falou: 'não, eu vou fazer o
que quero: jornalismo'. Eu sei que foi
uma briga danada, sabe? Ele brincava
comigo: 'Carlucho, você vai ser
médico, vai ganhar mais dinheiro.
Escritor não ganha dinheiro, então
você vai me sustentar porque vai ficar
muito mais rico que eu'”, emenda
Miguel, que virou médico e tem um
consu l tó r io t r ad ic iona lmente
conhecido em Orlândia.
Durante sua passagem pela Escola de
Comunicação e Artes (ECA) na USP,
Bucci começou a chamar a atenção de
seus mestres. Para o professor Luis
Milanesi foi um de seus alunos mais
“brilhantes”. “Eu tive uma empatia
muito forte com o Eugênio porque me
identifiquei rapidamente. Ele tinha
algumas características muito
especiais. Sempre foi uma pessoa
muito brilhante, inteligente e culta”
conta, ao mesmo tempo em que, ao
voltar ao passado, realçava partes da
história para que a reportagem
percebesse ser ele o responsável pela
descoberta do jornalista Eugênio
Bucci.
Sobre o “brilhantismo”, Milanesi não
é o único a compartilhar desta opinião.
O sogro Dalmo Dallari, também ex-
professor de Bucci na Faculdade São
Francisco quando cursava Direito,
ressalta a liderança e a pró-atividade
política do genro. “Ele foi um
estudante muito ativo, chegou à
presidência do Centro Acadêmico XI
de Agosto e nessa condição nós
tivemos bastante contato. Foi meu
aluno e um dos mais brilhantes sem
dúvida alguma”, complementa em
uma conversa na sua casa. Segundo
Dalmo, o curso de Direito enfatiza a
relação entre ética e direito. Dalmo
Dallari sempre enxergou no aluno
Eugênio Bucci uma preocupação de
natureza ética, que foi essencial em
sua formação. “Para Eugênio a
humanidade se divide em dois grandes
grupos: um deles é o dos jornalistas e o
outro é dos 'outros'”, conta Dallari de
maneira bem à vontade, fazendo
questão de declarar sua satisfação em
ter Eugênio Bucci como genro. “Eu
tinha (e tenho) uma filha que também
estudou na Faculdade de Direito na
mesma época. Eles foram colegas e
acabaram se casando, o que me deixou
extremamente feliz”.
Sentado em sua cadeira giratória no
escritório que divide com o irmão, o
arquiteto Ângelo Bucci, Eugênio
conta, timidamente e com o olhar
desviado, como conheceu a esposa,
Maria Paula Dallari Bucci. À época,
ele cursava o quarto ano e ela, o
segundo, ambos do curso de Direito da
USP. Militantes de ideologias
diferentes - ela do PC do B e ele mais
voltado ao movimento Trotskista –
estavam constantemente travando
debates. Bucci tentava convencer
Maria Paula de suas ideias. Em
contrapartida, ela adorava que ele
tentasse convencê-la. E com o
pretexto de discutir política as
conversas ficaram cada vez mais
frequentes. “Ela é firme no que
acredita e com certeza me convenceu
muito mais do que eu a convenci. E foi
assim que começou”, relembra com
olhar tímido, mas com voz de respeito
e admiração à esposa. “Ela tem um
rosto bonito, é inteligentíssima e tem
muita fibra”, confessa.
O namoro começou em 1985 e no ano
seguinte resolveram se casar. A festa
foi cercada de amigos, no Clube
Pinheiros. O casal decidiu por fazer
um churrasco para celebrar a união.
Vinte anos depois optaram por
oficializar a relação em uma
cerimônia religiosa. “Concordávamos
que fal tava casar na Igreja .
Aproveitamos a ocasião para
reafirmar os votos de casamento. A
ideia surgiu em uma viagem à
Veneza”, resgata nas lembranças.
Eugênio tem dois filhos, Martha
Da l la r i Bucc i , e s tudan te de
arquitetura da USP, e Mario Bucci,
que segue os passos do pai: formado
em jornalismo e aluno de direito.
“Bucci é um homem de família,
bastante apegado e muito afetivo. Ele
dialoga e discute, não impõe verdades. O Mario, por exemplo, estudou
jornalismo e agora cursa direito por
pura convicção, não por imposição do
pai”, o sogro Dallari faz questão de
esclarecer.
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Os domingos são dias sagrados e
guardados para a família. Sabe aquele
típico almoço de italianos? Assim fica
a casa de Dalmo Dallari aos finais de
semana. Filhos, genros, noras e netos
enchem a residência que chega a ter 15
pessoas. Para os netos, muitas vezes os
almoços se tornam verdadeiros
seminários, pois as discussões vão
desde futebol, passando por política
até chegar às relações internacionais.
“Eugênio gosta de futebol e é são
p a u l i n o . M a s t e n h o n e t o s
corinthianos, então o que impera é
uma democracia futebolística”,
brinca.
Por vezes até a música e os dons
artísticos de Eugênio, como tocar
violão, ficam à mostra aos familiares.
Não só para os íntimos, mas grandes
jornais como a Folha de S. Paulo já
serviram de mural para a publicação
de suas artes. No dia 21 de agosto de
2011 o caderno Ilustríssima publicou
o poema intitulado Justiça, com os
seguintes versos: O que a lei/não
redime/ é o crime/com defeito// Se
bem-feito/ou bonito/o delito/talvez
rime/ com direito// Se perfeito/ora, o
crime/é a lei//. “Mas essa é uma parte
que eu não gostaria de divulgar, acho
um vexame. Jornalista não pode
escrever poema, cantar e tocar”
considera Bucci, ao ser entrevistado
em seu escritório. O lugar mistura um
pouco de estilo tradicional e moderno,
com descontração, mas de uma
organização impecável. Sobre a mesa
estão filmes, livros e revistas dos mais
variados assuntos. Daquelas rotuladas
como de ' fo focas ' à t í tu los
internacionais, todas ao lado umas das
outras, sem preconceito. Inclusive, em
suas prateleiras lotadas de livros que
tomam conta de quase duas paredes
inteiras, uma curiosidade: a Bíblia fica
quase que ao lado do Alcorão e abaixo
da 'sessão religiosa' estão as 'obras
eróticas'. Para ele, os livros possuem
energia.
Na outra parede, além dos títulos de
sua autoria - dezenas de cada um -, um
livro chama a atenção em meio ao
grande número de capas dos mais
variados tipos. Minha Luta (Mein
Kampf), de autoria de Adolph Hitler,
popularmente conhecido como 'Bíblia
Nazista', integra a coleção do
intelectual trotskista.
Próximo à janela, um quadro com uma
espécie de slogan da Teoria & Debate,
revista da qual foi criador juntamente
a outros nomes de esquerda, faz parte
da decoração. Do lado oposto,
próximo à porta, um cartaz com um
desenho e mensagens em defesa de
um Brasil livre e democrático marca
presença.
Entre os retratos que permitem aos
visi tantes conhecerem alguns
momentos especiais da vida pessoal e
profissional de Eugênio Bucci, estão
expostas fotografias com familiares,
homenagens, viagens entre outras
recordações. Junto a isso, também
espalhado pelas prateleiras repletas de
livros, um exemplar do jornal Apelo.
Uma dessas fotos tem uma essência no
mínimo curiosa. Manifestantes
seguram uma faixa com a frase: “Pela
não destruição da Radiobrás e pelo
fim das demissões. Fora Eugênio
Bucc!”. O retrato também deixa claro
quem organizava o protesto: o
Sindicato dos Jornalistas do Distrito
Federal (DF). Questionado sobre o
que significava, Bucci foi categórico.
“Ela representa uma condecoração, a
certeza de que eu estava fazendo a
coisa certa”, referindo-se ao fato de
ser o responsável pela demissão de
150 pessoas que possuíam fraco
desempenho durante o período em que
esteve à frente da presidência da
Radiobrás, no primeiro governo Lula.
“Não fechei postos de trabalho. O
sindicato instigou uma onda de
processos muito vigorosa. E eu
perguntava para o sindicato: vocês
defendem as pessoas ou os postos de
trabalho? Porque as pessoas que vão
entrar aqui também serão filiadas ao
sindicato. Vocês são um sindicato das
pessoas com alguns nomes e
sobrenomes ou um sindicato da
categoria? Essas pessoas não
trabalham, ou estão inadequadas. É
uma situação complicada. A gente
demitia, mas contratava outras
mediante concurso. Por isso
aumentamos muito a quantidade do
pessoal concursado”, relembra.
Foi em um churrasco no Instituto de
Cidadania, ao lado do Museu
Ipiranga, em São Paulo, que dia 19 de
dezembro de 2002, Eugênio Bucci
aceitou o convite do então presidente
Luis Inácio Lula da Silva para assumir
o comando da Radiobrás. Dias antes,
Luis Gushiken havia feito o primeiro
contato para convidar Bucci a se
mudar para Brasília, onde atuou por
quatro anos. “Lembro que o Lula
chegou e o Eugênio estava com um
frango na mão. Ah! E também estava
junto o Carlos Tibúrcio, um dos
assessores de Lula. Então Tibúrcio
falou: 'você lembra do Rodrigo, Lula?
O Rodrigo fez um trabalho de internet
par a gente e quem o trouxe para cá foi
o Eugênio'. Lembro que Lula
respondeu: 'tá vendo, deve saber que
Geninho será meu presidente na
Radiobrás '”, recorda Rodrigo
Savazoni, ex-aluno de Eugênio na
Faculdade Cásper Líbero (lá Bucci foi
professor em 2001). Revivendo a
cena, Rodrigo fez questão de deixar
claro que testemunhou o convite.
“Quando fui para Brasília em 2003,
queria fazer jornalismo independente
numa empresa pública e por isso
surgiram tantos atritos, mas já
acreditava na possibilidade de
independência editorial e hoje ela é
fundamental para o Brasil”, conta
Bucci e acrescenta que, em sua
perspectiva, foi em defesa da
liberdade que ele se engajou nessas
lutas e organizações. Talvez se não
fosse censurado em Orlândia não
travaria duelo com aquelas questões
que seriam as que hoje norteiam seu
discurso ideológico: a verdade, a
liberdade e o direito à informação.
Bucci acredita que ele e sua geração
tiveram muita sorte porque não
perderam ninguém para a repressão,
mas a geração de cinco anos antes
havia perdido vários dos seus na luta
armada.
Mui tas pessoas do governo
apostavam que Bucci faria um
jornalismo de oposição, o que foi uma
dificuldade. “Essa não era minha
intenção, por isso houve muito atrito,
muita incompreensão parte a parte.
Mas eu também posso ter sido
bastante teimoso”, confessa pensativo
enquanto coloca uma mão sobre a
outra apoiada na mesa do escritório. A
bandeira do jornalismo independente,
de autonomia e de uma abordagem
mais crítica dentro de uma empresa
pública não fora bem absorvida no
primeiro momento.
Celso Nucci Filho, que conheceu
Eugênio durante sua passagem pela
editora Abril, se identificou com
Bucci por ter os mesmo ideais. Ambos
fizeram parte do Conselho de Ética do
grupo Abril, fato que contribuiu para a
aproximação dos dois. Nucci também
estava presente em Brasília na época
da Radiobrás, porém em outro cargo.
“Entrar no governo Lula no momento
de sua subida fez com que fossemos
tomados de esperança”, conta sentado
na poltrona de sua casa, no bairro dos
Jardins, enquanto sua gata passeia de
um lado para o outro e senta em frente
aos seus pés. No momento em que
Eugênio Bucci sentiu que o governo
havia optado por uma comunicação
não transparente, foi decepcionante.
Então caíram em si e perceberam que
teriam que enfrentar uma forte
batalha. “Para o PT, a comunicação
sempre foi uma maneira de chegar ao
público para promover sua imagem”,
diz Nucci.
Para o ex-aluno Rodrigo Savazoni, a
Bucci revela os altos e baixos de presidir uma estatal
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situação era mais complicada porque
a luta era com algo aquém do governo.
“Na verdade a briga maior não era
com o governo, e sim com o legado”,
diz. “Eram 30 anos de história de uma
empresa que em janeiro de 2003 as
pessoas perguntavam se podiam fazer
perguntas. Era uma questão comum
entre os repórteres”, ressalta
Savazoni.
Sobre seu tempo de Radiobrás Celso
Nucci Filho conta: “Lembro-me bem.
Dia 30 de junho de 2003 Bucci pediu
para que eu fosse lá com ele. Havia
convocado toda a imprensa para
participar de um seminário no qual fui
somente ouvinte. Formalmente eu era
assessor do presidente”. Na época a
Radiobrás era formada pela Agência
Brasil, algumas emissoras de rádio e
de televisão. “Após o término do
seminário, conversamos. Bucci falou
que só tínhamos um tema para isso: o
foco no cidadão. Porque atingimos a
essência do serviço público; e eu pude
aprender pessoalmente”, detalha. Para
Nucci, a passagem de Eugênio pela
estatal foi uma pequena evolução.
“Ele tem uma condição de serenidade
para lidar com essa coisa política.
Falei para ele que eu não teria
aguentado uma semana em seu lugar.
Ouvi conversas assim: 'mas ministro,
o senhor está usando esse tom de voz
comigo por quê?' Eu nem sei o que
teria respondido para o ministro”,
confessa em tom de admiração e
exaltação aos “feitos” do ex-
presidente da Radiobrás.
O lado político de Eugênio sempre
prevaleceu, independente da situação.
“Ele às vezes explode e perde a
paciência. Isso pude acompanhar lá na
editora Abril. Bucci tem um jeitão de
Orlândia, né? Mas é uma pessoa bem
educada e controlada. Agora lá no
governo, na Radiobrás, Eugênio usou
demais esse lado político que ele tem”,
revela Cacalo Kfouri, que conheceu
Bucci também na editora Abril e
posteriormente migrou com ele para a
Agência Brasil, onde atua como
revisor até hoje. Enquanto conta as
histórias que viveu com Eugênio,
Cacalo por vezes interrompia sua
linha de raciocínio para fazer elogios
ao amigo, com quem havia saído para
tomar uma cerveja alguns dias antes.
“Ele pediu para eu caprichar porque
vo c ê s t a m b é m o u v i r i a m o s
'inimigos'”, falou em tom de
brincadeira.
Segundo o sogro Dalmo Dallari,
Eugênio Bucci teve dificuldades em
Brasília por defender suas posições
com firmeza. “Ele sofreu porque, para
ele, deve estar implícita a ideia de que
o jornalismo seja ético, independente,
imparcial e que respeite a verdade”. Às vezes, por defender suas ideias a
fundo, chega a não aceitar que talvez
não seja a melhor opção. “Eugênio
tem posições muito firmes e discute
com si próprio sobre a posições que
adotará . Também tem mui ta
dificuldade em admitir que alguma de
suas opiniões não seja a melhor, a mais
verdadeira”, diz Dallari, cauteloso
para não deixar o genro em 'maus
lençóis'.
Nelson Hoineff, que conviveu com
Bucci durante sua passagem pelo
Jornal do Brasil e continuou
acompanhando sua carreira de longe,
acredita que ter uma cabeça como a de
Eugênio Bucci em um sistema estatal
é um privilégio. “Eu notei a
preocupação dele em buscar a isenção.
E isso não era sempre possível”, conta
durante um telefonema pela manhã,
direto de seu escritório, no Rio de
Janeiro.
“Eu tenho a impressão de que ele viu
no PT uma forma ou um caminho de
trabalhar pela justiça social. Acho que
esse foi o fator determinante de
aproximação dele com o PT”, teoriza
Dallari sobre a ligação política de
Eugênio Bucci. Para ele, o genro
acreditava que o PT seria um
instrumento de defesa da pessoa
humana e da dignidade; mas também
de promoção da justiça social. Esse
ideal vem de sua formação trotskista.
Ainda segundo Dallari, Bucci hoje é
anti-petista por conta de decepções
acumuladas ao decorrer dos anos, por
isso exagera nas críticas ao Partido dos
Trabalhadores.
Ao entrar para a estatal Eugênio Bucci
talvez nutrisse a perspectiva de que
poderia mudar muita coisa lá dentro,
mas que seria difícil. Sabia que
algumas pessoas não facilitariam os
caminhos, como Bernardo Kucinski e
Luis Gushiken. “Ele assumiu sabendo
que ia pegar uma pedreira, porque os
grandes inimigos do Eugênio já
estavam lá dentro como é esse
Bernardo Kucinski, que ele já
conhecia desde a época da USP”,
relata Cacalo bastante agitado
enquanto sua esposa traz um café.
Rodrigo Savazoni enfatiza que a
polêmica entre Bucci e Bernardo
Kucisnki se deve ao fato de que, este
último almejava o cargo que Eugênio
ocupou na Radiobrás. “O Bernardo
queria ser o presidente, o que não
aconteceu. O Bucci foi, e ai ficou uma
história mal resolvida porque o
Bernardo queria palpitar”, revela com
convicção. Essa relação de amor e
ódio veio de muitos anos de convívio
dentro do PT, por conta da diferença
de posições. Para o ex-aluno de
Eugênio, Kucinski sempre foi uma
pessoa de difícil convívio por ter como
característica ser “ranzinza”. Mas, ao
m e s m o t e m p o , u m a p e s s o a
extremamente inteligente e sagaz. “Os
dois eram muito rígidos e todos
estavam muito certos, com aquela
convicção de 'eu sei o que tenho que
fazer'. Parecia o período dos
bolcheviques se confrontando. O
detalhe é que um era trotskista e o
outro não”.
Sobre essa acusação, Bucci diz ser
possível que Bernardo almejasse tal
posição, mas que suas críticas sobre a
gestão da Radiobrás não aconteceram
de maneira leviana. “Olha, eu acho
que o Kucinski podia querer o cargo. É
legítimo, mas eu duvido que ele tenha
feito crítica por isso. Sabe, acho que
ele divergiu. Isso não tem nada a ver
com ele querer ser presidente. Porque
ele não foi escolhido para ser
presidente, mas a meu convite fez
parte do conselho, estava lá sempre.
Depois começou a brigar com a gente,
mas estava lá todo mês nas reuniões”.
Para esclarecer essa relação e as
acusações Bernardo Kucinski foi
procurado pela reportagem, mas
negou conceder entrevista e decidiu
enviar um artigo que havia publicado
na revista Teoria & Debate, em abril
de 2008, como forma de resposta. Em
texto intitulado Reflexões sobre o
jornalismo em tempos de Lula,
Kucinski afirma que houve um
complô da chamada grande mídia
contra o presidente Lula, liderada pela
Rede Globo que foi seguida pela
revista Veja, que entre 2003 e 2006
publicou 50 capas contra o governo,
sendo 18 consecutivas. Para ele, a
política de comunicação do primeiro
mandato Lula foi “equivocada, pois
não havia um comando único entre
Secom (Secretaria de Comunicação),
Gabinete Porta Voz, a Assessoria de
Imprensa e dos Ministérios da
Comunicação e Cultura, ao contrário
do que acontece no grupo de Roberto
Marinho, liderado por Ali Kamel”.
Ao ser questionado sobre os
comentários de Kucinski, Bucci
respira fundo e demonstra mais
cautela nas respostas. Seu semblante
agora é de seriedade. Ajeita-se em sua
cadeira com as mãos sobre a mesa,
frente ao notebook e ao celular. “Eu
concordo que era preciso unificar a
política de comunicação do governo
federal, o que depois foi feito com
Franklin Martins. Agora eu não
concordo que houve um complô da
Segundo seus amigos, o sotaque de Orlândia é sua marca registrada
10
ministrar aulas na faculdade. “Eu
vivia preocupado com a ética, eu
sentia que era preciso ter um padrão
mínimo de consciência de que o
comercial não pode interferir no
editorial. Essa que é a grande
conscientização. Uma vez no curso
Abril o Celso Nucci Filho me pediu
para fazer uma palestra sobre esse
tema. Acabou ficando com uma
estrutura grande. Depois o Ricardo
Setti foi convidado para pensar em um
projeto de livro sobre ética pela Cia
das Letras, e ele falou: 'Olha, não
tenho condição de escrever esse livro,
mas o Eugênio talvez possa'. E me
indicou. E eu aproveitei aquela
palestra, aquele roteiro, e desenvolvi o
livro. Escrevi e foi assim que nasceu.
Ali eu comecei a sistematizar melhor.
E depois disso me convidaram para
dar aula de ética na Cásper Líbero”,
lembra o professor com ar de quem se
sente satisfeito com a conquista.
Eugênio Bucci leciona na graduação
em Jornalismo da ECA as disciplinas
de Ética – uma de suas principais
discussões – e Jornalismo Digital. É
também professor da pós-graduação
na mesma instituição com a disciplina
Fabricação de Valor no Imaginário:
uma Crítica a Comunicação. Além
disso, também dirige um curso na
E S P M ( E s c o l a S u p e r i o r d e
Propaganda e Marketing) em parceria
com o IAEL (Instituto de Altos
Estudos em Jornalismo), financiado
por Roberto Civita. Intitulado Pós em
jornalismo com ênfase em direção
editorial, o curso é direcionado à
jornalistas que almejam lançar novos
produtos no mercado. “Eugênio é um
dos poucos profiss ionais de
jornalismo e da educação com
potencial equivalente em ambas as
áreas (Jornalismo e Educação).
Assim, é um dos poucos, também, que
poderia ser capaz de montar um curso
de tal qualidade, com o grupo de
professores que conseguiu convidar.
Não foi fácil, tenho certeza. Este curso
é dá maior importância, assim como
os próximos que serão lançados na
área de Pós Graduação dirigida pelo
Eugênio”, revela José Roberto
Whitaker Penteado, diretor da ESPM.
“O Roberto Civita queria criar um
curso de Jornalismo em nível de pós-
graduação, e eu também. Um dos
problemas graves da nossa imprensa é
que nós, jornalistas, temos uma
formação precária, que deixa a
desejar. E esse curso tentou suprir uma
das áreas. Um profissional dessa área
precisa estudar a vida inteira e estudar
formalmente, não é o auto-didatismo.
A razão desse curso é melhorar a
imprensa no Brasil através de uma
ação que contribua para melhorar a
formação de pessoas que ocupam
postos chaves na imprensa brasileira.
O jornalismo exerce uma função
organizadora do debate público, e
precisa dominar um repertório que
esteja a altura disso. Nunca foi tão
fascinante ser jornalista! E nunca foi
tão desafiador atuar na formação de
jornalistas num país como o Brasil. O
momento é excepcional”, conta Bucci
animado e agitado por falar em um
assunto que demonstra grande paixão.
Para Hamilton dos Santos, que
conheceu Bucci na Superinteressante,
“a redação passou a ser um local onde
se está produzindo um negócio, e isso
deixou de ser um pecado”. “Acho que
o Eugênio tem uma contribuição
importante para isso também. Agora
mesmo, o fato de ele estar responsável
por um curso de especialização em
Jornalismo com ênfase em Direção de
Redação é um reflexo. O que é ênfase
em Direção de Redação? É você
formar um jornalista para gerir uma
redação. O que significa ter meios e
técnicas de gestão de pessoas, de
projetos, de processos, de clima. Isso é
muito importante. Imagine que nos
anos 70 não havia redação se
importando com clima”, diz enquanto
'gerencia' sua mesa.
Como docente, Eugênio Bucci diz que
almeja transmitir liberdade a seus
alunos, a mensagem autônoma de
lutarem em prol daquilo que
acreditam. “O papel do professor é
colocar o aluno em contato com algo
que é maior do que ele mesmo,
professor. O professor é como um
conduite que está a serviço do futuro
desse estudante e não a serviço do
aluno ou de seu pai. Cada um tem uma
vocação, um estilo, um destino. E o
papel do professor é ajudá-lo a realizar
isso! O projeto ele carrega, não sou eu
que jogo o projeto nele”, explica ao
mesmo tempo em que enfatiza o
quanto é apaixonado pela profissão. E
continua a divagar sobre seu papel na
educação de novos jornalistas. “Não
formo o aluno para ser jornalista de
esquerda ou de direita, eu formo
alunos para que façam o jornalismo
que acreditam e que talvez escape a
minha capacidade de classificação. É
isso que procuro passar para eles.
Estude com disciplina, o máximo que
você puder. Faça o melhor que puder,
mas não traia a si mesmo nesse
sentido. Essa é a clareza que tenho. É
um privilégio ser professor, por menos
que seja prestigiado. Eu pagaria para
fazer isso”.
Em relação ao dinheiro, o professor
da USP se diz bastante satisfeito com
o que ganha atualmente. “Na Abril,
por exemplo, tinha alguns benefícios
que hoje não tenho. Mas com o salário
talvez esteja num tempo melhor,
porque tenho alguns trabalhos que
faço e pagam dignamente. Quando
fiquei em Brasília, meu salário líquido
como presidente da Radiobrás era
muito menor daquele que eu ganhava
Reencontro do grupo GEMA em 1998 na casa de Carlucho em Orlândia
11
na Abril. E o engraçado é que não me
fazia falta, eu me sentia completo no
que estava fazendo. Então a primeira
coisa que eu fiz quando saí de lá foi
comprar um carro novo. Adoro carros!
Mas acho que a gente não pode
exagerar, o limite é sempre subjetivo,
mas passou de um certo nível acho
meio obsceno. Graças a Deus posso
hoje me dedicar a pensar e estudar.
Nunca tive uma condição tão boa, tão
favorável”.
Carlucho reitera que a ideologia do
amigo sempre esteve acima da questão
financeira. “Lembro que quando ele
saiu da Abril teve um episódio
interessante. Na época ele era diretor,
daí perguntei: 'Você vai sair de lá? Mas
imagina, diretor, um baita salário'. E
ele: 'Mas quem te falou que eu estou
atrás de salário? Não estou atrás de
salário, estou feliz aqui, agora estou
dando aula aqui na Cásper Líbero e
está bom demais'. Ele trocou um
negócio de alto executivo, não sei
quanto ele ganhava, 30 mil, 40 mil, sei
lá, para 3 mil, 4 mil como professor”.
Vitor Blotta, ex-aluno de Bucci na
ECA, foi convidado pelo ex-professor
a expor seus conhecimentos em uma
de suas aulas de pós-graduação. O
tema era Habermas, filósofo alemão e
especialidade de Vitor, que baseou seu
mestrado nas informações que
adquiriu durante o curso. Na
disciplina em que a lotação máxima é
de 20 alunos, cerca de 30 ocupam a
sala da USP e sem nem piscarem
ouviam atentamente a introdução que
o professor deu ao tema. Em seguida,
passou a palavra ao aluno e pouco o
interrompeu em uma aula que mais
escutou do que falou. “Nosso convívio
durante o curso sempre foi muito
proveitoso, pois apesar do formato
expositivo da maioria das aulas, o
professor nunca deixou de dar espaço
para perguntas e comentários. Como
profissional, vejo a curiosidade, a
criatividade, a busca constante por
atualização, uma capacidade notável
de relacionar teoria com a prática e
uma grande facilidade de simplificar
ideias complexas sem retirar-lhes a
riqueza. Como pessoa, o professor
Eugênio é muito receptivo e acessível,
disposto a ouvir e dialogar. Isso é
essencial para quem procura difundir
ideias e convencer as pessoas de sua
validade”, relata Vitor sobre a relação
aluno e professor.
Porém, a trajetória para chegar ao
cargo almejado e na instituição
sonhada foi intensa e com algumas
derrotas. A primeira vez que tentou
ingressar na carreira de docente foi em
2002, mas não foi aprovado na banca
formada por Arbex, Kardec e José
12
Eugenio, Carlucho, Jovito ensaiam em um bar antes do show
Faro, que alegou ser uma indiscrição
dizer como chegaram a tal conclusão.
“Eugênio Bucci obteve nota inferior
ao candidato aprovado por decisão de
uma banca julgadora. Mas de
qualquer forma, o resultado que Bucci
obteve na época apresentava uma
diferença de pontos absolutamente
insignificante comparativamente ao
do outro professor, fato que atesta não
se tratar de um demérito como a
palavra "reprovação" pode dar a
entender”, esclarece.
O professor Milanesi, grande
inspiração para Bucci, acompanhou a
caminhada de perto e foi um dos
responsáveis pela realização do desejo
de seu aluno prodígio, pois era diretor
da ECA quando Eugênio prestou pela
segunda vez. “Da primeira vez que ele
não passou, não significou que não
merecesse. As coisas são muito mais
complicadas do que se imagina! É um
assunto bastante incômodo, porque
imaginar que aqui trabalhamos
puramente com mérito, não dá certo.
Quando ele não passou ficou muito
mal e é claro que nos espantamos,
porque eu tinha a mais absoluta
certeza de que ia passar. O Eugênio
ficou traumatizado. Quando fui
diretor abriu um novo concurso que eu
acompanhei passo a passo. É
importante entender que a banca tem
três professores, que com um
determinado perfil escolhe um
candidato. Com outro perfil, o
escolhido será outro. Então o que
aconteceu com o Eugênio foi
exatamente isso. Passei a acompanhar
para ver se escolheriam uma banca
acima dessa contingência e grupos da
universidade. Então dessa segunda
vez ele passou, chorou, ficou bastante
comovido”, detalha.
Aliás, a todo o momento, Milanesi
lembrava o quanto foi importante na
vida de Bucci. Tanto pessoal como
profissional. Ele também foi
responsável por indicar Eugênio
Bucci ao emprego que transformaria
sua carreira: repórter de Veja,
publicação da Editora Abril. “Na
época o Mário Sergio Conti era uma
pessoa ascendente na (Editora) Abril.
Ele me ligou e disse: 'me mande
alguém brilhante'. E eu não tive
dúvida. O Eugênio foi lá e em pouco
tempo estava no topo, pois se tornou
secretário editorial da (Editora)
Abril”, relembra do momento com
grande admiração e sensação de dever
cumprido.
Durante sua trajetória no grupo Abril,
Eugênio teve diversas idas e vindas e
passagens por vários títulos, como
Playboy, Quatro Rodas, Veja,
SuperInteressante, entre outros. Para
Eugênio Bucci, a empresa dos Civita
foi sua grande escola de jornalismo,
principalmente no que se refere ao
quesito 'ética'. “Mesmo antes de Bucci
entrar na Editora Abril já conhecia sua
postura quanto à ética, pelo que ouvi
falar dele. Sabia que deixara o último
veículo (a revista Set) porque
considerou uma atitude da diretoria
anti-ética. A partir disso soube que era
alguém realmente comprometido com
essa prática. Essa era uma questão
fundamental para nós (Eugênio, Celso
Nucci Filho e Thomaz Souto Correa).
Para mim, ética é quase sinônimo de
qualidade jornalística. Ele foi um dos
primeiros a abordar o tema no curso
Abril. Eu até falava um pouquinho no
início, mas depois o deixei tocar”,
resgata Nucci, que durante anos foi
companheiro de Bucci na empresa.
Junto a Thomaz Souto Correa,
atualmente vice-presidente editorial,
Celso e Eugênio criaram o código de
ética da Editora, em vigência até hoje.
A atitude da direção da revista Set
considerada por Bucci anti-ética
refere-se a um veto, mais um que
enfrentaria, mas agora, como
jornalista formado. Por ter sido uma
publicação especializada em cinema,
o departamento comercial impediu a
publicação da crítica a um filme de
responsabilidade da produtora
anunciante. “Eugênio sempre
manteve uma opinião firme entre
jornalismo versus comercial. Não
cedia porque a ética tinha que
prevalecer”, confirma Michel Spitale,
diretor de arte da revista Set à época do
acontecimento.
Na própria Editora Abril, em uma
tarde bas tante movimentada ,
Hamilton dos Santos, que em 1996 foi
colega de trabalho de Bucci na
Superinteressante, agora supervisiona
o setor de Recursos Humanos da
editora. Em meio a muita correria,
separa um tempo para falar sobre os
anos que esteve com o professor de
jornalismo da ECA. “Acho que uma
das posições mais interessantes de
Bucci é mostrar para o jornalista que a
educação, o conhecimento ou a
necessidade de se formar não termina
no fato de ter 'talento' para escrever.
No passado, uma redação era um
terreno, um ambiente muito mais
voltado à parte de criação do que de
gestão. Gerir uma redação, ou um
projeto editorial, e as faculdades
acabam refletindo muito nisso, era
pelo talento, pelo esforço individual,
p e l o a u t o r a l . I s s o m u d o u
d r a s t i c a m e n t e . A s r e v i s t a s
contribuíram muito para isso e o
Eugênio foi um dos caras que mais
trabalhou aqui. Por exemplo, uma das
coisas que eu me lembro que ele
trabalhou bastante foi em desenhar um
fluxo da redação mais racional,
transformar o processo numa coisa
mais amigável para o jornalista e sua
carreira”, relata Hamilton.
E m b u s c a d e a r g u m e n t o s
convincentes sobre essa 'grande
escola de jornalismo', principalmente
no que se refere aos princípios éticos,
tão defendidos por Eugênio Bucci -
vale ressaltar -, a reportagem
apresentou-lhe algumas capas da
revista Veja no último encontro que
aconteceu no seu escritório, em
outubro. Submetidas à apreciação do
professor da ECA, a reportagem o
questionou sobre a intenção e postura
da revista. A primeira capa posta em
xeque foi a da edição 1835, publicada
em 7 de janeiro de 2004. Em
exposição estava uma jovem mulher
de pele bronzeada, cabelos longos e
escovados, maquiagem feita, ou seja,
sua imagem condizia ao padrão de
beleza estabelecido pelo mercado de
consumo dos produtos estéticos. Esta
mesma moça da capa segura em uma
das mãos uma foto de si mesma, com
um aspecto mais rechonchudo,
sobrancelhas mais grossas e sem
produção cosmética. A manchete
trazia a seguinte frase: “Beleza para
todos”, seguida do subtítulo “O antes e
depois de Bárbara Reiter, 36 anos,
gaúcha, que é um exemplo da nova
ordem estética silicone, lipo e Botox
em doze prestações”. Intrigado,
Eugênio apanha a capa, enruga as
sobrancelhas enquanto lê e observa a
foto. Diz calmamente: “Acho que não
tem problema ético nessa capa, nessa
matéria. Mas preciso explicar que
acho que até aqui estamos falando de
jogo claro com o leitor. Ele não é uma
criança de cinco anos de idade e nem é
um carneirinho. Se estivéssemos
falando de uma imprensa que fala
'pare de comer arroz e feijão', e no dia
seguinte todo mundo parasse de
comer arroz e feijão porque as pessoas
tem discernimento, aí seria uma coisa.
Mas aqui o jogo é claro. O leitor pode
falar 'se a revista acha que esse é o
padrão de beleza, eu não quero mais
comprar essa revista', e ele pode muito
bem parar de compra-la. E pára! A
pergunta é: 'Isso é uma tapeação para o
leitor? Alguém está mentindo para
ele?' Ai seria complicado, se está
havendo um ataque ao direito à
13
informação. Mas se é alguma coisa
que nosso senso crítico pode avaliar e
pode ju lgar com autonomia,
realmente acho que não é aí que está o
problema”.
A segunda capa exposta, também foi
da revista Veja, edição 1969,
publicada em 16 de agosto de 2006.
Uma moça negra de cabelos presos em
um rabo de cavalo segurava um título
de eleitor. A manchete era a seguinte:
“Ela pode decidir a eleição”, com o
subtítulo “nordestina, 27 anos,
educação média, 450 reais por mês,
Gilmara Cerqueira retrata o eleitor
que será o fiel da balança em outubro”.
Mais uma vez, apanha a capa
calmamente e avalia o conteúdo. Após
longos segundos, levanta os olhos
aparentemente perdido. Parecia tentar
entender aonde estava o erro na
matéria. Questionado se a verdadeira
mensagem não estaria em dizer que a
classe média-baixa é a que votaria no
PT e por isso, talvez, esse fosse o
partido vencedor, Bucci quase começa
a gargalhar e depois de um longo
tempo acrescenta: “Imagina! De jeito
nenhum! É claro que não! Eu entendo
que é a representação de um segmento
da população que é majoritário ou está
indeciso; e são pessoas que nem ela,
sua faixa de renda e escolaridade que
vão definir a eleição. Às vezes a gente
enxerga armações além das que
existem. Vou dizer duas coisas: um –
elas são mais humanitárias. Dois –
elas quase nunca funcionam”,
justifica perplexo.
Na penúltima, optou-se por apresentar
a edição 2233 publicada em 7 de
setembro de 2011. Na capa, uma
enorme seringa apontada para cima e
duas versões de uma mesma moça
com vestido azul, colado ao corpo e
sapatos pretos de salto. Na primeira
versão a moça está com sobrepeso, ou
seja, rejeitado pelos padrões de
beleza. Ao seu lado, a mesma moça
agora aparece em versão bem mais
light, esbelta, bem mais bonita e
aparentemente mais feliz. Ambas as
imagens apoiavam-se na seringa que
tinha a altura um pouco maior que a
delas. A matéria mostrava um remédio
milagroso que auxilia na perda de
peso. Porém, sua verdadeira função é
para ajudar o metabolismo do
diabético. Ao examinar, Eugênio diz:
“Ah, sim! Aqui sim podemos ter um
problema ético. Aqui se corre um risco
grave, pois o leitor pode olhar para
isso e dizer 'é propaganda!'. Ele pode
achar que o laboratório comprou a
revista e que estão querendo agradar o
laboratório. Isso é cicuta (uma espécie
de veneno)!”, revela
Para finalizar, foi colocado à mesa a
capa da revista Playboy, edição 433 de
aniversário com Adriane Galisteu,
publicada em agosto de 2011. Em uma
das chamadas, lia-se: “Entrevista
Sandy 'É possível ter prazer anal'”. Ao
ver a revista, Eugênio Bucci reagiu
com pasmar perguntando: “Mas qual é
o problema com sexo anal?”.
Esclarecida a questão de que o
problema não era o sexo anal, mas sim
a frase fora de contexto, uma vez que
na íntegra percebe-se que a
entrevistada foi induzida a falar sobre
o assunto, mas de maneira geral, não
de maneira pessoal. Porém, o corte
dessa exata frase remete a uma
conotação de vida particular.
É questionado:
- Mas isso não fica fora de contexto?
Não temos um problema ético de
manipulação?
Responde prontamente:
- Claro que não! Ela disse aquilo
mesmo e não está fora de contexto
não! – Defende de maneira convicta.
Frequentemente, Eugênio participa de
programas de televisão como o
Ob s e r va t ó r i o d a I m p r e n s a ,
transmitido pela TV Brasil, para
debater 'ética', assunto que em sua
visão tem total relevância. Segundo
ele, a base ética para o jornalismo
consiste em liberdade e verdade. “O
primeiro dever do jornalista é a
liberdade e a base é não mentir. Só que
esse não mentir significa procurar
comunicar o que de fato se passa com
base nas habilidades comuns de uma
pessoa normal, e não levar o outro a
pensar algo que sei que não é
verdadeiro. Eu posso cometer um
engano, mas é fundamental que eu
acredite que não seja engano. Acho
que nesse sentido a intenção do
jornalista é fundamental. Então, eu
diria que o primeiro dever do
jornalista é a liberdade, porque a
sociedade tem esse direito”, defende.
Para o professor Muniz Sodré, da
e s c o l a d e c o m u n i c a ç ã o d a
Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), “as discussões de
B u c c i s ã o i m p o r t a n t e s
academicamente porque ajudam a
definir o que é jornalismo”. Porém, no
dia a dia dos profissionais essa
discussão fica em segundo plano, pois
é considerada quase uma utopia,
aponta Sodré.
Endossando o time de acadêmicos que
acreditam na relevância do trabalho
exercido por Eugênio, está Adilson
Citelle, mestre em letras e professor de
Comunicação e Artes da USP. Em seu
entendimento, o ponto fundamental
do trabalho de Bucci está em não
comprometer a qual idade da
informação. “Ele está muito
preocupado com a qualidade, a
veracidade e a procedência da
informação. A preocupação central
dele é sempre essa, da relação
jornalismo, circulação da informação
e qualidade pública dessa informação.
Essa triangulação é o que você
encontra basicamente em suas obras e
que vão se desdobrando em outros
temas ou em questões emergenciais.
Por isso, seus livros são adotados em
cursos superiores, em pós- graduação
e func ionam como ma te r i a l
bibliográfico para ingresso em
concursos. Essas obras são relevantes
porque problematizam o dia-a-dia do
profissional que trabalha com
comunicação. Inclusive essas mídias
mais recentes, como as digitais.
Cremilda Medina, também escritora
sobre a ética na imprensa e professora
da ECA (USP), compreende a
importância das discussões que
Eugênio aborda em seus livros. Desde
1979 a professora aborda a questão
ética e a responsabilidade social do
jornalista. “Eu encontro essa
afinidade com o trabalho prático e
teórico do Eugênio. Eu o valorizo
muito porque o Eugênio produz um
enraizamento da bibliografia nacional
nos desafios da nossa sociedade do
hemisfério sul, assim não ficamos na
dependência exclusiva de autores e
obras do hemisfério norte”, afirma.
Tanto admira sua obra que chegou a
convidá-lo para um seminário
organizado por ela em março de 2010.
Posteriormente, o livro “Liberdade de
Expressão, Direito à Informação nas
Sociedades Latino-americanas” foi
lançado com o conteúdo do seminário
na íntegra. Nesse encontro, além de
Cremilda e Eugênio, Demétrio
Magnoli e Alberto Dines também
estavam presentes. Dines, aliás, é o
grande inspirador de Bucci. “Acho
que o Alberto Dines é a grande
influência para despertar minha
vocação. Eu me lembro de sempre
acompanhar sua coluna chamada O
jornal dos Jornais, muito importante
para mim”, destaca Eugênio Bucci
agitado por falar de seus 'ídolos'. Além
de Dines, Joelmir Betting e Tarso de
Castro também foram nomes que
influenciaram sua formação.
Para o sogro Dalmo Dallari, Eugenio
não é o tipo do intelectual que se perde
no plano abstrato ou no plano da
teoria. Ele conhece teorias políticas,
jurídicas e naturalmente, as teorias do
jornalismo. Mas ele não é o teórico
abstrato, desligado da realidade. Essa
é uma característica de seus escritos.
Com esse pensamento, Luis Milanesi
faz um complemento. “O Eugênio não
é só uma pessoa de ideias, ele também
as coloca de uma maneira agradável,
única. Ao contrário de grande parte de
cientistas sociais da USP. Muitos são
impenetráveis. Agora dele, não existe
ideia que você não absorva”.
Sobre o fato de não ter seguido a
carreira jurídica, Dalmo Dallari é
categórico. “Eugênio não é um
advogado frustrado, de maneira
alguma. Ele reconhece que é muito
útil o conhecimento jurídico e não
t enho dúv ida de que e l e é
essencialmente jornalista. Ele seguiu
o jornalismo por opção, essa foi sua
escolha”. E reforça que Bucci não é
um sonhador, mas que simplesmente
acredita que o seu bom trabalho pode
produzir bons feitos.
Ao final dos anos 80 Eugênio Bucci
teve a oportunidade de trabalhar no
jornal Folha de S.Paulo, ao lado de
André Vitor Singer, de quem se tornou
bastante próximo. Os caminhos,
quase sempre bem paralelos, os
levaram na maior parte do tempo ao
mesmo destino. “É curioso porque
fomos fazendo as coisas ao mesmo
tempo sem combinar. Como o fato de
termos ido para Brasília. Fomos e
vo l tamos jun tos ; e nem fo i
combinado. Viemos para a USP.
Estivemos juntos antes na Abril... Mas
aí é justo dizer que foi a convite
mesmo dele. Também tivemos
grandes momentos no PT. Foi bem
engraçado porque chegou uma época
em que as pessoas nos confundiam:'
Ah, você é o Eugênio... Ah não, é o
André'. Então começamos a brincar
que poderíamos passar um pelo outro
tranquilamente”, conta André ao se
r e c o r d a r d o s m o m e n t o s d e
convivência com o parceiro de
partido, enquanto olhava atentamente
ao r e lóg io de sua sa l a , na
Universidade de São Paulo, onde
coincidentemente Bucci também
leciona.
“Acho que o que ele diz, escreve e
pensa, está diretamente refletido no
que ele faz. Ele não só fala, mas vive
também o que acredita. Claro que,
sem dúvida, há uma enorme
preocupação da parte dele de tornar
coerentes os princípios que ele
evoca”, complementa André Singer,
em um dos poucos momentos que
realmente se manifesta, pois durante
toda a entrevista manteve um ar
político e neutro perante todas as
questões.
Um dos contestadores de Bucci,
Reinaldo Azevedo, foi procurado pela
reportagem para esclarecer o artigo
por ele produzido e intitulado
'Eugênio Bucci e a Mulher de César',
publicado em fevereiro de 2010 em
seu blog, no qual o critica por fazer um
14
jornalismo partidário a favor do PT.
Ele preferiu não se manifestar
enviando a seguinte mensagem: “Não
tenho nada a acrescentar sobre o
objeto de estudo de vocês”.
Porém, em sua defesa, sai o ex-aluno
Rodrigo Savazoni que, em sua forma
de entender o fato, o ex-professor não
faz concessões para obter benefícios.
“O Eugênio sempre foi um cara muito
íntegro e tem uma coisa que eu jamais
desconfio que é a sua honestidade
intelectual. Se assume uma posição, é
porque acredita nisso”, justifica.
Nicolino Spina, parceiro de Eugênio
também na época da Editora Abril, diz
que essa ética que tanto apregoa está
presente no cotidiano profissional.
“Em cada reunião com o grupo de
negócios ele deixava sempre clara a
necessidade da separação Igreja
versus Estado nas decisões ou
recomendações”.
Por onde passou, os entrevistados não
têm dúvidas: Eugênio deixou suas
marcas. Na Playboy, por exemplo,
Ricardo Castilho salienta que Bucci é
um jornalista político, de seriedade,
mas também de humor fino. “Era uma
pessoa que apesar de ter um viés
cultural era muito divertida. Aprendi
bastante com ele, que não tinha muito
aquela coisa sisuda”.
Na redação da Teoria & Debate,
revista de teor esquerdista, deixou
também algumas heranças editoriais.
Boas perguntas e curiosidade são
acertos que, segundo Rose Spina,
ainda redatora da publicação petista, o
fazem contestador. “Ele é provocador,
mas no sentido de suscitar debates.
Mexe em assuntos que são tabus.
A c h o q u e e s s a é u m a b o a
característica para defini-lo. Uma das
ousadias deixadas na revista foi
discutir o socialismo na época que a
revista foi criada. E discutir, por
exemplo, democracia em Cuba”,
explica enquanto busca em meio ao
monte de publicações a edição
mencionada. Thomaz Souto Correa
t a m b é m d e s t a c a a l g u m a s
características do lado profissional
como a curiosidade. “Você não pode
ser jornalista se não for curioso. O
Eugênio tem uma curiosidade
permanente. A revista Set e a Ação
Games eram bem feitas e bem
editadas porque havia alguém
trabalhando para entregá-las de
maneira clara. Ele é um bom
revisteiro, que sabe como organizar e
estruturar uma publicação”, completa.
Na vida pessoal, Celso Nucci Filho
revela que além de ser extremamente
dedicado às amizades, é também
bastante fiel. “É um sujeito bom de
lidar. Tem momentos de exasperação;
tem momentos que sai a flecha negra
da ira, mas imediatamente corrige
isso. É um sujeito com quem vale a
pena conviver”, afirma enquanto alisa
seu gato. Neste momento, Marília
Scalzo, sua esposa, é direta: “para
mim o que chama a atenção é o
sotaque de Orlândia. Com certeza essa
é a característica mais marcante que
faz com que Eugênio seja diferente”,
brinca entre risos. Marília também
pôde conviver com Bucci no grupo
dos Civita.
Em contrapartida, Rodrigo Savazoni
acredita que, anteriormente, Eugênio
conseguia fazer uma discussão mais
ampla sobre a mídia. “Eu não gosto
das angulações que ele escolheu para
fazer as coisas dele hoje em dia,
porque parece que segmentou demais
seu ângulo de análise, pois voltou-se
especificamente a debater os ônus
gerados por uma tentativa de controle
da mídia em relação à imprensa livre”,
comenta, exaltando o fato de que na
verdade essa é uma discussão mais
ampla, dialética e complexa.
Quanto aos defeitos, ninguém melhor
do que o próprio Eugênio para listar
tudo aquilo que o incomoda. “Eu vejo
um monte de defeitos. Para começar,
acho que muitas vezes criei situações
de impasse ou confronto, justamente
por ser impaciente. Por ser inflexível,
tem questões que acho que sou duro
demais, comigo e com as pessoas.
Também tendo a ser vaidoso com
minhas ideias, quero ser o autor das
coisas. Preciso aprender certo
desapego, porque esse também é um
dos meus defeitos. Sou daquele tipo de
cara que marcha com pé trocado e
acha que o exército inteiro está errado.
Tenho teoria e explicação sobre tudo,
muitas vezes me isolei e fique
completamente sozinho, por um
pouco de arrogância. Eu tenho uma
vinculação com minhas ideias que é
quase visceral, e às vezes escorrega
para certo fundamentalismo”,
conclui.
Do ponto de vista profissional revela
que sua trajetória está repleta de erros.
“Eu não me arrependo de nada disso.
Mas se me perguntam se o jornalista
deve ter envolvimento político eu vou
dizer que não. Não deve ter
envolvimento partidário, nem com
organização religiosa ou ONGs que
tentam interferir no debate publico.
Nada de errado com os partidos, com
as igrejas, com as ONGs, mas o
jornalismo fica melhor, ganha mais
relevância, mais credibilidade e
influencia mais quando ele toma o
cuidado de não se comprometer com
outras bandeiras. Então eu digo isso,
mas ao mesmo tempo meu passado é a
negação disso. Outro ponto são os
poemas. Se você me perguntar se isso
é bom para um jornalista, eu tenho
certeza que não é. Jornalista tem que
contar as coisas que acontecem, lida com fatos. Poesia é uma coisa de desocupados, é assim que é visto. Ou é uma coisa de vaidosos, caras que escrevem sonetos aí, para o pessoal achar bonito e tal. Outro detalhe foi na minha entrada na Abril.Quando eu cheguei lá achei que era a chance da minha vida. Mas sai depois para trabalhar com o Caio Gracco Prado. Eu não me arrependo não. Do ponto de vista de carreira foi um erro. Mas do ponto de vista de vida não foi. A minha carreira é cheia de erros. Se você quer saber uma coisa que os jornalistas não devem fazer veja as coisas que eu fiz. Por exemplo, sair da Veja depois de um ano. Nunca deveriam ter me deixado sair, deveriam ter me amarrado no pé da mesa. E trabalhar no governo, nunca deve fazer isso. Eu cometi um monte de erros”, revela em tom de advertência aos novatos na profissão.
Do interior paulista à chegada a uma grande metrópole e uma parada em Brasília, Eugênio Bucci viveu várias fases e tornou-se nome de relevância quando o assunto em questão é ética e imprensa. Apesar da passagem dos anos, Eugênio deixou Orlândia, mas Orlândia não o deixou, e esse é um de seus maiores orgulhos. Certa vez, assistindo a uma programa de TV e discorrendo sobre a obra de Mazaroppi, Bucci disse o seguinte: 'faço questão de contar que sou fã de Mazaroppi e caipira do interior. Assumo isso, afinal só moro em São Paulo porque minha profissão não permite que eu more em Orlândia. Sou caipira e pronto, gosto de ser assim e vou ser a vida inteira”, recorda Carlucho, o amigo de Orlândia, cidade o n d e s e u p a i a i n d a v ive e frequentemente volta para viajar ao passado.