Revista Saúde Em Debate_Saúde Mental_ v.32_n 78-79-80_jan_ Dez_2008

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 ISSN 0103-1104

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    08Cebes

    ISSN 0103-1104

  • Centro Brasileiro de estudos de sade (CeBes)

    DIREO NACIONAL (GESTO 2006-2009)

    NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2006-2009)

    Diretoria Executiva

    Presidente Sonia Fleury (RJ)

    1O Vice-Presidente Ligia Bahia (RJ)

    2O Vice-Presidente Ana Maria Costa (DF)

    3O Vice-Presidente Luiz Neves (RJ)

    4O Vice-Presidente Mario Scheffer (SP)

    1O Suplente Francisco Braga (RJ)

    2O Suplente Lenaura Lobato (RJ)

    Diretor Ad-hoc Nelson Rodrigues dos Santos (SP)

    Diretor Ad-hoc Rodrigo Oliveira (RJ)

    CONSELHO FISCAL / FISCAL COUNCIL

    quilas Mendes (SP)

    Jos da Rocha Carvalheiro (RJ)

    Assis Mafort (DF)

    Sonia Ferraz (DF)

    Maura Pacheco (RJ)

    Gilson Cantarino (RJ)

    Cornelis Van Stralen (MG)

    CONSELHO CONSULTIVO / ADVISORY COUNCIL

    Sarah Escorel (RJ)

    Odorico M. Andrade (CE)

    Lucio Botelho (SC)

    Antonio Ivo de Carvalho (RJ)

    Roberto Medronho (RJ)

    Jos Francisco da Silva (MG)

    Luiz Galvo (WDC)

    Andr Mdici (DF)

    Jandira Feghali (RJ)

    Jos Moroni (DF)

    Ary Carvalho de Miranda (RJ)

    Julio Muller (MT)

    Silvio Fernandes da Silva (PR)

    Sebastio Loureiro (BA)

    SECRETARIA / SECRETARIES

    Secretaria Geral Mariana Faria Pesquisadora Tatiana Neves

    A Revista Sade em Debate associada Associao Brasileirade Editores Cientficos

    sade em deBate

    A revista Sade em Debate uma publicao quadrimestral editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    EDITOR CIENTFICO / CIENTIFIC EDITOR

    Paulo Amarante (RJ)

    CONSELHO EDITORIAL / PUBLISHING COUNCIL

    Jairnilson Paim (BA)

    Gasto Wagner Campos (SP)

    Ligia Giovanella (RJ)

    Edmundo Gallo (DF)

    Francisco Campos (MG)

    Paulo Buss (RJ)

    Eleonor Conill (SC)

    Emerson Merhy (SP)

    Naomar de Almeida Filho (BA)

    Jos Carlos Braga (SP)

    EDITORA ExECUTIVA / ExECUTIVE EDITOR

    Marlia Correia

    INDExAO / INDExATION

    Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cin- cias da Sade (LILACS)

    Os artigos sobre Histria da Sade esto indexados pela Base HISA Base Bibliogrfica em Histria da Sade Pblica na Amrica Latina e Caribe

    ENDEREO PARA CORRESPONDNCIA

    Avenida Brasil, 4036 sala 802 Manguinhos21040-361 Rio de Janeiro RJ BrasilTel.: (21) 3882-9140, 3882-9141Fax.: (21) 2260-3782Site: www.cebes.org.br www.saudeemdebate.org.br E-mail: [email protected] [email protected]

    Apoio

    REVISO DE TExTO,CAPA, DIAGRAMAO E EDITORAO ELETRNICA

    Zeppelini Editorial

    IMPRESSO E ACABAMENTO

    Corb Editora Artes Grficas

    TIRAGEM

    2.000 exemplares

    Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em novembro de 2008.

    Capa em papel carto supremo 250 gr

    Miolo em papel kromma silk 80 gr

    PROOFREADINGCOVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING

    Zeppelini Editorial

    PRINT AND FINISH

    Corb Editora Artes Grficas

    NUMBER OF COPIES

    2,000 copies

    This publication was printed in Rio de Janeiro on november, 2008.

    Cover in premium card 250 gr

    Core in kromma silk 80 gr

    Sade em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Sade, Centro Brasileiro de Estudos de Sade, CEBES v.1 (out./nov./dez. 1976) So Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Sade, CEBES, 2008.

    v. 32; n. 78/79/80; 27,5 cm Quadrimestral ISSN 0103-1104

    1. Sade Pblica, Peridico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Sade, CEBES

    CDD 362.1

  • Rio de Janeiro v.32 n.78/79/80 jan./dez. 2008

    RGO OFICIAL DO CEBES

    Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    ISSN 0103-1104

  • EdItorIal / EDITORIAL

    aPrESENtao / PRESENTATION

    artIgoS orIgINaIS / ORIgINAL ARTIcLES

    Ensaioreforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir

    do materialismo dialticoPsychiatric Reform and psychosocial rehabilitation: an examination

    based on the dialectical materialismAlice Hirdes

    REvisoPsicologia e Sade Mental: trs momentos de uma histria

    Psychology and Mental Health: three moments of a historyJoo Leite Ferreira Neto

    Ensaioa Estratgia ateno Psicossocial: desafio na prtica dos novos

    dispositivos de Sade MentalEaps: challenge in the practice of the new devices of Mental Health

    Silvio Yasui, Abilio Costa-Rosa

    Ensaioalgumas reflexes sobre as bases conceituais da Sade Mental e a

    formao do profissional de Sade Mental no contexto da promoo da sade

    Reflections on the conceptual bases of Mental Health and the formation of the Mental Health professional in the context of health promotion

    Walter Ferreira de Oliveira

    EnsaioBreve histria da reforma Psiquitrica para uma melhor

    compreenso da questo atualBrief history of the Psychiatric Reform for a better comprehension of the

    current debateRichard Couto, Sonia Alberti

    REvisoSade do trabalhador de Sade Mental: uma reviso dos estudos

    brasileirosThe health of Mental Health workers: a review of Brazilian scientific

    literatureTatiana Ramminger

    Ensaioa Escola livre de artes Visuais do Museu Bispo do rosrio arte

    ContemporneaThe Visual Arts Free School of Museu Bispo do Rosrio Arte

    contemporneaRicardo Aquino, Thiago Ferreira de Aquino, Rita Aquino

    EnsaioSade Mental e cultura: que cultura?

    Mental Health and culture: what culture?Alexandre Simes Ribeiro

    Ensaioa dimenso sociocultural da reforma Psiquitrica e a Companhia

    Experimental Mu...danaThe socio-cultural side of Psychiatric Reform and the companhia

    Experimental Mu...danaMyrna Coelho

    PEsquisaa ao territorial do Centro de ateno Psicossocial em sua natureza

    substitutivaThe territorial action of the centro de Ateno Psicossocial as indicator

    of its substitutive natureRenata Martins Quintas, Paulo Amarante

    RElato dE ExPERinciagrupo como dispositivo de vida em um caPs ad: um cuidado em Sade Mental para alm do sintomagroup of devices of life in Caps ad: Mental Health care beyond symptomsMilena Leal Pacheco, Luiz Ziegelmann

    PEsquisaPanorama do tratamento dos usurios de drogas no rio de JaneiroAn overview of treatment service for drug-addicts in Rio de JaneiroMagda Vaissman, Marise Rama, Artemis Soares Viot Serra

    PEsquisaHomens-carrapatos e suas mulheres: relato de experincia em Sade Mental na Estratgia Sade da FamliaTick-men and their women: a report about Mental Health issue in Family Health StrategyIonara Vieira Moura Rabelo, Rosana Carneiro Tavares

    EnsaioSade Mental e ateno Bsica Sade: o apoio matricial na construo de uma rede multicntricaMental Health and primary health care: the matrix support building a multicentric netMariana Dorsa Figueiredo, Rosana Onocko Campos

    PEsquisaa crise na rede: o SaMU no contexto da reforma PsiquitricaThe crisis on network: SAMU at Psychiatric Reform contextKatita Jardim, Magda Dimenstein

    RElato dE ExPERinciaa construo de um servio de base territorial: a experincia do Centro Psiquitrico rio de JaneiroThe construction of a territorial base service: the experience of the centro Psiquitrico Rio de JaneiroAlexandre Keusen, Andra da Luz Carvalho

    RElato dE ExPERinciaarticulando planejamento e contratos de gesto na organizao de servios substitutivos de Sade Mental: experincia do SUS em Belo HorizonteLinking planning and management contracts in the organization of substitute services of Mental Health: experience of SUS in Belo Horizonte, Minas geraisSerafim Barbosa Santos-Filho

    doCUMENtoS HIStrICoS / HISTORIcAL DOcUMENTS

    Sade Mental: condies de assistncia ao doente mentalComisso de Sade Mental dos Cebes

    artIgoS orIgINaIS / ORIgINAL ARTIcLES

    Ensaioa crise de dominao no sistema pblico de sadeThe domination crisis in the Brazilian public health systemArlene Laurenti Monterrosa Ayala

    EnsaioFranois dagognet, por uma nova filosofia da doenaFranois Dagognet, for a new philosophy of diseaseSabira de Alencar Czermak

    artIgo INtErNaCIoNal / INTERNATIONAL ARTIcLE

    EnsaioModelo de salud colombiano: exportable, en funcin de los intereses de mercadocolombian health model: exportable, depending on the interest of the marketMauricio Torres Tovar

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    S U M R I O SUMMARY

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    EdItorIal 3

    ambiciosa e revolucionria, a declarao de alma-ata completou 30 anos sem que seus objetivos fossem totalmente concretizados. o Centro Brasileiro

    de Estudos de Sade (cEbEs) dava seus primeiros passos

    quando, em setembro de 1978, a organizao Mundial

    da Sade (oMS) e o Fundo das Naes Unidas para a

    Infncia (unicEf) reuniram no Cazaquisto os represen-

    tantes de 137 pases que ungiriam a meta de acesso

    sade digna por todos, no mais tardar at o ano 2000.

    a promessa era desenvolver aes urgentes baseadas

    na participao social e na promoo da ateno bsica

    sade. o apelo maior era em relao necessidade

    de uma ordem econmica mundial mais justa e mais

    solidria.

    a essncia da alma-ata foi perdida, pois os resul-

    tados sanitrios nunca foram to desiguais no mundo,

    assim como nunca foi to precrio e injusto o acesso

    sade. Hoje, de mais de 40 anos a diferena na

    expectativa de vida entre as naes mais pobres e as

    mais ricas. os gastos pblicos com a sade nesses pa-

    ses variam, respectivamente, de 20 a 6 mil dlares por

    pessoa e por ano. Muitos governos deram respostas

    inadequadas em relao a esse setor, alm de terem sido

    incapazes de antecipar os problemas e impotentes na

    busca de solues.

    Em ano de efemrides 20 anos de Sistema nico

    de Sade (SUS), 30 anos de alma-ata, 60 anos da de-

    clarao Universal dos direitos Humanos o Brasil tem

    bons motivos para se orgulhar do trabalho realizado na

    tentativa de melhoria da sade de seu povo. o relatrio

    anual da oMS de 2008 voltou a recomendar a adoo da

    ateno primria sade em todos os pases e destacou

    o Brasil como exemplo. os avanos na construo da

    poltica nacional de Sade Mental, um dos temas desta

    Sade em Debate, representam bem essa conquista.

    Mesmo nesse Brasil de tantos avanos no con-

    sensual o lugar da ateno primria sade, tampouco

    so uniformes as abordagens em sua implementao.

    Vista por alguns gestores como programa seletivo que

    oferta uma cesta restrita de servios e por outros,

    meramente como um dos nveis de ateno sade,

    ainda no foi viabilizada em sua concepo descentra-

    lizada, mais abrangente e integral. Estratgica porta de

    entrada do sistema, a ateno primria tem um papel

    preponderante no processo de implementao do novo

    modelo assistencial do SUS, desde que superadas a

    superposio de redes de assistncia, a falta de unifor-

    midade na execuo do Programa Sade da Famlia

    (PSF), as desigualdades no acesso e na utilizao dos

    servios, a pouca valorizao e formao inadequada dos

    profissionais, a focalizao e seletividade de ofertas do

    pronto-atendimento mnimo incluem-se nesse tpico

    as assistncias Mdicas ambulatoriais (aMa) na cidade

    de So Paulo e as Unidades de Pronto-atendimento

    (UPa) no municpio do rio de Janeiro, alimentadas,

    na verdade, pelo marketing eleitoral.

    desde que proposta a re-fundao do cEbEs, tem-se

    voltado muito a ateno para a necessidade de retomada

    do esprito crtico, do debate propositivo que deu origem

    ao projeto da reforma Sanitria brasileira. No se trata

    de insistir na ressurreio da reforma em si, mas de reco-

    nhecer o seu grande xito na construo do SUS.

    da mesma forma, no se trata de reinventar o

    passado, mas de manter o clima dos movimentos que

    se organizaram em torno de ideais e projetos coletivos,

    capazes de exercitar a crtica, de reconhecer as deficin-

    cias, de reorientar os compromissos institucionais e de

    radicalizar a democracia.

    a dIrEtorIa NaCIoNal

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 3-4, jan./dez. 2008

    EDITORIAL4

    ambitious and revolutionary, the alma-ata decla-ration has completed 30 years, without the total fulfillment of its objectives. the Centro Brasileiro de

    Estudos de Sade (cEbEs) was taking its first steps when,

    in September, 1978, the World Health organization

    (WHo) and the United Nations Childrens Fund (uni-

    cEf) brought together in Kazakhstan 137 representatives

    of countries that would reach the goal of providing access

    to a deserving health for all, until 2000, at the latest.

    the promise was to develop urgent actions based on

    social participation and on the promotion of basic atten-

    tion to health. the greatest plea was related to the need

    for a fairer and more solidary economic world order.

    the essence of the alma-ata was lost, because the

    sanitary results have never been so unequal in the world,

    as well as the access to health, which has never been so

    precarious and unfair. Nowadays, the difference of life

    expectation rates between the poorest and the richest

    nations is of more than 40 years. Public expenses with

    health in these countries vary, respectively, from 20 to

    6 thousand dollars per person and per year. Many go-

    vernments have given inadequate answers regarding this

    sector, and have also been incapable of anticipating the

    problems and impotent in the search for solutions.

    on an ephemerides year 20 years of National

    Health System (SUS), 30 years of alma-ata, 60 years of

    the Universal declaration of Human rights Brazil has

    good reasons to be proud of the work accomplished in

    the attempt to improve peoples health. the World Health

    report 2008 has once again recommended the adoption

    of primary attention to health in all countries, and poin-

    ted Brazil as an example. the advances in constructing a

    Mental Health national policy, one of the subjects of this

    Sade em Debate, clearly represent this achievement.

    Even in Brazil, with so many advances, the placing

    of primary attention to health is not consensual, and nei-

    ther are uniform the approaches in its implementation.

    Considered by many managers as a selective program

    that offers a restricted basket of services and, by others,

    as merely one of the levels of attention to health, it hasnt

    been made possible in its decentralized concept, more

    extensive and complete. as a strategic front door of the

    system, primary attention plays a preponderant role

    in the process of implementing a new SUS assistance

    model, as long as some issues can be overcome, such

    as the superposition of assistance networks, the lack

    of uniformity to execute the Family Health Program

    (PSF), the inequalities to access and to use the services,

    the little importance given to professionals and their

    inadequate qualification, the focalization and selectivity

    of minimum emergency room offers in this topic are

    included the ambulatory Medical Care (aMa), in So

    Paulo, and the Emergency rooms (UPa), in rio de

    Janeiro, sustained, in fact, by electoral marketing.

    Since the proposal of re-founding cEbEs, there has

    been a lot of attention into the need to retake the critical

    spirit, the preposition debate that originated the Bra-

    zilian Sanitary reform project. It is not about insisting

    on the resurrection of the reform itself, but recognizing

    its great success in constructing SUS.

    also, it is not about reinventing the past, but

    keeping the atmosphere of the movements that were

    organized around collective ideas and projects, which

    were able to exercise the criticism, recognize deficien-

    cies, reorient institutional commitments and radicalize

    democracy.

    THE NATIONAL DIREcTORATE

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 5-8, jan./dez. 2008

    aPrESENtao 5

    Esta revista surge num momento muito especial, afinal, comemoram-se os 30 anos da reforma Psi-quitrica no Brasil. Para celebrar esta data, selecionamos

    uma capa estranha: a foto da grade de uma cela de um

    hospital psiquitrico. o objetivo desta imagem provo-

    cativa demarcar a distncia histrica, tica e poltica

    entre o momento inicial, 1978 e 1979, e o cenrio atual

    de participao dos usurios na construo da poltica,

    servios e estratgias em Sade Mental.

    No incio deste ano, em meio s comemoraes dos

    30 anos de reforma, foi realizado, no rio de Janeiro,

    o II Frum Internacional de Sade Coletiva, Sade

    Mental e direitos Humanos. Mais de 3.000 pessoas,

    militantes das mais diversas reas da sade e dos direi-

    tos humanos, participaram desse Frum debatendo e

    construindo um novo cenrio para a Sade Mental no

    Brasil e em vrias partes do mundo.

    Para encerrar o ano com chave de ouro, lanamos

    este nmero especialmente dedicado ao tema da Sade

    Mental, no I Congresso Brasileiro de Sade Mental,

    organizado pela recm-criada associao Brasileira de

    Sade Mental (abRasmE).

    H um consenso na rea da sade coletiva sobre a

    importante contribuio que o campo da Sade Mental

    tem trazido para a sade de forma geral, problematizan-

    do a relao instituio-usurio e de institucionalizao,

    destacando a importncia do trabalho e do envolvimento

    da famlia, bem como a importncia do trabalho no

    territrio. Enfim, so muitas, e reconhecidas, as contri-

    buies. Sabemos que uma revista sobre Sade Mental

    no ser consultada apenas por profissionais da rea,

    mas de toda a sade pblica.

    a revista iniciada com uma srie de artigos de

    natureza conceitual. aqui se incluem os artigos de

    alice Hirdes, com uma leitura da reforma psiquitrica

    e da reabilitao psicossocial a partir do materialis-

    mo dialtico, de Joo leite Ferreira Neto, com uma

    anlise histria de trs momentos da psicologia em

    Belo Horizonte, de Silvio Yasui e abilio Costa-rosa,

    que discorrem sobre a estratgia e os desafios do novo

    modelo de ateno psicossocial, de Walter oliveira

    que aborda as bases conceituais da Sade Mental

    e sua relao com a formao dos profissionais no

    contexto da promoo da sade. o artigo de richard

    Couto e Sonia alberti apresenta um histrico sobre

    o conceito de reforma Psiquitrica e a tenso entre

    clnica e ateno psicossocial e, para finalizar a srie,

    uma importante reviso de estudos brasileiros sobre

    Sade Mental do trabalhador, de autoria de tatiana

    ramminger.

    a interveno no campo da cultura tem assumido

    um papel importante no processo da reforma Psiqui-

    trica brasileira e, por isso, um outro bloco de artigos

    dedicado relao entre cultura e Sade Mental.

    o texto de ricardo aquino trata dos fundamentos e

    princpios da Escola livre de artes Visuais do Museu

    Bispo do rosrio de arte Contempornea. alexandre

    ribeiro aborda as articulaes entre Sade Mental

    e cultura e Myrna Coelho tece comentrios sobre a

    dimenso sociocultural da reforma Psiquitrica a

    partir das experincias vivenciadas na companhia

    Experimental Mu...dana.

    os Centros de ateno Psicossocial (caPs), dispo-

    sitivos estratgicos da poltica pblica de Sade Mental

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 5-8, jan./dez. 2008

    aPrESENtao6

    brasileira, so objetos de pesquisa no artigo de renata

    Quintas e Paulo amarante que discorrem sobre as

    caractersticas inovadoras e substitutivas de tais dispo-

    sitivos. o artigo de autoria de Milena leal Pacheco e

    luiz Zielgman traz algumas reflexes sobre a terapia em

    grupo em um caPs especializado em dependncia qu-

    mica; contemplamos, ainda, uma anlise do tratamento

    dos usurios de drogas no rio de Janeiro no texto de

    Magda Vaissman et al.

    outro tema importante diz respeito s relaes e

    possibilidades entre a rea da Sade Mental e a Sade

    da Famlia que, de formas distintas, est presente nas

    abordagens dos artigos de Ionara rabelo e rosana

    Carneiro tavares, atravs dos resultados de uma in-

    terveno psicossocial em mulheres que faziam uso de

    ansiolticos, e de Mariana dorsa Figueiredo e rosana

    onocko Campos, que traz algumas observaes acerca

    do apoio matricial Sade Mental na ateno bsica

    sade.

    a ateno aos usurios em crise um dos aspectos

    mais srios e que coloca em xeque todo o processo da

    reforma Psiquitrica. trs artigos so dedicados a esse

    tema: o de Katita Jardim e Magda dimenstein, que traz

    um anlise das prticas do Servio de atendimento M-

    vel de Urgncia (samu) em aracaju e suas articulaes

    com a rede de ateno psicossocial; o artigo de alexandre

    Keusen e andra da luz Carvalho relata a trajetria de

    um centro de ateno em Sade Mental que atende

    crise e se baseia na lgica do trabalho territorial. Serafim

    Santos-Filho aborda a rica experincia de planejamento

    e gesto da rede de servios de sade e Sade Mental

    em Belo Horizonte, indicando importantes caminhos

    para os gestores.

    Na seo de documentos Histricos, republicamos

    uma das primeiras manifestaes polticas do processo

    de reforma Psiquitrica no Brasil, um marco da pro-

    duo crtica em Sade Mental no pas. trata-se de um

    documento elaborado pelo Comisso de Sade Mental

    do cEbEs, intitulado condies de assistncia ao doente

    mental que, trazendo uma anlise bastante precisa das

    caractersticas de desassistncia e violncia institucional

    do modelo psiquitrico de ento, foi apresentado no

    I Simpsio de Polticas de Sade da Cmara dos de-

    putados em outubro de 1979. Nesse mesmo simpsio,

    o cEbEs apresentou sociedade brasileira a proposta

    do Sistema nico de Sade (SUS) a partir do histrico

    texto A questo democrtica na rea da sade. a capa da

    presente edio traz uma das ilustraes desse texto.

    temos uma pauta bastante ampla e variada, que

    caracteriza a transdiciplinaridade e enorme dimenso

    do campo da Sade Mental.

    Na seo de temas gerais, publicamos os artigos de

    arlene laurenti ayala com uma instigante anlise sobre a

    crise de dominao ou controle das instituies de sade

    por parte dos trabalhadores de sade e da populao. o

    texto de Sabira de alencar traz as reflexes do filsofo,

    mdico e epistemlogo Franois dagognet, o precursor,

    a seu modo, da tradio de seu mestre georges Cangui-

    lhem. Na seo internacional, Maurcio torres analisa

    em seu artigo os aspectos relacionados estrutura, ao

    financiamento e funcionamento do modelo de sade

    colombiano.

    Boa leitura!

    Paulo amaRantE

    EditoR ciEntfico

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 5-8, jan./dez. 2008

    PRESENTATION 7

    this magazine appears at a very special moment, after all, the thirtieth anniversary of the Psychiatric reform in Brazil is commemorated. to celebrate this

    date, we have selected a strange cover: a picture of prison

    cell bars of a psychiatric hospital. the purpose of this

    provocative image is to delimit the historical distance,

    ethics and politics between the initial moment, 1978

    and 1979, and the current scenery of users participation

    in the construction of Mental Health politics, services

    and strategies.

    In the beginning of this year, during celebrations

    for the thirty years of the reform, the 2nd International

    Forum about Collective Health, Mental Health and

    Human rights took place in rio de Janeiro. More than

    3 thousand people, militants in different fields of health

    and human rights, have participated in this Forum,

    debating and constructing a new scenery for Mental

    Health in Brazil and around the world.

    to end the year with a cherry on top, we have

    released this issue, specially dedicated to the theme of

    Mental Health, at the 1st Brazilian Congress of Mental

    Health, organized by the recently created associao

    Brasileira de Sade Mental (abRasmE).

    there is consensus in the collective health area

    about the important contribution brought by the

    Mental Health field for health in general, rendering

    problematic to the relation institution-user and institu-

    tionalization, accentuating the importance of health and

    family involvement, as well as the importance of field

    work. anyway, there many recognized contributions.

    We know that a magazine about Mental Health will

    not be consulted only by professionals of the field, but

    by the whole public health.

    the magazine starts with a series of articles of

    conceptual nature. Here are included articles by alice

    Hirdes, reading the psychiatric reform and the psycho-

    social rehabilitation from dialectic materialism; by Joo

    leite Ferreita Neto, with historical analysis of three

    moments of psychology in Belo Horizonte; by Silvio

    Yasui and abilio Costa-rosa, who discourse about the

    strategies and challenges of the new model of psychoso-

    cial attention; by Walter oliveira, who approaches the

    conceptual basis of Mental Health and its relation to

    the graduation of professionals in the context of pro-

    moting health. the article by richard Couto and Sonia

    alberti presents the history of the Psychiatric reform

    concept and the tension between clinic and psychosocial

    attention and, to end the series, an important review of

    Brazilian studies about Mental Health of workers, by

    tatiana ramminger.

    the intervention in the culture field has been

    assuming an important role in the process of the Bra-

    zilian Psychiatric reform and, because of that, another

    block of articles is dedicated to the relation between

    culture and Mental Health. a text by ricardo aquino

    about the fundamentals and principles of the Escola

    livre de artes Visuais from the Museu Bispo do ro-

    srio de arte Contempornea is presented. alexandre

    ribeiro approaches the articulations between Mental

    Health and culture and Myrna Coelho comments on

    the sociocultural dimension of the Psychiatric reform

    from experiences seen in the dancing group companhia

    Experimental Mudana.

    the Psychosocial Care Centers (the so called caPs

    in Brazil), strategic devices from the public policy of

    Brazilian Mental Health, are objects of research in the

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 5-8, jan./dez. 2008

    PRESENTATION8

    article by renata Quintas and Paulo amarante, who

    discourse about the innovative and substitutive charac-

    teristics of these institutions. the article by Milena leal

    Pacheco and luiz Zielgman brings subjects to reflect

    about group therapy at a caPs that is specialized in

    chemical dependence; we also contemplate an analysis

    of drug users` treatment in rio de Janeiro, in the text

    by Magda Vaissman et al.

    other important theme argues about the relations

    and possibilities between the field of Mental Health and

    Family Health that, in distinct ways, is present in the

    analysis of articles by Ionara rabelo and rosana Carnei-

    ro tavares, through results of a psychosocial intervention

    in women who were on anxiolytics, and by Mariana

    dorsa Figueiredo and rosana onocko Campos, that

    brings some observations about matricial support to

    Mental Health in the primary health care.

    the attention to users in crisis is one of the most

    serious aspects and jeopardizes the whole process of the

    Psychiatric reform. three articles are dedicated to this

    subject: the one by Katita Jardim and Magda dimens-

    tein, which brings an analysis of practices of the Mobile

    Urgency Service (the so called samu in Brazil) in aracaju

    and its articulations with the net of psychosocial atten-

    tion; the article by alexandre Keusen and andra da luz

    Carvalho narrates the trajectory of a Psychosocial Care

    Center that attends to the crisis and is based on the logic

    of territorial work. Serafim Santos-Filho approaches the

    rich experience in planning and managing the net of

    services of health and Mental Health in Belo Horizonte,

    pointing out important directions for managers.

    In the section of Historical documents, we have

    republished one of the first political manifestations on

    the process of Psychiatric reform in Brazil, a mark of

    critical production on Mental Health in the country. It

    is a document developed by the Mental Health Com-

    mittee of cEbEs, entitled condies de assistncia ao

    doente mental, that, by bringing a very precise analysis

    of the characteristics of unassistance and institutional

    violence of the early psychiatric model, was presented

    at the 1st Symposium of Health Policies in the deputys

    in october, 1979. In this symposium, cEbEs presented

    to the Brazilian society the proposal of the Unified

    National Health System (the so called SUS in Brazil)

    from the historical text A questo democrtica na rea da

    sade. the cover of the present edition has one of the

    illustrations of this text.

    the subjects are very broad and varied, which cha-

    racterizes the transdisciplinarity and the huge dimension

    of the Mental Health field.

    In the general themes section, we have published

    the articles by arlene laurenti ayala with a provoking

    analysis about the domination crisis or the control of the

    health institutions by the health workers and the popu-

    lation. the text by Sabira de alencar brings reflections

    of the philosopher, doctor and epistemologist Franois

    dagognet, the predecessor, in his way, of the tradition

    of his master georges Canguilhem. In the international

    section, Maurcio torres analyzes the aspects related to

    the structure, financing and functioning of the Colom-

    bian health model.

    Enjoy your reading!

    Paulo amaRantE

    sciEntific EditoR

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    artIgo orIgINal / ORIgINAL ARTIcLE 9

    reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial:

    uma leitura a partir do materialismo dialticoPsychiatric Reform and psychosocial rehabilitation:

    an examination based on the dialectical materialism

    RESUMO Este estudo traz uma reflexo terica acerca da utilizao do referencial

    terico metodolgico do materialismo dialtico como suporte para interpretao

    e discusso do processo de Reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial no

    contexto brasileiro. Para tanto, utilizamos as leis da dialtica e a dialtica do

    concreto como substrato terico para analisar os movimentos que se desenvolveram

    historicamente no campo da Sade Mental e assim como na rea da reabilitao

    psicossocial.

    PALAVRAS-CHAVE: Sade Mental; Servios de Sade Mental;

    Desinstitucionalizao; Marxismo.

    ABSTRACT This paper is a theoretical reflection on the use of the methodological

    theoretical reference of dialectical materialism as a basis to interpret and discuss

    the process of Psychiatric Reform and psychosocial rehabilitation in Brazil. The

    laws of dialectic and the dialectic of the concrete have been used as theoretical

    support to the analysis of the movements that have taken place in the field of

    mental health as well as in psychosocial rehabilitation.

    KEYWORDS: Mental Health; Mental Health services; Deinstitutionalization;

    Marxism.

    alice Hirdes 1

    1 Mestre em Enfermagem pela

    Universidade Federal de Santa Catarina

    (UFSC); docente de Sade Mental

    da Universidade luterana do Brasil

    (UlbRa).

    [email protected]

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    10 HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    I N T R O D U O

    Este artigo tem como objetivo realizar uma re-

    flexo terica sobre o tema da reforma Psiquitrica

    e da reabilitao psicossocial a partir do materialismo

    dialtico. recorreu-se a autores como lukcs (1979),

    Konder (1981), Kosik (1995) e lefebvre (1991), a fim

    de se resgatarem os princpios e leis da dialtica que

    sustentam uma interpretao dos fenmenos com base

    materialista. Para tais autores, nada que existe eterno,

    fixo, absoluto. toda vida humana social e est sujeita

    a transformaes, ou seja, est historicamente condi-

    cionada. o sujeito humano essencialmente ativo e

    interfere na realidade. Para a histria sociolgica (ou

    sociologia histrica), os seres humanos no so apenas

    objeto de investigao, mas sujeitos em relao ao pro-

    cesso investigatrio.

    UMA BREVE VISO HISTRICA DO

    MATERIALISMO DIALTICO

    a lgica dialtica, conforme Minayo (1998),

    introduz na compreenso da realidade o princpio

    do conflito e da contradio como algo permanente

    que explica a transformao (p. 68). outra tese

    fundamental da dialtica o carter total da exis-

    tncia humana e da ligao indissolvel entre histria

    dos fatos econmicos e sociais e histria das idias

    (p. 69-70).

    a partir do conceito de totalidade, que busca reter

    a explicao do particular no geral e vice-versa, ocorre

    o processo de pesquisa. o princpio metodolgico da

    totalidade significa:

    compreender as diferenas numa unidade ou totalidade parcial; buscar a compreenso das conexes orgnicas, isto , do modo de relacionamento entre as vrias instncias da realidade e o processo de constituio da totalidade parcial; entender, na totalidade parcial em anlise, as determinaes essenciais e as condies e efeitos de sua manifestao. (minayo, 1988, p. 70).

    ao abordar a dialtica da totalidade concreta, Kosik

    (1995) d nfase idia de que esse no um mtodo

    que pretende conhecer todos os aspectos da realidade, um

    panorama total da realidade, mas uma teoria da realidade

    e do conhecimento que se tem dela como realidade.

    a partir do entendimento da realidade como concretude

    possuidora de uma estrutura prpria que se desenvolvem

    concepes da realidade. dessas concepes decorrem

    concluses metodolgicas que se convertem em princpios

    epistemolgicos para o estudo de temas da realidade ou

    de prticas relativas organizao da vida humana e da

    situao social. Kosik enfatiza que

    a totalidade concreta no um mtodo para captar e exaurir todos os aspectos, caracteres, propriedades, relaes e processos da realidade; a teoria da realidade como totalidade concreta. (1995, p. 44).

    Pontua, tambm, que totalidade no significa conhe-

    cer todos os fatos, mas reconhecer a realidade como um

    todo estruturado, dialtico, no qual um fato ou conjunto

    de fatos pode vir a ser racionalmente compreendido. o

    conhecimento de fatos acumulados da realidade no sig-

    nifica o conhecimento da realidade, assim como a reunio

    de determinados fatos no constitui ainda a totalidade.

    Se compreendidos como partes estruturais de um todo

    dialtico, os fatos so conhecimentos da realidade.

    Konder (1981) tambm ressalta a caracterstica

    totalizante do conhecimento na dialtica marxista. Essa

    teoria decompe o todo em partes para depois recomp-

    lo e chegar totalidade. Entretanto, o autor salienta que

    tal totalidade no simplesmente a soma das partes do

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    11HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    todo. Por exemplo, em um trabalho de reabilitao de-

    senvolvido por uma equipe interdisciplinar, ou transdis-

    ciplinar, os conhecimentos se entrelaam e os resultados

    obtidos certamente sero mais ricos do que o trabalho

    realizado por uma equipe multidisciplinar. Nesta ltima,

    o trabalho realizado em equipe, entretanto os saberes e

    prticas so executados de forma isolada, estanque, cada

    um com um papel fixo, pr-determinado. Isso que dizer

    que o resultado dessa interveno ser um, ao passo que

    a ocorrncia simultnea de vrias abordagens articuladas

    entre si, ser outra.

    Este autor chama ateno para o fato de que a apro-

    ximao da realidade no a realidade, e que a realidade

    sempre mais rica do que o conhecimento que se tem

    dela. outra noo diz respeito viso de conjunto da

    realidade. Esta viso sempre provisria, pois a reali-

    dade no esttica, mas dinmica e em est constante

    transformao; no se pode pretender o esgotamento

    da realidade de determinado contexto. ou seja, nunca

    a realidade alcana uma forma definitiva, acabada.

    a dialtica, enquanto conceito grego da arte do

    dilogo utilizada cotidianamente pelos profissionais

    de Sade Mental nas negociaes com os usurios e seus

    familiares, assim como pela interlocuo estabelecida

    entre profissionais de equipes interdisciplinares. a dia-

    ltica enquanto conceito moderno do modo de pensar

    as contradies da realidade e modo de compreender

    a realidade em constante transformao nos remete

    busca constante de novas formas de abordagem da

    complexidade dos transtornos mentais. Procura-se por

    formas mais completas nas quais, atravs da construo

    de novas possibilidades, o portador de sofrimento ps-

    quico reencontre e reescreva a sua histria.

    Por outro lado, dialtica, enquanto modo de pen-

    sar as contradies da realidade, a histria humana e a

    transformao da sociedade, nos leva a uma permanente

    inquietao, porque no se satisfaz com a aparncia

    das coisas, est sempre procura de sua essncia. Para

    isso necessrio que sejam desveladas as partes, em um

    constante caminho traado do concreto ao abstrato

    e vice-versa. Mas isso no significa, de modo algum,

    deixar de lado a totalidade, a conexo e interligao dos

    fenmenos do todo. a complexidade da dialtica se d

    pela busca constante da superao, pela no-satisfao

    com o j atingido, pela busca por formas mais elevadas

    de apreenso da realidade e a explicitao que as contra-

    dies da realidade e dos fenmenos encerram.

    de acordo com lukcs:

    o conhecimento, que est em condies de apreender dialeticamente as astcias da evoluo histrica, s v-lido e eficaz quando suas aquisies forem outros tantos expedientes para a ao prtica, cujas experincias viro, por sua vez, enriquecer o conhecimento e fornecer-lhe uma fora sempre nova. (1979, p. 237).

    Entendo que o conhecimento dever ser passvel de

    ser traduzido em uma prtica; prtica essa transforma-

    dora e que, se entendida a partir do conceito marxista

    de prxis unio da prtica com a teoria pode levar

    emancipao do ser humano. Nessa perspectiva, o

    estudo de outras formas de tratamento e recuperao

    de portadores de transtornos psquicos emerge como

    uma fora que se empenha na busca de solues mais

    completas e complexas, visualizando a totalidade do

    ser humano. Na perspectiva dialtica, a transformao

    das idias acerca da realidade e a transformao dessa

    realidade devem caminhar juntas.

    de acordo com Kosik (1995) o homem no est

    emparedado na subjetividade, mas tem com a sua

    existncia a capacidade de conhecer as coisas como elas

    realmente so. E este conhecimento se d atravs da

    prxis. a dialtica, para o autor, trata da totalidade do

    mundo revelada pelo homem na histria e o homem

    que existe na totalidade do mundo (p. 248).

    o princpio metodolgico da investigao dialtica

    da realidade social , para o autor anteriormente referido,

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    12 HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    o ponto de vista da totalidade concreta. Isso significa

    que cada fenmeno pode ser compreendido como um

    momento do todo. ressalta-se que um fenmeno social

    um fato histrico que desempenha dupla funo: definir

    a si mesmo e definir o todo, ser produtor e produto, ser

    revelador e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo, con-

    quistar o prprio significado e conferir um sentido a algo

    mais. Essa conexo das partes e do todo demonstra que

    os fatos isolados so momentos artificiosamente separa-

    dos do todo, os quais s adquirem verdade e concretude

    quando inseridos no todo correspondente. assim como

    o todo, se os momentos no forem separados tornam-se

    um todo vazio e abstrato (KosiK, 1995).

    Nas palavras de Konder (1981), para Hegel, filsofo

    alemo e um dos expoentes do pensamento dialtico, o

    trabalho a mola propulsora do desenvolvimento hu-

    mano atravs da qual pode ser compreendida a atividade

    criadora do ser. Hegel introduziu a concepo de supe-

    rao dialtica utilizando a palavra alem aufheben, que

    significa suspender. o filsofo emprega trs diferentes

    sentidos palavra: o primeiro sentido negar, anular,

    cancelar; o segundo, erguer alguma coisa e mant-la

    suspensa; o terceiro, elevar a qualidade, promover a

    passagem de alguma coisa para um plano superior. a su-

    perao dialtica, para Hegel, a ocorrncia simultnea

    da negao de uma determinada realidade, a conservao

    do essencial que existe na realidade negada e a elevao

    dela a um nvel superior (KondER, 1981).

    abstraindo da concepo dialtica a questo

    negao-superao para o referencial de reabilitao

    psicossocial, trago a negao da realidade assistencial

    dos portadores de transtornos mentais centrado no

    modelo do dano, nos dficits, assim como o resgate

    e a centralizao do foco nas habilidades e a busca do

    trabalho para se atingirem os objetivos de reinsero

    social, cidadania e qualidade de vida. ou seja, nega-se

    a primeira realidade, a centralizao do foco nos sinais

    e sintomas; em suma, na doena resgata-se e centraliza-

    se a ateno nos aspectos sadios e concomitantemente

    busca-se melhorar a vida do ser humano portador de

    transtornos psquicos atravs de prticas de reabilitao

    psicossocial.

    aos novos servios dever corresponder uma clnica

    renovada, com tratamentos diferenciados e, na qual

    simultnea ou seqencialmente, sejam desenvolvidos

    projetos teraputicos que contemplem as necessidades

    psicossociais das pessoas envolvidas. Isto o que poder

    efetivamente trazer uma pessoa a ser cidad. Importante

    se faz pontuar que os projetos no podem ser modelos

    construdos a partir dos profissionais; devem ser cons-

    trudos coletivamente com os maiores interessados: os

    usurios.

    PRINCIPAIS LEIS

    Segundo Konder (1981), em virtude do pensamen-

    to dialtico de Hegel ser considerado abstrato, vago,

    idealista, Marx e Engels reescreveram a dialtica dentro

    de uma perspectiva materialista. as trs leis da dialtica

    formuladas por Engels com base em Hegel so: lei da

    passagem da quantidade qualidade (e vice-versa); lei

    da unidade e luta dos contrrios e lei da negao da

    negao.

    alguns autores contemporneos como lefebvre

    e Konder entendem que as leis da dialtica no se

    deixam reduzir a trs. Esse reducionismo, na viso

    de Konder (1981), arbitrrio, mas isso no significa

    que as leis devem ser esquecidas, e sim utilizadas com

    precauo. lefebvre (1991, p. 237) entende que as leis

    do mtodo dialtico devero ser universais e concre-

    tas. Para este autor o mtodo representa o universal

    concreto. E estas leis devero ser, ao mesmo tempo,

    leis do real e do pensamento. devero ser concretas

    para atingir toda a realidade, mas no podem subs-

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    13HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    tituir a investigao e o contato com o contedo.

    atravs da investigao das realidades particulares,

    da experincia e do contato com o contedo pode-se

    chegar essncia, ao conceito e s relaes das leis

    particulares. o autor ressalta:

    o mtodo alternadamente a expresso das leis uni-versais e o quadro de aplicao delas ao particular; ou, ainda, o meio, o instrumento que faz o singular subunir-se ao universal.(1991, p. 237).

    as grandes leis do mtodo dialtico para lefebvre

    so: lei da interao universal (da conexo, da media-

    o recproca de tudo que existe); lei do movimento

    universal; lei da unidade dos contrrios; transformao

    da quantidade em qualidade (lei dos saltos); lei do de-

    senvolvimento em espiral (da superao).

    a lei da interao universal prev que nada

    isolado. o isolamento dos fatos e fenmenos significa

    uma privao de sentido, de explicao, de contedo.

    a pesquisa dialtica considera cada fenmeno no

    conjunto da inter-relao com os demais fenmenos

    e, tambm, o conjunto da realidade na qual ele

    fenmeno.

    Essa lei estabelece uma conexo importante dos

    processos de institucionalizao/ desinstitucionalizao

    e da discusso da reabilitao psicossocial. Sem o enten-

    dimento anterior sobre a conformao do instituciona-

    lismo em psiquiatria e dos saberes e prticas que durante

    dcadas legitimaram essa especialidade, no haver o

    entendimento ulterior da reabilitao psicossocial em

    sua totalidade. a reabilitao psicossocial nasceu de

    um conjunto de situaes: a diminuio dos pacientes

    internados em hospitais psiquitricos a partir dos anos

    1960, em todo o mundo; as demandas dos pacientes

    ainda hospitalizados e a evoluo dos conhecimentos

    psiquitricos (saRacEno, 1999). dessa forma, a rea-

    bilitao psicossocial no pode ser tratada como um

    fenmeno isolado.

    E esta lei encontra-se atrelada lei do movimento

    universal, que reintegra o movimento interno dos fatos

    e fenmenos e o movimento externo, que os envolve no

    devir e vir-a-ser universal. a pesquisa dialtica considera

    cada fenmeno no conjunto de suas relaes com os

    demais fenmenos e com a realidade. Nessa lei, compre-

    endemos a reintegrao dos fenmenos institucionali-

    zao/desinstitucionalizao/reabilitao psicossocial em

    seu movimento prprio. atravs do movimento destes

    fenmenos se estabelece o entendimento essencial e a

    conexo entre eles.

    a lei da unidade (interpretao) dos contrrios nos

    fornece a idia de que a contradio dialtica uma

    incluso concreta dos contraditrios um no outro e,

    simultaneamente, uma excluso ativa. diferentemente

    da lgica formal que conserva os dois contraditrios

    margem um do outro, que estabelece uma relao de

    excluso. a contradio dialtica se situa no universal

    concreto, enquanto a contradio formal permanece na

    generalidade abstrata.

    O mtodo dialtico busca captar a ligao, a unidade, o movimento que engendra os contraditrios, que os ope, que faz com que se choquem, que os quebra ou os supera. (lEfEbvRE, 1991, p. 238).

    Nessa lei, situo a institucionalizao e a desins-

    titucionalizao em psiquiatria (intrinsecamente

    contraditrias), como dois lados opostos um ao

    outro, mas com uma unidade em comum: o foco na

    abordagem da doena mental. Conforme o contexto,

    prevalecer um ou outro a institucionalizao ou

    a desinstitucionalizao. as idias contidas em um

    e em outro modelo entram em choque na realidade

    concreta atravs das prticas executadas. a realidade

    da desinstitucionalizao no pode ser compreendida

    sem o prvio entendimento da institucionalizao,

    assim como a conexo estabelecida com a reabilitao

    psicossocial.

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    14 HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    as modificaes quantitativas, lentas e graduais

    desembocam em uma modificao qualitativa que apre-

    senta caractersticas bruscas, tumultuosas, expressam a

    crise e a metamorfose atravs da intensificao de todas

    as contradies. a transformao da quantidade em

    qualidade, tambm chamada lei dos saltos. o salto

    dialtico implica, simultaneamente, a continuidade e a

    descontinuidade. ou seja, o movimento que continua

    e o aparecimento do novo.

    trago, nesta lei, as mudanas ocorridas com o

    processo de desinstitucionalizao identificadas em

    alguns lugares do mundo a partir da dcada de 1960 e

    no Brasil mais tardiamente, aps a redemocratizao. as

    transformaes polticas, a redemocratizao no pas, a

    Constituio de 1988, a luta pelos direitos humanos e

    o Movimento pela reforma Sanitria desembocaram

    em um movimento pela reforma Psiquitrica no Bra-

    sil. Neste movimento, pode-se observar que ocorreram

    mudanas bruscas, o salto dialtico, atravs das de-

    nncias expostas opinio pblica e o surgimento de

    novas experincias em Sade Mental, com caractersticas

    desinstitucionalizantes. observa-se como caracterstica

    do salto dialtico a continuidade, ou seja, o hospital

    psiquitrico como realidade ainda presente, os saberes

    e prticas hegemnicos de excluso e segregao ainda

    no superados; e a descontinuidade, que compreende

    o aparecimento de novos servios respaldados pelas

    iniciativas das polticas pblicas de Sade Mental.

    Uma caracterstica da lei se refere ao fato de as coisas

    no mudarem sempre no mesmo ritmo. transpondo

    para a questo da reforma Psiquitrica, foi possvel

    observar, nas ltimas dcadas, alguns perodos em que se

    intensificaram as discusses e o surgimento de novos ser-

    vios, assim como perodos em que houve uma desace-

    lerao do processo. Historicamente, podemos situar as

    dcadas de 1980 e 1990 como marcos significativos nas

    discusses pela reestruturao da assistncia psiquitrica

    no pas. Em 1987, ocorreu a 1a Conferncia Nacional de

    Sade Mental; em 1990, realizou-se a Conferncia para

    a reestruturao da ateno Psiquitrica, em Caracas,

    que resultou na Declarao de caracas. Finalmente, em

    1992, aconteceu a 2 Conferncia Nacional de Sade

    Mental. Em seguida, houve uma lacuna no que se refere

    s conferncias e legislao (porque os servios conti-

    nuaram sendo constitudos) at a aprovao, em abril

    de 2001, da lei de reforma Psiquitrica. Em 2001, Foi

    estabelecido um novo frum de discusses por meio da

    3 Conferncia Nacional de Sade Mental.

    a lei do desenvolvimento em espiral defende que

    h um salto dialtico entre a vida e a matria sem vida,

    e no uma descontinuidade absoluta. H uma unidade

    sempre renovada entre o individual e o universal, que

    submete esse individual s leis universais. na sociedade

    e no pensamento que se revela o movimento em espiral:

    o retorno acima do esperado, para aprofund-lo e elev-

    lo em nvel, libertando-o de seus limites. a contradio

    dialtica da negao da negao.

    APLICAO DO MATERIALISMO

    DIALTICO NA REFORMA PSIQUITRICA E

    REABILITAO

    Considero esta lei fundamental para a compreenso

    das mudanas e movimentos que o processo de reforma

    Psiquitrica encerra, pois ela contempla os refinamentos

    conceituais produzidos. Cita-se como exemplo a dife-

    renciao entre tratamento e reabilitao, o enfoque do

    trabalho teraputico sobre os aspectos da histria de vida

    das pessoas portadoras de sofrimento psquico. No mo-

    delo tradicional biomdico, centraliza-se no diagnstico,

    nos sinais e sintomas, nos dficits. atravs da modificao

    da centralizao do trabalho teraputico, no no modelo

    da doena, do dano, mas nos aspectos sadios das pessoas,

    permitiu-se aprofundar a questo do sofrimento psquico,

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    15HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    e introduzir novos olhares e perspectivas, libertando o

    usurio/paciente e o profissional desses limites. ocorre a

    um salto dialtico e no uma descontinuidade absoluta, j

    que o tratamento continua a ser realizado, mas associado

    com tcnicas de reabilitao psicossocial. a partir da

    unio tratamento-reabilitao psicossocial a compreenso

    do indivduo portador de transtorno psquico torna-se

    aprofundada e, dessa forma, realizam-se abordagens mais

    completas. a lei da negao da negao promove refina-

    mentos que so introduzidos aos poucos como estratgia

    para se promover a superao dialtica.

    dentro de uma perspectiva mais ampla, de to-

    talidade, considera-se de fundamental importncia o

    diagnstico de vida de uma pessoa e o conseqente

    estabelecimento de um projeto teraputico a partir do

    contexto no qual se insere. Este projeto deve ser sufi-

    cientemente flexvel para que incorpore mudanas e d

    margem a possveis redimensionamentos. ressalta-se

    a necessidade de leitura do contexto dentro de uma

    mudana de ptica: comumente, tal leitura realizada

    em cima dos dficits, dos aspectos negativos. Sublinhar

    as foras e os aspectos sadios constitui uma transio

    importante no processo de tratamento e reabilitao,

    assim como a noo de indissociabilidade de ambos.

    lefebvre (1991) assinala que todas as leis dialticas

    constituem uma anlise do movimento e no movimento

    real esto implicadas a continuidade e a descontinui-

    dade, o aparecimento e choque de contradies, saltos

    qualitativos e superao. Encontram-se a os aspectos

    do movimento. as leis dialticas pressupem uma uni-

    dade fundamental, que encontrada no movimento,

    no devir universal. o que ocorre, segundo o autor, a

    nfase sobre uma ou outra lei, dependendo do tipo de

    estudo realizado.

    a partir desta constatao, utilizo como referncia

    para o processo analtico neste estudo a lei do desenvolvi-

    mento em espiral, representado pela negao superao

    dialtica. Muitos avanos ocorreram com as experincias

    de desinstitucionalizao. Entretanto, penso que, a des-

    peito de muitos servios que trabalham sob a gide da

    reforma Psiquitrica em nosso pas, h a necessidade de

    constantemente redimensionarmos o olhar para as prticas

    em curso para que aos novos servios correspondam as

    balizas propostas; nesse caso, particularmente, o referencial

    da reforma Psiquitrica italiana. Sabe-se que os projetos

    de reforma no so homogneos, pois as prticas so exe-

    cutadas conforme a concepo terica dos profissionais

    da rea. dessa forma, possvel visualizar a existncia de

    princpios orientadores gerais, mas que em ltima anlise

    esto subordinados aos settings especficos das prticas.

    atravs da negao da negao, ou seja, a negao de uma

    determinada realidade centrada na excluso (na doena)

    para se afirmar outra realidade, focada nos aspectos sadios,

    na identidade e cidadania dos portadores de sofrimento

    psquico, dever prevalecer a superao dialtica.

    os servios se constituem, para Saraceno (1999),

    como a varivel que influi no processo reabilitativo.

    o autor assinala como caracterstica de um servio de

    alta qualidade a capacidade do servio em se ocupar de

    todos os pacientes e a todos oferecer possibilidades de

    reabilitao. Saraceno pontua, ainda, que os servios

    que no oferecem essas possibilidades acabam gerando

    hierarquias de interveno, e os menos dotados so

    excludos do processo. o autor ressalta que um servio

    de alta qualidade dever ser permevel e dinmico, com

    alta integrao interna e externa:

    [...] um servio onde a permeabilidade dos saberes e dos recursos prevalece sobre a separao dos mesmos e em que a organizao est orientada s necessidades do paciente e no s do servio.(1999, p. 96-97).

    a integrao interna e externa tambm dever

    acontecer nos movimentos que perpassam o tratamen-

    to e a reabilitao psicossocial. Essa integrao se far

    possvel e concreta se os profissionais visualizarem a

    importncia da no-dissociao e assumirem ambos,

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    16 HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    o tratamento e a reabilitao. a idia contida nessa

    proposta enfrenta um embate que se estabelece muitas

    vezes no cotidiano dos servios: o tratamento execu-

    tado por uns e a reabilitao, por outros. ou seja, h

    a necessidade de no-separao do trabalho manual do

    intelectual reproduzido dentro dos servios para que

    haja a superao dialtica.

    Saraceno (1999) alerta que, na integrao interna

    de um bom servio devem ser contempladas estratgias

    organizativas e afetivas. a permeabilidade dos recursos

    e dos saberes deve superar a sua separao. Compreen-

    demos que esse patamar deveria se constituir no ideal

    a ser alcanado pelos servios. os movimentos nos ser-

    vios, quando encaminhados s questes organizativas

    e afetivas concomitantemente, conduziro superao

    dialtica. da mesma forma, quando os conflitos e

    contradies forem dialeticamente trabalhados, e no

    ocultados, ser promovida a descontinuidade; o apa-

    recimento do novo e a explicitao das contradies

    conduzir a saltos qualitativos que processaro mudanas

    reais nos servios.

    Saraceno, asioli e tognoni (1997) destacam a

    atitude de integrao da equipe como uma das muitas

    variveis que determinam a enfermidade e a eficcia da

    interveno. tais variveis, relacionadas organizao e

    ao estilo de trabalho da equipe, podem ser favorveis ou

    desfavorveis. os autores conceituam uma equipe inte-

    grada com varivel favorvel e que deve ter as seguintes

    caractersticas: distribuio do poder; importncia dos

    conhecimentos; comunicao clara e no-contraditria;

    discusso e planificao do trabalho; socializao dos

    conhecimentos; autocrtica e avaliao peridica dos

    resultados. Entre os fatores que colcoam obstculos

    integrao interna, os autores apontam a separao

    prtica entre os diferentes papis profissionais, os dife-

    rentes nveis de capacitao e de aspectos culturais dos

    papis profissionais e os conflitos ou frustraes entre

    os membros da equipe.

    acrescentam-se aqui as inquietaes que Basaglia

    (1985) j enfatizava: no a redefinio da instituio

    em termos estruturais, atravs de novos esquemas,

    que garantir aes teraputicas, mas as relaes

    que se estabelecero dentro das novas organizaes

    assistenciais. os novos servios devero atentar para

    as possveis (e concretas) contradies que podem se

    configurar no seu interior. Uma dessas contradies

    se refere ao discurso sobre a prtica muitas vezes no

    ser condizente com a prtica desenvolvida. Basaglia

    postula que as contradies do real devero ser

    dialeticamente vividas. importante ressaltar que,

    nessa tentativa de criao de um mundo ideal, se as

    contradies no forem ignoradas ou postergadas,

    mas enfrentadas dialeticamente, a comunidade se

    tornar teraputica. Para isso, devem existir alterna-

    tivas, possibilidades.

    CONSIDERAES FINAIS

    resgato a lei da dialtica, defensora de que a nega-

    o a fora motriz do progresso. Negao essa, enten-

    dida como a negao de uma determinada realidade e

    a fora, como aquela que se empenha na construo de

    outra realidade mais rica e completa. Essa lei poder ser

    empregada no campo da Sade Mental, mais especifi-

    camente na rea da reabilitao psicossocial. resgata-se,

    neste processo, toda a potencialidade para a produo

    de vida significativa ao ser humano. Nesse momento

    ocorre um salto qualitativo significativo, atravs de

    uma prxis transformadora que vislumbra todas as

    possibilidades que se descortinam frente ao cuidado

    pessoa portadora de transtorno psquico. Isso permite

    alcanar refinamentos conceituais que, em ltima anli-

    se, proporcionaro um olhar crtico em relao prxis

    da reforma Psiquitrica.

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 9-17, jan./dez. 2008

    17HIrdES, a. reforma Psiquitrica e reabilitao psicossocial: uma leitura a partir do materialismo dialtico

    o foco do trabalho teraputico sobre a escuta, a

    validao da identidade dos usurios, bem como a abor-

    dagem aos pontos positivos, introduzem refinamentos

    conceituais que se traduzem uma filosofia dos novos

    servios pautada na gide da reforma Psiquitrica. Esses

    diferenciais que contornam as aes introduzem saltos

    qualitativos que se inserem na vida cotidiana das pesso-

    as. a superao dialtica alcanada no momento em

    que so reunidos, no mesmo sujeito histrico, aspectos

    subjetivos e objetivos oriundos das demandas singulares

    de cada pessoa.

    Enquanto as prticas tradicionais objetalizavam o

    doente (e o seu corpo), hoje rompe-se uma nova aurora,

    na qual a subjetividade reintegrada com o corpo social

    dos portadores de sofrimento psquico. Essa tomada

    de conscincia sobre a importncia dessas intervenes

    produz movimentos de superao da objetalizao a que

    foi submetido o doente e, tambm, a reconstruo de

    um corpo fsico, subjetivo e social.

    R E F E R N C I A S

    basaglia, F. (org.). A instituio negada: relato de um hospital psiquitrico. rio de Janeiro: graal, 1985.

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    saRacEno, B. Libertando identidades: da reabilitao psi-cossocial cidadania possvel. rio de Janeiro: Instituto Franco Basaglia/te Cor, 1999.

    recebido: abr./2008

    aprovado: nov./2008

  • Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 18-26, jan./dez. 2008

    artIgo orIgINal / ORIgINAL ARTIcLE18

    Psicologia e Sade Mental: trs momentos de uma histriaPsychology and Mental Health: three moments of a history

    RESUMO Neste artigo so apresentados e analisados trs momentos da trajetria

    dos psiclogos no Sistema nico de Sade (SUS), a partir do campo da Sade

    Mental, no municpio de Belo Horizonte, Minas gerais. O primeiro aqui

    chamado de implantao, o segundo de antimanicomial e o terceiro de apoio

    matricial. Trabalha-se com reviso de literatura e com documentos da rea.

    conclui-se que o psiclogo na Sade Mental tem, por um lado, uma formao

    clnica que no o preparava para a opo prioritria do Programa de Sade

    Mental e, conseqentemente, sua formao ocorreu em servio. Por outro lado, a

    nfase presente em sua formao para prticas grupais o capacita para a presente

    prtica matricial.

    PALAVRAS-CHAVE: Sade Mental; Psicologia; Movimento antimanicomial;

    Apoio matricial; Psicoterapia de grupo.

    ABSTRACT This article presents an analysis of three moments of psychologists

    trajectory in the Brazilian Single Health System (SUS), starting with the field

    of Mental Health, in the city of Belo Horizonte, Minas gerais, Brazil. The first

    moment is herein named implantation, the second, anti-asylum, and the third,

    matrix support. This paper is examines a literature review and documents of

    the area. The conclusion is that the psychologist in Mental Health has a clinical

    training which wasnt enough to prepare him to the priority option of the Mental

    Health Programme, and his training happened at work. The current emphasis

    in training on group practices and psychosocial interventions, on the other hand,

    enables the professional to work with present-day practice in matrix support.

    KEYWORDS: Mental Health; Psychology; Anti-asylum movement; Matrix

    support; Psychotherapy, group.

    Joo lei te Ferre i ra Neto 1

    1 Professor do Programa de Ps-

    graduao em Psicologia da Pontifcia

    Universidade Catlica de Minas gerais

    (PUC Minas); doutor em psicologia da

    PUC So Paulo.

    [email protected]

  • 19

    Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 18-26, jan./dez. 2008

    FERREIRA NETO, J.L. Psicologia e sade mental: trs momentos de uma histria

    I N T R O D U O

    Quando a psicologia foi reconhecida como profis-

    so em 1962, suas trs reas de atuao eram: as psicote-

    rapias, dentro do modelo liberal-privado de consultrio,

    a organizacional e a educacional. a sade pblica ainda

    no era tratada como campo de atuao, e aps 44 anos

    essa situao mudou drasticamente.

    Uma pesquisa realizada a partir dos dados do Ca-

    dastro Nacional de Estabelecimentos de Sade (CNES)

    contabilizou 14.407 psiclogos no Sistema nico de

    Sade (SUS) em 2006, o que representa 10,08% dos

    profissionais registrados no Sistema Conselhos de Psi-

    cologia (sPinK, 2007). diversos estudos apontam que a

    crescente presena dos psiclogos na sade pblica no

    Brasil aconteceu em associao com a reforma psiquitri-

    ca e com a criao do campo chamado de Sade Mental

    (dimEnstEin, 1998; fERREiRa nEto, 2004).

    o objetivo deste artigo a apresentao de al-

    guns elementos da histria da entrada e do percurso

    dos psiclogos no SUS, a partir do campo da Sade

    Mental, no municpio de Belo Horizonte, Minas

    gerais. as fontes bibliogrficas e documentais pesqui-

    sadas indicam que a construo desse percurso nesse

    municpio ocorreu em trs momentos, marcados por

    caractersticas prprias, em que a noo de Sade

    Mental sofreu variaes quanto a seu sentido e suas

    diretrizes, na direo de sua consolidao e de sua

    integrao no contexto do SUS. Na dcada de 1980,

    ocorreu o primeiro perodo chamado de implantao,

    seguido pelo antimanicomial e o apoio matricial,

    respectivamente nas dcadas de 1990 e 2000. Essa

    anlise histrica abordar com maior ateno a pre-

    sena de duas polaridades que atravessam este campo.

    a polaridade entre abordagens individuais e coletivas,

    e a composta pela especificidade da Sade Mental e

    da reforma psiquitrica so o contexto mais amplo

    da sade geral e reforma sanitria. alm da necess-

    ria reviso de literatura sobre o tema, nossa fonte de

    dados ser um conjunto de documentos produzidos

    no decorrer da histria mineira e da nacional.

    MOMENTO IMPLANTAO ANOS 1980

    o Programa de Sade Mental foi oficialmente

    implantado em Minas gerais, na regio Metropolitana

    de Belo Horizonte, em 1984, durante a gesto do go-

    vernador tancredo Neves pelo Partido do Movimento

    democrtico Brasileiro (PMdB). Nesse perodo, um

    nmero expressivo de profissionais de sade com perfil

    progressista ocupou postos importantes na Secretaria de

    Estado de Sade. importante lembrar que o perodo

    de abertura democrtica no pas consolidou uma

    [...] ttica desenvolvida inicialmente no seio do mo-vimento sanitrio, de ocupao de espaos pblicos de poder e de tomada de deciso como forma de in-troduzir mudanas no sistema de sade. (amaRantE, 1998, p. 91).

    a chamada Nova repblica tornou-se o apogeu

    dessa ttica de ocupao, quando o movimento sanitrio,

    juntamente com o da reforma psiquitrica, se confundiu

    com o prprio Estado.

    os antecedentes dessa iniciativa so: o Programa

    Integrado de Sade Mental (Pisam), proposto na VI

    Conferncia Nacional de Sade, que teve curta durao

    entre 1977 e 1979 e, grupos de profissionais isolados

    atendendo em centros de sade sem ligao com um

    projeto ou programa que organizasse aes em Sade

    Mental.

  • 20

    Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 18-26, jan./dez. 2008

    FERREIRA NETO, J.L. Psicologia e sade mental: trs momentos de uma histria

    a proposta do Pisam parte da avaliao de uma

    prevalncia de transtornos mentais de 18% e uma

    demanda atendida de 0,28%. Suas diretrizes envolvem

    aes de preveno primria, integrao da Sade

    Mental nas atividades bsicas de sade, utilizao de

    leitos em hospitais gerais e a integrao de profissionais

    no-mdicos na assistncia psiquitrica. Na preveno

    primria era considerada eficaz a realizao de grupos

    operativos de gestantes, mes, professores e o atendi-

    mento a crises (mEndona filho; alKimin, 1998, p.

    25). Particularmente, o grupo de professores deveria ser

    conduzido por psiclogos.

    Quanto ao atendimento clnico individual, os

    pacientes egressos de hospitais psiquitricos e os casos

    graves eram a prioridade. Entretanto, mantinha-se uma

    franca diviso nesses atendimentos: os egressos com os

    psiquiatras e, os neurticos e as crianas com a psico-

    logia. o Pisam teve curta durao devido, entre outras

    causas, falta de apoio poltico e presso dos grupos

    privados (mEndona filho; alKimin, 1998).

    Na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, desde

    1984, havia 12 psiclogos distribudos por oito centros

    de sade. No relatrio de atividades de 14 de dezembro

    de 1984, possvel observar que nesse ano ocorreram

    as primeiras reunies dos psiclogos que atuavam em

    centros de sade no municpio. a atuao na poca era

    voltada para a demanda infantil, para a participao em

    outros programas em andamento nas unidades (pueri-

    cultura, pr-natal) e conselhos de sade e, para atuao

    junto a instituies comunitrias. Existe uma indicao

    no documento pela priorizao do trabalho em grupos,

    por permitir uma melhor resposta a demanda (sEcRE-

    taRia municiPal, 1984, p. 2). Nenhuma meno feita

    ao paciente psictico ou mesmo ao egresso hospitalar,

    eixo fundamental da reforma psiquitrica. Em suma,

    a expresso Sade Mental era tomada de um modo

    genrico, sem relao com as propostas da reforma

    psiquitrica.

    Nos antecedentes oficializao do Programa

    de Sade Mental, temos uma compreenso ampliada

    e genrica do que poderia ser definido como Sade

    Mental na rede pblica. algumas vezes, era entendida

    como parte mental da sade geral, incluindo tanto o

    doente grave, como as aes preventivas e a participao

    nos programas prevalentes de sade pblica. Contudo,

    mesmo quando as aes incluam o paciente grave, ainda

    pertencia ao domnio exclusivo do psiquiatra.

    J no Programa de aes da Sade Mental da re-

    gio Metropolitana realizado em 1985, incio oficial do

    programa na regio metropolitana de Belo Horizonte,

    Minas gerais, e anterior municipalizao da sade, fo-

    ram apresentadas 23 equipes de Sade Mental divididas

    em 18 centros de sade e em cinco unidades em servios

    de pronto atendimento e da rede hospitalar, em parceria

    com algumas prefeituras. as equipes so estabelecidas

    como referncia secundria, ou seja, como atendimento

    especializado. a princpio, o Programa de Sade Men-

    tal buscava formular, de modo ainda primrio, uma

    concepo integral de sade o famoso trinmio do

    bio-psico-social. Por isso, as primeiras equipes de Sade

    Mental respeitavam essa conformao: psiquiatra (bio),

    psiclogo (psico) e assistente social (social). a falta de

    experincia para uma formulao mais sofisticada do

    que seria um trabalho em equipe multiprofissional e

    interdisciplinar, conduziu a essa opo por uma alter-

    nativa mais bvia.

    o documento retoma o histrico anterior do Pisam

    e faz referncia s prticas isoladas de psiclogos com

    muitos pacientes em centros de sade, afirmando seu ob-

    jetivo de sistematizao das aes em Sade Mental.

    Sua atuao preconiza seis eixos: atendimento

    demanda especfica (doena mental), apoio aos demais

    programas dos centros de sade integrando a Sade

    Mental no contexto global da sade, apoio tcnico

    ao nvel primrio, articulao com os recursos das

    comunidades (escolas, creches, hospitais e associaes

  • 21

    Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 18-26, jan./dez. 2008

    FERREIRA NETO, J.L. Psicologia e sade mental: trs momentos de uma histria

    de bairro), atendimento criana e avaliao peridica

    do programa. apenas no primeiro eixo mencionada a

    necessidade de uma ateno especial aos egressos. Final-

    mente, as equipes foram cogitadas para um trabalho de

    integrao com os hospitais psiquitricos, no sentido

    de evitar internaes desnecessrias (sEcREtaRia dE

    Estado dE sadE, 1985, p. 8). ainda no se falava em

    substituio do modelo hospitalar.

    a nfase nas aes coletivas permanecia: o aten-

    dimento em grupos tem lugar privilegiado como forma

    de abordagem das questes de Sade Mental (sEcRE-

    taRia dE Estado dE sadE, 1985, p. 7). aponta ainda

    que a interveno em grupos um trabalho que exige

    constante discusso e aprofundamento por parte dos

    profissionais envolvidos e deve ser acompanhada por

    avaliao de seus impactos.

    a partir desse perodo os psiclogos continuam

    envolvidos com as prticas coletivas nos programas dos

    servios, mas tambm comeam a receber a clientela

    prioritria do Programa de Sade Mental e os pacientes

    com transtornos graves e persistentes. Como notificado

    no documento, a formao em servio por meio de su-

    pervises de casos clnicos passa a ser uma prtica mais

    constante. alm disso, inicia-se o curso de Especializa-

    o em Sade Mental, formando os primeiros grupos

    de psiquiatras, psiclogos e assistentes sociais da rede,

    oferecido pela Escola de Sade de Minas gerais (Esmig),

    com forte acento na prtica clnica de base psicanaltica

    lacaniana tendo parte do corpo docente pertencente

    ao Simpsio do Campo Freudiano, que mais tarde se

    tornar Escola Brasileira de Psicanlise.

    Conclui-se que o momento de implantao por-

    tador de algumas caractersticas. anterior implantao

    oficial temos a presena da ao dispersa de profissionais

    de Sade Mental, com uma concepo genrica desse

    campo. No caso dos psiclogos, a nfase nos progra-

    mas gerais de promoo da sade j desenvolvidos e na

    ateno clnica voltada criana. Mesmo no perodo do

    Pisam, quando a questo do atendimento aos casos gra-

    ves aparece, essa clientela aparece ainda como domnio

    da psiquiatria. Somente quando Programa de aes

    implantado, em 1984, esse quadro comea a se alterar,

    e o momento seguinte antimanicomial consolidar a

    atuao dos psiclogos aos pacientes graves.

    Nesse momento, marcante a preocupao da

    integrao da Sade Mental no contexto geral da sade

    e a participao de seus profissionais em aes cole-

    tivas com outros profissionais do servio. as prticas

    de grupo se constituem numa importante diretriz de

    trabalho, tendo nos psiclogos um de seus principais

    agentes. alm disso, preconizado o apoio tcnico ao

    nvel primrio, estratgia que somente se consolidar

    no terceiro momento de apoio matricial.

    MOMENTO ANTIMANICOMIAL ANOS 1990

    a passagem entre os dois primeiros momentos

    analisados est atravessada por alguns importantes

    eventos. o primeiro deles, no ano de 1987, foi o II

    Encontro Nacional dos trabalhadores em Sade Mental

    em Bauru. Nesse encontro foi produzida a consigna por

    uma sociedade sem manicmios e institudo o dia 18 de

    maio como o dia Nacional da luta antimanicomial. os

    psiquiatras j no so mais maioria entre os trabalhadores

    presentes, grande parte desses so psiclogos. Contando

    com a participao de intelectuais de diversas reas, ela-

    borou-se uma pauta de conceitos para instrumentalizar

    a luta pela reforma psiquitrica, visando autonomia do

    movimento em relao ao Estado. as diretrizes apon-

    tavam para um caminho de alargamento das fronteiras

    da luta para uma ao no interior da prpria cultura,

    trazendo a discusso sobre a loucura para o cotidiano

    da sociedade, numa estratgia que ampliava a atividade

    puramente assistencial e criava pontes entre as aes no

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    Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 18-26, jan./dez. 2008

    FERREIRA NETO, J.L. Psicologia e sade mental: trs momentos de uma histria

    mbito do Estado com a sociedade civil. Prevaleceu,

    desde ento, um iderio de desinstitucionalizao ou

    da desconstruo/inveno (amaRantE, 1998, p. 93),

    induzindo a uma disjuno com o movimento sanitarista

    e sua ttica de ocupao da mquina estatal. desde essa

    nova direo, seriam visadas alianas com a sociedade

    civil e os movimentos populares e com as associaes de

    usurios e de familiares, em busca da rua, da imprensa

    e da opinio pblica.

    atravs do segundo evento, em 1989, a reforma

    psiquitrica assumiu repercusso nacional com a inter-

    veno da Secretaria de Sade do Municpio de Santos

    na Casa de Sade anchieta e a seqente criao de dis-

    positivos antimanicomiais na cidade, numa gesto que

    inspirou vrias experincias posteriormente conduzidas

    por todo o pas (amaRantE, 1998, p. 83).

    Finalmente, no mesmo ano temos a apresentao

    ao Congresso do Projeto de lei 3.657/89 visando re-

    gulamentar o processo de reestruturao da ateno

    Sade Mental no pas, de autoria do deputado federal

    Paulo delgado (Partido dos trabalhadores de Minas

    gerais, Pt/Mg).

    Em Belo Horizonte, somente durante a gesto

    municipal do prefeito Patrus ananias, do Pt (1993

    a 1996), a Secretaria de Municipal de Sade (SMSa)

    de Belo Horizonte definiu e conduziu suas aes para

    priorizar, essencialmente, o atendimento clnico dos

    pacientes graves, impedindo assim que as agendas dos

    profissionais ficassem comprometidas e congestionadas

    com a inesgotvel demanda espontnea ou encaminha-

    da de crianas com dificuldade escolar, pacientes com

    quadros de ansiedade, aqueles pertencentes clientela

    cativa dos centros de sade. Nessa gesto, foi nomeado

    para a Smsa o psiquiatra Csar Campos, engajado, j

    de longa data, com os movimentos de luta contra o

    aparato asilar. Iniciou-se a construo de dispositivos

    substitutivos ao hospital, os centros de convivncia e os

    centros de referncia em Sade Mental (CERsam, verso

    mineira dos Centros de ateno Psicossocial caPs).

    Um importante documento que avalia esse perodo

    foi publicado numa coletnea organizada por tcnicos

    da sade, com a assessoria do professor Emerson Merhy,

    sobre a gesto da sade. o captulo que nos interessa

    assinado pela coordenadora do Frum Mineiro de

    Sade Mental e pela coordenadora da Sade Mental

    da Smsa (lobosquE; abou-yd, 1998). Nesse docu-

    mento, intitulado A cidade e a loucura entrelaces, o

    projeto de Sade Mental apresentado em uma verso

    marcadamente antimanicomial, tendo como perspectiva

    a extino do hospital psiquitrico e sua substituio

    por outro modelo de ateno (p. 244).

    o texto, que possui uma funo de relatrio da

    gesto, possui um marcado tom poltico de ruptura

    comparado ao de anteriormente. Essa ruptura afirmada

    em pelo menos quatro aspectos. o primeiro deles, de

    cunho mais ideolgico e organizacional, era a postulao

    de uma incompatibilidade com certa vertente do movi-

    mento sanitrio com seu acento nos cuidados primrios,

    em detrimento do tratamento das doenas. Segundo as

    autoras esse modelo sanitarista, considerado autoritrio,

    estabelecida uma diviso indesejada

    [...] nos hospcios, os loucos; nos centros de sade, os pequenos desviantes crianas ditas problemticas, mulheres ditas deprimidas e as prticas preventivistas em geral. (1998, p. 245).

    o projeto prope o abandono do modelo america-

    no de psiquiatria comunitria, adotado anteriormente

    pelo Programa da regio Metropolitana de 1985, com

    seus nveis primrio (rede bsica), secundrio (servios

    especializados) e tercirio (hospital), pois valida a perma-

    nncia do hospital no topo do modelo assistencial. Por

    isso, afirma que os cERsam no se caracterizam como

    servios intermedirios ou secundrios (p. 252), mas

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    Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 18-26, jan./dez. 2008

    FERREIRA NETO, J.L. Psicologia e sade mental: trs momentos de uma histria

    compem uma rede de assistncia que visa substituir

    os hospitais psiquitricos, sem hierarquizar os nveis

    de ateno.

    o segundo tem componentes de gesto de pessoal,

    uma vez que a coordenao encontrou certa oposio

    por parte de profissionais de Sade Mental, os quais

    se mostravam resistentes a assumir as novas diretrizes

    do trabalho (lobosquE; abou-yd, 1998, p. 253). a

    proposta aponta uma mudana de foco da ateno das

    crianas robustas e gestantes saudveis, consideradas

    clientela majoritria das unidades bsicas, para os

    psicticos e neurticos graves, que passam a ser quali-

    ficados como prioridades assistenciais (p. 247). Isso

    acarretou, por parte da gesto, uma ao de desestmulo

    ao atendimento dos casos considerados mais leves, bem

    como a presena em grupos de outros programas, como

    aqueles voltados para gestantes ou diabticos (p. 246).

    o tom depreciativo de avaliao do trabalho em grupos

    e da participao em outros programas de promoo da

    sade, questionvel, deve ser entendido a partir desse

    contexto de uma gesto que se compromete com a

    direo antimanicomial da Sade Mental. No presente

    momento o debate se faz no esforo de evitar a dissocia-

    o entre aes clnicas e de promoo de sade.

    o terceiro aspecto, de carter poltico-adminis-

    trativo, configurou-se como passo fundamental para

    garantir a reorganizao da assistncia a partir das di-

    retrizes antimanicomiais: a nova relao da SMSa com

    os hospitais psiquitricos. Isso envolveu a gesto dos

    hospitais privados conveniados por parte da Secretaria.

    Nesse sentido, foram realizadas vrias aes visando efe-

    tivar a desmontagem do aparato manicomial: superviso

    hospitalar efetiva nos hospitais privados conveniados

    ao SUS, proibio de novas internaes fora dos dois

    hospitais pblicos, disponibilizao de todos os leitos

    hospitalares privados conveniados na central de inter-

    nao municipal. Uma das medidas mais eficazes para

    a organizao da nova rede de assistncia em Sade

    Mental foi o procedimento de garantir a cada paciente,

    antes de sua alta hospitalar, o agendamento de consulta,

    via distrito Sanitrio, com um profissional de Sade

    Mental no centro de sade mais prximo de sua casa. a

    organizao desse fluxo impediu que os pacientes em alta

    ficassem sem atendimento ambulatorial e fossem rein-

    ternados aps nova crise. garantiu tambm a chegada

    dos egressos nas unidades bsicas de sade, rompendo o

    circuito: alta, residncia, crise e nova internao.

    Pacientes e familiares passaram a conhecer uma

    nova possibilidade de ateno profissional, prxima de

    suas casas. decorridos alguns anos aps esse conjunto

    de aes, possvel deduzir que para romper com o cir-

    cuito hospitalar no suficiente somente a implantao

    de equipes nas unidades, necessrio uma poltica de

    organizao do fluxo da demanda. Caso contrrio, os

    profissionais permaneceriam com sua atividade drenada

    com a clientela cativa do servio, sem que os egressos se

    tornassem parte de sua clientela habitual.

    o quarto aspecto, de carter tico e tcnico, diz

    respeito concepo de clnica que subsidia um projeto

    antimanicomial. de um lado, existe o destaque psica-

    nlise: sem a psicanlise, [...] sem a referncia que nos

    inspira, nossas prticas de pensamento e de trabalho no

    seriam o que so (lobosquE; abou-yd, 1998, p. 249).

    as autoras reconhecem que a psicanlise usualmente no

    est presente em momentos polticos incisivos, sendo,

    portanto esta uma rara articulao. ainda necessrio

    se fazer uma anlise mais acurada dos limites e dificul-

    dades oriundos da hegemonia da psicanlise no campo

    da Sade Mental (fERREiRa nEto, 2008).

    de qualquer modo, a contribuio da psicanlise,

    isoladamente, no suficiente para se pensar sobre

    a atuao na sade pblica. Permanece a dificuldade

    presente no despreparo para conduzir uma clnica

    sem setting definido. necessrio, ento, desfazer sua

    colagem com a clnica de consultrio, uma vez que os

    espaos da primeira so mltiplos, ou seja, abordagem

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    Sade em Debate, rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 18-26, jan./dez. 2008

    FERREIRA NETO, J.L. Psicologia e sade mental: trs momentos de uma histria

    de um paciente morador de rua, visita domiciliar, etc.

    Isso no se apresenta como tarefa simples, uma vez que

    a formao prevalente ainda atende a esse modelo. as

    autoras reconhecem que os profissionais no receberam

    anteriormente este tipo de formao e perguntam:

    quem a recebe, alis?! (p. 263).

    o texto relata tambm duas importantes aes

    extraclnicas desenvolvidas pela Sade Mental junto