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Consumo inteligente D iante de um mercado cada vez mais globalizado e disputado, reduzir custos é fundamental para qual- quer empresa manter-se competitiva, seja ela indústria, loja, hotel ou hospi- tal. Até mesmo para um órgão público, ou para o consumidor comum, contro- lar as despesas é obrigatório para não entrar no vermelho - ou para sair dele. Preservar a saúde financeira das or- ganizações ou mesmo de um condomí- nio ou de uma residência é tarefa com- plexa, que envolve várias ações. Um dos recursos que podem contribuir para isso é a eficientização energética, que, jun- tamente com a otimização dos sistemas de água, pode proporcionar economias substanciais a qualquer tipo de empre- endimento. Esse interesse, que era ma- joritariamente econômico, passou nos últimos anos a dividir a atenção com outra questão: a sustentabilidade do planeta, que se vê ameaçada pelo forte ritmo de exploração dos recursos natu- rais por parte das sociedades modernas. O fato é que economizar energia e água hoje se tornou quase tão im- portante quanto produzir esses insu- mos. O crescimento dessa demanda do mercado propiciou o surgimento das Escos (Energy Service Companies, ou Empresas de Serviços de Conservação de Energia). Trata-se de empresas especializa- das que se responsabilizam por todas as etapas do trabalho - desde o projeto e financiamento até a implementação das ações no cliente, incluindo ainda o treinamento dos envolvidos. O trabalho das Escos é pouco di- fundido no Brasil. Até por conta disso, esse ainda é um mercado relativamente pequeno, mas com boas perspectivas de crescimento. Afinal, o País registra defa- sagem tecnológica no que diz respeito ao seu parque de iluminação pública, aos motores e instalações elétricas em geral, o que representa enorme poten- cial para a prática do retrofit. É em torno desse tema que gira nossa conversa com Aldemir Spohr, diretor-presidente da APS Soluções em Energia, uma das principais empresas brasileiras dedicadas ao serviço de con- servação de energia. Criada em 1992, em Porto Alegre Qual a importância da eficientiza- ção energética no contexto socioe- conômico atual? A eficiência energética pode ser a saí- da para evitarmos investimentos volu- mosos na produção de energia elétri- ca. Atualmente, a eficiência energética poderia responder por uma ou mais usinas de geração. Este processo de- nomina-se “usina virtual”. Que resultados podem ser propor- cionados por um projeto de eficiên- cia energética? Via de regra, em força motriz pode- -se chegar a reduções de 4% a 10% no consumo de energia elétrica. No entan- to, quando se avalia o conjunto, e não apenas o motor, em si, estes percen- tuais aumentam significativamente. Já em compressores os números são bem mais agressivos, chegando-se conforta- velmente a 25% de redução. Quais são as principais etapas do processo de eficientização ener- gética? O processo para melhoria da eficiência inicia com a identificação das oportu- nidades existentes. Seja em instalações industriais ou comerciais, é preciso identificar os principais focos de consu- mo de energia, seja iluminação, moto- res elétricos ou refrigeração, e estudar a forma de eliminar os desperdícios. Entre as alternativas existentes para tanto estão a substituição das tecnolo- gias e as alterações no perfil de con- sumo dos usuários. O processo evolui quando entra na etapa de detalhamen- to dos projetos, onde é preciso contar com uma engenharia especializada em Ano VII - Edição nº 71 - Jul’11 [email protected] Reprodução ou Comercialização Desautorizada 10 | POTÊNCIA | ENTREVISTA Aldemir Spohr

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Consumo Inteligente

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10 | Potência | entrevistaAldemir Spohr

Consumo inteligenteDiante de um mercado cada

vez mais globalizado e disputado, reduzir custos é fundamental para qual-

quer empresa manter-se competitiva, seja ela indústria, loja, hotel ou hospi-tal. Até mesmo para um órgão público, ou para o consumidor comum, contro-lar as despesas é obrigatório para não entrar no vermelho - ou para sair dele.

Preservar a saúde financeira das or-ganizações ou mesmo de um condomí-nio ou de uma residência é tarefa com-plexa, que envolve várias ações. Um dos recursos que podem contribuir para isso é a eficientização energética, que, jun-tamente com a otimização dos sistemas de água, pode proporcionar economias substanciais a qualquer tipo de empre-

endimento. Esse interesse, que era ma-joritariamente econômico, passou nos últimos anos a dividir a atenção com outra questão: a sustentabilidade do planeta, que se vê ameaçada pelo forte ritmo de exploração dos recursos natu-rais por parte das sociedades modernas.

O fato é que economizar energia e água hoje se tornou quase tão im-portante quanto produzir esses insu-mos. O crescimento dessa demanda do mercado propiciou o surgimento das Escos (Energy Service Companies, ou Empresas de Serviços de Conservação de Energia).

Trata-se de empresas especializa-das que se responsabilizam por todas as etapas do trabalho - desde o projeto e financiamento até a implementação

das ações no cliente, incluindo ainda o treinamento dos envolvidos.

O trabalho das Escos é pouco di-fundido no Brasil. Até por conta disso, esse ainda é um mercado relativamente pequeno, mas com boas perspectivas de crescimento. Afinal, o País registra defa-sagem tecnológica no que diz respeito ao seu parque de iluminação pública, aos motores e instalações elétricas em geral, o que representa enorme poten-cial para a prática do retrofit.

É em torno desse tema que gira nossa conversa com Aldemir Spohr, diretor-presidente da APS Soluções em Energia, uma das principais empresas brasileiras dedicadas ao serviço de con-servação de energia.

Criada em 1992, em Porto Alegre

Qual a importância da eficientiza-ção energética no contexto socioe-conômico atual?A eficiência energética pode ser a saí-da para evitarmos investimentos volu-mosos na produção de energia elétri-ca. Atualmente, a eficiência energética poderia responder por uma ou mais usinas de geração. Este processo de-nomina-se “usina virtual”.

Que resultados podem ser propor-cionados por um projeto de eficiên-cia energética?

Via de regra, em força motriz pode--se chegar a reduções de 4% a 10% no consumo de energia elétrica. No entan-to, quando se avalia o conjunto, e não apenas o motor, em si, estes percen-tuais aumentam significativamente. Já em compressores os números são bem mais agressivos, chegando-se conforta-velmente a 25% de redução.

Quais são as principais etapas do processo de eficientização ener-gética?O processo para melhoria da eficiência

inicia com a identificação das oportu-nidades existentes. Seja em instalações industriais ou comerciais, é preciso identificar os principais focos de consu-mo de energia, seja iluminação, moto-res elétricos ou refrigeração, e estudar a forma de eliminar os desperdícios. Entre as alternativas existentes para tanto estão a substituição das tecnolo-gias e as alterações no perfil de con-sumo dos usuários. O processo evolui quando entra na etapa de detalhamen-to dos projetos, onde é preciso contar com uma engenharia especializada em

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Entrevista a Paulo Martins

eficiência energética. Após a execução das medidas propostas acontece a eta-pa de medição e verificação dos resul-tados atingidos, visando comprovar os estudos realizados inicialmente.

É possível medir o potencial de efi-cientização energética que o Brasil possui?Sim. Estima-se que o desperdício de energia elétrica no Brasil é de R$ 15 bilhões, o que equivale ao consumo anual de 12,5 milhões de unidades habitacionais.

Em que setores esse processo está mais avançado?De forma geral, todos os setores têm intensificado sua busca por ações de eficientização energética. No entanto, a indústria se destaca mais, acredito, por ter iniciado esta caminhada ante-riormente aos outros setores.

Em qual setor o potencial de efi-cientização é maior? Por que?O setor industrial é responsável por quase a metade do consumo de ener-gia elétrica do País. Um estudo recente

realizado pela Abesco (Associação Bra-sileira das Empresas de Serviços de Con-servação de Energia) e pelo Ministério de Minas e Energia mostra um potencial econômico em redução de aproxima-damente 30% no segmento industrial.

Como está o mercado de eficien-tização energética no País, atual-mente?Este mercado ainda não tem uma espi-nha dorsal que o sustente de forma se-gura. Devemos, por meio de ações im-plementadas, realizar a divulgação dos

(RS), a APS possui carteira com mais de 600 clientes, entre indústrias, concessio-nárias de energia, estabelecimentos co-merciais, hotéis, hospitais e companhias de saneamento. A empresa já recebeu quase duas dezenas de prêmios decor-rentes de sua atuação na promoção da eficiência energética.

Segundo a companhia, o desperdí-cio de energia elétrica no Brasil chega a R$ 15 bilhões anuais, quantia mais do que suficiente para acender o sinal de alerta. Para Aldemir Spohr, o papel da Esco no mercado de eficiência energé-tica é fundamental. “É ela a responsável pela união da oportunidade com os re-cursos; ela faz a implementação e a me-dição dos resultados”, sintetiza. Confira a seguir a entrevista.

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Foto: Divulgação

resultados obtidos. Chama a atenção o fato de que o contratante - seja indús-tria ou comércio - sabe com precisão o que é uma ONG (Organização Não Governamental), mas não faz a menor ideia do que é uma Esco. O papel da Esco no mercado de eficiência energé-tica é fundamental, pois é ela a respon-sável pela união da oportunidade com os recursos; ela faz a implementação e a medição dos resultados.

Em relação ao mundo, em que nível o Brasil está, quanto ao avanço da eficientização energética?Engatinhando. Nossa relação é primá-ria, em comparação a países escandina-vos ou aos Estados Unidos. Nos faltam incentivos fiscais, legislação adequada, Escos capacitadas e estruturadas e fa-cilidade de acesso com rapidez a re-cursos. Já em comparação a países da América Latina, como Argentina, Uru-

guai, Chile e Paraguai, o Brasil está muito mais avançado.

Após a conclusão de um trabalho de eficientização é feito o acompanha-mento do processo para monitorar os resultados?Muitas vezes os contratos não termi-nam na execução e comprovação dos resultados das ações. Estes contratos são chamados de BOT (Build, Operate and Transfer) e avançam na operação e manutenção do sistema implemen-tado. Por exemplo: temos implemen-tado um projeto de geração de energia térmica através da biomassa gerada no processo de um grande cliente nosso, onde toda a responsabilidade técnica e o investimento foram realizados pela APS. Neste caso, estamos gerando ener-gia durante cinco anos através de uma nova tecnologia e uma equipe de ope-ração e manutenção própria.

O processo de eficientização inclui a realização de treinamentos ou conscientização dos usuários de energia, sejam eles funcionários das empresas ou moradores de um condomínio?Sim. Em todos os projetos realizados temos no final da implantação um trei-namento que fazemos em conjunto com o nosso parceiro fornecedor dos equipamentos, baseado na forma mais eficiente de se operar o sistema.

Normalmente a cultura do uso ra-cional de energia permanece enrai-zada na organização que contrata o serviço de eficientização ou é algo passageiro?Quando um processo de eficiência energética inicia dentro de uma orga-nização muitas barreiras já foram venci-das. Por conta disso, normalmente esse é um processo irreversível e duradouro.

O papel da Esco no mercado de

eficiência energética é fundamental,

pois é ela a responsável pela união

da oportunidade com os recursos.

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Os consumidores de energia elétrica

perceberam que, para se tornarem

competitivos, devem optar por ações de

eficiência energética.

Como o senhor avalia a disponibilida-de de financiamento no País para pro-mover a eficientização energética?Dinheiro, definitivamente, não é um empecilho para processos e projetos de eficiência energética no Brasil. Es-tão disponíveis diversas linhas de cré-dito, como o Proesco. Além disso, exis-tem os recursos provenientes da obri-gatoriedade imposta pela Aneel para as distribuidoras aplicarem verbas em eficiência energética, os investimentos próprios e os investimentos privados. Mas falta agilidade para a liberação de recursos, principalmente por parte dos bancos de fomento, por conta da dificuldade de avaliação de risco dos

projetos. É por este motivo que Escos como a APS decidiram utilizar finan-ciamento próprio em seus projetos, aplicando a metodologia de perfor-mance. Através desse sistema, a eco-nomia proporcionada é a responsável por garantir todos os investimentos e remunerações atrelados aos projetos, dando uma velocidade muito elevada a esta forma de contratação.

Qual a importância do trabalho das Escos? Um consumidor de energia, seja uma indústria ou condomínio, não teria condições de buscar o ca-minho da eficientização sem a aju-da de uma Esco?

Os consumidores de energia elétrica, principalmente os eletrointensivos, já perceberam que para se tornarem com-petitivos frente ao avanço multinacional, que apresenta custos energéticos dife-renciados em relação a um mesmo pro-duto nacional, devem optar por ações de eficiência energética. Ocorre que, via de regra, a indústria está preocupada em produzir, muitas vezes sem pensar no custo ou no desperdício decorrente de cada tonelada de produto produzido. Atender à demanda produtiva é a prio-ridade inicial dela. Outro aspecto é que quando a indústria avalia seus custos e parte para ações de eficiência, procura por soluções diretamente junto aos fa-bricantes. A Esco é o link, o elo que une a necessidade da indústria de se tornar mais eficiente ao fabricante do equipa-mento, ao recurso, à implementação e principalmente à medição e verificação dos resultados, o que garante todo o processo. Resumidamente: a Esco faz a gestão e dá velocidade à implantação do projeto de eficiência energética.

De forma geral, como estão orga-nizadas as Escos, por exemplo, quanto à disponibilidade de mão de obra e nível de especialização nos diferentes tipos de trabalho, entre outros aspectos?A maioria das Escos é ligada à Abesco, que está desenvolvendo uma lista de capacitação de mão de obra e nível de especialização, pretendendo, com isso, demonstrar ao mercado os diferentes tipos de especialização e capacitação.

Como se dá a remuneração das Escos?As Escos podem ser remuneradas de diversas formas. A mais praticada é aquela com base na performance dos projetos. Ou seja, a Esco realiza todos os investimentos, desde os estudos até a aquisição de materiais e equipamen-tos, e parte da economia gerada é des-tinada à sua remuneração.Fo

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