Revista Piaui

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piauí _62 novembro 30 anos de jornalismo: Eugênio Bucci faz balanço da carreira Alessandra Gardezani Camila de Souza Silva Emanuella Minari Juliana Alves Milene Silva

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piauí_62novembro

30 anos de jornalismo:Eugênio Bucci faz balançoda carreira Alessandra Gardezani

Camila de Souza SilvaEmanuella Minari

Juliana AlvesMilene Silva

Page 2: Revista Piaui

SIMPLESMENTE A MELHOR

PIZZA DA REGIÃO

Page 3: Revista Piaui

"O jornalismo é conflito, e quando não há conflito

no jornalismo, um alarme deve soar. Alíás, a ética

só existe porque a comunicação social é lugar de

conflito. Onde a etiqueta cala, a ética pergunta.

"(Sobre Ética e Imprensa - pg 11)

Expediente:

Alunos:Alessandra GardezaniCamila de Souza SilvaEmanuella Minari Juliana AlvesMilene SilvaFotografia: Guilherme AlonsoIlustração: Miller GuglielmoDiagramação: Fábio da SilvaPré-orientação: Alexandre PossendoroOrientação: Cibele Maria BuoroCoordenador: Nivaldo FerrazGrande reportagem apresentada à Universidade Anhembi Morumbicomo critério parcial para obtenção do título de graduação no cursode Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. 3

EDITORIAL

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O LADO B DE BUCCI

Ao trazer a ética para o centro dos debates sobre imprensa, Eugênio Bucci ganhou reconhecimento e hoje ocupa posto de autor de referência nos cursos de jornalismo

Loca l i zada a ce rca de 400

quilômetros da capital paulista, a

pequena Orlândia, cidade do interior

de São Paulo, tem aproximadamente

246 quilômetros quadrados de área e

cerca 37 mil habitantes. Pouco

conhecido, o município foi notícia nos

anos 70 na mídia local. Mais

precisamente no dia 1 de maio de

1976, o Diário da Manhã de Ribeirão

Preto levou a conhecimento público

uma informação pouco convencional

com a seguinte manchete: “Direção de

Escola em Orlândia censura matéria

do MDB no jornal estudantil”.

Talvez não fosse grande surpresa que

houvesse represálias, afinal em meio à

ditadura militar querer publicar

músicas de Chico Buarque que

estavam sob censura era desafiador,

até mesmo para uma publicação de

pequena circulação organizada por

três jovens de 16 anos e que era

veiculada somente na Escola Técnica

Estadual Profº Alcídio de Souza

Prado. Eugênio Bucci e os amigos

Gilberto Zancopé e Adilson Nunes

“infringiam a lei” - no entendimento

da direção do colégio - utilizando o

espaço do jornal Apelo. A solução

refletiu o contexto político da época:

os exemplares foram recolhidos.

“Estávamos motivados por uma

vontade grande de participar e

promover interação entre os

e s t u d a n t e s . E r a u m t e m p o

infelizmente sombrio no Brasil, então

não era um ambiente em que as ideias

podiam fervilhar com facilidade”,

contou Eugênio Bucci, com os olhos

voltados à esquerda como quem

resgata as memórias que há tempos

não são lembradas.

A escolha pela profissão de jornalista

foi uma resposta ao ato de ter ser sido

censurado e desestimulado a produzir

textos contestadores em Orlândia.

“Fui para São Paulo estudar

jornalismo por pirraça”, revela.

Mesmo jovem, o engajamento de

Bucci com a política sempre foi algo

presente. “A segunda edição do Apelo

trazia uma entrevista com o

governador Paulo Virgilio e alguns de

seus secretários e com o prefeito Cyro

Armando Catta Preta. Por conta de

alguns fatos relatados, a edição foi

proibida de circular. Foi um

acontecimento pequeno, era um jornal

de pouquíssimos anúncios e durou só

quatro ou cinco edições. Não foi um

evento de grande proporção, mas em

nossas vidas teve um peso muito

grande”, relembrou Bucci enquanto

buscava em suas prateleiras uma pasta

preta na qual guarda a matéria sobre a

censura até hoje.

Hoje, professor da Escola de

Comunicação e Artes (ECA) da

Universidade de São Paulo (USP),

Eugênio Bucci foi o único dos três

amigos que seguiu na carreira

jornalística. Possui um currículo

recheado de obras publicadas e artigos

em jornais de circulação nacional,

como O Estado de São Paulo, no qual

é responsável por uma coluna

quinzenal. Foi também secretário

editorial da Editora Abril e presidente

da estatal Radiobrás. Adilson Nunes,

ou Jovito, optou pela carreira de

radialista e Gilberto Zancopé, o Giba,

preferiu lidar com números e se

formou em economia. “Para nós era

uma brincadeira apenas, e algumas

críticas ou colocar piadas contra a

ditadura era um modo de fazer as

pessoas rirem”, contou ao telefone

Zancopé, em meio a uma de suas

reuniões de negócios em Curitiba.

Posteriormente, o trio cresceu e

ganhou mais um integrante. Miguel

Carlos Vitaliano, vulgo Carlucho,

juntou-se a Jovito, Giba e Eugênio, e a

partir de então o quarteto tornou-se

inseparável. Conhecido e 'temido', o

grupo de jovens contestadores

chamava atenção por onde passava.

Para ganhar ainda mais força, criaram

o grupo GEMA (Gilberto, Eugênio,

Miguel e Adilson) que fazia shows

frequentemente em diversas cidades

do interior e críticas através das

composições. “O Eugênio estava

sempre na ponta liderando. Para se ter

uma ideia, tínhamos uma música

chamada 'Jampary Club'. É uma

referência ao Rotary Club. No dia do

aniversário do presidente do Rotary

fomos na casa do cara e tocamos a

música. Não fomos expulsos a tapas

por muito pouco”, resgatou na

memória Carlucho. Empolgado em

falar do amigo Eugênio Bucci,

carinhosamente apelidado de Patinho

Feio, Miguel, o único que ainda mora

em Orlândia, ria e falava com

saudades da infância ao lado de Bucci.

Carlucho e Eugênio se conheceram de

uma maneira bastante inusitada. Dona

Mary Bucci lecionava a disciplina de

português para Carlucho. Certa vez,

Dona Mary pediu para que ele levasse

seu violão, pois tinha um filho que

sabia cantar e se apresentaria para seus

alunos. O grande dia chegou e Bucci

se intimidou frente às pessoas. A

cantoria não aconteceu, mas a

amizade dura até hoje. “Tínhamos

interesses em comum. Eu já militava

no movimento estudantil e o pai dele

tinha medo, eu com 20 anos e ele com

15. Eu era como um mau elemento,

Jornalista e teórico da comunicação abre as portas de seu escritório e dispõe-se a uma auto-critica

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que levaria o filho dele para o mau

c a m i n h o , m e t i d o a l i b e r a l .

Começamos a conversar e achei bem

interessante, um menino de 15 anos ler

o que ele lia e discutir sobre as ideias

de Sócrates, A República, de Platão e

Regras para a Direção do Espírito, de

Réne Descartes”, conta Miguel com

orgulho. Seu livro de cabeceira era

Siddharta, escrito pelo alemão

Hermann Hesse, vencedor do Prêmio

Nobel de Literatura de 1946. “Nos

dias de hoje estou lendo Antônio

Callado, que escreveu um livro

chamado Quarup, que também sou

bastante fã”, conta Bucci.

Sempre ligado às artes, o grupo

GEMA foi responsável por diversas

mudanças no ramo cultural de

Orlândia. Da criação de uma escola de

samba à FOARTE - uma feira de

artesanato de Orlândia – músicas e

poemas faziam parte do cotidiano dos

rapazes. Porém, a censura também os

' p e r s eg u i a ' . A F OA RT E f o i

recriminada por levar o dramaturgo

Plínio Marcus para palestrar durante o

evento. Isso desagradou grande parte

da população, que considerava suas

peças muito libertinas para a época.

A veia artística de Eugênio aflorou

desde menino. Aos 12 anos compôs

Helena, canção que leva os seguintes

versos: “Helena, mas que pena que

você, perequetê(...)/ você pertence às

mais altas camadas sociais (...)”.

Segundo Carlucho, o senso crítico de

Bucci já se mostrava presente. Quanto

ao motivo da composição, o amigo

revela que se tratava de uma paquera.

“Com cer teza fo i para uma

paixãozinha da época. Vivíamos

fazendo isso. Pegávamos o nome das

meninas e fazíamos arte. Estava na

cara que era para alguém. Aliás, ele

era muito namorador, viu?”, disse com

voz de quem contava um grande

segredo.

“Ele era poeta, era músico, produzia

músicas de boa qualidade”, endossa

Gilberto Zancopé. Porém Giba relata

que hoje essa veia romântica já não é

mais tão presente no amigo. “Embora

ele tenha se distanciado um pouco da

música e da poesia, acredito que tenha

feito isso depois que foi para a

esquerda e ficou ateu, e nós todos

éramos cristãos. Quando nos

mudamos para São Paulo começamos

a estudar e a militar no movimento

estudantil e aderimos à esquerda, ao

marxismo e ao ateísmo; e eu acho que

isso fez mais mal para ele do que para

mim”, explica detalhadamente como

uma passagem marcante de suas

vidas.

Orlândia não comportava mais os

planos de Eugênio, Miguel e Gilberto,

que decidiram partir para São Paulo

prosseguir com os estudos. Bucci

seguiria o jornalismo, legado dos atos

repressores dos quais foi vítima nos

períodos do jornal Apelo. Prestou dois

vestibulares na USP: para Jornalismo,

ingressando em 1978, e Direito na

Faculdade São Francisco, onde

começou a estudar em 1980. “Eu não

acho que eu era bom de redação. Aliás,

nos dois vestibulares tive notas muito

ruins na redação. Eu tirei três ou

menos de três nas duas redações”,

conta Eugênio de forma muito calma.

Em São Paulo, Bucci morou primeiro

com um primo. Posteriormente se

mudou para um apartamento na rua

Fradique Coutinho, em Pinheiros, no

qual passou a dividir com Carlucho e

Zancopé. “Eu queria estudar

jornalismo, então tive que vir à USP

porque queria participar das coisas

boas que estavam acontecendo.

Quando eu cheguei na universidade,

o sentimento de medo era muito

menor que o sentimento de otimismo

que a ditadura iria cair. Estava

surgindo o PT (Par t ido dos

Tr a b a l h a d o r e s ) e e s t á va m o s

reconstruindo as entidades estudantis,

então o sentimento de confiança era

muito maior”, recorda enquanto não

perde a atenção no computador e no

celular.

Mas qual é a sensação de sair de um

munícipio tão pequeno e chegar a uma

g r a n d e m e t r ó p o l e , o n d e a

universidade é praticamente uma

cidade? “Como me senti? Bem, a

cidade universitária era maior que

Orlândia! Daí você vê”, relembra

enquanto continua se movimentando

para frente e para trás em sua poltrona

que soltava um barulho arranhado e

incômodo, mas o professor da USP

parecia nem notar. Continuava

contando, absorvido na memória. “Eu

fiquei louco quando fui ao 'bandejão',

naquele tempo eles serviam copo de

leite! Dois meses depois, estávamos

fazendo greve. Ocupação porque a

comida estava cara, mas para falar a

verdade eu não achava cara, eu achava

baratíssima! Subiu o preço em alguns

centavos, mas eu achava muito

i n t e r e s s a n t e o p r i n c í p i o d o

movimento”, continuava a contar

empolgado entremeado de risos. “Mas

o restaurante era muito bacana. Então,

fiquei encantado. Eu me apaixonei

pela cidade universitária! Achei que

tinha chegado ao mundo ideal, e até

hoje acho isso”.

Apesar da seriedade e ideais políticos,

os momentos de festa também foram

frequentes durante a faculdade. “Nós

éramos muito bagunceiros. Quando o

grupo saía para beber, o Eugênio

também bebia. Mas ele também era a

pessoa que segurava e não deixava

com que passássemos do limite. Ele

sempre foi um amparo. Mais ético,

com mais moral. É amigo e mantinha

sua retidão”, revela Carlucho.

Segundo os amigos – que vêem a

retidão e a política presentes até hoje

em Eugênio Bucci – a educação

herdada da família é seu alicerce

moral. Filho de Mary e Bruno Bucci,

cresceu em uma família cristã,

frequentadora assídua da paróquia da

cidade. “Eram muito amorosos, uma

família muito harmônica. Um

exemplo para a comunidade pela

retidão, caráter e vida familiar; e isso

sempre esteve presente no Eugênio. É

e sempre foi uma pessoa muito

querida e apoiada, voltado aos eventos

benéficos para a sociedade”, recorda

Zancopé.

Seu Bruno e dona Mary esperavam

que o filho escolhesse uma carreira

considerada mais nobre, como

medicina, direito ou engenharia. “Ele

bateu o pé e falou: 'não, eu vou fazer o

que quero: jornalismo'. Eu sei que foi

uma briga danada, sabe? Ele brincava

comigo: 'Carlucho, você vai ser

médico, vai ganhar mais dinheiro.

Escritor não ganha dinheiro, então

você vai me sustentar porque vai ficar

muito mais rico que eu'”, emenda

Miguel, que virou médico e tem um

consu l tó r io t r ad ic iona lmente

conhecido em Orlândia.

Durante sua passagem pela Escola de

Comunicação e Artes (ECA) na USP,

Bucci começou a chamar a atenção de

seus mestres. Para o professor Luis

Milanesi foi um de seus alunos mais

“brilhantes”. “Eu tive uma empatia

muito forte com o Eugênio porque me

identifiquei rapidamente. Ele tinha

algumas características muito

especiais. Sempre foi uma pessoa

muito brilhante, inteligente e culta”

conta, ao mesmo tempo em que, ao

voltar ao passado, realçava partes da

história para que a reportagem

percebesse ser ele o responsável pela

descoberta do jornalista Eugênio

Bucci.

Sobre o “brilhantismo”, Milanesi não

é o único a compartilhar desta opinião.

O sogro Dalmo Dallari, também ex-

professor de Bucci na Faculdade São

Francisco quando cursava Direito,

ressalta a liderança e a pró-atividade

política do genro. “Ele foi um

estudante muito ativo, chegou à

presidência do Centro Acadêmico XI

de Agosto e nessa condição nós

tivemos bastante contato. Foi meu

aluno e um dos mais brilhantes sem

dúvida alguma”, complementa em

uma conversa na sua casa. Segundo

Dalmo, o curso de Direito enfatiza a

relação entre ética e direito. Dalmo

Dallari sempre enxergou no aluno

Eugênio Bucci uma preocupação de

natureza ética, que foi essencial em

sua formação. “Para Eugênio a

humanidade se divide em dois grandes

grupos: um deles é o dos jornalistas e o

outro é dos 'outros'”, conta Dallari de

maneira bem à vontade, fazendo

questão de declarar sua satisfação em

ter Eugênio Bucci como genro. “Eu

tinha (e tenho) uma filha que também

estudou na Faculdade de Direito na

mesma época. Eles foram colegas e

acabaram se casando, o que me deixou

extremamente feliz”.

Sentado em sua cadeira giratória no

escritório que divide com o irmão, o

arquiteto Ângelo Bucci, Eugênio

conta, timidamente e com o olhar

desviado, como conheceu a esposa,

Maria Paula Dallari Bucci. À época,

ele cursava o quarto ano e ela, o

segundo, ambos do curso de Direito da

USP. Militantes de ideologias

diferentes - ela do PC do B e ele mais

voltado ao movimento Trotskista –

estavam constantemente travando

debates. Bucci tentava convencer

Maria Paula de suas ideias. Em

contrapartida, ela adorava que ele

tentasse convencê-la. E com o

pretexto de discutir política as

conversas ficaram cada vez mais

frequentes. “Ela é firme no que

acredita e com certeza me convenceu

muito mais do que eu a convenci. E foi

assim que começou”, relembra com

olhar tímido, mas com voz de respeito

e admiração à esposa. “Ela tem um

rosto bonito, é inteligentíssima e tem

muita fibra”, confessa.

O namoro começou em 1985 e no ano

seguinte resolveram se casar. A festa

foi cercada de amigos, no Clube

Pinheiros. O casal decidiu por fazer

um churrasco para celebrar a união.

Vinte anos depois optaram por

oficializar a relação em uma

cerimônia religiosa. “Concordávamos

que fal tava casar na Igreja .

Aproveitamos a ocasião para

reafirmar os votos de casamento. A

ideia surgiu em uma viagem à

Veneza”, resgata nas lembranças.

Eugênio tem dois filhos, Martha

Da l la r i Bucc i , e s tudan te de

arquitetura da USP, e Mario Bucci,

que segue os passos do pai: formado

em jornalismo e aluno de direito.

“Bucci é um homem de família,

bastante apegado e muito afetivo. Ele

dialoga e discute, não impõe verdades. O Mario, por exemplo, estudou

jornalismo e agora cursa direito por

pura convicção, não por imposição do

pai”, o sogro Dallari faz questão de

esclarecer.

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Os domingos são dias sagrados e

guardados para a família. Sabe aquele

típico almoço de italianos? Assim fica

a casa de Dalmo Dallari aos finais de

semana. Filhos, genros, noras e netos

enchem a residência que chega a ter 15

pessoas. Para os netos, muitas vezes os

almoços se tornam verdadeiros

seminários, pois as discussões vão

desde futebol, passando por política

até chegar às relações internacionais.

“Eugênio gosta de futebol e é são

p a u l i n o . M a s t e n h o n e t o s

corinthianos, então o que impera é

uma democracia futebolística”,

brinca.

Por vezes até a música e os dons

artísticos de Eugênio, como tocar

violão, ficam à mostra aos familiares.

Não só para os íntimos, mas grandes

jornais como a Folha de S. Paulo já

serviram de mural para a publicação

de suas artes. No dia 21 de agosto de

2011 o caderno Ilustríssima publicou

o poema intitulado Justiça, com os

seguintes versos: O que a lei/não

redime/ é o crime/com defeito// Se

bem-feito/ou bonito/o delito/talvez

rime/ com direito// Se perfeito/ora, o

crime/é a lei//. “Mas essa é uma parte

que eu não gostaria de divulgar, acho

um vexame. Jornalista não pode

escrever poema, cantar e tocar”

considera Bucci, ao ser entrevistado

em seu escritório. O lugar mistura um

pouco de estilo tradicional e moderno,

com descontração, mas de uma

organização impecável. Sobre a mesa

estão filmes, livros e revistas dos mais

variados assuntos. Daquelas rotuladas

como de ' fo focas ' à t í tu los

internacionais, todas ao lado umas das

outras, sem preconceito. Inclusive, em

suas prateleiras lotadas de livros que

tomam conta de quase duas paredes

inteiras, uma curiosidade: a Bíblia fica

quase que ao lado do Alcorão e abaixo

da 'sessão religiosa' estão as 'obras

eróticas'. Para ele, os livros possuem

energia.

Na outra parede, além dos títulos de

sua autoria - dezenas de cada um -, um

livro chama a atenção em meio ao

grande número de capas dos mais

variados tipos. Minha Luta (Mein

Kampf), de autoria de Adolph Hitler,

popularmente conhecido como 'Bíblia

Nazista', integra a coleção do

intelectual trotskista.

Próximo à janela, um quadro com uma

espécie de slogan da Teoria & Debate,

revista da qual foi criador juntamente

a outros nomes de esquerda, faz parte

da decoração. Do lado oposto,

próximo à porta, um cartaz com um

desenho e mensagens em defesa de

um Brasil livre e democrático marca

presença.

Entre os retratos que permitem aos

visi tantes conhecerem alguns

momentos especiais da vida pessoal e

profissional de Eugênio Bucci, estão

expostas fotografias com familiares,

homenagens, viagens entre outras

recordações. Junto a isso, também

espalhado pelas prateleiras repletas de

livros, um exemplar do jornal Apelo.

Uma dessas fotos tem uma essência no

mínimo curiosa. Manifestantes

seguram uma faixa com a frase: “Pela

não destruição da Radiobrás e pelo

fim das demissões. Fora Eugênio

Bucc!”. O retrato também deixa claro

quem organizava o protesto: o

Sindicato dos Jornalistas do Distrito

Federal (DF). Questionado sobre o

que significava, Bucci foi categórico.

“Ela representa uma condecoração, a

certeza de que eu estava fazendo a

coisa certa”, referindo-se ao fato de

ser o responsável pela demissão de

150 pessoas que possuíam fraco

desempenho durante o período em que

esteve à frente da presidência da

Radiobrás, no primeiro governo Lula.

“Não fechei postos de trabalho. O

sindicato instigou uma onda de

processos muito vigorosa. E eu

perguntava para o sindicato: vocês

defendem as pessoas ou os postos de

trabalho? Porque as pessoas que vão

entrar aqui também serão filiadas ao

sindicato. Vocês são um sindicato das

pessoas com alguns nomes e

sobrenomes ou um sindicato da

categoria? Essas pessoas não

trabalham, ou estão inadequadas. É

uma situação complicada. A gente

demitia, mas contratava outras

mediante concurso. Por isso

aumentamos muito a quantidade do

pessoal concursado”, relembra.

Foi em um churrasco no Instituto de

Cidadania, ao lado do Museu

Ipiranga, em São Paulo, que dia 19 de

dezembro de 2002, Eugênio Bucci

aceitou o convite do então presidente

Luis Inácio Lula da Silva para assumir

o comando da Radiobrás. Dias antes,

Luis Gushiken havia feito o primeiro

contato para convidar Bucci a se

mudar para Brasília, onde atuou por

quatro anos. “Lembro que o Lula

chegou e o Eugênio estava com um

frango na mão. Ah! E também estava

junto o Carlos Tibúrcio, um dos

assessores de Lula. Então Tibúrcio

falou: 'você lembra do Rodrigo, Lula?

O Rodrigo fez um trabalho de internet

par a gente e quem o trouxe para cá foi

o Eugênio'. Lembro que Lula

respondeu: 'tá vendo, deve saber que

Geninho será meu presidente na

Radiobrás '”, recorda Rodrigo

Savazoni, ex-aluno de Eugênio na

Faculdade Cásper Líbero (lá Bucci foi

professor em 2001). Revivendo a

cena, Rodrigo fez questão de deixar

claro que testemunhou o convite.

“Quando fui para Brasília em 2003,

queria fazer jornalismo independente

numa empresa pública e por isso

surgiram tantos atritos, mas já

acreditava na possibilidade de

independência editorial e hoje ela é

fundamental para o Brasil”, conta

Bucci e acrescenta que, em sua

perspectiva, foi em defesa da

liberdade que ele se engajou nessas

lutas e organizações. Talvez se não

fosse censurado em Orlândia não

travaria duelo com aquelas questões

que seriam as que hoje norteiam seu

discurso ideológico: a verdade, a

liberdade e o direito à informação.

Bucci acredita que ele e sua geração

tiveram muita sorte porque não

perderam ninguém para a repressão,

mas a geração de cinco anos antes

havia perdido vários dos seus na luta

armada.

Mui tas pessoas do governo

apostavam que Bucci faria um

jornalismo de oposição, o que foi uma

dificuldade. “Essa não era minha

intenção, por isso houve muito atrito,

muita incompreensão parte a parte.

Mas eu também posso ter sido

bastante teimoso”, confessa pensativo

enquanto coloca uma mão sobre a

outra apoiada na mesa do escritório. A

bandeira do jornalismo independente,

de autonomia e de uma abordagem

mais crítica dentro de uma empresa

pública não fora bem absorvida no

primeiro momento.

Celso Nucci Filho, que conheceu

Eugênio durante sua passagem pela

editora Abril, se identificou com

Bucci por ter os mesmo ideais. Ambos

fizeram parte do Conselho de Ética do

grupo Abril, fato que contribuiu para a

aproximação dos dois. Nucci também

estava presente em Brasília na época

da Radiobrás, porém em outro cargo.

“Entrar no governo Lula no momento

de sua subida fez com que fossemos

tomados de esperança”, conta sentado

na poltrona de sua casa, no bairro dos

Jardins, enquanto sua gata passeia de

um lado para o outro e senta em frente

aos seus pés. No momento em que

Eugênio Bucci sentiu que o governo

havia optado por uma comunicação

não transparente, foi decepcionante.

Então caíram em si e perceberam que

teriam que enfrentar uma forte

batalha. “Para o PT, a comunicação

sempre foi uma maneira de chegar ao

público para promover sua imagem”,

diz Nucci.

Para o ex-aluno Rodrigo Savazoni, a

Bucci revela os altos e baixos de presidir uma estatal

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situação era mais complicada porque

a luta era com algo aquém do governo.

“Na verdade a briga maior não era

com o governo, e sim com o legado”,

diz. “Eram 30 anos de história de uma

empresa que em janeiro de 2003 as

pessoas perguntavam se podiam fazer

perguntas. Era uma questão comum

entre os repórteres”, ressalta

Savazoni.

Sobre seu tempo de Radiobrás Celso

Nucci Filho conta: “Lembro-me bem.

Dia 30 de junho de 2003 Bucci pediu

para que eu fosse lá com ele. Havia

convocado toda a imprensa para

participar de um seminário no qual fui

somente ouvinte. Formalmente eu era

assessor do presidente”. Na época a

Radiobrás era formada pela Agência

Brasil, algumas emissoras de rádio e

de televisão. “Após o término do

seminário, conversamos. Bucci falou

que só tínhamos um tema para isso: o

foco no cidadão. Porque atingimos a

essência do serviço público; e eu pude

aprender pessoalmente”, detalha. Para

Nucci, a passagem de Eugênio pela

estatal foi uma pequena evolução.

“Ele tem uma condição de serenidade

para lidar com essa coisa política.

Falei para ele que eu não teria

aguentado uma semana em seu lugar.

Ouvi conversas assim: 'mas ministro,

o senhor está usando esse tom de voz

comigo por quê?' Eu nem sei o que

teria respondido para o ministro”,

confessa em tom de admiração e

exaltação aos “feitos” do ex-

presidente da Radiobrás.

O lado político de Eugênio sempre

prevaleceu, independente da situação.

“Ele às vezes explode e perde a

paciência. Isso pude acompanhar lá na

editora Abril. Bucci tem um jeitão de

Orlândia, né? Mas é uma pessoa bem

educada e controlada. Agora lá no

governo, na Radiobrás, Eugênio usou

demais esse lado político que ele tem”,

revela Cacalo Kfouri, que conheceu

Bucci também na editora Abril e

posteriormente migrou com ele para a

Agência Brasil, onde atua como

revisor até hoje. Enquanto conta as

histórias que viveu com Eugênio,

Cacalo por vezes interrompia sua

linha de raciocínio para fazer elogios

ao amigo, com quem havia saído para

tomar uma cerveja alguns dias antes.

“Ele pediu para eu caprichar porque

vo c ê s t a m b é m o u v i r i a m o s

'inimigos'”, falou em tom de

brincadeira.

Segundo o sogro Dalmo Dallari,

Eugênio Bucci teve dificuldades em

Brasília por defender suas posições

com firmeza. “Ele sofreu porque, para

ele, deve estar implícita a ideia de que

o jornalismo seja ético, independente,

imparcial e que respeite a verdade”. Às vezes, por defender suas ideias a

fundo, chega a não aceitar que talvez

não seja a melhor opção. “Eugênio

tem posições muito firmes e discute

com si próprio sobre a posições que

adotará . Também tem mui ta

dificuldade em admitir que alguma de

suas opiniões não seja a melhor, a mais

verdadeira”, diz Dallari, cauteloso

para não deixar o genro em 'maus

lençóis'.

Nelson Hoineff, que conviveu com

Bucci durante sua passagem pelo

Jornal do Brasil e continuou

acompanhando sua carreira de longe,

acredita que ter uma cabeça como a de

Eugênio Bucci em um sistema estatal

é um privilégio. “Eu notei a

preocupação dele em buscar a isenção.

E isso não era sempre possível”, conta

durante um telefonema pela manhã,

direto de seu escritório, no Rio de

Janeiro.

“Eu tenho a impressão de que ele viu

no PT uma forma ou um caminho de

trabalhar pela justiça social. Acho que

esse foi o fator determinante de

aproximação dele com o PT”, teoriza

Dallari sobre a ligação política de

Eugênio Bucci. Para ele, o genro

acreditava que o PT seria um

instrumento de defesa da pessoa

humana e da dignidade; mas também

de promoção da justiça social. Esse

ideal vem de sua formação trotskista.

Ainda segundo Dallari, Bucci hoje é

anti-petista por conta de decepções

acumuladas ao decorrer dos anos, por

isso exagera nas críticas ao Partido dos

Trabalhadores.

Ao entrar para a estatal Eugênio Bucci

talvez nutrisse a perspectiva de que

poderia mudar muita coisa lá dentro,

mas que seria difícil. Sabia que

algumas pessoas não facilitariam os

caminhos, como Bernardo Kucinski e

Luis Gushiken. “Ele assumiu sabendo

que ia pegar uma pedreira, porque os

grandes inimigos do Eugênio já

estavam lá dentro como é esse

Bernardo Kucinski, que ele já

conhecia desde a época da USP”,

relata Cacalo bastante agitado

enquanto sua esposa traz um café.

Rodrigo Savazoni enfatiza que a

polêmica entre Bucci e Bernardo

Kucisnki se deve ao fato de que, este

último almejava o cargo que Eugênio

ocupou na Radiobrás. “O Bernardo

queria ser o presidente, o que não

aconteceu. O Bucci foi, e ai ficou uma

história mal resolvida porque o

Bernardo queria palpitar”, revela com

convicção. Essa relação de amor e

ódio veio de muitos anos de convívio

dentro do PT, por conta da diferença

de posições. Para o ex-aluno de

Eugênio, Kucinski sempre foi uma

pessoa de difícil convívio por ter como

característica ser “ranzinza”. Mas, ao

m e s m o t e m p o , u m a p e s s o a

extremamente inteligente e sagaz. “Os

dois eram muito rígidos e todos

estavam muito certos, com aquela

convicção de 'eu sei o que tenho que

fazer'. Parecia o período dos

bolcheviques se confrontando. O

detalhe é que um era trotskista e o

outro não”.

Sobre essa acusação, Bucci diz ser

possível que Bernardo almejasse tal

posição, mas que suas críticas sobre a

gestão da Radiobrás não aconteceram

de maneira leviana. “Olha, eu acho

que o Kucinski podia querer o cargo. É

legítimo, mas eu duvido que ele tenha

feito crítica por isso. Sabe, acho que

ele divergiu. Isso não tem nada a ver

com ele querer ser presidente. Porque

ele não foi escolhido para ser

presidente, mas a meu convite fez

parte do conselho, estava lá sempre.

Depois começou a brigar com a gente,

mas estava lá todo mês nas reuniões”.

Para esclarecer essa relação e as

acusações Bernardo Kucinski foi

procurado pela reportagem, mas

negou conceder entrevista e decidiu

enviar um artigo que havia publicado

na revista Teoria & Debate, em abril

de 2008, como forma de resposta. Em

texto intitulado Reflexões sobre o

jornalismo em tempos de Lula,

Kucinski afirma que houve um

complô da chamada grande mídia

contra o presidente Lula, liderada pela

Rede Globo que foi seguida pela

revista Veja, que entre 2003 e 2006

publicou 50 capas contra o governo,

sendo 18 consecutivas. Para ele, a

política de comunicação do primeiro

mandato Lula foi “equivocada, pois

não havia um comando único entre

Secom (Secretaria de Comunicação),

Gabinete Porta Voz, a Assessoria de

Imprensa e dos Ministérios da

Comunicação e Cultura, ao contrário

do que acontece no grupo de Roberto

Marinho, liderado por Ali Kamel”.

Ao ser questionado sobre os

comentários de Kucinski, Bucci

respira fundo e demonstra mais

cautela nas respostas. Seu semblante

agora é de seriedade. Ajeita-se em sua

cadeira com as mãos sobre a mesa,

frente ao notebook e ao celular. “Eu

concordo que era preciso unificar a

política de comunicação do governo

federal, o que depois foi feito com

Franklin Martins. Agora eu não

concordo que houve um complô da

Segundo seus amigos, o sotaque de Orlândia é sua marca registrada

Page 8: Revista Piaui

10

ministrar aulas na faculdade. “Eu

vivia preocupado com a ética, eu

sentia que era preciso ter um padrão

mínimo de consciência de que o

comercial não pode interferir no

editorial. Essa que é a grande

conscientização. Uma vez no curso

Abril o Celso Nucci Filho me pediu

para fazer uma palestra sobre esse

tema. Acabou ficando com uma

estrutura grande. Depois o Ricardo

Setti foi convidado para pensar em um

projeto de livro sobre ética pela Cia

das Letras, e ele falou: 'Olha, não

tenho condição de escrever esse livro,

mas o Eugênio talvez possa'. E me

indicou. E eu aproveitei aquela

palestra, aquele roteiro, e desenvolvi o

livro. Escrevi e foi assim que nasceu.

Ali eu comecei a sistematizar melhor.

E depois disso me convidaram para

dar aula de ética na Cásper Líbero”,

lembra o professor com ar de quem se

sente satisfeito com a conquista.

Eugênio Bucci leciona na graduação

em Jornalismo da ECA as disciplinas

de Ética – uma de suas principais

discussões – e Jornalismo Digital. É

também professor da pós-graduação

na mesma instituição com a disciplina

Fabricação de Valor no Imaginário:

uma Crítica a Comunicação. Além

disso, também dirige um curso na

E S P M ( E s c o l a S u p e r i o r d e

Propaganda e Marketing) em parceria

com o IAEL (Instituto de Altos

Estudos em Jornalismo), financiado

por Roberto Civita. Intitulado Pós em

jornalismo com ênfase em direção

editorial, o curso é direcionado à

jornalistas que almejam lançar novos

produtos no mercado. “Eugênio é um

dos poucos profiss ionais de

jornalismo e da educação com

potencial equivalente em ambas as

áreas (Jornalismo e Educação).

Assim, é um dos poucos, também, que

poderia ser capaz de montar um curso

de tal qualidade, com o grupo de

professores que conseguiu convidar.

Não foi fácil, tenho certeza. Este curso

é dá maior importância, assim como

os próximos que serão lançados na

área de Pós Graduação dirigida pelo

Eugênio”, revela José Roberto

Whitaker Penteado, diretor da ESPM.

“O Roberto Civita queria criar um

curso de Jornalismo em nível de pós-

graduação, e eu também. Um dos

problemas graves da nossa imprensa é

que nós, jornalistas, temos uma

formação precária, que deixa a

desejar. E esse curso tentou suprir uma

das áreas. Um profissional dessa área

precisa estudar a vida inteira e estudar

formalmente, não é o auto-didatismo.

A razão desse curso é melhorar a

imprensa no Brasil através de uma

ação que contribua para melhorar a

formação de pessoas que ocupam

postos chaves na imprensa brasileira.

O jornalismo exerce uma função

organizadora do debate público, e

precisa dominar um repertório que

esteja a altura disso. Nunca foi tão

fascinante ser jornalista! E nunca foi

tão desafiador atuar na formação de

jornalistas num país como o Brasil. O

momento é excepcional”, conta Bucci

animado e agitado por falar em um

assunto que demonstra grande paixão.

Para Hamilton dos Santos, que

conheceu Bucci na Superinteressante,

“a redação passou a ser um local onde

se está produzindo um negócio, e isso

deixou de ser um pecado”. “Acho que

o Eugênio tem uma contribuição

importante para isso também. Agora

mesmo, o fato de ele estar responsável

por um curso de especialização em

Jornalismo com ênfase em Direção de

Redação é um reflexo. O que é ênfase

em Direção de Redação? É você

formar um jornalista para gerir uma

redação. O que significa ter meios e

técnicas de gestão de pessoas, de

projetos, de processos, de clima. Isso é

muito importante. Imagine que nos

anos 70 não havia redação se

importando com clima”, diz enquanto

'gerencia' sua mesa.

Como docente, Eugênio Bucci diz que

almeja transmitir liberdade a seus

alunos, a mensagem autônoma de

lutarem em prol daquilo que

acreditam. “O papel do professor é

colocar o aluno em contato com algo

que é maior do que ele mesmo,

professor. O professor é como um

conduite que está a serviço do futuro

desse estudante e não a serviço do

aluno ou de seu pai. Cada um tem uma

vocação, um estilo, um destino. E o

papel do professor é ajudá-lo a realizar

isso! O projeto ele carrega, não sou eu

que jogo o projeto nele”, explica ao

mesmo tempo em que enfatiza o

quanto é apaixonado pela profissão. E

continua a divagar sobre seu papel na

educação de novos jornalistas. “Não

formo o aluno para ser jornalista de

esquerda ou de direita, eu formo

alunos para que façam o jornalismo

que acreditam e que talvez escape a

minha capacidade de classificação. É

isso que procuro passar para eles.

Estude com disciplina, o máximo que

você puder. Faça o melhor que puder,

mas não traia a si mesmo nesse

sentido. Essa é a clareza que tenho. É

um privilégio ser professor, por menos

que seja prestigiado. Eu pagaria para

fazer isso”.

Em relação ao dinheiro, o professor

da USP se diz bastante satisfeito com

o que ganha atualmente. “Na Abril,

por exemplo, tinha alguns benefícios

que hoje não tenho. Mas com o salário

talvez esteja num tempo melhor,

porque tenho alguns trabalhos que

faço e pagam dignamente. Quando

fiquei em Brasília, meu salário líquido

como presidente da Radiobrás era

muito menor daquele que eu ganhava

Reencontro do grupo GEMA em 1998 na casa de Carlucho em Orlândia

Page 9: Revista Piaui

11

na Abril. E o engraçado é que não me

fazia falta, eu me sentia completo no

que estava fazendo. Então a primeira

coisa que eu fiz quando saí de lá foi

comprar um carro novo. Adoro carros!

Mas acho que a gente não pode

exagerar, o limite é sempre subjetivo,

mas passou de um certo nível acho

meio obsceno. Graças a Deus posso

hoje me dedicar a pensar e estudar.

Nunca tive uma condição tão boa, tão

favorável”.

Carlucho reitera que a ideologia do

amigo sempre esteve acima da questão

financeira. “Lembro que quando ele

saiu da Abril teve um episódio

interessante. Na época ele era diretor,

daí perguntei: 'Você vai sair de lá? Mas

imagina, diretor, um baita salário'. E

ele: 'Mas quem te falou que eu estou

atrás de salário? Não estou atrás de

salário, estou feliz aqui, agora estou

dando aula aqui na Cásper Líbero e

está bom demais'. Ele trocou um

negócio de alto executivo, não sei

quanto ele ganhava, 30 mil, 40 mil, sei

lá, para 3 mil, 4 mil como professor”.

Vitor Blotta, ex-aluno de Bucci na

ECA, foi convidado pelo ex-professor

a expor seus conhecimentos em uma

de suas aulas de pós-graduação. O

tema era Habermas, filósofo alemão e

especialidade de Vitor, que baseou seu

mestrado nas informações que

adquiriu durante o curso. Na

disciplina em que a lotação máxima é

de 20 alunos, cerca de 30 ocupam a

sala da USP e sem nem piscarem

ouviam atentamente a introdução que

o professor deu ao tema. Em seguida,

passou a palavra ao aluno e pouco o

interrompeu em uma aula que mais

escutou do que falou. “Nosso convívio

durante o curso sempre foi muito

proveitoso, pois apesar do formato

expositivo da maioria das aulas, o

professor nunca deixou de dar espaço

para perguntas e comentários. Como

profissional, vejo a curiosidade, a

criatividade, a busca constante por

atualização, uma capacidade notável

de relacionar teoria com a prática e

uma grande facilidade de simplificar

ideias complexas sem retirar-lhes a

riqueza. Como pessoa, o professor

Eugênio é muito receptivo e acessível,

disposto a ouvir e dialogar. Isso é

essencial para quem procura difundir

ideias e convencer as pessoas de sua

validade”, relata Vitor sobre a relação

aluno e professor.

Porém, a trajetória para chegar ao

cargo almejado e na instituição

sonhada foi intensa e com algumas

derrotas. A primeira vez que tentou

ingressar na carreira de docente foi em

2002, mas não foi aprovado na banca

formada por Arbex, Kardec e José

Page 10: Revista Piaui

12

Eugenio, Carlucho, Jovito ensaiam em um bar antes do show

Faro, que alegou ser uma indiscrição

dizer como chegaram a tal conclusão.

“Eugênio Bucci obteve nota inferior

ao candidato aprovado por decisão de

uma banca julgadora. Mas de

qualquer forma, o resultado que Bucci

obteve na época apresentava uma

diferença de pontos absolutamente

insignificante comparativamente ao

do outro professor, fato que atesta não

se tratar de um demérito como a

palavra "reprovação" pode dar a

entender”, esclarece.

O professor Milanesi, grande

inspiração para Bucci, acompanhou a

caminhada de perto e foi um dos

responsáveis pela realização do desejo

de seu aluno prodígio, pois era diretor

da ECA quando Eugênio prestou pela

segunda vez. “Da primeira vez que ele

não passou, não significou que não

merecesse. As coisas são muito mais

complicadas do que se imagina! É um

assunto bastante incômodo, porque

imaginar que aqui trabalhamos

puramente com mérito, não dá certo.

Quando ele não passou ficou muito

mal e é claro que nos espantamos,

porque eu tinha a mais absoluta

certeza de que ia passar. O Eugênio

ficou traumatizado. Quando fui

diretor abriu um novo concurso que eu

acompanhei passo a passo. É

importante entender que a banca tem

três professores, que com um

determinado perfil escolhe um

candidato. Com outro perfil, o

escolhido será outro. Então o que

aconteceu com o Eugênio foi

exatamente isso. Passei a acompanhar

para ver se escolheriam uma banca

acima dessa contingência e grupos da

universidade. Então dessa segunda

vez ele passou, chorou, ficou bastante

comovido”, detalha.

Aliás, a todo o momento, Milanesi

lembrava o quanto foi importante na

vida de Bucci. Tanto pessoal como

profissional. Ele também foi

responsável por indicar Eugênio

Bucci ao emprego que transformaria

sua carreira: repórter de Veja,

publicação da Editora Abril. “Na

época o Mário Sergio Conti era uma

pessoa ascendente na (Editora) Abril.

Ele me ligou e disse: 'me mande

alguém brilhante'. E eu não tive

dúvida. O Eugênio foi lá e em pouco

tempo estava no topo, pois se tornou

secretário editorial da (Editora)

Abril”, relembra do momento com

grande admiração e sensação de dever

cumprido.

Durante sua trajetória no grupo Abril,

Eugênio teve diversas idas e vindas e

passagens por vários títulos, como

Playboy, Quatro Rodas, Veja,

SuperInteressante, entre outros. Para

Eugênio Bucci, a empresa dos Civita

foi sua grande escola de jornalismo,

principalmente no que se refere ao

quesito 'ética'. “Mesmo antes de Bucci

entrar na Editora Abril já conhecia sua

postura quanto à ética, pelo que ouvi

falar dele. Sabia que deixara o último

veículo (a revista Set) porque

considerou uma atitude da diretoria

anti-ética. A partir disso soube que era

alguém realmente comprometido com

essa prática. Essa era uma questão

fundamental para nós (Eugênio, Celso

Nucci Filho e Thomaz Souto Correa).

Para mim, ética é quase sinônimo de

qualidade jornalística. Ele foi um dos

primeiros a abordar o tema no curso

Abril. Eu até falava um pouquinho no

início, mas depois o deixei tocar”,

resgata Nucci, que durante anos foi

companheiro de Bucci na empresa.

Junto a Thomaz Souto Correa,

atualmente vice-presidente editorial,

Celso e Eugênio criaram o código de

ética da Editora, em vigência até hoje.

A atitude da direção da revista Set

considerada por Bucci anti-ética

refere-se a um veto, mais um que

enfrentaria, mas agora, como

jornalista formado. Por ter sido uma

publicação especializada em cinema,

o departamento comercial impediu a

publicação da crítica a um filme de

responsabilidade da produtora

anunciante. “Eugênio sempre

manteve uma opinião firme entre

jornalismo versus comercial. Não

cedia porque a ética tinha que

prevalecer”, confirma Michel Spitale,

diretor de arte da revista Set à época do

acontecimento.

Na própria Editora Abril, em uma

tarde bas tante movimentada ,

Hamilton dos Santos, que em 1996 foi

colega de trabalho de Bucci na

Superinteressante, agora supervisiona

o setor de Recursos Humanos da

editora. Em meio a muita correria,

separa um tempo para falar sobre os

anos que esteve com o professor de

jornalismo da ECA. “Acho que uma

das posições mais interessantes de

Bucci é mostrar para o jornalista que a

educação, o conhecimento ou a

necessidade de se formar não termina

no fato de ter 'talento' para escrever.

No passado, uma redação era um

terreno, um ambiente muito mais

voltado à parte de criação do que de

gestão. Gerir uma redação, ou um

projeto editorial, e as faculdades

acabam refletindo muito nisso, era

pelo talento, pelo esforço individual,

p e l o a u t o r a l . I s s o m u d o u

d r a s t i c a m e n t e . A s r e v i s t a s

contribuíram muito para isso e o

Eugênio foi um dos caras que mais

trabalhou aqui. Por exemplo, uma das

coisas que eu me lembro que ele

trabalhou bastante foi em desenhar um

fluxo da redação mais racional,

transformar o processo numa coisa

mais amigável para o jornalista e sua

carreira”, relata Hamilton.

E m b u s c a d e a r g u m e n t o s

convincentes sobre essa 'grande

escola de jornalismo', principalmente

no que se refere aos princípios éticos,

tão defendidos por Eugênio Bucci -

vale ressaltar -, a reportagem

apresentou-lhe algumas capas da

revista Veja no último encontro que

aconteceu no seu escritório, em

outubro. Submetidas à apreciação do

professor da ECA, a reportagem o

questionou sobre a intenção e postura

da revista. A primeira capa posta em

xeque foi a da edição 1835, publicada

em 7 de janeiro de 2004. Em

exposição estava uma jovem mulher

de pele bronzeada, cabelos longos e

escovados, maquiagem feita, ou seja,

sua imagem condizia ao padrão de

beleza estabelecido pelo mercado de

consumo dos produtos estéticos. Esta

mesma moça da capa segura em uma

das mãos uma foto de si mesma, com

um aspecto mais rechonchudo,

sobrancelhas mais grossas e sem

produção cosmética. A manchete

trazia a seguinte frase: “Beleza para

todos”, seguida do subtítulo “O antes e

depois de Bárbara Reiter, 36 anos,

gaúcha, que é um exemplo da nova

ordem estética silicone, lipo e Botox

em doze prestações”. Intrigado,

Eugênio apanha a capa, enruga as

sobrancelhas enquanto lê e observa a

foto. Diz calmamente: “Acho que não

tem problema ético nessa capa, nessa

matéria. Mas preciso explicar que

acho que até aqui estamos falando de

jogo claro com o leitor. Ele não é uma

criança de cinco anos de idade e nem é

um carneirinho. Se estivéssemos

falando de uma imprensa que fala

'pare de comer arroz e feijão', e no dia

seguinte todo mundo parasse de

comer arroz e feijão porque as pessoas

tem discernimento, aí seria uma coisa.

Mas aqui o jogo é claro. O leitor pode

falar 'se a revista acha que esse é o

padrão de beleza, eu não quero mais

comprar essa revista', e ele pode muito

bem parar de compra-la. E pára! A

pergunta é: 'Isso é uma tapeação para o

leitor? Alguém está mentindo para

ele?' Ai seria complicado, se está

havendo um ataque ao direito à

Page 11: Revista Piaui

13

informação. Mas se é alguma coisa

que nosso senso crítico pode avaliar e

pode ju lgar com autonomia,

realmente acho que não é aí que está o

problema”.

A segunda capa exposta, também foi

da revista Veja, edição 1969,

publicada em 16 de agosto de 2006.

Uma moça negra de cabelos presos em

um rabo de cavalo segurava um título

de eleitor. A manchete era a seguinte:

“Ela pode decidir a eleição”, com o

subtítulo “nordestina, 27 anos,

educação média, 450 reais por mês,

Gilmara Cerqueira retrata o eleitor

que será o fiel da balança em outubro”.

Mais uma vez, apanha a capa

calmamente e avalia o conteúdo. Após

longos segundos, levanta os olhos

aparentemente perdido. Parecia tentar

entender aonde estava o erro na

matéria. Questionado se a verdadeira

mensagem não estaria em dizer que a

classe média-baixa é a que votaria no

PT e por isso, talvez, esse fosse o

partido vencedor, Bucci quase começa

a gargalhar e depois de um longo

tempo acrescenta: “Imagina! De jeito

nenhum! É claro que não! Eu entendo

que é a representação de um segmento

da população que é majoritário ou está

indeciso; e são pessoas que nem ela,

sua faixa de renda e escolaridade que

vão definir a eleição. Às vezes a gente

enxerga armações além das que

existem. Vou dizer duas coisas: um –

elas são mais humanitárias. Dois –

elas quase nunca funcionam”,

justifica perplexo.

Na penúltima, optou-se por apresentar

a edição 2233 publicada em 7 de

setembro de 2011. Na capa, uma

enorme seringa apontada para cima e

duas versões de uma mesma moça

com vestido azul, colado ao corpo e

sapatos pretos de salto. Na primeira

versão a moça está com sobrepeso, ou

seja, rejeitado pelos padrões de

beleza. Ao seu lado, a mesma moça

agora aparece em versão bem mais

light, esbelta, bem mais bonita e

aparentemente mais feliz. Ambas as

imagens apoiavam-se na seringa que

tinha a altura um pouco maior que a

delas. A matéria mostrava um remédio

milagroso que auxilia na perda de

peso. Porém, sua verdadeira função é

para ajudar o metabolismo do

diabético. Ao examinar, Eugênio diz:

“Ah, sim! Aqui sim podemos ter um

problema ético. Aqui se corre um risco

grave, pois o leitor pode olhar para

isso e dizer 'é propaganda!'. Ele pode

achar que o laboratório comprou a

revista e que estão querendo agradar o

laboratório. Isso é cicuta (uma espécie

de veneno)!”, revela

Para finalizar, foi colocado à mesa a

capa da revista Playboy, edição 433 de

aniversário com Adriane Galisteu,

publicada em agosto de 2011. Em uma

das chamadas, lia-se: “Entrevista

Sandy 'É possível ter prazer anal'”. Ao

ver a revista, Eugênio Bucci reagiu

com pasmar perguntando: “Mas qual é

o problema com sexo anal?”.

Esclarecida a questão de que o

problema não era o sexo anal, mas sim

a frase fora de contexto, uma vez que

na íntegra percebe-se que a

entrevistada foi induzida a falar sobre

o assunto, mas de maneira geral, não

de maneira pessoal. Porém, o corte

dessa exata frase remete a uma

conotação de vida particular.

É questionado:

- Mas isso não fica fora de contexto?

Não temos um problema ético de

manipulação?

Responde prontamente:

- Claro que não! Ela disse aquilo

mesmo e não está fora de contexto

não! – Defende de maneira convicta.

Frequentemente, Eugênio participa de

programas de televisão como o

Ob s e r va t ó r i o d a I m p r e n s a ,

transmitido pela TV Brasil, para

debater 'ética', assunto que em sua

visão tem total relevância. Segundo

ele, a base ética para o jornalismo

consiste em liberdade e verdade. “O

primeiro dever do jornalista é a

liberdade e a base é não mentir. Só que

esse não mentir significa procurar

comunicar o que de fato se passa com

base nas habilidades comuns de uma

pessoa normal, e não levar o outro a

pensar algo que sei que não é

verdadeiro. Eu posso cometer um

engano, mas é fundamental que eu

acredite que não seja engano. Acho

que nesse sentido a intenção do

jornalista é fundamental. Então, eu

diria que o primeiro dever do

jornalista é a liberdade, porque a

sociedade tem esse direito”, defende.

Para o professor Muniz Sodré, da

e s c o l a d e c o m u n i c a ç ã o d a

Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), “as discussões de

B u c c i s ã o i m p o r t a n t e s

academicamente porque ajudam a

definir o que é jornalismo”. Porém, no

dia a dia dos profissionais essa

discussão fica em segundo plano, pois

é considerada quase uma utopia,

aponta Sodré.

Endossando o time de acadêmicos que

acreditam na relevância do trabalho

exercido por Eugênio, está Adilson

Citelle, mestre em letras e professor de

Comunicação e Artes da USP. Em seu

entendimento, o ponto fundamental

do trabalho de Bucci está em não

comprometer a qual idade da

informação. “Ele está muito

preocupado com a qualidade, a

veracidade e a procedência da

informação. A preocupação central

dele é sempre essa, da relação

jornalismo, circulação da informação

e qualidade pública dessa informação.

Essa triangulação é o que você

encontra basicamente em suas obras e

que vão se desdobrando em outros

temas ou em questões emergenciais.

Por isso, seus livros são adotados em

cursos superiores, em pós- graduação

e func ionam como ma te r i a l

bibliográfico para ingresso em

concursos. Essas obras são relevantes

porque problematizam o dia-a-dia do

profissional que trabalha com

comunicação. Inclusive essas mídias

mais recentes, como as digitais.

Cremilda Medina, também escritora

sobre a ética na imprensa e professora

da ECA (USP), compreende a

importância das discussões que

Eugênio aborda em seus livros. Desde

1979 a professora aborda a questão

ética e a responsabilidade social do

jornalista. “Eu encontro essa

afinidade com o trabalho prático e

teórico do Eugênio. Eu o valorizo

muito porque o Eugênio produz um

enraizamento da bibliografia nacional

nos desafios da nossa sociedade do

hemisfério sul, assim não ficamos na

dependência exclusiva de autores e

obras do hemisfério norte”, afirma.

Tanto admira sua obra que chegou a

convidá-lo para um seminário

organizado por ela em março de 2010.

Posteriormente, o livro “Liberdade de

Expressão, Direito à Informação nas

Sociedades Latino-americanas” foi

lançado com o conteúdo do seminário

na íntegra. Nesse encontro, além de

Cremilda e Eugênio, Demétrio

Magnoli e Alberto Dines também

estavam presentes. Dines, aliás, é o

grande inspirador de Bucci. “Acho

que o Alberto Dines é a grande

influência para despertar minha

vocação. Eu me lembro de sempre

acompanhar sua coluna chamada O

jornal dos Jornais, muito importante

para mim”, destaca Eugênio Bucci

agitado por falar de seus 'ídolos'. Além

de Dines, Joelmir Betting e Tarso de

Castro também foram nomes que

influenciaram sua formação.

Para o sogro Dalmo Dallari, Eugenio

não é o tipo do intelectual que se perde

no plano abstrato ou no plano da

teoria. Ele conhece teorias políticas,

jurídicas e naturalmente, as teorias do

jornalismo. Mas ele não é o teórico

abstrato, desligado da realidade. Essa

é uma característica de seus escritos.

Com esse pensamento, Luis Milanesi

faz um complemento. “O Eugênio não

é só uma pessoa de ideias, ele também

as coloca de uma maneira agradável,

única. Ao contrário de grande parte de

cientistas sociais da USP. Muitos são

impenetráveis. Agora dele, não existe

ideia que você não absorva”.

Sobre o fato de não ter seguido a

carreira jurídica, Dalmo Dallari é

categórico. “Eugênio não é um

advogado frustrado, de maneira

alguma. Ele reconhece que é muito

útil o conhecimento jurídico e não

t enho dúv ida de que e l e é

essencialmente jornalista. Ele seguiu

o jornalismo por opção, essa foi sua

escolha”. E reforça que Bucci não é

um sonhador, mas que simplesmente

acredita que o seu bom trabalho pode

produzir bons feitos.

Ao final dos anos 80 Eugênio Bucci

teve a oportunidade de trabalhar no

jornal Folha de S.Paulo, ao lado de

André Vitor Singer, de quem se tornou

bastante próximo. Os caminhos,

quase sempre bem paralelos, os

levaram na maior parte do tempo ao

mesmo destino. “É curioso porque

fomos fazendo as coisas ao mesmo

tempo sem combinar. Como o fato de

termos ido para Brasília. Fomos e

vo l tamos jun tos ; e nem fo i

combinado. Viemos para a USP.

Estivemos juntos antes na Abril... Mas

aí é justo dizer que foi a convite

mesmo dele. Também tivemos

grandes momentos no PT. Foi bem

engraçado porque chegou uma época

em que as pessoas nos confundiam:'

Ah, você é o Eugênio... Ah não, é o

André'. Então começamos a brincar

que poderíamos passar um pelo outro

tranquilamente”, conta André ao se

r e c o r d a r d o s m o m e n t o s d e

convivência com o parceiro de

partido, enquanto olhava atentamente

ao r e lóg io de sua sa l a , na

Universidade de São Paulo, onde

coincidentemente Bucci também

leciona.

“Acho que o que ele diz, escreve e

pensa, está diretamente refletido no

que ele faz. Ele não só fala, mas vive

também o que acredita. Claro que,

sem dúvida, há uma enorme

preocupação da parte dele de tornar

coerentes os princípios que ele

evoca”, complementa André Singer,

em um dos poucos momentos que

realmente se manifesta, pois durante

toda a entrevista manteve um ar

político e neutro perante todas as

questões.

Um dos contestadores de Bucci,

Reinaldo Azevedo, foi procurado pela

reportagem para esclarecer o artigo

por ele produzido e intitulado

'Eugênio Bucci e a Mulher de César',

publicado em fevereiro de 2010 em

seu blog, no qual o critica por fazer um

Page 12: Revista Piaui

14

jornalismo partidário a favor do PT.

Ele preferiu não se manifestar

enviando a seguinte mensagem: “Não

tenho nada a acrescentar sobre o

objeto de estudo de vocês”.

Porém, em sua defesa, sai o ex-aluno

Rodrigo Savazoni que, em sua forma

de entender o fato, o ex-professor não

faz concessões para obter benefícios.

“O Eugênio sempre foi um cara muito

íntegro e tem uma coisa que eu jamais

desconfio que é a sua honestidade

intelectual. Se assume uma posição, é

porque acredita nisso”, justifica.

Nicolino Spina, parceiro de Eugênio

também na época da Editora Abril, diz

que essa ética que tanto apregoa está

presente no cotidiano profissional.

“Em cada reunião com o grupo de

negócios ele deixava sempre clara a

necessidade da separação Igreja

versus Estado nas decisões ou

recomendações”.

Por onde passou, os entrevistados não

têm dúvidas: Eugênio deixou suas

marcas. Na Playboy, por exemplo,

Ricardo Castilho salienta que Bucci é

um jornalista político, de seriedade,

mas também de humor fino. “Era uma

pessoa que apesar de ter um viés

cultural era muito divertida. Aprendi

bastante com ele, que não tinha muito

aquela coisa sisuda”.

Na redação da Teoria & Debate,

revista de teor esquerdista, deixou

também algumas heranças editoriais.

Boas perguntas e curiosidade são

acertos que, segundo Rose Spina,

ainda redatora da publicação petista, o

fazem contestador. “Ele é provocador,

mas no sentido de suscitar debates.

Mexe em assuntos que são tabus.

A c h o q u e e s s a é u m a b o a

característica para defini-lo. Uma das

ousadias deixadas na revista foi

discutir o socialismo na época que a

revista foi criada. E discutir, por

exemplo, democracia em Cuba”,

explica enquanto busca em meio ao

monte de publicações a edição

mencionada. Thomaz Souto Correa

t a m b é m d e s t a c a a l g u m a s

características do lado profissional

como a curiosidade. “Você não pode

ser jornalista se não for curioso. O

Eugênio tem uma curiosidade

permanente. A revista Set e a Ação

Games eram bem feitas e bem

editadas porque havia alguém

trabalhando para entregá-las de

maneira clara. Ele é um bom

revisteiro, que sabe como organizar e

estruturar uma publicação”, completa.

Na vida pessoal, Celso Nucci Filho

revela que além de ser extremamente

dedicado às amizades, é também

bastante fiel. “É um sujeito bom de

lidar. Tem momentos de exasperação;

tem momentos que sai a flecha negra

da ira, mas imediatamente corrige

isso. É um sujeito com quem vale a

pena conviver”, afirma enquanto alisa

seu gato. Neste momento, Marília

Scalzo, sua esposa, é direta: “para

mim o que chama a atenção é o

sotaque de Orlândia. Com certeza essa

é a característica mais marcante que

faz com que Eugênio seja diferente”,

brinca entre risos. Marília também

pôde conviver com Bucci no grupo

dos Civita.

Em contrapartida, Rodrigo Savazoni

acredita que, anteriormente, Eugênio

conseguia fazer uma discussão mais

ampla sobre a mídia. “Eu não gosto

das angulações que ele escolheu para

fazer as coisas dele hoje em dia,

porque parece que segmentou demais

seu ângulo de análise, pois voltou-se

especificamente a debater os ônus

gerados por uma tentativa de controle

da mídia em relação à imprensa livre”,

comenta, exaltando o fato de que na

verdade essa é uma discussão mais

ampla, dialética e complexa.

Quanto aos defeitos, ninguém melhor

do que o próprio Eugênio para listar

tudo aquilo que o incomoda. “Eu vejo

um monte de defeitos. Para começar,

acho que muitas vezes criei situações

de impasse ou confronto, justamente

por ser impaciente. Por ser inflexível,

tem questões que acho que sou duro

demais, comigo e com as pessoas.

Também tendo a ser vaidoso com

minhas ideias, quero ser o autor das

coisas. Preciso aprender certo

desapego, porque esse também é um

dos meus defeitos. Sou daquele tipo de

cara que marcha com pé trocado e

acha que o exército inteiro está errado.

Tenho teoria e explicação sobre tudo,

muitas vezes me isolei e fique

completamente sozinho, por um

pouco de arrogância. Eu tenho uma

vinculação com minhas ideias que é

quase visceral, e às vezes escorrega

para certo fundamentalismo”,

conclui.

Do ponto de vista profissional revela

que sua trajetória está repleta de erros.

“Eu não me arrependo de nada disso.

Mas se me perguntam se o jornalista

deve ter envolvimento político eu vou

dizer que não. Não deve ter

envolvimento partidário, nem com

organização religiosa ou ONGs que

tentam interferir no debate publico.

Nada de errado com os partidos, com

as igrejas, com as ONGs, mas o

jornalismo fica melhor, ganha mais

relevância, mais credibilidade e

influencia mais quando ele toma o

cuidado de não se comprometer com

outras bandeiras. Então eu digo isso,

mas ao mesmo tempo meu passado é a

negação disso. Outro ponto são os

poemas. Se você me perguntar se isso

é bom para um jornalista, eu tenho

certeza que não é. Jornalista tem que

contar as coisas que acontecem, lida com fatos. Poesia é uma coisa de desocupados, é assim que é visto. Ou é uma coisa de vaidosos, caras que escrevem sonetos aí, para o pessoal achar bonito e tal. Outro detalhe foi na minha entrada na Abril.Quando eu cheguei lá achei que era a chance da minha vida. Mas sai depois para trabalhar com o Caio Gracco Prado. Eu não me arrependo não. Do ponto de vista de carreira foi um erro. Mas do ponto de vista de vida não foi. A minha carreira é cheia de erros. Se você quer saber uma coisa que os jornalistas não devem fazer veja as coisas que eu fiz. Por exemplo, sair da Veja depois de um ano. Nunca deveriam ter me deixado sair, deveriam ter me amarrado no pé da mesa. E trabalhar no governo, nunca deve fazer isso. Eu cometi um monte de erros”, revela em tom de advertência aos novatos na profissão.

Do interior paulista à chegada a uma grande metrópole e uma parada em Brasília, Eugênio Bucci viveu várias fases e tornou-se nome de relevância quando o assunto em questão é ética e imprensa. Apesar da passagem dos anos, Eugênio deixou Orlândia, mas Orlândia não o deixou, e esse é um de seus maiores orgulhos. Certa vez, assistindo a uma programa de TV e discorrendo sobre a obra de Mazaroppi, Bucci disse o seguinte: 'faço questão de contar que sou fã de Mazaroppi e caipira do interior. Assumo isso, afinal só moro em São Paulo porque minha profissão não permite que eu more em Orlândia. Sou caipira e pronto, gosto de ser assim e vou ser a vida inteira”, recorda Carlucho, o amigo de Orlândia, cidade o n d e s e u p a i a i n d a v ive e frequentemente volta para viajar ao passado.

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