Revista Politik

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politik Na contramão América Latina Conflitos na Venezuela, crise econômica na Argentina e turbulência política no Brasil. A América Latina parece sofrer com seu passado, já o Uruguai se reiventa e acelera seu Fusca em outra direção Um pedacinho da América ou a cereja do Bolo? Pequeno em tamanho e população, mas gigante na qualidade de vida e no pensamento p. 10 Afinal, quem é José “Pepe” Mujica? Conheça o homem que colocou o pequeno Uruguai no centro do debate internacional p. 9 n o 01 / 2014

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politikNa contramão

América Latina

Conflitos na Venezuela, crise econômica na Argentina e turbulência política no Brasil. A América Latina parece sofrer com seu passado, já o Uruguai se reiventa e acelera seu Fusca em outra direção

Um pedacinho da América ou a cereja do Bolo?Pequeno em tamanho e população, mas gigante na qualidade de vida e no pensamento p. 10

Afinal, quem é José “Pepe” Mujica?

Conheça o homem que colocou o pequeno Uruguai no centro do debate internacionalp. 9

no 01 / 2014

Expediente

Editor-chefe: André Carmona

Editora-executiva: Larissa MaruyamaReportagem: André Carmona, Larissa Maruyama, Michele Alves e Willians Mezzacapa

Projeto Gráfico: Revista Politik

Fotografia: Larissa Maruyama/Divulgação

Revista realizada para a disciplina de Geopolítica e Globalização, sob a orientação do professor Rodolfo Pereira das Chagas.

FIAM-FAAM/2014

politikno 01 / 2014

Sendo apenas tratados como mercadorias por suas metrópoles, a maioria dos países da América Latina seguiu por um caminho nebuloso, até que pudessem ver as cores de um governo igualitário. O Uruguai começou a

navegar por marés jamais vistas antes: se desprendeu, não de uma metrópole europeia, mas, sim, do Brasil. Nações latinas compartilham do mesmo ideal igualitário, fazendo com que os discursos populistas ganhassem mais espaço, na esperança de deixar para trás um governo bruto e ditatorial. A única que não sofreu com opressões militares foi a Venezuela que, enquanto seus vizinhos eram alvo de uma dura ditadura militar, o país consolidava-se como república oligárquica e liberal. Os populistas serviam como a esperança no fim do túnel. Com um pé no socialismo, o discurso propunha uma melhor distribuição de renda e inclusão social. O que adiantava um país ter riquezas majestosas e não distribuí-las. Atualmente, governos são hesitantes, para não assustar a população. O grande cuidado implica em assegurar ao povo que governos autoritários não irão voltar. Parece impossível acontecer algo no Uruguai. Governado por um senhor simpático, conhecido, internacionalmente, como Mujica, o país desfruta de medidas inteligentes, e que vão além do convencional. Quem disse que o que é normal é o ideal? José Mujica é do tipo que te convida para entrar e oferece um lugar privilegiado para se esquentar depois de um dia de frio. Humilde como nenhum presidente nunca foi, “Pepe” caminha com as próprias pernas em um governo transparente e extremamente eficiente. Dono de um belo fusca azul, o presidente uruguaio segue na contramão do que parecia ser um destino melancólico à América Latina. Cidade velha, ônibus velho, prédios velhos, árvore velha, pensamento novo. O Uruguai é um país que procura preservar sua história, seu passado e seu futuro. Embora o lugar pareça ter estacionado para sempre no tempo, a cabeça está girando. O pensamento acompanha o mundo e vai além do co-nhecimento raso e incompleto; a compreensão se torna um diferencial. Enquan-to países do mundo inteiro ainda tentam entender o que é a coisa “X”, Pepe já entendeu, processou e tomou a medida “A”. Como a taxa populacional do Uruguai é considerada baixa, o presidente consegue agir, analisar seu impac-to na sociedade e todas as decisões a partir desse ponto. Se funcionar, ótimo, deixaremos assim. Se não der certo, para-se o que está fazendo e tenta-se a medida “B”. O fato de o país ser menor também auxilia no “domínio” da popula-ção. Sem ter conotação pejorativa de dominador e submisso, o domínio que o presidente tem sobre os uruguaios é saudável. Quanto mais homogêneo um povo, mais fácil é de conseguir acatar suas críticas e reformular formas de se fazer algo. Fato que prejudica países como a Venezuela e o Brasil, onde existe muita diversidade étnica cultural e, no território brasileiro, ainda há um abismo, entre as classes sociais, que não é possível nem ver a altura da queda. A POLITIK se propõe a explicar o fenômeno uruguaio, de como um sindicalista tranquilo foi virar protagonista de uma obra bem montada e ar-ticulada. E não apenas do nosso vizinho inovador, mas o processo que levou a América Latina inteira carecer de igualdade, não apenas economicamente, mas socialmente.

Deixe a esquerda livre para circulação

Larissa MaruyamaEditora-executiva

André Carmona

Willians Mezzacapa

Michele Alves

Larissa Maruyama

Marina Tonelli

Na contramãoA América Latina viu surgir, tardiamente, a crescente onda de governos com orientação esquerdista, mas car-rega, ainda hoje, velhos e doentios hábitos. O Uruguai, ao contrário, marcha na contramão e se reiventa

O novo milênio chegou, para a América Latina, com o peso de séculos de opres-são e significativos déficits em questões

essenciais para a evolução e a vida humana. São muitas as injustiças que permeiam as intera-ções entre o latino e sua terra, a exploração da natureza e do homem, que, de inócuas, carre-gam apenas o sorriso amarelo de um povo que vive a luta de classes, infinitamente. O continente americano, riquíssimo em recursos naturais de diversas origens, do petró-leo à flora, sempre gerou riqueza. Disso, não há dúvida alguma. O fato é que o povo americano – e quando nos referimos a ele, há de conside-rar a pluralidade étnica e cultural -, produtor desta riqueza, nunca de fato a deteve em suas mãos pardas e machucadas. Não é necessário que voltemos às origens coloniais, quando o continente latino-americano não passava de um território extrativista, onde toda – ou quase toda - riqueza produzida era enviada de volta à Europa. Se nos adiantar-mos um pouco na história e fizermos um recorte da década de 1960, no período pós-segunda guerra mundial, no qual o mundo experimentou grande crescimento econômico, nos é possível

entender as consequências dessa época em nos-so presente e futuro – o Brasil, na era do mila-gre econômico, crescia, em média, na casa dos 7%, mais que o dobro da taxa registrada em 2013, de acordo com o periódico O Estado de S. Paulo. Ainda assim, os índices sociais latino--americanos se mantiveram baixos, ou seja, o crescimento econômico não foi acompanhado pela distribuição dos bens produzidos. Especificamente na América do Sul, so-mam-se, também, os sistemas ditatoriais e milita-res, que tiveram como principal característica a manutenção da não distribuição de renda e da desigualdade descomunal entre ricos e pobres. Brasil, Argentina e Chile, por exemplo, “degus-taram”, negativamente, desta situação, que, de forma natural, acabou por propiciar, no conti-nente, um território fértil às ideias esquerdistas. É dessa forma que o Professor Sidney Leite, pró--reitor acadêmico do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, analisa os motivos da tardia ascensão vermelha na América Latina. No auge de seus 48 anos de idade, Sidney Leite exibe uma barba grisalha bem tratada e uma careca que lhe confere um ar experiente. Vestindo terno cinza, camisa clara –

que, no decorrer dos processos de democratiza-ção do país, elegeu Hugo Chávez Frías, a partir de 1999, como o símbolo máximo do que viria a ser chamado de Revolução Bolivariana, trans-formando mais uma vez o futuro do continente. O tsunami esquerdista ultrapassou as fronteiras venezuelanas e ecoou nas nações vizinhas. A eleição de Lula em 2002, a vitória do partido socialista no Chile, a Argentina com a família Kirchner e a Bolívia de Evo Morales representaram um alinhamento ideológico da maioria da população latina, que, democratica-mente, buscou alternativas ao sistema vigente, idealizando uma melhor divisão das riquezas, pautada na inclusão das camadas sociais urba-nas mais pobres e no fortalecimento das institui-ções do Estado. Entretanto, tais “revoluções” her-dam na genética um discurso de teor populista e paternalista, que, apesar de ter sido, durante um período, importante alicerce na concretiza-ção das instituições políticas nacionais dos paí-ses da América do Sul – com exceção da Vene-zuela, que sempre foi uma república liberal e

dispensando a gravata - e sapatos lustrosos, o especialista em relações internacionais explica, com um ar tranquilo embora sério e com sotaque carioca levemente conservado, apesar de morar na capital paulista há muito tempo, que o caso de maior conflito interno sul-americano, hoje em dia, é o experimentado pela Venezuela, diante da fragilidade das instituições políticas do país. Mas que, o Uruguai, por questões muito parti-culares, como seu tamanho – aproximadamente 3 milhões e meio de habitantes - e história, re-presenta uma quebra de paradigma no que se refere à onda socialista que invadiu o continente a partir do fim da década de 1990. Foi no país de belíssima costa, ao norte da América do Sul, que a onda socialista come-çou. A maior riqueza venezuelana provém de uma das commodities mais valorizadas em todo o mundo, o Petróleo, que, ao contrário de ge-rar frutos e bem-estar à sociedade inteira, foi dominado e explorado por oligarquias durante décadas, que acumularam riqueza e poder, sem o menor indício de partilhá-los; situação ímpar,

André Carmona

Professor Sidney Leite e sua coleção de miniaturas da série mexicana “Chaves”

Larissa Maruyam

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O pequeno país ao sul do Brasil tem peculiari-dades muito importantes a serem consideradas; embora compartilhe do mesmo contexto de ou-tros países, o Uruguai, por exemplo, tornou-se independente e autônomo em relação ao Impé-rio Brasileiro, e não da metrópole espanhola, contextualizando um distinto cenário. No entan-to, apesar dos desdobramentos de guerras no sul, e como havia de ser, o Brasil sempre teve importante papel na vida política e econômica do Uruguai, além de uma relação extremamen-te forte, e de parceria, com o vizinho. “Mesmo convivendo com uma rivalidade histórica com a Argentina – mais adiante do futebol e do tango -, e as lutas de independência contra o império brasileiro, o Uruguai não se isolou, ele interagiu, ainda que tenha uma história diferente.” Segundo o Prof. Sidney, “A experiência uruguaia é bastante peculiar”. A economia na-cional do pequeno Uruguai, após esse período, concentrou suas atenções à pecuária e à expor-tação do produto, tarefa que exerceu com ma-estria. “O corte de gado uruguaio se destaca muito na Europa, por exemplo, por ser um modo

oligárquica -, mantém, ainda em dias atuais, as nações emperradas e reféns de jogos políticos intermináveis, adiando as transformações tão requeridas pelos povos. Confusões à parte, pois elas sentem-se atraídas pela América Latina como formigas por doce, o Uruguai mostra-se diferente. Com todo o vanguardismo que a cerca, a República Oriental do Uruguai, presidida por José Alber-to “Pepe” Mujica, o líder mais exótico de todos os países latinos, parece marchar na contramão da herança política do continente. Refutando privilégios políticos, a sina terceiro-mundista, e apoiando ideias progressistas – que ultrapas-sam os limites do Rio da Prata por serem polê-micas -, sob a bandeira de “salvar vidas”, mas que nem sempre têm aprovação majoritária en-tre a população, o ex-sindicalista “revoluciona” o Uruguai e impulsiona a América do Sul a outro lugar na discussão internacional, equiparando--se às grandes potências mundiais, ao menos, no que diz respeito às ideias. “O Uruguai, realmente, tem uma histó-ria diferente”, afirma Leite, com naturalidade.

diferente de tratar a carne.” A pequena popu-lação do país, se comparado aos vizinhos Brasil e Argentina, também, propicia a possibilidade de transformar o que em outros lugares se apri-siona no campo das ideias em pragmatismo. A própria visão de mundo do país, observada por meio da arquitetura de Montevidéu, da cultura “caipira” de seu povo, dos aparelhos urbanos antigos – confundidos, erroneamente, com de-cadência -, dialoga intimamente com valores mais simples, mas não menos polidos; a escolha da preservação da história, do patrimônio ma-terial e imaterial, como os hábitos culturais, so-bressai a gana de modernização desenfreada, que pode ser constatada em outras localidades, como São Paulo ou Nova York. Não obstante, o país se abre às discussões e ideias modernas, da mesma forma que os países de primeiro mundo. E isso nos dá a clara noção de como o povo uru-guaio quer que o país seja governado, como a presidência de Mujica se dá, além de entender o nível de debate e de pautas nos quais reside o foco da população do país. “Pepe” Mujica, como é conhecido ca-rinhosamente pelos conterrâneos, é o espelho mais fiel do fenômeno midiático Uruguai. Para nós brasileiros, é incrível como um homem que, mesmo eleito ao cargo máximo do país, pode ser visto dirigindo seu Fusca azul metálico, 87, pelas ruas de Montevidéu. Ou ainda, concede entrevistas em sua casa, um rancho nos arredo-res da capital, sentado por sobre uma cadeira de praia antiga, saboreando um mate – chimar-rão -, cercado por cachorros e pássaros. Mas que, mesmo assim, consegue tomar medidas políticas modernas, que se tornaram referência até para os países mais ricos. Em um país no qual os holofotes e os privilégios políticos falam mais alto, como é o caso do Brasil, um presidente como Mujica é cativante. “Na verdade, ele é um sujeito autêntico, mas não está sozinho, o prefei-to de Londres é visto andando de ônibus, o de Nova York vai trabalhar de bicicleta. Isso ex-plicita o nivelamento de discussão que acontece nesses lugares, já aqui, no Brasil, o carro ainda é o símbolo máximo do status de um cidadão, e o transporte público é visto como demérito.” Ainda assim, o presidente conseguiu atrair o foco da

mídia internacional pelo jeito natural de condu-zir o país. Tentando explicar mais “didaticamente”, como ele mesmo citou, o professor Sidney é cate-górico: “É, de fato, surpreendente se considerar-mos que, embora tenha uma sociedade um tanto quanto conservadora, em seus hábitos, e uma resistência ao novo, ao moderno, o Uruguai con-siga ser tão aberto a outras questões, às pautas sociais atuais, como o uso de drogas e o aborto, bem como os enfretamentos contra a indústria do sal e da propaganda de álcool e tabaco.” A sociedade uruguaia apresenta um nivelamento homogênio – baseado num sistema de educação eficiente, em todos os estágios -, uma repúbli-ca democrática consolidada, e isso, segundo o especialista, proporciona que a discussão seja feita de modo mais efetivo, ainda que exista um mínimo grau de variabilidade ideológica, que leve, por exemplo, à derrota do candidato de Mujica, nas próximas eleições; algo que, segun-do o professor Leite, é passível de acontecer. “O que divide a política uruguaia não são as questões básicas, mas, sim, temas que trans-cendem necessidades primárias, alcançando um patamar mais elevado de demanda, e isso é raro na América Latina”, argumenta o professor. No Brasil, por exemplo, ainda se discute a dro-ga sem um norte definido: “Usuários devem ou não ser presos? Quão mal faz a droga?” O de-bate uruguaio vai além, pois consegue ter maior

Medidas de “El Presidente”- Lei do Aborto, sancionada em 22/10/13- Lei da União Gay, promulgada em 06/05/13- Legalização da Maconha, em 24/12/13- Expor saleiro em restaurantes, proibído desde março 2014- Em andamento: Lei que veta a propaganda de alcool, nos moldes da do tabaco, do ex-presiden-te Vázquez, aprovada em 2011Presidentes latino-ameriicanos reunidos em evento do Mercosul

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Mujica foi eleito à presidência em 29 de novembro de 2009, assumindo o cargo em março de 2010. Durante a juventude teve um papel célebre na história do país, foi um dos líderes dos Tupamaros, movimento de guer-rilha urbana na luta contra a ditadura civil--militar do país; participou de roubos à mão armada em bancos e sequestros de figurões. Em um desses episódios acabou 14 anos preso em quartéis uruguaios, durante dois anos deste período foi, praticamente, enterrado vivo den-tro de um poço fundo. Só retornou à liberdade no fim da di-tadura, em 1985. Com o fim do regime militar, Mujica entra para a política. Eleito deputado, depois senador, pelo partido governista de es-querda Frente Ampla, e, mais tarde, nomeado ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. José Mujica dá continuidade ao governo de Taba-ré Vázquez, o primeiro presidente esquerdista da historia do país, que quebrou um ciclo de 170 anos de domínio dos tradicionais partidos Nacional e Colorado.

Casado com a ,também, ex-militante, Lucia Topolansky, sua companheira há quase 40 anos, os dois vivem em uma pequena fa-zenda nos arredores de Montevidéu. Recusou--se a morar na mansão presidencial de Suá-rez y Reyes, bem como dispensou seguranças e carros oficiais; aliás, ele se locomove pelos arredores com um fusca azul. Seu salário de presidente é 90% revertido para ONGs que trabalham com habitações populares. Seu mé-todo de vida simples ganhou admiradores pelo mundo todo, que se encantaram por sua opção ideológica - um presidente é um servidor pú-blico como qualquer outro e por isso não pre-cisa de regalias. Com um carisma sem equivalentes e fala sin-cera num governante, Mujica é um camponês de senso comum, é um presidente de ideias progressistas, que vêm conquistando respeito e admiração por conta de seus discursos an-ticonsumismo e de sua postura de homem sem “papas na língua”, sendo alguém que vale a pena prestar atenção.l

Quem é Pepe Mujica?Michele Alves

O governo ditatorial uruguaio estendeu-se por 12 anos, de 1973 a 1985.

Presidentes pós-ditadura militar:

•Refael Addiego Bruno- 1985 ficou no comando 12 de feve-reiro a 1 de março, Partido União Cívica (direita)

•Julio María Sanguinetti-1985-1990 e entre 1995-2000, Partido Colorado (liberal)

•Jorge Batle-2000-2005, Partido Colorado (liberal)

•Tabaré Vázquez 2005-2010, Partido Frente Ampla. Foi o primeiro presidente de esquerda da história do país.

•José Mujica: 2010-presente, Partido Frente Ampla (centro--esquerda)

horizontalidade em sua base argumentativa, fato que está totalmente atrelado aos níveis de educação do país. Dessa forma, permite-se que as políticas de Mujica sejam debatidas em outra esfera.

Como o mundo está enxergando o Uruguai de Mujica?

Muitas críticas foram feitas às políticas adotadas por Mujica, por diversas en-tidades internacionais, como a ONU

(Organização das Nações Unidas). Como res-posta, o presidente uruguaio, ironicamente, ale-gou que, quando eles (os desenvolvidos) pre-tendem tomar alguma decisão, nunca vêm ao Uruguai consultar nossas opiniões. Contudo, o acadêmico não acredita que essas críticas pos-sam afetar a imagem do Uruguai no cenário político internacional, muito pelo contrário: “Co-loca o Uruguai no centro de uma agenda que o país, normalmente, não apareceria. E aumenta um tipo de poder – que os estados usam mui-to pouco - chamado ‘Soft Power’, ‘Poder Suave’ em tradução livre, que se baseia em criar uma imagem positiva e avançada do país, acabando por exercer uma influência em outras nações.” De acordo com o professor, a repercussão midiática mundial do Uruguai é importante para a América Latina, pois torna-se uma referência positiva de políticas públicas. E que o Mujica tem condição de ser tido como o símbolo dessa nova fase, pela contribuição ao continente; um exemplo de governo que traduz as preocupa-

ções sociais em políticas públicas permanentes, não apenas assistencialismo. “O caso uruguaio já está impactando nos vizinhos no que diz res-peito ao debate. Não precisamos copiar as me-didas; pensá-las já é um grande passo”, afirma Sidney. De fato, recentemente, o deputado Jean Willys, do PSOL-RJ, protocolou um projeto de lei que tem como objetivo principal o debate sobre o fracasso das políticas antidrogas atualmente em vigor. “Não me lembro de o Uruguai ter con-seguido tanto espaço nos noticiários internacio-nais”, recorda Sidney Leite. A sala do professor Sidney Leite é de-corada com miniaturas do seriado mexicano “El Chavo del Ocho”, popularmente conhecido no Brasil como “Chaves”. Num cenário que respira a América Latina, Leite conclui: “Hoje em dia, os cientistas políticos acreditam que o caminho tra-çado pelo Uruguai é positivo; que o uso do ‘Soft Power’ é uma alternativa às políticas tradicio-nais”. Além dessa influência mundial, o Uruguai contribui, localmente falando, para que a Amé-rica Latina livre-se do estigma da decadência, do conservadorismo, e passe a figurar no topo da discussão internacional. A América Latina so-fre com o preconceito por parte das grandes potências. “Por acaso, outro dia, assisti – mas não inteiro -, na TV, ao filme americano, “Velozes e Furiosos”, que se passa aqui no Brasil, e pe-guei diálogos preconceituosos, em falas simples, mas que, no fundo, representam o que realmen-te eles pensam sobre nós. O Uruguai representa uma quebra de paradigma para a América do Sul.”l

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Há um costume muito interessante cultivado por mo-chileiros que se aventuram a viajar pelo mundo. Talvez eu esteja sendo educado. Talvez, costume

não dê a intensidade devida a este hábito. Paranoia tal-vez se aproxime mais. O fato é que, durante esse tipo de viagem, um mapa-múndi é consultado mais vezes ao dia do que notificações em chat do Whatsapp, como se o mapa-múndi merecesse um certo monitoramento, pois os destinos traçados podem se embaralhar em meio ao oceano, com o balançar da bagagem. Pessoas que passaram meses planejando e tra-çando a rota de suas viagens, pesquisando e reservando os melhores preços de passagens e hospedagens, tornam--se extremamente vulneráveis à sugestão e à opinião de uma terceira pessoa que ela acabara de conhecer, vin-da de um país, que, muitas vezes, pouco se ouviu falar. E então: pronto, lá vamos nós de novo ao mapa! Essas discussões ocorrem em todas as noites. Mesmo que du-rante aquele dia não tenha havido nenhuma sugestão de alteração do destino da viagem, abre-se o mapa, pelo menos, para revisar a rota programada. Foi em uma dessas discussões regadas a dezoito cascos de Quilmes, em nossa primeira noite em Buenos Aires, que junto de mais três amigos, decidimos desbravar a costa uruguaia. Afinal de contas, o Uruguai estava na moda, um tal de Mujica acabara de assumir o coman-do e estava polemizando. Como principal atrativo, uma possível legalização da maconha, defendida por Mujica , tornaria o país um pioneiro nas Américas. Através de uma embarcação, atravessamos o Rio da Prata e desem-barcamos na charmosa Colonia Del Sacramento. Lá, de-pois de muito pesquisar, alugamos um carro, o qual nos guiaria nos próximos oito dias. Percorreríamos os poucos menos de quinhentos quilômetros que compõem a costa uruguaia, passando por suas principais cidades turísticas. Começando pela capital, Montevidéu, e passando por Punta Del Leste, La Paloma, La Pedrera, Punta Del Diablo, Cabo Polônio e terminando no Chuí, na divisa com o Brasil. Logo na partida, um aviso: “hoje é dia 30 de janeiro. Com certeza vocês encontrarão uma lentidão no tráfego do litoral”. Esse tipo de informação para quatro jovens paulistanos é algo a ser encarado com extremo rigor. Porém, para nosso espanto, a lentidão descrita pelo frentista era algo semelhante ao trânsito da marginal Tie-tê em uma manhã de domingo. O baixo índice popula-cional uruguaio nos faz esquecer que estamos em um país menor que o estado de São Paulo. Não importa o horário nem o feriado, filas e situações de espera são momen-tos raros em terras uruguaias. Com uma população pro-porcional ao seu pequeno território, a organização social

chama a atenção a todo momento. Mesmo nas cidades mais afastadas e com uma infraestrutura menor, pode se observar um padrão educacional. Residências humildes, em bairros distantes, não são acompanhadas de sujeira e mau odor, como estamos acostumados no Brasil. A cultura uruguaia é algo um pouco difícil de ser reconhecida. A todo instante podemos ouvir músicas bra-sileiras. As telenovelas e os principais programas de tele-visão brasileiros são todos transmitidos nas emissoras uru-guaias. Outra invasão cultural muito comum é a porteña. O tango, as famosas parrilladas, o mate e os alfajores também são utilizados como símbolo da atração turística. Durante a alta temporada, a badalada Punta Del Leste é tomada por uma multidão da vizinha, Argentina. Há, inclusive, certa dificuldade em encontrar um nativo pelas ruas. Tivemos que recorrer sempre ao óbvio. Quando pre-cisávamos de alguma informação local, íamos direto aos responsáveis pela mão de obra. Não à toa, o Uruguai é vulgarmente chamado pelos argentinos de “A nossa fa-zenda”, em referência à quantidade de argentinos que passam boa parte de suas férias lá. Alguns uruguaios mais conservadores, ou mais an-tigos, reclamam da dificuldade em expressar sua própria cultura. Dizem que as indústrias culturais brasileiras e ar-gentinas são muito fortes e têm grande influência na nova geração uruguaia. Realmente, em 12 dias, percorrendo oito cidades, só nos deparamos uma única noite, com uma apresentação musical típica uruguaia. Com instrumentos, dialetos e danças características dos Pampas. Um dos músicos sentiu orgulho ao dizer que, no interior, a cultura uruguaia ainda está bem preservada, mas lamentou o baixo índice turístico das cidades. Outro detalhe que nos chamou muita atenção foi o ritmo de cidade do interior encontrado em todo o território uruguaio, principalmente, na sua capital. Talvez, esta seja a grande vantagem de um país com um território pequeno acompanhado de uma população baixa. Um líder de estado otimista consegue almejar e arriscar algumas medidas encaradas por ou-tras nações como radicais e equivocadas. Analisando o baixo índice populacional, che-gamos a uma conclusão. O Uruguai, sim, é o verdadeiro país do futebol. Mesmo com uma população reduzida, são donos de dois títulos mundiais. O Peñarol é o time que mais vezes chegou a uma final da Copa Libertadores da América, dez vezes. E ainda por cima exportam joga-dores que alcançam uma trajetória de sucesso em clubes do mundo todo, inclusive no Brasil, que, ocupando quase metade do continente sul-americano, se autointitula o “País do Futebol”. É, Brasil, como diria o fenômeno publicitário Cumpádi Washington: Sabe de nada, Inocente! l

Um pedacinho da América ou a cereja do bolo?Willians Mezzacapa

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